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A SAÚDE DOS TRABALHADORES RURAIS E A EXPANSÃO CANAVIEIRA Ana Carolina Janegitz Pereira 1 Cassiano Ricardo Rumin 2 INTRODUÇÃO Este trabalho apresenta uma pesquisa em saúde do trabalhador realizada na cidade de Flórida Paulista (SP) a um coletivo de 79 trabalhadores que exercem a atividade manual de cana-de-açúcar. A partir do final da década 1990 a agroindústria canavieira expandiu sua participação na produção agrícola do oeste paulista. Além de alterar o perfil da produção agrícola desta região, determinou o incremento dos seus padrões de desgaste à saúde aos trabalhadores que foram absorvidos nesta atividade produtiva. A articulação entre as atividades produtivas e os prejuízos à saúde coletiva impulsionou a caracterização de como os trabalhadores percebem os agravos à saúde e se há alguma relação com a atividade desenvolvida. A atividade manual de corte de cana-de-açúcar atrai o trabalhador pela garantia de um salário e de uma futura aposentadoria. Em oposição a esta questão, é importante pontuar que esta garantia só será possível se o trabalhador conseguir fazer com que sua produção seja elevada, ou seja, o trabalhador vai ganhar a partir daquilo que ele produzir, o que nos leva a observar que com isso, o trabalhador tende a aumentar seu ritmo de trabalho, o que pode assim causar danos à sua saúde física como psíquica. Além disso, aumenta também a produção da empresa, estas que muitas vezes utiliza estratégias de coação ao trabalhador, a exemplo disso, têm a utilização de máquinas sendo introduzidas diariamente no contexto de trabalho. Pode-se afirmar que a mecanização do corte de cana-de-açúcar agrava as condições de vida, trabalho e de saúde dos trabalhadores que se dedicam a essa atividade. Considerando que as lavouras sujeitas à mecanização são aquelas situadas em ares de solo regular, onde a cana se encontra em pé e, portanto, onde o trabalhador consegue maior produtividade, ao trabalhador restará o corte da cana de áreas irregulares, e/ou da cana “deitada” ou emaranhada”, onde as condições de trabalho são mais adversas e a produtividade do trabalho é baixa (ALESSI E NAVARRO, 1997). 1 Bacharel em Psicologia – Discente das Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI) 2 Psicólogo (FFCL/UNESP) – Especialista em Saúde Pública (FCF/UNESP) – Mestre em Ciências Médicas (FMRP/USP) – Docente da FAI

A SAÚDE DOS TRABALHADORES RURAIS E A EXPANSÃO … · A Combinação entre trabalho humano e de máquinas na colheita da cana-de-açúcar foi ... extintos a cada 1% de área de colheita

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A SAÚDE DOS TRABALHADORES RURAIS E A EXPANSÃO CANAVIEIRA

Ana Carolina Janegitz Pereira1

Cassiano Ricardo Rumin2

INTRODUÇÃO

Este trabalho apresenta uma pesquisa em saúde do trabalhador realizada na cidade de

Flórida Paulista (SP) a um coletivo de 79 trabalhadores que exercem a atividade manual

de cana-de-açúcar. A partir do final da década 1990 a agroindústria canavieira expandiu

sua participação na produção agrícola do oeste paulista. Além de alterar o perfil da

produção agrícola desta região, determinou o incremento dos seus padrões de desgaste à

saúde aos trabalhadores que foram absorvidos nesta atividade produtiva. A articulação

entre as atividades produtivas e os prejuízos à saúde coletiva impulsionou a

caracterização de como os trabalhadores percebem os agravos à saúde e se há alguma

relação com a atividade desenvolvida. A atividade manual de corte de cana-de-açúcar

atrai o trabalhador pela garantia de um salário e de uma futura aposentadoria. Em

oposição a esta questão, é importante pontuar que esta garantia só será possível se o

trabalhador conseguir fazer com que sua produção seja elevada, ou seja, o trabalhador

vai ganhar a partir daquilo que ele produzir, o que nos leva a observar que com isso, o

trabalhador tende a aumentar seu ritmo de trabalho, o que pode assim causar danos à sua

saúde física como psíquica. Além disso, aumenta também a produção da empresa, estas

que muitas vezes utiliza estratégias de coação ao trabalhador, a exemplo disso, têm a

utilização de máquinas sendo introduzidas diariamente no contexto de trabalho.

