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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em ComunicaçãoXXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho de 2016
Trabalho apresentado no GT ESTUDOS DE TELEVISÃO, no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho de 2016.
www.compos.org.br / page 1/21 / Nº Documento: D093ACD3-B42B-4F76-A28D-B43AFBFE15AB
A televisão em transformação …ou como o conteúdo colaborativo podeinvadir a TV aberta
Telivision in transformation …or how collaborative content may invadebroadcast television
Rosane Svartman I
IDoutoranda, aluna - Universidade Federal Fluminense. Contato: [email protected]
Resumo: De que forma o conteúdo colaborativo feito por fãs a partir do universo de umprograma pode ser absorvido pela televisão aberta como parte de uma estratégia de sereinventar e se revolucionar? A partir de experiências empíricas envolvendo projetos deconvergência para televisão aberta, este artigo se propõe a fazer uma reflexão sobre as novaspossibilidades de renovação da televisão hegemônica em sua busca por sobrevivência erelevância na atualidade.
Palavra chave: televisão, público, colaborativo, convergência, transmídia
Abstract: How collaborative content produced by fans using the universe of a specific programmay be absorbed by broadcast television as part of its strategy of reinvention and revolution?Through empirical experiments involving convergence projects for broadcast television, thisarticle intends to make a reflection about the the renewal possibilities of hegemonic television inits quest for survival and relevance today.
Keywords: television, audience, colaborative , convergence, transmidia
As formas de assistir à televisão e pensar a produção de conteúdo para esse dispositivo
vêm se modificando velozmente nos últimos anos. A chegada da banda larga, a mobilidade
dos aparelhos celulares e tablets possibilitam a exibição de um mesmo conteúdo
audiovisual em telas diferentes, em ambientes diversos e na hora em que o espectador
desejar, sem obedecer ao fluxo linear da programação de um canal. Além disso, esse
espectador se manifesta sobre o conteúdo a que assiste por meio de diferentes redes sociais,
participa de grupos de discussão, produz conteúdo a partir de personagens e narrativas da
televisão e principalmente influencia a própria obra original, fazendo suas opiniões terem
uma ressonância sem precedentes nos meios de comunicação e com uma rapidez
impressionante. Se antes apenas os números “frios” da audiência ou informações
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garimpadas nas pesquisas qualitativas ( focus groups ) influenciavam as emissoras e
produtoras de conteúdo, hoje uma campanha de fãs na web pode ajudar um programa a
ganhar mais audiência e prestígio[1] ou causar certo “estrago”.[2]
Mas até onde vai o poder da audiência nessa nova televisão? Aliás, ainda podemos
chamar o que esse público assiste no computador ou no celular de televisão? Quais as
estratégias que a televisão deve utilizar para sobreviver nestes novos tempos?
A televisão, ou o que ainda chamamos de televisão, está se transformando — do ponto
de vista artístico, social e econômico.
“As novas formas de distribuição permitem que os espectadores compartilhem
conteúdo televisivo entre suas televisões, computadores e telefones móveis; as fronteiras de
conteúdo entre as tecnologias das telas se desintegraram” (LOTZ, 2007, p. 22; tradução
nossa). Apesar de admitir que as expectativas em relação à televisão mudaram, Amanda
Lotz (2007) pondera que as transformações nas formas de assistir ao conteúdo audiovisual
não aceleraram o final da televisão, e sim revolucionaram essa mídia. Para a autora, a
televisão é muito mais que a tal caixa preta, muito mais que uma máquina; é (também) o
conjunto de comportamentos e práticas associados a ela. O que se percebe hoje é que, ao
contrário de certas profecias apocalípticas, não importa se no aparelho de TV, no
computador ou no dispositivo móvel, é principalmente o conteúdo televisivo que está sendo
visto em todas essas telas.[3],[4] Mas como foi que a televisão mudou tanto?
Muitos autores usam o termo neotelevisão (ECO, 1984; SCOLARI, 2009; CASSETTI;
ODIN, 1990, entre outros) para descrever o formato e o fluxo de programação de uma TV
comercial que sucedeu nos anos 1970 a paleotelevisão , esta com fins mais pedagógicos,
culturais, em que a televisão tinha o papel de instruir o comportamento social. Enquanto a
paleotelevisão teria a filosofia de serviço público, a neotelevisão teria uma filosofia
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capitalista, do lucro. Enquanto a primeira teria uma diferenciação clara de gêneros, a
segunda teria certa dissolução na fronteira entre documentário e ficção. Teoricamente, o
espectador teria uma experiência muito mais imersiva na paleotelevisão, enquanto na
neotelevisão, por causa dos vários canais, essa experiência seria fragmentada, uma vez que
o espectador se reveza entre vários programas, criando seu próprio fluxo de
programação.[5]
Mas, como pondera Carlos Alberto Scolari (2009), não podemos simplificar a história
da televisão, ainda mais se considerarmos as particularidades de cada país, por uma série
linear de estudos. Mesmo assim, ele introduz o termo hipertelevisão, que não seria a nova
fase da série paleo/neo, e sim uma particular configuração de rede sociotécnica ao redor do
meio televisivo. Na hipertelevisão, o controle do espectador é ainda mais significativo, pois
ele não apenas alterna canais, como também escolhe quando e onde deseja ver o conteúdo.
