115
A Tributação das Parcerias Público-Privadas Dissertação de Mestrado em Direito e Economia Rui Miguel do Coito Alves Pereira Agosto de 2017

A Tributação das Parcerias Público-Privadas · transparência na informação e negociações, a falta ou défice de controlo, a desorçamentação, o risco associado à procura,

  • Upload
    others

  • View
    6

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Dissertação de Mestrado em Direito e Economia

Rui Miguel do Coito Alves Pereira

Agosto de 2017

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Dissertação de Mestrado em Direito e Economia

Rui Miguel do Coito Alves Pereira

Orientadora: Professora Doutora Paula Rosado Pereira

Agosto de 2017

À minha mulher e filhas pelo apoio e

compreensão em todos os momentos,

sobretudo nas longas horas de ausência para

elaboração deste trabalho.

“Age de tal modo, que todos os envolvidos participem de

igual forma, tanto nos benefícios como nos encargos”

John Rawls

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira

Agradecimentos

Aos colegas de trabalho, curso e sobretudo amigos pela disponibilidade, entreajuda

e motivação.

Aos inestimáveis amigos João Pires e Olívia, sempre presentes quando preciso,

como foi o caso da disponibilização do espaço onde tranquilamente pôde ser

concretizado este trabalho.

Em especial, à Senhora Professora Doutora Paula Rosado Pereira, o meu sincero

agradecimento pela sábia orientação e estimada cooperação.

Por fim, resta também agradecer ao Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros da

Autoridade Tributária e Aduaneira pela solícita colaboração.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira

Resumo

Através da presente dissertação pretende-se proceder a uma reflexão sobre a

necessidade de tributação extraordinária das Parcerias Público-Privadas,

começando por se percorrer o percurso histórico desde o seu surgimento, com

particular enfase no seu evoluir a partir dos finais da década de oitenta do século

passado, altura em que, massivamente, se apresentaram como meio de resposta

dos Estados Europeus face às necessidades de manutenção de serviços públicos,

cujo desaparecimento politicamente seria difícil de sustentar, ao passo que

permitiam a não ampliação endividamento público, tudo no cumprimento do rigor

monetário e orçamental imposto pelas instituições europeias, enquanto critérios de

consagração de um crescimento sustentado e de uma solidez das finanças públicas

assente no pensamento dominante neoliberal.

No caso concreto de Portugal, o recurso às Parcerias Público-Privadas assentou em

larga medida na assinatura de contratos cujo interesse público e fundamentalmente

económico não foi devidamente assegurado, em virtude da impreparação do Estado

na assinatura dos contratos, manifestada através quer da carência de meios

técnicos quer da inexistência de mecanismos legislativos específicos criados para

regulação deste tipo de contratos.

Tal realidade contínua a traduzir-se em avultados encargos para o Estado

verificados ao longo dos contratos, decorrentes das garantias desproporcionadas de

rentabilidade asseguradas perante os parceiros privados e dos pedidos de

reequilíbrio financeiro pelos mesmos recorrentemente solicitados, os quais se

encontram previstos contratualmente e na maioria das vezes são difíceis de

quantificar.

É pois neste contexto atual de constrangimento orçamental, que se pretende

destacar a necessidade da repartição dos sacrifícios por via de uma tributação

extraordinária a lançar sobre as concessionárias parte nesses contratos.

Procedendo a uma análise os desafios legais postos a essa tributação, seguindo de

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira

permeio o princípio da igualdade tributária e a capacidade contributiva como seu

princípio consorte. Para tanto, apresentar-se-ão algumas das possíveis formas de

tributação extraordinária possíveis, neste caso valendo-nos da experiência aplicada

noutros setores.

Palavras-Chave: Parcerias Público-Privadas – Tributação - Capacidade Contributiva – Sobretaxa –

Contribuição Extraordinária

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira

Abstrat

The present dissertation intends to reflect on the need for creating extraordinary

taxation for Public-Private Partnerships and, analyzing its trajectory from its historical

starting point to nowadays, with particular emphasis on its development during the

late eighties, period in which they were massively released as a State European

response to preserve public services. Abolishment of public service would politically,

be very difficult to sustain, despite the fact it would allow for the non-increment of

public debt, so all of these partnerships were based on a neoliberal way of thinking

that sustained a solid growth and sound public finance methodology, and were

generated in compliance with all the monetary accuracy and budgetary constraints

imposed by European institutions.

In the specific case of Portugal, the adoption of Public-Private Partnerships was

largely established by the signature of contracts that were not adequately

safeguarded by public or economic interests; gaps in legislative mechanisms to

regulate such contracts and lack in resources were evident.

This reality, observed during contractual periods, still translates into a large

economical State burden. The defective contractual agreements given to private

partners, generated disproportionate profitability guarantees and, recurrent requests

for financial rebalancing that were normally foreseen in the contractual agreement

and usually rather difficult to quantify.

Therefore in this current context of budgetary constraints, the intention is to

emphasize the need to distribute the sacrifices amongst concessionaries, which are

parties in the agreements, by means of extraordinary taxation.

The dissertation will analyze the legal challenges of this taxation, following the

principle of tax equality and ability to pay as its consort principle. To do so, we will

present some of the possible forms of extraordinary taxation, applying experiences

implemented in other sectors.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira

Key Words: Public-Private Partnerships - Taxation - Ability to Pay - Surcharge - Extraordinary

Contribution

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Pereira

Índice Abreviaturas .............................................................................................................. 1

I. Introdução ........................................................................................................... 4

II. As Parcerias Público-Privadas e a sua evolução histórica ............................. 8

1. História das Parcerias Público-Privadas ............................................................ 8

1.1.O surgimento massivo das PPP ............................................................... 17

1.2.Evolução histórica das PPP em Portugal .................................................. 21

2. Enquadramento legal das Parcerias Público-Privadas em Portugal................ 23

2.1.Conceito e características ......................................................................... 23

2.2.Na legislação da União Europeia .............................................................. 27

2.3.O regime jurídico interno em Portugal ...................................................... 29

3. Acompanhamento, fiscalização e controlo interno e externo .......................... 37

3.1.Unidade Técnica de Acompanhamento dos Projetos ............................... 37

3.2.Tribunal de Contas.................................................................................... 38

3.3.Unidade Técnica de Apoio Orçamental .................................................... 40

4. Riscos financeiros presentes e futuros ............................................................ 41

5. Projeções de encargos .................................................................................... 46

6. A Reposição do equilíbrio financeiro ............................................................... 47

7. Parcerias Público-Privadas ativas em Portugal ............................................... 50

7.1.No setor rodoviário.................................................................................... 52

7.2.No setor ferroviário ................................................................................... 56

7.3.No setor de saúde..................................................................................... 57

7.4.No setor da segurança .............................................................................. 59

III. A Tributação das Parcerias Público-Privadas ................................................ 61

1. O enquadramento tributário atual .................................................................... 61

1.1.Na abordagem contabilística .................................................................... 61

2. A repartição dos sacrifícios por via dos impostos ............................................ 62

2.1.Negócios privados, riscos públicos? ......................................................... 63

3. Desafios legais à tributação............................................................................. 66

3.1.Os princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva ................ 67

4. Possíveis formas de tributação extraordinária ................................................. 73

4.1.Sobretaxa de IRC incidente sobre os lucros das concessionárias ........... 74

4.2.Sobretaxa de IRC incidente sobre as receitas .......................................... 76

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira

4.3.Contribuição extraordinária ....................................................................... 77

IV. Conclusões ........................................................................................................ 84

Bibliografia ............................................................................................................. 101

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 1

Abreviaturas

BCE Banco Central Europeu

CCP Código dos Contratos Públicos

CECA Comunidade Económica do Carvão e do Aço

CEE Comunidade Económica Europeia

CESE Contribuição Extraordinária Sobre o Setor Energético

CIRC Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

CIRS Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

CRP Constituição da República Portuguesa

DGTF Direção Geral do Tesouro e Finanças

ECOFIN Conselho para as Questões Económicas e Financeiras

ESAME Estrutura de Acompanhamento dos Memorandos

EP Estradas de Portugal

FMI Fundo Monetário Internacional

IP Infraestruturas de Portugal, S.A.

IFRIC International Financial Reporting Interpretations Committee

IRC Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

IRS Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

MAI Ministério da Administração Interna

MEFP Memorando de Políticas Económicas e Financeiras

MOPTC Ministério das Obras Públicas Transportes e Comunicações

MoU Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de

Política Económica (Memorandum of Understanding)

MST Metro Transportes do Sul

OE Orçamento de Estado

PEC Plano de Estabilidade e Crescimento

PFI Private Finance Initiative

PIB Produto Interno Bruto

PPP Parceria Público-Privada

REF Reposição de Equilíbrio Financeiro

SIEV Sistema de Identificação Eletrónica de Veículos, S.A.

TC Tribunal de Contas

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 2

TFUE Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

TRIR Taxa de Regulação de Infraestruturas Rodoviárias

UDC Urban Development Corporation

UTAO Unidade Técnica de Acompanhamento ao Orçamento

UTAP Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos

VfM Value for Money

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 3

Capítulo I

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 4

I. Introdução

Parece obrigatório começar qualquer trabalho de investigação ressaltando a

importância ou transcendência do tema eleito. Pensamos que o facto de o presente

estudo, ao ter por objeto as Parcerias Público-Privadas (PPP), em particular a

tributação, nos libera em parte desta necessidade.

Desde logo, a avaliar pelas responsabilidades financeiras de grande

dimensão que serão apresentadas no futuro, manifestas pela sua proporção

relativamente ao Produto Interno Bruto, a que subjazem motivos políticos e

orçamentais, mais do que económicos, tão cedo o tema não sairá das nossas

ocupações e preocupações. Até pelo horizonte de longo prazo adotado na sua

variedade de figurinos e estruturas contratuais, que não fará descansar os

contribuintes.

A opção pelas PPP, in limine, terá radicado num prévio depauperamento das

finanças públicas, que não permitiria nunca a concretização de tais projetos,

integralmente pelo Estado. A que se somaram as limitações orçamentais, às quais

credores e instituições internacionais (desde logo, a União Europeia) sempre

dedicariam alguma atenção. Donde que o financiamento arregimentado pelos

parceiros privados, também eles se endividando externamente, surgiu como uma

solução benquista. E, para tais parceiros, constitui forte incentivo a garantia de

vultuosos rendimentos com risco inexpressivo porque assegurados pelo Estado.

De um lado, comungado por Estado e privados, foram sendo alcandorados os

putativos benefícios de uma maximização das competências do setor privado, mais

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 5

o incentivo ao aumento da eficiência com a inerente redução dos custos da

prestação de serviços e aparência de uma alocação partilhada do risco.

Todavia, com o passar do tempo temos assistido ao desnudar de encargos e

responsabilidades que não deixarão de recair sobre os cidadãos em geral: a falta de

transparência na informação e negociações, a falta ou défice de controlo, a

desorçamentação, o risco associado à procura, etc. O que abriu caminho ao

equacionar de vias para o reequilíbrio das relações contratuais, mormente pela via

da tributação sobre os parceiros privados.

Eis o mote para uma incursão liminar pelo enquadramento histórico das PPP,

que melhor nos habilitará a conhecer e compreender o seu surgimento massivo até

aos nossos dias. Sem esquecer, em particular, toda a evolução registada em

Portugal, sobre a qual nos debruçaremos com o vagar que se impõe.

Feita a sinopse histórica, será decantado o arcabouço legal das PPP,

começando por apreender e recortar o seu conceito e características. Com

destaque, outrossim, para o Direito da União Europeia e a legislação doméstica em

Portugal. Não nos furtaremos, ainda que modestamente, a oferecer alguns subsídios

na sua análise crítica.

Pela sua importância, trataremos da matéria do acompanhamento,

fiscalização e controlo interno e externo das PPP, apresentando as várias entidades

(Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos, Unidade Técnica de Apoio

Orçamental e Tribunal de Contas), que estão cometidas de tais funções e

obrigações e dissecando as competências de que estão investidas.

Posteriormente, deambularemos acerca dos riscos financeiros presentes e

futuros, conhecendo das projeções de encargos e aflorando o tema da reposição do

equilíbrio financeiro.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 6

Eis então chegada a altura de refletirmos sobre as PPP em Portugal, detendo-

nos com especial vagar nos setores mais relevantes (rodoviário e ferroviário), mas

também nos setores da saúde e da segurança.

Para, in fine, afrontarmos a magna questão da tributação, tendo por

antecâmara a repartição dos sacrifícios por via dos impostos e os desafios legais

postos a esta tributação, seguindo de permeio o princípio da igualdade tributária e a

capacidade contributiva como seu princípio consorte. Apresentando então algumas

das possíveis formas de tributação extraordinária, com destaque para a sobretaxa

de IRC, incidente sobre os lucros ou as receitas das concessionárias, e a

contribuição extraordinária sobre o setor, neste caso valendo-nos da experiência em

outros setores.

Aqui chegados, nas seguintes linhas oferecemos o nosso modesto contributo

para uma discussão que se pretenderá sempre aberta, a benefício da igualdade

tributária, tão cara aos contribuintes.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 7

Capítulo II

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Pereira Página 8

II. As Parcerias Público-Privadas e a sua evolução histórica

1. História das Parcerias Público-Privadas

O capitalismo liberal surgido da revolução industrial aportou grandes

transformações a vários níveis, com particular ênfase no campo económico e na

forma de intervenção do Estado sobre a sociedade em geral.

O Estado viu-se então confrontado com uma nova realidade fruto do

desenvolvimento tecnológico e da concentração de massas de população em zonas

mais industrializadas, que exigiram da sua parte a criação de infraestruturas

necessárias a fazer face a este novo paradigma socioeconómico, cuja velocidade de

desenvolvimento assumiu uma particular relevância em matéria de transportes e vias

de comunicação e para o qual, compreensivelmente, não estaria ainda preparado.

Assim, a par deste vertiginoso desenvolvimento industrial, desenvolveu-se o

capitalismo liberal assente, essencialmente, no pensamento de Adam Smith e outros

pensadores clássicos, defensores da primazia do mercado e fazedores da apologia

do “Estado mínimo”, o qual, segundo assinala Manuel Afonso Vaz1, era por natureza

inadequado às funções económicas.

É pois neste contexto que face às ideologias liberais e às restrições

orçamentais e de disciplina financeira, o Estado sentiu necessidade de recorrer à

1 Sobre este assunto, entre outros, vide Manuel Afonso Vaz, Direito Económico - A Ordem Económica Portuguesa, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, p. 42 (Vaz, Manuel Afonso, 1998).

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 9

colaboração dos privados, tendo em vista satisfazer as constantes necessidades

gerais a seu cargo, as quais aumentavam gradualmente de dia para dia. No entanto,

sendo as empresas chamadas a financiar e executar obras públicas indispensáveis,

fizeram-no numa posição de colaboração com o Estado e, ademais, ficando sujeitas

enquanto tais à definição unilateral das exigências do interesse público por atos de

autoridade da entidade concedente.

Concomitantemente, embebido nesse pensamento liberal, o Estado deixou

em grande medida funcionar autonomamente a economia, regulada, maxime, pelas

leis do mercado.

Muito embora essa liberalidade e tal como nos dias de hoje, a intervenção do

Estado mostrou-se, ainda assim, como irremediavelmente necessária no sentido de

corrigir falhas de mercado2 e de proteção das massas, com medidas disciplinadoras

e ordenadoras das relações laborais e sociais. E, neste contexto, o Estado que se

havia limitado à intervenção mínima viu-se confrontado com a necessidade de

assumir um papel central e fulcral na gestão de recursos e forçado a repensar os

instrumentos de atuação.

Mais tarde, com a Primeira Guerra Mundial, o Estado viu-se forçado a

assumir-se também como produtor, ao mesmo tempo que também passava a

controlar a economia, na sequência das peculiares exigências de armamento e

aprovisionamento em tempo de guerra, vivendo-se nesta fase um interregno do

pensamento liberal.

2 Para Fernando Araújo, Introdução à Economia, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 53 e 54, as “falhas de mercado” são atribuídas a duas causas principais, a saber: [1. a existência de «externalidades», a possibilidade de que uma de que uma atuação económica faça projetar irremediavelmente efeitos, benéficos ou maléficos, sobre alguém que não o próprio agente, interferindo no nível de bem-estar desse alguém, sem que lhe seja paga qualquer indemnização – no caso da diminuição do seu bem-estar – ou sem ter que pagar qualquer compensação – no caso do aumento desse bem estar -, impedindo nomeadamente que a produção de bens socialmente benéficos seja livremente incentivada, ou sinalizando erradamente o mercado no sentido da sobreprodução de bens e serviços com efeitos colaterais socialmente negativos; 2. a existência de «poder de mercado», que permite a alguém a exploração do mecanismo dos preços em proveito próprio, para lá de um limite que fira um sentido mínimo de justiça ou que gere desincentivos à produção e às trocas – tendo de admitir-se que mesmo a mais superficial observação do mercado evidenciará que a concorrência entre empresas é frequentemente limitada, que as distorções do mercado muitas vezes se perpetuam através da sua repercussão no plano dos incentivos, que as atitudes abusivas não raro extravasam para o domínio das práticas anti-ambientais e anti-sociais -.]

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 10

Não obstante a transição dos tempos de guerra para os tempos de paz e o

consequente retorno à aplicação da ideologia liberal, o “furacão económico” vívido

com a crise de 1929 nos Estados Unidos e a chamada “Grande Depressão” mais

não veio do que revelar as fragilidades do sistema económico. Fundamentalmente,

por destruição da confiança no setor financeiro e suas repercussões na sociedade,

trazendo ao de cima a necessidade imperiosa dos Estados dos países mais

atingidos assumirem um papel central e preponderante no controlo da economia.

Aliás, a falência demonstrada pela crise revelou ainda a necessidade de intervenção

do Estado no sentido de impulsionar a economia, a qual não emergiria por impulsos

naturais mas antes dependendo de uma ação direta e intervencionista.

Por sua vez, no Continente Europeu, predominantemente marcado por

Estados autoritários e pelo alastramento da “revolução corporativa”, como

instrumento de condução e disciplina da economia, evidenciava a falta de um

sistema económico característico que correspondesse às exigências dos novos

tempos3.

Neste panorama assumiu particular relevância o pensamento keynesiano

assente no abandono do ideal da neutralidade. As finanças públicas keynesianas,

dominadas pela funcionalidade, passaram a procurar o aproveitamento total de

todos os instrumentos financeiros tendo em vista influenciar o comportamento dos

sujeitos económicos privados e a economia em geral, sendo a sua estrutura e

gestão determinadas pelos fins sociais que visavam realizar. Contrariando a

abstenção, as finanças públicas passaram a ser marcadas por uma atitude e

práticas intervenientes, na qual o Estado assume um papel ativo, muito abrangente

na economia, de modo a restringir a atividade privada e promovendo fins

autónomos4.

3 Sobre este assunto, vide Pedro Soares Martinez, Economia Política, 10.ª edição, Coimbra, Almedina, 2003, pp. 312 e ss. 4 Neste sentido vide António L. Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I, 4.ª edição, 1992, pp. 63 e 64.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 11

Entretanto, a Segunda Guerra Mundial colocou um ponto final na maior parte

dos regimes autoritários que haviam instituído formas de capitalismo estatal debaixo

do escopo corporativista. Ainda assim, não restabeleceu o Estado liberal

caraterizado pela separação com a economia.

Reposta a paz, assistiu-se ao aparecimento de projetos de cooperação

intergovernamental e sob o impulso norte-americano, com a implementação do

plano Marshall, nasceram as organizações internacionais e o acordo

institucionalizado que consubstanciaram os pilares da nova ordem económica

internacional.

Seguindo o mesmo desígnio, a realização da conferência de Bretton Woods

(1944) teve por finalidade, essencialmente, criar uma ordem económica liberal que

viesse substituir as políticas autoritárias as quais tinham conhecido um grande

desenvolvimento no período entre as duas guerras, destacando-se nesta

conferência a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Neste cenário, criaram-se as condições de promoção de um sistema

monetário internacional e a livre convertibilidade das moedas, repondo um padrão,

prevenindo desvalorizações cambiais competitivas e promovendo a segurança e a

confiança nas relações monetárias internacionais. Outrossim, facilitando-se o

investimento de capitais produtivos, a aceleração das economias destruídas pela

guerra e, ainda, a regulação do comércio internacional livre e assente em relações

multilaterais.

A recuperação da Grande Depressão, à semelhança do ocorrido antes da

guerra, trouxe ao de cima, então e novamente, a prosperidade resultante da união

do Estado com a economia.

Com a forte implementação de uma agenda social, o Estado passou a usar o

orçamento para a cobertura de riscos sociais mediante um amplo e prevalecente

sistema público de segurança social, bem como para o desenvolvimento de políticas

sociais de saúde, assistência e educação.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 12

Por outro lado, o mesmo Estado adotou medidas económicas tendentes a

evitar novas depressões, através de políticas anti-inflacionistas assentes,

fundamentalmente, no agravamento dos impostos. Pelo que, nesta fase de

modernização estrutural das economias e relações sociais, o Estado apresentou-se

como a pedra angular de todo o sistema.

Nas palavras de Rui Marques, «A partir da 2.ª metade do século XX, a

conformação económico-social empreendida pelos poderes públicos tem exigido

novos instrumentos concretizadores das novas atribuições do Estado, o que,

correlativamente, tem acarretado um acrescido esforço financeiro por parte dos

contribuintes», mais adiantando que «Assim, o Estado surge a assumir e garantir a

prossecução dos fins, com benefício para os seus cidadãos, mas tal não significa

que apenas possam ser os poderes públicos a encarregar-se das respetivas tarefas.

Na realidade, estas também poderão ser efetivadas por meio dos sectores privado,

social ou cooperativo (a “sociedade civil”), em coexistência ou mesmo

subsidiariedade com o sector público. O que não deve ser entendido como uma

renúncia ou dispensa dos poderes públicos»5.

Contribuindo para essa realidade o Tratado que instituiu a Comunidade

Económica do Carvão e do Aço (CECA)6, teve um efeito apaziguador com reflexos

positivos em larga medida no desenvolvimento dos respetivos países signatários.

Servindo de mote à posterior criação da Comunidade Económica Europeia (CEE),

inspirada na conceção neoliberal quanto às vantagens do alargamento dos

mercados e do estímulo da concorrência.

Nessa altura de progresso e bem-estar das populações, dominava a crença

no setor público, necessário ao estímulo e fomentador do crescimento económico

global, dotado de capacidade de autofinanciamento. Com efeito, estava dispensado

o recurso a receitas suplementares e afastada a possibilidade desse crescimento

5 Cf. Rui Marques, As Realizações de Utilidade Social em IRC e IRS, Lisboa, Wolters Kluwer, 2016. 6 Assinado em Paris a 18 de Abril de 1951, pela França, Alemanha, Itália Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos, entrou em vigor em 24 de Julho de 1952, por um período limitado a 50 anos.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 13

poder traduzir-se num foco perturbador das relações entre os setores público e

privado.

Seguiram-se assim os anos dourados da integração europeia, vincados pela

edificação do mercado comum em detrimento de mercados nacionais, realidade

apenas mais tarde fragilizada pela “crise da cadeira vazia7”.

No entanto, o modelo económico assente no Estado, não só a nível Europeu

mas também no plano mundial, viria fortemente a ser posto em causa, trazendo à

ribalta uma nova reflexão sobre o seu papel e (in)capacidade intervencionista, com

as crises petrolíferas ocorrida na década de setenta e a consequente turbulência

económica daí resultante. Reveladas através de ciclos viciosos de inflação-

recessão, onde a desvalorização cambial, ainda que insuficiente, se assumiu como

uma forma de ajustamento dos défices da balança de pagamentos8. Por outro lado,

a nova conjuntura trouxe consigo o aumento exponencial da dívida pública sem que,

paralela e correlativamente, fosse aumentada a receita fiscal.

Neste contexto, agudizaram-se os descontentamentos contra a intervenção

do Estado, agora apontado como obstáculo ao dinamismo do setor privado e ao

dinamismo da economia, fruto do seu tamanho e da ineficácia da sua máquina

administrativa9. Seguindo-se-lhe um processo de reapreciação da sua intervenção

na economia, quer por aqueles colocados mais à direita, quer pelos mais à esquerda

no espetro político. Sendo ainda acusado no campo social de ceder às

revindicações dos grupos mais poderosos, a par com a pressão exercida pela

crescente globalização.

