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Soc. & Nat., Uberlândia, ano 24 n. 2, 197-210, mai/ago. 2012 197 A (re)produção social do espaço de Belo Horizonte e de sua região metropolitana no contexto da modernização urbano-industrial de Minas Gerais Gláucia Carvalho Gomes A (RE)PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO DE BELO HORIZONTE E DE SUA REGIÃO METROPOLITANA NO CONTEXTO DA MODERNIZAÇÃO URBANO-INDUSTRIAL DE MINAS GERAIS The (re)production social of space of Belo Horizonte and metropolitan region in context of urban-industrial modernization of Minas Gerais Gláucia Carvalho Gomes Profa. Adjunta, Instituto de Geografia, UFU [email protected] Artigo recebido em 18/042012 e aceito para publicação em 19/07/2012 RESUMO: A reprodução social do espaço de Minas Gerais, inserida no contexto da modernização urbano-industrial brasileira, teve como um de seus fundamentos principais a produção da nova capital do Estado, Belo Horizonte. Todavia, o cumprimento das funções atribuídas à nova capital demandou o engendramento de outras ações estratégicas por parte do estado, na medida em que havia limites e antagonismos a serem superados. Que, em ampla medida, ameaçaram a própria unicidade das regiões na forma de estado da federação, diante das disputas políticas das oligarquias regionais. Neste sentido, o desafio colocado para o estado foi, além de sua modernização industrial inserida no ordenamento territorial brasileiro, acomodar os diversos interesses e disputas políticas. O objetivo nesse artigo é refletir sobre o modo como a (re) produção de Belo Horizonte como metrópole, ao fundamentar a modernização urbano-industrial mineira, por ela, garantiu a unicidade regional na reprodução do estado de Minas Gerais. Palavras-Chave: Modernização; desenvolvimento regional; industrialização; reestruturação urbana. ABSTRACT: The social reproduction of the space of Minas Gerais, into the context of urban-industrial modernization in Brazil, was one of its main production bases of the new state capital, Belo Horizonte. But, comply whith the functions assigned to the new capital required to engender other strategic actions by the state, to the extent that there were limits an antagonisms to overcome. That, in large measure, threatened the very uniqueness of the regions in the form of state was in addition to its industrial modernization inserted in land Brazilian accommodate the diverse interests and political disputes. The objective this is to reflec- tion about how the (re)production as a metropolis Belo Horizonte, to substantiating the modernization urban-industrial, for it, guaranteed the unity of reproduction regional state of Minas Gerais. Keywords: Modernization; regional development; industrialization; urban restructuring.

A (RE)PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO DE BELO … · processo, a regionalização do estado foi amplamente redefinida e, fundamentalmente, organizada em função ... Entretanto, ainda

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A (re)produção social do espaço de Belo Horizonte e de sua regiãometropolitana no contexto da modernização urbano-industrial de Minas Gerais

Gláucia Carvalho Gomes

A (RE)PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO DE BELO HORIZONTE E DE SUA REGIÃO METROPOLITANA NO CONTEXTO DA MODERNIZAÇÃO URBANO-INDUSTRIAL DE MINAS

GERAIS

The (re)production social of space of Belo Horizonte and metropolitan region in context of urban-industrial modernization of Minas Gerais

Gláucia Carvalho GomesProfa. Adjunta, Instituto de Geografia, UFU

[email protected]

Artigo recebido em 18/042012 e aceito para publicação em 19/07/2012

RESUMO: A reprodução social do espaço de Minas Gerais, inserida no contexto da modernização urbano-industrial brasileira, teve como um de seus fundamentos principais a produção da nova capital do Estado, Belo Horizonte. Todavia, o cumprimento das funções atribuídas à nova capital demandou o engendramento de outras ações estratégicas por parte do estado, na medida em que havia limites e antagonismos a serem superados. Que, em ampla medida, ameaçaram a própria unicidade das regiões na forma de estado da federação, diante das disputas políticas das oligarquias regionais. Neste sentido, o desafio colocado para o estado foi, além de sua modernização industrial inserida no ordenamento territorial brasileiro, acomodar os diversos interesses e disputas políticas. O objetivo nesse artigo é refletir sobre o modo como a (re)produção de Belo Horizonte como metrópole, ao fundamentar a modernização urbano-industrial mineira, por ela, garantiu a unicidade regional na reprodução do estado de Minas Gerais.

Palavras-Chave: Modernização; desenvolvimento regional; industrialização; reestruturação urbana.

ABSTRACT: The social reproduction of the space of Minas Gerais, into the context of urban-industrial modernization in Brazil, was one of its main production bases of the new state capital, Belo Horizonte. But, comply whith the functions assigned to the new capital required to engender other strategic actions by the state, to the extent that there were limits an antagonisms to overcome. That, in large measure, threatened the very uniqueness of the regions in the form of state was in addition to its industrial modernization inserted in land Brazilian accommodate the diverse interests and political disputes. The objective this is to reflec-tion about how the (re)production as a metropolis Belo Horizonte, to substantiating the modernization urban-industrial, for it, guaranteed the unity of reproduction regional state of Minas Gerais.

Keywords: Modernization; regional development; industrialization; urban restructuring.

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SENTIDOS E LIMITES DA PRODUÇÃO CA-PITAL MINEIRA COMO FUNDAMENTO DO PROJETO DE MODERNIZAÇÃO INDUSTRIAL

Conforme é amplamente conhecido, o estado de Minas Gerais não ocupa uma condição central no arranjo industrial brasileiro, que tem seu núcleo no estado de São Paulo. Ainda que desde meados da dé-cada de 1970 o mesmo alcance grande relevância no contexto nacional, não apenas em função da instalação de grandes empresas que operam transnacionalmente, mas também pelo desenvolvimento e consolidação de grandes grupos industriais, principalmente ligados à indústria da mineração e siderurgia, tal como apre-sentam Singer (1977) e Diniz (1981), que produziram consistente estudo acerca do processo histórico da industrialização de Minas Gerais. Nesse sentido, não há o objetivo de retomar tal processo, mas de, a partir de sua consideração, refletir sobre a (re)produção de Belo Horizonte como metrópole e como esta teve como sentido geohistórico constituir-se no catalisador da modernização urbano-industrial mineira; romper com as relações conservadoras do arcaico e instituir os fundamentos do moderno e do progresso o que, indubitavelmente, passou pelo projeto industrial mi-neiro. Como conseqüência do engendramento deste processo, a regionalização do estado foi amplamente redefinida e, fundamentalmente, organizada em função da industrialização planejada, sendo esta estabelecida no âmbito de disputas políticas que desde o declínio da mineração de ouro e diamantes ameaçavam a própria integridade do território mineiro.

Sob tal perspectiva de análise, a produção de Belo Horizonte como capital do Estado também pode ser entendida como parte de uma ação estratégica para superar as contradições internas que ameaçavam a unicidade do território. Surgiu assim, como uma ação deliberada do Estado no sentido de manter-se tal como estabelecido em 1720, após a separação da então capitania de São Paulo, juntamente com os territórios agregados ao longo do século XIX.

