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 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 9, V. 17, p. 234 – 245, jan./jun. 2001. 234 A UNIVERSIDADE: COMPROMISSO COM A EXCELÊNCIA  E INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO* Sálvio de Figueiredo Teixeira Ministro do Superior Tribunal de Justiça e Pro- fessor universitário. SUMÁRIO: Saudação. O sistema educacional bra- sileiro e a evolução do ensino superior no País. A postura do educador e do universitário. Os objeti- vos da Universidade. A missão e os compromis- sos da Universidade no mundo contemporâneo. SAUDAÇÃO Ao comparecer a esta Casa, que presta homenagem e serviços à educa- ção em nosso País, para proferir esta “Aula Magna” na inauguração do seu novo campus universitário, nesta bela e histórica cidade do Recife, além de agradecer o honroso convite e saudar a presença de tantas pessoas gradas, dese-  jo ass ina lar , ant es de mai s nada, o qu anto me envaidece aqu i es tar , nes te Est ad o de tão profundas e ricas tradições, notadamente no plano cultural, de que é exemplo esse admirável GILBERTO FREIRE, cujo centenário de nascimento o País, orgulhoso, comemora nesta semana e cuja obra tanto tem a ver com a formação da cultura brasileira. Como educador e aprendiz, e sob tais sentimentos e emoções, sinto- me em casa, neste convívio agradável e estimulante com a Universidade pernambucana, com o universitário que a freqüenta e justifica e com os seus prestigiosos e qualificados docentes. * Aula in augural da Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO, novo c ampus u niversitári o na cidade de Recife, em 13/03/2000.

A Universidade Compromisso Com a Excelência

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  • Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Pblico Dist. Fed. Territ., Braslia, Ano 9, V. 17, p. 234 245, jan./jun. 2001.234

    A UNIVERSIDADE: COMPROMISSO COM A EXCELNCIA E INSTRUMENTO DE TRANSFORMAO*

    Slvio de Figueiredo TeixeiraMinistro do Superior Tribunal de Justia e Pro-fessor universitrio.

    SUMRIO: Saudao. O sistema educacional bra-sileiro e a evoluo do ensino superior no Pas. Apostura do educador e do universitrio. Os objeti-vos da Universidade. A misso e os compromis-sos da Universidade no mundo contemporneo.

    SAUDAO

    Ao comparecer a esta Casa, que presta homenagem e servios educa-o em nosso Pas, para proferir esta Aula Magna na inaugurao do seunovo campus universitrio, nesta bela e histrica cidade do Recife, alm deagradecer o honroso convite e saudar a presena de tantas pessoas gradas, dese-jo assinalar, antes de mais nada, o quanto me envaidece aqui estar, neste Estadode to profundas e ricas tradies, notadamente no plano cultural, de que exemplo esse admirvel GILBERTO FREIRE, cujo centenrio de nascimentoo Pas, orgulhoso, comemora nesta semana e cuja obra tanto tem a ver com aformao da cultura brasileira.

    Como educador e aprendiz, e sob tais sentimentos e emoes, sinto-me em casa, neste convvio agradvel e estimulante com a Universidadepernambucana, com o universitrio que a freqenta e justifica e com osseus prestigiosos e qualificados docentes.

    * Aula inaugural da Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO, novo campus universitrio na cidadede Recife, em 13/03/2000.

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    O SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO E A EVOLUO DOENSINO SUPERIOR NO PAS

    Aps citar ALCEU AMOROSO LIMA, para quem a Universidadetem suas razes na prpria natureza dos homens e das coisas, aduzia, em1977, o Professor MARCO MACIEL, atualmente Vice-Presidente da Re-pblica, que a evoluo da cultura fenmeno resultante da prpria evolu-o dos grupos sociais, impondo-se o sistema universitrio como instru-mento adequado elaborao e difuso de conhecimentos e tcnicas que associedades exigem para a realizao de seus objetivos1 .

    No caso brasileiro, porm, segundo ANSIO TEIXEIRA, h de aten-tar-se para a circunstncia de que

    a descoberta da Amrica pelos europeus, nos fins do sculoquinze, deu lugar a uma transplantao da cultura europia paraeste Continente. Tal empreendimento constituiu, porm, umaaventura impregnada de duplicidade. Proclamavam os europeusaqui chegarem para expandir nestas plagas o cristianismo, mas,na realidade, movia-os o propsito de explorao e fortuna. Ahistria do perodo colonial a histria desses dois objetivos a seajudarem mutuamente na tarefa real e no confessada daespoliao continental2.

