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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FORMAÇÃO DE TRADUTORES ONIAS LOPES PINHEIRO NETO A TRADUÇÃO DE THE BALLAD OF THE READING GAOL,DE OSCAR WILDE, PARA A LÍNGUA PORTUGUESA DENTRO DAS ESTRATÉGIAS E HABILIDADES DA TRADUÇÃO POÉTICA DE LEFEVERE Fortaleza - Ceará 2013

A TRADUÇÃO DE THE BALLAD OF THE READING GAOL,DE … tradução de The Ballad Of The... · Eu canto pássaro proibido de sonhar O canto macio, olhos molhados Sem medo do erro maldito

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FORMAÇÃO DE TRADUTORES

ONIAS LOPES PINHEIRO NETO

A TRADUÇÃO DE THE BALLAD OF THE READING GAOL,DE OSCAR WILDE, PARA A LÍNGUA PORTUGUESA DENTRO

DAS ESTRATÉGIAS E HABILIDADES DA TRADUÇÃO POÉTICA DE LEFEVERE

Fortaleza - Ceará

2013

 

ONIAS LOPES PINHEIRO NETO

A TRADUÇÃO DE THE BALLAD OF THE READING GAOL,DE OSCAR WILDE, PARA A LÍNGUA PORTUGUESA DENTRO

DAS ESTRATÉGIAS E HABILIDADES DA TRADUÇÃO POÉTICA DE LEFEVERE

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Formação de Tradutores, do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará – UECE, como requisito para obtenção do título de especialista. Orientadora: Profª. Ms. Maria da Salete Nunes

Fortaleza - Ceará 2013

 

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Biblioteca Central CENTRO DE HUMANIDADES

Bibliotecário Responsável – Dóris Day Eliano França – CRB-3/726

 

F866r Pinheiro Neto, Onias Lopes. A tradução de the ballad of the reading gaol, de Oscar Wilde, para a língua portuguesa dentro das estratégias e habilidades da tradução poética de Lefevere / Onias Lopes Pinheiro Neto. – 2013.

CD-ROM. 70 f. ; il. (algumas color.) : 4 ¾ pol.

“CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)”.

Monografia (Especialização) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, Curso de Especialização em Formação de Tradutores, Fortaleza, 2013.

Orientação: Prof. Ms. Maria da Salete Nunes.

1. Tradução poética. 2. Lefevere. 3. Habilidade. 4 Estratégia. 5. Oscar Wilde. I. Título.

CDD: 418.02

 

 

Eu canto o sonho na cama Do jeito doce e moreno

Eu canto pássaro proibido de sonhar O canto macio, olhos molhados

Sem medo do erro maldito De ser um pássaro proibido

Mas com o poder de voar.

(Caetano Veloso/Maria Bethânia, Pássaro Proibido, 1976)

 

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Raquel e Chagas, pela casa, pelo amor, pela oportunidade e pelo

interesse imenso e constante na minha educação.

Agradeço à minha orientadora, profa. Salete Nunes, pelos livros, pelas dicas, pelas aulas,

pelos telefonemas, e-mails, e pela mão amiga.

Agradeço aos amigos:

Lilian, por tudo. Pela ajuda, pela amizade, pelas correções, pela companhia.

Angélica e Victor, pelas tardes de café , conversa e amizade.

Paulo, pelos livros do Wilde.

Águeda, porque Paris nunca esteve tão perto de mim.

Janaína, pelas horas que passamos juntos, pelo mútuo interesse no sucesso do outro. Pela

amizade inesperada.

Rodrigo, Ticiana e Neto, amigos e sócios.

Aos professores que passaram pela minha vida acadêmica, graduação e especialização, do

curso de Letras na UFC e do Curso de Formação de Tradutores.

   

 

RESUMO

Este trabalho propõe uma nova tradução da obra do escritor irlandês Oscar Wilde, The Ballad of the

Reading Gaol, para a língua portuguesa. Faz-se, inicialmente, um apanhado teórico dos estudos da

tradução, focando na vertente literária. Após esse momento delineia-se as condições particulares nas

quais a obra foi concebida. Trata-se então da literatura inglesa, da obra wildeana e do decadentismo,

movimento literário no qual ele estava inserido. Juntamente com o novo texto articula-se uma análise

do processo tradutório e dos resultados com base na teoria de tradução poética de André Lefevere. Tal

teoria fundamenta-se em habilidades e estratégias pensadas para a tradução de poesia. Através do uso

de dicionários eletrônicos e físicos, dicionários de rimas e de sinônimos foi realizada a tradução.

Concluiu-se que todas as habilidades foram significantes e que três das estratégias se aplicaram ao

processo enquanto quatro delas não. É reservado para as últimas seções deste trabalho

questionamentos sobre a teoria utilizada e sobre os resultados gerais e específicos que foram obtidos.

Palavras-chave: Tradução poética, Lefevere, habilidade, estratégia, Oscar Wilde.

 

ABSTRACT

This paper proposes a new translation to the poemThe Ballad of the Reading Gaol, by Irish writer

Oscar Wilde, to the Portuguese language. Initially, a brief overview of the translation studies is

presented,focusing more specifically on literary translation. Then, some aspects of the particular

context in which Wilde’s work was conceived are outlined. Some features of English literature are

discussed, as well as Wilde’s literary works and decadentism, a movement wherein he was inserted.

Together with the new text, we articulate an analysis of the translation process and its results based on

the theory ofpoetry translationof André Lefevere. Such theory is grounded on the abilities and

strategies applied to the translation of poetry. Through the use of various dictionaries, both digital and

manual, of rhyme and of synonyms, the translation was carried out. It was concluded that all four

abilities were significant and that three out of seven strategies were applied to the process. In the last

part of this paper some questions are raised on the theory used and on the results obtained.

Keywords: Poetry translation, Lefevere, abilities, strategies, Oscar Wilde.

 

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Estrofe 64, parte 3 .................................................................................................. 34  Quadro 2 - Estrofe 56, parte3 ................................................................................................... 35  Quadro 3 - Estrofe 23, parte 2 .................................................................................................. 36  Quadro 4 - Estrofe 46, parte 3 .................................................................................................. 43  Quadro 5 - Estrofe 52, parte3 ................................................................................................... 44  Quadro 6 - Estrofe 63, parte 3 .................................................................................................. 44  

 

SUMÁRIO  

LISTA DE QUADROS  ..................................................................................................................................  8  INTRODUÇÃO  ...........................................................................................................................................  10  1. OS ESTUDOS DA TRADUÇÃO E A TRADUÇÃO LITERÁRIA  .........................................................  13  

1.1   A TRADUÇÃO POÉTICA DE LEFEVERE  ......................................................................................................  19  1.1.1   As  habilidades  .................................................................................................................................  19  1.1.2   As  estratégias  ..................................................................................................................................  20  

2. A LITERATURA WILDEANA E A SOCIEDADE VITORIANA  ..........................................................  22  3. METODOLOGIA  ....................................................................................................................................  27  

3.1 FERRAMENTAS  ............................................................................................................................................  27  3.2 PROCEDIMENTOS  .........................................................................................................................................  29  

4. HABILIDADES E ESTRATÉGIAS DE LEFEVERE NO PROCESSO TRADUTÓRIO  ......................  31  4.1 AS HABILIDADES  .........................................................................................................................................  32  

4.1.1  A habilidade de compreender o texto como um todo  ..........................................................................  32  4.1.2 A habilidade de medir o valor comunicativo  ......................................................................................  33  4.1.3 A habilidade de distinguir entre os elementos culturais e estruturais  ................................................  35  4.1.4 A habilidade de selecionar uma forma que corresponda à posição que o texto fonte ocupa  .............  37  

4.2 AS ESTRATÉGIAS  .........................................................................................................................................  39  4.2.1 As estratégias não-aplicáveis  .............................................................................................................  39  4.2.2 As estratégias aplicáveis  .....................................................................................................................  41  

4.2.2.1 A tradução fonêmica e rimada  ......................................................................................................................  42  4.3 A INTERPRETAÇÃO: ESTRATÉGIA E HABILIDADE  ..........................................................................................  45  

CONSIDERAÇÕES FINAIS  .......................................................................................................................  46  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  ........................................................................................................  48  ANEXOS  ......................................................................................................................................................  50  

  10  

INTRODUÇÃO  

A certeza da comunicação está no centro do argumento de Oscar Wilde, escritor

irlandês do final do século XIX. Suas últimas duas obras literárias trazem essa certeza, essa

infalibilidade e, também, a necessidade pela comunicação. O De Profundis e A Balada da

Cadeia de Reading refletem a prisão e o tempo que o autor passou preso. Apesar d’A Balada

ter sido escrita depois da sua liberação, as duas obras são escritas de dentro da cela. O De

Profundis é uma carta que demonstra a falta e a sede de diálogo do homem. E A Balada é uma

elegia ao soldado enforcado, essa obra é assinada pelo homem e não pelo escritor. Wilde usou

as indicações de sua cela em Reading para assinar o poema: C.3.3., bloco C, terceiro andar,

cela três.

O pessimismo tem espaço reservado nesses últimos anos de vida de Wilde. A

desgraça moral profunda, e arbitrariamente imposta, nega a superficialidade e deseja maior

conhecimento e melhor comunicação. As últimas palavras da carta aBosie, tiradas do De

Profundis, resumem assim:

Mas não esqueça em que terrível escola me encontro. E por mais imperfeito e incompleto que eu possa ser, ainda poderá aprender muito comigo. Aproximou-se de mim para que eu lhe ensinasse os prazeres da vida e da arte. Mas talvez eu tenha sido escolhido para ensinar-lhe algo bem mais maravilhoso – o significado do sofrimento e toda sua beleza. (WILDE, 1998, P. 171-172).

Foi pela leitura dessas obras que se agitou a curiosidade e buscou-se construir,

aqui, um trabalho focado na literatura wildiana. Uma nova tradução é proposta para seu

último livro publicado em vida:The Ballad of the Reading Gaol. Ou, como aqui se intitula: A

Balada da Cadeia de Reading.

Acredita-se que uma tradução baseada nos pressupostos teóricos de Lefevere e no

conhecimento bibliográfico sobre o autor pode aproximar a obra ainda mais do público

lusófono. Além das escolhas feitas para a realização dessa tradução, acredita-se, também, que

a relevância do novo texto está ancorada no contraste com a tradução já existente da obra em

questão, feita por Paulo Vizioli em 1997.

  11  

Esse livro foi publicado originalmente em 1898, um ano após sua saída da prisão

e dois anos antes de sua morte. Consiste em um poema longo, dividido em seis partes de

extensões diferentes. Cada estrofe é composta por um conjunto de seis versos. Em todas elas,

a rima alterna-se nos versos pares. Ocasionalmente, e para denotar maior tensão, ocorrem

rimas internas aos versos ímpares.

Essa construção rítmica é elaborada e, também, desafiadora para o tradutor. É

objetivo deste trabalho traduzir o poema de Wilde para a língua portuguesa. Também é

objetivo aqui manter o sistema rítmico para a nova tradução. Com a ajuda de dicionários, o

trabalho foi sendo erguido. Tais dicionários, como é detalhadamente explicado na terceira

seção desta pesquisa, são bastante variados, tanto nas soluções que eles oferecem como

também no seu formato. Dicionários eletrônicos e físicos, monolíngues e bilíngues, de

sinônimo, definição e rima, caminharam junto com o passo do tradutor.

Mas as soluções encontradas, apesar de importantes, não são o único foco deste

trabalho. O foco maior aqui é o processo tradutório, que é investigado através da teoria da

tradução poética de André Lefevere, estudioso belga e teórico dos estudos da tradução.

Baseado em suas habilidades e estratégias desenvolvidas para a tradução de poesia, centramos

os objetivos de análise desta tradução.

Alguns outros momentos precedem a análise, que agora os explicito. Após este

introdutório, aborda-se uma visão geral dos estudos da tradução e, também, da literatura e da

tradução literária. Questões são abordadas, como a ciência da tradução e o papel que o

tradutor pratica, assim como o espaço que ele ocupa.

No segundo capítulo, é apresentada uma visão mais particular da obra de Oscar

Wilde, seu momento biográfico no qual foi concebido o livro em questão. Também aborda a

situação social da época vivida pelo autor para entrar em uma explanação sobre o

decadentismo, tendência literária da qual Wilde fazia parte.

No terceiro capítulo é feito um apanhado metodológico de como foi feita a

tradução. Esse capítulo serve de introdução e é um passo necessário para o capítulo que o

  12  

segue. Essa metodologia aprofunda-se no material usado para a tradução, os dicionários.

Discute-se o seu uso e sua aplicabilidade ao processo tradutório.

A análise, parte final, é dividida em duas grandes partes. A primeira trata das

habilidades propostas por Lefevere e a segunda refere-se às estratégias de tradução poética. A

primeira parte, mais reflexiva, aborda questões relacionadas mais ao processo tradutório.

Enquanto a segunda parte analisa os resultados encontrados no texto traduzido.

Essas duas partes se encontram ao final em dois momentos conclusivos. Primeiro

quando mesclamos a habilidade e a estratégia de interpretação, termo cunhado por Lefevere

para sua teoria, em um só item e concluímos a análise.

O segundo momento é das considerações finais, em quealgumas perguntas e

questionamentos lançados ao longo da análise encontram espaço para argumentação. Além de

se encontrar com os objetivos firmados no projeto de pesquisa, esse ponto também se torna

espaço para uma crítica à teoria aqui abraçada.

Percebe-se que, ao longo desse trabalho, os objetivos, gerais e específicos, estão

presentes. Partindo do objetivo geral em se traduzir o poema sob a luz das habilidades e

estratégias da tradução poética de Lefevere, deixa-se claro ao leitor do presente trabalho a

intencionalidade e relevância da pesquisa. O leitor é situado por meio de uma análise

comparativa entre textos fonte e alvo, e é guiado através do processo tradutório pela descrição

da teoria utilizada.

E, finalmente, como anexo a essa pesquisa temos o poema de Wilde em sua

versão original e traduzido para a língua portuguesa. Ele está disposto como no original e

serve de material de leitura em separado, assim como de auxílio ao leitor desta pesquisa.

  13  

1. OS ESTUDOS DA TRADUÇÃO E A TRADUÇÃO LITERÁRIA

Apesar de ser uma prática relativamente antiga, a tradução viveu a maior parte da

sua história sem ter sido cientificamente explorada. Ao longo de aproximadamente 2000 anos,

as últimas décadas fomentaram e “estabeleceram fundamentos teóricos, ou talvez deva-se

dizer toda uma gama de teorias de maior ou menor ambição à universalidade”

(KUHIWCZAK, 2003, p. 112)1.

Ao discutir-se a prática, historicamente extensa, “desenvolveu-se metodologias de

caráter analítico ou prescritivo.” A isso deve-se o surgimento de cursos formadores de

tradutores, pesquisas na área, associações e empresas de tradução e profissionais

sindicalizados.

Devido a sua juventude enquanto ciência, os estudos da tradução frequentemente

se encontram em um limbo entre tradições/ciências mais antigas. Ao lidar com o texto, se

aproxima da literatura ou, por outro lado, da linguagem. Nesta os estudos da tradução se

amoldam pelo objeto de estudo que é a língua. Porém “essa coexistência nunca foi confortável

desde que os linguistas tendem a perceber a língua em termos gerais enquanto a tradução é

particular e está sempre entre as fronteiras das línguas” (KUHIWCZAK, 2003, p. 113)2.

Outro porto onde os estudos da tradução se ancoram é o campo da literatura, na

sua prática e nos seus estudos críticos. Aqui, a anteriormente citada juventude da ciência da

tradução entra em choque com o cânone e o prestígio da literatura, e o papel que o tradutor

assume, ou pretende assumir, provoca incômodo. O tradutor é escritor, crítico literário, leitor?

