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A VIOLÊNCIA ENTRE AS TORCIDAS DA DUPLA GRE-NAL: O QUE GERA E COMO CONTER A VIOLÊNCIA ENTRE AS DUAS MAIORES TORCIDAS DO ESTADO 1 Thiago Trindade Amaral RESUMO: O presente trabalho procede a um estudo sobre o comportamento violento de alguns torcedores de clubes de futebol, com destaque para os torcedores da dupla Gre-nal, e sobre as medidas adotadas pelas autoridades brasileiras e estrangeiras para combater este tipo de violência. Para tanto, o mesmo inicia-se tratando do sentimento que une um torcedor ao seu clube do coração e que o leva a cometer atos de violência, e com um apanhado histórico a respeito da fundação de Grêmio e Internacional, e do início da rivalidade entre estes clubes. Após este momento inicial, passou-se para uma análise de como a imprensa está tratando o tema e, principalmente, um estudo sobre quais medidas as autoridades brasileiras e gaúchas estão adotando no combate a este tipo de violência. E, por fim, foram estudadas as ações adotadas pelas autoridades britânicas, argentinas, portuguesas e espanholas para prevenir e reprimir a violência dos torcedores, buscando analisar quais poderiam ser copiadas no Brasil. INTRODUÇÃO A escolha do presente tema baseia-se na importância que a atual relação violenta entre as torcidas de Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e Sport Club Internacional possui para a convivência pacífica da população de Porto Alegre. Pretende-se, através deste trabalho, efetivar-se um estudo do comportamento criminoso relacionado às torcidas de futebol, analisando os fatores que levam alguns torcedores cometer atos violentos, as medidas adotadas pelas autoridades brasileiras e gaúchas para prevenir e reprimir este tipo de violência, bem como algumas medidas adotadas em países que também enfrentam problemas devido a torcedores violentos. Para tal, o trabalho inicia-se buscando entender o que une um torcedor ao seu clube de coração e a importância da escolha de um time para se torcer na vida do torcedor. Em seguida, entendeu-se adequado relatar brevemente a fundação de Grêmio e Internacional, e como nasceu a rivalidade dos dois maiores clubes do estado. Posteriormente, realiza-se uma comparação entre as novas torcidas de ambos os 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso orientado pelo professor Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo e apresentado à Banca examinadora composta pelas professoras Lígia Mori Madeira e Clarice Beatriz da Costa Söhngen.

A Violencia Entre as Torcidas

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Page 1: A Violencia Entre as Torcidas

A VIOLÊNCIA ENTRE AS TORCIDAS DA DUPLA GRE-NAL: O QUE GERA E COMO CONTER A VIOLÊNCIA ENTRE AS DUAS MAIORES TORCIDAS DO ESTADO1

Thiago Trindade Amaral

RESUMO: O presente trabalho procede a um estudo sobre o comportamento violento de alguns torcedores de clubes de futebol, com destaque para os torcedores da dupla Gre-nal, e sobre as medidas adotadas pelas autoridades brasileiras e estrangeiras para combater este tipo de violência. Para tanto, o mesmo inicia-se tratando do sentimento que une um torcedor ao seu clube do coração e que o leva a cometer atos de violência, e com um apanhado histórico a respeito da fundação de Grêmio e Internacional, e do início da rivalidade entre estes clubes. Após este momento inicial, passou-se para uma análise de como a imprensa está tratando o tema e, principalmente, um estudo sobre quais medidas as autoridades brasileiras e gaúchas estão adotando no combate a este tipo de violência. E, por fim, foram estudadas as ações adotadas pelas autoridades britânicas, argentinas, portuguesas e espanholas para prevenir e reprimir a violência dos torcedores, buscando analisar quais poderiam ser copiadas no Brasil.

INTRODUÇÃO A escolha do presente tema baseia-se na importância que a atual relação

violenta entre as torcidas de Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e Sport Club

Internacional possui para a convivência pacífica da população de Porto Alegre.

Pretende-se, através deste trabalho, efetivar-se um estudo do comportamento

criminoso relacionado às torcidas de futebol, analisando os fatores que levam alguns

torcedores cometer atos violentos, as medidas adotadas pelas autoridades brasileiras e

gaúchas para prevenir e reprimir este tipo de violência, bem como algumas medidas

adotadas em países que também enfrentam problemas devido a torcedores violentos.

Para tal, o trabalho inicia-se buscando entender o que une um torcedor ao seu

clube de coração e a importância da escolha de um time para se torcer na vida do

torcedor. Em seguida, entendeu-se adequado relatar brevemente a fundação de

Grêmio e Internacional, e como nasceu a rivalidade dos dois maiores clubes do estado.

Posteriormente, realiza-se uma comparação entre as novas torcidas de ambos os

1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso orientado pelo professor Rodrigo Ghiringhelli de

Azevedo e apresentado à Banca examinadora composta pelas professoras Lígia Mori Madeira e Clarice Beatriz da Costa Söhngen.

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times, as torcidas organizadas brasileiras e os hooligans europeus, além de buscar-se

compreender quais são as motivações do torcedor para o cometimento de atos

violentos contra torcedores rivais.

Em um segundo momento, o trabalho busca analisar como se dá a cobertura da

imprensa aos atos violentos dos torcedores, bem como o reflexo destas noticias

vinculadas nos meios de comunicação junto aos torcedores. É neste momento que o

trabalho passa a ponderar, também, sobre as medida adotadas pelas autoridades

brasileiras e, principalmente, gaúchas, assim como passa a efetuar considerações a

respeito das leis e decretos já existentes na legislação nacional e estadual sobre o

tema.

Por fim, o trabalho descreve as medidas adotadas em outros países no sentido

de melhorar a segurança dos torcedores nos estádios, bem como expõem as leis

destes países sobre o tema para, ao final, apresentar quais medidas poderiam,

também, serem implantadas no Brasil.

O propósito da presente monografia é trazer a tona, além dos aspectos

relacionados à paixão do torcedor pelo seu clube, as medidas adotadas pelas

autoridades locais para combater o problema social que envolve os torcedores de

futebol, além de buscar alternativas no exterior para a diminuir os atos violentos nos

estádios.

1 A VIOLÊNCIA ENTRE AS TORCIDAS DE CLUBES RIVAIS

Desprezados por alguns, o futebol exerce grande influência na vida dos

torcedores, da cidade, do estado e do país. Carlos Amadeu Botelho Byington afirma:

Para certo tipo de intelectual, o futebol não passa de um poderoso instrumento de alienação. Na verdade, o futebol é um grande ritual pedagógico da alma coletiva. Através dos jogadores, da bola, da vitória e, mais ainda, da derrota, cada torcedor vivencia de forma simbólica e altamente emocional uma maneira criativa de cultivar, educar e guiar suas emoções.2

2 BYINGTON, Carlos Amadeu Botelho. O Arquétipo da Alteridade e a Riqueza Simbólica do Futebol – Uma Contribuição da Psicologia Simbólica Junguiana. São Paulo: [1982]. Disponível em: <http://www.carlosbyington.com.br/downloads/artigos/pt/o_futebol_e_a_arte_do_corpo.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2008.

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Neste capítulo nos dedicaremos a explicar como funciona a paixão entre os

torcedores e seus clubes do coração, focando-nos principalmente em Grêmio e

Internacional.

1.1. O que une um clube de futebol e sua torcida

O momento da escolha de um time de futebol para se torcer deve constituir uma

marca, via de regra, única na vida do torcedor. Por influência de familiares ou amigos,

do local onde se vive, por uma fase consistente de vitórias e títulos, ou ainda por

alguma convicção pessoal, a escolha do time do coração diz muito sobre a

personalidade de uma pessoa, sobre como ela enxerga o mundo e não deveria haver

possibilidade para arrependimento. Para o torcedor que se envolve com o futebol,

fanático, não há como compreender que um torcedor abandone seu time, troque-o por

outro, descarte-o. O time é como uma segunda família, o estádio é uma segunda casa,

e a história do clube é sagrada e única.