7 A partir de julho de 1965, a França, por discordar de um conjunto de propostas da Comissão, deixou de participar nas reuniões do Conselho, situação que se manteve durante cerca de sete meses, bloqueando a capacidade de decisão da Comunidade. 8 Cf. James D. Hamilton, Uncovering Financial Markets Expectations of Inflation, Journal of Political Economy, n.º 83, 1985, pp. 1224 e ss.; M. Steven Goldfield, The Case of the Missing Money, Brookings Papers on Economic Activity, n.º 3, 1976, pp. 683 e ss.; Prakash Loungani, Oil Price Shocks and the Dispersion Hypothesis, Rochester Center for Economic Research, Working Paper n.º 33, 1986, pp. 5 e ss. 9 Sobre este assunto vide Rui Machete, O Capital Humano na Função Pública, A Administração Pública no Limiar do Século XXI: os Grandes Desafios, INA, Oeiras, 2001, pp. 53 e ss. No mesmo sentido, Maria João Estorninho, A Fuga para o Direito Privado, Coimbra, Almedina, 1996, pp. 47 e ss.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 14

No início da década de oitenta, já após a introdução da Politica Agrícola

Comum e do alargamento do projeto europeu a outros países, numa tentativa de

maior controlo do mercado cambial, visando uma menor flutuação das moedas

nacionais, a contestação ao “Estado-Providência” veio a aumentar de tom.

Condenando-se de forma vigorosa o elevado custo financeiro do setor público,

gerador de défices orçamentais contínuos e aparentemente incontroláveis, que

exigiam dos Governos o recurso constante a empréstimos no sentido de lograr o

equilíbrio das contas públicas, com as repercussões inevitáveis tanto no volume da

dívida e no peso dos seus encargos, como na estrutura da despesa. Já para não

falarmos da soberania.

A década de oitenta terminaria marcada pelo rejuvenescimento do

pensamento neoliberal em detrimento do keynesianismo, regressando à ribalta a

limitação do Estado a uma vocação infraestrutural e redistributiva e sendo a

atividade produtiva entregue ao setor privado. Surgindo, neste contexto, as

empresas privadas a executar atividades anteriormente cometidas exclusivamente

ao Estado.

Com alguma naturalidade surgem então as privatizações10, acolhidas sob a

capa do entendimento “Menos Estado, Melhor Estado”, tido como benigno. São

justificadas por questões de eficiência e de garantia de uma melhor satisfação das

necessidades sociais, através da redefinição das áreas em que a iniciativa privada

pode atuar, alegadamente, de forma mais vantajosa e aquelas que seriam mais

adequadas ao setor público, afirmando-se claramente como o elemento-chave do

novo paradigma de mercado.

Por outro lado, a alienação do património público em função das privatizações

funcionaria como um enorme contributo para a redução dos défices públicos, ao

mesmo tempo que reduziria a malquista intervenção do Estado na economia.

10 A designação “privatização” foi apresentada por Peter Drucker para substituir “desnacionalização” e teve por base as críticas libertárias de Hayek contra o Estado providencial e coletivista. Cfr. Friedrich Von Hayek, The Road to Serfdom, Chicago, University of Chicago Press, 1944.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 15

Relativamente à integração europeia, a unificação da Alemanha, a par com a

queda de alguns regimes comunistas no Bloco de Leste e a crescente globalização,

transformou radicalmente o mapa económico mundial e impulsionou, na sequência

dos diferentes tratados europeus e sucessivos alargamentos, a livre circulação dos

bens, dos serviços, das pessoas e dos capitais, consorte de uma liberalização dos

mercados. Havendo a destacar a criação em 1994 do Espaço Económico Europeu.

No plano internacional, essas transformações europeias prestaram um

contributo decisivo à criação, em 1995, da Organização Mundial do Comércio

(OMC), tendo por objetivo supervisionar e liberalizar o comércio internacional, fruto

das negociações comerciais decorrentes da Ronda do Uruguai, após uma série de

negociações anteriormente frustradas.

Todavia, a nível europeu o grande passo seria dado mais tarde com a

introdução da moeda única (euro), operada pelo Tratado de Maastricht (1992) e com

os critérios de convergência definidos para a sua implementação a ser estabelecidos

pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (1997). Apenas 9 dos 28 Estados-

Membros da União Europeia integram a Zona Euro (Alemanha, Áustria, Bélgica,

Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda,

Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos e Portugal).

A política monetária adotou em larga medida um caráter deflacionista,

limitativo e de contração, oposto ao crescimento económico e à promoção do

emprego, dada a posição rígida assumida pelo Banco Central Europeu (BCE)

perante a eventual ocorrência de subida dos preços. Assim aplicando a conhecida

receita liberal na resolução das crises, assente na regulação automática e por si

própria do mercado, focada na baixa de salários e no aprofundamento e

prolongamento do ciclo depressivo11. Privilegiando deste modo o rigor monetário e

orçamental, no pressuposto de um crescimento sustentado e de uma solidez das

finanças públicas, em linha com a velha disciplina clássica. Sob um tal desígnio

assistiu-se à até então mais ampla transferência de poderes nacionais alguma vez

11 Sobre este assunto vide A. J. Avelãs Nunes, A Constituição Europeia: A Constitucionalização do Neoliberalismo, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 119.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 16

registada. O que, não raro, lançou um questionar sobre o sentido da soberania dos

Estados e da democracia representativa.

As regras ditadas pela moeda única resultaram, na prática, numa perda da

autonomia dos Estados na regulação das políticas cambial e monetária onde o BCE

passou a estabelecer a taxa de juro válida para todos os membros da Zona Euro.

Revelando a União Económica e Monetária (UEM) um poder limitativo, considerando

que o objetivo de manutenção da estabilidade era suscetível de conduzir a políticas

de contenção permanente, em sintonia com o Plano de Estabilidade e Crescimento

(PEC) definido em 1997, em momento anterior à implementação da UEM, donde

resultou a aparente obrigatoriedade de cumprimento do valor de défice orçamental

abaixo de uns enigmáticos 3%. Sendo justo afirmar que o PEC, quer para os países

mais ricos quer para os países mais pobres, converteu-se num “colete-de-forças”12

condicionador de toda a sua atuação e desempenho na condução da política

orçamental. Tal realidade não se alterou de forma substancial com as revisões dos

Regulamentos na base do PEC entretanto realizadas, cujos parâmetros continuam a

incidir e exigir de forma vincada aos Estados-Membros um rigor vigoroso no

equilíbrio orçamental. Porém, sem estes poderem dispor de grandes instrumentos

de política económica, atenta a destituição do poder de condução das políticas

monetárias e cambial.

Em consequência desta opção comunitária, os países da Zona Euro - neste

novo paradigma bastante limitados pela perda da capacidade da regulação cambial -

viram ainda mais restringida a sua margem de manobra através da obrigação de

manter os orçamentos dentro dos parâmetros do PEC, como condição para o

equilíbrio dos orçamentos.

É pois no meio desta “tempestade perfeita” de constrangimentos orçamentais

que de modo mais pronunciado os Estados lançam mão a um leque de instrumentos

no intuito claro de contornar o rigor das regras do Pacto (nomeadamente, critérios

restritivos do Tratado de Maastricht, fortalecidos no PEC), bem como se socorrem de 12 Conforme apelida Maria Eduarda Azevedo na sua Tese de Doutoramento, com o título As Parcerias Público-Privadas: Instrumento de uma Nova Governação Pública, Faculdade de Direito de Lisboa, 2008, p. 116.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 17

soluções de engenharia financeira e contabilidade pública criativa acrescidas de

políticas de privatizações, norteadas tão só pela necessidade de reduzir as dívidas.

Nesta medida, a “nova” ideologia de “Estado mínimo” permitiria atenuar a contenção

do défice e da dívida pública em obediência a metas de regulação orçamental, como

as impostas pelo PEC aos parceiros comunitários inseridos no euro13.

Por outro lado, não sendo a política de privatizações orientada para satisfazer

as necessidades gerais das obrigações do Estado para com os cidadãos e

resultando enaltecido ainda mais esse “Estado mínimo”, assiste-se ao envolvimento

dos capitais e no alcandorar de uma salvífica cultura de gestão privada, através da

implementação, em alguns casos massificada, de Parcerias Público-Privadas (PPP),

consubstanciadas num modo de gestão e prestação de serviços públicos baseada

na intervenção privada através de um emaranhado de construções. Porém, sem que

daí se possa furtar às limitadas regras impostas pelo Eurostat, eventualmente

tardias, através da Decisão de 11 de Fevereiro de 2004 e constantes do guia de

orientação “Long term contracts between government units and nongovernment

partners”, surgidas na sequência da necessidade de tratamento e de contabilização

a dar às PPP nos orçamentos nacionais.

1.1. O surgimento massivo das PPP

Na esteira do antedito, as PPP devem o seu protagonismo, pelo menos numa

fase inicial, a dois relevantes fatores. Por um lado, à tendência de emagrecimento

exigido pelas regras orçamentais, as quais geram, inevitavelmente, um

enfraquecimento da posição do Estado. E, por outro, à retoma da evolução

económica assente no pensamento neoliberal.

Neste novo paradigma, a necessidade política de manter serviços públicos

cujo desaparecimento seria impopular, aliado à vontade de os sustentar, levam o

Estado - agora dotado de uma capacidade institucional e financeira bastante

13 Como muito lucidamente reconhece Eduardo Paz Ferreira, Da Dívida Publica e das Garantias dos Credores do Estado, Coimbra, Almedina, 1995, p. 124.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 18

diferente - a acudir a um setor privado disponível para alargar o seu espetro de ação

a novas áreas de investimento, assim lançando mão de empreendimentos antes

considerados muito arriscados.

No entanto, este mecanismo de recurso a concessões ao setor privado para

realização do interesse público, encontrado face ao novo contexto orçamental, não é

de todo inovador, uma vez que já havia sido testado anteriormente, ainda que de

forma mais simples ou menos sofisticada.

Os primórdios das PPP remontam à Inglaterra da 2.ª metade do século XVII, a

qual tinha desenvolvido uma imensa rede de estradas portajadas designadas por

“Turnpikes” (nome dado à cancela pontiaguda que bloqueava a passagem) surgidas

num contexto de necessidade de suplantar os problemas decorrentes da dificuldade

na manutenção da vetusta “rede” rodoviária eclesiástica, assente apenas no trabalho

local não especializado. O seu mecanismo de funcionamento consistia em adjudicar

a manutenção das estradas a Trusts de mercadores, manufatureiros ou autoridades

locais, os quais de modo organizado juntavam o capital, asseguravam a construção

e recolhiam as portagens no sentido de recuperar o investimento em vinte e um

anos14.

O sistema estendeu-se aos Estados Unidos, após a Guerra da Independência

(1775-1783). Porém, a concorrência resultante da exploração do transporte através

dos canais fluviais e, mais tarde, dos caminhos-de-ferro, condenaram o seu destino.

Também a França desenvolveu no mesmo século o modelo de concessão, ainda

hoje dominante, onde investidores privados financiavam a construção de

infraestruturas as quais exploravam por determinado prazo ao fim do qual a

propriedade revertia a favor do Estado. Disso são exemplo as concessões de

exploração de canais e secagem de pântanos.

Contudo, mais uma vez, é a Inglaterra, ainda que de forma deveras tímida

(comparando com os dias de hoje), que nos anos oitenta traz de novo as PPP à 14 Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, Parcerias Público Privadas: Uma Análise Comparada de Diferentes Experiências, Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia de Coimbra, Outubro de 2007.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 19

ribalta. Sob o comando de Margaret Thatcher surgem zonas empresariais e Urban

Development Corporations (UDC`s), a quem se atribuíam as tarefas de

desenvolvimento de zonas degradadas, dotando-as de financiamento, posse e

poderes de planeamento sobre os terrenos adjudicados. As “Docklands” portuárias

da capital Londres foram, por força desse sistema de rentabilização e

desenvolvimento, transformadas naquilo que é hoje o centro financeiro de Canary

Wharf. Mais tarde, já no final da década de oitenta, as UDC`s foram substituídas

pelo City Challenge, programa que assentava no encorajamento das autoridades

locais em propor aos agentes privados da sua região projetos de renovação urbana.

Todavia, a utilização de parcerias nesta época circunscrevia-se a situações

muito concretas e pontuais. Apesar disso, importa destacar uma das maiores

concessões da história, datada a 1986, o projeto franco-britânico do Túnel da

Mancha.

O grande impulso das PPP viria, posteriormente, a ser alcançado já na

década de noventa, mais concretamente em 1992, ano em que a Inglaterra, sob o

Governo conservador de John Major, com o programa político denominado de

“Private Finance Initiative” (PFI), em que mediante uma avaliação prévia do Value for

money15 (ou seja, combinando qualidade e eficiência com o menor capital inicial, ao

longo de todo o período de utilização dos bens e serviços adquiridos), se aferia a

viabilidade dos projetos e o potencial interesse público na adjudicação aos privados.

Para tanto, o sistema assentava em três pilares fundamentais: o primeiro, visando

ampliar a capacidade de financiamento do Estado, através de pagamentos

plurianuais; o segundo, impondo ao parceiro critérios de qualidade cujo cumprimento

seria condição necessária para o respetivo pagamento, conduzindo inevitavelmente

a uma melhor prestação do serviço público; por fim, beneficiando da diminuição da

despesa pública, através da poupança com a aquisição de infraestruturas e a

capacidade de desenvolvimento avançado presente no parceiro privado.

15 Value for money: Radica na análise do impacto de uma intervenção em relação a três critérios essenciais, a saber: 1) economia, como minimização dos custos dos recursos aplicados ou adquiridos; 2) eficiência, assente na relação entre os índices de produção e os recursos usados na sua produção; 3) eficácia, na relação entre os resultados esperados e os efetivamente obtidos em projetos ou programas (gastar com sensatez).

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 20

Muito embora tradicionalmente o modelo aplicado se restringisse a áreas e

necessidades muito específicas a colmatar pelo Estado, após sucessivas

transformações é, em 1997, já sob a governação de Tony Balir, que as PPP

assumem uma relevância a larga escala. Neste período alcançam uma taxa de

implementação a rondar os 10% do investimento em bens públicos, assim se

recorrendo sucessivamente ao setor privado para o financiamento, construção e

gestão, numa diversidade de setores entre os quais se incluem a saúde, a educação

e a defesa.

Por sua vez, na Europa Continental, o crescimento das PPP teve um

crescimento mais tímido e heterogéneo, derivado essencialmente do

conservadorismo germânico e da sua perspetiva quanto à separação que deve

existir entre o Estado e o mercado.

Não é pois de estranhar que os países germânicos e escandinavos sejam

mais avessos a este tipo de contratos do que os mediterrâneos, onde, por exemplo,

a Espanha do tempo do Franquismo, por força das limitações financeiras desse

período, optou por atribuir diversas concessões rodoviárias e pela introdução de

estradas portajadas. No pós-Franquismo, com Felipe González, verificou-se um

ligeiro abrandamento do modelo, fruto do aumento da dívida pública e,

consequentemente, do défice nesse período. Todavia, a partir de 1997 as PPP

tomaram um novo impulso, altura em que através da Lei 13/1996, de 30 de

dezembro, de Medidas Fiscales, Administrativas y de Orden Social (comummente

por nós designada como Lei do Orçamento), sob um forte pendor de restrição

orçamental imposto aos Estados-Membros por Bruxelas, conforme se pode alcançar,

inclusivamente, logo no seu preâmbulo16, as concessões foram alargadas a outros

setores como estações de serviço e outros projetos imobiliários.

16 Logo no seu primeiro parágrafo é referido que “La presente Ley incluye un amplio conjunto de medidas referidas a los distintos campos en que se desenvuelve la actividad del Estado, cuya finalidad es contribuir a la mejor y más efectiva consecución de los objetivos de la política económica del Gobierno que se contienen en la Ley de Presupuestos Generales del Estado para 1997, y en concreto al cumplimiento de los criterios de convergencia previstos en el artículo 109.J del Tratado Constitutivo de la Comunidad Europea.” Por sua vez, o artigo 109-J do Tratado, reporta-se à imposição dos critérios de convergência a observar pelos signatários, designadamente, “a realização de um elevado grau de estabilidade dos preços, que será expresso por uma taxa de inflação que esteja próxima da taxa, no máximo, dos três Estados-membros com melhores resultados em termos

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 21

1.2. Evolução histórica das PPP em Portugal

Em Portugal as PPP, enquanto tal, conheceram o seu surgimento em meados

dos anos noventa, pela mão do regime de concessão (várias vezes confundido com

aquelas), há muito experimentado no nosso País. Conforme assinala Nazaré da

Costa Cabral17, há a rememorar o registo em 1882 do estabelecimento de um

acordo entre o Estado Português e a Companhia Edison Growel Bell, tendo em vista

a exploração do serviço de telefones públicos. Seguiu-se em 1922 a concessão à

Companhia Marconi da exploração de comunicações telegráficas intercontinentais.

Só muito mais tarde, em 4 de dezembro de 1972, surge de novo estabelecido um

acordo de relevo aquando da concessão à Brisa18 (fundada no mesmo ano) da

autoestrada de ligação entre Lisboa e Porto.

Já na década de oitenta, ultrapassada a mudança de regime de 1974 e as

vultuosas alterações entretanto ocorridas no mapa económico, foram implementadas

reformas tendentes à eliminação progressiva de medidas de intervencionismo

revolucionário e caráter socializante decorrentes da Constituição de 1976,

promovendo a abertura das atividades económicas à iniciativa privada19.

Contudo, a década de noventa veio a revelar-se para Portugal como um

desafio sem precedentes no seu desenvolvimento e integração europeia, carregado

de metas difíceis de atingir e, de alguma forma, aparentemente opostas. Isto porque,

se por um lado o País se via confrontado com a necessidade de criação de grandes

estruturas e fornecimento de serviços públicos tidos como imprescindíveis e

necessários a uma maior competitividade económica, por outro, enfrentava os

constrangimentos orçamentais definidos pelo PEC, assumindo particular relevância

de estabilidade dos preços (…) a sustentabilidade das suas finanças públicas, que será traduzida pelo facto de ter alcançado uma situação orçamental sem défice excessivo…” 17 Nazaré da Costa Cabral, As Parcerias Público-Privadas, Cadernos do IDEFF, n.º 9, Almedina, Coimbra, 2009, p. 135. 18 Atualmente, a Brisa explora de forma direta 11 autoestradas, num total de 1.100,2 kms, dos quais 1.014,1 kms são constituídos por sublanços com portagem. Nos termos do acordo celebrado com o Estado Português, esta concessão terminará em 2035, Relatório e Contas da Brisa 2016. 19 Sobre este assunto, Maria Eduarda Azevedo, ob. cit., p. 219.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 22

nesta matéria os rigorosos critérios de convergência para a integração na moeda

única.

Neste contexto, à semelhança de outros países europeus confrontados com

semelhantes exigências, motivados pelas próprias autoridades europeias,

procuraram-se novas formas de contratação pública tendentes à realização de obras

necessárias, recorrendo ao setor privado para o seu financiamento e concretização,

atenta a redução do impacto nas contas públicas e consequente défice estrutural.

É também no seguimento dessas exigências e motivados pelo impulso

neoliberal dominante na europa que se assiste em larga escala ao desencadear das

(re)privatizações nos mais diferentes setores até então sob o domínio exclusivo do

Estado. Assim, na sequência do acordo então assinado em outubro de 1988 entre

PS e PSD para a revisão constitucional, é aprovada a Lei n.º 11/90, de 5 de abril

(Lei-Quadro das Privatizações), a qual definia logo no seu artigo 2.º como objetivos,

entre outros, contribuir para o desenvolvimento do mercado de capitais, promover a

redução do peso do Estado na economia e, fundamentalmente, a redução do peso

da dívida pública nesta. O cumprimento destes objetivos permitiu encaixes

financeiros avultados e necessários à consolidação do défice mediante a

amortização de dívida, à medida que o Estado redimensionava a sua área de

atuação, passando a assumir na economia um papel mais regulador e incentivador e

menos intervencionista.

Sobre esta matéria, anos mais tarde o então Ministro das Finanças, Sousa

Franco, fazendo um balanço provisório afirmou: «Uma vez conseguido o consenso

social e político relativo ao modelo de sociedade e de economia que a nossa entrada

na UE representou, o processo das reprivatizações insere-se neste contexto de

mudança ou reforma estrutural necessária para a concretização do projeto de

integração europeia e da participação na construção de uma Europa solidária, coesa

e próspera.»20

20 Cf. António L. Sousa Franco, Prefácio a Privatizações e Regulação: A Experiência Portuguesa, Lisboa, Direção-Geral de Estudos e Previsão, XV-XVII, 1999.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 23

Por outro lado, a necessidade de diminuir as diferenças de desenvolvimento

existentes para com os demais parceiros comunitários exigia como prioridade um

aumento do investimento público de natureza infraestrutural, face ao seu papel

fulcral na ascensão do crescimento económico.

Com vista a alcançar esse desígnio, mas blindado pela política de contenção

orçamental imposta pela adesão à moeda única, potenciaram-se as parcerias com o

setor privado na realização de grandes obras públicas e serviços de interesse

económico necessários em setores fundamentais, tais como obras públicas, água

potável e saneamento, transportes ferroviário e rodoviário e, mais tarde, saúde21,

mediante o recurso a PFI/PPP, sob o desígnio de aproveitamento das capacidades

de financiamento e gestão privadas, sem o desembolso instantâneo de verbas, uma

vez que pendia sobre o privado encarregar-se da obtenção dos financiamentos

necessários.

2. Enquadramento legal das Parcerias Público-Privadas em Portugal

2.1. Conceito e características Embora a taxa de implementação a nível global das PPP seja elevada, não

existe um conceito jurídico que as defina especificamente. Mas antes, diferentes

formas de caraterização, consoante seja o fim a que individualmente se destinam,

tendo os respetivos contratos características especificas dentro do contexto e

pretensão em que se inserem. Havendo mesmo quem defenda, como por exemplo o

fizeram Neil Kinnock e o Grupo de Alto Nível, que no quadro da recomendação à

Comissão Europeia a advertiu para que abandonasse o intento de proceder a uma

definição europeia de PPP, dados os inconvenientes que essa limitação poderia

acarretar. Posição mais tarde acompanhada pelo próprio Banco Europeu de

Investimento (BEI), ao salientar como positiva a ausência de um conceito europeu,

21 «A ideia de implementar um programa compreensivo e generalizado de PPP no setor da saúde só viria, no entanto, a ser plenamente assumido a partir do início de 2000. Este programa envolveria o recurso às PPP para a construção, implementação renovação e gestão pelo setor privado de mais 10 hospitais», Nazaré da Costa Cabral, ob. cit., p.169.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 24

apontando a grande diversidade de práticas desenvolvidas sob a designação de

PPP22.

Ainda assim, conforme entende uma parte considerável da doutrina, as PPP

representam uma revitalização dos centenários acordos de concessões, mas

envoltos em novos e complexos contornos23. Ainda assim, de uma análise cuidada

entre ambas figuras não parece que as mesmas se possam de alguma maneira

confundir. Desde logo porque, começando pelo seu elemento fundamental assente

na remuneração, constata-se que a concessão é suportada por meio de taxas

diretamente ao utilizador pagador. Ao invés, a PPP, muito embora também possa

em parte e em alguns casos assim ser remunerada, na maioria das vezes, em todo

ou em parte, a sua remuneração é, por regra, financiada indiretamente pelos

impostos, através de prestações fracionadas pagas pelo Estado ao parceiro privado,

segundo regras definidas aquando do investimento inicial.

Socorrendo-nos de Nazaré da Costa Cabral24, em sentido amplo uma PPP

pode ser definida «como toda e qualquer forma de colaboração entre o setor público

e o setor privado, que tenha por objeto uma atividade em benefício da coletividade».

