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101 Angela Acosta Giovanini de Moura* A sociedAde de risco e o desenvolvimento sustentável: desAfios à gestão AmbientAl no brAsil ThE RIsk sOCIETy AnD sUsTAInAblE DEvElOPMEnT: ChAllEnGEs fOR EnvIROnMEnTAl MAnAGEMEnT In bRAzIl lA sOCIEDAD DEl RIEsGO y El DEsARROllO sOsTEnIblE: RETOs PARA lA GEsTIón AMbIEnTAl En bRAsIl Resumo: A concepção capitalista que orienta o crescimento econômico por meio de acumulação de riqueza e de investimento tecnológico avançado deflagrou uma crise social e ambiental de proporções alarmantes, intensificada pelo estilo consumista adotado pelas na- ções desde a revolução industrial. Envolta em riscos e incertezas propagados pelas catástrofes ambientais de ordem planetária, a comunidade global busca uma mudança de paradigma que concilie desenvolvimento com proteção e preservação da natureza, objeti- vando garantir o mínimo existencial ecológico capaz de propiciar uma sadia qualidade de vida para a atual geração e para as futuras. O trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica reflexiva sobre a necessidade de se buscarem estratégias de ges- tão ambiental pautadas em um modelo mais conectado com as ne- cessidades da sociedade atual. Abstract: The capitalist concept that guides the economic growth through accumulation of wealth and advanced technological investment triggered a social and environmental crisis of alarming propor- tions, enhanced by the consumerist style adopted by the nations since the Industrial Revolution. Surrounded by risks and uncer- tainties which were propagated by the world environmental * Mestra em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO. Espe- cialista em Ciências Penais pela Uniderpe. Promotora de justiça do Estado de Goiás.

A sociedAde de risco eo desenvolvimento sustentável

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A concepção capitalista que orienta o crescimento econômico por meio de acumulação de riqueza e de investimento tecnológico avançado deflagrou uma crise social e ambiental de proporções alarmantes, intensificada pelo estilo consumista adotado pelas nações desde a revolução industrial.

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Angela Acosta Giovanini de Moura*

A sociedAde de risco e o desenvolvimento sustentável:

desAfios à gestão AmbientAl no brAsil

ThE RIsk sOCIETy AnD sUsTAInAblE DEvElOPMEnT: ChAllEnGEs fOR EnvIROnMEnTAl MAnAGEMEnT In bRAzIl

lA sOCIEDAD DEl RIEsGO y El DEsARROllO sOsTEnIblE: RETOs PARA lA GEsTIón AMbIEnTAl En bRAsIl

Resumo:

A concepção capitalista que orienta o crescimento econômico por

meio de acumulação de riqueza e de investimento tecnológico

avançado deflagrou uma crise social e ambiental de proporções

alarmantes, intensificada pelo estilo consumista adotado pelas na-

ções desde a revolução industrial. Envolta em riscos e incertezas

propagados pelas catástrofes ambientais de ordem planetária, a

comunidade global busca uma mudança de paradigma que concilie

desenvolvimento com proteção e preservação da natureza, objeti-

vando garantir o mínimo existencial ecológico capaz de propiciar

uma sadia qualidade de vida para a atual geração e para as futuras.

O trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica

reflexiva sobre a necessidade de se buscarem estratégias de ges-

tão ambiental pautadas em um modelo mais conectado com as ne-

cessidades da sociedade atual.

Abstract:

The capitalist concept that guides the economic growth through

accumulation of wealth and advanced technological investment

triggered a social and environmental crisis of alarming propor-

tions, enhanced by the consumerist style adopted by the nations

since the Industrial Revolution. Surrounded by risks and uncer-

tainties which were propagated by the world environmental

* Mestra em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO. Espe-cialista em Ciências Penais pela Uniderpe. Promotora de justiça do Estado de Goiás.

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catastrophes, the global community seeks a paradigm shift that

balances development with protection and preservation of nature

and aims to guarantee minimal environmental existential able to

provide a healthy quality of life for the present and the future ge-

nerations. The work was developed through a bibliographical re-

search reflecting on the need to seek environmental

management strategies based on a more connected with the

needs of contemporary society.

Resumen:

El concepto que impulsa el crecimiento económico capitalista a

través de la acumulación de la riqueza y de la inversión en tec-

nología avanzada provocó una crisis social y ambiental de pro-

porciones alarmantes, reforzada por el estilo adoptado por los

países consumidores desde la Revolución Industrial. Envuelto en

riesgos e incertidumbres propagadas por catástrofes ambientales

de orden mundial, la comunidad mundial busca un cambio de pa-

radigma que una el desarrollo equilibrado con la protección y pre-

servación de la naturaleza para garantizar un mínimo existencial

ecológico y proporcionar una calidad de vida saludable para la

generación actual y para futuro. El trabajo se desarrolló a través

de una literatura que refleja la necesidad de buscarse estrategias

de gestión ambiental basadas en un modelo mejor conectado con

las necesidades de la sociedad contemporánea.

Palavras-chaves:

Sociedade de risco, meio ambiente, instrumentos econômicos,

gestão ambiental.

Keywords:

Risk society, environment, economic instruments, environmental

management.

Palabras clave:

Sociedad de riesgo, el medio ambiente, los instrumentos econó-

micos, la gestión ambiental.

