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A Soberania de Deus e a Responsabilidade Humana ̶ Reverência, consolo, estímulo e desafio missionário ̶1 (6)

3.4.1. Eleição2 A nossa eleição caracteriza o Reino da Graça de Deus como ante-cedendo à história (Rm 11.5-6; Gl 1.15; 2Tm 1.9).3 Se o homem pudesse antecipar-se à graça de Deus com algo que fosse agradá-vel a Deus, a liberdade de Deus estaria condicionada ao feito humano; não haveria, portanto, na escolha divina a manifestação da Sua graça soberana.4 Deus nos elegeu conforme a Sua sábia, amorosa e eterna vontade. A escolha de Deus não sofre nenhum tipo de constrangimento no seu exercício. Por isso, não po-demos nem devemos tentar buscar razões para a nossa eleição fora do beneplácito de Deus. Deus não tem razões fora de Si mesmo para fazer o que fez (Mt 11.25,26; Jo 15.16,19; Rm 9.10-18; Ef 1.5-11; 2Tm 1.9).5 “Perguntando-se quais são os prin-cípios que subjazem a escolha feita por Deus, a única resposta positiva que se pode dar é que Ele concede Seu favor aos homens, e os vincula a Si mesmo, unicamente com base em Sua própria decisão livre e no Seu amor que independe de quaisquer circunstâncias temporais”.6 Desejar ultrapassar estes limites, além de se constituir numa atitude iníqua e esté-ril, significa tentar a Deus, diminuindo a Sua liberdade soberana e, ao mesmo tempo, supor pecaminosamente, que a vontade de Deus não seja por si só motivo suficiente para Deus fazer todas as coisas como faz (Sl 115.3; 135.3-6). Calvino insiste neste ponto: Procurar relacionar a nossa eleição às causas externas, é tentar a Deus. A

1Texto disponibilizado pela Secretaria de Apoio Pastoral do Presbitério de São Bernardo do Campo,

SP. 2 Para um estudo detalhado deste ponto, vejam-se: Hermisten M.P. Costa, Calvino 500 anos, São

Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 135-190; Idem., Efésios - O Deus Bendito, São Paulo: Cultura Cristã, 2011. 3“5 Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da

graça. 6 E, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça” (Rm 11.5-6).

“Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve” (Gl 1.15). “Que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas con-forme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eter-nos” (2Tm 1.9). 4 Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 65.4), p. 611.

5 Veja-se: Os Cânones de Dort, São Paulo: Cultura Cristã, (s.d.), I.10.

6 L. Coenen, Eleger: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, Vol. II, p. 35.

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vontade de Deus deve ser suficiente para nós.7 Em lugares diferentes Calvino nos instrui:

“Vimos até aqui como Paulo declara que não há nenhum outro funda-mento da nossa salvação que não a livre bondade de Deus, e que não devemos olhar para nenhum outro lugar buscando a razão pela qual ele escolhe uma pessoa e deixa outra. Pois nos convém nos conservar conten-tes com sua absoluta vontade, propósito e decreto imutável. E qualquer um que for mais além disso, mesmo minimamente, inevitavelmente trope-çará e cairá para dentro de um mui grande abismo, por causa da própria precipitação, e perceberá que todo o que não consegue honrar a majes-tade de Deus e seu conselho secreto com toda humildade e reverência deverá (digo eu) ficar em confusão. Por conseguinte, sempre que viermos procurar a causa de nossa salvação, aprendamos a atribuí-la totalmente a Deus”.8 “.... Não nos cabe buscar por nenhuma causa adicional de nossa elei-

ção que não o bom prazer de Deus, ou seja, sua vontade livre pela qual nos escolheu, ainda que não fôssemos dignos. O único motivo de ele as-sim fazer jaz nas palavras ‘assim me aprouve’. Dessa maneira vedes, de fa-to, o que temos a depreender dessas palavras de São Paulo”.9 “Seja como for, não é à toa que é dito aqui que Deus é devidamente

glorificado e seu alto louvor mantido quando admitimos que ele livremente elegeu quem quis, e que não há nenhuma outra causa para distinção entre homem e homem, de modo que aqueles a quem ele reprovou perecem porque merecem, e aqueles a quem ele chama à salvação não devem buscar a causa disso em nenhum outro lugar senão nessa adoção gratuita”.10

Portanto, a eleição por graça é causa de nossa salvação, não o seu fruto.11 Calvi-

