A Teorira da interpretação jurídica de Hans Kelsen

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    A teoria da interpretao jurdica de Hans Kelsen: uma

    crtica a partir da obra de Friedrich Mller

    Srgio Urquhart Cademartori*

    Nestor Castilho Gomes**

    Sumrio: Introduo; 1. A Teoria Pura do Direito: a distino entre ser e dever-ser como traofundamental do projeto epistemolgico kelseniano; 2. A teoria da interpretao jurdica de

    Hans Kelsen; 3. Crticas teoria da interpretao de Kelsen a partir da obra de FriedrichMller. Consideraes finais. Referncias.

    * Doutor em Direito pela UFSC. Professor do CPGD/UFSC.** Mestrando em Direito do CPGD/UFSC. Especialista em Direito Constitucional pela AcademiaBrasileira de Direito Constitucional. Advogado.

    Resumo: O artigo analisa a teoria da interpreta-o jurdica de Hans Kelsen, apresentada na Te-oria Pura do Direito, a partir da posio tericade Friedrich Mller, isto , a partir das crticasformuladas pela Teoria Estruturante do Direito.Demonstrar-se- como a distino entre ser edever-ser, trao fundamental do projeto

    epistemolgico kelseniano, influenciou a teoriada interpretao por ele proposta. Outrossim, opresente trabalho expe em detalhes a teoria dainterpretao jurdica de Kelsen para, posterior-mente, efetuar um inventrio das crticas que lheso formuladas, tendo como fio condutor a obrade Friedrich Mller, sem prejuzo da abordagemde outros autores.

    Palavras-chave: Interpretao jurdica; HansKelsen; Friedrich Mller.

    Abstract: The article examines the theory of legalinterpretation as presented by Hans Kelsen onhis Pure Theory of Law, under the criticalapproach of Friedrich Mller, on his StructuringTheory of Law [Strukturiende Rechstslehre].The article shall demonstrate how Kelsensdistinction between sein [being] and sollen [should

    be] as a fundame ntal feature of hisepistemological project influenced the theoryof interpretation he proposed. Also, this workpresents in detail the theory of legal interpretationof Kelsen to thereafter make an inventory of criticsformulated about it, under the guideline from worksof Friedrich Mller, besides the approach of otherauthors.

    Keywords: Legal interpretation; Hans Kelsen;Friedrich Mller.

    Introduo

    O presente artigo pretende realizar uma aproximao teoria da interpretao jur-dica de Hans Kelsen, apresentada na Teoria Pura do Direito, a partir da posio

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    terica de Friedrich Mller isto , a partir das crticas formuladas pela TeoriaEstruturante do Direito. Dado que as formulaes kelsenianas se constituem emponto de partida privilegiado para todas aquelas correntes que intentam superar e/

    ou negar o positivismo jurdico, uma sua exposio torna-se condio de possibilida-de para a compreenso das teses que se lhe contrapem: entende-se que no have-ria sentido em discorrer sobre a teoria da interpretao jurdica de Kelsen queremete, em sua ltima edio, aos idos da dcada de 60 do sculo passado a noser sob o fio condutor de uma nova posio terica. Assim que a obra de Kelsenser abordada tendo em vista as crticas de Mller, em especial aquelas dirigidas sua teoria da interpretao e sua concepo de norma.

    Para aqueles habituados obra de Friedrich Mller, uma crtica teoria da

    interpretao de Kelsen no chega a causar surpresa. Afinal, Mller decreta ocolapso da Teoria Pura do Direito ao dizer que, ali onde Kelsen pensava deverparar, ali comea o trabalho1.

    A primeira seo do presente trabalho analisar alguns aspectos da TeoriaPura do Direito, em especial o seu projeto epistemolgico, assente na distinoentre ser (sein) e dever-ser (sollen), com sua conseqente concepo de norma ede ordenamento jurdico, a influenciar decisivamente a teoria da interpretao jur-dica. Tal anlise se faz importante, pois, como diz Luis Alberto Warat, Kelsen nose detm na construo da cincia do direito, mas uma vez estabelecidas as regrasde seu jogo epistemolgico, decide aplic-las para ver o que acontece2.

    Aps a exposio do projeto epistemolgico de Kelsen, ser elaborada, nasegunda seo, uma exposio detalhada da teoria da interpretao jurdica propos-ta na Teoria Pura do Direito. Buscar-se- descrever as principais categorias dateoria da interpretao de Kelsen, isto : (i) as espcies de interpretao, (ii) aquesto da moldura normativa e a (iii) possibilidade de criao de direito para almdos limites impostos pelo quadrante normativo.

    Na terceira seo analisar-se- criticamente a teoria da interpretao jurdica

    de Kelsen, buscando traar linhas de contato com sua concepo de cincia, normae ordenamento jurdico. As crticas teoria da interpretao de Kelsen tero comofio condutor aquelas dispostas na Teoria Estruturante do Direito, de Friedrich Mller,sem prejuzo da abordagem de outros autores. Estes sero utilizados, com senso deconvenincia, sempre que suas crticas estejam albergadas, de alguma forma, pela

    1 Mller refere-se teoria da interpretao jurdica de Kelsen, captulo final da Teoria Pura do Direito.MLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introduo teoria e metdica estruturantes do

    direito. So Paulo: RT, 2007. p. 248.2 WARAT, Lus Alberto; PPE, Albano Marcos Bastos. Filosofia do direito: uma introduo crtica.So Paulo: Moderna, 1996. p. 54.

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    teoria de Mller. Refoge aos limites do presente trabalho a exposio da TeoriaEstruturante do Direito ou mesmo da metdica estruturante. Buscar-se-, porm,traar algumas diferenas entre a Teoria Pura do Direito e a Teoria Estruturante do

    Direito, tendo em vista que a obra de Mller construda a partir da recusa dolegado do positivismo normativista.

    Nas consideraes finais apresentar-se- uma sntese do modeloepistemolgico e da teoria da interpretao de Kelsen, bem como um inventrio dasprincipais crticas que lhe so formuladas por Mller.

