Upload
others
View
6
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Dissertação de Mestrado em Direito e Economia
Rui Miguel do Coito Alves Pereira
Agosto de 2017
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Dissertação de Mestrado em Direito e Economia
Rui Miguel do Coito Alves Pereira
Orientadora: Professora Doutora Paula Rosado Pereira
Agosto de 2017
À minha mulher e filhas pelo apoio e
compreensão em todos os momentos,
sobretudo nas longas horas de ausência para
elaboração deste trabalho.
“Age de tal modo, que todos os envolvidos participem de
igual forma, tanto nos benefícios como nos encargos”
John Rawls
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira
Agradecimentos
Aos colegas de trabalho, curso e sobretudo amigos pela disponibilidade, entreajuda
e motivação.
Aos inestimáveis amigos João Pires e Olívia, sempre presentes quando preciso,
como foi o caso da disponibilização do espaço onde tranquilamente pôde ser
concretizado este trabalho.
Em especial, à Senhora Professora Doutora Paula Rosado Pereira, o meu sincero
agradecimento pela sábia orientação e estimada cooperação.
Por fim, resta também agradecer ao Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros da
Autoridade Tributária e Aduaneira pela solícita colaboração.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira
Resumo
Através da presente dissertação pretende-se proceder a uma reflexão sobre a
necessidade de tributação extraordinária das Parcerias Público-Privadas,
começando por se percorrer o percurso histórico desde o seu surgimento, com
particular enfase no seu evoluir a partir dos finais da década de oitenta do século
passado, altura em que, massivamente, se apresentaram como meio de resposta
dos Estados Europeus face às necessidades de manutenção de serviços públicos,
cujo desaparecimento politicamente seria difícil de sustentar, ao passo que
permitiam a não ampliação endividamento público, tudo no cumprimento do rigor
monetário e orçamental imposto pelas instituições europeias, enquanto critérios de
consagração de um crescimento sustentado e de uma solidez das finanças públicas
assente no pensamento dominante neoliberal.
No caso concreto de Portugal, o recurso às Parcerias Público-Privadas assentou em
larga medida na assinatura de contratos cujo interesse público e fundamentalmente
económico não foi devidamente assegurado, em virtude da impreparação do Estado
na assinatura dos contratos, manifestada através quer da carência de meios
técnicos quer da inexistência de mecanismos legislativos específicos criados para
regulação deste tipo de contratos.
Tal realidade contínua a traduzir-se em avultados encargos para o Estado
verificados ao longo dos contratos, decorrentes das garantias desproporcionadas de
rentabilidade asseguradas perante os parceiros privados e dos pedidos de
reequilíbrio financeiro pelos mesmos recorrentemente solicitados, os quais se
encontram previstos contratualmente e na maioria das vezes são difíceis de
quantificar.
É pois neste contexto atual de constrangimento orçamental, que se pretende
destacar a necessidade da repartição dos sacrifícios por via de uma tributação
extraordinária a lançar sobre as concessionárias parte nesses contratos.
Procedendo a uma análise os desafios legais postos a essa tributação, seguindo de
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira
permeio o princípio da igualdade tributária e a capacidade contributiva como seu
princípio consorte. Para tanto, apresentar-se-ão algumas das possíveis formas de
tributação extraordinária possíveis, neste caso valendo-nos da experiência aplicada
noutros setores.
Palavras-Chave: Parcerias Público-Privadas – Tributação - Capacidade Contributiva – Sobretaxa –
Contribuição Extraordinária
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira
Abstrat
The present dissertation intends to reflect on the need for creating extraordinary
taxation for Public-Private Partnerships and, analyzing its trajectory from its historical
starting point to nowadays, with particular emphasis on its development during the
late eighties, period in which they were massively released as a State European
response to preserve public services. Abolishment of public service would politically,
be very difficult to sustain, despite the fact it would allow for the non-increment of
public debt, so all of these partnerships were based on a neoliberal way of thinking
that sustained a solid growth and sound public finance methodology, and were
generated in compliance with all the monetary accuracy and budgetary constraints
imposed by European institutions.
In the specific case of Portugal, the adoption of Public-Private Partnerships was
largely established by the signature of contracts that were not adequately
safeguarded by public or economic interests; gaps in legislative mechanisms to
regulate such contracts and lack in resources were evident.
This reality, observed during contractual periods, still translates into a large
economical State burden. The defective contractual agreements given to private
partners, generated disproportionate profitability guarantees and, recurrent requests
for financial rebalancing that were normally foreseen in the contractual agreement
and usually rather difficult to quantify.
Therefore in this current context of budgetary constraints, the intention is to
emphasize the need to distribute the sacrifices amongst concessionaries, which are
parties in the agreements, by means of extraordinary taxation.
The dissertation will analyze the legal challenges of this taxation, following the
principle of tax equality and ability to pay as its consort principle. To do so, we will
present some of the possible forms of extraordinary taxation, applying experiences
implemented in other sectors.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira
Key Words: Public-Private Partnerships - Taxation - Ability to Pay - Surcharge - Extraordinary
Contribution
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Pereira
Índice Abreviaturas .............................................................................................................. 1
I. Introdução ........................................................................................................... 4
II. As Parcerias Público-Privadas e a sua evolução histórica ............................. 8
1. História das Parcerias Público-Privadas ............................................................ 8
1.1.O surgimento massivo das PPP ............................................................... 17
1.2.Evolução histórica das PPP em Portugal .................................................. 21
2. Enquadramento legal das Parcerias Público-Privadas em Portugal................ 23
2.1.Conceito e características ......................................................................... 23
2.2.Na legislação da União Europeia .............................................................. 27
2.3.O regime jurídico interno em Portugal ...................................................... 29
3. Acompanhamento, fiscalização e controlo interno e externo .......................... 37
3.1.Unidade Técnica de Acompanhamento dos Projetos ............................... 37
3.2.Tribunal de Contas.................................................................................... 38
3.3.Unidade Técnica de Apoio Orçamental .................................................... 40
4. Riscos financeiros presentes e futuros ............................................................ 41
5. Projeções de encargos .................................................................................... 46
6. A Reposição do equilíbrio financeiro ............................................................... 47
7. Parcerias Público-Privadas ativas em Portugal ............................................... 50
7.1.No setor rodoviário.................................................................................... 52
7.2.No setor ferroviário ................................................................................... 56
7.3.No setor de saúde..................................................................................... 57
7.4.No setor da segurança .............................................................................. 59
III. A Tributação das Parcerias Público-Privadas ................................................ 61
1. O enquadramento tributário atual .................................................................... 61
1.1.Na abordagem contabilística .................................................................... 61
2. A repartição dos sacrifícios por via dos impostos ............................................ 62
2.1.Negócios privados, riscos públicos? ......................................................... 63
3. Desafios legais à tributação............................................................................. 66
3.1.Os princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva ................ 67
4. Possíveis formas de tributação extraordinária ................................................. 73
4.1.Sobretaxa de IRC incidente sobre os lucros das concessionárias ........... 74
4.2.Sobretaxa de IRC incidente sobre as receitas .......................................... 76
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira
4.3.Contribuição extraordinária ....................................................................... 77
IV. Conclusões ........................................................................................................ 84
Bibliografia ............................................................................................................. 101
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 1
Abreviaturas
BCE Banco Central Europeu
CCP Código dos Contratos Públicos
CECA Comunidade Económica do Carvão e do Aço
CEE Comunidade Económica Europeia
CESE Contribuição Extraordinária Sobre o Setor Energético
CIRC Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas
CIRS Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
CRP Constituição da República Portuguesa
DGTF Direção Geral do Tesouro e Finanças
ECOFIN Conselho para as Questões Económicas e Financeiras
ESAME Estrutura de Acompanhamento dos Memorandos
EP Estradas de Portugal
FMI Fundo Monetário Internacional
IP Infraestruturas de Portugal, S.A.
IFRIC International Financial Reporting Interpretations Committee
IRC Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas
IRS Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
MAI Ministério da Administração Interna
MEFP Memorando de Políticas Económicas e Financeiras
MOPTC Ministério das Obras Públicas Transportes e Comunicações
MoU Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de
Política Económica (Memorandum of Understanding)
MST Metro Transportes do Sul
OE Orçamento de Estado
PEC Plano de Estabilidade e Crescimento
PFI Private Finance Initiative
PIB Produto Interno Bruto
PPP Parceria Público-Privada
REF Reposição de Equilíbrio Financeiro
SIEV Sistema de Identificação Eletrónica de Veículos, S.A.
TC Tribunal de Contas
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 2
TFUE Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
TRIR Taxa de Regulação de Infraestruturas Rodoviárias
UDC Urban Development Corporation
UTAO Unidade Técnica de Acompanhamento ao Orçamento
UTAP Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos
VfM Value for Money
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 4
I. Introdução
Parece obrigatório começar qualquer trabalho de investigação ressaltando a
importância ou transcendência do tema eleito. Pensamos que o facto de o presente
estudo, ao ter por objeto as Parcerias Público-Privadas (PPP), em particular a
tributação, nos libera em parte desta necessidade.
Desde logo, a avaliar pelas responsabilidades financeiras de grande
dimensão que serão apresentadas no futuro, manifestas pela sua proporção
relativamente ao Produto Interno Bruto, a que subjazem motivos políticos e
orçamentais, mais do que económicos, tão cedo o tema não sairá das nossas
ocupações e preocupações. Até pelo horizonte de longo prazo adotado na sua
variedade de figurinos e estruturas contratuais, que não fará descansar os
contribuintes.
A opção pelas PPP, in limine, terá radicado num prévio depauperamento das
finanças públicas, que não permitiria nunca a concretização de tais projetos,
integralmente pelo Estado. A que se somaram as limitações orçamentais, às quais
credores e instituições internacionais (desde logo, a União Europeia) sempre
dedicariam alguma atenção. Donde que o financiamento arregimentado pelos
parceiros privados, também eles se endividando externamente, surgiu como uma
solução benquista. E, para tais parceiros, constitui forte incentivo a garantia de
vultuosos rendimentos com risco inexpressivo porque assegurados pelo Estado.
De um lado, comungado por Estado e privados, foram sendo alcandorados os
putativos benefícios de uma maximização das competências do setor privado, mais
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 5
o incentivo ao aumento da eficiência com a inerente redução dos custos da
prestação de serviços e aparência de uma alocação partilhada do risco.
Todavia, com o passar do tempo temos assistido ao desnudar de encargos e
responsabilidades que não deixarão de recair sobre os cidadãos em geral: a falta de
transparência na informação e negociações, a falta ou défice de controlo, a
desorçamentação, o risco associado à procura, etc. O que abriu caminho ao
equacionar de vias para o reequilíbrio das relações contratuais, mormente pela via
da tributação sobre os parceiros privados.
Eis o mote para uma incursão liminar pelo enquadramento histórico das PPP,
que melhor nos habilitará a conhecer e compreender o seu surgimento massivo até
aos nossos dias. Sem esquecer, em particular, toda a evolução registada em
Portugal, sobre a qual nos debruçaremos com o vagar que se impõe.
Feita a sinopse histórica, será decantado o arcabouço legal das PPP,
começando por apreender e recortar o seu conceito e características. Com
destaque, outrossim, para o Direito da União Europeia e a legislação doméstica em
Portugal. Não nos furtaremos, ainda que modestamente, a oferecer alguns subsídios
na sua análise crítica.
Pela sua importância, trataremos da matéria do acompanhamento,
fiscalização e controlo interno e externo das PPP, apresentando as várias entidades
(Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos, Unidade Técnica de Apoio
Orçamental e Tribunal de Contas), que estão cometidas de tais funções e
obrigações e dissecando as competências de que estão investidas.
Posteriormente, deambularemos acerca dos riscos financeiros presentes e
futuros, conhecendo das projeções de encargos e aflorando o tema da reposição do
equilíbrio financeiro.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 6
Eis então chegada a altura de refletirmos sobre as PPP em Portugal, detendo-
nos com especial vagar nos setores mais relevantes (rodoviário e ferroviário), mas
também nos setores da saúde e da segurança.
Para, in fine, afrontarmos a magna questão da tributação, tendo por
antecâmara a repartição dos sacrifícios por via dos impostos e os desafios legais
postos a esta tributação, seguindo de permeio o princípio da igualdade tributária e a
capacidade contributiva como seu princípio consorte. Apresentando então algumas
das possíveis formas de tributação extraordinária, com destaque para a sobretaxa
de IRC, incidente sobre os lucros ou as receitas das concessionárias, e a
contribuição extraordinária sobre o setor, neste caso valendo-nos da experiência em
outros setores.
Aqui chegados, nas seguintes linhas oferecemos o nosso modesto contributo
para uma discussão que se pretenderá sempre aberta, a benefício da igualdade
tributária, tão cara aos contribuintes.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Pereira Página 8
II. As Parcerias Público-Privadas e a sua evolução histórica
1. História das Parcerias Público-Privadas
O capitalismo liberal surgido da revolução industrial aportou grandes
transformações a vários níveis, com particular ênfase no campo económico e na
forma de intervenção do Estado sobre a sociedade em geral.
O Estado viu-se então confrontado com uma nova realidade fruto do
desenvolvimento tecnológico e da concentração de massas de população em zonas
mais industrializadas, que exigiram da sua parte a criação de infraestruturas
necessárias a fazer face a este novo paradigma socioeconómico, cuja velocidade de
desenvolvimento assumiu uma particular relevância em matéria de transportes e vias
de comunicação e para o qual, compreensivelmente, não estaria ainda preparado.
Assim, a par deste vertiginoso desenvolvimento industrial, desenvolveu-se o
capitalismo liberal assente, essencialmente, no pensamento de Adam Smith e outros
pensadores clássicos, defensores da primazia do mercado e fazedores da apologia
do “Estado mínimo”, o qual, segundo assinala Manuel Afonso Vaz1, era por natureza
inadequado às funções económicas.
É pois neste contexto que face às ideologias liberais e às restrições
orçamentais e de disciplina financeira, o Estado sentiu necessidade de recorrer à
1 Sobre este assunto, entre outros, vide Manuel Afonso Vaz, Direito Económico - A Ordem Económica Portuguesa, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, p. 42 (Vaz, Manuel Afonso, 1998).
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 9
colaboração dos privados, tendo em vista satisfazer as constantes necessidades
gerais a seu cargo, as quais aumentavam gradualmente de dia para dia. No entanto,
sendo as empresas chamadas a financiar e executar obras públicas indispensáveis,
fizeram-no numa posição de colaboração com o Estado e, ademais, ficando sujeitas
enquanto tais à definição unilateral das exigências do interesse público por atos de
autoridade da entidade concedente.
Concomitantemente, embebido nesse pensamento liberal, o Estado deixou
em grande medida funcionar autonomamente a economia, regulada, maxime, pelas
leis do mercado.
Muito embora essa liberalidade e tal como nos dias de hoje, a intervenção do
Estado mostrou-se, ainda assim, como irremediavelmente necessária no sentido de
corrigir falhas de mercado2 e de proteção das massas, com medidas disciplinadoras
e ordenadoras das relações laborais e sociais. E, neste contexto, o Estado que se
havia limitado à intervenção mínima viu-se confrontado com a necessidade de
assumir um papel central e fulcral na gestão de recursos e forçado a repensar os
instrumentos de atuação.
Mais tarde, com a Primeira Guerra Mundial, o Estado viu-se forçado a
assumir-se também como produtor, ao mesmo tempo que também passava a
controlar a economia, na sequência das peculiares exigências de armamento e
aprovisionamento em tempo de guerra, vivendo-se nesta fase um interregno do
pensamento liberal.
2 Para Fernando Araújo, Introdução à Economia, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 53 e 54, as “falhas de mercado” são atribuídas a duas causas principais, a saber: [1. a existência de «externalidades», a possibilidade de que uma de que uma atuação económica faça projetar irremediavelmente efeitos, benéficos ou maléficos, sobre alguém que não o próprio agente, interferindo no nível de bem-estar desse alguém, sem que lhe seja paga qualquer indemnização – no caso da diminuição do seu bem-estar – ou sem ter que pagar qualquer compensação – no caso do aumento desse bem estar -, impedindo nomeadamente que a produção de bens socialmente benéficos seja livremente incentivada, ou sinalizando erradamente o mercado no sentido da sobreprodução de bens e serviços com efeitos colaterais socialmente negativos; 2. a existência de «poder de mercado», que permite a alguém a exploração do mecanismo dos preços em proveito próprio, para lá de um limite que fira um sentido mínimo de justiça ou que gere desincentivos à produção e às trocas – tendo de admitir-se que mesmo a mais superficial observação do mercado evidenciará que a concorrência entre empresas é frequentemente limitada, que as distorções do mercado muitas vezes se perpetuam através da sua repercussão no plano dos incentivos, que as atitudes abusivas não raro extravasam para o domínio das práticas anti-ambientais e anti-sociais -.]
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 10
Não obstante a transição dos tempos de guerra para os tempos de paz e o
consequente retorno à aplicação da ideologia liberal, o “furacão económico” vívido
com a crise de 1929 nos Estados Unidos e a chamada “Grande Depressão” mais
não veio do que revelar as fragilidades do sistema económico. Fundamentalmente,
por destruição da confiança no setor financeiro e suas repercussões na sociedade,
trazendo ao de cima a necessidade imperiosa dos Estados dos países mais
atingidos assumirem um papel central e preponderante no controlo da economia.
Aliás, a falência demonstrada pela crise revelou ainda a necessidade de intervenção
do Estado no sentido de impulsionar a economia, a qual não emergiria por impulsos
naturais mas antes dependendo de uma ação direta e intervencionista.
Por sua vez, no Continente Europeu, predominantemente marcado por
Estados autoritários e pelo alastramento da “revolução corporativa”, como
instrumento de condução e disciplina da economia, evidenciava a falta de um
sistema económico característico que correspondesse às exigências dos novos
tempos3.
Neste panorama assumiu particular relevância o pensamento keynesiano
assente no abandono do ideal da neutralidade. As finanças públicas keynesianas,
dominadas pela funcionalidade, passaram a procurar o aproveitamento total de
todos os instrumentos financeiros tendo em vista influenciar o comportamento dos
sujeitos económicos privados e a economia em geral, sendo a sua estrutura e
gestão determinadas pelos fins sociais que visavam realizar. Contrariando a
abstenção, as finanças públicas passaram a ser marcadas por uma atitude e
práticas intervenientes, na qual o Estado assume um papel ativo, muito abrangente
na economia, de modo a restringir a atividade privada e promovendo fins
autónomos4.
3 Sobre este assunto, vide Pedro Soares Martinez, Economia Política, 10.ª edição, Coimbra, Almedina, 2003, pp. 312 e ss. 4 Neste sentido vide António L. Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I, 4.ª edição, 1992, pp. 63 e 64.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 11
Entretanto, a Segunda Guerra Mundial colocou um ponto final na maior parte
dos regimes autoritários que haviam instituído formas de capitalismo estatal debaixo
do escopo corporativista. Ainda assim, não restabeleceu o Estado liberal
caraterizado pela separação com a economia.
Reposta a paz, assistiu-se ao aparecimento de projetos de cooperação
intergovernamental e sob o impulso norte-americano, com a implementação do
plano Marshall, nasceram as organizações internacionais e o acordo
institucionalizado que consubstanciaram os pilares da nova ordem económica
internacional.
Seguindo o mesmo desígnio, a realização da conferência de Bretton Woods
(1944) teve por finalidade, essencialmente, criar uma ordem económica liberal que
viesse substituir as políticas autoritárias as quais tinham conhecido um grande
desenvolvimento no período entre as duas guerras, destacando-se nesta
conferência a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Neste cenário, criaram-se as condições de promoção de um sistema
monetário internacional e a livre convertibilidade das moedas, repondo um padrão,
prevenindo desvalorizações cambiais competitivas e promovendo a segurança e a
confiança nas relações monetárias internacionais. Outrossim, facilitando-se o
investimento de capitais produtivos, a aceleração das economias destruídas pela
guerra e, ainda, a regulação do comércio internacional livre e assente em relações
multilaterais.
A recuperação da Grande Depressão, à semelhança do ocorrido antes da
guerra, trouxe ao de cima, então e novamente, a prosperidade resultante da união
do Estado com a economia.
Com a forte implementação de uma agenda social, o Estado passou a usar o
orçamento para a cobertura de riscos sociais mediante um amplo e prevalecente
sistema público de segurança social, bem como para o desenvolvimento de políticas
sociais de saúde, assistência e educação.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 12
Por outro lado, o mesmo Estado adotou medidas económicas tendentes a
evitar novas depressões, através de políticas anti-inflacionistas assentes,
fundamentalmente, no agravamento dos impostos. Pelo que, nesta fase de
modernização estrutural das economias e relações sociais, o Estado apresentou-se
como a pedra angular de todo o sistema.
Nas palavras de Rui Marques, «A partir da 2.ª metade do século XX, a
conformação económico-social empreendida pelos poderes públicos tem exigido
novos instrumentos concretizadores das novas atribuições do Estado, o que,
correlativamente, tem acarretado um acrescido esforço financeiro por parte dos
contribuintes», mais adiantando que «Assim, o Estado surge a assumir e garantir a
prossecução dos fins, com benefício para os seus cidadãos, mas tal não significa
que apenas possam ser os poderes públicos a encarregar-se das respetivas tarefas.
Na realidade, estas também poderão ser efetivadas por meio dos sectores privado,
social ou cooperativo (a “sociedade civil”), em coexistência ou mesmo
subsidiariedade com o sector público. O que não deve ser entendido como uma
renúncia ou dispensa dos poderes públicos»5.
Contribuindo para essa realidade o Tratado que instituiu a Comunidade
Económica do Carvão e do Aço (CECA)6, teve um efeito apaziguador com reflexos
positivos em larga medida no desenvolvimento dos respetivos países signatários.
Servindo de mote à posterior criação da Comunidade Económica Europeia (CEE),
inspirada na conceção neoliberal quanto às vantagens do alargamento dos
mercados e do estímulo da concorrência.
Nessa altura de progresso e bem-estar das populações, dominava a crença
no setor público, necessário ao estímulo e fomentador do crescimento económico
global, dotado de capacidade de autofinanciamento. Com efeito, estava dispensado
o recurso a receitas suplementares e afastada a possibilidade desse crescimento
5 Cf. Rui Marques, As Realizações de Utilidade Social em IRC e IRS, Lisboa, Wolters Kluwer, 2016. 6 Assinado em Paris a 18 de Abril de 1951, pela França, Alemanha, Itália Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos, entrou em vigor em 24 de Julho de 1952, por um período limitado a 50 anos.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 13
poder traduzir-se num foco perturbador das relações entre os setores público e
privado.
Seguiram-se assim os anos dourados da integração europeia, vincados pela
edificação do mercado comum em detrimento de mercados nacionais, realidade
apenas mais tarde fragilizada pela “crise da cadeira vazia7”.
No entanto, o modelo económico assente no Estado, não só a nível Europeu
mas também no plano mundial, viria fortemente a ser posto em causa, trazendo à
ribalta uma nova reflexão sobre o seu papel e (in)capacidade intervencionista, com
as crises petrolíferas ocorrida na década de setenta e a consequente turbulência
económica daí resultante. Reveladas através de ciclos viciosos de inflação-
recessão, onde a desvalorização cambial, ainda que insuficiente, se assumiu como
uma forma de ajustamento dos défices da balança de pagamentos8. Por outro lado,
a nova conjuntura trouxe consigo o aumento exponencial da dívida pública sem que,
paralela e correlativamente, fosse aumentada a receita fiscal.
Neste contexto, agudizaram-se os descontentamentos contra a intervenção
do Estado, agora apontado como obstáculo ao dinamismo do setor privado e ao
dinamismo da economia, fruto do seu tamanho e da ineficácia da sua máquina
administrativa9. Seguindo-se-lhe um processo de reapreciação da sua intervenção
na economia, quer por aqueles colocados mais à direita, quer pelos mais à esquerda
no espetro político. Sendo ainda acusado no campo social de ceder às
revindicações dos grupos mais poderosos, a par com a pressão exercida pela
crescente globalização.