Todavia, a produção da nova capital não alcançou de imediato os objetivos traçados no âmbito do Estado, o que definiu a especificidade da reprodução social não apenas de Belo Horizonte – produzida como símbolo da modernidade e do

progresso e, consequentemente, da ruptura com a reprodução tradicional – mas também de Minas Gerais, definindo assim a relação simbiótica estabelecida entre o Estado e a capital.

De fato, em nome do progresso – cujo caminho passava pela industrialização –, fundamentou-se o sen-tido da ação que marcou o estado ao longo do século XX, processo em que o estado capitaneou não apenas a formação do chamado parque industrial mineiro, mas também a própria classe social que o comandaria. Isso porque, na medida em que as oligarquias mineiras eram amplamente ligadas à atividade agropecuária, as mesmas se constituíam em entraves à modernização industrial que, entre outras exigências, demandava o deslocamento de investimentos do estado das ativida-des agropecuárias para a atividade industrial.

Entretanto, ainda que o projeto industrial em Minas Gerais fosse essencialmente um projeto de estado e, sob esta condição, este direcionava seu esforço no sentido de implementá-lo e desenvolvê-lo, a indústria de Minas Gerais, desde o seu nascedouro, fez-se periférica em relação a São Paulo e Rio de Ja-neiro, tal como demonstraram detalhadamente Singer (1977) e Diniz (1981). De fato, como demonstram os dados apresentados por estes autores, entre as condi-ções que se constituíram em entrave à industrializa-ção mineira, encontrava-se o padrão demográfico do estado até o final da primeira metade do século XX e, ainda, os limites do próprio estado em empreender os investimentos infraestruturais necessários à indus-trialização. Segundo Clélio Campolina Diniz, embora Minas Gerais apresentasse uma população já signifi-cativa em meados do século XX, esta encontrava-se bastante espalhada sobre o território mineiro. Porém, o grande limite demográfico enfrentado pelo Estado dava-se em função dos fluxos migratórios do estado em direção ao Rio de Janeiro e, principalmente, São Paulo. Tal fato, somado ao espraiamento populacional sobre o território, constituíam-se em grande entraves ao desenvolvimento de uma indústria de bens de con-sumo. Assim, conforme demonstraram estes autores, durante boa parte do século XX, Minas Gerais não só não conseguiu desenvolver sua indústria de bens de consumo, como se tornou consumidora dos produtos produzidos em São Paulo e Rio de Janeiro, onde a ati-vidade industrial já se apresentava mais consolidada.

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Neste contexto, coube ao estado o esforço maior de industrialização, sendo que as ações de-senvolvidas tiveram seu marco na condição de sua inserção geográfico-econômica no processo de in-dustrialização brasileira, o que, no limite, o vinculou a uma industrialização tributária da reprodução capi-talista do espaço fundamentada no desenvolvimento regional desigual e combinado (HARVEY, 2005). Em grande medida, foi esta condição que impôs à industrialização do estado o investimento primordial na indústria de base, o que, no limite, viria a consubs-tanciar a diversificação industrial a partir de 1960/70, principalmente em função do aumento substancial do capital estrangeiro na industrialização mineira.

Embora a moderna industrialização do Brasil tenha se iniciado a partir das últimas décadas do século XIX e, como projeto, também esteja remetida a esse período histórico, foi após a inflexão político-admi-nistrativa ocorrida em 1930 que a atividade industrial configurou-se como o novo centro da acumulação e da reprodução ampliada da riqueza. Isso não significa, porém, que a reprodução capitalista do espaço tenha sido inaugurada no país, já que sua formação remonta aos tempos coloniais. Integrado como periferia, o Estado brasileiro foi reproduzido como fornecedor de matéria-prima, condição assumida pelos bens naturais então reduzidos a recursos a serem exportados, fossem na forma de minério ou de produtos agrícolas. Por se encontrarem integrados à reprodução econômica do espaço em âmbito mundial, os eventos imperialistas que marcaram as primeiras décadas do século XX afetaram a inserção brasileira que, progressivamente, abriu caminho para os industriais brasileiros que dire-cionavam seus investimentos para a nova atividade.

Entretanto, a redefinição do centro de produ-ção e acumulação de riquezas não se deu apenas em função de eventos externos, ainda que estes possam constituir-se – como efetivamente se constituíram – em condições de atuação amplamente favoráveis às formas nascentes. De fato, inversões dessa mag-nitude não poderiam ocorrer sem a ação incisiva do Estado, o que exigiria, então, a ascensão de um grupo político-econômico orientado por essa nova forma de acumulação e concertado com ela.

Se desde a segunda década do século passa-do as condições de reprodução consubstanciaram-se

favoráveis em âmbito mundial, foi apenas a partir de 1930 que a conjuntura político-administrativa em âm-bito nacional assumiu essa condição. É a partir desse contexto que se pode afirmar que este foi o marco fun-damental da modernização industrial brasileira, que demarcou “o fim da hegemonia agrário-exportadora e o início da predominância da estrutura produtiva de base urbano-industrial”, nos termos refletidos por Oliveira (2003, p. 35). Nesse sentido, pode-se afirmar que a hegemonia urbano-industrial estabeleceu-se em função de uma “nova correlação de forças sociais, [d]a reformulação do aparelho e ação estatal, [d]a regu-lamentação dos fatores, entre os quais o trabalho ou o preço do trabalho”, o que significou a “destruição das regras do jogo segundo as quais a economia se inclinava para as atividades agrário-exportadoras”, ao mesmo tempo em que também significou a produção “das condições institucionais para a expansão das atividades ligadas ao mercado interno”. (OLIVEIRA, 2003, p. 35)

No entanto, foi apenas a partir da década de 1950 que a industrialização se consolidou, o que também se explica em função de condições internas e externas. Quanto às questões externas, estas estão associadas à condição periférica da reprodução so-cioespacial brasileira, o que a tornou tributária dos processos ocorridos nos países centrais da economia capitalista. No que se refere às internas, pode-se dizer que foi nesse período que o mercado de consumo interno alcançou uma condição significativa, capaz de servir de base para a expansão do setor industrial de bens de consumo não duráveis, que também foi responsável pelo abastecimento de uma população que se urbanizava aceleradamente. Contudo, a indus-trialização brasileira que se estabeleceu inicialmente foi ampla e duplamente dependente da urbanização nascente. Por um lado, essa urbanização conformou a concentração demográfica responsável pela repro-dução do capital industrial sob uma baixa composição orgânica. Por outro, consubstanciou um mercado consumidor responsável pelo consumo da produção de bens não duráveis, sendo esse um dos fatores (embora não o decisivo) que consolidaram a industrialização inicial dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro e que, como demonstraram Singer (1977) e Diniz (1981) constituiu-se em um limite para Minas Gerais.

