27
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Direito do Ambiente Regente: Professor Doutor Vasco Pereira da Silva Assistente: Doutor João Pedro Oliveira Miranda A Utilização de Algas Para a Produção de Biocombustíveis Uma Oportunidade Para Portugal Andreia Patrícia Duarte da Costa Nº. 18018 Subturma 9 20 de Maio de 2012

A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Direito do Ambiente

Regente: Professor Doutor Vasco Pereira da Silva

Assistente: Doutor João Pedro Oliveira Miranda

A Utilização de Algas

Para a Produção de

Biocombustíveis

Uma Oportunidade Para

Portugal

Andreia Patrícia Duarte da Costa

Nº. 18018 Subturma 9

20 de Maio de 2012

Page 2: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

2

Índice

- Introdução…………………………………………………………………………….…….Página 3

- Os Princípios Jus-Ambientais em Jogo……………………………..…………………..Página 4

- Energia e Desenvolvimento Sustentável - As Falhas do Actual Paradigma de

Crescimento………………………………………………………………………………….Página 6

- A Alternativa das Energias Renováveis – Consciencialização a Nível

Internacional………………………………………………………………………………….Página 7

- A União Europeia na Dianteira da Promoção das Energias Renováveis - As Directivas

sobre Biocombustíveis………………………………………………………………………Página 8

- Quadro Normativo Actual a Nível Europeu……………………………..………………Página 9

- O Quadro Normativo Actual em Portugal…………………………………….………..Página 11

- As Alternativas dentro da Alternativa – As Fontes de Energia Renováveis

Existentes…………………………………………………………………………………...Página 13

- Potencialidades e Problemas da Utilização de Biocombustíveis……………..…….Página 15

- A Utilização de Algas como Alternativa para a Produção de Biocombustíveis…....Página 17

- Tipos de Algas com Potencial Energético e Questões Relativas à sua

Obtenção……………………………………………………………………………………Página 20

- Biomassa Algal versus Biomassa Terrestre – As Vantagens e as Desvantagens da

Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis………………...…………..Página 21

- A Questão da Viabilidade Económica………………………………….………………Página 23

- Porque é que Portugal Deveria Investir na Produção de Biocombustíveis a partir das

Algas?........................................................................................................................Página 23

- Conclusão…………………………...…………………………………………………….Página 26

- Bibliografia………………………………………………………………………………...Página 27

Page 3: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

3

Introdução

A procura de recursos limpos que permitam assegurar as necessidades energéticas futuras

constitui um dos maiores desafios da atualidade. O crescente preço dos combustíveis e o

foco internacional sobre o impacto ambiental das emissões de gases com efeito de estufa

têm conduzido a uma nova tendência. Trata-se de uma tendência verde, conducente à

procura de recursos renováveis e ao desenvolvimento de tecnologias limpas, que suportem

a indústria e as necessidades do mercado mundial.

Na União Europeia, o setor dos transportes é responsável por cerca de um quarto das

emissões de gases com efeito de estufa, pelo que é da maior importância procurar formas

de reduzir as emissões poluentes deste setor, quer através de veículos mais limpos e

eficientes, quer através da utilização de biocombustíveis que permitam reduzir a

dependência energética dos combustíveis fósseis. Os biocombustíveis constituem recursos

não-tóxicos, biodegradáveis e renováveis, estando associados à redução das emissões de

gases com efeito de estufa. Como tal, constituem os biocombustíveis uma alternativa

energética cada vez mais explorada.

Contudo, a utilização desta fonte de energia não é isenta de problemas, especialmente no

que toca à sua concorrência com os bens alimentares. Ora, o fabrico da atual geração de

biocombustíveis, com recurso a culturas alimentares (como a canola, o milho, a soja, a cana

de açúcar, o amendoim, entre outros…), tem conduzido a um aumento dos preços dos

alimentos, com graves repercussões ao nível das condições de vida de muitas populações.

Concomitantemente fala-se do problema do agravamento da desflorestação e das elevadas

emissões de gases com efeito de estufa geradas pelo seu cultivo nalgumas zonas,

nomeadamente em terrenos ricos em carbono.

Posto isto, na busca de alternativas para fornecer energia efectivamente mais verde, forte

entusiasmo tem vindo a gerar-se em torno do grande potencial oferecido pelas algas,

enquanto fonte energética renovável. Neste domínio, as algas afiguram-se como uma

alternativa promissora para a próxima geração de biocombustíveis, sendo de destacar o seu

potencial para a produção de biodiesel.

É esta temática que irei explorar na presente exposição, apresentando um conjunto de

argumentos pelos quais, em última análise, Portugal deveria apostar nesta alternativa

energética.

Page 4: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

4

Os Princípios Jus-Ambientais em Jogo

O Princípio do Desenvolvimento Sustentável

A Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu artigo 66º nº1, dita que todos têm

direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o

defender. Posto isto, consagra, no seu nº2, algumas incumbências do Estado, que, por

meio de organismos próprios e com o envolvimento dos cidadãos, deve assegurar o direito

ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável.

O desenvolvimento sustentável constitui um princípio jus-ambiental, tendo começado por

assumir um alcance meramente económico. Na verdade, começou por consistir numa

chamada de atenção para a necessidade de conciliação da preservação do meio ambiente

com o desenvolvimento socioeconómico. No entanto, este princípio assume hoje uma

dimensão jurídica, maxime na ordem constitucional, ao estabelecer uma exigência de

ponderação das consequências para o meio ambiente de qualquer decisão jurídica de

natureza económica tomada pelos poderes públicos. Concomitantemente, estabelece um

requisito de validade daquelas decisões, pelo que medidas insuportavelmente gravosas

para o ambiente ficarão feridas de inconstitucionalidade. Como tal, a máxima do

desenvolvimento sustentável obriga à fundamentação ecológica das decisões jurídicas de

desenvolvimento económico, estabelecendo a necessidade de ponderar, em cada caso,

tanto os benefícios de natureza económica como os prejuízos de ordem ambiental.

Este princípio coloca-se com especial acuidade na problemática das energias alternativas,

como melhor se explorará infra. Desde já fica a nota de que, não obstante a atual

dependência energética, a solução do problema não passa apenas pela garantia de fontes

primárias de energia que a forneçam de forma abundante, segura e economicamente

acessível. O princípio do desenvolvimento sustentável exige que tais fontes sejam,

concomitantemente, limpas, ou, pelo menos, o mais limpas possível.

Os Princípios da Prevenção e Precaução

Nos termos do artigo 66º nº2 a) da CRP, para assegurar o direito ao ambiente, no quadro

de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado (…) prevenir e controlar a poluição

e seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão.

Um dos princípios constitucionais fundamentais, que sem ser privativo do direito do

ambiente, aqui assume grande relevância e especificidade, é, pois, o princípio da prevenção

em sentido amplo (que abrange a prevenção em sentido estrito e a precaução), e que tem

como finalidade evitar lesões do meio ambiente. Tal implica a capacidade de antecipação

de situações potencialmente perigosas, de origem natural ou humana, capazes de pôr em

risco os componentes ambientais, de modo a permitir a adopção dos meios mais

adequados para afastar a sua verificação ou, pelo menos, minorar as suas consequências.

Posto isto, o que está aqui em causa é a tomada de medidas destinadas a evitar a

produção de efeitos danosos para o ambiente, e não a reação a tais lesões. Num sentido

estrito, a prevenção visa apenas evitar perigos imediatos e concretos, de acordo com uma

lógica imediatista e atualista. Por sua vez, o afastar de eventuais riscos futuros, mesmo que

não ainda inteiramente determináveis, de acordo com uma lógica mediatista e prospetiva,

cabe ao princípio da precaução. Tendo em conta a posição de VASCO PEREIRA DA

SILVA, seguirei, na presente exposição, a noção ampla do princípio da prevenção.

Page 5: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

5

No que à matéria das energias renováveis respeita, é evidente, o peso deste princípio nas

opções tomadas. Sem prejuízo de uma análise mais aprofundada sobre este ponto, são

bem conhecidos os impactos ambientais inerentes ao atual paradigma energético, marcado

pela utilização massiva de combustíveis fósseis. Como tal, a opção por fontes de energia

alternativas visa, essencialmente, a minimização dessas lesões ao meio ambiente.

Princípio do Aproveitamento Racional dos Recursos Disponíveis

De acordo com o artigo 66º nº2 d) da CRP, para assegurar o direito ao ambiente, no quadro

de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado (…) promover o aproveitamento

racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a

estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações.

Este princípio ambiental, de um modo geral, vem chamar a atenção para a escassez dos

bens da natureza, proibindo a tomada de decisões públicas que conduzam ao

esbanjamento ou à delapidação dos recursos. Obriga, assim, à adopção de critérios de

eficiência ambiental na tomada de decisões no exercício dos poderes públicos (seja no

âmbito legislativo e político, seja a nível administrativo), de modo a racionalizar o

aproveitamento dos recursos naturais existentes, os quais são esgotáveis.

Ora, este princípio assume especial valia no domínio da energia, implicando a adopção de

estratégias de eficiência energética e de poupança de recursos. As medidas adotadas que,

neste ponto, não adotem critérios de eficiência, devem ser consideradas como

transgressoras dos padrões constitucionais e, como tal, inconstitucionais.

Princípio do Poluidor-Pagador

Dita o artigo 66º nº2 h) da CRP que, para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um

desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado (…) assegurar que a política fiscal

compatibilize o desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida.

A máxima do poluidor-pagador, que nasceu no quadro do direito internacional

(designadamente sob a égide da OCDE), decorre da consideração de que os sujeitos

económicos, que são beneficiários de uma determinada atividade poluente, devem

igualmente ser responsáveis no que respeita à compensação dos prejuízos que resultam

para toda a comunidade do exercício dessa atividade. Concomitantemente, os custos de

reconstituição da situação, assim como as medidas de prevenção necessárias para prevenir

ou minimizar comportamentos de risco para o ambiente, devem igualmente ser

compensados. Posto isto, trata-se de um princípio que assume três funções primordiais: a

de internalização/redistribuição, a de reparação e a de prevenção dos custos ambientais. E

aqui assume a maior importância a política fiscal adotada em cada momento, por um lado

como forma de penalizar e dissuadir certas condutas lesivas para o ambiente (através dos

impostos e taxas), por outro como instrumento de incentivo de boas práticas ambientais

(através dos benefícios fiscais, por exemplo).

