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A Singularidade do Amor Cristão Jonathan Edwards A singularidade da caridade cristã, ou do amor cristão, se evidencia pelas seguintes marcas: Primeira, toda caridade e amor cristãos procede do mesmo Espírito que influencia o coração. O genuíno amor cristão se origina do sopro do mesmo Espírito, seja para com Deus, seja para com o homem. O Espírito de Deus é o Espírito de amor, e quando ele adentra a alma, o amor também entra aí com ele. Deus é amor, e aquele que tem Deus habitando em si por meio de seu Espírito, também terá o amor habitando em si. A natureza do Espírito Santo é amor; e é por comunicar-se, em sua própria natureza, aos santos, que seus corações se enchem da caridade divina. Disto descobrimos que os santos são participantes da natureza divina, e o amor cristão é chamado de “amor do Espírito” (Rm 15.30) e “amor no Espírito” (Cl 1.8), e as próprias entranhas do amor e misericórdia parecem significar a mesma coisa que a comunhão do Espírito (Fp 2.1). É também o mesmo Espírito que infunde amor para com Deus (Rm 5.5); é pela habitação desse mesmo Espírito que a alma permanece no amor para com Deus e para com o homem (1Jo 3.23, 24; 4.12, 13). Segunda, o amor cristão, seja para com Deus, seja para com o homem, é operado no coração pela mesma obra do Espírito. Não há duas obras do Espírito de Deus, uma a infundir um espírito de amor para com Deus, e a outra a infundir um espírito de amor para com os homens; mas, ao produzir uma, o Espírito produz também a outra. Na obra de conversão, o Espírito Santo renova o coração, dando- lhe uma disposição divina (Ef 4.23); assim, é uma e a mesma disposição divina que é operada no coração, a qual se manifesta em amor, seja para com Deus, seja para com o homem. Terceira, quando Deus e o homem são amados com um amor realmente cristão, ambos são amados com base nos mesmos motivos. Quando Deus é amado de uma maneira correta, ele é amado por sua excelência e pela beleza de sua natureza, especialmente pela santidade de sua natureza; e é proveniente do mesmo motivo que os santos são amados – por causa da santidade. Todas as coisas que são amadas com um amor realmente cristão são amadas com base no mesmo respeito para com Deus. Amor para com Deus é o fundamento do gracioso amor para com os homens; e os homens são amados, ou porque em algum aspecto se assemelham a Deus, na posse de sua natureza e imagem espiritual, ou em razão da relação que mantêm com ele na capacidade de seus filhos ou criaturas – como aqueles que são abençoados por ele, ou a quem sua misericórdia é oferecida, ou de alguma outra maneira por consideração a ele. Observe-se apenas que, embora o amor cristão seja um em seu princípio, contudo é distinguido e denominado com respeito a seus objetos e os modos de seu exercício e seus graus.

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A Singularidade do Amor CristoJonathan Edwards A singularidade da caridade crist, ou do amor cristo, se evidencia pelas seguintes marcas:Primeira, toda caridade e amor cristos procede do mesmo Esprito que influenciao corao. O genuno amor cristo se origina do sopro domesmo Esprito, seja para com Deus, seja para com o homem.O Esprito de Deus o Esprito de amor, e quando ele adentraa alma, o amor tambm entra a com ele. Deus amor, eaquele que tem Deus habitando em si por meio de seu Esprito,tambm ter o amor habitando em si. A natureza do EspritoSanto amor; e por comunicar-se, em sua prpria natureza,aos santos, que seus coraes se enchem da caridade divina.Disto descobrimos que os santos so participantes da naturezadivina, e o amor cristo chamado de amor do Esprito (Rm15.30) e amor no Esprito (Cl 1.8), e as prprias entranhasdo amor e misericrdia parecem significar a mesma coisa que acomunho do Esprito (Fp 2.1). tambm o mesmo Espritoque infunde amor para com Deus (Rm 5.5); pela habitaodesse mesmo Esprito que a alma permanece no amor para comDeus e para com o homem (1Jo 3.23, 24; 4.12, 13).Segunda, o amor cristo, seja para com Deus, seja para como homem, operado no corao pela mesma obra do Esprito. Noh duas obras do Esprito de Deus, uma a infundir um espritode amor para com Deus, e a outra a infundir um esprito deamor para com os homens; mas, ao produzir uma, o Espritoproduz tambm a outra. Na obra de converso, o Esprito Santorenova o corao, dando-lhe uma disposio divina (Ef 4.23);assim, uma e a mesma disposio divina que operada nocorao, a qual se manifesta em amor, seja para com Deus, sejapara com o homem.Terceira, quando Deus e o homem so amados com umamor realmente cristo, ambos so amados com base nos mesmosmotivos. Quando Deus amado de uma maneira correta,ele amado por sua excelncia e pela beleza de sua natureza,especialmente pela santidade de sua natureza; e provenientedo