A Triplice Muralha Druidica

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  • 8/14/2019 A Triplice Muralha Druidica

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    Crculo Inicitico de Hermes

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    A Trplice Muralha Drudica1

    por Ren Gunon em Smbolos da Cincia Sagrada, Editora Pensamento, Brasiltraduo: J. Constantino Kairalla Riemma

    edio C:.I:.H:.: Fr. Goya

    O Sr. Paul Le Cour assinalou na revista Atlantis, de julho-agosto de 1928, um curioso smbolotraado sobre uma pedra drudica descoberta por volta de 1800, em Suvres (Loir-et-Cher), e que havia sidoanteriormente estudada pelo Sr. E.-C. Florance, presidente da Sociedade de Histria Natural. e Antropologiade Loir-et-Cher. Este ltimo pensa que a localidade em que foi encontrada essa pedra poderia ter sido o lugarda reunio anual dos druidas, situado, segundo Csar, nos confins do pas dos Carnutos2. Sua ateno foiatrada pelo fato de que o mesmo signo encontra-se num sinete de oculista galo-romano, encontrado por voltade 1870, em Villefranche-sur-Cher (Loir-et-Cher), e lana a idia de que poderia representar uma trplicemuralha sagrada. Esse smbolo, de fato, formado por trs quadrados concntricos, ligados entre si por quatro

    linhas em ngulo reto (Fig. 1).

    Fig.01

    No mesmo momento em que aparecia o artigo da Atlantis, o Sr. Florance era informado de queidntico smbolo estava gravado sobre uma grande pedra de embasamento de um contraforte da igreja deSainte-Gemme (Loir-et-Cher), pedra que parece, alis, ter procedncia anterior construo dessa igreja, e

    que poderia mesmo remontar ao druidismo. certo alm do mais que, como muitos outros smbolos clticos,em particular o da roda, essa figura permaneceu em uso at a Idade Mdia, visto que o sr. Charbonneau-Lassay assinalou-a entre os "graffiti" do torreo de Chinon3, juntamente com outra no menos antiga, formadade oito raios e circunscrita por um quadrado (Fig. 2), que se encontra sobre o "btilo"4 de Kermaria estudadopelo Sr. J. Loth5 e ao qual j tivemos ocasio de nos referir em outra parte6. O Sr. Le Cour indica que osmbolo do trplice quadrado encontra-se, tambm, em Roma, no claustro de So Paulo, que data do sculoXIII, e que, mais ainda, era conhecido na Antiguidade por outros, alm dos celtas, visto que ele prprio otinha observado por diversas vezes na Acrpole de Atenas, sobre as lajes do Partenon e do Erection.

    Fig.02

    1 Publicado na revistaLe Voile dsis,jun. 1929.2 Csar diz: in finibus Carnatum; a interpretao nos parece passvel de alguma dvida, poisfines nem sempresignifica confins, mas sim, freqentemente, o prprio pas. Por outro lado, no parece que se tenhaencontrado em Suvres nada que lembre o Omphalos que, no Meionemeton da Glia, devia ser representadopor menir, de acordo com o uso dos povos clticos.3Le Coeur rayonnant du donjon de Chinon.4 O btilo usualmente definido como pedra sagrada, considerada como a morada de um deus. (N.T.)5LOmphalos chez les Celtes, naRevue des tudes anciennes, jul.-set. 1915.6 O Rei do Mundo, Cap. IX;LOmphalos, symbole du Centre, na Regnabit,jun. 1926.

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    A interpretao do smbolo em questo, como representando uma muralha trplice, nos parece muitojusta. O Sr. Le Cour, a esse respeito, estabelece uma relao com o que diz Plato, que, ao falar da metrpoledos atlantes, descreve o palcio de Poseidon como edificado no centro de trs muralhas concntricas, ligadasentre si por canais, o que forma, com efeito, uma figura anloga que estamos tratando, porm circular aoinvs de quadrada.