É claro que a tecnologia que propiciou essas mudanças não veio alijada de outras
transformações da atualidade na cultura e na sociedade como um todo. “A história é
impulsionada não por um processo abstrato de inovação, mas por coisas humanas, como
intenção, interesse, propósito e valor” (SILVERSTONE, 1974, p. vii; tradução nossa). A
tecnologia só faz sentido com seu uso, e o público contemporâneo nada passivo da
televisão[6] (e da internet, da telefonia móvel…) continua assistindo à TV e cada vez mais
interagindo, participando.
Para John Fiske (1987), “ler”, ou assistir à televisão, é um processo de negociação
entre a posição do sujeito e a proposta pelo “texto”, ou programa de TV. Nessa negociação,
o poder é do “leitor”, ou espectador. Ou seja, além do controle remoto, que possibilita um
fluxo de programação customizado, é o público que dá valor e sentido a um programa de
televisão a que escolhe assistir. O conteúdo televisivo em geral não é um “texto” fechado, e
ele é “lido” pelo espectador levando em conta outros “textos” de sua vida, trajetória, que
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ele sobrepõe para ressignificar o que vê na televisão. Mas o público não é uniforme, e mais
de uma leitura surge.
Recentemente, em Malhação temporada 2014/5,[7] aconteceram alguns exemplos de
leituras bem diferentes feitas pelo público, todas imediatamente replicadas e amplificadas
pelas redes sociais, até de uma mesma cena. Malhação é um programa da TV aberta (Rede
Globo) assistido diariamente por aproximadamente 26 milhões de pessoas no Brasil.
Apesar de tratar do universo jovem, tem um público que engloba várias faixas etárias no
país inteiro; enfim, um público bem diversificado.
A temporada de 2014/5 era baseada no clássico A megera domada , de William
Shakespeare, e os autores aproveitaram o texto para inverter a caricatura preconcebida dos
gêneros. Pedro (Petruchio) era um adolescente fraco, sensível, enquanto Karina (Catarina
) era uma jovem fisicamente mais forte, bélica. Em uma das trilhas da narrativa, separado
da namorada Karina, Pedro pedia a ajuda de seus amigos músicos e de seu professor, que
recentemente havia se tornado monge, para sequestrar Karina com o objetivo de confessar
seu amor por ela, uma vez que a moça se recusava a ouvi-lo e reagia às suas tentativas com
dolorosos socos e pontapés.
Em uma paródia aos filmes de ação, em um tom não realista, eles entravam pelo duto
do ar-condicionado da academia de lutas marciais onde sabiam que Karina estaria sozinha.
Apesar de o monge ficar entalado, após algumas desventuras (o monge solta gases, o duto
se quebra e ele cai em cima da lutadora, imobilizando Karina) Pedro e seus comparsas
acabam conseguindo pegar a moça e levá-la dentro de um saco, amarrada e aos berros,
embora dali. Pedro pede que deixem Karina sozinha com ele no local onde começaram a
namorar (o banheiro da escola de artes onde estuda) e se declara para a moça. No capítulo
seguinte, a moça se solta, bate em Pedro e vai embora irritada. Na verdade, o público fica
sabendo que ela poderia ter fugido antes, mas não o fez, pois secretamente queria ouvir a
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declaração de Pedro. Ao longo da semana, o rapaz vai pagar por seus atos: o pai da moça
vai acusar o rapaz de ter feito uma violência sem par contra a filha, a mãe dele vai explicar
que o que o adolescente fez é crime, mas o interessante foi a repercussão da cena do
sequestro em si.
Quando a cena do sequestro de Karina foi ao ar, principalmente na rede social Twitter,
chegando aos trending topics (lista de assuntos mais comentados do momento), fãs do casal
celebravam mais uma tentativa de reconciliação por parte do atrapalhado Pedro. Já
(principalmente) no Facebook, uma rede social com um público ligeiramente mais velho no
Brasil, algumas pessoas escreviam textos abominando a cena, que, para elas,
resumidamente, de alguma forma celebrava a violência contra a mulher, um problema
grave no Brasil. A imagem de Karina amarrada e amordaçada contra sua vontade era no
mínimo ofensiva para essa parcela do público. Os textos foram compartilhados e vários
comentários corroboravam a (má) impressão que a cena causou nessa parcela da audiência.
Como um dos autores da trama, eu mesma fiz questão de responder a alguns desses textos
no Facebook tentando me explicar, escrevendo que não era o objetivo da cena ofender ou
incitar a violência contra a mulher. Mas, como bem ponderou Fiske em Television culture
(1987), o significado emerge da interação entre o leitor interpretativo e o texto polissêmico.
“O leitor produz significados que derivam da interseção de sua história social com as forças
que estruturam o texto. O momento da leitura é quando os discursos do leitor encontram os
discursos do texto” (FISKE, 1987, p. 81; tradução nossa). Por conseguinte, a leitura final de
um texto televisivo é do espectador, é com ele que está esse poder. Enquanto alguns blogs
postaram textos abominando a imagem da mulher subjugada mais uma vez na TV,[8]
outros postaram textos que criticavam a patrulha do politicamente correto na arte.[9]
Na verdade, como observa o próprio Fiske (1987), muitas vezes problemas da
sociedade encontram eco na televisão, que pode exacerbar o conflito e levar ao debate.