    1 A Teoria Pura do Direito: a distino entre ser e dever-ser

    como trao fundamental do projeto epistemolgicokelseniano

    Com a Teoria Pura do Direito, Kelsen prope um novo paradigmaepistemolgico para a cincia do direito. A obra de Kelsen uma epistemologiajurdica que pretende criticar e substituir o conhecimento jurdico-cientfico elabora-do at ento. A Teoria Pura procura responder questo: o que e como oDireito? Isto no significa que Kelsen estivesse interessado no direito em si. Apreocupao de Kelsen era de cariz epistemolgico. O que verdadeiramenteobjetivava responder era: o que a cincia do direito? Como possvel fundar acincia do direito?3

    A Teoria Pura uma teoria do direito positivo e, nas palavras de Kelsen, umateoria geral do direito. Ela no se importa em como o direito deve ser, mas em comoele . No se preocupa, pois, em explicit-lo, transform-lo, nem tampouco justific-lo, pois deve estar depurada de toda a ideologia (postulado da neutralidade valorativada cincia). eminentemente cincia do direito e no poltica do direito4.

    O seu princpio fundamental a pureza metodolgica. Kelsen procurou erigiruma cincia do direito sob um ponto de vista exclusivamente jurdico, isto , fundadasob bases exclusivamente normativas. A Teoria Pura do Direito, como cincia es-pecfica do direito, restringe-se, portanto, s normas jurdicas. Cabe cincia dodireito extirpar todos os elementos que lhe so estranhos, todos os elementos clas-sificados como metajurdicos, caso queira alcanar o ideal de toda cincia: objetivi-

    3 Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. Joo Baptista Machado. 7. ed. So Paulo:

    Martins Fontes, 2006. p. 01; WARAT, Lus Alberto. Op. cit., p. 48/49.4 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 01; WARAT, Lus Alberto. Op. cit., p. 49; TROPER, Michel. Por unateora del Estado. Trad. Maria Venegas Grau. Madrid: Dykinson, 2001. p. 26.

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    dade e exatido5.A excessiva preocupao cientificista de Kelsen merece ser me-lhor contextualizada. No final do sculo XIX e comeo do sculo XX, a autonomiada cincia jurdica estava em xeque, envolta numa luta fatricida entre positivistas

    empricos de diversos matizes (positivismo jurdico sociolgico de Rudolf von Jheringno seu perodo tardio, positivismo psicolgico de Ernest Rudolf Bierling) e defenso-res do Direito natural6. Kelsen procurou ento salvaguardar a cincia do direito, aopropor que seu mtodo e objeto fossem exclusivamente normativos.

    Como neokantiano, Kelsen empreende a fundamentao da autonomiametodolgica da cincia do direito a partir da distino entre ser e dever-ser. Adiferena entre ser e dever-ser , para Kelsen, insusceptvel de maior explicao; nos dada imediatamente conscincia. Segundo Kelsen:

    Ningum pode negar que o enunciado: tal coisa ou seja, o enunciado atravsdo qual descrevemos um ser ftico se distingue essencialmente do enunciado:algo deve ser com o qual descrevemos uma norma e que da circunstncia dealgo ser no se segue que algo deva ser, assim como da circunstncia de que algodeve ser se no segue que algo seja7.

    Kelsen aduz que a cincia do direito no tem a ver com fatos, com a condutaefetiva dos homens (ser,sein), mas com o prescrito juridicamente (dever-ser,sollen).

    Kelsen propugna que a cincia do direito no pode ser uma cincia da natureza, quese preocupa com a descrio de fatos e a investigao causal. O jurista austracorefuta, assim, o estatuto de cientificidade do positivismo emprico, que se arrogacomo verdadeira cincia do direito, por proceder empiricamente, do mesmo modoque as cincias da natureza8.

    Outrossim, Kelsen prope a separao entre direito e poltica. A cincia dodireito no pode ser confundida com a jurisprudncia dogmtica, que procede demodo normativo (valorativo)9. A jurisprudncia dogmtica pertenceria ao mbito da

    poltica do direito. Firme no postulado da neutralidade valorativa da cincia, Kelsenafirma que a cincia do direito s pode ser uma cincia das formas puras do direito,uma cincia puramente normativa.

    Como nos ensina Castanheira Neves, Kelsen une elementos do neokantismoe do positivismo cientfico para extirpar, respectivamente, a sociologia e a poltica dombito da cincia do direito. Nas palavras do catedrtico de Coimbra:

    5 KELSEN, Hans. Op. cit., prefcio; 1.6 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. Trad. Antnio Ulisses Corts. Lisboa: Calouste

    Gulbenkian, 2004. p. 21.7 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 6.8 KAUFMANN, Arthur. Op. cit., p. 21.9 KAUFMANN, Arthur. Op. cit., p. 21.

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    [...] o seu neokantismo de origem lhe determinou um dualismo metodolgico emque o postulado de no sociologizao da cincia do direito foi evidente corolrioe se exprimiria numa delimitativa ou especfica intencionalidade objetivante, o seu

    positivismo cientfico (o positivismo do herdado cientificismo do sculo XIX eepistemologicamente depurado na radicalizao emprico-analtica deste sculo)imps-lhe, por sua vez, e para o cumprimento estrito dessa inteno to-s teortica,um postulado de no politizao da mesma cincia do direito, que dela excluiriatodos os momentos axiolgico-normativamente constitutivos e os remeteria paraos domnios no cientficos do ideolgico-poltico e da opo subjetiva10.

    A excluso destes elementos da cincia do direito no significa que Kelsen osdesprezasse. Conforme sintetiza, e.g., o prprio jurista de Viena, o direito no pode

    ser separado da poltica, pois um essencial instrumento da poltica, mas a cinciado direito pode e deve ser separada da poltica11. Efetivamente, o que Kelsenobjetivava era evitar um sincretismo metodolgico que afundasse a cincia do direi-to em discusses estreis, alheias ao seu propalado objeto, a norma jurdica12.

    Ainda no campo da relao Direito e cincia, Kelsen entende como insufici-ente a distino entre cincias naturais e cincias sociais, utilizada para fins declassificao do objeto da cincia do direito entre os dois plos. Isto porque, paraKelsen, assim como a sociedade pode ser pensada como parte da natureza, o Direi-to tambm tem parte de seu ser inserida no domnio da natureza. A diferena funda-mental entre a cincia natural e a cincia do direito reside na distino entre nexo decausalidade e nexo de imputao.

