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“Direitos humanos são alardeados como a mais nobre criação de nossa filosofia e jurisprudência e como a melhor prova das aspirações universais da nossa modernidade, que teve de esperar por nossa cultura global pós-moderna para ter seu justo e merecido reconhecimento” DOUZINAS: 2009 A sociedade contemporânea, a construção de direitos humanos e o lugar dos Conselhos de Direito da Criança e do Adolescente e dos Conselhos Tutelares Os Direitos Humanos são construções históricas das sociedades. Conhecer parte desse processo pode ser importante para que conselheiros/as tutelares e de direitos da criança e do/a adolescente situem suas atuações nessa perspectiva histórica. Compreender como nasceram as próprias instituições que integram e quais seus desafios para fazer dos Direitos Humanos uma prática ética na intervenção junto àqueles/as com os/as quais interagem, assim como pensarem-se agentes-defensores/as de Direitos Humanos. Duas palavras e um caleidoscópio São somente duas palavras: Direitos Humanos. Somente duas palavras, e um caleidoscópio de possibilidades quanto ao conceito, a finalidade e o sentido. Direitos, como instrumentos que conferem poderes aos sujeitos. Humanos, porque são para todas as pessoas às quais correspondem as ações desses direitos. Mais fácil do que definir o conceito de direitos humanos, é afirmar o que não são direitos humanos: porque não carregam em si a verdade absoluta, não são dogmas. Porque não estão a serviço de um determinado partido, religião, governo, interesse, mas por serem críticos e reflexivos, não são neutros. Os Direitos Humanos não são privilégio de uns em detrimento de outros. Pelo contrário: constituem direitos para todos os humanos. Estão presentes no corpo das relações sociais, no coração das relações humanas, no horizonte das relações intersubjetivas. Estão relacionados na perspectiva da teoria crítica e social, à prática, ao discurso e à ação. Como aspecto subjetivo, os direitos humanos implicam na construção da pessoa individual como sujeito jurídico de direitos. Enquanto entidades constitucionais, os direitos humanos estão positivados em leis, constituições, decisões judiciais, tratados, convenções e na existência de organismos internacionais. A afirmação que poderia definir os direitos humanos é a inegável tese de que todos os humanos tem direito à liberdade, à dignidade e à igualdade perante à lei. Essa afirmação é ao mesmo tempo uma negação, na medida em que nem todos os humanos têm, de fato, em um determinado contexto histórico, esses mesmos direitos, o que leva a uma interrogação: são

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“Direitos humanos são alardeados como a mais nobre criação de nossa filosofia e jurisprudência e como a melhor prova das aspirações universais da nossa modernidade, que teve de esperar por nossa cultura global pós-moderna para ter seu justo e merecido reconhecimento”

DOUZINAS: 2009

A sociedade contemporânea, a construção de direitos humanos e o lugar dos

Conselhos de Direito da Criança e do Adolescente e dos Conselhos Tutelares

Os Direitos Humanos são construções históricas das sociedades. Conhecer parte

desse processo pode ser importante para que conselheiros/as tutelares e de direitos da criança e do/a

adolescente situem suas atuações nessa perspectiva histórica. Compreender como nasceram as

próprias instituições que integram e quais seus desafios para fazer dos Direitos Humanos uma

prática ética na intervenção junto àqueles/as com os/as quais interagem, assim como pensarem-se

agentes-defensores/as de Direitos Humanos.

Duas palavras e um caleidoscópio

São somente duas palavras: Direitos Humanos. Somente duas palavras, e um

caleidoscópio de possibilidades quanto ao conceito, a finalidade e o sentido. Direitos, como

instrumentos que conferem poderes aos sujeitos. Humanos, porque são para todas as pessoas às

quais correspondem as ações desses direitos. Mais fácil do que definir o conceito de direitos

humanos, é afirmar o que não são direitos humanos: porque não carregam em si a verdade absoluta,

não são dogmas. Porque não estão a serviço de um determinado partido, religião, governo,

interesse, mas por serem críticos e reflexivos, não são neutros.

Os Direitos Humanos não são privilégio de uns em detrimento de outros. Pelo

contrário: constituem direitos para todos os humanos. Estão presentes no corpo das relações sociais,

no coração das relações humanas, no horizonte das relações intersubjetivas. Estão relacionados na

perspectiva da teoria crítica e social, à prática, ao discurso e à ação.

Como aspecto subjetivo, os direitos humanos implicam na construção

da pessoa individual como sujeito jurídico de direitos. Enquanto

entidades constitucionais, os direitos humanos estão positivados em

leis, constituições, decisões judiciais, tratados, convenções e na

existência de organismos internacionais.

A afirmação que poderia definir os direitos humanos é a inegável tese de que todos

os humanos tem direito à liberdade, à dignidade e à igualdade perante à lei. Essa afirmação é ao

mesmo tempo uma negação, na medida em que nem todos os humanos têm, de fato, em um

determinado contexto histórico, esses mesmos direitos, o que leva a uma interrogação: são

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“A expressão Direitos Humanos refere-se obviamente ao homem com direitos, só se pode designar aquilo que pertence à essência do homem, que não é puramente acidental, que não surge e desaparece com o tempo.”

CHARLES MALIK, 1947

universais ou são relativizados cultural e historicamente?

Diversas visões sobre a origem dos Direitos Humanos

A definição de direitos humanos varia conforme a visão, e as teorias predominantes

são o jusnaturalismo, o positivismo jurídico, o relativismo e o pós-positivismo ou substancialismo.

No jusnaturalismo há uma abordagem essencialista, na

qual o homem é o fundamento pelo fato de ser humano, e os direitos

humanos visam a assegurar a dignidade humana. É uma concepção

universalista, pois os direitos humanos estão acima do Estado,

sociedade e cultura. Nesta concepção todos têm direitos, independente

de regras sociais e culturais de um determinado lugar e de um tempo histórico e compete ao Estado

reconhecer e garantir os direitos que os homens naturalmente têm, anteriores à formação da

sociedade. O fim maior é o bem comum, um coletivo material e moral que se sobrepõe aos

interesses e bens individuais. É uma concepção na qual a humanidade é uma reunião e união de

pessoas naturalmente livres, naturalmente iguais.1

A teoria jusnaturalista tem profundos reflexos na

escrita da Declaração Universal dos Direitos Humanos

(1948), e em vários instrumentos jurídicos relacionados aos

direitos humanos, inclusive na atual Constituição do Brasil

de 1988.

O positivismo jurídico – ou juspositivismo –

refere-se ao direito como fato, e não como valor. Contrapõe-se ao jusnaturalismo por não

reconhecer o direito natural e o costume, apenas as normas que são produzidas pelo Estado.

Caracteriza-se pelo formalismo, pela neutralidade científica. A lei contém o direito. Consideram-se

as normas positivas, sem levar em conta questões no âmbito da ética, da moral, da política. O

aplicador do direito deve se ater ao que é reconhecido pelo ordenamento jurídico. Vale a forma e

não a substância.

O pós-positivismo – ou substancialismo – se opõe ao juspositivismo. Nesta

abordagem, os princípios assumem importância, são considerados pilares normativos. As regras

podem ou não ser cumpridas, pois cabe ao juiz interpretar.

A outra corrente, em contraposição ao jusnaturalismo e ao positivismo jurídico, é do

relativismo cultural. Nesta visão não é possível haver direitos humanos absolutos universais. Os

1 Na Grécia Antiga, Cícero defendia o Direito Natural, por acreditar que o direito e não a lei garantiria a justiça.

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direitos humanos se constituem e tem validade em sistemas culturais, em realidades históricas que

são variáveis e estão em constante movimento e transformação. Os direitos humanos não são

inerentes, naturais, mas se constroem e desconstroem na multiplicidade de paradigmas e contextos

civilizatórios. Esses direitos não estão baseados em princípios abstratos (ontológicos) – liberdade e

igualdade, mas na busca e na luta para efetivar esses direitos.

Norberto BOBBIO classifica os direitos humanos em civis, políticos e sociais, e esses

direitos somente podem ser garantidos se existirem de modo solidário.

―Luta-se ainda por estes direitos porque após as grandes transformações sociais

não se chegou a uma situação garantida definitivamente, como sonhou o otimismo iluminista.‖

BOBBIO: 1995

As instituições em geral, o Estado e a sociedade industrial são possíveis agentes

de violações aos direitos humanos. Por isso a importância de positivar os direitos: pela sua

historicidade, como um marco regulatório, com o foco na efetividade e em graus diferentes, de

acordo com sua trajetória histórica e seus aspectos culturais e regionais. BOX acima

Assim, temos que os direitos não são eternos, mas criados historicamente, em uma

perspectiva multicultural. Nesta perspectiva, os direitos humanos devem ser considerados como

direitos fundamentais, ou seja, os que são reconhecidos e positivados constitucionalmente em um

determinado Estado. São imprescritíveis, porque são permanentes; inalienáveis, porque

intransferíveis de uma pessoa para outra; irrenunciáveis, porque não se pode impor a ninguém

uma decisão que compete a si; invioláveis, porque nenhuma lei ou autoridade pode desrespeitar o

direito de cada um; universais, porque são aplicáveis a todos. São efetivos, porque devem ser

garantidos pelo poder público de fato e não de modo abstrato; são interdependentes, de modo a

evitar as colisões de direitos, e por esse motivo são complementares, visando a possibilitar sua

efetivação.OLHO

Os direitos fundamentais na Constituição Brasileira de 1988

A Constituição Brasileira traz uma classificação dos direitos, no documento

definidos como direitos fundamentais, cuja ordem é a seguinte: Quem sabe uma tabela?

1ª Direitos individuais e coletivos (Art. 5º): Garante-se a todos os brasileiros e

estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança, e à propriedade.

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Em um primeiro momento, a

saúde tem uma conotação

essencialmente individualista: o

papel do Estado será proteger a

vida do indivíduo contra as

adversidades existentes

(epidemias, ataques externos etc)

ou simplesmente não violar a

integridade física dos indivíduos

(vedação de tortura e de violência

física, por exemplo), devendo

reparar o dano no caso de

violação desse direito

(responsabilidade civil). Na

segunda dimensão, passa a

saúde a ter uma conotação social:

cumpre ao Estado, na busca da

igualização social, prestar os

serviços de saúde pública,

construir hospitais, fornecer

medicamentos, em especial para

as pessoas carentes. Em

seguida, numa terceira dimensão,

a saúde alcança um alto teor de

humanismo e solidariedade, em

que os (Estados) mais ricos

devem ajudar os (Estados) mais

pobres a melhorar a qualidade de

vida de toda população mundial, a

ponto de se permitir, por exemplo,

que países mais pobres, para

proteger a saúde de seu povo,

quebrem a patente de

2ª Direitos sociais (Art. 6º ao 11º): São considerados direitos sociais a educação, a

saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Dispõe sobre os direitos dos

trabalhadores urbanos e rurais, sobre a liberdade de associação profissional ou sindical, o direito de

greve, a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que

seus interesses estejam em discussão, e sobre a eleição de um representante nas empresas com mais

de duzentos empregados para promover o entendimento direto com os empregadores.

3ª Direitos de Nacionalidade (Art. 12º e 13º): Dispõe sobre os que são considerados

brasileiros natos ou naturalizados, e sobre a língua portuguesa como idioma oficial da República

Federativa do Brasil.

4ª Direitos Políticos (Art. 14º ao 17º): Dispõe sobre o exercício da soberania popular

pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos. Veda a cassação de

direitos políticos, e declara livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos em

um regime democrático e pluripartidário.

Nem todos os direitos estabelecidos na Constituição, o foram em 1988, quando de

sua promulgação. Alguns foram incorporados ou reconfigurados nos anos

seguintes. Por exemplo, os direitos à alimentação e à moradia (EC 64/2010)

foram incorporados, através de emendas constitucionais, como direitos

sociais em 2010.

Direitos fundamentais para uma existência digna, livre e igual

O jurista Karel VASAK referiu-se de forma metafórica à

expressão gerações de direitos do homem ao proferir uma aula em

Estrasburgo, no ano de 1979. Ele pretendia demonstrar a evolução dos

direitos humanos com base no lema da Revolução Francesa - liberdade,

igualdade e fraternidade. A primeira geração dos direitos humanos seria a

dos direitos civis e políticos, fundamentados na liberdade, a segunda

geração, dos direitos econômicos, sociais e culturais, baseados na igualdade,

e a terceira geração, dos direitos de solidariedade, em relação à

fraternidade.

Entretanto, esta teoria das gerações não se sustenta, pois uma

geração de direitos não substitui outra. Os direitos não se sucedem, se

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acumulam, não há uma hierarquia entre esses direitos. Por essa razão, atualmente vários juristas

defendem a ideia de acumulação de direitos, utilizando o termo dimensões de direitos fundamentais,

já que a concretização desses direitos ocorre em dimensões de forma interrelacionada e

complementar.

Direitos na primeira dimensão: A liberdade como valor, os direitos civis e políticos.

O direito à vida, o direito à propriedade. O direito à liberdade de expressão, religiosa, comercial.

Liberdade física, Liberdade de consciência, direitos de propriedade privada, direitos da pessoa

acusada, as garantias de direitos, o direito à morte digna, o direito ao esquecimento. Aqui cabe ao

Estado o não fazer (direitos negativos). Estado democrático liberal.

Direitos na segunda dimensão: Direitos políticos. A igualdade, e os direitos sociais,

econômicos e culturais. Aqui cabe ao Estado o agir (direitos a prestações) Exemplos: O direito à

educação, à saúde, à moradia, ao trabalho. Direito ao sufrágio universal, direito a constituir partido

político, direito ao plebiscito, ao referendo e à iniciativa popular legislativa. Estado democrático e

social.

Direitos na terceira dimensão: A fraternidade, a solidariedade. Os direitos coletivos:

direito ao desenvolvimento, direito da paz, direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre

o patrimônio comum da humanidade e, finalmente, o direito de comunicação.

Direitos na quarta dimensão: relacionados à pluralidade, como a democracia, a

informação, o pluralismo político, o Estado democrático de direito.

Em razão de todas essas críticas, a doutrina recente tem preferido o termo

"dimensões" no lugar de "gerações", afastando a equivocada ideia de sucessão, em

que uma geração substitui a outra.

No entanto, a doutrina continua incorrendo no erro de querer classificar

determinados direitos como se eles fizessem parte de uma dada dimensão, sem

atentar para o aspecto da indivisibilidade dos direitos fundamentais. Na verdade,

não é adequado nem útil dizer, por exemplo, que o direito de propriedade faz parte

da primeira dimensão. Também não é correto nem útil dizer que o direito à

moradia é um direito de segunda dimensão.

O ideal é considerar que todos os direitos fundamentais podem ser analisados e

compreendidos em múltiplas dimensões, ou seja, na dimensão individual-liberal

(primeira dimensão), na dimensão social (segunda dimensão), na dimensão de

solidariedade (terceira dimensão) e na dimensão democrática (quarta dimensão).