No que à temática da energia respeita, este princípio assume grande importância. Não só

se manifesta ao nível da penalização e dissuasão de condutas (pense-se na tributação

automóvel e nos impostos especiais de consumo, com incidência sobre os produtos

petrolíferos), mas também ao nível do incentivo de práticas ecológicas. Como melhor

veremos infra, esta segunda vertente do princípio do poluidor-pagador assume a maior valia

Page 6: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

6

para o incremento das energias renováveis. As fontes alternativas de produção de energia

dependem, regra geral, de caros investimentos em investigação e tecnologia, pelo que só

com a ajuda e incentivos estaduais, designadamente ao nível das subvenções e isenções

fiscais, é que se poderá estimular o investimento nestas energias.

Energia e Desenvolvimento Sustentável – As Falhas do Actual Paradigma de

Crescimento

A característica fundamental e dominante do período posterior ao início da revolução

industrial, em meados do século XVIII, foi a aceleração da utilização global da energia.

Neste período, a utilização de energia convertida a partir de combustíveis fósseis,

nomeadamente do carvão e petróleo, tornou-se líder, tendência que continuou, de modo

ascendente, durante os séculos XIX e XX. Ora, a revolução energética constitui um

notabilíssimo feito do engenho humano, tendo contribuído para uma melhoria decisiva da

qualidade de vida das populações. A maior capacidade de utilização de energia permitiu

suportar as aplicações da ciência moderna e da tecnologia aos mais diversos domínios da

atividade humana, desde a medicina, às engenharias e à produção agrícola. Em suma,

pode afirmar-se que a energia é a principal base de sustentação do atual paradigma de

crescimento económico, pelo que sem fontes primárias de energia abundantes e a custos

acessíveis não será possível continuar a assegurar o crescimento social e económico à

escala global das últimas décadas, tanto nos países desenvolvidos como nos países em

desenvolvimento.

Cerca de 80% das fontes primárias de energia a nível mundial são combustíveis fósseis e,

de acordo com os cenários de referência da Agência Internacional da Energia (AIE), esta

percentagem irá crescer 50% até 2030, a um ritmo médio anual de 1,6%. Os combustíveis

fósseis serão a fonte primária dominante, assegurando 83% do aumento da procura da

energia entre 2004 e 2030. Ainda de acordo com os cenários apontados pela AIE, temos

que, em termos absolutos, a maior procura será a de carvão, com a China e a Índia a

representar cerca de 80% dessa procura até 2030. Face a estas perspetivas, FILIPE

DUARTE SANTOS, afirma que a questão da sustentabilidade dos sistemas energéticos

para o desenvolvimento económico e social se manifesta de três formas distintas. A

primeira é a da segurança no acesso à energia, tendo em conta o profundo desequilíbrio

geográfico existente entre os principais países produtores e consumidores de petróleo e de

gás natural. Ora, os países mais desenvolvidos, onde o consumo de energia per capita é

maior, designadamente os EUA, o Canadá, o Japão, a Austrália e os países da Europa

Ocidental, estão a tornar-se cada vez mais dependentes da importação daqueles

combustíveis, sendo patente a vulnerabilidade do acesso à energia, especialmente em

situações de crise ou conflito.

A segunda componente da sustentabilidade dos sistemas energéticos é a acessibilidade

económica aos serviços de energia, sendo que esta está manifestamente em decréscimo,

face ao aumento brutal dos preços do petróleo e do gás natural nos últimos anos

(especialmente desde 2008), com consequências ao nível da subida da inflação nos países

importadores. Este aumento deve-se essencialmente à conflitualidade geoestratégica em

várias regiões do globo (especialmente no Médio Oriente), à especulação, ao crescente

Page 7: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

7

aumento dos investimentos necessários para suportar os maiores custos de produção em

jazigos novos (de exploração mais difícil) e ao aumento da procura.

Finalmente, a terceira componente apontada é a da sua compatibilidade ambiental, que, na

minha ótica, deveria ser apontada em primeiro lugar. Não basta a garantia de fontes

primárias de energia que a forneçam de forma abundante, segura e economicamente

acessível. E imperativo que a utilização dessas fontes não provoque impactos negativos

sobre o ambiente e não ponha em perigo a saúde das populações. Na verdade, e

subscrevendo as palavras de VASCO PEREIRA DA SILVA, seja em que domínio for, (…) o

risco zero em matéria ambiental não existe, o que significa que os sistemas associados à

utilização de qualquer fonte primária de energia têm sempre algum impacto no ambiente.

Há, porém, exemplos manifestamente gravosos, como é especialmente o caso dos

combustíveis fósseis, cuja combustão em larga escala, ao longo de muitas dezenas de

anos, gera a acumulação na atmosfera dos gases emitidos, nomeadamente do dióxido de

carbono, gás com efeito de estufa. É hoje aceite pela comunidade científica que o aumento

da concentração atmosférica de dióxido de carbono e de outros gases nocivos está a

intensificar o efeito de estufa na atmosfera e, por conseguinte, a provocar alterações

climáticas no globo. Posto isto, e assumindo a dependência do atual paradigma de

desenvolvimento da utilização crescente de energia a nível global, é inevitável procurar gerir

e minimizar, na medida do possível, os impactos negativos da utilização de algumas formas

primárias de energia, assim como procurar alternativas sustentáveis, mais amigas do

ambiente.

A Alternativa das Energias Renováveis – Consciencialização a Nível Internacional

No seguimento do que foi dito supra, se é incontestável que os combustíveis fósseis tiveram

um papel decisivo no grande salto tecnológico ocorrido com a revolução industrial, também

é verdade que a Revolução Ecológica do final do século XX despertou os Estados e os

operadores económicos para a necessidade de apostar em fontes de energia renováveis,

em complemento ou mesmo em substituição das fontes que até então detinham o

protagonismo.

De facto, elas encontram-se hoje no centro das atenções políticas, económicas e

ambientalistas, desde logo no plano internacional. Os impactos ambientais da utilização de

certas fontes de energia e a escassez dos recursos energéticos não têm fronteiras, o que

força os Estados à cooperação internacional neste domínio. Logo na Declaração de

Estocolmo de 1972, afirmaram os Estados, no princípio 3, que a capacidade do Globo de

produzir recursos renováveis essenciais deve ser mantida e, sempre que praticável,

restaurada ou melhorada. Vinte anos depois, na Declaração do Rio, enfatizou-se, no

princípio 7, a necessidade de cooperação internacional no sentido da conservação,

protecção e restauração da qualidade dos ecossistemas terrestres, segundo um princípio de

responsabilidades comuns mas diferenciadas, de acordo com o nível de desenvolvimento

dos Estados. No entanto, foi seguramente o Protocolo de Quioto de 1997 que impulsionou o

tema da energia a partir de fontes renováveis, em virtude do imperativo de redução das

emissões de gases de efeito de estufa para a atmosfera e, por conseguinte, da diminuição

da utilização de combustíveis fósseis. Por sua vez, o Plano de Acção para a Energia,

forjado na Cimeira de Joanesburgo em 2002, fez um apelo ao concerto dos Estados no

Page 8: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

8

sentido da promoção da acessibilidade às fontes de energia, da eficiência energética e das

energias renováveis, entre outros objectivos. Dois anos depois, em Junho de 2004, realizou-

se em Bona a Conferência Internacional sobre as Energias Renováveis, na qual os Estados

acentuaram a necessidade de promoção da investigação científica e do financiamento de

projetos de produção de energia a partir de recursos renováveis (especialmente

determinantes no contexto da promoção do combate à pobreza e ao subdesenvolvimento),

mau grado não se ter alcançado um consenso quanto à fixação de um índice de produção

de energia a partir daquelas fontes no plano global.

Actualmente, está em preparação a Conferência das Nações Unidas sobre

Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), a realizar nos dias 20 a 22 de Junho de 2012,

sendo que uma das temáticas em análise será, precisamente, a da utilização da ciência e

tecnologia para o desenvolvimento sustentável. Os temas da eficiência energética e do

incentivo às energias renováveis continuam, pois, na ordem do dia.

A União Europeia na Dianteira da Promoção das Energias Renováveis - As Directivas

sobre Biocombustíveis

Apesar da crescente consciencialização a nível internacional quanto ao problema

energético, curiosamente do texto do Tratado de Roma não constou, durante décadas,

qualquer referência à produção de energia, não havendo qualquer base habilitante em sede

de política energética. Essa ausência era tributária essencialmente da estreita aliança entre

exploração de recursos energéticos e soberania nacional, da qual os Estados não quiseram

abdicar. No entanto, este vazio habilitante não inibiu a Comunidade de ir produzindo algum

sedimento legislativo nesta matéria, especialmente após a alteração introduzida, com o

Tratado de Amsterdão, no então artigo 175º nº2 c) do Tratado de Roma, que abriu caminho

a, nas palavras de CARLA AMADO GOMES, uma via verde para a energia no ordenamento

eurocomunitário. Esta disposição constituiu, assim, base habilitante para a aprovação das

Directivas nº 2001/77 (green electricity directive) e nº 2003/30 (green fuels directive).

Cumpre relembrar que a aprovação destas directivas foi levada a cabo já no contexto do

compromisso assumido pela União Europeia junto da ONU, no quadro da Convenção sobre

Alterações Climáticas e o do Protocolo de Quioto, ratificado pela UE em 2002.