    A cincia da natureza produz a lei: se A , B , numa relao de causalidadenecessria. Existe uma implicao, em relao de causa e efeito, entre um fatoanterior e a ocorrncia do fato posterior. Se desprendermos uma ma do alto deuma macieira, ela cair. A queda (fato posterior) decorrncia necessria do des-prendimento da ma (fato anterior). Tal fato ocorrer, independentemente do tem-po e do local, sempre que a experincia for repetida nas mesmas condies.

    J a cincia do direito produz a lei: se A , B deve ser. Inexiste, na cinciado direito, uma relao de causalidade entre fatos e conseqncias. Assim, e.g., sealgum comete um determinado crime, deve ser-lhe aplicada uma sano. Vigora,pois, o princpio da imputao, que determina que, verificada uma condio (crime),seja aplicada uma determinada conseqncia (sano). Entretanto, se a sano

    10 CASTANHEIRA NEVES, Antnio. Mtodo jurdico. Digesta: escritos acerca do direito, do pen-samento jurdico, de sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra, 1995. vol. II. p. 101.

    11 KELSEN, Hans. Was ist die Reine Rechtslehre? p. 620 apudCASTANHEIRA NEVES, Ant-nio. Op. cit., p. 386.12 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 2.

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    (conseqncia) no for aplicada, as leis que regem a cincia do direito no soinvalidadas. Se as normas jurdicas no descrevem o que , mas o que deve ser, acincia do direito no pode descrever ou predizer o que ser, mas unicamente enun-

    ciar que, em determinadas condies definidas pelo ordenamento jurdico, devemproduzir-se determinadas conseqncias13.A norma jurdica, objeto da cincia dodireito, se apresenta como esquema de interpretao14 e como sentido objetivo deum dever-ser. Segundo a rigorosa conceituao de Hans Kelsen, norma o sen-tido de um ato atravs do qual uma conduta prescrita, permitida ou, especialmen-te, facultada, no sentido de adjudicada competncia de algum15. Faz-se neces-srio, desde j, aclarar esta dupla dimenso da norma jurdica enquanto: (i) esquemade interpretao e (ii) sentido objetivo de dever-ser.

    Enquanto esquema de interpretao, a norma serve como filtro de juridicidadeaos atos que se realizam no espao e no tempo, sensorialmente perceptveis. Con-forme assevera Kelsen, o fato recebe um sentido jurdico especfico por intermdiode uma norma que a ele se refere com o seu contedo, que lhe empresta a signifi-cao jurdica16. Assim, por exemplo, por intermdio de uma norma jurdica que ofato de uma morte na guilhotina se constitui como execuo jurdica de uma senten-a de condenao pena capital e no como homicdio.

    Por outro lado, o direito uma ordem normativa da conduta humana, isto ,um sistema de normas que regulam o comportamento humano. A norma jurdicapossui o sentido especfico de um ato intencional dirigido conduta de outrem(sentido objetivo de dever-ser). Kelsen considera a norma como tcnica indiretade motivao das condutas humanas. Salienta, entretanto, que a norma no seconfunde com a vontade que a produziu. A norma no algo de psquico real17. Anorma um dever-ser, ao passo que o ato de vontade da qual ela o sentidoobjetivo, constitui um ser. Donde se conclui a estreita vinculao entre norma eato de vontade.

    13 TROPER, Michel. Op. cit., p. 26.14 Nas palavras de Kelsen: O juzo em que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um atojurdico (ou antijurdico) o resultado de uma interpretao especfica, a saber, de uma interpretaonormativa. Cf. KELSEN, Hans. Op. cit., p. 4.15 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 6.16 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 4.17 Como bem sintetiza Miguel Reale: As normas jurdicas no so comandos ou imperativos, nosentido psicolgico do termo, como se detrs de cada preceito houvesse algum a dar ordens, mas simenunciados lgicos que se situam no plano do dever ser. REALE, Miguel. Filosofia do direito. 11.

    ed. So Paulo: Saraiva, 1986. p. 457. No mesmo sentido: LARENZ, Karl. Metodologia da cincia dodireito. Trad. Jos Lamego. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1983. p. 84; KELSEN, Hans. Op.cit., p. 6.

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    As normas jurdicas no so fatos, mas o sentido destes, ou seja, o sentido deatos de vontade direcionados para o comportamento humano18. A validade de umanorma jurdica no resulta de seu contedo, mas apenas da sua criao por uma

    forma determinada, em ltima instncia, por uma norma fundamental pressuposta(fonte comum de validade de todas as normas pertencentes ao sistema)19. A normajurdica , pois, materialmente vazia. A discusso acerca do contedo ou damaterialidade da norma jurdica no posta pela Teoria Pura do Direito, poisirrelevante do ponto de vista jurdico-cientfico. Efetivamente, para Kelsen, todo equalquer contedo pode ser direito20.

    Outra distino importante (com repercusso na teoria da interpretaokelseniana) aquela operada entre norma jurdica e proposio jurdica. Como se

    ver a seguir, a distino entre norma jurdica e proposio jurdica corresponde diferena entre interpretao autntica e interpretao no-autntica. Proposi-es jurdicas so juzos hipotticos, formulados pela cincia do direito, sem inter-ferncias valorativas, que enunciam que, de acordo com o sentido de uma ordemjurdica dada ao conhecimento sob determinadas condies fixadas por esteordenamento, devem intervir certas conseqncias positivadas neste mesmoordenamento21.

    De outro lado, normas jurdicas so mandamentos, comandos, imperativos.Enquanto a cincia do direito tem por funo conhecer o direito e descrev-lo, osrgos jurdicos tm por misso produzir o direito para que ele possa ser conhecidoe descrito pela cincia do direito. Assim, norma jurdica e proposio jurdica tmcarter logicamente diverso. A distino revela-se no fato das proposies jurdicasformuladas pela cincia do direito poderem ser verdicas ou inverdicas (i.., confor-me a vinculatividade da descrio a uma norma jurdica vlida), enquanto as normasjurdicas podem ser vlidas ou invlidas (conforme provenham ou no de uma outranorma jurdica vlida)22.