Pode-se afirmar que a mecanização do corte de cana-de-açúcaragrava as condições de vida, trabalho e de saúde dostrabalhadores que se dedicam a essa atividade. Considerandoque as lavouras sujeitas à mecanização são aquelas situadas emares de solo regular, onde a cana se encontra em pé e, portanto,onde o trabalhador consegue maior produtividade, aotrabalhador restará o corte da cana de áreas irregulares, e/ou dacana “deitada” ou emaranhada”, onde as condições de trabalhosão mais adversas e a produtividade do trabalho é baixa(ALESSI E NAVARRO, 1997).

1 Bacharel em Psicologia – Discente das Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI)2 Psicólogo (FFCL/UNESP) – Especialista em Saúde Pública (FCF/UNESP) – Mestre em CiênciasMédicas (FMRP/USP) – Docente da FAI

Com a oferta de rodovias existentes na região do Oeste Paulista, é possível enfatizar

nesta pesquisa, que as mesmas possibilitam a movimentação dos trabalhadores e da

matéria prima colhida. Assim, a rede de rodovias potencializa o processo de ocupação

de áreas agrícolas pelas agroindústrias canavieiras. A reestruturação produtiva que se

encontra em curso em diversas áreas canavieiras do Brasil também se apresenta no oeste

paulista. É visível o investimento em tecnologias que diversificam a produção das

agroindústrias e que redefinem a organização de suas ações produtivas. Assim, nos

deparamos com a utilização das máquinas restringindo a alocação de trabalhadores na

colheita manual de cana-de-açúcar. A mecanização da colheita contribui de modo

decisivo para a intensificação desta etapa do processo produtivo. Em São Paulo, estima-

se a redução de 70 mil postos de trabalho entre os anos de 2000 e 2007 (VEIGA

FILHO, 2003) para uma população estimada de 250 mil trabalhadores. A colheita

mecanizada impeliu os colhedores manuais de cana-de-açúcar a trabalharem de modo

mais intenso em razão da ansiedade relacionada a manutenção do emprego na próxima

safra. Ainda, pressionou os patamares de remuneração salarial e fragmentou as ações

dos sindicatos representantes da categoria (THOMAZ JUNIOR, 2002). As máquinas

determinam uma relação paradoxal, pois, apesar de oferecerem uma resposta ativa do

referencial tecnológico aos prejuízos gerais à saúde ocasionados pela colheita manual de

cana-de-açúcar expõe os trabalhadores a situação de desemprego. Deste modo,

presenciamos os trabalhadores intensificando a atividade produtiva em razão das

exigências de produtividade que são crescentes. Assim, a agroindústria canavieira

combina a apropriação de mais-valia relativa pelo incremento tecnológico com maior

eficiência de exploração da mais-valia absoluta produzida pela intensificação da

atividade produtiva (MARX, 1982). E razão dos prejuízos e condições de risco à saúde

que a mecanização da colheita de cana-de-açúcar determina a este grupo de

trabalhadores nos dedicamos nesta pesquisas a investigar aspectos das condições de

vida e trabalho deste grupo de trabalhadores que possam contribuir para agravar as

condições de vida e de saúde.

OBJETIVO

O presente artigo tem o objetivo de caracterizar o modo como os trabalhadores

canavieiros percebem os agravos à saúde e se estes reconhecem alguma relação com a

atividade ocupacional desenvolvida. Deste modo, espera-se contribuir para a

constituição de conhecimentos sobre as condições de agravo à saúde de atingem os

trabalhadores da canavicultura.

