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1 A síntese tomásica e a nossa civilização em ruínas: Da sofística ao niilismo de nossos dias Autor: Sávio Laet de Barros Campos. Bacharel- Licenciado e Pós-Graduado em Filosofia Pela Universidade Federal de Mato Grosso. Revisor da grafia e etimologia gregas e hebraicas: Otávio de Lima, Bacharel em Artes Visuais pela UFMS, acadêmico de Filosofia na Universidade Católica Dom Bosco e estudante de hebraico e grego pela Hebrew University of Jerusalem — Israel. Introdução No presente texto, queremos justificar a nossa opção fundamental por Tomás, reconhecendo na modernidade e pós-modernidade uma decadência, uma derrocada do que de melhor se produziu em nossa civilização. Estamos convencidos de que isto se deu, em grande parte, por uma espécie de retorno à sofística grega. Outrossim, termos a convicção de que somente Tomás de Aquino — certamente não por sua “pessoa física” — enquanto apóstolo e diácono da verdade, seja o remédio para os nossos dias turbulentos, porquanto somente em sua obra pensamos poder encontrar – condensados e articulados – todos os pilares da nossa civilização: a filosofia grega, o direito romano e a teologia cristã. Nosso texto, que fluirá em tom coloquial, colocará, antes de tudo, aquilo que acreditamos ser o dever primeiro de quantos se enveredam pelas sendas do filosofar: desnudar a sofística. Passemos a pontuar os principais movimentos do nosso texto. Primeiro, consideraremos em que consistiu a sofística, seguindo de perto a apreciação de Giovanni Reale. Em seguida, também segundo a consideração de Reale, envidaremos esforços para mostrar como, na sofística, já estavam entranhadas todas as correntes do pensamento contemporâneo, e como a filosofia socrático-platônica nasce, antes de tudo, como uma via purgativa, que tem em vista purificar os seus interlocutores da sofística rumo a uma ascese, cujo termo é a teologia. Procuraremos percorrer este primeiro caminho, citando as fontes coligidas por Reale.

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A sntese tomsica e a nossa civilizao em runas: Da sofstica ao niilismo de nossos dias

Autor: Svio Laet de Barros Campos. Bacharel-Licenciado e Ps-Graduado em Filosofia Pela Universidade Federal de Mato Grosso. Revisor da grafia e etimologia gregas e hebraicas: Otvio de Lima, Bacharel em Artes Visuais pela UFMS, acadmico de Filosofia na Universidade Catlica Dom Bosco e estudante de hebraico e grego pela Hebrew University of Jerusalem Israel.

Introduo

No presente texto, queremos justificar a nossa opo fundamental por Toms,

reconhecendo na modernidade e ps-modernidade uma decadncia, uma derrocada do que de

melhor se produziu em nossa civilizao. Estamos convencidos de que isto se deu, em grande

parte, por uma espcie de retorno sofstica grega. Outrossim, termos a convico de que

somente Toms de Aquino certamente no por sua pessoa fsica enquanto apstolo e

dicono da verdade, seja o remdio para os nossos dias turbulentos, porquanto somente em

sua obra pensamos poder encontrar condensados e articulados todos os pilares da nossa

civilizao: a filosofia grega, o direito romano e a teologia crist. Nosso texto, que fluir em

tom coloquial, colocar, antes de tudo, aquilo que acreditamos ser o dever primeiro de

quantos se enveredam pelas sendas do filosofar: desnudar a sofstica.

Passemos a pontuar os principais movimentos do nosso texto.

Primeiro, consideraremos em que consistiu a sofstica, seguindo de perto a apreciao

de Giovanni Reale. Em seguida, tambm segundo a considerao de Reale, envidaremos

esforos para mostrar como, na sofstica, j estavam entranhadas todas as correntes do

pensamento contemporneo, e como a filosofia socrtico-platnica nasce, antes de tudo,

como uma via purgativa, que tem em vista purificar os seus interlocutores da sofstica rumo a

uma ascese, cujo termo a teologia. Procuraremos percorrer este primeiro caminho, citando

as fontes coligidas por Reale.

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Em seguida, buscaremos mostrar como o declnio da escolstica se deu quando alguns

pensadores comearam consciente ou inconscientemente um retorno sofstica, posto que

passaram a aplicar os mesmos procedimentos dos sofistas metafsica e teologia.

Destacaremos que este retorno sofstica grega foi empreendido dentro da estrutura eclesial,

e como estes pensadores freis, padres e at cardeais influenciaram decisivamente o

advento da Reforma. Tambm tentaremos mostrar como este movimento de retorno sofstica

aniquilou a prpria possibilidade de a questo de Deus ser tratada dentro de um quadro

epistmico e como tudo quanto se relacionasse com Deus foi sendo, paulatinamente, tambm

retirado do mbito cultural.

Depois, pretendemos acentuar como este quadro gnosiolgico e cultural desencadeou

aquilo que Nietzsche nomeou como a morte de Deus. Esta seria, por assim dizer, uma das

principais consequncias do retorno sofstica nascida na Grcia, o qual teve seu incio com

a crise do renascimento, que resultou na modernidade.

Mas o termo mesmo deste movimento de retorno s teses dos sofistas gregos, ao nosso

sentir, encontra o seu pice no niilismo, a saber, na ausncia total de valores e de opes.

Tentaremos entender este fenmeno. Para tanto, valer-nos-emos de vrios acenos do

pensamento do acadmico italiano, Umberto Galimberti. Ainda pouco conhecido no Brasil,

Galimberti professor emrito da Universit Ca Foscari de Veneza, psicanalista, psiclogo,

antroplogo, socilogo, cauto nas letras clssicas (hebraico, grego e latim), cultor da lngua

alem, a qual cita com descortino invulgar. Pois bem, a Galimberti sumidade em seu pas,

fenomenlogo e dedicado leitor de Schopenhauer, Husserl, Nietzsche, Freud, Heidegger, etc.,

alm de discpulo de Karl Jaspers e Emanuele Severino e autor de vasta bibliografia, sendo a

sua obra, Il corpo, publicada pela Feltrinelli, um clssico1 devemos muitssimo das

anlises que faremos sobre a passagem da modernidade ps-modernidade e o niilismo.

Registramos, contudo, que o que expressaremos no corpo desta apresentao no

exprime, de maneira nenhuma, o pensamento integral e formal de Galimberti2, pois se nos

servimos de algumas de suas intuies geniais e de algumas de suas grandes obras para

diagnosticarmos as perplexidades do nosso tempo, as concluses a que chegamos so,

deveras, contrrias s suas. Alis, vale dizer que Galimberti no cristo; antes, um crtico

enrgico do cristianismo institucional. Nos apndices e anexos a este texto, proporemos

1 Apndice I: O Corpo. Alguns podem estranhar a abordagem desta temtica. No apndice esclareceremos a razo por que julgamos pertinentes as consideraes ali feitas. 2 Tentaremos expor aspectos do pensamento do autor no Apndice I.

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algumas crticas ao pensamento de Galimberti, sempre confrontando as suas proposies com

as de outros pensadores da mesma envergadura.

De toda forma, por meio de algumas observaes e impresses de Umberto, que nos

parecem muito pertinentes, esforar-nos-emos por tentar tornar claro que o niilismo, este

hspede inquieto que habita o homem do nosso sculo, o resultado de uma derrocada que

comea com um retorno progressivo sofstica grega, a qual teve seu incio reiteramos na

escolstica decadente.

Prosseguindo, tentaremos frisar que uma das mais fortes razes pelas quais a nossa

civilizao encontra-se hoje desabando, foi o fato de o secularismo moderno ter cruzado os

umbrais da prpria Igreja, inibindo-a ao menos no mbito cultural do seu impulso

civilizador. Ningum est imune ao erro; mesmo a Igreja s goza de infalibilidade em f e

moral. Mas o que temos? Temos que, em termos pastorais e culturais, o retorno sofstica

nasceu de filhos da Igreja e, de algum modo, encontrou acolhida dentro dela. Ora, o erro, uma

vez identificado, deve ser abandonado. No entanto, o que percebemos que a Igreja

mxime nos ltimos decnios no s no o tem combatido como deve, seno que tem dado

abrigo a ele.

Ento, qual o enredo do nosso texto? Houve a sofstica grega e nela j estavam

presentes, como em suas razes seminais ( /lgoi spermatiko), as ideias

que hoje abalam os nossos dias; esta sofstica foi superada pela filosofia socrtico-platnica

e, depois, pela filosofia aristotlica. Porm, no final do sculo XIII, por meio de um

movimento eclesial, alguns pensadores de dentro da Igreja voltaram a esta sofstica; isso

resultou numa retirada progressiva da questo de Deus no s do quadro gnosiolgico, mas

tambm do bojo cultural da nossa civilizao. Ora, este movimento alcanou um ponto

importante na declarao da morte de Deus por Nietzsche. Porm, o pice deste retorno

sofstica d-se com o advento do niilismo, o qual j havia sido profetizado tambm por

Nietzsche. Por fim, um fator preponderante para o niilismo ter-se alastrado foi o fato de a

Igreja haver cado numa espcie de esquecimento de si mesma.

No h como negar: alguns dos que estiveram e esto frente da Igreja, sob muitos

aspectos, deixaram-se tomar pelo esprito do niilismo moderno, tornando a Igreja a um s

tempo culpada e vtima do declive civilizacional pelo qual passamos. Mas aqui,

precisamente aqui, entra a mensagem principal do nosso texto: o nico meio de a Igreja

atendo-nos aqui ao mbito cultural sobrepor-se a este influxo demolidor que o niilismo,

encontra-se dentro dela mesma. Ora, qual este antdoto? Ele consiste num retorno vivo

sntese mais bem-sucedida do pensamento cristo em toda histria, a saber, a sntese

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tomasiana. Enfatizaremos que este retorno a Toms deve ser feito com o fito no s de

conhec-lo, mas tambm e mais enfaticamente com o intento de pens-lo com vivacidade

de esprito. Destarte, tanto a Igreja como o nosso tempo por meio de Toms devem passar

por uma espcie de via purgativa, a fim de se libertarem da raiz de nossos males: a sofstica e

seus desdobramentos. S ento estaremos prontos s luzes.

Aps estes tpicos, seguir-se-o as consideraes finais. Os apndices tm por

objetivo precpuo aprofundar com maior desvelo algumas temticas do texto e deixar claro o

lugar da nossa fala. Em razo disso, no podem ser descurados pelo leitor. O mesmo se diga

dos dois anexos que, por fim, resolvemos acrescer. Quanto bibliografia, fontes, referenciais

e demais aportes, eles sero elencados no decorrer do prprio texto, nas notas de rodap.

Feitas estas advertncias, passemos s consideraes sobre o dever primeiro daquele que,

aps o assombro, busca filosofar.