Não há qualquer hierarquia entre essas dimensões. Na verdade, elas fazem parte de

uma mesma realidade dinâmica. Essa é a única forma de salvar a teoria das

dimensões dos direitos fundamentais. (LIMA, G.)

http://jus.com.br/revista/texto/4666/criticas-a-teoria-das-geracoes-ou-mesmo-dimensoes-dos-

direitos-fundamentais/2

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Dos costumes às leis, sempre em foco os direitos humanos

O Código de Ur-Nammu surgiu na Suméria (2040 a.C.) transformando costumes em

leis e atribuindo penas pecuniárias aos delitos, com base no princípio de reparabilidade, o que hoje

equivale a reparação por danos morais.

Um dos mais antigos conjuntos de leis é o Código de Hamurabi, na antiga

Mesopotâmia (1700 a.C.), foi o primeiro código a reunir 282 leis, sobre temas como estupro, roubo

e receptação, família, escravos, ajuda de fugitivos, falso testemunho. Essas leis, até então eram

transmitidas pela fala, eram aplicáveis a uma sociedade dividida em três classes: os Awilum

(homens livres e proprietários de terras), os Muskènum (funcionários públicos), e os Wardum

(escravos). A lei de talião (lex talionis) foi muito utilizada no Código de Hamurabi. Neste tipo de

pena, há reciprocidade entre crime e pena, com uma retaliação, ou seja, tal crime, tal pena. As penas

talianas são as mais antigas existentes, conhecidas pela expressão ―Olho por olho, dente por dente‖.

"Se um construtor edificou uma casa para um Awilum, mas não reforçou seu trabalho,e a casa que

construiu caiu e causou a morte do dono da casa, esse construtor será morto". Art. 25 § 227 CÓDIGO DE HAMURABI

A Lei das XII Tábuas (Roma, 451/450 a.C.) está na origem do direito romano e de

influência nos códigos do Ocidente, como uma legislação criada por pressão dos plebeus para

restringir os poderes da aristocracia romana, já que as leis até então eram de conhecimento dos

pontífices e dos patrícios, para serem aplicadas com especial rigor contra a plebe. As tábuas

referem-se aos seguintes temas: organização e procedimento judicial, normas contra os

inadimplentes; pátrio poder; sucessões e tutela; propriedade; servidões; delitos; direito público;

direito sagrado; complementares.

Na Índia, o Código de Manu (entre 1300 e 800 a.C.) constitui-se de quatro

compêndios inscritos de forma poética em sânscrito (Mahabharata, Ramayana, os Puranas e as Leis

Escritas de Manu) sobre o ordenamento religioso, os deveres do rei e o direito processual, em um

sistema de castas na sociedade hindu.

"Uma mulher está sob a guarda de seu pai durante a infância, sob a guarda do deu marido durante a

juventude, sob a guarda de seus filhos em sua velhice; ela não deve jamais conduzir-se à sua vontade". CÓDIGO DE

MANU, Art. 45 - Dos deveres da mulher e do marido

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Duas grandes construções textuais de conteúdo religioso predominaram e ainda estão

presentes em todo mundo nas relações humanas: a Bíblia e o Alcorão. A Bíblia é o documento

sagrado do cristianismo. Esta interpretação religiosa e moral sobre o ser humano em relação a Deus

e ao seu semelhante é atribuída a cerca de 40 autores, nos livros do Antigo Testamento (1445 e 450

a.C.), e nos livros do Novo Testamento (45 e 90 d.C.). Nas Sagradas Escrituras, sinônimo de Bíblia

para os cristãos, são apresentados os 10 Mandamentos (em Êxodo e Deuteronômio). Também

conhecidos como Decálogo, os mandamentos teriam sido escritos por Deus para o profeta Moisés.

Sãos as leis sobre os deveres fundamentais do ser humano com Deus e com o próximo.

O Alcorão (560 d.C.) é o livro sagrado do Islã, e representa o maior documento

religioso e de jurisprudência dos muçulmanos. As revelações de Deus ao profeta Maomé estão

escritas em 114 capítulos, intitulados Suras, sobre temas como a origem do universo, as relações

entre os seres humanos e com o criador, leis sobre a moralidade e a sociedade, entre outros. A

Charia é o corpo dos costumes e das leis religiosas islâmicas, pois nessas sociedades não há

separação entre religião e direito. A coexistência de tribunais religiosos e seculares ocorre em

muitos países do Oriente Médio e África. As punições severas prescritas pela Charia (amputação

em caso de roubo, apedrejamento ou chibatadas, e mesmo pena de morte, em casos de adultério e

homossexualidade) são consideradas como violadoras dos direitos humanos por organismos como o

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Um dos documentos mais antigos, o Cilindro de Ciro (539 a.C.), é considerado por

alguns estudiosos como um primeiro registro sobre direitos humanos. O rei persa Ciro II fez uma

declaração sobre a liberdade de religião e a abolição da escravatura. A declaração apresenta o rei

como benfeitor dos cidadãos da Babilônia, ao repatriar os povos deslocados e restaurar santuários

religiosos pela Mesopotâmia.

A Magna Carta (1215, Inglaterra) é considerado o primeiro documento dos

direitos humanos em âmbito universal. Esta carta declara que a vontade do rei está sujeita à

lei. O julgamento do rei deve ser embasado no processo legal, e não em sua vontade pessoal. Este é

o embrião do movimento que na modernidade viria se chamar Constitucionalismo.

"Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei,

ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por

julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra." MAGNA CARTA Art. 39

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Das trevas às luzes

Na Idade Média (séc. V-XV d.C.) os países da Europa sofriam forte influência da

Igreja Católica e seu Tribunal de Inquisição, baseados em leis ou ordenamentos religiosos presentes

na Bíblia, com o aprisionamento, tortura e execução de pessoas perseguidas por razões religiosas e

ideológicas. Uma doutrina que fosse considerada contrária à verdade revelada por Cristo era

considerada heresia. O Manual dos Inquisidores de Nicolau EYMERICH discorre sobre os hereges

impenitentes, penitentes e relapsos, as formas de tortura e condenação, como excomunhão, confisco

de bens, açoitamento, prisão, degredo e pena de morte por enforcamento ou na fogueira.

―Este tipo de gente que é denunciada é mandada para uma prisão inviolável, com

algemas nos pés. Bem trancafiados, para que não possam fugir e contagiar outros

fiéis... Se o réu se recusar, ainda, a se converter, não se terá pressa em entregá-lo ao

braço secular, mesmo se o herege pedir para ser entregue: porque, com frequência,

este tipo de herege pede a fogueira, convencido de que, se for condenado à

fogueira, morrerá como mártir e subirá logo aos céus. Trata-se de hereges

fervorosíssimos, profundamente convictos de sua verdade. Então, não se deve ter

pressa com eles. Não se trata, é claro, de ceder à sua insensata vontade. Ao

contrário, serão trancafiados durante seis meses ou um ano, numa prisão horrível e

escura, pois o flagelo da cadeia e as humilhações constantes costumam acordar a

inteligência...‖ DIRECTORIUM INQUISITORIUM

Ver Giordano Bruno – Alexandria (Filmes)

Entre os séculos XV e XVII as reformas religiosas passam a alterar o domínio até

então absoluto da Igreja Católica: a Reforma Protestante, na Alemanha, a Calvinista, na França, e a

Anglicana, na Inglaterra.

O fim do feudalismo e o declínio do poder clerical assinalam o surgimento do

absolutismo monárquico, todo o poder ao rei. Henrique IV estabelece o livre direito de culto para

católicos e protestantes; a Petição de Direitos é assinada na Inglaterra em 1628.

Para HOBBES, autor de Leviatã (1651) e Do Cidadão (1651), a supremacia deve ser

de um poder soberano, seja um monarca, ou uma assembleia. Para ele, as pessoas só vivem em paz

se concordam em obedecer a um poder absoluto e centralizado. Para John LOCKE, na obra Dois

Tratados sobre o Governo (1689), a solução para o Estado é a existência de uma democracia liberal.

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A Declaração de Direitos de 1689 - Bill of Rights foi criada na Inglaterra com o

propósito de garantir a liberdade, a propriedade, e assegurar o poder do parlamento. O Habeas

Corpus é criado em 1679 para libertar pessoas presas injustamente. Em 1701, o Ato de Resolução –

Act of Settlement assinala a diminuição do poder real, a necessidade do consentimento do

parlamento para decisões do governo, e garante a independência dos órgãos jurisdicionais. Os juízes

não poderiam mais ser demissíveis conforme a vontade do rei.

O Iluminismo na Europa,que tem seu apogeu no século XVIII, revoluciona ao

apresentar a razão, e não a religião, como forma de questionar e responder aos anseios do ser

humano em suas relações sociais. Nessa época MONTESQUIEU defende em seu livro ―Espírito das

Leis‖ (1748) a divisão dos poderes: executivo, legislativo e judiciário. VOLTAIRE defende o fim

do absolutismo e a tolerância religiosa, e ROUSSEAU, autor de ―O Contrato Social‖ (1762),

defende um governo de acordo com a vontade do povo.

Na fase de transição do absolutismo monárquico para o Estado liberal (fim séc.

XVIII) surge o Constitucionalismo Moderno, o conjunto de movimentos – social, político,

ideológico e jurídico a partir dos quais são criadas as constituições nacionais. Estes documentos

legais declaram os direitos dos indivíduos e atribuem aos governantes o exercício do poder com

base na equidade e justiça social, o que representa um avanço no que se refere à proteção dos

direitos humanos. Algumas legislações que surgem nessa época são a Declaração de Direitos do

Estado de Virgínia, Declaração de Independência dos Estados Unidos de 1776, as Constituições das

ex-colônias britânicas da América do Norte, Constituição da Confederação dos Estados Americanos

de 1781, e a Constituição da Federação de 1787. Na França, é criada a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão de 1789, Ano da Revolução Francesa, e a Constituição de 1791, que

estabelece a divisão dos três poderes e o voto censitário. Neste momento histórico emerge também

um dos movimentos de origem do feminismo, a Proclamação Universal dos Direitos da Mulher e da

Cidadã. A autora do documento é Marie Gouze, que lutou pelo fim da escravidão e pelos direitos

iguais entre homens e mulheres. Foi condenada como contra-revolucionária e guilhotinada em

1793. (BOX link de acesso ao texto)dhnet e www.ufrgs.br/faced/direitoshumanos/

A necessidade de reconhecer os conflitos sociais em contextos históricos bem

definidos leva ao reconhecimento dos direitos dos grupos sociais, das minorias étnicas, religiosas,

entre outras, dos vulneráveis, em situação de discriminação, como crianças, mulheres, encarcerados.

Com a Revolução Industrial, o crescimento das cidades, e no contexto do liberalismo econômico, o

Estado não garante e tampouco efetiva os direitos dos grupos em situação de exclusão. Entre as

consequências do desenvolvimento econômico e tecnológico, está a desumanização nas relações.

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Como efeito direto, o Constitucionalismo na Contemporaneidade é marcado no período pós

Primeira Guerra Mundial por constituições nacionais que visibilizam os direitos econômicos e

sociais, com a intervenção do Estado na ordem econômica e social: as Constituições do México de

1917, de Weimar de 1919, e do Brasil de 1934.

O Sistema Internacional de Direitos Humanos

O ser humano é um sujeito de direitos tanto no plano interno como no plano

internacional. Por esse motivo, há diversos instrumentos e organismos nacionais e internacionais

criados para combater as violações aos direitos humanos. Há os sistemas internacionais de proteção

aos DH: sistema universal (global) e os sistemas regionais (locais): Europeu, Interamericano,

Africano. Em caso de conflito entre ambos, deve prevalecer a norma mais favorável à vítima, com

base na unidade e complementaridade.

No Sistema Universal:

Órgãos: Alto Comissariado de Direitos Humanos e o Conselho de Direitos Humanos.

Instrumentos: Carta Internacional de Direitos Humanos, Declaração Universal dos Direitos

Humanos (1948), Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), Pacto Internacional dos

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966).

No Sistema Interamericano:

Órgãos: Comissão Interamericana de DH e Corte Interamericana de DH.

Instrumentos: Declaração Americana de DH (1948) e Convenção Americana (1969) – Pacto de San

José da Costa Rica. TABELA

Os tratados internacionais são acordos juridicamente obrigatórios e vinculantes, com

princípio da boa fé, ou seja, dar plena observância ao tratado, e são a principal fonte de obrigação

do Direito Internacional conforme Convenção de Viena (1969)2. No período pós Primeira Guerra

(1914-1918) e Segunda Guerra Mundial (1939-1945) originam-se diversas declarações

2 O primeiro tratado sobre direito internacional foi a Introdução ao Direito das Nações (séc. VIII) por Muhammad Al-

Shaybani, sobre a ética islâmica e temas como a lei dos tratados, o tratamento de reféns, refugiados e prisioneiros de

guerra, o direito de asilo, a proteção de civis e a conduta no campo de batalha.

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internacionais e textos constitucionais. Organismos de defesa dos direitos humanos são criados com

o intuito de garantir uma proteção no plano internacional.

O Tratado de Versalhes encerrou oficialmente em 1919 a Primeira Guerra Mundial.

Este tratado de paz foi assinado pelos chefes de Estados das principais potências europeias, como

forma de garantir a paz mundial. Nesse sentido foi criada a Sociedade das Nações, também

conhecida como Liga das Nações, com o propósito de evitar futuras guerras - o que não evitou a

eclosão da Segunda Guerra Mundial. Então, o surgimento da Organização das Nações Unidas

(ONU), em 1945, é decorrência direta da necessidade mundial de somar esforços para evitar uma

nova guerra, como a que acabara de dizimar milhões, no Holocausto, e em ações como a destruição

das cidades de Hiroshima e Nagasaki, em quaisquer outras ações violentas e bélicas e genocídios de

modo geral.

A ONU tem por objetivo principal o exercício dos direitos humanos, manter a paz

internacional, evitar guerras e mediar diálogo entre as nações.

Em 10 de Dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Quase todos os documentos relativos aos direitos

humanos tem como referência esta Declaração, de reconhecimento mundial, mas de não

obrigatoriedade jurídica. Por esse motivo, dois pactos efetuados em 1966, o Pacto Internacional dos

Direitos Civis e Políticos, e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e os

dois protocolos facultativos do Pacto dos Direitos Civis e Políticos (que em 1989 aboliu a pena de

morte), constituem A Carta Internacional dos Direitos do Homem. BOX:

http://www.gddc.pt/direitos-humanos/Ficha_Informativa_2.pdf

A ONU é atualmente constituída por 193 estados-membros. Algumas das principais

ações da ONU: defesa e aplicação dos princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos

Humanos. Assistência técnica para a realização de eleições, para fomentar a democracia; melhoria

das estruturas judiciais, elaboração de constituições, formação de agentes de direitos humanos.

Realização de Assembleia Geral, resoluções do Conselho de Segurança e da Corte Internacional de

Justiça como formas de combater as violações dos direitos humanos. Oferece apoio aos povos

indígenas, oferece serviços humanitários através do Programa Alimentar Mundial, e mantém

projetos do Alto Comissariado para os Refugiados e pela manutenção da paz. Incentiva o

desarmamento de armas atômicas e convencionais, de destruição em massa, armas químicas, minas

terrestres, redução dos orçamentos militares.

