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Universidade Estadual de Maringá 08 e 09 de Junho de 2009 1 A TEORIA PIAGETIANA NOS PROGRAMAS DE PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UEM (1993 a 2005) FABRIL, Fátima Regina (UEM) CALSA, Geiva Carolina (Orientadora/UEM) Por mais de 50 anos, período compreendido entre 1920 e 1980, Jean Piaget e colaboradores, dedicaram-se a estudos de natureza epistemológica. Piaget referia-se frequentemente à sua abordagem como epistemologia genética, cuja significação foi de tema de muitos de seus escritos. A definição de conhecimento é o problema central da epistemologia. Poucos psicólogos cognitivos tentaram enfrentar essa tarefa. É motivo de prestígio para Jean Piaget tê-lo enfrentado e, proposto, ademais, a reformulação da questão epistemológica clássica para indagar como se processa a mudança de níveis mais simples de conhecimento até um mais complexo, resultante da interação entre sujeito e objeto. O autor procurou fundamentar uma epistemologia genética que permitisse estudar o processo de formação do conhecimento, ao observar e estudar a evolução do mesmo na sua gênese. Para tanto, formulou paralelamente uma teoria epistemológica e uma teoria psicológica, sem manter vínculos explícitos nem com a filosofia e nem com a psicologia. A elaboração paralela da epistemologia e da psicologia genética deve-se, principalmente, ao fato de Jean Piaget buscar um método que melhor respondesse ao seu problema de pesquisa. Como na época não encontrou nenhum que se adequasse aos seus propósitos epistemológicos, precisou inventá-lo. A psicologia genética, portanto, se constituiu como o método de pesquisa que permitiu a realização de um trabalho experimental de forma, marcadamente, diferente daqueles existentes.

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Universidade Estadual de Maringá 08 e 09 de Junho de 2009

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A TEORIA PIAGETIANA NOS PROGRAMAS DE PSICOLOGIA DA

EDUCAÇÃO NO CURSO DE PEDAGOGIA DA UEM (1993 a 2005)

FABRIL, Fátima Regina (UEM)

CALSA, Geiva Carolina (Orientadora/UEM)

Por mais de 50 anos, período compreendido entre 1920 e 1980, Jean Piaget e

colaboradores, dedicaram-se a estudos de natureza epistemológica. Piaget referia-se

frequentemente à sua abordagem como epistemologia genética, cuja significação foi de

tema de muitos de seus escritos.

A definição de conhecimento é o problema central da epistemologia. Poucos psicólogos

cognitivos tentaram enfrentar essa tarefa. É motivo de prestígio para Jean Piaget tê-lo

enfrentado e, proposto, ademais, a reformulação da questão epistemológica clássica para

indagar como se processa a mudança de níveis mais simples de conhecimento até um

mais complexo, resultante da interação entre sujeito e objeto.

O autor procurou fundamentar uma epistemologia genética que permitisse estudar o

processo de formação do conhecimento, ao observar e estudar a evolução do mesmo na

sua gênese. Para tanto, formulou paralelamente uma teoria epistemológica e uma teoria

psicológica, sem manter vínculos explícitos nem com a filosofia e nem com a

psicologia.

A elaboração paralela da epistemologia e da psicologia genética deve-se,

principalmente, ao fato de Jean Piaget buscar um método que melhor respondesse ao

seu problema de pesquisa. Como na época não encontrou nenhum que se adequasse aos

seus propósitos epistemológicos, precisou inventá-lo. A psicologia genética, portanto, se

constituiu como o método de pesquisa que permitiu a realização de um trabalho

experimental de forma, marcadamente, diferente daqueles existentes.

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Jean Piaget e seus colaboradores por meio de seus estudos, ao seu tempo,

revolucionaram tudo o que se sabia acerca da criança, particularmente, no domínio do

desenvolvimento da inteligência e da construção do conhecimento. Seus trabalhos,

também modificaram a epistemologia e a psicologia de sua época e, hoje, há mais de

vinte e cinco anos após sua morte, sua teoria ainda permanece fecunda.