Procedendo a um pequeno apontamento sobre a green fuels directive, temos que esta

directiva pretendeu implementar a estratégia gizada no Conselho Europeu de Gotemburgo

(de Junho de 2001), tendente à adopção de medidas de promoção do desenvolvimento

sustentável, entre as quais o incremento da utilização de biocombustíveis. Ora, como se

afirma no considerando 4 da directiva, o sector dos transportes é responsável por mais de

30% do consumo final de energia da Comunidade e encontra-se em expansão, tendência

que, tal como acontece com as emissões de dióxido de carbono, deverá acentuar-se. No

seguimento, diz-nos o considerando 6: Uma utilização mais intensa de biocombustíveis nos

transportes faz parte do pacote de medidas necessárias para dar cumprimento ao protocolo

de Quioto e de qualquer pacote de políticas para o cumprimento de novos compromissos

nesta matéria. Posto isto, a directiva salientou a necessidade de promoção da investigação

e desenvolvimento tecnológico neste domínio, sendo que a questão dos custos não foi

ignorada (abriu-se a porta à criação de incentivos fiscais e outro tipo de apoios

mobilizadores da produção de biocombustíveis). No que ao conteúdo regulatório da green

Page 9: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

9

fuels directive respeita, é de salientar essencialmente três pontos. Nos termos do artigo 3º

nº1, foi feito um apelo à colocação nos mercados de uma proporção mínima de

biocombustíveis e outros combustíveis renováveis, por parte dos Estados Membros. Em

segundo lugar, foi estabelecido, no artigo 3º nº4, um dever de avaliação de impactos

ambientais dos biocombustíveis introduzidos, tendo prioridade aqueles que revelassem

melhor relação custo/eficácia, sem prejuízo das vertentes da competitividade e da

segurança no abastecimento. Por fim, foi imposta a obrigação de rotulagem específica nos

postos de venda, sempre que a percentagem de biocombustível misturada com derivados

do petróleo excedesse determinado nível, nos termos do artigo 3º nº5. A directiva

estabeleceu ainda valores de referência, que correspondiam, designadamente, a uma quota

de mercado de 2% para os biocombustíveis em 2005 e de 5,75% para 2010. No entanto, a

Comissão constatou, em 2006, que a quota não fora além dos 1,4% na generalidade dos

Estados Membros, pelo que, na Estratégia da União Europeia no domínio dos

biocombustíveis – COM(2006), ponderou a revisão da green fuels directive.

Posto isto, o Conselho Europeu de Bruxelas, de Março de 2007, inaugurou a noção de

Política Energética Europeia, aliando soberania estadual e solidariedade na realização do

mercado interno. De acordo com as conclusões da presidência, a política energética

europeia orienta-se em função de três objectivos, nomeadamente o incremento da

segurança de abastecimento, o fortalecimento da economia europeia e a promoção do

desenvolvimento sustentável e do combate às alterações climáticas. Na verdade, foi nesta

reunião do Conselho Europeu que nasceu o famoso soundbyte dos 20%: 20% de produção

de energia a partir de fontes renováveis até 2020 (10% para biocombustíveis); 20% de

redução de emissões de gases com efeito de estufa até 2020; 20% de ganhos de eficiência

até 2020. O Plano de Acção para a Energia, que acolheu este objetivo dos três 20’s,

culminou na aprovação do Pacote Clima-Energia, o qual inclui, entre outras, a atual directiva

sobre energias renováveis e biocombustíveis (Directiva nº 2009/28).

A título de curiosidade, note-se que todos os diplomas incluídos neste Pacote Clima-Energia

foram aprovados ainda ao abrigo das bases de competência da política ambiental e da

consolidação do mercado interno, uma vez que só em Dezembro de 2009 é que a UE viu

formalmente consagrada, no TFUE, uma Política Energética Comum.

Quadro Normativo Actual a Nível Europeu

No que respeita à meteria das energias renováveis e, em especial, dos biocombustíveis,

vigora atualmente no quadro comunitário a Directiva nº 2009/28, que veio substituir as

directivas green electricity e green fuels, revogando a maior parte do articulado daquelas. O

sistema instituído por este instrumento normativo entrou plenamente em vigor a 1 de

Janeiro de 2012, nos termos do seu artigo 27º nº3.

De um modo geral, pode-se dizer que esta directiva trouxe várias inovações, não só de

carácter geral, mas também em matéria de biocombustíveis. No que toca às primeiras,

cumpre assinalar a fixação de uma quota mínima de 20% de energia produzida a partir de

fontes renováveis para 2020, a qual deixa de ser meramente indicativa (como era nos

termos dos artigos 3º da Directiva nº 2001/77 e 3º da Directiva nº 2003/30) e passa a ser

vinculativa, nos termos do artigo 3º e Anexo I/B da atual directiva (embora não se cominem

Page 10: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

10

sanções para os Estados que não consigam cumprir os objectivos); o entrelaçamento entre

a produção de energia a partir de fontes renováveis e a promoção de medidas de eficiência

energética (de acordo com os considerandos 17 e 18 e com o artigo 13º nº4); a criação de

um mercado europeu de certificados verdes, a partir da identificação do volume de energia

renovável produzida por garantias de origem, a implementar, nos termos dos artigos 6º e 7º,

através de transferências estatísticas controladas pelos Estados; e o apelo à cooperação

entre Estados Membros entre si, e entre estes e terceiros Estados, com vista à aquisição de

energia produzida a partir de fontes renováveis, a consumir na UE (artigos 7º a 10º).

Relativamente às inovações em sede de biocombustíveis, é de salientar a fixação, pelo

artigo 3º nº4, de uma quota mínima de 10% de biocombustíveis utilizados pelo sector

rodoviário de cada Estado Membro; a diferenciação entre biocombustíveis e biolíquidos

(sendo que não todos produzidos a partir da biomassa e têm fins energéticos, mas só os

primeiros são adstritos ao sector dos transportes e, como tal, só eles são considerados para

o cômputo dos 10%), nos termos do artigo 2º h) e i); a fixação de regras especiais para o

sector da aviação, definidas no artigo 5º, relativamente à contagem do consumo final bruto

de energia, que passa por uma indexação geral a um valor de 4, 12%; o estabelecimento de

um método de cálculo do impacto ambiental do uso de biocombustíveis, que pondera tanto

a redução de emissões derivada da substituição de combustíveis fósseis, como o eventual

acréscimo de emissões decorrente da alteração do uso dos solos agrícolas, previsto no

artigo 19º; e a definição de critérios de sustentabilidade dos biocombustíveis, para efeitos

de cômputo da quota de 10%, quer sejam produzidos na UE, quer em Estados não

membros, nos termos dos artigos 5º nº1, 17º e 18º.

A par destas medidas, é de salientar o carácter inovatório da Directiva nº 28/2009 na parte

em que conjuga as várias políticas comunitárias. Com efeito, e na sequência da Estratégia

da União Europeia no domínio dos biocombustíveis, temos que a questão da reconversão

energética no sector dos transportes envolve, simultaneamente, a política agrícola comum

(PAC), a política ambiental, a protecção dos direitos fundamentais das pessoas

(designadamente direito à saúde e direitos dos trabalhadores) e as relações externas da UE

(muito especialmente, mas não exclusivamente, no quadro do Mecanismo de

Desenvolvimento Limpo, criado pelo Protocolo de Quioto). Merece um pequeno

apontamento a conexão existente entre a matéria dos biocombustíveis e a política

ambiental da UE, que constitui, nas palavras de CARLA AMADO GOMES, o cordão

umbilical das energias renováveis. Esta conexão implica, desde logo, a sujeição da opção

de produção e utilização de biocombustíveis à filtragem necessária da Avaliação de Impacto

Ambiental, nos termos das Directivas nºs 85/337 e 97/11 (relativas à avaliação dos efeitos

de determinados projetos públicos e privados no ambiente), ou da Avaliação de Incidências

Ambientais, nos termos da Directiva nº 92/43 (sobre conservação de habitats naturais de

fauna e flora). Tais projetos poderão sujeitar-se, concomitantemente, ao regime da

Informação em Matéria de Ambiente, previsto no Regulamento nº 1367/2006 (relativo *a

aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação,

participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de

ambiente).

Page 11: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

11

O Quadro Normativo Actual em Portugal

Estando aqui em causa um sector regulado pelo direito da União Europeia, o regime vigente

em matéria de biocombustíveis na ordem jurídica portuguesa é, em larga medida,

semelhante àquele que consta das directivas. Neste sentido, temos desde logo o artigo 1º

do DL 117/2010, de 25 de Outubro, que abre com a enumeração dos instrumentos

comunitários que transpõe, nomeadamente a Directiva nº 28/2009.

À semelhança da Directiva nº 28/2009, o artigo 3º deste diploma começa por enumerar

critérios de sustentabilidade que os biocombustíveis devem respeitar, os quais são

concretizados nos artigos 4º a 8º. Posto isto, o primeiro critério de sustentabilidade consiste

no respeito dos critérios para a redução dos gases com efeito de estufa, nos termos dos

artigos 3º nº1 a) e 4º, sendo que os biocombustíveis e biolíquidos consideram-se

sustentáveis quando a redução mínima de emissões de gases com efeito de estufa

resultantes da sua utilização, em comparação com o combustível que visam substituir,

corresponda a 35 % até 31 de Dezembro de 2016; 50 % para os provenientes de

instalações que entrem em funcionamento após a entrada em vigor do presente diploma; 50

% a partir 1 de Janeiro de 2017; e 60 % a partir de 1 de Janeiro de 2018, para os

biocombustíveis provenientes de instalações cuja produção tenha tido início a partir de 1 de

Janeiro de 2017. Por sua vez, o segundo critério de sustentabilidade visa os

biocombustíveis ou biolíquidos produzidos a partir de matérias-primas agrícolas, cultivadas

em territórios dos Estados-Membros, os quais devem cumprir os requisitos enumerados no

artigo 6º (por remissão do artigo 3º nº1 b) do diploma). Este preceito, por sua vez, remete

para requisitos estabelecidos em instrumento comunitário (nomeadamente a Directiva nº

73/2009). Em terceiro lugar, encontramos o critério de sustentabilidade do artigo 3º nº1 c)

referente ao uso dos solos. Desdobrando-se em dois subcritérios, este implica, não só a

proibição da produção de biocombustíveis a partir de matérias-primas provenientes de

terrenos ricos em biodiversidade (nos termos do artigo 7º), como a proibição da produção

daqueles combustíveis a partir de biomassa vegetal cultivada em terrenos com alto teor de

carbono ou em turfeiras, tal como definidos nos nºs 2 e 4 do artigo 8º. Posto isto, temos

que, conforme dita o artigo 9º nº1, cabe o ónus da prova do cumprimento destes requisitos

aos operadores económicos que pretendam comercializar biocombustível. Nos termos do

nº4 deste preceito, caso os biocombustíveis ou as matérias-primas utilizadas sejam

provenientes de Estado Membro da UE, devem os mesmos ser acompanhados da

certificação do cumprimento dos critérios de sustentabilidade emitida pela entidade

competente desse Estado membro, devendo os operadores económicos apresentá-la à

entidade coordenadora do cumprimento dos critérios de sustentabilidade nacional. Por outro

lado, se aqueles produtos provirem de Estados terceiros que tenham celebrado acordos

com a União Europeia para fins de reconhecimento da sustentabilidade desses materiais,

nos termos dos artigos 4.º, 7.º e 8.º, os operadores económicos têm de demonstrar a sua

origem e o cumprimento do acordo. A entidade coordenadora mencionada nestes artigos é

o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), cujas competências são

estabelecidas pelo artigo 20º.

