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A transposição da Literatura para o Cinema: reflexões preliminares. 1 Érica Eloize Peroni Ferreira 2 Centro de Ensino Superior Promove Resumo: Trata-se da investigação da intersemiose existente entre texto literário e cinematográfico. A multiplicidade de obras literárias presentes no cinema, desde a sua constituição até os dias atuais, nos faz questionar sobre a similaridade existente entre ambas as linguagens, ressaltando as etapas pertinentes ao processo de transposição, tais como a intertextualidade, adaptação e tradução intersemiótica. Palavras-chave: cinema; literatura; semiótica; transtexualidade. Introdução Considerando a importância dada ao estudo das similaridades do texto literário e cinematográfico, este artigo configura-se como recorte de uma pesquisa, ainda em desenvolvimento, que tem como objetivo investigar os processos de transposição existentes entre literatura e cinema considerando suas inter-relações. A emitente presença da literatura no cinema nos dias atuais nos desperta para a verificação das potencialidades que fazem com que essas linguagens tão distintas se aproximem. A forte presença narrativa, os elementos textuais, ficcionais, entre outros aspectos presentes marcam a notoriedade da literatura na construção da linguagem cinematográfica. A pesquisa requer a contemplação dos estudos pertinentes à transtextualidade, à tradução intersemiótica e à adaptação, visando obter a possível compreensão das etapas da transposição entre diferentes linguagens. 1 Trabalho apresentado ao Intercom Júnior – Jornada de Iniciação Científica em Comunicação – na seção correspondente à Comunicação audiovisual. 2 aluna do sétimo período de graduação em Comunicação Social com habilitação em Produção Editorial, orientada pelas professoras mestres em Comunicação Social pela UFMG, Renata Alencar e Joana Meniconi. Desenvolveu atividades acadêmicas reconhecidos pela instituição como exposição fotográfica na Semana de Comunicação 2004 e 2005 e co-direção do curta- metragem “Chuva”, exibido publicamente pela Associação Curta Minas, Cine Esquema Novo em Porto Alegre e Festival de Audiovisual na UFPE.

A Transposição Da Literatura Para o Cinema

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um breve estudo acerca da tradução intersemiótica.

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  • A transposio da Literatura para o Cinema: reflexes preliminares.1

    rica Eloize Peroni Ferreira2 Centro de Ensino Superior Promove

    Resumo: Trata-se da investigao da intersemiose existente entre texto literrio e cinematogrfico. A multiplicidade de obras literrias presentes no cinema, desde a sua constituio at os dias atuais, nos faz questionar sobre a similaridade existente entre ambas as linguagens, ressaltando as etapas pertinentes ao processo de transposio, tais como a intertextualidade, adaptao e traduo intersemitica. Palavras-chave: cinema; literatura; semitica; transtexualidade. Introduo Considerando a importncia dada ao estudo das similaridades do texto literrio e

    cinematogrfico, este artigo configura-se como recorte de uma pesquisa, ainda em

    desenvolvimento, que tem como objetivo investigar os processos de transposio existentes entre

    literatura e cinema considerando suas inter-relaes. A emitente presena da literatura no cinema

    nos dias atuais nos desperta para a verificao das potencialidades que fazem com que essas

    linguagens to distintas se aproximem.

    A forte presena narrativa, os elementos textuais, ficcionais, entre outros aspectos presentes

    marcam a notoriedade da literatura na construo da linguagem cinematogrfica. A pesquisa

    requer a contemplao dos estudos pertinentes transtextualidade, traduo intersemitica e

    adaptao, visando obter a possvel compreenso das etapas da transposio entre diferentes

    linguagens.

    1 Trabalho apresentado ao Intercom Jnior Jornada de Iniciao Cientfica em Comunicao na seo correspondente Comunicao audiovisual. 2 aluna do stimo perodo de graduao em Comunicao Social com habilitao em Produo Editorial, orientada pelas professoras mestres em Comunicao Social pela UFMG, Renata Alencar e Joana Meniconi. Desenvolveu atividades acadmicas reconhecidos pela instituio como exposio fotogrfica na Semana de Comunicao 2004 e 2005 e co-direo do curta-metragem Chuva, exibido publicamente pela Associao Curta Minas, Cine Esquema Novo em Porto Alegre e Festival de Audiovisual na UFPE.

  • A origem dos processos narrativos Atualmente, encontramos vrios exemplos de obras literrias que serviram de inspirao para

    diretores cinematogrficos. Os best-sellers tm sido alvo para roteiros de filmes, por exemplo, o

    famoso O cdigo da Vinci, recentemente lanado em diversas salas de cinema brasileiras.

