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“Direitos humanos são alardeados como a mais nobre criação de nossa filosofia e jurisprudência e como a melhor prova das aspirações universais da nossa modernidade, que teve de esperar por nossa cultura global pós-moderna para ter seu justo e merecido reconhecimento”
DOUZINAS: 2009
A sociedade contemporânea, a construção de direitos humanos e o lugar dos
Conselhos de Direito da Criança e do Adolescente e dos Conselhos Tutelares
Os Direitos Humanos são construções históricas das sociedades. Conhecer parte
desse processo pode ser importante para que conselheiros/as tutelares e de direitos da criança e do/a
adolescente situem suas atuações nessa perspectiva histórica. Compreender como nasceram as
próprias instituições que integram e quais seus desafios para fazer dos Direitos Humanos uma
prática ética na intervenção junto àqueles/as com os/as quais interagem, assim como pensarem-se
agentes-defensores/as de Direitos Humanos.
Duas palavras e um caleidoscópio
São somente duas palavras: Direitos Humanos. Somente duas palavras, e um
caleidoscópio de possibilidades quanto ao conceito, a finalidade e o sentido. Direitos, como
instrumentos que conferem poderes aos sujeitos. Humanos, porque são para todas as pessoas às
quais correspondem as ações desses direitos. Mais fácil do que definir o conceito de direitos
humanos, é afirmar o que não são direitos humanos: porque não carregam em si a verdade absoluta,
não são dogmas. Porque não estão a serviço de um determinado partido, religião, governo,
interesse, mas por serem críticos e reflexivos, não são neutros.
Os Direitos Humanos não são privilégio de uns em detrimento de outros. Pelo
contrário: constituem direitos para todos os humanos. Estão presentes no corpo das relações sociais,
no coração das relações humanas, no horizonte das relações intersubjetivas. Estão relacionados na
perspectiva da teoria crítica e social, à prática, ao discurso e à ação.
Como aspecto subjetivo, os direitos humanos implicam na construção
da pessoa individual como sujeito jurídico de direitos. Enquanto
entidades constitucionais, os direitos humanos estão positivados em
leis, constituições, decisões judiciais, tratados, convenções e na
existência de organismos internacionais.
A afirmação que poderia definir os direitos humanos é a inegável tese de que todos
os humanos tem direito à liberdade, à dignidade e à igualdade perante à lei. Essa afirmação é ao
mesmo tempo uma negação, na medida em que nem todos os humanos têm, de fato, em um
determinado contexto histórico, esses mesmos direitos, o que leva a uma interrogação: são
“A expressão Direitos Humanos refere-se obviamente ao homem com direitos, só se pode designar aquilo que pertence à essência do homem, que não é puramente acidental, que não surge e desaparece com o tempo.”
CHARLES MALIK, 1947
universais ou são relativizados cultural e historicamente?
Diversas visões sobre a origem dos Direitos Humanos
A definição de direitos humanos varia conforme a visão, e as teorias predominantes
são o jusnaturalismo, o positivismo jurídico, o relativismo e o pós-positivismo ou substancialismo.
No jusnaturalismo há uma abordagem essencialista, na
qual o homem é o fundamento pelo fato de ser humano, e os direitos
humanos visam a assegurar a dignidade humana. É uma concepção
universalista, pois os direitos humanos estão acima do Estado,
sociedade e cultura. Nesta concepção todos têm direitos, independente
de regras sociais e culturais de um determinado lugar e de um tempo histórico e compete ao Estado
reconhecer e garantir os direitos que os homens naturalmente têm, anteriores à formação da
sociedade. O fim maior é o bem comum, um coletivo material e moral que se sobrepõe aos
interesses e bens individuais. É uma concepção na qual a humanidade é uma reunião e união de
pessoas naturalmente livres, naturalmente iguais.1
A teoria jusnaturalista tem profundos reflexos na
escrita da Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948), e em vários instrumentos jurídicos relacionados aos
direitos humanos, inclusive na atual Constituição do Brasil
de 1988.
O positivismo jurídico – ou juspositivismo –
refere-se ao direito como fato, e não como valor. Contrapõe-se ao jusnaturalismo por não
reconhecer o direito natural e o costume, apenas as normas que são produzidas pelo Estado.
Caracteriza-se pelo formalismo, pela neutralidade científica. A lei contém o direito. Consideram-se
as normas positivas, sem levar em conta questões no âmbito da ética, da moral, da política. O
aplicador do direito deve se ater ao que é reconhecido pelo ordenamento jurídico. Vale a forma e
não a substância.
O pós-positivismo – ou substancialismo – se opõe ao juspositivismo. Nesta
abordagem, os princípios assumem importância, são considerados pilares normativos. As regras
podem ou não ser cumpridas, pois cabe ao juiz interpretar.
A outra corrente, em contraposição ao jusnaturalismo e ao positivismo jurídico, é do
relativismo cultural. Nesta visão não é possível haver direitos humanos absolutos universais. Os
1 Na Grécia Antiga, Cícero defendia o Direito Natural, por acreditar que o direito e não a lei garantiria a justiça.
direitos humanos se constituem e tem validade em sistemas culturais, em realidades históricas que
são variáveis e estão em constante movimento e transformação. Os direitos humanos não são
inerentes, naturais, mas se constroem e desconstroem na multiplicidade de paradigmas e contextos
civilizatórios. Esses direitos não estão baseados em princípios abstratos (ontológicos) – liberdade e
igualdade, mas na busca e na luta para efetivar esses direitos.
Norberto BOBBIO classifica os direitos humanos em civis, políticos e sociais, e esses
direitos somente podem ser garantidos se existirem de modo solidário.
―Luta-se ainda por estes direitos porque após as grandes transformações sociais
não se chegou a uma situação garantida definitivamente, como sonhou o otimismo iluminista.‖
BOBBIO: 1995
As instituições em geral, o Estado e a sociedade industrial são possíveis agentes
de violações aos direitos humanos. Por isso a importância de positivar os direitos: pela sua
historicidade, como um marco regulatório, com o foco na efetividade e em graus diferentes, de
acordo com sua trajetória histórica e seus aspectos culturais e regionais. BOX acima
Assim, temos que os direitos não são eternos, mas criados historicamente, em uma
perspectiva multicultural. Nesta perspectiva, os direitos humanos devem ser considerados como
direitos fundamentais, ou seja, os que são reconhecidos e positivados constitucionalmente em um
determinado Estado. São imprescritíveis, porque são permanentes; inalienáveis, porque
intransferíveis de uma pessoa para outra; irrenunciáveis, porque não se pode impor a ninguém
uma decisão que compete a si; invioláveis, porque nenhuma lei ou autoridade pode desrespeitar o
direito de cada um; universais, porque são aplicáveis a todos. São efetivos, porque devem ser
garantidos pelo poder público de fato e não de modo abstrato; são interdependentes, de modo a
evitar as colisões de direitos, e por esse motivo são complementares, visando a possibilitar sua
efetivação.OLHO
Os direitos fundamentais na Constituição Brasileira de 1988
A Constituição Brasileira traz uma classificação dos direitos, no documento
definidos como direitos fundamentais, cuja ordem é a seguinte: Quem sabe uma tabela?
1ª Direitos individuais e coletivos (Art. 5º): Garante-se a todos os brasileiros e
estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança, e à propriedade.
Em um primeiro momento, a
saúde tem uma conotação
essencialmente individualista: o
papel do Estado será proteger a
vida do indivíduo contra as
adversidades existentes
(epidemias, ataques externos etc)
ou simplesmente não violar a
integridade física dos indivíduos
(vedação de tortura e de violência
física, por exemplo), devendo
reparar o dano no caso de
violação desse direito
(responsabilidade civil). Na
segunda dimensão, passa a
saúde a ter uma conotação social:
cumpre ao Estado, na busca da
igualização social, prestar os
serviços de saúde pública,
construir hospitais, fornecer
medicamentos, em especial para
as pessoas carentes. Em
seguida, numa terceira dimensão,
a saúde alcança um alto teor de
humanismo e solidariedade, em
que os (Estados) mais ricos
devem ajudar os (Estados) mais
pobres a melhorar a qualidade de
vida de toda população mundial, a
ponto de se permitir, por exemplo,
que países mais pobres, para
proteger a saúde de seu povo,
quebrem a patente de
2ª Direitos sociais (Art. 6º ao 11º): São considerados direitos sociais a educação, a
saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Dispõe sobre os direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, sobre a liberdade de associação profissional ou sindical, o direito de
greve, a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que
seus interesses estejam em discussão, e sobre a eleição de um representante nas empresas com mais
de duzentos empregados para promover o entendimento direto com os empregadores.
3ª Direitos de Nacionalidade (Art. 12º e 13º): Dispõe sobre os que são considerados
brasileiros natos ou naturalizados, e sobre a língua portuguesa como idioma oficial da República
Federativa do Brasil.
4ª Direitos Políticos (Art. 14º ao 17º): Dispõe sobre o exercício da soberania popular
pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos. Veda a cassação de
direitos políticos, e declara livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos em
um regime democrático e pluripartidário.
Nem todos os direitos estabelecidos na Constituição, o foram em 1988, quando de
sua promulgação. Alguns foram incorporados ou reconfigurados nos anos
seguintes. Por exemplo, os direitos à alimentação e à moradia (EC 64/2010)
foram incorporados, através de emendas constitucionais, como direitos
sociais em 2010.
Direitos fundamentais para uma existência digna, livre e igual
O jurista Karel VASAK referiu-se de forma metafórica à
expressão gerações de direitos do homem ao proferir uma aula em
Estrasburgo, no ano de 1979. Ele pretendia demonstrar a evolução dos
direitos humanos com base no lema da Revolução Francesa - liberdade,
igualdade e fraternidade. A primeira geração dos direitos humanos seria a
dos direitos civis e políticos, fundamentados na liberdade, a segunda
geração, dos direitos econômicos, sociais e culturais, baseados na igualdade,
e a terceira geração, dos direitos de solidariedade, em relação à
fraternidade.
Entretanto, esta teoria das gerações não se sustenta, pois uma
geração de direitos não substitui outra. Os direitos não se sucedem, se
acumulam, não há uma hierarquia entre esses direitos. Por essa razão, atualmente vários juristas
defendem a ideia de acumulação de direitos, utilizando o termo dimensões de direitos fundamentais,
já que a concretização desses direitos ocorre em dimensões de forma interrelacionada e
complementar.
Direitos na primeira dimensão: A liberdade como valor, os direitos civis e políticos.
O direito à vida, o direito à propriedade. O direito à liberdade de expressão, religiosa, comercial.
Liberdade física, Liberdade de consciência, direitos de propriedade privada, direitos da pessoa
acusada, as garantias de direitos, o direito à morte digna, o direito ao esquecimento. Aqui cabe ao
Estado o não fazer (direitos negativos). Estado democrático liberal.
Direitos na segunda dimensão: Direitos políticos. A igualdade, e os direitos sociais,
econômicos e culturais. Aqui cabe ao Estado o agir (direitos a prestações) Exemplos: O direito à
educação, à saúde, à moradia, ao trabalho. Direito ao sufrágio universal, direito a constituir partido
político, direito ao plebiscito, ao referendo e à iniciativa popular legislativa. Estado democrático e
social.
Direitos na terceira dimensão: A fraternidade, a solidariedade. Os direitos coletivos:
direito ao desenvolvimento, direito da paz, direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre
o patrimônio comum da humanidade e, finalmente, o direito de comunicação.
Direitos na quarta dimensão: relacionados à pluralidade, como a democracia, a
informação, o pluralismo político, o Estado democrático de direito.
Em razão de todas essas críticas, a doutrina recente tem preferido o termo
"dimensões" no lugar de "gerações", afastando a equivocada ideia de sucessão, em
que uma geração substitui a outra.
No entanto, a doutrina continua incorrendo no erro de querer classificar
determinados direitos como se eles fizessem parte de uma dada dimensão, sem
atentar para o aspecto da indivisibilidade dos direitos fundamentais. Na verdade,
não é adequado nem útil dizer, por exemplo, que o direito de propriedade faz parte
da primeira dimensão. Também não é correto nem útil dizer que o direito à
moradia é um direito de segunda dimensão.
O ideal é considerar que todos os direitos fundamentais podem ser analisados e
compreendidos em múltiplas dimensões, ou seja, na dimensão individual-liberal
(primeira dimensão), na dimensão social (segunda dimensão), na dimensão de
solidariedade (terceira dimensão) e na dimensão democrática (quarta dimensão).
Não há qualquer hierarquia entre essas dimensões. Na verdade, elas fazem parte de
uma mesma realidade dinâmica. Essa é a única forma de salvar a teoria das
dimensões dos direitos fundamentais. (LIMA, G.)
http://jus.com.br/revista/texto/4666/criticas-a-teoria-das-geracoes-ou-mesmo-dimensoes-dos-
direitos-fundamentais/2
Dos costumes às leis, sempre em foco os direitos humanos
O Código de Ur-Nammu surgiu na Suméria (2040 a.C.) transformando costumes em
leis e atribuindo penas pecuniárias aos delitos, com base no princípio de reparabilidade, o que hoje
equivale a reparação por danos morais.
Um dos mais antigos conjuntos de leis é o Código de Hamurabi, na antiga
Mesopotâmia (1700 a.C.), foi o primeiro código a reunir 282 leis, sobre temas como estupro, roubo
e receptação, família, escravos, ajuda de fugitivos, falso testemunho. Essas leis, até então eram
transmitidas pela fala, eram aplicáveis a uma sociedade dividida em três classes: os Awilum
(homens livres e proprietários de terras), os Muskènum (funcionários públicos), e os Wardum
(escravos). A lei de talião (lex talionis) foi muito utilizada no Código de Hamurabi. Neste tipo de
pena, há reciprocidade entre crime e pena, com uma retaliação, ou seja, tal crime, tal pena. As penas
talianas são as mais antigas existentes, conhecidas pela expressão ―Olho por olho, dente por dente‖.
"Se um construtor edificou uma casa para um Awilum, mas não reforçou seu trabalho,e a casa que
construiu caiu e causou a morte do dono da casa, esse construtor será morto". Art. 25 § 227 CÓDIGO DE HAMURABI
A Lei das XII Tábuas (Roma, 451/450 a.C.) está na origem do direito romano e de
influência nos códigos do Ocidente, como uma legislação criada por pressão dos plebeus para
restringir os poderes da aristocracia romana, já que as leis até então eram de conhecimento dos
pontífices e dos patrícios, para serem aplicadas com especial rigor contra a plebe. As tábuas
referem-se aos seguintes temas: organização e procedimento judicial, normas contra os
inadimplentes; pátrio poder; sucessões e tutela; propriedade; servidões; delitos; direito público;
direito sagrado; complementares.
