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A TEORIA DOS TRÊS MUNDOS DA MATEMÁTICA ASSOCIADA A UMA
ATIVIDADE DE MODELAGEM MATEMÁTICA
Bárbara Nivalda P. A. Souza
Camila Fogaça de Oliveira
Lourdes M. Werle de Almeida
Resumo:
Este trabalho tem como finalidade apresentar algumas reflexões em relação aos processos
do pensamento matemático que podem surgir durante o envolvimento dos alunos com uma
atividade de Modelagem Matemática. A atividade analisada tem como tema o crescimento
da população de idosos no Brasil e foi desenvolvida por alunos de uma turma do curso de
Licenciatura em Matemática, durante uma aula da disciplina de Introdução à Modelagem
Matemática. A metodologia utilizada é de caráter qualitativo e a análise está fundamentada
na teoria dos Três Mundos da Matemática, de David Tall. A análise da atividade revela
transição entre o mundo conceitual corporificado e o mundo simbólico proceitual,
caracterizados na teoria de David Tall.
Palavras-chave: Modelagem Matemática; Pensamento Matemático.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta reflexões iniciais em relação a processos do pensamento
matemático que podem surgir durante o envolvimento dos alunos com uma atividade de
Modelagem Matemática. O objetivo principal da pesquisa em andamento, e da qual este
texto apresenta algumas reflexões iniciais, consiste em investigar como se dá o pensamento
matemático de alunos num ambiente que envolve a Modelagem Matemática e está
fundamentado na teoria dos Três Mundos da Matemática, de David Tall.
209
Inicialmente tratamos da caracterização do pensamento matemático e dos Três
Mundos da Matemática, apresentados por Tall (1995). A seguir, apresentamos
considerações sobre a Modelagem Matemática e, finalmente, descrevemos uma atividade
desenvolvida com os alunos e sobre a qual apresentamos algumas reflexões fundamentadas
nos aspectos teóricos elencados e nas ações deles durante a resolução da atividade.
A metodologia adotada para análise é de caráter qualitativo e os dados foram
coletados durante o desenvolvimento da atividade pelos alunos, usando observações diretas
feitas pelas duas professoras responsáveis pela aula, anotações em diário de campo, bem
como a análise dos registros entregues pelos alunos no final da aula.
2. REFERENCIAIS TEÓRICOS
O referencial teórico que fundamenta a pesquisa envolve uma caracterização do
pensamento matemático, a teoria dos Três Mundos da Matemática, de David Tall, e a
Modelagem Matemática como alternativa pedagógica.
2.1 UMA CARACTERIZAÇÃO DO PENSAMENTO MATEMÁTICO
Uma das preocupações da aprendizagem em Matemática está relacionada à
construção do conhecimento matemático, de que forma ele se dá e o que o influencia. O
desenvolvimento do pensamento matemático tem sido um importante objeto de estudo a
fim de melhorar o ensino e a aprendizagem da Matemática.
O pensamento, segundo Houaiss (2001), pode ser caracterizado como uma
atividade cognitiva, racional, o conhecimento por conceitos. Neste sentido, entendemos o
pensamento matemático como uma atividade cognitiva, racional, envolvendo o
conhecimento por conceitos matemáticos. O pensamento matemático pode ser entendido
como um processo mental, o que torna sua observação difícil e complexa. Segundo
Domingos (2003), o pensamento matemático que pode ser caracterizado como elementar
ou avançado. Tall (1991, 2002) caracteriza a transição que ocorre do pensamento
matemático elementar ao pensamento matemático avançado.
O pensamento matemático elementar, segundo Domingos (2003), foca-se na
descrição dos objetos, descrição essa, feita a partir das propriedades concretas dos objetos.
Concretas no sentido de que podem ser vistas e manipuladas física ou mentalmente.
210
A atividade humana, de acordo com Tall (1995), compreende três componentes: a
percepção, o pensamento e a ação. Estes componentes permitem que vejamos a atividade
matemática de maneira que percebamos os objetos, pensemos sobre eles e, então, atuemos
sobre eles ou com eles. Tais atividades possibilitam desenvolvimentos cognitivos que vão
do visual-espacial para o verbal-dedutivo ou partem da utilização de símbolos e
declarações verbais para a conceitualização. Na medida em que estes desenvolvimentos se
refinam e se tornam mais complexos, estes conduzem ao pensamento matemático
avançado que envolve o uso de estruturas cognitivas produzidas pelas várias atividades
matemáticas. Assim, tanto o pensamento matemático elementar, quanto o pensamento
matemático avançado, se referem à maneira como processamos internamente a informação.