Ainda segundo a mesma autora, uma PPP poderá definir-se a partir de alguns dos

seus elementos caraterizadores, a saber:

a) Trata-se de um contrato de longo prazo celebrado entre o parceiro público

e o privado;

b) Tem em vista o desenho, construção, financiamento e funcionamento de

uma infraestrutura25 pública, a cargo do parceiro privado;

22 Cf., Maria Eduarda Azevedo, ob. cit., pp. 329 e 140. 23 Sobre este assunto vide Mário Aroso de Almeida, Parcerias Público-Privadas: A experiência Portuguesa, Direito e Justiça, VI Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2005, pp. 175 a 190. Igual entendimento seguem Eduardo Paz Ferreira e Marta Rebelo, para quem a PPP consiste na «recuperação da figura centenária da concessão, ajustando o seu elemento essencial (a contribuição dos recursos privados para a criação de infraestruturas públicas) às necessidades e ao modelo de Estado e de Administração dos nossos dias» (O novo regime jurídico das parcerias público privadas em Portugal, Manual Prático de Parcerias Público-Privadas, Lisboa, NPF Publicações, 2004, p. 17. 24Nazaré da Costa Cabral, ob. cit., pp. 13 e ss. 25 «Infraestrutura – Instalação ou equipamento considerado necessário ao funcionamento da economia e da sociedade. Não constituem pois um fim em si mesmo, antes um instrumento que apoia e suporta a atividade económica e social de um dado país ou região» (Idem, p.14).

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 25

c) Mediante pagamentos feitos ao parceiro privado, ao logo do contrato de

PPP, quer seja através da dotação orçamental ou diretamente pelos

utentes;

d) A infraestrutura permanece na propriedade do Estado no fim do contrato

ou reverte para este.

Temos assim que as caraterísticas enformadoras das PPP variam consoante

o fim a que cada uma se destina e as bases iniciais onde cada uma assenta, sendo

por isso os respetivos contratos, necessariamente, objeto de mutações específicas

latentes à finalidade que pretendem visar. Ou seja, a panóplia de necessidades que

as mesmas pretendem colmatar necessitaram, forçosamente, de contornos jurídicos

porventura específicos consoante seja a necessidade de intervenção da entidade

pública, a repartição do risco e proveitos a retirar pelas partes, entre outras variáveis

apenas aferíveis in casu.

De salientar que do lado do parceiro privado sempre estará subjacente a

obtenção do lucro como escopo fundamental e último da sua atuação. Todavia, em

sentido diverso, o parceiro público (internacional, nacional, ou regional, consoante os

casos) terá como objetivo primordial a satisfação do interesse público, mediante o

recurso mais vantajoso ao negócio que lhe permita maior rentabilidade nesse

sentido e, pelo menos em teoria, ao mais baixo custo.

Para tanto, seja qual for o contrato de parceria em apreço, à partida (isto

porque como se observará no caso de Portugal, e não só, nem sempre assim

sucede), o parceiro público não deverá avançar com a adjudicação sem antes

atender a determinados princípios a observar em momento anterior à manifestação

pela opção e assinatura dos contratos de PPP.

Os princípios assentes na verificação de critérios prioritários de avaliação,

mormente o “value for money”, traduz-se em termos práticos, de um lado, numa

forma de garantir a melhor combinação de qualidade e eficiência com o menor

capital inicial ao longo de todo o período de utilização dos bens e serviços adquiridos

e, por outra banda, na utilização do comparador do setor público, visando este

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 26

proceder à comparação entre o custo hipotético do projeto caso o mesmo, ao invés

de desenvolvido no formato de PPP, fosse realizado e financiado diretamente pelo

Estado, devendo para tanto considerar-se o ajustamento devido pelo risco do próprio

projeto e todos os seus requisitos específicos. Nomeadamente, a provisão do

serviço e objetivos a alcançar.

Assim, como defende Nazaré da Costa Cabral «Os projetos PPP não devem

avançar, sem que esteja demonstrado o VFM relativamente à alternativa não fazer

nada ou fazer o mínimo e sobretudo em relação ao comparador do setor público»26.

Não obstante a relevância da verificação desse critério, nas recomendações

efetuadas pelo Tribunal de Contas ao Estado/Parceiro Público, patenteadas no

Relatório de Auditoria n.º 15/2012 — 3.ª Seção do Tribunal de Contas (que procede

à Auditoria ao modelo de gestão, financiamento e regulação do setor rodoviário), é

dito que “A demonstração formal do value for money de um projeto de PPP não

deverá, por si só, justificar a contratação de PPP sem que, previamente, se justifique

a comportabilidade dos respetivos custos.”

Ainda no tocante à observação dos princípios, convém destacar a importância

a dar a outro critério fundamental a ter em linha de conta relativamente à avaliação

da partilha dos riscos enquanto aspeto fundamental das PPP, uma vez que caso não

sejam devidamente acautelados poderá o Estado, por um lado, ter que ultrapassar o

orçamento inicialmente previsto e, por outro, o parceiro privado acabar por não

conseguir obter o lucro inicialmente previsto ou calculado, aspeto que face ao

montante (por regra) bastante elevado deste tipo de investimentos poderá coloca-los

em sérias dificuldades de sustentabilidade.

No tocante ao seu financiamento, como assinala Maria João Estorninho, as

PPP abrangem esquemas de financiamento intrincados e envolvem a conjugação de

vários contratos, tais como de concessão, de conceção e construção, de operação e

26Nazaré da Costa Cabral, ob. cit. p. 83.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 27

manutenção de financiamento, de garantias, acordo interbancário de proteção do

risco de taxa de juro 27.

Por conseguinte, mais importante do que obter uma definição precisa de PPP

impõe-se a necessidade de apurar até que ponto pode a mesma desempenhar um

instrumento financeiro do setor público para o lançamento de projetos, centrando a

análise na identificação dos seus objetivos e atributos principais. Caminho, aliás,

seguido pela própria Comissão Europeia no Livro Verde sobre o Direito Comunitário

em matéria de Contratos Públicos e Concessões, como mais adiante se verá.

2.2. Na legislação da União Europeia

No tocante às PPP, o Direito da União Europeia, não contempla em si um

regime jurídico próprio e específico. Não obstante esse facto, em matéria de

contratação pública vigoram, fundamentalmente, os princípios decorrentes dos

artigos 49.º e 56.º, ambos do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

(TFUE), designadamente, da igualdade, da proibição de discriminação em razão da

nacionalidade, da transparência, da proporcionalidade e do reconhecimento mútuo,

acrescidos do respeito pelas regras da concorrência e da proteção jurisdicional

efetiva. A estes princípios a observar na elaboração dos contratos públicos há ainda

a acrescentar os derivados da jurisprudência do Tribunal de Justiça das

Comunidades Europeias (TJCE).28

Em termos objetivos sobre esta matéria, em 2004 foram publicadas as

Diretivas n.º 2004/18/CE e 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, 27 Maria João Estorninho, Direito Europeu dos Contratos Públicos – Um Olhar Português, Coimbra, Almedina, 2006, p. 256. 28 Tendo neste capítulo em muito contribuído o Acórdão Telaustria, do TJUE, de 10 de Setembro de 2009 (Proc. C-206/08), onde este Tribunal salientou no tocante à concessão de serviços públicos dos sectores especiais, nos quais se insere o setor dos transportes, que apesar de tais contratos estarem afastados do âmbito de aplicação da Diretiva n.º 93/98/CEE, de 14 de Junho de 1993, respeitante à coordenação dos processos de celebração de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, as entidades adjudicantes que os celebravam estavam obrigadas a cumprir as regras fundamentais do tratado em geral e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade em particular.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 28

ambas de 31 de março de 2004, e que foram transpostas para o ordenamento

jurídico nacional através do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que aprovou o

Código dos Contratos Públicos.

A primeira Diretiva versa sobre a coordenação dos processos de adjudicação

dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de

fornecimento e dos contratos públicos de serviços. Esta Diretiva foi bastante

inovadora, uma vez que procedeu à compilação de regras e princípios que antes

estavam disseminados pelas Diretivas 93/36/CEE e 93/37/CEE, assim

modernizando e compatibilizando o anterior regime da contratação pública com as

novas preocupações da União Europeia.

A segunda Diretiva atém-se à matéria da coordenação dos processos de

adjudicação nos sectores especiais da água, da energia, dos transportes e dos

serviços postais, trazendo inovações em matéria de definição dos âmbitos subjetivos

e objetivos e, bem assim, de simplificação dos limiares agora aplicáveis a todos os

operadores independentemente do setor em causa.

Tais diretivas, como assinala Maria João Estorninho, trouxeram algumas

novidades relativamente à simplificação dos limiares aplicáveis, aos critérios de

adjudicação, ao incentivo à prossecução de políticas de natureza social ou ambiental

e, ainda, o procedimento de diálogo concorrencial, que visa introduzir flexibilidade

em contratos ou montagens financeiras complexas29.

Apesar do avanço significativo trazido pelas diretivas assinaladas, mantinha-

se presente o sentimento de inadequação do direito dos mercados públicos

relativamente à regulação das PPP, o que justificou a decisão da Comissão

Europeia, em Abril de 2004, em publicar o “Livro Verde Sobre as Parcerias Público-

Privadas e o Direito Comunitário em Matéria de Contratos Públicos e Concessões”.

Com ele se pretendendo renovar o debate com os agentes e os setores profissionais

29 Maria João Estorninho, ob. cit., p. 58.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 29

envolvidos, tendo como finalidade apresentar uma proposta de diretiva para regular

de modo idêntico as concessões e outras formas de cooperação entre os setores

público e privado, com particular ênfase sobre as PPP.

Deste modo, assiste-se à identificação dos elementos nucleares das

parcerias, a saber: a duração relativamente longa da relação de cooperação; o

financiamento parcialmente privado do projeto, com recurso a montagens jurídico-

financeiras complexas; a repartição de tarefas entre o agente privado e o ente

público, bem como a repartição dos riscos entre ambos. O desencadear deste

procedimento «mereceu o aplauso dos meios políticos, financeiros e Académicos»30.

2.3. O regime jurídico interno em Portugal

O Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, institui pela primeira vez em

Portugal um regime legal específico para as PPP.

Logo no seu preâmbulo deixou-se claro a ideia (aqui já reportada) de que

determinada parceria apenas se justifica quando se revelar vantajosa após a

realização do estudo necessário à utilização do comparador de sector

público. Como se alcança no seu artigo 1.º, o novo regime tinha como objeto a

definição de normas gerais aplicáveis à intervenção do Estado na definição,

conceção, preparação, concurso, adjudicação, alteração, fiscalização e

acompanhamento global das PPP.

No artigo 2.º do diploma procede-se a uma definição do conceito de PPP

definida enquanto tal como «… o contrato ou a união de contratos, por via dos quais

entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma

duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma

atividade tendente à satisfação de uma necessidade coletiva, e em que o

30 Cf., Maria Eduarda Azevedo, ob. cit, p. 186 e também no mesmo sentido Nazaré da Costa Cabra, ob. cit., p 147.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 30

financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem,

no todo ou em parte, ao parceiro privado.»

No n.º 4 do mesmo artigo surgem definidos os instrumentos de regulação

jurídica das PPP, a saber: o contrato de concessão de obras públicas, o contrato de

concessão de serviço público, o contrato de fornecimento contínuo, o contrato de

prestação de serviços, o contrato de gestão e o contrato de colaboração, quando

estiver em causa a utilização de um estabelecimento ou uma infraestrutura já

existentes, pertencentes a outras entidades, que não o parceiro público.

Destarte, este diploma estabelece um conjunto de princípios gerais sobre a

repartição de riscos entre o parceiro público e o privado, para assegurar a eficiência

da parceria ao nível de um sistema equilibrado de distribuição de encargos e riscos

entre os respetivos intervenientes.

O diploma exclui do âmbito da sua aplicação todas as PPP que envolvam,

cumulativamente, um encargo acumulado atualizado inferior a 10 milhões de euros e

um investimento inferior a 25 milhões de euros (situação que se mantém na lei

atualmente em vigor). Exclui também «todos os outros contratos de fornecimento de

bens ou de prestação de serviços, com prazo de duração igual ou inferior a três

anos, que não envolvam a assunção automática de obrigações para o parceiro

público no termo ou para além do termo do contrato.»

Quanto à avaliação das parcerias tratadas no seu capítulo II, é deixada a

cargo do ministério setorial onde a PPP a criar visa ser implementada, mediante a

notificação ao Ministro das Finanças ou à entidade que este para o efeito designar

(n.º 1, do artigo 8.º).

A fase seguinte de avaliação das propostas é atribuída a uma comissão

criada em cada caso para o efeito, designada por despacho conjunto dos Ministros

das Finanças e da tutela setorial, sendo esta composta por representantes dos

respetivos ministros – artigo 9.º.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 31

No tocante à fiscalização e controlo das parcerias, o artigo 12.º atribui esses

poderes a entidade ou serviço a indicar pelo Ministro das Finanças para as matérias

económicas e financeiras e pelo ministro da tutela sectorial para as demais. Já o seu

acompanhamento permanente, previsto no n.º 1 do artigo 13.º, é deixado a cargo

dos Ministros das Finanças e da tutela setorial respetiva, tendo por objetivo avaliar

os seus custos e riscos e melhorar o processo de constituição de novas parcerias. O

n.º 2 revela uma previsão genérica na qual se tipifica que «Os Ministros das

Finanças e da tutela sectorial tomam as providências necessárias para uma eficaz

divulgação dos conhecimentos adquiridos pelas entidades incumbidas do

acompanhamento das parcerias, bem como para uma crescente colaboração entre

elas.»

O Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, veio a ser posteriormente alterado

pelo Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de julho, o qual procedeu a diversas

modificações ao regime então vigente, nomeadamente no que tange à preparação

de processos de parceria e da execução dos respetivos contratos, «com vista a um

pretendido mas não demonstrado reforço da tutela do interesse financeiro

público.»31

Porém, muito embora se tenham verificado alterações significativas ao regime

jurídico aplicável às PPP, a verdade é que, ainda assim, tais não disciplinaram todas

as matérias a elas relativas. Neste particular, assumem relevância a falta de

mecanismos internos a observar pelo setor público no que toca à fase da

preparação e desenvolvimento dos projetos e de execução e acompanhamento dos

contratos, situações que adicionalmente à aprovação do Código dos Contratos

Públicos (CCP) vieram levantar dúvidas quanto à vigência de algumas das suas

disposições32.

Por outro lado, à semelhança do diploma alterado, mantinham-se dispersas

as competências relativas à participação na preparação, desenvolvimento, execução 31 Conforme se reconhece e assinala logo no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, o qual será também objeto de estudo mais adiante. 32 Neste sentido, atente-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, na parte onde refere que “…a aprovação do Código veio suscitar dúvidas quanto à vigência de algumas disposições do referido Decreto-Lei n.º 86/2003”.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 32

e, especialmente, acompanhamento global de processos de PPP. Ou seja, face a

inexistência da criação de um organismo próprio de acompanhamento das PPP,

continuava o Governo e outras entidades públicas, sem o necessário apoio técnico

especializado, uma vez que essas tarefas estavam repartidas por várias entidades

do setor público, com excessiva pluralidade de intervenientes em representação de

cada uma das entidades públicas envolvidas. O que determinava a inexistência de

uma gestão pública coordenada e, bem assim, a incapacidade do setor público de

acumular experiência, com a consequente (e recorrente) necessidade de recurso a

consultadoria externa, o que inevitavelmente se traduziu no agravamento dos

encargos suportados com as PPP.

No tocante aos sinalizados instrumentos de regulação jurídica das PPP

dispersos por vários diplomas, tal realidade foi substancialmente alterada, com

proveitos significativos, com a entrada em vigor do CCP, aprovado pelo Decreto-Lei

n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que estabelece a disciplina aplicável à contratação

pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de

contrato administrativo.

Este diploma estruturante, para além de proceder à transposição das citadas

Diretivas n.º 2004/17/CE e 2004/18/CE - alteradas entretanto pela Diretiva

n.º 2005/51/CE, da Comissão, de 7 de setembro, e retificadas pela Diretiva

n.º 2005/75/CE, do Parlamento Europeu e da Comissão, de 16 de novembro -, tem

também como objetivo uma nova sistematização e a uma uniformização de regimes

substantivos dos contratos administrativos fragmentados até então, revelando-se,

ademais, como um «instrumento de codificação da disciplina aplicável à contratação

pública e do regime substantivo dos contratos administrativos, motivado pela

necessidade de uniformização de regras dispersas».33

Por conseguinte, o CCP destacou-se por várias inovações, sendo de

sublinhar a relativa à criação de regulamentação adequada de alguns aspetos das

técnicas de project finance34, até então inexistentes ao nível da legislação ordinária, 33 Vide o preâmbulo do CCP. 34 Na definição oferecida por Nazaré da Costa Cabrla, ob. cit., p. 92, «Project Finance é uma forma de financiamento de infra-estruturas ou projetos industriais de longo prazo, baseado numa estrutura

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 33

desta forma dissipando um conflito entre as técnicas contratuais ditadas e as regras

legais relativas à contratação pública. A este propósito, surge referido logo no seu

preambulo, de modo clarividente, que «Na verdade, esta técnica de obtenção de

recursos financeiros para financiamento de projetos, recorrentemente utilizada na

Europa e em Portugal (especialmente quando associada a parcerias públicas-

privadas consubstanciadas em contratos de concessão) e sem a qual muitos

avultados investimentos ao serviço do desenvolvimento do País não teriam sido

possíveis, não encontrava qualquer reflexo ao nível da legislação ordinária, o que

gerava um conflito entre as técnicas contratuais ditadas, sobretudo, pela prática do

project finance e as regras legais relativas à contratação pública, de raiz

essencialmente comunitária. O novo CCP veio, assim, pôr um termo à divisão entre

a prática e a legislação no que respeita a alguns fenómenos generalizados com o

project finance e combinou a necessária rigidez das normas destinadas à

salvaguarda da concorrência garantida pela parte ii do Código com as recorrentes

garantias exigidas pelas entidades financiadoras do projeto que, no sucesso deste

veem a fonte quase exclusiva de retribuição do investimento suportado.»

Enquanto diploma regulador dos contratos das PPP, contempla as regras a

seguir no que tange à decisão de contratar, à competência para a nomeação do júri

e, também, às normas relativas à execução e modificação dos contratos de PPP

que, com exceção do diálogo concorrencial, nada acrescentaram às regras

estabelecidas no regime jurídico das PPP. De forma inovadora e sem paralelo no

regime anterior, prevê um procedimento adjudicatório de diálogo concorrencial,

podendo o mesmo ser adotado quando o contrato a celebrar, independentemente do

seu objeto, seja particularmente complexo, assim coartando a adoção do concurso

público ou do concurso limitado por prévia qualificação, destinando-se o

procedimento a permitir à entidade adjudicante debater com os potenciais

interessados na execução do contrato a celebrar a solução técnica mais adequada,

os meios técnicos e as estruturas jurídica e financeira, com vista à sua definição.

financeira complexa assente em dívida e outras formas de financiamento (v.g equity), na qual a dívida é saldada através de “cash-flow” gerado com a operacionalização do projeto, mais do que através de capitais próprios das empresas promotoras desse projeto».

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 34

Em suma nesta parte, verificou-se que, efetivamente, o CCP dotou o ente

público de um instrumento uniformizador de regulação jurídica dos contratos de

PPP, contudo sem que tal fosse suficiente para suprir outros aspetos de suma

importância e fulcrais no que toca à celebração das parcerias, com sendo as

questões relacionadas com a dispersão de competências relativas à participação na

preparação, desenvolvimento, execução e acompanhamento global das PPP.

Tendo em vista colmatar essas falhas, o Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de

maio, veio revogar o Decreto-Lei n.º 86/2003, assinalando logo no seu preâmbulo

visar colmatar parte das necessidades aqui anteriormente assinaladas ao mesmo

tempo que dando eco ao facto de que «Entretanto, a experiência adquirida

recomenda vivamente que se proceda a uma modificação significativa do regime

jurídico aplicável às PPP, designadamente no que diz respeito ao seu âmbito de

aplicação, à organização interna do setor público, a um melhor acompanhamento,

por parte do Ministério das Finanças, do desenvolvimento dos projetos e, em

particular, dos contratos de PPP já celebrados, assim como à transparência,

designadamente através da publicitação de documentos relacionados com esta

modalidade de contratação.»

Esta revisão, aprovada no contexto do Programa de Assistência Económica e

Financeira a Portugal, teve em vista reforçar a avaliação prévia, pelo Ministério das

Finanças, dos riscos de participação nas PPP, bem como a monitorização da

respetiva execução.

Neste diploma o legislador opta no artigo 2.º por proceder a uma redefinição

do conceito de PPP, a qual representa «o contrato ou a união de contratos por via

dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de

forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar, mediante contrapartida,

o desenvolvimento de uma atividade tendente à satisfação de uma necessidade

coletiva, em que a responsabilidade pelo investimento, financiamento, exploração, e

riscos associados, incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado.»

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 35

Por outro lado, passa a incluir na definição de “parceiros públicos” não apenas

as entidades públicas empresariais mas todas as empresas públicas. Para além

daquelas também inclui quaisquer outras entidades constituídas pelo Estado, por

entidades públicas estatais, por fundos e serviços autónomos ou por empresas

públicas, tendo em vista a satisfação de necessidades de interesse geral. O diploma

estabelece ainda um regime especial menos exigente para as parcerias lançadas e

desenvolvidas por empresas públicas com caráter comercial ou industrial, quando a

parceria não carece nem é objeto de financiamento ou garantias direta ou

indiretamente concedidas pelo Estado e os seus custos não possam vir afetar a

dívida pública. Há ainda a registar o alargamento dos instrumentos de regulação de

PPP a contratos que, até à entrada em vigor deste novo regime, não estavam

abrangidos, como é o caso das subconcessões de obras públicas e de serviços.

O diploma exclui do seu âmbito de aplicação as concessões de sistemas

multimunicipais de abastecimento de água para consumo humano, de saneamento

de águas residuais e de gestão de resíduos sólidos urbanos e as concessões

atribuídas pelo Estado, através de diploma legal, a entidades de natureza pública ou

de capitais unicamente públicos, sem prejuízo de as parcerias desenvolvidas por

qualquer uma destas entidades estejam cobertas pelo próprio diploma - [cf. alíneas

b) e c), do n.º 5 do artigo 2.º].

Mas, a nosso ver, a grande inovação deste diploma atém-se à criação da

Unidade Técnica de Acompanhamento do Projetos35, para efeito do «cabal

cumprimento das suas atribuições, ajustar alguns aspetos do regime legal aplicável

às PPP, designadamente em matéria procedimental, de modo a contemplar a forma

e o âmbito de intervenção desta nova entidade»36, a qual tem por missão o

desenvolvimento e o acompanhamento de processos de parcerias, em estreita

colaboração com os ministérios setoriais e com as entidades públicas contratantes

envolvidas. 35 Segundo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, esta Unidade “que tem a natureza de entidade administrativa dotada de autonomia administrativa, na dependência direta do membro do Governo responsável pela área das finanças, assume responsabilidades no âmbito da preparação, desenvolvimento, execução e acompanhamento global dos processos de PPP e assegura um apoio técnico especializado ao Governo, e em especial ao Ministério das Finanças, em matérias de natureza económico-financeira”. 36 Idem.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 36

Por outro lado, este diploma alargou o seu âmbito de aplicação. No que diz

respeito a decisões suscetíveis de gerar encargos, atribui uma assinalável

relevância à sua comportabilidade orçamental, quer na vertente de lançamento de

novas parcerias, quer na vertente de eventuais determinações unilaterais proferidas

pelos parceiros públicos.

Deste modo, para além de se passar a exigir uma análise de

comportabilidade orçamental e a realização de análises de sensibilidade, com vista à

verificação da sustentabilidade de cada parceria face a variações de procura e a

alterações macroeconómicas, contempla ainda uma análise custo-benefício e a

elaboração de uma matriz de partilha de riscos, com uma clara identificação da

tipologia de riscos assumidos por cada um dos parceiros, sempre que se prepare um

novo projeto de parceria.

Por fim, destaca-se a adoção de medidas que visam tornar mais

transparentes os processos relativos a PPP, designadamente, mediante a

publicitação obrigatória de vários documentos com as mesmas relacionadas.

Este diploma de revisão do regime geral das PPP dá corpo aos objetivos e

medidas previstas no Programa de Assistência Financeira acordado com a União

Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, mais

concretamente no que respeita à obrigação de o Estado Português introduzir no seu

ordenamento jurídico um quadro legal e institucional reforçado, no âmbito do

Ministério das Finanças, que permita um efetivo e rigoroso controlo dos encargos,

bem como dos riscos, associados às PPP37.