Tradução é traição, como concebido na expressão italiana “traduttore-tradittore”, ou é uma

arte? Kuhiwczak defende a junção dessas concepções e refuta essa visão conflitante cujo

                                                                                                               1  “...  translation has managed to establish its theoretical foundations, or perhaps one should say a whole gamut of theories with smaller and greater claims to universality.”

2  “But this coexistence has never been very comfortable since linguistics tends to view language in general terms while translation is particular and always lies on the border between languages.”

 

  14  

argumento se fundamenta “como se não pudesse ser visto como uma mistura de ambas”

(KUHIWCZAK, 2003, p. 114)3.

Aqui podemos aprofundar nosso argumento defendendo que a tradução e o

tradutor resumem em si todos os papéis e concepções tratados acima. O tradutor é escritor, um

super-leitor como também é um crítico literário. No seu artigo, Kuhiwczak levanta o

posicionamento do escritor americano Ezra Pound que eleva o tradutor a um nível de crítico

mais minucioso, pois o texto traduzido é “imediatamente testado pelos seus leitores da mesma

forma que o chamado ‘texto original’ também é testado”(KUHIWCZAK, 2003, p. 116)4.

A percepção da atividade tradutória como secundária está, ainda, encrustada no

imaginário e no entendimento geral. Susan Bassnett, na introdução do seu livro Translation

Studies discute que uma concepção restrita onde os estudos da tradução estão sempre

inseridos em outra área de conhecimento “anda de mãos dadas com o baixo status atribuído ao

tradutor e às distinções entre o escritor e o tradutor, em detrimento do último” (BASSNETT,

2002, p. 13)5. Isso ocorre visto que aquilo que é sempre analisado é o produto da tradução e

não o processo. Essas oposições escritor/tradutor, produto/processo, processo

mecânico/processo criativo, entre outras comparações, perpassam a nossa discussão.

Dentro dos estudos literários são essas disposições binárias que assombram e

catalisam as discussões. Pretende-se neste trabalho focar na tradução literária poética, suas

implicações, importância como também no processo tradutório envolvido até chegar ao

produto final, o texto traduzido.

Vale ressaltar que nos estudos linguísticos, tais oposições também surgem, se

aplicam e contribuem ao entendimento. Se pensarmos na gênesis dos estudos linguísticos,

                                                                                                               3“... as if it could not be viewed as a mixture of both.”

4“… translation gets instantly tested by its readers in the same way so-called ‘original’ writing is tested.”

5  “...  goes hand in hand with the low status accorded to the translator and to distinctions usually being made between the writer and the translator to the detriment of the latter.”  

  15  

vemos o signo linguístico definido por Saussure no seu Curso de Linguística Geral como uma

“entidade psíquica de duas faces” (SAUSSURE, 2001, p. 80-1). Denominam-se essas partes

de significado e significante, caracterizando os aspectos conceitual e físico, respectivamente.

Naturalmente, com o passar dos anos, as teorias existentes são bombardeadas por

novas ideias, por outros pensadores. A essa teoria do signo linguístico deve-se ressaltar o

acréscimo dado por Louis Hjelmslev(1975). Ele afirmou que os signos são portadores de

significação e são definidos por uma função. Hjelmslev inseriu a noção de contexto na teoria,

e nele o signo está inserido. Já para Barthes a significação não é algo impregnado no signo

mas “pode ser concebida como um processo: é o ato que une o significante ao significado, ato

cujo produto é o signo” (BARTHES, apud SILVA, 2003)

Contudo, é em Pierce(2000) que a teoria do signo linguístico se revoluciona e

encontra maior aplicabilidade para os estudos de tradução. O signo aqui deixa de ser duplo e

passa a ser triplo ou tricotômico. O signo não é mais apenas composto pelo seu significado e

significante, ou incumbido de uma significação. Ele, agora, é composto pelo representâmen

(signo), pelo objeto e pelo seu interpretante (signo mental). Este último caracterizado pela

consciência, afinal “nenhum signo é independente de um interpretante, isto é, de um

intérprete, ou melhor, apenas um intérprete pode introduzir propor um signo ou explicar algo

como signo.” (WALTER-BENSE, apud SILVA, 2003).

No terceiro braço dessa tríade do signo (interpretante) vê-se claramente o lugar da

tradução e, consequentemente, do tradutor. E, além disso, aqui, o processo tradutório é

múltiplo e essencial. Múltiplo, pois são vários processos acontecendo simultaneamente.

Considerando que para se chegar ao interpretante ocorre uma tradução, neste caso

intersemiótica, pois passa do verbal (objeto) para o signo mental (interpretante). Dessa forma,

a tradução interlingual também acha espaço na teoria pierciana dos signos, pois é necessário

traduzir, interpretar. “Um signo não é um signo a menos que se traduza para outro signo no

qual se desenvolva de maneira mais plena.” (SAVAN apud OSIMO, 1994, p. 120).

Assim os três tipos de tradução definidos por Jakobson (1975), interlingual,

intralingual e intersemiótica, se encaixam nessa concepção, pois a todas elas é necessário

  16  

interpretar. Dentro dessa visão, os papéis do tradutor discutidos anteriormente se mesclam

porque a interpretação é intrínseca a essas atividades. Torna-se assim “tolo argumentar que a

tarefa do tradutor é traduzir e não interpretar, como se fossem dois exercícios distintos”

(BASSNETT, 2002, p. 86)6. A tradução literária se alimenta de tudo isso e o

tradutor/escritor/leitor se encontra no centro deste processo. Ele(a) propõe suas interpretações

das mensagens. Afinal “a literatura é tanto a condição quanto o lugar da comunicação artística

entre remetentes (senders)e destinatários (addressees), ou o público” (CORTI apud

BASSNETT, 2002, p. 85)7.

Até este momento do texto pensamos a tradução como uma área inserida em

outras áreas, como a literatura ou a linguística, vemos que essas se sobrepõem, quer seja por

sua canonicidade ou pelo alto prestígio social e intelectual. Mas quando percebemos os

estudos da tradução como um campo independente, vemos várias formas de tipificar a

atividade tradutória e, assim, outras hierarquias surgem. Nessa visão a tradução literária

alcança um status diferenciado, pois possui algo que outros tipos de tradução não tem e

caracteriza-se como um “super-gênero”. Ela se destaca por várias razões como desempenhar uma função estética e/ou afetiva além de uma função informativa, tendo como objetivo provocar emoções ou entreter e não somente influenciar ou informar; ser julgada como ficcional, mesmo sendo baseada em fatos reais ou não; por possuírem palavras, imagens, etc. com significado ambíguo ou indeterminável; serem caracterizadas pelo uso de linguagem poética (quando a forma da linguagem tem seu próprio valor pelo uso de jogos de palavras ou rima); heteroglossia (quando o texto contém mais de uma voz); e por fazer escolhas por estilos minoritários, fora do padrão dominante, usando gírias ou arcaísmos. (JONES, 2009, p. 152)8.

                                                                                                               6  “It is therefore quite foolish to argue that the task of the translator is to translate but not to interpret, as if the two were separate exercises.” 7  “...  literature is both the condition and the place of artistic communication between senders and addressees, or public.” 8  “...  they fulfill an affective/aesthetic rather than transactional or informational function, aiming to provoke emotions and/or entertain rather than influence or inform; they have no real-worldtruth-value – i.e. they are judged as fictional, whether fact-based or not; they feature words, images, etc., with ambiguous and/or indeterminable meanings; they are characterized by ‘poetic’ language use (where language form is important in its own right, as with word- play or rhyme) and heteroglossia (i.e. they contain more than one ‘voice’ – as with, say, the many characters in the Chinese classic Shui Hu Zhuan / Water Margins Epic); and they may draw on minoritized styles – styles outside the dominant standard, for example slang or archaism.

  17  

A definição mais amplamente difundida parte da distinção entre tradução literária

e não-literária ou técnica. Ao tratar dessa diferenciação, Theo Hermans (2007), em seu

capítulo no volume A Companion to Translation Studies, inicia seu argumento denotando que

“a visão padrão é que a tradução literária representa um tipo distinto de traduzir porque está

preocupada com um tipo distinto de texto” (p. 77)9.

A necessidade de se definir a tradução literária remonta a uma visão de exclusão,

como uma tentativa de separação dessa prática tradutória das outras práticas. Tais argumentos

tem a intenção de encontrar o que torna a tradução literária especial e, assim, elevá-la a um

patamar diferenciado. Relembrando a linha de pensamento excludente que secundarizava os

estudos da tradução em comparação aos estudos literários ou linguísticos.

Tal discussão tornou-se infrutífera e foi além da teorização visto que “a busca por

uma definição da tradução literária não leva a lugar algum” (HERMANS, 2007, p. 78)10.

Altera-se o foco para os papéis assumidos e para os usos feitos da tradução literária pelos

diversos personagens em diversos contextos que são atuantes neste processo.

A oposição produto/processo, tratada anteriormente, ilustra a evolução dos

estudos neste momento da argumentação. Os estudos valorizavam o entendimento pelo

processo tradutório e deixavam de lado as discussões predominantemente acerca do produto.

Assim torna-se mais interessante aos estudos da tradução focar no processo tradutório e

também no seu reconhecimento enquanto disciplina acadêmica dentro de outras áreas como

também “abordar a tradução como um fenômeno próprio e digno de atenção”

(HERMANS,2007, p. 81)11.

Entende-se por processo aqui o arcabouço metodológico. Bassnett (2002) ressalta

a necessidade da discussão sobre tais problemas, pois a metodologia abrange e engloba

testemunhos pessoais e/ou soluções encontradas pelo tradutor. “Raramente os estudos sobre                                                                                                                9  “The standard view is that literary translation represents a distinctive kind of translating because it is concerned with a distinctive kind of text.”

10  “The search for a definition of literary translation leads nowhere.” 11  “...to approach translation as a phenomenon worthy of attention in its own right.”

  18  

tradução poética tentam discutir problemas metodológicos a partir de uma posição não-

empírica e, contudo, é precisamente esse tipo de estudos que é mais valioso e necessário.” (p.

86)12.

A visão que vem sendo questionada aqui não é a preponderância da tradução ou

da literatura ou a dependência de uma pela outra ou vice-versa. A questão é a busca pela

identidade, seu estabelecimento e, consequentemente, sua legitimidade.

Outras linhas de pensamento são trazidas à tona, comoa de André Lefevere, que

prioriza fatores poéticos e ideológicos ao afirmar que “a maioria das traduções serve como

barômetros infalíveis de modas literárias” (LEFEVERE apud HERMANS, p. 84)13. Diaz-

Diocaretz (1985) e Littau (1997) forjaram a “função do tradutor” identificando uma “figura

ideológica que restringe a dispersão de sentido e enquadra a tradução em um sistema legal e

hierárquico que privilegia um trabalho original em detrimento de um trabalho secundário”

(HERMANS, 2007, p.84)14.

A tradução foi então incluída em um sistema muito mais amplo e, através da

busca pela própria identidade, foi sendo percebida como uma força modeladora de identidades

culturais. Pois “a seleção de textos para tradução e a maneira que cada tradução constrói

representações de produtos culturais estrangeiros (e, metonimicamente, de culturas

estrangeiras) abrem uma janela para a autodefinição cultural” (HERMANS, 2007, p.84)15.

                                                                                                               12  “Rarely do studies of poetry and translation try to discuss methodological problems from a nonempirical position, and yet it is precisely that type of study that is”  13  “Because they mostly succeed, most translation offers 'an unfailing barometer of literary fashions'”

14  “...have brought up the notion of a 'translator function' to identify the ideological figure that restricts the dispersal of meaning and locks translation in both a legal system and a hierarchical symbolic order that privileges original work over secondary work.”

15  “The selection of texts for translation and the way in which individual translations construct representations of foreign cultural products (and, metonymically, of foreign cultures as such) would now be read as offering a window on cultural self-definition.”

  19  

Por meio do estudo e de pesquisas na área, vemos que em suas poucas décadas

enquanto disciplina acadêmica a tradução demonstra uma variedade imensa de tipos,

abordagens e teorias. E se o período na academia é relativamente curto, a prática é antiga e

frutífera, remontando séculos em sua história. “Essa diversidade significa que a tradução

literária sempre permanecerá como uma tarefa desafiadora, às vezes, talvez, mais desafiadora

que a escrita” (KUHIWCZAK, 2003, p. 117)16.

1.1 A tradução poética de Lefevere  

Iluminada por essa cronologia dos estudos da tradução apresentada anteriormente,

encontra-se a teoria escolhida para guiar o processo tradutório proposto com esse trabalho. A

teoria da tradução poética de AndréLefevere (1975) é central para essa pesquisa e recebe um

espaço à parte para sua apresentação.

Em seu trabalho The translation of poetry: some observationsand a model,

Lefevere delimita critérios para a realização da tradução poética. Ele divide tais critérios em

duas categorias: habilidades e estratégias.

São quatro habilidades e sete estratégias que são simultâneas dentro do processo

tradutório. Porém, aqui, vamos além da tradução: nosso propósito é analisar esse processo, a

forma como ele ocorreu e quais os resultados que podemos observar.

1.1.1 As  habilidades      

Dividem-se em quatro habilidades, assim denominadas:

• A habilidade de compreender o texto como um todo;

• A habilidade de medir o valor comunicativo;

• A habilidade de distinguir entre os elementos culturais e estruturais;

• A habilidade de selecionar uma forma que corresponda à posição que o

texto fonte ocupa;

                                                                                                               16  “This diversity means that literary translation will always remain a challenging task, perhaps sometimes more challenging than writing.”

  20  

A primeira habilidade versa sobre a totalidade do texto e defende uma

compreensão igualmente total do tradutor. Essa compreensão não pode ser parcial. Para o

autor é preferível que se tenha conhecimento dessa estrutura total do texto do que a

“capacidade negativa em se concentrar em apenas um aspecto do texto-fonte” (LEFEVERE,

1975, p. 390).

Partindo dessa compreensão total, a segunda habilidade trata do valor

comunicativo do texto. O processo tradutório, aqui, acontece com o reconhecimento do valor

comunicativo do texto-fonte,com a reconstrução desse mesmo valor comunicativo,tendo

como objetivo a aproximação do texto-fonte à cultura do texto-alvo.

O tradutor deve, então, desenvolver a habilidade em distinguir elementos culturais

dos estruturais. Saber diferenciar tais elementos é ser capaz de entender quando mantê-los no

texto-alvo ou quando modernizá-los. Lefevere (1975) defende que devemos, enquanto

tradutores, manter o elemento estrutural e modernizar o elemento cultural.

A quarta habilidade expande ainda mais o conceito de compreensão do texto-

fonte. Ela argumenta que se deve encontrar uma forma para o texto-alvo semelhante àquela

que o texto-fonte ocupa. Para tal fim, o autor pressupõe duas condições. A primeira que a

forma escolhida não prejudique nem restrinja o campo de escolha do tradutor. A outra

condição é que a forma não faça o tradutor produzir um texto “‘inaceitável’ para a maioria

dos falantes da língua-alvo” (LEFEVERE, 1975, p. 391).

1.1.2 As  estratégias  

As estratégias foram usadas nesse trabalho, fundamentalmente, para analisar os

resultados da tradução. Se as habilidades auxiliaram o processo, como reflexão ao tradutor e

ao pesquisador, as estratégias nortearam o olhar sobre o produto da tradução.

Das sete estratégias propostas por Lefevere, algumas foram aplicáveis á análise,

outras não. Contudo isso se deu de maneira orgânica, pois, se não eram úteis, isso ocorreu por

motivos óbvios ou devido às escolhas do tradutor. A seguir, enumeraremos todas as

estratégias e elaboraremos um pouco sobre elas.