Neste sentido, Sílvio Ricardo da Silva esclarece:

Escolhe-se um time para a vida toda. Nessa escolha não entra a lógica do descartável, marca do mundo moderno. Não é à toa que o sujeito que muda de time é chamado de vira-casaca não só porque muda a camisa do time, mas porque, com isso, muda de pele, vira outra pessoa. Manter-se fiel a um time pela vida toda é manter seu caráter, suas idiossincrasias, é ter um rosto definido.3

O que leva o torcedor a escolher este ou aquele como o clube do coração é o

que Márcio Pereira Morato, com razão observa:

Torcer é uma construção cultural, e baseia-se principalmente em nossas relações, em nossas experiências. Desde meninos somos influenciados por familiares e amigos. Ganhamos bolas de futebol e o uniforme do clube preferido por um de nossos pais. [...] São as influências de familiares, de amigos, a identificação com a história e/ou origem do clube, a proximidade com o mesmo ou a vivência de momentos de sucessos ou fracassos da equipe, além do fato de ir ao estádio com os pais ou parentes, amigos ou vizinhos, que orientam a escolha do time e o estabelecimento de vínculo afetivo com ele. Por isso, a relação com equipes de outros esportes não é tão fiel quanto a relação de um

3 SILVA, Sílvio Ricardo da. A Construção Social da Paixão no Futebol – O caso do Vasco da Gama.

In: DAOLIO, Jocimar. Futebol, cultura e sociedade. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 48

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torcedor com seu time de futebol. Essa escolha não é aleatória. Ela tem um sentido, segue uma lógica de significados.4

Escolhido o clube do coração, o torcedor passa a ter uma válvula de escape para

suas mais fortes emoções. Dentro do estádio sua única preocupação é com a vitória, é

com o resultado, é com o gol. Sobre as emoções vividas pelo torcedor durante uma

partida, o médico psiquiatra Carlos Amadeu Botelho Byington nos ensina: “O gol é o

símbolo maior do futebol. Ele representa a morte simbólica do adversário [...] A vivência

de sofrer o gol e de fazer o gol se complementam e formam um todo emocional. Alegria

e tristeza, euforia e depressão, realização e frustração são vivenciadas como pólos

inseparáveis do processo existencial”.5

Com o passar do tempo, com as vitórias e as derrotas do seu time, com as idas

ao estádio, o torcedor passa a acreditar que realmente faz parte do clube, e que suas

atitudes podem fazer a diferença entre a vitória e a derrota. ”O que parece é que o

torcedor vai ao jogo buscando, muitas vezes, a alegria, a realização ou o sucesso que

não conseguiu ter naquele dia ou nos últimos tempos em sua vida. O seu time, assim,

pode representar uma parte da vida que dá certo”.6

Realizamos, ao longo desta pesquisa, entrevistas com torcedores que são

engajados dentro das torcidas Geral do Grêmio e Guarda Popular Colorada. Por não

haver quadro de associados em ambas as torcidas, não se pode dizer que os dois

torcedores são “integrantes” das mesmas, apesar de tanto um, quanto o outro,

possuírem, reconhecidamente, posição de destaque dentro de suas torcidas. Para

preservar suas identidades, passaremos a tratá-los por nomes fictícios: o gremista será

Augusto e o colorado será Henrique.7

Para Augusto, a presença do torcedor no estádio é fundamental:

E a importância do torcedor no estádio eu acho que é toda né. Eu acho que se não tem torcedor não tem porque ter estádio, não tem porque ter jogo, não tem

4 MORATO, Márcio Pereira. A Dinâmica da Rivalidade entre Pontepretanos e Bugrinos. In: DAOLIO,

Jocimar. Futebol, cultura e sociedade. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 76 5 BYINGTON, Carlos Amadeu Botelho. O Arquétipo da Alteridade e a Riqueza Simbólica do Futebol – Uma Contribuição da Psicologia Simbólica Junguiana. São Paulo: [1982]. Disponível em: <http://www.carlosbyington.com.br/downloads/artigos/pt/o_futebol_e_a_arte_do_corpo.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2008.

6 SILVA, Sílvio Ricardo da. A Construção Social da Paixão no Futebol – O caso do Vasco da Gama. In: DAOLIO, Jocimar. Futebol, cultura e sociedade. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 25

7 Os nomes fictícios Augusto e Henrique foram escolhidos para homenagear os fundadores do Grêmio, Augusto Koch, e do Internacional, Henrique Poppe.

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porque ter nada. E o torcedor que, não só o cara que tem, ah, tem seis milhões de gremistas, o torcedor que é importante não é este. O torcedor que é importante é os vinte, trinta mil que tão lá todo jogo, este cara é o que importa, o resto não importa nada. [...] Tu vê a diferença de uma torcida que nem a do Grêmio, que vai no estádio, que faz a diferença, pra uma torcida que nem, sei lá, a do São Paulo, que fica o jogo inteiro parada dentro do estádio. É outra coisa, a diferença entre um estádio morto e um estádio vivo.8

Esta também é a opinião de Henrique:

[...] eu tenho certeza que o torcedor é a alma de um clube de futebol. Eu já fui em estádios que eram completamente gelados, como o estádio do Libertad do Paraguai. E já presenciei também estádios como o do Boca Juniors, e tenho certeza que a força de um clube também se dá de acordo com o torcedor que o clube tem.9

1.2. A fundação de Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e Sport Club Internacional e o

início da rivalidade

Fundado no dia 15 de setembro de 1903, seis anos antes do futuro rival, o

Grêmio de Foot-Ball Porto-Alegrense nasceu por obra de trinta e dois jovens, em

maioria filhos de imigrantes alemães e açorianos. Tricolor desde sua fundação, as cores

do clube, inicialmente, eram o azul, o branco, e havana, uma tonalidade marrom. Só em

1904, após não encontrarem tecido de cor havana no comércio, é que o Grêmio passou

a adotar as cores que o tornaram famoso mundo afora: azul, branco e preto.

Já o Sport Club Internacional foi fundado em 04 de abril de 1909, por iniciativa de

três irmãos imigrantes paulistas, Henrique, José e Luís Poppe, que encontraram

dificuldades de se associar aos clubes já existentes em Porto Alegre, devido ao

argumento de serem pessoas estranhas à sociedade da capital. Adotou-se a cor

vermelha por voto dos integrantes do grupo de carnaval Venezianos, maioria dos

presentes no ato de fundação do clube, e que adotavam a mesma cor.