    18 MLLER, Friedrich. Op. cit., p. 48.19 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 221. Ainda sobre a questo da validade das normas jurdicas, prossegueKelsen: Se se pergunta pelo fundamento de validade de uma norma pertencente a uma determinadaordem jurdica, a resposta apenas pode consistir na reconduo norma fundamental desta ordemjurdica, quer dizer: na afirmao de que esta norma foi produzida de acordo com a norma fundamen-tal. KELSEN, Hans. Op. cit., p. 222.

    20 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 221.21 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 80.22 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 80/84.

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    A questo acerca da importncia que Kelsen atribuiu ao tema da interpreta-

    o jurdica ao longo de sua obra bastante controversa. Enquanto alguns autoresentendem que ela ocupa posio marginal no contexto da obra do jurista austraco23,outros asseveram que ele debruou-se suficientemente sobre o tema24. A interpre-tao surge na obra de Kelsen quando da publicao do artigo intitulado Zur Theorieder Interpretation, no peridicoInternationale fr Theorie des Rechts, em 193425.No mesmo ano, o artigo em referncia reproduzido, sem maiores alteraes, naprimeira edio da Teoria Pura do Direito26. somente na segunda edio daTeoria Pura, publicada em 1960, que o tema da interpretao ser ostensivamente

    abordado, ainda que em uma dezena de pginas.A originalidade de Kelsen no campo metodolgico decorre sobretudo da defe-sa de uma opo voluntarista, e no cognitiva, do ato de realizao do direito, e norechao da antinomia tradicional entre criao e aplicao do direito27. A TeoriaPura do Direito, ao ver a funo judicial como criadora do direito, pe de manifestoo sofisma subjacente opinio, at ento tradicional, que considerava o juiz comomero autmato, como boca que pronuncia as palavras da lei. Como se ver, ateoria da interpretao jurdica desenvolvida por Kelsen guarda profunda coernciacom a sua concepo de cincia, de norma jurdica e de ordenamento jurdico enquanto estrutura escalonada.

    Kelsen diferencia duas espcies de interpretao jurdica autntica e no-autntica , elevando a primeira como objeto privilegiado de sua anlise. Quando odireito aplicado por um rgo jurdico, trata-se da interpretao autntica28. J ainterpretao no-autntica aquela realizada por uma pessoa privada, especial-mente pela cincia jurdica. A interpretao autntica cria direito, ao passo que a

    23 Cf. a crtica em DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurdico: introduo a uma teoria do direito e

    defesa do pragmatismo jurdico-poltico. So Paulo: Mtodo, 2006. p. 214.24 Cf. a crtica em TROPER, Michel. Op. cit., p. 63/72.25 Zur Theorie der Interpretation. In: Internationale fr Theorie des Rechts, VIII, 1934, pp. 9-17.26 o que diz Paulo Bonavides. Segundo o jurista, tanto o artigo quanto o captulo inserto na primeiraedio da Teoria Pura do Direito tratam majoritariamente do problema das lacunas. BONAVIDES,Paulo. Curso de direito constitucional. 11. ed. So Paulo: Malheiros, 2001. p. 407/408.27 Em oposio teoria jurdica clssica, que advogava que a atividade de realizao do direito seriameramente cognitiva. Para esta corrente, que remonta escola da Exegese, o legislador cria o direitopositivo e o jurista conhece-o na sua estrutura lgico-formalmente e aplica-o tambm lgico-formal-mente. Cf. TROPER, Michel, Op. cit., p. 63/64; BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 408.28 Kelsen modifica o sentido usual da expresso interpretao autntica, at ento utilizada parareferir-se interpretao realizada pelo prprio rgo que elaborou o ato. Ver, neste sentido: TROPER,Michel, Op. cit., p. 63.

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    interpretao jurdico-cientfica (no-autntica) no cria direito, sendo pura deter-minao cognoscitiva do sentido das normas jurdicas. Firme no jogo de contrastes,Kelsen estabelece que a interpretao autntica pode assumir o carter de lei ou

    tratado internacional29, como tambm pode assumir a forma de uma sentena30,enquanto a interpretao jurdico-cientfica deve ser ater a estabelecer as poss-veis significaes de uma norma jurdica31.

    Kelsen elege a norma jurdica como objeto de estudo da interpretao. Nopoderia ser diferente. A marca distintiva da Teoria Pura do Direito exatamente aeleio da norma jurdica como objeto exclusivo de estudo da cincia jurdica.

    Kelsen nos ensina que a interpretao consiste na determinao do sentido,do contedo das normas jurdicas que sero aplicadas. A interpretao , para Kelsen,

    uma operao mental que acompanha necessariamente o processo de aplicao dodireito no seu progredir de um escalo superior para um escalo inferior32. Oordenamento jurdico concebido de forma escalonada, com o que a norma de grausuperior na hierarquia normativa condiciona e determina a criao da norma jurdi-ca de grau inferior. Neste sentido, a Constituio norma superior condiciona edetermina o processo de produo da lei norma inferior , da mesma forma que alei condiciona a produo da sentena judicial. Tem-se, assim, que a aplicao dodireito simultaneamente produo de direito, pois a norma de escalo superior aplicada, na medida em que, de acordo com ela, se produz uma norma de escalomais baixo33.

    Apesar de a norma de escalo superior regular o ato atravs do qual a normade escalo inferior produzida, esta relao nunca hermtica. A norma de esca-lo superior no pode regular, em todos os sentidos e direes, o ato mediante o qualela se aplica. inerente ao ato de aplicao do direito uma relativa indeterminao.Esta indeterminao pode ser intencional ou no. intencional quando o prpriorgo que estabeleceu a norma assim o quis. Kelsen apresenta o exemplo da normapenal que deixa ao juiz a opo de decidir pela aplicao de uma pena de recluso

    ou multa, como sano a um determinado delito. J a indeterminao no-intencio-nal deriva especialmente do carter plurvoco do contedo normativo. Dada a natu-reza lingstica das normas jurdicas, a equivocidade ineliminvel.

    A despeito da intencionalidade da indeterminao das normas jurdicas, o quese conclui que elas so portadoras de diversas possibilidades de concretizao,

    29 Quando cria direito de forma geral, para todos os casos iguais.30 Quando o rgo aplicador do direito cria uma norma individual ou executa uma sano, em vista deum determinado caso concreto.

    31 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 395.32 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 387.33 LARENZ, Karl. Op. cit., p. 92.