Em suma, nesta matéria, poder-se-á concluir, após análise mais detalhada

dos diplomas assinalados, que o contrato de PPP concretiza-se essencialmente a

partir da forma ou do tipo de contrato que assume. Restando acrescentar que numa

PPP é normal suceder que em torno do contrato principal (que geralmente é uma

37 Neste sentido, cf. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 37

“concessão”)38 existam uma série de outros contratos associados, como por

exemplo de projeto de construção, de operação e manutenção, de compra e

produção, de financiamento, entre outros. Dando corpo a esta última realidade

assinalada o legislador veio a optar, mais uma vez, no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º

112/2012, de 23 de maio, por recorrer a expressões como “contrato” ou “união de

contratos”.

3. Acompanhamento, fiscalização e controlo interno e externo

As Parecerias Público-Privadas são objeto de acompanhamento, fiscalização

e controlo (interno e externo), através de várias entidades com competências

legalmente definidas para esse efeito, as quais de seguida se passam a detalhar.

3.1. Unidade Técnica de Acompanhamento dos Projetos

Decorrente da assinatura do Memorando de Entendimento e posterior entrada

em vigor, do Decreto-Lei n.º 111/2012, foram alterados significativamente os

mecanismos de controlo das PPP, mediante a concentração de poderes há muito

necessária na já mencionada Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos,

dependente apenas do Ministro das Finanças, passando a centralizar um conjunto

de competências em matéria de definição, conceção, preparação, lançamento,

adjudicação, alteração, fiscalização e acompanhamento das PPP (cfr. artigos 34.º e

35.º do referido diploma). Assim se verificando uma redução das competências de

serviços e entidades de outros ministérios agora concentradas nesta Unidade.

38 O artigo 407.º do CCP dispõe do seguinte modo:

“1 - Entende-se por concessão de obras públicas o contrato pelo qual o co-contratante se obriga à execução ou à conceção e execução de obras públicas, adquirindo em contrapartida o direito de proceder, durante um determinado período, à respetiva exploração, e, se assim estipulado, o direito ao pagamento de um preço. 2 - Entende-se por concessão de serviços públicos o contrato pelo qual o co-contratante se obriga a gerir, em nome próprio e sob sua responsabilidade, uma atividade de serviço público, durante um determinado período, sendo remunerado pelos resultados financeiros dessa gestão ou, diretamente, pelo contraente público. 3 - São partes nos contratos referidos nos números anteriores o concedente e o concessionário”.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 38

Das competências atribuídas à Unidade destacam-se as resultantes da

designação das equipas de projeto para o estudo e das equipas para acompanhar a

fase inicial de execução, preparação e lançamento e a nomeação dos membros dos

júris e comissões de negociação, a recolha, tratamento e centralização da

informação económico-financeira e de repartição de riscos respeitante a contratos

de parceria já em curso ou a celebrar.

Para além dessas atribuições, a Unidade está incumbida de informar o

Ministro das Finanças da posição económico-financeira dos contratos de PPP e sua

evolução. Bem como, de referenciar as situações suscetíveis de concorrer para um

eventual agravamento do esforço financeiro do setor público [cfr. alíneas l) e m), do

n.º 2 do artigo 35.º].

Neste desiderato o Estado passou a estar melhor apetrechado para avaliar de

modo mais objetivo e transparente o melhor modelo de contratação para um

investimento público, o seu custo-benefício ao longo de toda a sua vigência e os

riscos derivados da sua execução.

3.2. Tribunal de Contas

Do lado do controlo público externo, a principal Lei delimitadora dos poderes e

competências do Tribunal de Contas (Lei n.º 98/9739, de 26 de Agosto) confere a

este órgão de soberania e auditor externo do Estado, amplos poderes de

fiscalização, controlo e auditorias das PPP40, através de várias modalidades de

controlo de fiscalização prévia, concomitante e sucessiva.

A fiscalização prévia41 tem como finalidade verificar se os atos, contratos ou

outros instrumentos geradores de despesa ou representativos de responsabilidades

financeiras diretas ou indiretas estão conformes às leis em vigor e se os respetivos

39 Há que considerar as suas alterações, com destaque para as últimas introduzidas pelas Leis n.º 2/2012, de 2 de janeiro e, a 13.ª e mais recente, Lei n.º 20/2015, de 9 de março. 40 Assim resulta do artigo 2.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto. 41 Artigo 44.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 39

encargos têm cabimento em verba orçamental própria. Constituindo fundamento da

recusa do visto a desconformidade dos atos, contratos e demais instrumentos

referidos com as leis em vigor que implique: nulidade; encargos sem cabimento em

verba orçamental própria ou violação direta de normas financeiras, ilegalidade que

altere ou possa alterar o respetivo resultado financeiro.

Neste último caso, o Tribunal, em decisão fundamentada, pode conceder o

visto e fazer recomendações aos serviços e organismos no sentido de suprir ou

evitar no futuro tais ilegalidades.

Não se encontram abrangidos por este regime de fiscalização os contratos

em que a remuneração do concessionário provenha exclusivamente dos preços que

os utentes pagam pelos serviços que ela presta ou pelos bens que forneça.42

Por sua vez, a fiscalização concomitante43 é levada a efeito relativamente às

despesas emergentes dos atos ou contratos que não devam ser remetidos para

fiscalização prévia.

Através da fiscalização sucessiva44 o Tribunal de Contas avalia os sistemas

de decisão e de controlo interno e aprecia a legalidade, a correção financeira, a

economia, eficiência e eficácia da gestão financeira das entidades sob a sua

jurisdição e/ou controlo financeiro, incluindo os fluxos com a União Europeia,

realizando auditorias de qualquer tipo ou natureza e verificação de contas.

Para além dessas modalidades de controlo, fiscalização e verificação externa

das contas, o Tribunal pode realizar a qualquer momento, por iniciativa sua ou a

solicitação da Assembleia da República ou do Governo, auditorias de qualquer tipo

ou natureza a determinados atos, procedimentos ou aspetos da gestão financeira de

uma ou mais entidades sujeitas aos seus poderes de controlo financeiro, concluindo

42 Cf., Nazaré da Costa Cabral, ob. cit., p. 203, bem como resulta da conjugação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º com o artigo 47.º, ambos da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto. 43 Artigo 49.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto. 44 Artigo 50.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 40

a final pela elaboração e aprovação de um relatório, cujas consequências legais se

acham previstas no n.º 2 do artigo 55.º da Lei n.º 98/97.

3.3. Unidade Técnica de Apoio Orçamental

A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) carateriza-se por ser «uma

unidade especializada que funciona sob orientação da comissão parlamentar

permanente com competência em matéria orçamental e financeira, prestando-lhe

apoio pela elaboração de estudos e documentos de trabalho técnico sobre a gestão

orçamental e financeira pública», segundo determina a Lei de Organização e

Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República (Lei n.º 77/88, de 1 de

julho, alterada pela Lei n.º 13/2010, de 19 de julho).

A UTAO carateriza-se desde a sua criação pelo facto de ser constituída por

peritos independentes escolhidos por concurso público, sendo-lhe reconhecida uma

margem elevada de imparcialidade em matéria de controlo e reporte das contas

públicas enquanto órgão de assessoria técnica do Parlamento.

Esta Unidade, criada em 2006, viu as suas funções reforçadas em 2014

(mediante acordo de todas as bancadas parlamentares), através da Resolução da

Assembleia da República n.º 60/2014, de 30 de junho (aprovada por unanimidade, o

que é revelador da importância concedida a esta entidade), a qual lhe atribui

competências relativas à avaliação e acompanhamento das PPP, concessões e

reequilíbrios financeiros. Designadamente, com o aditamento das alíneas e), f) e g)

ao artigo 10.º-A da Resolução da Assembleia da República n.º 20/2004, de 16 de

fevereiro45, as quais têm o seguinte teor:

«e) Avaliação e acompanhamento dos contratos de Parceria Público

Privados celebrados por qualquer entidade pública, nomeadamente os

encargos decorrentes da sua celebração, processo de negociações e

alterações contratuais e o seu cumprimento; f) Avaliação e

45 Aditado pela Resolução da Assembleia da República n.º 53/2006, de 7 de agosto e alterado pela Resolução da Assembleia da República n.º 60/2014, de 30 de junho.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 41

acompanhamento dos contratos de Concessão celebrados por qualquer

entidade pública, nomeadamente os encargos decorrentes da sua

celebração, processo de negociações e alterações contratuais e o seu

cumprimento; g) Avaliação e acompanhamento dos contratos de

Reequilíbrio Financeiro celebrados por qualquer entidade pública,

nomeadamente os encargos decorrentes da sua celebração, processo

de negociações, alterações contratuais e o seu cumprimento;»

4. Riscos financeiros presentes e futuros

Da análise efetuada quanto ao acervo legislativo que enforma o universo dos

contratos de PPP ao longo do tempo em Portugal é possível, desde logo, concluir-se

que pelo menos até à entrada em vigor e colocação em prática das medidas

contempladas no Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, o Estado demonstrava

impreparação para celebrar este tipo de contratos.

Isto porque, para além da tardia elaboração de um diploma específico de

regulação da matéria relativa às PPP (a qual apenas ocorreu com a aprovação do

Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril), a verdade é que este diploma ficou ainda

assim muito aquém daquilo que seria expetável, uma vez que ele próprio remetia os

instrumentos de regulação jurídica das PPP para outros diplomas e

simultaneamente atribuía os poderes de fiscalização e controlo da execução das

parcerias para entidades ou serviços diversos não concretamente designados, mas

a indicar pelo Ministro das Finanças - no caso a Parpública, SGPS, SA - para as

matérias económicas e financeiras e ministro da tutela sectorial para as demais, com

a inevitável disparidade de critérios e desconcentração de conhecimento porventura

adquiridos que tais situações acarretam. Ambas as circunstâncias se mantiveram

sem que fossem corrigidas aquando da alteração desse diploma preconizada pelo

Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de julho.

Tal factualidade acabou por ter, inevitavelmente, reflexos na larga maioria dos

contratos de PPP até então celebrados e ainda hoje em vigor, não sendo pois de

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 42

estranhar que a falta de tratamento e estudo numa entidade centralizada sobre a

matéria tenha impedido o Estado de celebrar os contratos dotados do know-how

técnico e financeiro mais adequado e necessário à sua adjudicação, mais que não

seja na perspetiva de garantir o melhor investimento custo-benefício para a

generalidade dos contribuintes.

No entanto, contrariamente ao contratante público, os parceiros privados,

desde a fase negocial dos contratos, sempre se apresentaram manifestamente

melhor preparados e apetrechados de capacidade técnica capaz de acautelar os

seus interesses aquando da celebração dos respetivos contratos. No sentido de

melhor se compreender esta perspetiva, bastará ter em linha de conta que, por

regra, face à dimensão dos valores e compromissos exigidos pelos contratos, do

lado do particular apresentavam-se as maiores e mais bem dotadas empresas a

operar no mercado nacional.

A título de exemplo, note-se que em 2011, das 36 parcerias então ativas

abrangidas pelos diplomas (atualmente são 32), cerca de 90% da receita paga aos

consórcios detentores da parte privada da parceria tinha como beneficiários a Mota-

Engil, o Grupo Espirito Santo (presente na saúde e nas estradas através da

Ascendi), o Grupo Mello (também na saúde e nas estradas com a Brisa) e a Soares

da Costa.

Não é pois de estranhar que na sua larga maioria as PPP representem

avultados custos para o Estado, com os quais se vê confrontado durante varias

décadas (atendendo à longa duração dos contratos), sendo precisamente os mais

onerosos aqueles que têm em regra uma maior longevidade. Esta situação há muito

se encontra identificada como se pode constatar no preambulo do Decreto-Lei n.º

141/2006, de 27 de julho onde é dito que «As entidades com competências nesta

matéria têm, aliás, repetidamente alertado para situações de acréscimo de

onerosidade para o Estado, relativamente às expectativas iniciais ou mesmo aos

termos efetivamente contratados, em que não se verifica uma efetiva transferência

de risco para os parceiros privados ou em que, pelo menos, o parceiro público

assume compromissos ou assegura taxas de rendibilidade dos capitais privados

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 43

sem correspondência no perfil de risco efetivo do projeto.». Não obstante a perceção

para a dimensão deste problema, a verdade é que, conforme se teve oportunidade

de assinalar, tal diploma não procedeu a mudanças significativas neste domínio ou,

pelo menos, com alguma relevância objetiva.

No mesmo sentido, o Tribunal de Contas tem vindo ao longo do tempo a

alertar, consecutivamente, para essa desproporcionalidade. Havendo a destacar a

publicação das Linhas de Orientação e Procedimentos para o desenvolvimento de

Auditorias Externas a Parcerias Público-Privadas, por si emanadas em 2008, através

das quais já na altura começava por fazer constar em nota prévia que «Portugal é,

atualmente, o país europeu com maior percentagem de Parcerias Público-Privadas

quer em relação ao Produto Interno Bruto, quer em relação ao Orçamento do

Estado. Os contratos de Parceria Público-Privada celebrados pelo Estado

concedente, no domínio das infraestruturas de transporte (concessões rodoviárias e

ferroviárias), envolvem atualmente importantes compromissos financeiros para o

Estado, que representam cerca de metade do orçamento do MOPTC.».

De igual modo, entre outras conclusões de relevo alcançadas nesse

documento, o mesmo Tribunal alertava também para o facto de se afigurar como

fundamental «a criação de estruturas técnicas profissionalizantes dotados de

competências ao nível técnico, jurídico e financeiro e de coordenação geral, tendo

em vista o apetrechamento de capacidades negociais do sector público para a

celebração de contratos de parceria com o sector privado.»

No ano seguinte, em 2009, o Observatório da Universidade Católica

salientava que Portugal era o país a nível mundial que mais gastos suportava com

as PPP em relação ao seu PIB.

Mais tarde, em 2011, já no âmbito do Programa de Assistência Financeira a

Portugal, acordado com a Comissão Europeia, BCE e FMI, foi celebrado o

“Programa de Ajustamento” composto por dois documentos fundamentais: o

Memorando de Políticas Económicas e Financeiras (MEFP), na base dos acordos

com o FMI, e o Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 44

Económica a (Memorandum of Understanding – MoU), traduzindo-se este no

documento oficial da Comissão Europeia e do BCE.46

Ficou estabelecido no MoU como principal objetivo em matéria de PPP a

realização de uma auditoria externa aos 36 contratos então em vigor no sentido de

conhecer as especificidades concretas de cada um, designadamente, as respetivas

condições financeiras e de partilha do risco. Para tanto foi levada a cabo uma

auditoria realizada pela Ernest & Young47, através da qual procedeu a uma análise

integral e exaustiva de todas as fases das parcerias (preparação dos concursos,

seleção das propostas, realização dos contratos, estudo das cláusulas-chave e

cumprimento dos contratos, bem como, exame da situação financeira das parcerias

e avaliação do acompanhamento realizado pelo gestor público). As conclusões

desse relatório foram inicialmente levadas ao conhecimento do Ministério das

Finanças e depois submetidas à apreciação da Comissão Parlamentar de Inquérito à

Contratualização, Renegociação e Gestão de todas as Parcerias Público-Privadas

do Setor Rodoviário e Ferroviário.48

Esse estudo destacou a necessidade de obtenção significativa de diminuição

de encargos para o Estado decorrentes de uma futura renegociação de contratos de

PPP, com particular incidência nos respeitantes ao setor rodoviário. Nele concluiu-se

ainda “pela heterogeneidade de contratos e condições existentes nas várias

parcerias contratadas ao longo do tempo, bem como pela presença de condições

desfavoráveis para o Estado em alguns dos contratos, os quais se recomendou que

fossem revistos”49.

Entre 2008 e 2010, os encargos líquidos com as PPP mais do que duplicou,

superando os 1.128 milhões de euros em 2010. Representando em termos de

46 Ambos os documentos abordam os mesmos temas e refletem semelhantes decisões, mas o segundo apresenta um maior grau de detalhe no que tange à execução das medidas e prazos previstos. 47 A seleção da Consultora Ernst & Young resultou do concurso público internacional lançado pela DGTF, em linha com as diretrizes constantes do Memorando de Entendimento. 48 Os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito à Contratualização, Renegociação e Gestão de todas as Parcerias Público-Privadas do Sector Rodoviário e Ferroviário decorreram entre maio de 2012 e junho de 2013. 49 Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Primeiro Ministro, 2011-2014, p. 41.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 45

percentagem do PIB, um aumento de aproximadamente 0,3% em 2008 para 0,7%

em 201050.

Atenta a conjuntura nacional, a Estrutura de Acompanhamento dos

Memorandos (ESAME)51, definiu como principais metas em matéria de PPP a

necessidade de renegociação dos contratos existentes com particular incidência nos

rodoviários, assim almejando obter «poupanças significativas para o erário público

no curto e médio prazo» e «a alteração do enquadramento legal e do processo de

contratação e controlo associado às PPP, reforçando a transparência dos contratos,

o papel das entidades de controlo (Tribunal de Contas e Unidade Técnica de Apoio a

Projetos) e as responsabilidades do parceiro público ao longo do ciclo de vida dos

contratos»52.

Finalmente, concluí a ESAME nesta parte que «Adicionalmente e seguindo a

lógica da partilha de sacrifícios entre cidadãos e entidades públicas e privadas,

impunha-se um exigente processo de renegociação da matriz de risco contratual e

da rentabilidade acionista do projeto.»53

Nesse contexto e tendo por base esses números entretanto apurados, o

Governo54 procedeu à renegociação dos contratos de PPP com as concessões

rodoviárias das Ex-SCUT do Norte Litoral, do Grande Porto, do Interior Norte, da

Costa da Prata, da Beira Litoral/Beira Alta, da Beira Interior e do Algarve;

Concessões Norte e da Grande Lisboa e as Subconcessões, Autoestrada

Transmontana, do Baixo Tejo, do Baixo Alentejo, do Litoral Oeste, do Pinhal Interior 50 Idem, p. 40. 51 A ESAME foi criada em Conselho de Ministros em julho de 2011 (duas semanas após a tomada de posse do XIX Governo), tendo a sua sede em São Bento e extinta a 30 de junho de 2014. Desempenhou o trabalho técnico de acompanhamento dos ministérios de forma individualizada na execução das medidas previstas no Memorando de Entendimento, aquando do Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal. Esta unidade teve como objetivo principal e exclusivo a monitorização do cumprimento das diferentes obrigações a que Portugal se vinculou a troco do financiamento externo disponibilizado, tendo para isso procedido numa primeira fase ao estabelecimento direto de ligações e cooperação entre os diferentes ministérios e posteriormente na ligação com as equipas de avaliação do BCE, CE e FMI, com quem mantinha contato semanal e prestou o devido acompanhamento nas 12 avaliações efetuadas ao programa de ajustamento. O seu trabalho final consistiu na publicação do documento «A Gestão do Programa de Ajustamento, 1000 dias 450 medidas cumpridas». 52 Estrutura de Acompanhamento dos Memorandos, ob. cit. P. 40. 53 Idem, P. 41 54 XIX Governo Constitucional (21 de junho de 2011 - 30 de outubro de 2015).

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 46

e do Algarve Litoral.55 A renegociação dos contratos possibilitou no imediato diminuir

os encargos de 2014 em perto de 575 milhões de euros, assim representando uma

poupança de 23,6% do total de encargos de 2012.56

Contudo, muito embora as renegociações também visassem a obtenção de

uma poupança estrutural nos contratos de PPP existentes, tendo inclusivamente o

Governo previsto que o custo total do Estado com essas fosse reduzido em cerca de

7.500 milhões de euros ao longo da vida útil destes contratos (2014 a 2040), a

verdade é que a UTAO, já em 2016, veio alertar que as renegociações envolvem um

conjunto de requisitos formais, dos quais se destaca o visto do Tribunal de Contas,

com eventual impacto nos processos iniciados e ainda não concluídos, motivo pelo

qual as previsões de poupança não se encontram ainda totalmente materializadas.

Por outro lado os processos de renegociação foram alcançados mediante a

atribuição de contrapartidas pelo Estado cujos custos ainda não é possível

quantificar na totalidade, receando-se que a poupança estimada fique, na verdade,

muito aquém do esperado. A título de exemplo cumpre referir a passagem da

responsabilidade pelas grandes reparações das PPP rodoviárias das

concessionárias para a esfera da Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP).

5. Projeções de encargos O Relatório do Orçamento de Estado para 2017 prevê encargos líquidos com

as PPP para este ano capazes de atingir os 1.684 milhões de euros, se bem que

destes excluindo os encargos líquidos relativos às infraestruturas do Túnel do

Marão, A21 e troço da A23, a cargo da IP. Desses, 70% respeitam às PPP

rodoviárias e 27% às PPP da saúde Essa previsão já inclui os efeitos esperados das

renegociações em curso das PPP rodoviárias e o resultado dos processos de

renegociação concluídos e a produzir efeitos das 9 concessões rodoviárias e do

contrato SIRESP, à semelhança do registado em 2016. 55 Fonte UTAP, Relatório Anual PPP 2012, p. 11. 56 Neste sentido, Ministério da Economia, Economic Adjustment Program: Follow up on PPP, setembro de 2013.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 47

Por sua vez, o Boletim Anual das PPP – 201657, revelou as projeções de

encargos para os próximos anos, refletidas no quadro seguinte:

Não obstante as projeções de encargos com as PPP apresentarem uma

diminuição significativa praticamente ao longo do tempo restante dos contratos, tal

não significa que assim se venha a verificar efetivamente. Isto porque, para além de

não ser ainda conhecido o custo efetivo e o impacto orçamental das contrapartidas

assumidas pelo Estado nas renegociações dos contratos, outros constrangimentos

legais previstos contratualmente poderão ser acionados pelos contratantes privados

situação que poderá alterar também os valores projetados.

6. A Reposição do equilíbrio financeiro

Assume particular enfase, praticamente em todos os contratos de PPP, a

inclusão de mecanismos de reposição de equilíbrio financeiro (REF), traduzida em

compensações pagas pelo Estado ao contratante privado.

Conforme salienta Nazaré da Costa Cabral «o mecanismo da reposição do

equilíbrio financeiro aparece associado ao instituto de alteração das circunstâncias, 57 Disponível para consulta em: www.utap.pt.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 48

constituindo pois uma cláusula específica que visa acautelar, quando esta alteração

ocorra, os interesses e a confiança dos contratantes e, particularmente, do

contratante privado (…) Por outro lado, trata-se de um mecanismo que visa fazer

face aos riscos que se não possam considerar riscos próprios do contrato.»58

A reposição do equilíbrio financeiro contratualmente prevista abrange um

número significativo de situações que de alguma forma podem diminuir a taxa de

rentabilidade calculada para o projeto. Entre outras elas poderão apresentar-se

situações derivadas da modificação das condições de exploração impostas

unilateralmente pelo parceiro público, de alterações legislativas com impacto

específico no contrato ou em casos de “força maior”, critério este cuja subjetividade

e ambiguidade é difícil de balizar e tem levado a diversos pedidos que

posteriormente não vêm reconhecido mérito em sede arbitral e judicial (ainda assim

com os prejuízos decorrentes dos custos desses processos entre outros

constrangimentos de cativação de verbas orçamentais em anos consecutivos).

A UTAP59 salienta que estes pedidos ocorrem com bastante frequência ao

longo da vida dos contratos de PPP, onde frequentemente os parceiros privados

empolam não só os valores em questão como também os próprios fundamentos que

alegadamente lhes servem de base. Consequentemente, é recorrente tais pedidos

acabarem por ser dirimidos em tribunal arbitral.

Não obstante, o Programa de Estabilidade e o Programa Nacional de

Reformas para 2016-202060, publicado em abril de 2016, evidencia que a maioria

dos pedidos formulados não tem sido aceite por se concluir pela inexistência de

fundamentos para o pagamento das compensações/indemnizações solicitadas.

Todavia, não deixa de ressalvar, que não é possível quantificar o impacto

orçamental dos processos pendentes de decisão.

58 Nazaré da Costa Cabral, ob. cit., p 195. 59 Fonte UTAP, Relatório Anual das PPP 2015, p. 75. 60 Vide Programa de Estabilidade, 2016-2020, p. 25.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 49

Ainda assim, segundo o mesmo Programa, até 2015, os pedidos de reposição

do equilíbrio financeiro apresentados pelas concessionárias e subconcessionárias

rodoviárias remontam a 2.070 milhões de euros.

No sector ferroviário, em 2012, registou-se um pedido de reposição do

equilíbrio financeiro apresentado pela Fertagus, na sequência do aumento da taxa

das infraestruturas ferroviárias nesse ano, no valor de cerca de 1,5 milhões de

euros/ano desde então.