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introduÇão

O entendimento predominante de que o crescimento eco-nômico estaria pautado na acumulação de riqueza e na tecnologiaacabou deflagrando uma crise social e ambiental de proporçõesalarmantes, tendo em vista o estilo de desenvolvimento adotadopelas nações após a revolução industrial. A exploração intensa dosrecursos naturais, considerados infinitos, para atender o processode industrialização ditado pelo capitalismo, culminou com o surgi-mento de vários desafios a serem enfrentados pela sociedade mo-derna, sendo o desafio ambiental, denunciando a escassez dosrecursos naturais, o mais grave.

Envolta em riscos e incertezas propagados pelas catás-trofes ambientais de ordem planetária, a comunidade global buscauma mudança de paradigma para conciliar desenvolvimento comproteção e preservação ambiental, objetivando garantir uma sadiaqualidade de vida para a atual geração e para as futuras.

Essa nova postura diante das questões ambientais é aglu-tinadora e deve alcançar os aspectos sociais, culturais e políticosdo desenvolvimento sustentável, para garantir à coletividade o mí-nimo existencial ecológico, como corolário do princípio constitucio-nal da dignidade da pessoa humana.

no entanto, os efeitos transfronteiriços da poluição, aquestão dos transgênicos, do desmatamento em larga escala, asuperpopulação planetária, as pesquisas com células-tronco, sãotemas complexos e desafiadores demais para serem enfrentadospelos mecanismos tradicionais do ordenamento jurídico vigente(bElChIOR, 2011, p. 124).

Importa destacar, nesse contexto, os princípios do poluidorpagador e do protetor recebedor, construídos em observância aos im-pactos ambientais que geram externalidades negativas ou positivas.

A percepção formulada pela teoria ecológica de que, nasrelações de mercado, há impactos (externalidades) que escapamao contrato estabelecido pelas partes, gerando custos ou benefí-cios à sociedade, contribuiu para a definição do conceito de paga-mento por serviços ambientais (protetor-recebedor), na hipótesede externalidades positivas, como meio de o Estado incentivar a

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sua produção. Por outro lado, as externalidades negativas, ge-rando custos sociais, devem ser internalizadas por meio de siste-mas de cobrança dos prejuízos causados à sociedade (poluidor-pagador).

O presente trabalho, norteando-se pela Análise funcionaldo Direito, proposta por norberto bobbio, examina a possibilidadejurídica para a implantação de um mecanismo de pagamento pelosserviços ecossistêmicos como incentivo à preservação e à manu-tenção dos recursos ecossistêmicos, como ferramenta de políticaambiental suscetível de dirigir um comportamento ambientalmentedesejável e garantir o mínimo existencial ecológico numa perspec-tiva projetada no tempo para salvaguardar a dignidade da pessoahumana para esta e para as futuras gerações.

do desenvolvimento econÔmico Ao sustentável

As mudanças tecnológicas, introduzidas pela revoluçãoindustrial, impactando o processo produtivo social e econômico,foram objeto de reflexão por várias escolas de pensamento, asquais buscaram analisar o fenômeno que alterava profundamentea forma de funcionamento do mercado em razão da acelerada es-cala de produção imposta pela Revolução Industrial.

A revolução industrial também alterou substancialmente aforma de o ser humano se relacionar com a natureza, porquantoo método de produção em grande escala exigia mais pressãosobre os recursos naturais, ante a necessidade de serem atendi-das as crescentes demandas sociais de consumo e de mercado.

Os lucros obtidos com a industrialização favoreceram asolidificação do capitalismo. voltado para a produção e a acumu-lação constante de riquezas, o emergente sistema econômico exi-gia intensa intervenção humana sobre a natureza, consideradabem comum e fonte ilimitada de recursos.

A publicação da obra A riqueza das nações, do econo-mista escocês Adan smith, em 1776, considerada um referencialpara os estudos sobre economia, aponta, dentre outras teorias, a

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concepção de que o crescimento econômico de uma nação é umadas principais condições para o alcance do desenvolvimento, con-forme observou ao analisar o sucesso econômico de vários países.Para smith, a riqueza, ou valor econômico, é criada pelo trabalho,ou seja, pela transformação de recursos da natureza em coisasque as pessoas querem (CEChIn, 2010, p. 29).

não obstante, as consequências do processo de indus-trialização e urbanização no setor social e ambiental, decorrentesda revolução industrial e do capitalismo, foram aos poucos mol-dando outra forma de pensar o crescimento econômico, formando-se o entendimento de que o aumento da riqueza de uma naçãonão importava, necessariamente, em melhoria na qualidade devida da população.

O cenário social e ambiental delineado pela revolução in-dustrial reclamava mudanças de paradigmas. O crescimento eco-nômico ditado pelo método de produção capitalista e que permitiuaos países industrializados se destacarem no mercado internacio-nal contabilizou, por outro lado, saldo negativo. O crescimento de-sordenado das cidades, a poluição ambiental e sonora, ascondições de trabalho insalubres nas indústrias, o desemprego, afalta de moradia digna, entre outras consequências da industriali-zação, foram demasiadamente nocivos à sociedade. As dimen-sões assumidas pela pobreza absoluta nos novos centros urbanospassaram a preocupar muito mais do que o próprio crescimentoeconômico da nação. A crença depositada na ideia da acumulaçãode capital e de riqueza como forma de se obter qualidade de vidae bem-estar social foi se modificando.