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    restando sempre uma margem de discricionariedade ao intrprete autntico chamado a estabelecer a norma inferior. Como soluo ao problema, Kelsen ir sevaler da figura da moldura. Segundo Kelsen, o direito a aplicar forma, em todas as

    hipteses, uma moldura dentro da qual existem vrias possibilidades de aplicao,pelo que conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro oumoldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possvel34. Kelsen afir-ma sem constrangimentos que a pergunta acerca de qual dos contedos (sentidos)contemplados pela moldura o correto, no pertence teoria do direito, mas poltica do direito. A eleio de qualquer um dos sentidos contemplados pela moldu-ra igualmente correto.

    A noo kelseniana da norma jurdica como portadora de uma gama de senti-

    dos possveis ir colocar a Teoria Pura do Direito em franco conflito com a teoriatradicional da interpretao, que parte do pressuposto de que sempre h uma nicainterpretao correta, bem como de que sua misso encontrar o mtodo adequadopara estabelecimento desta. Kelsen recusa-se a elaborar uma teoria acerca dosmtodos de interpretao, pois entende como no-cientfica a escolha entre umadas possibilidades albergadas pela moldura normativa. No h, pois, um critrio dedireito positivo capaz de realizar esta escolha. O jurista austraco identifica na fal-cia de que uma norma jurdica apenas pode apresentar uma interpretao corre-ta, uma fico de que se serve a jurisprudncia para assegurar o ideal da seguran-

    a jurdica35.Kelsen enfatiza a interpretao do direito como um ato que congrega conhe-

    cimento e vontade. A moldura seria estabelecida por um ato de conhecimento,ao passo que um ato de vontade estabeleceria uma dentre as diversas possibilidadesde aplicao. Kelsen aduz que na interpretao autntica, aquela realizada por umrgo jurdico, a interpretao cognoscitiva (obtida por uma operao de conheci-mento) do direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o rgoaplicador do direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas atravs

    daquela mesma interpretao cognoscitiva36

    . Na relao dialtica entre conheci-mento e vontade, a ltima sempre prevalece. Na feliz expresso de Trcio SampaioFerraz Jnior, trata-se de um eu quero em oposio a um eu sei37.

    No por outro motivo Kelsen alerta para a possibilidade de, pela via da inter-pretao autntica, poder-se produzir uma norma que se situe completamente fora

    34 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 390.35 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 396.36

    KELSEN, Hans. Op. cit., p. 394.37 FERRAZ JNIOR, Trcio Sampaio. Introduo ao estudo do direito: tcnica, deciso, domina-o. 2. ed. So Paulo: Atlas, 1994, p. 261.

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    105Revista Seqncia, no 57, p. 95-114, dez. 2008.

    da moldura que a norma a aplicar representa. Na hiptese de uma norma oferecer,atravs do emprego de um termo genrico, e. g., cinco diferentes interpretaes, ojuiz pode escolher uma sexta significao que se coloque completamente fora da

    moldura normativa38. Como afirma Kelsen, uma deciso judicial ilegal, pode, porfora de seu trnsito em julgado, tornar-se definitiva, e isto no a torna antijurdica.Com efeito, embora tal deciso possa contrariar algum preceito material ou proces-sual previsto em norma geral, encontra respaldo jurdico em outra disposio daprpria lei geral, isto , o instituto do trnsito em julgado, que por estar assim nanorma superior torna tal deciso individual conforme ao direito39. possvel, pois, acriao de direito novo para alm do disposto na moldura normativa.

    Como se ver a seguir, a teoria da interpretao de Kelsen conseqncia da

    sua concepo de cincia. A discricionariedade atribuda ao aplicador do direitopossibilitou a Kelsen admitir que questes metajurdicas como fatores morais,ticos, polticos e sociais influenciassem a deciso, sem que restasse comprome-tida a pureza metodolgica de sua teoria.

    3 Crticas teoria da interpretao de Kelsen a partir da

    obra de Friedrich Mller

    A teoria da interpretao de Kelsen uma decorrncia lgica de sua concep-o de cincia, de norma e de ordenamento jurdico. Nas palavras j antes mencio-nadas de Warat, tem-se que Kelsen no se limita a expor uma epistemologia para acincia do direito; uma vez estabelecidas as regras de seu jogo epistemolgico,decide aplic-las para ver o que acontece40. A crtica de Mller pretende questio-nar os resultados da aplicao das regras epistemolgicas da Teoria Pura doDireito, especialmente aquelas referentes interpretao e aplicao do direito.Para Mller, a Teoria Pura do Direito soobra em seu ponto decisivo, que trata da

    sua fecundidade para a concretizao prtica do direito41

    . A crtica de Mller centra-se, pois, na absoluta separao entre ser (sein) e dever-ser (sollen), como aspectodeterminante para uma teoria vazia de interpretao.

    Como visto anteriormente, a Teoria Pura professa que a interpretao autn-tica do direito pode ser desmembrada num ato de conhecimento e num ato de von-tade. O ato de conhecimento pe em manifesto os sentidos possveis da norma

    38 DIMOULIS, Dimitri. Op. cit., p. 211.39 KELSEN, Hans. Op. cit., pp. 295-300.

    40 WARAT, Lus Alberto; PPE, Albano Marcos Bastos. Op. cit., p. 54.41 JOANAJAN, Olivier. De Hans Kelsen a Friedrich Mller Mtodo jurdico sob o paradigmaps-positivista. In: MLLER, Friedrich. Op. cit., p. 250.

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    jurdica aplicvel, ao passo que o ato de vontade realiza uma escolha entre as alter-nativas dispostas no quadrante normativo. Em concluso, a eleio de qualquer daspossibilidades contempladas pela moldura normativa correta.

    Para Mller, engana-se quem pensa que, com isso, a Teoria Pura do Direitopurificou a atividade jurdica. Quando da escolha das alternativas reveladas pelamoldura normativa, Kelsen expressamente admite que outras normas podem terincidncia sobre o intrprete. E quais seriam estas normas? So, segundo o mes-tre de Viena, normas da moral, normas da justia, juzos de valor sociais que costu-mamos signar por expresses correntes como bem comum, interesse do Estado,progresso, etc.42 Entretanto, como estas normas no fazem parte do direito positi-vo, so consideradas irrelevantes para a cincia do direito, que se ocupa to somen-

    te das normas jurdicas vlidas. Fiel aos seus pressupostos metodolgicos, Kelsenafirma que como as normas supracitadas no fazem parte do direito positivo, nadase pode dizer sobre a sua validade e verificabilidade43.