O primeiro confronto entre os dois clubes foi também à primeira partida disputada

pelo Internacional. O jogo realizou-se no dia 18 de julho de 1909 e terminou com o

placar de dez a zero em favor do Grêmio.10 No segundo confronto, com nova vitória

8 Dados da Entrevista (questionário) realizada em 01 de setembro de 2008 junto a torcedor do Grêmio. 9 Dados da Entrevista (questionário) realizada em 31 de agosto de 2008, junto a torcedor do

Internacional. 10 COIMBRA, David; NORONHA, Nico; SOUZA, Mário Marcos de. A História dos Grenais – 2ª Ed. Porto

Alegre: Artes e Ofícios, 2004. p. 245

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tricolor, houve a primeira briga entre integrantes dos dois clubes, como nos relatam os

jornalistas David Coimbra, Nico Noronha e Mário Marcos de Souza:

Booth foi o pivô da primeira briga em Grenais. Depois de apanhar a bola no meio e aplicar dribles em toda a defesa colorada, ele acabou barrado por um violento pontapé do irritado zagueiro Volksmann, que não agüentava mais aquela falta de respeito. Fechou o tempo. Jogadores das duas equipes trocaram tapas e por pouco o jogo não foi encerrado ali mesmo.11

Entre os anos de 1909 e 1918 foram disputados onze jogos entre Grêmio e

Internacional, com sete vitórias tricolores e quatro vitórias coloradas. O Grêmio marcou

43 gols, o Internacional marcou 21. Nos 50 anos seguintes Grêmio e Internacional

conquistaram a hegemonia do futebol no Rio Grande do Sul, conquistaram títulos

municipais e estaduais e formaram grandes ídolos do futebol, como o gremista Eurico

Lara, imortalizado na letra do hino do clube, e o colorado Carlitos, o maior artilheiro da

história do clássico com 42 gols. Um dos aspectos mais curiosos desta rivalidade é que

não se pode definir com certeza qual a maior torcida de Porto Alegre, como comprova

pesquisa realizada pelo instituto Datafolha entre os dias 26 e 29 de novembro de 2007:

No Estado do Rio Grande do Sul o Grêmio é líder isolado, com 48%; o Internacional conta com 36% das preferências. Em Porto Alegre, o tricolor gaúcho atinge 48%, apenas cinco pontos percentuais a mais do que o rival colorado, que obtém 43%, e ocorre um empate, em razão da margem de erro, de exatamente cinco pontos, para mais ou para menos.12

1.3. A comparação entre as novas torcidas de Grêmio e Internacional, as torcidas

organizadas e os hooligans europeus

Existem diferentes tipos de torcedores, diferentes formas de expressar o seu

amor pelo clube do coração e diferentes intensidades de como este sentimento atinge o

torcedor. É importante diferenciar as figuras “torcedor” e “torcida”, como bem elucida

Carlos Alberto Máximo Pimenta:

Há uma distinção importante a ser feita entre torcedores e torcida, o que pressupõe constituições e formas diferenciadas. A gênese da figura do

11 COIMBRA, David; NORONHA, Nico; SOUZA, Mário Marcos de. Op. Cit. p. 22 – 23 12 FLAMENGO e Corinthians seguem no topo de ranking de torcidas. Instituto Datafolha, São Paulo, 14

jan. 2008. Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=538>. Acesso em: 21 jun. 2008.

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torcedor, pessoa que declara ato de fidelidade eterna para um determinado time de futebol, está diretamente associada às disputas, aos campeonatos e às competições, caracterizadas pela relação de identificação torcedor-time: [...] Já a torcida é o agrupamento de torcedores que se associam a um determinado grupo, descaracterizado pela identificação torcedor-time, mas vinculado à relação institucional torcedor-torcida-time, gerando comportamentos performáticos e espetacularizados nas arquibancadas dos estádios.13

Últimas torcidas de seus respectivos clubes a surgirem, tanto a pioneira Geral do

Grêmio, quanto a Guarda Popular Colorada, mudaram a maneira de se torcer dentro

dos estádios de futebol no Brasil. Inspiradas na maneira platina de se torcer, já

consagradas pelas torcidas conhecidas por “Barras Bravas”, como por exemplo “La

Banda del Parque”, do Nacional do Uruguai, “La 12”, do Boca Juniors, “Los Borrachos

del Tablón”, do River Plate, e “La Guardia Imperial”, do Racing Club, estas últimas todas

da Argentina, apóiam seus times durante todo o jogo, cantam sem parar e

protagonizam um espetáculo a parte dentro do estádio.

Carlos Alberto Máximo Pimenta define torcida organizada nos seguintes termos:

Podemos definir torcida organizada como um grupamento de pessoas simpatizantes de um clube de futebol, sem fins lucrativos, estruturado de forma relativamente burocrática, com o objetivo de incentivar o time durante os jogos e defender a integridade do grupo nos momentos de confrontos físicos ou verbais com os adversários. Essas pessoas, na maioria jovens rapazes, são denominadas sócios da organização, e promovem eleições periódicas para eleger o quadro administrativo, composto por: presidente, conselheiros e diretores. Interações e reuniões sociais costumam acontecer na sede das agremiações. A estrutura administrativa das torcidas organizadas assume aspectos militaristas, contemplando estratégias de confronto aliadas a táticas de ataque e de defesa.14

Com suas bandeiras, seus uniformes, suas faixas e seus símbolos, as torcidas

organizadas são facilmente identificadas dentro de um estádio de futebol, bem como a

identidade de seus integrantes e dirigentes, devido à estrutura burocrática de sua

organização, em que é possível ter acesso, por exemplo, ao seu quadro de associados.

Já os hooligans europeus, como explica Pimenta, se organizam de maneira

completamente diferente:

Um grupo de hooligans compõe a “firma”: agrupamento de torcedores em torno de um chefe ou de um comandante, que é a pessoa mais respeitada dentro do

13 PIMENTA, Carlos Alberto Máximo. Brutalidade Uniformizada no Brasil. In: PINSKY, Jaime; PINSKY,

Carla Bassanezi. Faces do Fanatismo. São Paulo: Contexto, 2004. p. 273 14 PIMENTA, Carlos Alberto Máximo. Op. Cit. p. 264

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grupo. Tal respeito deve-se à capacidade individual de aglutinar em torno de si, pessoas afins. Aos poucos, essas pessoas estabelecem valores e estilos próprios, como cantos, “gritos de guerra”, comportamentos, modo de vestir determinado cortes de cabelo etc. No início, encontram-se ligadas por fortes laçoes formados na vizinhança em que habitam, nos locais de trabalho, de estudo ou de jogos. [...] No grupo, a confiança é adquirida à medida que o novo membro demonstra identificação com os valores dos companheiros e corresponde às expectativas destes. Por serem grupos fechados, estes só incorporam pessoas indicadas por membros do próprio grupo. [...] Entretanto, o que diferencia o hooliganismo dos demais mvimentos de “torcedores organizados”, é a afinidade político-ideológica de extrema direita e a quase ausência de burocracia na organização. Por exemplo, não possuem uma estrutura com quadro associativo e registro formal em cartório, como as torcidas organizadas brasileiras. Além disso, não aceitam candidatos com posturas e estilo de comportamento diferente dos adotados pelo grupo.15

Ao contrário das torcidas organizadas brasileiras, é difícil de se identificar os

grupos de hooligans dentro dos estádios, pois os mesmos não utilizam símbolos

relacionados às suas “firmas”, buscando um relativo anonimato da identidade de seus

integrantes bem como da autoria de suas ações. Quanto ao comportamento, os

hooligans não podem ser facilmente identificados à primeira vista: “No cotidiano, na

maioria dos casos, agem como pessoas comuns, que tem família e trabalham, mas,

‘aos sábados’, quando tradicionalmente são disputados os jogos dos campeonatos na

Inglaterra, por exemplo, transformam-se em ‘incendiários’ e ‘arruaceiros’.”16

Dentro deste contexto, surge a dificuldade de qualificarmos as torcidas Geral do

Grêmio e Guarda Popular Colorada como torcidas organizadas ou firma de hooligans.

Ambas as torcidas possuem bandeiras e faixas exaltando seus nomes, e colocam-se

sempre na mesma área do estádio, todas estas características de torcidas organizadas.

Por outro lado, ambas não possuem quadro de associados e buscam o anonimato de

seus integrantes, características dos hooligans europeus. Ambas não possuem

uniformes próprios, característica das torcidas organizadas, utilizando-se apenas das

camisas do próprio clube, bem seus integrantes não seguem uma linha político-

ideológica de extrema direita, característica dos hooligans europeus. Em seu site oficial,

a Guarda Popular Colorada afirma que “não é uma torcida organizada”.17

Carlos Alberto Máximo Pimenta, novamente, distingue as espécies de torcida

com clareza:

15 PIMENTA, Carlos Alberto Máximo. Barbárie e Futebol. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi.

Faces do Fanatismo. São Paulo: Contexto, 2004. p. 254 – 255 16 PIMENTA, Carlos Alberto Máximo. Op. Cit. p. 256 17 GUARDA Popular Colorada. História. Disponível em:

<http://www.guardapopularcolorada.com/index_sobre.php>. Acesso em: 29 ago. 2008.