A Organização tem sido criticada pela possível pretensão de ser um governo mundial

único; pelo fato de que em muitas situações os Estados-membros não cumprem as resoluções do

Conselho de Segurança; porque não preveniu o genocídio em Ruanda em 1994, não interveio na

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Guerra do Congo e no Massacre de Srebrenica, em 1995, não aplicou as resoluções do Conselho de

Segurança no conflito Israel-Palestina, e não impediu o genocídio em Darfur. E por ser omissa ou

pouco eficiente em tantas outras guerras e genocídios que ocorrem atualmente.

A ONU elaborou na Convenção em Nova York (2000) a Declaração do Milênio,

com os principais objetivos que os Estados membros devem cumprir até 2015 pela melhoria da

qualidade de vida de suas populações: erradicar a fome do planeta, garantindo a todos uma condição

de vida digna, implementação de políticas de saúde, saneamento, educação, habitação, promoção da

igualdade de gênero e meio ambiente.

Os principais objetivos do milênio a serem cumpridos até 2015 pelos chefes de

Estado que integram a ONU são: Reduzir pela metade a proporção da população vivendo com

menos de um dólar por dia e reduzir pela metade os índices de pessoas que sofrem com a fome;

garantir o ensino básico a todas as crianças; eliminar as disparidades entre os sexos no ensino

fundamental e médio, se possível até 2005, e em todos os níveis de ensino até 2015; reduzir em

dois terços a mortalidade de crianças menores de cinco anos de idade; reduzir em três quartos, a

taxa de mortalidade materna; deter a propagação do HIV/AIDS e começar a inverter a tendência

atual, bem como a incidência da malária e de outras doenças; integrar os princípios do

desenvolvimento sustentável nas políticas e programas nacionais e reverter à perda de recursos

ambientais e também reduzir pela metade a proporção da população sem acesso permanente e

sustentável à água potável e esgotamento sanitário; fortalecer uma parceria mundial para o

desenvolvimento.

Questão: Tendo em vista que o Brasil é um dos Estado-membro da ONU, signatário da Declaração

do Milênio, que ações estão sendo realizadas no país, no RS e em sua cidade?

Brasil

Pensando apenas no calendário brasileiro, a partir da chegada da esquadra de Pedro

Álvares Cabral, em 1500, temos pouco mais de 500 anos de história. Desses, mais de trezentos anos

de estado colonial (1500-1822), sessenta e sete anos de império (1822-1889) e uma república ainda

tímida, que não chegou aos 130 anos.

Numa retrospectiva histórica, podemos afirmar que, do ponto de vista dos Direitos

Humanos, como os conhecemos na contemporaneidade, foram mais desrespeitados (ou sequer

considerados) no Brasil-Colónia-Portuguesa. Foi um longo período de massacres, assimilação e

escravização dos povos indígenas que aqui viviam, para servirem ao ‗homem civilizado‘ português

que aqui chegou e precisava mão-de-obra barata e mulheres.

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O Brasil e os direitos humanos, do pré-colonialismo à república

―Os marinheiros que o capitão-mor Pedro Álvares Cabral mandou a terra, em 23 de abril de 1500, encontraram

facilmente um grupo de duas dezenas de espantados e curiosos nativos. Os primeiros contatos entre brasis e lusitanos

foram tranquilos e cordiais. Tupinambás e portugueses trocaram gestos e presentes – um barrete, uma carapuça e um

chapéu por um cocar de penas e uma fileira de contas brancas. Os europeus registraram a elegância e a beleza física dls

americanos‖. MAESTRI, 1994: 09 in BRUNETTO, G. Perambulantes

O nascimento do Brasil se deu sob o signo do colonialismo e, anos mais tarde, do

constitucionalismo. Estima-se que em 1500 existiam cerca de três milhões de indígenas no Brasil,

oriundos da Ásia, chegando à América pelo Estreito de Bering. Segundo o viajante alemão Karl

Von den STEINEN (1884) quatro grupos indígenas habitavam o Brasil: tupi-guarani, jê ou tapuia,

nuaruaque ou maipuré e caraíba. A ocupação do território brasileiro ocorreu por interesses

expansionistas, inicialmente, dos colonizadores portugueses. A primeira violação aos direitos

humanos acontece no Brasil neste momento, quando, invadido o território brasileiro, é declarado

como descoberto, e a partir de então, a exploração da terra e dos habitantes nativos ocorreu de

várias formas: abusos e violências físicas e sexuais, escravidão, destribalização, expulsão,

assassinatos. (Amistad - A missão - Perambulantes)

―Há comumente duas formas de ―ver‖ os indígenas: ou como pessoas dóceis, que gostam de se pintar, cantar e

dançar em volta do fogo; ou como seres selvagens, quase animais, que fazem parte de algum lugar do passado na

história, quase comparados a vilões de filmes norte-americanos. Não é à toa que essas impressões vigoram em pleno

século XXI. São reflexos de um processo sórdido de invisibilização de sua identidade cultural. Desde os primeiros

contatos dos colonizadores com os indígenas, o que deles se esperava é que fossem úteis como mão-de-obra escrava,

nas culturas de cana-de-açúcar e de subsistência. Os indígenas, aos olhos dos portugueses, eram inicialmente

importantes na medida em que seriam utilizados em seu benefício, já que seu custo seria muito menor do que o escravo

negro africano – levando-se em conta que o tráfico de escravos era um negócio extremamente rentável. Neste contexto,

a coroa portuguesa e a igreja se posicionaram contra a escravização dos índios. Já que recebiam comissões dos

traficantes de escravos negros.‖ BRUNETTO, G. Perambulantes

Os genocídios da Casa Grande à Senzala

Os interesses econômicos mercantilistas dos colonizadores eram a justificativa para o

cometimento de crimes contra indígenas e africanos. Nas cartas do Padre Antonio VIEIRA há o

relato, no qual se constata que ao longo de quarenta anos foram mortos mais de dois milhões de

índios e destruídas mais de 500 povoações. O aprisionamento e escravização de negros na África

tinha o consentimento oficial da Igreja Católica, mediante a assinatura da bula Romanus Pontifex,

pelo Papa Nicolau V, no ano de 1454. A justificativa: a salvação das almas pagãs.

A legislação pombalina (Marquês de Pombal - 1755-1758) visava à integração dos

indígenas à sociedade colonial, mas permitia a sua utilização como mão-de-obra escrava. Dessa

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forma concretizou-se a legitimação da escravidão dos índios no Brasil. A Carta Régia de 1808

permitia o apresamento dos índios e sua utilização como escravos. Darcy RIBEIRO (2004) escreve

sobre o crescimento de uma população neobrasileira, onde se incorporaram genes de indígenas,

negros, brancos.

O Brasil, do período pré-colonial (1500-1530), colonial (1530-1815) e imperial (1822-1889) tem a

escravidão como a forma consumada de relação social e de violação aos direitos humanos. Essa

escravatura ocorreu principalmente pelo uso de escravos vindos do continente africano, para

trabalhos forçados na agricultura, na mineração e serviços domésticos. O tráfico negreiro (séc. XVI-

XIX) ocasionou o transporte à força de negros não somente para o Brasil, como para vários outros

países nas Américas, nos lugares explorados pelos colonizadores europeus. Cerca de 40 por cento

dos negros que vinham nessas embarcações como escravos morriam nos porões dos navios. A Lei

do Ventre Livre (1871) libertava os filhos da mulher escrava, e a Lei Saraiva-Cotegipe, conhecida

comoA Lei dos Seaxagenários (1885) permitia a libertação dos escravos com mais de 60 anos.

Somente com a assinatura da Lei Áurea em 1888, foi oficialmente abolida a escravidão no Brasil. A

escravidão era justificada não somente por motivos religiosos, mas por razões morais e culturais, de

uma pretensa superioridade étnica e cultural dos brancos. A exploração ocorrida nesse período

ocasionou vários conflitos: o Entrincheiramento de Iguape, a Guerra dos Emboabas, a Guerra de

Iguape, a Guerra dos Mascates, as Guerras Guaraníticas, a Revolta de Felipe dos Santos, a Revolta

de Beckman, a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates.

Entretanto, a motivação econômica – da Coroa, dos colonizadores europeus, dos senhores do

engenho, dos bandeirantes paulistas, dos padres jesuítas, dos donos das minas de ouro, dos

fazendeiros, dos donos dos cafezais - era sem dúvida um fator predominante para o tráfico de

escravos negros, já que o comércio de homens, mulheres e crianças representava sempre lucro.

Houve um aumento na procura de mão-de-obra para a lavoura do café. Por esse motivo o tráfico de

escravos passou de 19.453 em 1845, para 60mil em 1848 e 54mil em 1849.

O Brasil se desenhava para ser uma Casa Grande, à custa do genocídio da senzala.

Brasil independente?

À medida que o Estado brasileiro vai se transformando, as constituições igualmente

assinalam as passagens de um país que oscila períodos de absolutismo, autoritarismo e outros de

democracia.

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A primeira Constituição brasileira, de 1824, surgiu quando Dom Pedro I dissolveu a

Assembleia Constituinte. A Constituição monárquica foi a mais longa de todas, permaneceu 67

anos, caracterizada por um liberalismo centralizador do Império, com a existência do Poder

Moderador. O Brasil foi, no período de 1822 a 1889, um Império, com um sistema político

constitucional parlamentarista. A declaração de independência do Brasil em 07 de setembro de 1822

não foi reconhecida pelas monarquias absolutistas europeias. Os Estados Unidos reconheceram o

governo brasileiro em 1824, e em 1825 a Coroa Portuguesa aceitou a independência de sua antiga

colônia, graças à mediação do Reino Unido, mas em uma negociação na qual ficava condicionado

que a Coroa teria a preferência como nação mais favorecida nas transações comerciais, e ainda teria

uma indenização de dois milhões de libras. Já o Reino Unido reconheceu em 1825 o Brasil

independente, e mobilizou-se em ampla campanha pela extinção do tráfico negreiro, por ter

interesses em transferir o capital do tráfico para a industrialização. A partir de 1826 a Santa Sé,

França e demais nações europeias passaram a reconhecer o Brasil como uma nação independente.

A indepedência do Brasil também acirrou conflitos, entre bonifácios, restauradores e

liberais. Nos anos de 1831 a 1837 houve vários motins e levantes de tropas no Rio de Janeiro.

Algumas rebeliões foram a Abrilada, em Pernambuco, a Cabanada, pela Zona da Mata, pelo

Agreste pernambucano e alagoano entre 1832 a 1835. Outras revoltas provinciais foram a

Setembrada e a Novembrada, em Recife (1831), as três Carneiradas em Pernambuco (1834-1835),

os levantes militares em Salvador (1832), e as revoluções federalistas Guerra dos Farrapos no Rio

Grande do Sul (1835-1845), Cabanagem no Pará (1835-1840), e o levante urbano de escravos em

Salvador, a Revolta dos Malês (1835).

O fim do império e o começo da república no Brasil acontece em 15 de novembro de 1889,

com um golpe militar que proclama presidente o Marechal Deodoro da Fonseca. A primeira

Constituição Republicana do Brasil é de 1891, e representa os interesses das oligarquias, das elites

agrárias do país. Entre os avanços, está a instituição do presidencialismo, do voto aberto e universal

para os cidadãos - mas os analfabetos, as mulheres e os militares de baixa patente não podiam votar.

Na República Velha (1889-1930) predominam as elites agrárias paulistas, cariocas e

mineiras e a ―Política do Café-com-leite‖, a exportação de café e o desenvolvimento industrial.

Período também de turbulência social. De um lado, temos a “Política dos Governadores” com o

objetivo de manter as oligarquias no poder. Também o “Coronelismo”se faz muito presente nessa

época: o coronel era um fazendeiro que garantia a eleição dos seus candidatos (pelo voto de

cabresto, votos fantasmas, compra de votos, trocas de favores, monitoramento dos capangas,

fraudes eleitorais, uso da violência.

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De outro lado, o “Tenentismo”, movimento político-militar liderado por tenentes em

oposição ao governo oligárquico. Entre esses movimentos estavam A Revolta da Chibata (1910),

um importante movimento ocorrido no Rio de Janeiro. Neste período, os marinheiros brasileiros

eram punidos com castigos físicos, com 25 chibatadas. Esta situação gerou revolta entre os

marinheiros. Sob a liderança de João Cândido, o ―Almirante Negro‖, reivindicavam o fim dos

castigos físicos, melhorias na alimentação e anistia para os insurgentes, ou iriam bombardear a

então capital brasileira, Rio de Janeiro. O presidente aceitou, mas após os marinheiros entregarem

suas armas, ordenou a expulsão de vários participantes. Em dezembro, os marinheiros fizeram outra

revolta na Ilha das Cobras, a qual foi duramente reprimida pelo governo, com muitos marinheiros

presos em celas em condições desumanas da Fortaleza da Ilha das Cobras, levando alguns dos

presos à morte. Outros revoltosos presos tiveram que prestar trabalhos forçados. João Cândido foi

expulso da Marinha e internado como louco no Hospital de Alienados. No ano de 1912, foi

absolvido das acusações. Outros levantes nesse período foram A Revolta dos 18 do Forte de

Copacabana (1922) e A Coluna Prestes (1925-1927).

Depois do cabresto, os golpes

A Revolução de 1930 no Brasil lança Getulio Vargas para presidente. Começa a Era

Vargas. O governo Vargas no período de 1930-1945 é centralizado e autoritário, com populismo,

nacionalismo, trabalhismo e forte incentivo à industrialização. Vargas incluiu na nova Constituição

de 1934 artigos sobre direitos individuais, voto feminino, previdência social, direitos dos

trabalhadores, salário mínimo, abolição da pena de morte, independência dos três poderes

(legislativo, judiciário e executivo), eleições diretas para presidente e mandatos em ciclos de cinco

anos. O regime ditatorial vigente desde 1930 foi institucionalizado em 1937, com o Estado Novo.

Governo com censura, proibição dos partidos políticos. A Constituição de 1937, inspirada no

fascismo, fez o presidente exercer o poder absoluto. Vargas proibiu os partidos políticos, os

opositores políticos e os artistas, além de intensificar a censura à imprensa. A nova Constituição

democrática de 1946, que perduraria até o golpe militar de 1964.

Problemas econômicos e a pressão de militares para uma renúncia contribuíram para o

suicídio de Vargas em 25 de agosto de 1954.

Juscelino Kubitschek, o JK, governou o Brasil de 1956 a 1961. Anos Dourados. Prometia

desenvolver o Brasil 50 anos em apenas 5 de governo. Criou o Plano de Metas e consolidou o

modelo desenvolvimentista. Era de crescimento econômico e estabilidade política. Implantou a

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indústria automobilística e naval, expandiu a indústria pesada, a construção de usinas siderúrgicas e

hidrelétricas. Morreu em um acidente de carro em circunstâncias nunca bem esclarecidas.

