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A Singularidade - por Tetz Aeon

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A Singularidade é a denominação dada a um evento histórico previsto para o futuro, no qual a humanidade atravessará um estágio de colossal avanço tecnológico em um curtíssimo espaço de tempo, onde a inteligência artificial terá superado a inteligência humana, alterando radicalmente a civilização e a natureza humana. A ideia de que em algum momento a inteligência artificial vai superar a humana recebeu o termo de singularidade tecnológica, e no futuro a ordem dos singularitarianos a professam como dogma central de suas ações e acabam criando o Androide Z9, que figura como elo perdido entre humanos e pós-humanos.

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Prólogo

Planeta Terra - 2012

O sol estava no seu ciclo de número 24, que havia começado oficialmente em 2008, momento que marcou a inversão dos seus pólos magnéticos, o que perduraria até o seu próximo ciclo. O evento solar do tipo máximo ocorrido em 2012 estava dentro do ciclo 24 e provocou uma atividade tão intensa que produziu uma enorme quantidade de manchas solares, regiões onde o campo magnético de dentro da estrela sobe e quebra na sua superfície, com temperaturas superiores a 1 milhão de graus Celsius. O fenômeno aumentou em 10 vezes a quantidade dos chamados raios ultravioletas extremos, teoricamente muito mais nocivos para a saúde, porém benéficos para a camada de ozônio, pois quando estes raios atingem a estratosfera reagem com o oxigênio molecular separando-o em dois oxigênios atômicos que reagem com outras moléculas de oxigênio para formarem o ozônio. Durante o máximo solar de 2012 a camada de ozônio aumentou extraordinários 5%, e havia previsão de que o seu fechamento total ocorresse em 2050, ficando porém, dependente das concentrações de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e do óxido nitroso (N2O). Sendo os dois primeiros benéficos, com tendência a aumentarem a concentração de ozônio, e o terceiro com efeito contrário, porém ambos contribuindo para o efeito estufa....

Planeta Terra - 2045

Em 1950, o matemático húngaro John von Neumann, um dos criadores do computador e um dos maiores cientistas do século XX, disse que as tecnologias poderiam chegar a um ponto além do qual "os assuntos humanos, da forma como os conhecemos, não poderiam continuar a existir".

No ano de 2045 os seres humanos viviam esse momento, experimentando um aceleramento exponencial dos avanços tecnológicos somente imaginados pelas mentes mais férteis da ficção científica... A SINGULARIDADE.

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“Era possível sentir o sangue quente e viscoso esvaindo-se do meu corpo...”

O crionautaO crionauta

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A minha noite havia se estendido na forma de insônia e o dia estava apenas começando. Eram 6h45min quando soou o alarme de ativação do escudo antissolar, um sistema constituído por 16 bilhões de placas de vidro orbitando em torno da Terra com dois mil quilômetros quadrados, capaz de reter 2% da radiação solar. O escudo sozinho já não era suficiente para deter o aquecimento global e nem para proteger os seres humanos dos efeitos da radiação, agravada agora pelo aumento da emissão de neutrinos solares. Depois do máximo solar de 2012, o nível de ozônio vinha aumentando em torno de 5% ao ano e já acumulava uma redução total de 69% nos últimos anos. No entanto o nível de poluição, aumentara drasticamente durante a revolução robótica e logo as imensas máquinas de fotossíntese seriam ligadas para completar o trabalho do escudo, renovando o oxigênio do ar, para que não houvesse necessidade da população recorrer às máscaras de respiração.

Eu me preparava para tomar a primeira Bala Mágica do dia, uma pílula inteligente contendo um reservatório cheio de oxidaime, um nanofármaco composto por uma mistura semi-sintética de β-carbolinas e dimetil-triptamina, revestidas por nanotubos de carbofulereno 60. O sistema permitia a liberação do medicamento por meio de uma bomba controlada por microprocessadores, fazendo com que a droga fosse ministrada de maneira programada, para que pudesse ser distribuída gradativamente pela circulação sanguínea para todos os órgãos do corpo. O oxidaime era um composto detoxificante e sua função era fazer uma faxina semanal no organismo, eliminando xenobióticos, espécies reativas do metabolismo do oxigênio e outras substâncias indesejáveis. Nesse momento lembrei-me das orientações da enfermeira do CRIOSSOMA.

- Você deve estar limpo na hora do congelamento.

Lembro-me de ter respondido que não poderia ficar sem o meu café. Eu ainda fazia a bebida à moda antiga, utilizando água, açúcar, pó e coador. O processo era arcaico se comparado ao co-kopi, um café especial cultivado em gravidade zero e turbinado com extratos de cola e coca, vendido na forma de tabletes solúveis.

Deixei de lado a bala mágica, parecia mesmo que iria ficar sem a “Miração”, um estado alterado da consciência, provocado por um efeito colateral comum e relacionado ao uso do oxidaime, responsável por modificações na percepção e aguçamento dos sentidos. Tomar oxidaime era como fazer uma viagem dentro de si, sem a noção de tempo e espaço, com as recordações e pensamentos vindo em grandes velocidades, trazendo de volta objetos e lugares conhecidos, causando às vezes o aparecimento de estranhas visões luminosas que provocavam a sensação de se estar em contato com seres de outros planetas - era como ver o eu interno.