Com certeza, a violência contra a mulher é um tema importante e legítimo na sociedade
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hoje, e do mesmo modo como isso é ou não reforçado pela mídia. Os limites do humor e do
politicamente correto na criação artística certamente também são temas da atualidade. Um
portal de notícias[10] chegou a publicar um pequeno artigo sobre a polêmica, e a emissora
se viu obrigada a responder que não era a intenção da cena defender a violência contra a
mulher, que era supostamente uma cena de humor e que fazia parte de uma narrativa
ficcional maior etc.
Curiosamente, um pequeno grupo de fãs do programa que era contra o casal Pedro e
Karina, uma vez que preferia que a personagem terminasse a trama com um lutador
chamado Cobra, se apropriou do discurso feminista na rede social Twitter para defender o
fim do casal Perina (abreviação de Pedro e Karina, apelido muito utilizado por fãs),
enquanto defendia o casal Cobrina (abreviação de Cobra e Karina).[11]
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Usei como exemplo a cena do sequestro de Karina, mas poderia ter usado várias outras
cenas da temporada como exemplo de leituras diferentes feitas pelo espectador.[1] O mais
importante aqui é perceber a rapidez com que grupos e comunidades se formam, publicam
e compartilham suas “leituras” e como as ferramentas sociais amplificam isso.
De acordo com Jean-Pierre Esquenazi (2006), a audiência, ou o público, é feita de
comunidades provisórias. O público não é homogêneo e nem previsível, e as novas
tecnologias tornam imediatas as reações desse público. Clay Shirky (TED blog, 16 de junho
de 2009)[2]observou que, quando a mídia fica mais rápida, torna-se mais emocional. O
pacto comunicativo entre o espectador e a emissora não se reduz a uma única fórmula
(CASSETTI, 1988). Ele envolve regras, finalidade, proposta, aceitação das partes,
negociação, e assim por diante. E o pacto da neotelevisão, em que apenas uma simulação
de participação acontecia, principalmente em programas de variedades, não pode ser o
mesmo da hipertelevisão. Qual o poder real da audiência engajada, participativa, que hoje
repercute nas redes sociais?
Ainda é difícil avaliar com precisão, pelo menos no Brasil. O público que está nas
redes sociais e nas plataformas participativas no país ainda é inferior ao público da TV,[3]
mesmo que isso esteja em transformação. Mas será que as novas relações entre televisão e
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público participativo podem se tornar a base de uma estratégia das emissoras na tentativa
renovação?
Como aponta Scolari (2009), a convergência midiática, além de um fenômeno
econômico cultural e tecnológico, também admite uma conjunção epistemológica. E, assim,
as grandes emissoras de televisão aprendem e se adaptam ao novo paradigma. Com a
audiência da TV aberta em queda, os grandes grupos de comunicação no Brasil (e no
mundo) — que durante muito tempo dominaram os principais (e únicos) canais de
transmissão — investem em pesquisas de formato, em novas tecnologias de captação e
transmissão. As grandes corporações também fazem experiências envolvendo conteúdo
diferenciado, novas formas de transmissão e de relação com o público. Além disso, buscam
novos modelos de negócios que possibilitem ganhos em múltiplas telas e plataformas.
John Thornton Caldwell (2004) pondera que as grandes redes de televisão
norte-americanas aprenderam com os erros quando ignoraram a chegada da TV a cabo. A
perda de audiência e principalmente da exclusividade, de acordo com o autor, fez com que
as networks americanas estrategicamente viessem investindo na pesquisa e no aprendizado
das possibilidades da internet, na programação não linear e em sua relação com a
televisão.[4]
No dia 7 de junho de 2014, a revista The Economist publicou um artigo com o seguinte
título: “Globo domination: Brazil’s biggest media firm is flourishing with an old-fashioned
business model”. No artigo, a revista demonstrava certa perplexidade com o modelo de
negócios da emissora, uma das maiores do mundo, e principalmente com a audiência que
um canal de TV aberta (ainda) consegue ter.
Quando a Copa do Mundo começar no dia 12 de junho no Brasil, dezenas de milhões
de brasileiros vão assistir às festividades na TV Globo, a maior emissora de TV do país.
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Mas, para a Globo, será apenas mais um dia de grandes audiências. Não menos que 91
milhões de pessoas, um pouco abaixo da metade da população, sintonizam o canal
diariamente: a espécie de audiência que nos Estados Unidos da América só acontece uma
vez ao ano e apenas no canal de televisão aberta que comprou os direitos naquele ano para
o Super Bowl , o campeonato de futebol americano. (The Economist , 7 jun. 2014, edição
impressa e virtual)
No artigo, o fato de as tendências e mudanças na mídia demorarem mais a chegar ao
Brasil é visto como uma vantagem. Roberto Irineu Marinho, empresário, acionista e
presidente do grupo Globo, fala pela Rede Globo de Televisão dizendo que monitora os
acertos e desastres das emissoras estrangeiras como aprendizado. A ideia não é forçar a
mudança de hábitos dos milhões de brasileiros que ainda ligam as televisões de suas casas e
assistem ao bloco de novelas da noite de forma tradicional, mas estar preparado. De que
forma uma grande emissora de televisão pode se preparar para um ecossistema midiático
em transformação em que o conteúdo profissional e o amador colidem e se confundem, o
público está cada vez mais ativo e a oferta para esse público, de uma promiscuidade
midiática nunca antes vista, só faz crescer?