Na Índia, o Código de Manu (entre 1300 e 800 a.C.) constitui-se de quatro
compêndios inscritos de forma poética em sânscrito (Mahabharata, Ramayana, os Puranas e as Leis
Escritas de Manu) sobre o ordenamento religioso, os deveres do rei e o direito processual, em um
sistema de castas na sociedade hindu.
"Uma mulher está sob a guarda de seu pai durante a infância, sob a guarda do deu marido durante a
juventude, sob a guarda de seus filhos em sua velhice; ela não deve jamais conduzir-se à sua vontade". CÓDIGO DE
MANU, Art. 45 - Dos deveres da mulher e do marido
Duas grandes construções textuais de conteúdo religioso predominaram e ainda estão
presentes em todo mundo nas relações humanas: a Bíblia e o Alcorão. A Bíblia é o documento
sagrado do cristianismo. Esta interpretação religiosa e moral sobre o ser humano em relação a Deus
e ao seu semelhante é atribuída a cerca de 40 autores, nos livros do Antigo Testamento (1445 e 450
a.C.), e nos livros do Novo Testamento (45 e 90 d.C.). Nas Sagradas Escrituras, sinônimo de Bíblia
para os cristãos, são apresentados os 10 Mandamentos (em Êxodo e Deuteronômio). Também
conhecidos como Decálogo, os mandamentos teriam sido escritos por Deus para o profeta Moisés.
Sãos as leis sobre os deveres fundamentais do ser humano com Deus e com o próximo.
O Alcorão (560 d.C.) é o livro sagrado do Islã, e representa o maior documento
religioso e de jurisprudência dos muçulmanos. As revelações de Deus ao profeta Maomé estão
escritas em 114 capítulos, intitulados Suras, sobre temas como a origem do universo, as relações
entre os seres humanos e com o criador, leis sobre a moralidade e a sociedade, entre outros. A
Charia é o corpo dos costumes e das leis religiosas islâmicas, pois nessas sociedades não há
separação entre religião e direito. A coexistência de tribunais religiosos e seculares ocorre em
muitos países do Oriente Médio e África. As punições severas prescritas pela Charia (amputação
em caso de roubo, apedrejamento ou chibatadas, e mesmo pena de morte, em casos de adultério e
homossexualidade) são consideradas como violadoras dos direitos humanos por organismos como o
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Um dos documentos mais antigos, o Cilindro de Ciro (539 a.C.), é considerado por
alguns estudiosos como um primeiro registro sobre direitos humanos. O rei persa Ciro II fez uma
declaração sobre a liberdade de religião e a abolição da escravatura. A declaração apresenta o rei
como benfeitor dos cidadãos da Babilônia, ao repatriar os povos deslocados e restaurar santuários
religiosos pela Mesopotâmia.
A Magna Carta (1215, Inglaterra) é considerado o primeiro documento dos
direitos humanos em âmbito universal. Esta carta declara que a vontade do rei está sujeita à
lei. O julgamento do rei deve ser embasado no processo legal, e não em sua vontade pessoal. Este é
o embrião do movimento que na modernidade viria se chamar Constitucionalismo.
"Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei,
ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por
julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra." MAGNA CARTA Art. 39
Das trevas às luzes
Na Idade Média (séc. V-XV d.C.) os países da Europa sofriam forte influência da
Igreja Católica e seu Tribunal de Inquisição, baseados em leis ou ordenamentos religiosos presentes
na Bíblia, com o aprisionamento, tortura e execução de pessoas perseguidas por razões religiosas e
ideológicas. Uma doutrina que fosse considerada contrária à verdade revelada por Cristo era
considerada heresia. O Manual dos Inquisidores de Nicolau EYMERICH discorre sobre os hereges
impenitentes, penitentes e relapsos, as formas de tortura e condenação, como excomunhão, confisco
de bens, açoitamento, prisão, degredo e pena de morte por enforcamento ou na fogueira.
―Este tipo de gente que é denunciada é mandada para uma prisão inviolável, com
algemas nos pés. Bem trancafiados, para que não possam fugir e contagiar outros
fiéis... Se o réu se recusar, ainda, a se converter, não se terá pressa em entregá-lo ao
braço secular, mesmo se o herege pedir para ser entregue: porque, com frequência,
este tipo de herege pede a fogueira, convencido de que, se for condenado à
fogueira, morrerá como mártir e subirá logo aos céus. Trata-se de hereges
fervorosíssimos, profundamente convictos de sua verdade. Então, não se deve ter
pressa com eles. Não se trata, é claro, de ceder à sua insensata vontade. Ao
contrário, serão trancafiados durante seis meses ou um ano, numa prisão horrível e
escura, pois o flagelo da cadeia e as humilhações constantes costumam acordar a
inteligência...‖ DIRECTORIUM INQUISITORIUM
Ver Giordano Bruno – Alexandria (Filmes)
Entre os séculos XV e XVII as reformas religiosas passam a alterar o domínio até
então absoluto da Igreja Católica: a Reforma Protestante, na Alemanha, a Calvinista, na França, e a
Anglicana, na Inglaterra.
O fim do feudalismo e o declínio do poder clerical assinalam o surgimento do
absolutismo monárquico, todo o poder ao rei. Henrique IV estabelece o livre direito de culto para
católicos e protestantes; a Petição de Direitos é assinada na Inglaterra em 1628.
Para HOBBES, autor de Leviatã (1651) e Do Cidadão (1651), a supremacia deve ser
de um poder soberano, seja um monarca, ou uma assembleia. Para ele, as pessoas só vivem em paz
se concordam em obedecer a um poder absoluto e centralizado. Para John LOCKE, na obra Dois
Tratados sobre o Governo (1689), a solução para o Estado é a existência de uma democracia liberal.
A Declaração de Direitos de 1689 - Bill of Rights foi criada na Inglaterra com o
propósito de garantir a liberdade, a propriedade, e assegurar o poder do parlamento. O Habeas
Corpus é criado em 1679 para libertar pessoas presas injustamente. Em 1701, o Ato de Resolução –
Act of Settlement assinala a diminuição do poder real, a necessidade do consentimento do
parlamento para decisões do governo, e garante a independência dos órgãos jurisdicionais. Os juízes
não poderiam mais ser demissíveis conforme a vontade do rei.
O Iluminismo na Europa,que tem seu apogeu no século XVIII, revoluciona ao
apresentar a razão, e não a religião, como forma de questionar e responder aos anseios do ser
humano em suas relações sociais. Nessa época MONTESQUIEU defende em seu livro ―Espírito das
Leis‖ (1748) a divisão dos poderes: executivo, legislativo e judiciário. VOLTAIRE defende o fim
do absolutismo e a tolerância religiosa, e ROUSSEAU, autor de ―O Contrato Social‖ (1762),
defende um governo de acordo com a vontade do povo.
Na fase de transição do absolutismo monárquico para o Estado liberal (fim séc.
XVIII) surge o Constitucionalismo Moderno, o conjunto de movimentos – social, político,
ideológico e jurídico a partir dos quais são criadas as constituições nacionais. Estes documentos
legais declaram os direitos dos indivíduos e atribuem aos governantes o exercício do poder com
base na equidade e justiça social, o que representa um avanço no que se refere à proteção dos
direitos humanos. Algumas legislações que surgem nessa época são a Declaração de Direitos do
Estado de Virgínia, Declaração de Independência dos Estados Unidos de 1776, as Constituições das
ex-colônias britânicas da América do Norte, Constituição da Confederação dos Estados Americanos
de 1781, e a Constituição da Federação de 1787. Na França, é criada a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789, Ano da Revolução Francesa, e a Constituição de 1791, que
estabelece a divisão dos três poderes e o voto censitário. Neste momento histórico emerge também
um dos movimentos de origem do feminismo, a Proclamação Universal dos Direitos da Mulher e da
Cidadã. A autora do documento é Marie Gouze, que lutou pelo fim da escravidão e pelos direitos
iguais entre homens e mulheres. Foi condenada como contra-revolucionária e guilhotinada em
1793. (BOX link de acesso ao texto)dhnet e www.ufrgs.br/faced/direitoshumanos/
A necessidade de reconhecer os conflitos sociais em contextos históricos bem
definidos leva ao reconhecimento dos direitos dos grupos sociais, das minorias étnicas, religiosas,
entre outras, dos vulneráveis, em situação de discriminação, como crianças, mulheres, encarcerados.
Com a Revolução Industrial, o crescimento das cidades, e no contexto do liberalismo econômico, o
Estado não garante e tampouco efetiva os direitos dos grupos em situação de exclusão. Entre as
consequências do desenvolvimento econômico e tecnológico, está a desumanização nas relações.
Como efeito direto, o Constitucionalismo na Contemporaneidade é marcado no período pós
Primeira Guerra Mundial por constituições nacionais que visibilizam os direitos econômicos e
sociais, com a intervenção do Estado na ordem econômica e social: as Constituições do México de
1917, de Weimar de 1919, e do Brasil de 1934.
O Sistema Internacional de Direitos Humanos
O ser humano é um sujeito de direitos tanto no plano interno como no plano
internacional. Por esse motivo, há diversos instrumentos e organismos nacionais e internacionais
criados para combater as violações aos direitos humanos. Há os sistemas internacionais de proteção
aos DH: sistema universal (global) e os sistemas regionais (locais): Europeu, Interamericano,
Africano. Em caso de conflito entre ambos, deve prevalecer a norma mais favorável à vítima, com
base na unidade e complementaridade.
No Sistema Universal:
Órgãos: Alto Comissariado de Direitos Humanos e o Conselho de Direitos Humanos.
Instrumentos: Carta Internacional de Direitos Humanos, Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948), Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966).
No Sistema Interamericano:
Órgãos: Comissão Interamericana de DH e Corte Interamericana de DH.
Instrumentos: Declaração Americana de DH (1948) e Convenção Americana (1969) – Pacto de San
José da Costa Rica. TABELA
Os tratados internacionais são acordos juridicamente obrigatórios e vinculantes, com
princípio da boa fé, ou seja, dar plena observância ao tratado, e são a principal fonte de obrigação
do Direito Internacional conforme Convenção de Viena (1969)2. No período pós Primeira Guerra
(1914-1918) e Segunda Guerra Mundial (1939-1945) originam-se diversas declarações
2 O primeiro tratado sobre direito internacional foi a Introdução ao Direito das Nações (séc. VIII) por Muhammad Al-
Shaybani, sobre a ética islâmica e temas como a lei dos tratados, o tratamento de reféns, refugiados e prisioneiros de
guerra, o direito de asilo, a proteção de civis e a conduta no campo de batalha.
internacionais e textos constitucionais. Organismos de defesa dos direitos humanos são criados com
o intuito de garantir uma proteção no plano internacional.
O Tratado de Versalhes encerrou oficialmente em 1919 a Primeira Guerra Mundial.
Este tratado de paz foi assinado pelos chefes de Estados das principais potências europeias, como
forma de garantir a paz mundial. Nesse sentido foi criada a Sociedade das Nações, também
conhecida como Liga das Nações, com o propósito de evitar futuras guerras - o que não evitou a
eclosão da Segunda Guerra Mundial. Então, o surgimento da Organização das Nações Unidas
(ONU), em 1945, é decorrência direta da necessidade mundial de somar esforços para evitar uma
nova guerra, como a que acabara de dizimar milhões, no Holocausto, e em ações como a destruição
das cidades de Hiroshima e Nagasaki, em quaisquer outras ações violentas e bélicas e genocídios de
modo geral.
A ONU tem por objetivo principal o exercício dos direitos humanos, manter a paz
internacional, evitar guerras e mediar diálogo entre as nações.
Em 10 de Dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Quase todos os documentos relativos aos direitos
humanos tem como referência esta Declaração, de reconhecimento mundial, mas de não
obrigatoriedade jurídica. Por esse motivo, dois pactos efetuados em 1966, o Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e os
dois protocolos facultativos do Pacto dos Direitos Civis e Políticos (que em 1989 aboliu a pena de
morte), constituem A Carta Internacional dos Direitos do Homem. BOX:
http://www.gddc.pt/direitos-humanos/Ficha_Informativa_2.pdf
A ONU é atualmente constituída por 193 estados-membros. Algumas das principais
ações da ONU: defesa e aplicação dos princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Assistência técnica para a realização de eleições, para fomentar a democracia; melhoria
das estruturas judiciais, elaboração de constituições, formação de agentes de direitos humanos.
Realização de Assembleia Geral, resoluções do Conselho de Segurança e da Corte Internacional de
Justiça como formas de combater as violações dos direitos humanos. Oferece apoio aos povos
indígenas, oferece serviços humanitários através do Programa Alimentar Mundial, e mantém
projetos do Alto Comissariado para os Refugiados e pela manutenção da paz. Incentiva o
desarmamento de armas atômicas e convencionais, de destruição em massa, armas químicas, minas
terrestres, redução dos orçamentos militares.
A Organização tem sido criticada pela possível pretensão de ser um governo mundial
único; pelo fato de que em muitas situações os Estados-membros não cumprem as resoluções do
Conselho de Segurança; porque não preveniu o genocídio em Ruanda em 1994, não interveio na
Guerra do Congo e no Massacre de Srebrenica, em 1995, não aplicou as resoluções do Conselho de
Segurança no conflito Israel-Palestina, e não impediu o genocídio em Darfur. E por ser omissa ou
pouco eficiente em tantas outras guerras e genocídios que ocorrem atualmente.
A ONU elaborou na Convenção em Nova York (2000) a Declaração do Milênio,
com os principais objetivos que os Estados membros devem cumprir até 2015 pela melhoria da
qualidade de vida de suas populações: erradicar a fome do planeta, garantindo a todos uma condição
de vida digna, implementação de políticas de saúde, saneamento, educação, habitação, promoção da
igualdade de gênero e meio ambiente.