1. O filsofo: inimigo do falso saber

Acreditamos que o primeiro dever de um aspirante a filsofo saber distinguir, num

mesmo discurso, a retrica, a eloquncia, o jogo de palavras persuasivas, que so, o mais das

vezes, os esconderijos do erro parvo no princpio, mas grande no final3 da verdade

propriamente dita, que deve, obviamente, ser buscada para alm de toda falcia. Ao que se

dedica filosofia, atende distinguir, antes de qualquer coisa, o que um saber seguro do que

uma mera opinio travestida de saber. Importa ao que se consagra busca da verdade,

conhecer em que consiste o erro, o qual outra coisa no seno tomar por opinio o que

verdadeiro e tomar por verdade o que mera opinio, ou, pior ainda, achar que os dois se

equivalem, ou seja, que posso tomar como verdade uma simples opinio ou que posso aceitar

como opinio uma verdade. Acerca desta doutrina, adverte Aristteles ter sido ela defendida

desde Protgoras:

Semelhante que ilustramos a doutrina sustentada por Protgoras. De fato, ele afirma que o homem a medida de todas as coisas, querendo dizer com isso o seguinte: o que parece a algum existe

3 TOMS DE AQUINO. O Ente e a Essncia. 2 ed. Trad. Carlos Arthur do Nascimento. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2005. pr., 1.

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seguramente. Mas se assim, segue-se que a mesma coisa e no , que boa e m, e que tambm todos os outros pares de contrrios: e isso porque muito amide a mesma coisa para alguns parece bela, enquanto para outros parece exatamente o contrrio, e a medida das coisas aquilo que parece a cada um.4

Cumpre, pois, ao novel estudante, saber identificar estes equvocos e, com o passar do

tempo, aprender a tirar deles os que nele se encontram. Ora, isto no fcil, nem tarefa

tranquila; ao contrrio, uma guerra, posto que o erro s subsiste na verdade e, tomando a

aparncia dela, seduz o esprito humano. Assim o exemplo de Maritain5 se digo: As

pedras tm alma, verdade que h pedras, verdade tambm que h almas, e verdade

ainda que haja coisas que tenham alma, mas disso no se segue (non sequitur) que as pedras

tm alma (pampsiquismo). Neste caso, logicamente, o erro apresenta-se to crasso e jocoso,

que o constatar e fugir dele porque natural ao homem buscar a verdade e fugir do erro6

resultado de um processo quase espontneo. Todavia, quando o erro perspicaz, quando

arguto, quando empreendido com agudeza de esprito, ento, nem sempre fugimos dele

primeira vista, seno que no raro o tomamos como verdade e at o construmos sem querer.

assim, por exemplo, que nascem os paralogismos: erros lgicos produzidos por quem no

tem a inteno de enganar, mas que se engana. Doutra sorte, quando estes paralogismos so

usados com a explcita inteno de enganar, ento, chamam-se sofismas, e os que se ocupam

deles, sofistas. J dizia Xenofonte: Os sofistas falam para induzir ao engano [...]7. Da

sofstica em geral, afirmava Aristteles: A sofstica uma sabedoria aparente, no real; o

sofista um mercador de sabedoria aparente, no real8. De um sofista particularmente

famoso, Protgoras, arrazoa o Estagirita ser sua profisso [...] tornar mais forte o argumento

mais frgil9. Agora bem, a tarefa especfica da filosofia, a razo de ser do seu nascimento, foi

precisamente desmascarar paralogismos e sofismas. A filosofia nasce justamente para

desfaz-los e salvar deles quantos por eles se veem envolvidos. Tanto assim, que Jaeger

4 ARISTTELES. Metafsica. XI, 6, 1062b, 10-15. In: REALE, Giovanni. Metafsica II: Texto grego com traduo ao lado. 2 ed. Trad. Marcelo Perine. Rev. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2005. p. 503. 5 MARITAIN, Jacques. Elementos de Filosofia I: Introduo Geral Filosofia. 18 ed. Trad. Ilza das Neves e Helosa de Oliveira Penteado. Rev. Irineu da Cruz Guimares. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1994. p. 119. 6 TOMS DE AQUINO. A Unidade do Intelecto Contra os Averrostas. Trad. Mrio Santiago de Carvalho. Lisboa: Edies 70, 1999. I, 1. 7 XENOFONTE. Cynegeticus. I, 6, 13. In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga I: Das Origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 190. 8 ARISTTELES. Refutaes Sofsticas. 1, 165 a 21. In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga I: Das Origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 190. 9 ARISTTELES. Retrica. B 24, 1402 a 23. In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga I: Das Origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 202.

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chega a dizer que, Do ponto de vista histrico, a sofstica um fenmeno to importante

como Scrates e Plato. Alm disso no possvel conceb-los sem ela10. Ora, o nosso

impulso no seno um esforo ingente para diagnosticar alguns erros e ajudar a quantos por

eles se encontram iludidos ou enredados, a despertarem-se.

Mas, como dissemos, isso no fcil! A comear pelo fato de alguns parecerem no

querer enxergar que todos ns nascemos com o vrus da modernidade, modernidade esta

que, grosso modo, significa o seguinte: a verdade no mais a conformao do intelecto

coisa11, mas sim a adequao de uma proposio vida. Alis, no bojo do individualismo e

do relativismo em que vivemos quando no do ceticismo melhor seria dizer que a

verdade aquilo que se conforma com o meu estilo de vida, com a vida que eu quero

ter, com aquilo que eu desejo acreditar que seja verdade, simplesmente por me ser mais

conveniente. De forma que, se o que dito deixa-me com as minhas convices e no toca

nos meus valores, ento, e s ento, isto verdade. Se no, um insidioso preconceito

lanado contra mim e contra o meu projeto de felicidade. Trocando em midos, a

verdade, s verdade, enquanto vlida apenas e to somente para mim, enquanto s, e

to s, a minha verdade. Ora, este explcito individualismo, cavalo de Troia que traz

consigo o relativismo, uma realidade ao menos to antiga quanto prpria filosofia.

Digenes Larcio, de um grande sofista, j dizia: E por isso Protgoras s admite o que

aparece aos indivduos singulares, e assim introduz o princpio da relatividade12. Acerca do

relativismo humanista e subjetivista de Protgoras, Plato tambm comenta e indaga:

E no quer dizer com isso que, tal como as coisas individuais me aparecem, tais so para mim, e tais a ti, tais para ti, porque s homem como eu sou homem? [...] mas no acontece s vezes que, soprando o mesmo vento, um de ns sente frio e o outro no? E um sente pouqussimo, e o outro muito? [...] E ento, como chamaremos este

10 JAEGER, Werner. Paidia: A Formao do Homem Grego. 4 ed. Trad. Artur M. Pereira. Rev. Gilson Csar Cardoso de Lima. So Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 341. 11 TOMS DE AQUINO. Questes Disputadas Sobre a Verdade. Trad. Mario Bruno Sproviero. I, I, C. In:

LAUAND, Luiz Jean; SPROVIERO, Mario Bruno. Verdade e Conhecimento. So Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 149: A primeira considerao quanto a ente e intelecto pois que o ente concorde com o intelecto: esta concordncia dize-se adequao do intelecto e da coisa, e nela formalmente realiza-se a noo de verdadeiro. TOMS DE AQUINO. Suma Teolgica. Trad. Aimom- Marie Roguet et al. So Paulo: Loyola, 2001. I, 16, 2: Eis por que se define a verdade pela conformidade do intelecto e da coisa.Idem. Questes Disputadas Sobre a Verdade. Trad. Mario Bruno Sproviero. I, I, C. In: LAUAND, Luiz Jean; SPROVIERO, Mario Bruno. Verdade e Conhecimento. So Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 161: Ora, uma coisa s se diz verdadeira enquanto adequada ao intelecto. 12 SEXTO EMPRICO. Esboos Pirronianos. I, 216. In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga I: Das Origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 201.

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vento: frio ou no-frio? Ou deveremos acreditar em Protgoras, para quem sente frio frio, para quem no sente, no ?13

O quanto dissemos, no o dissemos seno tentando descobrir as premissas que

levaram Giovanni Reale seguinte concluso acerca do axioma de Protgoras: O homem a

medida de todas as coisas, tanto do ser das que so, como do no ser das que no so14. Diz

Reale sobre o axioma citado:

O axioma tornou-se logo celebrrimo, e foi considerado, e efetivamente a magna carta do relativismo ocidental. Com o princpio do homem-medida, Protgoras pretendia, indubitavelmente, negar a existncia de um critrio absoluto que discriminasse o ser e o no-ser, o verdadeiro e o falso e, em geral, todos os valores: o critrio apenas relativo, o homem, o homem individual.15

Ocorre, contudo, que a tendncia de maximizar as liberdades individuais

desencadeia um movimento que desumaniza o homem, pois [...] o homem , por natureza,

um ser vivo poltico [...]16. A bem da verdade, este axioma aristotlico no precisa, a rigor,

ser demonstrado. Basta que sejamos honestos com ns mesmos e tentemos responder a

questes como estas: eu conseguiria viver sozinho? Eu teria sobrevivido sozinho? Mas

Protgoras no para por aqui. Ele aplica o seu relativismo teologia, e chega a um claro

agnosticismo teolgico. Eis um eloquente testemunho: Sobre os Deuses no tenho

possibilidade de afirmar nem que so, nem que no so17. Acerca do pensamento de nosso

sofista, remata Reale:

Portanto, a sua posio foi de agnosticismo teolgico [...]. Mas claro que como o princpio do homem-medida, rigorosamente aplicado, devia levar ao ceticismo mais total e ao amoralismo , tambm a atitude de marcado agnosticismo com relao aos deuses podia levar ao atesmo. Se Protgoras no chega a estas concluses, isto se deve a

13 PLATO. Teeteto. 151 e-152 a. In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga I: Das Origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 201. 14 PLATN. Teeteto. Trad. Fernando Garca Romero. Madrid: Editorial Gredos, 1988. 152 a. p. 193. (A traduo, para o portugus, nossa). 15 REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga I: Das Origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 200. 16 ARISTTELES. Poltica. Trad. Antnio Campelo Amaral e Carlos Gomes. Lisboa: Veja, 1988. I, 1253 a, 5. p. 53. 17 DIGENES LARCIO. IX, 51 (= Diels-Kranz, 80 B 4). In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga I: Das Origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 209.

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que ele no explicita as conseqncias s quais as suas premissas, por lgica intrnseca, deviam ou, pelo menos, podiam levar.18

Temos, pois, em Protgoras, os germes do amoralismo e do atesmo. Passemos a

observar mais de perto como quase todas as tendncias da filosofia contempornea

procederam da sofstica.

2. Desdobramentos da sofstica

Dentre tantas, uma das mais relevantes contribuies de Giovanni Reale foi descobrir,

a partir do seu estudo da sofstica grega, que ela a me que gerou boa parte das

tendncias da filosofia moderna e contempornea: o humanismo, o individualismo, o

relativismo, o agnosticismo, o ceticismo, etc. Em Grgias, por exemplo, o estudioso italiano

identifica as sementes do niilismo contemporneo. Ele afirma categoricamente:

Enquanto Protgoras parte do relativismo, e sobre este implanta o seu mtodo de antilogia, Grgias, pouco inferior a ele pela fama e habilidade, parte de uma posio de niilismo.19

Mas esforcemo-nos por analisar os principais movimentos da obra deste grande

expoente da sofstica, a fim de entendermos que a afirmao de Reale no foi gratuita.

Comecemos pela explcita negao da verdade que Grgias defende. Primeiramente, ao

verificar a diversidade de escolas filosficas e como uma rebate a tese da outra, nosso sofista

acaba por negar o ser. Um annimo convencionalmente chamado de Pseudo-Aristteles

explica a doutrina defendida pelo sofista:

Mediante a combinao das doutrinas sustentadas por outras categorias de filsofos que, nas suas trataes em torno do problema dos entes, sustentam, como resulta das suas opinies, princpios antitticos entre si uns demonstrando a unidade do ente em vez da multiplicidade, outros a sua multiplicidade em vez da sua unidade, outros que eles so ingnitos, outros ainda que so gerados deduz, contra uns e contra outros, que nada existe. Da segue logicamente, ele

18 REALE. Histria da Filosofia Antiga I: Das Origens a Scrates. p. 209. 19 REALE. Histria da Filosofia Antiga I: Das Origens a Scrates. p. 210.