7 A partir de julho de 1965, a França, por discordar de um conjunto de propostas da Comissão, deixou de participar nas reuniões do Conselho, situação que se manteve durante cerca de sete meses, bloqueando a capacidade de decisão da Comunidade. 8 Cf. James D. Hamilton, Uncovering Financial Markets Expectations of Inflation, Journal of Political Economy, n.º 83, 1985, pp. 1224 e ss.; M. Steven Goldfield, The Case of the Missing Money, Brookings Papers on Economic Activity, n.º 3, 1976, pp. 683 e ss.; Prakash Loungani, Oil Price Shocks and the Dispersion Hypothesis, Rochester Center for Economic Research, Working Paper n.º 33, 1986, pp. 5 e ss. 9 Sobre este assunto vide Rui Machete, O Capital Humano na Função Pública, A Administração Pública no Limiar do Século XXI: os Grandes Desafios, INA, Oeiras, 2001, pp. 53 e ss. No mesmo sentido, Maria João Estorninho, A Fuga para o Direito Privado, Coimbra, Almedina, 1996, pp. 47 e ss.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 14
No início da década de oitenta, já após a introdução da Politica Agrícola
Comum e do alargamento do projeto europeu a outros países, numa tentativa de
maior controlo do mercado cambial, visando uma menor flutuação das moedas
nacionais, a contestação ao “Estado-Providência” veio a aumentar de tom.
Condenando-se de forma vigorosa o elevado custo financeiro do setor público,
gerador de défices orçamentais contínuos e aparentemente incontroláveis, que
exigiam dos Governos o recurso constante a empréstimos no sentido de lograr o
equilíbrio das contas públicas, com as repercussões inevitáveis tanto no volume da
dívida e no peso dos seus encargos, como na estrutura da despesa. Já para não
falarmos da soberania.
A década de oitenta terminaria marcada pelo rejuvenescimento do
pensamento neoliberal em detrimento do keynesianismo, regressando à ribalta a
limitação do Estado a uma vocação infraestrutural e redistributiva e sendo a
atividade produtiva entregue ao setor privado. Surgindo, neste contexto, as
empresas privadas a executar atividades anteriormente cometidas exclusivamente
ao Estado.
Com alguma naturalidade surgem então as privatizações10, acolhidas sob a
capa do entendimento “Menos Estado, Melhor Estado”, tido como benigno. São
justificadas por questões de eficiência e de garantia de uma melhor satisfação das
necessidades sociais, através da redefinição das áreas em que a iniciativa privada
pode atuar, alegadamente, de forma mais vantajosa e aquelas que seriam mais
adequadas ao setor público, afirmando-se claramente como o elemento-chave do
novo paradigma de mercado.
Por outro lado, a alienação do património público em função das privatizações
funcionaria como um enorme contributo para a redução dos défices públicos, ao
mesmo tempo que reduziria a malquista intervenção do Estado na economia.
10 A designação “privatização” foi apresentada por Peter Drucker para substituir “desnacionalização” e teve por base as críticas libertárias de Hayek contra o Estado providencial e coletivista. Cfr. Friedrich Von Hayek, The Road to Serfdom, Chicago, University of Chicago Press, 1944.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 15
Relativamente à integração europeia, a unificação da Alemanha, a par com a
queda de alguns regimes comunistas no Bloco de Leste e a crescente globalização,
transformou radicalmente o mapa económico mundial e impulsionou, na sequência
dos diferentes tratados europeus e sucessivos alargamentos, a livre circulação dos
bens, dos serviços, das pessoas e dos capitais, consorte de uma liberalização dos
mercados. Havendo a destacar a criação em 1994 do Espaço Económico Europeu.
No plano internacional, essas transformações europeias prestaram um
contributo decisivo à criação, em 1995, da Organização Mundial do Comércio
(OMC), tendo por objetivo supervisionar e liberalizar o comércio internacional, fruto
das negociações comerciais decorrentes da Ronda do Uruguai, após uma série de
negociações anteriormente frustradas.
Todavia, a nível europeu o grande passo seria dado mais tarde com a
introdução da moeda única (euro), operada pelo Tratado de Maastricht (1992) e com
os critérios de convergência definidos para a sua implementação a ser estabelecidos
pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (1997). Apenas 9 dos 28 Estados-
Membros da União Europeia integram a Zona Euro (Alemanha, Áustria, Bélgica,
Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda,
Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos e Portugal).
A política monetária adotou em larga medida um caráter deflacionista,
limitativo e de contração, oposto ao crescimento económico e à promoção do
emprego, dada a posição rígida assumida pelo Banco Central Europeu (BCE)
perante a eventual ocorrência de subida dos preços. Assim aplicando a conhecida
receita liberal na resolução das crises, assente na regulação automática e por si
própria do mercado, focada na baixa de salários e no aprofundamento e
prolongamento do ciclo depressivo11. Privilegiando deste modo o rigor monetário e
orçamental, no pressuposto de um crescimento sustentado e de uma solidez das
finanças públicas, em linha com a velha disciplina clássica. Sob um tal desígnio
assistiu-se à até então mais ampla transferência de poderes nacionais alguma vez
11 Sobre este assunto vide A. J. Avelãs Nunes, A Constituição Europeia: A Constitucionalização do Neoliberalismo, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 119.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 16
registada. O que, não raro, lançou um questionar sobre o sentido da soberania dos
Estados e da democracia representativa.
As regras ditadas pela moeda única resultaram, na prática, numa perda da
autonomia dos Estados na regulação das políticas cambial e monetária onde o BCE
passou a estabelecer a taxa de juro válida para todos os membros da Zona Euro.
Revelando a União Económica e Monetária (UEM) um poder limitativo, considerando
que o objetivo de manutenção da estabilidade era suscetível de conduzir a políticas
de contenção permanente, em sintonia com o Plano de Estabilidade e Crescimento
(PEC) definido em 1997, em momento anterior à implementação da UEM, donde
resultou a aparente obrigatoriedade de cumprimento do valor de défice orçamental
abaixo de uns enigmáticos 3%. Sendo justo afirmar que o PEC, quer para os países
mais ricos quer para os países mais pobres, converteu-se num “colete-de-forças”12
condicionador de toda a sua atuação e desempenho na condução da política
orçamental. Tal realidade não se alterou de forma substancial com as revisões dos
Regulamentos na base do PEC entretanto realizadas, cujos parâmetros continuam a
incidir e exigir de forma vincada aos Estados-Membros um rigor vigoroso no
equilíbrio orçamental. Porém, sem estes poderem dispor de grandes instrumentos
de política económica, atenta a destituição do poder de condução das políticas
monetárias e cambial.
Em consequência desta opção comunitária, os países da Zona Euro - neste
novo paradigma bastante limitados pela perda da capacidade da regulação cambial -
viram ainda mais restringida a sua margem de manobra através da obrigação de
manter os orçamentos dentro dos parâmetros do PEC, como condição para o
equilíbrio dos orçamentos.
É pois no meio desta “tempestade perfeita” de constrangimentos orçamentais
que de modo mais pronunciado os Estados lançam mão a um leque de instrumentos
no intuito claro de contornar o rigor das regras do Pacto (nomeadamente, critérios
restritivos do Tratado de Maastricht, fortalecidos no PEC), bem como se socorrem de 12 Conforme apelida Maria Eduarda Azevedo na sua Tese de Doutoramento, com o título As Parcerias Público-Privadas: Instrumento de uma Nova Governação Pública, Faculdade de Direito de Lisboa, 2008, p. 116.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 17
soluções de engenharia financeira e contabilidade pública criativa acrescidas de
políticas de privatizações, norteadas tão só pela necessidade de reduzir as dívidas.
Nesta medida, a “nova” ideologia de “Estado mínimo” permitiria atenuar a contenção
do défice e da dívida pública em obediência a metas de regulação orçamental, como
as impostas pelo PEC aos parceiros comunitários inseridos no euro13.
Por outro lado, não sendo a política de privatizações orientada para satisfazer
as necessidades gerais das obrigações do Estado para com os cidadãos e
resultando enaltecido ainda mais esse “Estado mínimo”, assiste-se ao envolvimento
dos capitais e no alcandorar de uma salvífica cultura de gestão privada, através da
implementação, em alguns casos massificada, de Parcerias Público-Privadas (PPP),
consubstanciadas num modo de gestão e prestação de serviços públicos baseada
na intervenção privada através de um emaranhado de construções. Porém, sem que
daí se possa furtar às limitadas regras impostas pelo Eurostat, eventualmente
tardias, através da Decisão de 11 de Fevereiro de 2004 e constantes do guia de
orientação “Long term contracts between government units and nongovernment
partners”, surgidas na sequência da necessidade de tratamento e de contabilização
a dar às PPP nos orçamentos nacionais.
1.1. O surgimento massivo das PPP
Na esteira do antedito, as PPP devem o seu protagonismo, pelo menos numa
fase inicial, a dois relevantes fatores. Por um lado, à tendência de emagrecimento
exigido pelas regras orçamentais, as quais geram, inevitavelmente, um
enfraquecimento da posição do Estado. E, por outro, à retoma da evolução
económica assente no pensamento neoliberal.
Neste novo paradigma, a necessidade política de manter serviços públicos
cujo desaparecimento seria impopular, aliado à vontade de os sustentar, levam o
Estado - agora dotado de uma capacidade institucional e financeira bastante
13 Como muito lucidamente reconhece Eduardo Paz Ferreira, Da Dívida Publica e das Garantias dos Credores do Estado, Coimbra, Almedina, 1995, p. 124.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 18
diferente - a acudir a um setor privado disponível para alargar o seu espetro de ação
a novas áreas de investimento, assim lançando mão de empreendimentos antes
considerados muito arriscados.
No entanto, este mecanismo de recurso a concessões ao setor privado para
realização do interesse público, encontrado face ao novo contexto orçamental, não é
de todo inovador, uma vez que já havia sido testado anteriormente, ainda que de
forma mais simples ou menos sofisticada.
Os primórdios das PPP remontam à Inglaterra da 2.ª metade do século XVII, a
qual tinha desenvolvido uma imensa rede de estradas portajadas designadas por
“Turnpikes” (nome dado à cancela pontiaguda que bloqueava a passagem) surgidas
num contexto de necessidade de suplantar os problemas decorrentes da dificuldade
na manutenção da vetusta “rede” rodoviária eclesiástica, assente apenas no trabalho
local não especializado. O seu mecanismo de funcionamento consistia em adjudicar
a manutenção das estradas a Trusts de mercadores, manufatureiros ou autoridades
locais, os quais de modo organizado juntavam o capital, asseguravam a construção
e recolhiam as portagens no sentido de recuperar o investimento em vinte e um
anos14.
O sistema estendeu-se aos Estados Unidos, após a Guerra da Independência
(1775-1783). Porém, a concorrência resultante da exploração do transporte através
dos canais fluviais e, mais tarde, dos caminhos-de-ferro, condenaram o seu destino.
Também a França desenvolveu no mesmo século o modelo de concessão, ainda
hoje dominante, onde investidores privados financiavam a construção de
infraestruturas as quais exploravam por determinado prazo ao fim do qual a
propriedade revertia a favor do Estado. Disso são exemplo as concessões de
exploração de canais e secagem de pântanos.
Contudo, mais uma vez, é a Inglaterra, ainda que de forma deveras tímida
(comparando com os dias de hoje), que nos anos oitenta traz de novo as PPP à 14 Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, Parcerias Público Privadas: Uma Análise Comparada de Diferentes Experiências, Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia de Coimbra, Outubro de 2007.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 19
ribalta. Sob o comando de Margaret Thatcher surgem zonas empresariais e Urban
Development Corporations (UDC`s), a quem se atribuíam as tarefas de
desenvolvimento de zonas degradadas, dotando-as de financiamento, posse e
poderes de planeamento sobre os terrenos adjudicados. As “Docklands” portuárias
da capital Londres foram, por força desse sistema de rentabilização e
desenvolvimento, transformadas naquilo que é hoje o centro financeiro de Canary
Wharf. Mais tarde, já no final da década de oitenta, as UDC`s foram substituídas
pelo City Challenge, programa que assentava no encorajamento das autoridades
locais em propor aos agentes privados da sua região projetos de renovação urbana.
Todavia, a utilização de parcerias nesta época circunscrevia-se a situações
muito concretas e pontuais. Apesar disso, importa destacar uma das maiores
concessões da história, datada a 1986, o projeto franco-britânico do Túnel da
Mancha.
O grande impulso das PPP viria, posteriormente, a ser alcançado já na
década de noventa, mais concretamente em 1992, ano em que a Inglaterra, sob o
Governo conservador de John Major, com o programa político denominado de
“Private Finance Initiative” (PFI), em que mediante uma avaliação prévia do Value for
money15 (ou seja, combinando qualidade e eficiência com o menor capital inicial, ao
longo de todo o período de utilização dos bens e serviços adquiridos), se aferia a
viabilidade dos projetos e o potencial interesse público na adjudicação aos privados.
Para tanto, o sistema assentava em três pilares fundamentais: o primeiro, visando
ampliar a capacidade de financiamento do Estado, através de pagamentos
plurianuais; o segundo, impondo ao parceiro critérios de qualidade cujo cumprimento
seria condição necessária para o respetivo pagamento, conduzindo inevitavelmente
a uma melhor prestação do serviço público; por fim, beneficiando da diminuição da
despesa pública, através da poupança com a aquisição de infraestruturas e a
capacidade de desenvolvimento avançado presente no parceiro privado.
15 Value for money: Radica na análise do impacto de uma intervenção em relação a três critérios essenciais, a saber: 1) economia, como minimização dos custos dos recursos aplicados ou adquiridos; 2) eficiência, assente na relação entre os índices de produção e os recursos usados na sua produção; 3) eficácia, na relação entre os resultados esperados e os efetivamente obtidos em projetos ou programas (gastar com sensatez).
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 20
Muito embora tradicionalmente o modelo aplicado se restringisse a áreas e
necessidades muito específicas a colmatar pelo Estado, após sucessivas
transformações é, em 1997, já sob a governação de Tony Balir, que as PPP
assumem uma relevância a larga escala. Neste período alcançam uma taxa de
implementação a rondar os 10% do investimento em bens públicos, assim se
recorrendo sucessivamente ao setor privado para o financiamento, construção e
gestão, numa diversidade de setores entre os quais se incluem a saúde, a educação
e a defesa.
Por sua vez, na Europa Continental, o crescimento das PPP teve um
crescimento mais tímido e heterogéneo, derivado essencialmente do
conservadorismo germânico e da sua perspetiva quanto à separação que deve
existir entre o Estado e o mercado.
Não é pois de estranhar que os países germânicos e escandinavos sejam
mais avessos a este tipo de contratos do que os mediterrâneos, onde, por exemplo,
a Espanha do tempo do Franquismo, por força das limitações financeiras desse
período, optou por atribuir diversas concessões rodoviárias e pela introdução de
estradas portajadas. No pós-Franquismo, com Felipe González, verificou-se um
ligeiro abrandamento do modelo, fruto do aumento da dívida pública e,
consequentemente, do défice nesse período. Todavia, a partir de 1997 as PPP
tomaram um novo impulso, altura em que através da Lei 13/1996, de 30 de
dezembro, de Medidas Fiscales, Administrativas y de Orden Social (comummente
por nós designada como Lei do Orçamento), sob um forte pendor de restrição
orçamental imposto aos Estados-Membros por Bruxelas, conforme se pode alcançar,
inclusivamente, logo no seu preâmbulo16, as concessões foram alargadas a outros
setores como estações de serviço e outros projetos imobiliários.
16 Logo no seu primeiro parágrafo é referido que “La presente Ley incluye un amplio conjunto de medidas referidas a los distintos campos en que se desenvuelve la actividad del Estado, cuya finalidad es contribuir a la mejor y más efectiva consecución de los objetivos de la política económica del Gobierno que se contienen en la Ley de Presupuestos Generales del Estado para 1997, y en concreto al cumplimiento de los criterios de convergencia previstos en el artículo 109.J del Tratado Constitutivo de la Comunidad Europea.” Por sua vez, o artigo 109-J do Tratado, reporta-se à imposição dos critérios de convergência a observar pelos signatários, designadamente, “a realização de um elevado grau de estabilidade dos preços, que será expresso por uma taxa de inflação que esteja próxima da taxa, no máximo, dos três Estados-membros com melhores resultados em termos
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 21
1.2. Evolução histórica das PPP em Portugal
Em Portugal as PPP, enquanto tal, conheceram o seu surgimento em meados
dos anos noventa, pela mão do regime de concessão (várias vezes confundido com
aquelas), há muito experimentado no nosso País. Conforme assinala Nazaré da
Costa Cabral17, há a rememorar o registo em 1882 do estabelecimento de um
acordo entre o Estado Português e a Companhia Edison Growel Bell, tendo em vista
a exploração do serviço de telefones públicos. Seguiu-se em 1922 a concessão à
Companhia Marconi da exploração de comunicações telegráficas intercontinentais.
Só muito mais tarde, em 4 de dezembro de 1972, surge de novo estabelecido um
acordo de relevo aquando da concessão à Brisa18 (fundada no mesmo ano) da
autoestrada de ligação entre Lisboa e Porto.
Já na década de oitenta, ultrapassada a mudança de regime de 1974 e as
vultuosas alterações entretanto ocorridas no mapa económico, foram implementadas
reformas tendentes à eliminação progressiva de medidas de intervencionismo
revolucionário e caráter socializante decorrentes da Constituição de 1976,
promovendo a abertura das atividades económicas à iniciativa privada19.
Contudo, a década de noventa veio a revelar-se para Portugal como um
desafio sem precedentes no seu desenvolvimento e integração europeia, carregado
de metas difíceis de atingir e, de alguma forma, aparentemente opostas. Isto porque,
se por um lado o País se via confrontado com a necessidade de criação de grandes
estruturas e fornecimento de serviços públicos tidos como imprescindíveis e
necessários a uma maior competitividade económica, por outro, enfrentava os
constrangimentos orçamentais definidos pelo PEC, assumindo particular relevância
de estabilidade dos preços (…) a sustentabilidade das suas finanças públicas, que será traduzida pelo facto de ter alcançado uma situação orçamental sem défice excessivo…” 17 Nazaré da Costa Cabral, As Parcerias Público-Privadas, Cadernos do IDEFF, n.º 9, Almedina, Coimbra, 2009, p. 135. 18 Atualmente, a Brisa explora de forma direta 11 autoestradas, num total de 1.100,2 kms, dos quais 1.014,1 kms são constituídos por sublanços com portagem. Nos termos do acordo celebrado com o Estado Português, esta concessão terminará em 2035, Relatório e Contas da Brisa 2016. 19 Sobre este assunto, Maria Eduarda Azevedo, ob. cit., p. 219.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 22
nesta matéria os rigorosos critérios de convergência para a integração na moeda
única.
Neste contexto, à semelhança de outros países europeus confrontados com
semelhantes exigências, motivados pelas próprias autoridades europeias,
procuraram-se novas formas de contratação pública tendentes à realização de obras
necessárias, recorrendo ao setor privado para o seu financiamento e concretização,
atenta a redução do impacto nas contas públicas e consequente défice estrutural.
É também no seguimento dessas exigências e motivados pelo impulso
neoliberal dominante na europa que se assiste em larga escala ao desencadear das
(re)privatizações nos mais diferentes setores até então sob o domínio exclusivo do
Estado. Assim, na sequência do acordo então assinado em outubro de 1988 entre
PS e PSD para a revisão constitucional, é aprovada a Lei n.º 11/90, de 5 de abril
(Lei-Quadro das Privatizações), a qual definia logo no seu artigo 2.º como objetivos,
entre outros, contribuir para o desenvolvimento do mercado de capitais, promover a
redução do peso do Estado na economia e, fundamentalmente, a redução do peso
da dívida pública nesta. O cumprimento destes objetivos permitiu encaixes
financeiros avultados e necessários à consolidação do défice mediante a
amortização de dívida, à medida que o Estado redimensionava a sua área de
atuação, passando a assumir na economia um papel mais regulador e incentivador e
menos intervencionista.
Sobre esta matéria, anos mais tarde o então Ministro das Finanças, Sousa
Franco, fazendo um balanço provisório afirmou: «Uma vez conseguido o consenso
social e político relativo ao modelo de sociedade e de economia que a nossa entrada
na UE representou, o processo das reprivatizações insere-se neste contexto de
mudança ou reforma estrutural necessária para a concretização do projeto de
integração europeia e da participação na construção de uma Europa solidária, coesa
e próspera.»20
20 Cf. António L. Sousa Franco, Prefácio a Privatizações e Regulação: A Experiência Portuguesa, Lisboa, Direção-Geral de Estudos e Previsão, XV-XVII, 1999.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 23
Por outro lado, a necessidade de diminuir as diferenças de desenvolvimento
existentes para com os demais parceiros comunitários exigia como prioridade um
aumento do investimento público de natureza infraestrutural, face ao seu papel
fulcral na ascensão do crescimento económico.
Com vista a alcançar esse desígnio, mas blindado pela política de contenção
orçamental imposta pela adesão à moeda única, potenciaram-se as parcerias com o
setor privado na realização de grandes obras públicas e serviços de interesse
económico necessários em setores fundamentais, tais como obras públicas, água
potável e saneamento, transportes ferroviário e rodoviário e, mais tarde, saúde21,
mediante o recurso a PFI/PPP, sob o desígnio de aproveitamento das capacidades
de financiamento e gestão privadas, sem o desembolso instantâneo de verbas, uma
vez que pendia sobre o privado encarregar-se da obtenção dos financiamentos
necessários.
2. Enquadramento legal das Parcerias Público-Privadas em Portugal
2.1. Conceito e características Embora a taxa de implementação a nível global das PPP seja elevada, não
existe um conceito jurídico que as defina especificamente. Mas antes, diferentes
formas de caraterização, consoante seja o fim a que individualmente se destinam,
tendo os respetivos contratos características especificas dentro do contexto e
pretensão em que se inserem. Havendo mesmo quem defenda, como por exemplo o
fizeram Neil Kinnock e o Grupo de Alto Nível, que no quadro da recomendação à
Comissão Europeia a advertiu para que abandonasse o intento de proceder a uma
definição europeia de PPP, dados os inconvenientes que essa limitação poderia
acarretar. Posição mais tarde acompanhada pelo próprio Banco Europeu de
Investimento (BEI), ao salientar como positiva a ausência de um conceito europeu,
21 «A ideia de implementar um programa compreensivo e generalizado de PPP no setor da saúde só viria, no entanto, a ser plenamente assumido a partir do início de 2000. Este programa envolveria o recurso às PPP para a construção, implementação renovação e gestão pelo setor privado de mais 10 hospitais», Nazaré da Costa Cabral, ob. cit., p.169.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 24
apontando a grande diversidade de práticas desenvolvidas sob a designação de
PPP22.
Ainda assim, conforme entende uma parte considerável da doutrina, as PPP
representam uma revitalização dos centenários acordos de concessões, mas
envoltos em novos e complexos contornos23. Ainda assim, de uma análise cuidada
entre ambas figuras não parece que as mesmas se possam de alguma maneira
confundir. Desde logo porque, começando pelo seu elemento fundamental assente
na remuneração, constata-se que a concessão é suportada por meio de taxas
diretamente ao utilizador pagador. Ao invés, a PPP, muito embora também possa
em parte e em alguns casos assim ser remunerada, na maioria das vezes, em todo
ou em parte, a sua remuneração é, por regra, financiada indiretamente pelos
impostos, através de prestações fracionadas pagas pelo Estado ao parceiro privado,
segundo regras definidas aquando do investimento inicial.
Socorrendo-nos de Nazaré da Costa Cabral24, em sentido amplo uma PPP
pode ser definida «como toda e qualquer forma de colaboração entre o setor público
e o setor privado, que tenha por objeto uma atividade em benefício da coletividade».
Ainda segundo a mesma autora, uma PPP poderá definir-se a partir de alguns dos
seus elementos caraterizadores, a saber:
a) Trata-se de um contrato de longo prazo celebrado entre o parceiro público
e o privado;
b) Tem em vista o desenho, construção, financiamento e funcionamento de
uma infraestrutura25 pública, a cargo do parceiro privado;
22 Cf., Maria Eduarda Azevedo, ob. cit., pp. 329 e 140. 23 Sobre este assunto vide Mário Aroso de Almeida, Parcerias Público-Privadas: A experiência Portuguesa, Direito e Justiça, VI Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2005, pp. 175 a 190. Igual entendimento seguem Eduardo Paz Ferreira e Marta Rebelo, para quem a PPP consiste na «recuperação da figura centenária da concessão, ajustando o seu elemento essencial (a contribuição dos recursos privados para a criação de infraestruturas públicas) às necessidades e ao modelo de Estado e de Administração dos nossos dias» (O novo regime jurídico das parcerias público privadas em Portugal, Manual Prático de Parcerias Público-Privadas, Lisboa, NPF Publicações, 2004, p. 17. 24Nazaré da Costa Cabral, ob. cit., pp. 13 e ss. 25 «Infraestrutura – Instalação ou equipamento considerado necessário ao funcionamento da economia e da sociedade. Não constituem pois um fim em si mesmo, antes um instrumento que apoia e suporta a atividade económica e social de um dado país ou região» (Idem, p.14).