Essa fecundidade foi destacada por um grupo de autores que, em 1997, escreveram

artigos para um número especial da Revista SUBSTRATUM, Editora Artes Médicas,

em celebração ao centenário de nascimento de Jean Piaget: Eduardo Martí; Jacques

Vonèche; Rolando García; Juan Pascual-Leone; Juan Delval; José Castorina; César Coll

e Emilia Ferreiro.

Martí (1997), colaborador de Piaget, afirma, na introdução dessa revista, que os textos

são uma amostra da vitalidade das idéias piagetinas, dezesseis anos após a morte do

mestre suíço. Acrescenta que, para os autores, os trabalhos de Piaget significaram um

marco em seus próprios trabalhos, sendo o testemunho de cada um deles a melhor forma

de homenageá-lo. Esses autores compartilham, ainda, segundo Martí (1997), da opinião

de que as questões epistemológicas motivaram as pesquisas realizadas por Piaget e

colaboradores e, a apreciação de sua obra, deve levar em conta essas questões, a fim de

evitar deformações conceituais.

A despeito dos alertas feitos pelo próprio Piaget de que seus estudos tinham objetivo

epistemológico e, que embora se interessasse por problemas educacionais, sua obra teve

grande repercussão entre especialistas da educação. É consenso entre vários autores

(COLL, 1997; MARTÍ, 1997; REVAH, 2004; VASCONCELOS, 1996) que o período

compreendido entre meados da década de 60 e 70 e, no Brasil, na década de 80 (séc.

XX), a teoria piagetiana foi difundida nos meios educacionais, quase que unicamente

por meio de propostas pedagógicas denominadas construtivistas.

Os anos subseqüentes a 1990 corresponderam, entretanto, ao período em que a palavra

construtivismo (no sentido pedagógico) comportou divergências, principalmente entre

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os profissionais da educação, passando a ocupar um lugar secundário diante da

aceitação de outros enfoques teóricos. Entretanto, como previsto por Martí (1997),

mesmo com a diminuição das referências à Piaget em artigos de psicologia e pedagogia

nos anos de 1990, a revitalização de algumas das teses piagetianas estaria presente na

psicologia do século XXI.

Soma-se a isso a afirmação de García (1997, p. 50):

[...] ao longo da história da ciência, nenhuma disciplina, nenhuma teoria se manteve imune diante de novas pesquisas ou de novos dados experimentais nem ficou livre de correções, limitações ou ampliações. Era impensável que isso não ocorresse com uma epistemologia que se apresentava com os atributos de uma ciência. Mas daí a considerá-la superada, como se costuma afirmar, há uma enorme distância.

Qualquer uma das formas de abordagem da teoria piagetiana, que apontem seus limites

ou possibilidades, já exclui, portanto, de acordo com García (1997), que essa teoria fora

superada. Ademais, é preciso, segundo o autor, diferenciar pesquisa psicogenética da

epistemologia genética, uma vez que novos dados experimentais podem aumentar,

limitar ou alterar resultados de pesquisas antecedentes, mas isso não refuta a teoria que

embasou a realização dos estudos.

García (1997) considera pertinente esclarecer a expressão “superação de uma teoria”,

por considerá-la ambígua. Recorre para esse esclarecimento ao exemplo da substituição

da teoria aristotélica do movimento pela teoria de Newton, sendo a primeira, portanto,

eliminada e, não, superada. Já a superação, segundo o autor, implica mostrar que a

teoria, até então, aplicável a certos domínios de fenômenos e não a outros, continua a

explicar os anteriores, mas além desses, também outros que não explicava. Sobre a

epistemologia genética, García (1997, p. 51) afirma:

É natural, por conseguinte, que novos dados experimentais ampliem, restrinjam ou modifiquem resultados obtidos pela escola genebrina no domínio da pesquisa psicogenética. Isso refuta a “teoria de Piaget”? Qual teoria? [...] Mas, mesmo supondo que existam experiências que

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refutem “a teoria”, onde está a teoria epistemológica alternativa? (grifos do autor).