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afirma, que se existe alguma coisa, no nem uno, nem mltiplo, nem ingnito, nem gerado: nada existir; de fato, se algo existisse, corresponderia a uma dessas alternativas.20

Conclui Giovanni Reale:

Em suma: os resultados das especulaes dos fsicos sobre o ser se anulam mutuamente, e, anulando-se, demonstram a impossibilidade daquele ser que tm por objeto.21

Ora, como a verdade a adequao do intelecto realidade, se no existe realidade,

tambm no existe verdade. o que arremata Sexto Emprico, ao comentar a doutrina de

Grgias:

Diante de tais questes insolveis, levantadas por Grgias, desaparece pelo que lhe concerne, o critrio da verdade: porque do inexistente, do incognoscvel, do inexprimvel no h possibilidade de juzo.22

Novamente sintetiza o historiador italiano:

Por isso, se para Protgoras existia uma verdade relativa (no sentido de que tudo verdadeiro, se assim o para o homem), para Grgias no existe absolutamente verdade e tudo falso.23

No contente com o que afirma, Grgias supe tambm que, mesmo que o ser

existisse, permaneceria incognoscvel. De forma que, se for descartada a hiptese do niilismo,

e mesmo que no se admita o ceticismo, resta o agnosticismo, ou seja, ainda que haja o ser,

este no pode ser conhecido, pensado. Basta outra passagem de Sexto Emprico para aclarar o

argumento do sofista:

Que os contedos do pensamento [o pensado] no so existentes de uma evidncia universal. Se, de fato, os contedos do pensamento so existentes, todos os contedos do pensamento so existentes, em qualquer modo que se os pense. Mas esta deduo absurda: com

20 PS. ARISTTELES. De Mel Xenoph. Gorgia, 5, 979 a 13ss. In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. pp. 211 e 212. 21 REALE. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. p. 212. 22 SEXTO EMPRICO. Adv. Math. VII, 87. In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 211. 23 REALE. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. p. 211.

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efeito, se algum pensa um homem que voa e cocos correndo sobre as praias, nem por isso um homem voa e cocos correm na praia. Conseqentemente os contedos do pensamento no so existentes [= o pensamento no pensamento do ser].24

Ora, Reale comentando esta passagem afirma o seguinte: O divrcio entre ser e

pensamento no podia ter sido operado de modo mais radical25.

Por fim, Grgias defendeu ainda que, supondo que o ser existisse e fosse at pensvel,

seria deveras inexprimvel. Numa passagem, o Pseudo-Aristteles explica como o sofista

chega ao mais radical nominalismo:

Aquilo que algum v, como [...] poderia exprimi-lo com a palavra? Ou como isto poderia se tornar manifesto a quem o escuta, sem t-lo visto? De fato, a vista no conhece os sons, e o ouvido no ouve as cores, mas os sons; e contudo, quem fala diz algo, mas no diz nem uma cor nem uma experincia. Aquilo, pois, que algum no concebe, como poder conceb-lo em conseqncia da interveno de um outro, por meio da palavra deste ou por meio de um sinal diferente da experincia, seno, no caso de uma cor, por t-la visto, no caso de um rumor, por t-lo ouvido? De fato, quem fala no diz absolutamente um rumor, nem uma cor, nem uma palavra. Conseqentemente, no possvel nem mesmo figurar-se com o pensamento uma cor, mas v-la, nem um som, mas ouvi-lo. E mesmo que seja possvel conhecer e dizer tudo aquilo que se conhece, de que modo aquele que ouve poder representar-se conceitualmente o mesmo objeto? Com efeito, no seria possvel que a mesma realidade pensada se encontrasse contemporaneamente em vrios sujeitos separados entre si: o um, com efeito, seria dois. E muito embora admitindo que a mesma realidade pensada se encontre em vrios sujeitos, nada impede que no se lhes mostre semelhante, pois eles no so semelhantes sob todos os aspectos, nem se encontram em idnticas condies; se, de fato, se encontrassem numa idntica condio, seriam um e no dois. Por outro lado, nem sequer o mesmo sujeito evidentemente experimenta percepes semelhantes ao mesmo tempo, mas as da audio so diferentes das da viso, e agora diferente do passado. Por conseqncia, dificilmente algum poderia ter percepes idnticas s de outro. Segundo esta deduo, nada existe e, mesmo que existisse, no seria de modo algum cognoscvel, e mesmo que o fosse, ningum poderia manifest-lo a outro, pelo fato de que as coisas no so palavras e ningum consegue pensar uma coisa idntica que pensa outro.26

24 SEXTO EMPRICO. Op. Cit. VII, 78s. In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 213. 25 REALE. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. p. 213.

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Novamente Giovanni Reale explica as implicaes desta passagem: Assim o divrcio

entre ser e pensamento torna-se tambm divrcio (e igualmente radical) entre palavra,

pensamento e ser27. Destarte, no difcil perceber onde por exemplo a fenomenologia,

em sua crtica verdade como representao, foi buscar a sua inspirao. o prprio Reale

quem chama a articulao de Grgias de [...] via emprico-fenomenolgica [...]28. Mas

talvez a consequncia mais forte do pensamento de Grgias tenha sido a seguinte: uma vez

que o ser no existe, que no pode ser pensado, nem exprimido por palavras, resta a poesia e a

moo dos sentimentos que ela provoca (tremor, espanto, dor, compaixo) para persuadir os

ouvintes. Grgias no diz a verdade com beleza, mas usa a beleza para exercer sobre seus

ouvintes a seduo do engano potico. Testemunha Plutarco:

Floresceu ento a tragdia e foi celebrada pelos contemporneos como audio e espetculo admirvel, pois criava com as suas fices e paixes um engano, diz Grgias, pelo qual quem engana age melhor do que quem no engana, e quem enganado mais sbio do que quem no enganado.29

O texto se explica por si mesmo: o que importa no dizer a verdade; alis, como esta

no existe ou no pode ser pensada ou exprimida, isso nem sequer possvel; o que realmente

importa fazer com que o ouvinte se convena de que aquilo que est sendo dito

verdadeiro. O orador no se esfora para dizer a verdade; antes, a sua arte deve consistir em

fazer com que os seus interlocutores considerem como verdade aquilo que esto ouvindo. Esta

espcie de pragmatismo presente na sofstica muito bem delineada por Plato numa

passagem do Fedro:

Scrates Ento, dizem que [...] quem se prepara para se tornar bom orador no precisaria conhecer a verdade acerca do que bom e justo, ou mesmo acerca dos homens que por natureza e por educao so dessa forma. De fato, nos tribunais, ningum se importa nem um pouco com a verdade acerca dessas coisas, mas o que importante ali o que convincente. Este mostra ser o que verossmil; e a ele deve ater-se quem deseja falar com arte. Algumas vezes, numa acusao ou

26 PSEUDO- ARISTTELES. De Mel. Xenoph. Grgias, 6, 980 a 20. (= Untesteiner, fr. 3 bis). In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 214. 27 REALE. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. p. 214. 28 Idem. Ibidem. p. 216. 29 PLUTARCO. De Glor. Ath. 5. p. 348 C (= Diels-Kranz, 82 B 23). In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 219.

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numa defesa, no convm expor sequer os prprios fatos, se eles no ocorreram de forma verossmil, mas s devem revelar os verossmeis. Em geral, quem fala deve ater-se ao verossmil que, encontrando-se do incio ao fim do discurso, leva a termo toda a arte.30

Observemos que a sofstica , portanto, uma renncia verdade, um repudio a ela. O

sofista prefere a eloquncia, a argcia, as frases de efeito verdade. Prefere o que mais

prtico e til verdade. O sofista vale-se do que verossmil. Mas o verossmil o que pode

convencer, porque parece verdadeiro, mas no o . Ora, tornar verdadeiro por um

discurso coerente o que parece verdadeiro, eis a misso da sofstica. Mas o que isso tem a

ver com o niilismo de nossos dias? Basta ouvirmos Nietzsche, quando discorre sobre o

advento do niilismo: [...] necessrio que algo seja considerado verdadeiro; no que algo

seja verdadeiro31.

Passemos a considerar, brevemente, como o que tende filosofia encara o proceder da

sofstica.

3. O filsofo frente sofstica: do humanismo dos sofistas

teologia dos filsofos

Com efeito, o mais importante reter aqui o seguinte: a filosofia nasce para combater

este caminho proposto pela sofstica. o que afirma Reale: Tanto Plato como Aristteles

defrontar-se-o com esses pensamentos [...]32. E como se combate a sofstica? Combatendo o

ceticismo, o relativismo, o nominalismo, o agnosticismo, o humanismo, o individualismo.

Uma vez mais: como se combatem todas estas correntes? Antes de tudo, arrancando-lhes a

consistncia sobre a qual se fundam. Depois, demonstrando, com consistncia, que as leis do

pensamento so as leis do ser. Mas arriscamos a dizer que a filosofia nasce, primeiro, para

desmascarar e refutar o falso saber consignado nestas falsas teorias, a fim de depois e s

depois num segundo movimento, demonstrar a existncia da verdade, a nossa capacidade de

30 PLATO. Fedro. 272 d. In: REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos: terapia para os tempos atuais. 3 ed. Trad. Silvana Cobucci Leite. Rev. Joseli Nunes Brito et al. So Paulo: Edies Loyola, 2011. pp. 68 e 69. 31 NIETZSCHE. Frammenti postumi (1887-1888). (9 [38]). In: REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos: terapia para os tempos atuais. 3 ed. Trad. Silvana Cobucci Leite. Rev. Joseli Nunes Brito et al. So Paulo: Edies Loyola, 2011. p. 67. 32 REALE. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. p. 220.

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conhec-la e defend-la. Assim nos ensinam os dilogos platnicos. De fato, no Sofista,

Plato no deixa dvidas que, sem a via purgativa e medicinal da refutao, pela qual se livra

o interlocutor da doena do engano, no h ensino que subsista:

ESTRANGEIRO Propem, ao seu interlocutor, questes s quais acreditando responder algo valioso ele no responde nada de valor; depois, verificando facilmente a vaidade de opinies to errantes, eles as aproximam em sua crtica, confrontando umas com outras, e por meio desse confronto demonstram que a propsito do mesmo objeto, sob os mesmos pontos de vista, e nas mesmas relaes, elas so mutuamente contraditrias. Ao perceb-lo, os interlocutores experimentam um descontentamento para consigo mesmos, e disposies mais conciliatrias para com outrem. Por este tratamento, tudo o que neles havia de opinies orgulhosas e frgeis lhes arrebatado, ablao em que o ouvinte encontra o maior encanto e, o paciente, o proveito mais duradouro. H, na realidade, um princpio, meu jovem amigo, que inspira aqueles que praticam este mtodo purgativo; o mesmo que se diz do mdico do corpo, que da alimentao que se lhe d no poderia o corpo tirar qualquer proveito enquanto os obstculos internos no forem removidos. A propsito da alma formaram o mesmo conceito: ela no alcanar, o que se lhe ingerir de cincia, benefcio algum, at que se tenha submetido refutao e que por esta refutao, causando-lhe vergonha de si mesma, se tenha desembaraado das opinies que cerram as vias do ensino e que se tenha levado ao estado de manifesta pureza e a acreditar saber justamente o que ela sabe, mas nada alm. A esto, pois, muitas razes, Teeteto, para afirmarmos que a refutao o que h de mais eficaz na purificao e para acreditarmos, tambm, que permanecer parte desta prova , ainda que se trate do grande Rei, permanecer impurificado das maiores mculas e conservar a falta de educao e a fealdade onde a maior pureza, e a mais perfeita beleza se requer, a quem pretenda possuir a verdadeira beatitude.33

A mensagem do texto novamente fala por si mesma: sem a via purgativa, no h

luzes. Enquanto a pessoa no for levada a odiar o erro, no estar preparada para a verdade.

