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Página1 Publicado em LOPES, Eliano S. A. (org). A aventura do conhecimento e a pesquisa social em Sergipe. Aracaju: FAPITEC-SE, 2012 “A riqueza está no caminho”: notas sobre um (longo) percurso em defesa da Sociologia Zander Navarro 1 “Discussões exaustivas de métodos, informações exaustivas de processos, trocas de opiniões sobre tudo, eis a única forma possível de esclarecer teorias e melhorar o nível da prática. A discussão, mesmo quando não traz a luz, liquida com muita idéia inútil” (Millor Fernandes. O livro vermelho dos pensamentos de Millor. Rio de Janeiro: Nórdica, 1973 , p. 48) “De onde vêm as ideias corretas? Acaso caem do céu? Não. Serão porventura inatas? Não. Elas não podem vir senão da prática social, de três tipos de prática social: a luta pela produção, a luta de classes e a experimentação científica” (Mao Tsetung. Citações do Presidente Mao Tsetung. Pequim: Edições em Língua Estrangeira, 1972, p. 224) Introdução Inicialmente, um esclarecimento: este não é um texto estritamente acadêmico. São notas, eivadas de alguma pretensão – talvez não passe de um comentário. Aqui me desobrigo de estabelecer um formato acadêmico e nem mesmo atendo os códigos rígidos da linguagem correspondente, inclusive recorrendo a uma argumentação coloquial e à ironia, além de recolher fatos ilustrativos da vida pessoal. Quem sabe seja mais uma crônica do que propriamente outro gênero discursivo. Fui assim autorizado pelo editor desta coletânea e espero contar com a tolerância daqueles que me honrarem com a leitura dessas páginas. Concordei em refletir sobre minha história como sociólogo e, sobre ela, extrair lições e oferecê-las ao escrutínio de meus colegas exatamente porque já percorri 1 Doutor em Sociologia (Universidade de Sussex, Inglaterra, 1981) e pós-doutoramento no MIT (Cambridge, Estados Unidos, 1991/92), Professor Associado (aposentado) do Departamento de Sociologia da UFRGS (Porto Alegre). Foi pesquisador visitante nas universidades de Amsterdam (1986) e Toronto (1989) e pesquisador e professor no Institute of Development Studies(Inglaterra) entre os anos de 2003 e 2010. Atualmente é pesquisador na Embrapa Estudos e Capacitação (Brasília) e professor colaborador no Programa de Pós-graduação em Extensão Rural da UFV (Viçosa). Agradeço os valiosos comentários feitos a uma versão inicial do texto por Alberto Roseiro Cavalcanti, Eliano Sérgio Azevedo, Ivan Sérgio Freire Sousa, Lúcia Cristina Hoppe Navarro, Maria Thereza Macedo Pedroso e Rudá Ricci. Como é praxe, os erros remanescentes são de minha exclusiva responsabilidade. EM: [email protected]

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Publicado em LOPES, Eliano S. A. (org). A aventura do conhecimento e a pesquisa social em Sergipe. Aracaju: FAPITEC-SE, 2012

“A riqueza está no caminho”: notas sobre um (longo) percurso em defesa da Sociologia

Zander Navarro1

“Discussões exaustivas de métodos, informações exaustivas de processos, trocas de opiniões sobre tudo, eis a única forma possível de esclarecer teorias e melhorar o nível da prática. A discussão, mesmo quando não traz a luz, liquida com muita idéia inútil” (Millor Fernandes. O livro vermelho dos pensamentos de Millor. Rio de Janeiro: Nórdica, 1973 , p. 48) “De onde vêm as ideias corretas? Acaso caem do céu? Não. Serão porventura inatas? Não. Elas não podem vir senão da prática social, de três tipos de prática social: a luta pela produção, a luta de classes e a experimentação científica” (Mao Tsetung. Citações do Presidente Mao Tsetung. Pequim: Edições em Língua Estrangeira, 1972, p. 224)

Introdução

Inicialmente, um esclarecimento: este não é um texto estritamente acadêmico.

São notas, eivadas de alguma pretensão – talvez não passe de um comentário. Aqui me

desobrigo de estabelecer um formato acadêmico e nem mesmo atendo os códigos

rígidos da linguagem correspondente, inclusive recorrendo a uma argumentação

coloquial e à ironia, além de recolher fatos ilustrativos da vida pessoal. Quem sabe seja

mais uma crônica do que propriamente outro gênero discursivo. Fui assim autorizado

pelo editor desta coletânea e espero contar com a tolerância daqueles que me honrarem

com a leitura dessas páginas.

Concordei em refletir sobre minha história como sociólogo e, sobre ela,

extrair lições e oferecê-las ao escrutínio de meus colegas exatamente porque já percorri

1 Doutor em Sociologia (Universidade de Sussex, Inglaterra, 1981) e pós-doutoramento no MIT (Cambridge, Estados Unidos, 1991/92), Professor Associado (aposentado) do Departamento de Sociologia da UFRGS (Porto Alegre). Foi pesquisador visitante nas universidades de Amsterdam (1986) e Toronto (1989) e pesquisador e professor no “ Institute of Development Studies” (Inglaterra) entre os anos de 2003 e 2010. Atualmente é pesquisador na Embrapa Estudos e Capacitação (Brasília) e professor colaborador no Programa de Pós-graduação em Extensão Rural da UFV (Viçosa). Agradeço os valiosos comentários feitos a uma versão inicial do texto por Alberto Roseiro Cavalcanti, Eliano Sérgio Azevedo, Ivan Sérgio Freire Sousa, Lúcia Cristina Hoppe Navarro, Maria Thereza Macedo Pedroso e Rudá Ricci. Como é praxe, os erros remanescentes são de minha exclusiva responsabilidade. EM: [email protected]

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um relativamente longo “tempo de estrada”, sendo este, provavelmente, o meu único

trunfo distintivo a oferecer, o qual me permite a ousadia dessas notas. Lembro-me aqui

do conhecido poema de Kaváfis, no qual somos sempre lembrados a reconhecer que é

no processo de seu desenvolvimento que se encontra a riqueza da experiência humana.

Conforme asseveram aquelas famosas palavras, quando finalmente aportamos em Ítaca,

o ponto mágico e simbólico da existência (a culminação de uma carreira, a

aposentadoria, talvez a iminência da morte), nada mais há a esperar, pois o “melhor se

construiu no caminho”.2 Se assim é, então posso talvez me arriscar a elaborar este

testemunho, pois a fortuna e as circunstâncias da vida me ofereceram inúmeras

experiências de imensa gratificação pessoal, como observador de realidades

inesperadas, processos sociais singulares e marcantes, além de um sem-número de

privilegiadas situações acadêmicas e profissionais, no Brasil e no exterior, as quais

foram fundamentais para me orientar na Sociologia sob uma trajetória analítica mais

autoconfiante (embora não necessariamente a correta, sempre salientarei).

Na aventura humana, algumas de nossas experiências podem imprimir marcas

permanentes. Li meu primeiro livro de Sociologia em dezembro de 1972, durante uma

demorada viagem de ônibus entre Belo Horizonte e Porto Alegre. Embora antes atraído

por textos sobre política e “problemas sociais”, pois participara do movimento

estudantil do final dos anos sessenta, a Sociologia ainda se apresentava para mim sob a

capa de um abissal enigma. Naquele longo percurso entre as duas cidades a leitura de

Introdução à Sociologia, de Tom Bottomore (Editora Zahar, 1971), foi como uma

revelação e me despertou irresistivelmente para aquele campo científico. Embora quase

desconhecido no Brasil, o autor talvez tenha sido uma das referências mais

emblemáticas da tradição marxista em todos os tempos, pois introduziu na língua

inglesa um grande número de obras ainda não traduzidas e foi também um prolífico

pesquisador, tendo organizado (com outros colegas) o extraordinário Dicionário do

pensamento marxista - este publicado no Brasil pelos sucessores daquela editora (Jorge

Zahar Editor, 1988). Bottomore foi, especialmente, um rigoroso estudioso de Marx e da

escola marxista e, ao me debruçar sobre aquelas páginas durante a viagem, tentando

desvendar os mistérios da Sociologia, jamais poderia imaginar que teria o privilégio de

tê-lo como meu professor na Universidade de Sussex, na Inglaterra, apenas cinco anos

2 “(...) Melhor muitos anos levares de jornada e fundeares na ilha velho enfim, rico de quanto ganhaste no caminho, sem esperar riquezas que Ítaca te desse. Uma bela viagem deu-te Ítaca (...)”. O poema, em sua inteireza, pode ser lido em: http://www.org2.com.br/kavafis.htm

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depois, no doutoramento que realizei naquela instituição inglesa. Falecido em 1992, foi

um brilhante cientista social, cuja incessante busca da precisão conceitual foi um dos

principais aprendizados que extraí de suas aulas, além de seu conhecimento

monumental sobre a história do Marxismo e os tantos contratempos e vicissitudes

experimentados por esta tradição do pensamento social.