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 25
c) Mediante pagamentos feitos ao parceiro privado, ao logo do contrato de
PPP, quer seja através da dotação orçamental ou diretamente pelos
utentes;
d) A infraestrutura permanece na propriedade do Estado no fim do contrato
ou reverte para este.
Temos assim que as caraterísticas enformadoras das PPP variam consoante
o fim a que cada uma se destina e as bases iniciais onde cada uma assenta, sendo
por isso os respetivos contratos, necessariamente, objeto de mutações específicas
latentes à finalidade que pretendem visar. Ou seja, a panóplia de necessidades que
as mesmas pretendem colmatar necessitaram, forçosamente, de contornos jurídicos
porventura específicos consoante seja a necessidade de intervenção da entidade
pública, a repartição do risco e proveitos a retirar pelas partes, entre outras variáveis
apenas aferíveis in casu.
De salientar que do lado do parceiro privado sempre estará subjacente a
obtenção do lucro como escopo fundamental e último da sua atuação. Todavia, em
sentido diverso, o parceiro público (internacional, nacional, ou regional, consoante os
casos) terá como objetivo primordial a satisfação do interesse público, mediante o
recurso mais vantajoso ao negócio que lhe permita maior rentabilidade nesse
sentido e, pelo menos em teoria, ao mais baixo custo.
Para tanto, seja qual for o contrato de parceria em apreço, à partida (isto
porque como se observará no caso de Portugal, e não só, nem sempre assim
sucede), o parceiro público não deverá avançar com a adjudicação sem antes
atender a determinados princípios a observar em momento anterior à manifestação
pela opção e assinatura dos contratos de PPP.
Os princípios assentes na verificação de critérios prioritários de avaliação,
mormente o “value for money”, traduz-se em termos práticos, de um lado, numa
forma de garantir a melhor combinação de qualidade e eficiência com o menor
capital inicial ao longo de todo o período de utilização dos bens e serviços adquiridos
e, por outra banda, na utilização do comparador do setor público, visando este
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 26
proceder à comparação entre o custo hipotético do projeto caso o mesmo, ao invés
de desenvolvido no formato de PPP, fosse realizado e financiado diretamente pelo
Estado, devendo para tanto considerar-se o ajustamento devido pelo risco do próprio
projeto e todos os seus requisitos específicos. Nomeadamente, a provisão do
serviço e objetivos a alcançar.
Assim, como defende Nazaré da Costa Cabral «Os projetos PPP não devem
avançar, sem que esteja demonstrado o VFM relativamente à alternativa não fazer
nada ou fazer o mínimo e sobretudo em relação ao comparador do setor público»26.
Não obstante a relevância da verificação desse critério, nas recomendações
efetuadas pelo Tribunal de Contas ao Estado/Parceiro Público, patenteadas no
Relatório de Auditoria n.º 15/2012 — 3.ª Seção do Tribunal de Contas (que procede
à Auditoria ao modelo de gestão, financiamento e regulação do setor rodoviário), é
dito que “A demonstração formal do value for money de um projeto de PPP não
deverá, por si só, justificar a contratação de PPP sem que, previamente, se justifique
a comportabilidade dos respetivos custos.”
Ainda no tocante à observação dos princípios, convém destacar a importância
a dar a outro critério fundamental a ter em linha de conta relativamente à avaliação
da partilha dos riscos enquanto aspeto fundamental das PPP, uma vez que caso não
sejam devidamente acautelados poderá o Estado, por um lado, ter que ultrapassar o
orçamento inicialmente previsto e, por outro, o parceiro privado acabar por não
conseguir obter o lucro inicialmente previsto ou calculado, aspeto que face ao
montante (por regra) bastante elevado deste tipo de investimentos poderá coloca-los
em sérias dificuldades de sustentabilidade.
No tocante ao seu financiamento, como assinala Maria João Estorninho, as
PPP abrangem esquemas de financiamento intrincados e envolvem a conjugação de
vários contratos, tais como de concessão, de conceção e construção, de operação e
26Nazaré da Costa Cabral, ob. cit. p. 83.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 27
manutenção de financiamento, de garantias, acordo interbancário de proteção do
risco de taxa de juro 27.
Por conseguinte, mais importante do que obter uma definição precisa de PPP
impõe-se a necessidade de apurar até que ponto pode a mesma desempenhar um
instrumento financeiro do setor público para o lançamento de projetos, centrando a
análise na identificação dos seus objetivos e atributos principais. Caminho, aliás,
seguido pela própria Comissão Europeia no Livro Verde sobre o Direito Comunitário
em matéria de Contratos Públicos e Concessões, como mais adiante se verá.
2.2. Na legislação da União Europeia
No tocante às PPP, o Direito da União Europeia, não contempla em si um
regime jurídico próprio e específico. Não obstante esse facto, em matéria de
contratação pública vigoram, fundamentalmente, os princípios decorrentes dos
artigos 49.º e 56.º, ambos do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
(TFUE), designadamente, da igualdade, da proibição de discriminação em razão da
nacionalidade, da transparência, da proporcionalidade e do reconhecimento mútuo,
acrescidos do respeito pelas regras da concorrência e da proteção jurisdicional
efetiva. A estes princípios a observar na elaboração dos contratos públicos há ainda
a acrescentar os derivados da jurisprudência do Tribunal de Justiça das
Comunidades Europeias (TJCE).28
Em termos objetivos sobre esta matéria, em 2004 foram publicadas as
Diretivas n.º 2004/18/CE e 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, 27 Maria João Estorninho, Direito Europeu dos Contratos Públicos – Um Olhar Português, Coimbra, Almedina, 2006, p. 256. 28 Tendo neste capítulo em muito contribuído o Acórdão Telaustria, do TJUE, de 10 de Setembro de 2009 (Proc. C-206/08), onde este Tribunal salientou no tocante à concessão de serviços públicos dos sectores especiais, nos quais se insere o setor dos transportes, que apesar de tais contratos estarem afastados do âmbito de aplicação da Diretiva n.º 93/98/CEE, de 14 de Junho de 1993, respeitante à coordenação dos processos de celebração de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, as entidades adjudicantes que os celebravam estavam obrigadas a cumprir as regras fundamentais do tratado em geral e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade em particular.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 28
ambas de 31 de março de 2004, e que foram transpostas para o ordenamento
jurídico nacional através do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que aprovou o
Código dos Contratos Públicos.
A primeira Diretiva versa sobre a coordenação dos processos de adjudicação
dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de
fornecimento e dos contratos públicos de serviços. Esta Diretiva foi bastante
inovadora, uma vez que procedeu à compilação de regras e princípios que antes
estavam disseminados pelas Diretivas 93/36/CEE e 93/37/CEE, assim
modernizando e compatibilizando o anterior regime da contratação pública com as
novas preocupações da União Europeia.
A segunda Diretiva atém-se à matéria da coordenação dos processos de
adjudicação nos sectores especiais da água, da energia, dos transportes e dos
serviços postais, trazendo inovações em matéria de definição dos âmbitos subjetivos
e objetivos e, bem assim, de simplificação dos limiares agora aplicáveis a todos os
operadores independentemente do setor em causa.
Tais diretivas, como assinala Maria João Estorninho, trouxeram algumas
novidades relativamente à simplificação dos limiares aplicáveis, aos critérios de
adjudicação, ao incentivo à prossecução de políticas de natureza social ou ambiental
e, ainda, o procedimento de diálogo concorrencial, que visa introduzir flexibilidade
em contratos ou montagens financeiras complexas29.
Apesar do avanço significativo trazido pelas diretivas assinaladas, mantinha-
se presente o sentimento de inadequação do direito dos mercados públicos
relativamente à regulação das PPP, o que justificou a decisão da Comissão
Europeia, em Abril de 2004, em publicar o “Livro Verde Sobre as Parcerias Público-
Privadas e o Direito Comunitário em Matéria de Contratos Públicos e Concessões”.
Com ele se pretendendo renovar o debate com os agentes e os setores profissionais
29 Maria João Estorninho, ob. cit., p. 58.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 29
envolvidos, tendo como finalidade apresentar uma proposta de diretiva para regular
de modo idêntico as concessões e outras formas de cooperação entre os setores
público e privado, com particular ênfase sobre as PPP.
Deste modo, assiste-se à identificação dos elementos nucleares das
parcerias, a saber: a duração relativamente longa da relação de cooperação; o
financiamento parcialmente privado do projeto, com recurso a montagens jurídico-
financeiras complexas; a repartição de tarefas entre o agente privado e o ente
público, bem como a repartição dos riscos entre ambos. O desencadear deste
procedimento «mereceu o aplauso dos meios políticos, financeiros e Académicos»30.
2.3. O regime jurídico interno em Portugal
O Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, institui pela primeira vez em
Portugal um regime legal específico para as PPP.
Logo no seu preâmbulo deixou-se claro a ideia (aqui já reportada) de que
determinada parceria apenas se justifica quando se revelar vantajosa após a
realização do estudo necessário à utilização do comparador de sector
público. Como se alcança no seu artigo 1.º, o novo regime tinha como objeto a
definição de normas gerais aplicáveis à intervenção do Estado na definição,
conceção, preparação, concurso, adjudicação, alteração, fiscalização e
acompanhamento global das PPP.
No artigo 2.º do diploma procede-se a uma definição do conceito de PPP
definida enquanto tal como «… o contrato ou a união de contratos, por via dos quais
entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma
duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma
atividade tendente à satisfação de uma necessidade coletiva, e em que o
30 Cf., Maria Eduarda Azevedo, ob. cit, p. 186 e também no mesmo sentido Nazaré da Costa Cabra, ob. cit., p 147.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 30
financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem,
no todo ou em parte, ao parceiro privado.»
No n.º 4 do mesmo artigo surgem definidos os instrumentos de regulação
jurídica das PPP, a saber: o contrato de concessão de obras públicas, o contrato de
concessão de serviço público, o contrato de fornecimento contínuo, o contrato de
prestação de serviços, o contrato de gestão e o contrato de colaboração, quando
estiver em causa a utilização de um estabelecimento ou uma infraestrutura já
existentes, pertencentes a outras entidades, que não o parceiro público.
Destarte, este diploma estabelece um conjunto de princípios gerais sobre a
repartição de riscos entre o parceiro público e o privado, para assegurar a eficiência
da parceria ao nível de um sistema equilibrado de distribuição de encargos e riscos
entre os respetivos intervenientes.
O diploma exclui do âmbito da sua aplicação todas as PPP que envolvam,
cumulativamente, um encargo acumulado atualizado inferior a 10 milhões de euros e
um investimento inferior a 25 milhões de euros (situação que se mantém na lei
atualmente em vigor). Exclui também «todos os outros contratos de fornecimento de
bens ou de prestação de serviços, com prazo de duração igual ou inferior a três
anos, que não envolvam a assunção automática de obrigações para o parceiro
público no termo ou para além do termo do contrato.»
Quanto à avaliação das parcerias tratadas no seu capítulo II, é deixada a
cargo do ministério setorial onde a PPP a criar visa ser implementada, mediante a
notificação ao Ministro das Finanças ou à entidade que este para o efeito designar
(n.º 1, do artigo 8.º).
A fase seguinte de avaliação das propostas é atribuída a uma comissão
criada em cada caso para o efeito, designada por despacho conjunto dos Ministros
das Finanças e da tutela setorial, sendo esta composta por representantes dos
respetivos ministros – artigo 9.º.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 31
No tocante à fiscalização e controlo das parcerias, o artigo 12.º atribui esses
poderes a entidade ou serviço a indicar pelo Ministro das Finanças para as matérias
económicas e financeiras e pelo ministro da tutela sectorial para as demais. Já o seu
acompanhamento permanente, previsto no n.º 1 do artigo 13.º, é deixado a cargo
dos Ministros das Finanças e da tutela setorial respetiva, tendo por objetivo avaliar
os seus custos e riscos e melhorar o processo de constituição de novas parcerias. O
n.º 2 revela uma previsão genérica na qual se tipifica que «Os Ministros das
Finanças e da tutela sectorial tomam as providências necessárias para uma eficaz
divulgação dos conhecimentos adquiridos pelas entidades incumbidas do
acompanhamento das parcerias, bem como para uma crescente colaboração entre
elas.»
O Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, veio a ser posteriormente alterado
pelo Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de julho, o qual procedeu a diversas
modificações ao regime então vigente, nomeadamente no que tange à preparação
de processos de parceria e da execução dos respetivos contratos, «com vista a um
pretendido mas não demonstrado reforço da tutela do interesse financeiro
público.»31
Porém, muito embora se tenham verificado alterações significativas ao regime
jurídico aplicável às PPP, a verdade é que, ainda assim, tais não disciplinaram todas
as matérias a elas relativas. Neste particular, assumem relevância a falta de
mecanismos internos a observar pelo setor público no que toca à fase da
preparação e desenvolvimento dos projetos e de execução e acompanhamento dos
contratos, situações que adicionalmente à aprovação do Código dos Contratos
Públicos (CCP) vieram levantar dúvidas quanto à vigência de algumas das suas
disposições32.
Por outro lado, à semelhança do diploma alterado, mantinham-se dispersas
as competências relativas à participação na preparação, desenvolvimento, execução 31 Conforme se reconhece e assinala logo no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, o qual será também objeto de estudo mais adiante. 32 Neste sentido, atente-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, na parte onde refere que “…a aprovação do Código veio suscitar dúvidas quanto à vigência de algumas disposições do referido Decreto-Lei n.º 86/2003”.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 32
e, especialmente, acompanhamento global de processos de PPP. Ou seja, face a
inexistência da criação de um organismo próprio de acompanhamento das PPP,
continuava o Governo e outras entidades públicas, sem o necessário apoio técnico
especializado, uma vez que essas tarefas estavam repartidas por várias entidades
do setor público, com excessiva pluralidade de intervenientes em representação de
cada uma das entidades públicas envolvidas. O que determinava a inexistência de
uma gestão pública coordenada e, bem assim, a incapacidade do setor público de
acumular experiência, com a consequente (e recorrente) necessidade de recurso a
consultadoria externa, o que inevitavelmente se traduziu no agravamento dos
encargos suportados com as PPP.
No tocante aos sinalizados instrumentos de regulação jurídica das PPP
dispersos por vários diplomas, tal realidade foi substancialmente alterada, com
proveitos significativos, com a entrada em vigor do CCP, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que estabelece a disciplina aplicável à contratação
pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de
contrato administrativo.
Este diploma estruturante, para além de proceder à transposição das citadas
Diretivas n.º 2004/17/CE e 2004/18/CE - alteradas entretanto pela Diretiva
n.º 2005/51/CE, da Comissão, de 7 de setembro, e retificadas pela Diretiva
n.º 2005/75/CE, do Parlamento Europeu e da Comissão, de 16 de novembro -, tem
também como objetivo uma nova sistematização e a uma uniformização de regimes
substantivos dos contratos administrativos fragmentados até então, revelando-se,
ademais, como um «instrumento de codificação da disciplina aplicável à contratação
pública e do regime substantivo dos contratos administrativos, motivado pela
necessidade de uniformização de regras dispersas».33
Por conseguinte, o CCP destacou-se por várias inovações, sendo de
sublinhar a relativa à criação de regulamentação adequada de alguns aspetos das
técnicas de project finance34, até então inexistentes ao nível da legislação ordinária, 33 Vide o preâmbulo do CCP. 34 Na definição oferecida por Nazaré da Costa Cabrla, ob. cit., p. 92, «Project Finance é uma forma de financiamento de infra-estruturas ou projetos industriais de longo prazo, baseado numa estrutura
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 33
desta forma dissipando um conflito entre as técnicas contratuais ditadas e as regras
legais relativas à contratação pública. A este propósito, surge referido logo no seu
preambulo, de modo clarividente, que «Na verdade, esta técnica de obtenção de
recursos financeiros para financiamento de projetos, recorrentemente utilizada na
Europa e em Portugal (especialmente quando associada a parcerias públicas-
privadas consubstanciadas em contratos de concessão) e sem a qual muitos
avultados investimentos ao serviço do desenvolvimento do País não teriam sido
possíveis, não encontrava qualquer reflexo ao nível da legislação ordinária, o que
gerava um conflito entre as técnicas contratuais ditadas, sobretudo, pela prática do
project finance e as regras legais relativas à contratação pública, de raiz
essencialmente comunitária. O novo CCP veio, assim, pôr um termo à divisão entre
a prática e a legislação no que respeita a alguns fenómenos generalizados com o
project finance e combinou a necessária rigidez das normas destinadas à
salvaguarda da concorrência garantida pela parte ii do Código com as recorrentes
garantias exigidas pelas entidades financiadoras do projeto que, no sucesso deste
veem a fonte quase exclusiva de retribuição do investimento suportado.»
Enquanto diploma regulador dos contratos das PPP, contempla as regras a
seguir no que tange à decisão de contratar, à competência para a nomeação do júri
e, também, às normas relativas à execução e modificação dos contratos de PPP
que, com exceção do diálogo concorrencial, nada acrescentaram às regras
estabelecidas no regime jurídico das PPP. De forma inovadora e sem paralelo no
regime anterior, prevê um procedimento adjudicatório de diálogo concorrencial,
podendo o mesmo ser adotado quando o contrato a celebrar, independentemente do
seu objeto, seja particularmente complexo, assim coartando a adoção do concurso
público ou do concurso limitado por prévia qualificação, destinando-se o
procedimento a permitir à entidade adjudicante debater com os potenciais
interessados na execução do contrato a celebrar a solução técnica mais adequada,
os meios técnicos e as estruturas jurídica e financeira, com vista à sua definição.
financeira complexa assente em dívida e outras formas de financiamento (v.g equity), na qual a dívida é saldada através de “cash-flow” gerado com a operacionalização do projeto, mais do que através de capitais próprios das empresas promotoras desse projeto».
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 34
Em suma nesta parte, verificou-se que, efetivamente, o CCP dotou o ente
público de um instrumento uniformizador de regulação jurídica dos contratos de
PPP, contudo sem que tal fosse suficiente para suprir outros aspetos de suma
importância e fulcrais no que toca à celebração das parcerias, com sendo as
questões relacionadas com a dispersão de competências relativas à participação na
preparação, desenvolvimento, execução e acompanhamento global das PPP.
Tendo em vista colmatar essas falhas, o Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de
maio, veio revogar o Decreto-Lei n.º 86/2003, assinalando logo no seu preâmbulo
visar colmatar parte das necessidades aqui anteriormente assinaladas ao mesmo
tempo que dando eco ao facto de que «Entretanto, a experiência adquirida
recomenda vivamente que se proceda a uma modificação significativa do regime
jurídico aplicável às PPP, designadamente no que diz respeito ao seu âmbito de
aplicação, à organização interna do setor público, a um melhor acompanhamento,
por parte do Ministério das Finanças, do desenvolvimento dos projetos e, em
particular, dos contratos de PPP já celebrados, assim como à transparência,
designadamente através da publicitação de documentos relacionados com esta
modalidade de contratação.»
Esta revisão, aprovada no contexto do Programa de Assistência Económica e
Financeira a Portugal, teve em vista reforçar a avaliação prévia, pelo Ministério das
Finanças, dos riscos de participação nas PPP, bem como a monitorização da
respetiva execução.
Neste diploma o legislador opta no artigo 2.º por proceder a uma redefinição
do conceito de PPP, a qual representa «o contrato ou a união de contratos por via
dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de
forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar, mediante contrapartida,
o desenvolvimento de uma atividade tendente à satisfação de uma necessidade
coletiva, em que a responsabilidade pelo investimento, financiamento, exploração, e
riscos associados, incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado.»
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 35
Por outro lado, passa a incluir na definição de “parceiros públicos” não apenas
as entidades públicas empresariais mas todas as empresas públicas. Para além
daquelas também inclui quaisquer outras entidades constituídas pelo Estado, por
entidades públicas estatais, por fundos e serviços autónomos ou por empresas
públicas, tendo em vista a satisfação de necessidades de interesse geral. O diploma
estabelece ainda um regime especial menos exigente para as parcerias lançadas e
desenvolvidas por empresas públicas com caráter comercial ou industrial, quando a
parceria não carece nem é objeto de financiamento ou garantias direta ou
indiretamente concedidas pelo Estado e os seus custos não possam vir afetar a
dívida pública. Há ainda a registar o alargamento dos instrumentos de regulação de
PPP a contratos que, até à entrada em vigor deste novo regime, não estavam
abrangidos, como é o caso das subconcessões de obras públicas e de serviços.
O diploma exclui do seu âmbito de aplicação as concessões de sistemas
multimunicipais de abastecimento de água para consumo humano, de saneamento
de águas residuais e de gestão de resíduos sólidos urbanos e as concessões
atribuídas pelo Estado, através de diploma legal, a entidades de natureza pública ou
de capitais unicamente públicos, sem prejuízo de as parcerias desenvolvidas por
qualquer uma destas entidades estejam cobertas pelo próprio diploma - [cf. alíneas
b) e c), do n.º 5 do artigo 2.º].
Mas, a nosso ver, a grande inovação deste diploma atém-se à criação da
Unidade Técnica de Acompanhamento do Projetos35, para efeito do «cabal
cumprimento das suas atribuições, ajustar alguns aspetos do regime legal aplicável
às PPP, designadamente em matéria procedimental, de modo a contemplar a forma
e o âmbito de intervenção desta nova entidade»36, a qual tem por missão o
desenvolvimento e o acompanhamento de processos de parcerias, em estreita
colaboração com os ministérios setoriais e com as entidades públicas contratantes
envolvidas. 35 Segundo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, esta Unidade “que tem a natureza de entidade administrativa dotada de autonomia administrativa, na dependência direta do membro do Governo responsável pela área das finanças, assume responsabilidades no âmbito da preparação, desenvolvimento, execução e acompanhamento global dos processos de PPP e assegura um apoio técnico especializado ao Governo, e em especial ao Ministério das Finanças, em matérias de natureza económico-financeira”. 36 Idem.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 36
Por outro lado, este diploma alargou o seu âmbito de aplicação. No que diz
respeito a decisões suscetíveis de gerar encargos, atribui uma assinalável
relevância à sua comportabilidade orçamental, quer na vertente de lançamento de
novas parcerias, quer na vertente de eventuais determinações unilaterais proferidas
pelos parceiros públicos.
Deste modo, para além de se passar a exigir uma análise de
comportabilidade orçamental e a realização de análises de sensibilidade, com vista à
verificação da sustentabilidade de cada parceria face a variações de procura e a
alterações macroeconómicas, contempla ainda uma análise custo-benefício e a
elaboração de uma matriz de partilha de riscos, com uma clara identificação da
tipologia de riscos assumidos por cada um dos parceiros, sempre que se prepare um
novo projeto de parceria.
Por fim, destaca-se a adoção de medidas que visam tornar mais
transparentes os processos relativos a PPP, designadamente, mediante a
publicitação obrigatória de vários documentos com as mesmas relacionadas.
Este diploma de revisão do regime geral das PPP dá corpo aos objetivos e
medidas previstas no Programa de Assistência Financeira acordado com a União
Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, mais
concretamente no que respeita à obrigação de o Estado Português introduzir no seu
ordenamento jurídico um quadro legal e institucional reforçado, no âmbito do
Ministério das Finanças, que permita um efetivo e rigoroso controlo dos encargos,
bem como dos riscos, associados às PPP37.
Em suma, nesta matéria, poder-se-á concluir, após análise mais detalhada
dos diplomas assinalados, que o contrato de PPP concretiza-se essencialmente a
partir da forma ou do tipo de contrato que assume. Restando acrescentar que numa
PPP é normal suceder que em torno do contrato principal (que geralmente é uma
37 Neste sentido, cf. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 37
“concessão”)38 existam uma série de outros contratos associados, como por
exemplo de projeto de construção, de operação e manutenção, de compra e
produção, de financiamento, entre outros. Dando corpo a esta última realidade
assinalada o legislador veio a optar, mais uma vez, no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º
112/2012, de 23 de maio, por recorrer a expressões como “contrato” ou “união de
contratos”.