Os principais objetivos do milênio a serem cumpridos até 2015 pelos chefes de
Estado que integram a ONU são: Reduzir pela metade a proporção da população vivendo com
menos de um dólar por dia e reduzir pela metade os índices de pessoas que sofrem com a fome;
garantir o ensino básico a todas as crianças; eliminar as disparidades entre os sexos no ensino
fundamental e médio, se possível até 2005, e em todos os níveis de ensino até 2015; reduzir em
dois terços a mortalidade de crianças menores de cinco anos de idade; reduzir em três quartos, a
taxa de mortalidade materna; deter a propagação do HIV/AIDS e começar a inverter a tendência
atual, bem como a incidência da malária e de outras doenças; integrar os princípios do
desenvolvimento sustentável nas políticas e programas nacionais e reverter à perda de recursos
ambientais e também reduzir pela metade a proporção da população sem acesso permanente e
sustentável à água potável e esgotamento sanitário; fortalecer uma parceria mundial para o
desenvolvimento.
Questão: Tendo em vista que o Brasil é um dos Estado-membro da ONU, signatário da Declaração
do Milênio, que ações estão sendo realizadas no país, no RS e em sua cidade?
Brasil
Pensando apenas no calendário brasileiro, a partir da chegada da esquadra de Pedro
Álvares Cabral, em 1500, temos pouco mais de 500 anos de história. Desses, mais de trezentos anos
de estado colonial (1500-1822), sessenta e sete anos de império (1822-1889) e uma república ainda
tímida, que não chegou aos 130 anos.
Numa retrospectiva histórica, podemos afirmar que, do ponto de vista dos Direitos
Humanos, como os conhecemos na contemporaneidade, foram mais desrespeitados (ou sequer
considerados) no Brasil-Colónia-Portuguesa. Foi um longo período de massacres, assimilação e
escravização dos povos indígenas que aqui viviam, para servirem ao ‗homem civilizado‘ português
que aqui chegou e precisava mão-de-obra barata e mulheres.
O Brasil e os direitos humanos, do pré-colonialismo à república
―Os marinheiros que o capitão-mor Pedro Álvares Cabral mandou a terra, em 23 de abril de 1500, encontraram
facilmente um grupo de duas dezenas de espantados e curiosos nativos. Os primeiros contatos entre brasis e lusitanos
foram tranquilos e cordiais. Tupinambás e portugueses trocaram gestos e presentes – um barrete, uma carapuça e um
chapéu por um cocar de penas e uma fileira de contas brancas. Os europeus registraram a elegância e a beleza física dls
americanos‖. MAESTRI, 1994: 09 in BRUNETTO, G. Perambulantes
O nascimento do Brasil se deu sob o signo do colonialismo e, anos mais tarde, do
constitucionalismo. Estima-se que em 1500 existiam cerca de três milhões de indígenas no Brasil,
oriundos da Ásia, chegando à América pelo Estreito de Bering. Segundo o viajante alemão Karl
Von den STEINEN (1884) quatro grupos indígenas habitavam o Brasil: tupi-guarani, jê ou tapuia,
nuaruaque ou maipuré e caraíba. A ocupação do território brasileiro ocorreu por interesses
expansionistas, inicialmente, dos colonizadores portugueses. A primeira violação aos direitos
humanos acontece no Brasil neste momento, quando, invadido o território brasileiro, é declarado
como descoberto, e a partir de então, a exploração da terra e dos habitantes nativos ocorreu de
várias formas: abusos e violências físicas e sexuais, escravidão, destribalização, expulsão,
assassinatos. (Amistad - A missão - Perambulantes)
―Há comumente duas formas de ―ver‖ os indígenas: ou como pessoas dóceis, que gostam de se pintar, cantar e
dançar em volta do fogo; ou como seres selvagens, quase animais, que fazem parte de algum lugar do passado na
história, quase comparados a vilões de filmes norte-americanos. Não é à toa que essas impressões vigoram em pleno
século XXI. São reflexos de um processo sórdido de invisibilização de sua identidade cultural. Desde os primeiros
contatos dos colonizadores com os indígenas, o que deles se esperava é que fossem úteis como mão-de-obra escrava,
nas culturas de cana-de-açúcar e de subsistência. Os indígenas, aos olhos dos portugueses, eram inicialmente
importantes na medida em que seriam utilizados em seu benefício, já que seu custo seria muito menor do que o escravo
negro africano – levando-se em conta que o tráfico de escravos era um negócio extremamente rentável. Neste contexto,
a coroa portuguesa e a igreja se posicionaram contra a escravização dos índios. Já que recebiam comissões dos
traficantes de escravos negros.‖ BRUNETTO, G. Perambulantes
Os genocídios da Casa Grande à Senzala
Os interesses econômicos mercantilistas dos colonizadores eram a justificativa para o
cometimento de crimes contra indígenas e africanos. Nas cartas do Padre Antonio VIEIRA há o
relato, no qual se constata que ao longo de quarenta anos foram mortos mais de dois milhões de
índios e destruídas mais de 500 povoações. O aprisionamento e escravização de negros na África
tinha o consentimento oficial da Igreja Católica, mediante a assinatura da bula Romanus Pontifex,
pelo Papa Nicolau V, no ano de 1454. A justificativa: a salvação das almas pagãs.
A legislação pombalina (Marquês de Pombal - 1755-1758) visava à integração dos
indígenas à sociedade colonial, mas permitia a sua utilização como mão-de-obra escrava. Dessa
forma concretizou-se a legitimação da escravidão dos índios no Brasil. A Carta Régia de 1808
permitia o apresamento dos índios e sua utilização como escravos. Darcy RIBEIRO (2004) escreve
sobre o crescimento de uma população neobrasileira, onde se incorporaram genes de indígenas,
negros, brancos.
O Brasil, do período pré-colonial (1500-1530), colonial (1530-1815) e imperial (1822-1889) tem a
escravidão como a forma consumada de relação social e de violação aos direitos humanos. Essa
escravatura ocorreu principalmente pelo uso de escravos vindos do continente africano, para
trabalhos forçados na agricultura, na mineração e serviços domésticos. O tráfico negreiro (séc. XVI-
XIX) ocasionou o transporte à força de negros não somente para o Brasil, como para vários outros
países nas Américas, nos lugares explorados pelos colonizadores europeus. Cerca de 40 por cento
dos negros que vinham nessas embarcações como escravos morriam nos porões dos navios. A Lei
do Ventre Livre (1871) libertava os filhos da mulher escrava, e a Lei Saraiva-Cotegipe, conhecida
comoA Lei dos Seaxagenários (1885) permitia a libertação dos escravos com mais de 60 anos.
Somente com a assinatura da Lei Áurea em 1888, foi oficialmente abolida a escravidão no Brasil. A
escravidão era justificada não somente por motivos religiosos, mas por razões morais e culturais, de
uma pretensa superioridade étnica e cultural dos brancos. A exploração ocorrida nesse período
ocasionou vários conflitos: o Entrincheiramento de Iguape, a Guerra dos Emboabas, a Guerra de
Iguape, a Guerra dos Mascates, as Guerras Guaraníticas, a Revolta de Felipe dos Santos, a Revolta
de Beckman, a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates.
Entretanto, a motivação econômica – da Coroa, dos colonizadores europeus, dos senhores do
engenho, dos bandeirantes paulistas, dos padres jesuítas, dos donos das minas de ouro, dos
fazendeiros, dos donos dos cafezais - era sem dúvida um fator predominante para o tráfico de
escravos negros, já que o comércio de homens, mulheres e crianças representava sempre lucro.
Houve um aumento na procura de mão-de-obra para a lavoura do café. Por esse motivo o tráfico de
escravos passou de 19.453 em 1845, para 60mil em 1848 e 54mil em 1849.
O Brasil se desenhava para ser uma Casa Grande, à custa do genocídio da senzala.
Brasil independente?
À medida que o Estado brasileiro vai se transformando, as constituições igualmente
assinalam as passagens de um país que oscila períodos de absolutismo, autoritarismo e outros de
democracia.
A primeira Constituição brasileira, de 1824, surgiu quando Dom Pedro I dissolveu a
Assembleia Constituinte. A Constituição monárquica foi a mais longa de todas, permaneceu 67
anos, caracterizada por um liberalismo centralizador do Império, com a existência do Poder
Moderador. O Brasil foi, no período de 1822 a 1889, um Império, com um sistema político
constitucional parlamentarista. A declaração de independência do Brasil em 07 de setembro de 1822
não foi reconhecida pelas monarquias absolutistas europeias. Os Estados Unidos reconheceram o
governo brasileiro em 1824, e em 1825 a Coroa Portuguesa aceitou a independência de sua antiga
colônia, graças à mediação do Reino Unido, mas em uma negociação na qual ficava condicionado
que a Coroa teria a preferência como nação mais favorecida nas transações comerciais, e ainda teria
uma indenização de dois milhões de libras. Já o Reino Unido reconheceu em 1825 o Brasil
independente, e mobilizou-se em ampla campanha pela extinção do tráfico negreiro, por ter
interesses em transferir o capital do tráfico para a industrialização. A partir de 1826 a Santa Sé,
França e demais nações europeias passaram a reconhecer o Brasil como uma nação independente.
A indepedência do Brasil também acirrou conflitos, entre bonifácios, restauradores e
liberais. Nos anos de 1831 a 1837 houve vários motins e levantes de tropas no Rio de Janeiro.
Algumas rebeliões foram a Abrilada, em Pernambuco, a Cabanada, pela Zona da Mata, pelo
Agreste pernambucano e alagoano entre 1832 a 1835. Outras revoltas provinciais foram a
Setembrada e a Novembrada, em Recife (1831), as três Carneiradas em Pernambuco (1834-1835),
os levantes militares em Salvador (1832), e as revoluções federalistas Guerra dos Farrapos no Rio
Grande do Sul (1835-1845), Cabanagem no Pará (1835-1840), e o levante urbano de escravos em
Salvador, a Revolta dos Malês (1835).
O fim do império e o começo da república no Brasil acontece em 15 de novembro de 1889,
com um golpe militar que proclama presidente o Marechal Deodoro da Fonseca. A primeira
Constituição Republicana do Brasil é de 1891, e representa os interesses das oligarquias, das elites
agrárias do país. Entre os avanços, está a instituição do presidencialismo, do voto aberto e universal
para os cidadãos - mas os analfabetos, as mulheres e os militares de baixa patente não podiam votar.
Na República Velha (1889-1930) predominam as elites agrárias paulistas, cariocas e
mineiras e a ―Política do Café-com-leite‖, a exportação de café e o desenvolvimento industrial.
Período também de turbulência social. De um lado, temos a “Política dos Governadores” com o
objetivo de manter as oligarquias no poder. Também o “Coronelismo”se faz muito presente nessa
época: o coronel era um fazendeiro que garantia a eleição dos seus candidatos (pelo voto de
cabresto, votos fantasmas, compra de votos, trocas de favores, monitoramento dos capangas,
fraudes eleitorais, uso da violência.
De outro lado, o “Tenentismo”, movimento político-militar liderado por tenentes em
oposição ao governo oligárquico. Entre esses movimentos estavam A Revolta da Chibata (1910),
um importante movimento ocorrido no Rio de Janeiro. Neste período, os marinheiros brasileiros
eram punidos com castigos físicos, com 25 chibatadas. Esta situação gerou revolta entre os
marinheiros. Sob a liderança de João Cândido, o ―Almirante Negro‖, reivindicavam o fim dos
castigos físicos, melhorias na alimentação e anistia para os insurgentes, ou iriam bombardear a
então capital brasileira, Rio de Janeiro. O presidente aceitou, mas após os marinheiros entregarem
suas armas, ordenou a expulsão de vários participantes. Em dezembro, os marinheiros fizeram outra
revolta na Ilha das Cobras, a qual foi duramente reprimida pelo governo, com muitos marinheiros
presos em celas em condições desumanas da Fortaleza da Ilha das Cobras, levando alguns dos
presos à morte. Outros revoltosos presos tiveram que prestar trabalhos forçados. João Cândido foi
expulso da Marinha e internado como louco no Hospital de Alienados. No ano de 1912, foi
absolvido das acusações. Outros levantes nesse período foram A Revolta dos 18 do Forte de
Copacabana (1922) e A Coluna Prestes (1925-1927).
Depois do cabresto, os golpes
A Revolução de 1930 no Brasil lança Getulio Vargas para presidente. Começa a Era
Vargas. O governo Vargas no período de 1930-1945 é centralizado e autoritário, com populismo,
nacionalismo, trabalhismo e forte incentivo à industrialização. Vargas incluiu na nova Constituição
de 1934 artigos sobre direitos individuais, voto feminino, previdência social, direitos dos
trabalhadores, salário mínimo, abolição da pena de morte, independência dos três poderes
(legislativo, judiciário e executivo), eleições diretas para presidente e mandatos em ciclos de cinco
anos. O regime ditatorial vigente desde 1930 foi institucionalizado em 1937, com o Estado Novo.
Governo com censura, proibição dos partidos políticos. A Constituição de 1937, inspirada no
fascismo, fez o presidente exercer o poder absoluto. Vargas proibiu os partidos políticos, os
opositores políticos e os artistas, além de intensificar a censura à imprensa. A nova Constituição
democrática de 1946, que perduraria até o golpe militar de 1964.
Problemas econômicos e a pressão de militares para uma renúncia contribuíram para o
suicídio de Vargas em 25 de agosto de 1954.
Juscelino Kubitschek, o JK, governou o Brasil de 1956 a 1961. Anos Dourados. Prometia
desenvolver o Brasil 50 anos em apenas 5 de governo. Criou o Plano de Metas e consolidou o
modelo desenvolvimentista. Era de crescimento econômico e estabilidade política. Implantou a
indústria automobilística e naval, expandiu a indústria pesada, a construção de usinas siderúrgicas e
hidrelétricas. Morreu em um acidente de carro em circunstâncias nunca bem esclarecidas.
Nas eleições de 1961, Jânio Quadros foi o vencedor. Em seu breve governo, pretendia
terminar com a corrupção. Mas renunciou em circunstâncias nunca bem explicadas, ―forças
ocultas‖, após governar por apenas sete meses. A Campanha da Legalidade (1961), liderada por
Leonel BRIZOLA, ocorreu com o intuito de manter a ordem jurídica e garantir que o vice-
presidente João GOULART, O ―Jango‖, assumisse como presidente. ―Jango‖ governou de 1961 a
1964. A oposição dos militares ao seu governo, somada à crise econômica no país, levou a um
novo golpe de Estado. Desta vez, a ditadura militar no Brasil viria para ficar por mais de 21 anos,
cujas consequências nefastas se fazem sentir até hoje, especialmente por causa da não elucidação
sobre os desaparecimentos durante o regime militar, e pela impunidade dos que cometeram esses e
vários outros crimes contra a liberdade e a dignidade humana.