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Embora a industrialização de São Paulo e Rio de Janeiro tenha se constituído como periférica em âmbito mundial, no contexto nacional constituiu-se como o núcleo central desse processo, condição que lhe permitiu conformar em torno de si uma periferia que, tal como ocorrido em âmbito mundial, também lhe deu sustentação, nos termos refletidos por Oliveira (1981) em âmbito nacional e por Diniz (1981) e Dulci (1999) para o caso de Minas Gerais. Por sua vez, foi o caráter periférico de algumas regiões integrantes do Estado brasileiro que lhes conformou a especificidade de sua industrialização inicial, como foi o caso da re-produção espacial de Minas Gerais e, por conseguinte, de sua capital Belo Horizonte.

ESTADO E REPRODUÇÃO URBANO-INDUS-TRIAL EM MINAS GERAIS E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO DE BELO HORIZONTE

Ao longo da segunda metade do século XIX configurou-se no Estado uma representação, nos termos refletidos por Lefebvre (2006), bastante sig-nificativa acerca do que se entendeu como um atraso de Minas Gerais em relação a outros estados da fede-ração que se constituíam como centros dinâmicos da reprodução social.

Como bem demonstrou Otávio Dulci, para a oligarquia política que gozou de grande poder político ao longo do século XIX, o declínio da importância vivenciado ao longo do século passado contribuiu para a busca da produção de alternativas que logras-sem restituir a Minas Gerais a importância perdida. Porém, esse declínio não significou apenas a perda da importância política no conjunto da federação, mas também, e principalmente, abriu caminho para disputas pelo poder entre grupos regionais, o que culminou com a mudança da capital da área cuja ativi-dade econômica havia entrado em franco declínio para outra, que pudesse constituir-se em centralizadora das regiões que compunham o Estado e que estivesse localizada no centro econômico de Minas Gerais, para onde afluíssem e se acumulassem os fatores necessários a uma modernização que, claramente, já se consubstanciava em urbano-industrial. Nesse sentido, é importante observar a escolha do local que, transformado, assumiria a condição de capital,

cuja função básica seria constituir-se em seu centro político-econômico-industrial.

Na medida em que nenhuma das regiões que compunham Minas Gerais reunia condições político--econômicas de sobreposição às demais, todas as regiões reivindicaram a condição de abrigar a nova capital. A escolha feita, com o apoio da oligarquia decadente de Ouro Preto, foi a que situou a capital no lugar que aparecia como o mais improvável de fazer cumprir o que se esperava da nova capital. Assim, além dos interesses expressos dos grupos que apontavam Curral Del Rey como o lugar mais apropriado, Belo Horizonte também foi tributária da incredulidade da produção de seu espaço, o que, no limite, inviabilizaria a produção da nova capital e, por consequência, sua transferência. Incredulidade que se expressa na sua ocupação inicial, como bem demonstrado por autores como Diniz (1981), Singer (1977) e Dulci (1999).

No entanto, a questão central que se explicita é a que se refere ao motivo do estabelecimento da capital no lugar mais improvável e que, em certo sentido, é respondida pela condição assumida pelo Estado no engendramento de estratégias de modernização do território para a reprodução econômica.

De fato, tratou-se de um projeto que em seu horizonte apontava para a ruptura com as oligarquias agrárias que se constituíam em forças político-econô-micas estabelecidas, principalmente na Zona da Mata e Sul do estado, mas que não foi total, já que a produção dessas regiões foi importante para a estruturação do projeto do estado de modernização industrial. Nesse sentido, a produção de Belo Horizonte constituiu-se, paradoxalmente, em uma “ruptura continuísta” com a forma de reprodução socioeconômica até então vi-gente. Ela foi de permanência, no sentido de indicar a ação incisiva do Estado na produção da infraestru-tura necessária à reprodução ampliada da riqueza. E também foi de ruptura, uma vez que a produção da nova capital nos termos empreendidos apontou para o direcionamento da constituição de um novo grupo de poder que, apesar de alimentar-se do anterior, reproduzia-se em consonância com os interesses da modernização, que se revelava industrial e urbana.

Essa ação significou produzir, juntamente com a reprodução do capital, também os capitalistas que assumiriam a condução desse processo e o seu

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engendramento. Do mesmo modo que ocorrido em âmbito nacional, essa reprodução foi instituída pelo Estado a partir do deslocamento dos recursos advindos das atividades agrícolas para a atividade industrial.

Ainda que algumas análises tenham se situado no âmbito da consideração do “perfil” ou “vocação” industrial de Minas Gerais, da inépcia ou não do em-presariado local, ou mesmo do atraso econômico em função de uma “ação imperialista” interna e, ainda, que tenham ocupado boa parte do debate e/ou reflexão acerca do papel do Estado na industrialização – que nesse caso significa, também, a produção do espaço urbano de Belo Horizonte –, não é aí que reside um de seus aspectos fundamentais. De fato, um dos mais relevantes a serem considerados é o modo como se viabilizou o assenhoreamento privado de uma riqueza produzida coletivamente, sob o argumento de que essa riqueza encontrava-se pulverizada e descentralizada pelo Estado e que, centralizada, poderia significar a recuperação de Minas Gerais do atraso econômico em que se encontrava.

Embora essa condição não seja uma inverdade – o Estado que se reproduziu até 1970 caracteriza-se pela produção descentralizada da riqueza, o que pos-sibilitou a atração/subordinação de suas sub-regiões pelas áreas limítrofes mais dinâmicas como São Paulo e Rio de Janeiro–, serviu de fundamento para a cen-tralização que, determinada, assumiu a condição de transferência de recursos estatais para o setor privado. E, nesse processo, conforme afirmou Diniz (1981, p. 79), o “Estado agiu como verdadeira alavanca de acumulação capitalista, transferindo recursos públicos para empresas privadas”. Transferência que, por sua vez, foi exacerbada após o processo de concentração de capitais que se dava em âmbito nacional, conforme analisado por Tavares (1983). Nesse sentido, ainda que seja inegável a importância do capital estrangeiro para a industrialização e a consequente urbanização de Minas Gerais, também não se pode desconsiderar que foi o estado que, efetivamente, desempenhou o papel fundamental nesse processo e, ainda, que este não se limitou apenas à produção da infraestrutura demandada na/pela industrialização e urbanização.

Outro fator que se revelou preponderante para o Estado (e que também esteve na base do engen-dramento da produção e reprodução do capital) foi a

busca da superação do forte movimento migratório de Minas Gerais em direção a São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente. De fato, a questão demográ-fica esteve no centro das preocupações do governo estadual, questão que foi, sem dúvida, relevante, já que “o censo de 1940 registrou a existência de 829.521 mineiros vivendo fora de Minas, o que representava 12,9% da população efetivamente presente no Estado” (DINIZ, 1981, p. 37). Entretanto, o fluxo migratório não se constituía no único problema demográfico de um Estado forjado e reproduzido sob o viés da mo-dernização a qualquer custo para a suposta superação de seu atraso econômico. Também se constituía em um problema o fato de que aproximadamente 75% da população mineira aferida em 1940 em 6,7 milhões de habitantes estar localizada, predominantemente, nos espaços rurais, e que dos 1,675 milhões que ocupavam o espaço urbano, apenas 211 mil habitantes residiam em Belo Horizonte, já então a maior cidade de Minas Gerais, mas que registrava uma população muito infe-rior aos apresentados por Rio de Janeiro e São Paulo que, respectivamente, já eram ocupadas por 1,8 e 1,3 milhões de habitantes, conforme Diniz (1981, p. 114).