3. Acompanhamento, fiscalização e controlo interno e externo
As Parecerias Público-Privadas são objeto de acompanhamento, fiscalização
e controlo (interno e externo), através de várias entidades com competências
legalmente definidas para esse efeito, as quais de seguida se passam a detalhar.
3.1. Unidade Técnica de Acompanhamento dos Projetos
Decorrente da assinatura do Memorando de Entendimento e posterior entrada
em vigor, do Decreto-Lei n.º 111/2012, foram alterados significativamente os
mecanismos de controlo das PPP, mediante a concentração de poderes há muito
necessária na já mencionada Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos,
dependente apenas do Ministro das Finanças, passando a centralizar um conjunto
de competências em matéria de definição, conceção, preparação, lançamento,
adjudicação, alteração, fiscalização e acompanhamento das PPP (cfr. artigos 34.º e
35.º do referido diploma). Assim se verificando uma redução das competências de
serviços e entidades de outros ministérios agora concentradas nesta Unidade.
38 O artigo 407.º do CCP dispõe do seguinte modo:
“1 - Entende-se por concessão de obras públicas o contrato pelo qual o co-contratante se obriga à execução ou à conceção e execução de obras públicas, adquirindo em contrapartida o direito de proceder, durante um determinado período, à respetiva exploração, e, se assim estipulado, o direito ao pagamento de um preço. 2 - Entende-se por concessão de serviços públicos o contrato pelo qual o co-contratante se obriga a gerir, em nome próprio e sob sua responsabilidade, uma atividade de serviço público, durante um determinado período, sendo remunerado pelos resultados financeiros dessa gestão ou, diretamente, pelo contraente público. 3 - São partes nos contratos referidos nos números anteriores o concedente e o concessionário”.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 38
Das competências atribuídas à Unidade destacam-se as resultantes da
designação das equipas de projeto para o estudo e das equipas para acompanhar a
fase inicial de execução, preparação e lançamento e a nomeação dos membros dos
júris e comissões de negociação, a recolha, tratamento e centralização da
informação económico-financeira e de repartição de riscos respeitante a contratos
de parceria já em curso ou a celebrar.
Para além dessas atribuições, a Unidade está incumbida de informar o
Ministro das Finanças da posição económico-financeira dos contratos de PPP e sua
evolução. Bem como, de referenciar as situações suscetíveis de concorrer para um
eventual agravamento do esforço financeiro do setor público [cfr. alíneas l) e m), do
n.º 2 do artigo 35.º].
Neste desiderato o Estado passou a estar melhor apetrechado para avaliar de
modo mais objetivo e transparente o melhor modelo de contratação para um
investimento público, o seu custo-benefício ao longo de toda a sua vigência e os
riscos derivados da sua execução.
3.2. Tribunal de Contas
Do lado do controlo público externo, a principal Lei delimitadora dos poderes e
competências do Tribunal de Contas (Lei n.º 98/9739, de 26 de Agosto) confere a
este órgão de soberania e auditor externo do Estado, amplos poderes de
fiscalização, controlo e auditorias das PPP40, através de várias modalidades de
controlo de fiscalização prévia, concomitante e sucessiva.
A fiscalização prévia41 tem como finalidade verificar se os atos, contratos ou
outros instrumentos geradores de despesa ou representativos de responsabilidades
financeiras diretas ou indiretas estão conformes às leis em vigor e se os respetivos
39 Há que considerar as suas alterações, com destaque para as últimas introduzidas pelas Leis n.º 2/2012, de 2 de janeiro e, a 13.ª e mais recente, Lei n.º 20/2015, de 9 de março. 40 Assim resulta do artigo 2.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto. 41 Artigo 44.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 39
encargos têm cabimento em verba orçamental própria. Constituindo fundamento da
recusa do visto a desconformidade dos atos, contratos e demais instrumentos
referidos com as leis em vigor que implique: nulidade; encargos sem cabimento em
verba orçamental própria ou violação direta de normas financeiras, ilegalidade que
altere ou possa alterar o respetivo resultado financeiro.
Neste último caso, o Tribunal, em decisão fundamentada, pode conceder o
visto e fazer recomendações aos serviços e organismos no sentido de suprir ou
evitar no futuro tais ilegalidades.
Não se encontram abrangidos por este regime de fiscalização os contratos
em que a remuneração do concessionário provenha exclusivamente dos preços que
os utentes pagam pelos serviços que ela presta ou pelos bens que forneça.42
Por sua vez, a fiscalização concomitante43 é levada a efeito relativamente às
despesas emergentes dos atos ou contratos que não devam ser remetidos para
fiscalização prévia.
Através da fiscalização sucessiva44 o Tribunal de Contas avalia os sistemas
de decisão e de controlo interno e aprecia a legalidade, a correção financeira, a
economia, eficiência e eficácia da gestão financeira das entidades sob a sua
jurisdição e/ou controlo financeiro, incluindo os fluxos com a União Europeia,
realizando auditorias de qualquer tipo ou natureza e verificação de contas.
Para além dessas modalidades de controlo, fiscalização e verificação externa
das contas, o Tribunal pode realizar a qualquer momento, por iniciativa sua ou a
solicitação da Assembleia da República ou do Governo, auditorias de qualquer tipo
ou natureza a determinados atos, procedimentos ou aspetos da gestão financeira de
uma ou mais entidades sujeitas aos seus poderes de controlo financeiro, concluindo
42 Cf., Nazaré da Costa Cabral, ob. cit., p. 203, bem como resulta da conjugação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º com o artigo 47.º, ambos da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto. 43 Artigo 49.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto. 44 Artigo 50.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 40
a final pela elaboração e aprovação de um relatório, cujas consequências legais se
acham previstas no n.º 2 do artigo 55.º da Lei n.º 98/97.
3.3. Unidade Técnica de Apoio Orçamental
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) carateriza-se por ser «uma
unidade especializada que funciona sob orientação da comissão parlamentar
permanente com competência em matéria orçamental e financeira, prestando-lhe
apoio pela elaboração de estudos e documentos de trabalho técnico sobre a gestão
orçamental e financeira pública», segundo determina a Lei de Organização e
Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República (Lei n.º 77/88, de 1 de
julho, alterada pela Lei n.º 13/2010, de 19 de julho).
A UTAO carateriza-se desde a sua criação pelo facto de ser constituída por
peritos independentes escolhidos por concurso público, sendo-lhe reconhecida uma
margem elevada de imparcialidade em matéria de controlo e reporte das contas
públicas enquanto órgão de assessoria técnica do Parlamento.
Esta Unidade, criada em 2006, viu as suas funções reforçadas em 2014
(mediante acordo de todas as bancadas parlamentares), através da Resolução da
Assembleia da República n.º 60/2014, de 30 de junho (aprovada por unanimidade, o
que é revelador da importância concedida a esta entidade), a qual lhe atribui
competências relativas à avaliação e acompanhamento das PPP, concessões e
reequilíbrios financeiros. Designadamente, com o aditamento das alíneas e), f) e g)
ao artigo 10.º-A da Resolução da Assembleia da República n.º 20/2004, de 16 de
fevereiro45, as quais têm o seguinte teor:
«e) Avaliação e acompanhamento dos contratos de Parceria Público
Privados celebrados por qualquer entidade pública, nomeadamente os
encargos decorrentes da sua celebração, processo de negociações e
alterações contratuais e o seu cumprimento; f) Avaliação e
45 Aditado pela Resolução da Assembleia da República n.º 53/2006, de 7 de agosto e alterado pela Resolução da Assembleia da República n.º 60/2014, de 30 de junho.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 41
acompanhamento dos contratos de Concessão celebrados por qualquer
entidade pública, nomeadamente os encargos decorrentes da sua
celebração, processo de negociações e alterações contratuais e o seu
cumprimento; g) Avaliação e acompanhamento dos contratos de
Reequilíbrio Financeiro celebrados por qualquer entidade pública,
nomeadamente os encargos decorrentes da sua celebração, processo
de negociações, alterações contratuais e o seu cumprimento;»
4. Riscos financeiros presentes e futuros
Da análise efetuada quanto ao acervo legislativo que enforma o universo dos
contratos de PPP ao longo do tempo em Portugal é possível, desde logo, concluir-se
que pelo menos até à entrada em vigor e colocação em prática das medidas
contempladas no Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio, o Estado demonstrava
impreparação para celebrar este tipo de contratos.
Isto porque, para além da tardia elaboração de um diploma específico de
regulação da matéria relativa às PPP (a qual apenas ocorreu com a aprovação do
Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril), a verdade é que este diploma ficou ainda
assim muito aquém daquilo que seria expetável, uma vez que ele próprio remetia os
instrumentos de regulação jurídica das PPP para outros diplomas e
simultaneamente atribuía os poderes de fiscalização e controlo da execução das
parcerias para entidades ou serviços diversos não concretamente designados, mas
a indicar pelo Ministro das Finanças - no caso a Parpública, SGPS, SA - para as
matérias económicas e financeiras e ministro da tutela sectorial para as demais, com
a inevitável disparidade de critérios e desconcentração de conhecimento porventura
adquiridos que tais situações acarretam. Ambas as circunstâncias se mantiveram
sem que fossem corrigidas aquando da alteração desse diploma preconizada pelo
Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de julho.
Tal factualidade acabou por ter, inevitavelmente, reflexos na larga maioria dos
contratos de PPP até então celebrados e ainda hoje em vigor, não sendo pois de
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 42
estranhar que a falta de tratamento e estudo numa entidade centralizada sobre a
matéria tenha impedido o Estado de celebrar os contratos dotados do know-how
técnico e financeiro mais adequado e necessário à sua adjudicação, mais que não
seja na perspetiva de garantir o melhor investimento custo-benefício para a
generalidade dos contribuintes.
No entanto, contrariamente ao contratante público, os parceiros privados,
desde a fase negocial dos contratos, sempre se apresentaram manifestamente
melhor preparados e apetrechados de capacidade técnica capaz de acautelar os
seus interesses aquando da celebração dos respetivos contratos. No sentido de
melhor se compreender esta perspetiva, bastará ter em linha de conta que, por
regra, face à dimensão dos valores e compromissos exigidos pelos contratos, do
lado do particular apresentavam-se as maiores e mais bem dotadas empresas a
operar no mercado nacional.
A título de exemplo, note-se que em 2011, das 36 parcerias então ativas
abrangidas pelos diplomas (atualmente são 32), cerca de 90% da receita paga aos
consórcios detentores da parte privada da parceria tinha como beneficiários a Mota-
Engil, o Grupo Espirito Santo (presente na saúde e nas estradas através da
Ascendi), o Grupo Mello (também na saúde e nas estradas com a Brisa) e a Soares
da Costa.
Não é pois de estranhar que na sua larga maioria as PPP representem
avultados custos para o Estado, com os quais se vê confrontado durante varias
décadas (atendendo à longa duração dos contratos), sendo precisamente os mais
onerosos aqueles que têm em regra uma maior longevidade. Esta situação há muito
se encontra identificada como se pode constatar no preambulo do Decreto-Lei n.º
141/2006, de 27 de julho onde é dito que «As entidades com competências nesta
matéria têm, aliás, repetidamente alertado para situações de acréscimo de
onerosidade para o Estado, relativamente às expectativas iniciais ou mesmo aos
termos efetivamente contratados, em que não se verifica uma efetiva transferência
de risco para os parceiros privados ou em que, pelo menos, o parceiro público
assume compromissos ou assegura taxas de rendibilidade dos capitais privados
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 43
sem correspondência no perfil de risco efetivo do projeto.». Não obstante a perceção
para a dimensão deste problema, a verdade é que, conforme se teve oportunidade
de assinalar, tal diploma não procedeu a mudanças significativas neste domínio ou,
pelo menos, com alguma relevância objetiva.
No mesmo sentido, o Tribunal de Contas tem vindo ao longo do tempo a
alertar, consecutivamente, para essa desproporcionalidade. Havendo a destacar a
publicação das Linhas de Orientação e Procedimentos para o desenvolvimento de
Auditorias Externas a Parcerias Público-Privadas, por si emanadas em 2008, através
das quais já na altura começava por fazer constar em nota prévia que «Portugal é,
atualmente, o país europeu com maior percentagem de Parcerias Público-Privadas
quer em relação ao Produto Interno Bruto, quer em relação ao Orçamento do
Estado. Os contratos de Parceria Público-Privada celebrados pelo Estado
concedente, no domínio das infraestruturas de transporte (concessões rodoviárias e
ferroviárias), envolvem atualmente importantes compromissos financeiros para o
Estado, que representam cerca de metade do orçamento do MOPTC.».
De igual modo, entre outras conclusões de relevo alcançadas nesse
documento, o mesmo Tribunal alertava também para o facto de se afigurar como
fundamental «a criação de estruturas técnicas profissionalizantes dotados de
competências ao nível técnico, jurídico e financeiro e de coordenação geral, tendo
em vista o apetrechamento de capacidades negociais do sector público para a
celebração de contratos de parceria com o sector privado.»
No ano seguinte, em 2009, o Observatório da Universidade Católica
salientava que Portugal era o país a nível mundial que mais gastos suportava com
as PPP em relação ao seu PIB.
Mais tarde, em 2011, já no âmbito do Programa de Assistência Financeira a
Portugal, acordado com a Comissão Europeia, BCE e FMI, foi celebrado o
“Programa de Ajustamento” composto por dois documentos fundamentais: o
Memorando de Políticas Económicas e Financeiras (MEFP), na base dos acordos
com o FMI, e o Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 44
Económica a (Memorandum of Understanding – MoU), traduzindo-se este no
documento oficial da Comissão Europeia e do BCE.46
Ficou estabelecido no MoU como principal objetivo em matéria de PPP a
realização de uma auditoria externa aos 36 contratos então em vigor no sentido de
conhecer as especificidades concretas de cada um, designadamente, as respetivas
condições financeiras e de partilha do risco. Para tanto foi levada a cabo uma
auditoria realizada pela Ernest & Young47, através da qual procedeu a uma análise
integral e exaustiva de todas as fases das parcerias (preparação dos concursos,
seleção das propostas, realização dos contratos, estudo das cláusulas-chave e
cumprimento dos contratos, bem como, exame da situação financeira das parcerias
e avaliação do acompanhamento realizado pelo gestor público). As conclusões
desse relatório foram inicialmente levadas ao conhecimento do Ministério das
Finanças e depois submetidas à apreciação da Comissão Parlamentar de Inquérito à
Contratualização, Renegociação e Gestão de todas as Parcerias Público-Privadas
do Setor Rodoviário e Ferroviário.48
Esse estudo destacou a necessidade de obtenção significativa de diminuição
de encargos para o Estado decorrentes de uma futura renegociação de contratos de
PPP, com particular incidência nos respeitantes ao setor rodoviário. Nele concluiu-se
ainda “pela heterogeneidade de contratos e condições existentes nas várias
parcerias contratadas ao longo do tempo, bem como pela presença de condições
desfavoráveis para o Estado em alguns dos contratos, os quais se recomendou que
fossem revistos”49.
Entre 2008 e 2010, os encargos líquidos com as PPP mais do que duplicou,
superando os 1.128 milhões de euros em 2010. Representando em termos de
46 Ambos os documentos abordam os mesmos temas e refletem semelhantes decisões, mas o segundo apresenta um maior grau de detalhe no que tange à execução das medidas e prazos previstos. 47 A seleção da Consultora Ernst & Young resultou do concurso público internacional lançado pela DGTF, em linha com as diretrizes constantes do Memorando de Entendimento. 48 Os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito à Contratualização, Renegociação e Gestão de todas as Parcerias Público-Privadas do Sector Rodoviário e Ferroviário decorreram entre maio de 2012 e junho de 2013. 49 Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Primeiro Ministro, 2011-2014, p. 41.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 45
percentagem do PIB, um aumento de aproximadamente 0,3% em 2008 para 0,7%
em 201050.
Atenta a conjuntura nacional, a Estrutura de Acompanhamento dos
Memorandos (ESAME)51, definiu como principais metas em matéria de PPP a
necessidade de renegociação dos contratos existentes com particular incidência nos
rodoviários, assim almejando obter «poupanças significativas para o erário público
no curto e médio prazo» e «a alteração do enquadramento legal e do processo de
contratação e controlo associado às PPP, reforçando a transparência dos contratos,
o papel das entidades de controlo (Tribunal de Contas e Unidade Técnica de Apoio a
Projetos) e as responsabilidades do parceiro público ao longo do ciclo de vida dos
contratos»52.
Finalmente, concluí a ESAME nesta parte que «Adicionalmente e seguindo a
lógica da partilha de sacrifícios entre cidadãos e entidades públicas e privadas,
impunha-se um exigente processo de renegociação da matriz de risco contratual e
da rentabilidade acionista do projeto.»53
Nesse contexto e tendo por base esses números entretanto apurados, o
Governo54 procedeu à renegociação dos contratos de PPP com as concessões
rodoviárias das Ex-SCUT do Norte Litoral, do Grande Porto, do Interior Norte, da
Costa da Prata, da Beira Litoral/Beira Alta, da Beira Interior e do Algarve;
Concessões Norte e da Grande Lisboa e as Subconcessões, Autoestrada
Transmontana, do Baixo Tejo, do Baixo Alentejo, do Litoral Oeste, do Pinhal Interior 50 Idem, p. 40. 51 A ESAME foi criada em Conselho de Ministros em julho de 2011 (duas semanas após a tomada de posse do XIX Governo), tendo a sua sede em São Bento e extinta a 30 de junho de 2014. Desempenhou o trabalho técnico de acompanhamento dos ministérios de forma individualizada na execução das medidas previstas no Memorando de Entendimento, aquando do Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal. Esta unidade teve como objetivo principal e exclusivo a monitorização do cumprimento das diferentes obrigações a que Portugal se vinculou a troco do financiamento externo disponibilizado, tendo para isso procedido numa primeira fase ao estabelecimento direto de ligações e cooperação entre os diferentes ministérios e posteriormente na ligação com as equipas de avaliação do BCE, CE e FMI, com quem mantinha contato semanal e prestou o devido acompanhamento nas 12 avaliações efetuadas ao programa de ajustamento. O seu trabalho final consistiu na publicação do documento «A Gestão do Programa de Ajustamento, 1000 dias 450 medidas cumpridas». 52 Estrutura de Acompanhamento dos Memorandos, ob. cit. P. 40. 53 Idem, P. 41 54 XIX Governo Constitucional (21 de junho de 2011 - 30 de outubro de 2015).
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 46
e do Algarve Litoral.55 A renegociação dos contratos possibilitou no imediato diminuir
os encargos de 2014 em perto de 575 milhões de euros, assim representando uma
poupança de 23,6% do total de encargos de 2012.56
Contudo, muito embora as renegociações também visassem a obtenção de
uma poupança estrutural nos contratos de PPP existentes, tendo inclusivamente o
Governo previsto que o custo total do Estado com essas fosse reduzido em cerca de
7.500 milhões de euros ao longo da vida útil destes contratos (2014 a 2040), a
verdade é que a UTAO, já em 2016, veio alertar que as renegociações envolvem um
conjunto de requisitos formais, dos quais se destaca o visto do Tribunal de Contas,
com eventual impacto nos processos iniciados e ainda não concluídos, motivo pelo
qual as previsões de poupança não se encontram ainda totalmente materializadas.
Por outro lado os processos de renegociação foram alcançados mediante a
atribuição de contrapartidas pelo Estado cujos custos ainda não é possível
quantificar na totalidade, receando-se que a poupança estimada fique, na verdade,
muito aquém do esperado. A título de exemplo cumpre referir a passagem da
responsabilidade pelas grandes reparações das PPP rodoviárias das
concessionárias para a esfera da Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP).
5. Projeções de encargos O Relatório do Orçamento de Estado para 2017 prevê encargos líquidos com
as PPP para este ano capazes de atingir os 1.684 milhões de euros, se bem que
destes excluindo os encargos líquidos relativos às infraestruturas do Túnel do
Marão, A21 e troço da A23, a cargo da IP. Desses, 70% respeitam às PPP
rodoviárias e 27% às PPP da saúde Essa previsão já inclui os efeitos esperados das
renegociações em curso das PPP rodoviárias e o resultado dos processos de
renegociação concluídos e a produzir efeitos das 9 concessões rodoviárias e do
contrato SIRESP, à semelhança do registado em 2016. 55 Fonte UTAP, Relatório Anual PPP 2012, p. 11. 56 Neste sentido, Ministério da Economia, Economic Adjustment Program: Follow up on PPP, setembro de 2013.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 47
Por sua vez, o Boletim Anual das PPP – 201657, revelou as projeções de
encargos para os próximos anos, refletidas no quadro seguinte:
Não obstante as projeções de encargos com as PPP apresentarem uma
diminuição significativa praticamente ao longo do tempo restante dos contratos, tal
não significa que assim se venha a verificar efetivamente. Isto porque, para além de
não ser ainda conhecido o custo efetivo e o impacto orçamental das contrapartidas
assumidas pelo Estado nas renegociações dos contratos, outros constrangimentos
legais previstos contratualmente poderão ser acionados pelos contratantes privados
situação que poderá alterar também os valores projetados.
6. A Reposição do equilíbrio financeiro
Assume particular enfase, praticamente em todos os contratos de PPP, a
inclusão de mecanismos de reposição de equilíbrio financeiro (REF), traduzida em
compensações pagas pelo Estado ao contratante privado.
Conforme salienta Nazaré da Costa Cabral «o mecanismo da reposição do
equilíbrio financeiro aparece associado ao instituto de alteração das circunstâncias, 57 Disponível para consulta em: www.utap.pt.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 48
constituindo pois uma cláusula específica que visa acautelar, quando esta alteração
ocorra, os interesses e a confiança dos contratantes e, particularmente, do
contratante privado (…) Por outro lado, trata-se de um mecanismo que visa fazer
face aos riscos que se não possam considerar riscos próprios do contrato.»58
A reposição do equilíbrio financeiro contratualmente prevista abrange um
número significativo de situações que de alguma forma podem diminuir a taxa de
rentabilidade calculada para o projeto. Entre outras elas poderão apresentar-se
situações derivadas da modificação das condições de exploração impostas
unilateralmente pelo parceiro público, de alterações legislativas com impacto
específico no contrato ou em casos de “força maior”, critério este cuja subjetividade
e ambiguidade é difícil de balizar e tem levado a diversos pedidos que
posteriormente não vêm reconhecido mérito em sede arbitral e judicial (ainda assim
com os prejuízos decorrentes dos custos desses processos entre outros
constrangimentos de cativação de verbas orçamentais em anos consecutivos).
A UTAP59 salienta que estes pedidos ocorrem com bastante frequência ao
longo da vida dos contratos de PPP, onde frequentemente os parceiros privados
empolam não só os valores em questão como também os próprios fundamentos que
alegadamente lhes servem de base. Consequentemente, é recorrente tais pedidos
acabarem por ser dirimidos em tribunal arbitral.
Não obstante, o Programa de Estabilidade e o Programa Nacional de
Reformas para 2016-202060, publicado em abril de 2016, evidencia que a maioria
dos pedidos formulados não tem sido aceite por se concluir pela inexistência de
fundamentos para o pagamento das compensações/indemnizações solicitadas.
Todavia, não deixa de ressalvar, que não é possível quantificar o impacto
orçamental dos processos pendentes de decisão.
58 Nazaré da Costa Cabral, ob. cit., p 195. 59 Fonte UTAP, Relatório Anual das PPP 2015, p. 75. 60 Vide Programa de Estabilidade, 2016-2020, p. 25.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 49
Ainda assim, segundo o mesmo Programa, até 2015, os pedidos de reposição
do equilíbrio financeiro apresentados pelas concessionárias e subconcessionárias
rodoviárias remontam a 2.070 milhões de euros.
No sector ferroviário, em 2012, registou-se um pedido de reposição do
equilíbrio financeiro apresentado pela Fertagus, na sequência do aumento da taxa
das infraestruturas ferroviárias nesse ano, no valor de cerca de 1,5 milhões de
euros/ano desde então.
Na sequência de um pedido formulado pela ELOS - Ligações de Alta
Velocidade, em 2014, foi constituído o tribunal arbitral para a avaliação da
indemnização solicitada no montante de 169 milhões de euros, derivada da recusa
de visto pelo Tribunal de Contas aos contratos relacionados com as infraestruturas
ferroviárias no troço Poceirão-Caia e da Estação de Évora.