Por muito tempo, o conceito de crescimento econômicofoi associado ao conceito de desenvolvimento. Todavia, as expres-sões são abordadas sob enfoques diferenciados, porquanto “oconceito de desenvolvimento envolve aspectos relacionados como bem-estar da população, enquanto o crescimento econômicoprioriza a acumulação de capital” (MAsCAREnhAs, 2008, p. 30).

nesse sentido, o economista estadunidense herman Daly(1992, p. 334) afirma que os conceitos seguem leis diferentes. En-quanto o crescimento é quantitativo e está relacionado ao aumentode tamanho em razão da acumulação de matéria, o desenvolvimentoé qualitativo e está ligado à realização de um potencial, devendo ser

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mensurado por meio de uma perspectiva humana e social. Pode-seafirmar que o crescimento significa ficar maior, enquanto o desenvol-vimento se verifica quando as coisas ficam melhores.

Preconizou-se, assim, que o desenvolvimento pleno deuma nação em crescimento economicamente deve apontar me-lhoria substancial nas condições de vida da população.

nesse diapasão, o economista indiano Amartya sem(apud CEChIn, 2010, p. 176), prêmio nobel em 1998, acentua que:

o desenvolvimento requer a remoção das principais fontes deprivação da liberdade: a pobreza e a tirania, a carência de opor-tunidades econômicas e a destituição social sistemática, a ne-gligência dos serviços públicos e a intolerância ou a interferênciade Estados repressivos.

A Organização das nações Unidas, a partir do ano de1993, passou a adotar o índice desenvolvido por Amarta sem epor outros economistas para a aferição do desenvolvimento deuma nação. Para tanto, não se considera apenas os aspectos eco-nômicos, cujo índice de aferição se dá pelo Produto Interno bruto(PIb), mas também os aspectos políticos, sociais e culturais.

Por outro lado, o termo sustentabilidade também foi cu-nhado décadas depois da segunda Grande Guerra, quando a es-cassez de recursos naturais passou a preocupar os países que seindustrializaram. Inserindo a discussão na agenda global, o termosustentabilidade foi adicionado ao conceito de desenvolvimento,apresentando-se como um modelo que atende às necessidadesdo presente sem comprometer a possibilidade de as gerações fu-turas atenderem às suas próprias necessidades. A partir de entãoa proposta do Desenvolvimento sustentável passa a ser a tônicana agenda mundial.

Atualmente, o Programa das nações Unidas para o MeioAmbiente, por meio de sua Comissão, tem articulado uma novaproposta1 para enfrentar a crise ambiental, pautada no investimento

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1 O relatório “Rumo à uma economia verde: caminhos para o desenvolvimento sus-tentável e a erradicação da pobreza – Uma síntese para tomadores de decisão” sugereum modelo econômico capaz de evitar os riscos e a escassez dos recursos naturais,atualmente comprometidos com a atual economia de alta emissão de carbono.

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de 2% do PIb mundial em um novo modelo econômico de baixocarbono para combater a pobreza e gerar um crescimento maisverde e eficiente no mundo.

sociedAde de risco no estAdo de direito AmbientAl

Os impactos sociais e ecológicos, evidenciados pela de-sigualdade social, pelo aumento da pobreza e pela degradaçãoantrópica dos recursos naturais, resultantes dos padrões dominan-tes de produção e consumo, deflagraram uma crise ambiental pla-netária (lEff, 2004, p. 352), que se agravou com o fenômeno doaquecimento global, sendo esta a problemática mais desafiadora,porquanto global (WEyERMÜllER, 2010, p. 41).

A crise ambiental está relacionada com a incapacidade hu-mana em administrar o uso dos recursos naturais, conforme alertao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas nos quatrorelatórios já publicados, advertindo, inclusive, sobre as catástrofesnaturais e os fenômenos funestos que podem ocorrer no planeta.

O agravamento do risco produzido pela sociedade contem-porânea vincula-se à insurgência de novos fatores de incerteza e deimprevisibilidade, que reduzem a capacidade de resposta pelos me-canismos atuais de gestão pública. “Pode-se afirmar que a sociedademoderna criou um modelo de desenvolvimento tão complexo e avan-çado, que faltam meios capazes de controlar e disciplinar esse de-senvolvimento” (CAnOTIlhO; lEITE, 2010, p. 152).

As sociedades de risco, como são designadas por beck2

(bElChIOR, 2011, p.114), encontram-se profundamente transfor-madas por seu próprio desenvolvimento, ante a produção de ex-ternalidades negativas em âmbito global. Isso porque, segundobeck (2009, p. 29), “los riesgos de la modernización afectan más

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2 Ulrich beck, sociólogo germânico, autor do livro Sociedade de Risco (1996),usa o termo ‘sociedade de risco’ para “designar uma fase no desenvolvimentoda sociedade moderna, em que os riscos sociais, políticos, econômicos e indi-viduais tendem cada vez mais a escapar das instituições para o controle e aproteção da sociedade industrial” (bElChIOR, 2011, p. 114).

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tarde o más temprano también a quienes los producen o se bene-fician de ellos. Contienen un efecto bumerang que hace saltar porlos aires el esquema de classes”3.