  21  

Ø Tradução fonêmica – privilegia os sons e sua representação no texto-alvo;

é descrita pelo autor de uma forma crítica, pois é uma estratégia que tende

a usar palavras obsoletas e arcaicas para recriar os sons do texto original.

Ø Tradução literal – Lefevere descreve essa estratégia como mito, pois não

existe duas línguas absolutamente correspondentes, dessa forma, não

existe tradução exata. O foco real, segundo o autor, é combinar valores

comunicativos.

Ø Tradução métrica e traduções de poesia em prosa – essas duas estratégias

são discutidas em um mesmo momento pelo o autor devido à sua

semelhança em considerar aspectos muito externos ao texto. A primeira,

por meio de “acrobacias verbais”, prezaria a métrica em detrimento do

valor comunicativo; a segunda na tentativa de recriar o texto poético em

prosa, exageraria no uso de conectivos e modificadores, prejudicando a

sintaxe do texto.

Ø Tradução rimada etradução em versos livres –foco no sistema rítmico do

texto, quer seja na sua manutenção (rimada), ou na sua eliminação (versos

livres. Tais atitudes, segundo o autor, são acompanhadas por esforços

desnecessários e auto afligidos.

Ø Interpretação – a essa última estratégia, Lefevere propõe uma quinta

habilidade, a de interpretar o tema do texto-fonte da mesma forma que o

autor original o interpretou. Isso está longe de ser considerado uma cópia,

mas, sim, uma reinterpretação (do tema e não do texto). Assim, o tradutor

não deve impor ao texto sua própria intepretação. Ele deve reinterpretar o

tema e encontrar um efeito equivalente na língua-alvo.

  22  

2. A LITERATURA WILDEANA E A SOCIEDADE VITORIANA

No dia 7 de julho de 1886, Charles Thomas Wooldridge, um jovem de 30 anos,

ex-soldado da cavalaria real britânica, foi enforcado na prisão, na cidade de Reading,

Inglaterra. Ele tinha sido condenado pela morte de sua esposa, Laura Ellen, por

estrangulamento, cortando sua garganta no leito do casal.

No ano anterior, em 25 de maio de 1885, Oscar Wilde foi indiciado e condenado a

cumprir dois anos de reclusão e trabalho forçado. Foi enviado primeiramente para duas

prisões e depois foi transferido, definitivamente, para a mesma prisão da cidade de Reading.

Ele foi condenado por indecência grosseira e práticas homossexuais. Wilde tinha 41 anos.

No tribunal, o juiz Sir Alfred Wills, que presidia a sessão, declarou que aquela

sentença era a máxima possível e totalmente inadequada e insuficiente na opinião do

magistrado, explicitando a gravidade moral das ações do escritor. Perante o juiz, à corte e ao

público tentou argumentar “E eu? Não posso dizer nada, meu senhor?”, mas foi calado por

gritos de “Vergonha!” que ecoavam na sala.

Os caminhos dos dois homens se cruzaram entre as paredes daquela cadeia. Essa

experiência liquidou a vida dos dois. Wooldridge foi enforcado e Wilde morreu poucos anos

depois, em 1900, após cumprir sua pena, com a saúde fragilizada devido aos anos que passou

aprisionado.

A cidade de Reading, onde fica a prisão, é antiga e teve sua importância

reconhecida quando lá foi construída a Abadia Beneditina em 1121, apesar de já haver sido

povoada bem antes. Seu terreno era afluência para vários rios que abasteciam o sul da

Inglaterra. A partir do século XVI, várias prisões foram construídas “de vários tamanhos e

graus de desumanidade, mas, em meados do século XIX, a demanda por acomodação de

detentos, de ambos os sexos, tornou-se aguda” (WATERS, 2003, passim)17. Viu-se então a

necessidade em se construir um novo prédio. A prisão onde Oscar Wilde seria encaminhado

                                                                                                               17    “...of various sizes and degrees of inhumanity, but by the mid Eighteen Hundreds, (...) the demands on accommodation for felons of both sexes (...) became acute.”

  23  

ao final desse século foi inaugurada em 1844. Eram quatro blocos separados: A, B, C e D.

Wilde ocupou o bloco C, 3º andar, cela 3.

C.3.3.: foi o pseudônimo sob o qual Wilde publicou o poema em 1898. A autoria

só foi ser amplamente conhecida depois de sua sétima edição, em 1899.

Em Reading, os detentos tinham uma dieta pobre que consistia em um mingau

fino e pão seco e duro. Após essa refeição, eles tinham uma hora de exercício dando voltas no

jardim do presídio, era proibido aos presos de se comunicar uns com os outros. O resto do dia

era dedicado a tarefas manuais como quebrar pedras, moer grãos, bombear água através de

um equipamento circular que os presos tinham que empurrar para movê-lo, ou separar cordas

grossas em cordas menores com as unhas. Essas tarefas faziam parte da pena a qual os presos

foram sentenciados.

Todos esses processos eram diários e foram retratados por Wilde no poema que

estamos estudando. Contudo as prisões anteriores, pelas quais Wilde passara, lhe afetaram

muito. O escritor chegou a Reading com as unhas das mãos já bastante feridas e danificadas.

Percebeu-se que sua saúde era frágil e o encaminharam para a realização de serviços de

jardinagem e de organização e manutenção dos livros da biblioteca. Uma de suas tarefas era

reencapar os livros com um papel marrom e repassá-los aos outros detentos.

Com a chegada de um novo governador na cidade e uma nova gerência da prisão,

Wilde foi dispensado de parte dos serviços que era obrigado a praticar e teve maior acesso aos

livros da biblioteca e a papel para escrever.

A obra de Wilde, que era prolífera e vária, minguou em quantidade com o

aprisionamento. Depressão e problemas de saúde contraídos nessa época contribuíram para o

seu falecimento, cinco anos depois. Seus escritos iam da prosa, poesia, teatro, contos, ensaios,

a artigos. Durante o período aprisionado, ele escreveu uma longa carta para Lord Alfred

Douglas, seu amante, homem com quem se envolveu e que o difamou perante aquela

sociedade vitoriana da época. Isso foi o que fez Wilde procurar os meios judiciais para

retratação perante às cortes do país. O processo que enfim acabou por condená-lo à prisão, sua

sentença de morte.

  24  

Ele foi proibido de enviar essa longa carta que escreveu. Mas foi permitido que

ele a guardasse até o dia de sua liberação. Essa carta nunca foi enviada, nem revisada ou

sequer publicada por Wilde em vida. A carta,De Profundis, como hoje é conhecida, foi

barrada na justiça, publicada algumas vezes nas décadas seguintes à morte do escritor, mas

com todas as referências à família Queensberry retiradas do texto.

The Ballad of the Reading Gaolfoi escrita após a saída do escritor da prisão. A

obra foi publicada em vida pelo autor e dedicada a Wooldridge, o jovem soldado. Foi sua

última criação literária.

Essa percepção que temos de Wilde como grande escritor, vítima de uma injustiça

e grande nome da literatura inglesa foi algo construído. Nem sempre os críticos foram tão

receptivos ao trabalho do escritor-dândi. Isso aponta Paulo Viziolina introdução de sua

tradução de The Ballad of the Reading Gaol. Vizioli diz que “muitos dos preconceitos que

circulavam na época do autor, ou alguns anos mais tarde, ainda encontram guarida em

comentários críticos mais recentes” (VIZIOLI, p. 10, 1997).

Através de exemplos retirados da fortuna crítica do escritor irlandês vemos

claramente esse ponto. Vizioli atenta para a descrição de Wilde por A.C.Ward para o volume

AnOutlineHistory of EnglishLiterature. Warddescreve Wilde como um “brilhante poseur” que

subverteu os conceitos da escola decadentista através da “busca da pura sensação, divorciada

do controle moral” (WARD apud VIZIOLI, 1997, p.10).

Outro citado aqui é G.D. Klingopulosque critica o hedonismo desenfreado de

alguns decadentistas. Ele classifica a obra de Wilde afirmando que ela “não implica nenhuma

compreensão mais profunda do escopo e da função das artes” (KLINGOPULOS apud

VIZIOLI, 1997, p. 11). Essa opinião se comunica com outra de Klingopulos em classificar O

Retrato de Dorian Gray como uma “apologia ao crime” (KLINGOPULOS apud VIZIOLI,

1997, p. 11), provando que o crítico pouco conhece da obra do escritor e não entende a crítica

social e humana dentro da qual a obra de Wilde está imersa.

  25  

Wilde e sua obra também estão imersos na sociedade vitoriana da sua época,

assim como também no decadentismo literário, ora decadentista, ora estetista. A isso, segue

uma explicação sobre a obra de Wilde e o momento literário vivido por ele.

Cabe salientar o momento histórico do Reino Unido na segunda metade do século

XIX. A sociedade vitoriana vive um momento de ascensão da burguesia e uma época de

transição em todos os valores e esferas da vida cotidiana. Segundo Rodrigues (2009), o

dinamismo da sociedade industrial ocupou o espaço de um sistema estático, quase feudal, que

estava em voga. Os avanços tecnológicos vindos com a era industrial ajudaram a moldar essa

sociedade da época.

No mundo literário não foi diferente. Frente ao já longe Romantismo, ao

Realismo, preponderava o Naturalismo como escola literária. De dentro deste, surgiu o

decadentismo, que Rodrigues (2009) define como uma nova posição estética que se contrapõe

ao realismo e ao naturalismo.

Normalmente, definem-se novas tendências pela ruptura com tendências antigas.

A aproximação que o decadentismo tem, por exemplo, à Irmandade Pré-Rafaelita e

consequentemente à Renascença é fundamental. O decadentismo e seu ideal estético nada tem

a ver com decadência artística, como trata Paulo Vizioli quando usa as palavras de J. M.

Cohen que descreve os traços artísticos de Gabriele d’Annunzio, um escritor italiano que

proclamava-se adepto do verismo, a escola realista italiana; contudo para ele, o verismo significava não o registro objetivo dos fatos, mas a transcrição estudadamente exagerada da experiência sensual. O erotismo, o pormenor psicológico e uma preocupação com a morte, a doença e a brutalidade tornavam as peças e os poemas de d’Annunzio intencionalmente chocantes. A estreita relação entre a beleza e a decadência, que despertou Baudelaire para a sensação de pecado, impeliu d’Annunzio a uma carnalidade do pensamento (COHEN apud VIZIOLI, p.7-8).

Somando este ideal estético a uma expressão poética e lírica refinada, podemos ir

além da definição mostrada acima. Os decadentistas estavam preocupados, também, na

influência exercida pela moral burguesa na literatura e nas artes e libertá-las (RODRIGUES,

2009).

  26  

Outro ponto importante do decadentismo é outra vertente artística, o estetismo (ou

esteticismo). Este, por seu lado, recebia influência que do movimento da Irmandade Pré-

Rafaelita, citada acima. Os pré-rafaelitas são um grupo de pintores ingleses que tinham como

inspiração e base as obras de precursores de Rafael, artista italiano. Os estetistas, e,

consequentemente, os decadentistas, estavam, também. sob influência das obras de J. Ruskin

e Walter Pater. Sobre este último, CamilePaglia (1992) afirma que Pater buscou neutralizar os

aspectos morais e sociais que limitavam a arte todas as limitações sociais e morais à arte

(PAGLIA apud RODRIGUES, 2009).

A intenção aqui seria elevar o decadentismo além dos preconceitos que essa

tendência e seus artistas sofriam, expurgar o estigma de afetação e/ou libertinagem que

acompanhava a vida e a obra dos decadentistas (RODRIGUES, 2009).

Podemos traçar um paralelo entre esse posicionamento da sociedade para com os

decadentistas, com o posicionamento da mesma sociedade com Wilde, suas atitudes e sua

literatura. Tal preconceito foi o mesmo que o calou no tribunal, o mesmo preconceito que

prolongou uma crítica azeda à sua obra.

Quem via, ou ainda vê, a literatura wildeana sob esse olhar seria como ler O

Retrato de Dorian Gray, outra obra do escritor irlandês, e se deixar levar pela pintura, pelo

mito, pelo adônis e não ver o homem defeituoso, o monstro humano que se esconde por trás

da tela.

  27  

3. METODOLOGIA

Para a realização deste trabalho foram utilizadas diversas ferramentas, tanto

físicas quanto virtuais. Dentre aquelas que são físicas, palpáveis, temos livros literários alguns

adquiridos especialmente para esta pesquisa. O livro-chave, aquele usado para a tradução,

agora com sua integridade um pouco diminuída devido a horas incontáveis de consulta, foi

um presente de um grande amigo.

Outra obras literárias do autor escolhido para ser traduzido, Oscar Wilde, foram

adquiridas logo após a decisão tomada de se traduzir uma de suas obras. São essas: o De

Profundis, obra epistolar, que em muitas edições acompanha A Balada(1898); O Retrato de

Dorian Gray(1890); e Salomé(1893). A aquisição destas obras foi uma tentativa de se estar

mais próximo do mundo literário do escritor, compreender melhor suas angústias, medos e

vida.

3.1 Ferramentas

Aprofundando mais no campo metodológico que proporcionou ao nosso trabalho

força e suporte, creio que a ferramenta imprescindível durante toda a pesquisa foi o uso dos

dicionários. Apenas mencionar a palavra dicionário não engloba a diversidade dessa

ferramenta nem sua importância para a tarefa tradutória. Cabe agora especificar as variedades

de dicionário aqui usadas.

Primeiramente, por se tratar de um livro escrito no final do século XIX, ele possui

um léxico um pouco distante do atual e ocasiona a dificuldade de compreensão básica de

certos termos. Para isso foram usados dicionários monolíngues e bilíngues, tanto em forma

física quanto digital.

Considerando a língua-fonte e língua-alvo, foram usados todas as variantes de

dicionários. Monolíngue inglês-inglês, monolíngue português-português, bilíngue inglês-

português e bilíngue português-inglês.

  28  

Cabe aqui exemplificar com um caso recorrente durante a tradução do texto.

Quando nos deparávamos com um termo desconhecido na língua-fonte consultávamos um

dicionário bilíngue inglês-português. Isso seria suficiente se o papel assumido aqui fosse o de

leitor. Ao tradutor o uso do dicionário vai além. Precisava saber mais sobre aquele vocábulo e

que imagens ele construía no poema. Então utilizava o dicionário monolíngue inglês-inglês

e/ou português-português para ter acesso a uma definição mais extensa. E mesmo que um

verbete seja uma definição rasa, ele expande a visão sobre aquele termo específico.

Para a reconstrução de um verso, que implica na tradução de uma estrofe e,

consequentemente, na tradução do poema como um todo, conhecer a definição de um

determinado vocábulo, ou seu correspondente mais próximo na língua alvo, não é suficiente.

Para atingir e solucionar os desafios que a tradução poética impõe é necessário ter uma visão

ampla do léxico das línguas e de suas possibilidades. Por isso se faz primordial o uso do

dicionário de sinônimos e do dicionário de antônimos. Como é normal ao ser humano saturar

a mente quando se encontra em qualquer atividade intelectual, o advento no presente trabalho

desses dicionários foi essencial para um melhor resultado final.

O último tipo de dicionário utilizado está diretamente ligado à proposta da

tradução que é recriar o poema escrito por Wilde para o século XXI, preservando seu ritmo e

musicalidade. Tendo isso como norte da tradução, o dicionário de rimas foi uma das

ferramentas mais interessantes, mas nem por isso a mais usada.

O dicionário de rimas é totalmente digital. Os sites que fornecem esse serviço, em

sua maioria, são destinados ao poeta, ao escritor e, porque não, ao tradutor, também. Eles

consistem em uma página com um sistema de busca que focaliza na terminação da palavra.