No sector da saúde, destaca-se o pedido de reposição do equilíbrio financeiro
apresentado pela EG Estabelecimento do Hospital de Loures, no montante de 3
milhões de euros, respeitante à formação dos médicos internos.
No setor da segurança, em 2015, foram solicitados quatro pedidos de
reposição do equilíbrio financeiro decorrentes dos atrasos registados na montagem
da rede SIRESP ou com encargos extras incorridos pela concessionária no sentido
de cumprimento do prazo definido contratualmente.
O impacto orçamental destes pedidos tem implicações de alguma forma
imprevisíveis nos Orçamentos do Estado, presente e/ou futuros, como aliás teve
oportunidade de se assinalar no Relatório Final da Comissão Parlamentar de
Inquérito à Contratualização, Renegociação e Gestão de Todas as PPP do Setor
Rodoviário e Ferroviário, aprovado em reunião realizada no dia 4 de julho de 2013,
onde é referido que «não é possível existir um montante fixo e duradouro no que
respeita aos encargos do Estado com as PPP. Sobretudo porque as PPP foram
construídas tendo como base um conjunto de variáveis e estimativas que só são
verificáveis após essa mesma previsão». Acrescentando nas suas conclusões que
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 50
«os contratos PPP já se saldaram até à data em sucessivos processos de
reequilíbrio financeiro, com milhares de milhões de euros de despesa para o Estado
não prevista inicialmente.»61
Por outro lado, o mesmo relatório sublinha nas suas conclusões que a
contratação com recurso às PPP «é incerta quanto aos encargos globais para o
Estado pois assentam em previsões a longo prazo que podem alterar-se a qualquer
momento.»62
Concluindo nesta parte, como de seguida melhor se verá, na grande maioria
dos casos, as PPP têm representado avultados custos para o Estado, que se vê
compelido durante décadas ao cumprimento de condições contratuais
desfavoráveis, cuja renegociação nem sempre se traduz numa diminuição de
encargos ou na manutenção da totalidade dos serviços inicialmente contratados.
De notar ainda que a contratação de novas PPP foi suspensa em Portugal
com a chegada da Troika63, em junho de 2011. Contudo, entre a oitava e a nona
avaliação do cumprimento do Plano de Ajustamento, essa proibição veio a ser
levantada.
7. Parcerias Público-Privadas ativas em Portugal
O Boletim Anual das PPP – 201664, elaborado e divulgado pela UTAP,
considerou o universo das 32 parcerias ativas em Portugal que integram os setores
61 Programa de Estabilidade, ob. cit., p. 348. 62 Idem, p. 364. 63 Este termo tem origem na palavra russa troika, que designa um comité de três membros. No contexto político a troika é composta por uma equipa de consultores, analistas e economistas incumbidos da negociação com os países que solicitam um pedido de resgate financeiro, tendente à consolidação das suas contas públicas. A equipa desloca-se aos países e analisa detalhadamente as receitas e despesas dos respetivos Estados, contando com a colaboração dos vários organismos do Estado e dos próprios partidos da oposição, ordens profissionais e associações de apoio ao consumidor. Após essa análise a troika elabora um memorando, onde são inscritas as medidas a concretizar para normalizar as contas públicas, os prazos e os montantes pecuniários a entregar ao país. No caso dos países Europeus que solicitaram a intervenção da Troika já neste século (Grécia, Irlanda e Portugal) integravam este comité o Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia. 64 Disponível para consulta em: www.utap.pt.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 51
rodoviário, ferroviário, saúde e segurança e representantes de um investimento
acumulado (concretizado pelos parceiros privados), entre 1998 e 2016, na ordem
dos 14.609 milhões de euros, conforme abaixo ilustrado:
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 52
Do quadro evidenciado é possível verificar que o sector rodoviário continua a
destacar-se não só pela dimensão que apresenta em termos de número de PPP (21
parcerias), mas também em termos de investimento acumulado (93%) e até de
encargos líquidos (71% dos valores globais) que em 2016 assumem para o sector
público pagamentos em montante a rondar os 1.703 milhões (0,9% do PIB) de euros
(1.598 milhões em 2015), o que representa um acréscimo de 12% face a 2015 e um
nível de execução orçamental 1% acima do valor previsto no Relatório do OE/2016.
7.1. No setor rodoviário
O grupo das PPP rodoviárias incorpora as 14 concessões do Estado
Português e 7 subconcessões diretamente concedidas pela IP65.
Relativamente às concessões do Estado Português, onde se incluem as 7 ex-
SCUT e as 7 originalmente com portagem real, atendendo à natureza dos fluxos
financeiros que lhe estão associados, de acordo com os respetivos contratos, podem
dividir-se em três grupos:
O primeiro grupo é composto pelas concessões remuneradas com base num
regime de disponibilidade das vias, onde se integram as antigas SCUT (Grande
Porto, Costa de Prata, Norte Litoral, Beira Litoral/Beira Alta, Interior Norte e Algarve),
excetuando-se as da Beira Interior, e as duas de portagem real convertidas para
regime de disponibilidade (Norte e Grande Lisboa). Estas PPP são remuneradas
através de um pagamento relativo à disponibilidade da infraestrutura (composto por
uma componente fixa e outra ajustável em função da inflação ou apenas por uma
componente fixa), adaptado pelas deduções atinentes a falhas de disponibilidade e
pelo impacto da evolução dos índices de sinistralidade. O produto da cobrança de
portagens nestas concessões reverte para a IP, que, por sua vez, assegura os
pagamentos por disponibilidade às concessionárias, em representação do Estado
Português. As concessionárias são ainda remuneradas pela IP pelos custos de 65 No âmbito das atribuições que lhe são conferidas por via do contrato de concessão, a IP passou a ser responsável pela realização dos pagamentos e pela recolha de receitas das concessões do Estado Português.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 53
cobrança das portagens por elas efetuado, com exceção das concessões Norte e
Grande Lisboa.
O segundo grupo integra a Concessão da Beira Interior, a qual possui um
esquema remuneratório misto assente no regime de disponibilidade das vias e no
produto da cobrança de portagens - esta última transferida para a concessionária.
Por último, no terceiro grupo, as concessões de portagem real - onde se
incluem as do Oeste, Litoral Centro, Douro Litoral, Lusoponte e Brisa -, as quais
procedem à cobrança direta de receitas das portagens aos utilizadores da
infraestrutura, não apresentando fluxos financeiros correntes para o setor público
(com a ressalva para a Lusoponte, a qual fruto das alterações contratuais entretanto
ocorridas apresenta fluxos financeiros nos dois sentidos).
Quanto às subconcessões diretamente atribuídas pela IP, muito embora os
contratos associados às diferentes PPP não sejam homogéneos no que toca à
composição da remuneração das subconcessionárias, ainda assim esta pode ser
categorizada do seguinte modo: pagamento por disponibilidade das vias da
infraestrutura; pagamento por serviço (remuneração sustentada no nível de tráfego
efetivamente verificado).
Cumpre ainda mencionar outras responsabilidades derivadas de pagamentos
contingentes, resultantes da reformulação dos modelos financeiros ocorrida em
momento anterior à assinatura final dos contratos de subconcessão, em 2009 e
2010, em virtude de alterações verificadas nos mercados financeiros no hiato de
tempo compreendido entre o lançamento dos concursos e a contratação final. Bem
como as reduções referentes a falhas de desempenho e de disponibilidade, e as
penalizações derivadas de externalidades ambientais e sinistralidade (estes valores
são subtraídos aos valores da remuneração total recebido pela subconcessionária).
Em resumo, atendendo aos diferentes tipos de remuneração neste segmento
rodoviário, os encargos e receitas para o setor público com estas podem classificar-
se do seguinte modo:
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 54
a) Segundo os encargos do setor público:
i. Os provenientes dos pagamentos por disponibilidade das vias e
responsabilidades ligadas aos pagamentos contingentes66, ajustados de
eventuais abatimentos previstos contratualmente;
ii. Pagamentos por serviço (subordinados ao nível de tráfego);
iii. Custos derivados do serviço de cobrança de portagens e encargos
suportados na realização de grandes reparações, atento o novo modelo de
financiamento acordado.
b) Segundo as receitas do setor público:
i. Resultante da cobrança de portagens nas concessões e subconcessões;
ii. Outras receitas, nomeadamente as resultantes dos sistemas de partilha de
benefícios, quando aplicável.
Para além dos fluxos financeiros referidos e como já vimos, há ainda a ter em
linha de conta a possibilidade de se verificarem outros encargos derivados de
pedidos de REF por parte das concessionárias/subconcessionárias e de factos
extraordinários (desde que previsto contratualmente, como é regra) que envolvam
alterações ao projeto com suscetibilidade para modificar a situação económico-
financeira da concessão/subconcessão projetada e que não se reconduzam a riscos
previamente previstos e aceites pelo parceiro privado.
Em 2016, os encargos líquidos com PPP rodoviárias foram superiores aos
contabilizados em 2015 (conforme também já tinha sucedido neste último ano
relativamente a 2014) e não obstante as renegociações entretanto operadas.
O quadro seguinte reflete, precisamente, esses encargos líquidos totais com
as PPP rodoviárias em 2016, respetivas variações homólogas e o nível de execução
face ao inicialmente previsto67
66 Segundo o Relatório de Auditoria n.º 15/2012, da 2.ª Secção do Tribunal de Contas, respeitante ao Modelo de Gestão, Financiamento e Regulação do Sector Rodoviário, não está ainda definido o tratamento a dar às compensações contingentes, uma vez que destas poderão decorrer responsabilidades financeiras avultadas. 67 Fonte UTAP, Relatório Anual PPP 2016.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 55
Notas: Fonte: UTAP, Relatório anual das PPP 2016 (obtido a partir de dados disponibilizados pelas entidades gestoras dos contratos) e dados constantes do Relatório do OE2016. (1) Em 2015, inclui 'Remuneração Provisória' das Ex-SCUT, em momento prévio à alteração dos respetivos contratos de concessão. (2) Representa o encargo efetivamente suportado pela IP, (troços da A23 e A21). (3) Em 2016, esta rubrica compreende, designadamente, as compensações pagas às concessionárias do Oeste do Algarve, da Beira Interior, do Norte Litoral, do Litoral Centro e do Interior Norte, relativas a reembolso da TRIR/SIEV, no valor de 0,6 milhões de euros; e a compensações pagas no âmbito da execução de sentenças de processos arbitrais às concessionárias do Litoral Centro e do Oeste, nas quantias de 8,3 milhões de euros e de 29,6 milhões euros, respetivamente. Em 2015, esta rubrica inclui as compensações pagas às concessionárias da Beira Alta, da Costa de Prata/ Interior Norte, da Beira Litoral, do Grande Porto e do Norte, relativas a TRIR, no montante de 1,1 milhões de euros; e, a grandes reparações de pavimento, no valor de 19,4 milhões de euros, acrescidas das compensações pagas à concessionária do Litoral Centro, no montante de 38 milhões de euros, em cumprimento da execução das sentenças dos processos arbitrais. (4) Respeita a proveitos diretos da IP relacionados com receitas de portagem dos troços da A21 e da A23 que integram a concessão da IP sob gestão direta desta e quiosques/Easytoll e taxas de gestão. (5) Túnel do Marão, A21 e troço da A23.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 56
7.2. No setor ferroviário
No setor ferroviário apresentam-se duas PPP para o transporte suburbano de
passageiros: a concessão MST - a quem foi atribuída a concessão da rede de
metropolitano ligeiro da margem sul do Tejo - e a concessão Eixo Ferroviário Norte-
Sul – relativa à exploração do serviço de transporte ferroviário de passageiros no
Eixo Ferroviário Norte-Sul (ligação ferroviária entre Lisboa e Setúbal), ambas a cargo
da concessionária Fertagus – Travessia do Tejo, Transportes, S.A.68.
Quanto ao tipo de financiamento, as concessões apresentam uma forma
diferente entre si. A remuneração da MST tem por base as receitas cobradas aos
utilizadores do serviço, da exploração e rendimentos derivados da exploração de
áreas comerciais e parques de estacionamentos (onde se incluem os proveitos
publicitários). Para além desses rendimentos, há lugar a comparticipações do
concedente, sempre que o tráfego de passageiros seja inferior ao limite mínimo da
banda de tráfego de referência, definida no contrato de concessão (a concessão
MST é a única PPP para o qual existe um mecanismo de garantia de tráfego por
parte do Estado Português). Todavia, em sentido inverso, o contrato de concessão
prevê a entrega à concedente de uma compensação monetária nos anos em que o
tráfego fique dentro ou acima da banda superior de tráfego.
Importa sublinhar que desde 2008, ano em que entrou em funcionamento a
rede de metropolitano, o tráfego efetivamente verificado ficou sempre abaixo do
valor mínimo da banda de tráfego de referência. Segundo os últimos números
revelados pela UTAP, nunca ultrapassou os 35% da procura prevista no contrato de
concessão. Consequentemente, apesar do contrato de concessão não prever
encargos diretos para o setor público, com esta parceria, na prática, por força da
realidade verificada, tem-se constatado a existência destes encargos numa base
regular anual, com a inerente compensação à concessionária.
68 O serviço concessionado respeita ao transporte ferroviário de passageiros relativo às estações Roma-Areeiro, Sete Rios, Campolide, Entre Campos, Pragal, Corroios, Fogueteiro, Foros de Amora, Coina, Penalva, Venda do Alcaide, Pinhal Novo, Palmela e Setúbal.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 57
Por sua vez, a remuneração no caso do Eixo Ferroviário Norte-Sul, não
obstante no contrato inicial prever o pagamento de compensações financeiras por
parte do Estado o contrato atual69 apenas compreende uma remuneração assente
em receitas comerciais, derivadas da exploração do serviço de transporte suburbano
de passageiros. Mas, ainda assim, está prevista contratualmente a compensação da
concessionária pelo Estado em caso de pedidos de REF (à semelhança do que se
verifica na MST), como sucede atualmente, uma vez que a Fertagus formulou um
pedido onde solicita o pagamento de uma compensação no valor 1,5 milhões de
euros/ano a partir de 2012 (inclusive).
O quadro seguinte evidencia os encargos líquidos totais com as PPP
ferroviárias em 2016, respetivas variações homólogas e o nível de execução face ao
previsto70.
7.3. No setor de saúde
No setor da saúde, o modelo de parceria assenta no pressuposto da
diferenciação entre as competências de gestão da infraestrutura e do
estabelecimento hospitalar. Existindo atualmente dois modelos em vigor aos quais é
atribuída uma gestão distinta. Temos assim o destinado à construção e manutenção
da infraestrutura do hospital - “Entidade Gestora do Edifício” (EG Edifício) - e outro
visando a prestação dos serviços clínicos - “Entidade Gestora do Estabelecimento”
(EG Estabelecimento).
69 Uma vez eliminadas em 2011 as compensações financeiras atribuídas pelo Estado à concessionária, conforme previsto no Decreto-Lei n.º 138-B/2010, de 28 de Dezembro. 70 Fonte: UTAP, Relatório Anual PPP 2016 (a partir de dados disponibilizados pela DGTF e dados constantes do OE2016).
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 58
No tocante aos encargos suportados pelo setor público, eles variam
consoante o modelo. No caso do EG Estabelecimento, são apurados em função do
nível de produção de serviços clínicos efetivamente prestados por parte de cada
unidade de saúde, da disponibilidade de alguns serviços hospitalares específicos e
do diferencial de gasto relativo a produtos de farmácia prescritos pela unidade
hospitalar face à média de um grupo de referência, havendo ainda lugar a redução
por falhas de desempenho, de serviço ou específicas (segundo previsto
contratualmente). Já no caso do EG Edifício, os encargos do sector público adotam
a natureza de pagamento por disponibilidade da infraestrutura, total ou parcialmente
indexado à inflação, com base em tabelas pré-definidas.
Os dados estatísticos mais recentes disponibilizados pela UTAP revelam uma
tendência que tem vindo a verificar-se nos últimos anos de um aumento da produção
nas quatro unidades hospitalares atualmente sob o regime de PPP. Tal situação
teve como consequência um aumento de encargos para o setor público em 2016
com as concessionadas na ordem dos 3%, conforme refletido no próximo quadro71.
Recorde-se que em 2015 o aumento tinha sido de 4%, sendo que nesse ano se
incluíram ainda os encargos decorrentes das parcerias findas em 2013 e 2014,
respetivamente, com o Centro de Medicina Física e Reabilitação do Sul e o Centro
de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde.
Observemos com vagar os seguintes elementos:
71 Fonte UTAP, Relatório Anual PPP 2016 (idem).
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 59
7.4. No setor da segurança
O sector da segurança, no que tange às PPP, é composto por uma única
parceria, relativa à conceção, construção, montagem, fornecimento, manutenção e
gestão de um sistema integrado de tecnologia de informação para a Rede de
Emergência e Segurança de Portugal estabelecida entre o Ministério da
Administração Interna (MAI) e a concessionária SIRESP.
Os encargos com esta parceria provêm de uma remuneração global anual,
equivalente a uma remuneração por disponibilidade, constituída por uma parte não
revisível (onde os montantes devidos em cada ano estão previstos contratualmente)
e por uma parte revisível em função do Índice de Preços no Consumidor, sendo
ainda ajustável em função de deduções respeitantes a falhas de desempenho e
disponibilidade, que não pode exceder 8,68% da remuneração total (no entanto,
segundo revela a UTAP no Boletim Anual das PPP de 2015, até à presente data o
parceiro SIRESP não viu aplicadas quaisquer deduções derivadas da ultrapassagem
dessa margem).
O quadro seguinte ilustra os encargos com a PPP da segurança, suportados
em 2016 e a respetiva variação homóloga e o nível da execução do previsto, sendo
de registar um decréscimo de encargos com esta parceria na ordem dos 6%72:
Resta nesta parte assinalar que segundo as previsões mais recentes da
UTAP, o Estado deverá pagar às 32 concessionárias no seu conjunto, nos próximos
25 anos, encargos líquidos estimados no montante aproximado de 15 mil milhões de
euros.
72 Fonte UTAP, Relatório Anual PPP 2016 (a partir dos dados disponibilizados pelo MAI e dos dados constante do Relatório do OE/2106).
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 61
III. A Tributação das Parcerias Público-Privadas
1. O enquadramento tributário atual
A tributação em sede de IRC das entidades que celebrem contratos de
concessão segue a regra geral segundo a qual o IRC incide sobre o lucro dessas
entidades [alínea a) do n.º 1, do artigo 3.º, do Código do IRC (CIRC)].
O lucro tributável dessas pessoas coletivas é, nos termos do n.º 1 do artigo 17.º
do CIRC, constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das
variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não
refletidas naquele resultado, determinadas com base na contabilidade e,
eventualmente corrigidas nos termos desse código.
1.1. Na abordagem contabilística
A contabilidade deve, de modo a permitir o apuramento do lucro tributável,
estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições
legais em vigor para o respetivo setor de atividade, sem prejuízo da observância das
disposições previstas no CIRC.
No caso das empresas concessionárias de serviços públicos, as mesmas
devem adotar contabilisticamente a International Financial Reporting Interpretations
Committee 12 (IFRIC 12), cujos efeitos em termos fiscais são reconhecidos caso não
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 62
exista no CIRC e em legislação complementar norma que regule a matéria de forma
diferente.
No caso do concedente (ou, diretamente, os utilizadores) pagarem um valor
variável em função da utilização da infraestrutura, o ativo a reconhecer pela
concessionária é um ativo intangível, amortizado para efeitos fiscais de acordo com
o regime previsto no n.º 1 do artigo 12.º de Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14
de setembro. Ou seja, “Os elementos depreciáveis ou amortizáveis adquiridos ou
produzidos por entidades concessionárias que, nos termos das regras de
normalização contabilística aplicáveis, sejam reconhecidos como elementos do seu
ativo fixo tangível ou intangível e que, nos termos das cláusulas do contrato de
concessão, sejam revertíveis no final desta, podem ser depreciados ou amortizados
em função do número de anos que restem do período de concessão, quando aquele
for inferior ao seu período mínimo de vida útil“ (Redação do Decreto Regulamentar
n.º 4/2015, de 22 de abril).
No caso do concedente pagar um valor fixo ao concessionário
(independentemente da utilização), este deve, nos termos da IFRIC 12, reconhecer
um ativo financeiro. Caso o concedente pague um valor variável em função da
utilização da infraestrutura e um valor mínimo fixo, a concessionária deve
reconhecer um ativo financeiro e um ativo intangível.
2. A repartição dos sacrifícios por via dos impostos
Atendendo ao contexto atual do mercado, não só nacional mas também
internacional, os contratos de PPP revelam para as respetivas concessionárias uma
mais-valia incomensurável, atendendo à garantia de pagamento que apresenta o
Estado e, em alguns dos casos assinalados, à cobertura pelo pagamento
independentemente do serviço prestado.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 63
Esta realidade destaca-se substancialmente, quando comparados os
operadores económicos envolvidos nas PPP com as restantes empresas que no dia-
a-dia se debatem com dificuldades económicas e riscos de negócio cada vez mais
difíceis de acautelar.
2.1. Negócios privados, riscos públicos?
Como bem sublinha Fernando Araújo73, uma das caraterísticas psicológicas
mais fortemente condicionantes do comportamento económico radica na «aversão
ao risco», já que o “jogo da economia” é, em última análise, um jogo de
sobrevivência, onde os agentes compreensivelmente se dispõem a prescindir de
ganhos arriscados a troco de relativa modéstia de rendimentos certos, desligados da
sorte dos empreendimentos económicos.
Consequentemente, os contratos de PPP, protegidos sob a capa do Estado,
são como oásis no meio de um deserto onde os beneficiários dos contratos de
concessão, também presentes em outros ramos de atividade que não tão só os
contratos de PPP, se apresentam numa posição diferenciada quanto às
contingências e incertezas dos mercados e cobertos de uma capacidade negocial
ímpar, uma vez que dispõem de um rendimento certo e garantido que lhes permite
arriscar mais em outros negócios.
Esta posição diferenciada não é objeto de intervenção por via de uma
tributação extraordinária como aquela que, por exemplo, foi introduzida em sede de
IRS em 201274, através da criação da taxa adicional de solidariedade de 2,5%,
exigida aos sujeitos passivos, cujo rendimento coletável disponível fosse superior a
153 mil euros, ou, no mesmo ano, em sede de IRC75, às empresas com o
agravamento da taxa de derrama estadual sobre os lucros superiores a 1,5 milhões
de euros.
73 Fernando Araújo, ob. cit., p 314. 74 Artigo 68.º-A do CIRS, aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro. 75 Artigo 87.º-A do CIRC, na redação dada pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 64
Temos assim que a manutenção do status quo em que perduram este tipo de
benefícios para as concessionárias, maxime as do setor rodoviário e ferroviário
(dada a expressão significativa dos encargos líquidos que comportam) e também no
caso dos hospitais sob o regime de EG Edifício (onde os encargos do sector público
adotam a natureza de pagamento por disponibilidade da infraestrutura), deverá ser
objeto por parte do Estado de um tratamento diferenciado a nível fiscal relativamente
aos restantes agentes económicos cujos rendimentos futuros não se encontram
garantidos, sob pena de um eventual sentimento generalizado de injustiça
distributiva.
Aliás, no que tange às taxas de rentabilidade garantidas, o já mencionado
Relatório de Auditoria n.º 15/2012 — 2.ª Seção, do Tribunal de Contas, nas suas
recomendações ao Estado destacava que “Face à atual conjuntura macro
económica, o Estado deverá renegociar os contratos de PPP, no sentido de reduzir
as respetivas taxas internas de rentabilidade acionista que se situam, em média,
acima de 10%”, salientando ainda que «Deverão ser equacionados, no futuro,
mecanismos contratuais mais eficientes de partilha de benefícios (clawback), de
modo a reduzir os “benefícios sombra” das concessionárias, que acabam por
potenciar as rendibilidades acionistas sem qualquer contrapartida para o Estado.»
Por outro lado, as dificuldades verificadas nas renegociações dos contratos
de PPP (rodoviárias e ferroviárias) e em conseguir com essas um proveito imediato
ou, pelo menos, fiavelmente quantificável para o futuro vem reforçar a necessidade
de criação por via fiscal de uma tributação extraordinária76 sobre os proveitos
decorrentes deste tipo de contratos garantidos, tendente a uma repartição
generalizada dos sacrifícios, de modo justo e equitativo.