Na sequência de um pedido formulado pela ELOS - Ligações de Alta

Velocidade, em 2014, foi constituído o tribunal arbitral para a avaliação da

indemnização solicitada no montante de 169 milhões de euros, derivada da recusa

de visto pelo Tribunal de Contas aos contratos relacionados com as infraestruturas

ferroviárias no troço Poceirão-Caia e da Estação de Évora.

No sector da saúde, destaca-se o pedido de reposição do equilíbrio financeiro

apresentado pela EG Estabelecimento do Hospital de Loures, no montante de 3

milhões de euros, respeitante à formação dos médicos internos.

No setor da segurança, em 2015, foram solicitados quatro pedidos de

reposição do equilíbrio financeiro decorrentes dos atrasos registados na montagem

da rede SIRESP ou com encargos extras incorridos pela concessionária no sentido

de cumprimento do prazo definido contratualmente.

O impacto orçamental destes pedidos tem implicações de alguma forma

imprevisíveis nos Orçamentos do Estado, presente e/ou futuros, como aliás teve

oportunidade de se assinalar no Relatório Final da Comissão Parlamentar de

Inquérito à Contratualização, Renegociação e Gestão de Todas as PPP do Setor

Rodoviário e Ferroviário, aprovado em reunião realizada no dia 4 de julho de 2013,

onde é referido que «não é possível existir um montante fixo e duradouro no que

respeita aos encargos do Estado com as PPP. Sobretudo porque as PPP foram

construídas tendo como base um conjunto de variáveis e estimativas que só são

verificáveis após essa mesma previsão». Acrescentando nas suas conclusões que

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 50

«os contratos PPP já se saldaram até à data em sucessivos processos de

reequilíbrio financeiro, com milhares de milhões de euros de despesa para o Estado

não prevista inicialmente.»61

Por outro lado, o mesmo relatório sublinha nas suas conclusões que a

contratação com recurso às PPP «é incerta quanto aos encargos globais para o

Estado pois assentam em previsões a longo prazo que podem alterar-se a qualquer

momento.»62

Concluindo nesta parte, como de seguida melhor se verá, na grande maioria

dos casos, as PPP têm representado avultados custos para o Estado, que se vê

compelido durante décadas ao cumprimento de condições contratuais

desfavoráveis, cuja renegociação nem sempre se traduz numa diminuição de

encargos ou na manutenção da totalidade dos serviços inicialmente contratados.

De notar ainda que a contratação de novas PPP foi suspensa em Portugal

com a chegada da Troika63, em junho de 2011. Contudo, entre a oitava e a nona

avaliação do cumprimento do Plano de Ajustamento, essa proibição veio a ser

levantada.

7. Parcerias Público-Privadas ativas em Portugal

O Boletim Anual das PPP – 201664, elaborado e divulgado pela UTAP,

considerou o universo das 32 parcerias ativas em Portugal que integram os setores

61 Programa de Estabilidade, ob. cit., p. 348. 62 Idem, p. 364. 63 Este termo tem origem na palavra russa troika, que designa um comité de três membros. No contexto político a troika é composta por uma equipa de consultores, analistas e economistas incumbidos da negociação com os países que solicitam um pedido de resgate financeiro, tendente à consolidação das suas contas públicas. A equipa desloca-se aos países e analisa detalhadamente as receitas e despesas dos respetivos Estados, contando com a colaboração dos vários organismos do Estado e dos próprios partidos da oposição, ordens profissionais e associações de apoio ao consumidor. Após essa análise a troika elabora um memorando, onde são inscritas as medidas a concretizar para normalizar as contas públicas, os prazos e os montantes pecuniários a entregar ao país. No caso dos países Europeus que solicitaram a intervenção da Troika já neste século (Grécia, Irlanda e Portugal) integravam este comité o Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia. 64 Disponível para consulta em: www.utap.pt.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 51

rodoviário, ferroviário, saúde e segurança e representantes de um investimento

acumulado (concretizado pelos parceiros privados), entre 1998 e 2016, na ordem

dos 14.609 milhões de euros, conforme abaixo ilustrado:

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 52

Do quadro evidenciado é possível verificar que o sector rodoviário continua a

destacar-se não só pela dimensão que apresenta em termos de número de PPP (21

parcerias), mas também em termos de investimento acumulado (93%) e até de

encargos líquidos (71% dos valores globais) que em 2016 assumem para o sector

público pagamentos em montante a rondar os 1.703 milhões (0,9% do PIB) de euros

(1.598 milhões em 2015), o que representa um acréscimo de 12% face a 2015 e um

nível de execução orçamental 1% acima do valor previsto no Relatório do OE/2016.

7.1. No setor rodoviário

O grupo das PPP rodoviárias incorpora as 14 concessões do Estado

Português e 7 subconcessões diretamente concedidas pela IP65.

Relativamente às concessões do Estado Português, onde se incluem as 7 ex-

SCUT e as 7 originalmente com portagem real, atendendo à natureza dos fluxos

financeiros que lhe estão associados, de acordo com os respetivos contratos, podem

dividir-se em três grupos:

O primeiro grupo é composto pelas concessões remuneradas com base num

regime de disponibilidade das vias, onde se integram as antigas SCUT (Grande

Porto, Costa de Prata, Norte Litoral, Beira Litoral/Beira Alta, Interior Norte e Algarve),

excetuando-se as da Beira Interior, e as duas de portagem real convertidas para

regime de disponibilidade (Norte e Grande Lisboa). Estas PPP são remuneradas

através de um pagamento relativo à disponibilidade da infraestrutura (composto por

uma componente fixa e outra ajustável em função da inflação ou apenas por uma

componente fixa), adaptado pelas deduções atinentes a falhas de disponibilidade e

pelo impacto da evolução dos índices de sinistralidade. O produto da cobrança de

portagens nestas concessões reverte para a IP, que, por sua vez, assegura os

pagamentos por disponibilidade às concessionárias, em representação do Estado

Português. As concessionárias são ainda remuneradas pela IP pelos custos de 65 No âmbito das atribuições que lhe são conferidas por via do contrato de concessão, a IP passou a ser responsável pela realização dos pagamentos e pela recolha de receitas das concessões do Estado Português.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 53

cobrança das portagens por elas efetuado, com exceção das concessões Norte e

Grande Lisboa.

O segundo grupo integra a Concessão da Beira Interior, a qual possui um

esquema remuneratório misto assente no regime de disponibilidade das vias e no

produto da cobrança de portagens - esta última transferida para a concessionária.

Por último, no terceiro grupo, as concessões de portagem real - onde se

incluem as do Oeste, Litoral Centro, Douro Litoral, Lusoponte e Brisa -, as quais

procedem à cobrança direta de receitas das portagens aos utilizadores da

infraestrutura, não apresentando fluxos financeiros correntes para o setor público

(com a ressalva para a Lusoponte, a qual fruto das alterações contratuais entretanto

ocorridas apresenta fluxos financeiros nos dois sentidos).

Quanto às subconcessões diretamente atribuídas pela IP, muito embora os

contratos associados às diferentes PPP não sejam homogéneos no que toca à

composição da remuneração das subconcessionárias, ainda assim esta pode ser

categorizada do seguinte modo: pagamento por disponibilidade das vias da

infraestrutura; pagamento por serviço (remuneração sustentada no nível de tráfego

efetivamente verificado).

Cumpre ainda mencionar outras responsabilidades derivadas de pagamentos

contingentes, resultantes da reformulação dos modelos financeiros ocorrida em

momento anterior à assinatura final dos contratos de subconcessão, em 2009 e

2010, em virtude de alterações verificadas nos mercados financeiros no hiato de

tempo compreendido entre o lançamento dos concursos e a contratação final. Bem

como as reduções referentes a falhas de desempenho e de disponibilidade, e as

penalizações derivadas de externalidades ambientais e sinistralidade (estes valores

são subtraídos aos valores da remuneração total recebido pela subconcessionária).

Em resumo, atendendo aos diferentes tipos de remuneração neste segmento

rodoviário, os encargos e receitas para o setor público com estas podem classificar-

se do seguinte modo:

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 54

a) Segundo os encargos do setor público:

i. Os provenientes dos pagamentos por disponibilidade das vias e

responsabilidades ligadas aos pagamentos contingentes66, ajustados de

eventuais abatimentos previstos contratualmente;

ii. Pagamentos por serviço (subordinados ao nível de tráfego);

iii. Custos derivados do serviço de cobrança de portagens e encargos

suportados na realização de grandes reparações, atento o novo modelo de

financiamento acordado.

b) Segundo as receitas do setor público:

i. Resultante da cobrança de portagens nas concessões e subconcessões;

ii. Outras receitas, nomeadamente as resultantes dos sistemas de partilha de

benefícios, quando aplicável.

Para além dos fluxos financeiros referidos e como já vimos, há ainda a ter em

linha de conta a possibilidade de se verificarem outros encargos derivados de

pedidos de REF por parte das concessionárias/subconcessionárias e de factos

extraordinários (desde que previsto contratualmente, como é regra) que envolvam

alterações ao projeto com suscetibilidade para modificar a situação económico-

financeira da concessão/subconcessão projetada e que não se reconduzam a riscos

previamente previstos e aceites pelo parceiro privado.

Em 2016, os encargos líquidos com PPP rodoviárias foram superiores aos

contabilizados em 2015 (conforme também já tinha sucedido neste último ano

relativamente a 2014) e não obstante as renegociações entretanto operadas.

O quadro seguinte reflete, precisamente, esses encargos líquidos totais com

as PPP rodoviárias em 2016, respetivas variações homólogas e o nível de execução

face ao inicialmente previsto67

66 Segundo o Relatório de Auditoria n.º 15/2012, da 2.ª Secção do Tribunal de Contas, respeitante ao Modelo de Gestão, Financiamento e Regulação do Sector Rodoviário, não está ainda definido o tratamento a dar às compensações contingentes, uma vez que destas poderão decorrer responsabilidades financeiras avultadas. 67 Fonte UTAP, Relatório Anual PPP 2016.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 55

Notas: Fonte: UTAP, Relatório anual das PPP 2016 (obtido a partir de dados disponibilizados pelas entidades gestoras dos contratos) e dados constantes do Relatório do OE2016. (1) Em 2015, inclui 'Remuneração Provisória' das Ex-SCUT, em momento prévio à alteração dos respetivos contratos de concessão. (2) Representa o encargo efetivamente suportado pela IP, (troços da A23 e A21). (3) Em 2016, esta rubrica compreende, designadamente, as compensações pagas às concessionárias do Oeste do Algarve, da Beira Interior, do Norte Litoral, do Litoral Centro e do Interior Norte, relativas a reembolso da TRIR/SIEV, no valor de 0,6 milhões de euros; e a compensações pagas no âmbito da execução de sentenças de processos arbitrais às concessionárias do Litoral Centro e do Oeste, nas quantias de 8,3 milhões de euros e de 29,6 milhões euros, respetivamente. Em 2015, esta rubrica inclui as compensações pagas às concessionárias da Beira Alta, da Costa de Prata/ Interior Norte, da Beira Litoral, do Grande Porto e do Norte, relativas a TRIR, no montante de 1,1 milhões de euros; e, a grandes reparações de pavimento, no valor de 19,4 milhões de euros, acrescidas das compensações pagas à concessionária do Litoral Centro, no montante de 38 milhões de euros, em cumprimento da execução das sentenças dos processos arbitrais. (4) Respeita a proveitos diretos da IP relacionados com receitas de portagem dos troços da A21 e da A23 que integram a concessão da IP sob gestão direta desta e quiosques/Easytoll e taxas de gestão. (5) Túnel do Marão, A21 e troço da A23.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 56

7.2. No setor ferroviário

No setor ferroviário apresentam-se duas PPP para o transporte suburbano de

passageiros: a concessão MST - a quem foi atribuída a concessão da rede de

metropolitano ligeiro da margem sul do Tejo - e a concessão Eixo Ferroviário Norte-

Sul – relativa à exploração do serviço de transporte ferroviário de passageiros no

Eixo Ferroviário Norte-Sul (ligação ferroviária entre Lisboa e Setúbal), ambas a cargo

da concessionária Fertagus – Travessia do Tejo, Transportes, S.A.68.

Quanto ao tipo de financiamento, as concessões apresentam uma forma

diferente entre si. A remuneração da MST tem por base as receitas cobradas aos

utilizadores do serviço, da exploração e rendimentos derivados da exploração de

áreas comerciais e parques de estacionamentos (onde se incluem os proveitos

publicitários). Para além desses rendimentos, há lugar a comparticipações do

concedente, sempre que o tráfego de passageiros seja inferior ao limite mínimo da

banda de tráfego de referência, definida no contrato de concessão (a concessão

MST é a única PPP para o qual existe um mecanismo de garantia de tráfego por

parte do Estado Português). Todavia, em sentido inverso, o contrato de concessão

prevê a entrega à concedente de uma compensação monetária nos anos em que o

tráfego fique dentro ou acima da banda superior de tráfego.

Importa sublinhar que desde 2008, ano em que entrou em funcionamento a

rede de metropolitano, o tráfego efetivamente verificado ficou sempre abaixo do

valor mínimo da banda de tráfego de referência. Segundo os últimos números

revelados pela UTAP, nunca ultrapassou os 35% da procura prevista no contrato de

concessão. Consequentemente, apesar do contrato de concessão não prever

encargos diretos para o setor público, com esta parceria, na prática, por força da

realidade verificada, tem-se constatado a existência destes encargos numa base

regular anual, com a inerente compensação à concessionária.

68 O serviço concessionado respeita ao transporte ferroviário de passageiros relativo às estações Roma-Areeiro, Sete Rios, Campolide, Entre Campos, Pragal, Corroios, Fogueteiro, Foros de Amora, Coina, Penalva, Venda do Alcaide, Pinhal Novo, Palmela e Setúbal.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 57

Por sua vez, a remuneração no caso do Eixo Ferroviário Norte-Sul, não

obstante no contrato inicial prever o pagamento de compensações financeiras por

parte do Estado o contrato atual69 apenas compreende uma remuneração assente

em receitas comerciais, derivadas da exploração do serviço de transporte suburbano

de passageiros. Mas, ainda assim, está prevista contratualmente a compensação da

concessionária pelo Estado em caso de pedidos de REF (à semelhança do que se

verifica na MST), como sucede atualmente, uma vez que a Fertagus formulou um

pedido onde solicita o pagamento de uma compensação no valor 1,5 milhões de

euros/ano a partir de 2012 (inclusive).

O quadro seguinte evidencia os encargos líquidos totais com as PPP

ferroviárias em 2016, respetivas variações homólogas e o nível de execução face ao

previsto70.

7.3. No setor de saúde

No setor da saúde, o modelo de parceria assenta no pressuposto da

diferenciação entre as competências de gestão da infraestrutura e do

estabelecimento hospitalar. Existindo atualmente dois modelos em vigor aos quais é

atribuída uma gestão distinta. Temos assim o destinado à construção e manutenção

da infraestrutura do hospital - “Entidade Gestora do Edifício” (EG Edifício) - e outro

visando a prestação dos serviços clínicos - “Entidade Gestora do Estabelecimento”

(EG Estabelecimento).

69 Uma vez eliminadas em 2011 as compensações financeiras atribuídas pelo Estado à concessionária, conforme previsto no Decreto-Lei n.º 138-B/2010, de 28 de Dezembro. 70 Fonte: UTAP, Relatório Anual PPP 2016 (a partir de dados disponibilizados pela DGTF e dados constantes do OE2016).

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 58

No tocante aos encargos suportados pelo setor público, eles variam

consoante o modelo. No caso do EG Estabelecimento, são apurados em função do

nível de produção de serviços clínicos efetivamente prestados por parte de cada

unidade de saúde, da disponibilidade de alguns serviços hospitalares específicos e

do diferencial de gasto relativo a produtos de farmácia prescritos pela unidade

hospitalar face à média de um grupo de referência, havendo ainda lugar a redução

por falhas de desempenho, de serviço ou específicas (segundo previsto

contratualmente). Já no caso do EG Edifício, os encargos do sector público adotam

a natureza de pagamento por disponibilidade da infraestrutura, total ou parcialmente

indexado à inflação, com base em tabelas pré-definidas.

Os dados estatísticos mais recentes disponibilizados pela UTAP revelam uma

tendência que tem vindo a verificar-se nos últimos anos de um aumento da produção

nas quatro unidades hospitalares atualmente sob o regime de PPP. Tal situação

teve como consequência um aumento de encargos para o setor público em 2016

com as concessionadas na ordem dos 3%, conforme refletido no próximo quadro71.

Recorde-se que em 2015 o aumento tinha sido de 4%, sendo que nesse ano se

incluíram ainda os encargos decorrentes das parcerias findas em 2013 e 2014,

respetivamente, com o Centro de Medicina Física e Reabilitação do Sul e o Centro

de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde.

Observemos com vagar os seguintes elementos:

71 Fonte UTAP, Relatório Anual PPP 2016 (idem).

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 59

7.4. No setor da segurança

O sector da segurança, no que tange às PPP, é composto por uma única

parceria, relativa à conceção, construção, montagem, fornecimento, manutenção e

gestão de um sistema integrado de tecnologia de informação para a Rede de

Emergência e Segurança de Portugal estabelecida entre o Ministério da

Administração Interna (MAI) e a concessionária SIRESP.

Os encargos com esta parceria provêm de uma remuneração global anual,

equivalente a uma remuneração por disponibilidade, constituída por uma parte não

revisível (onde os montantes devidos em cada ano estão previstos contratualmente)

e por uma parte revisível em função do Índice de Preços no Consumidor, sendo

ainda ajustável em função de deduções respeitantes a falhas de desempenho e

disponibilidade, que não pode exceder 8,68% da remuneração total (no entanto,

segundo revela a UTAP no Boletim Anual das PPP de 2015, até à presente data o

parceiro SIRESP não viu aplicadas quaisquer deduções derivadas da ultrapassagem

dessa margem).

O quadro seguinte ilustra os encargos com a PPP da segurança, suportados

em 2016 e a respetiva variação homóloga e o nível da execução do previsto, sendo

de registar um decréscimo de encargos com esta parceria na ordem dos 6%72:

Resta nesta parte assinalar que segundo as previsões mais recentes da

UTAP, o Estado deverá pagar às 32 concessionárias no seu conjunto, nos próximos

25 anos, encargos líquidos estimados no montante aproximado de 15 mil milhões de

euros.

72 Fonte UTAP, Relatório Anual PPP 2016 (a partir dos dados disponibilizados pelo MAI e dos dados constante do Relatório do OE/2106).

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 60

Capítulo III

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 61

III. A Tributação das Parcerias Público-Privadas

1. O enquadramento tributário atual

A tributação em sede de IRC das entidades que celebrem contratos de

concessão segue a regra geral segundo a qual o IRC incide sobre o lucro dessas

entidades [alínea a) do n.º 1, do artigo 3.º, do Código do IRC (CIRC)].

O lucro tributável dessas pessoas coletivas é, nos termos do n.º 1 do artigo 17.º

do CIRC, constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das

variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não

refletidas naquele resultado, determinadas com base na contabilidade e,

eventualmente corrigidas nos termos desse código.

1.1. Na abordagem contabilística

A contabilidade deve, de modo a permitir o apuramento do lucro tributável,

estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições

legais em vigor para o respetivo setor de atividade, sem prejuízo da observância das

disposições previstas no CIRC.

No caso das empresas concessionárias de serviços públicos, as mesmas

devem adotar contabilisticamente a International Financial Reporting Interpretations

Committee 12 (IFRIC 12), cujos efeitos em termos fiscais são reconhecidos caso não

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 62

exista no CIRC e em legislação complementar norma que regule a matéria de forma

diferente.

No caso do concedente (ou, diretamente, os utilizadores) pagarem um valor

variável em função da utilização da infraestrutura, o ativo a reconhecer pela

concessionária é um ativo intangível, amortizado para efeitos fiscais de acordo com

o regime previsto no n.º 1 do artigo 12.º de Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14

de setembro. Ou seja, “Os elementos depreciáveis ou amortizáveis adquiridos ou

produzidos por entidades concessionárias que, nos termos das regras de

normalização contabilística aplicáveis, sejam reconhecidos como elementos do seu

ativo fixo tangível ou intangível e que, nos termos das cláusulas do contrato de

concessão, sejam revertíveis no final desta, podem ser depreciados ou amortizados

em função do número de anos que restem do período de concessão, quando aquele

for inferior ao seu período mínimo de vida útil“ (Redação do Decreto Regulamentar

n.º 4/2015, de 22 de abril).

No caso do concedente pagar um valor fixo ao concessionário

(independentemente da utilização), este deve, nos termos da IFRIC 12, reconhecer

um ativo financeiro. Caso o concedente pague um valor variável em função da

utilização da infraestrutura e um valor mínimo fixo, a concessionária deve

reconhecer um ativo financeiro e um ativo intangível.

2. A repartição dos sacrifícios por via dos impostos

Atendendo ao contexto atual do mercado, não só nacional mas também

internacional, os contratos de PPP revelam para as respetivas concessionárias uma

mais-valia incomensurável, atendendo à garantia de pagamento que apresenta o

Estado e, em alguns dos casos assinalados, à cobertura pelo pagamento

independentemente do serviço prestado.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 63

Esta realidade destaca-se substancialmente, quando comparados os

operadores económicos envolvidos nas PPP com as restantes empresas que no dia-

a-dia se debatem com dificuldades económicas e riscos de negócio cada vez mais

difíceis de acautelar.

2.1. Negócios privados, riscos públicos?

Como bem sublinha Fernando Araújo73, uma das caraterísticas psicológicas

mais fortemente condicionantes do comportamento económico radica na «aversão

ao risco», já que o “jogo da economia” é, em última análise, um jogo de

sobrevivência, onde os agentes compreensivelmente se dispõem a prescindir de

ganhos arriscados a troco de relativa modéstia de rendimentos certos, desligados da

sorte dos empreendimentos económicos.

Consequentemente, os contratos de PPP, protegidos sob a capa do Estado,

são como oásis no meio de um deserto onde os beneficiários dos contratos de

concessão, também presentes em outros ramos de atividade que não tão só os

contratos de PPP, se apresentam numa posição diferenciada quanto às

contingências e incertezas dos mercados e cobertos de uma capacidade negocial

ímpar, uma vez que dispõem de um rendimento certo e garantido que lhes permite

arriscar mais em outros negócios.

Esta posição diferenciada não é objeto de intervenção por via de uma

tributação extraordinária como aquela que, por exemplo, foi introduzida em sede de

IRS em 201274, através da criação da taxa adicional de solidariedade de 2,5%,

exigida aos sujeitos passivos, cujo rendimento coletável disponível fosse superior a

153 mil euros, ou, no mesmo ano, em sede de IRC75, às empresas com o

agravamento da taxa de derrama estadual sobre os lucros superiores a 1,5 milhões

de euros.

73 Fernando Araújo, ob. cit., p 314. 74 Artigo 68.º-A do CIRS, aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro. 75 Artigo 87.º-A do CIRC, na redação dada pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 64

Temos assim que a manutenção do status quo em que perduram este tipo de

benefícios para as concessionárias, maxime as do setor rodoviário e ferroviário

(dada a expressão significativa dos encargos líquidos que comportam) e também no

caso dos hospitais sob o regime de EG Edifício (onde os encargos do sector público

adotam a natureza de pagamento por disponibilidade da infraestrutura), deverá ser

objeto por parte do Estado de um tratamento diferenciado a nível fiscal relativamente

aos restantes agentes económicos cujos rendimentos futuros não se encontram

garantidos, sob pena de um eventual sentimento generalizado de injustiça

distributiva.

Aliás, no que tange às taxas de rentabilidade garantidas, o já mencionado

Relatório de Auditoria n.º 15/2012 — 2.ª Seção, do Tribunal de Contas, nas suas

recomendações ao Estado destacava que “Face à atual conjuntura macro

económica, o Estado deverá renegociar os contratos de PPP, no sentido de reduzir

as respetivas taxas internas de rentabilidade acionista que se situam, em média,

acima de 10%”, salientando ainda que «Deverão ser equacionados, no futuro,

mecanismos contratuais mais eficientes de partilha de benefícios (clawback), de

modo a reduzir os “benefícios sombra” das concessionárias, que acabam por

potenciar as rendibilidades acionistas sem qualquer contrapartida para o Estado.»