    Grandes obras literrias, tradicionalmente conhecidas como Romeu e Julieta de Shakespeare,

    marcam temporalmente a existncia da literatura presente no cinema. A filmografia brasileira

    tambm est repleta de filmes que tm seu contexto vinculado literatura nacional. Guimares

    Rosa, Machado de Assis, Jorge Amado, entre outros, so exemplo de escritores que tiveram suas

    obras recriadas no cinema. Isto, na verdade, no uma virtude da atualidade, pois encontramos

    este paralelo presente desde a constituio do cinema, quando o ilusionista francs George Mlis

    foi pioneiro em utilizar as tcnicas de transposio.

    Mas o que faz linguagens to distintas encontrarem pontos de convergncia? Esta virtude pode

    ser atribuda possibilidade do cinema contar suas histrias atravs da projeo de fotogramas

    que proporciona a iluso tica do movimento. Porm, tudo se inicia na narratividade. Muito

    antes de os livros existirem como objetos fsicos, os contadores de histrias transmitiam dados

    essenciais s sucessivas geraes em forma de narrativa (EPSTEIN, 2002:11). Com base neste

    dado, possvel afirmar que o processo narrativo j existia desde os primrdios da vida humana,

    mesmo antes do surgimento da escrita. O homem em sua necessidade de exteriorizar e aludir

    histrias de seu universo, fictcio ou no, fazia desta prtica ancestral em forma de oralidade que

    mais tarde contribuiu na construo do universo literrio presente na histria da humanidade.

    Os caminhos para Transposio sabido que o cinema alicerou a sua linguagem a partir da constituio literria, tendo como

    base construo narrativa na qual permeia a estrutura lingstica cinematogrfica. A

    intertextualidade, definida por Genette (apud AMARAL, 2005:2)3 tudo que o coloca em

    relao, manifesta ou secreta, com outros textos. Cada texto uma voz, uma expresso. Cada

    linguagem designa suas especificidades e remete uma rede semntica ao seu interlocutor. esta a

    forma de dialogar na intertextualidade. Na relao transtextual entre cinema e literatura,

    3 GENETTE, Grard. Palimpsestes. Paris: Seuil, 1982, p.35.

  • encontramos a intertextualidade presente por intermdio da hipertextualidade. Segundo Cecy

    Campos (2000), a hipertextualidade toda relao que une um texto a outro, realizada por meio

    de aluses textuais ou paratextuais. O texto A (hipotexto) o texto base que serve como ponto de

    partida e d origem a um texto B (hipertexto). Assim, a obra literria passa a ser o hipotexto,

    dando origem ao hipertexto, que o roteiro. A narrativa cinematogrfica um texto composto

    por sons, imagens e discursos verbais necessrios para a compreenso do espectador, presente nas

    entrelinhas da projeo visual. Qua ndo um roteiro adaptado de um livro ou conto literrio, ele

    passa a ser um outro texto, visto que as tcnicas de linguagem, embora consistam em algumas

    similaridades, so representadas por elementos que as distinguem.

    Alm das abordagens da intertextua lidade evidenciadas acima, o segundo passo o qual julgamos

    indispensvel para compreender o processo de transposio a anlise sobre a perspectiva da

    traduo intersemitica. De acordo com Jlio Plaza (2003), a traduo intersemiotica a traduo

    que consiste em interpretao de signos entre sistemas semiticos, ou ainda, de um sistema de

    signos para outro, e est pautada na utilizao de suportes, os quais apresentam estruturas

    tcnicas e expressivas necessrias para que as linguagens se materializem em signos que, por sua

    vez, servem tambm como interfaces, ou seja, mediaes. A interpretao de signos lingsticos

    por outros no lingsticos significa uma transmutao de signos lingsticos para no

    lingsticos paralelisando uma posio verbal x no-verbal. A traduo nos diversos meios se d

    a partir de uma estratificao ou demarcao de fronteiras ntidas entre diversos e diferentes

    sistemas de signos, dividindo-os em cdigos separados, tais como: verbal, pictrio, fotogrfico,

    flmico, televisivo, grfico, musical, etc. (PLAZA, 2003:67).