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A distinção básica consiste em que os “barras bravas” da América Latina não têm organização burocrática semelhante à das torcidas organizadas. Entretanto, assim como estas, não são simpatizantes de partidos políticos de extrema direita nazifascista como os hooligans. Os hooligans assumem projetos político-ideológicos nacionalistas e xenofóbicos, se vinculam afetivamente com um clube e não tem estrutura burocrática. Embora os barras bravas e os hooligans sejam grupos de visibilidade social significativa, as torcidas organizadas, com sua estrutura burocrática estabelecida, não buscam o anonimato nas ações, como fazem os barras bravas e os hooligans, e constituem um conjuntos de símbolos – nome da torcida registrado em cartório, camisetas, filiação com pagamento de mensalidade, bonés etc. – que vinculam explicitamente o torcedor à torcida.18

Consideramos, portanto, que tanto a Geral do Grêmio, quanto a Guarda Popular

Colorada, encaixam-se no perfil de barra bravas, aproximando-se mais do perfil das

torcidas uruguaias, argentinas e chilenas, do que das torcidas organizadas brasileiras,

ou dos hooligans europeus.

1.4. O que leva o torcedor a cometer atos de violência contra o clube e a torcida rival

Nem todo torcedor que freqüenta o estádio do seu time do coração tem a

intenção, a coragem, ou a estupidez, de cometer atos de violência contra o clube ou a

torcida rival. Mas mesmo o mais sensato torcedor pode, em um momento de

descontrole, tomar uma atitude contrária à sua índole. Em dias de jogo, quando desde

cedo uma multidão toma conta das imediações dos estádios, são as ocasiões em que

mesmo um torcedor comum acaba comportando-se de maneira irracional. A justificativa

para isto, segundo Sigmund Freud, é: “Nada há que pareça impossível ao indivíduo,

quando este está inserido na multidão [...]. Quando uma pessoa está misturada à

multidão, o seu comportamento é, via de regra, irracional”.19

Entretanto, grande parcela dos torcedores que vivem o dia-a-dia de seus clubes

acredita que sua participação na arquibancada influi diretamente no resultado final

obtido pelos jogadores em campo. “O empenho é pela vitória do seu time. Os

torcedores acreditam que, para vencer, não basta somente incentivar seu time, também

18 PIMENTA, Carlos Alberto Máximo. Brutalidade Uniformizada no Brasil. In: PINSKY, Jaime; PINSKY,

Carla Bassanezi. Faces do Fanatismo. São Paulo: Contexto, 2004. p. 274 – 275 19 FREUD, Sigmund apud MURAD, Maurício. A Violência e o Futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje. Rio de Janeiro: FGV, 2007. p. 65

Page 10: A Violencia Entre as Torcidas

é preciso desestruturar a tríade fundamental adversária e sua intervenção se faz

importante para deixá-los mais distantes da vitória”.20

A convicção de que a intimidação dos jogadores do time adversário por parte dos

torcedores pode influir para que o time alcance a vitória existe, e pode ser verificada

tanto no depoimento de Augusto, como no depoimento de Henrique:

[...] mais de uma vez, sempre que eu achei que era a favor do Grêmio, que era pra ajudar o Grêmio, eu já toquei foguete em hotel de clube adversário, apedrejei ônibus de time adversário [...].Então eu faço tudo que eu posso, tudo que ta na minha mão pra ajudar o meu time cara. E eu acho que essa dedicação aí que eu tenho pro meu time, muita gente tem, justifica às vezes atos injustificáveis.21

E teve uma vez que a LDU veio jogar no Beira Rio, no mata-mata da Libertadores de 2006, e o ônibus do time tava entrando no estádio e o pessoal cercou o ônibus e rolou umas garrafadas no vidro dos caras assim. E a motivação é a intimidação mesmo. Eu acho que tem um momento que vale tudo, a gente tem que ajudar o clube, independente do que acontecer e intimidar o adversário é uma arma que a gente tem.22

Podemos concluir, portanto, que a motivação do torcedor para cometer atos de

violência contra a torcida, os jogadores, e o patrimônio de um clube adversário, e em

especial ao do maior rival, vai além de uma explicação racional e ponderada. Pode ser

uma atitude consciente, como pode ser também por impulso, ou por influência da

multidão em que se encontra. O que não se pode negar é que o torcedor toma essas

atitudes acreditando sempre que esta fazendo o melhor para o seu clube. Seja para

amedrontar os jogadores rivais, para provar quem tem a torcida mais forte ou por um

destempero momentâneo.

Tanto Augusto, como Henrique, em seus depoimentos, afirmam que a violência

que ocorre entre as torcidas são apenas reflexos da sociedade brasileira. Para ambos,

em um país onde os criminosos estão à solta, onde as leis não são respeitadas e a

insegurança pública atinge a todos, existiriam vários problemas que deveriam ser

resolvidos antes de as autoridades se preocuparem com a violência entre os torcedores

de futebol.

20 MORATO, Márcio Pereira. A Dinâmica da Rivalidade entre Pontepretanos e Bugrinos. In: DAOLIO,

Jocimar. Futebol, cultura e sociedade. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 98 21 Dados da Entrevista (questionário) realizada em 01 de setembro de 2008 junto a torcedor do Grêmio. 22 Dados da Entrevista (questionário) realizada em 31 de agosto de 2008, junto a torcedor do

Internacional.

Page 11: A Violencia Entre as Torcidas

2 COMO AS VIOLÊNCIAS REAL E RACIONAL SÃO COMBATIDAS ATUALMENTE

PELOS ÓRGÃOS PÚBLICOS E POR GRÊMIO E INTERNACIONAL, E COMO OS

ATOS VIOLENTOS SÃO RETRATADOS PELA IMPRENSA

Neste capítulo buscamos analisar como a questão dos atos de violência

cometidos entre as torcidas de Grêmio e Internacional está sendo tratada pelos órgãos

públicos, pelas diretorias da dupla Gre-nal e que medidas estão sendo tomadas. Iremos

analisar também como se dá a cobertura da imprensa sobre estes atos de violência, e

qual a influência que o sensacionalismo da mesma sobre os torcedores.

2.1. A maneira sensacionalista que a imprensa trata a violência entre as torcidas

Nada gera mais debates no Brasil do que o futebol. Isto é visto com naturalidade

pelos brasileiros, afinal de contas, somos o país do futebol, temos os melhores

jogadores do mundo e o campeonato mais disputado do planeta, segundo nós mesmo.