mesmo motivo que os santos so amados por causa dasantidade. Todas as coisas que so amadas com um amor realmentecristo so amadas com base no mesmo respeito paracom Deus. Amor para com Deus o fundamento do graciosoamor para com os homens; e os homens so amados, ou porqueem algum aspecto se assemelham a Deus, na posse de suanatureza e imagem espiritual, ou em razo da relao que mantmcom ele na capacidade de seus filhos ou criaturas comoaqueles que so abenoados por ele, ou a quem sua misericrdia oferecida, ou de alguma outra maneira por consideraoa ele. Observe-se apenas que, embora o amor cristo seja umem seu princpio, contudo distinguido e denominadocom respeito a seus objetos e os modos de seu exerccio eseus graus.Alm dessas marcas, a caridade ser tambm uma evidncia da verdadeira f salvadora, que distingue os verdadeiros cristos. Isso pode ser visto de duas maneiras:Primeira,que o amor dispor o corao a todos os atos prpriosde respeito, seja para com Deus, seja para com o homem. Isto evidente, visto que um genuno respeito, seja para com Deus,ou seja para com o homem, consiste em amor. Se uma pessoaama a Deus sinceramente, este amor a dispor a render-lhe todoo respeito prprio; e os homens no carecem de nenhum outroincentivo para mostrar, uns aos outros, todo o devido respeito,seno do amor. O amor para com Deus dispor uma pessoa ahonr-lo, a cultu-lo e a ador-lo, e sinceramente reconhecer suagrandeza, glria e domnio. E assim o amor dispor a todos osatos de obedincia a Deus; pois o servo que ama a seu senhor, eo sdito que ama a seu soberano, se disporo sujeio e obedinciaprprias. O amor dispor o cristo a portar-se para comDeus como um filho para com seu pai; em meio s dificuldades,recorre ao pai por auxlio e pe nele toda sua confiana; comotambm natural, em caso de necessidade ou aflio, recorrermosa quem amamos em busca de compaixo e socorro. Elenos levar tambm a dar crdito sua palavra e a depositar nelenossa confiana; pois no podemos suspeitar da veracidade daquelescom quem mantemos plena amizade. Ele nos dispor alouvar a Deus pelas bnos que dele recebemos, assim comonos dispomos gratido por qualquer bondade que recebemosde nossos semelhantes a quem amamos. O amor ainda dispornossos coraes submisso vontade de Deus, pois somosmais dispostos a fazer a vontade dos que amamos do que a dosoutros. Naturalmente, desejamos satisfazer e ser agradveis aosque amamos; e a verdadeira afeio e amor para com Deus disporoo corao ao reconhecimento do direito que Deus temde governar, e que ele digno de faz-lo, e assim esse coraose dispor submisso. O amor para com Deus nos dispor aandar humildemente com ele, pois aquele que ama a Deus sedispor a reconhecer a vasta distncia entre Deus e ele. A essapessoa ser agradvel exaltar a Deus, a p-lo acima de tudo maise a encurvar-se diante dele. O verdadeiro cristo se deleita emexaltar a Deus com seu prprio aviltamento, porquanto ele oama. Ele est pronto a reconhecer que Deus digno disto, ese deleita em lanar-se ao p diante do Altssimo, movido desincero amor por ele.E assim uma devida considerao da natureza do amormostrar que ele dispe os homens a todos os seus deveres paracom seus semelhantes. Se os homens nutrem um sincero amorpor seus semelhantes, esse amor os dispor a todos os atos dejustia a esses semelhantes pois o amor e amizade reais nosdisporo a dar sempre aos que amamos o que lhes devido ejamais agir errado com eles: O amor no pratica o mal contrao prximo; de sorte que o cumprimento da lei o amor(Rm 13.10). O mesmo amor nos dispor a sermos verdadeirospara com nossos semelhantes e tender a impedir toda mentira,fraude e engano. Os homens no se dispem fraude e traiocontra os que amam; pois tratar assim os homens equivale atrat-los como inimigos; o amor, porm, destri a inimizade.Assim o apstolo faz uso da unidade que deve haver entre oscristos, mediante o argumento de induzi-los verdade quedeve haver entre uma pessoa e outra (Ef 4.25). O amor nosdispor a andarmos humildemente entre os homens; pois umamor real e genuno nos inclinar a nutrirmos pensamentos elevadosacerca dos outros e a pensarmos que eles so melhoresque ns. Ele dispor os homens a se honrarem reciprocamente,pois todos so naturalmente inclinados a pensar de modo sublimesobre aqueles a quem amam e a render-lhes honra; demodo que, pelo amor, se cumprem aqueles preceitos: Trataia todos com honra, amai aos irmos (1Pe 2.17); Nada faaispor partidarismo, ou vanglria, mas por humildade, considerandocada um os outros superiores a si mesmo (Fp 2.3). Oamor dispor ao contentamento na esfera em que Deus noscolocou, sem que cobicemos as coisas que nosso semelhantepossui, ou o invejemos em razo de algo bom que porventurapossua. Ele dispor os homens mansido e brandura em suaconduta para com seus semelhantes, e a no trat-los com