Enquanto no renunciar o engano, no estar apta a receber a verdade. Que seja o grande Rei,

que fosse a mais brilhante das inteligncias, se no renegar a opinio, no pode entrar no

reino da verdade. Portanto, ningum iniciado na filosofia sem que antes rejeite a sofstica,

sem que antes sinta repulsa por ter como verdade o que simplesmente verossmil, isto , o

que apenas se parece com a verdade. Em outras palavras, no h sequer possibilidade de ser

33 PLATO. Sofista. 4 ed. Trad. Jorge Paleikat e Joo Cruz Costa. So Paulo: Nova Cultural, 1987. 230 b-e. p. 147. [Os itlicos so nossos].

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filsofo, o postulante que no repele o individualismo, o relativismo, o agnosticismo, o

ceticismo, o nominalismo, etc. O prembulo filosofia o repdio sofstica. No h o que

negar, ningum comea a filosofar se antes no levado a reconhecer a prpria ignorncia e a

sentir vergonha dos prprios erros. Em se tratando de filosofia, no princpio, era uma

humilhao curadora. Este caminho no conhece atalhos. S aps esta preparao, o

postulante a filsofo pode ser introduzido na filosofia, que no a cincia do que parece ser,

mas do que , da verdade. Aristteles quem define a filosofia como a cincia da verdade,

verdade esta que ele identifica com o ser das coisas:

E tambm justo chamar a filosofia de cincia da verdade, porque o fim da cincia teortica a verdade, enquanto o fim da prtica a ao. [...] Por conseguinte, cada coisa possui tanto de verdade quanto de ser.34

Agora bem, para se chegar ao prado da verdade, urge que o novel deixe de lado

tambm o pragmatismo, o utilitarismo do discurso dos sofistas. O texto chave para mostrar o

quanto aquele que ama a sabedoria deve buscar afastar-se do que simplesmente prtico e

til est no Teeteto de Plato:

Scrates Aquilo, caro Teodoro, que se conta tambm de Tales, o qual, enquanto estudava os astros e estava olhando para o alto, caiu num poo: sua jovem escrava da Trcia, inteligente e graciosa, riu-se dele, observando que se preocupava tanto em conhecer as coisas que esto no cu e, ao contrrio, no via as que estavam diante dele, entre os ps. A mesma zombaria pode ser aplicada a todos aqueles que se dedicam filosofia. Na verdade, um homem como esse incapaz no s de ver o que faz seu prximo, ou mesmo seu vizinho, mas quase de dizer se se trata de um homem ou de outro animal qualquer. O que ele busca , ao contrrio, saber o que o homem e o que convm natureza humana fazer ou sofrer de modo diferente das outras naturezas, e se empenha profundamente nessa investigao. Suponho que compreendas, Teodoro, ou no?35

A passagem clara: a filosofia supe uma ascese que comea por uma admirao ou

espanto36 que nos afasta daquilo que de forma crdula aceito por todos, isto , da

34 ARISTTELES. Metafsica. II, 993 b, 19, 20 e 30. In: REALE, Giovanni. Metafsica II: Texto grego com traduo ao lado. 2 ed. Trad. Marcelo Perine. Rev. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2005. p. 73. 35 PLATO. Teeteto. 173 e- 174 b. In: REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos: terapia para os tempos atuais. 3 ed. Trad. Silvana Cobucci Leite. Rev. Joseli Nunes Brito et al. So Paulo: Edies Loyola, 2011. p. 85.

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opinio ou do que simplesmente parea verdadeiro, a fim de alcanarmos a verdade

realmente. Isto pode despertar, num primeiro momento, a zombaria daqueles que se apegam

s aparncias; pode mesmo levar alguns a pensar que o filsofo um desatento. Entretanto, o

contrrio que verdade: o filsofo altamente atento, e se ele se desvencilha por um

momento do que comum, com o fito de chegar verdade primeira. Ora, desta

contemplao da verdade, que o fim ltimo do homem no mbito natural, procede,

naturalmente, uma sabedoria que o faz, qual demiurgo, moldar-se e moldar a realidade

conforme a verdade que alcanou. O filsofo aquele que no constri sobre a areia do

verossmil, mas sobre a rocha da verdade contemplada. Taylor diz com muita propriedade:

em virtude de tal contemplao que deuses e homens executam a tarefa prtica de estabelecer e manter a ordem natural e moral do reino da mutabilidade e do devir. Como Moiss, eles fazem todas as coisas segundo o modelo que viram na montanha.37

36 ARISTTELES. Metafsica. I, 2 982 b 10. In: REALE, Giovanni. Metafsica II: Texto grego com traduo ao lado. 2 ed. Trad. Marcelo Perine. Rev. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2005. p. 11: De fato, os homens comearam a filosofar, agora como na origem, por causa da admirao [thaymzein], na medida em que, inicialmente, ficavam perplexos diante das dificuldades mais simples [...]. Observemos a razo da admirao: ficavam perplexos, assustados ou assombrados diante das dificuldades mais simples. Ademais, importa ressaltarmos que Aristteles, aqui, d realce a um dito de Plato: PLATO. Teeteto. 155 d. In: REALE, Giovanni. Metafsica III: Sumrio e Comentrios. 3 ed. Trad. Marcelo Perine. Rev. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2011. p. 15: prprio do filsofo isso [...], ser cheio de admirao; e a filosofia no tem outro princpio alm desse. 37 TAYLOR, A. E. Platone. Luomo e lopera. Florena: La Nuova Italia, 1968. p. 478. In: REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos: terapia para os tempos atuais. 3 ed. Trad. Silvana Cobucci Leite. Rev. Joseli Nunes Brito et al. So Paulo: Edies Loyola, 2011. p. 89. muito importante notar que a contemplao a felicidade, e esta no meio, mas fim. No pode ser instrumentalizada. Destarte, a contemplao querida por si mesma. Aristteles deixa isso bastante claro no Protrptico. ARISTTELES. Esortazione alla filosofia (Protrettico). Fr. 11 Ross. Trad. Enrico Berti. Npoles: Il Tripode, 1994. In: REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos: terapia para os tempos atuais. 3 ed. Trad. Silvana Cobucci Leite. Rev. Joseli Nunes Brito et al. So Paulo: Edies Loyola, 2011. p. 86: No de se estranhar, pois, se a sabedoria no parece til nem vantajosa, porque no dizemos que ela til, mas que boa, nem justo desej-la por causa de outras coisas, mas por si mesma.. Entretanto, inebriado pela verdade contemplada, o sbio, espontaneamente, faz dela a regra e medida da sua vida. Comenta Reale, de forma muito feliz, a citao de Taylor: REALE, Giovanni. O Saber dos Antigos: terapia para os tempos atuais. 3 ed. Trad. Silvana Cobucci Leite. Rev. Joseli Nunes Brito et al. So Paulo: Edies Loyola, 2011. p. 87: Contemplar a verdade e o ser, ou seja, o inteiro, comporta uma separao daquelas coisas que os homens apreciam, e, portanto, uma forma de vida asctica em sentido helenista: de fato, contemplando o inteiro, mudam necessariamente as perspectivas usuais limitadas s partes e, numa ptica global, muda o significado que se d vida, e se impe uma nova hierarquia de valores. Os melhores homens sero aqueles que mais viram e contemplaram a Verdade. A vida moral depende estruturalmente da contemplao. Plato, na Repblica, chega a dizer que a contemplao tem um significado preciso e um alcance decisivo em dimenso poltica (no sentido grego): a viso do Bem supremo torna-se fora que salva no apenas o indivduo, mas, por meio do indivduo, tambm a Cidade. (Os sublinhados so nossos). Outra estudiosa a destacar este fato foi Cornelia de Vogel: VOGEL, Cornelia de. Philosophia, Part. I: Studies in Greek Philosophie. Assen, 1970. pp. 22s. In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 404: Dizer que a filosofia, para os gregos, significava reflexo racional sobre a totalidade das coisas bastante exato se nos limita a isso. Mas se

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O filsofo no , pois, um alienado! Ao contrrio, busca viver conforme a verdade e

no conforme o que parece ser mais prtico e verossmil. Da Aristteles dizer da filosofia

primeira ou teologia, que conhecemos como metafsica: Todas as outras cincias sero mais

necessrias do que esta, mas nenhuma lhe ser superior38.

Contudo, h um ltimo aspecto que gostaramos de destacar. Dissemos que Aristteles

chama a filosofia de teologia. Mas por que a chama? Por ser a filosofia o reverso da sofstica.

De fato, enquanto na sofstica, o homem era a medida de todas as coisas; na filosofia, Deus se