Alguns possibilitam que o usuário determine quantas letras a busca deve considerar, se duas,

três ou quatro, de trás para frente. Outros possibilitam que o usuário escolha se quer inserir

uma palavra ou apenas a terminação; essa escolha, em alguns casos amplia a gama de

resultados. Ainda tendo aqueles que baseiam todas suas pesquisas em um banco de dados de

poemas, os resultados aqui são derivados de outras escolhas feitas por outros

poetas/tradutores.

  29  

É importante salientar que os dicionários utilizados nessa pesquisa, em sua

maioria, são eletrônicos. Apenas dois exemplares são físicos, mas nenhum deles foi adquirido

especialmente para a realização deste trabalho. Também vale ressaltar que foram acessados

por diversos suportes como computadores de mesa, netbooks, tablets e celulares smartphones,

dependendo da necessidade e da melhor forma de consulta.

O que mais atrai no meio eletrônico é a praticidade, variedade e confiabilidade

encontrada. Além disso, em sua maioria tais ferramentas são gratuitas na rede.

Como complemento para o processo tradutório, utilizou-se editores de texto

(Word office), livros teóricos, artigos em revistas científicas (tanto físicas quanto digitais).

3.2 Procedimentos

A tradução foi realizada, em sua maior parte, eletronicamente, isto é, com o uso

de ferramentas eletrônicas. Pouco do processo foi conduzido com papel e caneta. Dessa

forma, o editor de texto (Word office) foi essencial para o processo tradutório, sua elaboração,

organização e pesquisa.

Duas janelas do editor de texto eram abertas na tela do computador. Em outra

janela, um navegador estava sempre aberto com sites que foram especificados anteriormente,

os dicionários. Para isso, era necessário uma conexão com a internet sempre ligada. Outros

usos para a internet foram no caso de pesquisa de imagens para termos utilizados no texto

original, buscar vídeos, documentários sobre o autor etc.

Vale salientar que a tradução foi feita em um computador de mesa devido ao

conforto durante as horas destinadas ao processo. Entretanto, a composição do texto

acadêmico foi feita em um netbook, sem acesso à internet. Os livros para consulta, os textos,

borrões e material de escritório ao lado do pesquisador.

Para a construção dos primeiros três capítulos desse trabalho, a tradução foi

deixada um pouco de lado. O tempo hábil foi dedicado ao mergulho no material de apoio.

  30  

Contudo, antes da construção do capítulo seguinte, a análise, foi feita uma releitura da

tradução, uma revisão, para, assim, comparar texto-fonte e texto-alvo, transformando o

processo tradutório em uma experiência acadêmica.

  31  

4. HABILIDADES E ESTRATÉGIAS DE LEFEVERE NO PROCESSO TRADUTÓRIO

Como foi tratado no capítulo 1, os campos da literatura e da tradução se afastam e

se aproximam. Naquilo que afasta está o caráter canônico e permanente da literatura em

comparação com a relativa juventude dos estudos da tradução enquanto ciência. A

aproximação é como uma atração mútua: os campos se complementam. A literatura e seus

estudos necessitam da tradução para possibilitar o maior alcance das obras literárias ao redor

do mundo, como também para fomentar a ciência literária com os textos teóricos necessários

para a análise científica.

A tradução poética, no seu caso, alcança outro nível de confronto. Primeiramente

por ser considerado intraduzível. E quando é traduzido passa por um escrutínio ferrenho, pois,

além do alto nível de interpretação, a poesia lida com a forma da mesma maneira que lida

com o conteúdo. Forma e conteúdo, estrutura e significado, estão entrelaçados. Poesia é o

“uso da linguagem de um modo figurativo e metafórico que transcende as tradicionais

limitações da semântica” (LANDERS, 2001, p. 97)18.

Se a poesia transcende no original deve, também, transcender na tradução. Mas

onde cabe a transcendentalidade do poema? No conteúdo de seus versos ou na sua

musicalidade? Nos versos livres ou no galope ritmado das rimas?

A análise desta pesquisa tem por objetivo encontrar fundamento nos estudos

teóricos de André Lefevere. Este capítulo se dividirá em duas partes. A primeira trata das

habilidades propostas por Lefevere, sobre cada uma tratamos separadamente, ora espelhando

o processo tradutório na obra teórica do estudioso, ora criticando e levantando

questionamentos para os quais se esboçará um posicionamento e respostas a críticas que

forem levantadas.A segunda parte aborda as estratégias também desenvolvidas pelo estudioso

belga. Esta seção se divide entre aquelas não aplicáveis à tradução feita para esta pesquisa,

mais à frente expomos aquelas que se aplicam ao presente trabalho.

                                                                                                               18    “... the use of language in a figurative, metaphorical mode of expression. That transcends traditional semantic limitations of language.”

  32  

Salienta-se que ao longo da análise serão apresentados exemplos retirados dos

textos fonte e alvo, um cotejo entre ambos. A cada exemplo discorre-se sobre o assunto

específico em questão.

4.1 As habilidades

Em seu trabalho The translation of poetry: some observations and a model,

Lefevere (1975) apresenta o que ele chama de fatores que moldam a competência do tradutor.

Vale salientar que estas habilidades foram lidas e relidas antes do início da

tradução. Agora, em um momento mais reflexivo, relemos e avaliamos o processo tradutório.

Os acertos e as dificuldades serão divididos aqui em quatro momentos da mesma maneira

como é dividido pelo teórico em seu trabalho.

 

4.1.1  A habilidade de compreender o texto como um todo

Para realizar essa habilidade entendemos que uma primeira atitude seja ler a obra

antes, sem as pausas constantes que se faz quando se está traduzindo. Essa leitura inicial e

integral colabora com a compreensão do texto. Para a escolha deste texto, para traduzi-lo e

analisá-lo foram feitas três leituras. Uma foi feita muito tempo antes desta pesquisa, quando o

livro foi adquirido pelo tradutor. As outras duas vezes foram feitas antes do início do processo

tradutório: uma leitura integral das seis partes do poema e, mediante a tradução de cada uma

das partes, fazia-se outra leitura parcial de cada parte seguinte.

Foram essas leituras que afetaram as principais escolhas de tradução. Escolhas

como manter a forma do poema, valorizando sua rima e ritmo. Proporcionou, então, uma

visão mais ampla do texto e contribuiu para o melhor entendimento a fim de construir o

segundo capítulo desta pesquisa quando foram realizadas leituras sobre a época em que foi

escrito, as condições de vida do autor, e a realidade e a pungência desta obra literária.

Tais leituras preliminares foram preponderantes e indispensáveis. Conclui-se que

o entendimento do texto como um todo partiu dessas leituras e releituras. Elas serviram de

  33  

gênesis para a pesquisa como também de base. E de um ponto de vista metodológico, como

também analítico, vê-se o texto-fonte como, possivelmente, a maior ferramenta, aquele farol

que guia o marinheiro em alto-mar.

4.1.2 A habilidade de medir o valor comunicativo

Além daquela leitura inicial, para se conhecer a abrangência de um texto literário

deve-se entrar em contato com a época e o que proporcionou ao autor escrever tal poema.

Muitos podem defender posição contrária, argumentando a falta de necessidade em se

reconhecer o autor como engrenagem essencial ao entendimento do texto e,

consequentemente, à tradução. Difere-se de Barthes (1988)em seu ensaio famoso, o autor não

precisa morrer para que o leitor nasça. Ainda mais no caso da obra literária de Wilde.

Com essa leitura biográfica e histórica, pudemos nos aprofundar, perceber o valor

comunicativo da obra e querer “reconstruí-lo com um texto-alvo que aproxime, o máximo

possível, do mesmo valor comunicativo.” (LEFEVERE, 1975, p.390)19. O primeiro aspecto

que pudemos tirar disso foi a possibilidade de uma intenção do autor em criar um obra crua,

mas ricamente elaborada. Quanto à crueza entendemos que o impacto da leitura é essencial

para o texto-alvo que iríamos propor.

Tal impacto nos fez pensar no rebuscamento do texto e no vocabulário a ser

utilizado. Se o impacto seria um objetivo crucial da tradução isso teria que nos acompanhar

desde o primeiro momento. E isso se confirmou na escolha do título, que decidimos traduzir

ao final, para ver se aquela intenção se confirmaria. E se confirmou.

Essa obra ficou conhecida no Brasil como A Balada do Cárcere de Reading. O

termo cárcere substituindo o termo gaol em inglês. Cárcere não é um termo tão usado assim

no dia a dia. É claro que também não é um termo desconhecido, usamos cárcere privado para

se referir ao crime praticado no alienamento de pessoas. Temos em nossa literatura a obra

                                                                                                               19  “...  to replace it by a target text which approximates, as closely as possible, the same communicative value.”  

  34  

Memórias do Cárcere (1953) de Graciliano Ramos. Então, o termo não é desconhecido e não

traz confusão, pois é amplamente usado.

Porém, poucos se referem ao lugar onde o condenado é levado quando capturado

como cárcere. E esse é o caso, o livro é um relato de uma experiência vivida por Oscar Wilde.

O enforcamento que acontece na história também aconteceu na vida real. Wilde foi julgado,

foi detido e cumpriu dois anos na prisão junto a outros criminosos, assassinos, etc.

Veja aqui como nos referimos ao fato que acabou de ser relatado nos últimos

parágrafos. Usamos a palavra cárcere somente uma vez, citando-o. Foram usadas palavras

como detenção, prisão. A decisão de mudar o título partiu deste entendimento. E da tradução

de um dos versos, dentro do poema que continha a palavra em inglêsgaol.

Texto-fonte Texto-alvo

With sudden shock the prison-clock

Smote on the shivering air,

And from all the gaol rose up a wail

Of impotent despair

Like the sound that frightened marshes hear

From a leper in his lair.

Foi com tensão que o relógio da prisão

Golpeou o ar gelado da cadeia.

Um lamento desesperado

Para além dos muros desencadeia:

O som dos leprosos em seu covil

Que pelospântanospasseia.

Quadro 1- Estrofe 64, parte 3

Além do termo cadeia ter sido deslocado do terceiro verso para o segundo, a fim

de construira rima na estrofe, percebemos que essa escolha pontual tinha marcado uma

escolha geral, a do título. Então, confirmou-se: A Balada da Cadeia de Reading.

Tratando ainda da habilidade de medir o valor comunicativo, outro ponto de

comparação entre o texto-fonte e o texto-alvo é o uso da pontuação. No texto fonte, o poeta

faz uso de marcas de pontuação para que os versos, às vezes, possuam certa narratividade.

Isso foi tratado pelo tradutor de duas formas, mantendo a pontuação ou reformulando-a. A

reformulação pode se dar de duas formas. Primeiramente pelo deslocamento de versos para

melhor disposição das ideias ou adequação da rima. Temos abaixo:

  35  

Texto-fonte Texto-alvo

The morning wind began to moan,

But still the night went on:

Through its giant loom the web of gloom

Crept till each thread was spun:

And, as we prayed, we grew afraid

Of the Justice of the Sun.

O vento da manhã começou a soprar

Mas a noite continuou

A assombrar, girando seu tear:

Cada fio se descosturou

E nós rezamos, pois temíamos

A Justiça do Sol.

Quadro 2 - Estrofe 56, parte3

Foi reprimida a marca de pontuação (dois pontos) do quarto verso. E a mesma

pontuação que se encontra no fim do segundo verso (texto-fonte) foi deslocada para o terceiro

verso (texto-alvo). Essa alteração possibilitou a mudança no tempo verbal da segunda metade

da estrofe. Sem os dois pontos o texto-alvo seria obrigado a continuar diferentemente: “cada

fio a se descosturar”. Além de proporcionar a adequação da rima, essa escolha traz uma

imagem e uma sensação de conto de fada.

Tais escolhas representam outras que, também, foram feitas ao longo do processo

tradutório. Essas mudanças dialogam com a habilidade de se medir o valor comunicativo do

texto. Mudando o texto-fonte ou mantendo-o é a forma como o tradutor mede tal valor.

4.1.3 A habilidade de distinguir entre os elementos culturais e estruturais

Nessa habilidade mencionada por Lefevere, recorremos à leitura feita de Alfredo

Bosi e que trouxemos para esta pesquisa. Em seu livro O Ser e o Tempo da Poesia, Bosi

dialoga com vários filósofos, pensadores e outros teóricos literários para entender a poesia. De

um viés histórico ou filosófico ele levanta a questão da imagem, que venho colocar no centro

desta questão a ser abordada agora.

O texto de Lefevere (1975) aponta para a necessidade de distinguir os elementos

culturais dos estruturais no texto fonte. Tais elementos se subdividem em elementos de

tempo, de espaço e de tradição. Todos eles ligados ao texto-fonte, culturalmente ou

estruturalmente. O autor sugere que o tradutor mantenha o elemento estrutural e modernize o

elemento cultural, explicando-o, direta ou indiretamente, no texto-alvo.

  36  

Do elemento estrutural trataremos no próximo tópico. Aqui ficamos com o

elemento cultural. A tradução da obra se tornou interessante, e, certamente, uma das razões

pelas quais se escolheu o projeto, por causa da universalidade dos temas que a compõem.

Quanto a isso não se encontrou grandes diferenças entre textos fonte e alvo que necessitasse

de uma modernização. Pois assim mesmo Lefevere (1975) recomenda que “nenhuma

modernização é necessária quando os elementos de tempo, espaço e tradição poderem ser

explicados pelo contexto ou facilmente conectados pelo leitor através de elementos análogos

em seu próprio tempo, espaço e tradição.” (p.390)20.

Apesar disso algumas mudanças foram feitas, onde se alterou o tempo, o espaço e

a tradição daquele elemento. Houve uma troca intencional de imagens no exemplo que

demonstramos abaixo:

Texto-fonte Texto-alvo

The oak and elm have pleasant leaves That in the spring-time shoot: But grim to see is the gallows-tree, With its alder-bitten root, And, green or dry, a man must die Before it bears its fruit!

Algumas árvores dão frutos Quando a primavera alcança Outras árvores pela garganta seguram O fruto estranho que balança Cai ao chão sem vida Sem herdeiros, sem herança!

Quadro 3 - Estrofe 23, parte 2

No original o autor compara árvores como o carvalho e o elmo com a forca,

instrumento utilizado na execução de criminosos em alguns países. É uma imagem de lamento

pelo homem, personagem do poema que tem de pagar sua dívida. Para traduzir esta estrofe foi

considerada como primordial a imagem da árvore, a natural (carvalho, elmo) e a artificial

(forca). Essas imagens que remetem à natureza vão além das árvores. Wilde completa esse

quadro com outras imagens como, por exemplo, folhas, primavera, raiz, verde, maduro, fruto.

                                                                                                               20  “...no modernization is needed in the case of time-place-tradition elements either explained by their contexto or easily connected, in the reader’s mind, with analogous elements in the time-place-tradition of which he is a part.”

  37  

Para remontar essa tela de imagens a estrofe foi reestruturada, focalizando na

imagem da árvore e criando uma intertextualidade com o poema “StrangeFruit” de Abel

Meeropol, posteriormente musicado, e imortalizado na voz de Billie Holiday.

Esse intertexto trata do linchamento de negros norte-americanos, enforcados em

árvores e depois queimados. Vê-se aproximação nas imagens entre os dois textos. O poema

do escritor inglês estabelece o paralelo entre árvores e folhas como alusão à vida. Decidiu-se

aqui trocar as folhas por frutos, fortalecendo a ideia de vida e morte, presente e futuro, legado

e esperança. Tais temas foram tratados em estrofes anteriores como, também, serão tratados

em estrofes subsequentes.