Nas eleições de 1961, Jânio Quadros foi o vencedor. Em seu breve governo, pretendia

terminar com a corrupção. Mas renunciou em circunstâncias nunca bem explicadas, ―forças

ocultas‖, após governar por apenas sete meses. A Campanha da Legalidade (1961), liderada por

Leonel BRIZOLA, ocorreu com o intuito de manter a ordem jurídica e garantir que o vice-

presidente João GOULART, O ―Jango‖, assumisse como presidente. ―Jango‖ governou de 1961 a

1964. A oposição dos militares ao seu governo, somada à crise econômica no país, levou a um

novo golpe de Estado. Desta vez, a ditadura militar no Brasil viria para ficar por mais de 21 anos,

cujas consequências nefastas se fazem sentir até hoje, especialmente por causa da não elucidação

sobre os desaparecimentos durante o regime militar, e pela impunidade dos que cometeram esses e

vários outros crimes contra a liberdade e a dignidade humana.

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2 Para aprofundar uma visão latino-americana de alguns processo que levaram a essas situações, pode-se ler „As veias abertas da América-Latina‟, de Eduardo Galeano, disponível em: http://copyfight.noblogs.org/gallery/5220/Veias_Abertas_da_Am%C3%83%C2%A9rica_Latina(EduardoGaleano).pdf.

Da ditadura civil-militar de 1964 ao Estatuto da Criança e do Adolescente

Em 1964, dezenove anos depois da segunda guerra mundial, o Brasil mergulha em

outro período de ruptura democrática, planejado e coordenado, pelos Estados Unidos e grande

parcela das elites nacionais. Com consequências diretas para o término dos direitos civis e políticos

de todos/as os/as brasileiros/as contrários/as ao golpe, em especial para as organizações de

trabalhadores/as, com consequências marcantes no que se refere ao atendimento de crianças e

adolescentes filhos/as das classes trabalhadoras. Numa ditadura gestada de fora para dentro do país,

como após aconteceria em outros países latino-americanos, com aporte instrutivo de estratégias de

golpe e guerra, ensinados pelo Pentágono e outros órgãos de Estado norte-americanos2.

No mesmo ano do golpe civil-militar de 1964, é criada a Fundação Nacional do

Bem-Estar do Menor (FUNABEM), extinguindo o S.A.M., instituído na ditadura Vargas com

funções similares ao sistema penitenciário, destinado ao atendimento da população menor de 18

anos.

Segundo Silva (1998) convergem para a origem da

FUNABEM dois movimentos articulados. De um lado a

proposição dessa instituição que remonta a 1961 e que não foi

aprovada pela Câmara dos Deputados à época e que teve como

certo apelo social o fato de que, em 1964 ―um filho do então

Ministro da Justiça Milton Campos foi barbaramente assassinado por adolescentes moradores nos

morros do Rio de Janeiro, e o próprio Ministro, juntamente com outros juristas do Rio de Janeiro,

convenceram o presidente General Humberto Castelo Branco a criar, por decreto, a almejada

fundação nacional‖, e, de outro lado, a necessidade de reforma e controle das instituições

educacionais

que incluiu a outorga de uma nova Constituição em setembro do mesmo

ano, a decretação de vários atos institucionais, como o AI-5, e, por

orientação do governo e das agências americanas, a reforma do sistema

educacional brasileiro a partir dos acordos MEC/USAID, e posteriormente a

reforma do ensino universitário em 1968, com o objetivo deliberado de

constituir barreiras ideológicas, culturais e institucionais à expansão da

ideologia marxista, que então estava em voga em todo o continente sul-

americano. (SILVA, 1998)

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3 São previstos como membros e indicam representação para o Conselho Nacional da FUNABEM a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Confederação dos Reverendos do Brasil, Confederação Evangélica do Brasil e Confederação Israelita do Brasil.

A FUNABEM foi criada com ―objetivo de formular e implantar a política nacional

do bem-estar do menor, mediante o estudo do problema e planejamento das soluções, a orientação,

coordenação e fiscalização das entidades que executem essa política‖ (Art. 5º, Lei 4.513/64). Em

sua estrutura estavam previstas as unidades estaduais, convênios e parcerias, nacionais e

estrangeiras. No mesmo decreto de sua criação foi previsto a existência de um Conselho Nacional,

composto por instituições da sociedade civil, especialmente

religiosas3, e governamentais, instalado por decreto presidencial já

em 1965.

Alicerçada na Doutrina de Segurança Nacional,

que orientava toda ação governamental repressiva do governo

civil-militar, a FUNABEM e suas executoras estaduais, as

Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor (FEBEMs) mantiveram a lógica de encarceramento

do S.A.M. inspirada no modelo norte-americano desenvolvido para o atendimento de crianças

evacuadas ou órfãs em virtude da segunda guerra. E para dar tranquilidade aos técnicos e

especialistas (e à sociedade extramuros) que deveriam dedicar-se à educação dos/as carentes, mal

tratados/as e abandonados/as, garantindo-lhes cuidados adequados, era dado destaque a questão da

segurança, da disciplina e da obediência nas executoras estaduais.

Como em outras áreas, o poder executivo federal golpista tomava para si, a

centralidade das decisões sobre condutas, inclusive de crianças e adolescentes, tratando problemas

sociais como problemas de segurança nacional, mantendo o tripé segurança-disciplina-obediência

como garantidor/mantenedor da ordem vigente. Um sistema onde democracia, direito e dignidade

eram conceitos fora de lugar.

Para Silva (1998) a FUNABEM expressa bem a visão inicial do período repressivo,

pois ―o menor passou a figurar em lugar de destaque na Doutrina da Segurança Nacional, passando

a ser efetivamente tratado como um problema de ordem estratégica, saindo da esfera de

competência do Poder Judiciário e passando diretamente à esfera de competência do Poder

Executivo‖.

Nascida como anti-S.A.M., que chegou a ser considerada ‗escola do crime‘, a

FUNABEM possuía inicialmente um discurso contrário à institucionalização, mas não uma prática

nesse sentido, já que à ela cabia também o controle da ordem nacional no que se referia ao menor,

ainda dentro dos marcos do 1º Código de Menores e da Doutrina do Direito do Menor. Na sua

execução, coincidente com o endurecimento governamental, vai-se construindo no Brasil uma nova

doutrina, a Doutrina da Situação Irregular, cuja validação jurídica vem com o 2º Código de

Menores, em 1979. Lei que mantém a FUNABEM como órgão deliberativo da política nacional de

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4 Atualmente existe a Associação Nacional dos Centros de Defesa (ANCED) que, no RS, conta com dois centros associados: PROAME/CEDECA Bertholdo Weber, em São Leopoldo (www.cedecaproame.org.br), e o IAJ, em Porto Alegre, (www.iaj.org.br). Existem outras instituições que também atuam nessa área, como o CEDEDICA, de Santo Ângelo (www.cededica.org.br), o G10-Saju/UFRGS (g10saju.blogspot.com/) de Porto Alegre.

atendimento.

É importante ressaltar que todas as legislações e tratados internacionais, desde a Liga

das Nações até as Nações Unidas, no que diz respeito à criança e ao adolescente, não foram

absolutamente levadas em conta ou sequer referidas na construção das políticas de atendimento no

Brasil. Segundo Silva (1998),

os princípios da Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, de

1924, não teve nenhuma repercussão na redação final do Código de

Menores de 1927. Da mesma forma, os legisladores brasileiros não foram

sensíveis aos princípios já consagrados na Declaração Universal dos

Direitos Humanos, de 1948, na Declaração Americana dos Direitos e

Deveres do Homem, de 1948, e no Pacto de San José da Costa Rica, de

1969, que obrigou os países signatários a adotarem em seu direito interno os

princípios da Convenção, figurando ali a proteção à família e aos direitos da

criança, assim como a Declaração sobre os Direitos da Criança, adotada pela

ONU em 20 de novembro de 1959, o Pacto Internacional dos Direitos Civis

e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais acima citados, ambos de 1966, não tiveram nenhuma influência

significativa na redação final do Código de Menores de 1979.

Portanto, até a constituinte de 1988, onde expressivos setores da sociedade

mobilizaram-se na pressão popular sobre o Congresso Nacional, nosso país tratou os direitos

humanos de crianças e adolescentes de forma bastante repressiva e criminalizante (ZALUAR,

1996). Como consequência podemos citar outros exemplos, como a não universalização do ensino

fundamental ou o alto índice de mortalidade infantil, o maior da América-Latina à época.

Essa situação de absoluta calamidade em relação

aos direitos humanos básicos de crianças e adolescentes no

Brasil fez eclodir uma série de iniciativas e construção de

movimentos de resistência e denúncia, como o Movimento

Nacional de Meninos e Meninas de Rua, em 1982, em São

Paulo, e os Centros de Defesa de Direitos da Criança e do

Adolescente4, em 1983, em Emaús/AM. Ambas as experiências

resultaram em construção de redes articuladas ou derivadas

dessas experiências por todo país, até hoje.

Retomada da democracia e o atendimento à criança e ao adolescente no Brasil

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Diferente dos períodos das ditaduras Vargas (1937–1945), quando se instituiu o

S.A.M., e Civil-Militar (1964–1985), quando se criou a FUNABEM, no processo constituinte de

1988, não foi da Presidência da República nem do Congresso, o protagonismo de construção do

novo marco legal do atendimento à criança e ao adolescente no

Brasil. Influenciados pela discussão internacional de construção da

Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente,

da qual brasileiros/as também participavam, representantes de

instituições variadas, propuseram o texto do artigo 227, aprovado e

incorporado à Constituição Federal, que fixa novo entendimento à

‗questão do menor‘ no país:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e

comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(BRASIL, 1988)

A mobilização popular na área foi levada a cabo pelo

Fórum Nacional Permanente de Entidades Não-Governamentais de

Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), a

partir do encontro de vários segmentos organizados de defesa da

criança e do adolescente em março de 1988. Tal articulação foi

responsável pela terceira maior coleta de assinaturas entre as Emendas Populares à Constituinte,

com 1.350.535 eleitores signatários (CARDOSO, 2011).

Dois anos após, em 1990, repete-se a mobilização, com a coleta e entrega de mais de

um milhão de assinaturas ao Congresso Nacional para aprovar o Estatuto da Criança e do

Adolescente, lei que já nasce adequada à Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente, que foi promulgada pela ONU em 1989, e ratificada pelo Brasil no final de 1990, após

a aprovação do Estatuto.

Com o Estatuto, extingue-se a FUNABEM e o 2º Código de Menores, unificando-se

as competências de ambos no novo texto estatutário. Em acordo com os princípios constitucionais

de 1988, são também previstos conselhos ―deliberativos e controladores das ações em todos os

níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas,

segundo leis federal, estaduais e municipais‖, assim como a ―municipalização do atendimento‖

(Estatuto, Art. 88).

Abaixo, algumas comparações entre Códigos de Menores e Estatuto:

Foto do filme Bilú e João, dirigido por Kátia Lund. É um dos sete

curtas do „Documentário Crianças Invisíveis‟. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=9IpfZuCdq6s. Confira também os

demais filmes, com situações de violação de direitos humanos de

crianças de todo mundo, captadas pelas lentes de Spike Lee, Emir

Kusturica, John Woo, Ridley Scott,

Mehdi Charef e Stefano Veneruso.

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Questão Código de Menores (1979) Estatuto (1990)

Origem Doutrina de Segurança Nacional (1964-1985), a partir da construção gestada na FUNABEM.

Movimento de revisão da Doutrina da Situação Irregular na Constituinte de 1988; discussões internacionais sobre direitos humanos de crianças e adolescentes e movimentos populares e organizações de trabalhadores da área.

Regulação social Dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a menores.

Dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

Entendimento do ‘público alvo’ da lei

Até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação irregular.

Considera-se criança a pessoa até doze anos de idade, incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Portanto: todas as crianças e adolescentes.

Definição legal

Não há explicitação textual. Pela leitura dos vários capítulos e artigos, fica claro que o menor é objeto de diversas ações de controle e vigilância.

Gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Portanto: sujeitos de direitos.

Definição do foco de atendimento

Menores em situação irregular por falta, ação, omissão, dos pais ou responsável. Menores em situação de desvio de conduta, vítimas de castigos imoderados, etc.

Crianças e adolescentes, pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, que tenham seus direitos ameaçados ou violados, por ação, omissão ou falta, dos pais ou responsável, sociedade ou estado, ou em razão de sua conduta. Portanto: não há centralidade na culpabilização da família. Estado e sociedade podem ser considerados partícipes da violação.

Mecanismos de controle e participação

Previa o Juizado de Menores como agente único de decisão e controle, subordinado à política pública emanada da FUNABEM, por meio de seu Conselho Nacional.

Prevê os conselhos em todos os níveis com semelhantes poderes, definidores e controladores, das políticas públicas. Destacam-se as funções também protetivas do Ministério Público. Cria-se o Conselho Tutelar, com membros escolhidos pela comunidade local de cada município, com atribuição de zelar pelo cumprimento do direito, aplicar medidas administrativas de proteção (para desjudicionalizar questões sociais) e requisitar serviços para melhor eficácia dessas; além de assessorar na elaboração orçamentária dos executivos municipais.

Fiscalização

Função restrita ao Juizado de Menores, ao Ministério Público e ao Conselho Nacional da FUNABEM.

Amplia-se para os conselhos de direitos em todos os níveis e ao Conselho Tutelar. Observação: Com a redemocratização, também em certa medida, legislativos e órgãos de contas nos três níveis da administração pública também são competentes.

Observação geral

O Estatuto é uma lei complementar à constituição que seguidamente está sendo atualizada a partir das muitas disputas de entendimento que existem na sociedade. O Código de Menores de 1979 manteve-se inalterado nos dez anos de sua vigência e a FUNABEM teve poucas mudanças no texto legal desde sua instituição e ao longo dos 26 anos de existência.

Questão: Pensando nesse comparativo entre o Código e o Estatuto, que ações se observam em sua cidade que ainda tem a ver com o modelo „menorista‟? Que ações realmente podem ser pensadas como preconizadas a partir do Estatuto? Todas as instituições (escolas, polícias, etc.) já agem de acordo com o Estatuto?

A extinção da FUNABEM não repercutiu imediatamente nos estados. Em todo país

mantiveram-se as fundações estaduais, buscando-se apenas reformular o atendimento prestado,

através do que se começou a chamar de Reordenamento Institucional. Um reordenamento que

buscava a passagem do modelo carcerário e restritivo da convivência familiar e comunitária

existente no modelo FUNABEM/Código de Menores para o modelo de garantias de direitos

expresso pela nova Constituição Federal e Estatuto. Movimento que, apesar do esforço de muitos

setores, se mostrou equivocado em todo país para o sistema FEBEM. E para outras instituições, cuja

mudança no atendimento, muitas vezes, correspondeu a uma adaptação de terminologias e não na

mudança das práticas existentes.