queremos completar a definio, devemos acrescentar que, em virtude da altura do seu objeto, essa reflexo implica uma precisa atitude moral e um estilo de vida que eram considerados essenciais tanto pelos prprios filsofos como por seus contemporneos. Isto, em outras palavras, significa que a filosofia no era nunca um fato puramente intelectual. um erro to grave sustentar que no perodo clssico o estilo de vida no tinha nenhuma relao com a filosofia, quanto afirmar que no mais tardio perodo helenstico-romano a teoria cedeu prxis. [...] Na filosofia grega mais antiga encontramos uma teoria que implica necessariamente uma atitude moral e um estilo de vida; na filosofia grega mais tardia encontramos, no sempre, mas com freqncia, uma atitude e um estilo de vida morais que, necessariamente, pressupem uma teoria. Reale tambm comenta o texto de Cornelia: REALE. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. p. 404: Podemos, em suma, dizer que a constante da filosofia grega o theorein, ora acentuado na sua valncia especulativa, ora na sua valncia moral, mas sempre de modo tal, que as duas valncias se implicam reciprocamente de maneira estrutural. De resto, uma outra prova disso est no fato, j observado por de Vogel, que os gregos consideraram sempre como verdadeiro filsofo, apenas aquele que demonstrou saber realizar uma coerncia de pensamento e vida e, portanto, aquele que soube ser mestre no s de pensamento, mas tambm de vida. A fim de no ficarmos presos aos comentadores, podemos constatar este fato a partir dos prprios textos dos filsofos gregos. Estes textos abundam. Plato coloca na boca de Scrates, o dialtico por excelncia, estas palavras: PLATO. Grgias. 521 D. In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 406: Eu creio estar entre aqueles poucos atenienses, para no dizer o nico, que tente a verdadeira arte poltica, e o nico entre os contemporneos a exercit-la. Na Repblica, Plato afirma com meridiana clareza que o nico capaz de governar de forma tima o filsofo: PLATO. Repblica. VI, 499 b-c. In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 406: [...] Nem Estado, nem Governo, nem homem algum se tornar perfeito antes que [...] poucos e bons filsofos, que, no entanto, agora so tidos como inteis, forem constrangidos por boa fortuna, querendo ou no, a se encarregar do Estado, e enquanto a Cidade no for constrangida a obedecer a eles, ou enquanto nos filhos dos reis e dos poderosos de agora, ou neles mesmos, no se acender, por divina inspirao, o verdadeiro amor pela verdadeira filosofia. Ora, a razo pela qual Plato pensa que s o filsofo capaz de governar de forma excelente, consiste no fato de que ele o nico que pode, contemplando a Ideia do Bem, ordenar todas as coisas segundo a sua causa suprema: PLATO. Repblica. VII, 517 C. In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 406: Eis o que me parece: na esfera do cognoscvel, a ltima a Idia do Bem e muito dificilmente pode ser vista, mas, uma vez vista, preciso reconhecer que ela a causa de todas as coisas justas e belas, porque gera, na esfera do visvel, a luz e o senhor da luz, e, na esfera do inteligvel, sendo ela soberana, produz a verdade e a inteligncia, e a ela deve olhar aquele que quer comportar-se de modo mais razovel na vida privada e na vida poltica. No h dvida, portanto, que, em Plato, a vida teortica incide sobre a prtica, repercute tanto no mbito da tica quanto no mbito da plis. Por fim, tambm Aristteles afirma que a vida teortica deve determinar e modelar a vida do homem, tanto enquanto indivduo como enquanto cidado: ARISTTELES. Protrtico. fr. 13 Ross (= 51 Dring). In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga: Das origens a Scrates. 4 ed. Trad. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2002. p. 408: Tal cincia , pois, especulativa, mas permite-nos ser artfices, com base nela, de todas as coisas. A vista, de fato, no artfice e produtora de nada, pois a sua tarefa distinguir e mostrar cada uma das coisas visveis. Ela, todavia, consente agir por seu intermdio e nos de grandssima ajuda para as nossas aes, pois se fssemos privados dela, seramos praticamente imveis. Do mesmo modo claro que, embora sendo essa cincia, especulativa, todavia fazemos milhares de coisas com base nela, escolhemos algumas aes e evitamos outras e, em geral, por meio dela, conquistamos todos os bens. 38 ARISTTELES. Metafsica. I, 983 a, 10. In: REALE, Giovanni. Metafsica II: Texto grego com traduo ao lado. 2 ed. Trad. Marcelo Perine. Rev. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2005. p. 13.

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torna a medida de todas as coisas. J em Plato, a filosofia uma teologia, porque o filsofo

deve em tudo assemelhar-se ao Demiurgo, deve imit-lo e moldar a realidade conforme v-lo

fazer. Ser filsofo assemelhar-se a Deus, imit-lO em tudo. So muitas as passagens,

citemos algumas. J no Fedro, Plato, valendo-se da linguagem mtica da alma como carro

alado puxado por dois cavalos e guiados por um cocheiro, depois de descrever a excelncia

da vida dos deuses, diz que os melhores homens so aqueles que, medida que seguem e se

assemelham aos deuses, conseguem elevar s suas almas at o prado do ser e da verdade:

Das outras almas, a que melhor tem seguido o deus e mais se lhe assemelha, levanta a cabea do cocheiro para o lugar exterior, seguindo, em seu giro, o movimento celeste, porm, agitada pelos cavalos, mal consegue ver os seres.39

No Timeu, ao referir-se aos primeirssimos princpios, isto , queles que esto acima

dos prprios princpios geomtricos, Plato afirma: Porm, os outros princpios anteriores a

estes, conhece-os Deus e aquele, dentre os homens, que amado por ele40. Na Repblica, ao

falar do filsofo, descreve-o assim:

Cabe supor, por conseguinte, com respeito ao varo justo, que, embora viva sua vida na pobreza ou com enfermidades ou com algum outro dos que so tidos por males, isto terminar para ele num bem, durante a vida ou depois de estar morto. Pois no descuidado pelos deuses aquele que pe o seu zelo em ser justo e praticar a virtude, assemelhando-se a Deus na medida em que possvel para um homem.41

No Teeteto, volta a afirmar com meridiana clareza que a via filosfica alcana seu

termo no filsofo que, para escapar dos males a que todos os mortais esto sujeitos, busca o

quanto for possvel assemelhar-se a Deus:

Scrates Sem embargo, Teodoro, os males no podem desaparecer, pois necessrio que haja sempre o contrrio ao bem. Os males no habitam entre os deuses, porm esto necessariamente ligados natureza moral e a este mundo daqui. Por esta razo, mister fugir

39 PLATN. Fedro. Trad. Lled igo. Madrid: Editorial Gredos, 1988. 248 a. p. 349. [A traduo, para o portugus, nossa]. 40 PLATN. Timeo. Trad. Francisco Lisi. Madrid: Editorial Gredos, 1992. 53 d. p. 207. [A traduo, para o portugus, nossa]. 41 PLATN. Repblica. Trad. Conrado Eggers Lan. Madrid: Editorial Gredos, 1988. 613 a-b. p. 485. [A traduo para o portugus e os itlicos so nossos].

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para alm dele com maior celeridade, e a fuga consiste em fazer-se semelhante divindade como seja possvel, semelhana que se alcana por meio da inteligncia e da piedade.42

Em seu ltimo dilogo, as Leis, Plato retorna ao mesmo tema, a saber, que no s o

pensamento, mas a vida do filsofo deve assemelhar-se o quanto possvel ao pensamento

e a vida de Deus:

A.T. Para ns, Deus deveria ser a medida de todas as coisas; muito mais ainda que, como dizem alguns, um homem. necessrio, que o que h de chegar a ser querido por ele (i.., por Deus) se converta o mais possvel, tambm ele, num ser (i.., Deus) dessas caractersticas.43

Por estes textos outros poderiam ser arrolados fica estabelecido que a filosofia o

contrrio da sofstica. A filosofia chega a resultados antitticos aos da sofstica e se coloca

como antpoda dela. Em vez do humanismo de Protgoras, ela prope uma teologia. No h

dvida que, em relao aos pr-socrticos, Scrates traz a filosofia do cu terra. Entretanto,

o fim da especulao socrtico-platnica, como vimos no ltimo dilogo, Deus. Fato a se

considerar que, em Plato, com efeito, Deus ainda no o princpio supremo. Este princpio

o bem. Foi somente com Aristteles que Deus se tornou o princpio supremo de todas as

coisas. Portanto, podemos datar de Aristteles a fundao da filosofia como teologia no

sentido estrito do termo; teologia natural ou filosfica, decerto, mas teologia. Para o

Estagirita, a metafsica uma teologia em dois sentidos: no apenas porque toma as coisas

divinas como objeto, sendo Deus o prprio Ser, mas tambm porque, de algum modo,

participa da cincia que Deus tem de Si mesmo. Diz Aristteles da metafsica:

Esta, de fato, a mais divina e a mais digna de honra. Mas uma cincia s pode ser divina nos dois sentidos seguintes: (a) ou porque ela a cincia que Deus possui em grau supremo, (b) ou porque ela tem por objeto as coisas divinas. Ora, s a sapincia possui essas duas caractersticas. De fato, convico comum a todos que Deus seja uma causa e um princpio, e, tambm, que Deus, exclusivamente, ou em sumo grau, tenha esse tipo de cincia.44

42 PLATN. Teeteto. 176 a-b. [A traduo, para o portugus, nossa]. 43 PLATN. Leyes (Libros I-VI). Trad. Francisco Lisi. Madrid: Editorial Gredos, 1999. 716 c- d. pp. 375 e 376. [A traduo para o portugus nossa].

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Na tica a Nicmaco, ao colocar as virtudes dianoticas acima das ticas, e, dentre

aquelas, destacar como sendo superior a todas as outras a sapincia, nela residindo a

felicidade humana, Aristteles afirma sem mais que, pela contemplao (filosfica), que

em que consiste a sapincia, o homem torna-se de algum modo semelhante a Deus,

transcendendo a sua prpria natureza. A bem da verdade, ele no somente constata isto, seno

que exorta os homens a buscarem a contemplao da Verdade, pela qual se assemelham a

Deus. Ouamo-lo acerca de tal vida:

[...] Mas tal vida ser superior natureza; com efeito, no enquanto homem ele viver de tal modo, mas enquanto nele h algo de divino; e na mesma medida em que este excede a estrutura composta do homem, excede tambm a sua atividade sobre aquela segundo as outras virtudes. Se, pois, relativamente natureza do homem, o intelecto algo divino, tambm a vida conforme com ele ser divina relativamente vida humana. Portanto, no se deve seguir os que aconselham a, sendo homens, ater-se s coisas e, sendo mortais, s coisas mortais; antes, enquanto possvel, preciso fazer-se imortal e fazer tudo para viver segundo a parte mais elevada dentre as que esto em ns; se, de fato, esta pequena em extenso, todavia excede de muito todas as outras em poder e valor.45

Noutra passagem da tica, Aristteles no menos claro quanto a isto. Nela enfatiza

que a felicidade humana reside numa vida que est alm do humano, numa vida que se

assemelhe vida divina e que participe dela pela contemplao:

De modo que a atividade do deus, que excede em beatitude, ser contemplativa. Portanto, tambm entre as atividades humanas, a que mais congnere a esta ser a mais capaz de tornar feliz. Prova disso tambm o fato de os outros seres no participarem da felicidade, por serem completamente privados dessa atividade. Ao invs, para os deuses, toda a vida beata, e para os homens o enquanto h neles uma atividade semelhante quela; mas nenhum dos outros seres vivos feliz, porque no participa em nada da especulao. Portanto, tanto mais se estende a especulao, igualmente se estende a felicidade, e naqueles em que se encontra mais especulao, h tambm maior felicidade: e isso no acontece por acaso, mas pela especulao: essa,

44 ARISTTELES. Metafsica. I, 983 a, 5-10. In: REALE, Giovanni. Metafsica II: Texto grego com traduo ao lado. 2 ed. Trad. Marcelo Perine. Rev. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2005. p. 13. 45 ARISTTELES. tica Nicomaquia. K 7, 1177 b 19-1178 a 2. In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga: II Plato e Aristteles. Trad. Henrique Cludio de Lima Vaz e Marcelo Perine. So Paulo: Loyola, 1994. p. 420.

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de fato, tem valor por si mesma. Assim, a felicidade uma espcie de especulao.46

A fim de no pensarmos que estas valncias estejam presentes somente no mbito da

tica, vejamos como o filsofo de Estagira coloca, na obra que nos chegou com o nome de

Metafsica, e que , inquestionavelmente, a sua obra-prima, a teologia acima de todas as

demais cincias teorticas, visto que tem por objeto a realidade mais elevada: Deus. Diz ele:

Conseqentemente, so trs os ramos da filosofia teortica: a matemtica, a fsica e a teologia. Com efeito, se existe o divino, no h dvida de que ele existe numa realidade daquele tipo. E tambm no h dvida de que a cincia mais elevada deve ter por objeto o gnero mais elevado de realidade. Enquanto as cincias teorticas so preferveis s outras cincias, esta, por sua vez, prefervel s outras duas cincias teorticas.47

Ora, os medievais primeiros herdeiros da cultura grega preservaram estes

pressupostos da filosofia, inclusive aprimorando-os luz da Revelao. Mxime Toms de

Aquino, ao constatar que O conhecimento consiste em que o conhecido est naquele que

conhece48, e que, ipso facto, [...] todo conhecimento realiza-se pela assimilao do

cognoscente coisa conhecida [...]49, saber aplicar como nenhum outro as ressonncias

desta doutrina filosfica teologia e mstica crists. Contudo, j no final do grande sculo

XIII, o homem comeou a renegar o prado da verdade. E foi de dentro da Igreja, a grande

curadora do Ocidente decado, que saram aqueles que retornaram ao orgulho dos primeiros

sofistas. Passemos a considerar este fenmeno, ainda que sucintamente.