2 Para aprofundar uma visão latino-americana de alguns processo que levaram a essas situações, pode-se ler „As veias abertas da América-Latina‟, de Eduardo Galeano, disponível em: http://copyfight.noblogs.org/gallery/5220/Veias_Abertas_da_Am%C3%83%C2%A9rica_Latina(EduardoGaleano).pdf.
Da ditadura civil-militar de 1964 ao Estatuto da Criança e do Adolescente
Em 1964, dezenove anos depois da segunda guerra mundial, o Brasil mergulha em
outro período de ruptura democrática, planejado e coordenado, pelos Estados Unidos e grande
parcela das elites nacionais. Com consequências diretas para o término dos direitos civis e políticos
de todos/as os/as brasileiros/as contrários/as ao golpe, em especial para as organizações de
trabalhadores/as, com consequências marcantes no que se refere ao atendimento de crianças e
adolescentes filhos/as das classes trabalhadoras. Numa ditadura gestada de fora para dentro do país,
como após aconteceria em outros países latino-americanos, com aporte instrutivo de estratégias de
golpe e guerra, ensinados pelo Pentágono e outros órgãos de Estado norte-americanos2.
No mesmo ano do golpe civil-militar de 1964, é criada a Fundação Nacional do
Bem-Estar do Menor (FUNABEM), extinguindo o S.A.M., instituído na ditadura Vargas com
funções similares ao sistema penitenciário, destinado ao atendimento da população menor de 18
anos.
Segundo Silva (1998) convergem para a origem da
FUNABEM dois movimentos articulados. De um lado a
proposição dessa instituição que remonta a 1961 e que não foi
aprovada pela Câmara dos Deputados à época e que teve como
certo apelo social o fato de que, em 1964 ―um filho do então
Ministro da Justiça Milton Campos foi barbaramente assassinado por adolescentes moradores nos
morros do Rio de Janeiro, e o próprio Ministro, juntamente com outros juristas do Rio de Janeiro,
convenceram o presidente General Humberto Castelo Branco a criar, por decreto, a almejada
fundação nacional‖, e, de outro lado, a necessidade de reforma e controle das instituições
educacionais
que incluiu a outorga de uma nova Constituição em setembro do mesmo
ano, a decretação de vários atos institucionais, como o AI-5, e, por
orientação do governo e das agências americanas, a reforma do sistema
educacional brasileiro a partir dos acordos MEC/USAID, e posteriormente a
reforma do ensino universitário em 1968, com o objetivo deliberado de
constituir barreiras ideológicas, culturais e institucionais à expansão da
ideologia marxista, que então estava em voga em todo o continente sul-
americano. (SILVA, 1998)
3 São previstos como membros e indicam representação para o Conselho Nacional da FUNABEM a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Confederação dos Reverendos do Brasil, Confederação Evangélica do Brasil e Confederação Israelita do Brasil.
A FUNABEM foi criada com ―objetivo de formular e implantar a política nacional
do bem-estar do menor, mediante o estudo do problema e planejamento das soluções, a orientação,
coordenação e fiscalização das entidades que executem essa política‖ (Art. 5º, Lei 4.513/64). Em
sua estrutura estavam previstas as unidades estaduais, convênios e parcerias, nacionais e
estrangeiras. No mesmo decreto de sua criação foi previsto a existência de um Conselho Nacional,
composto por instituições da sociedade civil, especialmente
religiosas3, e governamentais, instalado por decreto presidencial já
em 1965.
Alicerçada na Doutrina de Segurança Nacional,
que orientava toda ação governamental repressiva do governo
civil-militar, a FUNABEM e suas executoras estaduais, as
Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor (FEBEMs) mantiveram a lógica de encarceramento
do S.A.M. inspirada no modelo norte-americano desenvolvido para o atendimento de crianças
evacuadas ou órfãs em virtude da segunda guerra. E para dar tranquilidade aos técnicos e
especialistas (e à sociedade extramuros) que deveriam dedicar-se à educação dos/as carentes, mal
tratados/as e abandonados/as, garantindo-lhes cuidados adequados, era dado destaque a questão da
segurança, da disciplina e da obediência nas executoras estaduais.
Como em outras áreas, o poder executivo federal golpista tomava para si, a
centralidade das decisões sobre condutas, inclusive de crianças e adolescentes, tratando problemas
sociais como problemas de segurança nacional, mantendo o tripé segurança-disciplina-obediência
como garantidor/mantenedor da ordem vigente. Um sistema onde democracia, direito e dignidade
eram conceitos fora de lugar.
Para Silva (1998) a FUNABEM expressa bem a visão inicial do período repressivo,
pois ―o menor passou a figurar em lugar de destaque na Doutrina da Segurança Nacional, passando
a ser efetivamente tratado como um problema de ordem estratégica, saindo da esfera de
competência do Poder Judiciário e passando diretamente à esfera de competência do Poder
Executivo‖.
Nascida como anti-S.A.M., que chegou a ser considerada ‗escola do crime‘, a
FUNABEM possuía inicialmente um discurso contrário à institucionalização, mas não uma prática
nesse sentido, já que à ela cabia também o controle da ordem nacional no que se referia ao menor,
ainda dentro dos marcos do 1º Código de Menores e da Doutrina do Direito do Menor. Na sua
execução, coincidente com o endurecimento governamental, vai-se construindo no Brasil uma nova
doutrina, a Doutrina da Situação Irregular, cuja validação jurídica vem com o 2º Código de
Menores, em 1979. Lei que mantém a FUNABEM como órgão deliberativo da política nacional de
4 Atualmente existe a Associação Nacional dos Centros de Defesa (ANCED) que, no RS, conta com dois centros associados: PROAME/CEDECA Bertholdo Weber, em São Leopoldo (www.cedecaproame.org.br), e o IAJ, em Porto Alegre, (www.iaj.org.br). Existem outras instituições que também atuam nessa área, como o CEDEDICA, de Santo Ângelo (www.cededica.org.br), o G10-Saju/UFRGS (g10saju.blogspot.com/) de Porto Alegre.
atendimento.
É importante ressaltar que todas as legislações e tratados internacionais, desde a Liga
das Nações até as Nações Unidas, no que diz respeito à criança e ao adolescente, não foram
absolutamente levadas em conta ou sequer referidas na construção das políticas de atendimento no
Brasil. Segundo Silva (1998),
os princípios da Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, de
1924, não teve nenhuma repercussão na redação final do Código de
Menores de 1927. Da mesma forma, os legisladores brasileiros não foram
sensíveis aos princípios já consagrados na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948, na Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem, de 1948, e no Pacto de San José da Costa Rica, de
1969, que obrigou os países signatários a adotarem em seu direito interno os
princípios da Convenção, figurando ali a proteção à família e aos direitos da
criança, assim como a Declaração sobre os Direitos da Criança, adotada pela
ONU em 20 de novembro de 1959, o Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais acima citados, ambos de 1966, não tiveram nenhuma influência
significativa na redação final do Código de Menores de 1979.
Portanto, até a constituinte de 1988, onde expressivos setores da sociedade
mobilizaram-se na pressão popular sobre o Congresso Nacional, nosso país tratou os direitos
humanos de crianças e adolescentes de forma bastante repressiva e criminalizante (ZALUAR,
1996). Como consequência podemos citar outros exemplos, como a não universalização do ensino
fundamental ou o alto índice de mortalidade infantil, o maior da América-Latina à época.
Essa situação de absoluta calamidade em relação
aos direitos humanos básicos de crianças e adolescentes no
Brasil fez eclodir uma série de iniciativas e construção de
movimentos de resistência e denúncia, como o Movimento
Nacional de Meninos e Meninas de Rua, em 1982, em São
Paulo, e os Centros de Defesa de Direitos da Criança e do
Adolescente4, em 1983, em Emaús/AM. Ambas as experiências
resultaram em construção de redes articuladas ou derivadas
dessas experiências por todo país, até hoje.
Retomada da democracia e o atendimento à criança e ao adolescente no Brasil
Diferente dos períodos das ditaduras Vargas (1937–1945), quando se instituiu o
S.A.M., e Civil-Militar (1964–1985), quando se criou a FUNABEM, no processo constituinte de
1988, não foi da Presidência da República nem do Congresso, o protagonismo de construção do
novo marco legal do atendimento à criança e ao adolescente no
Brasil. Influenciados pela discussão internacional de construção da
Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente,
da qual brasileiros/as também participavam, representantes de
instituições variadas, propuseram o texto do artigo 227, aprovado e
incorporado à Constituição Federal, que fixa novo entendimento à
‗questão do menor‘ no país:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(BRASIL, 1988)
A mobilização popular na área foi levada a cabo pelo
Fórum Nacional Permanente de Entidades Não-Governamentais de
Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), a
partir do encontro de vários segmentos organizados de defesa da
criança e do adolescente em março de 1988. Tal articulação foi
responsável pela terceira maior coleta de assinaturas entre as Emendas Populares à Constituinte,
com 1.350.535 eleitores signatários (CARDOSO, 2011).
Dois anos após, em 1990, repete-se a mobilização, com a coleta e entrega de mais de
um milhão de assinaturas ao Congresso Nacional para aprovar o Estatuto da Criança e do
Adolescente, lei que já nasce adequada à Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente, que foi promulgada pela ONU em 1989, e ratificada pelo Brasil no final de 1990, após
a aprovação do Estatuto.
Com o Estatuto, extingue-se a FUNABEM e o 2º Código de Menores, unificando-se
as competências de ambos no novo texto estatutário. Em acordo com os princípios constitucionais
de 1988, são também previstos conselhos ―deliberativos e controladores das ações em todos os
níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas,
segundo leis federal, estaduais e municipais‖, assim como a ―municipalização do atendimento‖
(Estatuto, Art. 88).
Abaixo, algumas comparações entre Códigos de Menores e Estatuto:
Foto do filme Bilú e João, dirigido por Kátia Lund. É um dos sete
curtas do „Documentário Crianças Invisíveis‟. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=9IpfZuCdq6s. Confira também os
demais filmes, com situações de violação de direitos humanos de
crianças de todo mundo, captadas pelas lentes de Spike Lee, Emir
Kusturica, John Woo, Ridley Scott,
Mehdi Charef e Stefano Veneruso.
Questão Código de Menores (1979) Estatuto (1990)
Origem Doutrina de Segurança Nacional (1964-1985), a partir da construção gestada na FUNABEM.
Movimento de revisão da Doutrina da Situação Irregular na Constituinte de 1988; discussões internacionais sobre direitos humanos de crianças e adolescentes e movimentos populares e organizações de trabalhadores da área.
Regulação social Dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a menores.
Dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.
Entendimento do ‘público alvo’ da lei
Até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação irregular.
Considera-se criança a pessoa até doze anos de idade, incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Portanto: todas as crianças e adolescentes.
Definição legal
Não há explicitação textual. Pela leitura dos vários capítulos e artigos, fica claro que o menor é objeto de diversas ações de controle e vigilância.
Gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Portanto: sujeitos de direitos.
Definição do foco de atendimento
Menores em situação irregular por falta, ação, omissão, dos pais ou responsável. Menores em situação de desvio de conduta, vítimas de castigos imoderados, etc.
Crianças e adolescentes, pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, que tenham seus direitos ameaçados ou violados, por ação, omissão ou falta, dos pais ou responsável, sociedade ou estado, ou em razão de sua conduta. Portanto: não há centralidade na culpabilização da família. Estado e sociedade podem ser considerados partícipes da violação.
Mecanismos de controle e participação
Previa o Juizado de Menores como agente único de decisão e controle, subordinado à política pública emanada da FUNABEM, por meio de seu Conselho Nacional.
Prevê os conselhos em todos os níveis com semelhantes poderes, definidores e controladores, das políticas públicas. Destacam-se as funções também protetivas do Ministério Público. Cria-se o Conselho Tutelar, com membros escolhidos pela comunidade local de cada município, com atribuição de zelar pelo cumprimento do direito, aplicar medidas administrativas de proteção (para desjudicionalizar questões sociais) e requisitar serviços para melhor eficácia dessas; além de assessorar na elaboração orçamentária dos executivos municipais.
Fiscalização
Função restrita ao Juizado de Menores, ao Ministério Público e ao Conselho Nacional da FUNABEM.
Amplia-se para os conselhos de direitos em todos os níveis e ao Conselho Tutelar. Observação: Com a redemocratização, também em certa medida, legislativos e órgãos de contas nos três níveis da administração pública também são competentes.
Observação geral
O Estatuto é uma lei complementar à constituição que seguidamente está sendo atualizada a partir das muitas disputas de entendimento que existem na sociedade. O Código de Menores de 1979 manteve-se inalterado nos dez anos de sua vigência e a FUNABEM teve poucas mudanças no texto legal desde sua instituição e ao longo dos 26 anos de existência.
Questão: Pensando nesse comparativo entre o Código e o Estatuto, que ações se observam em sua cidade que ainda tem a ver com o modelo „menorista‟? Que ações realmente podem ser pensadas como preconizadas a partir do Estatuto? Todas as instituições (escolas, polícias, etc.) já agem de acordo com o Estatuto?
A extinção da FUNABEM não repercutiu imediatamente nos estados. Em todo país
mantiveram-se as fundações estaduais, buscando-se apenas reformular o atendimento prestado,
através do que se começou a chamar de Reordenamento Institucional. Um reordenamento que
buscava a passagem do modelo carcerário e restritivo da convivência familiar e comunitária
existente no modelo FUNABEM/Código de Menores para o modelo de garantias de direitos
expresso pela nova Constituição Federal e Estatuto. Movimento que, apesar do esforço de muitos
setores, se mostrou equivocado em todo país para o sistema FEBEM. E para outras instituições, cuja
mudança no atendimento, muitas vezes, correspondeu a uma adaptação de terminologias e não na
mudança das práticas existentes.