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5 A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa do RS foi criada em 25 de junho de 1980, através da Resolução nº 1.817. Sua instalação foi conseqüência do esforço e pressão da sociedade civil organizada, indignada com o episódio do seqüestro dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Dias, junto com duas crianças, em Porto Alegre, em 1979, para serem levados por policiais brasileiros aos cárceres políticos do Uruguai. Criada na esteira da abertura democrática, logo após a promulgação da Lei da Anistia, a Comissão tinha por horizonte a luta pelo resgate da cidadania e afirmação dos Direitos Civis e Políticos, violados pelo arbítrio da ditadura militar instaurada no Brasil. (Relatório Azul, 2010)

Na esteira do processo de redemocratização o desemprego e as péssimas condições

de vida da maior parte da população fizeram surgir em todo país movimentos reivindicatórios, no

meio rural e urbano, como o Movimento Sem-Terra, de Trabalhadores Desempregados e de

Associações de Bairro. Juntamente com a luta em relação à

precarização econômica e de infraestrutura urbana, emergem

outros movimentos em defesa da vida (de mulheres,

antimanicomial, de crianças de rua, etc.). Movimentos que

questionam as diversas formas de aprisionamentos das pessoas, na

família patriarcal, nas FEBEMs, nas Delegacias, acabando por

retomar a ideia de direitos humanos.

Tem destaque no RS, em 1994, o lançamento do

Relatório Azul pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos5.

Em sua primeira edição o relatório trata de diversos temas caros

aos direitos humanos, começando pela área da criança e do/a

adolescente, com o ilustrativo título: "Crianças e adolescentes -

Entre a vergonha e a cidadania", destacando levantamento do Conselho Tutelar de São Leopoldo,

onde, à época, "140 meninas se prostituem na cidade", e relata: "Representantes dos Conselhos

Tutelares, da OAB/RS e do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua pedem empenho

do Governo do Estado para punir os/as responsáveis e interditar pontos de prostituição infanto-

juvenil". Assim como o processo de implantação dos Conselhos Tutelares no estado e a falta de

estrutura de muitos órgãos, citando o município de Terra de Areia, que "não possuía sede própria,

os conselheiros trabalhavam sem remuneração, sem carro e sem telefone" (RELATÓRIO AZUL,

1994).

Em 1995, o segundo Relatório Azul aborda outros temas com relação à infância e

juventude, como a situação da FEBEM/RS, entre motins e espancamentos de adolescentes; o

extermínio de crianças e adolescentes no RS; a redução da idade penal e uma seção destacando

Conselhos Tutelares, denunciando a pressão para instalação do CT em Sapucaia do Sul, onde

existiria ainda (e ilegalmente) um Comissariado de Menores. Como também a prisão arbitrária de

uma conselheira tutelar em Porto Alegre por que essa ‗descumpriu ordem‘ do Ministério Público de

encaminhar adolescente para família, o que seria atribuição da Delegacia de Proteção à Criança e ao

Adolescente e não do CT, já que lá estava em atendimento (Relatório Azul, 1995).

Quanto a FEBEM, no Rio Grande do Sul, houve vários processos de Reordenamento

Institucional, sendo marcantes os ocorridos entre 1991 e 1995, com o desmonte do primeiro grande

abrigo do sistema estadual, o Instituto Infantil Samir Squeff, e a criação das Unidades Residenciais

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Transitórias (URTs), casas substitutivas ao grande abrigo/instituto (CARDARELLO, 1998), e o

último, entre 1999 e 2002, que levou à extinção da FEBEM/RS e sua substituição por duas novas

fundações. Em 2002, por decisão unânime dos Conselhos Estaduais de Assistência Social e da

Criança e do Adolescente, assim como da Assembleia Legislativa, foram criadas a Fundação

Estadual de Atendimento Sócio-Educativo (FASE), para atendimento das situações de ato

infracional, e a Fundação de Proteção Especial (FPERGS), com a missão de atender as ações

protetivas, em especial o sistema estadual de abrigagem (MORAES, 2009).

A última FEBEM extinta foi a de São Paulo, em 2006.

Para além destas grandes instituições, restam, para todos/as a demanda de desmontar

a lógica de funcionar construída dentro de nós-sociedade, que muitas vezes é uma lógica ―FEBEM

de agir‖ (prender/punir). Não basta desmontar a estrutura física, é preciso repensar nossas práticas

também a céu aberto ou nas múltiplas instituições substitutivas, que só serão benéficas se

repensadas as práticas que as constituem.

Como parte do processo de reconstrução nacional no pós-ditadura, que vitimou

crianças e adolescentes, sequestradas de seus pais e mães e que tiveram que assistir seções de

tortura, entre outras atrocidades, a última ditadura militar custou ao país milhares de vítimas. Muitas

das quais até hoje não se sabe notícias, e que implicaram, em 2012, na instalação de um órgão

especial somente para analisar o período, a Comissão da Verdade. Essa comissão terá poderes

especiais para fazer levantamentos de documentos oficiais e complementará o trabalho já realizado

pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça. Entre 2001, quando foi criada, até hoje, a

Comissão da Anistia teve

60 mil processos julgados, entre os 70 mil recebidos (...), um terço resultou em

reparação moral às vítimas, com pedido formal de desculpas do Estado. Em outros

20 mil processos, os cidadãos que sofreram não apenas graves violações de direitos

humanos — tortura, execução sumária, massacre, genocídio e desaparecimento

forçado — como também violações do tipo monitoramento ilícito, demissões

arbitrárias, compelimento ao exílio‖ (CORREIO BRASILIENSE, 2012)

Outras feridas do tempo ditatorial

ainda deixam marcas na sociedade atual,

marcando a não participação da cidadania e o

baixo controle social do Estado, formatados em

muitos ‗anos de chumbo‘, de silêncios forçados.

Uma sociedade que ainda estranha o direito de

opinião das crianças e dos pais e mães nas escolas,

que não entende o lugar do Conselho Tutelar

Gravura de Elifas Andreato. Muito utilizada pelos movimentos em defesa dos direitos da criança e do

adolescente, especialmente até o final do século XX.

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(SURGIMENTO) enquanto órgão de direitos humanos. Que guarda do período 1964–1985

justificativas para a tortura e a aniquilação da diferença.

Anos 1990 e o novo milênio – direitos humanos, em construção e disputa

Se a década de 1960 viu florescer a esperança nos seus primeiros anos e a dor de

muitos silêncios em seu término a década de 1970 foi cenário de lutas pela redemocratização e por

direitos humanos.

Desde 1985, vivemos o maior período democrático contínuo da história nacional,

mesmo considerando a transição ‗negociada‘ que levou à eleição de Tancredo Neves e José Sarney

pelo Congresso Nacional, contrariando o movimento de milhões de brasileiros/as nas ‗Diretas Já!‘,

cujos processos de garantia de direitos ainda estão em ‗marcha lenta‘, entre as conquistas legais e

sua execução cotidiana. A seguir apresentamos breve inventário de algumas macroviolações de

direitos:

Tema: Aspectos legais - Referenciais Aspectos sociais – Problematização:

Atendimento em saúde mental

& Atendimento a usuários/as de drogas

VER TAMBÉM ANEXO 1:

Informações básicas para CTs

e CMDCAs pensarem a

Saúde Mental nos municípios.

Com fundamento em transtorno em saúde mental, ninguém sofrerá limitação em sua condição de cidadão e sujeito de direitos,

internações de qualquer natureza ou outras formas de privação de liberdade, sem o devido processo legal nos temos do art. 5º, inc. LIV, da

Constituição Federal. (Lei Est. 9.716/92 | Reforma Psiquiátrica)

Direito à proteção as pessoas acometidas de transtorno mental, assegurado sem qualquer

forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política,

nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de

evolução de seu transtorno. (Lei Fed. 10.216/01 | Reforma Psiquiátrica)

Garantir o atendimento especializado a crianças e adolescentes em sofrimento psíquico e

dependência química. Ações programáticas: a) Universalizar o acesso a serviços de saúde

mental para crianças e adolescentes em cidades de grande e médio porte, incluindo a garantia de

retaguarda para as unidades de internação socioeducativa. Recomenda-se aos estados, DF,

municípios e Conselhos dos Direitos a implantação de centros de atenção psicossocial. b) Fortalecer políticas de saúde que contemplem programas de desintoxicação e redução de danos em casos de dependência química. Recomenda-se aos estados, DF, municípios e Conselhos de

Direitos de atenção à saúde a ampliação da cobertura de atendimento aos usuários de drogas

em nível hospitalar e ambulatorial, segundo parâmetros da Reforma Psiquiátrica.

As pessoas, inclusive crianças e adolescentes, devem ser atendidas em serviços abertos, na comunidade (território), deixando a internação hospitalar como recurso extraordinário. “É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares”, ou seja, em manicômios e qualquer outro tipo de serviço em que esteja implícito o rompimento de vínculos. No RS, casos mais graves de crianças e adolescentes dependentes químicos têm poucos lugares de atendimento, normalmente fora das comunidades e cidades. Como o caso narrado na reportagem „Filho da Rua‟, de Zero Hora (17.06.12/Caderno Especial), em que „Felipe‟ circulou entre uma Clínica privada e um Hospital Psiquiátrico, em Porto Alegre, e uma Fazenda Terapêutica, em Sertão Santana. O trabalho em rede, através de ações intersetoriais, articulação com outras áreas de conhecimento e outros serviços, como o ONGs, Conselho Tutelar e escola, no tratamento do/a usuário/a, são práticas previstas no atendimento de saúde pública a crianças, adolescentes e adultos/as . Existem receios quanto à redução de danos para crianças e adolescentes, que, como qualquer diretriz e ação prática, terá que ser aprovada localmente, tendo em vista cada realidade. Mas essa é uma das políticas possíveis e o fundamental é a constituição e capacitação dos serviços e atuação em rede,

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(Diretriz 8, Objetivo estratégico V, PNDH-3) escutando-se os/as usuários/as e levando-se em conta suas demandas e de suas famílias e comunidades.

Questões: Que recursos em Saúde Mental existem na sua cidade ou região? Como se dá o vínculo familiar? Havendo recursos de internação, existe exigência de tempo de incomunicabilidade com a família? Existe na cidade algum programa ou ação de redução de danos? Sendo o recurso de atendimento em outro município, existe garantia de acesso de familiares ao menos uma vez por semana (transporte, etc.)?

Convivência Familiar e Comunitária

Ao longo deste Caderno de

Subsídios outras abordagens tratam

do tema.

Constituição Federal (1988, Art. 227).

Estatuto da Criança e do Adolescente (redação original, ampliada em 2009).

Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes

à Convivência Familiar e Comunitária, 2006 (Conselhos Nacionais do Direito da Criança e do

Adolescente e de Assistência Social).

Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (2010).

Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes (CONANDA, 2011).

Há persistência da cultura de segregação de crianças e adolescentes pobres, em especial pela reiterada acusação à família como negligente e maltratante. Situação comprovada pela ampliação da abrigagem no Brasil, que implicou na necessidade de se reiterar leis e normas. Instituições protetivas, por vezes, construtoras de exclusões, desde a escola, baseadas no controle e na vigilância e numa baixa ação articulada a partir da nova doutrina de garantia de direitos e proteção integral. E deficiente implantação da nova estrutura de Assistência Social, prevista no Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Questões: Como está a implantação dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) em sua cidade? E dos Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS)? Existindo o/s serviço/s, há articulação com serviços de acolhimento, com o CT e outros agentes do Sistema de Garantia de Direitos? Existe algum espaço permanente de conversação e pactuações? Há monitoramento e avaliação das ações?

Tema: Aspectos legais - Referenciais Aspectos sociais – Problematização:

Violência de gênero

O Ministério da Saúde conta com

uma cartilha básica sobre

Direitos Sexuais e Direitos

Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. (Art.

1º/Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789)

A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As distinções sociais só podem ser baseadas no interesse comum.

(Art. 1º/Declaração Universal dos Direitos da Mulher e da Cidadã, 1791)

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns

para com os outros em espírito de fraternidade. (Art. 1º/Declaração Universal dos

Direitos Humanos, 1948)

Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos

direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as

oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

(Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha)

Garantia do respeito à livre orientação sexual e identidade de gênero. Desenvolver políticas

afirmativas e de promoção de uma cultura de respeito à livre orientação sexual e identidade

de gênero, favorecendo a visibilidade e o reconhecimento social. Ações voltadas ao reconhecimento e garantia de direitos da população de lésbicas, gays, bissexuais,

travestis e transexuais (LGBT), com base na desconstrução da heteronormatividade.

(Diretriz 10, Objetivo estratégico V, PNDH-3)

A violência de gênero tem aumentado no Brasil em número de notificações e presença midiática. O RS é o 18º entre os 26 estados e o DF em homicídio de mulheres, segundo Mapa da Violência 2012. Pesquisa de 2009, desenvolvida (com 2002 entrevistadas) pelo Instituto Avon e IBOPE, revelou que a „Violência doméstica é o tema que mais preocupa mulher brasileira‟: 55% dos entrevistados conhecem casos de agressões a mulheres, 56% apontam a violência doméstica como o problema que mais preocupa as mulheres, 78% afirmam conhecer a Lei Maria da Penha e 44% acreditam que ela já está fazendo efeito. Apenas treze municípios gaúchos contam com uma Delegacia da Mulher. Especificamente para a população LGBT no RS existem apenas dois Centros de Referência em Direitos Humanos de Prevenção e Combate à Homofobia (em Porto Alegre e Tramandaí). Parceria entre a SDH/ PR e organismos governamentais e não governamentais.

A intolerância, o sentimento de posse do/a outro/a, e a heteronormatividade (entendimento de que existe e deve ser seguido o padrão heterossexual) estão presentes na maior parte das agressões e mortes – que unem numa mesma „vulnerabilidade de gênero‟ mulheres heterossexuais e homens e mulheres com outras identidades de gênero. Crianças e adolescentes entram nos processos por conta de vivenciá-los, em casa ou por conhecimento social mais amplo, e precisam de espaços de conversa e escuta para não serem vitimadas ou reproduzirem comportamentos violentos e violentadores.

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Reprodutivos. Acesso:

http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/ cartilha_direitos_sexuais_2006.pdf.

Além disso, têm direito a orientação quanto ao exercício de suas sexualidades, de acordo com cada fase do desenvolvimento.

Questões: Existe política municipal de direitos sexuais e reprodutivos de crianças e adolescentes em sua cidade? Há orientação nas escolas ou nos serviços de saúde? Como as instituições têm tratado as questões de homofobia?

População negra & População indígena

São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,

e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União

demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Os índios, suas comunidades e

organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e

interesses(...). (Artigos 231 e 232, Constituição Federal)

Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o

Estado emitir-lhes os títulos respectivos. (Art. 68, Constituição Federal)

(PNDH-3, em várias diretrizes)

A violência historicamente tem recaído de forma mais evidente, especialmente no que tange a letalidade, junto à população negra. Segundo o Mapa da Violência 2012, entre 2002 a 2010, o número de pessoas brancas vítimas de homicídios caiu de 18.852 para 13.668, o que representa uma queda da ordem de 27,5%. Já entre os negros, o número de vítimas de homicídio aumentou de 26.952 para 33.264, equivalente a um crescimento de 23,4%. Em 2010, um novo patamar preocupante: morrem no Brasil proporcionalmente 139% mais negros que brancos, isto é, bem acima do dobro. As leis 10.639/2003 e 11.645/2008 determinam o ensino da história e cultura negra e indígena em escolas.