46 ARISTTELES. tica Nicomaquia. K 8, 1178 b 21-32. In: REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Antiga: II Plato e Aristteles. Trad. Henrique Cludio de Lima Vaz e Marcelo Perine. So Paulo: Loyola, 1994. pp. 420 e 421. 47 ARISTTELES. Metafsica. VI, 1026 a, 15-20. In: REALE, Giovanni. Metafsica II: Texto grego com traduo ao lado. 2 ed. Trad. Marcelo Perine. Rev. Marcelo Perine. So Paulo: Edies Loyola, 2005. p. 273. 48 TOMS DE AQUINO. Suma Teolgica. I, 16, 1, C. 49 TOMS DE AQUINO. Questes Disputadas Sobre a Verdade. Trad. Mario Bruno Sproviero. I, I, C. In: LAUAND, Luiz Jean; SPROVIERO, Mario Bruno. Verdade e Conhecimento. So Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 149.

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4. O mal que veio de dentro: o retorno sofstica

Citemos apenas dois, Frei Guilherme de Ockham [1285-1349] e o Cardeal Nicolau de

Cusa [1401-1464]. Em termos bem simples, estes comearam a defender que conceito e

realidade so duas coisas inconciliveis. Aquele no expressa nada desta. Para quem nos

acompanhou at aqui e continuar acompanhando-nos, verificar que a escolstica decadente

no passou em termos gerais de um retorno sofstica grega. Entretanto, a fim de no

entrarmos de sbito no assunto, tempo de fazermos uma concisa abordagem de como a

filosofia clssica rompeu com a sofstica. S assim entenderemos a ruptura de Ockham e

Nicolau.

Tomemos Toms de Aquino [1225-1274], reconhecidamente o maior herdeiro da

filosofia platnico-aristotlica. Toms distingue som (sonus) de voz (vox). Vox no um som

qualquer, mas um som animado, prprio, portanto, somente de quem tem alma. Da Toms

dizer: De mais a mais, nenhum ente inanimado tem voz50. Agora bem, no mbito da vox,

d-se a palavra (verbum). E a palavra , por definio, signo. Donde dizer o Aquinate: A

palavra (vox=voz) que no significativa no pode ser chamada de verbo

(verbum=palavra)51. Ora, o signo (signum), por sua vez, definido por Toms como sendo

[...] o meio de chegar ao conhecimento de outra coisa52. O que isso quer dizer? Quer dizer

que uma palavra que no nos leva a conhecer nada alm dela no palavra, porque no

signo. Quer dizer que um signo que no nos d a conhecer outra coisa no signo.

Demos mais um passo. Esta palavra, da qual falamos, no , antes de tudo, a audvel,

mas sim aquela que dita interiormente. Por isso, Frei Toms ressalta ser [...] a linguagem,

obra prpria da razo53. Disto decorre que a palavra , antes de mais nada, uma palavra

interior (verbum interius), um conceito e s depois uma palavra audvel:

Verbo [verbum=palavra], portanto, significa, primeira e principalmente, o conceito interior da mente [interior mentis

50 TOMS DE AQUINO. Sentencia De anima. lib. 2, 18 n. 1. Disponvel em: . Acesso em: 17/09/2013: Nullum autem inanimatum habet vocem. [Traduo nossa]. 51 TOMS DE AQUINO. Suma Teolgica. I, 34, 1, C. 52 Idem. Ibidem. III, 60, 4, C. 53 Idem. Ibidem. I, 91, 3, ad. 3.

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conceptus]. Em segundo lugar, a palavra que exprime o conceito interior [ipsa interioris conceptus significativa].54

Mas j sabemos, se a palavra no signo, ou seja, se a palavra interior, o conceito no

sinaliza para outra coisa, no palavra, no conceito, e como a linguagem exterior quer

expressar um conceito, se o conceito no for signo, isto , se no indicar nada alm dele, no

haver linguagem propriamente dita. Do quanto foi dito, deduz-se que o que conhecemos,

primeiramente, no o conceito ou a palavra interior (Depois, por reflexo, conheceremos o

conceito enquanto signo), mas justamente como este essencialmente signo, conhecemos,

nele, primariamente, a coisa de que ele signo. Do contrrio, no haveria cincia, ou seja,

conhecimento da realidade. Toms claro quanto a isso:

Se, pois, aquilo que conhecemos fosse somente as espcies que esto na alma, todas as cincias no seriam de coisas que esto fora da alma, mas somente das espcies inteligveis que esto na alma. [...] Deve-se, portanto, dizer que a espcie inteligvel est para o intelecto como aquilo pelo qual ele conhece. [...] Mas o que primeiramente conhecido, a coisa da qual a espcie inteligvel a semelhana.55

Mas, enfim, qual o objeto da inteligncia humana, qual a realidade da qual o

conceito signo? Responde Toms: [...] o objeto de nosso intelecto, no estado da vida

presente, a qididade da coisa material [...]56. Quididade, do latim quidditas, responde

pergunta acerca do quid sit da coisa. Desta feita, conhecer a quididade conhecer o que a

coisa , a sua essncia. Por isso, o conceito ou palavra mental tem como signo a essncia ou

quididade das coisas materiais: [...] o objeto do intelecto aquilo que , ou seja, a essncia

da coisa57. Mais precisamente, o nosso intelecto conhece a forma da coisa material, mas no

enquanto esta existe na matria corporal e sim enquanto abstrada da matria.58 E, por

analogia partindo sempre das coisas materiais chegamos a conhecer a existncia das

substncias imateriais e algo delas.59

54 Idem. Ibidem. I, 34, 1, C. 55 Idem. Ibidem. I, 85, 2, C. 56 Idem. Ibidem. I, 87, 2, ad. 2. 57 Idem. Ibidem. I-II, 3, 8, C. 58 Idem. Ibidem. I, 85, I, C. 59 Idem. Ibidem. Acerca da possibilidade de demonstrarmos a existncia dum ente metafsico, remeto o leitor aos meus textos sobre a existncia de Deus: CAMPOS, S. L. B. O Problema da Existncia de Deus em Toms de Aquino. Disponvel em: . Acesso em: 18/09/2013; Idem. As Cinco Vias para se Provar da Existncia de Deus em Toms de Aquino.

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Todavia, o que mais importante retermos aqui o seguinte. A inteligncia s

inteligncia, intus legere (ler dentro), enquanto consegue abstraindo a forma da

individualidade da matria conhecer o que a coisa no conceito. Donde Odilo Moura

dizer com mestria, que a essncia do pensamento de Toms est justamente no fato de que o

seu pensamento no o seu pensamento, mas sim o meio pelo qual ele nos coloca diante da

realidade. O pensamento de Toms signo da realidade, linguagem que sinaliza para o real.

O Aquinate o arauto, o porta-voz do ser e da verdade:

Por isso o realismo tomista a filosofia do ser e a filosofia da verdade. A verdade a obsesso de S. Toms, justamente porque a verdade a correspondncia da mente com as coisas. Em primeiro lugar, as coisas; depois, a mente. Em primeiro lugar, o objeto; depois, o sujeito. Do conbio sujeito-objeto nasce a harmoniosa construo tomista. Repugna-lhe toda doutrina subjetivista.60

Da inferirmos tambm o absurdo da sofstica, porque ao negar que a inteligncia pode

conhecer o que as coisas so, ela nega a prpria inteligncia. Negando que o conceito ou

palavra mental seja signo da realidade, ela nega a prpria palavra, a prpria razo de ser da

linguagem. Negando que o signo exprima outra coisa, ela nega o prprio signo. Em sntese,

com a negao entre ser e pensamento e entre palavra, pensamento e ser a sofstica nos leva

negao da prpria possibilidade da cincia, do conhecimento do real. Todo o relativismo de

Protgoras, por exemplo, deveu-se sua confuso entre palavra audvel e palavra mental.

Ora, certo que a palavra sonora pode variar, pois podemos dizer gua, water, eau, etc., mas

o conceito (vebum interius) permanece o mesmo: H2O.61

Agora bem, foi exatamente a esta absurdidade que Guilherme de Ockham retornou.

Entendendo por representao o que geralmente e enganosamente entendemos, a saber, algo

que representa a coisa, faz as vezes dela, mas sem dizer o que ela , Ockham negou a palavra

ver=1&id=121&le=F12&label>. Acesso em: 18/09/2013; Idem. A no evidncia quoad nos e a demonstratio quia da existncia de Deus em Toms de Aquino. Disponvel em: . Acesso em: 18/09/2013. Sobre a legitimidade do conhecimento analgico acerca de Deus, vide: Idem. A Natureza Divina em Toms de Aquino: A Via da Analogia. Disponvel em: . Acesso em: 17/09/2013. 60 MOURA, Odilo. Introduo a Os Princpios da Filosofia de So Toms de Aquino: As vinte e quatro teses fundamentais. HUGON, douard. In: Introduo a Os Princpios da Filosofia de So Toms de Aquino. Porto Alegre: EDIPURS, 1998. p. 13. 61 Boa parte deste resumo recolhe ideias expostas de forma magistral por Luiz Jean Lauand, a partir da sua leitura de Josef Pieper, em: LAUAND, Luiz Jean. Toms de Aquino: Vida e Pensamento Um Estudo Introdutrio Geral (e Questo Sobre o Verbo). In: Verdade e Conhecimento. Luiz Jean Lauand e Mario Bruno Sproviero (Org.). So Paulo: Martins Fontes, 1999. pp. 52 a 55.

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enquanto palavra, negou o signo enquanto signo, negou a inteligncia enquanto inteligncia, e

condenou ao naufrgio a prpria condio da cincia. Aniquilou a linguagem humana.