Bottomore foi também o primeiro scholar, no sentido correto e generoso do

termo, com quem convivi na universidade – aquele especialista que comanda uma

espantosa erudição e combina a solidez do conhecimento com a inventividade analítica

e a obsessão pelo aprendizado, mas tem como meio de operação intelectual a

humildade, a inquietação e a abertura para o livre pensar, rejeitando in limine as

proposições “pétreas”, infelizmente tão encontradiças na trajetória da Sociologia – e

especialmente férteis no caso brasileiro. Scholars sabem, em particular, que a ciência se

constitui de uma ação persistente, mas que precisa ser igualmente lógica e consistente e

destinada primordialmente a “testar hipóteses”, pois esta é a operação usual que faz

avançar o conhecimento geral em todas as áreas científicas. Foi um raríssimo marxista,

entre tantos com os quais entabulei diálogos e convivências, pois julgava ser o legado

de Marx não mais do que uma tradição do pensamento social, entre outras, cabendo aos

cientistas sociais aferi-la na realidade cotidiana, mas confrontando-a com as demais

correntes de pensamento. Recusava, portanto, todo e qualquer conteúdo teleológico que

pudesse ser atribuído ao Marxismo, insistindo ainda que o socialismo ou alguma “nova

ordem social”, se algum dia existir, não encontra a sua inteligibilidade como um fato

inelutável derivado dos escritos do filósofo alemão – ou, diga-se de passagem, de

qualquer teoria social.3

Na mesma Universidade de Sussex, no ano seguinte, em outro curso, enquanto

dissecamos os Grundrisse de Marx (ou seja, os rascunhos de O Capital reunidos em

livro, mas publicados originalmente em inglês apenas em 1972), outra experiência

marcou-me para sempre. Desta vez, fui aluno de outro notável marxista, István

Mézsáros, o húngaro que fora aluno de Lukács e seguidor, sobretudo, do “jovem

Lukács”. A experiência, neste caso, foi igualmente decisiva, em face da impressionante

erudição desse pesquisador, autor de livros referenciais, especialmente pela afirmação

3 Teleologia refere-se a uma condição existente em um tipo de argumentação ou proposição, comuns em disciplinas das Ciências Humanas e na Filosofia, que revelaria um propósito previamente definido, ou metas ou objetivos finalísticos ex-ante, supostamente imanentes à ação humana, instituições ou outros processos sociais, os quais produziriam um resultado sistêmico ou atenderiam a uma necessidade social.

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de uma interpretação do desenvolvimento do capitalismo associada ao marxismo

lukacsiano.4 Mas foi experiência que revelou uma diferença surpreendente, devido a um

aspecto crucial: para Mézsáros, as demais tradições não marxistas do pensamento social

eram irrelevantes, pois somente representativas de uma ordem social que seria, sem

nenhuma dúvida, derrubada. Sua visão era assim estreita, voluntarista e ferreamente

ortodoxa, além de teleológica, pois focalizada exclusivamente no Marxismo, além de

dominada por uma atitude de fé inabalável sobre o destino inevitável: o socialismo.

Quando um de seus livros foi traduzido para o farsi e publicado no Irã, Mézsáros

ofereceu uma entrevista, emblemática da visão apologética sobre a versão marxista que

segue, quando insistiu que:

“(...) O capital não tem nenhuma forma de se conter, nem existe no mundo uma força contrária que possa restringi-lo, sem derrubar radicalmente o sistema como tal. Assim, o capital precisa desenvolver seu curso e lógica de desenvolvimento: precisa se apropriar da totalidade do planeta. Tudo isto estava implícito em Marx (...) Sobre isto, somente existe uma solução sustentada. É o socialismo (...) O trabalho, como antagônico ao capital não tem nenhum poder de decisão, nem mesmo no contexto mais limitado. Esta é a questão inevitável e vital para o futuro. E neste sentido, estou convencido, as chances de revitalizar o movimento socialista, cedo ou mais tarde, são absolutamente grandes e fundamentais” (ENTREVISTA, 1999, passim).

A comparação entre a análise daqueles dois professores, cujos escritórios eram

separados por apenas algumas dezenas de metros no campus, não poderia ser mais

iluminadora e instrutiva. Ambos foram influentes em minha formação sociológica, mas

sob ângulos muito distintos, e de Mezsáros extraí, principalmente, a necessidade do

estudo permanente, obsessivo, disciplinado, como forma de apreensão do

conhecimento. Mas Bottomore, sem dúvida, encarnou o modelo irretocável que sempre

julguei ser paradigmático para o exercício acadêmico e profissional da Sociologia – o

convicto marxista que dialogava fraternalmente e com elegância, mas radicalmente (até

às raízes), com todas as correntes do pensamento social. Em um campo disciplinar que

já nasceu dividido no Século XIX, não parecia razoável o dogmatismo de Mészáros:

como interpretar comportamentos sociais e o funcionamento da sociedade sem

comparar criticamente diferentes visões teóricas? Embora então um noviço na

4 István Mészarós publicou, entre muitos outros textos de sua copiosa lavra, Marx: a teoria da alienação (1970), ainda hoje o livro referencial para compreender este conceito central da obra de Marx. Seus melhores livros, assim creio, são os primeiros, publicados nos anos setenta, pois já mais maduro passou a escrever posteriormente sobre processos que, de fato, nunca entendeu em profundidade – o funcionamento concreto da economia capitalista. Seu gigantesco livro Beyond Capital, originalmente publicado em 1994, é apenas uma coleção de apontamentos erráticos e incontáveis citações dos autores marxistas, além de diatribes sobre a política inglesa. Foi publicado no Brasil em 2003 (Para além do capital, Editora Boitempo), recebendo resenhas risivelmente apologéticas de alguns, mas seria capaz de apostar que sequer uma dezena de brasileiros leu todo o livro (incluindo os resenhistas).

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Sociologia, foi a primeira e cristalina lição que recebi sobre o papel crucial do

pluralismo teórico como requisito fundante para assegurar pelo menos a chance de

produzir análises convincentes sobre os processos sociais.

Em decorrência, refletindo sobre quase quatro décadas de exercício profissional

e acadêmico e recolhendo o aprendizado deste período, existiriam lições, ou

recomendações, que eu poderia sintetizar para os meus colegas da comunidade

sociológica? É claro que sim, e seriam inúmeras, embora, como é óbvio, a recepção de

um ou outro desses comentários irá variar entre os praticantes da comunidade.5

Reduzindo a lista mais longa a um conjunto de apenas dez principais “lições” retiradas

de meu aprendizado como cientista social, a seção seguinte deste rápido comentário foi

organizada, especialmente, como se fosse uma conversa imaginária que eu mantivesse

com jovens pesquisadores ora adentrando as Ciências Sociais – e, particularmente, a

Sociologia. Espero que pelo menos algumas dessas notas e observações se mostrem

úteis, quando cotejadas com a realidade!

1. Caminhando no território da Sociologia - quais são as lições?

Não são os “dez mandamentos”, mas os itens que apresento a seguir representam

visões gerais, ou compreensões articuladas às especificidades brasileiras que talvez

espelhem realidades institucionais amplamente disseminadas. Desta forma, se

verdadeiras as formulações abaixo (ainda que parcialmente), cada colega encontrará as

devidas variações e ajustes em seu próprio campo acadêmico e na rede de seus

relacionamentos profissionais. São as seguintes as proposições que ora submeto:

I. Por que ser um cientista social? 6

5 Um livro inspirador e de imenso valor analítico, que também solicitou a cientistas sociais de minha geração que refletissem sobre sua história pessoal e extraíssem lições para as novas gerações de pesquisadores, é a coletânea organizada por SICA e TURNER (2005).

6 Fui (e tenho sido) simpatizante desde os anos setenta dos movimentos feministas, colaborei com a

fundação de um movimento de mulheres rurais no Rio Grande do Sul (em 1986) e julgo que o extraordinário avanço nos direitos de igualdade de gênero, especialmente na segunda metade do século passado representa, provavelmente, a mais importante transformação social do período contemporâneo. Comento este fato como uma salvaguarda, apenas para indicar que não terei a menor preocupação neste texto de seguir a “norma política” de mudar o português, para não demonstrar machismo em minhas palavras, acrescentando sempre os dois gêneros. Nada mais ridículo do que expressões de uma orwelliana novilíngua, como “Bom dia a todos e a todas”, que ouvimos com exasperante frequência em nossos dias – mais uma demonstração, entre tantas, do deplorável rebaixamento cultural sob o qual vivemos. As opções brasileiras, nesses anos mais recentes, tem sido desmoralizar o pouco que avançamos na Educação (o que inclui o comando mais elevado da língua), em nome de uma visão tosca e ingênua de “democratização política”, que nada produz em termos de

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Como os agrupamentos humanos antigos eram homogêneos e rígidos

(lembrando aqui a noção sociológica de comunidade proposta por Tönnies), foram

necessários séculos para que se materializassem as condições, sobretudo políticas, que

permitiram um olhar mais livre para animar indagações sobre os comportamentos

sociais e a consequente submissão pública de ponderações analíticas, quem sabe

críticas, sobre o próprio meio social de seus formuladores. Os riscos pessoais eram

enormes e, por isto, somente em circunstâncias muito especiais de maior tolerância

social é que os primeiros pensadores sobre a sociedade se permitiram especular e, desta

forma, legar as bases pioneiras sobre a reflexão acerca dos próprios humanos. Por esta

razão, as disciplinas que posteriormente constituíram as Ciências Sociais identificam

um momento histórico que localiza com nitidez as raízes mais remotas de seu

nascimento. Este momento é o ocaso da escuridão religiosa da Idade Média. Ou seja, há

aproximadamente quinhentos anos um reduzido grupo de mentes brilhantes entendeu

que já seria possível refletir sobre a sociedade, tentando interpretá-la. Se examinados em

conjunto, Maquiavel, Descartes, Spinoza e os iluministas escoceses, entre alguns outros,

talvez tenham sido os semeadores mais eficazes do campo científico que depois

chamaríamos de Ciências Sociais.7 Ou, mais sinteticamente, para os interesses analíticos

desse campo: o mundo, de fato, “começou” entre os séculos XV e XVI, tantas são as

evidências históricas daquele período que permitiram fermentar as condições para novas

reflexões sobre a sociedade e os comportamentos sociais.