raivaou violncia, ou com um esprito acalorado, e sim com moderao,serenidade e mansido. Ele refrear e restringir todoesprito de amargura; pois no amor no existe amargura, e simuma disposio e afeto da alma gentil e doce. Ele prevenir asrixas e contendas, e dispor os homens a um comportamentopacifista, bem como a perdoar o tratamento injurioso recebidode outros; como lemos em Provrbios: O dio excita contendas,mas o amor cobre todas as transgresses (Pv 10.12).O amor dispor os homens a todos os atos de misericrdiapara com seus semelhantes, quando estiverem enfrentandoalguma aflio ou calamidade, pois somos naturalmente dispostos piedade para com os que amamos, quando so afligidos.Ele dispor os homens a fazer doao aos pobres, a carregar ascargas alheias e a chorar com os que choram, tanto quanto aalegrar-se com os que se alegram. Ele dispor os homens aosdeveres que devem uns para com os outros em seus diversoslugares e relaes. Ele dispor um povo a todos os deveres paracom seus governantes e a dar-lhes toda aquela honra e submissoque so parte de seu dever para com eles. E dispor osgovernantes a liderar o povo sobre o qual so postos, com justia,seriedade e fidelidade, buscando seu bem, e no por algumcapricho pessoal. Ele dispor um povo a todo dever legtimopara com seus pastores, a atentar bem para seus conselhos e instrues,e a submeter-se a eles na casa de Deus, a sustent-loscom simpatia e a orar por eles, como aqueles por cujas almaseles velam; e dispor os ministros a buscarem fiel e incessantementeo bem das almas de seu povo, a velar por eles como quemtem de prestar conta. O amor dispor ao bom relacionamentoentre superiores e inferiores: dispor os filhos a honrarem seuspais, os empregados a serem obedientes a seus patres, no porqueestejam olhando, mas com um corao singelo e sincero;e dispor os patres ao exerccio da brandura e bondade paracom seus empregados.Assim o amor deve dispor a todos os deveres, seja paracom Deus, seja para com o homem. E se ele assim dispe a todosos deveres, ento, segue-se que ele a raiz, a fonte e, porassim dizer, a abrangncia de todas as virtudes. Ele um princpioque, se bem implantado no corao, sozinho ser suficientepara produzir toda a boa prtica; e toda a disposio corretapara com Deus e para com o homem se acha sumariada nelee provm dele como o fruto da rvore, ou a corrente da fonte.Segunda,a razo ensina que so infundadas e hipcritastodas as pretensas realizaes ou virtudes que porventura existamsem o amor. Se no houver amor no que o homem faz, entoem sua conduta no h verdadeiro respeito para com Deusou para com os homens; se assim, ento, certamente noexiste sinceridade. Sem o legtimo respeito para com Deus,a religio equivale a nada. A prpria noo de religio entrea raa humana que ela o exerccio e expresso das criaturasdesse respeito para com o Criador. Mas se no houvernenhum respeito ou amor genuno, ento no h no homemreligio real, seno que ela irreal e ftil. Assim, se a f deuma pessoa for de tal espcie que no haja nela verdadeirorespeito para com Deus, a razo ensina que ela deve ser semefeito; pois se nela no houver amor para com Deus, entono pode haver verdadeiro respeito para com ele. Disto transpareceque o amor est sempre contido numa f genuna eviva, e que ele a vida e a alma genunas e legtimas da f, poissem o amor a f to morta quanto est morto o corpo sem asua alma; sendo o amor o que distingue uma f viva de todasas demais. Mais adiante falaremos disto com mais detalhes.Sem amor para com Deus, reiterando, no pode haver umagenuna honra para com ele. Uma pessoa jamais ser cordialna honra que parece render quele a quem no ama; de modoque, sem amor, a honra ou culto que algum aparenta prestar hipcrita. E assim a razo ensina que no h sinceridade naobedincia que rendida sem amor; pois, se no houver amor,nada do que feito espontneo e livre, mas tudo parece serforado. Assim, sem amor, no pode haver submisso sincera vontade de Deus, e no pode haver confiana e entrega real ecordial a ele. Aquele que no ama a Deus jamais confiar nele;jamais vai querer, com verdadeiro anelo da alma, lanar-se nasmos de Deus, ou nos braos de sua misericrdia.Assim, por mais que haja nos homens um bom relacionamentocom seus semelhantes, contudo a razo ensina que omesmo totalmente inaceitvel e ftil, se ao mesmo tempo nohouver respeito real no corao para com esses semelhantes, sea conduta externa no for inspirada pelo amor ntimo. E destasduas coisas tomadas juntas, a saber, que o amor de tal naturezaque produzir todas as virtudes, e ele dispe ao cumprimentode todos os deveres para com Deus e para com os homens, eque sem ele no pode haver virtude sincera, e nenhum devercumprido com propriedade, a veracidade da doutrina consisteem que toda verdadeira e distintiva virtude e graa crists podemser sumariadas na caridade.