    Conforme explanado, quando confrontado com a questo de como se decideno interior do quadrante, Kelsen contorna a situao respondendo que se trata dequestes metajurdicas, questes de poltica do direito. Nas palavras de OlivierJouanjan: Purificada destes elementos perturbadores, a teoria pura conclui-se ab-dicando deles: a cincia do direito est purificada, mas no a prtica. No interior doquadro, a escolha da deciso no julgvel por um mtodo (jurdico)44.

    Karl Larenz, muito perspicazmente, antev o mesmo desequilbrio na TeoriaPura do Direito, no que se refere ao balano entre teoria e prxis:

    Assim como a jurisprudncia dos interesses deficiente como teoria, mas foi degrande utilidade prtica, assim a teoria pura do Direito atinge um alto nvel comoteoria, mas do ponto de vista prtico os seus resultados so pobres. Em ltimotermo, porm, o fato encontra a sua razo de ser numa deficincia da prpriateoria45.

    H, neste ponto, uma profunda imbricao entre a teoria da norma de Kelsene a sua teoria da interpretao, com o que se comea a dissecar a j ventiladacorrelao da teoria da interpretao com os postulados epistemolgicos da TeoriaPura. Para Kelsen, a norma puro ato de vontade. A norma uma ordem material-mente vazia, carente de inteiro fundo material, que se limita a ligar um fatocondicionante a uma conseqncia, sem qualquer juzo a respeito do valor moral ou

    42 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 393.

    43 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 393.44 In: MLLER, Friedrich. Op. cit., p. 249.45 LARENZ, Karl. Op cit., p. 82.

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    poltico dessa conexo46. Como ordem abstrata daquilo que deve ser, a perguntaacerca do seu contedo ou da sua materialidade no de natureza jurdica47. Ora,se a norma no possui qualquer contedo, a pergunta pela correo material da

    interpretao jurdica que cria direito (norma inferior) a partir da norma superiorno sequer colocada pela Teoria Pura do Direito. Como bem sintetiza MichaelTroper, a idia de que a norma o significado de um ato de vontade conduz idiade que a prpria interpretao um ato de vontade e no um ato de conhecimen-to48.

    Mller critica a concepo da norma jurdica enquanto ordem materialmentevazia, pois tal conceito afigura-se como insuficiente para todos aqueles que parti-lham do Estado constitucional49. As normas constitucionais no aparecem na prti-

    ca como um ato de vontade carente de inteiro fundo material., pois, neste sentido, que a teoria e a metdica estruturante desenvolvero

    um conceito dinmico de normatividade, decorrente de um processo estruturadometodicamente a partir das exigncias do Estado de Direito. Neste processo, osteores materiais da concretizao no so ocultados, mas includos de forma con-trolvel e generalizvel na concretizao50. Isto no significa, evidncia, que ametdica estruturante propugne uma teoria da interpretao correta. Diversamen-te, a metdica estruturante pretende racionalizar o trabalho prtico dos juristas, deforma a permitir a sua discutibilidade, revisibilidade e regularidade51. No dizer deMller, na impossibilidade de uma racionalidade absoluta deve-se buscar aracionalidade possvel para a cincia do direito.

    Para alm da crtica acerca da inexistncia de critrios para o julgamento dadeciso volitiva, coexiste em p de igualdade a crtica acerca da inexistncia decritrios para a aferio da moldura normativa isto , que permitam a racionaliza-

    46 Cf. MLLER, Friedrich. Op. cit., p. 16/22; REALE, Miguel. Op. cit., p. 462.47 E no poderia ser de outra forma: coerentemente com seu propsito de formular uma teoria geral doDireito que desse conta do que o Direito em todos os tempos e lugares, Kelsen interdita para oconhecimento cientfico do fenmeno jurdico todo e qualquer contedo normativo, que cambiantede sociedade para sociedade.48 TROPER, Michael. Op. cit., p. 64.49 Note-se que Mller situa-se dentro do paradigma (modelo jurdico-poltico) do Estado constituci-onal de direito, enquanto Kelsen se prope a postular uma teoria universal (v. nota 46 supra).50 CHRISTENSEN, Ralph. Teoria estruturante do direito. In: MLLER, Friedrich. Op. cit., p.243.51 Segundo Mller, a teoria da norma jurdica precisa, de qualquer modo, estar especificamente aservio da racionalidade jurdica, precisa diferenciar de modo racional as reflexes presentes na deci-

    so, tornando-a com isso passvel de controle e de discusso o mximo e o melhor possvel. Cf.MLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. Trad. Peter Naumann e Eurides Avance deSouza. So Paulo: RT, 2008. p. 161.

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    o do ato cognitivo. Apesar de perfeitamente lgica e coerente com o paradigmapositivista que apresenta e enaltece, a teoria da interpretao jurdica de Kelsen noconsegue responder a uma questo central: quais os mtodos de interpretao ca-

    pazes de traar a moldura normativa?Kelsen simplesmente omite quais so os mtodos interpretativos capazes de

    auxiliar o jurista (e tambm o cientista) a traar a moldura normativa, primeiropasso para a aplicao do direito. Na expresso de Mller, os critrios do atocognitivo, tanto no quadro da interpretao autntica como naquele de interpreta-o no-autntica so passados em silncio; a menos que se considere o reenvioglobal ao procedimento lgico um ponto de apoio suficiente verdade cientifica52.A crtica de Mller pertinente. Se a Teoria Pura do Direito afirma a potencialidade

    do jurista (e do cientista) em delimitar a moldura normativa atravs de um atocognitivo, de rigor que apresente os mtodos adequados para tanto, sob pena deesvaziamento das suas proposies.

    Assim como Mller, Dimitri Dimoulis censura duramente o niilismo metodolgicode Kelsen. Segundo Dimoulis, a exposio de mtodos interpretativos capazes dedelimitar a moldura imprescindvel, j que a afirmao da existncia tanto dealternativas dentro da norma como de outras que no se enquadram em seu signi-ficado perde sua relevncia se no for indicado o caminho para constatar essasalternativas53.