Delval (1997), reportando-se a Pascual-Leone, comenta que qualquer análise de uma

teoria, piagetiana ou não, deve realizar-se a partir dos pressupostos da própria teoria no

intuito de evitar explicações fora de contexto, leituras parciais e, conseqüentemente,

afirmações que o autor nunca disse, mas que podem resultar numa corrente de más

interpretações.

Como ouvi Pascual-Leone dizer muitas vezes [...]: se quisermos fazer um trabalho de análise epistemológica tanto da teoria de Piaget, como de qualquer outro autor, devemos examiná-la a partir dos pressupostos da própria teoria e tentar descobrir o que o autor queria dizer e não disse. Quando uma frase é analisada, principalmente se estiver fora do contexto, precisamos considerar a coerência com a própria teoria e somente assim poderá ser interpretada [...] (DEVAL, 1997, p. 93).

A ressalva que Delval faz nessa passagem, reportando-se a Pascual-Leone, também é

preocupação de outros autores (por exemplo, BECKER, 1987, 1984; COLL, 1997;

FERREIRO, 1997; RANGEL, 2002; RUIZ e BELLINI, 1998) que se dedicam ao estudo

da teoria piagetiana e debatem a respeito da existência de leituras enviesadas dessa obra,

em estudos de caráter teórico e em tentativas de sua aplicabilidade, especialmente, à

educação escolar.

A partir dos pressupostos de que a recepção das idéias piagetianas no Brasil se

caracterizou pela inserção de sua teoria no meio educacional (VASCONCELOS, 1996)

e de que as formas de apropriação e de difusão da teoria de Jean Piaget têm provocado

distorções significativas da mesma, pretendeu-se investigar por quais fontes a teoria

piagetiana tem chegado aos acadêmicos do curso de Pedagogia, destinado à formação

de professores. Essa investigação constituiu-se como pesquisa de mestrado para o

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá

(UEM).

É importante registrar que não se pretendeu analisar se o conteúdo das obras

investigadas está ou não de acordo com o que propõe a teoria piagetiana e tampouco

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oferecer uma interpretação dessa teoria a partir desse conteúdo. O foco de estudo se

dirigiu ao contorno dado à teoria piagetiana pelo conjunto dos temas abordados nas

obras referenciadas, na disciplina Psicologia da Educação, aos pedagogos durante sua

formação acadêmica, a partir da hipótese que os aspectos dessa teoria privilegiados nas

obras podem favorecer uma apropriação consistente ou reducionista dessa teoria e,

posteriormente, sua aplicação adequada ou inadequada em estudos teóricos ou práticos.

A escolha pelo curso de Pedagogia ocorreu em razão dessa graduação incidir

diretamente na formação dos educadores da educação básica, para quem a compreensão

enviesada da Epistemologia e Psicologia Genética pode acabar se constituindo em

prejuízos significativos à sua qualificação e atuação profissional. No entanto, entende-

se que a compreensão adequada dessa teoria, apesar dos limites existentes em qualquer

ciência, pode contribuir com os processos escolares de ensino e aprendizagem, desde

que não se faça sua mera transposição (e não somente da epistemologia ou psicologia

genética) à prática pedagógica.

A limitação da pesquisa às obras referenciadas nos programas da disciplina Psicologia

da Educação, embora outras disciplinas pudessem apresentar referências à teoria de Jean

Piaget, ocorreu pela presença dessa disciplina em todos os projetos curriculares, desde a

implantação do curso de Pedagogia, em 1973. Considerou-se também a alteração

curricular do curso de Pedagogia, em 2006, que resultou no desdobramento dessa

disciplina em seis abordagens1, sendo uma delas destinada, especificamente, à

abordagem da teoria piagetiana: Psicologia da Educação - Epistemologia Genética.

O ano de 1983 representou o limite inicial do estudo com base na constatação de que o

registro das referências bibliográficas (informação imprescindível para se chegar às

fontes utilizadas para divulgação da teoria piagetiana entre os acadêmicos do curso de

Pedagogia), nos programas das disciplinas Psicologia da Educação, consta somente a

1 As seis abordagens são: Psicologia da Educação: Epistemologia Genética; Psicologia da Educação e Identidade do Pedagogo; Psicologia da Educação: Aspectos Neuropsicológicos e Afetivos; Psicologia da Educação: Abordagem Histórico-Cultural; Psicologia da Educação: Abordagem Comportamental e Humanista e Psicologia da Educação: Temas da Vida Contemporânea.