No que respeita à comercialização dos biocombustíveis, é esta admitida pelo artigo 10º,

considerando-se produtores de biocombustíveis quaisquer entidades que produzam

biocombustíveis e que sejam reconhecidos como entreposto fiscal de transformação (EFT)

nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 10º nº3). Estas

entidades (também designadas incorporadores), nos termos do artigo 11º nº1, estão

Page 12: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

12

obrigadas a contribuir para o cumprimento das metas de incorporação, nas seguintes

percentagens de biocombustíveis, em teor energético, relativamente às quantidades de

combustíveis rodoviários por si colocados no consumo, com exceção do gás de petróleo

liquefeito (GPL) e do gás natural: 5% em 2011 e 2012; 5,5% em 2013 e 2014; 7,5% em

2015 e 1016; 9% em 2017 e 2018; e 10% em 2019 e 2020. O cumprimento desta obrigação

deve ser por elas comprovado, nos termos do artigo 13º ex vi artigo 11º nº2. É que,

conforme consta do artigo 13º nº1, a incorporação no mercado de biocombustíveis tem de

ser comprovada por títulos de biocombustíveis, os quais têm a validade de dois anos e são

emitidos nos termos do artigo 14º. De facto, foi criado um sistema de emissão de títulos de

biocombustíveis (TdB), para verificação do cumprimento das metas de incorporação,

atribuindo-se uma valorização adicional aos biocombustíveis produzidos a partir de resíduos

ou de matéria-prima com origem lenho-celulósica, bem como os que sejam produzidos a

partir de matérias endógenas, de forma a privilegiar o valor acrescentado nacional e em

concordância com a ENE 2020. Este sistema de TdB permite que os mesmos sejam

transacionáveis entre agentes económicos, dando a cada incorporador, como forma de

comprovação do cumprimento da sua meta, a opção entre obter os TdB necessários

através da incorporação de biocombustíveis ou adquirir esses títulos a agentes que os

tenham em excesso. Este regime consta dos artigos 13º a 18º.

Para além da obrigação de contribuição para o cumprimento das metas de incorporação

estabelecida no artigo 11º, há que ter em conta ainda a obrigação que consta do artigo 28º

nº1, de âmbito mais restrito. Dita esta preceito que, sem prejuízo do disposto no artigo 11º,

os incorporadores ainda estão obrigados, até ao final do ano de 2014, a incorporar um valor

mínimo de 6,75% em volume de biodiesel no gasóleo utilizado no sector dos transportes, o

que vai claramente de encontro às metas estabelecidas pela União Europeia. Note-se que o

incumprimento desta obrigação, assim como o incumprimento da de contribuição para o

alcançar das metas estabelecidas, é cominado com o pagamento de uma compensação,

nos termos do artigo 24º nº1.

Este diploma estabelece ainda um regime contra-ordenacional, pelo que, nos termos do

artigo 25º nº1 a), o incumprimento da obrigação de contribuição, tal como estabelecida no

artigo 11º nº1, constitui contra-ordenação grave, punível com coima de 500 a 3740 euros,

no caso de pessoas singulares, ou de 2500 a 44891 euros, quando se trate de pessoas

coletivas. Nos termos do artigo 27º nº2, o produto destas coimas reverte a favor do Estado

(60%), da entidade instrutora (20%) e da entidade que aplica a coima (20%). Nos termos do

nº2 do artigo 25º, podem ainda ser aplicadas sanções acessórias, dependendo da

gravidade da infração e da culpa do infrator.

Por fim, cumpre mencionar o regime dos Pequenos Produtores Dedicados, previsto no

artigo 19º. Nos termos do nº1 deste preceito, são considerados pequenos produtores

dedicados (PPD) os reconhecidos nos termos do artigo 7º do DL nº 62/2006 (alterado pelo

DL nº 89/2008 e pelo DL nº 206/2008), com um aproveitamento de resíduos igual ou

superior a 60%, em massa, da matéria-prima consumida na instalação para a produção de

biocombustíveis, na instalação para projetos de aproveitamento de resíduos ou detritos.

Estes PPD têm direito a um benefício fiscal, nomeadamente isenção do Imposto sobre os

Produtos Petrolíferos, nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo (nº2 do

artigo 19º). Em suma, trata-se aqui de um incentivo à produção e utilização de

biocombustíveis, em especial pelos pequenos produtores que adotam métodos eficientes.

Page 13: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

13

No fundo, encontramos aqui uma verdadeira manifestação do princípio do poluidor-pagador,

nomeadamente na sua vertente de incentivo e compensação por boas práticas ambientais.

De um modo geral, são estas as grandes linhas do regime jurídico em matéria de produção

e comercialização de biocombustíveis em Portugal. Por fim, cumpre assinalar que este

diploma foi promulgado no seguimento da Resolução do Conselho de Ministros nº 29/2010,

de 15 de Abril, que aprovou a Estratégia Nacional para a Energia 2020 (ENE 2020). A ENE

prevê, no âmbito da aposta nas energias renováveis, que os biocombustíveis continuarão a

ser um contributo para que Portugal cumpra as suas metas relativamente ao uso de

energias renováveis no consumo final do sector dos transportes. Posto isto, comprometeu-

se o Governo, no âmbito da ENE, a definir critérios de sustentabilidade dos

biocombustíveis, a fomentar a utilização de recursos endógenos na produção desta fonte de

energia, a incrementar a ligação entre o fabrico de biocombustíveis e a agricultura nacional.

Concomitantemente, assumiu o Governo o objetivo de incorporar estes combustíveis nos

transportes terrestres, em substituição dos derivados do petróleo. Isto de modo a alcançar a

meta de 31% do consumo de energia em Portugal respeitar a energias de origem renovável,

meta esta que tem como fins últimos o reforço da segurança do abastecimento energético

no nosso país e, acima de tudo, o cumprimento dos compromissos assumidos no seio da

União Europeia, no âmbito do Protocolo de Quioto.

As Alternativas dentro da Alternativa – As Fontes de Energia Renováveis Existentes

As energias renováveis são aquelas que são obtidas a partir de fontes naturais,

regeneráveis e, por conseguinte, perenes. Opõem-se às energias não renováveis, que são

aquelas cujas fontes existem em quantidades limitadas na Natureza, extinguindo-se com a

sua utilização. Consideram-se fontes de energia não renováveis os combustíveis fósseis

(designadamente o carvão, o petróleo bruto e o gás natural) e o urânio, sendo que todas

elas apresentam reservas finitas, porquanto é necessário muito tempo para as repor

(milhares de anos). São comummente chamadas energias sujas, uma vez que a sua

utilização é causa direta de importantes danos para o meio ambiente e para a saúde

pública. Por oposição, as energias renováveis são consideradas energias limpas, dado o

muito menor impacto ambiental que a sua exploração e utilização implicam. Procedendo a

um levantamento das fontes renováveis existentes, podemos apontar as seguintes:

- Sol: a energia solar é praticamente inesgotável, podendo ser usada para a produção de

calor e eletricidade através de painéis solares e células fotovoltaicas. A principal vantagem

da utilização desta fonte energética é a da quase total ausência de poluição, sendo das

mais limpas. No entanto, a grande limitação daqueles dispositivos é o seu baixo rendimento,

a par dos elevados custos inerentes à sua produção (devido à pouca disponibilidade de

materiais semicondutores).

- Vento: a energia eólica é utilizada há anos através de moinhos de vento, podendo

igualmente ser canalizada pelas modernas turbinas eólicas. A energia cinética, resultante

do deslocamento das massas de ar, pode ser transformada em energia mecânica ou

elétrica. Trata-se de uma fonte muito pouco poluente. Não obstante, uma grande restrição

ao seu maior aproveitamento é a questão do espaço físico, uma vez que as turbinas são

instalações mecânicas de grande porte e que ocupam áreas extensas.

Page 14: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

14

- Água: a energia hídrica é aquela que usa a força cinética das águas de um rio ou do mar,

convertendo-a em electricidade, através da rotação de uma turbina hidráulica. De facto,

trata-se de uma fonte pouco poluente. No entanto, não é de ignorar o impacto ambiental

que lhe está subjacente, designadamente ao nível dos ecossistemas, que são muitas vezes

afetados com a construção de centrais hidroelétricas. Aliás, há hoje uma preferência pela

instalação de pequenas centrais hidroelétricas, as chamadas mini-hídricas, precisamente

pelo seu menor impacto ambiental.

- Biomassa: a biomassa é a matéria orgânica, de origem vegetal ou animal, que pode ser

utilizada como fonte de energia. Existem vários tipos de biomassa que podem ser utilizados

neste processo, designadamente a fracção biodegradável de resíduos florestais, de

resíduos agrícolas e das indústrias agroalimentares, de excrementos de animais e águas de

lavagem provenientes das explorações pecuárias, de resíduos sólidos urbanos, de esgotos

urbanos e de culturas energéticas. Posto isto, a bioenergia é a energia obtida a partir

daquela matéria, da qual é exemplo o biocombustível.