Mas se este talvez tenha sido o “ponto de partida” das Ciências Sociais, qual

seria a configuração de chegada, cinco séculos depois? Encontramos atualmente campos

disciplinares organizados, plenamente institucionalizados, com sólidos arcabouços

metodológicos e teóricos sustentando um pequeno exército de praticantes? Infelizmente,

sabemos que não tem sido assim. Sobretudo no caso da Sociologia, quem sabe a mais

fragmentada das disciplinas que atualmente formam as Ciências Sociais, uma ciência

que no período contemporâneo vem enfrentando, provavelmente, a mais dura crise de

civismo e, desta forma, apenas degrada o ideal democrático. Sobre esta meta política, que deveria nortear nossas elites, à esquerda e à direita, leia-se o fundamental artigo de ARAÚJO (2000).

7 Entre os autores que conseguiram contribuir decisivamente para romper a rígida ortodoxia religiosa que

então encapsulava a vida social, o maior risco esteve sobre os ombros de Spinoza, cuja figurativa e tortuosa obra ousou, pioneiramente, atribuir significado à ação humana, desvinculando-a de imperativos divinos e supranaturais. Escapou por pouco do fanatismo religioso, mas o relativo ambiente de tolerância então dominante na Holanda é que permitiu que o grande filósofo pudesse legar a interpretação desta “passagem” ao mundo moderno, contribuindo fundamentalmente para o gradual desencantamento do mundo.

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sua breve história, mesmo que os diagnósticos sobre o lugar desta disciplina em nossos

dias sejam variados. Para alguns, “(...) o presente da Sociologia é certamente uma

tristeza. Parece claro que ela se domesticou e perdeu seu lugar de convocatória em face

da sociedade e, em particular, das novas gerações” (LEIS, 2000, p.738). Mas outros são

mais otimistas e advertem que “(...) na atualidade, a pesquisa social constitui parte tão

integrante de nossa consciência que passamos a considerá-la natural. Todos nós

dependemos dessa pesquisa para identificar o que efetivamente consideramos senso

comum” (GIDDENS, 2001, p. 15).

Não discutindo as idiossincrasias de cada campo disciplinar e, menos ainda,

sequer esboçando os contornos que poderiam justificar o atual desarranjo teórico e

metodológico sob o qual vivemos no tocante às Ciências Sociais, emerge então a

pergunta: por que perseguir uma carreira como cientista social, vestindo a camisa da

Ciência Política ou da Antropologia, quem sabe da Demografia ou da Economia? Mais

especificamente, por que estabelecer como meta pessoal, ao chegar à universidade, ou

pensando no aperfeiçoamento via um curso de pós-graduação, tornar-se um profissional

da Sociologia? Minha resposta é direta, convicta e sem rodeios: porque este é o mais

importante, complexo e desafiador de todos os campos de inquirição científica que a

humanidade já desenvolveu, desde que “ciência” lato sensu começou a fazer parte

irremovível das atividades dos indivíduos.

Bravata? Não creio: ainda que nos cause perplexidade e um frio na espinha a

simples observação superficial de um artigo em alguma revista, digamos, de Física –

por ser absolutamente inacessível a qualquer compreensão – essa faceta não significa,

necessariamente, maior complexidade. A linguagem especializada que é hermética para

os não praticantes não sinaliza obrigatoriamente a complexidade. Em princípio,

significa apenas que o não praticante não passou pelos rituais de iniciação àquela

linguagem. Poderíamos inverter o argumento, se dúvidas persistirem: entregaríamos

àquele físico autor do hipotético artigo um livro arquetípico da melhor Sociologia, seja

Distinção: crítica social do julgamento (1979), de Pierre Bourdieu ou A representação

do eu na vida cotidiana (1956), de Ervin Goffman ou, ainda, A estrutura da ação social

(1937), de Tacott Parsons, entre muitos outros exemplos – e qual seria a sua reação

senão concluir sobre a evidente complexidade da Sociologia? O hermetismo igualmente

não significa maior importância social vis-à-vis as demais disciplinas e campos

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científicos. E deixo apenas o repto, que parece ser razoável8 de se apresentar, como

forma de justificativa para a defesa de meu argumento. Qual seja, os desafios que foram

surgindo para os demais campos científicos (as ciências naturais ou as aplicadas), ao

longo do tempo, foram enfrentados gradativamente e, em boa parte, as soluções foram

sendo desenvolvidas por seus cientistas, aperfeiçoando o conhecimento correspondente

e, ao mesmo tempo, oferecendo as tecnologias decorrentes que vem transformando o

modo de vivência das sociedades, especialmente nos últimos duzentos anos.

Em contraposição, o que dizer sobre a interpretação dos comportamentos sociais

ou a explicação sobre os arranjos societários? Neste caso, ao contrário, todos os

esforços até aqui realizados tem produzido resultados apenas satisfatórios (quando

muito) e avançamos timidamente para oferecer teorias, conceitos e arcabouços

explicativos sólidos e úteis para decifrar o significado da ação social. Muitos cientistas

das chamadas “ciências duras” afirmam, inclusive, que não é possível existir uma

“ciência da sociedade” que explique cientificamente a sua estrutura e o funcionamento

ou os comportamentos sociais. Mas, de fato, esta relativa fragilidade é nossa maior

arma para justificar a existência da Sociologia (e das Ciências Sociais), realçando a sua

crucial importância e alçando-a para posição de destaque. Em síntese: trabalhamos com

o mais importante dos desafios já apresentados à mente humana – como explicar “a

sociedade” e, ainda mais problemático, como analisar os múltiplos processos que são os

fundamentos da ação social? Como interpretar o significado dos gestos, falas e

movimentos da atividade humana que milhões de indivíduos concretizam sob aparente

regularidade e a cada momento de sua existência? É preciso concordar que sem boas

respostas a essas perguntas, a Sociologia tem avançado muito lentamente, fragilizando-

se frente aos ataques de seus inimigos. Mas, na metáfora banal, o copo pela metade

pode ser visto pelos dois lados e insisto que este é, pelo contrário, um trunfo em nossas

mãos. Entender a sociedade, em todos os seus aspectos, é a mais urgente de todas as

demandas que a história humana já apresentou e este desafio é o maior estímulo que

temos para continuar sendo cientistas sociais.

8 O que pode ser definido como “razoável” na interação humana e na vida social? Eis um bom exemplo da complexidade com a qual lidam os cientistas sociais. É uma pergunta urgente e necessária, para estabelecer com mais racionalidade as fronteiras ou os limites daquela convivência, mas é tema de enorme dificuldade analítica. Talvez o melhor encaminhamento à pergunta pode ser encontrado em John Rawls, mas no campo da Filosofia Política. Consulte-se, para tanto, o seu monumental Teoria da Justiça (1971).

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II. Pressuposto: é preciso ampliar os olhares disciplinares

O que determina a ação social? Como é sabido, na segunda metade do Século

XIX, a Sociologia emergiu a partir de dois nítidos troncos, um deles integrado por

aqueles que passaram a julgar que os comportamentos sociais derivam e são

determinados pelas “grandes estruturas” formadas na sociedade – os nomes principais

aqui são Marx e o Marxismo, mas também inclui Durkheim e Parsons (este mais tarde,

já no Século XX). Sob essa visão, as estruturas maiores da sociedade subsumem os

indivíduos. Outros, influenciados pelos debates alemães daquele período, preferiram

entender, pelo contrário, que os “indivíduos, ou a ação social, é que constroem a

sociedade (e as estruturas)”. Entre esses últimos, sem surpresa, Weber foi o maior

expoente, mas teve muitos seguidores ilustres. Os indivíduos respondem e atribuem

significado especialmente às causas externas, como “cultura” ou “estruturas sociais” ou,

preferencialmente, agem por suas próprias (e identificáveis) razões? Weber atribuiu

preponderância explicativa às razões dos indivíduos, inspirado no estudo aprofundado

que fez das religiões, o que resultou no seu clássico livro sobre a ética protestante e a

emergência do capitalismo. Bourdieu iria ainda mais longe, afirmando que todas as

ações sociais são fundamentalmente “interessadas”, mesmo aquelas movidas pela

solidariedade, propondo uma ciência das práticas sociais que assume como pressuposto

(não como uma hipótese) que todas as práticas e formas de interação humana buscam a

maximização de resultados materiais e simbólicos, ou seja, são motivadas pelos

interesses de seus agentes.