Não obstante as diferenças entre setores de atividade e reservas
necessariamente envolvidas no cotejo entre as situações, sempre valerá a pena 76 Para Nuno Sá Gomes “A natureza extraordinária do imposto tem que ver com circunstâncias excecionais e, normalmente, transitórias que justificam a tributação, como sejam casos de graves emergências nacionais ou locais (guerras, crises económicas, graves calamidades públicas, etc.), ou quando se pretenda tributar acréscimos de riqueza imputáveis igualmente a circunstâncias excecionais (lucros de guerra, lucros monopolísticos, etc)”: «Manual de Direito Fiscal», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 168, Ministério das Finanças, Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1993, p. 137.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 65
assinalar o esforço legal também exigido ao setor bancário no período de
intervenção externa, com o propósito de aproximar a carga fiscal suportada pelo
setor financeiro do resto da economia, através da criação de uma contribuição
extraordinária sobre o mesmo77, de modo a que este passasse a «contribuir de
forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de
prevenção de riscos sistémicos».78
A necessidade de um tal regime de tributação extraordinária sobre as PPP
encontra eco em alguns dos mais notáveis intervenientes com conhecimento quanto
aos conteúdos desse tipo de contratos, os quais analisam regularmente e ao
pormenor os proveitos e desvantagens daí obtidos para o Estado e que têm alertado
para a necessidade de equilíbrio das contas públicas e desvios daí decorrentes.
Nesta matéria cumpre destacar posições como a assumida pelo então
Presidente do Tribunal de Contas, Guilherme D´ Oliveira Martins, em 19 de abril de
2013, no final da audição na Comissão Parlamentar de Inquérito às PPP do Setor
Rodoviário e Ferroviário, onde pugnou pela aplicação imediata de um imposto ainda
em momento prévio à renegociação dos respetivos contratos.
Aliás, a bom rigor, a criação de um tal regime mais não se traduziria do que
no concretizar de dois dos principais fundamentos de tributação e pilares basilares
de todo o sistema fiscal. A saber, a capacidade contributiva enquanto pressuposto
de tributação previsto no artigo 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT)79, o qual
dispõe que «Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva,
revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do
património» e a finalidade da tributação, com expressão registada no artigo 5.º, da
mesma Lei, onde se assinala que a mesma «visa a satisfação das necessidades
financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a
77 Artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro. 78 Ponto III.2.2.3.2. do Relatório do Orçamento de Estado para 2011 (Contribuição sobre o Sector Bancário). 79 Sobre o papel estruturante da LGT no sistema Fiscal Português, veja-se Rui Marques, A maioridade da Lei Geral Tributária como pedra angular do sistema tributário português, Revista do Ministério Público, n.º 148, Lisboa, 2016.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 66
igualdade de oportunidades e as necessárias correções das desigualdades na
distribuição da riqueza e do rendimento.»
Quanto aos fins da tributação, surgem definidos em moldes semelhantes ao já
consagrado no n.º 1 do artigo 103.º da CRP, o qual dispõe que «O sistema fiscal
visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades
públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.»80, possuindo esta
norma um caráter programático e em consonância com diplomas semelhantes
estrangeiros de configuração idêntica à da LGT.81
3. Desafios legais à tributação
Ainda antes de afloramos as possíveis formas de tributação das PPP, valerá a
pena recordar que estas se apresentam como contratos e não, propriamente, como
sujeitos passivos de IRC (nos termos em que se encontram definidos no artigo 2.º do
Código do IRC).
Nesta medida, a criação de um regime jurídico tendente à tributação dos
proveitos alcançados por via dos contratos subjacentes às PPP terá de incidir sobre
as respetivas concessionárias, estas sim sujeitos passivos de imposto. Contudo, a
criação de uma incidência fiscal extraordinária sobre essas entidades, por uma
questão de equitabilidade deverá versar apenas os lucros e/ou proveitos resultantes
deste tipo de contratos e cuja rentabilidade se encontra garantida pelo ente público.
Para tanto o primeiro desafio que se coloca radica na criação de um regime
de tributação compatível com determinados princípios intransponíveis do nosso
regime fiscal, atentos os limites jurídico-constitucionais impostos legalmente.
80 Em conjugação com esta previsão a alínea b) do n.º 1 do artigo 81.º da CRP determina que incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal. 81 Neste sentido, vide Diogo Leite Campos; Benjamim Silva Rodrigues; Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª ed., Encontro da Escrita, 2012, pp 90 e 91.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 67
Isto porque, conforme salienta Paula Rosado Pereira82, «os princípios
constituem traves mestras que dão à ordem jurídica uma ideia de unidade e uma
lógica própria. Permitem uma sistematização, uma ordenação e uma ponderação
dos aspetos valorativos subjacentes aos regimes consagrados na ordem jurídica em
causa. Deste modo, os princípios de direito fornecem uma justificação para as
normas concretas, constituindo a sua base e explicando as razões da sua existência
e do seu teor. Sintetizando as características dos princípios de direito que nos
parecem mais relevantes, salientamos que estes são abstratos (ou seja, dotados de
um nível de abstração superior ao das normas), têm um peso significativo e um
papel estruturante fundamental na ordem jurídica a que pertencem. Os valores
essenciais e as orientações gerais que veiculam concretizam-se em regras
aplicáveis aos casos particulares, às quais servem de fundamento. Os princípios de
direito exprimem, pois, os valores nucleares e as traves mestras estruturantes de
uma área de direito (ou, nalguns casos, do sistema jurídico como um todo).»
Se quanto a esses princípios que fixam limites de natureza formal,
aparentemente, não se afiguram questões de maior relativamente à sua
exequibilidade, o mesmo já não se poderá dizer no que tange aos limites materiais a
uma eventual tributação. Isto é, a respeito dos limites ao que e ao quanto se tributa,
havendo a destacar nesta matéria a necessidade primordial de ter como desígnio
norteador de toda e qualquer intervenção legislativa o magno princípio da igualdade
fiscal concretizado através do critério da capacidade contributiva.
3.1. Os princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva
O princípio da igualdade fiscal tem na sua génese subjacente o princípio geral
de igualdade, entendido não só no seu sentido formal (ou igualdade perante a Lei),
como foi o que predominou a partir de meados do século XIX, mas também no seu
sentido material (ou igualdade na lei). Com ele pretende dar-se concretização a um
dos mais elementares pilares de todo o direito de base democrático enformado em
82 Paula Rosado Pereira, Lições de Fiscalidade, Volume II, Almedina, 2015, pp. 201 e 202.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 68
redor de uma ideia de justiça, conforme refere Sérgio Vasques83 «[é] na igualdade
que está, portanto, a mais importante componente da justiça e o principal argumento
de legitimação do direito positivo, a igualdade constitui o principal teste ou expressão
da justiça, o seu “ponto de cristalização”».
Este princípio encontra-se intrinsecamente ligado a uma ideia de generalidade
e universalidade, perante a qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao
acatamento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que idêntico
dever seja avaliado por um mesmo critério o qual deve assentar na capacidade
contributiva.
Em termos práticos consistirá na aplicação de igual imposto àqueles que
dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto
(em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de capacidade
contributiva distinta na proporção desta diferença (igualdade vertical).
A capacidade contributiva assenta num conceito jurídico económico84,
mediante o qual se entende que todos os cidadãos devem pagar impostos sobre a
totalidade dos seus rendimentos, e na medida destes. Nas palavras de Diogo Leite
Campos, «devem contribuir para a cobertura das despesas públicas todos os que
tenham rendimento ou capital, e na medida destes ou da sua utilização»85.
Como salienta Rui Marques, «Numa definição a traço muito grosso, a aptidão
económica pessoal para suportar a carga tributária, em maior ou menor
grau. Devendo então ter-se em conta as condições particulares de cada um dos
contribuintes. O que busca este princípio é que os contribuintes do Estado
contribuam para o seu sustento no valor (quantum) mais aproximado possível à
83 Sérgio Vasques, O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Almedina, 2008, p. 28. 84 “Não deverá ser confundida com a Capacidade Tributária, a qual se carateriza por ser sujeito de uma posição jurídica tributária e se traduz num conceito unicamente jurídico e não económico, conforme sucede com a capacidade contributiva”: Diogo Leite Campos; Benjamim Silva Rodrigues; Jorge Lopes de Sousa, ob. cit. p. 85. 85 Diogo Leite Campos; Mónica Horta das Neves Leite Campos, Direito Tributário, Almedina, 2003, p.123.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 69
proporção das suas respetivas capacidades, ou seja, dos rendimentos de que
desfrutem»86.
Ou ainda, como vem defendendo o Tribunal Constitucional: «[o] princípio da
capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou
tributária na sua vertente de ‘uniformidade’ – o dever de todos pagarem impostos
segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário
da tributação, entendendo-se esse critério como sendo aquele em que a incidência e
a repartição dos impostos – dos ‘impostos fiscais’ mais precisamente – se deverá
fazer segundo a capacidade económica ou ‘capacidade de gastar’ (-) de cada um e
não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos
(critério do benefício)»87.
Segundo entende José Casalta Nabais88 «Configurando-se o princípio geral
de igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva
enquanto tertitum comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece
dum específico e direto preceito constitucional. O seu fundamento é pois, o princípio
da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respetiva
“constituição fiscal” e não qualquer outro. (…)a capacidade contributiva constitui o
pressuposto e o critério da tributação»
Relativamente a esta posição da falta de norma expressa nesse sentido na
Lei fundamental, rememoremos António de Sousa Franco, de cujo pensamento
resulta «evidente» que, apesar da inexistência de referência expressa no texto, não
podia deixar de se concluir que a Constituição acolhe o princípio da tributação
segundo a «capacidade contributiva» ou as «faculdades contributivas».89 Outros
autores têm identicamente salientado a desnecessidade de confirmação
86 Rui Marques, Responsabilidade tributária subsidiária: Requiem pela capacidade contributiva, Conferências Tributárias 2015/2016, Universidade do Minho, 2017. 87 Acórdãos n. º 142/04 e 306/2010. 88 José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª edição, 4.ª reimpressão da edição de 2013, Coimbra, Almedina, 2005, p. 149. 89 Apud, António L. Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, ob. cit. p 186. Em sentido contrário, J. G. Xavier de Basto «A Constituição e o Sistema Fiscal», em XXV Anos de Jurisprudência Constitucional, Tribunal Constitucional, Coimbra, 2009, pp. 167 ss. (Basto, J. G. Xavier de, 2009).
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 70
constitucional expressa do princípio da capacidade contributiva, como é o caso de
Sérgio Vasques90 e João Pedro Silva Rodrigues91.
A doutrina assinalada tem também acolhido cabimento junto do Tribunal
Constitucional, conforme se pode concluir de diversos arrestos92, donde se destaca
logo no Acórdão n.º 348/97, onde se entendeu que se está perante um princípio
primário da Constituição fiscal, enquanto manifestação do princípio da igualdade
nesse domínio. Nesse acórdão salientou-se que será em função da capacidade
contributiva que haverá lugar a determinar a medida, igual ou desigual do imposto,
devendo o legislador, ao selecionar os factos tributáveis, ater‑se a “factos
reveladores da capacidade contributiva” que por força desse princípio se constatará
pela “existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária
e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo‑se, por
isso, ‘um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto
previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo.”
Valerá neste sentido destacar ainda o sancionado no Acórdão n.º 695/2014
onde, se concluiu:
“O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo
meramente negativo da igualdade tributária, passando a adotar o princípio da
capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não
deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação
da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente
quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas
com a racionalização do sistema.
Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de
vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua
aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto,
no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de
90 Sérgio Vasques, ob. cit. p. 369. 91 João Pedro Silva Rodrigues, Algumas reflexões em torno da efetiva concretização do princípio da capacidade contributiva, In Estudos em Homenagem ao Conselheiro J. M. Cardoso da Costa, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p 899 e ss. 92 Acórdãos n.º: 142/2004, 42/2014, 43/2014, 306/2010 e 695/2014.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 71
modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da
diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do
arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam
desprovidas de fundamento racional (nestes precisos termos, o acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 306/2010).”
Aqui chegados, dúvidas não poderão restar quanto ao facto de uma eventual
tributação com incidência pessoal nas sociedades concessionárias envolvidas nos
contratos de PPP terá de obedecer ao princípio constitucional da igualdade
concretizado através da real capacidade contributiva. E, nesse desígnio, estamos
em crer que uma tributação de tal índole não viola esse princípio, desde que a
formulação das regras tributárias acautelem a generalidade ou universalidade das
mesmas, nos termos daquilo que vem sendo dito e alicerçado pelos autores e
jurisprudência trazidos à colação na presente sede.
Ou seja, sendo a generalidade ou universalidade uma importante
característica comum a qualquer norma tributária, traduzida no facto de a norma
valer para todos os indivíduos em situação de igualdade entre si quando colocados
em situação idêntica, sem discriminação de qualquer natureza93, afigura-se como
possível uma tributação sobre as concessionárias colocadas em situação idêntica
(incidência pessoal), em consonância com princípio constitucional da igualdade,
conforme é exigido no artigo 13.º da nossa Constituição, o qual encontra
concretização no artigo 7.º, n.º 3, da LGT ao indicar que “A tributação não discrimina
qualquer profissão ou atividade nem prejudica a prática de atos legítimos de carácter
pessoal, sem prejuízo dos agravamentos ou benefícios excecionais determinados
por finalidades económicas, sociais, ambientais ou outras.” Havendo a sublinhar o
facto de na parte final desta norma ser feita uma ressalva quanto ao agravamento da
tributação em função de determinadas finalidades, onde se incluem as de caráter
social e económico.
93 Neste sentido Sérgio Vasques, (ob. cit., p. 41) ao entender que «quando o legislador se propõe a tratar o que é igual de modo igual, significa isso que se propõe a associar a mesma estatuição legal, o mesmo imposto, admitamos, a duas realidades que se mostram iguais à luz de um qualquer critério distintivo.»
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 72
Ultrapassada que está (a nosso ver) a questão da estatuição de uma
tributação incidente sobre as concessionárias enquanto detentoras de rendimentos
garantidos por via dos contratos de PPP nos termos aludidos, poderá levantar-se
outra questão relativamente à possibilidade da sua tributação, uma vez que o
mesmo princípio assume particular relevância no que tange às sociedades, dispondo
o n.º 2 do artigo 104.º da CRP que “A tributação das empresas incide
fundamentalmente sobre o seu rendimento real.”
No fundo, como nos diz Rui Marques, está em causa «uma reconstituição da
situação tributária nos termos que mais se aproximem do rendimento real que seria
suposto ter sido declarado, actuando a Administração ao abrigo dos seus poderes
vinculados.»94
No entanto estamos em crer que também por esta via a criação de uma
tributação extraordinária não se encontra comprometida. Desde logo porque a Lei
Fundamental não consagra a exclusividade da tributação das empresas segundo o
rendimento real. Sendo possível, dentro de certos limites, a tributação segundo o
rendimento normal, demonstrando certamente pretender salvaguardar a tributação
com incidência em outros motivos.
Depois, porque é hoje manifestamente pacífico na nossa jurisprudência que
este princípio constitucional é claramente moderador, dada a inclusão do advérbio
fundamentalmente na sua construção. Importando aqui destacar nesta matéria o
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, onde se refere inclusivamente que
«a tributação das empresas pelo seu rendimento real constitui um princípio ou uma
regra que permite, excecionalmente, desvios ou exceções (…) Perante tal regime,
melhor seria antes confessar que a tributação das empresas incide
“fundamentalmente” (rectius decisivamente) sobre o rendimento normal,
que pode coincidir com o rendimento real – mas não coincidindo sempre, e
prevalecendo então o primeiro.»
94 Rui Marques, Consummatum est: A extinção da sociedade comercial e a cessação de atividade em IRC, Revista de Direito das Sociedades, n.º 2/2017, Faculdade de Direito de Lisboa, Almedina, 2017.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 73
Ademais, como sustenta José Casalta Nabais «(...) o que o legislador
constituinte quis em 1976, e contínua a querer em 2001, é que, na sua
concretização legal, o nosso sistema de tributação das empresas se aproxime tanto
quanto possível do ideal, ou seja, consagre uma tributação das empresas que incida
fundamentalmente sobre o seu rendimento real. Isto significa que o legislador fiscal
se encontra constitucionalmente vinculado á instituição da regra, do princípio, da
tributação das empresas pelo seu rendimento real. O que não implica que não haja
qualquer outra possibilidade de tributação das empresas. Com efeito, o legislador
não deixa de ter aí uma razoável dose de liberdade conformadora, traduzida em
múltiplas faculdades, muitas delas, decorrentes do próprio âmbito do princípio
constitucional em análise (art.º 104º, n.° 2 da CRP).»95
Destarte, forçoso será concluir que também nesta parte não estão as
concessionárias visadas circunscritas a ver a sua tributação segundo o seu
rendimento real, podendo muito bem ser objeto de uma tributação extraordinária
desde que criada dentro das limitações legais estudadas.
4. Possíveis formas de tributação extraordinária
Aqui chegados, sugere-se pertinente a abordagem de algumas formas
possíveis de tributação extraordinária das concessionárias detentoras de
participação nos contratos de PPP.
Com efeito, uma tributação nesse sentido assume particular destaque para os
setores rodoviário (remuneradas através de um pagamento relativo à disponibilidade
da infraestrutura e vias) e ferroviário (remuneradas sempre que o tráfego de
passageiros seja inferior ao limite mínimo da banda de tráfego de referência) uma
vez que, sendo precisamente nestes dois setores que se integram a maioria dos
encargos com as PPP, é também neles que a maior improbabilidade de
cumprimento das estimativas de trafego contratualmente definidas radicam e
95 In Por um Estado Fiscal Suportável, Estudos de Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 2001, pp. 359 e 360.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 74
obrigam a constantes compensações derivadas da assunção do risco pelo erário
público.
Contudo aa tributação poderá ainda englobar os restantes setores da saúde
(pagamento por disponibilidade da infraestrutura e serviços) e segurança
(remuneração por disponibilidade).
Na senda daquilo que vimos observando, a tributação das concessionárias
poderá operar por várias vias. No entanto, na criação de um regime específico nesse
sentido importa antes de mais, em momento prévio, começar por se identificar
concretamente aquilo que se pretende tributar em termos que obedeça
escrupulosamente aos limites legais assinalados.
Nesse propósito, há em primeira linha a distinguir os lucros das
concessionárias derivados e não derivados a partir das vantagens obtidas em
resultado dos contratos de PPP, uma vez que só os primeiros serão visados em
sede de tributação extraordinária.
Temos assim que incidindo o IRC sobre o lucro das sociedades - alíneas a),
do n.º 1, do artigo 3.º do Código do IRC -, poderá por via desse lucro operar uma
eventual sobretaxa de IRC, com as vantagens e desvantagens que adiante se
passam a evidenciar.
4.1. Sobretaxa de IRC incidente sobre os lucros das concessionárias
Sendo o lucro uma das bases de incidência do IRC apurado com base na
diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de
tributação, com as correções estabelecidas no Código (n.º 2 do artigo 3.º do CIRC),
mostra-se como plausível a criação de uma sobretaxa de IRC incidente sobre a
parte desse rendimento auferido pelas sociedades detentoras de lucros derivados de
contratos de PPP, garantidos em função de margens de rentabilidade asseguradas
pelo ente público.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 75
Na graduação dessa sobretaxa haveria lugar à diferenciação entre uma
incidência sobre o lucro obtido respeitante à efetiva utilização ou não do bem
disponibilizado/garantido, cujo desgaste ou encargo para a concessionária, pelo
menos teoricamente, sempre terá um custo associado (no caso, por exemplo, da
utilização e consequente degradação de uma estrada ou no maior consumo de
combustível e desgaste de utilização de comboios e vias). Ou seja, mostrando-se
como perfeitamente diferenciável um cálculo sobre os lucros decorrentes do valor
indemnizatório pago em função das compensações devidas contratualmente por
fanão utilização, por exemplo no caso da utilização do bem abaixo do número de
utilizadores previamente definido, conforme sucede atualmente nas atuais estradas
e linhas ferroviárias concessionadas, onde a taxa de imposto a praticar deveria ser
superior e o restante derivado dos utilizadores efetivos, cuja taxa deveria ser inferior.
No entanto, uma tributação desta natureza poderia ter como constrangimento
o facto de as concessionárias regularmente integradas em grupos de sociedade,
nacionais e estrangeiros, poderem proceder à redução dos lucros mediante recurso
e utilização de preços de transferência96 como forma de diminuição dos lucros na
sociedade cuja taxa de IRC fosse agravada, não obstante o legislador ter
possibilitado o seu controlo por parte da Administração Tributária, nos termos do
artigo 63.º do Código ao prever a possibilidade de proceder «a correções
necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações
especiais com outro sujeito passivo do IRC ou do IRS, na determinação do lucro
tributável deste último devem ser efetuados os ajustamentos adequados que sejam
reflexo das correções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro».
96 Segundo António Dias e Maria Neves (Dias, António; Neves, Maria, 2014, p. 5), “uma outra forma de obter o mesmo objetivo, maximizar a rentabilidade das empresas, sem que seja necessário deslocalizar fiscalmente as operações, consiste na utilização de mecanismos que visam transferir o lucro das transações para países em que o regime fiscal permita uma maior poupança fiscal. Para o efeito, basta manipular os preços praticados nas operações realizadas entre empresas do grupo, isto é, manipular a base da tributação. Debruçando-se sobre esta mesma temática, entende o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 252/2005, de 23 de junho) que “Perscrutando a ratio subjacente à previsão do artigo 57.º do CIRC, emerge indubitavelmente que o seu âmbito de aplicação está delimitado em torno da problemática dos preços de transferência, visando acautelar as consequências resultantes de uma "facilitada" manipulação de valores fiscalmente relevantes para efeitos do cálculo do imposto devido pelo sujeito passivo numa ótica que não será de todo estranha à fenomenologia própria da evasão e fraude fiscais”.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 76
Isto porque, tal como destaca Paula Rosado Pereira, «a aplicação dos
métodos tradicionais baseados na operação constitui a forma mais direta de
determinar o preço da plena concorrência (…) Contudo existem numerosos fatores
que dificultam, ou impedem mesmo, a aplicação dos referidos métodos. Um deles é
a falta de operações comparáveis entre entidades independentes em resultado da
estrutura de mercado, designadamente no caso da existência de oligopólios ou
monopólios. (…) A complexidade da questão dos preços de transferência,
largamente reconhecida pelos Estados e pelas instituições internacionais, é
agravada pelo facto de o universo em que se situa - as operações efetuadas entre
entidades relacionadas – se encontram em contínua evolução.»97
Todavia, a apontada questão poderia ter um impacto reduzido nos casos em
que o imposto incidisse especificamente sobre o lucro decorrente de compensações
às concessionárias por falta de utilização do bem em número inferior ao estimado.
4.2. Sobretaxa de IRC incidente sobre as receitas
Conforme anteriormente se teve oportunidade de abordar, a tributação das
sociedades não tem que cingir-se unicamente ao rendimento real por si obtido. Pelo
que uma outra forma de tributação a equacionar poderia ter como base de incidência
apenas parte das receitas das concessionárias.
O caminho a trilhar por esta via não é novo no nosso sistema fiscal e poderia
ser formalizado em termos análogos e com as devidas adaptações ao preconizado
em sede de IRS, pela Lei n.º 49/2011, de 7 de setembro, a qual aprovou a sobretaxa
extraordinária sobre os rendimentos sujeitos àquele imposto, auferidos no ano de
2011. Esta sobretaxa, registe-se, incide sobre os rendimentos englobáveis das
várias categorias do IRS mas apenas na parte que excede o valor anual do salário
mínimo (artigo 72.º-A, do CIRS)98 e consubstancia um acrescento, apenas, a parte
97 Paula Rosado Pereira, O Novo Regime dos Preços de Transferência, In Fiscalidade n.º 5. Lisboa, 2001, p. 39 e 46. 98 “Sobre a parte do rendimento coletável de IRS que resulte do englobamento nos termos do artigo 22.º, acrescido dos rendimentos sujeitos às taxas especiais constantes dos n.º 3, 4, 6 e 10 do artigo
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 77
do rendimento coletável do IRS, embora divergindo deste último, atenta a sua taxa
proporcional, retenções e deduções próprias.