METODOLOGIA

Para a realização deste trabalho executamos observações de campo nas atividades de

colheita manual de cana-de-açúcar e tratos culturais. Como componente da observação

de campo efetuamos o registro fotográfico do processo de trabalho para materializarmos

as condições verificadas no processo de observação (COLLIER JR, 1973; WHITAKER,

2002). A partir da aplicação de um questionário a uma amostra de 79 trabalhadores (53

homens e 26 mulheres) foi possível delimitar aspectos inerentes ao quadro geral de

saúde dos trabalhadores canavieiros. Os entrevistados foram escolhidos a partir do

sorteio aleatório entre as turmas de trabalhadores representadas pelo sindicato local.

RESULTADOS

A observação do ambiente de trabalho permitiu a verificação da aplicação de algumas

diretrizes exigidas pela Norma Regulatória (NR31) que dispõe sobre o trabalho agrícola

e na canavicultura:

Figura 1. Área coberta para refeições (JANEGITZ, 2007)

A Combinação entre trabalho humano e de máquinas na colheita da cana-de-açúcar foi

verificada em um canavial onde não havia ocorrido o desfolhamento dos colmos pela

utilização das queimadas. Nesta situação é evidenciado o elemento símbolo da

reestruturação produtiva (a colheitadeira) associado a exploração do trabalho vivo na

colheita manual de cana-de-açúcar.

Figura 2. Homens e máquinas atuando na colheita (JANEGITZ, 2007)

A colheita mecanizada impõe ao trabalhador o contato com a ideologia da organização

do trabalho orientada para a maximização dos lucros. Podemos considerar que a

mecanização da colheita representa a subservivência do trabalhador às situações de

controle impostas pela hierarquia organizacional. Dejours (1992) destaca as condições

ansiogênicas inerentes ao contato com a experiência hierárquica e suas exigências de

produtividade:

No caso de indústrias onde o trabalho é submetido a um ritmoimposto, podemos considerar que as relações hierárquicas sãofonte de uma ansiedade que se superpõe, de rendimento, aosprêmios e bonificações. È uma ansiedade superposta na medidaem que a supervisão tem por encargo específico manter estaansiedade com relação ao rendimento de cada trabalhador(DEJOURS, 1992 p.75)

Esta ansiedade superposta é uma imposição para a condição de existência aparelhar uma

relação com o corpo que preconize o silêncio dos órgãos (DEJOURS, 1992). As

respostas ao questionário respondido por 79 trabalhadores de um município da região

(53 homens e 26 mulheres) indicaram que 47% dos entrevistados reconheceram a

ocorrência de agravos à saúde em razão do trabalho. A percepção de dores decorrentes

do trabalho foi considerada cotidianas para 29% dos entrevistados e 41% declararam

preocupação com as mesmas, pois, podem determinar a desefetivação do indivíduo

enquanto instrumento dirigido à eficiência produtiva. Estas dores impedem a realização

do trabalho para 42% dos entrevistados. Braços (38%), coluna vertebral (25%),

câimbras (15%) e pernas (7%) são as queixas mais comuns e que determinam

preocupações aos trabalhadores. A fuligem da queimada da cana-de-açúcar é indicada

como prejudicial ao sistema respiratório por 40% dos entrevistados. Para corresponder

às exigências produtivas, 54% dos entrevistados relataram tomar vitaminas sendo que

em 18% dos casos são injetáveis. As intensas exigências físicas são consideradas por

48% dos entrevistados uma dificuldade para a realização deste trabalho até a

aposentadoria e 30% afirmaram que quase nenhum trabalhador consegue objetivar esta

situação. Questionados sobre o conhecimento de colhedores manuais de cana-de-açúcar

que não conseguem mais trabalhar por problemas na coluna, nos ombros ou nos braços

obteve-se 59% de respostas afirmativas. Os registros fotográficos apresentados a seguir

ilustram diversas exigências ergonômicas:

Figura 3. “Abraço na cana” para o corte (JANEGITZ,2007)

Figura 4. Flexão do tronco pra corte (JANEGITZ,2007)

A ansiedade provocada pelo medo da perda do emprego e a percepção da degradação da

saúde são fatores que potencializam o sofrimento psíquico dos trabalhadores. Estes

trabalhadores contariam com a subjetividade impregnada pelo medo, gerada pelos

controles sociais, pelo pânico do desemprego, crescente à medida que os equipamentos

penetram no campo, pela cada vez maior precariedade da existência material (Saffioti,

1999 apud Silva 1999 p.7).