7 Ver: João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 9.15), p. 331-333. “Não busquemos a causa em parte alguma, senão na vontade divina. Notemos particularmente as expressões de quem quer e a quem lhe apraz. Paulo não permite que avancemos além disto” (João Calvino, Ex-posição de Romanos, (Rm 9.18), p. 337). “É verdade que a eleição em si mesma é secreta. É um propósito tão profundo e oculto que diante dele somente podemos nos maravilhar. A despeito disso, Deus no-lo revela, na medida em que é necessário, conhecendo ele ser isso para nosso benefício e salvação” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 81). Jorge Fisher acentua que "no calvinismo considerado como sistema teológico e em contraste com outros tipos da teologia protestante, se vê um princípio característico e elevado, a saber, o da soberania de Deus, não só de seu governo ilimitado dentro da esfera intelectual e material, senão também que a vontade divina é a causa última da salvação de alguns e do abandono de outros à perdição" (Jorge P. Fisher, Historia de la Reforma, Barce-lona: CLIE., (1984), p. 231-232). 8 João Calvino, Sermões em Efésios, p. 109.

9 João Calvino, Sermões em Efésios, p. 74.

10 João Calvino, Sermões em Efésios, p. 75.

11“A eleição não foi condicionada pela previsão dos méritos humanos, nem ainda pela

previsão de sua fé. Ela é a raiz da salvação, não seu fruto” (W. Hendriksen, Efésios, São Paulo:

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no considera pueril e sofístico o argumento que diz que fomos eleitos porque Deus previu que seríamos dignos.12 Em outro lugar: “Se porventura Deus escolheu uns e rejeitou outros, em consonância com sua previsão, se serão dignos ou não da salvação, então o galardão das obras já foi estabelecido, e a graça de Deus jamais reinará soberana, mas será apenas uma metade de nossa elei-ção”, conclui.13 A eleição não é condicionada ou dependente de “boas obras” nossas, nem de fé ou mesmo, de previsão de fé,14 mas sim do beneplácito de Deus (At 13.48; Rm 9.11,16,23; 11.4-7; Ef 1.7,11,12; 2Tm 1.9; 1Pe 1.2)15.16 Notemos que, se a fé e as obras são resultados da eleição, obviamente, elas não podem ser a condição de

Casa Editora Presbiteriana, 1992, (Ef 1.4), p. 99). 12

Ver: João Calvino, Efésios, (Ef 1.4), p. 24-25. 13

João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 11.6), p. 389. Vejam-se também: As Institutas da Reli-gião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, Vol. 3, (III.8), p. 42; Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2001, p. 738-739. 14“.... Ele [Deus] não começa a escolher-nos depois de termos crido; senão que sela em nos-

sos corações sua adoção, que era secreta, pelo dom da fé, de modo que ela se torna clara e segura” (John Calvin, Commentary upon the Acts of the Apostles, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (Reprinted), Vol. XVIII, (At 13.48), p. 556). 15“Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os

que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48). “11 E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama) (...)

16 Assim, pois, não depende de quem quer ou de

quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia. 23 a fim de que também desse a conhecer as ri-

quezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão” (Rm 9.11,16,23). “4 Que lhe disse, porém, a resposta divina? Reservei para mim sete mil homens, que não dobraram os joelhos diante de Baal.

5 Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um

remanescente segundo a eleição da graça. 6 E, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a

graça já não é graça. 7 Que diremos, pois? O que Israel busca, isso não conseguiu; mas a eleição o

alcançou; e os mais foram endurecidos” (Rm 11.4-7). “7 no qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça (...)

11nele, digo, no qual fomos também fei-

tos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conse-lho da sua vontade,

12 a fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que de antemão esperamos

em Cristo” (Ef 1.7,11,12). “Que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9). “Eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Es-pírito, para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo, graça e paz vos sejam multiplica-das” (1Pe 1.2). 16“Ora, se a eleição divina, mediante a qual Deus nos ordena à vida, é a causa da fé e da

salvação, o resultado é que não se deixa nenhum lugar à dignidade ou méritos. Portanto, apreendamos o que Lucas diz: aqueles que foram enxertados no Corpo de Cristo, mediante a fé, e recebem a garantia e penhor de sua adoção em Cristo, foram previamente ordena-dos à vida” (John Calvin, Commentary upon the Acts of the Apostles, Grand Rapids, Michigan: Ba-ker Book House, 1996 (Reprinted), Vol. XVIII, (At 13.48), p. 556). Vejam-se: Os Cânones de Dort, São Paulo: Cultura Cristã, (s.d.), I.9,10 e J. Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 8.29), p. 295 e (Rm 11.6). p. 388-389. Kuiper observa corretamente: “A eleição foi inteiramente incondicional. Não foi condicionada à fé e à obediência do homem. Deus não escolheu os pecadores para a vida eterna dependendo se eles iam crer e obedecer. Nem escolheu certas pessoas para a salvação, porque previu que iriam crer e obedecer” (R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1976, p. 57).