Este brevíssimo comentário acima é introduzido apenas para sugerir outra lição

sobre o percurso histórico da Sociologia, gerando requisitos adicionais para bem exercê-

la: é preciso conhecer com solidez não apenas as demais disciplinas das Ciências

Sociais, especialmente a Antropologia e a Ciência Política. Sobretudo, e acima das

demais, é preciso conhecer com maior profundidade a Economia e a lógica das

narrativas da História. Seria preciso insistir nesta sugestão? Sem a História, se torna

muito difícil, senão impossível, entender a “construção dos interesses” e, portanto, o

significado da ação social, pois essas são relações lentamente urdidas entre os

indivíduos no interior dos grupos sociais, as quais vão sendo cristalizadas de acordo

com diversas circunstâncias do tempo histórico de cada sociedade. É improvável que

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algum cientista social realmente influente tenha existido na trajetória desta disciplina, se

não comandou robusto conhecimento de História.9

E sobre a necessidade de conhecer (e muito bem) a Economia? Creio que neste

caso os argumentos são ainda mais óbvios, e nem precisariam ser aqui repetidos. Talvez

baste a afirmação, relativamente banal, enfatizada por autores de diferentes visões

sociológicas, sobre a irrefreável tendência à “monetarização da sociedade”. Este

processo maior de transformação das relações entre os indivíduos estava indicado, mais

ou menos explicitamente, como o decisivo elemento motivador dos esforços pioneiros

de teorização dos “pais fundadores”, em particular Marx e Weber. Mas este processo de

expansão econômica foi também o pano de fundo principal que produziu boa parte dos

argumentos da Sociologia Crítica. Ironicamente, Horkheimer, Adorno, Marcuse e outros

frankfurtianos se assustaram com a emergência das sociedades de massas e o

desenvolvimento decorrente de amplos fenômenos de alienação humana, nos anos

quarenta e cinquenta. Se vivos fossem, o que aqueles autores escreveriam em nossos

dias, quando observamos o aprofundamento espantoso daquela associação entre a

mercantilização da vida e a alienação? Especialmente a partir dos anos sessenta,

simbolizado talvez pelo pioneiro livro de Baudrillard A sociedade de consumo: mitos e

estruturas (1970), vem florescendo a literatura que analisa a hegemonia (e

autonomização) dos processos econômicos na estruturação da sociedade. Se se atenta

para o fato de os últimos trinta anos terem sido aqueles em que mais riqueza (material

ou imaterial) foi criada na história da humanidade, radicalmente transformando a

totalidade das relações e das práticas sociais e praticamente monetarizando todos os

contornos da vida humana, extrai-se um corolário inevitável: é quase impossível

atualmente praticar a Sociologia sem comandar um seguro conhecimento dos processos

econômicos.10

9 Como interpretar os “anos gloriosos” da expansão capitalista no pós-guerra sem conhecer a história do desenvolvimento das inovações, desde a “primeira revolução industrial”? Como explicar a noção de “democracia deliberativa” sem esmiuçar a crônica dos modelos e teorias anteriores, ao longo do tempo? Como analisar as crises econômicas recentes sem estudar os ciclos econômicos do passado e seus respectivos legados?

10 Ainda mais útil é conhecer estudos que combinem a História e a Economia. Os exemplos são inúmeros

e citaria apenas a magistral pesquisa de ARRIGHI (1994). Consoante com o afirmado, talvez seja cada vez mais verdadeiro o argumento de Piore, segundo o qual “O que me atraiu para a Economia foi a sua oferta de uma teoria coerente e sua orientação às políticas. Ela tenta se dirigir aos problemas da sociedade e o faz sob uma forma disciplinada e razoável. Nenhuma das demais ciências sociais parece oferecer nada parecido com a coerência e a relevância da Economia” (PIORE, 2002, p. 292).

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III. Por favor, não desista!

Em meados dos anos sessenta, já no alvorecer da ditadura militar, um corajoso e

lendário editor de livros do Rio de Janeiro, Ênio Silveira, então o proprietário da Editora

Civilização Brasileira, publicou, durante três anos, a “Revista Civilização Brasileira”,

periódico no qual os mais expressivos intelectuais de esquerda, a maioria vinculados ao

então ilegal Partido Comunista Brasileiro, publicavam seus textos. Foi a primeira vez

que tive contato com uma literatura do campo das Ciências Sociais – e me encantei

imediatamente, pois todos eram tão categóricos que não pareciam ter dúvidas sobre

nada. Sob um olhar retrospectivo, tantas certezas surpreendem, pois naqueles anos uma

parte importante da obra de Marx sequer era conhecida, pois apenas na década de 1970

é que foram publicados (em inglês ou outras línguas, mas não em português) alguns dos

textos mais fundamentais daquele autor, ou de outros autores marxistas mais

importantes, como Gramsci. Como poderia existir tão afirmativa convicção sobre a

teoria marxista como um todo?

Menos em função dos artigos da revista, que entendia apenas superficialmente,

na modéstia de meus conhecimentos de adolescente, meu encantamento nasceu,

sobretudo, em função da linguagem utilizada por aqueles autores. Nunca esqueci, por

exemplo, a palavra “parêmias”, que abria alguns dos poemas de Moacyr Félix então

publicados pela revista.11 Durante um bom tempo, sem ter um dicionário à mão, aquela

palavra povoou meus sonhos e parecia apontar para um significado muito especial e

significativo. Seria uma palavra subversiva? Indicaria algum método revolucionário?

Seria o codinome para algo que apenas militantes de esquerda sabiam? Sob a postura

libertária e rebelde típica da adolescência, aquela palavra me movia por supor um

significado oculto que demorei a decifrar.

“Parêmias” ocupa um lugar simbólico e especial em minha história, embora

jamais tenha tido a coragem de usar esta palavra em meus próprios textos. Cito este

episódio apenas para sugerir, em particular, dois aspectos relevantes para os cientistas

sociais. Primeiramente, que o comando do argumento, da exposição, do estilo e uma

linguagem acima da média são requisitos fundamentais para o exercício da Sociologia.

Nossa argamassa principal é a palavra. Sendo franco e direto: sem competência no

trato com a nossa língua, jamais um cientista social se afirmará. Secundariamente, há

11 Por exemplo, o número 10 da revista, publicado em 1966 – lá está o artigo de Félix intitulado “Parêmias de um poeta”.

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outro lado, contudo, que precisa ser apontado criticamente: as palavras não podem ou,

pelo menos, não deveriam ser intimidantes para a afirmação da Sociologia e seu jargão

especializado e específico. Infelizmente o são. Quantos se sentem seguros quando

algum luminar, em um evento científico, insiste em usar termos como “aporia”?12

Poderíamos prosseguir com dezenas de outros exemplos, mas o aprendizado

aqui é outro: na Sociologia (e nas Ciências Sociais) a linguagem, por um lado, é a nossa

“forma de operar”, sendo preciso comandá-la bem. Mas é também, por outro lado, uma

forma de poder, de intimidação e de autoproteção de seu proponente. Poder porque são

reconhecidos como “do primeiro time” aqueles que comandam um português não

apenas correto, mas especialmente se for de difícil compreensão. Intimida porque o

desconhecimento de certas palavras e expressões (mais os estrangeirismos) cria

imediatamente uma implícita hierarquia na interlocução realizada e “aquieta” um dos

lados, acuado com a profusão de termos pouco comuns e as inúmeras citações de

autores e livros. Mas é também forma de autoproteção para muitos colegas deste campo

de trabalho, porque comandar poder e intimidar os interlocutores são também escudos

que ocultam a própria ignorância e desconhecimento. Confrontado com tais recursos,

aqueles que ouvem dificilmente terão a coragem de levantar muitas perguntas e

problematizar o que está sendo afirmado.13 É preciso perceber e problematizar tais

práticas da convivência acadêmica.

Aproveito e abro um parêntesis. Você sabe o que significa “poder”, além da

célebre frase de Weber (“Poder é a probabilidade de um ator em uma relação social

estar em uma posição de impor a sua vontade, mesmo encontrando resistência e

independentemente da base sobre a qual reside aquela probabilidade”)? Entender o

conceito de poder não seria um dos requisitos primários para quem estuda a sociedade,

12 “Parêmias” são, segundo o Houaiss, “pequenas alegorias, curtos e breves provérbios”. “Aporia” tem diversas acepções, a principal delas oriunda da Filosofia, indicando uma dificuldade ou dúvida racional “decorrente de uma impossibilidade objetiva na obtenção de uma resposta ou conclusão para uma determinada indagação filosófica”. Na Sociologia, em exposições, quase sempre é artifício retórico para simular uma “hesitação a propósito daquilo que se pretende dizer”.

13 Você já fez um curso de Sociologia durante o qual aquele responsável pela disciplina afirma sobre a

“crucial importância de Homi Bhabha”? Seria um típico momento de uma sala de aula em Sociologia no Brasil – a afirmação pessoal do proponente (e sua intimidação junto aos alunos) pela insistência em um tópico, de fato, de relevância muito menor. Bhabha, com Edward Said e Gayatri Spivak, forma a “santa trindade” dos estudos chamados de pós-coloniais. Nada a reparar sobre esta designação, mas por que estudiosos do pós-colonialismo seriam fundamentais para a formação de cientistas sociais brasileiros, em um país onde o fenômeno do colonialismo assumiu feições bem distintas de outras regiões do mundo? A Sociologia brasileira observa com melancólica e inquietante frequência esses momentos de subserviência infantil ao “último grito em Paris”. Bhabha é autor de O local da cultura, publicado no Brasil em 1998.

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pois esta se sustenta, particularmente, em hierarquias nascidas das assimetrias sociais?

Pois bem, causa algum desespero perceber que o mais clássico (e melhor) livro que

discutiu o conceito de poder, lançado quase quarenta anos atrás, ainda não foi publicado

no Brasil (Power: A Radical View, Londres: Macmillan, 1974). Entre o lançamento

naquele longínquo ano e 2010, este livro já foi citado por aproximadamente 1,5 mil

artigos científicos. Stephen Lukes, o autor, já até mesmo lançou uma segunda edição

“revisitada”, na qual estabelece um diálogo com seus críticos da primeira edição

(LUKES, 2005), obra também à espera da versão brasileira. A irregularidade das

traduções e sua discutível seletividade é outro aspecto que prejudica sensivelmente o

desenvolvimento das Ciências Sociais no país.