Alguns elementos foram deixados de lado, outros substituídos por termos mais

gerais (metonímia) por exemplo: carvalho e olmo (hipônimos) por árvore (hiperônimo). A

forca, no original, é referida pelo termo gallows, e o paralelo forca-árvore pela expressão

gallows-tree. Na tradução essa metáfora se aplica de uma maneira diferente, pois a palavra

forca não é usada: uma comparação entre dois tipos de árvore, uma que dá frutos e outra que

tira a vida estabelece a diferença. A forca, apesar de não ser expressa, é retratada através de

árvores que seguram o fruto pela garganta e que, depois, este fruto cai ao chão sem vida. A

intertextualidade aqui se encontra no verso “O fruto estranho que balança”, amarra essa

ligação e estabelece o paralelo entre os tipos de árvore. E a imagem é assim reformulada.

No próximo tópico será tratado do elemento estrutural. Ele se comunica com a

quarta habilidade, pois ambos se referem à forma e sua importância na tradução.

4.1.4 A habilidade de selecionar uma forma que corresponda à posição que o texto fonte ocupa

Lefevere (1975) defende que para encontrar tal forma é necessário que (1) “a

forma escolhida não permita a restrição do campo de escolha de equivalentes do tradutor” 21nem (2) “forçá-lo a produzir um texto-alvo que será considerado inaceitável (em um sentido

                                                                                                               21  “...the chosen form will not be allowed to restrict the translator’s range in selecting communicative value equivalents...”

  38  

linguístico) pela maioria dos falantes da língua-alvo” (p. 391)22. Caso tal forma não for

encontrada, sugere-se buscar outra que seja adequada.

No caso desta tradução, a forma já está clara desde a primeira leitura do texto. O

título pressupõe sua forma: uma balada. Isso já evoca toda uma memória no nosso imaginário.

Balada é tanto um gênero poético medieval, despontado em países europeus, como também é,

hoje em dia, um estilo de canção romântica popular. Esta última definição não nos convém

como estudiosos literários, mas ainda assim ressalta o aspecto musical do texto. Existem

vários tipos de balada, a balada folclórica, a balada do Canto Real, e todas elas são textos

construídos em versos rimados, uma canção destinada à dança.

O teor musical do texto é inerente a ele. E se pensarmos no momento histórico-

literário vivido por Oscar Wilde e sua própria história, como foi tratado no segundo capítulo

deste trabalho, temos certeza de como a forma do poema se torna preponderante. O próprio

texto já traz a necessidade de se considerar a sua forma, sua musicalidade.

Foi decidido manter a forma do poema, suas estrofes de seis versos cada, sua rima

alternada nos segundo, quarto e sexto versos. E essa manutenção foi uma intenção inicial,

tomada a partir do interesse em realizar essa tradução e confirmada ao longo da pesquisa.No

entanto, não se vê isso como restrição ao campo de escolha do tradutor, mas como um

objetivo a ser alcançado. O exercício poético engloba essa tarefa. Para o limite da estrofe,

para a construção da rima, exige-se tempo e paciência. Uma estrofe pode ser traduzida em

pouquíssimo tempo enquanto outra demorar dias para se encontrar um resultado que satisfaça

o tradutor.

Tem-se a certeza de que o valor comunicativo exposto e discutido no texto de

Lefevere (1975) comporta esse entendimento, pois a forma do poema, seu ritmo, sua rima, são

características primordiais da obra e compõem esse valor comunicativo. Se entendermos que

forma e rima restringem o campo de escolha do tradutor, deve-se considerar que a forma e a

rima também restringiram as escolhas do autor. Será que tais escolhas também limitaram a                                                                                                                22  “...force him to produce a target text which would be considered “unacceptable” (in the linguistic sense) by the majority of the speakers of the target language.”  

  39  

produção original do poema? Temos certeza que não. Caracterizar essa escolha pela forma

como limitante é subestimar séculos de literatura poética produzida em todo o mundo.

A estrutura deste poema envolve todas as características citadas acima.E no que se

refere a essa habilidade foi entendido, compreendido e repassado para o texto-alvo. A forma

do poema e seus elementos estruturais, tão coerentes com o texto em si, foram mantidos. Essa

forma ideal, que corresponda ao texto-fonte, conclui-se ter sido encontrada.

4.2 As estratégias

Enquanto as habilidades moldam o processo tradutório e exigem que o tradutor

reflita sobre ele, as estratégias focam em dois momentos cruciais, o objetivo inicial e o

resultado final. Divididas em sete, tais estratégias podem se complementar ou se excluir.

Algumas se somam, jogando luz sobre as escolhas tomadas antes, durante e depois do

processo. A intenção aqui desta parte da análise é mostrar uma breve reflexão da leitura

dessas estratégias antes do processo e, após, contemplar os resultados obtidos de maneira

analítica, mas, também, argumentativa, uma análise que discute consigo mesma e com a teoria

na qual se apoia.

Como foi dito antes, são sete estratégias aqui relembradas: tradução fonêmica;

tradução literal; tradução métrica; poesia em prosa; tradução rimada; tradução em versos

livres; interpretação. Essa parte da análise se dividirá em duas partes. A primeira será mais

breve, pois tratará das estratégias que não se aplicam nem ao texto-fonte nem ao texto-alvo ou

ao seu processo de tradução. O segundo momento será mais elaborado, discorrendo sobre

cada estratégia que se aplica aos resultados encontrados.

4.2.1 As estratégias não-aplicáveis

Primeiramente, enumero a seguir quais estratégias não foram consideradas,

aplicadas ou reconhecidas nesta tradução. São elas: tradução literal, tradução métrica, poesia

em prosa e tradução em versos livres. Apesar de, à primeira vista, parecer óbvia esta seleção,

vê-se necessidade em contemplar tais diferenciações, pois a não-escolha por uma estratégia já

  40  

denota uma escolha real e consciente em não utilizá-la. Contudo, a escolha apesar de ser real e

consciente apenas se torna coesa quando existe uma análise subjacente.

Primeiro, a tradução literal. Lefevere (1975) começa por negar a existência desse

tipo de tradução. Ele afirma que é um mito e usaNida (1964) para reforçar seu argumento

quando diz que “não existe duas línguas idênticas (...); e certamente não existe

correspondentes absolutos entre línguas, ou seja, não se pode haver traduções completamente

exatas” ao texto-fonte (p. 385)23.

Ele nega a estratégia, afirmando o mito em torno dela, mas acredita que exista a

tentativa em alcançar tal tradução. Disso resulta-se a criação de “monstros sagrados” sem real

apelo ao leitor, uma literatura mumificada desde o nascimento, sem alcance ou importância

reais. O processo que ocorreu nessa tradução que proponho é maleável e orgânico. Ele não

encontra nessa estratégia nenhuma correspondência. O movimento entre tradutor e texto-fonte

é constante, algumas vezes se aproximando, outras, se afastando. Pois, “o tradutor tem o

direto de diferir organicamente, de ser independente; sendo oferecida, esta independência é

procurada em benefício do texto-fonte para que ele seja reproduzido como um trabalho vivo.”

(POPOVIC apud BASSNETT, p. 88, 2002)24.

As duas próximas estratégias previamente citadas nessa subseção são tratadas pelo

autor de uma só vez como fatores prejudiciais ao resultado da tradução. Elas pecam, segundo

Lefevere (1975), por focarem em fatores externos ao texto-fonte. A tradução métrica se

preocupa em fornecer ao leitor a mesma métrica do original. Enquanto o tradutor depoesia em

prosa distorce a palavra equivalente na língua-alvo ou faz uso excessivo de modificadores e

circunlóquios. Ambas as estratégias e as medidas tomadas pelos seus respectivos tradutores

são negativas e prejudicam e ameaçam o valor comunicativo das obras (tanto fonte como

alvo). Mas será que são realmente, assim, tão negativas? Será que o valor comunicativo é tão

facilmente destruído por causa de certas escolhas do tradutor? Refletiremos sobre essas

perguntas e esboçaremos algumas respostas ao final deste item.                                                                                                                23  “No two languages are identical (...) it stands to reason that there can be no absolute correspondence.”  24‘the translator has the right to differ organically, to be independent’, provided that independence is pursued for the sake of the original in order to reproduce it as a living work.”  

  41  

Quanto às duas estratégias anteriores também as delimito dentro daquelas que não

foram aplicadas. Considerando a tradução métrica, A Balada é um texto poético, sim, mas

seus versos não são metrificados: é o seu sistema rítmico que molda o texto. Da outra

estratégia, da tradução de poesia em prosa, em nenhum momento é válida, pois o texto-alvo,

após o processo tradutório, continuou sendo um poema.

Quanto à última estratégia supracitada, vamos agora considerar a tradução em

versos livres. Houve dúvida sobre essa estratégia e como caracterizá-la nesta pesquisa. Afinal,

só pelo fato de o verso original não ser metrificado ele pode ser considerado livre? Será que

versos, mesmo não-metrificados, mas costurado por rimas pode ser livre?

O que faz incluir esta estratégia como não-aplicável é o modo como Lefevere a

descreve. Em suas palavras, Lefeveredelimita as escolhas deste tipo de tradutor/tradução em

dois caminhos: um é aderir ao sistema métrico do original e o outro caminho é impor um

sistema novo ao texto-fonte fazendo uso de distorções. Tais distorções podem ser a

valorização de uma palavra ou de um grupo de palavras, forçando-o a uma série de

contorções, limitando a liberdade do tradutor ao que Lefevere define como “desajeito e

verbosidade” (p. 388)25.

Primeiro essa estratégia não se aplica porque o verso livre para Lefevere (1975) se

contrapõe a sua metrificação. Se o verso não é metrificado então não existe correspondência.

Segundo porque não foi imposto um novo padrão métrico ao texto, não houve tal

“superimposição”.

4.2.2 As estratégias aplicáveis

Das sete estratégias restam três: a tradução fonêmica, a tradução rimada e a

interpretação. Elas serão tratadas aqui em dois blocos. Serão utilizados exemplos pareando

textos fonte e alvo com o intuito de ilustrar a análise.

                                                                                                               25“... clumsiness and verbosity.”

  42  

4.2.2.1 A tradução fonêmica e rimada

Junto com a tradução literal, essa é a estratégia que Lefevere (1975) dedica mais

espaço no seu trabalho: a tradução fonêmica. O grande destaque desse aspecto é o som, e a

reprodução desse som do texto-fonte no texto-alvo. Tal som pode ser expresso em um poema

de diversas maneiras. Aqui será dedicado comentários sobre a musicalidade do poema, sua

estrutura, suas rimas e sistema rítmico e figuras de linguagem como a aliteração, a

onomatopeia, etc.

A escolha em se manter o sistema rítmico do poema marcou a ferro e fogo o

processo tradutório. Mas não deixa de ser uma escolha válida. Em grande parte de seu

trabalho,Lefevere (1975) condena tal prática, negando que tais traduções não tem êxito ou

“desejo de fornecer um texto acessível aos seus leitores”26. Ou que o leitor que lê tal tradução

está apenas curioso pelo resultado atingido, “uma paródia bilíngue, incapaz de sobreviver na

literatura do texto-alvo.” (p. 385)27.

A crítica aqui é uma justificativa dessas escolhas e um voto de confiança no

resultado positivo desta tradução. Desde a primeira leitura foi claro o impacto que o texto

causa. E isso vai além do conteúdo, de seu enredo, personagens ou imagens chocantes

retiradas de dentro de um ambiente tão nocivo como é retratado no livro. É a forma como é

contada, o ritmo do texto. Não se pode deixar isso de lado. O valor comunicativo citado por

Lefevere (1975) não deve desconsiderar todas essas características.

Então essa tradução e essa análise é uma bandeira em favor do exercício poético

do tradutor. A reconstrução de um texto em um novo texto, diferente, um outro alcance para

um outro público.

Não seria interessante aqui pontuar ou ilustrar com qualquer exemplo, pois todo o

poema foi traduzido com a intenção de se espelhar no sistema rítmico original. Convém aqui

                                                                                                               26  “No desire to make the source text available to his readers.”  27  “...  a bilingual parody, incapable of survival in the literature of the target language.”

  43  

demonstrar estrofes onde essa escolha provocou as maiores mudanças e onde causou maior

dificuldade.

Um primeiro exemplo é a criação de rimas sujas para se adequar ao

posicionamento da rima do texto-fonte. Segue o exemplo abaixo:

Texto-fonte Texto-alvo

The Warders with their shoes of felt Crept by each padlocked door, And peeped and saw, with eyes of awe, Grey figures on the floor, And wondered why men knelt to pray Who never prayed before.

Os carcereiros flutuavam pelos corredores E além das grades, fitavam, impressionados Figuras cinzentas silenciosas No chão ajoelhadas: Porque esses homens rezam Se eles nunca haviam rezado?

Quadro 4 - Estrofe 46, parte 3

Percebam as rimas se localizam nesses versos com essa pequena margem, os

versos pares do poema. Nessa estrofe lidamos com personagens que são recorrentes no texto,

o carcereiro e o homem. O homem aqui é descrito como uma “figura cinzenta” denotando a

falta de identidade que tem. Figuras cinzentas não tem rosto, não se pode diferenciar, são “os

esquecidos” como descrito antes no poema. Então, dois personagens, três descrições

diferenciadas: os carcereiros, figuras cinzentas e homens. Devido a variação em número e

gênero temos uma variação na rima, de acordo com as escolhas feitas durante o processo.

Há de se perguntar antes porque não foi tentado encontrar outra forma, outras

palavras para rimar cada verso. Salienta-se que foi definida e escolhida como imagens

principais a imagem do olhar surpreso dos carrascos e a imagem dos homens ajoelhados

dentro das celas. Escolheu-se assim o par impressionado/ajoelhado. Porém devido às

diferenças de gênero e número teve-se ao final impressionados e ajoelhadas. Ao final temos o

verbo rezar conjugado no particípio: rezado.

Nessa estrofe temos rimas semelhantes, mas não idênticas. Foi um recurso

encontrado para se manter em concordância com o texto-fonte e, ao mesmo tempo, eleger

certas imagens como mais importantes dentro da estrofe e usar a rima como realce.

  44  

Por outro lado, em algumas estrofes, para realçar o passo mais acelerado do

momento que é retratado no poema, Wilde faz uso de rimas internas ao próprio verso. Indo

além das rimas alternadas ao fim dos versos pares, essas rimas internas acontecem nos versos

ímpares. É uma tarefa árdua recriar tais movimentos criados com tamanha precisão. Contudo,

entende-se o valor comunicativo que é passado e abraça-se o desafio.

Para a tradução desses momentos no poema percebeu-se dois caminhos para sua

resolução. O primeiro está exposto a seguir:

Texto-fonte Texto-alvo

"Oho!" they cried, "The world is wide, But fettered limbs go lame! And once, or twice, to throw the dice Is a gentlemanly game, But he does not win who plays with Sin In the secret House of Shame."

“Ei!” eles gritaram “O mundo é grande mas eles não vão longe com pés acorrentados por isso trata-se de um jogo civilizado de vez ou outra jogar os dados. Mas é sempre derrotado na secreta Casa da Vergonha. aquele que joga com o Pecado.”

Quadro 5 - Estrofe 52, parte3

 Percebam no texto-fonte os versos ímpares: cried/wide;twice/disse;win/Sin. A

solução encontrada aqui foi extrapolar o número de rimas com a terminação –ado ao longo da

estrofe. Assim, oferecendo uma sensação equivalente àquela imprimida pelo autor. As

palavras que fazem parte deste jogo são: acorrentados; civilizado; dados; derrotado e Pecado.

Outra estrofe que podemos perceber a rima interna é a seguinte:

Texto-fonte Texto-alvo

We had no other thing to do, Save to wait for the sign to come: So, like things of stone in a valley lone, Quiet we sat and dumb: But each man's heart beat thick and quick Like a madman on a drum!