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nossa salvação (At 15.11; 1Co 4.7; Ef 2.8-10).17 Na realidade, “Tanto a fé quanto as boas obras são uma resposta à graça e um dom desta”.18 “Se as pessoas foram eleitas porque Deus sabia que elas iam crer,19 por que então precisavam ser eleitas? Os que têm fé hão de ser salvos, de qual-quer modo! Se a fé já existe, a eleição é desnecessária”, conclui Booth.20 Ou, seguindo o argumento combatido por Agostinho (354-430), neste caso, tais pessoas mereceriam ser eleitas.21 Por outro lado, se Deus nos escolheu para sermos santos (Ef 1.4; 2Ts 2.13), é porque de fato não éramos; logo, não foi devido às nossas obras que Deus nos es-colheu. A declaração de Paulo elimina qualquer centelha de orgulho por parte do suposto eleito (1Co 1.26-31). “A graça não teria razão de ser se os méritos a prece-dessem. Mas a graça é graça. Não encontrou méritos, foi a causa dos méri-tos. Vede, caríssimos, como o Senhor não escolhe os bons mas escolhe para fazer bons”, orienta pastoralmente Agostinho (354-430).22 Qualquer tentativa de se encontrar um motivo em nós que “justifique” a escolha de Deus, além de limitarmos a liberdade de Deus, conforme vimos, equivale a negar os ensinamentos da Bíblia, colocando a nossa salvação condicionada a algum me-recimento humano. Aliás, merecimento humano e graça são conceitos excludentes. O amor gracioso de Deus é proveniente dEle mesmo sem qualquer estímulo externo que o faça surgir ou se manifestar: o seu amor é santo. “Deus ama os homens porque escolheu amá-los (...) e nenhum motivo para o seu amor pode ser

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“Mas cremos que fomos salvos pela graça do Senhor Jesus, como também aqueles o foram” (At 15.11). “Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebes-te, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?” (1Co 4.7). “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus;

9 não de obras, para que ninguém se glorie.

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Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão prepa-rou para que andássemos nelas” (Ef 2.8-10). 18

Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 43. Do mesmo modo MacArthur: “Fé é a nossa resposta, e não a causa da salvação. Nem mesmo a fé ‘vem de’ nós mesmos, está incluída no ‘dom de Deus’.” (John MacArthur, O Evangelho Se-gundo os Apóstolos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2011, p. 87). 19

Esta era a compreensão Pelagiana combatida por Agostinho. Ver: Agostinho, A Graça (II), São Paulo: Paulus, 1999, p. 196ss. 20

Abraham Booth, Somente pela Graça, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 18. 21

Agostinho, A Graça (II), p. 194. 22

Augustin, On The Gospel of St. John, Tractate 86.2-3. In: Philip Schaff; Henry Wace, eds. Nicene and Post-Nicene Fathers of Christian Church, (First Series), 2. ed. Peabody: Massachusetts, Hen-drickson Publishers, 1995, (Jo 15.16), p. 353-354. (Quanto aos principais conceitos de Agostinho a respeito deste assunto, veja-se: Reinhold Seeberg, Manual de Historia de las Doctrinas, El Paso, Te-xas/Buenos Aires/Santiago: Casa Bautista de Publicaciones/Editorial “El Lucero”, 1963, Vol. I, p. 347ss).

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dado salvo o Seu soberano prazer”.23 (Dt 7.7-8; Sl 144.3; Tt 3.3-7).

Calvino conclui:

“Se ele houvesse achado algum mérito ou valor, se ele houvesse acha-do qualquer disposição, bondade ou virtude, ou, em suma, se ele houves-se achado uma gota de algo de que gostasse e aprovasse, não nos teria elegido em si mesmo, mas nós próprios teríamos tido alguma parceria com ele”.24 “Portanto, sempre que o querer divino é mencionado acima, isso se dá

para mostrar que os homens não podem, de si próprios, anteciparem-se em coisa alguma. Sem embargo, Paulo registra aqui um termo de supera-bundância e diz, conforme o bom prazer; como se tivesse dito: 'É verdade que o querer de Deus é a causa de nossa salvação; não devemos partir para cá e para acolá procurando outras razões ou meios para ela. Entre-tanto, visto que os homens são tão ingratos e iníquos que sempre querem obscurecer a glória de Deus e continuamente tomarem para si mesmos mais do que lhes pertence se não forem persuadidos o bastante da von-tade de Deus, que entendam que ela vem do bom prazer de sua vonta-de, isto é, de um querer livre que não depende de coisa alguma senão de si mesmo, nem tem qualquer consideração por um modo ou por outro, mas condescende em nos escolher livremente porque se agrada de assim fazer'”.25