A consequência mais imediata da desconcen-tração demográfica de Minas Gerais, bem como do restrito “mercado” urbano, foi que a indústria de bens de consumo não duráveis e duráveis estabelecida no país após 1930 localizou-se nos espaços urbanos que lhe foram mais atraentes (São Paulo e Rio de Janeiro) e que, apesar dos esforços do Estado mineiro, manti-veram a atração dos fluxos migratórios da população rural para fora do Estado, bem como ampliaram a polarização em relação às regiões limítrofes.

Sob essa perspectiva, é possível afirmar que, de acordo com a função estabelecida para Belo Hori-zonte desde sua origem, quase cinquenta anos depois, esta ainda não havia cumprido o papel que lhe fora atribuído desde sua formação. E, por não tê-lo cum-prido, tal como fizera nos cinquenta anos anteriores, o Estado continuou carreando os recursos públicos para a conformação de um setor industrial privado (embora formado prioritariamente por recursos públicos ad-ministrados pelo Estado), reproduzindo, juntamente com a estrutura produzida, o núcleo capitalista que, ao assenhorear-se desse aparato, passou a conduzir a re-produção estatal, o que apareceu como uma ruptura em

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relação ao direcionamento. Assim, progressivamente, as classes dirigentes do Estado conformaram as classes dominantes que, pela continuidade da mobilização do Estado, direcionaram a reprodução capitalista do espaço nos termos mais interessantes a esse grupo.

Entretanto, a partir das análises realizadas principalmente por Clélio Campolina Diniz e Otávio Soares Dulci, cabe perguntar se, afinal, a assunção da reprodução capitalista do espaço pelos capitalistas a partir da última quadra do século passado constituiu--se efetivamente em uma ruptura ou se não se revela aí uma permanência do conteúdo com a mudança da forma. Este aspecto se coloca como uma questão se for perguntado quem foi ou quem pôde, efetivamente, ocupar a condição de dominante dentro do Estado para, nessa condição, direcionar seus investimentos, produzir suas legislações, além de reforçar as ideo-logias fundantes de suas ações. De fato, ao longo de todo o processo histórico-geográfico de reprodução socioespacial em que o Estado, sob o argumento da inépcia do empresariado, montou não apenas a infraestrutura, mas também direta ou indiretamente a base da industrialização mineira, quem dominou foi o grupo que viria a se beneficiar desse processo sob essa representação. Grupo esse composto por um em-presariado supostamente inepto que, ocupando postos estratégicos dentro do que foi chamado de tecnobu-rocracia, constituiu-se a partir do direcionamento do Estado. Henri Lefebvre, ao refletir sobre os mitos da tecnocracia, afirmou que

Os homens qualificados de tecnocratas pas-sam por possuir importantes competências, bem como o dom da eficácia. Teriam o quase monopólio dessas duas coisas. Seriam ao mes-mo tempo capazes de descobrir soluções técni-cas que forneçam uma resposta aos problemas muito preciosos apresentados pela prática e capazes também de impor essas soluções (capazes de comandar). Ora, se se observar aquilo que efetivamente acontece, tais homens não existem. Aqueles chamados de “tecnocra-tas” e que são vistos em ação (notadamente no setor público da economia e do social) na realidade não comandam; dispõem apenas de um poder de decisão limitada; com efeito,

engenheiros que se tornaram administradores executam ordens, as ordens do político que dispõe das “variáveis estratégicas”. O po-der impõe aos tecnocratas de que dispõe as escolhas decisivas. Estes propõem soluções para os problemas oficialmente reconhecidos e formulados e o poder estatal escolhe entre elas. (LEFEBVRE, 1969, p. 16)

As reflexões de Henri Lefebvre explicitam, limpidamente, o modo como as classes dominantes, em sua reprodução do capital, instrumentalizam o Estado em função de seus interesses, ao mesmo tempo em que demonstram onde reside e se exercita efetiva-mente o poder que mobiliza o Estado.

Na modernização industrial de Minas Gerais, porém, a tecnocracia não ocupou papel meramente executante ou, na melhor das hipóteses, de indicadora de opções. Ao contrário, sob este viés, a tecnocracia assumiu a condição de protagonista nesse processo, o que, aparentemente, contrariaria as elaborações lefe-bvrianas para o caso de Minas Gerais. Todavia, essa contradição é apenas aparente. O que Henri Lefebvre destaca claramente é a existência de um poder capaz de impor suas decisões em função de suas estratégias. O que ocorreu foi que no processo de modernização industrial de Minas Gerais, na medida em que sob essa nova condição o grupo dominante ainda não estava consolidado, a posição ocupada pela tecno-cracia mineira permitiu-lhe apoderar-se do Estado para constituir-se nesse grupo dominante. Condição que, embora não tenha sido mantida por todos que ascenderam ao longo da primeira metade do século, caracterizou a modernização industrial desse Estado. É nesse sentido que a análise feita acerca da influên-cia dos técnicos que integraram a estrutura do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), das Centrais Elétricas de Minas Gerais (CEMIG) ou do Instituto de Desenvolvimento Industrial de Minas Gerais (INDI) se justifica. Mesmo que seus diretores ou personagens mais influentes não tenham ocupado a condição de governadores de estado, mais que influenciarem, eles produziram uma “política” de “desenvolvimento” econômico que foi executada pelo Estado e que, no limite, favoreceu esse grupo, que assumia a condição de capitalistas produzidos nesse

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processo. Isso explicaria, afinal, a continuidade do projeto e sua execução, mesmo quando no comando da administração pública alteravam-se projetos e interesses políticos divergentes.

Assim, a modernização industrial de Minas Gerais, embora tenha sido encampada como um pro-jeto de Estado, ela foi também um projeto de grupos de capitalistas nascentes que, a partir de processos instituídos em outros espaços, estiveram, desde o iní-cio, esclarecidos de que uma redefinição desse alcance não só não poderia ocorrer à margem do estado, como deveria ser representada como um projeto do Estado, o que permitiria que pudessem constituir uma repro-dução capitalista do espaço de base urbano-industrial. E, assim, que possibilitasse que o grupo alinhado com essa reprodução substituísse na política de Estado a oligarquia agrária, ainda que esta ainda detivesse o controle populacional e econômico.