Dentro deste contexto de obsessão nacional pelo futebol, existe no Brasil um

grande espaço dedicado ao jornalismo esportivo. Existem emissoras de televisão

especializadas em esporte, como a “ESPN” e a “SporTV”, diários, como o “Lance!”, e

revistas, como a respeitadíssima “Placar”. Mesmo os grandes jornais possuem suas

editorias de esporte, as quais, diariamente, noticiam todas as facetas que envolvem os

grandes clubes de futebol brasileiros, entre elas, os casos de violência que

eventualmente envolvem as torcidas de times adversários. “Temos a impressão de que

a violência no esporte é um tema contemporâneo. Essa sensação é gerada também

pela insistência da mídia em repetir matérias de manifestações violentas de uma forma

que chega a ser sensacionalista”.23

Em artigo publicado no ano de 1969, o sociólogo francês Georges Magnane

advertia sobre os esforços que os meios de comunicação têm de realizar para

satisfazer a sede por notícias do público:

23 REIS, Heloisa Helena Baldy dos. Espetáculo Futebolístico e Violência – Uma Complexa Relação.

In: DAOLIO, Jocimar. Futebol, cultura e sociedade. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 106

Page 12: A Violencia Entre as Torcidas

[...] reclamando cada vez mais prodígios, o público incita os jornalistas especializados a inventar sem cessar novos acontecimentos. Estas invenções, por seu lado, suscitam novas necessidades.24

No mesmo sentido, José Maurício Capinussú afirma:

A imprensa escrita, falada e televisada, em sua maior parte, é representada por empresas comerciais que precisam usufruir lucros, exatamente como qualquer outro empreendimento capitalista, em que predomina a lei do custo-benefício. Neste contexto, a violência é um dos ingredientes indispensáveis ao aumento das tiragens, da audiência ao rádio e à televisão. Pergunta-se, então, até que ponto esta exploração não fabrica mais violência? E que papel os meios de comunicação de massa desempenham em relação à violência e ao seu fomento? [...] A informação esportiva integra-se a esse grande movimento gerador de violência que invade a sociedade de classes de um extremo a outro. Não gera violência, mas se encarrega de retransmiti-la, veiculá-la e prepará-la, incluindo-se num sistema cultural que procura garantir a reprodução do poder. Depreende-se, assim, que a imprensa esportiva, devido à sua capacidade de transmitir o acontecimento, tem maior responsabilidade em relação à violência.25

A maior reclamação que se ouve dos integrantes das torcidas da dupla Gre-nal é

a de que a imprensa esportiva gaúcha, em especial a porto alegrense, limita-se a

publicar o lado negativo das torcidas, ignorando as atitudes positivas e construtivas

tomadas por ambas torcidas, como campanhas sociais.

Os depoimentos de Augusto e Henrique convergem de forma esclarecedora

neste sentido:

A imprensa é a coisa que mais me da nojo. [...] A gente gasta dinheiro, gasta trabalho, gasta empenho bolando os negócios, as vezes a torcida faz uma puta festa [...] um negócio que tu passa a semana inteira bolando, e fica do caralho e a imprensa não põe uma linha, ta ligado. Daí da uma briguinha lá e os caras põe meia página. Então, tipo, o que os caras querem? [...] Não da pro cara noticiar um coisa bacana, construtiva, uma coisa que agrega o Grêmio, ta ligado. Não vão noticiar os caras que, quando a Geral começou uma campanha de sócios o Grêmio tinha três mil sócios e hoje em dia tem quarenta e quatro mil. [...] Adianta noticiar que teve uma briga, que quebraram um ônibus, e coisa e tal. Então os caras tem um pensamento de espírito de porco, cara. Os caras querem ver só as coisas negativas. [...] A gente ia atrás e falava pra olhar o lado bom das coisas, a gente faz campanha social afu, arrecada alimento, arrecada agasalho, ajuda instituição social que precisa e os caras só querem ver o lado ruim né meu. Então eles que se fodam. Enchemos os saco deles.26

24 MAGNANE, Georges apud CAPINUSSÚ, José Maurício. Comunicação e Transgressão no Esporte.

São Paulo: IBRASA, 1997. p. 76 – 77 25 CAPINUSSÚ, José Maurício. Op Cit. p. 77 26 Dados da Entrevista (questionário) realizada em 01 de setembro de 2008 junto a torcedor do Grêmio.

Page 13: A Violencia Entre as Torcidas

A imprensa quer vender jornal, isso todo mundo sabe. Então eles pegam um fato e destorcem da maneira que fica melhor, mais polêmica, pra poder vender jornal. Então, no caso das torcidas, a gente vê que essa parte das brigas, do vandalismo, sempre causa muita revolta e o pessoal não costuma ver a parte bonita que as torcidas fazem. Eu já participei de diversas ações que o objetivo era doar alimentos para entidades carentes, lar de pessoas idosas abandonadas, e isso eu nunca vi a imprensa cobrir. Agora no momento da parte ruim, que acontecem brigas, acontecem fatos de violência [...] a imprensa ta sempre aí. Então quando a gente faz coisa ruim os caras vêm e quando a gente faz coisa legal os caras não vêm. Então eu acho que a imprensa, no final, só quer vender jornal, só quer o deles [...].27

Podemos afirmar, com razão, que a imprensa não cobre tais ações sociais,

dando maior ênfase aos atos de violência cometidos. Entretanto, por mais que se

questione a ética desta ênfase dada aos atos negativos, não podemos dizer que a

mesma seja ilícita. De fato, há um maior interesse do público pelas brigas entre as

torcidas do que por suas campanhas sociais, assim como as tragédias geram maior

ibope do que as boas notícias.

Na tentativa de racionalizar a relação entre os meios de comunicação esportivos

e as torcidas, neste caso as da dupla Gre-nal, é elucidativo a maneira como Márcio

Pereira Morato disserta acerca do tema:

Existe um certo maniqueísmo em relação às torcidas organizadas, com uma valorização daquilo que ela oferece de bom (cantos, instrumentos, coreografias etc.) e uma recriminação do seu lado ruim (de sua violência), por parte daqueles que não fazem parte destas organizações. No primeiro acontecimento envolvendo torcidas organizadas, a imprensa logo as coloca na berlinda, julgando e recriminando-as. Mas numa chamada de televisão ou numa foto em revista relacionada ao futebol, a imagem que se tem é de uma coreografia de torcida organizada. Nessa visão maniqueísta, somente a “parte boa” das torcidas organizadas é importante para o espetáculo, mas não há como fazer essa separação. Seus comportamentos são estruturados por meio da dinâmica cultural que vivenciam no estádio e, diferentemente do cotidiano, em tal ambiente há um certo nível de violência que é aceito e satisfatório, mas que pode desencadear uma forma de violência inaceitável [...].28

2.2. Como os órgãos públicos e os clubes estão combatendo a violência entre as

torcidas da dupla Gre-nal

27 Dados da Entrevista (questionário) realizada em 31 de agosto de 2008, junto a torcedor do

Internacional. 28 MORATO, Márcio Pereira. A Dinâmica da Rivalidade entre Pontepretanos e Bugrinos. In: DAOLIO,

Jocimar. Futebol, cultura e sociedade. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 91 – 92

Page 14: A Violencia Entre as Torcidas

Apesar da importância destacada do futebol no contexto da sociedade brasileira,

a legislação referente aos espetáculos esportivos vigente é muito pobre, sendo

inúmeros os aspectos deixados sob obscuridade. Dentro da legislação brasileira, no

que tange aos aspectos que envolvem os espetáculos esportivos e os seus

espectadores, devemos ressaltar duas leis: a lei n.º 9.615/98, conhecida como Lei Pelé,

e a lei n.º 10.671/03, conhecida como Estatuto do Torcedor. Ambas prevêem, a primeira

em seu artigo nº 42, e a segunda em seu artigo nº 40, a equiparação dos espectadores

de futebol ao consumidor de um modo geral.