Transformou a palavra em simples emisso de voz (flatus vocis). Reduziu-nos, sob certo

aspecto, a animais que emitem vozes. Ademais, ao aplicar esta teoria a Deus, afirmou que, ao

falarmos de Deus, no atingimos a realidade (quid rei) da qual falamos, mas simplesmente a

sua representao nominal (quid nominis). Em outras palavras, para Ockham, o discurso

religioso era uma questo que girava em torno somente de nomes, sem, porm, tocar a

realidade de Deus. Dizia ele:

Em si mesmas, no podemos conhecer nem a unidade de Deus nem a sua infinita potncia nem a bondade divina nem a sua perfeio; o que ns conhecemos imediatamente so conceitos, que no so Deus, e sim smbolos de que nos servimos para compor frases, em lugar de Deus.62

Observemos que Ockham deixa transparecer nesta passagem, que s pensa existir um

nico conhecimento possvel de Deus, a saber, aquele que Ele tem de si mesmo, o que denota

a negao da possibilidade de um conhecimento analgico de Deus, o nico que nos

possvel nesta vida. Trata-se, pois, da univocidade que conduz, fatalmente, ao agnosticismo

teolgico e s deixa lugar ao fidesmo. Contudo, mais explcito do que Ockham, foi o cardeal

Nicolau de Cusa. Este parece retomar, com todas as letras e de forma igualmente radical, o

pensamento sofstico. Em sua obra mestra, De docta ignorantia, afirma:

[...] a Verdade, na sua pureza, inacessvel, e embora investigada por muitos filsofos, nenhum deles a descobriu como ela de fato; quanto mais nos aprofundamos nessa ignorncia, tanto mais podemos dizer que nos aproximamos da verdade.63

Aplicando estes pressupostos a Deus, o Cusano afirma:

A sagrada ignorncia nos ensinou que Deus inefvel, pois ele infinitamente maior do que todas as coisas s quais se possa dar um nome; e justamente por isso que ele sumamente verdadeiro.64

62 OCKHAM, Guilherme. Scriptum in Librum Primum Sententiarum. 3, 2. In: MONDIN, Battista. Quem Deus? Elementos de Teologia Filosfica. 2 ed. Trad. Jos Maria de Almeida. So Paulo: Paulus, 2005. p. 271. 63 NICOLAU DE CUSA. Della dotta ignoranza. Trad. G. Garofalo. Roma: Signorelli, 1970. p. 67. In: MONDIN, Battista. Quem Deus? Elementos de Teologia Filosfica. 2 ed. Trad. Jos Maria de Almeida. So Paulo: Paulus, 2005. p. 271.

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Esta passagem, que passvel de uma interpretao ortodoxa, pelo contexto da obra,

demonstra-nos, antes, que, para o Cusano, a verdadeira cincia acerca de Deus est na repulsa

de qualquer cincia acerca dEle. Desta sorte, a sagrada cincia passa a ser concebida como

uma sagrada ignorncia, uma douta ignorncia. Por qu? Novamente: porque estamos na

univocidade. Nela, por se admitir que s exista um nico conhecimento vlido de Deus, a

saber, Aquele que Ele tem de Si mesmo e que os bem-aventurados tm dEle em si mesmo, o

conhecimento analgico o nico que nos possvel nesta vida converte-se numa espcie

de idolatria. Neste sentido, da teologia negativa, diz o Cusano: [...] sem ela, no seria

possvel adorar a Deus enquanto Deus infinito, e sim como a uma criatura qualquer: mas tal

adorao seria verdadeira idolatria65. Entretanto, ressaltemos, uma vez mais, que estas

concluses procedem de uma teoria do conhecimento que advoga a existncia do mesmo

divrcio entre ser e pensamento, a mesma separao entre palavra, pensamento e ser, que

Grgias defendia em seu tempo. Mondin um dos grandes estudiosos da linguagem teolgica

do nosso tempo enfatiza ainda que esta viso, que nasceu no seio da Igreja Catlica, foi uma

das propulsoras da Reforma Protestante:

As teorias de Occam, Eckhardt e Cusano tiveram uma extraordinria repercusso nos ambientes da Reforma e exerceram um papel importante na formao teolgica de Lutero e Calvino. Para os pais da Reforma e para seus seguidores, a linguagem teolgica, enquanto discurso humano, tem um valor totalmente negativo: no pode exprimir a verdade de Deus, apenas deform-la. [...]. Nem mesmo a analogia da f, que depende da revelao e fruto da livre escolha de Deus, permite que se alcance a sua realidade efetiva.66

Mas o mais importante sequer isso. A questo que com este retorno sofstica

a teologia deixa de ser uma cincia, como defendia Toms de Aquino.67 E por que deixa de

ser uma cincia? Porque o sujeito desta cincia, Deus68, torna-se absolutamente inalcanvel.

E h mais. Tambm a teologia natural e os prembulos da f (preambula fidei)69 que ela nos

delega, perdem todo o seu valor. Por exemplo, a existncia de Deus a qual o fundamento

64 NICOLAU DE CUSA. Op. Cit. p. 102. In: MONDIN, Battista. Quem Deus? Elementos de Teologia Filosfica. 2 ed. Trad. Jos Maria de Almeida. So Paulo: Paulus, 2005. p. 271. 65 NICOLAU DE CUSA. Op. Cit. p. 102. In: MONDIN, Battista. Quem Deus? Elementos de Teologia Filosfica. 2 ed. Trad. Jos Maria de Almeida. So Paulo: Paulus, 2005. p. 272. 66 MONDIN. Quem Deus? Elementos de Teologia Filosfica. p. 272. 67 TOMS DE AQUINO. Suma Teolgica. I, 1, 2, C. 68 Idem. Ibidem. I, 1, 7, C. 69 Idem. Ibidem. I, 2, 2, ad. 1.

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de toda a teologia de Toms70 torna-se inatingvel pela razo. E, com a existncia de Deus, a

verdade de Deus como Criador do mundo tambm cai por terra, pois esta procede daquela:

Ao demonstrar a existncia de Deus pelo princpio de causalidade, estabelecemos ao mesmo

tempo que Deus o criador do mundo71. Ora, ao ser sufocada a verdade acerca de Deus

como Criador do mundo, o alicerce da inteligibilidade das coisas tambm se perde, pois,

como diz Pieper, as coisas so inteligveis pelo fato de serem criadas!72. Por qu? Porque

como dissemos acima a inteligncia a faculdade da palavra que expressa o que as coisas

so.73 Entretanto, a inteligncia s pode expressar as coisas em palavras embora estas

palavras no nos deem um conhecimento exaustivo das coisas enquanto as prprias coisas

so tambm palavras. De fato, as coisas, em sua essncia, so palavras concebidas e

pronunciadas pela Inteligncia Criadora. Em ltima instncia, elas tambm so signos que

exprimem cada um a seu modo o Verbo Criador. Com efeito, isto que torna as coisas

inteligveis. Diz Toms:

Assim como a palavra audvel manifesta a palavra interior, assim tambm a criatura manifesta a concepo divina; as criaturas so como palavras que manifestam o Verbo de Deus.74

Enquanto ela [i.., a criatura] tem certa forma e espcie, representa o Verbo, pois a forma da obra de arte provm da concepo do artfice.75

70 TOMS DE AQUINO. Suma Contra os Gentios. Trad. Odilo Moura e Ludgero Jaspers. Rev. Luis A. De Boni. Porto Alegre: EDPUCRS, 1996. 2 v. I, IX, 6 [58]: Entre as verdades que devem ser consideradas, acerca de Deus em si mesmo, deve ter precedncia, como fundamento necessrio que de toda esta obra, o estudo da demonstrao de que Deus existe. Se assim no se fizer, toda a explanao sobre as verdades divinas perder o seu valor. 71 GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Mdia. Trad. Eduardo Brando. Rev. Carlos Eduardo Silveira Matos. So Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 662. 72 Vide toda a magistral exegese de Pieper para chegar a esta sentena lapidar: PIEPER, Josef. Luz Inabarcvel O Elemento Negativo na Filosofia de Toms de Aquino. Trad. Gabriele Greggersen. Disponvel em: . Acesso em: 16/09/2013. 73 importante notar, aqui, que a verdade ontolgica, que a conformao das coisas ao intelecto divino, precede e condiciona a verdade lgica, que a adequao do intelecto humano s coisas. Neste sentido, afirma Toms: TOMS DE AQUINO. Questes Disputadas Sobre a Verdade. Trad. Mario Bruno Sproviero. I, I, C. In: LAUAND, Luiz Jean; SPROVIERO, Mario Bruno. Verdade e Conhecimento. So Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 149: [...] assim pois a entidade da coisa precede a noo de verdade [...]. Em outras palavras, para haver adequao do nosso intelecto coisa, urge que as coisas antes sejam, e elas so medida que se encontram adequadas ao intelecto divino. 74 TOMS DE AQUINO. Super Sent. lib. 1 d. 27 q. 2 a. 2 qc. 2 ad 3. In: LAUAND, Luiz Jean. Op. Cit. In: Op. Cit. Trad. Luiz Jean Lauand e Mario Bruno Sproviero. So Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 55. 75 TOMS DE AQUINO. Suma Teolgica. I, 45, 7, C.

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No podendo aprofundar-nos nesta densa temtica, o fato a se ressaltar aqui que,

pelos motivos j arrolados, estes pensadores arrancam pela base a inteligibilidade das

coisas, deixando, assim, o caminho aberto para a univocidade, o ceticismo, o relativismo, o

nominalismo, o agnosticismo, o humanismo, o individualismo, etc. Agora bem, com o advento

da Reforma e da Imprensa, esta estrutura gnosiolgica torna-se um dado cultural. Tanto no

universo erudito quanto na cultura comea a vigorar a mxima: [...] a linguagem religiosa,

tanto antes quanto depois da revelao [...] no pode dizer nada de apropriado a respeito do

ser de Deus76. teologia, resta apenas a poesia mstica e o romantismo. Resta passarmos a

considerar outro evento que provm deste: a morte de Deus, que se traduziu, em termos

culturais, num evento epocal chamado secularismo, gnese do niilismo.

5. A morte de Deus: gnese do niilismo

Foi Nietzsche, no sculo XIX, no livro V da Gaia Cincia, que nos descobriu para

onde nos levava o declnio do medievo: Deus est morto:

O maior dos acontecimentos recentes que Deus est morto, que a crena no Deus cristo caiu em descrdito j comea a lanar suas primeiras sombras sobre a Europa. [...] e tudo quanto, depois de solapada essa crena, tem agora de cair, porque estava edificado sobre ela, apoiado a ela, arraigado nela; por exemplo, toda a nossa moral europia. [...]. De fato, ns filsofos e espritos livres sentimo-nos, notcia de que o velho Deus est morto, como que iluminados pelos raios de uma nova aurora [...].77

Observemos que, aqui, Nietzsche no se envolvia como amide costuma-se pensar

com a questo se Deus existe ou no; dizia simplesmente que a crena nEle estava morta

e, portanto, que Ele estava morto. E por que Deus estava morto? Porque a cultura teocntrica

estava morrendo! E por que ela estava morrendo? Porque o contedo racional da f tinha sido

olvidado. Destarte, a arte j no era mais sacra, a literatura j no era mais sacra, a msica

estava laicizando-se; enfim, a filosofia, a histria, o direito, a moral, a pedagogia, a

76 MONDIN. Quem Deus? Elementos de Teologia Filosfica. p. 272. 77 NIETZSCHE. A Gaia Cincia. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. So Paulo: Nova Cultural, 2000. V, 343.

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antropologia, o teatro, tudo estava laicizando-se. Em que sentido? No sentido de todas estas

reas terem descartado ou estarem descartando, terem negado ou estarem negando,

explicitamente, as suas razes crists.78

Passemos a tentar considerar, o que j pressentimos: a Igreja e a parte que lhe cabe,

em termos culturais, para o desencadeamento deste fenmeno.