Infelizmente, isto não é tudo. É relativamente fácil desistir de ser um cientista

social, ainda no início da carreira. E não apenas porque os empregos são poucos, nem

sempre motivadores e os salários podem ser baixos, não citando a confusa

operacionalidade desses profissionais meus colegas, incapazes de se organizarem

institucionalmente como uma “profissão” - como o fazem as demais categorias. Somos

solicitados não apenas a rebater o descrédito de muitos, que julgam serem campos

disciplinares que apenas estudam o “senso comum” (e, infelizmente, muitos colegas não

conseguem mesmo ir muito além deste nível de argumentação). Mas também

precisamos enfrentar a ignorância geral sobre o significado das “Ciências Sociais” (a

exceção sendo a Economia), pois mesmo colegas com formação universitária em outros

campos científicos têm apenas uma vaga noção sobre a própria Sociologia. E

saberíamos, nós mesmos, definir claramente o que é Sociologia, quando muitos ainda

confundem a Sociologia com sua militância partidária? Parece absurda a pergunta, mas

quantos de nós, ante essa pergunta, não hesitariam? Portanto, é preciso um esforço

determinado para aprofundar esta compreensão, evitando assim a persistência dos

desentendimentos de interlocutores do mundo da ciência sobre o nosso campo

científico.

É igualmente tentador abandonar as Ciências Sociais, algumas vezes, porque

seus praticantes, em proporção que surpreende, são excêntricos e não é raridade

encontrar colegas com facetas bizarras, ou pelo menos curiosas. Muitos, por exemplo,

preferem o otimismo pueril do pensamento mágico e se afastam da realidade empírica,

sempre especulando sobre o futuro, a “nova sociedade” e tolos jargões similares, sem

nenhuma preocupação com o mundo real dos humanos. Como é um campo científico

também marcado por um enorme dissenso teórico e disputas de diversas ordens, outros

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desenvolvem também posturas que parecem arrogantes, sempre insistindo em “verdades

definitivas e últimas sobre os processos sociais”. Não se iluda: quase sempre essas são

posturas defensivas, apenas porque seu expositor, de fato, desconhece outros enfoques

teóricos e, para não ser desmascarado em seu desconhecimento, prefere insistir na “sua

teoria” como a única e definitiva.

A Sociologia é uma disciplina que, no Brasil, é imatura e paroquial, assim como

espantosamente desinformada sobre o “estado da arte” que vigora além fronteiras.

Fomos (e ainda somos) excessivamente influenciados pela Sociologia francesa e até

optamos, a maioria, por aprender francês para buscar o “aprofundamento teórico”, um

autoengano desastroso para a formação dos cientistas sociais, pois vivemos em um

período histórico durante o qual o inglês é a lingua franca - inclusive para os próprios

franceses, diga-se de passagem.14 Confusos em meio a este quase caos prevalecente na

Sociologia em nossos dias, os jovens cientistas sociais, em número relativamente

significativo, preferem mudar de área ou buscar a especialização multidisciplinar, para

estar perto também de outros campos científicos que Kuhn chamaria de “normais”.

Mas, insisto: se tiver paciência, releia, por favor, o item inicial – e não desista de

ser um cientista social.

IV. Processos sociais são mutantes

Não se assuste se sentir inquietação e insegurança com o autor ou a teoria de sua

preferência, a qual tem sustentado seus trabalhos de pesquisa. Mudar de foco teórico e

metodológico, em uma disciplina como a Sociologia, não representa nenhum demérito

ou fragilização perante seus pares. Por um ângulo, pelo contrário, representa um trunfo

a seu favor: indica que você está ampliando seus conhecimentos sobre os tantos autores

e “arcabouços” que disputam as escolhas dos praticantes deste campo científico. É

quase impossível perscrutar toda a teoria sociológica, de Comte aos nossos dias, mas

conhecer um significativo número de autores e visões sociológicas – pelo menos

aquelas consideradas as mais influentes - é imprescindível e, assim, sentir-se mais

confortável com este ou aquele autor (ou combinações variadas de enfoques) não

representa procedimento nada tão inusual, mesmo se parte considerável de seus colegas

14 Não preciso me estender sobre o óbvio: aprenda francês, se quiser – mas depois de comandar o inglês! Sem esta última língua, suas chances nas Ciências Sociais serão mínimas, para não dizer inexistentes. Goste-se ou não, é a língua inglesa que conduz praticamente tudo o que se produz no campo científico em nossos dias. E assim será por muitos anos, até que o mandarim comece a surgir como a principal língua internacional.

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seguir outros modelos teóricos. Se entender bem a bibliografia que sustenta seu olhar

sociológico sobre os processos sociais, não se intimidará com os tantos filisteus que,

infelizmente, povoam o nosso campo de trabalho (e rebaixam a construção de uma

profissão, pois apenas a desmoralizam). São religiosos, nunca cientistas, quando

insistem acerca de um (falso) monismo teórico ou afirmam a existência de dogmas e

argumentos “irremovíveis”. Esses, de fato, inexistem na vida social ou, quando muito,

explicam insatisfatoriamente os processos que desejamos interpretar.15

Peço licença e introduzo outra reminiscência pessoal. Em 6 de setembro de 1986

fui o animador de um ato público realizado na chamada “esquina democrática” de Porto

Alegre, comandando um microfone sobre a carroceria de um pequeno caminhão. Foi no

cruzamento das duas ruas mais famosas do centro daquela cidade, a Rua da Praia e a

Avenida Borges de Medeiros. Tradicionalmente, no passado, era o local dos comícios

públicos dos partidos de esquerda ou outros eventos de natureza política. Na ocasião

dirigi um “ato público em defesa da reforma agrária”, pois era o coordenador do

“Comitê Gaúcho pela Reforma Agrária”, então apoiado por dezenas de organizações da

sociedade civil e também por alguns partidos políticos. Durante pouco menos de duas

horas, a partir do final da tarde, reunimos aproximadamente oitocentos militantes do

MST, mas cercados por soldados da polícia militar estadual. Inflamados discursos

foram então proferidos, todos denunciando a morosidade federal em realizar a reforma

agrária e reivindicando a sua imediata implantação. Estávamos então no alvorecer da

chamada “Nova República” e entendemos (os membros daquele Comitê) que aquela era

a melhor hora de realizar pressões políticas a favor a reforma agrária. Foi um dos

eventos mais perigosos, entre dezenas de outros, que animei ou coordenei, entre os anos

de 1982 e 1989, quando fui o coordenador estadual da Associação Brasileira de

Reforma Agrária (ABRA). Poderia ter gerado um conflito de razoáveis proporções, caso

algum tipo de provocação inaceitável para as forças repressoras fosse realizado. Durante

15 Uma rápida ilustração. Marx foi o autor que mais estudei em minha história de sociólogo. E confesso que ainda fico boquiaberto quando alguns marxistas insistem na “unicidade” do pensamento daquele grande teórico da sociedade, como forma de protegê-lo de seus erros e hesitações e, assim, impedir de vê-lo como um mortal. Sequer aceitam discutir que existiu um “jovem Marx” e o “Marx maduro”, na famosa e correta proposta de Althusser. Nunca leram uma biografia sequer de Marx, senão saberiam que o conhecimento que ele detinha sobre a Economia Política era praticamente inexistente antes de se mudar para a Inglaterra, em 1849, quando então, pela primeira vez, se dedicou a este campo que sustentou, de fato, a elaboração de suas principais teorizações e conclusões sobre o capitalismo industrial então nascente, assim como a sua teoria do valor-trabalho. Ao fazê-lo, foi deixando para trás o “Marx filósofo” e seu entranhado hegelianismo. Não aceitar tais passagens na vida de um personagem tão emblemático é recepcionar Marx sob um manto religioso e fantasioso.

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aqueles anos, estive profundamente envolvido em iniciativas que pudessem difundir a

informação sobre a reforma agrária e sua necessidade para o Brasil.

Vinte e cinco anos depois publiquei um artigo onde argumento sobre “o

passamento da reforma agrária brasileira”, indicando ser esta uma política pública que

praticamente se esgotou em nossa história, curiosamente em uma época sob a qual os

atores sociais ainda demandantes de sua implementação se encontrariam em uma

posição de força teoricamente mais expressiva. Segundo apontei naquele artigo,

“Esta decisiva reviravolta política no campo ocorreu quando a demanda por terra está diminuindo muito rapidamente em todas as regiões rurais, erodida pela urbanização. O resultado é uma vitória de Pirro: quando a reforma agrária se torna viável no Brasil, a sua implementação está no limiar da estagnação, porque os potenciais interessados estão abandonando o campo brasileiro” (NAVARRO, 2011, p. 463).

O que teria ocorrido? Mudei eu ou mudou a reforma agrária? De fato, nem um e

nem outro: mudaram as circunstâncias históricas e, desta forma, aquele processo social

foi profundamente alterado em sua “necessidade social”. Quase nada do que antes

entendíamos sobre a “urgência da reforma agrária” foi comprovado pela evolução da

sociedade e da economia do país. Aquela política, por exemplo, não se mostrou

imprescindível para garantir a oferta de alimentos e matérias primas de origem agrícola

e atualmente o Brasil está na iminência de se tornar o maior produtor mundial de

alimentos, superando até mesmo os Estados Unidos. Nem mesmo a insígnia “sem

reforma agrária não há democracia” mostrou ser factualmente correta, pois o processo

de democratização brasileira, após a Constituinte de 1988, evidenciou vigorosa

desenvoltura, especialmente na década de 1990, consolidando um regime político-

institucional que é dos mais democráticos do mundo.