Os biocombustíveis são, como o nome indica, os combustíveis, líquidos ou gasosos,

produzidos a partir da biomassa, existindo vários tipos. De facto, são considerados

biocombustíveis pelo menos dez tipos de produtos, designadamente:

- O Bioetanol, que é o etanol produzido a partir de biomassa e/ou da fracção biodegradável

de resíduos, para utilização como biocombustível;

- O Biodiesel, que o éster metílico e/ou etílico, produzido a partir de óleos vegetais ou

animais, com qualidade de combustível para motores diesel, para utilização como

biocombustível;

- O Biogás, que é o gás combustível produzido a partir da biomassa e/ou da fracção

biodegradável dos resíduos, podendo ser purificado até à qualidade do gás natural, para

utilização como biocombustível ou gás de madeira;

- O Biometanol, que é o metanol produzido a partir da biomassa, para utilização como

biocombustível;

- O Bio-ETBE (bioeteretil-terc-butílico), que é o combustível produzido com base no

bioetanol, sendo a percentagem em volume de bio-ETBE considerada como biocombustível

igual a 47%;

- O Bio-MTBE (bioetermetil-terc-butílico), que é o combustível produzido com base no

biometanol, sendo a percentagem em volume de bio-MTBE considerada como

biocombustível de 36%;

- Os Biocombustíveis Sintéticos, que são os hidrocarbonetos sintéticos ou misturas de

hidrocarbonetos sintéticos produzidos a partir da biomassa;

- O Bio-Hidrogénio, que é o hidrogénio produzido a partir de biomassa e/ou da fracção

biodegradável de resíduos, para utilização como biocombustível;

- O Oléo Vegeral Puro produzido a partir de plantas oleaginosas, que é o óleo produzido por

pressão, extração ou processos comparáveis, a partir de plantas oleaginosas, em bruto ou

Page 15: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

15

refinado, mas quimicamente inalterado, quando a sua utilização for compatível com o tipo

de motores e os respetivos requisitos relativos a emissões.

Potencialidades e Problemas da Utilização de Biocombustíveis

As alterações climáticas, o aumento do preço do petróleo e a segurança do abastecimento

energético conduziram, como supra se referiu, ao crescente interesse sobre o potencial de

utilização dos biocombustíveis como substitutos dos carburantes derivados do petróleo. Na

verdade, as vantagens inerentes a esta fonte de energia são várias, nomeadamente no

plano ambiental, económico e energético. Em primeiro lugar, trata-se de uma fonte mais

limpa que o petróleo, na medida em que o seu consumo implica a emissão de muito menos

gases com efeito de estufa para a atmosfera. Isto aliado ao facto de a sua produção

implicar, quando se trate de biocombustíveis provenientes da biomassa vegetal, o cultivo de

plantas que acabam por absorver o gás carbónico do ar, compensando aquele que será

emitido. Concomitantemente, a produção de biocombustíveis a partir da biomassa animal e

vegetal é uma forma eficiente de aproveitamento dos mais variados tipos de resíduos. Ao

nível da suficiência e segurança energética, a opção pelos biocombustíveis assume a maior

valia, uma vez que se trata de energia produzida a partir de fontes renováveis. O petróleo,

existindo em reservas no subsolo e nos fundos marítimos, torna-se cada vez mais raro e,

por conseguinte, mais caro. Pelo contrário, a produção de biocombustíveis não levanta

semelhantes problemas, podendo mesmo a sua produção ser controlada (por exemplo,

cultivando-se mais plantas oleaginosas em situações de maior procura, ou menos em casos

de maior oferta). Do prisma económico, os biocombustíveis têm potencial competitivo. Em

especial, o biodiesel pode vir a substituir o tradicional diesel, que hoje é utilizado por grande

fracção do sector dos transportes. Concomitantemente, e em especial quanto aos

combustíveis provenientes da biomassa vegetal, a sua produção em larga escala pode

gerar um incremento de postos de trabalho no campo (necessidade de mão de obra para o

cultivo de matérias primas), ajudando ao desenvolvimento das zonas rurais. Por fim, sempre

se pode dizer que o uso comercial dos biocombustíveis impulsiona a investigação e

desenvolvimento científico-tecnológico.

No entanto, não se pode ignorar a componente ecologicamente adversa desta forma de

produção de energia. Na verdade, e como salienta CARLA AMADO GOMES, parece haver

aqui um paradoxo: então as energias renováveis podem constituir alternativas nocivas para

o ambiente? A resposta impõe-se, obviamente, positiva, uma vez que no estádio

civilizacional em que vivemos é impensável conceber formas de atuação humana que

deixem impoluto e intocado o meio natural. Relembrando o ensinamento de VASCO

PEREIRA DA SILVA, seja em que domínio for, (…) o risco zero em matéria ambiental não

existe, o que significa que os sistemas associados à utilização de qualquer fonte de energia

têm sempre algum impacto no ambiente. Ora, constituindo bens ambientais, embora

regeneráveis, os recursos renováveis não deixam de estar sujeitos ao princípio do

aproveitamento racional. Tal é reconhecido pela comunidade internacional, nomeadamente

na Declaração de Estocolmo (princípio 3). Este princípio não deve, aliás, ser considerado

apenas da perspetiva do recurso em si, mas também da sua inserção no ecossistema e da

interdependência da sua utilização com a integridade de outros bens, ambientais e de outra

natureza. Por outras palavras, há que cuidar que da utilização de energias renováveis não

resultem danos graves, nem para o bem ambiental que é utilizado, nem para outros bens.

Page 16: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

16

Aqui está em causa, não só o princípio do aproveitamento racional dos recursos, mas

também o da prevenção lato sensu, uma vez que se impõe a avaliação, com base nos

conhecimentos científicos disponíveis, de quais as implicações da adopção de novas

técnicas de aproveitamento de energia a partir de fontes renováveis, de modo a evitar ou

minimizar os impactos negativos sobre outros bens, naturais e humanos.

No que aos biocombustíveis respeita, são vários os impactos ambientais que sua a

produção em larga escala (que costuma operar através da plantação de culturas

energéticas, geradoras de biomassa vegetal) pode suscitar, nomeadamente a grande

pressão sobre o espaço e os recursos hídricos, a erosão do solo, a perda de nutrientes do

solo, a destruição de ecossistemas e, nalgumas situações, a emissão de dióxido de carbono

para a atmosfera. Como tal, são várias as preocupações aqui presentes, em especial

quanto aos dois últimos pontos. No que toca à preservação dos ecossistemas e

biodiversidade, são de salientar as preocupações europeias, expressas no artigo 17º nº3 da

Directiva nº 28/2009, que estabelece algumas proibições de proveniência de matérias-

primas, quando impliquem a transformação de terrenos ricos em biodiversidade. Como tal, é

vedada, para produção de espécies vegetais afetas ao fabrico de biocombustíveis, o cultivo

em florestas primárias e em terrenos arborizados, em zonas designadas para protecção de

espécies ou ecossistemas raros, ameaçados ou em risco de extinção (a menos que se

prove que a produção das referidas matérias-primas não afetou os referidos fins de

protecção da natureza) e em terrenos de pastagem ricos em biodiversidade. O presente

regime foi integralmente transposto para a ordem jurídica portuguesa pelos artigos 3º nº1 c)

e 7º do DL nº 117/2010. Quanto à questão das emissões de dióxido de carbono para a

atmosfera, tem aqui interesse citar MAE-WAN-HO, professora da Universidade de Hong

Kong e especialista em genética e bioquímica: Os biocombustíveis têm sido

propagandeados e considerados erroneamente como neutros em dióxido de carbono, como

se não contribuíssem para o efeito de estufa na atmosfera (…). Ignoram-se assim os custos

das emissões de CO2 e de energia de fertilizantes e pesticidas utilizados nas colheitas, dos

utensílios agrícolas, do processamento e refinação, do transporte e da infra-estrutura para

distribuição. Continuando, explica que não foi levada em consideração a enorme libertação

de carbono orgânico provocada pela cultura intensiva de cana de açúcar, que substitui

florestas e terras de pastagem que, se fossem regeneradas, poupariam mais de sete

toneladas de dióxido de carbono por hectare por ano do que o bioetanol poupa. Posto isto,

temos que o cultivo de matérias-primas para a produção de biocombustíveis não deve ser

levado a cabo em terrenos ricos em carbono, como tal se considerando as antigas zonas

húmidas, as antigas zonas continuamente arborizadas e os terrenos que, com extensão

superior a um hectare, antes tinham árvores de mais de 5 metros de altura e um coberto

florestal entre 10% e 30%. Tal é determinado pela Directiva nº 28/2009, que no seu artigo

17º nºs 4 e 5, pretende evitar que culturas que visam reduzir emissões provoquem, pela sua

implantação em terrenos ricos em carbono, a libertação deste para a atmosfera e,

consequentemente, um contra-efeito. O mesmo regime consta dos artigos 3º nº1 c) e 8º do

DL nº 117/2010, o qual procedeu à transposição da directiva.

Concomitantemente, deparamo-nos com impactos sociais e económicos, dos quais o mais

grave é o aumento do preço das matérias-primas para a produção de biocombustíveis, que

geralmente são também recursos alimentares (como o milho, a soja, a mandioca, o

amendoim, o coco, entre outros). Quanto a este último ponto, está mesmo em causa a

dignidade da pessoa humana, sendo que, em 2008, JEAN ZIEGLER (relator especial da

Page 17: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

17

ONU para o direito à alimentação) condenou veementemente o incentivo à produção de

biocombustíveis, por esta estar a provocar reflexamente um aumento inusitado do preço

dos cereais para alimentação, bem como a suprimir terras aráveis à produção agrícola para

alimentação humana. Falou mesmo num crime contra a humanidade, tendo elaborado um

relatório em que pediu a suspensão da produção de etanol durante 5 anos, prazo que os

governos dos vários Estados deveriam usar para avaliar os impactos sociais, ambientais e a

ao nível dos direitos humanos que aquela produção em massa implicaria. Estas

preocupações foram acolhidas pelos vários ordenamentos jurídicos. A nível comunitário,

encontramos na Directiva nº 28/2009 o artigo 17º nº7, que estabelece um critério de

sustentabilidade. Com efeito, o preceito dispõe sobre a necessária monitorização do

impacto da procura destas matérias-primas nos planos social e económico, quer da União

Europeia, quer dos países com quem convenciona o fornecimento, devendo ser avançadas

medidas corretivas se existirem elementos que atestem que a produção de biocombustíveis

tem um impacto considerável sobre o preço dos géneros alimentícios. A nível nacional,

idêntico critério de sustentabilidade se encontra consagrado nos artigos 3º nº1 b) e 6º do DL

nº 117/2010.