5 A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa do RS foi criada em 25 de junho de 1980, através da Resolução nº 1.817. Sua instalação foi conseqüência do esforço e pressão da sociedade civil organizada, indignada com o episódio do seqüestro dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Dias, junto com duas crianças, em Porto Alegre, em 1979, para serem levados por policiais brasileiros aos cárceres políticos do Uruguai. Criada na esteira da abertura democrática, logo após a promulgação da Lei da Anistia, a Comissão tinha por horizonte a luta pelo resgate da cidadania e afirmação dos Direitos Civis e Políticos, violados pelo arbítrio da ditadura militar instaurada no Brasil. (Relatório Azul, 2010)
Na esteira do processo de redemocratização o desemprego e as péssimas condições
de vida da maior parte da população fizeram surgir em todo país movimentos reivindicatórios, no
meio rural e urbano, como o Movimento Sem-Terra, de Trabalhadores Desempregados e de
Associações de Bairro. Juntamente com a luta em relação à
precarização econômica e de infraestrutura urbana, emergem
outros movimentos em defesa da vida (de mulheres,
antimanicomial, de crianças de rua, etc.). Movimentos que
questionam as diversas formas de aprisionamentos das pessoas, na
família patriarcal, nas FEBEMs, nas Delegacias, acabando por
retomar a ideia de direitos humanos.
Tem destaque no RS, em 1994, o lançamento do
Relatório Azul pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos5.
Em sua primeira edição o relatório trata de diversos temas caros
aos direitos humanos, começando pela área da criança e do/a
adolescente, com o ilustrativo título: "Crianças e adolescentes -
Entre a vergonha e a cidadania", destacando levantamento do Conselho Tutelar de São Leopoldo,
onde, à época, "140 meninas se prostituem na cidade", e relata: "Representantes dos Conselhos
Tutelares, da OAB/RS e do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua pedem empenho
do Governo do Estado para punir os/as responsáveis e interditar pontos de prostituição infanto-
juvenil". Assim como o processo de implantação dos Conselhos Tutelares no estado e a falta de
estrutura de muitos órgãos, citando o município de Terra de Areia, que "não possuía sede própria,
os conselheiros trabalhavam sem remuneração, sem carro e sem telefone" (RELATÓRIO AZUL,
1994).
Em 1995, o segundo Relatório Azul aborda outros temas com relação à infância e
juventude, como a situação da FEBEM/RS, entre motins e espancamentos de adolescentes; o
extermínio de crianças e adolescentes no RS; a redução da idade penal e uma seção destacando
Conselhos Tutelares, denunciando a pressão para instalação do CT em Sapucaia do Sul, onde
existiria ainda (e ilegalmente) um Comissariado de Menores. Como também a prisão arbitrária de
uma conselheira tutelar em Porto Alegre por que essa ‗descumpriu ordem‘ do Ministério Público de
encaminhar adolescente para família, o que seria atribuição da Delegacia de Proteção à Criança e ao
Adolescente e não do CT, já que lá estava em atendimento (Relatório Azul, 1995).
Quanto a FEBEM, no Rio Grande do Sul, houve vários processos de Reordenamento
Institucional, sendo marcantes os ocorridos entre 1991 e 1995, com o desmonte do primeiro grande
abrigo do sistema estadual, o Instituto Infantil Samir Squeff, e a criação das Unidades Residenciais
Transitórias (URTs), casas substitutivas ao grande abrigo/instituto (CARDARELLO, 1998), e o
último, entre 1999 e 2002, que levou à extinção da FEBEM/RS e sua substituição por duas novas
fundações. Em 2002, por decisão unânime dos Conselhos Estaduais de Assistência Social e da
Criança e do Adolescente, assim como da Assembleia Legislativa, foram criadas a Fundação
Estadual de Atendimento Sócio-Educativo (FASE), para atendimento das situações de ato
infracional, e a Fundação de Proteção Especial (FPERGS), com a missão de atender as ações
protetivas, em especial o sistema estadual de abrigagem (MORAES, 2009).
A última FEBEM extinta foi a de São Paulo, em 2006.
Para além destas grandes instituições, restam, para todos/as a demanda de desmontar
a lógica de funcionar construída dentro de nós-sociedade, que muitas vezes é uma lógica ―FEBEM
de agir‖ (prender/punir). Não basta desmontar a estrutura física, é preciso repensar nossas práticas
também a céu aberto ou nas múltiplas instituições substitutivas, que só serão benéficas se
repensadas as práticas que as constituem.
Como parte do processo de reconstrução nacional no pós-ditadura, que vitimou
crianças e adolescentes, sequestradas de seus pais e mães e que tiveram que assistir seções de
tortura, entre outras atrocidades, a última ditadura militar custou ao país milhares de vítimas. Muitas
das quais até hoje não se sabe notícias, e que implicaram, em 2012, na instalação de um órgão
especial somente para analisar o período, a Comissão da Verdade. Essa comissão terá poderes
especiais para fazer levantamentos de documentos oficiais e complementará o trabalho já realizado
pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça. Entre 2001, quando foi criada, até hoje, a
Comissão da Anistia teve
60 mil processos julgados, entre os 70 mil recebidos (...), um terço resultou em
reparação moral às vítimas, com pedido formal de desculpas do Estado. Em outros
20 mil processos, os cidadãos que sofreram não apenas graves violações de direitos
humanos — tortura, execução sumária, massacre, genocídio e desaparecimento
forçado — como também violações do tipo monitoramento ilícito, demissões
arbitrárias, compelimento ao exílio‖ (CORREIO BRASILIENSE, 2012)
Outras feridas do tempo ditatorial
ainda deixam marcas na sociedade atual,
marcando a não participação da cidadania e o
baixo controle social do Estado, formatados em
muitos ‗anos de chumbo‘, de silêncios forçados.
Uma sociedade que ainda estranha o direito de
opinião das crianças e dos pais e mães nas escolas,
que não entende o lugar do Conselho Tutelar
Gravura de Elifas Andreato. Muito utilizada pelos movimentos em defesa dos direitos da criança e do
adolescente, especialmente até o final do século XX.
(SURGIMENTO) enquanto órgão de direitos humanos. Que guarda do período 1964–1985
justificativas para a tortura e a aniquilação da diferença.
Anos 1990 e o novo milênio – direitos humanos, em construção e disputa
Se a década de 1960 viu florescer a esperança nos seus primeiros anos e a dor de
muitos silêncios em seu término a década de 1970 foi cenário de lutas pela redemocratização e por
direitos humanos.
Desde 1985, vivemos o maior período democrático contínuo da história nacional,
mesmo considerando a transição ‗negociada‘ que levou à eleição de Tancredo Neves e José Sarney
pelo Congresso Nacional, contrariando o movimento de milhões de brasileiros/as nas ‗Diretas Já!‘,
cujos processos de garantia de direitos ainda estão em ‗marcha lenta‘, entre as conquistas legais e
sua execução cotidiana. A seguir apresentamos breve inventário de algumas macroviolações de
direitos:
Tema: Aspectos legais - Referenciais Aspectos sociais – Problematização:
Atendimento em saúde mental
& Atendimento a usuários/as de drogas
VER TAMBÉM ANEXO 1:
Informações básicas para CTs
e CMDCAs pensarem a
Saúde Mental nos municípios.
Com fundamento em transtorno em saúde mental, ninguém sofrerá limitação em sua condição de cidadão e sujeito de direitos,
internações de qualquer natureza ou outras formas de privação de liberdade, sem o devido processo legal nos temos do art. 5º, inc. LIV, da
Constituição Federal. (Lei Est. 9.716/92 | Reforma Psiquiátrica)
Direito à proteção as pessoas acometidas de transtorno mental, assegurado sem qualquer
forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política,
nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de
evolução de seu transtorno. (Lei Fed. 10.216/01 | Reforma Psiquiátrica)
Garantir o atendimento especializado a crianças e adolescentes em sofrimento psíquico e
dependência química. Ações programáticas: a) Universalizar o acesso a serviços de saúde
mental para crianças e adolescentes em cidades de grande e médio porte, incluindo a garantia de
retaguarda para as unidades de internação socioeducativa. Recomenda-se aos estados, DF,
municípios e Conselhos dos Direitos a implantação de centros de atenção psicossocial. b) Fortalecer políticas de saúde que contemplem programas de desintoxicação e redução de danos em casos de dependência química. Recomenda-se aos estados, DF, municípios e Conselhos de
Direitos de atenção à saúde a ampliação da cobertura de atendimento aos usuários de drogas
em nível hospitalar e ambulatorial, segundo parâmetros da Reforma Psiquiátrica.
As pessoas, inclusive crianças e adolescentes, devem ser atendidas em serviços abertos, na comunidade (território), deixando a internação hospitalar como recurso extraordinário. “É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares”, ou seja, em manicômios e qualquer outro tipo de serviço em que esteja implícito o rompimento de vínculos. No RS, casos mais graves de crianças e adolescentes dependentes químicos têm poucos lugares de atendimento, normalmente fora das comunidades e cidades. Como o caso narrado na reportagem „Filho da Rua‟, de Zero Hora (17.06.12/Caderno Especial), em que „Felipe‟ circulou entre uma Clínica privada e um Hospital Psiquiátrico, em Porto Alegre, e uma Fazenda Terapêutica, em Sertão Santana. O trabalho em rede, através de ações intersetoriais, articulação com outras áreas de conhecimento e outros serviços, como o ONGs, Conselho Tutelar e escola, no tratamento do/a usuário/a, são práticas previstas no atendimento de saúde pública a crianças, adolescentes e adultos/as . Existem receios quanto à redução de danos para crianças e adolescentes, que, como qualquer diretriz e ação prática, terá que ser aprovada localmente, tendo em vista cada realidade. Mas essa é uma das políticas possíveis e o fundamental é a constituição e capacitação dos serviços e atuação em rede,
(Diretriz 8, Objetivo estratégico V, PNDH-3) escutando-se os/as usuários/as e levando-se em conta suas demandas e de suas famílias e comunidades.
Questões: Que recursos em Saúde Mental existem na sua cidade ou região? Como se dá o vínculo familiar? Havendo recursos de internação, existe exigência de tempo de incomunicabilidade com a família? Existe na cidade algum programa ou ação de redução de danos? Sendo o recurso de atendimento em outro município, existe garantia de acesso de familiares ao menos uma vez por semana (transporte, etc.)?
Convivência Familiar e Comunitária
Ao longo deste Caderno de
Subsídios outras abordagens tratam
do tema.
Constituição Federal (1988, Art. 227).
Estatuto da Criança e do Adolescente (redação original, ampliada em 2009).
Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes
à Convivência Familiar e Comunitária, 2006 (Conselhos Nacionais do Direito da Criança e do
Adolescente e de Assistência Social).
Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (2010).
Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes (CONANDA, 2011).
Há persistência da cultura de segregação de crianças e adolescentes pobres, em especial pela reiterada acusação à família como negligente e maltratante. Situação comprovada pela ampliação da abrigagem no Brasil, que implicou na necessidade de se reiterar leis e normas. Instituições protetivas, por vezes, construtoras de exclusões, desde a escola, baseadas no controle e na vigilância e numa baixa ação articulada a partir da nova doutrina de garantia de direitos e proteção integral. E deficiente implantação da nova estrutura de Assistência Social, prevista no Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Questões: Como está a implantação dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) em sua cidade? E dos Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS)? Existindo o/s serviço/s, há articulação com serviços de acolhimento, com o CT e outros agentes do Sistema de Garantia de Direitos? Existe algum espaço permanente de conversação e pactuações? Há monitoramento e avaliação das ações?
Tema: Aspectos legais - Referenciais Aspectos sociais – Problematização:
Violência de gênero
O Ministério da Saúde conta com
uma cartilha básica sobre
Direitos Sexuais e Direitos
Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. (Art.
1º/Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789)
A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As distinções sociais só podem ser baseadas no interesse comum.
(Art. 1º/Declaração Universal dos Direitos da Mulher e da Cidadã, 1791)
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns
para com os outros em espírito de fraternidade. (Art. 1º/Declaração Universal dos
Direitos Humanos, 1948)
Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as
oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
(Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha)
Garantia do respeito à livre orientação sexual e identidade de gênero. Desenvolver políticas
afirmativas e de promoção de uma cultura de respeito à livre orientação sexual e identidade
de gênero, favorecendo a visibilidade e o reconhecimento social. Ações voltadas ao reconhecimento e garantia de direitos da população de lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais (LGBT), com base na desconstrução da heteronormatividade.
(Diretriz 10, Objetivo estratégico V, PNDH-3)
A violência de gênero tem aumentado no Brasil em número de notificações e presença midiática. O RS é o 18º entre os 26 estados e o DF em homicídio de mulheres, segundo Mapa da Violência 2012. Pesquisa de 2009, desenvolvida (com 2002 entrevistadas) pelo Instituto Avon e IBOPE, revelou que a „Violência doméstica é o tema que mais preocupa mulher brasileira‟: 55% dos entrevistados conhecem casos de agressões a mulheres, 56% apontam a violência doméstica como o problema que mais preocupa as mulheres, 78% afirmam conhecer a Lei Maria da Penha e 44% acreditam que ela já está fazendo efeito. Apenas treze municípios gaúchos contam com uma Delegacia da Mulher. Especificamente para a população LGBT no RS existem apenas dois Centros de Referência em Direitos Humanos de Prevenção e Combate à Homofobia (em Porto Alegre e Tramandaí). Parceria entre a SDH/ PR e organismos governamentais e não governamentais.
A intolerância, o sentimento de posse do/a outro/a, e a heteronormatividade (entendimento de que existe e deve ser seguido o padrão heterossexual) estão presentes na maior parte das agressões e mortes – que unem numa mesma „vulnerabilidade de gênero‟ mulheres heterossexuais e homens e mulheres com outras identidades de gênero. Crianças e adolescentes entram nos processos por conta de vivenciá-los, em casa ou por conhecimento social mais amplo, e precisam de espaços de conversa e escuta para não serem vitimadas ou reproduzirem comportamentos violentos e violentadores.
Reprodutivos. Acesso:
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/ cartilha_direitos_sexuais_2006.pdf.
Além disso, têm direito a orientação quanto ao exercício de suas sexualidades, de acordo com cada fase do desenvolvimento.
Questões: Existe política municipal de direitos sexuais e reprodutivos de crianças e adolescentes em sua cidade? Há orientação nas escolas ou nos serviços de saúde? Como as instituições têm tratado as questões de homofobia?
População negra & População indígena
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Os índios, suas comunidades e
organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e
interesses(...). (Artigos 231 e 232, Constituição Federal)
Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o
Estado emitir-lhes os títulos respectivos. (Art. 68, Constituição Federal)
(PNDH-3, em várias diretrizes)
A violência historicamente tem recaído de forma mais evidente, especialmente no que tange a letalidade, junto à população negra. Segundo o Mapa da Violência 2012, entre 2002 a 2010, o número de pessoas brancas vítimas de homicídios caiu de 18.852 para 13.668, o que representa uma queda da ordem de 27,5%. Já entre os negros, o número de vítimas de homicídio aumentou de 26.952 para 33.264, equivalente a um crescimento de 23,4%. Em 2010, um novo patamar preocupante: morrem no Brasil proporcionalmente 139% mais negros que brancos, isto é, bem acima do dobro. As leis 10.639/2003 e 11.645/2008 determinam o ensino da história e cultura negra e indígena em escolas.