O desenvolvimento dos recursos tecnológicos, científicos,industriais e o processo de industrialização estão ligados profun-damente ao processo de produção de riscos, haja vista a exposi-ção da humanidade a possibilidades de ser contaminada deinúmeras formas, nunca antes registradas. Os riscos que amea-çam constantemente a sociedade e o meio ambiente são oriundosdos resíduos gerados, da biotecnologia, da energia atômica e nu-clear, do desmatamento acelerado que compromete a biodiversi-dade e os recursos hídricos, dentre outros, os quais se manifestamglobalmente, de forma imperceptível.

O problema é acentuado quando se constata que os ris-cos gerados se projetam no tempo, afetando as futuras gerações,possivelmente de forma ainda mais comovente, ante a ausênciade certeza e de controle de seu grau de periculosidade (CAnOTI-lhO; lEITE, 2010, p. 153).

A sociedade de risco, pós-moderna, segundo Weyermüller(2010, p. 42), se caracteriza pela incerteza quanto ao futuro e pelapotencialidade da destruição da vida, manifestada pela tecnologiaarmamentista ou pelo esgotamento dos recursos naturais.

Os riscos produzidos pela sociedade massificada e veloz,mergulhada em uma extensa rede de interligações, segundo beck(2009, p. 28-30), podem ser concretos, quando previsíveis peloconhecimento humano; ou abstratos, portanto invisíveis, imprevi-síveis pelo conhecimento científico, como são os riscos produzidospelo modelo de produção e consumo atual.

De igual entendimento, belchior (2011, p. 114) assinala quenem sempre é possível controlar os riscos produzidos pela própria so-ciedade, sendo estes muitas vezes de difícil prevenção e diagnóstico.

notadamente, a sociedade contemporânea produz riscosque podem ser controlados e outros que escapam ou neutralizamos mecanismos de controle típicos da sociedade industrial. A so-ciedade de risco revela-se, portanto, como um modelo teórico que

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3 Tradução: Os riscos da modernização afetam, cedo ou tarde, também aquelesque produzem ou se beneficiam deles. Eles possuem um efeito bumerangueque atinge diversas camadas da sociedade.

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marca a falência da modernidade, emergindo um período pós-mo-derno, na medida em que as ameaças produzidas ao longo da so-ciedade industrial começam a tomar forma.

As consequências do aquecimento global afetam todas asnações, mesmo aquelas que não contribuíram de forma direta edefinitiva para o fenômeno. no entanto, o destino da humanidadeestá na tomada de decisões em relação ao futuro, pois as incerte-zas e os riscos atuais reclamam a adoção de estratégias de ges-tão, em âmbito local e global, em favor do meio ambiente e da vida.

nesse contexto, o direito a um meio ambiente ecologica-mente sadio e preservado para a presente e para as futuras gera-ções se reafirma como um direito humano fundamental, “namedida em que ele se torna imprescindível para a promoção dadignidade da pessoa humana” (bElChIOR, 2011, p. 119). Ade-mais, as questões ambientais possuem natureza complexa e di-fusa, desafiando o Estado e o ordenamento jurídico.

A repartição da responsabilidade pela proteção ambientalao Estado e à Coletividade e as disposições preservacionistas quepermeiam o texto constitucional conferem ao Estado Democráticode Direito uma dimensão ecológica, perfil que contribuiu para a cons-trução teórica do Estado de Direito Ambiental, moldado pela garantiade um mínimo existencial ecológico como premissa da dignidade dapessoa humana (sARlET; fEnsTERsEIfER, 2011, p. 9).

O Estado de Direito Ambiental surge como resposta àsnecessidades da sociedade de risco. Objetiva garantir o mínimoexistencial ecológico, indispensável para viabilizar a vida, uma vezque a qualidade ambiental é elemento imprescindível ao pleno de-senvolvimento de todo o potencial humano.

Dessa forma, é papel do Estado garantir aos indivíduosas condições mínimas de existência, valorizando a dignidade dapessoa humana, na medida em que efetiva as prioridades asse-guradas na Constituição federal.

Essa atividade prestacional positiva por parte do Estado,segundo belchior (2011, p. 226), exige a implementação de “polí-ticas públicas que propiciem uma condição de vida digna paratodos e que garantam condições mínimas de sobrevivência ao serhumano, ou seja, o mínimo existencial ecológico”.

nessa perspectiva, é dever do Estado operacionalizar

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meios de efetivação do direito fundamental do meio ambiente eco-logicamente equilibrado para enfrentar os desafios e as necessi-dades emergentes da sociedade pós-moderna, com vistas àmanutenção da vida sadia às gerações do futuro.

instrumentos de comAndo e controle X econÔmicos

A implementação de políticas públicas ambientais, em vir-tude da globalização, se apresenta, atualmente, como um desafioa ser enfrentado pela sociedade pós-moderna, porquanto a to-mada de decisão dos governos nacionais apontará suas posiçõesperante os demais atores internacionais. Ademais, os instrumentosde políticas ambientais adotadas têm como finalidade definir es-tratégias de economia e proteção dos recursos ambientais (flO-RIAnO, 2007, p. 40).

no brasil, os gestores públicos fazem uso de vários instru-mentos de política ambiental, sobretudo os enumerados na lei6938/91 (PnMA), objetivando a preservação, a melhoria e a recu-peração da qualidade ambiental, para assegurar condições ao de-senvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurançanacional e à proteção da dignidade da vida humana (bRAsIl, 1981).