É esclarecedora a crítica de Heloisa Helena Baldy dos Reis quanto às omissões

da legislação brasileira que regulamenta e promove o esporte como espetáculo no

país:

O Estatuto do Torcedor (Lei n. 10.671/03) é um instrumento legal fundamental para os trabalhos de prevenção da violência relacionada aos espetáculos esportivos, porém é bastante limitado. [...] Por ser o espetáculo esportivo um evento que congrega um número muito grande de espectadores em um recinto fechado, em sua maioria torcedores de uma das equipes esportivas que disputam a partida, é necessário estabelecer leis claras que disponham sobre a segurança do público, as condições de infra-estrutura dos equipamentos esportivos (no caso do futebol, os estádios), as responsabilidades civis e criminais e as punições em caso de desobediência e/ou transgressão. Todos estes itens são muito pouco elaborados ou inexistentes na Lei n. 10.671/03.29

Entretanto, quanto à punição aos torcedores que comentem crimes dentro dos

estádios, ou no seu entorno, a lei n.º 10.671/03 não é omissa. Ao prever penas para as

ações cometidas no ambiente dos eventos esportivos, o Estatuto do Torcedor oferece

aos Juízes e Promotores de Justiça que atuem nestes casos um farol para guiar-se no

momento de julgá-los. Versa ela, em seu art. 39, nos seguintes termos:

Art. 39. O torcedor que promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores ficará impedido de comparecer às proximidades, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de três meses a um ano, de acordo com a gravidade da conduta, sem prejuízo das demais sanções cabíveis. § 1o Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de cinco mil metros ao redor do local de realização do evento esportivo. § 2o A verificação do mau torcedor deverá ser feita pela sua conduta no evento esportivo ou por Boletins de Ocorrências Policiais lavrados.

29 REIS, Heloísa Helena Baldy dos. Futebol e Violência. Campinas: Armazém do Ipê (Autores

Associados), 2006. p. 98 – 99

Page 15: A Violencia Entre as Torcidas

§ 3o A apenação se dará por sentença dos juizados especiais criminais e deverá ser provocada pelo Ministério Público, pela polícia judiciária, por qualquer autoridade, pelo mando do evento esportivo ou por qualquer torcedor partícipe, mediante representação.30

No Rio Grande do Sul o poder Legislativo também resolveu agir para combater

os atos de violência entre as torcidas de futebol. Proposta pelo deputado estadual Miki

Breier em 2007, e aprovada no ano seguinte, a Lei n.º 12.916/08 busca, através da

proibição do comércio de bebidas alcoólicas no interior dos estádios, prevenir que os

torcedores tomem atitudes violentas por estarem sob o efeito do álcool:

Art. 1º - Ficam proibidos, nos dias de jogos, a comercialização e o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol e nos ginásios de esportes do Estado do Rio Grande do Sul. Parágrafo único – O disposto no “caput” aplica-se somente à área interna dos estádios e dos ginásios de esportes, quando da realização de partidas de futebol profissional válidas em competições oficiais.31

A preocupação em prevenir o consumo excessivo de álcool entre os torcedores

para combater atos de violência tem fundamento. É pacifico entre os autores do tema

que o álcool funciona como um estimulador da violência entre os torcedores.

Levantamentos procedidos em países europeus constataram que a violência no esporte, hoje muito presente dentro e fora dos locais de competição, se localiza mais entre uma juventude frustrada, predominantemente homens e operários, estimulados pela ingestão desenfreada de bebidas alcoólicas e tóxicos.32

A proibição da venda de bebidas alcoólicas dentro dos estádios de futebol

brasileiros atingiu a totalidade do território nacional em abril de 2008, quando a

Confederação Brasileira de Futebol (CBF), responsável pela organização e direção do

futebol no Brasil, publicou a Resolução da Presidência n.º 01/2008, que regula:

30 BRASIL. Lei n.º 10.671, de 15 de maio de 2003. Dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá

outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 mai. 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.671.htm>. Acesso em: 17 set. 2008.

31 RIO GRANDE DO SUL. Lei n.º 12.916, de 1º de abril de 2008. Proíbe a comercialização e o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol e nos ginásios de esportes do Estado do Rio Grande do Sul. Diário Oficial [do] Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 02 abr. 2008. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/legislacao/id3837.htm>. Acesso em: 17 set. 2008.

32 CAPINUSSÚ, José Maurício. Comunicação e Transgressão no Esporte. São Paulo: IBRASA, 1997. p. 68

Page 16: A Violencia Entre as Torcidas

1 – Proibir a venda e o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios que sediem partidas de futebol integrantes de competições coordenadas pela CBF, cujas partidas são organizadas pelas Federações e pelas entidades de prática desportiva detentoras do mando de jogo(Clubes).33

Tanto a criação, quanto à publicação desta resolução foram motivadas pelos

esforços conjuntos que a CBF e o Conselho Nacional de Procuradores Gerais do

Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) vem adotando para combater a

violência nos estádios. Ambas as entidades, inclusive, assinaram um Protocolo de

Intenções, apontando medidas a serem tomadas por ambas para lograrem êxito. Entre

estás medidas podemos destacar as previstas na cláusula sétima, qual seja, o esforço

para criação de Juizados Especiais Criminais (JECrim) nos estádios de futebol, na

cláusula décima primeira, que rege sobre a entrada das torcidas organizadas por

portões específicos para uma revista mais apurada e posterior saída do estádio

somente vinte minutos após o termino do jogo, e na cláusula décima quinta, que

recomenda a instalação de câmeras de filmagens nos estádios para vigiar os

torcedores.34

A ciência de que poderão ser encaminhados a presença de um Juiz, quase que

instantaneamente, e responder na esfera judicial por alguma atitude delituosa serviria

para frear o ímpeto agressivo dos torcedores. Para termos uma concepção correta dos

crimes cuja competência para processar e julgar é dos Juizados Especiais Criminais

iremos nos valer da doutrina de Cezar Roberto Bitencourt:

Os crimes tipificados no Código Penal ou em leis extravagantes cuja pena máxima cominada não seja superior a dois anos passam a ser considerados infrações de menor potencial ofensivo, e a competência será dos Juizados Especiais Criminais. Será indiferente sua natureza dolosa ou culposa, sua forma qualificada, simples ou privilegiada; será suficiente que a pena cominada não seja superior a dois anos.35

No caso da violência entre os torcedores há um esforço tanto do Juiz, quanto

do Promotor do Ministério Público para que haja entendimento com aqueles que

33 CONFEDERAÇÃO Brasileira de Futebol. Resolução da Presidência nº 01/2008. Rio de Janeiro, 29 abr.

2008. Disponível em <http://listas.cev.org.br/pipermail/cevleis/2008-June/034024.html>. Acesso em 17 set. 2008.

34 CONSELHO Nacional de Procuradores Gerais do Ministério Público dos Estados e da União. Protocolo de Intenções entre CNPG e CBF. Rio de Janeiro, 31 ago. 2007. Disponível em: <http://www.cnpg.org.br/arquivos/ProtocoloIntencoes_CBF_Assinado.pdf>. Acesso em: 17 set. 2008.

35 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, volume 1. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 636

Page 17: A Violencia Entre as Torcidas

delinqüiram na área entorno do estádio, ou dentro do mesmo, chegando-se a um

acordo que suspenda o processo. Acerca do rito processual nos Juizados Especiais

Criminais, o professor Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo observa:

De acordo com o que estabeleceu o legislador no art. 62 da Lei 9.099/95, o processo perante os Juizados Especiais Criminais deve ser orientado pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação da pena não privativa de liberdade.36

A partir desta afirmação de Azevedo, podemos concluir que os Juizados

Especiais Criminais, ao invés de aplicarem aos seus réus uma pena privativa de

liberdade, tendem a aplicar penas alternativas, ou também a suspensão condicional do

processo. A implantação dos Juizados Especiais Criminais, tanto no Estádio Olímpico

Monumental, do Grêmio, quanto no Estádio Beira-Rio, do Internacional, foi efetuada em

abril de 2008. Desde que entraram em funcionamento até o dia 13 de setembro de

2008, quando foi realizada a partida entre o Grêmio e Goiás Esporte Clube, válida pela

vigésima quinta rodada da primeira divisão do Campeonato Brasileiro de Futebol, juntos

os Juizados registraram 93 atendimentos, sendo 47 no Estádio Olímpico e 46 no

Estádio Beira-Rio.37 Neste dia, por exemplo, foram três atendimentos do Juizado

Especial Criminal do estádio gremista: um por vandalismo, no caso o arremesso de um

rádio em direção ao campo, um por posse de drogas, maconha, e um por ato obsceno,

urinar em via pública.38 Tanto o Grêmio, quanto o Internacional, por recomendação do

Ministério Público Estadual, e antecipando a orientação do protocolo de intenções

firmado entre a CBF e a CNPG, instalaram câmeras de segurança em seus respectivos

estádios39, buscando coibir, assim, atos de violência ou vandalismo dentro de seus

domínios.