    Em ltima instncia, o niilismo metodolgico de Kelsen termina por aproxim-lo do decisionismo de Schmitt54. As teorias se tocam quando se constata que oquadro normativo pode ser sumariamente rechaado por um ato de vontade. Kelsenexpressamente consigna que a interpretao autntica sempre vlida, a despeito

    52 MLLER, Friedrich. Op. cit., p. 251; MLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. p. 29.53 DIMOULIS, Dimitri. Op. cit., p. 211.54

    Cf. MLLER, Friedrich. Op. cit., p. 53. Outros autores enfatizam uma aproximao da teoria dainterpretao jurdica de Kelsen com o Realismo Jurdico e com a Escola do Direito Livre. SegundoAftalin, Olano e Vilanova, que escrevem na Introduccin al Derecho: A fundamental diferenaentre o voluntarismo da Escola do Direito Livre e o de Kelsen consiste em que o daquela umvoluntarismo amorfo ou informe (Cosio), porquanto deixa tudo entregue livremente vontade do juiz.Em compensao, o voluntarismo kelseniano se acha estruturado de fora (voluntarismo estruturado),no sentido de que o juiz no est livre de ataduras e que o seu ato de vontade deve discorrer dentro dosmarcos conceituais tipos figuras, standards enunciados pelas normas gerais, segundo j explica-mos ao tratar da compreenso no mbito do Direito (AFTALIN, E. R.; OLANO, F.G.; VILANOVAJ., Op. cit., p. 443). In: BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 411. De outro lado, propugnando umaidentificao entre o positivismo de Kelsen e o realismo americano, tem-se a lio de Dimoulis: No

    outro extremo encontramos a postura de Kelsen, de Hart e de muitos outros autores que silenciamsobre as finalidades e os mtodos da interpretao, convergindo com o realismo jurdico. DIMOULIS,Dimitri. Op. cit., p. 218.

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    de sua conformidade com a moldura normativa. O rgo aplicador do direito quepossui competncia para decidir em ltima instncia pode produzir uma norma quese situe completamente fora da moldura que a norma a aplicar representa 55. Em

    ambas as teorias subsiste a possibilidade de dissoluo da normatividade por ummero ato de vontade. Nas palavras de Mller, em ambos os casos, teores materiaisso superados de forma voluntarista56.

    A teoria de Mller parte da recusa da construo terica de Kelsen. Mllerrefuta a relao entre norma e realidade tal como ela se processa na Teoria Pura doDireito. A Teoria Estruturante do Direito se prope a repensar a relao norma-realidade, fato-norma, atravs de uma nova teoria da norma jurdica, que se pergun-ta pela estrutura de sua normatividade tal como se apresenta na aplicao prtica

    do direito57

    . Mller transmuda a pergunta por norma e fato pela pergunta pelanormatividade e estrutura da norma58.

    A originalidade da teoria da norma de Mller reside na estrutura normativapor ele proposta. Para Mller, no apenas a injuno de dever-ser que contribuipara a deciso do caso, mas tambm, no que toca a uma srie de tipos de normas,igualmente a estrutura substancial do mbito de regulao, da parcela da realidadesocial relacionada com a norma59. Enquanto a Teoria Pura do Direito assenta-se nodualismo incomunicvel entre norma e realidade emprica, ser e dever-ser60, a Teo-ria Estruturante do Direito congrega estes dois elementos dentro da teoria da nor-ma. Reside, pois, no entrecruzamento ordenado entre norma e realidade, uma dife-rena substancial entre a teoria de Mller e a teoria de Kelsen.

    Outras crticas de Mller a Kelsen poderiam ser aqui arroladas, dentre elas ade como sua concepo de cincia, fundada na separao entre sujeito e objeto econvicta da possibilidade de uma investigao isenta de valores, evidenciou-se umasimplificao insustentvel61. Entretanto, passe-se, por ora, a uma breve exposioda Teoria Estruturante do Direito, de forma a evidenciar algumas das suas diferen-as em relao Teoria Pura. De fato, a teoria de Mller comea onde se detm a

    55 KELSEN, Hans. Op. cit., p. 394.56 MLLER, Friedrich. Op. cit., p. 55.57 MLLER, Friedrich. Op. cit., p. 17.58 MLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. p. 07.59 MLLER, Friedrich apudLARENZ. p. 155.60 Essa separao no absoluta, dado que, para Kelsen, entre vigncia e eficcia pode existir umacerta conexo [...] Um mnimo de eficcia [da norma] a condio de sua vigncia (Op. cit, p. 12). Emais: ao nvel de ordenamento s se pode inferir a existncia de umagrundnorm a fundamentar todaa validade do ordenamento se esse ordenamento for, em seu conjunto, eficaz (p. 237). Sobre a relao

    validade/eficcia na Teoria Pura do Direito, v. CADEMARTORI, S. Estado de Direito e legitimida-de: uma abordagem garantista. Campinas: Millennium, 2007.61 MLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. pp. 9-15.

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    obra de Kelsen. No por outro motivo que Paulo Bonavides sada a TeoriaEstruturante como o livro mais importante de direito que se imprimiu na Alema-nha desde o lanamento da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, h 50 anos,

    e da Tpica e Jurisprudncia de Viehweg, h trs dcadas [...]62.O decisivo para a compreenso da teoria da norma de Mller a no-identi-

    dade entre norma e texto normativo. O teor literal da norma, juntamente com todosos recursos interpretativos auxiliares, expressa to-somente o que Mller denominade programa da norma63 (resultado do trabalho de interpretao). Pertence igual-mente norma, em grau hierrquico igual, o chamado mbito da norma64 (resultadodo trabalho de anlise do segmento da realidade referida)65. Assim, a norma serformada pelo programa da norma e pelo mbito da norma, s podendo ser compre-

    endida pela recproca articulao destas dimenses.A norma, como diz Mller, muito mais ampla do que o texto normativo.

    A norma jurdica no est pronta nem substancialmente acabada, no est no textopositivo. A norma dever ser construda atravs do processo de concretizao. Aconcretizao de uma norma transcende mera interpretao do texto66, e serdisciplinada por mtodos jurdicos, com o que se articulam teoria da norma emetodologia jurdica67. E quais seriam estes mtodos?