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partir do segundo semestre desse ano. O limite temporal superior foi o ano de 2005 em

virtude da última alteração curricular ser implantada em 2006 que coincidiu com o ano

de início da pesquisa.

O estudo dos programas da disciplina de Psicologia da Educação do curso de Pedagogia

da UEM-PR objetivou: identificar quais as referências bibliográficas utilizadas nessa

disciplina para a abordagem da teoria de Jean Piaget (Epistemologia e Psicologia

Genética); efetuar o mapeamento dos aspectos privilegiados dessa teoria nessas

bibliografias e analisar, em conjunto, se esses aspectos favoreceram uma apropriação,

pelos graduandos em Pedagogia, consistente ou reducionista da teoria piagetiana com

repercussão na aplicação adequada ou inadequada dessa, em estudos teóricos ou

práticos, por esses profissionais.

Para atender esses objetivos, buscou-se identificar e localizar as fontes de informações

que permitiram chegar às referências bibliográficas, formalmente, utilizadas para a

divulgação da teoria de Piaget entre os acadêmicos do curso de Pedagogia.

Posteriormente, por intermédio da transformação das informações como procedimento

de pesquisa documental, analisaram-se as fontes documentais (projetos curriculares e

programas de disciplinas) das quais se extraíram as referências bibliográficas que, em

um terceiro momento, foram submetidas ao procedimento de análise de conteúdo.

Para a realização da análise de conteúdo – procedimento técnico teorizado por muitos

autores, entre eles, pode-se citar: Moraes (1999), Bardin (1979), Triviños (1987), Gil

(1999), Lüdke e André (1986) – utilizaram-se as cinco etapas descritas por Moraes

(1999) para esse fim: 1) preparação das informações; 2) unitarização ou transformação

do conteúdo em unidades; 3) categorização ou classificação das unidades em categorias;

4) descrição e 5) interpretação. As três primeiras etapas, nesta pesquisa, corresponderam

ao que se chamou de tratamento dos dados. Esse tratamento significou entrar em contato

com todas as obras e identificar as amostras de informações que foram analisadas,

especificamente, algumas das obras foram consideradas integralmente e de outras foram

selecionadas as partes que abordavam a teoria piagetiana.

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Após esse primeiro contato ou primeira leitura, outras releituras das obras se fizeram

necessárias a fim de averiguar os temas da teoria piagetiana abordados nessas obras.

Esse levantamento dos temas permitiu a categorização do texto das obras em unidades

de análise que, de acordo com Moraes (1999, p. 16), correspondem a um elemento do

documento, como palavras, frases, temas, textos ou ao próprio documento em sua forma

completa.

Concluiu-se a etapa de tratamento de dados com a classificação e o agrupamento das

unidades de análise em cinco categorias temáticas: (A) BIOGRAFIA DE JEAN

PIAGET; (B) PROPOSTA TEÓRICA; (C) MÉTODO; (D) CONCEITOS e (E)

LIMITES E POSSIBILIDADES DA TEORIA. A elaboração dessas categorias

obedeceu ao critério semântico, dentre outros critérios disponíveis para classificação de

dados - sintáticos, léxicos e expressivos (MORAES, 1999). Também atendeu ao

pressuposto de que a compreensão adequada de uma teoria depende, significativamente,

do estudo do autor, do seu problema de pesquisa, da metodologia, dos subsídios teóricos

para, enfim, apreciar os seus resultados, sem que se abandone sua coerência interna em

favor de aspectos particulares e isolados que podem deflagrar equívocos de

interpretação.

Com esse pressuposto entende-se, ainda, que diferentes perspectivas sejam adotadas por

aqueles dispostos a interpretar uma ciência e avaliar seus estatutos teóricos e

metodológicos. Essa tarefa, no entanto, requer, indispensavelmente, que o autor informe

o referencial do qual parte sua interpretação de determinada obra, a fim de garantir aos

leitores a possibilidade de distinguir a própria leitura das idéias do escritor bem como de

seu intérprete. Isso porque todo ato de leitura é feito no intuito de compreender as

intenções do escritor, mesmo que por meio de um de seus intérpretes, e, daí, derivar

novos conhecimentos.