    Agora, qual pode ser a significao dessas trs muralhas? Pensamos, imediatamente, que deviatratar-se de trs graus de iniciao, de tal forma que o seu conjunto poderia ser, de certo modo, arepresentao da hierarquia drudica. O fato de que essa mesma figura encontrada em outros povos alm dosceltas indicaria a existncia, em outras formas tradicionais; de hierarquias constitudas sob o mesmo modelo,o que perfeitamente normal. A diviso da iniciao em trs graus , alis, a mais freqente e, poderamosdizer, a mais fundamental. Todas as demais apenas representam, em suma, em relao quela, subdivises oudesenvolvimentos mais ou menos complicados. O que nos deu essa idia foi o conhecimento que tivemos,anteriormente, de documentos que, em certos sistemas manicos de altos graus, descrevem precisamente tais

    graus como muralhas sucessivas traadas ao redor de um ponto central7. Seguramente, esses documentos soincomparavelmente menos antigos que os monumentos dos quais estamos tratando, mas nem por isso pode-sedeixar de ver neles um eco de tradies que lhe so muito anteriores, e, ao menos, nos fornecem nestacircunstncia um ponto de partida para interessantes comparaes.

    preciso esclarecer que a explicao que propomos no , em absoluto, incompatvel com a dealguns outros, tal como a examinada pelo Sr. Le Cour, que relaciona as trs muralhas aos trs crculos daexistncia reconhecidos pela tradio cltica. Esses trs crculos, que se encontram sob outra forma nocristianismo, so tambm os mesmos "trs mundos" da tradio hindu. Nesta, alm disso, os crculos celestesso, s vezes, representados por muralhas concntricas ao redor do Mru, ou seja, a Montanha Sagrada quesimboliza o "Plo" ou o "Eixo do Mundo", o que uma concordncia das mais notveis. Longe de seexclurem, as duas explicaes se harmonizam perfeitamente, e poderamos mesmo dizer que elas coincidemnum certo sentido, pois, se for o caso de iniciao real, seus graus correspondem a igual nmero de estados doser, e esses estados so descritos em todas as tradies como mundos diferentes, pois deve ficar bem claro que

    a "localizao" tem apenas um carter puramente simblico. J explicamos, a propsito de Dante8

    , que oscus so na verdade "hierarquias espirituais", isto , graus de iniciao e, evidentemente, referem-se aomesmo tempo aos graus da existncia universal, pois, como dizamos ento9, em virtude da analogiaconstitutiva do Macrocosmo e do Microcosmo, o processo inicitico reproduz de forma rigorosa o processocosmognico. Acrescentaremos que, de um modo geral, a propriedade de toda interpretao verdadeiramenteinicitica a de no ser jamais exclusiva, mas, ao contrrio, compreender sinteticamente em si prpria todasas demais interpretaes possveis. por isso, alis, que o simbolismo, com os seus mltiplos e superpostossentidos, o meio de expresso normal de todo verdadeiro ensinamento inicitico.

    Com essa mesma explicao, o sentido das quatro linhas dispostas em forma de cruz, e que ligam astrs muralhas, torna-se de imediato muito claro: so os canais por meio dos quais o ensinamento da doutrinatradicional se comunica de alto a baixo, a partir do grau supremo, que o depositrio desse ensinamento,repartindo-se hierarquicamente pelos demais graus. A parte central da figura corresponde, portanto, "fontedo ensinamento", da qual falam Dante e os "Fiis de Amor"10, e a disposio crucial dos quatro canais que

    dela partem identificam-se aos quatro rios do Pardes.A esse respeito convm notar que existe, entre a forma circular e quadrada da figura, uma nuanceimportante, ou seja, elas se referem respectivamente ao simbolismo do Paraso Terrestre e da JerusalmCeleste11. Com efeito, sempre h analogia e correspondncia entre o comeo e o fim de um ciclo qualquer,mas, no fim, o crculo substitudo pelo quadrado, o que indica a realizao daquilo que os hermetistas