36 AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Informalização da Justiça e Controle Social. Porto Alegre:

IBCCRIM, 2000. p. 125 37 AREND, Adriana. Torcedor que atirou rádio em direção ao campo é multado e proibido de assistir a

jogos em Porto Alegre. Notícias – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 13 set. 2008. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/noticias/mostranoticia.php?assunto=1&categoria=1&item=71155&voltar=S>. Acesso em: 15 set. 2008.

38 Ibidem 39 DAMIANI, Flávio. Guerra de torcidas: MP e CBF fecham o cerco. Imprensa - Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 04 set. 2007 Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/imprensa/noticias/id11944.htm>. Acesso em: 17 nov. 2007.

Page 18: A Violencia Entre as Torcidas

Outra aresta relevante a ser debatida nesta seara é quanto à atuação dos

órgãos policiais na prevenção e repressão aos torcedores que praticam atos

delinqüentes. Com razão, Heloisa Helena Baldy dos Reis tece o seguinte comentário:

Em espetáculos de multidão, a intervenção policial deve ser feita no momento em que se avalia que a violência simbólica está chegando ao limiar da transformação em violência física. O melhor momento de agir não é após o desencadeamento da violência física, quando as manifestações agressivas já são incontroláveis. Neste sentido, as imagens do circuito fechado de câmeras são importantíssimas para subsidiar uma eficaz e mais segura intervenção.40

Baseando-nos no que Reis menciona, há a necessidade de a polícia agir,

preferencialmente como agente preventor da violência entre os torcedores, evitando,

assim, a necessidade de reprimir os mesmos. Tal medida, conseqüentemente, evita

que a polícia acabe atuando como órgão gerador de violência entre os torcedores, o

que ocorre quando não há preparo técnico e psicológico, nem experiência por parte dos

policiais para atuar neste tipo de evento.41

Entre os torcedores entrevistados as opiniões divergem perpendicularmente.

Mesmo afirmando sentir-se seguro no estádio rival graças a seus companheiros de

torcida, e não a ações policiais,42 Augusto acredita que a polícia gaúcha, em especial o

Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (BOE), cumpre o seu papel na

prevenção da violência:

Hoje, no Brasil inteiro, a polícia é muito mais preparada pra enfrentar o problema das torcidas. O que eles fazem? Eles fazem um negócio que eles deveriam ter feito a vida inteira que é tentar evitar os problemas, e isto ta certo. Obviamente a polícia, e até eu não tiro muito a razão, é muito truculenta, mas também, nesse ambiente de estádio de futebol, se tu for pedir por favor não tem jeito, às vezes tem mais é que sentar o cacete mesmo. [...] agora tem o pessoal do Batalhão de Operações Especiais que cuida do, os caras nos chamou pra reuniões, a gente faz reuniões periódicas, antes de todos os jogos no Olímpico a gente faz reuniões com os caras pra saber o que que entra, o que não entra de material. Daí se da uma porrada na saída lá, com alguma torcida adversária, ou enfim, alguma bobagem, eles cortam um pouco aqui, daí conseguem que a galera fique mais calminha um tempo e daí eles liberam um pouco ali, entendeu. Então é um jogo de troca e a polícia faz bem isso ai. [...] Às vezes os caras pecam porque querem dar umas cacetadas nuns em vezes de fazer alguma coisa mais inteligente, mas a polícia até cumpre um papel bem feito, dentro do que se espera da polícia.43

40 REIS, Heloísa Helena Baldy dos. Futebol e Violência. Campinas: Armazém do Ipê (Autores

Associados), 2006. p. 109 41 REIS, Heloísa Helena Baldy dos. Op. Cit. p. 108 42 Dados da Entrevista (questionário) realizada em 01 de setembro de 2008 junto a torcedor do Grêmio.

43 Ibidem

Page 19: A Violencia Entre as Torcidas

Já a opinião de Henrique é contrária, considerando os policiais despreparados

para o combate à violência entre torcedores, bem como se sentindo inseguro quando

comparece a um clássico no estádio tricolor:

Eu já vi policial levar uma ruim porque tentou ser bonzinho, já vi policial também tentar bater em gente a troco de nada assim. Policial, na verdade, eles são muito despreparados. [...] São pessoas que não são instruídas, assim como a maioria dos torcedores. E naquele clima tenso acaba tendo confusão porque a torcida do Inter quer criar confusão com a torcida do Grêmio, a torcida do Grêmio quer criar confusão com a torcida do Inter e a polícia não quer deixar esta confusão. Então se não tem confusão entre as duas torcidas acaba tendo confusão com a polícia, isso que acaba acontecendo, é inevitável. Torcedor mais exaltado ta ali e quer a confusão. Se tem alguém pra não deixar ter confusão tu arruma confusão com esta pessoa. E seguro no estádio rival a gente não se sente né, porque policial, assim como a gente, ele quer livrar o dele. Então no momento que o bixo pega o policial só que livrar o lado dele e também vai embora e não vai acabar protegendo ninguém.44

Atualmente, em dias de clássico Gre-nal, a torcida visitante é cercada e

escoltada desde seu estádio até o estádio rival, cumprindo este trajeto a pé, não tendo

contato com os torcedores adversários. Para o último clássico de 2008, realizado no dia

28 de setembro, o Comando de Policiamento da Capital (CPC) mobilizou um efetivo de

600 a 700 homens45, sendo destacados o 1º Batalhão de Polícia Militar, o 9º BPM, o

BOE, o 4º Regimento de Cavalaria Montada, o Batalhão Reserva (formado por

brigadianos que atuam na área administrativa), além do apoio de outras unidades.46

Por fim, necessária se faz observação de que tanto o Grêmio, no capítulo V, arts.

42 a 53, de seu Código de Ética47, quanto o Internacional, no art. 9º de seu Estatuto48,

prevêem penalidades aplicáveis a integrantes dos seus Quadros Sociais que estejam

envolvidos em casos de briga de torcedores ou de vandalismos. Dependendo da

gravidade do ato cometido pelo sócio ele poderá vir a sofrer penalidades que vão desde

advertências, orais ou escritas, até a exclusão do respectivo quadro social.

44 Dados da Entrevista (questionário) realizada em 31 de agosto de 2008, junto a torcedor do

Internacional. 45 GRE-NAL com forte policiamento. Correio do Povo, Porto Alegre, 28, setembro, 2008. Esportes, p.22. 46 Ibidem 47 GRÊMIO Foot-Ball Porto Alegrense. Código de Ética do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense. Disponível

em: <http://www.gremio.net/upload/page/File/codigo_de_etica(1).doc>. Acesso em: 27 jun. 2008. 48 SPORT Club Internacional. Estatuto e Regimento Interno do Conselho Deliberativo Sport Club

Internacional. Disponível em: <http://www.internacional.com.br/pagina.php?modulo=1&setor=6&secao=21>. Acesso em: 27 jun. 2008.

Page 20: A Violencia Entre as Torcidas

3 AS MEDIDAS PREVENTIVAS E DE CONTROLE DA VIOLÊNCIA DOS

TORCEDORES ADOTADAS FORA DO BRASIL E A POSSIBILIDADE DE APLICÁ-

LAS NO RIO GRANDE DO SUL

Neste capítulo nos dedicaremos a apontar como é combatida a violência entre os

torcedores pelo mundo, relatando casos ocorridos e quais medidas foram adotadas

pelas autoridades locais.