As categorias temáticas e suas correspondentes unidades e subunidades de análise,

utilizadas para auxiliar na análise das referências bibliográficas foram as seguintes:

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A. BIOGRAFIA DE JEAN PIAGET

a. Dados pessoais e profissionais: Aa1) nascimento, filiação, formação educacional; Aa2)

funções profissionais e produção científica.

B. PROPOSTA TEÓRICA

a. Epistemologia Genética: Ba1) concepção da teoria; Ba2) problemática epistemológica

piagetiana; Ba3) relação com outras concepções teóricas.

b. Subsídios teóricos: Bb1) fatores do desenvolvimento mental; Bb2) invariantes funcionais

(Organização e Adaptação); Bb3) concepção de equilíbrio e equilibração; Bb4) abstração,

experiência física e lógico-matemática; Bb5) conhecimento físico e lógico-matemático.

C. MÉTODO

a. Desenvolvimento do método2: Ca1) elaboração e formalização do método; Ca2) etapa dos

desenvolvimentos recentes.

D. CONCEITOS

a. Desenvolvimento: Da1) definição; Da2) relação entre fatores afetivos, cognitivos e sociais;

Da3) relação entre pensamento e linguagem; Da4) relação entre desenvolvimento e

aprendizagem; Da5) egocentrismo: concepção e influência;

b. Inteligência: Db1) definição; Db2) hereditariedade / a priori epistemológico; Db3)

esquema, estrutura e operações mentais;

c. Estágios (períodos) do desenvolvimento mental: Dc1) critérios delimitativos; Dc2)

caracterização dos estágios; Dc3) particularização de estágios.

E. LIMITES E POSSIBILIDADES DA TEORIA

a. Limites: Ea1) críticas; Ea2) equívocos;

b. Possibilidades: Eb1) aplicações da teoria; Eb2) implicações educacionais.

Em seguida à eleição das categorias temáticas, procedeu-se à descrição das obras por

meio da organização de excertos, selecionados das próprias obras, para que pudessem

expressar o significado presente nas unidades de análise de cada categoria, ora definida

e presente nas obras analisadas. Essa comunicação correspondeu à elaboração de um

“texto-síntese” extraído das obras analisadas, que expressasse o significado das

unidades de análise agrupadas em cada uma das categorias temáticas. O texto-síntese

2 A denominação das subunidades de análise foi baseada no roteiro sugerido por Vinh-Bang (VISCA, 1995; Delval, 2002) para compreender evolução do método e da obra de Jean Piaget.

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constituiu-se do uso intensivo de citações diretas, utilizado em consignação à etapa de

descrição da análise de conteúdo sugerida por Moraes (1999, p. 23).

Após a descrição das obras selecionadas, a partir das categorias e unidades de análise,

buscou-se entrever as relações e considerações cabíveis a este estudo, a partir, da análise

das categorias encontradas nas obras referenciadas nos programas da disciplina

Psicologia da Educação que abordaram a teoria piagetiana.

Neste trabalho, os resultados apresentados são parciais e correspondem às categorias e

subunidades de análise das fontes bibliográficas, pertencentes aos Programas de 1996

das disciplinas de Psicologia da Educação I e II, no período de 1993 a 2005, que

agrupou as seguintes obras: Psicologia da Educação I: Davis e Oliveira (1991);

Fitzgerald, Strommen e Mckinney (1983); Goulart (1987); Rappaport (1981) e,

Psicologia da Educação II: Davis e Ramos (1990); Dolle (1987); Goulart (1987);

Palangana (1998), Piaget (1978; 1993), Piaget e Gréco (1974), Piaget e Inhelder (1986).

Para melhor visualização e acompanhamento da organização da análise, foram

construídos gráficos discriminando a presença/ausência das categorias e suas

respectivas subunidades de análise nas obras investigadas. Os dados referentes à

especificidade da categorização de cada uma das obras foram registrados no

APÊNDICE A, do qual se extraíram as informações para a elaboração dos gráficos. A

presença ou ausência das categorias, nas quinze obras, foi resumida no gráfico a seguir

(Gráfico 1).