    Mller estrutura o processo de concretizao a partir de dois grupos de ele-

    mentos, quais sejam: (i) elementos metodolgicos referidos ao texto da norma68

    e

    62 BONAVIDES, Paulo. Teoria Estrutural do Direito de Friedrich Mller. In: MLLER, Friedrich.Op. cit., p. 233.63 MLLER, Friedrich. Op. cit., p. 224. O programa da norma formado pelo texto da norma,trabalhado pelos dados da linguagem, visando sua aplicao ao caso. Cf. BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Mtodos para a resoluo de conflitos entre direitos fundamen-tais. So Paulo: RT, 2005. p. 40.64 O mbito normativo ser aquela parcela da realidade situada em conformidade com as prescries doprograma da norma. O mbito normativo o recorte da realidade social na sua estrutura bsica, queo programa da norma escolheu para si ou em parte criou para si como seu mbito de regulamentao[...] podendo ter sido gerado (prescries referentes a prazos, datas, prescries de forma, regrasinstitucionais e processuais, etc.) ou no pelo direito. Cf. MLLER, Friedrich. Mtodos de traba-lho do direito constitucional. 2. ed. Trad. Peter Naumann. So Paulo: Max Limonad, 2000. p. 57;BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Op. cit., p. 46.65 JOAUJAN, Olivier. In: MLLER, Friedrich. Op. cit., p. 259.66 A interpretao, na teoria de Mller, tem sentido mais restrito, pois diz respeito s possibilidadesde tratamento do texto, isto , da interpretao de textos de normas.67 JOAUJAN, Olivier. In: MLLER, Friedrich. Op. cit., p. 257.68 A interpretao do texto da norma se realiza segundo os cnones desenvolvidos por Savigny:

    interpretao gramatical, gentica, histrica e teleolgica, bem como mediante os modernos princpiosde interpretao da constituio princpio da interpretao conforme constituio, da unidade e daconcordncia prtica.

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    (ii) elementos metodolgicos de anlise do mbito da norma. Outrossim, ingressamno processo de concretizao os elementos dogmticos, os elementos tericos, oselementos de tcnica de soluo, os elementos de poltica do direito e poltica cons-

    titucional69.Em caso de conflito, os argumentos diretamente referidos s normas prevale-

    cem sobre aqueles mais distantes. No dizer de Ralph Christensen: Isso significa,por exemplo, que no caso de resultados contraditrios dos diferentes elementos deconcretizao, um elemento metodolgico no sentido mais estrito referido ao textoda norma derrota um elemento meramente juspoltico ou um elemento dogmticono diretamente referido norma70. V-se, aqui, mais uma diferena entre a teoriade Mller e a de Kelsen. A metdica estruturante fornece elementos objetivos para

    a atividade prtica de aplicao do direito, o que Kelsen se recusa a fazer, porconsiderar tal empreendimento incompatvel com a cincia do direito.

    Nomeadamente no que se refere metdica de Mller, convm novamentealertar que antes de um critrio de obteno de verdade ou meramente descritivo(de uma prtica autonomamente constituda, atuando a posteriori), o que ela efeti-vamente deseja criar um processo de deciso que permita a sua discutibilidade,revisibilidade e regularidade.

    Mller reivindica um processo normativo vinculado ao caso concreto, em que

    a formao/estruturao da norma jurdica obedece a uma srie de critrios. Ametdica estruturante parte inicialmente do texto normativo para a elaborao doprograma da norma (Normprogram), que, por sua vez, condicionar a elaboraodo mbito da norma (Normbreich). Da articulao do programa da norma e dombito da norma surgir a norma jurdica (Rechtsnorm) que, posteriormente, seconcretizar na norma de deciso (Entscheidungsnorm).

    Consideraes finais

    O presente artigo procurou enfatizar a relao entre a epistemologia propostana Teoria Pura do Direito e a teoria da interpretao jurdica de Kelsen. Procurou-se analisar em que medida a concepo de norma e de ordenamento jurdico influ-encia a teoria da interpretao de Kelsen.

    A teoria da interpretao jurdica de Kelsen est estruturada em torno dosseguintes pressupostos: (i) a interpretao consiste em estabelecer o contedo das

    69 CHRISTENSEN, Ralph. Op. cit. In: MLLER, Friedrich. Op. cit., p. 243.70 CHRISTENSEN, Ralph. Op. cit. In: MLLER, Friedrich. Op. cit., p. 243.

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    normas jurdicas que ho de ser aplicadas; (ii) deve-se diferenciar a interpretaoautntica (criadora de direito) da interpretao no-autntica (meramentecognoscitiva); (iii) a norma a ser aplicada deixa em aberto, intencionalmente ou no,

    diversas possibilidades interpretativas, em virtude da sua natureza lingstica; e (iv)a norma a aplicar forma uma moldura, dentro da qual existem vrias possibilidadesde aplicao, pelo que conforme ao Direito todo ato que preencha esta molduraem qualquer sentido possvel.

    Ainda no que tange teoria da interpretao, viu-se que Kelsen: (i) recusa-sea elaborar uma teoria acerca dos mtodos de interpretao, silenciando sobre osmtodos capazes de regular o ato cognitivo; (ii) considera a escolha entre uma daspossibilidades albergadas pela moldura normativa como no-cientfica; e (iii) adver-

    te para a possibilidade de, pela via da interpretao autntica, poder-se produziruma norma que se situe completamente fora da moldura que a norma a aplicarrepresenta.

    Quanto crtica de Mller teoria de Kelsen, merecem destaque os seguintesaspectos: (i) dada a concepo de norma como ordem materialmente vazia, a per-gunta pela correo material da interpretao jurdica que origina a norma inferior apartir da norma superior no sequer colocada pela Teoria Pura do Direito; (ii) ateoria da interpretao de Kelsen esvazia-se quando o jurista austraco silenciasobre os elementos metodolgicos capazes de traar a moldura; e (iii) o niilismometodolgico de Kelsen termina por aproxim-lo do decisionismo de Schmitt.

    De qualquer sorte, as reflexes tericas de Kelsen tm servido de base paraenriquecer as fecundas crticas que a partir do modelo constitucional lhe so dirigidaspor autores que, como Mller, enfatizam a (problemtica) insero de contedosnormativos como elemento indissocivel da definio do Direito no novo paradigma.

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