Na atualidade, o conteúdo televisivo não apenas é replicado em diversas telas, como
descrito, mas também se estende para além do formato original de série, novela ou
programa de variedades. O termo transmídia foi utilizado por Jenkins (2006) para
descrever narrativas que estendem o universo da trama para outros meios que não o
ambiente da obra original. Diversas narrativas secundárias transmidiáticas podem ser
oferecidas pelos produtores de um programa de televisão no site relacionado com o
programa. Um exemplo seria um vlog de um personagem específico, espécie de diário em
vídeo, ou então uma web série, uma narrativa audiovisual de curta duração, em que
personagens secundários protagonizam uma trama que tangencia a que vai ao ar na
televisão.[5] Não é considerado transmídia o reaproveitamento do conteúdo replicado em
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outras telas e plataformas, e sim narrativas originais. Um dos objetivos da emissora
certamente é a promoção do programa aproveitando a extensão do afeto do público, que
busca mais conteúdo da narrativa da televisão na internet. Mas outro objetivo importante é
certamente atrair anunciantes buscando novos modelos de negócios que contrabalancem as
supostas perdas de receita na TV aberta.
Um site de um programa rico em conteúdo pode significar a fidelização do público
naquele ambiente e a consequente venda de banners e branded content
(conteúdo patrocinado) para o site. Jenkins (2013) classifica esse tipo de site como
contendo sticky content , ou seja, conteúdo “pegajoso” que tem como principal objetivo
reter o público ali. No entendimento do autor, essa estratégia atrai a audiência para um site
específico, no qual o público consome o conteúdo oferecido (pelos produtores) e não é
estimulado a navegar para outros ambientes na rede.
Mas os produtores aos poucos também já entenderam que é preciso promover os
programas nos ambientes em que o público está: as redes sociais — mesmo que o modelo
de negócios entre as emissoras e as redes sociais ainda esteja confuso, com algumas
negociações ainda em curso.[6] A grande maioria dos programas e emissoras tem fanpages
no Facebook, perfis no Twitter, Instagram, Vine e em outras redes sociais, e fóruns e
similares são oferecidos em diversas plataformas participativas pelos produtores — público
interage, participa e, principalmente, compartilha.
Achar o tom nas redes sociais é sempre um desafio. As emissoras alternam entre o tom
informal, cheio de abreviações e gírias, como o dos fãs, ou uma linguagem corporativa,
dependendo do programa e da rede social. A linguagem utilizada pelo perfil do Jornal
Nacional da TV Globo, principal jornal diário da TV aberta, na rede social Twitter é
objetiva, direta, lembrando a linguagem do próprio programa jornalístico.
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O perfil nessa mesma rede social do principal produto de teledramaturgia da TV aberta,
a “novela das nove horas”, Regra do jogo, é bem mais informal. Claramente, o objetivo é
dialogar diretamente com os espectadores, acompanhando outros comentários na internet
sobre a novela e compartilhando pelo perfil.
No programa Malhação , o Twitter corporativo do programa geralmente emula a
linguagem utilizada pelos jovens que publicam nessa rede social. O perfil do programa
responde a tweets dos espectadores e reage a cada acontecimento da trama como se fosse
um fã da novela, ao mesmo tempo que estimula a participação na rede social.
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Mas isso não significa que esse diálogo “horizontal” com o público nas redes sociais
não tenha alguns ruídos de comunicação. Durante a temporada de Malhação 2014/5, fãs
irritados com alguns dos comentários publicados no perfil oficial do programa chegaram à
conclusão de que se tratava de um estagiário escrevendo os tweets , e não uma equipe de
profissionais responsáveis por toda a interação na internet. Na verdade, ao personalizar
quem estaria por trás do perfil, esses fãs puderam demonstrar sua irritação.
Jenkins (2013) classifica o conteúdo que se espalha na rede, independentemente do site
de origem, como contendo spreadability, ou seja, valor de propagação. Para o autor, em
vez de valorizar a audiência de um site específico ligado a um programa, por exemplo, ou o
sticky content, o importante é como o conteúdo derivado da obra original (ou até trechos do
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programa) pode espalhar-se pela rede. Para ele, o importante não é mais necessariamente a
distribuição de um conteúdo, e sim a circulação deste por vários ambientes.