Segundo Dreyfus (1991), o pensamento matemático avançado consiste de uma
grande disposição de processos que interagem entre si. O mesmo autor defende que são
dois os principais processos do pensamento matemático mais evidenciados: o processo de
representação e o processo de abstração. Estes estão associados tanto ao pensamento
matemático elementar, quanto ao pensamento matemático avançado, sendo a principal
diferença relacionada com a complexidade dos processos em cada tipo de pensamento.
Assim, ao falar em pensamento matemático, seja no processo de aprendizagem ou no
campo de pesquisa, é importante salientar a necessidade de manipular mentalmente os
objetos matemáticos. Esta manipulação envolve dois processos, o de abstrair e o de
representar. É necessário abstrair propriedades e informações acerca dos objetos
matemáticos, a fim de investigar e encontrar regularidades que permitam sua
representação. Os artifícios utilizados para abstrair e representar estão ligados ao grau de
complexidade que o objeto matemático carrega, bem como à maneira como lidamos com
essa complexidade.
Para Dreyfus (1991), o processo de representação está associado às ações de
encontrar uma representação, mudar de representação, visualizar; já ao processo de
abstração, segundo o mesmo autor, estão associadas a capacidade de abstrair, a
generalização, a síntese, a verificação, a prova e a definição. Um exemplo de
generalização, que é um dos processos envolvidos na abstração, é quando um aluno sabe,
por sua experiência, que uma equação linear de uma variável tem uma solução e que
sistemas de duas ou três equações lineares, em duas ou três variáveis, têm uma solução. Ele
pode generalizar este conhecimento a um sistema de “n” equações lineares com “n”
variáveis, ou seja, faz a transição dos casos particulares n=2 e n=3 para o caso geral n, em
211
que é necessário identificar o que há de comum nas condições iniciais, fazer conjecturas,
validar a generalização.
Os processos de representar e abstrair permitem controlar a complexidade
envolvida na situação e passar de um nível de detalhes para outro mais refinado,
desenvolvendo, assim, o pensamento matemático avançado. Neste sentido, a maneira como
se lida com a complexidade pode fazer com que o pensamento matemático transite entre o
pensamento matemático elementar e o pensamento matemático avançado. Tal transição
envolve, segundo Tall (2002), uma mudança significativa na estrutura cognitiva:
a mudança do pensamento matemático elementar para o pensamento matemático avançado envolve uma significativa transição que vai da descrição à definição, do convencimento à prova de uma maneira lógica baseada em definições. (...) É a transição da coerência da matemática elementar para a conseqüência da matemática avançada baseada em entidades abstratas que se deve construir por meio de deduções e de definições formais. (Tradução nossa: TALL, 2002, p. 201)
Tall (2002) analisa com mais profundidade como se dá essa transição de
pensamento, no desenvolvimento cognitivo das pessoas, usando a teoria dos Três Mundos
da Matemática.
2.2 OS TRÊS MUNDOS DA MATEMÁTICA
A teoria dos Três Mundos da Matemática procura acompanhar o desenvolvimento
cognitivo relacionado ao pensamento matemático no decorrer de todo desenvolvimento do
indivíduo, considerando desde a criança até um matemático. A teoria de David Tall aponta
que o desenvolvimento do pensamento matemático pode ser categorizado em mundos do
pensamento matemático caracterizando os como: “mundo conceitual corporificado”,
“mundo simbólico proceitual” e “mundo axiomático formal”.
O mundo conceitual corporificado coordena percepções e ações relacionadas a
objetos físicos ou mentais. Tal mundo está relacionado ao processo de representar,
visualizar, a partir destes processos estruturamos, o objeto em nossa mente e capturamos as
propriedades que são observáveis no objeto. Assim, por meio da visualização e da intuição,
1 The move from elementary to advanced mathematical thinking involves a significant
transition: that from describingto defining, from convincing to proving in a logical manner based on those definitions. (...) It is the transition from the coherence of elementary mathematics to the consequence of advanced mathematics, based on abstract entities which the individual must construct through deductions from formal definitions.
212
é possível validar as ações no mundo conceitual corporificado. Por exemplo, podemos
visualizar um triângulo, perceber suas propriedades e tomá-las como válidas para toda uma
classe de triângulos – neste caso, o “mundo matemático” evidenciado é o mundo
conceitual corporificado. A corporificação remete aos objetos corporificados, que
entendemos, no sentido de Lima (2007), como envolvendo objetos físicos, sua descrição, a
ação e reflexão sobre eles, bem como as manipulações mentais que fazemos ao analisar e
conjecturar sobre as propriedades dos objetos ou de uma situação.