Por instrumentos de política ambiental compreendem-seos conjuntos de ações voltados para a redução dos impactos ne-gativos da ação antrópica sobre o meio ambiente (MAy, 2010, p.163-164). Atualmente, os instrumentos de gestão ambiental divi-dem-se em dois grupos: instrumentos de comando e controle, tam-bém conhecidos como regulatórios, e instrumentos econômicos,chamados de mecanismos de mercado (bARbIERI, 2009, p. 74).

Utilizados com mais frequência, os instrumentos de co-mando e controle ou instrumentos regulatórios constituem políticasregulatórias materializadas por meio da edição de lei específicapara regulamentar o uso e o acesso aos recursos naturais(CUnhA; GUERRA, 2010, p. 45) por meio da penalização. Obje-tivam restringir as ações do poluidor por meio de normas e padrõesambientais, fiscalizando o seu cumprimento (bARbIERI, 2009, p.

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74). Essa fiscalização deve ser constante, “contínua e efetiva porparte dos órgãos reguladores, implicando altos custo de implemen-tação” (MAy, 2010, p. 169).

A principal característica desses instrumentos é consideraro poluidor como alguém potencialmente capaz de cometer delitos,impondo-lhe regras que, não cumpridas, acarretam penalidadesem processos judiciais ou administrativos (AlMEIDA, 1998, p. 43).

As políticas de comando e controle são determinadas le-galmente e não conferem aos agentes econômicos outras opçõespara solucionar o problema. Quem determina os padrões a seremseguidos são os órgãos ambientais responsáveis pelo controle emuma determinada região (vARElA, 2001, p. 11).

Embora o sistema regulatório brasileiro divida seus custose esforços entre União, estados e municípios, a legislação ambien-tal não tem sido capaz de reduzir a poluição, o combate ao des-matamento e a má utilização dos recursos naturais.

A eficácia desses instrumentos está intimamente relacio-nada com a capacidade que o órgão de controle ambiental tempara assegurar a obediência à lei, adotando adequada estratégiade fiscalização e punição dos infratores, e resistir às investidas degrupos políticos que possam contestar.

Por outro lado, veiga neto (2008, p. 24) ressalta a exis-tência de vasta literatura apontando as vantagens e as desvanta-gens dos instrumentos de comando e controle, mas atribui mais“expectativa em relação à eficiência e efetividade geradas pelosinstrumentos econômicos em relação aos instrumentos de co-mando e controle”.

nesse sentido, o uso de instrumentos econômicos emgestão ambiental tem crescido nos últimos anos, tanto como me-canismo de preservação dos recursos naturais e promoção do de-senvolvimento sustentável quanto forma de mitigação dos danoscausados ao meio ambiente.

Ademais, os instrumentos econômicos foram implemen-tados ante a necessidade de complementar-se o quadro normativoem matéria de gestão ambiental, não somente porque os instru-mentos regulatórios se revelaram insuficientes para frear a degra-dação crescente da natureza (PEREIRA, 1999, p. 8), comotambém ante a necessidade de as políticas públicas se articularem

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à dimensão social e econômica do desenvolvimento sustentável. Para Thome (2011, p. 199), a opção pelos instrumentos

econômicos, como forma de proteção ambiental, tem o propósitode estimular a adoção de gestões ecológicas, porquanto seu em-prego estratégico busque “privilegiar práticas consideradas am-bientalmente desejáveis e inviabilizar aquelas que podem resultarem degradação ecológica” (CUnhA; GUERRA, 2010, p. 45).

Dentre as vantagens que apresentam, os instrumentos eco-nômicos não se revestem de coerção e nem pressupõem o estabe-lecimento de restrições. Atuam por meio de incentivos econômicos,objetivando induzir o comportamento das pessoas e das organiza-ções em relação ao meio ambiente (bARbIERI, 2009, p. 74).

salienta-se que os instrumentos econômicos são todo“mecanismo de mercado que orienta os agentes econômicos a va-lorizarem os bens e serviços ambientais de acordo com sua escas-sez e seu custo de oportunidade social” (CARDOsO, 2004, p. 7).

A Questão dAs eXternAlidAdes

Compreendendo-se o meio ambiente como um bem pú-blico, é possível considerar que um agente pode fazer uso dos re-cursos naturais sem suportar os custos sociais “correspondentesaos danos ambientais causados, impondo assim custos externos(externalidades negativas) à economia dos demais agentes quese utilizam do mesmo bem público” (AMAzOnAs, 1994, p. 22).

nesse sentido, May et al. (2005, p. 12), sob uma perspec-tiva econômica neoclássica, esclarece que os resíduos despejadosno ambiente, como também os efeitos nocivos dos processos pro-dutivos, resultam em custos repassados à sociedade, afetando-lhe o bem-estar.

A atividade econômica impactante ao meio ambiente geracustos que não são assumidos pelo empreendedor, uma vez queeste somente aufere os benefícios de sua atividade, transferindoesses custos (externalidades negativas) à sociedade.

há, dessa forma, uma dicotomia entre os custos privados

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e os custos sociais, impondo-se a internalização da diferença des-ses custos. no caso das externalidades ambientais negativas, ainternalização deve corresponder à inserção dos prejuízos sociaisnos custos de produção para que a atividade econômica seja es-tabelecida em padrões elevados, sob o ponto de vista da proteçãoambiental (lOREnzETTI, 2010, p. 34).