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Os dados revelam que as cinco categorias elaboradas para este estudo foram

contempladas nas obras analisadas. A categoria (A), que se refere à BIOGRAFIA DE

JEAN PIAGET, e a categoria (C), correspondente ao MÉTODO, foram localizadas em

quatro das quinze obras. Por sua vez, a categoria (E) acerca dos LIMITES E

POSSIBILIDADES DA TEORIA, foi encontrada em oito das quinze obras analisadas.

Dentre as cinco categorias, destacou-se a categoria (B), que aborda a PROPOSTA

TEÓRICA de Jean Piaget, presente em treze obras e também a categoria (D), que trata

dos CONCEITOS, presente nas quinze obras.

O próximo gráfico (Gráfico 2) permite a visualização da ocorrência das subunidades de

análise pertencentes a cada uma das categorias temáticas analisadas nas obras, pois,

como mencionado anteriormente, as categorias foram constituídas por subunidades de

análise. Para construção do Gráfico 2, portanto, considerou-se como categoria

contemplada na obra investigada, a presença de uma (no mínimo) de suas subunidades.

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

A B C D E

Gráfico - 1 Presença/Ausência das Categorias de Análise no Total das Obras dos Programas de Psicologia da

Educação I e II (1996)

Categorias

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A categoria (A), que trata da BIOGRAFIA DE JEAN PIAGET, esteve presente em

quatro das quinze obras, sendo as subunidades (Aa1) e (Aa2) contempladas. Tais

subunidades abordam os dados pessoais do autor: nascimento, filiação e formação

educacional e funções profissionais e produção científica.

Em meio às quinze obras categorizadas, nove fizeram alusão à subunidade (Bb2), que se

refere às invariantes funcionais, um dos subsídios teóricos da Categoria (B), relativa à

PROPOSTA TEÓRICA de Jean Piaget. A subunidade (Ba2), referente à exposição da

problemática epistemológica piagetiana, também se destacou entre as demais

subunidades dessa categoria, presente em sete das quinze obras analisadas.

A categoria (C) que aborda o MÉTODO – elaborado e aprimorado durante os mais de

50 anos de pesquisa de Jean Piaget – foi encontrada em quatro das quinze obras,

especificamente, a subunidade (Ca1), que trata da elaboração e formalização do

método, e apenas duas, dessas quatro, fizeram menção à subunidade (Ca2) que

representa, aqui, a quarta etapa – desenvolvimentos recentes (desde 1955) – de evolução

do método clínico de Jean Piaget.

As subunidades da categoria (D) CONCEITOS foram encontradas em todas as quinze

obras analisadas, sobretudo a subunidade (Db3), que aborda os esquemas, estrutura e

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

Aa1 Aa2 Ba1 Ba2 Ba3 Bb1 Bb2 Bb3 Bb4 Bb5 Ca1 Ca2 Da1 Da2 Da3 Da4 Da5 Db1 Db2 Db3 Dc1 Dc2 Dc3 Ea1 Ea2 Eb1 Eb2

Gráfico - 2 Presença/Ausência das Subunidades de Análise no Total das Obras dos Programas de

Psicologia da Educação I e II (1996)

Subunidades

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operações mentais, se destacou em treze obras. Outras duas subunidades (Da2) e (Dc1)

foram aludidas em meio a nove obras e a (Dc2) em oito obras, que tratam de: relação

entre os fatores afetivos, cognitivos e sociais; e critérios delimitativos e caracterização

dos estágios do desenvolvimento mental. As demais subunidades: (Da1), (Da3), (Da4),

(Da5), (Db1), (Db3) e (Dc3) foram encontradas em menos da metade do total das treze

obras analisadas.

A categoria (E), LIMITES E POSSIBILIDADES DA TEORIA de Jean Piaget,

composta das seguintes subunidades: (Ea1) críticas, (Ea2) equívocos, (Eb1) aplicações

da teoria e (Eb2) implicações educacionais, foi localizada em oito das quinze obras,

designadamente, cinco abordaram a subunidade (Eb2); quatro contemplaram (Ea1); três

trataram da subunidade (Eb1) e, apenas uma abordou a subunidade (Ea2).