Stickiness ("viscosidade") mantém a mentalidade da comunicação de um-para- muitos,
com canais oficiais autorizados competindo um contra o outro pela a atenção do público . O
paradigma da spreadability ("espalhabilidade") assume que o que vale a pena ser visto
circulará através de quaisquer e todos os canais disponíveis, potencialmente transformando
audiências de atentas em ativamente engajadas. (JENKINS, 2013, p. 7)
Hoje em dia, o púbico também produz conteúdo original e é responsável por novas
narrativas a partir do universo original de um programa de televisão. Clay Shirky (2009)
demonstra como o afeto por um programa, uma causa pode motivar fãs a utilizar as
ferramentas da web que possibilitam trocar, criar e até produzir de maneira colaborativa. De
acordo com o autor, muitas vezes esses fãs não buscam a atenção dos produtores, e sim de
fãs como eles próprios, seu principal público. Com as novas plataformas interativas e
principalmente com a ferramenta certa, esse público pode trocar, colaborar, mobilizar-se
como nunca antes na história. Como as emissoras reagem a essas produções feitas pela
audiência? Qual será a fronteira entre esse público participativo e o controle da televisão
sobre seu produto?
Um experiência recente da qual participei na temporada 2014/5 de Malhação , na TV
Globo, utilizou material escrito pelos fãs, por meio de uma promoção colaborativa no site
do programa, em episódios que foram ao ar na TV aberta para milhões de pessoas.
Fanfics são textos escritos por fãs a partir do universo de um livro, filme, programa de
televisão, enfim, textos derivados de uma obra e do universo original dessa obra. Henry
Jenkins (2006) escreveu sobre os fanfics a partir da série de livros (e depois franquia de
filmes) do personagem Harry Potter, por exemplo. Redes sociais específicas para esse tipo
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de produção[1] também reúnem literalmente centenas de fanfics sobre o universo e
personagens da temporada de Malhação . As produções geralmente contam com
classificação indicativa dos próprios autores (informando se tem cenas de sexo ou de
violência), um pequeno aviso legal , que admite que o universo e/ou os personagens não
foram criados pelo autor do fanfic, e um storyline, que é um resumo dos personagens e da
trama. Os fanfics podem ser curtos ou terem diversos (e longos) capítulos. A maioria é
aberta para comentários e compartilhamento. Os autores divulgam seus fanfics nas redes
sociais especializadas e em diversos outros ambientes interativos da web.
Quando me deparei com essa produção, fiquei impressionada não só pela quantidade e
tamanho de alguns fanfics como também pela qualidade do texto. Alguns escreviam a partir
do ponto de vista de um personagem, outros inventavam trilhas para personagens
secundários. Eram também histórias da infância ou do possível futuro de personagens
principais. Muitos textos situavam os personagens em ambientes diferentes, na faculdade
ou até em colégios internos. Existem vários fanfics que também propõem casais e finais
alternativos para a trama original.
Por tratar de temas ligados ao universo adolescente e pelo entendimento de que é a
nova geração que mais consome, interage e participa das diversas plataformas e fanpages
do programa, Malhação é um dos programas em que a experimentação ligada às novas
mídias é mais pesquisada e testada.[2] Mesmo assim, trazer conteúdo de fãs para dentro de
um programa de televisão era uma ideia arriscada, principalmente pela questão dos direitos
autorais; afinal, apesar de o universo pertencer à Rede Globo de Televisão, as ideias
derivadas poderiam ser contestadas.
A ideia original, que recebeu o nome de Malhação fanfic e foi abraçada pela equipe de
roteiro, produção, internet e transmídia do programa, era fazer uma experiência
colaborativa em que os fãs enviariam seus textos e ideias a partir do universo expandido de
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Malhação. A equipe do programa gravaria, então, a ideia escolhida por representantes do
programa (produção, roteiro, internet) para ir ao ar no site oficial de Malhação na internet.
Mas é claro que a questão do direito autoral se tornou um obstáculo para o departamento
jurídico do canal.
A doutora Carla Britto, advogada do departamento jurídico da Rede Globo e
responsável pela aprovação da iniciativa, pondera: “A princípio, o risco jurídico seria o
mesmo que recai sobre todo o recebimento de material criativo de terceiros por qualquer
empresa produtora de conteúdos, qual seja: o risco de alegação de plágio.”[3] Apesar do
risco, o projeto, considerado inovador, foi adiante. Todos os fãs que participaram eram
informados das condições da iniciativa. Eles deveriam assinar a cessão dos direitos autorais
sobre seus textos para a TV Globo e concordar com o regulamento. Além disso, foi
limitado o número de caracteres (uma página, ou 2.048 caracteres) para que o material se
aproximasse de ideias, e não sinopses ou argumentos detalhados.
O departamento jurídico chegou à conclusão de que a caracterização do plágio
dependeria de prova concreta por aquele que o alega (que se diz titular dos direitos autorais
sobre a obra) e que a demonstração do acesso à obra dita “original” seria uma prova
importante em eventual processo judicial. Nesse caso, a TV Globo é exclusiva titular dos
direitos autorais sobre a obra audiovisual Malhação (incluindo elementos e personagens) e
concedeu aos fãs autorização para se utilizarem desses direitos tão somente para a
finalidade do fanfic. Assim, foi possível a realização desse projeto.
Os fanfics eram, então, postados em um blog aberto para essa iniciativa e vinculados ao
site do programa.[4] O projeto repercutiu bastante nos jornais impressos e nas mídias
sociais.