“Que outra coisa poderá Deus encontrar em nós, que o induza a amar-nos, a não ser aquilo que ele já nos deu?”, indaga Calvino.26 Em outro lugar, Calvino dá um golpe definitivo em todo e qualquer conceito de merecimento: “É preciso lembrar que sempre que atribuímos nossa salvação à graça divina, estamos confessando que não há mérito algum nas obras; ou, antes, deve-mos lembrar que sempre que fazemos menção da graça, estamos destruin-do a justiça [procedente] das obras”.27 Fora de Cristo não há salvação (At 4.12), porque, de fato, fora dEle não há elei-ção. Ele é ao mesmo tempo o Deus que elege e o Verbo Encarnado, Eleito de Deus. Ele é o fundamento e o único meio de salvação. Fomos eleitos nEle e para Ele. “O

23

J.I. Packer, O Conhecimento de Deus, São Paulo: Mundo Cristão, 1980, p. 111. “O perfeito amor de Deus é produzido por Ele mesmo; não depende de coisa alguma de fora dEle; é um a-mor que principia dentro dEle e sai para outros” (D.M. Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 179). 24

João Calvino, Sermões em Efésios, p. 72-73. 25

João Calvino, Sermões em Efésios, p. 73-74. 26

João Calvino, Exposição de Hebreus, 1997, (Hb 6.10), p. 159. 27

João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 11.6), p. 389. Vejam-se também: João Calvino, Exposi-ção de 1Coríntios, (1Co 1.28), p. 70; João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 9.16), p. 333.

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Escolhido de Deus é o agente divino da escolha”.28 (At 4.12; 2Tm 1.9/Ef 1.4-6/1Pe 1.18-20; Ap 13.8). A nossa eleição repousa em Cristo, a Quem o Pai nos con-fiou (Jo 17.2,6,9). Jesus Cristo não frustrou nem frustrará a confiança de Seu Pai (Jo 17.4/Jo 19.30). Tudo que é do Pai também pertence ao Filho (Jo 16.15/Jo 17.9-10). Calvino conclui: “A fonte donde nos advêm todas as bênçãos que Deus nos concede consiste em que ele nos escolheu em Cristo”.29 A nossa eleição é a mais bela expressão do pacto da graça.30 Jesus Cristo, o Cordeiro eterno, veio morrer historicamente pelo povo que Lhe fora confiado na e-ternidade, cumprindo assim, uma das demandas do Pacto da Graça (Jo 6.39,44; 17.2,9,11,24). A salvação e todas as bênçãos decorrentes dela, são-nos comunica-das em Cristo. Fora de Cristo não há herdeiros, porque só podemos ser “coerdeiros” de Deus, sendo Cristo o primogênito de Deus entre muitos irmãos (Rm 8.17/Rm 8.29). Aparte do Filho ninguém seria digno da eleição, por isso, Jesus Cristo é o Elei-to de Deus e, por intermédio dEle, e somente assim, também o somos (Ef 1.4).31 Cristo é também o “espelho em que se impõe e se pode sem engano con-templar nossa eleição”.32 Uma evidência da eleição repousa em nossa comunhão com Cristo; a garantia de nossa eleição está nEle; na Sua obra eficaz: “Nossa ver-dadeira plenitude e perfeição consiste em estarmos unidos no Corpo de Cris-to”.33

3.4.2. Vocação

3.4.2.1. A PALAVRA COMO INSTRUMENTO EFICAZ DO TRINO DEUS

A vocação é um ato exclusivo de Deus. Ele por meio do Espírito nos chama eficazmente. O Espírito nos regenera,34 nos atraindo a Cristo,

28

L. Coenen, Eleger: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, Vol. II, p. 34. 29

João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1 (Sl 28.8), p. 609. 30

“Cristo amou a esta linhagem desde antes da fundação do mundo. É um pensamento nobre e glorioso - o mesmo lirismo da doutrina calvinista, a qual nós ensinamos - que antes que a estrela matutina conhecesse seu lugar, antes que do nada Deus criasse o universo, antes que a asa do anjo agitasse os virgens espaços etéreos, e antes que um solitário cânti-co perturbasse o silêncio no qual Deus reinava supremamente. Ele já havia entrado em con-selho conSigo mesmo, com Seu Filho e com Seu Espírito, e havia determinado, proposto e predestinado a salvação de Seu povo” (C.H. Spurgeon, Sermões no Ano do Avivamento, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 47-48). 31

Ver: J. Calvino, As Institutas, III.22.1. 32

J. Calvino, As Institutas, III.24.5. 33

João Calvino, Efésios, (Ef 4.12), p. 124. 34

“Seria tolice um pregador chegar a um enterro e encorajar os cadáveres a levar uma vi-da reta. Para que as palavras pudessem fazer algum efeito, os cadáveres teriam de reviver. Só assim poderiam responder” (James M. Boice, Fundamentos da Fé Cristã: Um manual de teolo-gia ao alcance de todos, Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2011, p. 445).