O mundo simbólico proceitual compreende os símbolos da aritmética, álgebra e
cálculo. Tais símbolos representam as percepções e ações que estão presentes no mundo
conceitual corporificado. Cada símbolo carrega consigo a particularidade de conter
características do conceito que o símbolo representa e da ação que efetuamos sobre eles.
Essa particularidade é denominada por Gray e Tall (1994) de “proceito”. Ao trabalhar com
os proceitos é possível mudar, flexivelmente, de um procedimento para o conceito que
resulta da ação efetuada. Por exemplo, 2+3, 3+2 e 1+4 são três processos, que representam
o objeto soma e que resultam no mesmo conceito.
A partir do uso de corporificações e proceitos, faz-se necessário formalizar o
entendimento do objeto matemático. Tal formalização acontece no mundo axiomático
formal, em que, a partir de um conjunto de axiomas, definições, propriedades e teoremas,
pode-se desenvolver a prova matemática.
O desenvolvimento do pensamento se dá, dessa maneira, do mundo conceitual
corporificado ao mundo axiomático formal, não necessariamente de forma linear. Tall
(2004d) aponta que cada pessoa tem uma jornada de crescimento individual e, portanto,
traça seu próprio caminho através dos Três Mundos da Matemática.
2.3 MODELAGEM MATEMÁTICA
O entendimento de Modelagem Matemática que usamos neste texto é aquele
apresentado em Almeida e Brito (2005). Segundo estes autores, a Modelagem Matemática
pode ser encarada como uma alternativa pedagógica na qual fazemos uma abordagem, por
meio da Matemática, de um problema não essencialmente matemático.
Os passos desenvolvidos pelos indivíduos durante uma atividade de Modelagem
Matemática compreendem, segundo Ferri (2006), o entendimento de um problema, a
simplificação ou estruturação dele, um processo de matematização, o trabalho com a
213
matemática envolvida no problema, a interpretação, validação e apresentação dos
resultados obtidos. Considerando estas ações dos estudantes, podemos vislumbrar a
Modelagem Matemática numa perspectiva cognitiva, o que pode significar aproximá-la de
uma perspectiva ligada ao pensamento. Neste sentido, Bean (2003) considera a
Modelagem Matemática como “uma atividade expressiva que exige a utilização do
pensamento interpretativo e criativo na formulação de uma representação matemática para
um fenômeno através de hipóteses e aproximações simplificadoras” (p. 2). O autor salienta
que uma atividade de modelagem exige um pensamento interpretativo e criativo e os meios
de expressão são as representações matemáticas.
Segundo Vertuan (2007), em atividades de Modelagem Matemática os objetos
matemáticos são trabalhados em suas múltiplas representações como tabelas, gráficos,
expressões algébricas. Além disso, muitas vezes, há a necessidade de trocar de
representação, traduzir uma situação-problema em uma formulação matemática e utilizar
os processos de síntese e generalização ao trabalhar com a matematização do problema.
A observação das habilidades para construir e manipular estes processos de
representação e abstração pode, segundo Dreyfus (1991), evidenciar a ocorrência do
pensamento matemático e sinalizar se trata-se de um pensamento elementar ou de um
pensamento avançado.
A partir das teorias abordadas e das considerações elencadas, temos a intenção de
analisar a transição de pensamentos que pode ocorrer durante uma atividade de
Modelagem Matemática, por meio de uma abordagem qualitativa, utilizando de descrições
da atividade e da descrição de ações dos alunos durante a atividade. Com a perspectiva de
observar a transição de pensamentos matemáticos dos alunos, que desenvolveram a
atividade, apresentamos a seguir a atividade “um país só de idosos”.
3. A ATIVIDADE DE MODELAGEM UM PAÍS SÓ DE IDOSOS
Esta atividade foi desenvolvida com uma turma, no primeiro semestre de 2009,
em um ambiente informatizado, a fim de que os alunos utilizassem o software Curve
Expert, uma ferramenta educacional que possibilita o ajuste de curvas e gráficos para um
conjunto de dados. A atividade foi conduzida, neste ambiente, pelas autoras deste artigo.