Os processos sociais são mutantes e camaleônicos – porque são históricos. Por

isto, é ilógico imaginar que possam existir muitas leis sociológicas, o que é um atributo

das outras ciências mais antigas e consolidadas, mas uma brutal dificuldade em relação

à análise dos processos sociais. São raras as leis ou as relações de causalidade aceitas na

Sociologia, mas este fato não deriva, necessariamente, da fragilidade deste campo

científico e, sim, do objeto sobre o qual nos debruçamos e sua frequentemente mutável

natureza, sob o peso da História e das circunstâncias de cada sociedade. Seria mesmo

assim? Na dúvida, deixo apenas uma pergunta, dirigida especialmente aos colegas de

minha geração, aqueles que se formaram como cientistas sociais durante os anos

setenta: não tínhamos a inabalável certeza sobre uma das promessas mais cristalinas do

“projeto da modernidade”, que seria a crescente secularização das sociedades?

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Comparando aquele preceito, entre outras certezas que então nos guiavam, com o que

observamos em nossos dias, não é esta uma ilustração razoável, entre muitas outras que

poderiam ser referidas, sobre os nossos os limites ontológicos e, portanto, a aceitação de

serem as Ciências Sociais um campo de inquirição humana que lida com objetos de

natureza distinta das demais ciências?

V. Onde está a verdade?

Em 1580, um rico nobre francês, que propôs a si mesmo, como meta de vida,

refletir sobre a “natureza humana”, escreveu que

“Nosso modo habitual é seguir as inclinações de nosso desejo, para a esquerda, para a direita, para cima, para baixo, conforme nos leva o vento das ocasiões: não pensamos no que queremos a não ser no instante em que o queremos (...) o que nos propusemos há pouco, ora logo mudamos, e ora, de novo, voltamos atrás: tudo não passa de oscilação e inconstância” (MONTAIGNE, 2000, p. 204).

Esse comentário de Montaigne sobre a volubilidade dos comportamentos

humanos é sugestivo e modelar para problematizar a “produção da verdade” sobre os

processos sociais, na sequência da discussão do item anterior. O que é a “verdade” em

relação aos processos sociais? Não existiria, quase sempre, uma temporalidade imanente

aos fatos da vida social, necessariamente problematizando conclusões, sejam elas

extraídas da pesquisa empírica ou, então, resultantes de exercícios exclusivamente

teóricos sobre o desenvolvimento social? A ciência não procura exatamente produzir

“verdades” sobre os fenômenos observados? A Sociologia, por sua vez, não deveria se

esforçar para obter o mesmo resultado, não obstante a natureza contingente da vida em

sociedade?

Na realidade, retirado um pequeno conjunto de entendimentos analíticos

extraídos das pesquisas das Ciências Sociais acerca dos comportamentos sociais (ou da

estruturação da sociedade), que podem ostentar maior temporalidade e explicar os

mistérios da ação humana ao longo de diversos períodos históricos, o fato é que as

conclusões a que chegamos são usualmente relativas, pois determinadas pelos contornos

societários de uma dada época. Se leis sociólogicas são raras, então a “verdade

sociológica” é historicamente relativa e determinada. Consequentemente, é bom manter

cautela e distanciamento de afirmações peremptórias sobre os processos sociais,

indicando convicções inabaláveis e certezas definitivas. Um exemplo ilustrativo diz

respeito à vasta literatura sobre a “crise do capitalismo”. Provavelmente concordaremos

ser este um sistema econômico instável por definição (e esta, sim, é uma proposição

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logicamente correta que até a Economia neoclássica aceita), e assim suas crises

periódicas são possibilidades tangíveis e, da mesma forma, uma “crise gigantesca”

(talvez terminal) pode ser igualmente parte das hipóteses de trabalho nos estudos sobre

o desenvolvimento do capitalismo. Mas se reunida a literatura já escrita sobre “a crise

final do capitalismo”, desde as contribuições mais influentes das primeiras décadas do

século passado aos nossos dias, ficaríamos surpresos com sua grandeza numérica, um

sinal simbólico de serem textos, em sua maioria, que mais representam desejos e, muito

menos, a expressão de análises científicas. Não citarei nomes de autores, para evitar

constrangimentos (para uma ilustração, consulte-se SARKAL, 2012).

Corro o risco da afirmação (por ser este um texto curto e sem chances de

oferecer todas as nuances deste tema), mas deixo a frase: não existem “verdades

permanentes e universais” sobre a vida social e os padrões de comportamentos dos

indivíduos. Existem apenas interpretações, algumas mais apropriadas para entender uma

dada ordem societária, mas somente sob as circunstâncias de certos períodos históricos.

As transformações nas formas de convivência entre os humanos, oriundas de tantos

fatores possíveis e multifacetados, produzem arranjos ilimitados na vida social e, desta

forma, incidem sobre as interpretações mais adequadas em dado período histórico. Mais

do que isto, estaremos deixando o campo da ciência e entrando no terreno das

fabulações místicas: essas, por definição, não podem hesitar sobre seus dogmas e

afirmações definitivas, sob o risco de perderem seus fiéis seguidores. A incerteza da

explicação, pelo contrário, é a marca mais visível e evidente no exercício da Sociologia

e tal fato jamais deveria causar sobressalto entre seus praticantes.

Introduzo outra ilustração. Alguém duvidaria da proeminência e relevância da

categoria analítica “classe social” em nossos estudos? E existiria realmente clareza

sobre o seu significado? Você saberia definir, com precisão, o que é classe social e,

mais ainda, comentar sobre a “estrutura de classes“ em nosso país? Aqui se encontra

mais uma (lamentável) omissão da história da Sociologia brasileira. Em 1978, Erik Olin

Wright, então um sociólogo recém-doutor, publicou o ensaio “Varieties of Marxist

Conception of Class Structure”, sob os auspícios do “Instituto de Pesquisas sobre a

Pobreza” da Universidade de Wisconsin (campus de Madison), nos Estados Unidos. A

partir daquele texto pioneiro, Wright gradualmente se tornou, de longe, o autor marxista

que mais esforços analíticos empreendeu em sua rica história como cientista social,

iniciativas destinadas a analisar o conceito de classe social, o qual Marx havia apenas

esboçado em seus escritos. Na história do Marxismo, não existe nenhum outro

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sociólogo que, sequer remotamente, se rivalize com Wright sobre o assunto. Seus

trabalhos são destacados e sua vasta bibliografia aprofundou com brilhantismo o debate

sobre este conceito tão central para a Sociologia (entre outros, ver WRIGHT, 1989,

1997). Foi igualmente um dos mais ativos participantes do chamado “Marxismo

analítico”, um ingente esforço teórico realizado entre a segunda metade dos anos oitenta

e boa parte da década seguinte por um grupo de marxistas, no sentido de tentar dar um

formato científico a esta tradição do pensamento social. Não obstante suas excepcionais

credenciais, Wright tem sido esparsamente estudado no Brasil, e a maior parte de seus

trabalhos sequer foi traduzida.16 Menos ainda, o que foi o seu principal objeto de

investigação – decifrar empiricamente a validade da noção de classe proposta por Marx

– não mereceu nenhuma atenção maior da comunidade de cientistas sociais brasileiros.

Convivi durante alguns anos com Erik Wright em um projeto sobre “democracia

participativa” e discutimos sobre seus trabalhos e os resultados obtidos. Não teve nunca

nenhuma preocupação, ainda que se assumisse como um convicto marxista, em

identificar os inúmeros problemas concretos desta noção desde o seu nascedouro e,

especialmente, no período contemporâneo, quando as sociedades modernas se

diferenciam, rápida e densamente, e categorias abarcadoras, como a noção original de

classe social, parecem não encontrar mais correspondência na realidade. Wright foi

mais um scholar que conheci, na esteira inicialmente apontada e simbolizada por

Bottomore: cientistas sociais na mais ampla acepção da palavra, inclusive em sua

irrestrita disposição para rever convicções e, desta forma, insistir na natureza relativa e

contingente do conhecimento sociológico e, portanto, também a temporalidade histórica

do que se afirma como sendo “a verdade” em Sociologia.

VI. Contra o empiricismo - mas pesquisa empírica é essencial

É saudável desconfiar (fortemente) da Sociologia que se encerra nos gabinetes e

não realiza pesquisa de campo, ou o faz apenas ocasionalmente. Exercícios de reflexão

abstrata são necessários e podem ser importantes, deve-se aceitar preliminarmente. Mas

produzem resultados consequentes e duráveis apenas como o produto de raras mentes

muito especiais e brilhantes e a história da Sociologia foi capaz de identificá-las

16 O sectarismo e primarismo de boa parte dos marxistas brasileiros impressionam – e empobrecem nossos debates. O “marxismo analítico” foi talvez a mais séria, quem sabe a única, tentativa de tentar incluir esta escola do pensamento no escoadouro propriamente científico, mas foi quase ignorado no Brasil. Ver, entre muitos outros trabalhos, WRIGHT (1995).