Nesse sentido, é possível afirmar que esses fatores foram preponderantes para a escolha de Belo Horizonte, na região central do Estado, em que pesem as preocupações higienistas características do fim do século XIX. E, dessa forma, a localização da capital em uma região fraca politicamente (porque pouco significativa economicamente) foi resultado do acir-ramento das disputas das regiões mais dinâmicas, o que, embora parecesse improvável, teve, no limite, o objetivo de reproduzir, pari passu com a nova capital, a nova “elite” dominante.

É nesse sentido ainda que é possível situar a ênfase dada desde o fim do século XIX ao desenvolvi-mento do polo siderúrgico no entorno da nova capital a partir das reservas minerais existentes no que então se denominou de “região central” do estado. Ao mesmo tempo em que esse setor industrial exigiu elevados investimentos do estado (sempre feitos previamen-te), sua viabilização demandou ainda a produção da infraestrutura de integração territorial (que também atendeu à representação do “mosaico” mineiro), além da disponibilidade energética fundamentada nos baixos custos.

(Re)produzido dessa maneira, o núcleo central desse parque industrial não se constituiu em grande atrativo para os fluxos demográficos que, desterrito-rializados do espaço rural, reterritorializavam-se nos espaços urbanos de São Paulo e Rio de Janeiro, o

que, em certo sentido, explica os dados relativos ao censo de 1940. Assim, se na década de 1950-60 Minas Gerais apresentava um parque industrial (construído ou em construção) já significativo, principalmente no que se refere ao setor mínero-metalúrgico, sua indus-trialização não demandou, necessariamente, como fundamento, uma urbanização que lhe desse suporte. Isso porque, boa parte do emprego de força de traba-lho a baixo custo foi consumida nos próprios espaços rurais, principalmente na produção de energia advinda do carvão vegetal. E, visto que a mercadoria produzida não se voltava para o mercado interno, a integração territorial principal se deu de forma a integrar a então região central aos locais de exportação, principalmente com o Estado do Espírito Santo.

Em alguma medida, as comparações feitas em relação a São Paulo e Rio de Janeiro no sentido de destacar o favorecimento do Estado-Nacional a esses dois Estados em detrimento de Minas Gerais também foram estratégicas para a viabilização do projeto industrial da “elite” industrial mineira. Ao apontar o apoio à indústria desses Estados – que em função da urbanização que acompanhou a industrialização alcan-çou, já em 1960, todo o ciclo: de bens não duráveis, bens duráveis, bens de produção, indústria de base –, o grupo industrial mineiro dominante não tinha, pelo menos não predominantemente, em seu horizonte a concorrência com todos os setores da indústria. Isso porque, em Minas Gerais, a urbanização acompanhou de forma mais distante a industrialização engendrada como projeto central. Efetivamente, o objetivo foi de carrear para o Estado uma parcela significativa dos investimentos feitos, processo bem exemplifi-cado pela relação estabelecida entre a localização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) – sediada em Volta Redonda-RJ e que, sob esse discurso, permitiu a Minas a obtenção das Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais – e da USIMINAS, conforme demonstrado por Clélio Campolina Diniz e Otávio Dulci. Embora o projeto siderúrgico tenha constituído o “núcleo duro” do projeto de industrialização mineiro engendrado pelo grupo industrial, que se tornou dominante, e executado pelo Estado, ele não foi exclusivo, já que também comportava a busca da efetivação de Belo Horizonte como polo central econômico-político de Minas Gerais.

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Nesse sentido, além da indústria mínero-me-talúrgica que se integrava à especialização industrial inscrita na divisão regional da reprodução social da riqueza, também foi necessário produzir as condições da nova capital, para que ela pudesse se constituir em “centro da economia mineira”, o que, obrigato-riamente, passava pela constituição das condições de sua urbanização. Todavia, tal como característico da industrialização periférica inscrita no desenvolvimen-to regional desigual, esse processo não foi isento de contradições fundamentais que se materializaram no espaço urbano. E, na medida em que se materializa-ram, constituíram-se na base da reprodução social do espaço urbano de Belo Horizonte que, antes mesmo da constituição formal de sua região metropolitana, já havia se apoderado dos espaços urbanos vizinhos para neles se instalar o que supostamente não correspon-deria à representação de cidade símbolo do moderno e do progresso.

PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DO MODERNO ESPAÇO (E DA REPRESENTAÇÃO) DA CAPI-TAL BELO HORIZONTE

A Belo Horizonte produzida para ser a capital de Minas Gerais já foi amplamente estudada, pesqui-sada e analisada. Em praticamente todos os estudos destaca-se sua condição de moderna cidade, planejada com rigor em sua zona urbana, que diminuiu para além do cordão sanitário que demarca esse limite, como pode ser observado em Barreto (1995); Costa (1994) e Mont-Mor (1994). Também já foi bastante destacado o modo como seu espaço intraurbano foi estruturado, enfatizando a ocupação no sentido centro-sul das classes de alta renda e no sentido centro-oeste-norte das classes de rendimentos mais baixos. Não há, pois, necessidade de retomar aqui tal processo, na forma de uma “revisão histórica” acerca da produção da capital.

O direcionamento para fora dos limites da metrópole do que não correspondia ao simbolismo da “moderna capital planejada” e a busca pela manuten-ção nela de apenas o que correspondia a essa repre-sentação, muito cedo se definiu o padrão de ocupação do espaço da metrópole que, no limite, fundamentou, principalmente, a expansão das regiões sul e norte da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

Ao sul, a ocupação produzida fundamentou-se no “transbordamento” da metrópole para os municípios vizinhos. Ao norte, ela se deu ocupando os municípios vizinhos com o que não correspondia à metrópole, principalmente em Santa Luzia e Ribeirão das Neves. Para o primeiro, foi planejado o segundo distrito indus-trial de Belo Horizonte que, tal como o de Contagem, deveria localizar-se fora da capital. Embora o distrito industrial de Contagem não estivesse saturado, o fato de Belo Horizonte encontrar-se à jusante deste fazia com que a capital recebesse pelos cursos d’água – já assenhoreados com condutores de dejetos – a carga poluidora da cidade industrial de Contagem. Assim, Santa Luzia apareceu como “opção” para as indústrias com maior potencial poluente.

Também definido como o lugar do indesejável na capital, a Ribeirão das Neves coube um dos sím-bolos da ordem do Estado, o conjunto penitenciário que, em ampla medida, foi responsável pela moldagem da reprodução desse município. Nesse sentido, não foi coincidência nem resultado da “ordem natural” da reprodução do espaço urbano que Santa Luzia e Ribeirão das Neves tenham se constituído no exemplo mais acabado de periferia no sentido atribuído por Martins (2002), considerada como lugar da precarie-dade, inclusive na representação que se tem dentro da própria região metropolitana.