Terminei de fazer o café e tomei uma caneca cheia. Olhei novamente para a pílula de oxidaime e junto com ela engoli uma pílula de drogas pró-cognitivas, um coquetel de substâncias psicoativas que intensificavam a percepção e a concentração.

No ano de 2045 a suspensão criogênica in vivo de seres humanos ainda era proibida e o CRIOSSOMA se tornara um dos poucos centros de biocriogenia que efetuavam esta prática, burlando a legislação imposta pelo Comitê Único de Controle Genético (CUCg), uma organização internacional reguladora de assuntos relacionados a procriação, clonagem e

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preservação da vida, criada pela ONU e transformada num dos organismos mais influentes na tomada de decisões mundiais sobre o assunto.

O meu “congelamento” estava marcado para 08h30min. Eram exatamente oito horas quando entrei no meu bólido vermelho, um Flycar S200 de fibra de carbono com 8 motores de 90 HP, que me possibilitavam um vôo de até 600 km/h a uma altitude de 8000 metros. Apertei o botão de ignição e digitei as coordenadas do Centro e Biocriogenia no computador de bordo, a informação foi enviada para o Sistema Vigilância de Controle de Voo e devolvida em segundos com indicativos da posição, altitude, velocidade e rota mais adequadas para se chegar ao CRIOSSOMA. O indicativo de defletores fechados acendeu e imediatamente as turbinas começaram a produção de ar, que na forma de vento era empurrado para o solo fazendo com que meu bólido decolasse. Os defletores foram se abrindo vagarosamente e à medida que o bólido subia, aos poucos o vento necessário para o voo ia sendo deslocado para a propulsão. Em instantes eu veria o vertiporto do Centro de Biocriogenia se aproximar e com sorte acharia uma vaga próxima do elevador principal.

Quando cheguei ao Centro de Biocriogenia fui recebido por uma moça sardenta que parecia ter pulado diretamente das páginas amareladas de um mangá antigo para o mundo o real. O cabelo ruivo estava amarrado por uma fita roxa contendo os longos fios, que lembrando labaredas de fogo desapareciam na frente de seus olhos, grandes e bem definidos, redondos, cheios de brilho da cor lilás, seu vestido curto era quase transparente, deixando a mostra sua pele branca de veias azuis e uma silhueta quase perfeita, bunda grande, coxas grossas e seios enormes, tudo devidamente exagerado, como nos quadrinhos. Parecendo flutuar em minha direção, ela aproximou-se rapidamente e quando estava perto o bastante, como se fosse possível, tentou arregalar ainda mais os olhos e sorriu.

- Olá, eu sou Taiki Kaori. Serei a responsável pelos procedimentos preparatórios para o seu processo de congelamento. Você trouxe a apólice de seguro?

Mais uma vez havia emudecido diante de sua beleza e como resposta estendi-lhe a mão com os documentos. Os meus pensamentos buscavam algo parecido em minhas memórias, algo que me fizesse acreditar que ela era real. Saí do transe quando já estávamos dentro da sala de vitrificação e ouvi:

- Pode tirar a roupa – nesse momento, consegui apenas esboçar um sorriso desajeitado como resposta.

Fui então conectado à máquina de troca de fluidos e quando o processo de vitrificação começou, era possível sentir o sangue quente e viscoso esvaindo-se do meu ser ao mesmo tempo em que era substituído por um Líquido Preservante Celular (LPC), uma solução a base de notocriogenina, uma glicoproteína crioprotetora isolada de peixes da espécie Notothenia coriiceps da antártica, que impediria o crescimento e a nucleação de cristais de gelo dentro e fora das minhas células, conservando-as no estado líquido mesmo após o congelamento.

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Meu corpo começou a ficar alaranjado em alguns pontos e eu fiquei pensando nos primeiros crionautas que provavelmente tiveram suas membranas celulares rasgadas por cristais de gelo, danificando seus tecidos e comprometendo seu metabolismo, uma vez que este tipo de LPC era uma nova tecnologia que assegurava a manutenção e a viabilidade celular, preservando os órgãos humanos. A imagem de Frankenstein de Mary Shelley passou pela minha cabeça - será que eles conseguiriam serem ressuscitados?

A temperatura do meu corpo começava a cair, efeito provocado pela perda do sangue e aumentado pelo banho de álcool etílico a que fora submetido. Terminada a troca de fluidos, era hora de ir para a câmara de gelo seco e completar o processo de vitrificação, meu corpo iria congelar-se lentamente até atingir uma temperatura de -80 o. À medida que a temperatura caía, eu podia sentir as batidas do meu coração desacelerarem, meus ossos doíam como se fossem desintegrar. Minha mente foi desligando-se vagarosamente da realidade e a última coisa que vi foram os grandes olhos roxos de Taiki desaparecendo. O meu corpo agora estava lacrado dentro de uma manta cerâmica flexível e imerso de cabeça para baixo dentro de um Tanque de Dewar, um cilindro metálico com mais de 200 litros de nitrogênio líquido, congelado a -196o no subterrâneo do CRIOSSOMA.

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