Nada mais a fazer a não ser Esperar pelo sinal assustador; Como pedras jogadas no vale, Sentados, dormentes no torpor Mas cada batida era rápida e decidida Cada coração era um tambor!

Quadro 6 - Estrofe 63, parte 3

Como foi afirmado antes, a rima interna acontece apenas nos versos ímpares,

enquanto a rima da estrofe como um todo ocorre nos versos pares. Nesse verso a rima interna

  45  

acontece nos versos terceiro (stone/lone) e quinto (thick/quick). Na tradução procurou-se

manter a rima interna da forma como é mostrada no texto-fonte: no primeiro verso (fazer/ser)

e no quinto verso (batida/decidida).

4.3 A interpretação: estratégia e habilidade

Como conclusão às estratégias e habilidades que cunhou, Lefevere (1975) propõe

uma quinta habilidade e uma sétima estratégia que se assemelham; a de “interpretar o tema do

texto-fonte da mesma forma do autor original” (p.391)28. Segundo o autor, ao reinterpretar, o

tradutor tem aqui dois objetivos claros: o de não impor ao texto sua própria interpretação e o

de encontrar um “efeito equivalente”.

Falhar aqui seria transformar o texto-fonte em uma mera imitação ou uma versão.

Pois uma versão, aqui definida, como um simples exercício de reescritura, onde apenas

conteúdo é transmitido. Enquanto a imitação utiliza-se do texto original apenas como uma

fonte de inspiração. Aquilo que se opõe a esses dois conceitos de imitação e versão,

delineados por Lefevere, é o conceito de tradução.

Neste momento vejo que algumas escolhas tomadas, e anteriormente discutidas

neste ponto, remontam e reforçam essa habilidade. Por isso não consideramos, após essa

análise, a tradução aqui sugerida como uma imitação ou como uma versão. Devido ao

interesse e respeito que se tem a história e importância deste texto dentro da cultura inglesa

como também da cultura mundial. Creio que a tentativa de reescrever este texto de uma forma

mais simples, sem arcaísmos, palavras em desuso, foi aproximar o texto de um público

diferente. Esse público, talvez, ávido pela literatura de Wilde, se interessaria também pela sua

obra poética, podendo dividir esse interesse que obras como O Retrato de Dorian Gray e o De

profundis parecem receber tanto. Afinal “a tradução é o melhor efeito que chega próximo a

criar em seu público a mesma impressão que o original causou aos seus contemporâneos.”

(RIEU apud LEFEVERE, 1975, p. 392)29.

                                                                                                               28  “To interpret the theme of the source text in the same way as the original author.”  29  “That translation is the best which comes nearest to creating in its audience the same impression as was made by the original on its contemporaries.”

  46  

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho partiu de um interesse antigo pela obra de Oscar Wilde. A

curiosidade despertada anos atrás no leitor em formação se encontrou com a curiosidade do

pesquisador, que também, ainda, está em formação. Encarou-se um texto poético longo e

complicado. E o objetivo não foi apenas traduzi-lo, foi além disso. Após a tradução, analisou-

se o processo e refletiu-se sobre ele. Podemos dizer que o objetivo real aqui é avaliar o

resultado e compreender o processo.

A teoria sobre tradução poética de Lefevere (1975) foi escolhida e ao redor dela

este trabalho se moldou. As habilidades serviram ao tradutor de conselho, e ao pesquisador de

meios para autocrítica e reflexão. As estratégias serviram para traçar os objetivos do tradutor

e, mais tarde no processo, como uma forma de delimitar e demonstrar os resultados.

É perceptível que, ao final do processo tradutório e da sua análise, a tradução que

escolhe manter a rima do texto-fonte vai encontrar resistência. E essa resistência vem do

texto, resistência da língua-alvo, do conteúdo do original. Não é uma tarefa simples. Mas nem

por isso é impossível que o resultado seja satisfatório. Acredita-se na validade da tradução

fonêmica combinado com outras estratégias, e inteiramente atento ao texto como um todo.

Concluiu-se que todas as habilidades foram úteis para a realização da tradução. O

cuidado para o qual elas apontam. As habilidades se juntam para que o tradutor analise o texto

como um todo, em uma visão macroscópica.

Quanto as estratégias, algumas foram deixadas de lado na fase inicial do processo.

Outras perduraram e se mostraram norteadoras. Das sete estratégias, quatro não se aplicaram

ao processo (literal; métrica, poesia em prosa e verso livre) e três se mostraram relevantes

(fonêmica, rimada e a interpretação). Das relevantes, todas se mostraram igualmente

determinantes e importantes. Contudo, a relação com a tradução fonêmica é tão forte, devido

à natureza do texto e às escolhas do tradutor, que ela acaba por ocupar um pedestal mais alto.

Mas isso não implica em uma hierarquia. O equilíbrio do processo se dá nesse jogo de

estratégias.

  47  

Algumas críticas foram reservadas e nessas considerações finais encontra-se o

espaço para maior questionamento. É perceptível, a todos os instantes, as facetas que alguém

possui quando se aventura em um trabalho como esse que foi feito. Os dois papéis, o de

tradutor e de pesquisador, são complementares. E o que se percebe no texto de Lefevere

(1975) é o direcionamento para um desses papéis, ou uma estratégia ou uma habilidade.

Ele foca no tradutor. E nós como pesquisadores e estudantes dos estudos de

tradução, lemos seu texto de uma forma mais abrangente. Não conseguimos encarar um texto

com o mesmo maniqueísmo descrito pelo autor. Tal visão maniqueísta pressupõe o uso por

apenas uma estratégia ou habilidade.

As escolhas do tradutor são inúmeras e suas preocupações com o texto são várias.

Remeto ao argumento apresentado no início deste trabalho sobre os diversos papéis que o

tradutor assume. Somos tradutores, leitores, escritores, críticos, pesquisadores e estudiosos. E

em cada um desses papéis encontramos diversos níveis e tarefas, também.

Porém, como guia para a tradução poética foi bastante útil e frutífero utilizá-lo

como arcabouço teórico. E o sentimento pelo resultado obtido é misto. É satisfatório ao poeta

que sempre quer mudar o texto. É recompensador ao estudante que finaliza um trabalho

acadêmico. E é realizador para o pesquisador que constrói, após tanta pesquisa, algo que ele

acredita estar bem construído.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DICIONÁRIOS UTILIZADOS

BAB.LA Dicionário. Disponível em: <http://pt.bab.la/dicionario/> Dicionário Online de Português. Disponível em: <http://www.dicio.com.br/> Dicionário de Antônimos. Disponível em: <http://www.antonimos.com.br/> Dicionário de rimas da língua portuguesa – Brasil. Disponível em: <http://rimas.mmacedo.net/> Dicionário de Sinônimos. Disponível em: <http://www.sinonimos.com.br/> LINGUEE Dicionário online inglês-português. Disponível em: <http://www.linguee.com.br/portugues-ingles/> Merriam-Webster Online: Dictionary and Thesaurus. Disponível em: <http://www.merriam-webster.com/> The Free Dictionary by Farlex.Disponível em: <http://www.thefreedictionary.com/>

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ANEXOS

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The Ballad of the Reading Gaol

By Oscar Wilde

I

He did not wear his scarlet coat, For blood and wine are red, And blood and wine were on his hands When they found him with the dead, The poor dead woman whom he loved, And murdered in her bed.

He walked amongst the Trial Men In a suit of shabby gray; A cricket cap was on his head, And his step seemed light and gay; But I never saw a man who looked So wistfully at the day.

I never saw a man who looked With such a wistful eye Upon that little tent of blue Which prisoners call the sky, And at every drifting cloud that went With sails of silver by.

I walked, with other souls in pain, Within another ring, And was wondering if the man had done A great or little thing, When a voice behind me whispered low, "That fellow's got to swing."

Dear Christ! the very prison walls Suddenly seemed to reel, And the sky above my head became Like a casque of scorching steel; And, though I was a soul in pain, My pain I could not feel.

I only knew what haunted thought Quickened his step, and why He looked upon the garish day With such a wistful eye; The man had killed the thing he loved, And so he had to die.

A Balada Da Cadeia De Reading De Oscar Wilde I Ele não vestiu o seu casaco, Vermelho do sangue e do vinho, Pois vinho e sangue tinha nas mãos. Quando o encontraram não estava sozinho Segurava a amada, assassinada, nos braços, A cama em desalinho. Andava entre os outros esquecidos, Vestes da cor do chão cinzento. Uma boina lhe cobria a cabeça E o seu passo parecia leve como o vento, Mas eu nunca vi um homem Tão cheio de tormentos. Eu nunca tinha visto um homem Com o olhar tão atormentado. Sob aquele teto azul Como o céu pelos prisioneiros é chamado. E cada nuvem que sumia Deixava um rastro prateado. Caminhei, com outras almas em dor, Outra forma de caminhar, E fiquei a pensar se aquele homem Fez muito ou pouco para ali estar Quando uma voz sussurrou: “Ele tem que pagar.” Meu Deus, as paredes da prisão De repente pareciam ruir, E o céu sobre mim, como o aço quente Do casco de uma armadura a diluir. E, apesar de eu mesmo ser uma alma em dor, Minha própria dor não pude sentir. Eu apenas conhecia o pensamento Que perseguia seus passos E porque ele olhava o dia Com tanto descompasso, Pois aquele que mata o que lhe ama A morte vence no cansaço.

  48  

*

Yet each man kills the thing he loves, By each let this be heard, Some do it with a bitter look, Some with a flattering word, The coward does it with a kiss, The brave man with a sword!

Some kill their love when they are young, And some when they are old; Some strangle with the hands of Lust, Some with the hands of Gold: The kindest use a knife, because The dead so soon grow cold.

Some love too little, some too long, Some sell, and others buy; Some do the deed with many tears, And some without a sigh: For each man kills the thing he loves, Yet each man does not die.

He does not die a death of shame On a day of dark disgrace, Nor have a noose about his neck, Nor a cloth upon his face, Nor drop feet foremost through the floor Into an empty space.

He does not sit with silent men Who watch him night and day; Who watch him when he tries to weep, And when he tries to pray; Who watch him lest himself should rob The prison of its prey.

He does not wake at dawn to see Dread figures throng his room, The shivering Chaplain robed in white, The Sheriff stern with gloom, And the Governor all in shiny black, With the yellow face of Doom.

* Cada homem que mata aquilo que ama Que cada um ouça com atenção: Alguns matam amargamente Outros com falsa compaixão. O covarde mata com um beijo O bravo, com uma espada na mão! Alguns matam seu amor quando jovens E alguns quando estão idosos; Estrangulados por mãos apaixonadas Ou entre dedos habilidosos: Os mais amáveis usam uma adaga, Pois rápido o frio atinge os ossos. Ama-se pouco ou por muito tempo Uns a comprar, outros a vender Outros lavam o rosto de lágrimas Outros nem um suspiro sequer: Pois cada homem mata aquilo que ama Mas ainda assim continua a viver. Ele não sofre uma morte vergonhosa Em um dia desgraçado, Nem um nó o estrangulando a garganta, Nem um pano sobre seu rosto sufocado, Nem a queda fatal e solitária De um cadáver sobre o chão, esmagado. Ele não se reúne com homens que em silêncio Vigiam-no noite e dia, Quando ele tenta verter um choro Ou caminhar uma solitária romaria Para os homens ele é uma ameaça, Uma presa sem alforria. Ele não acorda de madrugada para ver Figuras terríveis apinhando em seu quarto: O Padre Capelão vestido de branco, O Xerife austero e desolado E o Diretor de roupas negras ofuscantes Traz a sentença do condenado.

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He does not rise in piteous haste To put on convict-clothes, While some coarse-mouthed Doctor gloats, and notes Each new and nerve-twitched pose, Fingering a watch whose little ticks Are like horrible hammer-blows.

He does not feel that sickening thirst That sands one's throat, before The hangman with his gardener's gloves Comes through the padded door, And binds one with three leathern thongs, That the throat may thirst no more.

He does not bend his head to hear The Burial Office read, Nor, while the anguish of his soul Tells him he is not dead, Cross his own coffin, as he moves Into the hideous shed.

He does not stare upon the air Through a little roof of glass: He does not pray with lips of clay For his agony to pass; Nor feel upon his shuddering cheek The kiss of Caiaphas.

II

Six weeks the guardsman walked the yard, In the suit of shabby gray: His cricket cap was on his head, And his step was light and gay, But I never saw a man who looked So wistfully at the day.

I never saw a man who looked With such a wistful eye Upon that little tent of blue Which prisoners call the sky, And at every wandering cloud that trailed Its ravelled fleeces by.

Ele não tem pressa em se levantar Ou vestir os trajes da clausura, Enquanto um médico bruto repara Em cada nova e agitada postura, Ajustando os tique-taques do seu relógio Que pareciam marteladas em miniatura. Ele não conhece a sede doentia Que fere a garganta primeiro, Antes do carrasco entrar pela porta Com suas luvas de jardineiro E enlaçar tiras de couro: Todo desejo é passageiro. Ele não inclina a cabeça para ouvir A liturgia do seu funeral, Nem olha seu próprio caixão Enquanto desce os últimos degraus Apesar da sua alma aterrorizada Lhe dizer “Não estás morto, afinal!” Ele não contempla os céus Sob pequenos tetos transparentes, nunca mais. Ele não reza pelo fim de sua agonia, Ele não reza mais Nem sente sobre sua bochecha O beijo de Caifás. II Por seis semanas o guarda andava pelo jardim, Vestes da cor do chão cinzento: Uma boina lhe cobria a cabeça E o seu passo era leve como o vento, Mas eu nunca vi um homem Tão cheio de tormentos. Eu nunca tinha visto um homem Com olhos tão atormentados Sob aquele teto azul Como o céu pelos prisioneiros é chamado, E cada nuvem que se arrastava Era um novelo de lã emaranhado.

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He did not wring his hands, as do Those witless men who dare To try to rear the changeling Hope In the cave of black Despair: He only looked upon the sun, And drank the morning air.

He did not wring his hands nor weep, Nor did he peek or pine, But he drank the air as though it held Some healthful anodyne; With open mouth he drank the sun As though it had been wine!

And I and all the souls in pain, Who tramped the other ring, Forgot if we ourselves had done A great or little thing, And watched with gaze of dull amaze The man who had to swing.

For strange it was to see him pass With a step so light and gay, And strange it was to see him look So wistfully at the day, And strange it was to think that he Had such a debt to pay.

*

The oak and elm have pleasant leaves That in the spring-time shoot: But grim to see is the gallows-tree, With its alder-bitten root, And, green or dry, a man must die Before it bears its fruit!

The loftiest place is the seat of grace For which all worldlings try: But who would stand in hempen band Upon a scaffold high, And through a murderer's collar take His last look at the sky?

Ele não retorceu as mãos Como os idiotas que teimam Na caverna do negro Desespero Esconder sua Esperança órfã Ele apenas fita o sol E bebe o ar da manhã. Ele não retorceu as mãos Nem chorou, nem espiou, nem ansiou Mas bebeu do ar como se ele Nos curasse de qualquer dor; Bebeu do sol como se fosse vinho Tinto de sangue e calor. E eu e as outras almas em dor Tropeçávamos perto dali, Esquecendo se nós mesmos fizemos Muito ou pouco para estarmos ali, Nos perdendo no homem Que tinha uma dívida a cumprir. E era estranho vê-lo passar Com seu passo leve feito vento E era estranho vê-lo Tão cheio de tormentos E era estranho ver um homem E sua dívida sem abatimento. * Algumas árvores dão frutos Quando a primavera alcança. Outras árvores pela garganta seguram O fruto estranho que balança, E cai ao chão sem vida Sem herdeiros, sem herança. A benção necessária É a subida mais escarpada: Mas quantos se atrevem, Com a própria morte anunciada, A olhar para o alto em prece Com a corda no pescoço enrolada?