    No o rtulo do meio ou do cdigo que ir nos fornecer habilidade tcnica para detectar as

    operaes sgnicas que esto inseridas nas mensagens e se processam no seu interior. Para se

    inteligir essas informaes no trnsito semitico, deve -se obter a capacidade de leitura

    diretamente na raiz. A diversidade das linguagens e suportes nos quais os movimentos de

    passagem de caracteres icnicos, indiciais e simblicos4 se efetivam, no se sobrepe somente

    nos intercdigos mas tambm nos intracdigos, entendendo os processos de leis e articulaes de

    linguagem que se efetuam no seu interior. 4 Na perspectiva semitica de Peirce, cones, ndices e smbolos so tipos de signos que se remetem ao objeto da representao de um modo especfico. cone um signo que sugere o objeto por similaridade, ndice indica um outro existente para fora dele mesmo e smbolo a representao em forma de lei, fundamentados pelos legi-signos.

  • A traduo intersemitica da literatura para o cinema implica na produo de signos

    interpretantes gerados numa mente tradutora ou intrprete, durante o processo de traduo. Esses

    signos interpretantes esto relacionados a uma diversidade de referncias que o tradutor adquire

    ao longo de suas experincias pessoais e intelectuais. Trata-se da experincia real com o

    original a ser traduzido, o efeito que aquele produz na relao de leitura. Este interpretante

    realmente o significado singular do signo original, a maneira pela qual cada mente o recebe e a

    ele reage (PLAZA, 2003:35). O novo texto contm elementos sgnicos inserido s em seu interior

    que referenciam a obra original, mas a traduo intersemitica consiste no surgimento de uma

    outra obra, ou seja, numa transcriao.

    Para compreender a definio de transposio de maneira singular necessrio ressaltar as

    diferenas culturais e lingsticas que interferem no processo de traduo. Adaptar requer a forma

    inteligvel e coerente de relacionar o contexto verbal s formas mais adequadas para a nova

    linguagem que ser transposta. necessrio tambm avaliar o tempo, espao, meio e pblico

    receptor do contexto traduzido. A cultura como um todo nunca deixa de transparecer nos textos

    traduzidos, mesmo na traduo interlingual, conclui-se que toda traduo cultural. (DINIZ,

    1996:50). Adaptar, portanto, um elemento complementar e fundamental que trabalha de forma

    conjunta e atuante no processo de transposio.

    A transcriao do texto literrio para o cinematogrfico resulta em transformaes devido s

    diferenas de linguagens utilizadas, alm do prprio gesto de leitura do tradutor/adaptador,

    mesmo quando se trata de uma traduo com o objetivo de ser literal. A transposio inclui

    uma srie de transformaes de linguagens que se constituem por sua neutralidade e abrangncia

    e que estabelecem rupturas na forma estrutural do texto, modificando sua forma. Por isso, a

    transposio passa a ser o termo mais adequado para explicar o processo no qual uma obra

    literria submetida linguagem cinematogrfica.

  • Consideraes Finais A necessidade humana em desejar a constante presena da narrativa nos meios miditicos pode

    explicar a grande incidncia da literatura presente na arte cinematogrfica. Mas atribuir toda

    responsabilidade do eixo existente entre literatura e cinema ao processo narrativo seria uma viso

    muito simplista, resultando em desconsiderao de todas as etapas pertinentes ao processo de

    transposio. A extrema necessidade relacionada narrativa talvez seja explicada pelo desejo

    insacivel do homem com o imaginrio e o seu universo onrico. Estaria o homem moderno

    contguo s novas tendncias contemporneas, necessitando reafirmar suas relaes literrias

    atravs do cinema? Ou estaria ele exaurido de novas experincias, propiciando um processo de

    retroalimentao ostentado em outra obra de arte? No decorrer da pesquisa poder emergir outras

    reflexes motivadas por esse questionamento. Mas o que se pode afirmar, sem receios, que o

    cinema continua, nos dias atuais, a se utilizar da literatura como forma de reafirmar a constante

    relao existente entre as duas linguagens.

  • Referncias Bibliogrficas AMARAL, Adriana. Cidado Slade: a vida de um homem seu intertexto (2003). Disponvel em: . Consultado em: 16 nov. 2005 7 p. CAMPOS, Cecy Barbosa. Hitchcock x Brian de Palma: A intertextualidade flmica (2000). Disponvel em: , consultado em 20 mai. 2006. 13 p. DINIZ, Thais F.N. Os Enleios de Lear: da semitica a traduo cultural (1996). Disponvel em: < http://www.thais-flores.pro.br>. Consultado em 16 fev. 2006 EPSTEIN, Jason. O Negcio do Livro: passado, presente e futuro do mercado editorial. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2002. 170 p. PLAZA, Jlio. Traduo Intersemitica. So Paulo: Editora Perspectiva, 2003. 210 p.