    7 O Sr. Le Cour registra que o ponto central encontra-se assinalado na maior parte das figuras vistas por ele naAcrpole de Atenas.8O Esoterismo de Dante, Cap. II.9Ibidem, Cap. VI.10 Ver nosso artigo na revistaLe Voile dIsis, fev. 1929.11O Rei do Mundo, Cap. XI; sobre as relaes entre o Paraso Terrestre e a Jerusalm Celeste, ver tambmOEsoterismo de Dante, Cap. VIII.

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    designam simbolicamente como a "quadratura do crculo"12; a esfera, que representa o desenvolvimento daspossibilidades mediante a expanso do ponto primordial e central, transforma-se num cubo, quando essedesenvolvimento concludo, e alcana o equilbrio final para o ciclo considerado13.

    Para aplicar de modo mais especfico essas consideraes questo que nos ocupa no momento,diremos que a forma circular deve representar o ponto de partida de uma tradio, o que bem o caso no quediz respeito Atlntida14, e que a forma quadrada o seu ponto de finalizao, que corresponde constituiode uma forma tradicional derivada. No primeiro caso, o centro da figura seria ento a fonte da doutrina,enquanto que, no segundo, seria precisamente o reservatrio, tendo a a autoridade espiritual um papel deconservao; mas o simbolismo da "fonte de ensinamento" aplica-se, por certo, tanto a um como ao outro15.

    Do ponto de vista do simbolismo numrico, preciso notar ainda que o conjunto dos trs quadradosforma o duodenrio. Disposto de outro modo (Fig. 3), esses trs quadrados, aos quais se juntam ainda quatrolinhas em cruz, constituem a figura na qual os antigos astrlogos inscreviam o zodaco16. Essa figura eratambm considerada como a de Jerusalm Celeste, com suas doze portas, trs em cada um dos lados, o quepossui uma relao evidente com a significao que acabamos de indicar para a forma quadrada.

    Fig.03

    Haveria, sem dvida, muitas outras relaes para considerar, mas pensamos que essas indicaes, pormais incompletas que possam ser, contribuiro para trazer alguma luz sobre a misteriosa questo da trplicemuralha drudica.

    12 A quadratura no pode ser obtida no devir ou no prprio movimento do ciclo, pois ela exprime a fixaoresultante da passagem ao limite; e, sendo todo movimento cclico verdadeiramente indefinido, o limite nopode ser alcanado percorrendo-se de modo sucessivo e analtico todos os pontos correspondentes a cadamomento do desenvolvimento da manifestao.13 Seria fcil estabelecer aqui uma relao com o smbolo manico da pedra cbica, que se refere tambm idia de acabamento e perfeio, isto , realizao da plenitude das possibilidades compreendidas numcerto estado. [Cf. Cap.48]14 necessrio deixar bem claro que a tradio atlante no , contudo, a tradio primordial para o presenteManvantara, e que ela prpria secundria em relao tradio hiperbrea; s de modo relativo que sepode tom-la como ponto de partida, no que diz respeito a certo perodo que apenas uma das subdivises doManvantara.15 A outra figura que reproduzimos mais acima (Fig. 2) apresenta-se muitas vezes sob a forma circular: ento uma das variedades mais habituais da roda. Essa roda de oito raios , sob certos aspectos, equivalente aoltus de oito ptalas, mais particular s tradies orientais, do mesmo modo que a roda de seis raios equivaleao lrio, que tem seis ptalas (veja os nossos artigos [Cap.50] Os Smbolos da Analogia e [Cap.8]A Idia deCentro nas Tradies Antigas).16 As quatro linhas em cruz, so, ento, colocadas diagonalmente em relao aos dois quadrados extremos, e oespao compreendidos entre eles fica dividido em doze tringulos retngulos iguais.