Posto isto, verificamos que a utilização de biocombustíveis como alternativa aos

combustíveis fósseis (o que implica a sua produção em massa), tal como é levada a cabo

atualmente, não é isenta de problemas. Como tal, urge procurar novas soluções,

nomeadamente soluções de energias mais limpas, mais eficientes e consentâneas aos

direitos fundamentais.

A Utilização de Algas como Alternativa para a Produção de Biocombustíveis

A utilização de algas como matéria-prima para a produção de biocombustíveis tem sido,

cada vez mais, apontada como uma possível alternativa no processo de substituição dos

combustíveis fósseis. As razões para tal vão desde características fisiológicas e

bioquímicas favoráveis das espécies de algas a serem utilizadas, a uma significativa menor

necessidade de áreas disponíveis para o cultivo quando comparadas com a biomassa

terrestre.

Na verdade, é de assinalar o trabalho da Faculdade de Ciências da Universidade de

Coimbra quanto a esta matéria, que, tirando partido da sua algoteca (que constitui a maior

coleção de algas do mundo, com 4000 estirpes de algas de água doce, mais de 300

géneros e 1000 espécies isoladas de uma vasta gama de habitats), entrou em 2009 na

corrida global para a descoberta da estirpe com maior capacidade para a produção de

biodiesel. Portugal seguiu a tendência dos EUA e do Japão, que encetaram as

investigações sobre as potencialidades das algas como fonte de energia alternativa na

década de 70 do século passado.

A biomassa algal tem variadas aplicações, sendo o biodiesel derivado das algas aquela que

tem recebido maior atenção, dada a sua elevada potencialidade para substituir a

dependência dos combustíveis fósseis, principalmente no domínio dos transportes. No

entanto, diversas formas alternativas de energia podem ser obtidas a partir desta matéria-

prima, nomeadamente o etanol, o hidrogénio, o metano, a biomassa para combustão e

gaseificação e outras variantes de hidrocarbonetos combustíveis.

Page 18: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

18

O etanol pode ser obtido a partir das algas através da conversão do amido e da celulose.

Uma vez que as algas são ricas em polissacáridos e possuem paredes celulares finas, são

a fonte ideal para a produção de bioetanol de segunda geração. A problemática atual

prende-se apenas com o facto de existirem diversos produtos de elevado valor que podem

adicionalmente ser obtidos a partir desta matéria-prima, como o carrageno e o agar, pelo

que a obtenção de um produto de baixo valor como o etanol não é prioritário.

Alternativamente, o bioetanol poderá também ser produzido a partir de algas após extração

do seu conteúdo oleaginoso (note-se que as algas são ricas em hidratos de carbono,

proteínas e lípidos), pelo que depois de extraídos aqueles lípidos para a produção de

biodiesel é possível aproveitar o remanescente. Ora, os hidratos de carbono existentes no

bolo vegetal sobrante podem ser utilizados como substrato de fermentação para a produção

de etanol, o que permite uma otimização da biomassa potencialmente energética das algas.

Adicionalmente, o dióxido de carbono resultante do processo de fermentação pode, por sua

vez, alimentar a produção de nova biomassa, o que permite o funcionamento de um sistema

fechado, pelo que a produção combinada de biodiesel e bioetanol se apresenta como uma

alternativa com elevado potencial de eficiência.

A partir das algas é também possível produzir hidrogénio, a chamada energia do futuro,

uma vez que, para além de renovável, não contribui para o efeito de estufa, liberta grandes

quantidades de energia por unidade de peso na combustão e é facilmente convertida em

energia eléctrica. Existem três métodos de produção de hidrogénio a partir das algas,

nomeadamente processos bioquímicos, gaseificação e reformação a vapor de metano.

Por sua vez, o metano é outra das formas de energia suscetíveis de produção a partir de

algas. O metano é importante para a geração de energia elétrica em turbinas a gás ou

caldeiras a vapor, sendo que a sua queima gera menos dióxido de carbono por unidade de

calor libertado e produz mais calor por unidade de massa do que outros hidrocarbonetos.

Na verdade, o metano é, em muitas cidades, canalizado para residências com vista ao

aquecimento doméstico e para cozinhar, contexto no qual é geralmente conhecido como

gás natural, sendo também utilizado, na forma de gás natural comprimido, como

combustível para veículos. Teoricamente, este gás pode ser produzido a partir de qualquer

um dos componentes das algas (hidratos de carbono, proteínas ou lípidos), apresentando

grandes virtualidades.

Por fim, cumpre mencionar o biodiesel, aplicação da biomassa algal com maior potencial

económico e energético. O biodiesel refere-se a qualquer biocombustível equivalente ao

diesel obtido a partir de materiais biológicos renováveis (tais como óleos vegetais ou

gorduras animais), consistindo em hidrocarbonetos saturados de cadeia longa. Este

combustível pode ser utilizado na sua forma pura ou pode ser misturado com diesel (em

qualquer concentração).

Culturas como a soja, o milho, a soja, o amendoim, o coco ou a mandioca são consideradas

matérias-primas de primeira geração, visto terem sido as primeiras culturas utilizadas na

produção de biodiesel. Como supra se referiu, a maior parte destas matérias-primas de

primeira geração podem igualmente ser utilizadas como culturas alimentares. No entanto,

uma vez que este tipo de culturas, quando utilizadas na produção de biodiesel, estão

associadas a um rendimento baixo, muito dificilmente atingirão uma produtividade suficiente

sem que haja uma alocação exclusiva de grandes extensões de terra arável para as

Page 19: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

19

culturas destinadas à produção de combustíveis. Por sua vez, as matérias-primas de origem

biológica mas não alimentar são utilizadas na produção de biodiesel de segunda geração,

sendo que as suas maiores virtualidades são a eliminação da concorrência face aos

recursos alimentares, a redução da utilização de terra cultivável e a possibilidade do

reaproveitamento dos subprodutos obtidos noutros processos químicos ou para a geração

de calor e energia. Contudo, tal como no caso dos biocombustíveis de primeira geração,

estas matérias-primas oferecem modestos resultados relativamente ao uso de combustíveis

fósseis. Posto isto, a biomassa proveniente das algas, constituindo a terceira geração de

biocombustíveis, apresenta-se, teoricamente, como a única fonte energética que pode vir a

substituir a dependência do petróleo no futuro de uma forma limpa, económica e

socialmente viável.

Uma das principais razões pelas quais as algas são cada vez mais exploradas como

matéria-prima, particularmente para a produção de biodiesel, é o seu elevado grau de

rendimento. É que a produção de combustível a partir das algas gera trinta vezes mais

energia por hectare do que as culturas terrestres. Em especial, as microalgas representam

os organismos unicelulares fotossintéticos com crescimento mais acelerado, podendo

completar um ciclo de crescimento em poucos dias. Do anexo 1 consta uma tabela que

procede à comparação entre fontes de biodiesel, quer quanto à área cultivável necessária,

quer quanto à produção de óleo por cada uma delas.

Anexo I – Comparação entre fontes de Biodiesel

Ora, dos dados constantes da tabela resulta clara a diferença entre as algas e as matérias-

primas de primeira geração. Estas ocupam muito mais área cultivável produzindo muito

menos óleo. Comparando o milho com as microalgas, temos que enquanto a primeira

matéria-prima consegue atingir uma produção de 172 litros de óleo por hectare por ano, a

segunda consegue render uma produção de 136900 litros de óleo por hectare no mesmo

período. Isto uma vez que algumas espécies de algas (principalmente microalgas) têm um

alto teor de óleo. Como é possível constatar da análise da tabela do anexo 2, algumas

espécies de microalgas podem ter até 80% de óleo por peso seco, o que permite produzir

até 137000 litros de óleo por hectare por ano, em condições ótimas.

Page 20: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

20

Anexo II – Conteúdo Oleaginoso de Algumas Espécies de Microalgas

Posto isto, temos que embora no que diz ao teor lipídico (percentagem de lípidos

relativamente ao peso seco) as algas sejam equivalentes à biomassa de outras culturas

oleaginosas, a grande vantagem da sua utilização reside efectivamente na elevada

produtividade, sendo que o aumento do teor de óleo por unidade de área obtido a partir das

algas constitui um dos temas mais pesquisados.

Tipos de Algas com Potencial Energético e Questões Relativas à sua Obtenção

O cultivo tem sido considerado a forma mais viável de obtenção de biomassa algal para a

produção de biocombustíveis. No que respeita aos métodos de cultivo empregados, estes

dependem principalmente dos tipos de algas utilizados.