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It is sweet to dance to violins When Love and Life are fair: To dance to flutes, to dance to lutes Is delicate and rare: But it is not sweet with nimble feet To dance upon the air!

So with curious eyes and sick surmise We watched him day by day, And wondered if each one of us Would end the self-same way, For none can tell to what red Hell His sightless soul may stray.

At last the dead man walked no more Amongst the Trial Men, And I knew that he was standing up In the black dock's dreadful pen, And that never would I see his face For weal or woe again.

Like two doomed ships that pass in storm We had crossed each other's way: But we made no sign, we said no word, We had no word to say; For we did not meet in the holy night, But in the shameful day.

A prison wall was round us both, Two outcast men we were: The world had thrust us from its heart, And God from out His care: And the iron gin that waits for Sin Had caught us in its snare.

III

In Debtors' Yard the stones are hard, And the dripping wall is high, So it was there he took the air Beneath the leaden sky, And by each side a warder walked, For fear the man might die.

Quando justos são o Amor e a Vida É doce ao som de violinos dançar, Ao som de flautas e alaúdes Num raro e delicado oscilar: Mas não é doce ver pés Dançando sobre o ar! E com curioso olhar e dúvida doentia Que vigiamos diariamente. E pensamos se cada um de nós Seguiremos inevitavelmente A alma cega do homem Até um desconhecido inferno ardente. Enfim o homem não andou mais Entre os outros esquecidos. Eu sabia que nas sombras Ele permanecia erguido E que eu nunca mais veria O seu rosto abatido. Passamos um pelo outro como dois navios Que se cruzam numa tempestade em alto mar. Nenhum sinal foi feito, nenhuma palavra foi dita: Não havia palavras para falar, Pois a noite não nos protegeu Quando a luz do dia resolveu nos calar. Os muros da prisão nos cercavam, Éramos dois exilados. O mundo nos rejeitou do seu coração E Deus, dos seus cuidados: Fomos capturados pela teia Dos nossos próprios pecados. III No Jardim dos Devedores as pedras são duras E as paredes altas e escorregadias. Lá ele escolheu um lugar para respirar O ar que aquele céu pesado comprimia, Por cada lado um carcereiro andava: Para o homem era sempre de dia.

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Or else he sat with those who watched His anguish night and day; Who watched him when he rose to weep, And when he crouched to pray; Who watched him lest himself should rob Their scaffold of its prey.

The Governor was strong upon The Regulations Act: The Doctor said that Death was but A scientific fact: And twice a day the Chaplain called, And left a little tract.

And twice a day he smoked his pipe, And drank his quart of beer: His soul was resolute, and held No hiding-place for fear; He often said that he was glad The hangman's day was near.

But why he said so strange a thing No warder dared to ask: For he to whom a watcher's doom Is given as his task, Must set a lock upon his lips, And make his face a mask.

Or else he might be moved, and try To comfort or console: And what should Human Pity do Pent up in Murderers' Hole? What word of grace in such a place Could help a brother's soul?

With slouch and swing around the ring We trod the Fools' Parade! We did not care: we knew we were The Devils' Own Brigade: And shaven head and feet of lead Make a merry masquerade.

Ou então sentava com os homens Que vigiavam sua aflição; Quando ele se erguia para chorar Ou se encolhia em oração; Ele continua sendo uma ameaça Ao instrumento de sua própria execução. O Diretor reforçava A lei regulamentar, O Doutor afirmava que a Morte Não se pode evitar, E o Padre sempre Vinha panfletar. Duas vezes por dia Ele tratava de fumar e beber. Sua alma determinada Não deixava o medo se esconder: Dizia que as mãos tão próximas do carrasco Até lhe davam prazer. Mas o porquê de tal bom-humor Nenhum carrasco se atreveu a perguntar: Pois a sentença do vigilante é apenas Cumprir seu dever de matar, E ele deve cerrar os lábios E o rosto dissimular. Ou então poderia se compadecer E oferecer consolação: Mas no Beco da Morte Quanto vale a Compaixão? O que se pode dizer Para salvar a alma de um irmão? No Desfile dos Tolos Nossa deselegância era ritmada; Nos auto denominávamos: “A Ala Endemoniada”. Dos cabeça-raspada, arrastando os pés Nessa festa mascarada.

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We tore the tarry rope to shreds With blunt and bleeding nails; We rubbed the doors, and scrubbed the floors, And cleaned the shining rails: And, rank by rank, we soaped the plank, And clattered with the pails.

We sewed the sacks, we broke the stones, We turned the dusty drill: We banged the tins, and bawled the hymns, And sweated on the mill: But in the heart of every man Terror was lying still.

So still it lay that every day Crawled like a weed-clogged wave: And we forgot the bitter lot That waits for fool and knave, Till once, as we tramped in from work, We passed an open grave.

With yawning mouth the horrid hole Gaped for a living thing; The very mud cried out for blood To the thirsty asphalte ring: And we knew that ere one dawn grew fair The fellow had to swing.

Right in we went, with soul intent On Death and Dread and Doom: The hangman, with his little bag, Went shuffling through the gloom: And I trembled as I groped my way Into my numbered tomb.

*

That night the empty corridors Were full of forms of Fear, And up and down the iron town Stole feet we could not hear, And through the bars that hide the stars White faces seemed to peer.

Desfiávamos as cordas aos pedaços Nossas unhas, já cegas, sangrando. Esfregávamos as portas e lavávamos o chão Os trilhos estavam brilhando. O barulho dos passos e dos baldes Até as grades ficarem brilhando. Costurávamos sacas, quebrávamos pedras E nunca anoitecia. Trabalhando e cantando Para apressar o dia: Mas no coração de todo homem O terror ainda dormia. E continuou a dormir, se rastejando Como alga presa no fundo do mar. Mas para o malandro e para o tolo Só restam amargura e azar: E na volta do trabalho vimos Uma cova aberta naquele lugar. Era uma boca que bocejava Com fome de alguma coisa viva, E sedenta por sangue Escorria dos cantos a saliva: Para um deles o jogo acabaria ao começar o dia, E a roleta girando era enjoativa. Com as almas voltadas Ao Fim, à Morte, ao Terror: O carrasco jogando os dados Num sorteio malfeitor, Cada cela era um número E cada homem, um tremor. * Naquela noite o medo se instalou Nos corredores vazios, Não se ouvia nenhum barulho Naquele inferno frio. Os astros sequer deixavam rastros: Pelas grades, figuras brancas davam arrepio.

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He lay as one who lies and dreams In a pleasant meadow-land, The watchers watched him as he slept, And could not understand How one could sleep so sweet a sleep With a hangman close at hand.

But there is no sleep when men must weep Who never yet have wept: So we- the fool, the fraud, the knave- That endless vigil kept, And through each brain on hands of pain Another's terror crept.

Alas! it is a fearful thing To feel another's guilt! For, right within, the sword of Sin Pierced to its poisoned hilt, And as molten lead were the tears we shed For the blood we had not spilt.

The warders with their shoes of felt Crept by each padlocked door, And peeped and saw, with eyes of awe, Gray figures on the floor, And wondered why men knelt to pray Who never prayed before.

All through the night we knelt and prayed, Mad mourners of a corse! The troubled plumes of midnight shook Like the plumes upon a hearse: And as bitter wine upon a sponge Was the savour of Remorse.

*

The gray cock crew, the red cock crew, But never came the day: And crooked shapes of Terror crouched, In the corners where we lay: And each evil sprite that walks by night Before us seemed to play.

Mas ele dormia e sonhava Como dorme e sonha um bebê. Os guardas o viam dormindo, Eles olhavam sem entender Como alguém tão docemente existia Com tantos perigos a correr. Mas não existe descanso para aquele Que não chora ou que ainda não chorou. E para nós, os falsos, os malandros e os tolos A vigília continuou E em cada alma Outro medo se instalou. Sentir a culpa pelo outro Enche a alma de pavor! Sem cuidado, a espada do Pecado Ao seu cabo envenenado se soldou: E as lágrimas são o sangue Que nenhum de nós derramou. Os carcereiros flutuavam pelos corredores E além das grades, fitavam, impressionados Figuras cinzentas silenciosas No chão ajoelhadas: Porque esses homens rezam Se eles nunca haviam rezado? Lamentando por um cadáver, Ficamos em oração. Os lampejos da luz da noite Eram as velas sobre o caixão E o vinho que amargava a garganta Era o Remorso e a salvação. * O galo cinza cantou, o galo vermelho também, Mas o dia não veio E um Terror trapaceiro se agachou Nos espaços vazios em nosso meio, E os males que tomavam a noite de açoite Brincavam à nossa frente, sem receio.

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They glided past, the glided fast, Like travellers through a mist: They mocked the moon in a rigadoon Of delicate turn and twist, And with formal pace and loathsome grace The phantoms kept their tryst.

With mop and mow, we saw them go, Slim shadows hand in hand: About, about, in ghostly rout They trod a saraband: And the damned grotesques made arabesques, Like the wind upon the sand!

With the pirouettes of marionettes, They tripped on pointed tread: But with flutes of Fear they filled the ear, As their grisly masque they led, And loud they sang, and long they sang, For they sang to wake the dead.

"Oho!" they cried, "the world is wide, But fettered limbs go lame! And once, or twice, to throw the dice Is a gentlemanly game, But he does not win who plays with Sin In the secret House of Shame."

No things of air these antics were, That frolicked with such glee: To men whose lives were held in gyves, And whose feet might not go free, Ah! wounds of Christ! they were living things, Most terrible to see.

Around, around, they waltzed and wound; Some wheeled in smirking pairs; With the mincing step of a demirep Some sidled up the stairs: And with subtle sneer, and fawning leer, Each helped us at our prayers.

Eles passavam por nós, rapidamente, Como viajantes pela neblina. Dançavam tirando sarro da lua Feito sombrias bailarinas, Com ar graça e pirraça De quem chega e predomina. De esfregão e foice Sombras magras, de mãos dadas Emendavam passos de dança. Em sua fantasmagórica caminhada, Malditos e grotescos construíram arabescos Na areia revirada. Como uma marionete desajeitada Tropeçavam em rápidos movimentos. Enchiam de medo todo esse folguedo Com esse desfile horrendo. E mais alto cantavam, Pois cantavam para arrancar os mortos do seu falecimento. “Ei!” eles gritaram “O mundo é grande, Mas eles não vão longe com pés acorrentados Por isso trata-se de um jogo civilizado De vez ou outra jogar os dados. Mas é sempre derrotado na Casa da Vergonha. Aquele que brinca com o Pecado.” Não é fácil disfarçar essas farsas Que se divertem com tanta alegria, Para homens que vivem presos E cujo pés não tem alforria, Mas ainda são criaturas e tem vida, Meu Deus, que terrível fotografia! Eles giravam enquanto nos feriam Eles giravam enquanto dançavam, em pares. Eles subiam rápido as escadas Mas dançavam em passos devagares: Mesmo assim nos ajudavam a rezar, Escalando em nossos altares.

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The morning wind began to moan, But still the night went on: Through its giant loom the web of gloom Crept till each thread was spun: And, as we prayed, we grew afraid Of the Justice of the Sun.

The moaning wind went wandering round The weeping prison wall: Till like a wheel of turning steel We felt the minutes crawl: O moaning wind! what had we done To have such a seneschal?

At last I saw the shadowed bars, Like a lattice wrought in lead, Move right across the whitewashed wall That faced my three-plank bed, And I knew that somewhere in the world God's dreadful dawn was red.

At six o'clock we cleaned our cells, At seven all was still, But the sough and swing of a mighty wing The prison seemed to fill, For the Lord of Death with icy breath Had entered in to kill.

He did not pass in purple pomp, Nor ride a moon-white steed. Three yards of cord and a sliding board Are all the gallows' need: So with rope of shame the Herald came To do the secret deed.

We were as men who through a fen Of filthy darkness grope: We did not dare to breathe a prayer, Or to give our anguish scope: Something was dead in each of us, And what was dead was Hope.

O vento da manhã começou a soprar Mas a noite continuou A assombrar, girando seu tear: Cada fio se descosturou E nós rezamos, pois temíamos A Justiça do Sol. O vento da manhã passeou Ao redor dos muros da prisão Como os minutos que se arrastam Feito sangue no gelado coração: Vento da manhã, que podemos fazer Para merecer vosso perdão? Como correntes entrelaçadas de chumbo Enfim eu vi a sombra do xadrez Preencher as paredes, o chão, a cama E toda aquela palidez Branca e sem vida, mas a manhã que nascia Era vermelha por sua vez. Às seis horas, limpávamos nossas celas E às sete ainda a esperar. Mas, de repente, um frio demente Encheu todo aquele lugar, Pois o Senhor da Morte Tinha entrado para matar. Ele não vestia roxo, Nem corcel branco cavalgava. Três metros de corda e tiras de madeira Era o que uma forca precisava. Então com uma corda e uma acusação O Mensageiro anunciava. Seres humanos atolados no pântano Onde a luz não alcança. Nós soltamos do peito uma prece Para ver se a angústia amansa. Mas algo morria dentro de nós E o que morria era a esperança.

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For Man's grim Justice goes its way And will not swerve aside: It slays the weak, it slays the strong, It has a deadly stride: With iron heel it slays the strong The monstrous parricide!

We waited for the stroke of eight: Each tongue was thick with thirst: For the stroke of eight is the stroke of Fate That makes a man accursed, And Fate will use a running noose For the best man and the worst.

We had no other thing to do, Save to wait for the sign to come: So, like things of stone in a valley lone, Quiet we sat and dumb: But each man's heart beat thick and quick, Like a madman on a drum!

With sudden shock the prison-clock Smote on the shivering air, And from all the gaol rose up a wail Of impotent despair, Like the sound the frightened marshes hear From some leper in his lair.

And as one sees most fearful things In the crystal of a dream, We saw the greasy hempen rope Hooked to the blackened beam, And heard the prayer the hangman's snare Strangled into a scream.

And all the woe that moved him so That he gave that bitter cry, And the wild regrets, and the bloody sweats, None knew so well as I: For he who lives more lives than one More deaths that one must die.

Pois a justiça do homem é sinistra E não se intimida: Mata o fraco, mata o forte Mata aquele que tem vida. Com o calcanhar de ferro, mata o forte, Monstro parricida. Esperamos pelo bater das oito horas, Línguas de sede ressecadas, Pois o sino era o sino do Destino Que amaldiçoava almas abandonadas E usava o nó da forca, Criaturas boas ou ruins, enlaçadas. Nada mais a fazer a não ser Esperar pelo sinal assustador. Como pedras jogadas no vale Sentados, dormentes, no torpor. Mas cada batida era rápida e decidida: Cada coração era um tambor! Foi com tensão que o relógio da prisão Golpeou o ar gelado da cadeia. Um lamento desesperado Para além dos muros se desencadeia: O som dos gritos dos leprosos em seu covil Que pelos pântanos passeia. Como pessoas que veem em sonho O pesadelo mais pavoroso, Nós vimos a corda pendurada Naquele arcabouço, E cada prece foi enforcada: Um grito preso no pescoço. Todo o sofrimento que o comovia, Aquele seu choro de amargar, Os calafrios e os arrependimentos, Eu bem que sei explicar: Pois aquele que vive mais de uma vida Mais de uma morte sofrerá.

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IV

There is no chapel on the day On which they hang a man: The Chaplain's heart is far too sick, Or his face is far too wan, Or there is that written in his eyes Which none should look upon.