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nos capacitando a responder com fé, atendendo ao Seu chamado. Em outras pala-vras, Deus chama eficazmente os Seus eleitos. O Seu chamado não cai no vazio porque Ele é poderoso para levar adiante o Seu propósito salvador (Rm 8.30; 1Co 1.9; 2Tm 1.9; Jo 6.44; 10.27; 16.13-14; Rm 4.17).35 O Autor de nossa eleição é o Autor de nosso chamado (Rm 8.29-30).36 O instrumento ordinário determinado por Deus para este chamado, é o Evangelho, o qual compete à Igreja anunciar a todos as pessoas. Todavia, o chamado interno, que é poderosamente eficaz, é operado pelo Espírito Santo em nosso coração nos convencendo, por meio da Palavra, de nosso pecado, nos conduzindo ao arrependimento e fé em Cristo Jesus. Temos aqui dois aspectos da mesma operação divina (Jo 6.37,44-45,65; 17.6; At 13.4837)38 “Só quando Deus irradia em nós a luz de seu Espírito é que a Palavra logra produzir algum efei-to. Daí a vocação interna, que só é eficaz no eleito e apropriada para ele, distingue-se da voz externa dos homens”.39

35“Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados (kale/w) à comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso

Senhor” (1Co 1.9). “Que nos salvou e nos chamou (kale/w) com santa vocação (klh=sij); não se-gundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cris-to Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9). “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as co-nheço, e elas me seguem” (Jo 10.27). “13 quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir.

14 Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anun-

ciar” (Jo 16.13-14). “Como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí.), perante aquele no qual creu, o Deus que vivifica os mortos e chama à existência as coisas que não existem” (Rm 4.17). 36 A Confissão de Westminster declara: “Todos aqueles que Deus predestinou para a vida, e só

esses, é ele servido, no tempo por ele determinado e aceito, chamar eficazmente pela sua palavra e pelo seu Espírito, tirando-os por Jesus Cristo daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza, e transpondo-os para a graça e salvação” (X.1). “Na verdade, o Senhor chama eficazmente só os eleitos” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 6.4), p. 153). “O fundamento de nossa vocação é a eleição divina gra-tuita pela qual fomos ordenados para a vida antes que fôssemos nascidos. Desse fato de-pende nossa vocação, nossa fé, a concretização de nossa salvação” (João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 4.9), p. 128). Veja-se: John Murray, Redenção: Consumada e Apli-cada, 2. ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010, p. 82-83. 37“37 Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei

fora. (...) 44

Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.

45 Está escrito nos profetas: E serão todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que

da parte do Pai tem ouvido e aprendido, esse vem a mim. (...) 65 E prosseguiu: Por causa disto, é que

vos tenho dito: ninguém poderá vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for concedido” (Jo 6.37,44-45,65). “Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles têm guardado a tua palavra” (Jo 17.6). “Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48). 38

Calvino resume: “Ora, há a vocação universal, pela qual, mediante a pregação externa da Palavra, Deus convida a si a todos igualmente, ainda aqueles aos quais a propõe como aroma de morte [2Co 2.16] e matéria da mais grave condenação. A outra é a vocação especial, da qual digna ordinária e somente aos fiéis, enquanto pela iluminação interior de seu Espírito faz com que a Palavra pregada se lhes assente no coração. Contudo, às vezes também faz participantes dela aqueles a quem ilumina apenas por um tempo; depois os abandona ao mérito de sua ingratidão e os fere de cegueira mais profunda” (João Calvino, As Institutas (2006), III.24.8). 39

João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 10.16), p. 374. A vocação eficaz do eleito “não consiste somente na pregação da Palavra, senão também na ilumina-ção do Espírito Santo” (J. Calvino, As Institutas, III.24.2).