Outro exemplo a ter em linha de conta na construção legal da sobretaxa
proposta advém da Lei 12-A/2010, de 30 de junho, que aprova um conjunto de
medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a
redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos
no PEC, através da qual foram aditados ao CIRC os artigos 87.º-A99, 104.º-A e
105.º-A, referentes à derrama estadual.
Assim, relativamente às receitas obtidas por via das concessões poderia criar-
se uma taxa adicional sobre o rendimento, com deduções próprias ou até sem
deduções, no caso das compensações por utilização abaixo do estimado, onde a
existir, face à maior facilidade de apuramento de custos incorridos pelas
concessionárias, haveria lugar a uma dedução fixa, porventura previamente
graduada em função da diferença entre a percentagem não utilizada e aquela que é
garantida.
4.3. Contribuição extraordinária
Conforme já se teve oportunidade de aflorar ao debruçarmo-nos sobre a
repartição dos sacrifícios por via dos impostos, resultou do Relatório do Orçamento
de Estado para 2011 a criação de uma contribuição extraordinária sobre o setor
bancário, tendente à aproximação da carga fiscal suportada por esse setor àquela
que onera o resto da economia.
72.º, auferido por sujeitos passivos residentes em território português, que exceda, por sujeito passivo, o valor anual da retribuição mínima mensal garantida, incide a sobretaxa extraordinária de 3,5 %” (n.º 1). 99 “Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incide uma taxa adicional de 2,5 %” (n.º 1). Esta norma foi objeto de alteração posteriormente operadas pelas Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (OE 2013) e Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC, sendo escalonadas taxas diferentes consoante o nível de rendimentos, as quais variam atualmente entre os 3 e os 7%.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 78
Pretende-se, nesta parte agora em termos mais impressivos destacar as
particularidades desse novo regime e da sua possível adaptação ao setor das PPP
na parte relativa aos lucros garantidos, afastando-se do mesmo, pelo menos numa
primeira fase, os lucros restantes por via dos motivos já desenvolvidos.
Vejamos então:
O Relatório apresentado em outubro de 2010, contendo a Proposta do
Orçamento do Estado para 2011 começava por assinalar que o mesmo descrevia as
opções de política subjacentes à Proposta, definidas num panorama de grande rigor
e exigência orçamental, sobre o qual se impunham a adoção de medidas exigentes
que permitissem acelerar o processo de consolidação orçamental e assegurar o
cumprimento dos objetivos traçados pelo Governo no que respeita às metas de
ajustamento orçamental assumidas em Maio de 2010.
Nesse contexto, à semelhança de outros Estados-Membros, propôs-se a
criação de uma contribuição sobre o sector bancário, visando dois propósitos. O
primeiro e já mencionado assenta no aproximar a carga fiscal suportada por esse
setor à restante economia, de modo a contribuir de forma mais enérgica para o
esforço de consolidação das contas públicas e o outro, assente num critério de
prevenção de riscos sistémicos.
Dando corpo a essa intenção, o artigo 141.º, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de
dezembro (OE 2011), aprovou o regime que cria a contribuição sobre o setor
bancário, tendo o mesmo como base de incidência subjetiva as instituições de
crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português;
as filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal
e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de
instituições de crédito com sede principal e efetiva fora da União Europeia100 (n.º 1,
do artigo 2.º).
100 Nos termos do n.º 2, do artigo 2.º do Regime que cria a contribuição sobre o setor bancário “consideram -se instituições de crédito, filiais e sucursais as definidas, respetivamente, no artigo 2.º e nos n.ºs 1 e 5 do artigo 13.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras,
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 79
Seguindo as recomendações do relatório do ECOFIN de 2010, onde se
defendeu que o imposto a exigir às instituições financeiras poderia ter como base de
incidência o ativo, o passivo, o lucro ou outros elementos, no artigo 3.º deste regime
optou-se por uma incidência objetiva da contribuição calculada com base no passivo
apurado pelos sujeitos passivos e também sobre no valor nocional dos instrumentos
financeiros derivados fora do balanço101. No artigo 4.º acham-se previstas as taxas a
aplicar em ambos os casos, as quais variam entre 0,01% e 0,05% no primeiro e
0,00010 % e 0,00020 % no segundo102.
Nos seus artigos 5.º, 6.º e 7.º acham-se previstas, respetivamente, a forma de
liquidação e pagamento. A Portaria do Ministro das Finanças n.º 121/2011103, de 30
de março, veio regulamentar a base de incidência, as taxas, as regras de liquidação,
de cobrança e de pagamento da contribuição, nos termos do previsto no artigo 8.º e
último desse regime.
A contribuição sobre o setor bancário tem sido mantida em vigor pelos
Orçamentos de Estado posteriores à sua aprovação.104
Paralelamente à criação deste regime, a Lei n.º 55-A/2010, alterou também o
artigo 45.º do CIRC105, passando este a prever desde então [n.º 1, alínea o)], que a
contribuição para o setor bancário não representa um encargo dedutível em sede de
IRC.
Perscrutado o regime legal de contribuição lançado sobre o setor bancário e
fundamentos tidos em consideração na sua criação, afigura-se como plausível a
aprovado pelo Decreto -Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro”. Este artigo foi objeto de posterior alteração introduzida pelo artigo 185.º, da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março. 101 Alterado pelo n.º 2 do artigo 182.º da Lei n.º 64-B/2011 de 30 de Dezembro e pelo artigo 185.º, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março. 102 Alterado pelo n.º 2 do artigo 226.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (OE 2014) e pelo artigo 185.º, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março. 103 Alterada pela Portaria n.º 77/2012, de 26 de março. 104 Artigo 182.º, n.º1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (OE 2012); Artigo 252.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (OE 2013); Artigo 226.º, n.º1, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (OE/2014); Artigo 235.º, da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (OE 2015); Artigo 185.º, da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março (OE 2016); Artigo 238.º, da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (OE 2017). 105 Artigo 99.º, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 80
criação de um regime um tanto ou quanto semelhante a versar sobre as
concessionárias das PPP na respetiva proporção da percentagem detida.
Por outro lado, também à semelhança do ocorrido no setor bancário, afigura-
se como verosímil uma tributação a lançar sobre as concessionárias tendo como
base objetiva não necessariamente os lucros por elas obtidos e eventuais
constrangimentos daí decorrentes, mas antes o montante de receitas auferidos por
via das concessões, havendo ainda a distinguir em sede de graduação da taxa
aplicável aos rendimentos auferidos por utilização efetiva e compensação por falta
de utilização.
Este regime, com os frutos dados no setor bancário (quer na vertente da
receita obtida, quer da sua própria consolidação jurídica) revela-se, a nosso ver,
como sendo aquele que neste momento melhor poderia contribuir para algum
reequilíbrio da posição do Estado nos contratos de PPP, bem como para a justa
contribuição em pé de igualdade na consolidação das contas públicas.
Convém ainda salientar que em 2014, foi também introduzida sobre o setor
energético, uma contribuição extraordinária (CESE), aprovada pela Lei n.º 83 –
C/2013, de 31 de dezembro (OE 2014), mais concretamente através da criação do
regime próprio previsto no seu artigo 228.º. Segundo consta logo no artigo 1.º do
regime, o objetivo dessa contribuição visa “financiar mecanismos que promovam a
sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo
que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de
políticas sociais e ambientais do setor energético”.
A CESE incide subjetivamente sobre as pessoas singulares ou coletivas que
integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção
efetiva ou estabelecimento estável em território português e que em 1 de janeiro de
2015 se encontrem em alguma das situações definidas nas diferentes alíneas do
artigo 2.º do regime. Ou seja, no contexto atual estão abrangidas as empresas de
produção, transporte, armazenagem e distribuição de energia, incidindo
maioritariamente uma taxa sobre o valor do ativo fixo, tangível e intangível (com
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 81
exceção dos que digam respeito a direitos de propriedade intelectual) e dos ativos
financeiros afetos a concessões ou a atividades licenciadas.106 Há semelhança da
contribuição extraordinária sobre o setor bancário a CESE não é considerada um
gasto dedutível para efeitos de IRC (artigo 12.º do regime).
Inicialmente, a CESE foi criada com um carater temporário a vigorar apenas
em 2014 (segundo adiantava à época o Ministério do Ordenamento e Energia).107
No entanto, a mesma tem sido prorrogada sucessivamente mantendo-se atualmente
em vigor.
No ano seguinte, em 2015, foi a vez do Industria farmacêutica passar também
a estar sujeita a uma contribuição extraordinária, através do regime legal criado para
o efeito, previsto no artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014 – Orçamento de Estado para
2015. A contribuição então criada visa conforme consta do próprio diploma “garantir
sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) na vertente dos gastos com
medicamentos”.
Essa contribuição é devida por todas “as entidades que procedam à primeira
alienação a título oneroso, em território nacional, de medicamentos de uso humano,
sejam elas titulares de autorização, ou registo, de introdução no mercado, ou seus
representantes, intermediários, distribuidores por grosso ou apenas
comercializadores de medicamentos ao abrigo de autorização de utilização
excecional, ou de autorização excecional, de medicamentos” e incide sobre o valor
das vendas realizadas em cada trimestre, com taxas variáveis entre os 2,5% e
14,3%, dependendo do tipo de medicamento (artigos 2.º, 3.º e 4.º do regime,
respetivamente).
À semelhança das contribuições extraordinárias anteriormente assinaladas, a
criada sobre a indústria farmacêutica tem sido prorrogada sucessivamente
106 A incidência objetiva da CESE encontra-se devidamente detalhada, contendo os restantes elementos, no artigo 3.º do citado regime. 107 Conforme informação publicada no Jornal Público de 15 de outubro de 2013 sob o tema “Taxa sobre o setor energético”.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 82
mantendo-se atualmente em vigor por determinação do previsto no artigo 141.º da
Lei n.º 42/2016, que aprova o Orçamento de Estado para 2017.
Ainda no âmbito desta temática, Joaquim Miranda Sarmento e Paulo
Marques108, destacam a possibilidade de tributação das concessionárias das PPP
mediante a criação de uma taxa sobre o ativo109 ou a criação de uma prestação de
tributária fixa110. Muito embora se concorde com ambos os regimes aventados, tem-
se que o regime contribuição extraordinária sobre o setor das PPP a criar nos
moldes indicados se apresenta como um mecanismo mais simples de concretização,
atenta a sua aplicação já em prática nos setores indicados.
108 Joaquim Miranda Sarmento; Paulo Marques, As Parcerias Público-Privadas: Uma questão de tributação extraordinária, Revista do Ministério Público n.º 134, Abril-Junho de 2013, pp 245 a 273. 109 “O ativo da empresa corresponde a um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios. Por outras palavras, corresponde ao conjunto de bens e direitos necessários à manutenção da atividade da empresa, podendo apresentar-se na forma tangível (ex: edifício, máquina, etc.) ou intangível (ex: marca, patente, etc). Os impostos são normalmente baseados na riqueza (rendimento, património e despesa). Assim sendo, incidem, não raras vezes, sobre a riqueza adquirida (estática) ou em aquisição. São exemplos dos primeiros, o Imposto Municipal Sobre Imóveis (IMI) e o Imposto Único de Circulação (IUC), e dos segundos, o Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT). Destarte, quando o legislador está a tributar o valor patrimonial de um prédio urbano (artigo 1.º, do IMI) cujo proprietário é uma empresa e em que, por exemplo, funciona a sua sede, está realizar a tributação estática da riqueza, neste caso incidindo sobre um ativo fixo tangível dessa mesma empresa. Pelo que, nada parece impedir a tributação das empresas concessionárias no caso específico das Parcerias Público-Privadas de infra-estruturas rodoviárias. Deste modo, a tributação deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104.º, n.º 3, da Constituição)” Joaquim Miranda Sarmento & Paulo Marques, idem. 110 “O sistema jurídico tributário tem admitido a existência de impostos de prestação fixa (lump sum taxes) ou seja, em que o quantitativo é fixado direta e previamente pela lei, sem qualquer operação de liquidação ou apuramento (ex: contribuição para o audiovisual), resultando daqui que o montante de imposto a pagar seja, logo à partida, o mesmo a pagar por todos os contribuintes envolvidos . Como nos dá conta o Conselheiro FREITAS PEREIRA «O imposto a pagar por cada contribuinte pode ser fixado na lei através da indicação de uma importância fixa (impostos de quota fixa)». De igual modo, SOARES MARTÍNEZ ensina que «Por vezes, o legislador, renunciando à determinação da matéria coletável, ou tendo presumido uma matéria coletável que nem chega a definir, fixa o quantitativo da coleta, da prestação tributária. Assim acontecia, por exemplo, com o imposto designado por «taxa militar», cuja prestação anual era fixa. (…) Nos impostos de prestação fixa, a todas as relações que se constituem por força das respetivas normas de incidência correspondem prestações tributárias iguais”. Esta modalidade de tributo (prestação fixa) não é, necessariamente, inconciliável com os princípios da capacidade contributiva (artigo 4.º, n.º 1, da LGT) e da igualdade tributária (artigos 13.º, da Constituição, e 55.º, da LGT), diferenciando, inclusivamente, os contribuintes entre si, caso a lei preveja, por exemplo, a tributação extraordinária das empresas concessionárias de infra-estruturas rodoviárias - agentes económicos que assinaram com o Estado, em diversas situações, contratos em que não existe o necessário equilíbrio financeiro das partes, se comparamos as receitas e os riscos inerentes aos respetivos contratos”. Idem.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Pereira Página 84
IV. Conclusões
I. A partir da introdução da moeda única (euro) e com esta, a imposição dos
critérios de convergência para a sua implementação, definidos no PEC e
Crescimento, maxime, a obrigatoriedade de cumprimento dos valores de
défice orçamental e de dívida pública, os Estados-Membros aderentes à Zona
Euro viram-se destituídos da faculdade de condução das políticas monetárias
e cambial, o que também lhes afetou a disponibilidade de grandes
instrumentos de política económica.
II. No sentido de contornar os sobreditos constrangimentos orçamentais, os
referidos Estados socorrem-se de instrumentos ou soluções de engenharia
financeira e contabilidade pública criativa, de modo a não prejudicar, no plano
formal, as metas de regulação do equilíbrio ditado pelo PEC e suas
sucessivas revisões.
III. Uma das soluções recorrentes traduziu-se na convocação de capitais, gestão
e prestação de serviços pelos privados para realização de interesses
públicos, através da implementação, em alguns casos massificada, das PPP.
IV. Ideologicamente, a dinamização das PPP entronca nas ideias neoliberais de
“Estado mínimo” e de alegado incremento da evolução económica, abrindo a
privados novas áreas de investimento que, sem o envolvimento do Estado,
muitas das vezes não poderiam ser realizados, sendo antes considerados de
elevado risco.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 85
V. É também legítimo supor que, sem o envolvimento dos privados, em particular
pelos capitais por estes arregimentados (bastantes vezes, junto de
instituições financeiras internacionais, dado o porte dos investimentos), o
Estado não estaria em condições de apresentar, junto dos cidadãos, tais
benefícios.
VI. Historicamente, as PPP tiveram a sua origem no século XVII, nas vias de
comunicação em Inglaterra e posteriormente nos transportes nos Estados
Unidos e em França.
VII. Nos anos 80, as políticas de estrito neoliberalismo e monetarismo de
Margaret Thatcher e depois John Major (“Estado mínimo”) vieram dar um
novo alento às PPP, em particular na área de reabilitação urbana. Sendo no
entanto o contributo mais significativo nesta matéria a destacar a nível
europeu há época o decorrente do projeto franco-britânico do Túnel da
Mancha.
VIII. Já na governação de Tony Blair, as PPP assumem uma importância a larga
escala, assim se recorrendo sucessivamente ao setor privado para o
financiamento, construção e gestão, numa diversidade de setores entre os
quais se incluem a saúde, a educação e a defesa.
IX. O sistema assentava em três pilares fundamentais: pagamentos plurianuais,
deste modo se ampliando a capacidade de financiamento do Estado; melhor
prestação do serviço público através da imposição de critérios de qualidade
como condição para o pagamento; diminuição da despesa pública mediante a
poupança com a aquisição de infraestruturas e a capacidade de
desenvolvimento avançado presente no parceiro privado.
X. A viabilidade dos projetos e o potencial interesse público na adjudicação aos
privados passa a ser aferida mediante uma avaliação prévia do value for
money, isto é, combinando qualidade e eficiência com o menor capital inicial,
ao longo de todo o período de utilização dos bens e serviços adquiridos.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 86
XI. Essencialmente, numa análise do impacto de uma intervenção, em face do
value for money, são atendidos três critérios: economia, como minimização
dos custos dos recursos aplicados ou adquiridos; eficiência, assente na
relação entre os índices de produção e os recursos usados na sua produção;
eficácia, na relação entre os resultados esperados e os efetivamente obtidos.
XII. Em Espanha, a partir de 1997, muito por força das restrições orçamentais
impostas pela União Europeia, as PPP tomaram um novo impulso, sendo
alargadas a vários setores.
XIII. Em Portugal, na década de 90, verificava-se uma manifesta necessidade de
criação de grandes estruturas e fornecimento de serviços públicos,
imprescindíveis a uma maior competitividade económica, mas, por outro lado,
avultando os constrangimentos orçamentais ditados pelo PEC, com destaque
para o cumprimento dos critérios de convergência para a integração na
moeda única.
XIV. A solução encontrada em Portugal, como em outros Estados-Membros,
traduziu-se na procura de novas formas de contratação pública tendentes à
realização de obras necessárias, recorrendo ao setor privado para o seu
financiamento e concretização, atenta a redução do impacto nas contas
públicas e consequente défice estrutural.
XV. Na realização de grandes obras públicas e serviços de interesse económico
necessários em setores fundamentais (obras públicas, água potável e
saneamento, transportes ferroviário, rodoviário e saúde) implementaram-se
parcerias com o setor privado.
XVI. Sobre o parceiro privado impende a obtenção dos financiamentos
necessários, dispensando o Estado de desembolsar instantaneamente
recursos financeiros, a que se soma a entrega da gestão ao primeiro, tido
como mais eficiente.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 87
XVII. Não existe um conceito jurídico que defina especificamente as PPP, mas
antes diferentes práticas, consoante o fim a que cada uma se destine,
conforme refletido no respetivo contrato, variando in casu, entre outros, a
necessidade de intervenção da entidade pública, a repartição do risco e
proveitos a retirar pelas partes.
XVIII. No entanto, sempre se poderá entender que uma PPP é um contrato de longo
prazo celebrado entre o parceiro público e o privado, tendo em vista o
desenho, construção, financiamento e funcionamento de uma infraestrutura
pública, a cargo do parceiro privado, mediante pagamentos feitos a este
último ao logo do contrato, quer seja através da dotação orçamental,
diretamente pelos utentes ou num sistema misto e sendo que a infraestrutura
permanece na propriedade do Estado no fim do contrato ou reverte para este.
XIX. Muitas vezes, ao contrato principal (geralmente, uma “concessão”) acresce
uma série de outros contratos associados (exemplos: projeto de construção,
de operação e manutenção, de compra e produção, de financiamento).
XX. As PPP seguem, bastantes vezes, esquemas de financiamento sofisticados e
intrincados, que implicam a conjugação de variados contratos, o que não
abona em favor da transparência exigida na utilização e controlo de recursos
financeiros públicos e privados.
XXI. Diferentemente do que sucede na concessão, em que a remuneração
assenta no pagamento de taxas, na maior parte das situações a PPP é
financiada indiretamente pelos impostos, através de prestações fracionadas
pagas pelo Estado ao parceiro privado, segundo regras definidas aquando do
investimento inicial.
XXII. O ente público tem como objetivo primordial a satisfação do interesse público
ao mais baixo custo, ao passo que, correlativamente, o parceiro privado tem
como escopo fundamental e último da sua atuação a obtenção do lucro.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 88
XXIII. Como critério prioritário de avaliação, o value for money traduz-se, em termos
práticos, numa forma de garantir a melhor combinação de qualidade e
eficiência com o menor capital inicial ao longo de todo o período de utilização
dos bens e serviços adquiridos.
XXIV. Ademais, importará também lançar mão do comparador do setor público,
visando este proceder à comparação entre o custo hipotético do projeto caso
o mesmo, ao invés de desenvolvido no formato de PPP, fosse realizado e
financiado diretamente pelo Estado, devendo para tanto considerar-se o
ajustamento devido pelo risco do próprio projeto e todos os seus requisitos
específicos. Nomeadamente, a provisão do serviço e objetivos a alcançar.
XXV. O Tribunal de Contas, numa auditoria ao modelo de gestão, financiamento e
regulação do setor rodoviário (2012), sancionou que a contratação de uma
PPP não deverá ser justificada apenas por demonstrado formalmente o value
for money de um projeto, havendo que, previamente, aferir-se da
comportabilidade dos respetivos custos.
XXVI. A avaliação da partilha dos riscos é fundamental na ponderação da decisão a
tomar na escolha da opção por uma PPP, sob pena de sérias dificuldades de
sustentabilidade dos investimentos, uma vez que caso tais riscos não sejam
devidamente acautelados poderá o Estado ter que ultrapassar o orçamento
inicialmente calculado e, por outro, o parceiro privado acabar por não
conseguir obter o lucro inicialmente previsto ou calculado.
XXVII. O Direito da União Europeia não oferece um regime jurídico próprio e
específico das PPP, muito embora sem prejuízo de em matéria de
contratação pública vigorarem os princípios decorrentes dos artigos 49.º e
56.º, do TFUE.
XXVIII. Relevam na matéria da contratação pública as Diretivas n.º 2004/18/CE
(contratos de empreitada de obras públicas, contratos públicos de
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 89
fornecimento e contratos públicos de serviços) e 2004/17/CE (água, energia,
transportes e serviços postais), ambas do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 31 de março de 2004, transpostas para o ordenamento jurídico
nacional no Código dos Contratos Públicos, através do Decreto-Lei n.º
18/2008, de 29 de janeiro.
XXIX. O Código dos Contratos Públicos veio consagrar um instrumento
uniformizador de regulação jurídica dos contratos de PPP, mas não
disciplinou todas as matérias relativas às PPP, em particular no que diz
respeito aos procedimentos internos a observar pelo setor público, quer na
fase da preparação e desenvolvimento dos projetos, quer na fase de
execução e acompanhamento dos contratos.
XXX. A propósito dos contratos públicos e sua elaboração, haverá que atender
também aos desenvolvimentos da jurisprudência do TJCE.
XXXI. No “Livro Verde Sobre as Parcerias Público-Privadas e o Direito Comunitário
em Matéria de Contratos Públicos e Concessões” (2004), da Comissão
Europeia, surgem identificados como elementos nucleares das parcerias a
duração relativamente longa da relação de cooperação, o financiamento
(parcialmente privado) do projeto - com recurso a montagens jurídico-
financeiras complexas -, a repartição de tarefas entre o ente público e o ente
público e a repartição dos riscos entre ambos.
XXXII. Foi instituído pela primeira vez um regime legal específico para as PPP por
meio do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, depois alterado pelo Decreto-
Lei n.º 141/2006, de 27 de julho, o qual procedeu a diversas modificações ao
regime então vigente, nomeadamente no que tange à preparação de
processos de parceria e da execução dos respetivos contratos, num ténue
reforço da tutela do interesse financeiro público.
XXXIII. A aprovação do Código dos Contratos Públicos veio suscitar dúvidas quanto à
vigência de algumas disposições do referido Decreto-Lei n.º 86/2003.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 90
XXXIV. Como fragilidades do regime legal, apontam-se a falta de uma adequada
previsão sobre os mecanismos internos a observar pelo setor público no que
toca à fase da preparação e desenvolvimento dos projetos e de execução e
acompanhamento dos contratos, bem como a dispersão das competências
relativas à participação na preparação, desenvolvimento, execução e,
especialmente, acompanhamento global de processos de PPP, o que se
traduziu numa dependência do recurso a consultadoria externa mais o
inerente agravamento dos encargos suportados.
XXXV. No contexto do Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal,
o Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, foi revogado pelo Decreto-Lei n.º
111/2012, de 23 de maio, reforçando-se a avaliação prévia dos riscos de
participação nas PPP e a monitorização da sua execução, colmatando em
parte as faltas identificadas no regime legal até então vigente.