Por outro lado, as dificuldades verificadas nas renegociações dos contratos

de PPP (rodoviárias e ferroviárias) e em conseguir com essas um proveito imediato

ou, pelo menos, fiavelmente quantificável para o futuro vem reforçar a necessidade

de criação por via fiscal de uma tributação extraordinária76 sobre os proveitos

decorrentes deste tipo de contratos garantidos, tendente a uma repartição

generalizada dos sacrifícios, de modo justo e equitativo.

Não obstante as diferenças entre setores de atividade e reservas

necessariamente envolvidas no cotejo entre as situações, sempre valerá a pena 76 Para Nuno Sá Gomes “A natureza extraordinária do imposto tem que ver com circunstâncias excecionais e, normalmente, transitórias que justificam a tributação, como sejam casos de graves emergências nacionais ou locais (guerras, crises económicas, graves calamidades públicas, etc.), ou quando se pretenda tributar acréscimos de riqueza imputáveis igualmente a circunstâncias excecionais (lucros de guerra, lucros monopolísticos, etc)”: «Manual de Direito Fiscal», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 168, Ministério das Finanças, Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1993, p. 137.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 65

assinalar o esforço legal também exigido ao setor bancário no período de

intervenção externa, com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo

setor financeiro do resto da economia, através da criação de uma contribuição

extraordinária sobre o mesmo77, de modo a que este passasse a «contribuir de

forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de

prevenção de riscos sistémicos».78

A necessidade de um tal regime de tributação extraordinária sobre as PPP

encontra eco em alguns dos mais notáveis intervenientes com conhecimento quanto

aos conteúdos desse tipo de contratos, os quais analisam regularmente e ao

pormenor os proveitos e desvantagens daí obtidos para o Estado e que têm alertado

para a necessidade de equilíbrio das contas públicas e desvios daí decorrentes.

Nesta matéria cumpre destacar posições como a assumida pelo então

Presidente do Tribunal de Contas, Guilherme D´ Oliveira Martins, em 19 de abril de

2013, no final da audição na Comissão Parlamentar de Inquérito às PPP do Setor

Rodoviário e Ferroviário, onde pugnou pela aplicação imediata de um imposto ainda

em momento prévio à renegociação dos respetivos contratos.

Aliás, a bom rigor, a criação de um tal regime mais não se traduziria do que

no concretizar de dois dos principais fundamentos de tributação e pilares basilares

de todo o sistema fiscal. A saber, a capacidade contributiva enquanto pressuposto

de tributação previsto no artigo 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT)79, o qual

dispõe que «Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva,

revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do

património» e a finalidade da tributação, com expressão registada no artigo 5.º, da

mesma Lei, onde se assinala que a mesma «visa a satisfação das necessidades

financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a

77 Artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro. 78 Ponto III.2.2.3.2. do Relatório do Orçamento de Estado para 2011 (Contribuição sobre o Sector Bancário). 79 Sobre o papel estruturante da LGT no sistema Fiscal Português, veja-se Rui Marques, A maioridade da Lei Geral Tributária como pedra angular do sistema tributário português, Revista do Ministério Público, n.º 148, Lisboa, 2016.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 66

igualdade de oportunidades e as necessárias correções das desigualdades na

distribuição da riqueza e do rendimento.»

Quanto aos fins da tributação, surgem definidos em moldes semelhantes ao já

consagrado no n.º 1 do artigo 103.º da CRP, o qual dispõe que «O sistema fiscal

visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades

públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.»80, possuindo esta

norma um caráter programático e em consonância com diplomas semelhantes

estrangeiros de configuração idêntica à da LGT.81

3. Desafios legais à tributação

Ainda antes de afloramos as possíveis formas de tributação das PPP, valerá a

pena recordar que estas se apresentam como contratos e não, propriamente, como

sujeitos passivos de IRC (nos termos em que se encontram definidos no artigo 2.º do

Código do IRC).

Nesta medida, a criação de um regime jurídico tendente à tributação dos

proveitos alcançados por via dos contratos subjacentes às PPP terá de incidir sobre

as respetivas concessionárias, estas sim sujeitos passivos de imposto. Contudo, a

criação de uma incidência fiscal extraordinária sobre essas entidades, por uma

questão de equitabilidade deverá versar apenas os lucros e/ou proveitos resultantes

deste tipo de contratos e cuja rentabilidade se encontra garantida pelo ente público.

Para tanto o primeiro desafio que se coloca radica na criação de um regime

de tributação compatível com determinados princípios intransponíveis do nosso

regime fiscal, atentos os limites jurídico-constitucionais impostos legalmente.

80 Em conjugação com esta previsão a alínea b) do n.º 1 do artigo 81.º da CRP determina que incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal. 81 Neste sentido, vide Diogo Leite Campos; Benjamim Silva Rodrigues; Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª ed., Encontro da Escrita, 2012, pp 90 e 91.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 67

Isto porque, conforme salienta Paula Rosado Pereira82, «os princípios

constituem traves mestras que dão à ordem jurídica uma ideia de unidade e uma

lógica própria. Permitem uma sistematização, uma ordenação e uma ponderação

dos aspetos valorativos subjacentes aos regimes consagrados na ordem jurídica em

causa. Deste modo, os princípios de direito fornecem uma justificação para as

normas concretas, constituindo a sua base e explicando as razões da sua existência

e do seu teor. Sintetizando as características dos princípios de direito que nos

parecem mais relevantes, salientamos que estes são abstratos (ou seja, dotados de

um nível de abstração superior ao das normas), têm um peso significativo e um

papel estruturante fundamental na ordem jurídica a que pertencem. Os valores

essenciais e as orientações gerais que veiculam concretizam-se em regras

aplicáveis aos casos particulares, às quais servem de fundamento. Os princípios de

direito exprimem, pois, os valores nucleares e as traves mestras estruturantes de

uma área de direito (ou, nalguns casos, do sistema jurídico como um todo).»

Se quanto a esses princípios que fixam limites de natureza formal,

aparentemente, não se afiguram questões de maior relativamente à sua

exequibilidade, o mesmo já não se poderá dizer no que tange aos limites materiais a

uma eventual tributação. Isto é, a respeito dos limites ao que e ao quanto se tributa,

havendo a destacar nesta matéria a necessidade primordial de ter como desígnio

norteador de toda e qualquer intervenção legislativa o magno princípio da igualdade

fiscal concretizado através do critério da capacidade contributiva.

3.1. Os princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva

O princípio da igualdade fiscal tem na sua génese subjacente o princípio geral

de igualdade, entendido não só no seu sentido formal (ou igualdade perante a Lei),

como foi o que predominou a partir de meados do século XIX, mas também no seu

sentido material (ou igualdade na lei). Com ele pretende dar-se concretização a um

dos mais elementares pilares de todo o direito de base democrático enformado em

82 Paula Rosado Pereira, Lições de Fiscalidade, Volume II, Almedina, 2015, pp. 201 e 202.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 68

redor de uma ideia de justiça, conforme refere Sérgio Vasques83 «[é] na igualdade

que está, portanto, a mais importante componente da justiça e o principal argumento

de legitimação do direito positivo, a igualdade constitui o principal teste ou expressão

da justiça, o seu “ponto de cristalização”».

Este princípio encontra-se intrinsecamente ligado a uma ideia de generalidade

e universalidade, perante a qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao

acatamento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que idêntico

dever seja avaliado por um mesmo critério o qual deve assentar na capacidade

contributiva.

Em termos práticos consistirá na aplicação de igual imposto àqueles que

dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto

(em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de capacidade

contributiva distinta na proporção desta diferença (igualdade vertical).

A capacidade contributiva assenta num conceito jurídico económico84,

mediante o qual se entende que todos os cidadãos devem pagar impostos sobre a

totalidade dos seus rendimentos, e na medida destes. Nas palavras de Diogo Leite

Campos, «devem contribuir para a cobertura das despesas públicas todos os que

tenham rendimento ou capital, e na medida destes ou da sua utilização»85.

Como salienta Rui Marques, «Numa definição a traço muito grosso, a aptidão

económica pessoal para suportar a carga tributária, em maior ou menor

grau. Devendo então ter-se em conta as condições particulares de cada um dos

contribuintes. O que busca este princípio é que os contribuintes do Estado

contribuam para o seu sustento no valor (quantum) mais aproximado possível à

83 Sérgio Vasques, O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Almedina, 2008, p. 28. 84 “Não deverá ser confundida com a Capacidade Tributária, a qual se carateriza por ser sujeito de uma posição jurídica tributária e se traduz num conceito unicamente jurídico e não económico, conforme sucede com a capacidade contributiva”: Diogo Leite Campos; Benjamim Silva Rodrigues; Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. p. 85. 85 Diogo Leite Campos; Mónica Horta das Neves Leite Campos, Direito Tributário, Almedina, 2003, p.123.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 69

proporção das suas respetivas capacidades, ou seja, dos rendimentos de que

desfrutem»86.

Ou ainda, como vem defendendo o Tribunal Constitucional: «[o] princípio da

capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou

tributária na sua vertente de ‘uniformidade’ – o dever de todos pagarem impostos

segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário

da tributação, entendendo-se esse critério como sendo aquele em que a incidência e

a repartição dos impostos – dos ‘impostos fiscais’ mais precisamente – se deverá

fazer segundo a capacidade económica ou ‘capacidade de gastar’ (-) de cada um e

não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos

(critério do benefício)»87.

Segundo entende José Casalta Nabais88 «Configurando-se o princípio geral

de igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva

enquanto tertitum comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece

dum específico e direto preceito constitucional. O seu fundamento é pois, o princípio

da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respetiva

“constituição fiscal” e não qualquer outro. (…)a capacidade contributiva constitui o

pressuposto e o critério da tributação»

Relativamente a esta posição da falta de norma expressa nesse sentido na

Lei fundamental, rememoremos António de Sousa Franco, de cujo pensamento

resulta «evidente» que, apesar da inexistência de referência expressa no texto, não

podia deixar de se concluir que a Constituição acolhe o princípio da tributação

segundo a «capacidade contributiva» ou as «faculdades contributivas».89 Outros

autores têm identicamente salientado a desnecessidade de confirmação

86 Rui Marques, Responsabilidade tributária subsidiária: Requiem pela capacidade contributiva, Conferências Tributárias 2015/2016, Universidade do Minho, 2017. 87 Acórdãos n. º 142/04 e 306/2010. 88 José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª edição, 4.ª reimpressão da edição de 2013, Coimbra, Almedina, 2005, p. 149. 89 Apud, António L. Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, ob. cit. p 186. Em sentido contrário, J. G. Xavier de Basto «A Constituição e o Sistema Fiscal», em XXV Anos de Jurisprudência Constitucional, Tribunal Constitucional, Coimbra, 2009, pp. 167 ss. (Basto, J. G. Xavier de, 2009).

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 70

constitucional expressa do princípio da capacidade contributiva, como é o caso de

Sérgio Vasques90 e João Pedro Silva Rodrigues91.

A doutrina assinalada tem também acolhido cabimento junto do Tribunal

Constitucional, conforme se pode concluir de diversos arrestos92, donde se destaca

logo no Acórdão n.º 348/97, onde se entendeu que se está perante um princípio

primário da Constituição fiscal, enquanto manifestação do princípio da igualdade

nesse domínio. Nesse acórdão salientou-se que será em função da capacidade

contributiva que haverá lugar a determinar a medida, igual ou desigual do imposto,

devendo o legislador, ao selecionar os factos tributáveis, ater‑se a “factos

reveladores da capacidade contributiva” que por força desse princípio se constatará

pela “existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária

e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo‑se, por

isso, ‘um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto

previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo.”

Valerá neste sentido destacar ainda o sancionado no Acórdão n.º 695/2014

onde, se concluiu:

“O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo

meramente negativo da igualdade tributária, passando a adotar o princípio da

capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não

deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação

da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente

quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas

com a racionalização do sistema.

Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de

vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua

aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto,

no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de

90 Sérgio Vasques, ob. cit. p. 369. 91 João Pedro Silva Rodrigues, Algumas reflexões em torno da efetiva concretização do princípio da capacidade contributiva, In Estudos em Homenagem ao Conselheiro J. M. Cardoso da Costa, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p 899 e ss. 92 Acórdãos n.º: 142/2004, 42/2014, 43/2014, 306/2010 e 695/2014.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 71

modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da

diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do

arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam

desprovidas de fundamento racional (nestes precisos termos, o acórdão do Tribunal

Constitucional n.º 306/2010).”

Aqui chegados, dúvidas não poderão restar quanto ao facto de uma eventual

tributação com incidência pessoal nas sociedades concessionárias envolvidas nos

contratos de PPP terá de obedecer ao princípio constitucional da igualdade

concretizado através da real capacidade contributiva. E, nesse desígnio, estamos

em crer que uma tributação de tal índole não viola esse princípio, desde que a

formulação das regras tributárias acautelem a generalidade ou universalidade das

mesmas, nos termos daquilo que vem sendo dito e alicerçado pelos autores e

jurisprudência trazidos à colação na presente sede.

Ou seja, sendo a generalidade ou universalidade uma importante

característica comum a qualquer norma tributária, traduzida no facto de a norma

valer para todos os indivíduos em situação de igualdade entre si quando colocados

em situação idêntica, sem discriminação de qualquer natureza93, afigura-se como

possível uma tributação sobre as concessionárias colocadas em situação idêntica

(incidência pessoal), em consonância com princípio constitucional da igualdade,

conforme é exigido no artigo 13.º da nossa Constituição, o qual encontra

concretização no artigo 7.º, n.º 3, da LGT ao indicar que “A tributação não discrimina

qualquer profissão ou atividade nem prejudica a prática de atos legítimos de carácter

pessoal, sem prejuízo dos agravamentos ou benefícios excecionais determinados

por finalidades económicas, sociais, ambientais ou outras.” Havendo a sublinhar o

facto de na parte final desta norma ser feita uma ressalva quanto ao agravamento da

tributação em função de determinadas finalidades, onde se incluem as de caráter

social e económico.

93 Neste sentido Sérgio Vasques, (ob. cit., p. 41) ao entender que «quando o legislador se propõe a tratar o que é igual de modo igual, significa isso que se propõe a associar a mesma estatuição legal, o mesmo imposto, admitamos, a duas realidades que se mostram iguais à luz de um qualquer critério distintivo.»

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 72

Ultrapassada que está (a nosso ver) a questão da estatuição de uma

tributação incidente sobre as concessionárias enquanto detentoras de rendimentos

garantidos por via dos contratos de PPP nos termos aludidos, poderá levantar-se

outra questão relativamente à possibilidade da sua tributação, uma vez que o

mesmo princípio assume particular relevância no que tange às sociedades, dispondo

o n.º 2 do artigo 104.º da CRP que “A tributação das empresas incide

fundamentalmente sobre o seu rendimento real.”

No fundo, como nos diz Rui Marques, está em causa «uma reconstituição da

situação tributária nos termos que mais se aproximem do rendimento real que seria

suposto ter sido declarado, actuando a Administração ao abrigo dos seus poderes

vinculados.»94

No entanto estamos em crer que também por esta via a criação de uma

tributação extraordinária não se encontra comprometida. Desde logo porque a Lei

Fundamental não consagra a exclusividade da tributação das empresas segundo o

rendimento real. Sendo possível, dentro de certos limites, a tributação segundo o

rendimento normal, demonstrando certamente pretender salvaguardar a tributação

com incidência em outros motivos.

Depois, porque é hoje manifestamente pacífico na nossa jurisprudência que

este princípio constitucional é claramente moderador, dada a inclusão do advérbio

fundamentalmente na sua construção. Importando aqui destacar nesta matéria o

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, onde se refere inclusivamente que

«a tributação das empresas pelo seu rendimento real constitui um princípio ou uma

regra que permite, excecionalmente, desvios ou exceções (…) Perante tal regime,

melhor seria antes confessar que a tributação das empresas incide

“fundamentalmente” (rectius decisivamente) sobre o rendimento normal,

que pode coincidir com o rendimento real – mas não coincidindo sempre, e

prevalecendo então o primeiro.»

94 Rui Marques, Consummatum est: A extinção da sociedade comercial e a cessação de atividade em IRC, Revista de Direito das Sociedades, n.º 2/2017, Faculdade de Direito de Lisboa, Almedina, 2017.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 73

Ademais, como sustenta José Casalta Nabais «(...) o que o legislador

constituinte quis em 1976, e contínua a querer em 2001, é que, na sua

concretização legal, o nosso sistema de tributação das empresas se aproxime tanto

quanto possível do ideal, ou seja, consagre uma tributação das empresas que incida

fundamentalmente sobre o seu rendimento real. Isto significa que o legislador fiscal

se encontra constitucionalmente vinculado á instituição da regra, do princípio, da

tributação das empresas pelo seu rendimento real. O que não implica que não haja

qualquer outra possibilidade de tributação das empresas. Com efeito, o legislador

não deixa de ter aí uma razoável dose de liberdade conformadora, traduzida em

múltiplas faculdades, muitas delas, decorrentes do próprio âmbito do princípio

constitucional em análise (art.º 104º, n.° 2 da CRP).»95

Destarte, forçoso será concluir que também nesta parte não estão as

concessionárias visadas circunscritas a ver a sua tributação segundo o seu

rendimento real, podendo muito bem ser objeto de uma tributação extraordinária

desde que criada dentro das limitações legais estudadas.

4. Possíveis formas de tributação extraordinária

Aqui chegados, sugere-se pertinente a abordagem de algumas formas

possíveis de tributação extraordinária das concessionárias detentoras de

participação nos contratos de PPP.

Com efeito, uma tributação nesse sentido assume particular destaque para os

setores rodoviário (remuneradas através de um pagamento relativo à disponibilidade

da infraestrutura e vias) e ferroviário (remuneradas sempre que o tráfego de

passageiros seja inferior ao limite mínimo da banda de tráfego de referência) uma

vez que, sendo precisamente nestes dois setores que se integram a maioria dos

encargos com as PPP, é também neles que a maior improbabilidade de

cumprimento das estimativas de trafego contratualmente definidas radicam e

95 In Por um Estado Fiscal Suportável, Estudos de Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 2001, pp. 359 e 360.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 74

obrigam a constantes compensações derivadas da assunção do risco pelo erário

público.

Contudo aa tributação poderá ainda englobar os restantes setores da saúde

(pagamento por disponibilidade da infraestrutura e serviços) e segurança

(remuneração por disponibilidade).

Na senda daquilo que vimos observando, a tributação das concessionárias

poderá operar por várias vias. No entanto, na criação de um regime específico nesse

sentido importa antes de mais, em momento prévio, começar por se identificar

concretamente aquilo que se pretende tributar em termos que obedeça

escrupulosamente aos limites legais assinalados.

Nesse propósito, há em primeira linha a distinguir os lucros das

concessionárias derivados e não derivados a partir das vantagens obtidas em

resultado dos contratos de PPP, uma vez que só os primeiros serão visados em

sede de tributação extraordinária.

Temos assim que incidindo o IRC sobre o lucro das sociedades - alíneas a),

do n.º 1, do artigo 3.º do Código do IRC -, poderá por via desse lucro operar uma

eventual sobretaxa de IRC, com as vantagens e desvantagens que adiante se

passam a evidenciar.

4.1. Sobretaxa de IRC incidente sobre os lucros das concessionárias

Sendo o lucro uma das bases de incidência do IRC apurado com base na

diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de

tributação, com as correções estabelecidas no Código (n.º 2 do artigo 3.º do CIRC),

mostra-se como plausível a criação de uma sobretaxa de IRC incidente sobre a

parte desse rendimento auferido pelas sociedades detentoras de lucros derivados de

contratos de PPP, garantidos em função de margens de rentabilidade asseguradas

pelo ente público.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 75

Na graduação dessa sobretaxa haveria lugar à diferenciação entre uma

incidência sobre o lucro obtido respeitante à efetiva utilização ou não do bem

disponibilizado/garantido, cujo desgaste ou encargo para a concessionária, pelo

menos teoricamente, sempre terá um custo associado (no caso, por exemplo, da

utilização e consequente degradação de uma estrada ou no maior consumo de

combustível e desgaste de utilização de comboios e vias). Ou seja, mostrando-se

como perfeitamente diferenciável um cálculo sobre os lucros decorrentes do valor

indemnizatório pago em função das compensações devidas contratualmente por

fanão utilização, por exemplo no caso da utilização do bem abaixo do número de

utilizadores previamente definido, conforme sucede atualmente nas atuais estradas

e linhas ferroviárias concessionadas, onde a taxa de imposto a praticar deveria ser

superior e o restante derivado dos utilizadores efetivos, cuja taxa deveria ser inferior.

No entanto, uma tributação desta natureza poderia ter como constrangimento

o facto de as concessionárias regularmente integradas em grupos de sociedade,

nacionais e estrangeiros, poderem proceder à redução dos lucros mediante recurso

e utilização de preços de transferência96 como forma de diminuição dos lucros na

sociedade cuja taxa de IRC fosse agravada, não obstante o legislador ter

possibilitado o seu controlo por parte da Administração Tributária, nos termos do

artigo 63.º do Código ao prever a possibilidade de proceder «a correções

necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações

especiais com outro sujeito passivo do IRC ou do IRS, na determinação do lucro

tributável deste último devem ser efetuados os ajustamentos adequados que sejam

reflexo das correções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro».

96 Segundo António Dias e Maria Neves (Dias, António; Neves, Maria, 2014, p. 5), “uma outra forma de obter o mesmo objetivo, maximizar a rentabilidade das empresas, sem que seja necessário deslocalizar fiscalmente as operações, consiste na utilização de mecanismos que visam transferir o lucro das transações para países em que o regime fiscal permita uma maior poupança fiscal. Para o efeito, basta manipular os preços praticados nas operações realizadas entre empresas do grupo, isto é, manipular a base da tributação. Debruçando-se sobre esta mesma temática, entende o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 252/2005, de 23 de junho) que “Perscrutando a ratio subjacente à previsão do artigo 57.º do CIRC, emerge indubitavelmente que o seu âmbito de aplicação está delimitado em torno da problemática dos preços de transferência, visando acautelar as consequências resultantes de uma "facilitada" manipulação de valores fiscalmente relevantes para efeitos do cálculo do imposto devido pelo sujeito passivo numa ótica que não será de todo estranha à fenomenologia própria da evasão e fraude fiscais”.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 76

Isto porque, tal como destaca Paula Rosado Pereira, «a aplicação dos

métodos tradicionais baseados na operação constitui a forma mais direta de

determinar o preço da plena concorrência (…) Contudo existem numerosos fatores

que dificultam, ou impedem mesmo, a aplicação dos referidos métodos. Um deles é

a falta de operações comparáveis entre entidades independentes em resultado da

estrutura de mercado, designadamente no caso da existência de oligopólios ou

monopólios. (…) A complexidade da questão dos preços de transferência,

largamente reconhecida pelos Estados e pelas instituições internacionais, é

agravada pelo facto de o universo em que se situa - as operações efetuadas entre

entidades relacionadas – se encontram em contínua evolução.»97

Todavia, a apontada questão poderia ter um impacto reduzido nos casos em

que o imposto incidisse especificamente sobre o lucro decorrente de compensações

às concessionárias por falta de utilização do bem em número inferior ao estimado.

4.2. Sobretaxa de IRC incidente sobre as receitas

Conforme anteriormente se teve oportunidade de abordar, a tributação das

sociedades não tem que cingir-se unicamente ao rendimento real por si obtido. Pelo

que uma outra forma de tributação a equacionar poderia ter como base de incidência

apenas parte das receitas das concessionárias.

O caminho a trilhar por esta via não é novo no nosso sistema fiscal e poderia

ser formalizado em termos análogos e com as devidas adaptações ao preconizado

em sede de IRS, pela Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, a qual aprovou a sobretaxa

extraordinária sobre os rendimentos sujeitos àquele imposto, auferidos no ano de

2011. Esta sobretaxa, registe-se, incide sobre os rendimentos englobáveis das

várias categorias do IRS mas apenas na parte que excede o valor anual do salário

mínimo (artigo 72.º-A, do CIRS)98 e consubstancia um acrescento, apenas, a parte

97 Paula Rosado Pereira, O Novo Regime dos Preços de Transferência, In Fiscalidade n.º 5. Lisboa, 2001, p. 39 e 46. 98 “Sobre a parte do rendimento coletável de IRS que resulte do englobamento nos termos do artigo 22.º, acrescido dos rendimentos sujeitos às taxas especiais constantes dos n.º 3, 4, 6 e 10 do artigo

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 77

do rendimento coletável do IRS, embora divergindo deste último, atenta a sua taxa

proporcional, retenções e deduções próprias.