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No texto (Jo 17.6) Jesus Cristo diz que Seus discípulos pertencem a Deus desde a eternidade. Notemos então, que Deus chama os Seus por meio da Palavra. A transmissão da Palavra faz parte do propósito eterno de Deus; é um elo fundamental dentro da consecução do Pacto da Graça, tendo em Jesus Cristo o seu fiel despen-seiro. As Escrituras apontam para Cristo fornecendo-nos um conhecimento fidedig-no. Ele nos conduz ao Pai: pertencemos a Deus; fomos chamados por intermédio da Palavra. Paulo tem esta consciência: “Para o que também vos chamou (kale/w) mediante o nosso evangelho, para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cris-to” (2Ts 2.14). Os Cânones de Dort (1619) descrevem a forma como a graça de Deus opera em nosso chamado: “Deus realiza seu bom propósito nos eleitos e opera neles a verdadeira conversão da seguinte maneira: ele faz com que ouçam o Evangelho mediante a pregação e poderosamente ilumina suas mentes pelo Espírito Santo de tal modo que possam entender corretamente e discernir as coi-sas do Espírito de Deus. Mas, pela operação eficaz do mesmo Espírito re-generador, Deus também penetra até os recantos mais íntimos do ho-mem. Ele abre o coração fechado e enternece o que está duro, circunci-da o que está incircunciso e introduz novas qualidades na vontade. Esta vontade estava morta, mas ele a faz reviver; era má, mas ele a torna boa; estava indisposta, mas ele a torna disposta; era rebelde, mas ele a faz o-bediente, ele move e fortalece esta vontade de tal forma que, como uma boa árvore, seja capaz de produzir frutos de boas obras”.40

Olhando por outro ângulo, entendemos que esta é a mais nobre tarefa da Igreja: glorificar a Deus por meio de sua obediência, anunciando fielmente a Palavra para que os que pertencem a Deus sejam reunidos e possam, juntamente conosco, glori-ficar a Deus.

3.4.2.2. O PRIVILÉGIO E A RESPONSABILIDADE DOS QUE PREGAM

Ainda que Deus seja soberano no uso de Seus meios para atingir o coração do homem o chamando eficazmente, Ele opera ordinariamente por meio da pregação da Palavra. Somos instrumentos externos por meios dos quais Deus age, tornando, pelo Espírito, a Palavra anunciada em algo penetrante e trans-formador do coração humano. A semente que plantamos só terá vida e crescimento por meio da graça operante de Deus (1Co 3.5-7).41 Percebamos então a grandeza do Evangelho, a responsabilidade e a necessida-de de humildade daquele que o proclama. Deus como Autor do Evangelho e da pre-

40

Os Cânones de Dort, São Paulo: Cultura Cristã, (s.d.), III-IV, Art. 11. 41

Veja-se: Joel R. Beeke, Vivendo para a Glória de Deus: Uma introdução à Fé Reformada, São Jo-sé dos Campos, SP.: Fiel, 2012 (reimpressão), p. 130.

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gação, deseja falar e ser ouvido por intermédio de Seus servos. Ele amorosamente fala nos atraindo para Si: “Isso deve acrescer em grande medida o nosso respeito pelo Evange-lho, visto que devemos pensar dele não tanto em virtude dos homens, propriamente ditos, mas de Cristo mesmo, falando por meio dos lábios de-les. Ao mesmo tempo quando prometeu que declararia o Nome de Deus aos homens, havia deixado de estar no mundo; e, todavia, não se desin-cumbira desse ofício em vão. E na verdade Ele o tem cumprido através de Seus discípulos”.42 “Assim que ouvimos o Evangelho pregado pelos homens, devemos con-siderar que não é propriamente eles quem fala, mas é Cristo quem fala por meio deles. E essa é uma vantagem singular, a saber, que Cristo amo-rosamente nos atrai para si por meio de sua própria voz, para que de for-ma alguma duvidemos da majestade de Seu reino”.43

O pregador, portanto, leal ao Seu Senhor, torna-se servo do texto, sem nada a-crescentar ou diminuir. Não podemos tornar o texto em mero pretexto para expor nossas opiniões e conceitos, valendo-nos do texto apenas para conferir certa autori-dade às nossas ideias.44 “Se somos servos da Palavra, nossa pregação deve ser verdadeiramente expositiva”.45 O pregador proclama a Palavra de Deus. Para que isto seja feito com fidelidade, é necessária uma interpretação cuidadosa do texto Bíblico, considerando o seu con-texto, uma exegese bem feita, a fim de que ensinemos com fidelidade o que o texto diz O texto não pode ser um “passaporte” para as nossas ideias ou um estranho ao qual fomos apresentados e, que talvez, em algum momento nos encontremos duran-te a nossa pregação. Ao contrário disso, o sermão parte do texto. É preciso cultivar a honestidade para com o texto respeitando-o dentro do seu contexto.46 Portanto, de-vemos permanecer fiéis ao texto; somos servos do texto,47 não o seu senhor. O biógrafo de Calvino, William Wileman († 1944), escreveu: “Como expositor da Escritura, a Palavra de Deus era tão sagrada para ele como se a tivesse ouvido dos lábios de seu Autor”.48