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O primeiro tema, “Sonhos de romance”, recebeu 4.801 inscrições, e a história
selecionada, “Bianca e seus dois maridos”, acabou indo ao ar não só no site como também
dentro de um episódio na televisão.
O fanfic selecionado misturou o universo de Malhação , brincando com um triângulo
amoroso que estava no ar, com o de um famoso romance de Jorge Amado, Dona flor e seus
dois maridos , que trata de um triângulo amoroso de uma mulher, seu marido atual e o
fantasma do ex-marido. A ganhadora da primeira iniciativa de fanfic (foram duas) foi uma
estudante de 15 anos moradora da Rocinha, no Rio de Janeiro, que teve a oportunidade de
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ver sua cena ser gravada.
Milhares (literalmente) de fãs produziram textos para o projeto, e o que receberam em
troca? Jenkins (2013) escreve sobre o trabalho voluntário de fãs canalizado dentro de
práticas capitalistas. Quanto vale mandar ideias para uma iniciativa como essa? É inegável
que a experiência de fanfic agregou valor ao programa, promoveu e divulgou Malhação .
Mas o que os fãs ganharam em troca?[1]
Os motivos para um fã compartilhar e produzir mídia a partir do universo expandido de
um programa, como apresenta Shirky (2009), é o afeto — pela trama, pelos personagens. É
também o desejo de reconhecimento por parte das pessoas que produzem o programa a que
ele assiste. É a constatação por parte da produção da obra original de que o que está sendo
produzido pelo fã também tem qualidade e valor. Jenkins (2013) afirma que o status do que
é trocado online é híbrido, e muitas vezes o que tem valor sentimental para uma parte tem
valor comercial para outra. Creio que a experiência do projeto fanfic é um desses casos.
Mas, uma vez que o pacto é estabelecido e o equilíbrio de expectativas, atingido, mesmo
com objetivos diferentes, pode haver um ponto de contato entre uma grande emissora de
televisão e uma representante de 15 anos de idade da audiência.
O projeto fanfic foi apenas uma das várias iniciativas que a televisão hegemônica
utiliza na atualidade para aprender, se fortalecer, se reinventar. A televisão é feita de
pessoas e, por mais que elas estejam inseridas em uma estratégia maior de uma grande
corporação, convivem com as redes sociais, navegam e se relacionam com o que admiram.
Enfim, não são pessoas alijadas do espírito ou ethos do mundo contemporâneo.
A experiência do projeto fanfic foi positiva, apesar dos riscos, mas a fronteira
esgarçada entre conteúdo amador e profissional também pode gerar conflitos. Afinal, qual a
diferença entre um autor profissional e um autor amador, uma vez que ambos escrevem
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conteúdo ficcional que vai ao ar na TV? Técnica? Experiência? E se um dos fanfics nas
redes sociais especializadas começasse a gerar muita repercussão, e até lucro substancial?
Qual seria a postura da televisão, detentora dos direitos da obra? A experiência, assim
como outras experiências do gênero,[2] mostrou que a televisão é permeável ao conteúdo
colaborativo.[3] Na verdade, ela se torna permeável à medida que se reinventa e se
redescobre no processo de transformação.
A televisão certamente não vai acabar, mas ainda é difícil adivinhar o que ela vai ser.
Experiências e iniciativas como as descritas neste texto são apenas pistas dos rumos e das
escolhas estratégicas que ela pode tomar.
Notas
1. NOTA [1] Muitos autores atribuem o sucesso da série americana Breaking bad, que na TV teve audiência tímida naprimeira temporada, à repercussão de críticas positivas de fãs ardorosos na internet, incansavelmente compartilhadas.Episódios da série que já haviam ido ao ar começaram a ser “baixados” por curiosos em sites de compartilhamentode conteúdo sem a autorização da emissora. O próprio criador da série, Vince Gilligan, em entrevista para a emissoraBBC em outubro de 2013, criticou a pirataria, mas admitiu que ela levou muitas pessoas que não veriamnormalmente a série na TV a se interessarem por Breaking bad . Disponível em:<http://www.bbc.co.uk/newsbeat/article/24550832/breaking-bad-creator-says-online-piracy-helped-show>. Acessoem: 3 out. 2015. Na verdade, as ferramentas sociais apenas amplificaram o tradicional “boca a boca”. De acordo como site da revista especializada The Holywood Reporter, o episódio final da série Breaking bad teve 10,3 milhões deespectadores nos Estados Unidos no domingo. O programa começou com 1,4 milhão de audiência e só após cincotemporadas alcançou a média de 6 milhões.
2. NOTA [2] No dia 28 de junho de 2015, surpreso com a comoção e a atenção da mídia em torno do falecimento docantor sertanejo Cristiano Araújo, o jornalista, apresentador e comentarista Zeca Camargo, em um programa do canalde notícias a cabo Globo News, questionou a atenção ao músico, “ao mesmo tempo tão famoso e tão desconhecido”.Ao longo do texto, o apresentador disse que “fãs e pessoas que não faziam ideia de quem era Cristiano Araújopartiram para o abraço coletivo”. A revolta que esse depoimento causou entre os fãs repercutiu imediatamente nasredes sociais de forma impressionante. Zeca Camargo se viu obrigado a se desculpar no dia seguinte, ao vivo, na TVaberta, no programa Vídeo Show da TV Globo, um programa com um alcance muito maior do que o programa noqual foi feito o comentário original. Mas infelizmente ele errou o nome do cantor durante o pedido de desculpas, oque gerou mais uma onda de mensagens negativas e protestos nas redes sociais (incluindo uma promessa de processopor danos morais pelos familiares do cantor).