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facilmente. Mas não é o caso da maioria daqueles que, se vendo como sociólogos,

preferem se fechar em confortáveis salas de estudo e reflexão e não “sujam as mãos”

com a realidade social. O trabalho de campo e, portanto, a percepção clara da empiria

dos processos sociais e dos comportamentos dos indivíduos é um requisito primeiro e

fundador da boa pesquisa e a garantia de um conhecimento social que possa, pelo

menos, se aproximar da melhor interpretação.

Caminhar pela concretude da vida social, saber ouvir, se esforçar para conectar

fatos e evidências, relacionar macro e micro processos sociais, situá-los sob uma dada

totalidade, “ir e vir” no confronto entre a empiria e as categorias, incessantemente, esses

são alguns procedimentos indispensáveis para a produção de conhecimento em

Sociologia. E isto nada tem a ver com “dialética”: trata-se, apenas, de sensatez. Sem se

envolver diretamente em trabalhos de campo, regularmente, dificilmente algum colega

irá se afirmar como cientista social que esteja realmente contribuindo para este campo

científico. Se, por um lado, a Filosofia é “uma prática discursiva (ela procede por

discursos e raciocínios) que tem a vida por objeto, a razão por meio e a felicidade por

fim” (COMTE-SPONVILLE, 2005, p. 8), a Sociologia, por analogia, é “a prática

científica (tem por norma os procedimentos e as operações desenvolvidas pela ciência)

que tem a vida social por objeto, a razão por meio e a interpretação do significado da

ação social por fim”. Não fazemos parte, portanto, de um campo de especulação que

procede tão somente “por discursos e raciocínios”, mas a Sociologia é parte integrante

do campo científico e, mesmo que nosso objeto de análise possua uma natureza distinta,

se comparado ao estabelecimento de objetos de outras ciências não sociais, ainda assim

é um objeto científico legítimo que associa diversos procedimentos para a sua

interpretação – um dos principais sendo exatamente a pesquisa empírica.

VII. Leia, leia e leia – sempre!

Esta é recomendação breve, por ser óbvia (mas, infelizmente pouco seguida). Se

a palavra é a arma principal para a produção do argumento e a exposição e defesa de

nossas interpretações, é preciso saber apresentá-las discursivamente pelo menos sob

narrativas satisfatórias. Para isto, é preciso ler e ler, continuamente. Não existem bons

cientistas sociais que não tenham passado a sua vida lendo e, caso você não goste de ler,

mude logo de profissão. A leitura permanente, em toda a existência, é necessária para a

produção da “sabedoria argumentativa”, mas é também crucial por outra razão: manter-

se atualizado no âmbito do melhor conhecimento existente. Em outros campos

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científicos (das ciências naturais, por exemplo), a atualização e aperfeiçoamento

analítico ocorrem pela produção constante de novos “procedimentos e técnicas” (ou

materiais), mas seus praticantes deixaram de discutir, por desnecessidade, os “grandes

conceitos e teorias”, pois em tais ciências consolidou-se um relativo consenso

paradigmático sobre os entendimentos conceituais básicos e formadores desses campos

científicos. Na Sociologia (e nas Ciências Sociais), ao contrário, as necessidades de

produção de conhecimentos são mais amplas e desafiadoras: prevalecendo o dissenso

teórico e a contínua mutação dos comportamentos sociais, precisamos percorrer,

repetidamente, todo o campo da história do pensamento social e, por isto, os clássicos

da disciplina ainda são tão atuais em muitas de suas contribuições. Conforme

Alexander, um “(...) clássico é o resultado do primitivo esforço da exploração humana

que goza de status privilegiado em face da exploração contemporânea no mesmo campo

(...) os modernos cultores da disciplina em questão acreditam poder aprender tanto com

estudo dessa obra antiga quanto com o estudo da obra de seus contemporâneos”

(ALEXANDER, 1999, p. 24).17 Ou, afirmado sob uma pergunta mais simples: enquanto

na Física um estudante pode passar todo o seu período universitário sem jamais ter lido

uma linha de Newton (ou Einstein), quem na Sociologia poderia prescindir, por

exemplo, de conhecer (e muito bem) toda a obra de Max Weber?

VIII. Ciência e militância: um desastre anunciado

Recuse resolutamente atuar profissionalmente como um cientista social se

estiver contaminado por suas preferências políticas e, em especial, aquelas de ordem

partidária. Ciência e militância são como o azeite e a água: não se misturam, por terem

pontos de partida profundamente distintos. Por isto o uso deliberado do termo

“contaminado” (e sem aspas), porque esta tentativa de associar a militância ao exercício

da Sociologia, para meu pasmo, é bastante frequente e aceita no Brasil, mas empobrece

irremediavelmente as nossas chances de produzir uma boa ciência social, realmente

relevante e iluminadora sobre a arquitetura da sociedade e seu funcionamento. Para

muitos, se aceita como correta uma associação que, de fato, é falaciosa: aquela que

17 Provavelmente, Alexander seja em nossos dias, entre todos, o mais importante sociólogo - tão brilhantes são seus trabalhos, demonstrativos de um conhecimento que parece ser inacreditável. É uma prova da imaturidade e adolescência da Sociologia brasileira que este seja outro autor quase ignorado. Como Erik Olin Wright, talvez a origem norte-americana crie “barreiras à entrada”, bloqueando a chance de dialogar e aprender com autores tão paradigmáticos. É preciso vencer, com urgência, este preconceito ideológico. Caso contrário, jamais deixaremos este estágio de primarismo acadêmico.

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torna a militância um “comprometimento” com “as maiorias” (ou seja, as classes

subordinadas, ou trabalhadoras) e, portanto, estaria legitimada como prática científica

da Sociologia. Este equívoco é que tem fertilizado de forma impressionante um sem-

número de iniciativas que são pelo menos problemáticas e fortemente controvertidas,

apequenando a formação dos novos cientistas sociais, em face de tantas fantasias não

científicas que pululam em nossos meios universitários.

Aqui não precisamos de muita argumentação e talvez possamos permanecer em

uma crítica singela. O exercício da militância, em nome da Sociologia, necessariamente

supõe que uma dada categoria sociológica seja realmente universal, ou para a sociedade

como um todo, ou até mesmo no interior de um subgrupo social, tais como

“trabalhadores”, “sem terra”, “pobres”, “excluídos”, entre outras palavras que justificam

a militância política e partidária de muitos colegas. Mas essas palavras seriam conceitos

sociológicos e, ainda mais, expressariam conteúdos sociais que sugerem uma

homogeneidade intrínseca, para se afirmarem como categorias? Não precisamos fazer

muita pesquisa empírica para concluirmos que não e, de fato, a realidade social mostra,

contrariamente, uma imensa diversidade social sob o guarda-chuva daquelas palavras.

Além disso, sempre é bom lembrar, a opção militante, necessariamente, espelha um

particularismo, nunca uma escolha universal. As sociedades, ao se expandirem

quantitativamente, também se diferenciam qualitativamente, sendo este um dos mais

banais aprendizados derivados das contribuições de todos os fundadores da Sociologia.

O conceito de diferenciação social não foi apenas analisado magistralmente por

Durkheim já nos primórdios da Sociologia (1893), mas foi igualmente central para a

análise de Lenin em O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, originalmente

publicado em 1899. Consequentemente, os particularismos, cada vez mais, incidem

sobre conjuntos sociais que vão, relativamente, sendo reduzidos em sua expressão

relativa, vis-à-vis o restante da sociedade. Ou seja, fazer proselitismo político em nome

da Sociologia representa, primordialmente, manifestação de ignorância sociológica, pois

é o desconhecimento do que sejam, em especial, os próprios processos sociais – o que

imediatamente desqualifica aqueles que praticam esta combinação tão espúria em

nossos ambientes de pesquisa e ensino.

Em síntese, nada é mais equivocado do que a associação entre militância e

ciência e esta última não existirá jamais se animada pela primeira. Resista a desenvolver

para si mesmo esta superposição de papéis e escolhas – ela é falsa e, se aceita, jamais

lhe dará legitimidade como cientista social.

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IX. De omnibus dubitandum 18

Nenhum cientista social atingirá a plenitude de suas possibilidades analíticas e

capacidade profissional se não desenvolver um pensamento crítico sobre a sociedade e

os comportamentos sociais, inclusive se esforçando intensamente para assegurar um

distanciamento de suas preferências, valores e escolhas próprias sobre as diversas

facetas da vida social (conforme, em parte, o discutido no item anterior). É preciso

duvidar de tudo e manter um permanente ceticismo sobre as manifestações, por

exemplo, daqueles que integram as elites. E todos os subgrupos das elites – inclusive os

integrantes das elites situadas no campo da esquerda, pois é preciso evitar esta ilusão do

senso comum de julgar que entre a esquerda estão os “bons e os santos” e, à direita, os

“maus e inescrupulosos”. Desconfiar sempre, eis a cautela obrigatória para os cientistas

sociais que realmente pretendem interpretar os processos sociais e entender a sociedade,

mantendo-se sob segura proteção em face dos discursos do poder e das pomposas frases

de todos os operadores da política, cujo objetivo é sempre, e exclusivamente, manter o

poder – e, para tanto, precisam usar toda a sorte de manipulações e mistificações.19

Deve ser lembrado, como alerta José de Souza Martins, que a Sociologia tem uma

potencialidade analítica, que precisa ser exercitada como criatividade e qualidade

científica. Se assim não for, seremos também parte integrante daqueles grupos sociais

que são marionetes das estruturas de dominação. Segundo Martins,

“(...) A sociedade, especialmente a moderna, se reproduz enganando-se continuamente. Esse engano é essencial para que ela se mantenha coesa e funcional. A Sociologia só tem sentido como produção de conhecimento sobre o engano socialmente necessário (...) Nesse sentido, a Sociologia não é o conhecimento alternativo e substituto, mas o conhecimento revelador (...) o conhecimento que revela tudo que na sociedade tolhe a emancipação do homem em relação à trama de relacionamentos que o aprisiona (...) De algum modo, a Sociologia é a ciência da esperança, porque em vez de ser conhecimento para o controle social, o mando e a obediência, só tem sentido como conhecimento para desvendar, ensinar, libertar” (MARTINS, 2006, p. 155, grifo acrescido)

Cabe ainda um comentário adicional sobre “o pensamento crítico” que todos

precisamos, compulsoriamente, desenvolver enquanto cientistas sociais. A “visão

18 Este seria o mote favorito de Marx – “duvidar de tudo”. De fato, nos apontamentos escritos de Marx, a frase encontrada era ligeiramente diferente, embora com o mesmo significado – dubitatus dubitandum (algo como “duvidar da dúvida”). Ver, a respeito, MCLELLAN, 1976.