Questões: Quais são os índices de violência no seu município? Existem comunidades indígenas ou quilombolas? Em existindo, que ações existem lá? Como o CT age nos atendimentos? Como está o ensino da cultura e história negra e indígena nas escolas?
Proteção a pessoas ameaçadas:
- Defensores/as de Direitos Humanos
- Crianças e adolescentes ameaçados de morte - Testemunhas
Declaração dos Direitos e Responsabilidades dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da Sociedade para Promover e Proteger os Direitos Humanos
e Liberdades Individuais Universalmente Reconhecidos. (Resolução 53/144/ONU, 1998)
As medidas de proteção requeridas por vítimas ou por testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em
razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal serão prestadas pela União,
pelos Estados e pelo Distrito Federal, no âmbito das respectivas competências, na forma de programas especiais organizados com base
nas disposições desta Lei. (Lei n.º 9.807/99)
Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM)
(SDH/PR, 2003)
Política Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (Dec. 6.044/07)
Garantia dos direitos das vítimas de crimes e de proteção das pessoas ameaçadas.
(Diretriz 15, PNDH-3)
Sobre a proteção de defensores de direitos humanos: Sindicalistas, religiosos/as, advogados/as, conselheiros/as tutelares e militantes de organizações populares variadas têm em comum, no exercício de suas atribuições de consciência ou legais, a possibilidade de represálias. Desde perseguições e calúnias até a ameaça de morte e o próprio assassinato. Milhares de pessoas já foram mortas no Brasil atuando na defesa de causas variadas. Quanto à proteção de crianças e adolescentes, em âmbito nacional: “No ano de 2010, por exemplo, atendeu 1.390 pessoas, sendo 514 crianças e adolescentes e 876 familiares. A identificação da ameaça e a inclusão no PPCAAM é realizada por meio do Poder Judiciário, dos Conselhos Tutelares e do Ministério Público, caracterizados como „Portas de Entrada‟, sendo estas instituições também responsáveis pela fiscalização e aplicação da garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes.”. Mais informações: http://www.sedh.gov.br/spdca/ppcaam/. O Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas é composto pelo Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, gerenciado pela Secretaria dos Direitos Humanos, e pelos programas estaduais de proteção. Apenas o RS e mais nove estados integram o sistema. No estado existe o Programa Estadual de Proteção, Auxílio e Assistência a Testemunhas Ameaçadas (Protege), vinculado à SJDH, Departamento de Justiça.
Questões: Você já foi ameaçado/a no exercício de sua função? Conhece alguém que foi e o que aconteceu após a ameaça? Sabe se alguma pessoa/família é atendida por algum programa de proteção na sua cidade? Já recorreu a alguma dessas estruturas protetivas no seu município e em nível estadual, federal? Que ações têm ou pode ter o Conselho Tutelar ou o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente em situações como essa?
Algumas questões para seguir refletindo
Em setembro de 2011, no Seminário Sociologia & Política, na UFPR, o presidente do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), economista Marcio Pochmann, disse que os
―brasileiros pobres que estudam e trabalham são verdadeiros heróis. Submetem-se a uma jornada de
até 16 horas diárias, oito de trabalho, quatro de estudo e outras quatro de deslocamento. Isso é mais
do que os operários no século XIX‖. Assim, não bastam vagas, programas e serviços. Nos
municípios, nos estados e em nível nacional, precisa-se pensar sobre as políticas públicas e para o
que e quem servem. Jovens nessas condições, em boa parte, abandonam a escola, voltando (e
quando voltam) anos mais tarde por necessidade de novas oportunidades ou apenas porque sua
empresa exige com o fim de conquistar algum certificado de qualidade empresarial.
Meninos e meninas de uma mesma geração, adolescentes de classe média e alta e
filhos/as de trabalhadores/as tem, em regra, lugares diferentes no mercado de trabalho e na
sociedade em geral, não por uma questão de merecimento (como defendem muitos/as pessoas), mas
porque suas situações de origem, de classe, são muito desiguais.
As desigualdades referidas produzem drásticos e retroalimentados ciclos de exclusão
social. Estas produções têm sido analisadas, na maioria das vezes apenas quando a expressão destes
processos podem ser visualizadas como violência, uma violência que atinge a todos/as e não só as
populações mais empobrecidas . E facilmente caímos em discursos reducionistas, que relacionam
violência com pobreza, desconsiderando as várias maneiras como se explicita a violência.
Tomando a modernidade como um tempo de produções sociais marcadas pelo culto
ao corpo saudável, belo e funcional, tendo por trás a insuportabilidade à finitude, à impotência,
onde o envelhecimento precisa ser superado, um tempo de voraz produção de consumo, de descarte
de produtos e corpos, pensemos como se alocam os sujeitos tendo tão desiguais possibilidades de
lidar com isto que está colocado.
O consumo de corpos, corpos jovens, que se dão a ver por suas formas construídas,
retalhadas até darem conta de um ideal de beleza e consumo, diz de uma época e lugar que, com
seus regimes de verdade, produz gente e coisas para serem consumidos/as. A apologia do corpo
sarado, a era das academias, drogas que modelam o corpo, cirurgias plásticas, lipoaspiração, um
ideário que invade casas, ruas, mentes, determinando comportamentos e produzindo mercado que
forneça a alavanca para os corpos desejados.
Pensando que ter e consumir produzem lugares de reconhecimento positivo, como
5 Morte Civil é um conceito utilizado por Erving Goffman, no livro „Manicômios, Prisões e Conventos‟ (1961), onde analisa a mortificação das pessoas submetidas as instituições totais. E também por Herbert Daniel, no artigo „Anotações à margem do viver com AIDS‟ (1991), no qual denuncia o que chama de ditadura terapêutica, onde “a morte civil é a pior doença gerada pela epidemia insuflada pela epidemia do HIV”. Textos de Daniel disponíveis em: http://reocities.com/Athens/acropolis/7051/leia.html#4.
ficam os/as que não alcançam responder a esta demanda satisfatoriamente, por exemplo.
Inclui-se nesta discussão a erotização dos corpos infantis que depois se mostram nas
estatísticas de pedofilia, usos e abusos na internet de corpos de crianças, traduzidos em imagens que
nos causam horror, mas que precisam ser percebidos em sua gênese social, quando está naturalizado
que crianças cantem músicas com conteúdos detalhando um exercício de sexualidade com requintes
de violência, muitas vezes. Ou, que crianças desde cedo modelem seus corpos para realizar o sonho
de ser modelo, em performances de adultez discrepantes com a idade cronológica e emocional. São
estes, alguns exemplos para se pensar onde são gestadas práticas que num desencadear de processos
acabam fomentando produções de violência. A violência não é uma produção meramente individual
e nem tampouco localizada isoladamente.
Aí, a análise simplista que liga pobreza e violência não dá conta de localizar o foco
da violência com tal, tendo em vista que esta é tecida em toda a sociedade.
É importante visualizar a produção social, onde cada um/a de nós está implicado/a
intensamente, destas construções. Sob pena de ficarmos restritos as explicações reducionistas de
que jovens, negros/as e pobres, são sempre os/as ―matadores/as‖ possíveis, e, mais, de que o tráfico
de drogas envolve apenas o/a traficante e os/as meninos/as das favelas, como nos apresenta
comumente a mídia, sem perguntar sobre quem ganha com isto e quem consome e alimenta esta
cadeia.
Os/as conselheiros/as tutelares e de direito da criança e do adolescente são agentes
que necessariamente precisam dirigir seus olhares para questões como estas e compreender estas
produções sociais mais amplas. Isto para que em suas ações possam envolver os/as vários/as
agentes produtores/as destas construções, problematizando a naturalização destas. Como, por
exemplo, a construção social da ausência paterna. Do homem que não tem licença para acompanhar
pré-natal, que tem licença paternidade de cinco dias, que muito dificilmente pode conseguir
autorização do local de trabalho para uma reunião na escola, para uma consulta de saúde, etc. Sem
falar do homem afastado dos cuidados iniciais do/a recém-nascido/a porque ‗não tem jeito‘, ‗não
sabe pegar/segurar‘, etc. Do menino que não chora, que é forte, corajoso, que ‗não leva desaforo
para casa‘, pois ‗se apanhar na rua, vai apanhar mais em casa para aprender a ser macho‘.
Construção de um ser humano homem que não
pode expor sentimentos e que, ao mesmo tempo, deve ser
violento. Que, depois, mata e morre, muito mais precocemente
que a mulher, tendo tal questão já se convertido em dado
demográfico no Brasil. Uma situação que preocupa pelo
crescimento da violência letal em nosso país, onde, segundo o Mapa da Violência (2012) ―nos
últimos dados disponíveis, correspondentes a 2010, dos 49.932 homicídios registrados pelo SIM,
45.617 pertenciam ao sexo masculino (91,4%) e 4.273 ao feminino (8,6%). E, historicamente, essas
proporções não mudam praticamente de um ano para outro‖.
Essas taxas de homicídios enormemente díspares entre ambos os sexos está
originando um forte desequilíbrio demográfico na distribuição por sexos da
população, principalmente a partir dos 20 anos de idade. Só por homicídios,
sem contar ainda acidentes de transporte, que serão vistos mais adiante,
temos, anualmente, a perda de um contingente de quase 40 mil homens, o
que desequilibra a composição sexual da população adulta, como ficou
evidente nas diversas pesquisas divulgados pelo IBGE. (MAPA DA
VIOLÊNCIA, 2012)
Por outro lado, a construção social da mãe-super-capaz, que tudo pode e tudo faz
pelos/as filhos/as, valorando positivamente uma carga, muitas vezes, bastante pesada de dupla ou
tripla jornada em nome do ideal de maternidade também pode ser potencial causadora de muitas
‗mortes civis‘5. Visto que esse ideal é tantas vezes reavaliado aos 50 anos quando de separações
conjugais e da situação dos/as filhos/as adultos/as e ausentes. E que, ao mesmo tempo, recoloca o
homem no lugar da figura pública, do que tem tempo para a política comunitária, de Estado, etc.
Processos de construção de identidade de gênero que começam na família e são
reforçados na escola e na vida em comunidade, que vão modelando um jeito determinado e
permitido de se ser mulher e de se ser homem. Um jeito que não pode ser contradito, pois não é
mais jeito e sim ‗o certo‘, ‗o natural‘, etc. Determinações que, especialmente na adolescência, estão
na contramão de vivências e experimentações de muitas meninas e meninos, por vezes
discriminados, se mais sensíveis e menos violentos, e discriminadas, se mais violentas e menos
carinhosas. E o que se diz nessas situações, a partir da fala de autoridade que tem um/a
conselheiro/a tutelar, pode contribuir para a superação de violações ou as afirmar, culpabilizando
sujeitos de direito por seus comportamentos ‗não convencionais‘.
As violações de direitos humanos e sua superação acompanham a história da
humanidade; superação que pode ser construída pelo conhecimento a respeito de nossa história e
pela atitude que tomamos ou deixamos de tomar em relação a isso. E tal situação importa a
conselheiros/as tutelares e de direitos da criança e do adolescente na medida em que a violação de
direitos se dá em todos os segmentos etários, inclusive na infância e na adolescência, desde os
países centrais ‗desenvolvidos‘ até países como o Brasil.
A tortura é comum em nosso país desde sempre. Essa prática nefanda,
verdadeira herança maldita, trazida pelos portugueses ―educados‖ nos
métodos da dita sagrada Inquisição, permanece até hoje, passando por
Colônia, Império, Independência, República, ditaduras e imperfeitos
Estados de Direito, com governos de todos os tipos. Os indígenas, os
hereges ou infiéis, os negros escravos e descendentes, os ―vadios‖, os
marginais de toda sorte, os internos nos manicômios, os ―subversivos‖ e
opositores políticos, os presos ditos ―comuns‖, os pobres em geral, os não
cidadãos... todos potencialmente vítimas dos abusos e da violência
extremada. Para punir, disciplinar e purificar (sic), arrancar confissões e
informações, intimidar, ―dar o exemplo‖, vingar, derrotar física e
moralmente o suposto inimigo ou, simplesmente, o indesejável. (SOARES,
2010)
As múltiplas violações de direitos ao longo da história apontam para uma potente
construção social dos mesmos. Ou seja, não são ações individuais. A sociedade, composta por
homens e mulheres, instituições e diferentes aparatos de estado, produzem e reproduzem os
discursos que fixam os sujeitos em identidades que vão determinar lugares sociais diferenciados.
Identidades de gênero, raciais, etárias, de classe, de doentes, que dizem de pesos e medidas sociais
bastante diferentes. Medidas e pesos que constroem conceitos em que ricos/as valem mais do que
pobres, negros/as menos do que brancos/as, velhos/as menos do que jovens, homens mais do que
mulheres. Medidas que, mesmo construídas socialmente, muitas vezes se travestem de traços de
natureza, biológicos, como se maternidade fosse sinônimo de mulher, transgressão de juventude,
ignorância fosse sinônimo de infância, e assim por diante.
Indicadores sociais como mercado de trabalho, faixas salariais, acesso ao ensino
superior, por exemplo, mostram como estes lugares sociais, estas identidades socialmente
construídas, funcionam também como agentes de exclusão, de valoração social. Crianças e
adolescentes, por sua situação de pessoas em desenvolvimento, são direta ou indiretamente
construídas/atingidas por esta lógica de ‗mercado de gentes‘.
Como construções sociais potentes, as construções sociais de exclusão e violências
de todo tipo são passíveis de mudança pela ação também potente de todas as pessoas que se opõe a
elas.
A partir da perspectiva histórica e legal aqui apresentada, conselheiros/as de direitos
da criança e do adolescente e conselheiros/as tutelares, são – antes de mais nada – defensores/as dos
direitos humanos de crianças e adolescentes. Defensores/as que, desejando, integram-se a todas as
redes de defensores/as de direitos humanos, pois "as pessoas e os grupos sociais tem o direito a ser
iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os
descaracteriza" (SANTOS, 1997).