Porém, o que hoje se configura como as regi-ões sul e norte de expansão não pode ser compreendido fora do contexto ao qual pertence, haja vista que foi nesse âmbito mais geral e mais amplo que se molda-ram os fundamentos da produção/reprodução destes fragmentos da metrópole. Assim, o entendimento da condição periférica da região norte, bem como da condição central da região sul exigem a consideração de que ambas estão inseridas em um processo de de-senvolvimento desigual. Desigualdade e que alcança, destrói e reproduz tempo e espaço e os inscreve nos circuitos de reprodução ampliada do capital, na me-dida em que fundamenta a reprodução destes como abstrações a serem vendidas.

Uma vez que a reflexão aqui desenvolvida situa-se a partir do campo disciplinar da Geografia, é também a partir da mobilização do cabedal teórico--epistemológico produzido neste campo científico que procuro compreender a reprodução social incursa nas

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contradições que lhe são contemporâneas. Dessa ma-neira, ao procurar apreender a ação do capital na sua forma financeira na produção do espaço, bem como o modo como nesse processo esse agente mobilizou o cotidiano cada vez mais programado, o faço a partir de uma aproximação do que aparecem (e, em função disso, é redutor) como “categorias geográficas”: paisagem, região e território. Diante dessa condição, entendo que uma apropriação conceitual deve, em princípio, não apenas superar o campo disciplinar, mas, como todo conceito, ser considerada como forma de aproximação do que se objetiva compreender, já que a realidade em si, por ser dinâmica, é sempre mais ampla que aquela apreendida na construção conceitual.

Ao se analisar a reestruturação contemporâ-nea da metrópole Belo Horizonte, é preciso considerar a modernização urbano-industrial capitalista que en-volveu a reprodução de Minas Gerais. Modernização que, inscrita no processo de desenvolvimento desigual da produção do espaço, conferiu a Belo horizonte uma condição duplamente periférica, já que o foi em âmbito mundial e nacional, o que, certamente, impôs a essa cidade os limites inscritos na especialização tributária da divisão internacional e regional do tra-balho. A consequência dessa condição duplamente periférica para Belo Horizonte foi que, produzida para centralizar a reprodução econômica do Estado, só alcançou tal condição a partir das três últimas décadas do século XX, momento em que, paradoxalmente, a representação ideológica também se alterou. A con-centração demográfica – outrora lamentada porque não se efetivara – passou ser vista como um problema a ser resolvido, da mesma forma que o discurso ide-ológico do atraso industrial e da perda populacional foi instrumentalizado pela racionalidade tecnocrata--político-econômica de Minas Gerais para apoiar “ad eternum” os empreendedores capitalistas.

Sob o mesmo argumento ideológico, a “ex-plosão demográfica” também foi assim considerada, tornando-se um dos fundamentos da urbanização de Belo Horizonte. A partir daí, a questão que se con-figurou em Minas Gerais, tal como em todo o país, foi o da representação de um déficit habitacional ou da não preparação do espaço urbano para receber as “levas” de migrantes que para ele foram direcionados. Discurso que em muito foi alimentado pelos chamados

estudos técnicos de classe que reforçaram a represen-tação ideológica distorcida acerca da existência de um déficit habitacional e que o analisaram como uma ex-crescência ou “efeito colateral” de um processo. João Ricardo Serran, em “O IAB e a política habitacional”, aponta a posição assumida pelo Instituto dos Arquite-tos Brasileiros (IAB) sobre o problema habitacional:

a situação habitacional do Brasil é de suma gravidade, caracterizando-se, essencialmen-te, pela desproporção cada vez maior, nos centros urbanos, entre o salário ou a renda familiar e o preço da locação ou de aquisi-ção de moradia e pelo déficit crescente de disponibilidade de prédios residenciais, em relação à demanda do povo brasileiro (...) Que, no Brasil, o fenômeno de urbanização vem se processando de maneira vertiginosa e desordenada, sendo fatores determinantes desse fenômeno, primordialmente, a estrutura subdesenvolvida do país, o intenso incremento demográfico desacompanhado de medidas que, no interesse nacional, ordenem e discipli-nem o surto industrial e as arcaicas relações de produção agrária que determinam fortes movimentos migratórios para os núcleos ur-banos; nos maiores centros urbanos do país a população que vive em sub-habitações – tais como favelas, cortiços, mocambos, malocas, barracos – é grande e crescente, tanto em números absolutos como relativos (SERRAN, 1976, p. 11).

Analisando pela forma manifesta do fenôme-no – mais gente com menos poder de aquisição de unidades habitacionais –, o IAB, naquele momento, pôde apreender esse processo apenas pelo aparente manifestado na paisagem, o que corroborou para que se entendesse que se tratava de uma “incapacidade já demonstrada de obter, pela iniciativa privada, os recursos e investimentos necessários ao aumento da oferta de moradias de interesse social, pelo me-nos no ritmo em que se processa o crescimento das populações urbanas”. (SERRAN, 1976, p. 56). Em-bora a proposta resultante das discussões do referido seminário tenha sido amplamente distorcida, como

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analisou João Ricardo Serran, e ainda que não tenha sido aplicada nos moldes propostos, ela seria sempre e, na melhor das hipóteses, corretiva. Isto porque não foi considerado que o que aparece como déficit habita-cional inscreve-se no deslocamento do eixo central da acumulação do espaço rural para o urbano, o que fez da atividade industrial o núcleo duro da acumulação que se alimentou da retomada dos pressupostos de uma “acumulação primitiva”.

Foi nesse contexto que Francisco de Oliveira considerou o processo de autoconstrução pelo morador de sua própria moradia, quase sempre em condições qualificadas pelo IAB de sub-habitações. Para Oliveira (2003, p. 59), a moradia das classes trabalhadoras construídas “utilizando dias de folga, fins de sema-na e formas de cooperação como o mutirão (...) se produz por trabalho não pago, isto é, supertrabalho.” E, produzida dessa maneira, “embora aparentemente esse bem não seja desapropriado pelo setor privado da produção, ele contribui para aumentar a taxa de exploração da força de trabalho, pois seu resultado – a casa – reflete-se numa baixa aparente do custo de reprodução da força de trabalho.” Dessa maneira, a superação do caráter fenomênico do que aparece como um déficit habitacional que se materializa na forma de sub-habitações que conformam os espaços ditos informais exige que consideremos que, efetivamente, “uma operação que é, na aparência, uma sobrevivência de práticas de ‘economia natural’ dentro das cidades, casa-se admiravelmente bem com um processo de expansão capitalista, que tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa exploração da força de traba-lho”. Foi nesse sentido que esse autor, ao apreender de maneira bastante rica as contradições que estavam na base da produção/reprodução social do espaço urbano brasileiro, afirmou que a

expansão do capitalismo no Brasil [se deu] introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera a força de trabalho que suporta a acumulação industrial-urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação liberado

exclusivamente para os fins de expansão do próprio novo. (...) [Assim,] o sistema cami-nhou inexoravelmente para uma concentração de renda, da propriedade e do poder, em que as próprias medidas de intenção corretiva ou redistributivista – como querem alguns – transformaram-se no pesadelo prometeico da recriação ampliada das tendências que se queria corrigir. (OLIVEIRA, 2003, p. 60).