A problemática apontada pela teoria econômica sobre aquestão das externalidades objetiva recompensar as ações que es-timulem a redução ou até mesmo a eliminação destas. Essa percep-ção, necessidade da internalização das externalidades, “foi o grandefato indutor da agregação do princípio do poluidor pagador comobase para a elaboração dos instrumentos de gestão ambiental”(sEIffERT, 2010, p. 21).

Para o Direito Ambiental, o princípio do poluidor pagador temacentuada importância, pois todo sistema de proteção jurídica do meioambiente gravita em sua órbita (MOTA; yOUnG, 1997, p. 8).

O princípio do poluidor pagador tem por finalidade “fazercom que os agentes que desencadearam as externalidades nega-tivas, assumam os custos impostos a terceiros, internalizando oscustos ambientais” (JUsTInIAnO, 2010, p. 32).

não obstante, Justiniano (2010, p. 39) argumenta que, sepor um lado as externalidades negativas devem ser suportadas aoagente que as causou, deve-se conferir igual importância àquelesque “protegem ou promovem a reparação do meio ambiente, emface das externalidades positivas que propiciam à coletividade”.

siqueira (2004, p. 45) ressalta que a atividade humanacapaz de propiciar o aumento do nível de bem-estar de uma so-ciedade, gerando externalidades positivas, deveria ser compen-sada por essa sociedade, de forma correspondente, em respostaao dever fundamental de que a preservação do meio ambiente éresponsabilidade constitucional imposta a todos.

nessa perspectiva, o princípio do protetor recebedor pro-cura remunerar quem protege um recurso natural, tendo em vistaos benefícios gerados a toda sociedade

O conceito protetor-recebedor atende a uma lógica eco-nômica que busca prestigiar e reconhecer as iniciativas conserva-cionistas de muitos provedores de serviços ecológicos, por meiode compensação financeira, em reconhecimento às externalidades

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positivas geradas pelo comportamento ambientalmente reco-mendado que, inclusive, contribui para a redução de gastos pú-blicos, trazendo benefícios para toda a coletividade (fURlAn,2010, p. 230).

A sAnÇão PremiAl como ferrAmentA de gestãoAmbientAl

As desordens ambientais que ameaçam o futuro da socie-dade humana exigem uma compreensão e uma abordagem inter-disciplinar do direito, “fundamental para a descoberta de caminhospossíveis na resolução dos problemas”, uma vez que a ciência ju-rídica, isoladamente, não conseguiu absorver as complexidadesdas questões ambientais” (MAsCAREnhAs, 2010, p. 24).

Preleciona bobbio (2007, p. 33) que a ciência jurídica tembuscado se aproximar, gradativamente, de outras ciências, em es-pecial das ciências sociais, numa tentativa de romper o isolamentoe ampliar os próprios horizontes, para dar respostas à crise social.

Destaca-se, nesse prisma, a contribuição da filosofia eda sociologia moderna na construção da teoria promocional dodireito, que embora possa conflitar com o modelo predominanteadotado na ordem jurídica, com predomínio de sanções negati-vas, vem se mostrando promissora, principalmente na área dodireito ambiental.

A concepção moderna do Estado, que não superou osmodelos anteriores, mas se lhe agregou nova feição, ainda man-tém a tradicional técnica de garantir direitos por meio de presta-ções negativas traduzidas na sanção (bObbIO, 2007, p. 7).

A sanção, em sua versão negativa, revelada pela imposiçãode castigo para se obter um comportamento desejado, foi objeto dereflexão por pensadores desde o século Xv, procurando “por uminstrumental de governo diversificado e indireto que fosse além daimposição de comportamentos por meio da força”. nicolau Maquia-vel, Jean bodin e Thomas hobbes, apesar de sustentarem a puni-ção como instrumento eficiente de submissão a serviço do governo,

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visualizavam na recompensa um instrumento promocional capaz decontribuir a favor do Estado (bEnEvIDEs fIlhO, 1999, p. 18-19).

segundo benevides filho (1999, p. 29-55), os séculosseguintes foram marcados pelo entendimento de que a obriga-ção legal não pode ser premiada, porquanto imoral, emboraoutros filósofos e pensadores iluministas voltassem a refletirsobre o tema.

O conceito alcançou o campo jurídico a partir do séculoXIX, com as formulações teóricas de Jeremy bentham, “conside-rado como o pai do direito premial, onde a recompensa é tratadacomo uma técnica motivacional positiva de direcionamento decomportamento intersubjetivo inserida em um sistema global ecomplexo” (bEnEvIDEs fIlhO, 1999, p. 56).

As reflexões do jurista alemão do século XIX Rudolf vonIhering Jhering, em seu tratado4 sobre as alavancas que determi-nam o movimento social, ao analisar o sistema de recompensa es-tatal adotado pelas sociedades antigas, especialmente pelo direitoromano, embora distantes das modernas leis de incentivo econô-mico ou social, destacavam a sua importância como alavancas domovimento social (fURlAn, 2010, p. 173).

na leitura de bobbio (2007, p. 9), Jhering reconhecia a im-portância da recompensa limitada apenas às esferas de relaçõesdo comércio privado, acrescentando que as alavancas fundamen-tais do movimento social são, sob o aspecto econômico, a recom-pensa, e, sob o aspecto político, a pena.