    A vida do recm-descoberto Continente foi, assim, aduziu o saudosoeducador, justificadamente um dos cones da educao no Brasil, desde ocomeo, marcada por essa duplicidade fundamental: jesutas e bandeiran-tes; f e imprio, religio e ouro.

    Na mesma linha, observa tambm o Prof. BELM TEIXEIRA, nosanos cinqenta, que

    1 A Universidade e o aperfeioamento democrtico, in As grandes diretrizes da Universidade brasileira,UFMG, 1977.

    2 Valores proclamados e reais nas instituies escolares brasileiras, in Educao no Brasil textos sele-cionados, MEC, 1976.

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    os problemas educacionais brasileiros no so de natureza apenaspedaggica, mas implicam a participao de todos os grandescomplexos culturais que esto na base de nossa formao: soigualmente histricos, econmicos e polticos e cada uma dessasperspectivas deve ser considerada detidamente, referida aoconjunto, se quisermos iluminar, com a verdade, a face doproblema pedaggico3.

    Neste contexto, chegou a educao at ns.

    Com avanos e retrocessos tem sido a evoluo do nosso sistemaeducacional. E no tem sido diferente em relao ao ensino superior, queno Pas se implantou com atraso bem maior e de forma marcadamentelenta.

    Embora a Universidade de Bolonha, a mais antiga de quantas se co-nhece, j conte com mais de 900 (novecentos) anos, a experincia universi-tria brasileira ainda muito jovem. E ainda estamos a formular o modeloque mais se adapte s nossas origens, ao nosso meio, nossa cultura e snecessidades da nossa gente.

    Durante o perodo de Colnia, muitas eram as restries da Corteportuguesa a entravar o nosso desenvolvimento na rea educacional. Nose estimulava o ensino profissional e nem o surgimento de escolas e insti-tuies culturais.

    No Imprio e na Primeira Repblica, por sua vez, sem embargo dosurgimento das nossas primeiras escolas de cunho profissionalizante, a exem-plo das Escolas de Direito, Engenharia e Medicina, e no obstante o valorcultural das misses estrangeiras que aqui chegaram, trazendo cientistas eartistas, pequena, na realidade, foi a contribuio para a formatao de ummodelo cultural brasileiro.

    3 Apud VARGAS, Jos Israel, Universidade, cincia e educao, UFMG, 1988.

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    A pesquisa cientfica e social e o estreitamento de vnculo do ensinosuperior com o sistema educacional somente tiveram incio com a criaodas nossas primeiras Faculdades de Filosofia, Cincias e Letras.

    A reforma universitria e o crescimento numrico do sistema de ensi-no superior marcaram, segundo os especialistas, a dcada de sessenta, evo-luo esta que teve seqncia com a adoo de um novo modelo, decorren-te da criao da Universidade de Braslia.

    Nessa fase, expandiu-se tambm o setor privado do ensino superior,mas sempre com a assistncia pblica. E optou-se pelo modelo norte-ame-ricano, calcado em ensino, pesquisa e extenso.

    Na dcada seguinte, surgiram os cursos de ps-graduao, tendo sidoincentivadas as atividades ligadas ao desenvolvimento cientfico etecnolgico, sendo de notar-se que, atualmente, h um novo surto de valo-rizao e acesso aos cursos de doutorado, mestrado e especializao, ps-graduao lato sensu.

    A todos esses fatores, acresa-se a circunstncia de o Pas, a partir de1964, ter imergido em um regime ditatorial, em manifesto prejuzo no cam-po das liberdades pblicas e individuais, sabidamente nocivo ao avano dacultura.

    Em sntese, poder-se-ia dizer com o ilustre Prof. CAVALCANTI DEALBUQUERQUE que a implantao do ensino superior no Brasil

    foi e tem sido uma luta, uma conquista social: o ensino superiortem sido apresentado e visualisado, em primeiro lugar, como umaesperana de afirmao cultural; em segundo lugar, como umadas alternativas para o pas superar dependncias em relao aoexterior e como opo para as regies e os Estados superarematrasos relativos. E, em terceiro lugar, ele considerado via dedesenvolvimento econmico e social, pois atravs do ensinosuperior se pode elevar a produtividade da mo-de-obra,diversificar a qualificao profissional, fomentar a inovao em

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    todos os sentidos e, principalmente, distribuir a renda e osbenefcios do crescimento4.

    A POSTURA DO EDUCADOR E DO UNIVERSITRIO

    No se nega que muito se tem feito pela educao no Brasil. Estats-ticas recentes, noticiando o incremento da permanncia do escolar em salade aula, so motivo de satisfao. O acesso Universidade sem dvidaaumentou. Daqui mesmo, de Recife, quantas vocaes no precisavam seencaminhar a Coimbra para adquirir o grau universitrio, antes da criaodos primeiros cursos jurdicos no Brasil. Hoje, praticamente no h quemdeixe de estudar por falta de oportunidades. H dificuldades e sacrifcios,sim. Mas estes fazem parte da existncia.