42

João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 2.11), p. 68. 43

João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1, (Sl 2.7), p. 67. 44

“Pregadores são chamados a pregar a Palavra de Deus sem filtrá-la por noções politica-mente corretas, sem diluí-las às ideias do próprio pregador e sem adaptá-las ao espírito de uma geração” (John F. MacArthur Jr., Porque ainda prego a Bíblia após quarenta anos de ministé-rio: In: Albert Mohler, et. al., A Pregação da Cruz, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 132). 45

R. Albert Mohler, Jr., A Primazia da Pregação: In: R. Albert Mohler, Jr., et. al. Apascenta o meu re-banho: um apaixonado apelo em favor da pregação, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 31. 46

Ver: D.M. LLoyd-Jones, Pregação & Pregadores, São Paulo: Fiel, 1984, p. 145-146. 47

Ver: Walter L. Liefeld, Exposição do Novo Testamento: do texto ao sermão, São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 14. 48

William Wileman, “John Calvin. His Life, His Teaching & Influence,” John Calvin Collection, [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), p. 100.

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Nós não precisamos inventar a mensagem. Nós conhecemos e experimentamos

o seu conteúdo, do qual somos beneficiários; afinal, Deus operou e tem operado ma-ravilhas em nossa vida. Fomos tirados das trevas para à luz: “9 Vós, porém, sois ra-ça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a

fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou (kale/w) das trevas para a sua maravilhosa luz; 10 vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes miseri-córdia” (1Pe 2.9-10).

3.4.2.3. VOCAÇÃO EFICAZ: DA ETERNIDADE PARA ETERNIDA-DE EM SANTIDADE

Deus nos chama eficazmente por Sua livre vontade e graça. O chamado de Deus é eficaz porque ele é completo no seu propósito: “Que nos sal-vou e nos chamou (kale/w) com santa vocação (klh=sij);49 não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo

Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9). (Rm 8.30; Gl 1.15).50 Na Igreja Deus, constituída de todos os seus servos, judeus e gentios, vemos as-

pectos da riqueza da glória de Deus em misericórdia: “23 A fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória pre-

parou de antemão, 24 os quais somos nós, a quem também chamou (kale/w), não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios? 25 Assim como também diz em

Oséias: Chamarei (kale/w) povo meu ao que não era meu povo; e amada, à que não era amada; 26 e no lugar em que se lhes disse: Vós não sois meu povo, ali

mesmo serão chamados (kale/w) filhos do Deus vivo” (Rm 9.23-26). Deus nos atrai para Si, visto que Ele “.... nos chamou (kale/w) para a sua própria

glória e virtude” (2Pe 1.3); à comunhão de Seu Filho e à “koinonia” da Igreja (1Co 1.26; Ef 4.1; Cl 3.15): “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados (kale/w) à comunhão (koinwni/a) de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1Co 1.9).

A nossa vocação não tem nada em si mesma que possa motivar o nosso orgulho

já que o próprio Senhor diz: “....Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar (kale/w) justos, e sim pecadores” (Mc 2.17). Somos chamados na “graça de Cristo” (Gl 1.6). À vaidosa igreja de Corinto, Paulo é bastante enfático: “Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação (klh=sij); visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nas-cimento” (1Co 1.26).

Ele é fiel: “Fiel é o que vos chama (kale/w)....” (1Ts 5.24). O Deus santo nos chama à Sua santidade por meio de uma santa vocação: “.... segundo é santo aque-

49

*Rm 11.29; 1Co 1.26; 7.20; Ef 1.18; 4.1,4; Fp 3.14; 2Ts 1.11; 2Tm 1.9; Hb 3.1; 2Pe 1.10 50“Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou (kale/w) pela sua graça,

aprouve” (Gl 1.15).

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le que vos chamou (kale/w), tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vos-so procedimento, porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo” (1Pe 1.15-16/Rm 1.7; 1Co 1.2; Ef 1.4; 2Tm 1.9). Esta vocação, portanto, envolve necessaria-mente, o propósito de santidade que deve guiar a nossa vida: “Porquanto Deus não nos chamou (kale/w) para a impureza, e sim para a santificação” (1Ts 4.7). Em ou-tras, palavras, somos chamados a seguir os passos de Jesus: “Porquanto para isto mesmo fostes chamados (kale/w), pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos” (1Pe 2.21/Hb 3.1).51

A busca por uma vida santa é um aspecto da resposta da igreja ao gracioso cha-mado divino: “Por isso, irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação (klh=sij) e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum” (2Pe 1.10). A eficácia da vocação divina não é uma coisa abstrata, uma teoria para ser discutida apenas em alguns momentos, quem sabe, de uma au-la na academia, antes, evidencia-se na vida de um pecador transformado. Creio que Spurgeon (1834-1892) está correto ao afirmar: “Quando a vida de um peca-dor é transformada, sabemos que Deus o chamou eficazmente (...). Não podemos saber se um chamado de Deus foi eficaz até que a vida de um homem tenha mudado".52

Na vocação de Deus vemos parcialmente a concretização do Seu propósito sábio, amoroso e eterno que envolve toda a nossa existência. Deus nos chama fazendo com que o Seu gracioso propósito eterno passe a fazer parte da experiência do re-generado: “Nele [Jesus Cristo], digo, no qual fomos também feitos herança, predes-tinados (proori/zw) segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11). “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou (proori/zw) para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou (proo-ri/zw) esses também chamou (kale/w) e aos que chamou (kale/w), a esses tam-bém justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou” (Rm 8.29-30).