Mas foi hans kelsen, de acordo com benevides filho(1999, p. 71), “o primeiro jurista de vulto a analisar o problema dacientificidade do Direito segundo os novos critérios epistemológi-cos do neopositivismo”.

Para bobbio (2007, p. 53-54), kelsen se dedicou mais ainvestigar “como é feito o direito do que para que serve o direito”,contribuindo para que a análise estrutural do ordenamento jurídicocomo sistema dinâmico se intensificasse. na obra kelsiana, a aná-lise funcional do direito foi excluída completamente para uma pro-funda investigação estrutural do ordenamento jurídico. “segundo

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4 Zweck im Recht, no original. Traduzido para a língua portuguesa sob o títuloA finalidade do Direito.

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o fundador da teoria pura do direito, uma teoria científica do direitonão deve se ocupar da função do direito, mas tão somente dosseus elementos estruturais” (bObbIO, 2007, p. 54).

Definindo direito como uma ordem de coação, kelsen sus-tenta que sua função essencial é a de regulamentar o emprego daforça nas relações sociais, salientando que o direito se distinguepor atrelar a determinadas condutas indesejadas uma conse-quente aplicação de um ato coação, de um emprego de forças(bEnEvIDEs fIlhO, 1999, p. 90).

O pensamento kelseniano sobre a função coativa do direito,vinculado essencialmente ao uso de força, levou à exclusão das san-ções positivas do rol das sanções jurídicas (bObbIO, 2007, p. 28).

no entanto, embora as construções filosóficas houvessemdispensado mais prestígio à coação como instrumento capaz decondicionar comportamentos, as reflexões sobre outro mecanismode controle social, para além da concepção repressiva como ele-mento condicionante de condutas, contribuíram para manter otema sempre presente.

nesse sentido, assevera Reale (1990, p. 679) que a coa-ção não pode ser compreendida como elemento essencial ao Di-reito, porquanto ensejaria o esvaziamento do “Direito Internacional,até hoje fundado no consenso espontâneo das nações”.

Continua o autor acrescentando que,

[...] se a coação fosse um elemento essencial do Direito, nãohaveria nenhuma norma jurídica que, por sua vez, não estivessesubordinada a outra norma dotada de coação. O Direito seriaum absurdo sistema de normas, cada uma delas dotada de coa-ção, garantida por outra, também dotada de coação e, assim,até o infinito, a não ser que se chegasse a um ponto no qual jánão houvesse mais Direito, por haver apenas a "norma" ou ape-nas a "coação", uma desligada da outra.

A concepção coativa do direito, como instrumento de con-trole social, é revista, na atualidade, pela teoria funcional do filósofoitaliano norberto bobbio, cuja contribuição à ciência jurídica tem per-mitido o entendimento de que o direito se presta também a uma fun-ção promocional, no sentido de premiar comportamentos desejáveis.

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De acordo com bobbio (2007, p. 73), a função promocio-nal do direito se manifesta pelas sanções positivas, consubstan-ciadas no prêmio e no incentivo. A medida em que bobbio afirmaque o direito não se limita a reprimir, mas a estimular ou promover(p. 77), amplia a função do direito para além de mero instrumentode controle social, para concebê-lo também como meio promocio-nal de condutas positivas.

nesse sentido, bobbio (2007, p. 79) é categórico:

A função de um ordenamento jurídico não é apenas controlarcomportamentos dos indivíduos, o que pode ser obtido por meioda técnica das sanções negativas, mas também direcionar oscomportamentos para certos objetivos preestabelecidos. Istopode ser obtido, preferivelmente, por meio da técnica da sançãopositiva e dos incentivos.

Analisando o entendimento de juristas contemporâneossobre a importância das leis de incentivo para o ordenamento ju-rídico, bobbio (2007, p. 17) esclarece que a diferença dessas nor-mas da maioria das normas sancionatórias é que aquelasempregam a técnica do encorajamento, promovendo comporta-mentos desejados, enquanto estas empregam a técnica do desen-corajamento, ao reprimir comportamentos não desejados.

sublinha bobbio (2007, p. 79) que a concepção tradicionaldo direito como ordenamento coativo funda-se na compreensãohobbesiana de homem mau, cujas tendências antissociais devemser controladas. De outra forma, o direito, considerado como or-denamento diretivo, busca estimular comportamentos positivos porconsiderar o homem um ser passivo, inerte e indiferente. Concluio autor que o direito deve ser definido do ponto de vista funcional,como forma de controle e de direção social.

O conceito de sanção relaciona-se com as medidas queum ordenamento normativo que se dispõe a reforçar o respeito àssuas leis e, em alguns casos, remediar os efeitos de uma possívelinobservância. Dessa forma, o ordenamento jurídico que se propõea ser efetivo e a não desaparecer em decorrência de uma gene-ralizada falta de atenção às normas que o compõe estabelece me-didas que podem ser classificadas em função do momento da

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violação (bEnEvIDEs fIlhO,1999, p. 92).Analisando as ilações filosóficas que permearam as es-

colas de pensamento do século XIX sobre a sanção enquantonorma negativa, bobbio (2007, p. 5) atenta para que não se con-funda, do ponto de vista analítico, normas e sanções em seus as-pectos negativo e positivo. sustenta o filósofo italiano que umacoisa é a distinção entre comandos e proibições, outra é a distin-ção entre prêmios e castigos:

Ainda que, de fato, as normas negativas se apresentem habi-tualmente reforçadas por sanções negativas, e as sanções po-sitivas se apresentem predominantemente predispostas ao (eaplicado para o) fortalecimento de normas positivas, não háqualquer incompatibilidade entre normas positivas e sançõesnegativas de um lado, e normas negativas e as sanções positi-vas, de outro. Em um sistema jurídico muitas das normas refor-çadas por sanções negativas são normas positivas (comandode dar ou fazer). As técnicas de encorajamento do Estado as-sistencial contemporâneo aplicam-se, embora mais raramente,também às normas negativas. Em outras palavras, pode-setanto desencorajar a fazer quanto encorajar a não fazer. Por-tanto, podem ocorrer de fato quatro diferentes situações: a) co-mandos reforçados por prêmios; b) comandos reforçados porcastigos; c) proibições reforçadas por prêmios; d) proibições re-forçadas por castigos. (bObbIO, 2007, p. 6)

Compreende-se, assim, numa perspectiva bobbiana, queos prêmios estão relacionados a comandos e os castigos ligam-se aproibições. Existe uma tendência em se premiar ou punir uma açãomais do que a omissão, por isso é mais interessante ao ordenamentojurídico premiar uma ação do que uma omissão, sendo um compor-tamento previsto por uma norma positiva, da mesma forma em queé mais usual punir uma ação do que uma omissão, quando o com-portamento é contrário a uma proibição (bObbIO, 2007, p. 6-7).

O direito contemporâneo ainda prioriza os mecanismoscoativos para obter respeito às leis, estabelecendo um vínculo in-dissolúvel entre direito e coação, em razão da importância exclu-siva conferida às sanções negativas como meio para conservar opatrimônio normativo (bObbIO, 2007, p. 7).

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Diversamente dos mecanismos tradicionais coativos, afunção promocional do direito se efetiva pelos expedientes doprêmio e do incentivo; adotando-se os incentivos para facilitar oexercício de uma determinada atividade econômica, e os prêmiospara oferecer uma satisfação a quem já tenha realizado uma de-terminada atividade (bObbIO, 2007, p. 71-72).

Em decorrência das reflexões apontadas, importa consi-derar que as transformações da sociedade contemporânea e acomplexidade das questões ambientais conduzem a uma ponde-ração sobre o instrumental jurídico atual, manifestado na proteçãoe repressão, a medida que não se mostraram suficientes para pro-mover as condutas ecologicamente consideradas adequadas.

As agressões ao meio ambiente, materializadas pela dimi-nuição da camada de ozônio, pelo aquecimento global, pelo des-matamento acelerado, pela extinção de espécies faunísticas eflorísticas, pelo esgotamento dos recursos hídricos, etc., desenca-dearam uma crise ambiental sem precedentes na história humana,por não encontrarem resistência nas funções clássicas da ordemjurídica, impondo-se uma mudança de paradigma aos mecanismosjurídicos atuais.

Ademais, se os modelos clássicos de regulação sancio-natória adotados pelo Estado não foram capazes de conter oavanço do antropismo, forçoso buscar alternativas para a mu-dança dessa realidade, porquanto o bem jurídico em questãosustenta a vida e as ameaças que lhe são infligidas. Estas, aindaque localizadas, atingem todo o planeta5. nesse contexto, a ado-ção de instrumentos econômicos objetivando premiar condutasconservacionistas podem acarretar mudanças efetivas no com-portamento dos indivíduos, valendo-se o Estado da função pro-mocional do direito para enfrentar a crise ambiental com maisresistência.

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5 De acordo com a visão sistêmica, as propriedades essenciais de um orga-nismo ou sistema vivo são propriedades do todo que nenhuma das partes pos-sui. Elas surgem das interações e das relações entre as partes. Essaspropriedades são destruídas quando o sistema é dissecado, física ou teorica-mente, em elementos isolados. Embora possamos discernir partes individuaisem qualquer sistema, essas partes não são isoladas e a natureza do todo ésempre diferente da mera soma de suas partes (CAPRA, 2004, p. 40-41).

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conclusão

A crescente preocupação da sociedade com os efeitos doaquecimento gradual do planeta, causado pela emissão exacerbadade gases de efeito estufa na atmosfera, tem levado a comunidadeglobal a buscar soluções para o enfrentamento do fenômeno.

A demanda por um novo modelo de política ambiental quepossa incentivar a conservação dos recursos naturais e incorporaras expectativas econômicas de sua exploração deve ser fortale-cida. não se trata de abandonar os instrumentos tradicionais degestão, menos ainda as ferramentas de comando e controle, asquais devem ser aplicadas com rigor diante da produção de exter-nalidades negativas. Por outro lado, não há disposição constitu-cional vedando a adoção de sanções premiais em favor doprovedor de recursos ecossistêmicos.

Pautando-se por essas reflexões, pontua-se que os ins-trumentos de gestão ambiental deveriam alcançar todas as inicia-tivas que contribuíssem voluntariamente para a conservação dosbens ambientais, orientando-se por meio de instrumentos econô-micos e mecanismos fundados em prêmios, sem menosprezo àpolítica de comando e controle, como alternativa de conferir às po-líticas ambientais uma racional orientação, capaz de atender econciliar o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade.

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