Questões: Quais são os índices de violência no seu município? Existem comunidades indígenas ou quilombolas? Em existindo, que ações existem lá? Como o CT age nos atendimentos? Como está o ensino da cultura e história negra e indígena nas escolas?

Proteção a pessoas ameaçadas:

- Defensores/as de Direitos Humanos

- Crianças e adolescentes ameaçados de morte - Testemunhas

Declaração dos Direitos e Responsabilidades dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da Sociedade para Promover e Proteger os Direitos Humanos

e Liberdades Individuais Universalmente Reconhecidos. (Resolução 53/144/ONU, 1998)

As medidas de proteção requeridas por vítimas ou por testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em

razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal serão prestadas pela União,

pelos Estados e pelo Distrito Federal, no âmbito das respectivas competências, na forma de programas especiais organizados com base

nas disposições desta Lei. (Lei n.º 9.807/99)

Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM)

(SDH/PR, 2003)

Política Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (Dec. 6.044/07)

Garantia dos direitos das vítimas de crimes e de proteção das pessoas ameaçadas.

(Diretriz 15, PNDH-3)

Sobre a proteção de defensores de direitos humanos: Sindicalistas, religiosos/as, advogados/as, conselheiros/as tutelares e militantes de organizações populares variadas têm em comum, no exercício de suas atribuições de consciência ou legais, a possibilidade de represálias. Desde perseguições e calúnias até a ameaça de morte e o próprio assassinato. Milhares de pessoas já foram mortas no Brasil atuando na defesa de causas variadas. Quanto à proteção de crianças e adolescentes, em âmbito nacional: “No ano de 2010, por exemplo, atendeu 1.390 pessoas, sendo 514 crianças e adolescentes e 876 familiares. A identificação da ameaça e a inclusão no PPCAAM é realizada por meio do Poder Judiciário, dos Conselhos Tutelares e do Ministério Público, caracterizados como „Portas de Entrada‟, sendo estas instituições também responsáveis pela fiscalização e aplicação da garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes.”. Mais informações: http://www.sedh.gov.br/spdca/ppcaam/. O Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas é composto pelo Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, gerenciado pela Secretaria dos Direitos Humanos, e pelos programas estaduais de proteção. Apenas o RS e mais nove estados integram o sistema. No estado existe o Programa Estadual de Proteção, Auxílio e Assistência a Testemunhas Ameaçadas (Protege), vinculado à SJDH, Departamento de Justiça.

Questões: Você já foi ameaçado/a no exercício de sua função? Conhece alguém que foi e o que aconteceu após a ameaça? Sabe se alguma pessoa/família é atendida por algum programa de proteção na sua cidade? Já recorreu a alguma dessas estruturas protetivas no seu município e em nível estadual, federal? Que ações têm ou pode ter o Conselho Tutelar ou o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente em situações como essa?

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Algumas questões para seguir refletindo

Em setembro de 2011, no Seminário Sociologia & Política, na UFPR, o presidente do

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), economista Marcio Pochmann, disse que os

―brasileiros pobres que estudam e trabalham são verdadeiros heróis. Submetem-se a uma jornada de

até 16 horas diárias, oito de trabalho, quatro de estudo e outras quatro de deslocamento. Isso é mais

do que os operários no século XIX‖. Assim, não bastam vagas, programas e serviços. Nos

municípios, nos estados e em nível nacional, precisa-se pensar sobre as políticas públicas e para o

que e quem servem. Jovens nessas condições, em boa parte, abandonam a escola, voltando (e

quando voltam) anos mais tarde por necessidade de novas oportunidades ou apenas porque sua

empresa exige com o fim de conquistar algum certificado de qualidade empresarial.

Meninos e meninas de uma mesma geração, adolescentes de classe média e alta e

filhos/as de trabalhadores/as tem, em regra, lugares diferentes no mercado de trabalho e na

sociedade em geral, não por uma questão de merecimento (como defendem muitos/as pessoas), mas

porque suas situações de origem, de classe, são muito desiguais.

As desigualdades referidas produzem drásticos e retroalimentados ciclos de exclusão

social. Estas produções têm sido analisadas, na maioria das vezes apenas quando a expressão destes

processos podem ser visualizadas como violência, uma violência que atinge a todos/as e não só as

populações mais empobrecidas . E facilmente caímos em discursos reducionistas, que relacionam

violência com pobreza, desconsiderando as várias maneiras como se explicita a violência.

Tomando a modernidade como um tempo de produções sociais marcadas pelo culto

ao corpo saudável, belo e funcional, tendo por trás a insuportabilidade à finitude, à impotência,

onde o envelhecimento precisa ser superado, um tempo de voraz produção de consumo, de descarte

de produtos e corpos, pensemos como se alocam os sujeitos tendo tão desiguais possibilidades de

lidar com isto que está colocado.

O consumo de corpos, corpos jovens, que se dão a ver por suas formas construídas,

retalhadas até darem conta de um ideal de beleza e consumo, diz de uma época e lugar que, com

seus regimes de verdade, produz gente e coisas para serem consumidos/as. A apologia do corpo

sarado, a era das academias, drogas que modelam o corpo, cirurgias plásticas, lipoaspiração, um

ideário que invade casas, ruas, mentes, determinando comportamentos e produzindo mercado que

forneça a alavanca para os corpos desejados.

Pensando que ter e consumir produzem lugares de reconhecimento positivo, como

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5 Morte Civil é um conceito utilizado por Erving Goffman, no livro „Manicômios, Prisões e Conventos‟ (1961), onde analisa a mortificação das pessoas submetidas as instituições totais. E também por Herbert Daniel, no artigo „Anotações à margem do viver com AIDS‟ (1991), no qual denuncia o que chama de ditadura terapêutica, onde “a morte civil é a pior doença gerada pela epidemia insuflada pela epidemia do HIV”. Textos de Daniel disponíveis em: http://reocities.com/Athens/acropolis/7051/leia.html#4.

ficam os/as que não alcançam responder a esta demanda satisfatoriamente, por exemplo.

Inclui-se nesta discussão a erotização dos corpos infantis que depois se mostram nas

estatísticas de pedofilia, usos e abusos na internet de corpos de crianças, traduzidos em imagens que

nos causam horror, mas que precisam ser percebidos em sua gênese social, quando está naturalizado

que crianças cantem músicas com conteúdos detalhando um exercício de sexualidade com requintes

de violência, muitas vezes. Ou, que crianças desde cedo modelem seus corpos para realizar o sonho

de ser modelo, em performances de adultez discrepantes com a idade cronológica e emocional. São

estes, alguns exemplos para se pensar onde são gestadas práticas que num desencadear de processos

acabam fomentando produções de violência. A violência não é uma produção meramente individual

e nem tampouco localizada isoladamente.

Aí, a análise simplista que liga pobreza e violência não dá conta de localizar o foco

da violência com tal, tendo em vista que esta é tecida em toda a sociedade.

É importante visualizar a produção social, onde cada um/a de nós está implicado/a

intensamente, destas construções. Sob pena de ficarmos restritos as explicações reducionistas de

que jovens, negros/as e pobres, são sempre os/as ―matadores/as‖ possíveis, e, mais, de que o tráfico

de drogas envolve apenas o/a traficante e os/as meninos/as das favelas, como nos apresenta

comumente a mídia, sem perguntar sobre quem ganha com isto e quem consome e alimenta esta

cadeia.

Os/as conselheiros/as tutelares e de direito da criança e do adolescente são agentes

que necessariamente precisam dirigir seus olhares para questões como estas e compreender estas

produções sociais mais amplas. Isto para que em suas ações possam envolver os/as vários/as

agentes produtores/as destas construções, problematizando a naturalização destas. Como, por

exemplo, a construção social da ausência paterna. Do homem que não tem licença para acompanhar

pré-natal, que tem licença paternidade de cinco dias, que muito dificilmente pode conseguir

autorização do local de trabalho para uma reunião na escola, para uma consulta de saúde, etc. Sem

falar do homem afastado dos cuidados iniciais do/a recém-nascido/a porque ‗não tem jeito‘, ‗não

sabe pegar/segurar‘, etc. Do menino que não chora, que é forte, corajoso, que ‗não leva desaforo

para casa‘, pois ‗se apanhar na rua, vai apanhar mais em casa para aprender a ser macho‘.

Construção de um ser humano homem que não

pode expor sentimentos e que, ao mesmo tempo, deve ser

violento. Que, depois, mata e morre, muito mais precocemente

que a mulher, tendo tal questão já se convertido em dado

demográfico no Brasil. Uma situação que preocupa pelo

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crescimento da violência letal em nosso país, onde, segundo o Mapa da Violência (2012) ―nos

últimos dados disponíveis, correspondentes a 2010, dos 49.932 homicídios registrados pelo SIM,

45.617 pertenciam ao sexo masculino (91,4%) e 4.273 ao feminino (8,6%). E, historicamente, essas

proporções não mudam praticamente de um ano para outro‖.

Essas taxas de homicídios enormemente díspares entre ambos os sexos está

originando um forte desequilíbrio demográfico na distribuição por sexos da

população, principalmente a partir dos 20 anos de idade. Só por homicídios,

sem contar ainda acidentes de transporte, que serão vistos mais adiante,

temos, anualmente, a perda de um contingente de quase 40 mil homens, o

que desequilibra a composição sexual da população adulta, como ficou

evidente nas diversas pesquisas divulgados pelo IBGE. (MAPA DA

VIOLÊNCIA, 2012)

Por outro lado, a construção social da mãe-super-capaz, que tudo pode e tudo faz

pelos/as filhos/as, valorando positivamente uma carga, muitas vezes, bastante pesada de dupla ou

tripla jornada em nome do ideal de maternidade também pode ser potencial causadora de muitas

‗mortes civis‘5. Visto que esse ideal é tantas vezes reavaliado aos 50 anos quando de separações

conjugais e da situação dos/as filhos/as adultos/as e ausentes. E que, ao mesmo tempo, recoloca o

homem no lugar da figura pública, do que tem tempo para a política comunitária, de Estado, etc.

Processos de construção de identidade de gênero que começam na família e são

reforçados na escola e na vida em comunidade, que vão modelando um jeito determinado e

permitido de se ser mulher e de se ser homem. Um jeito que não pode ser contradito, pois não é

mais jeito e sim ‗o certo‘, ‗o natural‘, etc. Determinações que, especialmente na adolescência, estão

na contramão de vivências e experimentações de muitas meninas e meninos, por vezes

discriminados, se mais sensíveis e menos violentos, e discriminadas, se mais violentas e menos

carinhosas. E o que se diz nessas situações, a partir da fala de autoridade que tem um/a

conselheiro/a tutelar, pode contribuir para a superação de violações ou as afirmar, culpabilizando

sujeitos de direito por seus comportamentos ‗não convencionais‘.

As violações de direitos humanos e sua superação acompanham a história da

humanidade; superação que pode ser construída pelo conhecimento a respeito de nossa história e

pela atitude que tomamos ou deixamos de tomar em relação a isso. E tal situação importa a

conselheiros/as tutelares e de direitos da criança e do adolescente na medida em que a violação de

direitos se dá em todos os segmentos etários, inclusive na infância e na adolescência, desde os

países centrais ‗desenvolvidos‘ até países como o Brasil.

A tortura é comum em nosso país desde sempre. Essa prática nefanda,

verdadeira herança maldita, trazida pelos portugueses ―educados‖ nos

métodos da dita sagrada Inquisição, permanece até hoje, passando por

Colônia, Império, Independência, República, ditaduras e imperfeitos

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Estados de Direito, com governos de todos os tipos. Os indígenas, os

hereges ou infiéis, os negros escravos e descendentes, os ―vadios‖, os

marginais de toda sorte, os internos nos manicômios, os ―subversivos‖ e

opositores políticos, os presos ditos ―comuns‖, os pobres em geral, os não

cidadãos... todos potencialmente vítimas dos abusos e da violência

extremada. Para punir, disciplinar e purificar (sic), arrancar confissões e

informações, intimidar, ―dar o exemplo‖, vingar, derrotar física e

moralmente o suposto inimigo ou, simplesmente, o indesejável. (SOARES,

2010)

As múltiplas violações de direitos ao longo da história apontam para uma potente

construção social dos mesmos. Ou seja, não são ações individuais. A sociedade, composta por

homens e mulheres, instituições e diferentes aparatos de estado, produzem e reproduzem os

discursos que fixam os sujeitos em identidades que vão determinar lugares sociais diferenciados.

Identidades de gênero, raciais, etárias, de classe, de doentes, que dizem de pesos e medidas sociais

bastante diferentes. Medidas e pesos que constroem conceitos em que ricos/as valem mais do que

pobres, negros/as menos do que brancos/as, velhos/as menos do que jovens, homens mais do que

mulheres. Medidas que, mesmo construídas socialmente, muitas vezes se travestem de traços de

natureza, biológicos, como se maternidade fosse sinônimo de mulher, transgressão de juventude,

ignorância fosse sinônimo de infância, e assim por diante.

Indicadores sociais como mercado de trabalho, faixas salariais, acesso ao ensino

superior, por exemplo, mostram como estes lugares sociais, estas identidades socialmente

construídas, funcionam também como agentes de exclusão, de valoração social. Crianças e

adolescentes, por sua situação de pessoas em desenvolvimento, são direta ou indiretamente

construídas/atingidas por esta lógica de ‗mercado de gentes‘.

Como construções sociais potentes, as construções sociais de exclusão e violências

de todo tipo são passíveis de mudança pela ação também potente de todas as pessoas que se opõe a

elas.

A partir da perspectiva histórica e legal aqui apresentada, conselheiros/as de direitos

da criança e do adolescente e conselheiros/as tutelares, são – antes de mais nada – defensores/as dos

direitos humanos de crianças e adolescentes. Defensores/as que, desejando, integram-se a todas as

redes de defensores/as de direitos humanos, pois "as pessoas e os grupos sociais tem o direito a ser

iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os

descaracteriza" (SANTOS, 1997).

Este é um convite aos/às conselheiros/as tutelares e de direitos a afinarem a escuta e

alargarem seus olhares em relação à enorme quantidade de fios que se entrelaçam para tecer o

bordado da vida coletiva, e alertar para a importância de sensibilizar estes sentidos, pois estes

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também são construções sociais.

Olhar e escuta são ferramentas de trabalho estratégicas e centrais para o trabalho de

conselheiros/as tutelares quando do atendimento. Pois lidam com histórias de vida e seus

desdobramentos (Tinoco, 2006).