Esta ordem divina é eficaz porque Deus opera eficazmente em nossa mente e co-

ração. Deus age na história conforme o Seu decreto, nos chamando e nos adotando como filhos e herdeiros da Aliança! Aqui a Palavra de Deus é definitivamente colo-cada e sedimentada em nosso coração. A vocação de Deus permanece e nos sustenta até o fim (Fp 1.6).53 Este chamado é para a glória eterna do Seu reino: “.... Devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu (ai(re/omai) desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade, para o que

também vos chamou (kale/w) mediante o nosso evangelho, para alcançardes a gló-

51 “Por isso, santos irmãos, que participais da vocação (klh=sij) celestial, considerai atentamente o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão, Jesus” (Hb 3.1). 52

C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 21. 53

Veja-se: C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecio-nadas, 1992, p. 20.

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ria de nosso Senhor Jesus Cristo” (2Ts 2.13-14). “.... o Deus de toda a graça, que em Cristo vos chamou (kale/w) à sua eterna glória, depois de terdes sofrido por um pouco, ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar” (1Pe 5.10). (Ver: 1Ts 2.12). Deus nos chama para a Sua glória. Não há nada maior do que isso, nem aqui, nem na eternidade. A nossa salvação não é o fim último; ela é o meio: somos destinados desde a eternidade à glória de Deus. Calvino resume: “Concor-do que a glória de Deus deve estar, para nós, acima de nossa salva-ção....”.54 Considerando que foi Deus mesmo quem nos chamou (vocacionou) (Fp 3.14; 2Tm 1.9; Hb 3.1; 2Pe 1.10), devemos instar com nossos irmãos e, interceder junto ao Senhor para que Ele torne nossos irmãos dignos dessa vocação. Este foi o pro-cedimento de Paulo: “Rogo-vos (parakale/w),55 pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno (a)cio/w)56 da vocação (klh=sij) a que fostes chamados” (Ef 4.1). “....não cessamos de orar por vós, para que o nosso Deus vos torne dignos (a)cio/w) da sua vocação (klh=sij) e cumpra com poder todo propósito de bondade e obra de fé” (2Ts 1.11). Alegremo-nos na doce, graciosa e gloriosa condição de filhos de Deus. O Pai nos chamou a este privilégio: “Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados (kale/w) filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus....” (1Jo 3.1).57

São Paulo, 27 de maio de 2014. Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

54

J. Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.2), p. 301. 55 O verbo tem o sentido de: implorar (Mt 8.5; 18.29), suplicar (Mt 18.32); exortar (Lc 3.18; At 2.40; 11.23); conciliar (Lc 15.28); consolar (Lc 16.25; 15.32; 1Ts 5.11; 2Ts 2.17); confortar (At 16.40; 2Co 1.4; 7.6); contemplar (2Co 1.4); convidar (At 8.31); pedir (At 9.38; 1Co 4.13; 16.15); pedir desculpas (At 16.39); fortalecer (At 20.2,12); solicitar (At 25.2; Fm 9,10); chamar (At 28.20); admoestar (1Co 4.16; Hb 10.25); recomendar (1Co 16.12; 2Co 8.6; 9.5; 1Tm 6.2). O apelo de Paulo era frequentemente fundamentado numa questão teológica; não se amparava simplesmente em sua idoneidade ou autoridade, antes em Deus mesmo. Assim ele o faz pelas mise-ricórdias de Deus (Rm 12.1/1Ts 2.12) e pelo Senhor Jesus (Rm 15.30; 1Co 1.10; Fp 4.2). Como coo-perador de Deus exorta a que os coríntios não recebam em vão a graça de Deus (2Co 6.1); roga também pela mansidão e benignidade de Cristo (2Co 10.1). 56

Este advérbio tem o sentido primário de “contrabalança”, aquilo que é de “igual valor”, “equivalen-te”. A ideia da palavra é a de estabelecer uma relação de compatibilidade e equilíbrio. 57

Veja-se: John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, 2. ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010, p. 83.