De um modo geral, pode dizer-se que são macroalgas aquelas que são visíveis a olho nu,

podendo ser unicelulares ou pluricelulares. Nos últimos anos a quantidade de macroalgas

obtidas a partir dos stocks naturais tem vindo a diminuir, tendência que tem sido

acompanhada por um aumento da produção de macroalgas através do seu cultivo. Entre

1997 e 2006, o total destas algas obtido por meio do cultivo dobrou, atingindo os 15 milhões

de toneladas em peso fresco em 2006. Na verdade, o cultivo de macroalgas não é recente,

sendo que os países asiáticos já o vêm fazendo há vários anos. Os métodos de cultura

comerciais podem variar conforme a espécie utilizada, sendo que, em geral, as algas são

presas a redes, cordas ou linhas de nylon no próprio ambiente marinho, para que aí

beneficiem dos nutrientes e luz solar disponíveis e cresçam naturalmente. Vários tipos de

sistemas de cultivo em larga escala foram projectados e testados para utilização em mar

aberto, durante um programa de utilização de biomassa marinha para produção de

biocombustíveis, desenvolvido pelo governo americano nas décadas de 70 e 80. No

Page 21: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

21

entanto, problemas de engenharia dos sistemas de cultivo foram considerados como um

dos obstáculos à produção, sendo, portanto, encarados como um dos factores a ser melhor

desenvolvido. A este propósito, é de salientar um projeto recentemente realizado na

Holanda, em que se investigou a possibilidade de se utilizar a infraestrutura de parques

eólicos marinhos como suporte para o cultivo. Bons resultados foram obtidos nesse estudo,

principalmente com a utilização de uma estrutura em forma de anel como suporte para as

algas. Porém, ainda não se chegou a conclusões quanto ao potencial de retorno económico

desse método de cultivo, sendo necessários mais dados e mais experiência.

Quanto à seleção do combustível a ser produzido a partir das macroalgas e o processo

apropriado para tal, são estes largamente determinados pela composição química daquelas.

Porém, tal composição química varia conforme a espécie de alga, a localização da cultura,

a salinidade da água e a estação do ano. Em geral, as macroalgas possuem baixo teor de

lípidos, pelo que a produção de biodiesel com base nelas não é apropriada. Por outro lado,

a quantidade de matéria orgânica total, açúcares e água é elevada, o que faz com que os

principais processos considerados para o aproveitamento de macroalgas sejam a digestão

anaeróbica, para produção de biogás, ou a fermentação alcoólica, para produção de etanol.

Outro tipo de algas com grande potencial energético é o das microalgas, organismos

unicelulares fotossintéticos com crescimento mais acelerado que as macroalgas. A

produção em larga escala de biomassa microalgal geralmente segue um método de

produção em sistema fechado, nomeadamente em fotobiorreatores, nos quais o meio de

cultivo é constantemente enriquecido com nutrientes, a um ritmo constante, enquanto a

mesma quantidade de algas é continuamente retirada do sistema. O enriquecimento do

meio de cultivo cessa durante a noite, continuando porém a circulação de água, de modo a

evitar o assentar da biomassa.

Os principais biocombustíveis considerados para produção a partir de microalgas são o

biodiesel, o etanol, o biogás e o hidrogénio, sendo que os processos utilizados e, por

conseguinte, os produtos obtidos, dependem da biologia e da composição das espécies de

microalgas. Como sumariamente se referiu supra, os óleos encontrados nas microalgas

possuem características físico-químicas similares às de outros óleos vegetais, o que faz

com que elas possam ser consideradas como potencial matéria-prima para a produção de

biodiesel. Ora, muitas espécies de microalgas são ricas em triglicerídeos, que consistem

basicamente no óleo utilizado para o fabrico de biodiesel. No que toca à produtividade das

microalgas, temos que a produção de óleo depende das concentrações de lípidos na

biomassa e da taxa de crescimento destas algas, sendo que é possível estimular a

concentração daqueles lípidos nas microalgas por meio de determinadas técnicas de

cultivo.

Biomassa Algal versus Biomassa Terrestre – As Vantagens e as Desvantagens da

Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis

Segundo vários estudos realizados sobre a matéria, as características geralmente

desejadas para a produção de biomassa terrestre com fins energéticos são,

nomeadamente, a alta produtividade (alta produção de matéria seca por hectare), o baixo

consumo energético, o baixo custo, a sua composição com o mínimo de contaminantes, a

reduzida necessidade de nutrientes e o mínimo de área cultivável ocupada. No entanto,

Page 22: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

22

afigura-se difícil, senão impossível, reunir todas estas características, sendo que a produção

destas matérias-primas está ainda dependente do clima local, das condições da terra, dos

recursos hídricos existentes (uma vez que estas culturas implicam um grande consumo de

água), da resistência a pragas e da necessidade de fertilizantes. Concomitantemente,

cumpre relembrar os já referidos impactos ambientais inerentes a estes projectos de

produção de energia em larga escala, a par de impactos económicos e sociais, sendo de

destacar o aumento dos géneros alimentícios.

Ora, considerando os factores acabados de mencionar, a utilização de algas para a

produção de biocombustíveis apresenta muitos requisitos desejados. É verdade que uma

exceção passa pelos custos de produção, que em geral estão ainda acima do desejado, o

que se deve essencialmente ao estágio inicial da pesquisa e desenvolvimento para a

produção comercial de larga escala. Não obstante, é de crer que o desenvolvimento de

novas tecnologias e o avanço dos métodos de produção possivelmente levarão à redução

dos custos dos produtos finais. Além do mais, os preços-alvo levam também em

consideração o preço do petróleo, o que significa que o aumento do preço deste

combustível fóssil, nos próximos anos e décadas, fará com que os biocombustíveis ganhem

competitividade nos mercados.

Os atributos positivos da utilização de algas como matéria-prima para a produção de

biocombustíveis incluem a sua baixa necessidade de espaço, a possibilidade do seu cultivo

em água salgada ou doce (portanto, em condições normalmente adversas para plantas

terrestres), a possibilidade de utilização de águas residuais para o seu cultivo (uma vez que

se tratam de águas ricas em nutrientes), as suas elevadas taxas de reprodução e

crescimento, a ausência de competição face aos recursos alimentares e, por fim, a

possibilidade do seu cultivo associado a outros co-produtos. Ora, como organismos

aquáticos, as algas não necessitam de terras aráveis para cultivo, não competindo com

outros produtos agrícolas (nomeadamente alimentícios) por espaço. Na verdade, as

instalações para cultivo de algas podem ser construídas em áreas marginais, de baixo valor,

ou no próprio ambiente marinho, no caso das macroalgas. Acresce que várias espécies

algais podem ser cultivadas em água salgada, portanto sem a necessidade de utilização e

competição por água doce, cada vez mais escassa. Tal permite, também, a associação do

seu cultivo à criação de peixes, moluscos e camarão, facto que possibilita a filtragem de

grande quantidade de nutrientes normalmente libertados por estas aquaculturas. Esta

combinação proporciona vantagens, não só para o crescimento das algas (que beneficiam

dos nutrientes), como para o ecossistema em causa (tendo em conta os impactos negativos

que o excesso daqueles nutrientes causa). Por fim, é de salientar as vantagens inerentes à

possibilidade de utilização de águas residuais no cultivo de algas, o que acopla a

necessidade algal por nutrientes com o tratamento terciário desses resíduos. Através da

remoção de nutrientes, como o nitrogénio e o fósforo, da água pelas algas, é mitigado o

potencial de eutrofização (fenómeno marcado por uma acumulação excessiva de nutrientes

num dado ecossistema, que leva a um crescimento massivo de organismos, os quais,

aquando a sua morte e decomposição, provocam um grande consumo de oxigénio e, por

conseguinte, a morte da fauna e a deterioração da qualidade da massa de água) dos

ecossistemas recetores. Tudo isto a par da grande vantagem apontada, a que já aludimos

supra, da eficiência energética destas matérias-primas.

Page 23: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

23

A Questão da Viabilidade Económica

Muita controvérsia existe quanto aos custos de produção de biomassa algal, sendo este o

principal fator apontado como desvantagem do recurso a esta fonte de energia. Contudo,

tem-se assumido, em geral, que os custos de produção devem diminuir, de forma a tornar a

utilização de biomassa algal para a produção de biocombustíveis economicamente

competitiva. Na verdade, factores como o custo da mão-de-obra (altamente especializada),

as barreiras normativas, as técnicas avançadas de cultivo e a melhoria da produtividade são

frequentemente apontados como determinantes do custo de produção de algas, sendo que

estes factores ocasionam grandes diferenças nos custos de produção entre países

europeus e asiáticos. Por exemplo, o preço estimado da biomassa seca produzida no

continente asiático é de 233 dólares por tonelada, enquanto o da mesma quantidade de

biomassa obtida por exploração dos recursos naturais da Irlanda é de 471 dólares. No

entanto, há que ter em conta que estes valores são baseados no atual contexto de

produção de algas nestes países, sendo que no continente europeu a produção ainda é em

escala moderada. Posto isto, alguns estudos na matéria têm apontado, como solução para

a redução dos custos, não só a passagem para uma produção em massa destas matérias-

primas, como a utilização e comercialização de subprodutos deste processo. Ora, se a

biomassa utilizada para a produção de biocombustíveis for um co-produto de tratamento de

efluentes ou da extração de produtos de alto valor, como o betacaroteno e a astaxantina,

estes processos podem tornar-se comercialmente viáveis. Concomitantemente, tem sido

chamada a atenção para a necessidade de incremento de estímulos a estas culturas por

parte dos Estados, uma vez que o investimento necessário para a instalação de

fotobiorreatores é muito mais elevado que o necessário para o início de novas áreas de

cultivo para a produção de biomassa terrestre.

No entanto, julga-se que o que irá determinar o grande êxito dos biocombustíveis

produzidos a partir de algas será a superação dos atuais obstáculos tecnológicos e

comerciais, sendo que os altos preços do petróleo atualmente, acompanhados das

projeções de preços futuros, juntamente com os avanços na área da bioquímica e da

tecnologia, têm estimulado novas pesquisas e investimentos nesta matéria.

Porque é que Portugal Deveria Investir na Produção de Biocombustíveis a partir das

Algas?

Face ao exposto até agora, considero que o investimento na produção de biocombustíveis a

partir das algas poderia trazer grandes vantagens para Portugal.

À parte das vantagens, já arroladas supra, inerentes à utilização de energias renováveis e,

em especial, à utilização dos biocombustíveis como substitutos dos combustíveis fósseis,

nomeadamente no que respeita à redução das emissões de gases com efeito de estufa, à

redução da dependência energética e ao cumprimento dos compromissos internacionais

assumidos pelo nosso país em matéria ambiental, é possível apontar vantagens adicionais,

relacionadas com a utilização desta fonte de energia em concreto. Como foi dito, a

utilização de algas para a produção de biocombustíveis apresenta muitas virtualidades.