So they kept us close till nigh on noon, And then they rang the bell, And the warders with their jingling keys Opened each listening cell, And down the iron stair we tramped, Each from his separate Hell.

Out into God's sweet air we went, But not in wonted way, For this man's face was white with fear, And that man's face was gray, And I never saw sad men who looked So wistfully at the day.

I never saw sad men who looked With such a wistful eye Upon that little tent of blue We prisoners called the sky, And at every happy cloud that passed In such strange freedom by.

But there were those amongst us all Who walked with downcast head, And knew that, had each got his due, They should have died instead: He had but killed a thing that lived, Whilst they had killed the dead.

For he who sins a second time Wakes a dead soul to pain, And draws it from its spotted shroud And makes it bleed again, And makes it bleed great gouts of blood, And makes it bleed in vain!

IV Nenhuma igreja abre as portas No dia em que um homem é enforcado: Porque o Padre está muito pálido Ou porque está muito adoentado Ou por causa daquele mistério em seus olhos, Pois ninguém se atreve a ler aquele recado. Até tocarem o sino, com o sol à pino, Eles nos mantiveram trancados. Vieram os guardas com o molho de chaves Abrir os cadeados. Pela escada de ferro nos arrastamos Cada um vindo de seu inferno isolado. Atravessamos o ar suave que era de Deus Sem a pressa de outros momentos, Pois o rosto do homem era branco de medo O daquele era cinzento, Eu nunca tinha visto um homem assim triste E tão cheio de tormentos Eu nunca tinha visto um homem Com o olhar tão atormentado, Sob aquele teto azul Como o céu pelos prisioneiros é chamado E toda nuvem feliz que passava, Passava com estranha liberdade. Mas entre nós existiam aqueles Que andavam olhando para o chão, E que sabiam que se pagassem o que deviam Seriam eles que morreriam no lugar do irmão, Pois ele não matou os que viviam, Somente os já mortos de coração. Aquele que torna a pecar Faz uma alma morta acordar E na sua mortalha manchada sofrer, Fazendo-a sangrar Novamente rios de sangue verter Inutilmente de sangue se banhar.

  59  

*

Like ape or clown, in monstrous garb With crooked arrows starred, Silently we went round and round The slippery asphalte yard; Silently we went round and round, And no man spoke a word.

Silently we went round and round, And through each hollow mind The Memory of dreadful things Rushed like a dreadful wind, And Horror stalked before each man, And Terror crept behind.

*

The warders strutted up and down, And watched their herd of brutes, Their uniforms were spick and span, And they wore their Sunday suits, But we knew the work they had been at, By the quicklime on their boots.

For where a grave had opened wide, There was no grave at all: Only a stretch of mud and sand By the hideous prison-wall, And a little heap of burning lime, That the man should have his pall.

For he has a pall, this wretched man, Such as few men can claim: Deep down below a prison-yard, Naked, for greater shame, He lies, with fetters on each foot, Wrapt in a sheet of flame!

And all the while the burning lime Eats flesh and bone away, It eats the brittle bones by night, And the soft flesh by day, It eats the flesh and bone by turns, But it eats the heart alway.

* Vestidos como um bicho de circo ou um palhaço. Os bordados eram pobremente costurados. E silenciosamente nós andávamos Pelo jardim asfaltado. Silenciosamente nós andávamos E todos seguiram calados. Silenciosamente nós andávamos E em cada mente vazia A Memória de coisas terríveis Que um vento terrível trazia. E o Terror arrepiava cada homem Enquanto o Horror os perseguia. * Os guardas iam e vinham Observando aqueles animais encoleirados. Seus uniformes eram novos em folha Bem limpos e bem passados. Mas não escondiam de onde eles vinham Devido ao branco da cal nos seus sapatos. Pois onde havia uma cova aberta Não se percebe a menor falha, Só um pedaço de areia cercado de lama Ao longo dessas muralhas: Sobra apenas o cal e a lama Para o homem costurar sua mortalha. Muitos homens invejam esse desgraçado E sua mortalha medonha. No fundo do chão da prisão Despido de qualquer vergonha Ele descansa os pés acorrentados E envolvido num manto de fogo, ele sonha. E enquanto isso, a cal ardente O osso e a carne consome, Os pedaços de osso ela devora à noite De dia, a carne mata sua fome. Ela destrói, aos poucos, a carne e o osso Já o coração, de uma vez só, ela come.

  60  

*

For three long years they will not sow Or root or seedling there: For three long years the unblessed spot Will sterile be and bare, And look upon the wondering sky With unreproachful stare.

They think a murderer's heart would taint Each simple seed they sow. It is not true! God's kindly earth Is kindlier than men know, And the red rose would but glow more red, The white rose whiter blow.

Out of his mouth a red, red rose! Out of his heart a white! For who can say by what strange way, Christ brings His will to light, Since the barren staff the pilgrim bore Bloomed in the great Pope's sight?

But neither milk-white rose nor red May bloom in prison air; The shard, the pebble, and the flint, Are what they give us there: For flowers have been known to heal A common man's despair.

So never will wine-red rose or white, Petal by petal, fall On that stretch of mud and sand that lies By the hideous prison-wall, To tell the men who tramp the yard That God's Son died for all.

Yet though the hideous prison-wall Still hems him round and round, And a spirit may not walk by night That is with fetters bound, And a spirit may but weep that lies In such unholy ground,

* Durante três longos anos, não vai nascer Nada do que ali se plantar, Pois durante os três longos anos Naquele pedaço de terra nada fecundará E o homem que dali olhar o céu Abaixará a cabeça e se resignará. Mas eles pensam que toda semente Será manchada pelo coração do caçador Mas não é verdade, pois o homem não sabe Da generosidade daquilo que Deus criou: Onde a rosa vermelha fica mais vermelha E a branca ganha mais alvor. Da sua boca um rosa vermelha nasce Uma branca do seu peito floresce: Nenhuma criatura pode dizer Que os planos de Deus ela conhece Pois a mão do apóstolo Pedro No báculo do Papa ainda resplandece. Nem rosas brancas nem vermelhas Florescem nesta terra. Entulhos, pedras, sujeira São as sementes que aqui se enterra, Pois a cura para a aflição do homem, dizem, Dentro da rosa se encerra. Jamais sobre esse chão Cairão pétalas de rosas, pois, Nesse pedaço de cimento, areia e lama, Aos pés desses muros sem voz, Nenhum desses homens há de saber Do filho de Deus que morreu por nós Embora as muralhas horrendas Ainda o force a rodar e rodar. Embora os pés algemados Impeçam-no de pela noite andar: Deitado, neste chão amaldiçoado Tampouco lhe é permitido chorar.

  61  

He is at peace- this wretched man- At peace, or will be soon: There is no thing to make him mad, Nor does Terror walk at noon, For the lampless Earth in which he lies Has neither Sun nor Moon.

They hanged him as a beast is hanged: They did not even toll A requiem that might have brought Rest to his startled soul, But hurriedly they took him out, And hid him in a hole.

The warders stripped him of his clothes, And gave him to the flies: They mocked the swollen purple throat, And the stark and staring eyes: And with laughter loud they heaped the shroud In which the convict lies.

The Chaplain would not kneel to pray By his dishonoured grave: Nor mark it with that blessed Cross That Christ for sinners gave, Because the man was one of those Whom Christ came down to save.

Yet all is well; he has but passed To Life's appointed bourne: And alien tears will fill for him Pity's long-broken urn, For his mourners be outcast men, And outcasts always mourn.

V

I know not whether Laws be right, Or whether Laws be wrong; All that we know who lie in gaol Is that the wall is strong; And that each day is like a year, A year whose days are long.

Ele está em paz, este miserável, Ou logo estará. Não existe nada que o aborreça, Nem o Terror vaga depois do dia raiar: Pois nesta terra sem luz que ele descansa Não existe sol nem luar. Eles o enforcaram como a um bicho: Nem uma prece foi entoada Nem uma elegia que trouxesse Um pouco de descanso àquela alma atribulada Rapidamente o esconderam Dentro de um buraco na terra saturada. Despiram-no das suas roupas pobres E o entregaram às moscas, aos vermes e insetos Zombaram do pescoço roxo e inchado Seus olhos vidrados, de certa forma completos E rindo alto jogaram a mortalha Com a qual o cadáver foi encoberto. O Padre não atreveu a se ajoelhar Aos pés do túmulo desonrado Nem fazer o sinal da cruz Que Cristo fez para nos livrar dos pecados, Pois aquele homem era a razão Pela qual Cristo havia ressucitado. Ainda assim tudo estava bem, No rio da Vida estava a navegar. Lágrimas alheias tentavam, Em vão, acalmar o seu penar. Pois são homens proscritos que lamentavam por ele E estes sempre vão lamentar. V Eu não sei se a Justiça está certa Ou se ela está errada; Se a muralha foi feita para ser temida Ou para ser escalada. O tempo se conta na parede E a vida em cada madrugada.

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But this I know, that every Law That men have made for Man, Since first Man took His brother's life, And the sad world began, But straws the wheat and saves the chaff With a most evil fan.

This too I know- and wise it were If each could know the same- That every prison that men build Is built with bricks of shame, And bound with bars lest Christ should see How men their brothers maim.

With bars they blur the gracious moon, And blind the goodly sun: And the do well to hide their Hell, For in it things are done That Son of things nor son of Man Ever should look upon!

*

The vilest deeds like poison weeds Bloom well in prison-air: It is only what is good in Man That wastes and withers there: Pale Anguish keeps the heavy gate, And the warder is Despair.

For they starve the little frightened child Till it weeps both night and day: And they scourge the weak, and flog the fool, And gibe the old and gray, And some grow mad, and all grow bad, And none a word may say.

Each narrow cell in which we dwell Is a foul and dark latrine, And the fetid breath of living Death Chokes up each grated screen, And all, but Lust, is turned to dust In Humanity's machine.

Mas disso eu sei, que toda lei Que o homem criou Entristece o mundo Desde que o primeiro homem seu irmão matou Espreme o sumo e guarda o bagaço Desce cedo o mal vingou. Também sei, e sábios seriam os outros Se disso tomassem conhecimento, Que toda prisão que o homem construiu Foi erguida com tijolos de constrangimento. E cercada de grades para que Cristo não veja Todo esse sofrimento. Com grades eles cegam o bondoso sol E encobrem a lua elegante. E fazem certo quando escondem o inferno E seus acontecimentos fascinantes Para que nem o filho de Deus ou do próprio homem Lancem um olhar contemplante. * Façanhas vis são como ervas daninhas, Florescem melhor nesse ambiente, Apenas o que é bom no Homem Lá se torna decadente: A Angústia pálida guarda os portões Assustadoramente. Pois eles matam de fome a criança Até fazê-la chorar noite e dia. Açoitam o tolo, maltratam o fraco E ao homem velho resta a zombaria. Alguns enlouquecem enquanto o mal se estabelece E toda palavra silencia. Cada cela apertada em que vivemos É uma fossa fedida e imunda Que solta um cheiro de morte Que toda cela inunda Na máquina da Humanidade Tudo passa mas a luxúria se aprofunda.

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The brackish water that we drink Creeps with a loathsome slime, And the bitter bread they weigh in scales Is full of chalk and lime, And Sleep will not lie down, but walks Wild-eyed, and cries to Time.

*

But though lean Hunger and green Thirst Like asp with adder fight, We have little care of prison fare, For what chills and kills outright Is that every stone one lifts by day Becomes one's heart by night.

With midnight always in one's heart, And twilight in one's cell, We turn the crank, or tear the rope, Each in his separate Hell, And the silence is more awful far Than the sound of a brazen bell.

And never a human voice comes near To speak a gentle word: And the eye that watches through the door Is pitiless and hard: And by all forgot, we rot and rot, With soul and body marred.

And thus we rust Life's iron chain Degraded and alone: And some men curse, and some men weep, And some men make no moan: But God's eternal Laws are kind And break the heart of stone.

And every human heart that breaks, In prison-cell or yard, Is as that broken box that gave Its treasure to the Lord, And filled the unclean leper's house With the scent of costliest nard.

A água salobre que bebemos Escorre feito lama. Do pão amargo, sujo de terra e cal, Eles pesam cada grama. E o Sono, de olhos abertos, Não se deita na cama. * A fome e a sede Lutam feito cobras e lagartos. O que mata de verdade Não é aquilo que servem no prato, É ver que a pedra que se quebra de dia É o nosso coração despedaçado. É de noite no coração do homem, Enquanto na cela amanhece. Gira a manivela ou desfaz a corda: Infernos particulares que o outro desconhece. E o silêncio é mais terrível Que este sino que nos estremece. Nenhuma palavra gentil, Nenhuma voz humana se aproxima, E os olhos, sem misericórdia, Vigiam, sem perdão e sem estima. O esquecimento de todos O corpo e a alma dizima. E mesmo que enferrujemos as correntes da Vida, Sozinhos e degradados, Mesmo que alguns chorem, outros xinguem E outros que permaneçam calados: As Leis de Deus, eternas e boas, Transformam corações petrificados. E todo coração transformado, No jardim, na cela, onde for É um tesouro guardado a sete chaves Um presente a Deus e ao Seu amor Que enche o vale de harmonia Com o seu mais puro odor.

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Ah! happy they whose hearts can break And peace of pardon win! How else may man make straight his plan And cleanse his soul from Sin? How else but through a broken heart May Lord Christ enter in?

*

And he of the swollen purple throat, And the stark and staring eyes, Waits for the holy hands that took The Thief to Paradise; And a broken and a contrite heart The Lord will not despise.

The man in red who reads the Law Gave him three weeks of life, Three little weeks in which to heal His soul of his soul's strife, And cleanse from every blot of blood The hand that held the knife.

And with tears of blood he cleansed the hand, The hand that held the steel: For only blood can wipe out blood, And only tears can heal: And the crimson stain that was of Cain Became Christ's snow-white seal.

Felizes são aqueles que se transformam E a ganham a paz do perdão! De que outro jeito o homem Alcança tal transformação? Aquele que nunca sofreu Nunca encontrará a salvação. * E aquele com a garganta roxa e inchada Com os olhos parados Espera pelo anjo Que levou o Ladrão para o alto Pois um coração sofrido e penitente Nunca será desperdiçado. O homem de vermelho que recita a Lei Deu a ele três semanas de vida, Três curtas semanas Para curar a alma ferida E limpar toda mancha de sangue Da mão homicida. Com lágrimas de sangue ele lavou a mão, A mão que segurou o punhal Pois somente sangue limpa o sangue E somente as lágrimas desfazem o mal: E a mancha carmim que foi de Caim Cristo transformou em seu divino sinal.

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VI

In Reading gaol by Reading town There is a pit of shame, And in it lies a wretched man Eaten by teeth of flame, In a burning winding-sheet he lies, And his grave has got no name.

And there, till Christ call forth the dead, In silence let him lie: No need to waste the foolish tear, Or heave the windy sigh: The man had killed the thing he loved, And so he had to die.

And all men kill the thing they love, By all let this be heard, Some do it with a bitter look, Some with a flattering word, The coward does it with a kiss, The brave man with a sword!

C. 3. 3.

VI Em Reading, na cidade ou na cadeia A vergonha faz uma cova no chão, E nela deita-se um homem infeliz, Devorado pelos dentes da tentação. Num véu ardente ele descansa: Ninguém acompanha o seu caixão. E lá, até Cristo chamar os mortos, Em silêncio ele vai permanecer: Não precisará desperdiçar qualquer lágrima Nem um suspiro sequer: Ele matou aquilo que amava E então ele devia morrer. Todo homem que mata aquilo que ama Que todos eles ouçam com atenção: Alguns matam amargamente Outros com falsa compaixão. O covarde mata com um beijo O bravo com uma espada na mão! C.3.3.