Ainda que a reflexão de Francisco de Oliveira esteja situada nas condições engendradas pela reprodução capitalista no Brasil relativas ao período de 1930-1970, ou seja, no momento em que se consubstanciavam as condições da industrialização e urbanização brasileiras – o que a torna datada, porque referente a um momento bastante particular –, os pressupostos fundamentais de sua análise permanecem bastante atuais e com grande força explicativa. De fato, a reprodução socioespacial capitalista não prescinde do que aparece como “setor informal”; a assunção do custo de parte de sua reprodução social continua sendo assumida pelo trabalhador, o que faz com que a reprodução do novo continue fortemente amparada pela contínua (re)inscrição do arcaico. São condições que, ao fim e ao cabo, alimentam a reprodução ampliada da riqueza capitalista. Em Belo Horizonte, esses fundamentos também se materializaram e estão na base do que, por vezes, é redutoramente compreendido como expressão de um processo de segregação socioespacial, condição em que o conceito situa-se aquém da realidade que se objetiva compreender, porque apreendida apenas no nível fenomênico.

É inegável que a região centro-sul de Belo Ho-rizonte que se expande ao sul da capital materializa um fenômeno que comporta a segregação social. Contudo, entendê-lo apenas dessa maneira é ater-se aos limites da aparência da paisagem e não avançar na direção dos fundamentos desse fenômeno que se materializa na e pela apropriação do território. Assim, é necessá-rio situá-lo no bojo de uma sociedade que se divide em classes e se estrutura em função da exploração aí estabelecida, cuja reprodução fundamenta-se na pro-dução social da riqueza que é apoderada privadamente. Nesse sentido, os pressupostos do fenômeno que se

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materializa na forma de segregação espacial são os mesmos que estão na base da luta contra a exploração do sujeito, que comporta, entre outras dimensões, a do trabalho, embora não se restrinja a ele. Dizer que a exploração entre classes situa-se apenas no âmbito do trabalho, e que, em função disso, este ocupa a cen-tralidade da reprodução social, é desconsiderar que o capital, em seu movimento de reprodução, subordina tudo e todos aos seus circuitos de valorização. Assim, não se trata mais apenas da exploração do trabalho, mas do sujeito em todas as suas dimensões: no aten-dimento de suas necessidades, em seu desejo, em seu cotidiano, no seu espaço. Daí que a alienação imposta não é mais apenas em relação ao trabalho, mas alcança a condição de uma alienação política, na medida em que se busca a alienação completa do sujeito para que este não consiga restituir sua autonomia, nos termos elaborados por Souza (2006, p. 68-94).

Nestes termos, a paisagem conformada constitui-se em importante “ponto de partida” para a compreensão do que constitui a essência do fenôme-no, aqui considerada nos termos desenvolvidos por Lefebvre (1979, p. 105-108; p. 216-222) ao se referir à essência/aparência. Dessa maneira, por exemplo, a observação de um número significativo de favelas na região centro-sul explicita, pela aparência do fenôme-no, um intenso processo de espoliação urbana que, ao se consubstanciar em uma das estratégias de rebaixa-mento do custo da força de trabalho, revela uma das continuidades históricas do processo de reprodução capitalista: a constante retomada dos fundamentos da acumulação primitiva.

Esse foi um dos motivos que fizeram com que o número de moradores de favela, bem como o número de favelas em si, tenha crescido de forma tão intensa ao longo da consolidação da reprodução do capital de base urbano-industrial em Belo Horizonte. Crescimento que, se até o fim da década de 1970 foi tributário da vinda de moradores do espaço rural para o espaço urbano, a partir da década de 1980 foi em muito influenciado pelo “deslocamento intraurbano” de Belo Horizonte, processo em que se explicitou que muitos moradores não reuniam mais condições de custear a reprodução através da locação de moradia. Dessa maneira, embora a região centro-sul tenha sido produzida, historicamente, para constituir-se no lugar

das classes de rendimentos médios e elevados, nesta também se reproduziram os espaços marginais precá-rios das favelas que, na reprodução urbana e industrial, cumprem função estratégica. Essa é, assim, uma se-gregação que revela os limites da separação espacial, já que os seguranças, empregados domésticos e outros trabalhadores, cuja remuneração é estabelecida pelo limite mínimo da reprodução social, são estruturais para o funcionamento dos “enclaves fortificados”, tal como refletiu Caldeira (2003), são o elo com os espaços e sujeitos do quais se objetiva apartar.

A REESTRUTURAÇÃO DA METRÓPOLE A PARTIR DAS REGIÕES SUL E NORTE DE EXPANSÃO

Na medida em que foi produzida como o lugar das classes sociais de alta renda, a região sul foi intensamente ocupada, inicialmente nos limites de Belo Horizonte. Ainda que os chamados “condo-mínios fechados” da região sul da RMBH tenham sido produzidos desde o início da segunda metade do século passado, só foram mais densamente ocupados e se tornaram lugar de moradia e não apenas “segunda residência” a partir das décadas de 1980/90. Nesse contexto, essa região da capital foi objeto de intensa regulação urbanística que, a partir dos interesses do grupo de capitalistas que se constituíam dominantes, ia sendo estabelecida e/ou revista, conformando sempre um intenso campo de disputas pelo exercício do poder sobre o poder público municipal, em que as regras do jogo são formalizadas. A consequência mais imedia-ta de uma intensa atuação capitalista na produção/reprodução do espaço na região sul nos limites da capital foi o “transbordamento” desse processo sobre os municípios que integram a região metropolitana ao sul da capital, consolidando uma região de expansão.

Todavia, a constituição da região sul de expansão da metrópole guarda especificidades que demarcaram amplamente os termos dessa reprodução: a primeira delas refere-se à necessidade da indústria da construção civil de lidar com o capital industrial minerário, já que essa região conformou, em parte, a base da indústria mínero-metalúrgica de Minas Gerais, processo estudado em obra organizada por Costa (2006). Nessa condição, a remoção do entrave

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da propriedade foi colocada em outro patamar, o que, possivelmente, ajuda a compreender as novas estra-tégias engendradas na reprodução do espaço de Belo Horizonte e sua região metropolitana. De fato, nesta região têm-se constituído parcerias entre a mineradora proprietária da terra e a indústria da construção (caso do empreendimento Vale dos Cristais) ou, ainda, entre construtoras de base local e de outros estados na incorporação dos empreendimentos produzidos. A possibilidade de execução de empreendimentos que compõem a ação atual dos empreendedores que atuam na região sul, explicitam os limites do discurso vei-culado atualmente, que consiste na suposta saturação das possibilidades de atuação nesta região e que está na base da reestruturação da região norte como região de expansão da metrópole.

Por sua vez, os elementos que estão na base da conformação do discurso (que se pretende consensual) da necessidade de reestruturação da infraestrutura da região norte também foram produzidos no bojo da consolidação urbano-industrial de Belo Horizonte.