CONCLUSÃO

A atividade produtiva extenuante, as precárias condições de trabalho, a renda sazonal, a

determinação do salário pela quantidade de trabalho produzido, as dificuldades de

projeção pessoal num futuro profissional marcado pela mecanização da produção e as

relações conflituosas da organização do trabalho determinam vivências ansiogênicas a

estes trabalhadores. Estas vivências envolveriam a precarização da existência material e

o temor do desemprego implementado pela mecanização da colheita. Numa estimativa

do número de postos de trabalhos fechados pela mecanização da colheita, o Instituto de

Economia Agrícola do Estado de São Paulo afirma que 2500 postos de trabalho serão

extintos a cada 1% de área de colheita manual que for mecanizada. Considerando a

intensificação do trabalho decorrente da crescente mecanização da colheita de cana-de-

açúcar, se configura um quadro de morbidade comum a estes trabalhadores: constante

ocorrência de câimbras, manifestações cotidianas de dores e desconforto físico e lesões

do sistema osteomuscular. A exigência em empilhar os colmos uniformemente, resultou

no implemento de cargas mecânicas ocasionando prejuízos à coluna vertebral. O corte

do ponteiro da cana-de-açúcar preconizada pelas empresas canavieiras para reduzir a

quantidade de fibras no momento da moagem determinaria o incremento de golpes de

podão à atividade de colheita manual. Esta situação contribuiria para aumentar a

transmissão mecânica do impacto do facão no colmo de cana-de-açúcar ao braço do

trabalhador e aumentaria o risco de desenvolvimento de doenças osteomusculares

relacionadas ao trabalho. Ainda, deve-se apontar que o trabalho ininterrupto nos

períodos de safra e entressafra agregaria aos colhedores manuais de cana-de-açúcar as

cargas de trabalho específicas do trabalho no plantio e manutenção dos canaviais, tais

como, capina, controle de pragas (cargas ergonômicas derivadas do emprego de

pulverizadoras intercostais e exposição a agrotóxicos) e a velocidade do trabalho

regulado pela velocidade de trabalho das máquinas sulcadoras e adubadoras. Por isto

deve-se destacar que a efetivação de trabalhadores no manejo cultural acentua ainda

mais o desgaste à saúde. Conclui-se afirmando que podemos considerar que a

intensificação da atividade produtiva e a reordenação da divisão do trabalho

contribuíram para a deterioração do quadro geral de saúde dos trabalhadores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALESSI, Neiry Primo; NAVARRO, Vera Lúcia. Saúde e trabalho rural: o caso dos

trabalhadores da cultura canavieira na região de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil.

Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro; v.13 1997.

COLLIER JUNIOR, J. Antropologia visual: a fotografia como método de pesquisa.

São Paulo: EPU/ Editora da Universidade de São Paulo, 1973.

DEJOURS, Chirstophe. A loucura do trabalho: estudos de psicopatologia do

trabalho. Cortez, São Paulo: 1992.

MARX, K. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Difusão Editorial,

1982. v.2.

SILVA, M. A. M. Errantes do fim do século. São Paulo: UNESP, 1999.

TOMAZ JUNIOR, A. Por trás dos canaviais, os “nós” da cana: a relação capital x

trabalho e o movimento sindical dos trabalhadores na agroindústria canavieira

paulista. São Paulo: Annablume/Fapesp;2002.

VEIGA FILHO, A.A. (2003) Substituição de empregos por máquinas: uma simulação

para o corte de cana-de-açúcar em São Paulo.[acessado 2006 Nov 17] Disponível em

www.iea.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=111