Destacam-se a reduzida necessidade de espaço para o cultivo das matérias-primas (algas),

a possibilidade do seu cultivo em água salgada ou doce (portanto, em condições

Page 24: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

24

normalmente adversas para plantas terrestres), a possibilidade de utilização de águas

residuais para o seu cultivo (uma vez que se tratam de águas ricas em nutrientes), as suas

elevadas taxas de reprodução e crescimento, a ausência de competição face aos recursos

alimentares, a possibilidade do seu cultivo associado a outros co-produtos e, acima de tudo,

a sua grande eficiência energética.

Na verdade, quando ponderamos o investimento na produção de biocombustíveis a partir

das algas por um país como Portugal, há que ter em conta um fator determinante, o fator

geográfico. Portugal dispõe de uma enorme faixa costeira, quer a oeste, quer a sul

(extensão aproximada de 1853 quilómetros). Acresce que o nosso país dispõe da maior

Zona Económica Exclusiva da União Europeia. Esta inclui também a área circundante das

regiões autónomas dos Açores e da Madeira, totalizando uma superfície que ronda os

1700000 quilómetros quadrados, uma área que equivale a dezoito vezes a área total do

país. Nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 10 de

Dezembro de 1982 (Convenção de Montego Bay), ratificada por Portugal em 1997, a zona

económica exclusiva é uma zona situada além do mar territorial e a este adjacente, sujeita

ao regime jurídico específico (…) (artigo 55º). Posto isto, e segundo o artigo 56º nº1 a), na

ZEE, o Estado costeiro tem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento,

conservação e gestão dos recursos naturais, vivos e não vivos, das águas sobrejacentes ao

leito do mar, do leito do mar e seu subsolo e no que se refere a outras atividades com vista

à exploração e aproveitamento da zona para fins económicos, como produção de energia a

partir da água, das correntes e dos ventos. Ora, a vastidão do oceano apresenta-se como

uma verdadeira opção para solucionar problemas relacionados com a falta de áreas

terrestres apropriadas para a produção de energia renovável. Isto a par da abundância de

recursos naturais disponíveis naquelas zonas. Portugal, enquanto Estado costeiro, tem

todas as condições geográficas, naturais, climáticas e mesmo jurídicas para a produção em

massa de algas. Trata-se mesmo de uma vantagem competitiva face a outros Estados,

nomeadamente Estados continentais, os quais se encontram igualmente numa situação de

dependência energética mas não dispõem dos mesmos recursos que o nosso país e, como

tal, veem as suas possibilidades de produção de biocombustíveis limitadas. Limitam-se as

opções à produção de biocombustíveis com base em matérias-primas agrícolas,

suscitando-se os problemas já expostos, de falta de espaço para o cultivo (em países de

alta densidade demográfica) e de concorrência com produtos alimentares.

Posto isto, considero que o investimento na produção de biocombustíveis a partir destas

matérias-primas é uma grande oportunidade para Portugal, não só a nível ambiental, como

a nível económico. E também a nível social, se se pensar na criação de emprego inerente à

exploração desta fonte de energia renovável.

Obviamente que admito os custos, ainda elevados, subjacentes a este investimento. No

entanto, são custos cuja redução se prevê a médio e longo prazo, nomeadamente através

da produção em massa destas matérias-primas, da comercialização de subprodutos

resultantes do processo de produção destes biocombustíveis (como o betacaroteno e a

astaxantina) e dos avanços na área da bioquímica e da tecnologia, áreas determinantes

nesta matéria. A propósito deste último fator, é de salientar o trabalho desenvolvido pelas

universidades portuguesas, em especial pela Faculdade de Ciências da Universidade de

Coimbra, que, quanto a esta matéria, se tem destacado. Tirando partido da sua algoteca

(que constitui a maior coleção de algas do mundo, com 4000 estirpes de algas de água

Page 25: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

25

doce, mais de 300 géneros e 1000 espécies isoladas de uma vasta gama de habitats), esta

faculdade entrou em 2009 na corrida global para a descoberta da estirpe com maior

capacidade para a produção de biodiesel. Assim, e em suma, considero que não devem os

custos iniciais de produção de biocombustíveis a partir das algas dissuadir Portugal. Isto a

par da expectativa de aumento dos preços do petróleo e seus derivados, que contribui para

um aumento da competitividade destes biocombustíveis.

Por fim, trata-se esta de uma boa alternativa para Portugal mesmo do ponto de vista dos

seus compromissos internacionais, na medida em que a alta eficiência energética das

algas, a par do carácter limpo desta fonte de energia, contribuem para o cumprimento dos

compromissos assumidos pelo Estado português, quer a nível europeu, quer a nível

mundial, de redução das emissões de gases com efeito de estufa e de incremento das

energias renováveis.

Concluindo, considero que a produção de energia a partir das algas, especialmente o

biodiesel, constitui uma grande oportunidade para Portugal, sendo de aplaudir as iniciativas

nos nossos investigadores, que procuram mais e cada vez melhores soluções nesta

matéria. O nosso país tem as condições naturais, geográficas, científicas e legais para

avançar, pelo que há que incentivar o investimento naquela que pode ser uma solução, ou

pelo menos uma alternativa mais viável, para Portugal.

Page 26: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

26

Conclusão

As crescentes preocupações sobre a diminuição da disponibilidade dos combustíveis

fósseis, juntamente com os problemas ambientais resultantes da sua exploração, produção

e utilização, têm estimulado a investigação científica de forma a desenvolver e melhorar os

biocombustíveis produzidos a partir de recursos renováveis.

Como foi dito, a substituição dos combustíveis tradicionais por biocombustíveis acarreta não

só vantagens ambientais, mas também políticas, económicas e sociais. Contudo, a

utilização desta fonte de energia não é isenta de problemas e, nesta medida, a utilização de

algas como matéria-prima para a produção de biocombustíveis tem demonstrando um

grande potencial. Isto uma vez que a sua utilização permite contornar muitas das

desvantagens inerentes à produção de biocombustíveis de primeira geração.

As algas, em especial as microalgas, apresentam grande potencial para a produção

simultânea de biodiesel, bioetanol, hidrogénio e metano, assim como de produtos químicos

de elevado valor. Como foi dito, a utilização de algas para a produção de biocombustíveis

apresenta muitas virtualidades, destacando-se a reduzida necessidade de espaço para o

seu cultivo, a possibilidade do seu cultivo em água salgada ou doce (portanto, em

condições normalmente adversas para plantas terrestres), a possibilidade de utilização de

águas residuais para o seu cultivo (uma vez que se tratam de águas ricas em nutrientes), as

suas elevadas taxas de reprodução e crescimento, a ausência de competição face aos

recursos alimentares, a possibilidade do seu cultivo associado a outros co-produtos e,

acima de tudo, a sua grande eficiência energética.

Em suma, pode afirmar-se que os combustíveis obtidos a partir de algas representam

claramente uma alternativa promissora para o futuro. E uma excelente alternativa para

Portugal.

Eu considero que a produção de energia a partir das algas, especialmente o biodiesel,

constitui uma grande oportunidade para Portugal, sendo de aplaudir as iniciativas nos

nossos investigadores, que procuram mais e cada vez melhores soluções nesta matéria. O

nosso país tem as condições naturais, geográficas, científicas e legais para avançar, pelo

que há que incentivar o investimento naquela que pode ser uma solução, ou pelo menos

uma alternativa mais viável, para Portugal.

Page 27: A Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis - Uma Oportunidade para Portugal

27

Bibliografia

- ANTUNES, Raquel, SILVA, Inês Cristóvão, Utilização de Algas para a Produção de Biocombustíveis, disponível em:

http://www.marcasepatentes.pt/files/collections/pt_PT/1/300/302/Utiliza%C3%A7%C3%A3o

%20de%20algas%20para%20a%20produ%C3%A7%C3%A3o%20de%20biocombust%C3%

ADveis.pdf;

- CANOTILHO, Gomes, MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada

Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007;

- CAVALCANTI, Juliana Figlioulo, A Produção de Biocombustíveis no Brasil: Comércio

Internacional, Impacto Alimentar e Ambiental, Faculdade de Direito da Universidade de

Lisboa, Lisboa, 2009;

- FERNANDES, Beatriz de Sousa, As Energias Renováveis no Espaço Marinho: Contributo

para a Apreciação do seu Regime Jurídico, Faculdade de Direito da Universidade de

Lisboa, Lisboa, 2010;

- GOMES, Carla Amado, O Regime Jurídico da Produção de Electricidade a Partir de

Fontes de Energia Renováveis: Aspectos Gerais, em Estudos em Homenagem ao Professor

Doutor Martim de Albuquerque Volume I, Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2010;

- GOMES, Carla Amado, Os Biocombustíveis na União Europeia: Uma Outra Natureza da

Natureza, em Actas do Colóquio Ambiente e Energia, Faculdade de Direito da Universidade

de Lisboa, 2010;

- GOMES, Januário da Costa Gomes, Leis Marítimas, Almedina, Coimbra, 2007;

- MIRANDA, Jorge, MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada Tomo I, Coimbra

Editora, Coimbra, 2005;

- PEREIRA, Tiago Fraga Cristóvão, As Dificuldade de Portugal face à Escassez de

Recursos Energéticos Primários: As Energias Renováveis e a Tributação Energético-

Ambiental, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2009;

- SANTOS, Filipe Duarte, Energia, Clima e Alimentação: A Primeira Crise Global de

Insustentabilidade?, em A Energia da Razão: Por uma Sociedade com Menos CO2:

Intervenções: Museu da Electricidade 2 de Junho de 2008, Gradiva, Lisboa, 2009;

- SCHERNER, Fernando, A Utilização de Algas como Alternativa para a Produção de

Biocombustíveis, em Bio Combustíveis: Fonte de Energia Sustentável? Considerações

Jurídicas, Técnicas e Éticas, Editora Saraiva, São Paulo, 2010;

- SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina,

Coimbra, 2002;

- Dossier: Os Biocombustíveis em Portugal, disponível em:

http://www.energiasrenovaveis.com/DetalheNoticias.asp?ID_conteudo=66&ID_area=15.