19 “(...) Só os tolos tomam de empréstimo aos que estão por cima a régua que estes usam para medir o

mundo (...) Fica também mais pobre o pobre que aplaude o rico, menor o pequeno que aplaude o grande (...) a vítima ruidosa que aprova seu opressor se faz duas vezes prisioneira” ( NASSAR, 1975, passim).

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crítica” seria uma habilidade de poucos, mais atilados e comandando vasto

conhecimento de teoria sociológica? Nada mais errôneo: também a “leitura crítica” dos

fatos sociais implica em um método e a noção de “crítica” é, ela mesma, sujeita também

a um exercício (crítico) sobre as diferentes propostas que a história desta disciplina

ofereceu, no sentido de encaminhar metodologias críticas para examinar a vida social. A

título de excelente contribuição para a sistematização de “visões teóricas sobre a

crítica”, Gerard Delanty, um competente sociólogo inglês, organizou os diferentes

enfoques sobre o exercício do pensamento crítico na Sociologia, insistindo que “a

pluralização da Sociologia nas últimas três décadas, aproximadamente, acarretou uma

presença bem mais forte de um entendimento crítico, tanto na teoria como na prática da

Sociologia”. Para o autor, seriam cinco as vias do pensamento crítico disponíveis: a

crítica normativa-diagnóstica da Escola de Frankfurt, a Sociologia crítica de Bourdieu, a

crítica genealógica de Foucault, o chamado “realismo crítico” e, finalmente, um

conjunto de posições mais recentes centradas em torno da noção de “prática crítica”.

Parece complexo, mas Delanty indica, claramente, os contornos metodológicos (e os

correspondentes fundamentos teóricos) associados a cada uma dessas linhagens

(DELANTY, 2011). Portanto, “ser um sociólogo crítico” não pressupõe alguma

differentia specifica, ou seja, uma habilidade que apenas alguns comandariam, mas não

a maioria dos praticantes deste campo científico. Menos ainda supõe, como sugere uma

certa Sociologia militante, situar-se politicamente à esquerda, como se cientistas sociais

que não são marxistas ou socialistas não possam exercer sua capacidade crítica, quando

analisam os processos sociais. Ser crítico significa, sobretudo, conhecer os autores, as

escolas do pensamento sociológico e suas perspectivas metodológicas e, ato contínuo,

selecionar a rota de desenvolvimento do pensamento crítico que mais lhe pareça

apropriada em seus trabalhos.

X. São ciências prazerosas?

Talvez possa aqui comentar sobre a lição mais sucinta de todas. A Sociologia é,

certamente, a mais prazerosa de todas as ciências, se um percurso para a sua apropriação

e o seu exercício profissional forem perseguidos com sabedoria e com a mente aberta,

não se permitindo capturar pelos tantos profetas que se apresentam como sociólogos ou

pelos modismos de ocasião. Esta é uma árvore que, cuidada com desvelo, logo produz

seus saborosos frutos. A Sociologia, não menos do que isto, permite àquele que a

comanda com maestria a compreensão dos comportamentos sociais, mesmo que

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parcialmente, em muitos casos de investigação. Desta forma, a Sociologia ilumina o

que, para a vasta maioria dos humanos, é incompreensível e oculto. Não existe saber

mais doce e prazeroso do que entender “as coisas como elas são”. Como no poema antes

citado, o exercício da Sociologia não produzirá riquezas materiais no processo de seu

desenvolvimento e aperfeiçoamento ao longo dos anos. Mas o percurso é marcado por

intensa fruição, sem nenhuma dúvida impossível de ser obtida em qualquer outro campo

científico, pois a recompensa pode ser a apreensão em sua inteireza de um bem

simbólico valiosíssimo – a capacidade de interpretação ampla sobre a aventura humana.

Saber retirar-se da vulgar superficialidade dos fatos e suas manifestações aparentes e

sempre mistificadoras e, indo além, perceber e interpretar a sua essência – este é o

privilégio de poucos e somente os praticantes da Sociologia estão aptos a fazer parte

deste privilegiado grupo de “leitores do mundo social”.

2. Conclusões

“Humani a se nihil alienum putet”20 – esta frase, originalmente formulada por

um poeta romano, Públio Terêncio, em (aproximadamente) 150AC, foi outra das

máximas favoritas de Marx, embora por ele alterada para indicar a si mesmo e sua

capacidade de análise – segundo enfatizou, “nada que é humano é estranho para mim”.

Poderia estar demonstrando alguma soberba e excessiva autoconfiança, mas aquele pai

fundador da Sociologia não deveria ser criticado por escolher esta máxima, que parece

ser presunçosa. Na segunda metade do Século XIX, era uma característica discursiva

dos pensadores mais influentes mostrarem-se inteiramente seguros e categóricos,

parecendo quase todos um tanto verborrágicos e capazes de oferecer o que talvez

sugerisse discursos e manifestações demagógicas. É um fato histórico entender que, de

fato, a linguagem mais cautelosa e recatada dos cientistas em geral foi sendo enraizada

apenas durante o século seguinte.

Aquela máxima deveria, entretanto, ser a escolhida por todos os cientistas

sociais – e os sociólogos, em particular – como uma meta pessoal para o desempenho de

sua profissão. Havendo concordância com a citação anterior, isto é, que a Sociologia se

destina a emancipar os membros de uma dada sociedade, em função do conhecimento

produzido, não contribuindo para manter as estruturas de dominação, então faria sentido

adotar a frase inicial dessas conclusões como o lema inspirador da disciplina. E se for

20 “Que ele pense que nada que é humano lhe seja alheio”.

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preceito levado às suas últimas consequências, haverá sempre um preço pessoal para

manter esta postura de crítica permanente, pois os detentores de poder apenas

ocasionalmente são democráticos o suficiente para aceitarem leituras e análises críticas

que incidem sobre si mesmos. Mas a recompensa, por outro lado, será uma vida

profissional íntegra e comprometida com o “bem comum” e o desempenho de uma

atividade científica em sua plenitude, na mais profunda acepção da palavra e seu

significado em termos de seu trabalho. Espero que este seja o caminho escolhido.

3. Bibliografia citada

ALEXANDER, Jeffrey, “A importância dos clássicos”, in GIDDENS, A. e TURNER, J. (orgs). Teoria social hoje. São Paulo: Editora da UNESP, p. 23-89

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ARRIGHI, Giovanni. O longo Século XX. O dinheiro, o poder e as origens de nosso tempo. São Paulo: Editora Contraponto / Editora da UNESP, 1994

COMTE-SPONVILLE, André. A felicidade, desesperadamente. São Paulo: Martins Fontes, 2005

DELANTY, Gerrard, “Varieties of critique in sociological theory and their methodological implications for social research”, in Irish Journal of Sociology, 19(1), p. 68-92, 2011

ENTREVISTA: “Marxism, Capital System, and Social Revolution: An Interview with István Mészáros”, in Science and Society, 63(3), p. 342-365, 1999

GIDDENS, Anthony. Em defesa da Sociologia. Ensaios, interpretações e tréplicas. São Paulo: Editora da UNESP, 2001

LEIS, Héctor R., “A tristeza de ser sociólogo no Século XXI”, in Dados, 43(4), p. 737- 760, Rio de Janeiro: IUPERJ

LUKES, Stephen. Power: A Radical View, Second Edition. Londres: Palgrave Macmillan, 2005

MCLELLAN, David. Karl Marx. His life and Thought. Londres: Paladin, 1976

MARTINS, José de Souza, “Entrevista”, in BASTOS, Elide Rugai et al. Conversas com sociólogos brasileiros. São Paulo: Editora 34, p. 135-160, 2006

MONTAIGNE. Ensaios. São Paulo: Penguin / Companhia das Letras, 2000

NASSAR, Raduan. Lavoura arcaica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975

NAVARRO, Zander, “Os tempos difíceis do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)”, in TEIXEIRA, Erly Cardoso e MATTOS, Leonardo (orgs). Políticas públicas e desenvolvimento. Viçosa: Editora da Universidade Federal de Viçosa, 2011, p. 425-470

PIORE, Michael, “Economics and Sociology”, in Revue Economique, 53(2), p. 291-300, 2002

SARKAL, Saral. The Crises of Capitalism. A Different Study of Political Economy. Berkeley (Califórnia), Counterpoint Press, 2012. Disponível online em:

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