6. A secularizao da Igreja: razo da morte de Deus

E por que, uma vez mais, isto estava acontecendo, a saber, a negao das razes crists

do Ocidente? Aqui entra o aspecto existencial. Isto acontecia exatamente porque os cristos

haviam-se esquecido de que DEUS EXISTE; encontravam-se encastelados numa espcie de

teoreticismo, pelo que os inimigos da Igreja, aproveitando-se, penetraram nela, laicizando-a

pouco a pouco, at que ela perdesse, quase totalmente, o senso do sacro79, do tremendo, do

terrificante e, consequentemente, passasse a olvidar o fato de que constitui uma s pessoa

mstica com Cristo80, que um prolongamento da Sua encarnao na histria81, e que, como

tal, devia penetrar na poltica, sim, na cultura, sim, nas universidades, sim, mas para trazer a

todas estas dimenses humanas, o suprarracional que lhe peculiar.82 De modo que, a Igreja

laicizada pelos seus inimigos e pela inrcia dos seus, submeteu-se histria; esqueceu-se,

conseguintemente, de que tem o grave dever de dizer uma palavra trans-histrica histria;

abdicou deste condo. Ratificamos: boa parte da Igreja simplesmente renunciou ao mnus que

lhe foi confiado, a saber, dizer ao mundo que existe uma dita que lograremos no alm-tmulo.

78 Apndice II: O secularismo. 79 Apndice III: O sacro. 80 TOMS DE AQUINO. Suma Teolgica. III, 8, 1, C: Como toda a Igreja denominada um nico corpo mstico por comparao ao corpo natural do homem que, segundo os diversos membros, exerce diversos atos, [...], assim Cristo denominado cabea da Igreja por comparao com a cabea humana. E ainda: Idem. Ibidem. III, 48, 2, Ad 1: Deve-se dizer que cabea e membros so como uma nica pessoa mstica. 81 Idem. Ibidem. III, 48, 1, C: Como foi dito acima, a graa foi dada a Cristo no s como a uma pessoa em particular, mas como ao chefe da Igreja, ou seja, de modo que dele redundasse para seus membros. Portanto, as obras de Cristo so atribudas tanto a si como a seus membros, do mesmo modo que as obras de qualquer homem constitudo em graa se atribuem a ele. TOMS DE AQUINO. Exposio Sobre o Credo. 4 ed. Trad. Odilo Moura. So Paulo: Edies Loyola, 1997. art. X. p. 79: Os bens de Cristo so comunicados a todos os cristos, como a energia da cabea comunicada a todos os membros. FRANCA, Leonel. Catolicismo e Protestantismo. Rio de Janeiro: Schmidt Editor, 1933. p. 1: A Igreja o prolongamento de Cristo na terra. 82 Decerto no para tolher o que pertence ao mbito temporal, o que provocaria uma teocracia clerical, seno para consolid-lo, aperfeio-lo, como a graa a natureza. A Igreja no deveria ter renunciado o papel que lhe cabe na sociedade, precisamente para evitar o que hoje assistimos: a uma espcie de teocracia rgia ou estatal.

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No se trata, est claro, de pensar a histrica de forma maniquesta, mas sim de no deixar de

reconhecer que a histria caminha para uma realidade meta-histrica. Ora, a consequncia

deste esquecimento foi a laicizao da Igreja, a tal ponto que se tornou leiga quando se trata

de propor algo que sobrepuje o mbito laico. E a consequncia foi esta: se no podemos ler o

medievo prescindindo de Deus, podemos perfeitamente ler a contemporaneidade sem Deus,

pois se esvanece cada vez mais o senso do suprassensvel. Tudo se passa como se Deus no

participasse desta nova ordem; por isso, desde este ponto de vista, pode-se dizer com razo

que Deus no est vivo para ns. Em uma palavra, Deus no o Criador do mundo em que

vivemos e, por isso, est morto para ns. E isso comeou quando a Igreja permitiu que seus

prprios filhos, engendrassem e entranhassem nela e no mundo, o fidesmo. E Nietzsche, logo

Nietzsche, foi o primeiro filsofo que verificou isto como sendo um fato que estava ganhando

contornos a partir do seu tempo.

Urge entendermos agora para onde nos leva a morte de Deus. mister

compreendermos o niilismo e admitirmos que, ao menos incoativamente, j prevalece, no s

na nossa civilizao, como numa das fundadoras dela, a saber, na Igreja, certo niilismo.

Tentemos analisar, de forma concisa, o niilismo em si mesmo.

7. O niilismo

Cabe uma advertncia. Para entrarmos no tema do niilismo, teremos que de algum

modo perfazer o caminho que nos leva a ele. Este caminho percorrido com mestria por

Umberto Galimberti. Segui-lo-emos, num primeiro momento, to somente expondo o seu

pensamento. Num segundo momento no prximo tpico mas tambm nos apndices e

anexos, indicaremos as crticas de que sua fala est passvel e sugeriremos o que em seu

discurso est sujeito a revises. Mas, neste momento, deix-lo-emos por nossa pena fazer

com que sintamos a tenso a que nos leva este hspede inquieto chamado niilismo, tenebroso

termo de nossos percalos. No entanto, insistimos em dizer que isso no significa de modo

algum que aderimos, formalmente, ao pensamento de Galimberti.83

83 Retemos o leitor a algumas das prelees do Prof. Galimberti das quais lanamos mo nesta exposio. Todas elas so sobre temticas de livros do autor. Advertimos que algumas destas prelees esto divididas em duas partes. Indicaremos sempre o link da primeira, contando que os interessados no tero dificuldades em passar para a segunda: GALIMBERTI, Umberto. Venir meno per essere nulla, il problema attuale del nichilismo.

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Mas o que o niilismo? Tentemos entender. Ao menos at o nosso tempo, todas as

iniciativas contra a cristandade, no foram seno outras tantas facetas amparadas pelos

princpios postos pelo prprio cristianismo. Esforcemo-nos por elucidar isto. Com o advento

do cristianismo, a concepo de tempo linear presente, passado e futuro concebido

como comeo, meio e fim escatolgico, sobreps-se concepo grega de tempo circular, que

a do eterno retorno, como as quatro estaes que se sucedem desde tempos imemoriais.

Ora, na viso grega do mundo, a morte fazia parte da vida. O homem nascia para crescer,

reproduzir-se e morrer. Mais: a morte j estava incoativamente presente desde o nascimento.

O homem nascia para morrer, mas isso no era visto como algo trgico; antes, a vitalidade

estava prenhe de mortalidade e a mortalidade prenhe de vitalidade. A morte era uma

necessidade da espcie. Era necessrio que uma gerao desse lugar outra.

Entretanto, foi sob a concepo de tempo da religio crist que nasceram tanto a nossa

civilizao quanto o nosso conceito de histria, tudo fundado sob o fortssimo signo da

esperana, o qual se tornou a ncora dos valores transcendentes, suprassensveis. Ora, este

signo da esperana comportava um grande otimismo, que consistia na convico da

imortalidade da alma e da ressurreio da carne e, por conseguinte, na existncia de um

futuro escatolgico, o qual, por sua vez, tornava todas as coisas, por assim dizer, previsveis,

porquanto guardadas pela Providncia: Deus era o Senhor da histria e este j havia

antecipado o seu desfecho pela Revelao. De mais a mais, pelo predicado da imortalidade, o

cristianismo fez com que o indivduo sobrepujasse a espcie. Por mais que os grandes

pensadores cristos ainda falem de uma vida mortal ou de uma morte vital84, a imortalidade e

a ressurreio separaram a morte da vida e a vida da morte, como se uma s se iniciasse

quando a outra terminasse; com a certeza de outra vida (a eterna), colocaram em conflito viver

e morrer, morrer e viver. No cristianismo, h esta oposio: preciso morrer para viver

Disponvel em: . Acesso: 01/05/2013. [ACME]; Idem. Critica Del Pensiero Calcolatore. Disponvel em: . Acesso: 01/05/2013. [ALBAMED]; Idem. Dove Andiamo? Disponvel em: . Acesso: 01/05/2013. [Popsophia Festival]; Idem. Scienza e etica. Disponvel: . Acesso: 06/05/2013; Idem. Il Futuro e la Tecnica. Disponvel em: . Acesso: 01/05/2013. [Comune di Cinisello Balsamo]; Idem. I miti del nostro tempo. Disponvel em: . Acesso: 01/05/2013; Idem. L'uomo nell'et della tecnica. Disponvel em: . Acesso: 06/05/2013. Idem. Nichilismo giovanile: il ruolo della cultura. Disponvel em: . Acesso em: 28/05/2013. 84 AGOSTINHO. Confisses. 2 ed. Trad. Maria Luiza Jardim Amarante. Rev. Antnio da Silveira Mendona. So Paulo: Paulus, 1997. I, 6, 7: Que pretendo dizer, Senhor meu Deus, seno que no sei de onde vim para c, para esta vida mortal, ou antes, para esta morte vital?

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verdadeiramente.85 A vida terrena tornou-se apenas esta vida.86 Para o cristo, a morte

tornou-se um drama, porque como pano de fundo do dogma da vida eterna, a morte aparece

como consequncia do pecado. Em outras palavras, na concepo crist, a morte no deveria

fazer parte da vida. Ora, isso o reverso da viso grega, onde a morte fazia parte da vida.

Agora bem, todos os que tentaram negar este paradigma, fatalmente o reafirmaram.

Exemplifiquemos. Com efeito, o cristianismo concebe a histria da seguinte forma:

passado/pecado/mal; presente/redeno/transio do mal para o bem; e futuro/salvao/bem

definitivo. Ora, o que diz o marxismo? Explorao e injustia/passado; revoluo/presente;

libertao e justia social/futuro. O que diz o cientificismo? Ignorncia/passado; pesquisa e

cincia/presente; progresso/futuro. O que diz a psicanlise? Trauma, neurose/passado;

anlise/presente; cura/futuro. Destarte, pela categoria do futuro concebido como fim sem

fim87 o qual foi inaugurado justamente pelo cristianismo, assentaram-se todos os

paradigmas ocidentais, mesmo os que se pretendiam ser hostis ao prprio cristianismo. A

nica diferena que os paradigmas hostis ao cristianismo, alicerados numa espcie de

humanismo-cientificista, arrastaram para a terra o supraterreno cristo. Observe-se, no

entanto, que, justamente por nenhum destes projetos se haverem concretizado, cada um deles

cristalizou-se de tal forma que acabou por ocupar o lugar suprassensvel que antes era

preenchido por Deus. Foi assim que nasceram as ideologias, as quais no pretendem outra

coisa seno fazer as vezes do cristianismo. De fato, j Francis Bacon em seu Novum

Organum no desejava outra coisa que no tornar o homem senhor da natureza, tal como

85 Idem. Ibidem. II, 2, 4: [...] Senhor, que nos ds a dor como preceito, que feres para curar e nos tiras a vida para no morrermos longe de ti. 86 Questionamos de todo esta viso que parece ser esposada pelo professor Galimberti, no esteio de Nietzsche e Heidegger. A pergunta que deveria ser feita esta: existe a outra vida? Existe uma ordem transcendente? Para a tentativa de uma resposta a esta pergunta, veja-se o nosso trabalho: CAMPOS, S. L. B. A demonstrao da existncia de Deus como preambulum fidei e fundamento dos preambula fidei em Toms de Aquino. Disponvel em: . Acesso em: 18/09/2013. Neste artigo tentamos mostrar como a existncia de uma ordem transcendente pode ser admitida e demonstrada pela razo. Indicamos, ademais, outro trabalho nosso onde esmeramos por provar que natureza e graa no so inconciliveis; antes, que a graa pressupe a natureza e a aperfeioa: Idem. O Telogo da Encarnao: natureza e graa na teologia e no ensino de Toms de Aquino. Disponvel em: . Acesso em: 18/09/2013. Pensamos poder ser consultado com algum proveito o nos