Outro exemplo a ter em linha de conta na construção legal da sobretaxa

proposta advém da Lei 12-A/2010, de 30 de junho, que aprova um conjunto de

medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a

redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos

no PEC, através da qual foram aditados ao CIRC os artigos 87.º-A99, 104.º-A e

105.º-A, referentes à derrama estadual.

Assim, relativamente às receitas obtidas por via das concessões poderia criar-

se uma taxa adicional sobre o rendimento, com deduções próprias ou até sem

deduções, no caso das compensações por utilização abaixo do estimado, onde a

existir, face à maior facilidade de apuramento de custos incorridos pelas

concessionárias, haveria lugar a uma dedução fixa, porventura previamente

graduada em função da diferença entre a percentagem não utilizada e aquela que é

garantida.

4.3. Contribuição extraordinária

Conforme já se teve oportunidade de aflorar ao debruçarmo-nos sobre a

repartição dos sacrifícios por via dos impostos, resultou do Relatório do Orçamento

de Estado para 2011 a criação de uma contribuição extraordinária sobre o setor

bancário, tendente à aproximação da carga fiscal suportada por esse setor àquela

que onera o resto da economia.

72.º, auferido por sujeitos passivos residentes em território português, que exceda, por sujeito passivo, o valor anual da retribuição mínima mensal garantida, incide a sobretaxa extraordinária de 3,5 %” (n.º 1). 99 “Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incide uma taxa adicional de 2,5 %” (n.º 1). Esta norma foi objeto de alteração posteriormente operadas pelas Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (OE 2013) e Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC, sendo escalonadas taxas diferentes consoante o nível de rendimentos, as quais variam atualmente entre os 3 e os 7%.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 78

Pretende-se, nesta parte agora em termos mais impressivos destacar as

particularidades desse novo regime e da sua possível adaptação ao setor das PPP

na parte relativa aos lucros garantidos, afastando-se do mesmo, pelo menos numa

primeira fase, os lucros restantes por via dos motivos já desenvolvidos.

Vejamos então:

O Relatório apresentado em outubro de 2010, contendo a Proposta do

Orçamento do Estado para 2011 começava por assinalar que o mesmo descrevia as

opções de política subjacentes à Proposta, definidas num panorama de grande rigor

e exigência orçamental, sobre o qual se impunham a adoção de medidas exigentes

que permitissem acelerar o processo de consolidação orçamental e assegurar o

cumprimento dos objetivos traçados pelo Governo no que respeita às metas de

ajustamento orçamental assumidas em Maio de 2010.

Nesse contexto, à semelhança de outros Estados-Membros, propôs-se a

criação de uma contribuição sobre o sector bancário, visando dois propósitos. O

primeiro e já mencionado assenta no aproximar a carga fiscal suportada por esse

setor à restante economia, de modo a contribuir de forma mais enérgica para o

esforço de consolidação das contas públicas e o outro, assente num critério de

prevenção de riscos sistémicos.

Dando corpo a essa intenção, o artigo 141.º, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de

dezembro (OE 2011), aprovou o regime que cria a contribuição sobre o setor

bancário, tendo o mesmo como base de incidência subjetiva as instituições de

crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português;

as filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal

e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de

instituições de crédito com sede principal e efetiva fora da União Europeia100 (n.º 1,

do artigo 2.º).

100 Nos termos do n.º 2, do artigo 2.º do Regime que cria a contribuição sobre o setor bancário “consideram -se instituições de crédito, filiais e sucursais as definidas, respetivamente, no artigo 2.º e nos n.ºs 1 e 5 do artigo 13.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras,

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 79

Seguindo as recomendações do relatório do ECOFIN de 2010, onde se

defendeu que o imposto a exigir às instituições financeiras poderia ter como base de

incidência o ativo, o passivo, o lucro ou outros elementos, no artigo 3.º deste regime

optou-se por uma incidência objetiva da contribuição calculada com base no passivo

apurado pelos sujeitos passivos e também sobre no valor nocional dos instrumentos

financeiros derivados fora do balanço101. No artigo 4.º acham-se previstas as taxas a

aplicar em ambos os casos, as quais variam entre 0,01% e 0,05% no primeiro e

0,00010 % e 0,00020 % no segundo102.

Nos seus artigos 5.º, 6.º e 7.º acham-se previstas, respetivamente, a forma de

liquidação e pagamento. A Portaria do Ministro das Finanças n.º 121/2011103, de 30

de março, veio regulamentar a base de incidência, as taxas, as regras de liquidação,

de cobrança e de pagamento da contribuição, nos termos do previsto no artigo 8.º e

último desse regime.

A contribuição sobre o setor bancário tem sido mantida em vigor pelos

Orçamentos de Estado posteriores à sua aprovação.104

Paralelamente à criação deste regime, a Lei n.º 55-A/2010, alterou também o

artigo 45.º do CIRC105, passando este a prever desde então [n.º 1, alínea o)], que a

contribuição para o setor bancário não representa um encargo dedutível em sede de

IRC.

Perscrutado o regime legal de contribuição lançado sobre o setor bancário e

fundamentos tidos em consideração na sua criação, afigura-se como plausível a

aprovado pelo Decreto -Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro”. Este artigo foi objeto de posterior alteração introduzida pelo artigo 185.º, da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março. 101 Alterado pelo n.º 2 do artigo 182.º da Lei n.º 64-B/2011 de 30 de Dezembro e pelo artigo 185.º, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março. 102 Alterado pelo n.º 2 do artigo 226.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (OE 2014) e pelo artigo 185.º, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março. 103 Alterada pela Portaria n.º 77/2012, de 26 de março. 104 Artigo 182.º, n.º1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (OE 2012); Artigo 252.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (OE 2013); Artigo 226.º, n.º1, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (OE/2014); Artigo 235.º, da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (OE 2015); Artigo 185.º, da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março (OE 2016); Artigo 238.º, da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (OE 2017). 105 Artigo 99.º, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 80

criação de um regime um tanto ou quanto semelhante a versar sobre as

concessionárias das PPP na respetiva proporção da percentagem detida.

Por outro lado, também à semelhança do ocorrido no setor bancário, afigura-

se como verosímil uma tributação a lançar sobre as concessionárias tendo como

base objetiva não necessariamente os lucros por elas obtidos e eventuais

constrangimentos daí decorrentes, mas antes o montante de receitas auferidos por

via das concessões, havendo ainda a distinguir em sede de graduação da taxa

aplicável aos rendimentos auferidos por utilização efetiva e compensação por falta

de utilização.

Este regime, com os frutos dados no setor bancário (quer na vertente da

receita obtida, quer da sua própria consolidação jurídica) revela-se, a nosso ver,

como sendo aquele que neste momento melhor poderia contribuir para algum

reequilíbrio da posição do Estado nos contratos de PPP, bem como para a justa

contribuição em pé de igualdade na consolidação das contas públicas.

Convém ainda salientar que em 2014, foi também introduzida sobre o setor

energético, uma contribuição extraordinária (CESE), aprovada pela Lei n.º 83 –

C/2013, de 31 de dezembro (OE 2014), mais concretamente através da criação do

regime próprio previsto no seu artigo 228.º. Segundo consta logo no artigo 1.º do

regime, o objetivo dessa contribuição visa “financiar mecanismos que promovam a

sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo

que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de

políticas sociais e ambientais do setor energético”.

A CESE incide subjetivamente sobre as pessoas singulares ou coletivas que

integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção

efetiva ou estabelecimento estável em território português e que em 1 de janeiro de

2015 se encontrem em alguma das situações definidas nas diferentes alíneas do

artigo 2.º do regime. Ou seja, no contexto atual estão abrangidas as empresas de

produção, transporte, armazenagem e distribuição de energia, incidindo

maioritariamente uma taxa sobre o valor do ativo fixo, tangível e intangível (com

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 81

exceção dos que digam respeito a direitos de propriedade intelectual) e dos ativos

financeiros afetos a concessões ou a atividades licenciadas.106 Há semelhança da

contribuição extraordinária sobre o setor bancário a CESE não é considerada um

gasto dedutível para efeitos de IRC (artigo 12.º do regime).

Inicialmente, a CESE foi criada com um carater temporário a vigorar apenas

em 2014 (segundo adiantava à época o Ministério do Ordenamento e Energia).107

No entanto, a mesma tem sido prorrogada sucessivamente mantendo-se atualmente

em vigor.

No ano seguinte, em 2015, foi a vez do Industria farmacêutica passar também

a estar sujeita a uma contribuição extraordinária, através do regime legal criado para

o efeito, previsto no artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014 – Orçamento de Estado para

2015. A contribuição então criada visa conforme consta do próprio diploma “garantir

sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) na vertente dos gastos com

medicamentos”.

Essa contribuição é devida por todas “as entidades que procedam à primeira

alienação a título oneroso, em território nacional, de medicamentos de uso humano,

sejam elas titulares de autorização, ou registo, de introdução no mercado, ou seus

representantes, intermediários, distribuidores por grosso ou apenas

comercializadores de medicamentos ao abrigo de autorização de utilização

excecional, ou de autorização excecional, de medicamentos” e incide sobre o valor

das vendas realizadas em cada trimestre, com taxas variáveis entre os 2,5% e

14,3%, dependendo do tipo de medicamento (artigos 2.º, 3.º e 4.º do regime,

respetivamente).

À semelhança das contribuições extraordinárias anteriormente assinaladas, a

criada sobre a indústria farmacêutica tem sido prorrogada sucessivamente

106 A incidência objetiva da CESE encontra-se devidamente detalhada, contendo os restantes elementos, no artigo 3.º do citado regime. 107 Conforme informação publicada no Jornal Público de 15 de outubro de 2013 sob o tema “Taxa sobre o setor energético”.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 82

mantendo-se atualmente em vigor por determinação do previsto no artigo 141.º da

Lei n.º 42/2016, que aprova o Orçamento de Estado para 2017.

Ainda no âmbito desta temática, Joaquim Miranda Sarmento e Paulo

Marques108, destacam a possibilidade de tributação das concessionárias das PPP

mediante a criação de uma taxa sobre o ativo109 ou a criação de uma prestação de

tributária fixa110. Muito embora se concorde com ambos os regimes aventados, tem-

se que o regime contribuição extraordinária sobre o setor das PPP a criar nos

moldes indicados se apresenta como um mecanismo mais simples de concretização,

atenta a sua aplicação já em prática nos setores indicados.

108 Joaquim Miranda Sarmento; Paulo Marques, As Parcerias Público-Privadas: Uma questão de tributação extraordinária, Revista do Ministério Público n.º 134, Abril-Junho de 2013, pp 245 a 273. 109 “O ativo da empresa corresponde a um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios. Por outras palavras, corresponde ao conjunto de bens e direitos necessários à manutenção da atividade da empresa, podendo apresentar-se na forma tangível (ex: edifício, máquina, etc.) ou intangível (ex: marca, patente, etc). Os impostos são normalmente baseados na riqueza (rendimento, património e despesa). Assim sendo, incidem, não raras vezes, sobre a riqueza adquirida (estática) ou em aquisição. São exemplos dos primeiros, o Imposto Municipal Sobre Imóveis (IMI) e o Imposto Único de Circulação (IUC), e dos segundos, o Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT). Destarte, quando o legislador está a tributar o valor patrimonial de um prédio urbano (artigo 1.º, do IMI) cujo proprietário é uma empresa e em que, por exemplo, funciona a sua sede, está realizar a tributação estática da riqueza, neste caso incidindo sobre um ativo fixo tangível dessa mesma empresa. Pelo que, nada parece impedir a tributação das empresas concessionárias no caso específico das Parcerias Público-Privadas de infra-estruturas rodoviárias. Deste modo, a tributação deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 3, da Constituição)” Joaquim Miranda Sarmento & Paulo Marques, idem. 110 “O sistema jurídico tributário tem admitido a existência de impostos de prestação fixa (lump sum taxes) ou seja, em que o quantitativo é fixado direta e previamente pela lei, sem qualquer operação de liquidação ou apuramento (ex: contribuição para o audiovisual), resultando daqui que o montante de imposto a pagar seja, logo à partida, o mesmo a pagar por todos os contribuintes envolvidos . Como nos dá conta o Conselheiro FREITAS PEREIRA «O imposto a pagar por cada contribuinte pode ser fixado na lei através da indicação de uma importância fixa (impostos de quota fixa)». De igual modo, SOARES MARTÍNEZ ensina que «Por vezes, o legislador, renunciando à determinação da matéria coletável, ou tendo presumido uma matéria coletável que nem chega a definir, fixa o quantitativo da coleta, da prestação tributária. Assim acontecia, por exemplo, com o imposto designado por «taxa militar», cuja prestação anual era fixa. (…) Nos impostos de prestação fixa, a todas as relações que se constituem por força das respetivas normas de incidência correspondem prestações tributárias iguais”. Esta modalidade de tributo (prestação fixa) não é, necessariamente, inconciliável com os princípios da capacidade contributiva (artigo 4.º, n.º 1, da LGT) e da igualdade tributária (artigos 13.º, da Constituição, e 55.º, da LGT), diferenciando, inclusivamente, os contribuintes entre si, caso a lei preveja, por exemplo, a tributação extraordinária das empresas concessionárias de infra-estruturas rodoviárias - agentes económicos que assinaram com o Estado, em diversas situações, contratos em que não existe o necessário equilíbrio financeiro das partes, se comparamos as receitas e os riscos inerentes aos respetivos contratos”. Idem.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 83

CAPÍTULO IV

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Pereira Página 84

IV. Conclusões

I. A partir da introdução da moeda única (euro) e com esta, a imposição dos

critérios de convergência para a sua implementação, definidos no PEC e

Crescimento, maxime, a obrigatoriedade de cumprimento dos valores de

défice orçamental e de dívida pública, os Estados-Membros aderentes à Zona

Euro viram-se destituídos da faculdade de condução das políticas monetárias

e cambial, o que também lhes afetou a disponibilidade de grandes

instrumentos de política económica.

II. No sentido de contornar os sobreditos constrangimentos orçamentais, os

referidos Estados socorrem-se de instrumentos ou soluções de engenharia

financeira e contabilidade pública criativa, de modo a não prejudicar, no plano

formal, as metas de regulação do equilíbrio ditado pelo PEC e suas

sucessivas revisões.

III. Uma das soluções recorrentes traduziu-se na convocação de capitais, gestão

e prestação de serviços pelos privados para realização de interesses

públicos, através da implementação, em alguns casos massificada, das PPP.

IV. Ideologicamente, a dinamização das PPP entronca nas ideias neoliberais de

“Estado mínimo” e de alegado incremento da evolução económica, abrindo a

privados novas áreas de investimento que, sem o envolvimento do Estado,

muitas das vezes não poderiam ser realizados, sendo antes considerados de

elevado risco.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 85

V. É também legítimo supor que, sem o envolvimento dos privados, em particular

pelos capitais por estes arregimentados (bastantes vezes, junto de

instituições financeiras internacionais, dado o porte dos investimentos), o

Estado não estaria em condições de apresentar, junto dos cidadãos, tais

benefícios.

VI. Historicamente, as PPP tiveram a sua origem no século XVII, nas vias de

comunicação em Inglaterra e posteriormente nos transportes nos Estados

Unidos e em França.

VII. Nos anos 80, as políticas de estrito neoliberalismo e monetarismo de

Margaret Thatcher e depois John Major (“Estado mínimo”) vieram dar um

novo alento às PPP, em particular na área de reabilitação urbana. Sendo no

entanto o contributo mais significativo nesta matéria a destacar a nível

europeu há época o decorrente do projeto franco-britânico do Túnel da

Mancha.

VIII. Já na governação de Tony Blair, as PPP assumem uma importância a larga

escala, assim se recorrendo sucessivamente ao setor privado para o

financiamento, construção e gestão, numa diversidade de setores entre os

quais se incluem a saúde, a educação e a defesa.

IX. O sistema assentava em três pilares fundamentais: pagamentos plurianuais,

deste modo se ampliando a capacidade de financiamento do Estado; melhor

prestação do serviço público através da imposição de critérios de qualidade

como condição para o pagamento; diminuição da despesa pública mediante a

poupança com a aquisição de infraestruturas e a capacidade de

desenvolvimento avançado presente no parceiro privado.

X. A viabilidade dos projetos e o potencial interesse público na adjudicação aos

privados passa a ser aferida mediante uma avaliação prévia do value for

money, isto é, combinando qualidade e eficiência com o menor capital inicial,

ao longo de todo o período de utilização dos bens e serviços adquiridos.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 86

XI. Essencialmente, numa análise do impacto de uma intervenção, em face do

value for money, são atendidos três critérios: economia, como minimização

dos custos dos recursos aplicados ou adquiridos; eficiência, assente na

relação entre os índices de produção e os recursos usados na sua produção;

eficácia, na relação entre os resultados esperados e os efetivamente obtidos.

XII. Em Espanha, a partir de 1997, muito por força das restrições orçamentais

impostas pela União Europeia, as PPP tomaram um novo impulso, sendo

alargadas a vários setores.

XIII. Em Portugal, na década de 90, verificava-se uma manifesta necessidade de

criação de grandes estruturas e fornecimento de serviços públicos,

imprescindíveis a uma maior competitividade económica, mas, por outro lado,

avultando os constrangimentos orçamentais ditados pelo PEC, com destaque

para o cumprimento dos critérios de convergência para a integração na

moeda única.

XIV. A solução encontrada em Portugal, como em outros Estados-Membros,

traduziu-se na procura de novas formas de contratação pública tendentes à

realização de obras necessárias, recorrendo ao setor privado para o seu

financiamento e concretização, atenta a redução do impacto nas contas

públicas e consequente défice estrutural.

XV. Na realização de grandes obras públicas e serviços de interesse económico

necessários em setores fundamentais (obras públicas, água potável e

saneamento, transportes ferroviário, rodoviário e saúde) implementaram-se

parcerias com o setor privado.

XVI. Sobre o parceiro privado impende a obtenção dos financiamentos

necessários, dispensando o Estado de desembolsar instantaneamente

recursos financeiros, a que se soma a entrega da gestão ao primeiro, tido

como mais eficiente.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 87

XVII. Não existe um conceito jurídico que defina especificamente as PPP, mas

antes diferentes práticas, consoante o fim a que cada uma se destine,

conforme refletido no respetivo contrato, variando in casu, entre outros, a

necessidade de intervenção da entidade pública, a repartição do risco e

proveitos a retirar pelas partes.

XVIII. No entanto, sempre se poderá entender que uma PPP é um contrato de longo

prazo celebrado entre o parceiro público e o privado, tendo em vista o

desenho, construção, financiamento e funcionamento de uma infraestrutura

pública, a cargo do parceiro privado, mediante pagamentos feitos a este

último ao logo do contrato, quer seja através da dotação orçamental,

diretamente pelos utentes ou num sistema misto e sendo que a infraestrutura

permanece na propriedade do Estado no fim do contrato ou reverte para este.

XIX. Muitas vezes, ao contrato principal (geralmente, uma “concessão”) acresce

uma série de outros contratos associados (exemplos: projeto de construção,

de operação e manutenção, de compra e produção, de financiamento).

XX. As PPP seguem, bastantes vezes, esquemas de financiamento sofisticados e

intrincados, que implicam a conjugação de variados contratos, o que não

abona em favor da transparência exigida na utilização e controlo de recursos

financeiros públicos e privados.

XXI. Diferentemente do que sucede na concessão, em que a remuneração

assenta no pagamento de taxas, na maior parte das situações a PPP é

financiada indiretamente pelos impostos, através de prestações fracionadas

pagas pelo Estado ao parceiro privado, segundo regras definidas aquando do

investimento inicial.

XXII. O ente público tem como objetivo primordial a satisfação do interesse público

ao mais baixo custo, ao passo que, correlativamente, o parceiro privado tem

como escopo fundamental e último da sua atuação a obtenção do lucro.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 88

XXIII. Como critério prioritário de avaliação, o value for money traduz-se, em termos

práticos, numa forma de garantir a melhor combinação de qualidade e

eficiência com o menor capital inicial ao longo de todo o período de utilização

dos bens e serviços adquiridos.

XXIV. Ademais, importará também lançar mão do comparador do setor público,

visando este proceder à comparação entre o custo hipotético do projeto caso

o mesmo, ao invés de desenvolvido no formato de PPP, fosse realizado e

financiado diretamente pelo Estado, devendo para tanto considerar-se o

ajustamento devido pelo risco do próprio projeto e todos os seus requisitos

específicos. Nomeadamente, a provisão do serviço e objetivos a alcançar.

XXV. O Tribunal de Contas, numa auditoria ao modelo de gestão, financiamento e

regulação do setor rodoviário (2012), sancionou que a contratação de uma

PPP não deverá ser justificada apenas por demonstrado formalmente o value

for money de um projeto, havendo que, previamente, aferir-se da

comportabilidade dos respetivos custos.

XXVI. A avaliação da partilha dos riscos é fundamental na ponderação da decisão a

tomar na escolha da opção por uma PPP, sob pena de sérias dificuldades de

sustentabilidade dos investimentos, uma vez que caso tais riscos não sejam

devidamente acautelados poderá o Estado ter que ultrapassar o orçamento

inicialmente calculado e, por outro, o parceiro privado acabar por não

conseguir obter o lucro inicialmente previsto ou calculado.

XXVII. O Direito da União Europeia não oferece um regime jurídico próprio e

específico das PPP, muito embora sem prejuízo de em matéria de

contratação pública vigorarem os princípios decorrentes dos artigos 49.º e

56.º, do TFUE.

XXVIII. Relevam na matéria da contratação pública as Diretivas n.º 2004/18/CE

(contratos de empreitada de obras públicas, contratos públicos de

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 89

fornecimento e contratos públicos de serviços) e 2004/17/CE (água, energia,

transportes e serviços postais), ambas do Parlamento Europeu e do

Conselho, de 31 de março de 2004, transpostas para o ordenamento jurídico

nacional no Código dos Contratos Públicos, através do Decreto-Lei n.º

18/2008, de 29 de janeiro.

XXIX. O Código dos Contratos Públicos veio consagrar um instrumento

uniformizador de regulação jurídica dos contratos de PPP, mas não

disciplinou todas as matérias relativas às PPP, em particular no que diz

respeito aos procedimentos internos a observar pelo setor público, quer na

fase da preparação e desenvolvimento dos projetos, quer na fase de

execução e acompanhamento dos contratos.

XXX. A propósito dos contratos públicos e sua elaboração, haverá que atender

também aos desenvolvimentos da jurisprudência do TJCE.

XXXI. No “Livro Verde Sobre as Parcerias Público-Privadas e o Direito Comunitário

em Matéria de Contratos Públicos e Concessões” (2004), da Comissão

Europeia, surgem identificados como elementos nucleares das parcerias a

duração relativamente longa da relação de cooperação, o financiamento

(parcialmente privado) do projeto - com recurso a montagens jurídico-

financeiras complexas -, a repartição de tarefas entre o ente público e o ente

público e a repartição dos riscos entre ambos.

XXXII. Foi instituído pela primeira vez um regime legal específico para as PPP por

meio do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, depois alterado pelo Decreto-

Lei n.º 141/2006, de 27 de julho, o qual procedeu a diversas modificações ao

regime então vigente, nomeadamente no que tange à preparação de

processos de parceria e da execução dos respetivos contratos, num ténue

reforço da tutela do interesse financeiro público.

XXXIII. A aprovação do Código dos Contratos Públicos veio suscitar dúvidas quanto à

vigência de algumas disposições do referido Decreto-Lei n.º 86/2003.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 90

XXXIV. Como fragilidades do regime legal, apontam-se a falta de uma adequada

previsão sobre os mecanismos internos a observar pelo setor público no que

toca à fase da preparação e desenvolvimento dos projetos e de execução e

acompanhamento dos contratos, bem como a dispersão das competências

relativas à participação na preparação, desenvolvimento, execução e,

especialmente, acompanhamento global de processos de PPP, o que se

traduziu numa dependência do recurso a consultadoria externa mais o

inerente agravamento dos encargos suportados.

XXXV. No contexto do Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal,

o Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, foi revogado pelo Decreto-Lei n.º

111/2012, de 23 de maio, reforçando-se a avaliação prévia dos riscos de

participação nas PPP e a monitorização da sua execução, colmatando em

parte as faltas identificadas no regime legal até então vigente.