Este é um convite aos/às conselheiros/as tutelares e de direitos a afinarem a escuta e
alargarem seus olhares em relação à enorme quantidade de fios que se entrelaçam para tecer o
bordado da vida coletiva, e alertar para a importância de sensibilizar estes sentidos, pois estes
também são construções sociais.
Olhar e escuta são ferramentas de trabalho estratégicas e centrais para o trabalho de
conselheiros/as tutelares quando do atendimento. Pois lidam com histórias de vida e seus
desdobramentos (Tinoco, 2006).
A escuta pressupõe que por trás de cada palavra há uma história singular de
vida carregada de significados. Escutar, diferente de ouvir é a possibilidade
d
e
p
e
r
c
e
ber o que há para além das palavras, do que é dito e a partir de onda fala
cada pessoa, pois é esta percepção que permite singularizar histórias de
vida, significados e projeto de vida em jogo. O que se escuta das palavras e
as palavras que se diz não são elementos menores quando o que está em
questão é um processo de trabalho que visa intervir na vida das pessoas.
Não se trata, portanto de um agir uniforme como um roteiro mecânico a ser
seguido indistintamente, senão uma abertura, disponibilidade pessoal para a
tarefa. (TINOCO, 2006)
Aprendemos a ver as coisas como nos ensinam que elas são e a ouvir com ouvidos
preparados a ouvir a partir de uma moral dominante. É extremamente difícil o exercício de
deseducar os olhares e ouvidos e ouvir de outros jeitos e enxergar outras cores. Fica o convite
reiterado a construirmos juntos/as estes olhares/lugares.
AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Na tentativa de contribuir com o entendimento sobre políticas públicas, cabe salientar, que
estas surgem a partir das mudanças sociais, ‗políticas sociais‘, de atitudes complexas que têm a
expectativa de constituir de maneira firme, uma condição de apoio, suporte e proteção social, após a
Constituição Federal de 1988. São diversas as definições de políticas sociais, mas segundo conclui
Coimbra, 1987:
Diante da complexidade, nosso objetivo não é definir conceitos de políticas sociais, e sim,
[...] sequer uma definição adequada do que é política social existe nas principais
abordagens [...], todas as abordagens teóricas ao estudo da política social, por mais
diferentes que sejam umas das outras, se igualam na adoção de definições puramente
somatórias, pobres teoricamente e muito insatisfatórias Metodologicamente”. (citado
por Jorge Abrahão de Castro... UNESCO, 2009. Pg. 88).]
assinalar a importância dela na constituição, nas alterações das políticas públicas no Brasil e no
Sistema de Garantia de Direitos.
Sobre políticas públicas, podemos entender como um conjunto de decisões públicas de
caráter soberano da autoridade do poder público, na tentativa de satisfazer as demandas que lhes são
dirigidas pelos autores sociais ou formuladas pelos próprios agentes do sistema público ou seus
apoiadores, (Maria das Graças Rua), “Análise de Políticas Públicas: Conceitos Básicos”. Já Celine
resume política pública como, “o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o
governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor
mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas
públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e
plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo
real”. (Políticas Públicas: uma revisão da literatura. CELINA SOUZA, 2003)*
Segundo, Manual do Sebrae/MG, 2008, ―Políticas Públicas são um conjunto de ações e decisões do
governo, voltadas para a solução (ou não) de problemas da sociedade.”
Dito de outra maneira, as Políticas Públicas são a totalidade de ações, metas e planos que os
governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o
interesse público. É certo que as ações que os dirigentes públicos (os governantes ou os tomadores
de decisões) selecionam (suas prioridades) são aquelas que eles entendem serem as demandas ou
expectativas da sociedade. Ou seja, o bem-estar da sociedade é sempre definido pelo governo e não
pela sociedade.
Na intenção de uma compreensão mais didática, estarão em destaque no quadro abaixo
legislações sancionadas após grandes e admiráveis tensionamentos de grupos organizados com o
Estado. Podemos dizer que foram as políticas sociais que contribuíram para reconhecimento dos
direitos da sociedade, através da normatização de políticas públicas a seguir:
ECA
LEI Nº 8.069, DE 13 DE
JULHO DE 1990
Dispõe sobre o Estatuto da Criança e
do Adolescente e dá outras
providências
Art. 1º “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à
criança e ao adolescente”.
SUS
LEI Nº 8.080, DE 19 DE
SETEMBRO DE 1990
Dispõe sobre as condições para a
promoção, proteção e recuperação da
saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços
correspondentes e dá outras
providências
Art. 1º “Esta lei regula, em todo o território nacional,
as ações e serviços de saúde, executados isolada ou
conjuntamente, em caráter permanente ou eventual,
por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou
privado”.
LOAS
LEI Nº 8.742, DE 7 DE
DEZEMBRO DE 1993
SUAS
LEI Nº 12.435, DE 6 DE
JULHO DE 2011
Dispõe sobre a organização da
Assistência Social e dá outras
providências;
Altera a Lei no 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, que dispõe sobre
a organização da Assistência Social
Art. 1º “A assistência social, direito do cidadão e
dever do Estado, é Política de Seguridade Social não
contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada
através de um conjunto integrado de ações de
iniciativa pública e da sociedade, para garantir o
atendimento às necessidades básicas”.
Art. 1o Os arts. 2
o, 3
o, 6
o, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 20,
21, 22, 23, 24, 28 e 36 da Lei no 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, passam a vigorar com a seguinte
redação.
LDB
LEI Nº 9.394, DE 20 DE
DEZEMBRO DE 1996
Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional,
Art. 1º “A educação abrange os processos formativos
que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais”.
CLT
DECRETO - LEI N.º 5.452,
DE 1º DE MAIO DE 1943 -
Aprova a Consolidação das Leis do
Trabalho
Art. 1º “Fica aprovada a Consolidação das Leis do
Trabalho, que a este decreto-lei acompanha, com as
alterações por ela introduzidas na legislação vigente”.
PRONASCI
LEI Nº 11.530, DE 24 DE
OUTUBRO DE 2007
- Institui o Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania -
PRONASCI e dá outras providências
Art. 1o “Fica instituído o Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania - PRONASCI, a ser
executado pela União, por meio da articulação dos
órgãos federais, em regime de cooperação com
Estados, Distrito Federal e Municípios e com a
participação das famílias e da comunidade, mediante
programas, projetos e ações de assistência técnica e
financeira e mobilização social, visando à melhoria da
segurança pública”.
PNDH3
DECRETO Nº 7.037, DE 21
DE DEZEMBRO DE 2009
Aprova o Programa Nacional de
Direitos Humanos - PNDH-3 e dá
outras providências,
Art. 1o “Fica aprovado o Programa Nacional de
Direitos Humanos - PNDH-3, em consonância com as
diretrizes, objetivos estratégicos e ações
programáticas estabelecidos, na forma do Anexo deste
Decreto”.
ADOÇÃO E
CONVIVÊNCIA
FAMILIAR
LEI Nº 12.010, DE 3 DE
AGOSTO DE 2009
Dispõe sobre adoção; altera as Leis
nos
8.069, de 13 de julho de 1990 -
Estatuto da Criança e do
Adolescente, 8.560, de 29 de
dezembro de 1992; revoga
dispositivos da Lei no 10.406, de 10
de janeiro de 2002 - Código Civil, e
da Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT, aprovada pelo
Decreto-Lei no 5.452, de 1
o de maio
de 1943;
Art. 1o ―Esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da
sistemática prevista para garantia do direito à
convivência familiar a todas as crianças e
adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de
13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do
Adolescente‖.
SINASE
LEI Nº 12.594, DE 18 DE
JANEIRO DE 2012
―Institui o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo
(Sinase), regulamenta a execução
das medidas socioeducativas
destinadas a adolescente que
pratique ato infracional; e altera as
Leis nos
8.069, de 13 de julho de
1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente); 7.560, de 19 de
dezembro de 1986, 7.998, de 11 de
janeiro de 1990, 5.537
―Art. 1o Esta Lei institui o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (Sinase) e regulamenta a
execução das medidas destinadas a adolescente que
pratique ato infracional”.
Na CLT- DECRETO - LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943, houve poucas alterações
após a constituição de 1988, mas tendo algumas específicas na área das Crianças e adolescentes,
sendo uma delas, a portaria de 2002, citada no quadro ao lado.
Assim, é importante salientar, diante da experiência hoje adquirida, que a maioria dos
conselheiros Tutelares e de Direitos do RS tem como base de trabalho e conhecimento apenas a Lei
Federal 8.069, Estatuto da Criança e do Adolescente, dentre estas todas apresentadas até aqui. Não
utilizando assim todos os recursos possíveis e disponíveis na legislação, que podem corroborar na
busca da efetivação da Proteção Integral e do Sistema de Garantias de Direitos de crianças e
adolescentes.
Mas o desafio está lançado e pode-se afirmar, se você conselheiro, se apropriar destas leis,
além do ECA, estará mais respaldado e apto para participar e defender tensionamentos na
efetivação da Proteção Integral e do Sistema de Garantias de Direitos de crianças e adolescentes, e
se manifestar nas discussões de movimentos contrários a essa política no RS ou no Brasil.
Conforme exemplos abaixo:
―PORTARIA N.° 20, DE 13 DE
SETEMBRO DE 2001, DA
SECRETÁRIA DE INSPEÇÃO DO
TRABALHO e o DIRETOR DO
DEPARTAMENTO DE
SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO, no inciso I do artigo 405
da Consolidação das Leis do Trabalho–
CLT, que resolvem no Art. 1º Fica
proibido o trabalho do menor de 18 (dezoito) anos nas atividades constantes
do Anexo I‖. Neste anexo consta uma
lista extensa de locais e serviços que
impossibilitam o trabalho ao
adolescente entre 16 e 18 anos.
“Discussão sobre a maioridade
penal”; “Discussão sobre a
maioridade penal”
“Atendimento de crianças e
adolescentes na rede SUS E
SUAS
Http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fich
aTecnicaAula.html?aula=1505
AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS
Ampliando o conhecimento das políticas públicas no
caso da criança e do adolescente, a opção pelo ECA é direta e
imediata, pois se trata de um referencial pactuado embora
tenha sido muitas vezes refutado e seja de difícil
aplicabilidade numa sociedade cheia de problemas e de
contradições, o Estatuto vem resistindo às diferentes
agressões de alguns segmentos conservadores que não
consideram a criança e o adolescente como sujeitos de direitos.
O ECA é um instrumento conquistado em parceria com a sociedade civil organizada e
constitui-se ainda como legislação de vanguarda e, em muitos pontos, vem à frente da sociedade,
desvendando caminhos, apontando rumos, criando condições para uma cultura de proteção, defesa
e garantia de direitos das crianças e dos adolescentes brasileiros.
Abordando o ECA, sabemos que não esgotaremos as muitas possibilidades do imenso
alcance social, mas destacaremos alguns se seus artigos que interagem com as políticas municipais
da criança e do adolescente, assinalando aquelas que foram e os que não foram contempladas por
elas.
O primeiro artigo do ECA define que toda criança e adolescente tem direito a proteção
integral, passando a ser sujeitos de direitos, cuja garantia é de responsabilidade da família, da
sociedade e do Estado. Essa doutrina de proteção integral representa o rompimento com o enfoque
do Código de Menores de 1979, que incluía a pobreza como fator determinante de situações
irregulares.
Mudado o enfoque do código de Menores, o ECA elege como primeiro eixo para sua
implementação o estabelecimento de políticas sociais básicas consistentes, que venham a preencher
as necessidades essenciais de saúde, educação, cultura, alimentação, esporte, lazer e
profissionalização, consideradas como direitos de todas as crianças e adolescentes. O Estatuto
Crianças
e
Adolescentes
Atendimento de adolescente em
Medida Socioeducativa
“Efetivação da Lei da Adoção e da
Convivência Familiar”
logo_pnh_versao_oficial.jpg.
portal.saude.gov.br
determina que tais políticas públicas, cuja implementação cabe ao Estado, sejam destinadas a todas
as crianças e adolescentes, independentemente de sua
condição e respeitada a sua condição peculiar como
pessoa em desenvolvimento.
Na intenção de mobilizar a participação da
sociedade civil nesse processo, e garantir assim o
estabelecimento de políticas sociais básicas consistentes
e o acesso aos serviços o ECA (art. 131) estabelece a
criação de um órgão que, juntamente com o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Justiça da
Infância e da Juventude, tem por responsabilidade a defesa e a
garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes: o Conselho
Tutelar.
Nos seus princípios o ECA vai além, pois no Título II, Dos
Direitos Fundamentais - Capítulo I – Do Direito à Vida e à Saúde,
na garantia dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, ele
infere, determina e compromete as demais instâncias das políticas
públicas. Nos artigos 7º ao 14, o ECA, através da política do SUS,
sendo esta a diretriz da saúde pública brasileira, busca assegurar e
garantir o atendimento da saúde da criança e adolescente. Neste
capítulo, especificamente, o Estatuto prevê a garantia da promoção da saúde, do atendimento e da
prevenção dos riscos inerentes à saúde, ao desenvolvimento, à vida de crianças e adolescentes,
prevendo também a garantia do atendimento a gestante, a gestante adolescente e a saúde da família.
Referente à garantia da saúde, podemos salientar no Estatuto outros artigos que contribuem
diretamente para o cumprimento de tais normativas. No capítulo II, artigo 136, temos as atribuições
dos conselheiros tutelares, podendo estes requisitar serviços públicos nas áreas de Saúde, Educação
e Serviço Social, entre outras. No artigo 208 está previsto entre outras, a assistência à saúde para o
educando em ensino fundamental. No Título VII, Capítulo I, Seção II – Dos Crimes em Espécie, do
Estatuto, está definida a punição para as pessoas relacionadas à gestão e atendimento a saúde de
gestante e a criança recém-nascida, conforme consta no artigo 228, 229 e artigo 258-B. No capítulo
II - Das Infrações Administrativas, do Título VII, consta pena se “Deixar o médico, professor ou
responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche,
de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita
ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente”. (Art.245). Entendemos que só o
fato de constar especificamente no Estatuto, artigos referenciados a área da saúde, não é sinônimo
O Estatuto determina que em cada
município haverá, no mínimo, um
Conselho Tutelar composto de cinco
membros, escolhidos pela comunidade
local para mandato de três anos, permitida
uma recondução (Art. 132).