3. NOTA [3] De acordo com o Video Advertising Bureau, dos Estados Unidos (disponível em:<http://www.thevab.com/mission-and-overview.php>), em pesquisa divulgada no segundo semestre de 2015, mesmoentre os jovens o conteúdo televisivo é o mais assistido online. Nove entre 10 minutos assistidos online (incluindocomputadores e aparelhos móveis) são de conteúdo televisivo.
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4. NOTA [4] Mesmo as séries produzidas exclusivamente pelas OTTs (over the top, como Netflix, Hulu etc.) seguem oformato televisivo, como duração do programa (humor durante aproximadamente meia hora, e drama, suspense etc.durante aproximadamente uma hora), formato de obra seriada com gancho ao final de cada capítulo e outrascaracterísticas da linguagem audiovisual e da narrativa construída na televisão. Além disso, muitas vezes essas obrassão exibidas (também) na televisão.
5. NOTA [5] John Ellis (1982) aponta que a televisão jamais teve, porém, o grau de atenção do espectador do cinema.A sala escura (mesmo que lotada), a narrativa sem interrupções por tempo limitado, enfim, todo o dispositivopropicia uma imersão que, aliada à linguagem cinematográfica clássico-narrativa aperfeiçoada pelo cinemahegemônico, cria uma sensação de realidade, ou verossimilhança, durante a sessão. Felipe Muanis (no prelo), poroutro lado, afirma que novas características da hipertelevisão aprofundam o caráter imersivo da TV, seja ele do tipoconteudístico (maior oferta de conteúdos concomitantes — zapping —, inclusive em telas secundárias e plataformascolaborativas com conteúdo de fãs), seja do tipo por estímulos (novas possibilidades técnicas de som e imagem) paraque o espectador “entre” na representação exibida na tela.
6. NOTA [6] A ideia de que a audiência televisiva é passiva vem sendo refutada por vários teóricos há algumasdécadas. Mesmo antes da TV conectada, os atos de mudar de canal, ligar e desligar a televisão, decidir realizartarefas enquanto um programa está sendo transmitido, entre outras práticas, corroboram os argumentos de que oespectador da televisão não é de forma alguma passivo. Além disso, não há como haver passividade em umespectador que relaciona o texto televisivo com suas próprias vivências, leituras, dentro de seu contexto histórico esocial. Por conseguinte, cada leitura é única, e todo espectador, ativo, ao elaborar essas conexões.
7. NOTA [7] Eu fui uma das redatoras finais do programa Malhação das temporadas 2012/3 (Malhação intensa ) e2014/5 (Malhação sonhos), com isso posso incluir em minha pesquisa um material rico para análise que muitas vezesnão chegou ao conhecimento do público.
8. NOTA [8] Festivalmarginal.com.br postou um texto com o título “Malhação e a apologia à violência contra amulher”, em 2 de outubro de 2015.
9. NOTA [9] O blog De olho nos detalhes (zamenza.blogspot.com.br) postou um texto com o título “Sequestro deKarina e Malhação e o mal do politicamente correto”, em 2 de outubro de 2015.
10. NOTA [10]Disponível em:<http://televisao.uol.com.br/noticias/redacao/2015/03/11/sequestro-em-malhacao-provoca-polemica-entre-internautas.htm>.Acesso em: 2 out. 2015.
11. NOTA [11] Fãs que torcem por determinado casal em narrativas ficcionais (novelas, séries) ou até em reality shows(Big Brother) são denominados shippers . Teoricamente, o termo é derivado da palavra que designa amizade eminglês: friendship. No entanto, os shippers torcem, ou shipam, casais românticos para os quais constroem apelidoscom parte do nome de cada um. No Big Brother Brasil de 2015, o casal Clara e Vanessa era chamado de Clanessa.Em Malhação, casais como Cobra e Jade eram chamados de Cobrade, Duca e Bianca, Duanca, e assim por diante.
12. NOTA [12] Outro exemplo seria a campanha de prevenção ao câncer de mama em Malhação 2014/5. Entre asdiversas cenas sobre o tema, havia uma em que uma das personagens fazia o autoexame. Ela estava com os seiosdesnudos, como é indicado, e fazia o autoexame no espelho. De acordo com a classificação indicativa, quando nãotem conotação sexual, é permitida a nudez no horário de exibição do programa (a sexualização do corpo da mulher,aliás, era outro tema da temporada). Enfim, a cena também gerou bastante polêmica entre grupos a favor dacampanha, por acharem que era uma forma importante de conscientizar e informar mulheres sobre o autoexame, quepode ajudar a diagnosticar a doença com antecedência, e grupos contra, por acharem que a nudez era ofensiva. Oconflito também ganhou matérias em portais de notícias.