    Igualmente certo , no entanto, que, se muito tem feito pela educaono Brasil, muito ainda resta por fazer.

    O salto quantitativo mensurvel pelos dados estatsticos. O saltoqualitativo, entretanto, est vinculado ao esforo de cada um. Todos estamossendo conclamados a esse esforo nacional voltado ao aprimoramento doaprendizado.

    E talvez melhor fosse dizer aprendizado, em lugar de ensino, consi-derando que a cada dia mais se fortalece a certeza de que mais que trans-misso de conhecimentos o que efetivamente h um empenho concentra-do no aprender.

    Aprende-se de muitas formas. Hoje, a disseminao das informaese a possibilidade de comunicao a tempo real fazem descortinar um uni-verso de conhecimento a que nossos antepassados nunca tiveram acesso.Basta um computador pessoal e uma senha para a navegao na internet,

    4 A insero da Universidade na realidade brasileira, UFMG, 1977.

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    at com dispensa dos provedores. Bancos de dados, empresas e outros or-ganismos disponibilizam essa vasta rede mundial de informaes a qual-quer interessado.

    Diante desse potencial enorme de informaes, seria at de se inda-gar se faz sentido destacar-se aulas prelecionais, expositivas e tradicionaisquando a fonte do conhecimento est disponibilizada a qualquer pessoadotada de um mnimo de curiosidade.

    H, em suma, de se repensar o papel do educador. A transmisso delereclamada j no se centra no repositrio do conhecimento tcnico, senona experincia de vida. O educador h de ser sobretudo um estimulador,para que o estudante saiba no s se valer do contedo de informaespostas sua disposio, mas tambm selecionar dentre elas as mais teis,uma vez que a multiplicao de informaes, como se tem alertado, podeat ser prejudicial inexperincia da juventude.

    Muito mais importante, ainda, ser a capacidade de o educador trans-mitir emoo e carter. Essa, a sua misso primeira e mais relevante, quan-do se sabe que a estrutura do nosso conhecimento clssico est aliceradana razo. Ns, os educadores, em regra, somos formados e continuamosfiis aos esquemas do racionalismo. Precisamos descobrir, agora, aepistemologia da existncia, o existir como condio para ver o mundo,que inclui, em primeiro lugar, a emoo, a cultura do corao. Porque se arazo reduz a fora de descobrir, a emoo que nos leva a ser originais.

    O cultivo da emoo um trabalho conjunto dos estudantes e dosmestres. Estes dependem da empatia dos alunos para uma entrega plena tarefa de aprender junto, que aquilo em que consiste o magistrio univer-sitrio, quando se sabe que a Universidade o lugar da proposio do novo,a instncia de onde poder provir a alternativa mais adequada ao tratamen-to das grandes questes que nos motivam, e inquietam. Nessa linha, alis,como assinalado pela Professora CLLIA CAPANEMA, a nfase dada naDeclarao mundial sobre o ensino superior para o sculo XXI, snteseda Conferncia mundial, realizada de 5 a 9 de outubro de 1998, em Paris,

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    sob o patrocnio da Unesco, a pregar investimento na qualidade do ensino ena gerao de conhecimentos novos5.

    H um mundo aberto transformao. O Brasil precisa retomar oritmo do seu desenvolvimento educacional, para colocar-se ao lado dasgrandes civilizaes. E dispe de todos os requisitos essenciais a esse pro-jeto: populao jovem e criativa; tradio de solidariedade; uma lngua co-mum. A diversidade a inspirar a convivncia de muitas etnias, todasharmonicamente na partilha do mesmo solo frtil, generoso e extenso. Na-o alguma do mundo ostenta biodiversidade como a nossa, e tantos ma-nanciais de gua, extraordinria riqueza natural.

    Esse, o caminho a ser trilhado agora pela Universidade brasileira. Aquantidade est sendo atingida, embora ainda admita maior crescimento,pois a oferta precisa acompanhar a demanda por educao. A qualidade,todavia, depende do empenho pessoal de cada educador e de cada estu-dante.

    Da as colocaes hauridas na lucidez de JOS RENATO NALINI,educador dos mais talentosos sob a tica da contemporaneidade, ao dizersobre o que se exige do educador e do universitrio brasileiros.

    O que se reclama do primeiro?