Para introduzir a problemática, foi abordado o problema do aumento do número
de idosos, que atinge, no momento, os países desenvolvidos que não conseguem alcançar a
214
taxa de fecundidade necessária para repor as perdas naturais do país. Alguns alunos
manifestaram ter consciência do problema, que é eminente nos países Europeus e no Japão,
e que começa a preocupar o Brasil pela queda contínua da taxa de fecundidade das
mulheres brasileiras. Em seguida, a atividade foi desenvolvida com base em considerações
a respeito do problema apresentado.
Segue abaixo uma descrição resumida da atividade desenvolvida com os alunos.
Primeiramente, apresentamos um texto introdutório à situação-problema que seria estudada
e, em seguida. apresentamos, de forma sintetizada, o desenvolvimento da atividade pelos
alunos.
3.1 APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA
A dinâmica do crescimento populacional no mundo está sendo alterada nas
últimas décadas, principalmente pelos avanços da medicina e pelo aumento do acesso à
educação e ao saneamento básico. Os principais impactos destes fatores são a redução no
numero de filhos por mulher, a queda na mortalidade infantil e o aumento da longevidade
humana – com forte variação, porém, de país para país. As grandes consequências dessas
mudanças são a desaceleração do crescimento populacional e o aumento da idade média da
população mundial.
Acompanhando a tendência mundial, o crescimento demográfico brasileiro vem
se desacelerando nas últimas quatro décadas. Isso ocorre principalmente porque a taxa de
fecundidade (a quantidade de filhos por mulher) cai ano a ano. Se, desde 1950 o
crescimento da população tivesse permanecido no mesmo ritmo (as mulheres tinham em
média mais de seis filhos), haveria mais de 260 milhões de brasileiros. Com base em dados
coletados junto ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) elaboramos a
seguinte tabela.
Tabela 1 - Evolução da população de crianças, jovens e idosos no Brasil (em milhões)
Ano 0 a 14 anos 65 anos ou +
1940 17,5 1,7
1950 21,7 2,2
1960 29,9 3,3
1970 39,2 4,8
215
1980 45,5 7,3
1990 50,9 10,7
2000 50,2 14,6 Adaptada de Almanaque Abril p. 115 e 122.
O Brasil tem apresentado uma queda representativa nas taxas de fecundidade
desde 1980, segundo dados do IBGE (Instituto brasileiro de Geografia e Estatística)
apresentados na Tabela 2.
Tabela 2 - Taxa de fecundidade
Ano Média de filhos por mulher
1940 6,2
1950 6,2
1960 6,3
1970 5,8
1980 4,4
1990 2,7
2000 2,36
2001 2,23
2002 2,14
2003 2,06 FONTE: http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/pesquisas/
IBGE, Censo Demográfico de 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991 e 2000. PNAD, 2004. PNDS, 2006.
Levando em consideração estas informações, surge o interesse em investigar, em
que data, aproximadamente, a população de jovens e crianças deve se igualar à população
de idosos, se este padrão de fecundidade e de expectativa de vida for mantido.
3.2 MATEMATIZAÇÃO DA SITUAÇÃO
Para a matematização da situação, inicialmente, os dados da tabela 1,
anteriormente apresentada, foram plotados em gráficos do plano cartesiano usando o
216
software Curve, obtendo-se, assim, as curvas de tendências das populações apresentadas na
Figuras 1 e na Figura 2.
População 0 a 14 anos (1940 - 2000)
Ano
Popu
laçã
o
0.0 1.0 2.0 3.0 4.0 5.0 6.0 7.0 8.015.0020.5026.0031.5037.0042.5048.0053.5059.00
Figura 1: População de 0 a 14 anos (1940-2000)
População 65 anos ou + (1940 - 2000)
Ano
Popu
laçã
o
0.0 1.0 2.0 3.0 4.0 5.0 6.0 7.0 8.01.002.504.005.507.008.50
10.0011.5013.0014.5016.0017.50
Figura 2: População de 65 anos ou + (1940-2000)
Consideramos:
t = tempo em anos, em que t=0 corresponde ao ano de 1940;
Pj = população de jovens e crianças de 0 a 14 anos;
Pi = população de idosos com 65 anos ou mais.
Para encontrar um modelo matemático que se ajuste aos pontos apresentados nas
curvas de tendências, os estudantes utilizaram novamente o software Curve, obtendo os
modelos:
(1)
e
(2),
que correspondem à população de 0 a 14 anos e à população de 65 anos ou mais, no
período de 1940 a 2000, respectivamente.
Para obter a resposta à questão de quando estas populações ficam muito próximas, os
estudantes igualaram as equações (1) e (2), obtendo o valo t que corresponde ao ano de
2060.