A escuta pressupõe que por trás de cada palavra há uma história singular de

vida carregada de significados. Escutar, diferente de ouvir é a possibilidade

d

e

p

e

r

c

e

ber o que há para além das palavras, do que é dito e a partir de onda fala

cada pessoa, pois é esta percepção que permite singularizar histórias de

vida, significados e projeto de vida em jogo. O que se escuta das palavras e

as palavras que se diz não são elementos menores quando o que está em

questão é um processo de trabalho que visa intervir na vida das pessoas.

Não se trata, portanto de um agir uniforme como um roteiro mecânico a ser

seguido indistintamente, senão uma abertura, disponibilidade pessoal para a

tarefa. (TINOCO, 2006)

Aprendemos a ver as coisas como nos ensinam que elas são e a ouvir com ouvidos

preparados a ouvir a partir de uma moral dominante. É extremamente difícil o exercício de

deseducar os olhares e ouvidos e ouvir de outros jeitos e enxergar outras cores. Fica o convite

reiterado a construirmos juntos/as estes olhares/lugares.

AS POLÍTICAS PÚBLICAS

Na tentativa de contribuir com o entendimento sobre políticas públicas, cabe salientar, que

estas surgem a partir das mudanças sociais, ‗políticas sociais‘, de atitudes complexas que têm a

expectativa de constituir de maneira firme, uma condição de apoio, suporte e proteção social, após a

Constituição Federal de 1988. São diversas as definições de políticas sociais, mas segundo conclui

Coimbra, 1987:

Diante da complexidade, nosso objetivo não é definir conceitos de políticas sociais, e sim,

[...] sequer uma definição adequada do que é política social existe nas principais

abordagens [...], todas as abordagens teóricas ao estudo da política social, por mais

diferentes que sejam umas das outras, se igualam na adoção de definições puramente

somatórias, pobres teoricamente e muito insatisfatórias Metodologicamente”. (citado

por Jorge Abrahão de Castro... UNESCO, 2009. Pg. 88).]

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assinalar a importância dela na constituição, nas alterações das políticas públicas no Brasil e no

Sistema de Garantia de Direitos.

Sobre políticas públicas, podemos entender como um conjunto de decisões públicas de

caráter soberano da autoridade do poder público, na tentativa de satisfazer as demandas que lhes são

dirigidas pelos autores sociais ou formuladas pelos próprios agentes do sistema público ou seus

apoiadores, (Maria das Graças Rua), “Análise de Políticas Públicas: Conceitos Básicos”. Já Celine

resume política pública como, “o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o

governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor

mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas

públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e

plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo

real”. (Políticas Públicas: uma revisão da literatura. CELINA SOUZA, 2003)*

Segundo, Manual do Sebrae/MG, 2008, ―Políticas Públicas são um conjunto de ações e decisões do

governo, voltadas para a solução (ou não) de problemas da sociedade.”

Dito de outra maneira, as Políticas Públicas são a totalidade de ações, metas e planos que os

governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o

interesse público. É certo que as ações que os dirigentes públicos (os governantes ou os tomadores

de decisões) selecionam (suas prioridades) são aquelas que eles entendem serem as demandas ou

expectativas da sociedade. Ou seja, o bem-estar da sociedade é sempre definido pelo governo e não

pela sociedade.

Na intenção de uma compreensão mais didática, estarão em destaque no quadro abaixo

legislações sancionadas após grandes e admiráveis tensionamentos de grupos organizados com o

Estado. Podemos dizer que foram as políticas sociais que contribuíram para reconhecimento dos

direitos da sociedade, através da normatização de políticas públicas a seguir:

ECA

LEI Nº 8.069, DE 13 DE

JULHO DE 1990

Dispõe sobre o Estatuto da Criança e

do Adolescente e dá outras

providências

Art. 1º “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à

criança e ao adolescente”.

SUS

LEI Nº 8.080, DE 19 DE

SETEMBRO DE 1990

Dispõe sobre as condições para a

promoção, proteção e recuperação da

saúde, a organização e o

funcionamento dos serviços

correspondentes e dá outras

providências

Art. 1º “Esta lei regula, em todo o território nacional,

as ações e serviços de saúde, executados isolada ou

conjuntamente, em caráter permanente ou eventual,

por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou

privado”.

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LOAS

LEI Nº 8.742, DE 7 DE

DEZEMBRO DE 1993

SUAS

LEI Nº 12.435, DE 6 DE

JULHO DE 2011

Dispõe sobre a organização da

Assistência Social e dá outras

providências;

Altera a Lei no 8.742, de 7 de

dezembro de 1993, que dispõe sobre

a organização da Assistência Social

Art. 1º “A assistência social, direito do cidadão e

dever do Estado, é Política de Seguridade Social não

contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada

através de um conjunto integrado de ações de

iniciativa pública e da sociedade, para garantir o

atendimento às necessidades básicas”.

Art. 1o Os arts. 2

o, 3

o, 6

o, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 20,

21, 22, 23, 24, 28 e 36 da Lei no 8.742, de 7 de

dezembro de 1993, passam a vigorar com a seguinte

redação.

LDB

LEI Nº 9.394, DE 20 DE

DEZEMBRO DE 1996

Estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional,

Art. 1º “A educação abrange os processos formativos

que se desenvolvem na vida familiar, na convivência

humana, no trabalho, nas instituições de ensino e

pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da

sociedade civil e nas manifestações culturais”.

CLT

DECRETO - LEI N.º 5.452,

DE 1º DE MAIO DE 1943 -

Aprova a Consolidação das Leis do

Trabalho

Art. 1º “Fica aprovada a Consolidação das Leis do

Trabalho, que a este decreto-lei acompanha, com as

alterações por ela introduzidas na legislação vigente”.

PRONASCI

LEI Nº 11.530, DE 24 DE

OUTUBRO DE 2007

- Institui o Programa Nacional de

Segurança Pública com Cidadania -

PRONASCI e dá outras providências

Art. 1o “Fica instituído o Programa Nacional de

Segurança Pública com Cidadania - PRONASCI, a ser

executado pela União, por meio da articulação dos

órgãos federais, em regime de cooperação com

Estados, Distrito Federal e Municípios e com a

participação das famílias e da comunidade, mediante

programas, projetos e ações de assistência técnica e

financeira e mobilização social, visando à melhoria da

segurança pública”.

PNDH3

DECRETO Nº 7.037, DE 21

DE DEZEMBRO DE 2009

Aprova o Programa Nacional de

Direitos Humanos - PNDH-3 e dá

outras providências,

Art. 1o “Fica aprovado o Programa Nacional de

Direitos Humanos - PNDH-3, em consonância com as

diretrizes, objetivos estratégicos e ações

programáticas estabelecidos, na forma do Anexo deste

Decreto”.

ADOÇÃO E

CONVIVÊNCIA

FAMILIAR

LEI Nº 12.010, DE 3 DE

AGOSTO DE 2009

Dispõe sobre adoção; altera as Leis

nos

8.069, de 13 de julho de 1990 -

Estatuto da Criança e do

Adolescente, 8.560, de 29 de

dezembro de 1992; revoga

dispositivos da Lei no 10.406, de 10

de janeiro de 2002 - Código Civil, e

da Consolidação das Leis do

Trabalho - CLT, aprovada pelo

Decreto-Lei no 5.452, de 1

o de maio

de 1943;

Art. 1o ―Esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da

sistemática prevista para garantia do direito à

convivência familiar a todas as crianças e

adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de

13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do

Adolescente‖.

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SINASE

LEI Nº 12.594, DE 18 DE

JANEIRO DE 2012

―Institui o Sistema Nacional de

Atendimento Socioeducativo

(Sinase), regulamenta a execução

das medidas socioeducativas

destinadas a adolescente que

pratique ato infracional; e altera as

Leis nos

8.069, de 13 de julho de

1990 (Estatuto da Criança e do

Adolescente); 7.560, de 19 de

dezembro de 1986, 7.998, de 11 de

janeiro de 1990, 5.537

―Art. 1o Esta Lei institui o Sistema Nacional de

Atendimento Socioeducativo (Sinase) e regulamenta a

execução das medidas destinadas a adolescente que

pratique ato infracional”.

Na CLT- DECRETO - LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943, houve poucas alterações

após a constituição de 1988, mas tendo algumas específicas na área das Crianças e adolescentes,

sendo uma delas, a portaria de 2002, citada no quadro ao lado.

Assim, é importante salientar, diante da experiência hoje adquirida, que a maioria dos

conselheiros Tutelares e de Direitos do RS tem como base de trabalho e conhecimento apenas a Lei

Federal 8.069, Estatuto da Criança e do Adolescente, dentre estas todas apresentadas até aqui. Não

utilizando assim todos os recursos possíveis e disponíveis na legislação, que podem corroborar na

busca da efetivação da Proteção Integral e do Sistema de Garantias de Direitos de crianças e

adolescentes.

Mas o desafio está lançado e pode-se afirmar, se você conselheiro, se apropriar destas leis,

além do ECA, estará mais respaldado e apto para participar e defender tensionamentos na

efetivação da Proteção Integral e do Sistema de Garantias de Direitos de crianças e adolescentes, e

se manifestar nas discussões de movimentos contrários a essa política no RS ou no Brasil.

Conforme exemplos abaixo:

―PORTARIA N.° 20, DE 13 DE

SETEMBRO DE 2001, DA

SECRETÁRIA DE INSPEÇÃO DO

TRABALHO e o DIRETOR DO

DEPARTAMENTO DE

SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO, no inciso I do artigo 405

da Consolidação das Leis do Trabalho–

CLT, que resolvem no Art. 1º Fica

proibido o trabalho do menor de 18 (dezoito) anos nas atividades constantes

do Anexo I‖. Neste anexo consta uma

lista extensa de locais e serviços que

impossibilitam o trabalho ao

adolescente entre 16 e 18 anos.

“Discussão sobre a maioridade

penal”; “Discussão sobre a

maioridade penal”

“Atendimento de crianças e

adolescentes na rede SUS E

SUAS

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Http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fich

aTecnicaAula.html?aula=1505

AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS

Ampliando o conhecimento das políticas públicas no

caso da criança e do adolescente, a opção pelo ECA é direta e

imediata, pois se trata de um referencial pactuado embora

tenha sido muitas vezes refutado e seja de difícil

aplicabilidade numa sociedade cheia de problemas e de

contradições, o Estatuto vem resistindo às diferentes

agressões de alguns segmentos conservadores que não

consideram a criança e o adolescente como sujeitos de direitos.

O ECA é um instrumento conquistado em parceria com a sociedade civil organizada e

constitui-se ainda como legislação de vanguarda e, em muitos pontos, vem à frente da sociedade,

desvendando caminhos, apontando rumos, criando condições para uma cultura de proteção, defesa

e garantia de direitos das crianças e dos adolescentes brasileiros.

Abordando o ECA, sabemos que não esgotaremos as muitas possibilidades do imenso

alcance social, mas destacaremos alguns se seus artigos que interagem com as políticas municipais

da criança e do adolescente, assinalando aquelas que foram e os que não foram contempladas por

elas.

O primeiro artigo do ECA define que toda criança e adolescente tem direito a proteção

integral, passando a ser sujeitos de direitos, cuja garantia é de responsabilidade da família, da

sociedade e do Estado. Essa doutrina de proteção integral representa o rompimento com o enfoque

do Código de Menores de 1979, que incluía a pobreza como fator determinante de situações

irregulares.

Mudado o enfoque do código de Menores, o ECA elege como primeiro eixo para sua

implementação o estabelecimento de políticas sociais básicas consistentes, que venham a preencher

as necessidades essenciais de saúde, educação, cultura, alimentação, esporte, lazer e

profissionalização, consideradas como direitos de todas as crianças e adolescentes. O Estatuto

Crianças

e

Adolescentes

Atendimento de adolescente em

Medida Socioeducativa

“Efetivação da Lei da Adoção e da

Convivência Familiar”

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logo_pnh_versao_oficial.jpg.

portal.saude.gov.br

determina que tais políticas públicas, cuja implementação cabe ao Estado, sejam destinadas a todas

as crianças e adolescentes, independentemente de sua

condição e respeitada a sua condição peculiar como

pessoa em desenvolvimento.

Na intenção de mobilizar a participação da

sociedade civil nesse processo, e garantir assim o

estabelecimento de políticas sociais básicas consistentes

e o acesso aos serviços o ECA (art. 131) estabelece a

criação de um órgão que, juntamente com o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Justiça da

Infância e da Juventude, tem por responsabilidade a defesa e a

garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes: o Conselho

Tutelar.

Nos seus princípios o ECA vai além, pois no Título II, Dos

Direitos Fundamentais - Capítulo I – Do Direito à Vida e à Saúde,

na garantia dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, ele

infere, determina e compromete as demais instâncias das políticas

públicas. Nos artigos 7º ao 14, o ECA, através da política do SUS,

sendo esta a diretriz da saúde pública brasileira, busca assegurar e

garantir o atendimento da saúde da criança e adolescente. Neste

capítulo, especificamente, o Estatuto prevê a garantia da promoção da saúde, do atendimento e da

prevenção dos riscos inerentes à saúde, ao desenvolvimento, à vida de crianças e adolescentes,

prevendo também a garantia do atendimento a gestante, a gestante adolescente e a saúde da família.

Referente à garantia da saúde, podemos salientar no Estatuto outros artigos que contribuem

diretamente para o cumprimento de tais normativas. No capítulo II, artigo 136, temos as atribuições

dos conselheiros tutelares, podendo estes requisitar serviços públicos nas áreas de Saúde, Educação

e Serviço Social, entre outras. No artigo 208 está previsto entre outras, a assistência à saúde para o

educando em ensino fundamental. No Título VII, Capítulo I, Seção II – Dos Crimes em Espécie, do

Estatuto, está definida a punição para as pessoas relacionadas à gestão e atendimento a saúde de

gestante e a criança recém-nascida, conforme consta no artigo 228, 229 e artigo 258-B. No capítulo

II - Das Infrações Administrativas, do Título VII, consta pena se “Deixar o médico, professor ou

responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche,

de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita

ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente”. (Art.245). Entendemos que só o

fato de constar especificamente no Estatuto, artigos referenciados a área da saúde, não é sinônimo

O Estatuto determina que em cada

município haverá, no mínimo, um

Conselho Tutelar composto de cinco

membros, escolhidos pela comunidade

local para mandato de três anos, permitida

uma recondução (Art. 132).

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Símbolo utilizado para marcar a luta pela

erradicação do trabalho infantil - foi escolhido

para a Caravana Nacional pela Erradicação do

Trabalho Infantil. http://www.fnpeti.org.br

de garantia efetiva de não violação de direitos de crianças e adolescente nos municípios.

Mais recente do que o ECA e o SUS estão as politicas do (LOAS) e (SUAS), conforme já

visto no quadro acima. O SUAS amplia o papel de regulamentar e integrar o conceito de seguridade

social, pois reconhece no artigo 6º que, ―A gestão das ações na área de assistência social fica

organizada sob a forma de sistema descentralizado e participativo, denominado Sistema Único de

Assistência Social definindo os objetivos à quem dela necessitar.