    Paixo pelo processo educacional, pois no se consegue fazer enten-der aquele que encara a misso de ensinar como algo burocrtico, despidode entusiasmo, transmisso formal de algumas verdades estabelecidas, de-sempenho de emprego ou mera forma de subsistncia.

    5 J no seu prembulo, essa Declarao alm de ressaltar o direito de todos educao, com suporteinclusive na Declarao universal dos direitos do homem(art. 26), destaca os valores da tica e do rigorcientfico e intelectual e recomendam que os estabelecimentos de ensino superior devem definir sua mis-so em conformidade com as necessidades presentes e futuras da sociedade, assinala a demanda atual, semprecedente, no domnio do ensino superior, a desempenhar papel vital no desenvolvimento socio-culturale econmico no sculo XXI(ww.unesco.org/education/)

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    Renovao permanente, dado que a atualizao a regra de ouro parao educador, que precisa manter acesa e com a mesma intensidade, a chamade educar. Tornar cada aula a mais interessante, a mais atraente, a maisapaixonante possvel.

    Conscincia de forja, quando se sabe que o educador no intelectu-al socialmente descomprometido, mas sua responsabilidade confiado omais valioso capital brasileiro: o futuro da juventude. Juventude que preci-sa ser forjada ao exerccio da cidadania com dignidade.

    Cidadania o direito a ter direitos, na clssica lio de HANNAHARENDT. Carter o espelho da grandeza do homem. Integra um sistemade valores que agrega a lealdade, o compromisso, a ajuda mtua, ocompanheirismo, a confiana, a inteireza de propsitos, no dizer deGAUDNCIO TORQUATO.

    reforando o carter que se prepara a Nao para o enfrentamentoda globalizao. Naes mais ricas e desenvolvidas no conseguem debe-lar a violncia que se propaga nas escolas, ceifando vidas e impregnandojovens cada vez mais novos. O Brasil tem condies de mostrar uma vidaestudantil em que o companheirismo, o esporte, os torneios cvicos e asmaratonas, as gincanas e os bailes, ocupem com vantagem esse lugar trgi-co da violncia gratuita.

    Outros pases no conseguiram superar as barreiras raciais e os con-flitos persistem qual chaga insuscetvel de cicatrizao. O Brasil tem con-dies de ensinar ao mundo que a diferena torna mais atraente o convvioe que a miscigenao uma receita deliciosa.

    A mocidade, desperta para uma participao ativa na resoluo dosproblemas brasileiros, no encontrar bices ao exerccio de uma criatividadeconseqente. Todos irmanados, encontraro o justo equilbrio entre acompetitividade e a partilha, entre a auto-realizao e o estmulo ao cresci-mento alheio, entre o desenvolvimento sustentado e a preservao dopatrimnio ambiental.

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    A riqueza interior do brasileiro reflete-se em sua msica, em suapoesia, em sua alegria e em sua criatividade, valores incomensurveis nomundo contemporneo. Basta verificar a transmigrao das grandes for-tunas nas ltimas dcadas. Deixaram a produo material e encontrarampouso naqueles que criaram alternativas novas no mundo das comunica-es. Neste ponto, o brasileiro encontra alternativas que os mais racio-nais, de intelecto fabricado ao sabor das velhas concepes, no chegama vislumbrar.

    E o que se espera do universitrio?

    Conscincia universitria, uma vez que a parcela dos privilegiadosque alcana os bancos da Universidade tem um compromisso com aquelesque ficaram beira do caminho.

    saudvel compenetrar-se de que de cada um de ns muito se espe-ra, pois a cada um de ns, muito foi confiado, em sofrimento, recursos eesperanas.

    Participao, na medida em que a Ptria uma construo diuturna, acada dia subtrada pelas defeces, omisses, descaso ou desalento, mastambm das aes positivas individuais e coletivas. Cada gesto positivoacrescenta um saldo sua edificao.

    Cobrana, porque o envolvimento em um projeto nacional legitima oestudante a cobrar de seus dirigentes uma postura compatvel com as exi-gncias da nacionalidade.

    Hoje mais fcil cobrar dos homens pblicos a fidelidade aosseus compromissos. Todos tm acesso ao e-mail, gratuito e disponvel,e as mensagens desses formadores de opinio calam fundo dentre osque diariamente cronometram o consentimento da populao s suascondutas. A seo de cartas ao leitor dos principais jornais, a utilizaode abaixo-assinados, os telegramas, as mensagens individuais fazempensar melhor o legislador, o detentor de cargo executivo e at mesmoo juiz.