13. NOTA [13] Disponível em:<https://www.ted.com/talks/clay_shirky_how_cellphones_twitter_facebook_can_make_history>. Acesso em: 2 out.2015.
14. NOTA [14] Em abril de 2015, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013 foramdivulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A TV, diz o órgão, predomina em 97,3% dosdomicílios do país (63,3 milhões). Desse total, 29,5% das residências tinham TV por assinatura, 31,2% tinham sinaldigital de TV aberta, enquanto 38,4% dependiam de antena parabólica. Já 48% dos domicílios tinham acesso àinternet (31,2 milhões de residências, não necessariamente banda larga). Desse total, 88,4% (ou 27,6 milhões)usavam a internet por meio de computador (não necessariamente banda larga). No restante — 11,6%, ou 3,6 milhõesde domicílios —, a utilização da internet era realizada por outros equipamentos.
15. NOTA [15] Atualmente, a explosão das OTTs , por exemplo, fez com que as grandes emissoras de TVnorte-americanas criassem novas formas de oferecer seu conteúdo online fora do fluxo de programação. No Brasil, atendência é a mesma.
16. NOTA [16] Na temporada de Malhação 2012/3, da qual participei, a iniciativa da TV Orelha, canal de vídeo na webde um dos personagens da trama, foi indicada ao Emmy Digital. As imagens da TV Orelha eram captadas muitasvezes pelo próprio ator que fazia o personagem, David Lucas, durante a cena. No programa, apareciam pequenostrechos desse material, mas os espectadores podiam acompanhar a TV Orelha na íntegra na internet, no site doprograma. Lá eles assistiam à extensão de cenas que estavam na televisão e também a conteúdo inédito. Disponívelem: <http://especiais.malhacao2012.tvg.globo.com/novelas/malhacao/tv-orelha/>.
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17. NOTA [17] As grandes corporações e emissoras ainda relutam em compartilhar seu conteúdo em plataformas quelucram com a audiência de piratas ou cuja divisão de lucros (dos anúncios) ainda não esteja clara ou ainda com umacordo pouco satisfatório.
18. NOTA [18] No Brasil, entre as principais redes sociais dedicadas aos fanfics estão a Nyah(https://fanfiction.com.br/categoria/1290/malhacao/) e a Spirit (https://socialspirit.com.br/categorias/malhacao).
19. NOTA [19] A fanpage no Facebook tem mais de 11 milhões de seguidores e fãs, e não é raro que o site do programatenha mais de 1 milhão de acessos diários.
20. NOTA [20) Em entrevista por e-mail durante a pesquisa para este artigo, em 2 de setembro de 2015.21. NOTA [21] O conteúdo mais acessado do blog foi: “Soluca? Heidequina? Ruivique? Na fanfic tem casais que você
nunca viu!”, com 75.753 visitas.22. NOTA [22] Existem diversas experiências e exemplos de projetos audiovisuais feitos de forma colaborativa, mas sob
a supervisão de um artista, ou produtora, para fins comerciais. Ridley Scot produziu o longa-metragem Life in a day a partir de conteúdo audiovisual enviado de várias partes do mundo (youtube.com/lifeina day). Em 2008, PauloCoelho, a partir de seu blog , disponibilizou um livro de contos, The experimental witch , para que os interessadosproduzissem curtas-metragens que poderiam fazer parte de um longa derivado do livro (projeto posteriormenteanunciado no Festival de Cannes). Apenas os ganhadores recebiam pagamento por seu trabalho, além de assinaremum dos episódios do longa-metragem, claro. Em ambos os casos, os colaboradores ganharam visibilidade ereconhecimento, e, no segundo caso, além do pagamento financeiro, receberam prestígio e currículo.
23. NOTA [23] Já participei de uma web série em que um dos episódios foi feito por fãs. Ela fazia parte de um projetomaior que envolvia diversas plataformas e telas. A web série Desenrola , em 2009, antecedeu o filme delonga-metragem de mesmo nome (lançado em 2011), uma série de televisão para o canal a cabo Multishow derivadado filme, um jogo online multiplayer, um ARG (alternative reality game, ou jogo de realidade alternada), além dedois livros, um romance e um não ficção. Como o ARG e a web série eram concomitantes, quando um dospersonagens da web série desapareceu, transformamos essa trama no jogo. Um ARG acontece online e offline. Osparticipantes que estavam no Rio de Janeiro documentaram um dos acontecimentos ligados à trama: uma amiga dorapaz desaparecido marcou um encontro no “mundo real”, quando pedia ajuda antes de ser levada por seguranças. Acena era também uma pista para a próxima fase do jogo. Os participantes gravaram a “cena” e compartilharam narede para que outros participantes que não estavam no Rio de Janeiro pudessem saber da nova pista. Esse registro setransformou em um dos episódios da web série. O episódio está disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=csEn9dc4kgc>.
24. NOTA [24] Malhação já levou ao ar também comentários feitos por fãs por meio do aplicativo de segunda tela parao celular, ao vivo. Uma iniciativa também comum em jornais diários na televisão. O Fantástico , que vai ao ar aosdomingos, já encerrou o programa mais de uma vez com registros enviados pela audiência.
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