Designadamente no que diz respeito ao seu âmbito de aplicação, as

decorrentes da organização interna do setor público, a um melhor

acompanhamento por parte do Ministério das Finanças, do desenvolvimento

dos projetos (em particular, dos contratos de PPP já celebrados), assim como

à transparência, através da publicitação de documentos relacionados com

esta modalidade de contratação.

XXXVI. O novo regime conferiu grande relevância à comportabilidade orçamental dos

projetos, obrigando à realização de análises de sensibilidade, com vista à

verificação da sustentabilidade de cada parceria face a variações de procura

e a alterações macroeconómicas, contemplando ainda uma análise custo-

benefício e a elaboração de uma matriz de partilha de riscos, com uma clara

identificação da tipologia de riscos assumidos por cada um dos parceiros,

sempre que se prepare um novo projeto.

XXXVII. Foram também implementadas medidas no sentido de tornar mais

transparentes os processos relativos a PPP, designadamente, mediante a

publicitação obrigatória de vários documentos com as mesmas relacionadas.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 91

XXXVIII. O conceito de PPP surge como o contrato ou a união de contratos por via dos

quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de

forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar, mediante

contrapartida, o desenvolvimento de uma atividade tendente à satisfação de

uma necessidade coletiva, em que a responsabilidade pelo investimento,

financiamento, exploração e riscos associados incumbem, no todo ou em

parte, ao parceiro privado.

XXXIX. Para o perímetro da definição de “parceiros públicos” nos contratos de PPP

são chamadas não apenas as entidades públicas empresariais mas todas as

empresas pública, incluindo-se quaisquer outras entidades constituídas pelo

Estado, por entidades públicas estatais, por fundos e serviços autónomos ou

por empresas públicas

XL. Os instrumentos de regulação de PPP foram entretanto alargados a contratos

que anteriormente não estavam abrangidos (exemplo: subconcessões de

obras públicas e de serviços), com exclusão das concessões de sistemas

multimunicipais de abastecimento de água para consumo humano, de

saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos sólidos urbanos.

XLI. As PPP são objeto de acompanhamento, fiscalização e controlo (interno e

externo), a cargos de várias entidades.

XLII. Como marco na evolução legislativa tendente a uma melhor performance no

assegurar do interesse público nos contratos de PPP quer na sua fase de

negociação quer posteriormente no acompanhamento dos próprios projetos

ao longo da execução dos contratos, destaca-se a criação a UTAP, a qual

centraliza um conjunto de competências em matéria de definição, conceção,

preparação, lançamento, adjudicação, alteração, fiscalização e

acompanhamento das PPP.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 92

XLIII. A UTAP está incumbida de informar o Ministro das Finanças da posição

económico-financeira dos contratos de PPP e sua evolução, bem como de

referenciar as situações suscetíveis de concorrer para um eventual

agravamento do esforço financeiro do setor público.

XLIV. Como órgão de soberania e auditor externo do Estado, o Tribunal de Contas

dispõe de amplos poderes de fiscalização, controlo e auditorias das PPP,

levadas a cabo através das modalidades de fiscalização prévia, concomitante

e sucessiva.

XLV. Não se encontram abrangidos pelo regime de fiscalização preventiva os

contratos em que a remuneração do concessionário provenha exclusivamente

dos preços que os utentes pagam pelos serviços que ela presta ou pelos

bens que forneça.

XLVI. O Tribunal de Contas pode realizar a qualquer momento, por sua iniciativa ou

a solicitação da Assembleia da República ou do Governo, auditorias de

qualquer tipo ou natureza a determinados atos, procedimentos ou aspetos da

gestão financeira de uma ou mais entidades sujeitas aos seus poderes de

controlo financeiro, concluindo a final pela elaboração e aprovação de um

relatório, donde decorrem consequências legais.

XLVII. Segundo o Tribunal de Contas, em 2008, Portugal era o país Europeu com

maior percentagem de PPP face em relação ao Produto Interno Bruto, como

também em termos de impacto no Orçamento do Estado.

XLVIII. Em 2006 foi criada a UTAO, para funcionar sob orientação da comissão

parlamentar permanente com competência em matéria orçamental e

financeira, a qual presta apoio na elaboração de estudos e documentos de

trabalho técnico sobre a gestão orçamental e financeira pública.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 93

XLIX. Em 2014 a UTAO viu as suas funções reforçadas, sendo-lhe atribuídas

competências relativas às temáticas da avaliação e acompanhamento das

PPP, concessões e reequilíbrios financeiros.

L. Têm-se constatado muitas situações de acréscimo de onerosidade para o

parceiro público, relativamente às expetativas iniciais ou mesmo aos termos

efetivamente contratados, em que não se verifica uma efetiva transferência de

risco para os parceiros privados como seria expetável ou em que, pelo

menos, o parceiro público assume compromissos ou assegura taxas de

rendibilidade dos capitais privados sem correspondência no perfil de risco

efetivo do projeto.

LI. Na sequência do Programa de Ajustamento (2011), o Governo Português

procedeu à renegociação dos contratos de PPP com as concessões

rodoviárias, numa tentativa de diminuição dos encargos. Contudo, sem que a

poupança efetiva possa ainda ser devidamente quantificada, uma vez que

houve lugar a atribuição de contrapartidas pelo Estado nos processos de

negociação, sendo ainda desconhecido o seu custo efetivo e verdadeiro

impacto orçamental.

LII. A estimativa precisa dos encargos com as PPP ao longo dos anos restantes

dos contratos revela-se também prejudicada pela incerteza associada aos

constrangimentos legais previstos contratualmente que poderão (ou não) ser

acionados pelos contratantes privados (processos pendentes de decisão,

atinentes ao mecanismo de reposição do equilíbrio financeiro).

LIII. Associado à alteração de circunstâncias, o mecanismo de reposição do

equilíbrio financeiro contratualmente previsto abrange um número significativo

de situações, por vezes difíceis de elencar devido à forma genérica como se

encontram tipificadas nos contratos (exemplo: motivo de força maior) e que de

alguma forma podem comprometer a rentabilidade calculada para o projeto.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 94

LIV. A maioria dos pedidos formulados pelos parceiros privados, muitas das vezes

em sede arbitral, não tem sido aceite por se concluir pela inexistência de

fundamentos para o pagamento das compensações ou indemnizações

solicitadas.

LV. Em muitos dos casos, a contratação com recurso às PPP é incerta quanto

aos encargos globais para o Estado, pois assentam em previsões a longo

prazo que podem alterar-se a qualquer momento, sendo ainda que a

renegociação nem sempre se traduz numa diminuição de encargos ou na

manutenção da totalidade dos serviços inicialmente contratados.

LVI. Em Portugal, destaca-se nas PPP o setor rodoviário, pelo número de

parcerias, pelo valor do investimento acumulado e pelos encargos líquidos.

LVII. Nas antigas SCUT (exceto a da Beira Interior) e em duas concessões de

portagem real (Norte e Grande Lisboa), as PPP são remuneradas através de

um pagamento relativo à disponibilidade da infraestrutura (composto por uma

componente fixa e, muitas vezes, por outra ajustável em função da inflação),

sendo ainda remuneradas as concessionárias (com exceção de Norte e

Grande Lisboa) pelos custos de cobrança das portagens por elas efetuado.

LVIII. No caso da concessão da Beira Interior (ex-SCUT), o esquema remuneratório

misto assenta num regime de disponibilidade das vias e no produto da

cobrança de portagens.

LIX. Nas concessões de portagem real (Oeste, Litoral Centro, Douro Litoral,

Lusoponte e Brisa), o parceiro privado procede à cobrança direta de receitas

das portagens aos utilizadores da infraestrutura, não apresentando fluxos

financeiros correntes para o setor público (com a exceção da Lusoponte).

LX. Quanto às subconcessões rodoviárias, a remuneração das

subconcessionárias opera-se através do pagamento por disponibilidade das

vias da infraestrutura ou serviço (isto é, sobre o nível de tráfego efetivamente

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 95

verificado), havendo ainda outras responsabilidades derivadas de

pagamentos contingentes, resultantes da reformulação dos modelos

financeiros ocorrida em momento anterior à assinatura final dos contratos de

subconcessão (2009 e 2010), por alterações verificadas nos mercados

financeiros entre o lançamento dos concursos e a contratação final.

LXI. No que tange à concessão ferroviária do Metro Sul do Tejo, a remuneração

tem por base as receitas cobradas aos utilizadores do serviço, a exploração e

rendimentos derivados da exploração de áreas comerciais e parques de

estacionamentos (onde se incluem os proveitos publicitários), havendo ainda

lugar a comparticipações do Estado sempre que o tráfego de passageiros

seja inferior ao limite mínimo da banda de tráfego de referência definida no

contrato de concessão (existe um mecanismo de garantia de tráfego).

LXII. Em sentido inverso prevê-se uma compensação monetária ao Estado nos

anos em que o tráfego fique dentro ou acima da banda superior de tráfego, o

que até à data nunca se verificou.

LXIII. Já quanto à concessão da exploração do serviço de transporte suburbano de

passageiros no Eixo Ferroviário Norte-Sul, a remuneração atual compreende

apenas receitas comerciais derivadas da exploração, estando prevista a

compensação da concessionária pelo Estado em caso de pedidos de

reposição (REF).

LXIV. No setor da saúde, o modelo de parceria assenta numa diferenciação entre

as competências de gestão da infraestrutura e do estabelecimento hospitalar:

O primeiro compreende a construção e manutenção da infraestrutura do

hospital (EG Edifício) o segundo a prestação dos serviços clínicos (EG

Estabelecimento).

LXV. No caso da EG Edifício, os encargos do setor público adotam a natureza de

pagamento por disponibilidade da infraestrutura, total ou parcialmente

indexado à inflação, com base em tabelas pré-definidas.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 96

LXVI. No caso do EG Estabelecimento, os encargos são apurados em função do

nível de produção de serviços clínicos efetivamente prestados por parte de

cada unidade de saúde, da disponibilidade de alguns serviços hospitalares

específicos e do diferencial de gasto relativo a produtos de farmácia

prescritos pela unidade hospitalar face à média de um grupo de referência,

havendo ainda lugar a redução por falhas de desempenho, de serviço ou

específicas.

LXVII. O sector da segurança é composto por uma única PPP relativa à conceção,

construção, montagem, fornecimento, manutenção e gestão de um sistema

integrado de tecnologia de informação para a Rede de Emergência e

Segurança de Portugal, estabelecida entre o MAI e a concessionária SIRESP,

em que uma remuneração por disponibilidade é constituída por uma parte não

revisível, onde os montantes devidos em cada ano estão previstos

contratualmente e por uma parte revisível, em função do Índice de Preços no

consumidor, sendo ainda ajustável em função de deduções respeitantes a

falhas de desempenho e disponibilidade, que não pode exceder 8,68% da

remuneração total.

LXVIII. No campo tributário as empresas concessionárias de serviços públicos

adotam contabilisticamente a International Financial Reporting Interpretations

Committee 12 (IFRIC 12), cujos efeitos em termos fiscais são reconhecidos

caso não exista no CIRC e em legislação complementar norma que regule a

matéria de forma diferente.

LXIX. No caso do concedente pagar um valor variável em função da utilização

efetiva da infraestrutura (ou também quando pago pelos próprios utilizadores

diretamente), o ativo a reconhecer pela concessionária é um ativo intangível

que é amortizado para efeitos fiscais de acordo com o regime previsto no n.º

1 do artigo 12.º de decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 97

LXX. No caso do concedente pagar um valor fixo ao concessionário

(independentemente da utilização), este deve, nos termos da IFRIC 12,

reconhecer um ativo financeiro.

LXXI. Caso o concedente pague um valor variável em função da utilização da

infraestrutura e um valor mínimo fixo, a concessionária deve reconhecer um

ativo financeiro e um ativo intangível.

LXXII. Pelos contratos de PPP os parceiros privados apresentam-se protegidos e

numa posição diferenciada quanto às contingências e incertezas dos

mercados, sem qualquer tributação extraordinária e cobertos de uma

capacidade negocial ímpar, uma vez que dispõem de um rendimento certo e

garantido que lhes permite economicamente suportar riscos noutros negócios.

LXXIII. O tratamento diferenciado a nível fiscal dos envolvidos nos contratos de PPP

justifica-se por quanto aos restantes agentes económicos presentes nas

diferentes áreas os rendimentos futuros não se encontrarem garantidos,

situação que caso não seja acompanhado de uma tributação distinta poderá

dar origem a um eventual sentimento generalizado de injustiça distributiva.

LXXIV. As dificuldades verificadas nas renegociações das PPP e em conseguir com

essas um proveito imediato ou, pelo menos, fiavelmente quantificável para o

futuro, vem reforçar a necessidade de criação por via fiscal de uma tributação

extraordinária sobre os proveitos decorrentes deste tipo de contratos

garantidos, tendente a uma repartição generalizada dos sacrifícios de modo

justo e equitativo.

LXXV. A criação de um regime excecional poderá encontrar amparo no princípio da

capacidade contributiva (artigo 4.º, n.º 1, da LGT) e nas finalidades da

tributação (artigo 5.º, da mesma Lei), sem que colida com estas previsões, na

esteira do disposto no artigo 103.º, n.º 1, da Constituição.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 98

LXXVI. A tributação dos proveitos alcançados por via dos contratos subjacentes às

PPP terá de incidir, extraordinariamente, sobre as respetivas concessionárias

(afinal, os sujeitos passivos de imposto), mas versando apenas os lucros e/ou

proveitos resultantes deste tipo de contratos e cuja rentabilidade se encontra

garantida pelo ente público.

LXXVII. Qualquer intervenção legislativa fiscal com incidência pessoal nas sociedades

concessionárias envolvidas nos contratos de PPP terá que observar o magno

princípio da igualdade fiscal concretizado através do critério da capacidade

contributiva.

LXXVIII. A generalidade ou universalidade traduz-se no facto de a norma valer para

todos os indivíduos em situação de igualdade entre si quando colocados em

situação idêntica, sem discriminação de qualquer natureza, afigura-se como

possível uma tributação sobre as concessionárias colocadas em situação

idêntica (incidência pessoal), em consonância com princípio constitucional da

igualdade, conforme é exigido no artigo 13.º da nossa Constituição, o qual

encontra concretização no artigo 7.º n.º 3 da LGT.

LXXIX. Não estão as concessionárias intervenientes nos contratos de PPP

circunscritas a ver a sua tributação cingida ao seu rendimento real, podendo

muito bem ser objeto de uma tributação extraordinária desde que criada

dentro das limitações legais. Designadamente, porque a Constituição não

consagra a exclusividade da tributação das empresas segundo o rendimento

real, donde resulta que poderá a tributação fazer-se com incidência em outros

motivos.

LXXX. Torna-se mister destrinçar entre os lucros das concessionárias os derivados e

os não derivados a partir das vantagens obtidas dos contratos de PPP, sendo

que apenas os primeiros deverão ser objeto em sede de tributação

extraordinária.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 99

LXXXI. Uma das possibilidades de tributação poderá passar pela criação de uma

sobretaxa de IRC incidente sobre a parte do rendimento auferido pelas

sociedades detentoras de lucros derivados de contratos de PPP garantido em

função de margens de rentabilidade asseguradas pelo ente público.

LXXXII. Na graduação da sobretaxa poderá acolher-se à diferenciação entre uma

incidência sobre o lucro obtido respeitante à efetiva utilização ou não do bem

disponibilizado/garantido, cujo desgaste ou encargo para a concessionária,

pelo menos teoricamente, sempre terá um custo associado (exemplo: valor

indemnizatório pago em função das compensações devidas contratualmente

no caso da utilização do bem abaixo do número de utilizadores previamente

definido).

LXXXIII. Existe o risco das concessionárias regularmente integradas em grupos de

sociedade, nacionais e estrangeiros, poderem proceder à redução dos lucros

mediante recurso e utilização de preços de transferência como forma de

diminuição dos lucros na sociedade cuja taxa de IRC fosse agravada.

LXXXIV. Outra forma de tributação a considerar poderá ter por base a criação de uma

taxa adicional sobre o rendimento, com deduções próprias ou até sem

deduções, no caso das compensações por utilização abaixo do estimado,

onde a existir, face à maior facilidade de apuramento de custos incorridos

pelas concessionárias, haveria lugar a uma dedução fixa, porventura

previamente graduada em função da diferença entre a percentagem não

utilizada e aquela que é garantida.

LXXXV. Sem prejuízo dessas formas de tributação avançadas, afigura-se como

plausível a criação de um regime semelhante ao da contribuição lançada

sobre o setor bancário, desta feita a versar sobre as concessionárias das PPP

na respetiva proporção da percentagem detida.

LXXXVI. À semelhança do ocorrido no setor bancário, apresenta-se como verosímil

uma tributação a lançar sobre as concessionárias tendo como base objetiva

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 100

não necessariamente os lucros por elas obtidos e eventuais constrangimentos

daí decorrentes, mas antes o montante de receitas auferidos por via das

concessões. Caberia ainda distinguir em tal regime a criação de uma

graduação da taxa aplicável aos rendimentos auferidos por utilização efetiva e

compensação por falta de utilização.

LXXXVII. A proposta de uma contribuição especial com os frutos já dados no setor

bancário (quer na vertente da receita obtida, quer da sua própria consolidação

jurídica) revela-se como sendo aquele que neste momento melhor poderia

contribuir para algum reequilíbrio da posição do Estado nos contratos de PPP,

ao passo que, concomitantemente, as concessionárias passariam a contribuir

em similitude com os restantes contribuintes para o esforço adicional exigido

na consolidação das contas públicas.

LXXXVIII. Em jeito de conclusão final, poder-se-á afirmar com alguma segurança que a

criação de um regime legal visando a tributação extraordinária das

concessionárias intervenientes nos contratos de PPP, para além de possível

revela-se como uma necessidade preeminente de justiça fiscal, assente não

só nos princípios da igualdade e da capacidade contributiva mas também

como o cumprimento de uma obrigação já imposta à generalidade dos

contribuintes e em particular a outros setores de atividade visados por essa

via.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Pereira Página 101

Bibliografia ALMEIDA, Mário Aroso de - Parcerias Público-Privadas: A experiência Portuguesa.

Direito e Justiça: VI Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo, 2005.

ARAÙJO, Fernando - Introdução à Economia, Coimbra, Almedina, 2002.

CABRAL, Nazaré da Costa - As Parcerias Público-Privadas, Cadernos do IDEFF, n.º

9, Coimbra, Almedina, 2009.

CAMPOS, Diogo Leite; CAMPOS, Mónica Horta das Neves Leite - Direito Tributário,

Almedina, 2003.

CAMPOS, Diogo Leite; RODRIGUES, Benjamim Silva; SOUSA, Jorge Lopes de - Lei

Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª edição, Encontro da Escrita, 2012.

ESTORNINHO, Maria João - A Fuga para o Direito Privado, Coimbra, Almedina,

1996.

» Direito Europeu dos Contratos Públicos – Um Olhar Português, Coimbra,

Almedina, 2006.

FERREIRA, Eduardo Paz - Da Dívida Pública e das Garantias dos Credores do

Estado, Coimbra, Almedina, 1995.

FERREIRA, Eduardo Paz; Rebelo, Marta - O Novo Regime Jurídico das Parcerias

Público Privadas em Portugal, In Manual Prático de Parcerias Público-Privadas,

Lisboa: NPF Publicações, 2004.

FRANCO, António L. Sousa - Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I, 4.ª

edição, Coimbra, Almedina, 1992.

» Prefácio a Privatizações e Regulação: A Experiência Portuguesa, Lisboa,

Direção-Geral dos Impostos, 1999.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 102

GOMES, Nuno Sá – Manual de Direito Fiscal, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal,

n.º 168, Ministério das Finanças, Direcção-Geral das Contribuições e Impostos,

Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, 1993.

GUERREIRO, António Lima - Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, Rei dos Livros,

2000.

HAMILTON, J. D. - Uncovering Financial Markets Expectations of Inflation, Journal of

Political Economy, n.º 83, 1985.

LOUNGANI, P. - Oil Price Shocks and the Dispersion Hypothesis. Rochester Center

for Economic Research, Working Paper n.º 33, 1986.

MACHETE, Rui - A Administração Pública no Limiar do Século XXI: os Grandes

Desafios, Oeiras, INA, 2001.

MARQUES, Rui - As Realizações de Utilidade Social em IRC e IRS, Lisboa, Wolters

Kluwer, 2016.

» A maioridade da Lei Geral Tributária como pedra angular do sistema

tributário português, Lisboa, Revista do Ministério Público, n.º 148, 2016.

» Responsabilidade tributária subsidiária: Requiem pela Capacidade

Contributiva, Conferências Tributárias 2015/2016, Universidade do Minho,

2017.

MARTINEZ, Pedro Soares - Economia Política, 10.ª edição, Coimbra, Almedina,

2003.

NABAIS, José Casalta - Direito Fiscal, 2.ª edição, 4.ª reimpressão da edição de

2013, Coimbra, Almedina, 2005.

» Por um Estado Fiscal Suportável, Estudos de Direito Fiscal, Coimbra,

Almedina, 2001.

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 103

NUNES, António José Avelãs - A Constituição Europeia: A Constitucionalização do

Neoliberalismo, Coimbra, Coimbra Editora, 2006.

PEREIRA, Paula Rosado - O Novo Regime dos Preços de Transferência,

Fiscalidade n.º 5, Lisboa, Edição do Instituto Superior de Gestão, 2001.

» Lições de Fiscalidade, Volume II, Almedina, 2015.

POMBEIRO, António - As PPP/PFI Parcerias Público Privadas e a sua Auditoria,

Áreas Editora, 2003

RODRIGUES, João Pedro Silva - Algumas reflexões em torno da efetiva

concretização do princípio da capacidade contributiva, In Estudos em Homenagem

ao Conselheiro J. M. Cardoso da Costa, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 2004.

SARMENTO, Joaquim Miranda; MARQUES, Paulo - As Parcerias Público-Privadas:

Uma questão de tributação extraordinária. Revista do Ministério Público n.º 134,

Abril-Junho de 2013.

VASQUES, Sérgio - O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade

Tributária, Almedina, 2008.

VAZ, Manuel Afonso - Direito Económico - A Ordem Económica Portuguesa, 4ª

edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1998.

Ciber bibliografia:

AZEVEDO, Maria Eduarda Azevedo - Tese de Doutoramento em Direito, As

Parcerias Público-Privadas: Instrumento de uma Nova Governação Pública,

Faculdade de Direito de Lisboa, 2008. Obtido em 2016, a partir do endereço:

http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/159/2/18247_ulsd_re383_TESE.pdf

Boletins Anuais das PPP (2012 - 2016). Obtidos a partir do endereço: www.utap.pt

A Tributação das Parcerias Público-Privadas

Rui Miguel do Coito Alves Pereira 104

Estrutura de Acompanhamento dos Memorandos, Gabinete do Secretário de Estado

Adjunto do Primeiro Ministro - A Gestão do Programa de Ajustamentos 2011 I 2014,

1000 dias 450 medidas. Obtido em 2016, a partir do endereço:

http://www.portugal.gov.pt/media/1413075/20140508%20seapm%20gestao%20paef.

pdf

Jornal Público de 15 de outubro de 2013. Obtido em 2017, a partir do endereço:

www.publico.pt/2013/10/15/economia/noticia/taxa-sobre-o-sector-energetico-

pretende-arrecadar-153-milhoes-de-euros-1609243 (Taxa sobre o sector energético,

2013).

Observatório Permanente da Justiça Portuguesa - Parcerias Público-Privadas, Uma

Análise Comparada de Diferentes Experiencias, Centro de Estudos Sociais, Outubro

de 2007. Obtido em 2017, a partir do endereço:

http://ces.uc.pt/pt/investigacao/projetos-de-investigacao/projetos-

financiados/parcerias-publico-privadas-e-justica

Ministério das Finanças - Programa de Estabilidade 2016-2020. Obtido em 2016, a

partir do endereço:

https://www.parlamento.pt/Documents/2016/Abril/PE2016_20_vf.pdf

Relatório e Contas da sociedade Brisa SA 2016. Obtido em 2017, a partir do

endereço: http://web3.cmvm.pt/sdi/emitentes/docs/PC63655.pdf

Tribunal de Contas - Relatório de Auditoria ao Modelo de Gestão, Financiamento e

Regulação do Setor Rodoviário, 2012. Obtido em 2015, a partir do endereço:

http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2012/audit2012.shtm