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    OS OBJETIVOS DA UNIVERSIDADE

    O Prof. CAIO TCITO, em conferncia proferida em Minas Gerais,nos anos setenta, aps destacar que em todos os tempos nunca foi a Univer-sidade apenas um organismo voltado formao profissional de nvel su-perior, misso imediata e quotidiana porque dela depende basicamente oacesso a um estgio superior da sociedade, alertou para o papel essencialdas elites universitrias na reviso e difuso dos valores culturais. E assimesquematizou suas quatro finalidades fundamentais:

    a) a prestao do ensino superior, visando a oferecer ashabilitaes legais necessrias ao exerccio das profisses;b) a pesquisa cientfica com o duplo objetivo de integrao noprocesso didtico e ainda de busca e domnio do conhecimentocientfico (cincia pura);c) a prestao de servios comunidade e s atividades produtivas(cincia aplicada);d) a formao de elites dirigentes e a avaliao dos problemasnacionais e regionais, atravs da difuso e ampliao da cultura6 .

    A MISSO E OS COMPROMISSOS DA UNIVERSIDADE NOMUNDO CONTEMPORNEO

    As comemoraes alusivas aos quinhentos anos do nosso descobri-mento, assim como as transformaes decorrentes da mudana de sculo emilnio, esto a induzir-nos a uma reflexo mais aprofundada a propsitodo mundo em que vivemos, do estgio atual da civilizao humana, dasinstituies que nos governam e dos valores que nos regem.

    Vive-se uma nova era, em uma sociedade competitiva, exigente eveloz, de mudanas significativas, talvez por isso mesmo geradora de cri-

    6 A estrutura da Universidade e as exigncias do meio brasileiro, UFMG, 1977.

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    ses que se multiplicam: crises de governo, de Estado, de segurana, de ha-bitao, sade, moralidade, educao. A esto as guerras, a violncia, afome, o desemprego, a misria, as drogas, o analfabetismo, a infnciadesprotegida e outros males que esto a povoar o nosso cotidiano. Mas,paralelamente a tais indicadores, vive-se tambm um mundo sem prece-dentes em termos de conquistas cientficas e tecnolgicas. A espantar-nos,pelos seus avanos, temos o laser, o DNA, a engenharia gentica, as plulasdo homem e da mulher, a informtica e seus computadores, os satlitesartificiais, o rdio, a televiso e os variados aparelhos eletrnicos de ltimagerao, os meios de comunicao e de transporte cada vez mais eficientes,rpidos e seguros.

    um formidvel mundo novo, muito mais sedutor que o idealizadopor HUXLEY e bem diferente do descrito pelos profetas da futurologia,um mundo construdo pelos gnios e milhares de annimos, pelos que lu-tam pelos direitos fundamentais da cidadania, pelos direitos humanos deprimeira, segunda e terceira gerao. Os primeiros, de resistncia s agres-ses do Estado-Poder, direitos liberdade. Os segundos, de cunho predo-minantemente social, igualitrio, para exigir prestaes positivas do Esta-do-Governo, dentre os quais o direito educao7. Os terceiros, direitos auma melhor qualidade de vida, ao meio-ambiente saudvel, ao direito deser feliz.

    Nesta moldura, de carncias e conquistas, cabe educao, esobretudo Universidade, como ponto culminante da pirmide do sis-tema dos seus valores, indicar os rumos da transformao social e doprogresso da civilizao, quando se recorda que o sistema educacio-nal de um povo o reflexo mais ntido do estgio histrico em quevive a comunidade, espelhando o ideal de homem projetado por essasociedade.

    7 Como registrou com aguda percepo a Professora Mnica Jacqueline Sifuentes, em tese acadmica,recorrendo idia matriz da paidia grega, o direito educao passou a ser mensurado como um valorde cidadania e de dignidade da pessoa humana, itens essenciais ao Estado democrtico de Direito.

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    Se quisermos, e este o apelo que nos desafia, juntos poderemosrealizar este que, mais que uma utopia, o sonho de todos ns: um mundosem tantas desigualdades sociais e agresses, um mundo de paz, mais jus-to, solidrio e feliz.

    Sendo a Universidade a instncia do novo, o centro de cultura porexcelncia e a alavanca para o desenvolvimento, mais do que qualquer ins-tituio ela o instrumento maior para a transformao da sociedade e aconstruo desse novo mundo.

    Da a razo para acreditarmos que esta Universidade, ao instalar oseu novo campus neste fecundo e denso relicrio cultural que o Recife,bero de tantos fatos histricos e hericos da gente brasileira, alm das suasaspiraes de crescimento quantitativo, acolha em seu iderio tambm ocompromisso com a excelncia do ensino superior no Pas e com a trans-formao da sociedade brasileira.

    Que Deus a ilumine nessa direo.