Para validar os modelos obtidos e fazer as previsões das populações até a década
de 2060, os alunos construíram a tabela 3 e a tabela 4, respectivamente.
Tabela 3 - Evolução da população de crianças, jovens e idosos no Brasil (em milhões)
217
Ano T 0 a 14 anos
observado
Pj(x)
estimado
65 anos ou mais
observado
Pi(x)
estimado
1940 1 17,5 15,4 1,7 1,7
1950 2 21,7 24,1 2,2 2,1
1960 3 29,9 31,8 3,3 3,1
1970 4 39,2 38,5 4,8 4,9
1980 5 45,5 44,1 7,3 7,4
1990 6 50,9 48,72 10,7 10,6
2000 7 50,2 52,3 14,6 14,6
Tabela 4 - Previsão da população de crianças, jovens e idosos no Brasil (em milhões)
Ano T 0 a 14 anos 65 anos ou +
2010 8 54,7 19,3
2020 9 56,3 24,7
2030 10 56,7 30,8
2040 11 56,1 37,7
2050 12 54,4 45,3
2060 13 51,7 53,5
Com base nas informações obtidas por meio da atividade foi possível discutir
alguns pontos com os alunos: Será necessária uma readequação do mercado e da sociedade
para atender a grande demanda de idosos que está evoluindo? O governo precisará
continuar a investir nas áreas relacionadas à população jovem? As constantes reformas nas
leis que regem as aposentadorias no país poderiam estar relacionadas com estas
populações?
4. OS TRÊS MUNDOS DA MATEMÁTICA E OS PROCESSOS DE
PENSAMENTO: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A ATIVIDADE DE
MODELAGEM
As reflexões que são apresentadas visam identificar aspectos da “viagem” dos
alunos através dos Três Mundos da Matemática, bem como a transição de pensamentos que
pode ocorrer nesta “viagem”. Trata-se de uma análise feita considerando as ações dos
218
alunos durante a atividade, que foram observadas pelas autoras do artigo durante o
desenvolvimento da atividade e anotadas em diário de campo, bem como nos registros
entregues pelos estudantes no final da aula.
A atividade foi desenvolvida com os alunos em um ambiente computacional com
o uso do software Curve Expert. Na utilização do software, os alunos entram em contato
com o objeto matemático, a função quadrática e suas representações matemáticas. Neste
momento da atividade, identificamos a utilização de objetos físicos que representam um
conceito matemático. Tal utilização é caracterizada, segundo Tall (2004d), como utilização
de objetos corporificados. Segundo Lima (2007):
(...) Imagens de gráficos podem ser usadas como corporificações, para que sejam analisadas e suas propriedades observadas e compreendidas. Por fim, abordagens de ensino que levem em conta esses e outros fatores da visualização, bem como o uso de objetos físicos ou representações deles para o aprendizado são por nós consideradas corporificações. (p. 75)
Quando os alunos têm contato com o gráfico que representa a curva de tendência
dos dados apresentados (Figura 1 e Figura 2), estes têm que interpretar o comportamento
evidenciado pelo gráfico, analisando, assim, as características e propriedades do modelo
matemático associado a estas curvas. Consideramos aí a interpretação de um objeto
corporificado. Tal interpretação leva à conjectura sobre a função matemática que melhor se
ajusta aos dados e, consequentemente, a uma troca de representações, passando da
representação gráfica para a representação algébrica, o que se caracteriza no mundo
conceitual corporificado. O objeto corporificado ligado à percepção e visualização
pertence ao mundo conceitual corporificado.
Outro aspecto que evidencia a passagem pelos mundos da matemática é a
interpretação da situação-problema, viabilizando a associação de objetos matemáticos
associados a uma situação que não é matemática. Neste aspecto, foi necessário que os
estudantes passassem de uma situação não matemática – as populações no decorrer de um
período – para uma linguagem matemática – funções que descrevem estas populações no
decorrer do tempo.
Nesse sentido, as tabelas iniciais, com os dados obtidos no IBGE, precisam ser
traduzidas em linguagem matemática específica – modelos matemáticos. Ao buscar tal
tradução, antes mesmo de utilizar o símbolo para representar o comportamento dos dados,
219
já se dá significado a este símbolo. Segundo Tall (2004), a atribuição de significados aos
símbolos é caracterizada como pertencente ao mundo simbólico proceitual.