Com a implementação do SUAS, diversas e importantes ações foram evidenciadas na

tentativa de reconhecer, atender, combater, prevenir, evitar a miséria, a violência e demais situações

de vulnerabilidades ou risco social e pessoal de diferentes demandas da nossa sociedade, conforme

exposto no artigo 6º §1º” As ações ofertadas no âmbito do SUAS têm por objetivo a proteção à

família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice e, como base de organização, o

território”.

A partir do SUAS, a assistência social elenca dois tipos de proteção:

É possível salientar ainda no SUAS, alguns dos objetivos do

Atendimento Especializado a Família e ao Indivíduo, entre eles o

apoio, a orientação e o acompanhamento destes em situação de

ameaça ou violação de direitos, de forma articulada com as demais

políticas públicas e órgãos do Sistema de Garantia de Direitos.

Podemos destacar no SUAS, a lógica de Sistema de garantia de

I - Proteção Social Básica: conjunto de

serviços, programas, projetos e benefícios da

assistência social que visa a prevenir situações

de vulnerabilidade e risco social por meio do

desenvolvimento de potencialidades e

aquisições e do fortalecimento de vínculos

familiares e comunitários. As pessoas carecidas

da proteção básica estarão habilitadas para

atendimento no Centro de Referência de

Assistência Social (CRAS), sendo este uma

unidade pública municipal, de base territorial,

localizada em áreas com maiores índices de

vulnerabilidade e risco social, destinada à

articulação dos serviços socioassistenciais no

seu território de abrangência e à prestação de

serviços, programas e projetos

socioassistenciais de proteção social básica às

famílias. (Lei 12.435/11)

II - Proteção Social Especial: conjunto de

serviços, programas e projetos que tem por

objetivo contribuir para a reconstrução de

vínculos familiares e comunitários, a defesa de

direito, o fortalecimento das potencialidades e

aquisições e a proteção de famílias e

indivíduos para o enfrentamento das situações

de violação de direitos. Neste sistema de

proteção as pessoas dela necessitarem estarão

habilitadas para atendimento no CREAS,

unidade pública de abrangência e gestão

municipal, estadual ou regional, destinada à

prestação de serviços a indivíduos e famílias

que se encontram em situação de risco pessoal

ou social, por violação de direitos ou

contingência, que demandam intervenções

especializadas da proteção social especial. (Lei

12.435/11).

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Direitos

da

criança e adolescentes prevista no Estatuto da criança e

adolescente, através do Programa de Erradicação do Trabalho

Infantil (PETI), e para além o SUAS, a Lei da adoção 12.010/2009,

entre outras.

Em consonância com o Sistema de Garantia de Direitos, a Lei

nº 9.394 de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

estabelece normas que contribuem desde a educação infantil até a

educação superior, compromissos com o acesso de todos e com a

permanência dos alunos nas escolas e, ainda, com a educação

pública democrática e universal, conforme já visto no seu artigo

primeiro.

As crianças e adolescentes tem afirmado, no Título III da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, em 1996, o direito a Educação, direito este que já estava previsto desde 1990,

no artigo 4º no Estatuto da Criança e do Adolescente. Através de uma leitura mais detalhada do

Título III, posso sugerir que outras diretrizes do Estatuto da criança e do adolescente estão

integrados no artigo 4º da LDB.

Conforme consta no Art. 4º “O dever do Estado com

educação escolar pública será efetivado mediante a

garantia de”: e seus Itens: ―I - ensino fundamental,

obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não

tiveram acesso na idade própria; II - universalização do

ensino médio gratuito; (Redação dada pela Lei nº 12.061, de

2009); III - atendimento educacional especializado gratuito

aos educandos com necessidades especiais,

preferencialmente na rede regular de ensino; IV -

atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças

de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais

elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,

segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do

educando; VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e

modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem

Para Reflexão: A política apresentada (SUAS), já faz parte do seu município?

Em que ano foi implantada?

Na sua rotina de atendimento você identifica e acessa o CRAS E CREAS como

referencia de Proteção de Direitos conforme visto no módulo?

O ProInfância é um programa de

assistência financeira ao Distrito

Federal e aos municípios para a

construção, reforma e aquisição de

equipamentos e mobiliário para

creches e pré-escolas públicas da

educação infantil. O objetivo é

garantir o acesso de crianças a

creches e escolas de educação

infantil públicas, especialmente em

regiões metropolitanas, onde são

registrados os maiores índices de

população nesta faixa etária.

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Caminho da Escola —

Lançado em 2007, o programa

faz parte das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação

(PDE) do Ministério da

Educação. Ele prevê o

atendimento de 8,4 milhões de estudantes da educação básica

pública que moram em áreas

rurais, permitindo a renovação

da frota, para oferecer maior segurança ao transporte dos

estudantes.

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trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; VIII - atendimento ao educando, no

ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar,

transporte, alimentação e assistência à saúde; IX - padrões mínimos de qualidade de ensino,

definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao

desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

Ainda compondo as políticas sociais e públicas, saliento de forma resumida, que o atual

sistema de proteção social brasileiro, está evidenciado nos Planos Nacionais de Desenvolvimento

Social - PNDS, entre os quais, podemos destacar o: Plano Nacional de Segurança Pública, Plano

Nacional de Saúde –PNS; Plano Nacional de Educação – PNE; Política Nacional de Assistência

Social – PNAS; Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH; Plano Nacional de Políticas

para as Mulheres, Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. Plano Nacional de

Segurança Alimentar e Nutricional: 2012/2015. 2011; Plano Nacional de Enfrentamento da

Violência Sexual Infanto - Juvenil, SEDH/DCA, 2002; Plano Nacional de Habitação, 2010; Plano

Nacional pela Primeira Infância, 2010; PLANO NACIONAL DE PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E

DEFESA DO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E

COMUNITÁRIA, 2010; Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB, 2007, entre outros.

VI – A rede no Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente

Muito se fala em Sistema de Garantia de Direitos, a partir do Estatuto, entre as

instituições e pessoas que lidam cotidianamente com o campo dos direitos da criança e do

adolescente no Brasil. Para Brancher (2000):

Quando se fala em ―Sistema de Garantia de Direitos‖, melhor se ter em

mente a compreensão teórica, abstrata e estática do conjunto de serviços de

atendimento previstos idealmente em lei, enquanto a expressão ―Rede de

Proteção‖ expressa esse mesmo sistema concretizando-se dinamicamente,

na prática, por meio de um conjunto de organizações interconectadas no

momento da prestação de serviços.

Apesar da construção de rede de Branquer ser bastante interessante e bem vinda,

necessitava-se regulamentar o sistema, visto que não se apresenta no Estatuto com esse nome. Por

isso em 2006 o CONANDA o normatizou, por intermédio de duas resoluções, 113 e 117, buscando

institucionalizar o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) que,

diferente de outros expressamente contidos na legislação que os criou (como o SUS e o SUAS), não

está assim nominado no Estatuto. No artigo primeiro foi estabelecida a definição ampla e precisa do

que vem a ser o SGDCA:

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19 Site da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. (Acesso em 20/04/2012): http://www.sedh.gov.br/clientes/sedh/sedh/spdca/sgd.

Desenho livre de Murilo Digiácomo, que propõe uma visualização do sistema em sua integralidade.

...constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas

governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos

normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e

controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente,

nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal. Esse Sistema articular-

se-á com todos os sistemas nacionais de operacionalização de políticas

públicas, especialmente nas áreas da saúde, educação, assistência social,

trabalho, segurança pública, planejamento, orçamentária, relações exteriores

e promoção da igualdade e valorização da diversidade. (CONANDA, Res.

113/06)

Conforme a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o SGDCA

―na prática, não está integralmente institucionalizado e vem trabalhando de forma desarticulada,

com problemas na qualificação de seus operadores e isto causa

prejuízo na implementação de políticas públicas que garantam os

direitos assegurados pela legislação em vigor.‖19

E essa avaliação, embora realmente retrate o que

encontramos em todo o país, diferindo apenas a ênfase ou excetuando-se alguma cidade ou região

(o que confirma a regra), precisa ser encarada como um desafio a todas as instituições que

compõem o sistema. Inclusive CMDCAs e CTs.

O

SGDCA,

institucio

nalizado

pelo

CONAN

DA, que

lhe deu

forma

unificand

o outras

construçõ

es

existentes

,

estabelece o sistema garantista para a infância a partir de três grandes eixos:

Defesa dos Direitos Humanos: os órgãos públicos judiciais; ministério público,

especialmente as promotorias de justiça, as procuradorias gerais de justiça; defensorias

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públicas; advocacia geral da união e as procuradorias gerais dos estados; polícias;

conselhos tutelares; ouvidorias e entidades de defesa de direitos humanos incumbidas de

prestar proteção jurídico-social.

Promoção dos Direitos: A política de atendimento dos direitos humanos de crianças e

adolescentes operacionaliza-se através de três tipos de programas, serviços e ações

públicas: 1) serviços e programas das políticas públicas, especialmente das políticas

sociais, afetos aos fins da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e

adolescentes; 2) serviços e programas de execução de medidas de proteção de direitos

humanos e; 3) serviços e programas de execução de medidas socioeducativas e

assemelhadas.

Controle e Efetivação do Direito: realizado através de instâncias públicas colegiadas

próprias, tais como: 1) conselhos dos direitos de crianças e adolescentes; 2) conselhos

setoriais de formulação e controle de políticas públicas; e 3) os órgãos e os poderes de

controle interno e externo definidos na Constituição Federal. Além disso, de forma

geral, o controle social é exercido soberanamente pela sociedade civil, através das suas

organizações e articulações representativas.

No SGDCA estabelecido pelo CONANDA em suas resoluções, os Conselhos Tutelares

aparecem como ―órgãos contenciosos não-jurisdicionais, encarregados de ‗zelar pelo cumprimento

dos direitos da criança e do adolescente‘, particularmente através da aplicação de medidas especiais

de proteção a crianças e adolescentes com direitos ameaçados ou violados e através da aplicação de

medidas especiais a pais ou responsáveis‖. Afirmam-se ainda outras orientações nas resoluções 113

e 117 de 2006. O conhecimento dessas e de outras resoluções do CONANDA, como também as do

CEDICA, são fundamentais para que conselheiros/as tutelares possam ser mais efetivos em suas

ações, assim como – eventualmente – as questionar e propor novos entendimentos e redações.

Conclusão

Direitos humanos tem a pretensão política de justiça e luta por reconhecimento de

novos direitos. O sistema de direito tem um papel político de ser referência formal de

institucionalização em sociedades desiguais e opressoras, que legitimam a exclusão. As vítimas – os

―sem-direitos‖ estão excluídos pelo sistema de direito vigente, da possibilidade de exercer seus

direitos. Os direitos humanos são históricos, estruturam-se como direito vigente que são

questionados pelos movimentos dos sem-direitos, na demanda por novos direitos. É na luta histórica

por reconhecimento, travada pelos sem-direitos que vão sendo demandados novos direitos, ao

mesmo tempo em que são denunciadas as situações de não-realização dos direitos vigentes, ou seja,

que são constituídos os sujeitos de direitos.

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É a capacidade histórica de construir condições de institucionalização dos direitos

que faz com que eles sejam ou não incorporados ao sistema do direito, esta é uma luta que se traduz

como pretensão política de justiça. A passagem do direito vigente, passando pelo novo direito em

direção ao direito futuro não é mecânica, exige a reconstrução do próprio sentido do direito, ou seja,

ocorre como práxis de libertação, como luta histórica, como constituição de sujeitos de direitos.

O maior desafio que os defensores e as organizações de direitos humanos têm

atualmente é de não serem tragados pelo discurso das promessas e programas a serem cumpridos, e

esse é igualmente o desafio dos Estados, dos responsáveis pelos Poderes – legislativo, executivo e

judiciário, porque não é no formalismo, no legalismo e no positivismo da lei que se encontra a

dignidade e a justiça social. É na humanização das relações humanas, no reconhecimento e respeito

por cada um e todo ser humano.

Referências: Falta adequar as referências

Leis na integra tiradas do Portal do Planalto;

CEDECA//Ceará - Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, CALS, Carlos

Roberto; GIRÃO, Ivna; MOREIRA; Márcio Alan. Direitos de Crianças e Adolescentes: Guia de

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http://www.pgj.ce.gov.br/esmp/publicacoes/ed12010/artigos/4CRIANDIREITOS.pdf.

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Oliveira, Alex Pizzio e George França, Editora da PUC Goiás, 2010, páginas 93-99.

http://www.sinprodf.org.br/wp-content/uploads/2012/01/texto-4-pol%C3%8Dticas-

p%C3%9Ablicas-educacionais.pdf.

BRANCHER, Leoberto N. Organização e gestão do Sistema de Garantia de Direitos da Infância e

da Juventude. IN: KONZEN et alii. Pela Justiça na Educação. Brasília: MEC, 2000. p. 130.

http://www.ipea.gov.br/Destaques/abrigos/capit12.pdf . Políticas Públicas: conceitos e práticas / supervisão por Brenner Lopes e Jefferson Ney Amaral; coordenação de Ricardo Wahrendorff Caldas – Belo

Horizonte : Sebrae/MG, 2008. 48 p.10.

Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Interlagos CEDECA Interlagos, Rua

Nossa Senhora de Nazaré, 51, 04.805-100. São Paulo – Brasil Fone: 11.5666.98.61 E-Mail:

[email protected] Edição, diagramação e sistematização:

Tuto B. Wehrle;

http://www.cedecacasarenascer.org/cedecateste/publicacoes/artigos/resolucao113/SGD.PDF;

Políticas Públicas: conceitos e práticas / supervisão por Brenner Lopes e Jefferson Ney Amaral;

coordenação de Ricardo Wahrendorff Caldas – Belo Horizonte : Sebrae/MG, 2008. 48 p.

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11395&catid=222

Políticas Públicas: uma revisão da literatura - CELINA SOUZA* (2003).

Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. -- Brasília: Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome, UNESCO, 2009. 424 p.

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COIMBRA, 1987, citado por Jorge Abrahão de Castro... “Concepção e gestão da proteção social não contributiva no

Brasil. -- Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, UNESCO, 2009. Pg. 88).]

2006 - PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA/SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES

SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS, BLOCO L,

2º ANDAR, SALA 200

70047-900 BRASÍLIA DF TELS.: (61) 2104-9377 E 2104-9382 FAX: (61) 2104-9362

[email protected]

http://www.presidencia.gov.br/spmulheres

Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. Plano Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional: 2012/2015. -- Brasília, DF: CAISAN, 2011. Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-

Juvenil. 3 ed. Brasília: SEDH/DCA, 2002. 59 p. (Série Subsídios, 5). 1. Violência Contra Menor, Brasil. 2. Abuso Sexual, Brasil. 3. Criança, Proteção, Brasil. 4. Adolescente, Proteção, Brasil. 5. Direitos Humanos, Brasil.

Brasil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. II Plano Nacional para

Erradicação do Trabalho Escravo / Secretaria Especial dos Direitos Humanos. – Brasília : SEDH,

2008.

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