Os dados, em conjunto, revelaram que todos os aspectos que categorizaram as

subunidades de análise, pertencentes às cinco categorias, foram contempladas nas obras

analisadas. Entretanto, a categorização realizada sugere que, na apresentação da obra de

Jean Piaget aos acadêmicos de Pedagogia por meio das quinze fontes bibliográficas da

disciplina Psicologia da Educação, predominou a abordagem dos seguintes: os conceitos

de esquema, estrutura e operações mentais, a caracterização dos estágios do

desenvolvimento mental e a definição das invariantes funcionais (organização e

adaptação). Outros aspectos também se destacaram em meio às obras analisadas,

especificamente, a relação entre os fatores afetivos, cognitivos e sociais e a exposição

da problemática epistemológica piagetiana.

Por fim, a categorização das quinze obras referenciadas nos programas da disciplina

Psicologia da Educação (1996) do currículo de Pedagogia mostra que, apesar de

predominarem, na abordagem da teoria de Jean Piaget, os conceitos relacionados aos

seus aspectos estruturais, esse predomínio pode ter sido minimizado pela exposição de

outros temas imprescindíveis para o estudo dessa teoria (e de outras): os dados sobre o

autor, a delimitação do problema de pesquisa, os objetivos, a metodologia, os subsídios

teóricos, os resultados, os limites e as suas possibilidades. Esses elementos são

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necessários para que se possa assegurar, em princípio, que não seja abandonada a

coesão interna de uma teoria em favor da apreciação de noções isoladas e da falsa

crença de que a síntese colabora para a melhor compreensão, mas que findam em

distorções. Vários trabalhos têm mostrado a existência desse problema no sistema

educacional brasileiro (RANGEL, 2002; BECKER, 1987; MACEDO, 1994).

REFERÊNCIAS

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979.

BECKER, Fernando. Uma socióloga lê Piaget: as confusões conceituais de Bárbara

Freitag. Educação e Realidade. Porto Alegre, v. 12, n.1, p. 79-85, jan/jun. 1987.

________________. A propósito da “desconstrução”. Educação e Realidade. Porto

Alegre, v. 19, n.1, p. 3-6, jan/jun. 1994.

COLL, César. Piaget, o construtivismo e a educação escolar: onde está o fio condutor?

In: TEBEROSKY, Ana; TOCHINSKY, Liliana. SUBSTRATUM. Tradução. Beatriz

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APÊNDICE A: Categorização das obras dos programas de Psicologia da Educação I e II (1996) – Período (1993 a 2005) *N0TA: Para a SOMA das subunidades, a repetição de uma mesma obra (grifadas em cinza) foi considerada apenas uma vez.

Disciplina Psicologia da Educação I Disciplina Psicologia da Educação II

C

ateg

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s

Subu

nida

des

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anál

ise

Dav

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O

livei

ra

Fitzgerald et al

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Rappaport (coord.)

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978)

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005)

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SOM

A*

Aa1 X X X X X X 4 A

Aa2 X X X X X X 4 Ba1 X X X X X 4

Ba2 X X X X X X X X 7 Ba3 X X X X 3 Bb1 X X X X X X 5 Bb2 X X X X X X X X X X 9 Bb3 X X X X X X 5 Bb4 X X X X 4

B

Bb5 X 1 Ca1 X X X X X 4

C Ca2 X X X 2 Da1 X X X X X 4

Da2 X X X X X X X X X X 9 Da3 X X X X X X X 6 Da4 X X X X X X X X 6 Da5 X X X X X X X 7 Db1 X X X X 4 Db2 X X X X X 5 Db3 X X X X X X X X X X X X X X 13 Dc1 X X X X X X X X X X 9 Dc2 X X X X X X X X X 8

D

Dc3 X X X X X X 6 Ea1 X X X X X 4

Ea2 X 1 Eb1 X X X 3

E

Eb2 X X X X X X 5

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