A busca pela resposta à questão colocada – a igualdade das populações – parece,
ainda, estar no mundo simbólico proceitual, uma vez que não requer, explicitamente, o uso
de demonstrações ou provas formais. Neste sentido, o trânsito no mundo axiomático
formal não se mostrou de forma objetiva durante o desenvolvimento da atividade. A
justificativa para o uso do objeto matemático se deu sem uma linguagem formal baseada na
prova; os alunos utilizaram apenas o que viram e perceberam, na atividade, que tais
características identificam apenas a passagem pelo mundo conceitual corporificado e
simbólico proceitual, denotada por meio dos objetos corporificados envolvidos, e a
atribuição de significados dada a estes símbolos.
Em relação aos processos de pensamento, pode-se dizer que a atividade
desenvolvida foi uma atividade relativamente simples, na qual são exigidos conhecimentos
que já fazem parte da estrutura cognitiva dos estudantes e podem ser chamados durante a
resolução da atividade, conforme disposto nas reflexões sobre a passagem pelos Três
Mundos da Matemática. De modo geral, o grau de complexidade exigido na atividade não
foi alto.
O processo do pensamento matemático “representar” é utilizado ao longo do
desenvolvimento da atividade, no sentido de representar-visualizar, mudar de uma
representação para outra.
Neste contexto, ao representar os dados de uma tabela em um gráfico cartesiano e
ao analisar os dados de um gráfico, associar-lhes a um modelo matemático (expressão
algébrica), os estudantes sinalizam um pensamento denominado por Costa (2002) como
“visual-espacial”, uma vez que é resultante de imagens e/ou da construção de relações
entre imagens – que, neste caso, são tabelas, curvas e expressões algébricas.
Os processos mentais associados a este tipo de pensamento, segundo Costa
(2002), envolvem a “abstração reflexiva, intuições, descoberta de relações entre imagens,
propriedades e fatos, transformações mentais, planificações mentais, verificação,
comparação, criação de modelos, reconstrução mental da visão de um objeto,
generalizações, transferência e previsão mental” (p. 264).
Durante o desenvolvimento da atividade, tais processos podem ser percebidos no
momento em que os alunos têm de interpretar a situação-problema apresentada, bem como,
nas tabelas que a acompanham, em traduzi-las em gráficos e interpretar a tendência dos
220
dados representados nesses, descobrindo/verificando, a partir da percepção, intuição e
observação dos dados e do gráfico, as relações existentes entre os dados, bem como as
semelhanças entre eles.
Os processos mentais associados a este tipo de pensamento, segundo Costa
(2002), são ligados a representações, ligações entre representações, modelos (desenhos,
esboços, construções), codificação e decodificação. Foi necessária, durante o
desenvolvimento da atividade, a tradução de uma imagem visual, os gráficos, em uma
representação simbólica (algébrica), da função que representa os dados apresentados. A
partir de um gráfico, os alunos construíram, com a utilização do computador, um modelo
matemático para a situação dada. Neste momento da atividade, observa-se os processos de
ação sobre o gráfico, a representação matemática da função que melhor descreve os dados,
bem como a ligação entre a representação gráfica e a representação algébrica; para tanto,
os alunos precisaram construir argumentações, conjecturas e discutir a respeito da função
que melhor se ajustava aos dados do gráfico.
Os processos ligados à representação ficaram bastante evidentes durante a
atividade, uma vez que o uso das diferentes representações associadas à situação-problema
conduziu à solução procurada. Já os processos ligados à abstração, puderam ser
evidenciados especialmente na tradução da situação-problema, apresentada em linguagem
natural, para a situação matemática.
As reflexões iniciais sobre o pensamento matemático dos alunos, durante a
atividade por eles desenvolvida, ilustram uma possibilidade de evidenciar, em atividades
de Modelagem Matemática, indícios de pensamento matemático e de como ocorre o
desenvolvimento do pensamento matemático percebido na passagem dos alunos pelos
mundos da Matemática (neste caso, do mundo conceitual corporificado a partir de objetos
corporificados para o mundo simbólico proceitual), e na maneira como os processos de
representação e abstração são exigidos durante o desenvolvimento da atividade.
Nesta atividade, a solução requerida para a situação-problema não exigiu dos
alunos o envolvimento com o mundo axiomático formal, uma vez que as respostas
encontradas, com ações no mundo conceitual corporificado e no mundo simbólico
proceitual, foram satisfatórias. Assim, atividades futuras, que pretendemos desenvolver
com este mesmo grupos de alunos, deverão abarcar este mundo e evidenciar nos alunos o
pensamento matemático avançado.
221
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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