Embora ao longo da década de 1960 a cidade industrial de Contagem se encontrasse ainda com grande disponibilidade de áreas para constituição de unidades industriais, sua localização revelou o proble-ma já citado dos efeitos da poluição industrial sobre Belo Horizonte. Nesse contexto, o distrito industrial de Santa Luzia foi produzido (o que também explica sua longa desocupação, já que não foi a saturação do de Contagem a motivação central) para receber as indústrias que, embora importantes para a reprodução urbano-industrial da capital, eram de elevado poten-cial poluidor, como o frigorífico estadual que deveria beneficiar a produção pecuária do Estado, conforme afirmou Clélio Campolina Diniz.

Assim, tanto em Santa Luzia quanto em Ribei-rão das Neves, configuraram-se os espaços destinados àqueles que, superexplorados no processo de trabalho, realizariam sua reprodução envoltos nas estratégias de reprodução espacial que caracterizaram esses municí-pios como o “lugar da periferia” na Região Metropo-litana. Não por acaso, como pode ser observado nos estudos e diagnósticos produzidos pela superintendên-cia de Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PLAMBEL), tais municípios figuraram entre os que tiveram maior crescimento demográfico

entre as décadas de 1960-90. Ainda que o crescimento demográfico fruto da territorialização do trabalhador, que conformou um dos fundamentos da reprodução urbano-industrial de Belo Horizonte, tenha sido in-tenso nesses municípios, o que ocorreu nos limites da metrópole também foi acentuado. Porém, nessa região também existem grandes áreas não empreendidas que, na reestruturação atualmente em curso na capital, são agora mobilizadas para empreendimentos de grande porte (Região do Isidoro), para equipamentos públicos de atração de urbanização (Centro Administrativo de Minas Gerais – CAMG), para parques ambientais (Parque Serra Verde) ou, ainda, para empreendimentos ditos populares.

Nesse sentido, as características específicas assumidas pela (re)produção das regiões sul e norte de expansão da RMBH constituem, na atualidade, os fundamentos de sua reprodução socioespacial contem-porânea. Se na região sul a ação do Estado caracteriza--se pela manutenção da infraestrutura e (tentativa) de regulação da produção capitalista do espaço, na região norte a ação do Estado consiste, além da regulação, também na produção de empreendimentos (que vão além da infraestrutura) capazes de induzir a urbani-zação nos termos do ordenamento territorial definido pelo Estado e capital para a região.

Entretanto, se a reprodução capitalista da região sul, nos termos do capital e do Estado, não depende da conformação estrutural dessa região, a viabilidade de sua reprodução capitalista é afetada pelo impacto da expansão desta, o que, no limite, exige novamente a mobilização do Estado, no sentido de produzir as condições infraestruturais necessárias à continuidade da reprodução ampliada dos capitais que nela atuam. Mas, na medida em que se trata de uma ocupação consolidada e, predominantemente, por classes sociais de rendimentos médios e elevados, a reprodução da região sul para as décadas seguintes depende da execução de eixos viários, que, se não terão alcance de reestruturação (como na região norte), deverão funcionar como ações paliativas efetivas, mas, principalmente, darão novo fôlego à representação acerca da região sul. Assim, torna-se fundamental à reprodução dos capitais que atuam nessa região a integração dos eixos viários já existentes e mesmo a criação de novos eixos, o que impõe intenso processo

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de desestruturação socioespacial, principalmente nos espaços que se apresentam como mais vulneráveis. Por sua vez, a reprodução da região norte de expan-são nos termos em que esta tem se desenvolvido está fortemente ancorada na produção/modernização da infraestrutura de ligação desta com a região centro--sul, bem como nos “equipamentos de atração de urbanização”, como o CAMG e a modernização do aeroporto internacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo histórico-geográfico da moderni-

zação regional de Minas Gerais, inscrita como frag-mento da modernização urbano-industrial brasileira explicitou como que diante das condições específicas deste Estado da Federação a produção das condições da reprodução do capital, nos termos definidos na e pela industrialização, demandou a produção do próprio capitalista. De fato, tal processo explicitou como a modernização industrial e urbana em Minas Gerais representou também a disputa entre as forças oligárquicas tradicionais e a tecnocracia que, como um projeto de Estado, engendrou as condições necessárias à produção dos novos termos da reprodução ampliada da riqueza. O que, por sua vez, se deu pelo redire-cionamento da riqueza produzida na e pela atividade agrícola para a produção industrial, significando o deslocamento no estado mineiro do centro de produ-ção e acumulação da riqueza do espaço rural para o espaço urbano, processo que, afinal, foi tributário do que ocorreu em âmbito nacional.

Diante das condições dadas, principalmente as especificidades encontradas em Minas Gerais, o redirecionamento do centro de produção e acumulação da riqueza da atividade agrícola para a industrial, do espaço rural para o urbano só pôde ser engendrada através da produção da nova capital do Estado. Não apenas porque, simbolicamente, desejava-se romper com o arcaico e atrasado e vincular-se ao moderno e o novo. Mas, principalmente, porque a redefinição do centro de produção e acumulação nos termos coloca-dos demandava a produção de um novo espaço, capaz de reproduzir uma nova concepção de desenvolvimen-to, cujo sucesso dependia da integração das diversas e distintas regiões que compunham o Estado. Assim,

a produção da nova capital constituiu-se também em uma estratégia de manutenção da integração regional para que as regiões distintas pudessem ser ordenadas e inseridas no próprio projeto de modernização urbano--industrial de Minas Gerais.

Embora tenha sido produzida estrategicamen-te para o cumprimento deste intuito, foi somente a partir de 1960/70 que Belo Horizonte conseguiu, efe-tivamente, centralizar a riqueza produzida no Estado, cumprindo afinal, aquilo que foi o seu ideal. Todavia, ainda contemporaneamente, este processo aparece incompleto, o que explicita a condição de metrópole duplamente periférica de Belo Horizonte. Isso porque, embora seja uma metrópole regional e o principal cen-tro econômico e político do estado de Minas Gerais, este, por sua vez, compõe o ordenamento territorial do estado brasileiro. Sob esta condição de “fragmento do todo”, o estado mineiro cumpre determinada função dentro do território nacional, sendo que o centro irra-diador desse processo localiza-se na metrópole São Paulo que, hierarquicamente, ocupa a centralidade no desenvolvimento econômico brasileiro. Assim, como resultado desse processo, regiões que integram o terri-tório mineiro são, às vezes, diretamente influenciadas pela metrópole nacional São Paulo, sem a mediação da metrópole regional Belo Horizonte.

Todavia, tal condição não retira do estado mineiro e de suas classes dirigente e dominante o êxito do projeto engendrado ao longo de mais de um século, já que o Estado não apenas se modernizou industrialmente, consolidou sua urbanização, mas, principalmente, produziu e reproduziu as condições necessárias à reprodução ampliada da riqueza nos termos demandados pela acumulação, processo que passou pela manutenção da unicidade de seu território.

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