Símbolo utilizado para marcar a luta pela
erradicação do trabalho infantil - foi escolhido
para a Caravana Nacional pela Erradicação do
Trabalho Infantil. http://www.fnpeti.org.br
de garantia efetiva de não violação de direitos de crianças e adolescente nos municípios.
Mais recente do que o ECA e o SUS estão as politicas do (LOAS) e (SUAS), conforme já
visto no quadro acima. O SUAS amplia o papel de regulamentar e integrar o conceito de seguridade
social, pois reconhece no artigo 6º que, ―A gestão das ações na área de assistência social fica
organizada sob a forma de sistema descentralizado e participativo, denominado Sistema Único de
Assistência Social definindo os objetivos à quem dela necessitar.
Com a implementação do SUAS, diversas e importantes ações foram evidenciadas na
tentativa de reconhecer, atender, combater, prevenir, evitar a miséria, a violência e demais situações
de vulnerabilidades ou risco social e pessoal de diferentes demandas da nossa sociedade, conforme
exposto no artigo 6º §1º” As ações ofertadas no âmbito do SUAS têm por objetivo a proteção à
família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice e, como base de organização, o
território”.
A partir do SUAS, a assistência social elenca dois tipos de proteção:
É possível salientar ainda no SUAS, alguns dos objetivos do
Atendimento Especializado a Família e ao Indivíduo, entre eles o
apoio, a orientação e o acompanhamento destes em situação de
ameaça ou violação de direitos, de forma articulada com as demais
políticas públicas e órgãos do Sistema de Garantia de Direitos.
Podemos destacar no SUAS, a lógica de Sistema de garantia de
I - Proteção Social Básica: conjunto de
serviços, programas, projetos e benefícios da
assistência social que visa a prevenir situações
de vulnerabilidade e risco social por meio do
desenvolvimento de potencialidades e
aquisições e do fortalecimento de vínculos
familiares e comunitários. As pessoas carecidas
da proteção básica estarão habilitadas para
atendimento no Centro de Referência de
Assistência Social (CRAS), sendo este uma
unidade pública municipal, de base territorial,
localizada em áreas com maiores índices de
vulnerabilidade e risco social, destinada à
articulação dos serviços socioassistenciais no
seu território de abrangência e à prestação de
serviços, programas e projetos
socioassistenciais de proteção social básica às
famílias. (Lei 12.435/11)
II - Proteção Social Especial: conjunto de
serviços, programas e projetos que tem por
objetivo contribuir para a reconstrução de
vínculos familiares e comunitários, a defesa de
direito, o fortalecimento das potencialidades e
aquisições e a proteção de famílias e
indivíduos para o enfrentamento das situações
de violação de direitos. Neste sistema de
proteção as pessoas dela necessitarem estarão
habilitadas para atendimento no CREAS,
unidade pública de abrangência e gestão
municipal, estadual ou regional, destinada à
prestação de serviços a indivíduos e famílias
que se encontram em situação de risco pessoal
ou social, por violação de direitos ou
contingência, que demandam intervenções
especializadas da proteção social especial. (Lei
12.435/11).
Direitos
da
criança e adolescentes prevista no Estatuto da criança e
adolescente, através do Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (PETI), e para além o SUAS, a Lei da adoção 12.010/2009,
entre outras.
Em consonância com o Sistema de Garantia de Direitos, a Lei
nº 9.394 de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
estabelece normas que contribuem desde a educação infantil até a
educação superior, compromissos com o acesso de todos e com a
permanência dos alunos nas escolas e, ainda, com a educação
pública democrática e universal, conforme já visto no seu artigo
primeiro.
As crianças e adolescentes tem afirmado, no Título III da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, em 1996, o direito a Educação, direito este que já estava previsto desde 1990,
no artigo 4º no Estatuto da Criança e do Adolescente. Através de uma leitura mais detalhada do
Título III, posso sugerir que outras diretrizes do Estatuto da criança e do adolescente estão
integrados no artigo 4º da LDB.
Conforme consta no Art. 4º “O dever do Estado com
educação escolar pública será efetivado mediante a
garantia de”: e seus Itens: ―I - ensino fundamental,
obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não
tiveram acesso na idade própria; II - universalização do
ensino médio gratuito; (Redação dada pela Lei nº 12.061, de
2009); III - atendimento educacional especializado gratuito
aos educandos com necessidades especiais,
preferencialmente na rede regular de ensino; IV -
atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças
de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais
elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do
educando; VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e
modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem
Para Reflexão: A política apresentada (SUAS), já faz parte do seu município?
Em que ano foi implantada?
Na sua rotina de atendimento você identifica e acessa o CRAS E CREAS como
referencia de Proteção de Direitos conforme visto no módulo?
O ProInfância é um programa de
assistência financeira ao Distrito
Federal e aos municípios para a
construção, reforma e aquisição de
equipamentos e mobiliário para
creches e pré-escolas públicas da
educação infantil. O objetivo é
garantir o acesso de crianças a
creches e escolas de educação
infantil públicas, especialmente em
regiões metropolitanas, onde são
registrados os maiores índices de
população nesta faixa etária.
http://portal.mec.gov.br
Caminho da Escola —
Lançado em 2007, o programa
faz parte das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE) do Ministério da
Educação. Ele prevê o
atendimento de 8,4 milhões de estudantes da educação básica
pública que moram em áreas
rurais, permitindo a renovação
da frota, para oferecer maior segurança ao transporte dos
estudantes.
http://portal.mec.gov.br
trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; VIII - atendimento ao educando, no
ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar,
transporte, alimentação e assistência à saúde; IX - padrões mínimos de qualidade de ensino,
definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao
desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.
Ainda compondo as políticas sociais e públicas, saliento de forma resumida, que o atual
sistema de proteção social brasileiro, está evidenciado nos Planos Nacionais de Desenvolvimento
Social - PNDS, entre os quais, podemos destacar o: Plano Nacional de Segurança Pública, Plano
Nacional de Saúde –PNS; Plano Nacional de Educação – PNE; Política Nacional de Assistência
Social – PNAS; Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH; Plano Nacional de Políticas
para as Mulheres, Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. Plano Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional: 2012/2015. 2011; Plano Nacional de Enfrentamento da
Violência Sexual Infanto - Juvenil, SEDH/DCA, 2002; Plano Nacional de Habitação, 2010; Plano
Nacional pela Primeira Infância, 2010; PLANO NACIONAL DE PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E
DEFESA DO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E
COMUNITÁRIA, 2010; Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB, 2007, entre outros.
VI – A rede no Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente
Muito se fala em Sistema de Garantia de Direitos, a partir do Estatuto, entre as
instituições e pessoas que lidam cotidianamente com o campo dos direitos da criança e do
adolescente no Brasil. Para Brancher (2000):
Quando se fala em ―Sistema de Garantia de Direitos‖, melhor se ter em
mente a compreensão teórica, abstrata e estática do conjunto de serviços de
atendimento previstos idealmente em lei, enquanto a expressão ―Rede de
Proteção‖ expressa esse mesmo sistema concretizando-se dinamicamente,
na prática, por meio de um conjunto de organizações interconectadas no
momento da prestação de serviços.
Apesar da construção de rede de Branquer ser bastante interessante e bem vinda,
necessitava-se regulamentar o sistema, visto que não se apresenta no Estatuto com esse nome. Por
isso em 2006 o CONANDA o normatizou, por intermédio de duas resoluções, 113 e 117, buscando
institucionalizar o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) que,
diferente de outros expressamente contidos na legislação que os criou (como o SUS e o SUAS), não
está assim nominado no Estatuto. No artigo primeiro foi estabelecida a definição ampla e precisa do
que vem a ser o SGDCA:
19 Site da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. (Acesso em 20/04/2012): http://www.sedh.gov.br/clientes/sedh/sedh/spdca/sgd.
Desenho livre de Murilo Digiácomo, que propõe uma visualização do sistema em sua integralidade.
...constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas
governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos
normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e
controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente,
nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal. Esse Sistema articular-
se-á com todos os sistemas nacionais de operacionalização de políticas
públicas, especialmente nas áreas da saúde, educação, assistência social,
trabalho, segurança pública, planejamento, orçamentária, relações exteriores
e promoção da igualdade e valorização da diversidade. (CONANDA, Res.
113/06)
Conforme a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o SGDCA
―na prática, não está integralmente institucionalizado e vem trabalhando de forma desarticulada,
com problemas na qualificação de seus operadores e isto causa
prejuízo na implementação de políticas públicas que garantam os
direitos assegurados pela legislação em vigor.‖19
E essa avaliação, embora realmente retrate o que
encontramos em todo o país, diferindo apenas a ênfase ou excetuando-se alguma cidade ou região
(o que confirma a regra), precisa ser encarada como um desafio a todas as instituições que
compõem o sistema. Inclusive CMDCAs e CTs.
O
SGDCA,
institucio
nalizado
pelo
CONAN
DA, que
lhe deu
forma
unificand
o outras
construçõ
es
existentes
,
estabelece o sistema garantista para a infância a partir de três grandes eixos:
Defesa dos Direitos Humanos: os órgãos públicos judiciais; ministério público,
especialmente as promotorias de justiça, as procuradorias gerais de justiça; defensorias
públicas; advocacia geral da união e as procuradorias gerais dos estados; polícias;
conselhos tutelares; ouvidorias e entidades de defesa de direitos humanos incumbidas de
prestar proteção jurídico-social.
Promoção dos Direitos: A política de atendimento dos direitos humanos de crianças e
adolescentes operacionaliza-se através de três tipos de programas, serviços e ações
públicas: 1) serviços e programas das políticas públicas, especialmente das políticas
sociais, afetos aos fins da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e
adolescentes; 2) serviços e programas de execução de medidas de proteção de direitos
humanos e; 3) serviços e programas de execução de medidas socioeducativas e
assemelhadas.
Controle e Efetivação do Direito: realizado através de instâncias públicas colegiadas
próprias, tais como: 1) conselhos dos direitos de crianças e adolescentes; 2) conselhos
setoriais de formulação e controle de políticas públicas; e 3) os órgãos e os poderes de
controle interno e externo definidos na Constituição Federal. Além disso, de forma
geral, o controle social é exercido soberanamente pela sociedade civil, através das suas
organizações e articulações representativas.
No SGDCA estabelecido pelo CONANDA em suas resoluções, os Conselhos Tutelares
aparecem como ―órgãos contenciosos não-jurisdicionais, encarregados de ‗zelar pelo cumprimento
dos direitos da criança e do adolescente‘, particularmente através da aplicação de medidas especiais
de proteção a crianças e adolescentes com direitos ameaçados ou violados e através da aplicação de
medidas especiais a pais ou responsáveis‖. Afirmam-se ainda outras orientações nas resoluções 113
e 117 de 2006. O conhecimento dessas e de outras resoluções do CONANDA, como também as do
CEDICA, são fundamentais para que conselheiros/as tutelares possam ser mais efetivos em suas
ações, assim como – eventualmente – as questionar e propor novos entendimentos e redações.
Conclusão
Direitos humanos tem a pretensão política de justiça e luta por reconhecimento de
novos direitos. O sistema de direito tem um papel político de ser referência formal de
institucionalização em sociedades desiguais e opressoras, que legitimam a exclusão. As vítimas – os
―sem-direitos‖ estão excluídos pelo sistema de direito vigente, da possibilidade de exercer seus
direitos. Os direitos humanos são históricos, estruturam-se como direito vigente que são
questionados pelos movimentos dos sem-direitos, na demanda por novos direitos. É na luta histórica
por reconhecimento, travada pelos sem-direitos que vão sendo demandados novos direitos, ao
mesmo tempo em que são denunciadas as situações de não-realização dos direitos vigentes, ou seja,
que são constituídos os sujeitos de direitos.
É a capacidade histórica de construir condições de institucionalização dos direitos
que faz com que eles sejam ou não incorporados ao sistema do direito, esta é uma luta que se traduz
como pretensão política de justiça. A passagem do direito vigente, passando pelo novo direito em
direção ao direito futuro não é mecânica, exige a reconstrução do próprio sentido do direito, ou seja,
ocorre como práxis de libertação, como luta histórica, como constituição de sujeitos de direitos.
O maior desafio que os defensores e as organizações de direitos humanos têm
atualmente é de não serem tragados pelo discurso das promessas e programas a serem cumpridos, e
esse é igualmente o desafio dos Estados, dos responsáveis pelos Poderes – legislativo, executivo e
judiciário, porque não é no formalismo, no legalismo e no positivismo da lei que se encontra a
dignidade e a justiça social. É na humanização das relações humanas, no reconhecimento e respeito
por cada um e todo ser humano.
Referências: Falta adequar as referências
Leis na integra tiradas do Portal do Planalto;
CEDECA//Ceará - Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, CALS, Carlos
Roberto; GIRÃO, Ivna; MOREIRA; Márcio Alan. Direitos de Crianças e Adolescentes: Guia de
Atendimento. Fortaleza, 2007.
http://www.pgj.ce.gov.br/esmp/publicacoes/ed12010/artigos/4CRIANDIREITOS.pdf.
Texto ―Fronteiras da Educação: desigualdades, tecnologias e políticas‖, organizado por Adão F. de
Oliveira, Alex Pizzio e George França, Editora da PUC Goiás, 2010, páginas 93-99.
http://www.sinprodf.org.br/wp-content/uploads/2012/01/texto-4-pol%C3%8Dticas-
p%C3%9Ablicas-educacionais.pdf.
BRANCHER, Leoberto N. Organização e gestão do Sistema de Garantia de Direitos da Infância e
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http://www.ipea.gov.br/Destaques/abrigos/capit12.pdf . Políticas Públicas: conceitos e práticas / supervisão por Brenner Lopes e Jefferson Ney Amaral; coordenação de Ricardo Wahrendorff Caldas – Belo
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Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Interlagos CEDECA Interlagos, Rua
Nossa Senhora de Nazaré, 51, 04.805-100. São Paulo – Brasil Fone: 11.5666.98.61 E-Mail:
[email protected] Edição, diagramação e sistematização:
Tuto B. Wehrle;
http://www.cedecacasarenascer.org/cedecateste/publicacoes/artigos/resolucao113/SGD.PDF;
Políticas Públicas: conceitos e práticas / supervisão por Brenner Lopes e Jefferson Ney Amaral;
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SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS, BLOCO L,
2º ANDAR, SALA 200
70047-900 BRASÍLIA DF TELS.: (61) 2104-9377 E 2104-9382 FAX: (61) 2104-9362
http://www.presidencia.gov.br/spmulheres
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