Designadamente no que diz respeito ao seu âmbito de aplicação, as
decorrentes da organização interna do setor público, a um melhor
acompanhamento por parte do Ministério das Finanças, do desenvolvimento
dos projetos (em particular, dos contratos de PPP já celebrados), assim como
à transparência, através da publicitação de documentos relacionados com
esta modalidade de contratação.
XXXVI. O novo regime conferiu grande relevância à comportabilidade orçamental dos
projetos, obrigando à realização de análises de sensibilidade, com vista à
verificação da sustentabilidade de cada parceria face a variações de procura
e a alterações macroeconómicas, contemplando ainda uma análise custo-
benefício e a elaboração de uma matriz de partilha de riscos, com uma clara
identificação da tipologia de riscos assumidos por cada um dos parceiros,
sempre que se prepare um novo projeto.
XXXVII. Foram também implementadas medidas no sentido de tornar mais
transparentes os processos relativos a PPP, designadamente, mediante a
publicitação obrigatória de vários documentos com as mesmas relacionadas.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 91
XXXVIII. O conceito de PPP surge como o contrato ou a união de contratos por via dos
quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de
forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar, mediante
contrapartida, o desenvolvimento de uma atividade tendente à satisfação de
uma necessidade coletiva, em que a responsabilidade pelo investimento,
financiamento, exploração e riscos associados incumbem, no todo ou em
parte, ao parceiro privado.
XXXIX. Para o perímetro da definição de “parceiros públicos” nos contratos de PPP
são chamadas não apenas as entidades públicas empresariais mas todas as
empresas pública, incluindo-se quaisquer outras entidades constituídas pelo
Estado, por entidades públicas estatais, por fundos e serviços autónomos ou
por empresas públicas
XL. Os instrumentos de regulação de PPP foram entretanto alargados a contratos
que anteriormente não estavam abrangidos (exemplo: subconcessões de
obras públicas e de serviços), com exclusão das concessões de sistemas
multimunicipais de abastecimento de água para consumo humano, de
saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos sólidos urbanos.
XLI. As PPP são objeto de acompanhamento, fiscalização e controlo (interno e
externo), a cargos de várias entidades.
XLII. Como marco na evolução legislativa tendente a uma melhor performance no
assegurar do interesse público nos contratos de PPP quer na sua fase de
negociação quer posteriormente no acompanhamento dos próprios projetos
ao longo da execução dos contratos, destaca-se a criação a UTAP, a qual
centraliza um conjunto de competências em matéria de definição, conceção,
preparação, lançamento, adjudicação, alteração, fiscalização e
acompanhamento das PPP.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 92
XLIII. A UTAP está incumbida de informar o Ministro das Finanças da posição
económico-financeira dos contratos de PPP e sua evolução, bem como de
referenciar as situações suscetíveis de concorrer para um eventual
agravamento do esforço financeiro do setor público.
XLIV. Como órgão de soberania e auditor externo do Estado, o Tribunal de Contas
dispõe de amplos poderes de fiscalização, controlo e auditorias das PPP,
levadas a cabo através das modalidades de fiscalização prévia, concomitante
e sucessiva.
XLV. Não se encontram abrangidos pelo regime de fiscalização preventiva os
contratos em que a remuneração do concessionário provenha exclusivamente
dos preços que os utentes pagam pelos serviços que ela presta ou pelos
bens que forneça.
XLVI. O Tribunal de Contas pode realizar a qualquer momento, por sua iniciativa ou
a solicitação da Assembleia da República ou do Governo, auditorias de
qualquer tipo ou natureza a determinados atos, procedimentos ou aspetos da
gestão financeira de uma ou mais entidades sujeitas aos seus poderes de
controlo financeiro, concluindo a final pela elaboração e aprovação de um
relatório, donde decorrem consequências legais.
XLVII. Segundo o Tribunal de Contas, em 2008, Portugal era o país Europeu com
maior percentagem de PPP face em relação ao Produto Interno Bruto, como
também em termos de impacto no Orçamento do Estado.
XLVIII. Em 2006 foi criada a UTAO, para funcionar sob orientação da comissão
parlamentar permanente com competência em matéria orçamental e
financeira, a qual presta apoio na elaboração de estudos e documentos de
trabalho técnico sobre a gestão orçamental e financeira pública.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 93
XLIX. Em 2014 a UTAO viu as suas funções reforçadas, sendo-lhe atribuídas
competências relativas às temáticas da avaliação e acompanhamento das
PPP, concessões e reequilíbrios financeiros.
L. Têm-se constatado muitas situações de acréscimo de onerosidade para o
parceiro público, relativamente às expetativas iniciais ou mesmo aos termos
efetivamente contratados, em que não se verifica uma efetiva transferência de
risco para os parceiros privados como seria expetável ou em que, pelo
menos, o parceiro público assume compromissos ou assegura taxas de
rendibilidade dos capitais privados sem correspondência no perfil de risco
efetivo do projeto.
LI. Na sequência do Programa de Ajustamento (2011), o Governo Português
procedeu à renegociação dos contratos de PPP com as concessões
rodoviárias, numa tentativa de diminuição dos encargos. Contudo, sem que a
poupança efetiva possa ainda ser devidamente quantificada, uma vez que
houve lugar a atribuição de contrapartidas pelo Estado nos processos de
negociação, sendo ainda desconhecido o seu custo efetivo e verdadeiro
impacto orçamental.
LII. A estimativa precisa dos encargos com as PPP ao longo dos anos restantes
dos contratos revela-se também prejudicada pela incerteza associada aos
constrangimentos legais previstos contratualmente que poderão (ou não) ser
acionados pelos contratantes privados (processos pendentes de decisão,
atinentes ao mecanismo de reposição do equilíbrio financeiro).
LIII. Associado à alteração de circunstâncias, o mecanismo de reposição do
equilíbrio financeiro contratualmente previsto abrange um número significativo
de situações, por vezes difíceis de elencar devido à forma genérica como se
encontram tipificadas nos contratos (exemplo: motivo de força maior) e que de
alguma forma podem comprometer a rentabilidade calculada para o projeto.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 94
LIV. A maioria dos pedidos formulados pelos parceiros privados, muitas das vezes
em sede arbitral, não tem sido aceite por se concluir pela inexistência de
fundamentos para o pagamento das compensações ou indemnizações
solicitadas.
LV. Em muitos dos casos, a contratação com recurso às PPP é incerta quanto
aos encargos globais para o Estado, pois assentam em previsões a longo
prazo que podem alterar-se a qualquer momento, sendo ainda que a
renegociação nem sempre se traduz numa diminuição de encargos ou na
manutenção da totalidade dos serviços inicialmente contratados.
LVI. Em Portugal, destaca-se nas PPP o setor rodoviário, pelo número de
parcerias, pelo valor do investimento acumulado e pelos encargos líquidos.
LVII. Nas antigas SCUT (exceto a da Beira Interior) e em duas concessões de
portagem real (Norte e Grande Lisboa), as PPP são remuneradas através de
um pagamento relativo à disponibilidade da infraestrutura (composto por uma
componente fixa e, muitas vezes, por outra ajustável em função da inflação),
sendo ainda remuneradas as concessionárias (com exceção de Norte e
Grande Lisboa) pelos custos de cobrança das portagens por elas efetuado.
LVIII. No caso da concessão da Beira Interior (ex-SCUT), o esquema remuneratório
misto assenta num regime de disponibilidade das vias e no produto da
cobrança de portagens.
LIX. Nas concessões de portagem real (Oeste, Litoral Centro, Douro Litoral,
Lusoponte e Brisa), o parceiro privado procede à cobrança direta de receitas
das portagens aos utilizadores da infraestrutura, não apresentando fluxos
financeiros correntes para o setor público (com a exceção da Lusoponte).
LX. Quanto às subconcessões rodoviárias, a remuneração das
subconcessionárias opera-se através do pagamento por disponibilidade das
vias da infraestrutura ou serviço (isto é, sobre o nível de tráfego efetivamente
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 95
verificado), havendo ainda outras responsabilidades derivadas de
pagamentos contingentes, resultantes da reformulação dos modelos
financeiros ocorrida em momento anterior à assinatura final dos contratos de
subconcessão (2009 e 2010), por alterações verificadas nos mercados
financeiros entre o lançamento dos concursos e a contratação final.
LXI. No que tange à concessão ferroviária do Metro Sul do Tejo, a remuneração
tem por base as receitas cobradas aos utilizadores do serviço, a exploração e
rendimentos derivados da exploração de áreas comerciais e parques de
estacionamentos (onde se incluem os proveitos publicitários), havendo ainda
lugar a comparticipações do Estado sempre que o tráfego de passageiros
seja inferior ao limite mínimo da banda de tráfego de referência definida no
contrato de concessão (existe um mecanismo de garantia de tráfego).
LXII. Em sentido inverso prevê-se uma compensação monetária ao Estado nos
anos em que o tráfego fique dentro ou acima da banda superior de tráfego, o
que até à data nunca se verificou.
LXIII. Já quanto à concessão da exploração do serviço de transporte suburbano de
passageiros no Eixo Ferroviário Norte-Sul, a remuneração atual compreende
apenas receitas comerciais derivadas da exploração, estando prevista a
compensação da concessionária pelo Estado em caso de pedidos de
reposição (REF).
LXIV. No setor da saúde, o modelo de parceria assenta numa diferenciação entre
as competências de gestão da infraestrutura e do estabelecimento hospitalar:
O primeiro compreende a construção e manutenção da infraestrutura do
hospital (EG Edifício) o segundo a prestação dos serviços clínicos (EG
Estabelecimento).
LXV. No caso da EG Edifício, os encargos do setor público adotam a natureza de
pagamento por disponibilidade da infraestrutura, total ou parcialmente
indexado à inflação, com base em tabelas pré-definidas.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 96
LXVI. No caso do EG Estabelecimento, os encargos são apurados em função do
nível de produção de serviços clínicos efetivamente prestados por parte de
cada unidade de saúde, da disponibilidade de alguns serviços hospitalares
específicos e do diferencial de gasto relativo a produtos de farmácia
prescritos pela unidade hospitalar face à média de um grupo de referência,
havendo ainda lugar a redução por falhas de desempenho, de serviço ou
específicas.
LXVII. O sector da segurança é composto por uma única PPP relativa à conceção,
construção, montagem, fornecimento, manutenção e gestão de um sistema
integrado de tecnologia de informação para a Rede de Emergência e
Segurança de Portugal, estabelecida entre o MAI e a concessionária SIRESP,
em que uma remuneração por disponibilidade é constituída por uma parte não
revisível, onde os montantes devidos em cada ano estão previstos
contratualmente e por uma parte revisível, em função do Índice de Preços no
consumidor, sendo ainda ajustável em função de deduções respeitantes a
falhas de desempenho e disponibilidade, que não pode exceder 8,68% da
remuneração total.
LXVIII. No campo tributário as empresas concessionárias de serviços públicos
adotam contabilisticamente a International Financial Reporting Interpretations
Committee 12 (IFRIC 12), cujos efeitos em termos fiscais são reconhecidos
caso não exista no CIRC e em legislação complementar norma que regule a
matéria de forma diferente.
LXIX. No caso do concedente pagar um valor variável em função da utilização
efetiva da infraestrutura (ou também quando pago pelos próprios utilizadores
diretamente), o ativo a reconhecer pela concessionária é um ativo intangível
que é amortizado para efeitos fiscais de acordo com o regime previsto no n.º
1 do artigo 12.º de decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 97
LXX. No caso do concedente pagar um valor fixo ao concessionário
(independentemente da utilização), este deve, nos termos da IFRIC 12,
reconhecer um ativo financeiro.
LXXI. Caso o concedente pague um valor variável em função da utilização da
infraestrutura e um valor mínimo fixo, a concessionária deve reconhecer um
ativo financeiro e um ativo intangível.
LXXII. Pelos contratos de PPP os parceiros privados apresentam-se protegidos e
numa posição diferenciada quanto às contingências e incertezas dos
mercados, sem qualquer tributação extraordinária e cobertos de uma
capacidade negocial ímpar, uma vez que dispõem de um rendimento certo e
garantido que lhes permite economicamente suportar riscos noutros negócios.
LXXIII. O tratamento diferenciado a nível fiscal dos envolvidos nos contratos de PPP
justifica-se por quanto aos restantes agentes económicos presentes nas
diferentes áreas os rendimentos futuros não se encontrarem garantidos,
situação que caso não seja acompanhado de uma tributação distinta poderá
dar origem a um eventual sentimento generalizado de injustiça distributiva.
LXXIV. As dificuldades verificadas nas renegociações das PPP e em conseguir com
essas um proveito imediato ou, pelo menos, fiavelmente quantificável para o
futuro, vem reforçar a necessidade de criação por via fiscal de uma tributação
extraordinária sobre os proveitos decorrentes deste tipo de contratos
garantidos, tendente a uma repartição generalizada dos sacrifícios de modo
justo e equitativo.
LXXV. A criação de um regime excecional poderá encontrar amparo no princípio da
capacidade contributiva (artigo 4.º, n.º 1, da LGT) e nas finalidades da
tributação (artigo 5.º, da mesma Lei), sem que colida com estas previsões, na
esteira do disposto no artigo 103.º, n.º 1, da Constituição.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 98
LXXVI. A tributação dos proveitos alcançados por via dos contratos subjacentes às
PPP terá de incidir, extraordinariamente, sobre as respetivas concessionárias
(afinal, os sujeitos passivos de imposto), mas versando apenas os lucros e/ou
proveitos resultantes deste tipo de contratos e cuja rentabilidade se encontra
garantida pelo ente público.
LXXVII. Qualquer intervenção legislativa fiscal com incidência pessoal nas sociedades
concessionárias envolvidas nos contratos de PPP terá que observar o magno
princípio da igualdade fiscal concretizado através do critério da capacidade
contributiva.
LXXVIII. A generalidade ou universalidade traduz-se no facto de a norma valer para
todos os indivíduos em situação de igualdade entre si quando colocados em
situação idêntica, sem discriminação de qualquer natureza, afigura-se como
possível uma tributação sobre as concessionárias colocadas em situação
idêntica (incidência pessoal), em consonância com princípio constitucional da
igualdade, conforme é exigido no artigo 13.º da nossa Constituição, o qual
encontra concretização no artigo 7.º n.º 3 da LGT.
LXXIX. Não estão as concessionárias intervenientes nos contratos de PPP
circunscritas a ver a sua tributação cingida ao seu rendimento real, podendo
muito bem ser objeto de uma tributação extraordinária desde que criada
dentro das limitações legais. Designadamente, porque a Constituição não
consagra a exclusividade da tributação das empresas segundo o rendimento
real, donde resulta que poderá a tributação fazer-se com incidência em outros
motivos.
LXXX. Torna-se mister destrinçar entre os lucros das concessionárias os derivados e
os não derivados a partir das vantagens obtidas dos contratos de PPP, sendo
que apenas os primeiros deverão ser objeto em sede de tributação
extraordinária.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 99
LXXXI. Uma das possibilidades de tributação poderá passar pela criação de uma
sobretaxa de IRC incidente sobre a parte do rendimento auferido pelas
sociedades detentoras de lucros derivados de contratos de PPP garantido em
função de margens de rentabilidade asseguradas pelo ente público.
LXXXII. Na graduação da sobretaxa poderá acolher-se à diferenciação entre uma
incidência sobre o lucro obtido respeitante à efetiva utilização ou não do bem
disponibilizado/garantido, cujo desgaste ou encargo para a concessionária,
pelo menos teoricamente, sempre terá um custo associado (exemplo: valor
indemnizatório pago em função das compensações devidas contratualmente
no caso da utilização do bem abaixo do número de utilizadores previamente
definido).
LXXXIII. Existe o risco das concessionárias regularmente integradas em grupos de
sociedade, nacionais e estrangeiros, poderem proceder à redução dos lucros
mediante recurso e utilização de preços de transferência como forma de
diminuição dos lucros na sociedade cuja taxa de IRC fosse agravada.
LXXXIV. Outra forma de tributação a considerar poderá ter por base a criação de uma
taxa adicional sobre o rendimento, com deduções próprias ou até sem
deduções, no caso das compensações por utilização abaixo do estimado,
onde a existir, face à maior facilidade de apuramento de custos incorridos
pelas concessionárias, haveria lugar a uma dedução fixa, porventura
previamente graduada em função da diferença entre a percentagem não
utilizada e aquela que é garantida.
LXXXV. Sem prejuízo dessas formas de tributação avançadas, afigura-se como
plausível a criação de um regime semelhante ao da contribuição lançada
sobre o setor bancário, desta feita a versar sobre as concessionárias das PPP
na respetiva proporção da percentagem detida.
LXXXVI. À semelhança do ocorrido no setor bancário, apresenta-se como verosímil
uma tributação a lançar sobre as concessionárias tendo como base objetiva
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 100
não necessariamente os lucros por elas obtidos e eventuais constrangimentos
daí decorrentes, mas antes o montante de receitas auferidos por via das
concessões. Caberia ainda distinguir em tal regime a criação de uma
graduação da taxa aplicável aos rendimentos auferidos por utilização efetiva e
compensação por falta de utilização.
LXXXVII. A proposta de uma contribuição especial com os frutos já dados no setor
bancário (quer na vertente da receita obtida, quer da sua própria consolidação
jurídica) revela-se como sendo aquele que neste momento melhor poderia
contribuir para algum reequilíbrio da posição do Estado nos contratos de PPP,
ao passo que, concomitantemente, as concessionárias passariam a contribuir
em similitude com os restantes contribuintes para o esforço adicional exigido
na consolidação das contas públicas.
LXXXVIII. Em jeito de conclusão final, poder-se-á afirmar com alguma segurança que a
criação de um regime legal visando a tributação extraordinária das
concessionárias intervenientes nos contratos de PPP, para além de possível
revela-se como uma necessidade preeminente de justiça fiscal, assente não
só nos princípios da igualdade e da capacidade contributiva mas também
como o cumprimento de uma obrigação já imposta à generalidade dos
contribuintes e em particular a outros setores de atividade visados por essa
via.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Pereira Página 101
Bibliografia ALMEIDA, Mário Aroso de - Parcerias Público-Privadas: A experiência Portuguesa.
Direito e Justiça: VI Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo, 2005.
ARAÙJO, Fernando - Introdução à Economia, Coimbra, Almedina, 2002.
CABRAL, Nazaré da Costa - As Parcerias Público-Privadas, Cadernos do IDEFF, n.º
9, Coimbra, Almedina, 2009.
CAMPOS, Diogo Leite; CAMPOS, Mónica Horta das Neves Leite - Direito Tributário,
Almedina, 2003.
CAMPOS, Diogo Leite; RODRIGUES, Benjamim Silva; SOUSA, Jorge Lopes de - Lei
Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª edição, Encontro da Escrita, 2012.
ESTORNINHO, Maria João - A Fuga para o Direito Privado, Coimbra, Almedina,
1996.
» Direito Europeu dos Contratos Públicos – Um Olhar Português, Coimbra,
Almedina, 2006.
FERREIRA, Eduardo Paz - Da Dívida Pública e das Garantias dos Credores do
Estado, Coimbra, Almedina, 1995.
FERREIRA, Eduardo Paz; Rebelo, Marta - O Novo Regime Jurídico das Parcerias
Público Privadas em Portugal, In Manual Prático de Parcerias Público-Privadas,
Lisboa: NPF Publicações, 2004.
FRANCO, António L. Sousa - Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I, 4.ª
edição, Coimbra, Almedina, 1992.
» Prefácio a Privatizações e Regulação: A Experiência Portuguesa, Lisboa,
Direção-Geral dos Impostos, 1999.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 102
GOMES, Nuno Sá – Manual de Direito Fiscal, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal,
n.º 168, Ministério das Finanças, Direcção-Geral das Contribuições e Impostos,
Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, 1993.
GUERREIRO, António Lima - Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, Rei dos Livros,
2000.
HAMILTON, J. D. - Uncovering Financial Markets Expectations of Inflation, Journal of
Political Economy, n.º 83, 1985.
LOUNGANI, P. - Oil Price Shocks and the Dispersion Hypothesis. Rochester Center
for Economic Research, Working Paper n.º 33, 1986.
MACHETE, Rui - A Administração Pública no Limiar do Século XXI: os Grandes
Desafios, Oeiras, INA, 2001.
MARQUES, Rui - As Realizações de Utilidade Social em IRC e IRS, Lisboa, Wolters
Kluwer, 2016.
» A maioridade da Lei Geral Tributária como pedra angular do sistema
tributário português, Lisboa, Revista do Ministério Público, n.º 148, 2016.
» Responsabilidade tributária subsidiária: Requiem pela Capacidade
Contributiva, Conferências Tributárias 2015/2016, Universidade do Minho,
2017.
MARTINEZ, Pedro Soares - Economia Política, 10.ª edição, Coimbra, Almedina,
2003.
NABAIS, José Casalta - Direito Fiscal, 2.ª edição, 4.ª reimpressão da edição de
2013, Coimbra, Almedina, 2005.
» Por um Estado Fiscal Suportável, Estudos de Direito Fiscal, Coimbra,
Almedina, 2001.
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 103
NUNES, António José Avelãs - A Constituição Europeia: A Constitucionalização do
Neoliberalismo, Coimbra, Coimbra Editora, 2006.
PEREIRA, Paula Rosado - O Novo Regime dos Preços de Transferência,
Fiscalidade n.º 5, Lisboa, Edição do Instituto Superior de Gestão, 2001.
» Lições de Fiscalidade, Volume II, Almedina, 2015.
POMBEIRO, António - As PPP/PFI Parcerias Público Privadas e a sua Auditoria,
Áreas Editora, 2003
RODRIGUES, João Pedro Silva - Algumas reflexões em torno da efetiva
concretização do princípio da capacidade contributiva, In Estudos em Homenagem
ao Conselheiro J. M. Cardoso da Costa, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 2004.
SARMENTO, Joaquim Miranda; MARQUES, Paulo - As Parcerias Público-Privadas:
Uma questão de tributação extraordinária. Revista do Ministério Público n.º 134,
Abril-Junho de 2013.
VASQUES, Sérgio - O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade
Tributária, Almedina, 2008.
VAZ, Manuel Afonso - Direito Económico - A Ordem Económica Portuguesa, 4ª
edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1998.
Ciber bibliografia:
AZEVEDO, Maria Eduarda Azevedo - Tese de Doutoramento em Direito, As
Parcerias Público-Privadas: Instrumento de uma Nova Governação Pública,
Faculdade de Direito de Lisboa, 2008. Obtido em 2016, a partir do endereço:
http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/159/2/18247_ulsd_re383_TESE.pdf
Boletins Anuais das PPP (2012 - 2016). Obtidos a partir do endereço: www.utap.pt
A Tributação das Parcerias Público-Privadas
Rui Miguel do Coito Alves Pereira 104
Estrutura de Acompanhamento dos Memorandos, Gabinete do Secretário de Estado
Adjunto do Primeiro Ministro - A Gestão do Programa de Ajustamentos 2011 I 2014,
1000 dias 450 medidas. Obtido em 2016, a partir do endereço:
http://www.portugal.gov.pt/media/1413075/20140508%20seapm%20gestao%20paef.
Jornal Público de 15 de outubro de 2013. Obtido em 2017, a partir do endereço:
www.publico.pt/2013/10/15/economia/noticia/taxa-sobre-o-sector-energetico-
pretende-arrecadar-153-milhoes-de-euros-1609243 (Taxa sobre o sector energético,
2013).
Observatório Permanente da Justiça Portuguesa - Parcerias Público-Privadas, Uma
Análise Comparada de Diferentes Experiencias, Centro de Estudos Sociais, Outubro
de 2007. Obtido em 2017, a partir do endereço:
http://ces.uc.pt/pt/investigacao/projetos-de-investigacao/projetos-
financiados/parcerias-publico-privadas-e-justica
Ministério das Finanças - Programa de Estabilidade 2016-2020. Obtido em 2016, a
partir do endereço:
https://www.parlamento.pt/Documents/2016/Abril/PE2016_20_vf.pdf
Relatório e Contas da sociedade Brisa SA 2016. Obtido em 2017, a partir do
endereço: http://web3.cmvm.pt/sdi/emitentes/docs/PC63655.pdf
Tribunal de Contas - Relatório de Auditoria ao Modelo de Gestão, Financiamento e
Regulação do Setor Rodoviário, 2012. Obtido em 2015, a partir do endereço:
http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2012/audit2012.shtm