3.1. Como a Inglaterra controlou e minimizou os casos de hooliganismo em seu

território

A preocupação do governo da Inglaterra com os atos violentos cometidos pelos

hooligans não é recente, nos remetendo, na verdade, aos meados dos anos 1980. Ao

assumir poder, em 1979, o governo liderado por Margaret Thatcher passou a adotar

medidas concretas para controle do comportamento coletivo nos estádios. Após a

ocorrência de duas tragédias envolvendo torcedores do Liverpool, tradicional clube

inglês, a primeira em Heysel, na Bélgica, onde houveram 39 mortos e 450 feridos, e em

Hillsborough, em território inglês, com saldo de 96 mortos e mais de 700 feridos, as

autoridades inglesas adotaram medidas mais severas de segurança nos estádios.

Após os acontecimentos em Hillborough foi elaborado por Sir Peter Taylor um

relatório que apontava as causas da tragédia e sugeria medidas a serem adotadas,

conhecido como Relatório Taylor. Este documento continha 43 recomendações a serem

adotadas por clubes e entidades desportivas que deveria ser implementadas já na

temporada seguinte, 1989/90. Dentre as recomendações, destacaremos:

Revisão da capacidade de público de todos os estádios; instalação de assentos numerados em todos os setores dos estádios; novas provisões a respeito de primeiros socorros e serviços de emergência em todos os campos de futebol; estabelecimento de grupos locais encarregados de fornecer conselhos sobre a segurança nos estádios; retirada dos alambrados e monitoramento do público na arena desportiva.49

49 LIMA, Luiz César Cunha. O Relatório Taylor. Clubjus, Brasília-DF: 10 nov. 2007. Disponível em:

<http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.11535>. Acesso em: 27 set. 2008.

Page 21: A Violencia Entre as Torcidas

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Bryan Drew, diretor da Unidade de

Policiamento de Futebol no Reino Unido afirma que uma das medidas mais importantes

tomadas pelas autoridades britânicas foi a centralização do trabalho de combate a

violência em estádios.50 Drew explica que existem 43 unidades policiais, espalhadas

pela Inglaterra e País de Gales, especializadas em combater a violência dos

torcedores, trocando informações e auxiliando na elaboração de um quadro nacional do

problema naquele país.51

É notório o sucesso das medidas adotadas pelas autoridades de combate à

violência nos estádios, mas isto não significa que ela foi erradicada do território

britânico, como demonstra afirmação retirada de reportagem da rede pública de notícias

daquele país: “Segundo o NCIS, a violência dentro dos estádios ingleses e galeses -

onde há assentos para todos os torcedores - é hoje praticamente inexistente. Mas o

problema transferiu-se para outras áreas, como estações de trem, pubs e regiões

centrais das cidades”.52

3.2. Na Argentina, legislação prevê penas a torcedores, dirigentes e funcionários dos

clubes

Na Argentina a violência nos espetáculos esportivos, especialmente o futebol, é

motivo de constante preocupação para as autoridades legislativas, sobre tudo nos

últimos quinze anos.53

Para o autor argentino Pablo Barbieri, essa violência no âmbito esportivo apenas

reflete a situação social do país:

La violencia imperante en el país en general; el fútbol no puede aislarse del contexto general del país, em los que son moneda diaria de los asaltos, secuestros com toma de rehenes, enfrentamientos de delincuentes com autoridades, etc. La cultura de la violencia nos invade y el fútbol es outra de sus manifestaciones.54

50 SEIXAS, Fábio. Clubes devem bancar polícia, defende xerife anti-hooligan. Folha de São Paulo, São

Paulo, 31 out. 2005. Disponível em: <http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=228946>. Acesso em: 27 set. 2008.

51 Ibidem 52 VIOLÊNCIA dos hooligans aumenta na Grã-Bretanha. BBC Brasil, 15 ago. 2001. Disponível em:

<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2001/010815_hooligan.shtml>. Acesso em: 27 set. 2008. 53 BARBIERI, Pablo C. Fútbol y Derecho. Buenos Aires: Editora Universidad, 2005. p. 52 54 BARBIERI, Pablo C. Op. Cit. p. 52 – 53

Page 22: A Violencia Entre as Torcidas

Dentro da legislação argentina, merece destaque o capítulo incorporado à

Lei nº 20.655/74, conhecida como Ley Del Deporte, pelas leis nº 23.184 e nº 24.192,

que sanciona e reprime determinados delitos cometidos dentro de eventos esportivos,

como o exemplo a seguir:

ARTICULO 3º.- Será reprimido con prisión de uno a seis años, si no resultare un delito más severamente penado, el que introdujere, tuviere en su poder, guardare o portare armas de fuego o artefactos explosivos en las circunstancias del artículo 1º. En todos los casos se procederá al decomiso de las armas o artefactos. ARTICULO 4º.- Serán reprimidos con prisión de un mes a tres años siempre que no correspondiere pena mayor, los dirigentes, miembros de comisiones directivas o subcomisiones, los empleados o demás dependientes de las entidades deportivas o contratados por cualquier título por estas últimas, los concesionarios y sus dependientes, que consintieren que se guarde en el estadio de concurrencia pública o en sus dependencias armas de fuego o artefactos explosivos. En todos los casos se procederá al decomiso de las armas o artefactos.55

Segundo a interpretação de Pablo Barbieri, o artigo 4º do capítulo supra referido

trata de reprimir as pessoas que facilitem a guarda, ou custódia, de elementos

geradores de violência ou danos às pessoas que freqüentam os estádios.56 Concluímos

então que, por orientação deste dispositivo normativo, não apenas o torcedor que

pratica o delito é punido pela autoridade judiciária, mas também aqueles que permitem

tais delitos dentro dos estádios.

Há, ainda, previsto na legislação argentina, mais especificamente no Decreto n.º

1.466/97, medidas a serem tomadas pelos clubes proprietários de estádios com

capacidade superior a vinte e cinco mil pessoas. Vejamos o que diz o artigo 13 do

decreto mencionado acima:

Art. 13.— Las entidades deportivas comprendidas en el régimen del presente decreto deberán disponer, en condiciones operativas, de: a) Circuito cerrado de televisión con cámara fija. b) Sistema de audio propio, con capacidad de alcance suficiente para el exterior e interior del recinto. c) Comunicaciones con la policía local y los organismos de emergencia médica y protección civil.

55 ARGENTINA. Lei n.º 20.655, de 21 de março de 1974. Lei de Deporte de Argentina. Diário Oficial [da] República Argentina, Buenos Aires, 08 abr. 1974. Disponível em: <http://www.deportes.gov.ar/Paginas/LeyDeporte.php?SolapaPagina=Estructura>. Acesso em: 26 set. 2008.

56 BARBIERI, Pablo C. Fútbol y Derecho. Buenos Aires: Editora Universidad, 2005. p. 53

Page 23: A Violencia Entre as Torcidas

d) Adecuada señalización e iluminación en todos los sectores de acuerdo a las indicaciones que formule la autoridad de aplicación al presente decreto, cuando los espectáculos deportivos se realicen en horarios nocturnos.57

Nos estádios argentinos com capacidade superior a vinte e cinco mil pessoas

devem, também, ser adotadas medidas para separar adequadamente os grupos de

torcedores adversários, artigo 15, bem como devem possuir sistemas de ingresso do

público através de cartões magnéticos, artigo 18, ambos do decreto n.º 1.466/97.58 Aos

clubes cabe, também, obrigação de designar um responsável pela segurança interna do

estádio, que deverá supervisionar o cumprimento da legislação de segurança interna

nos estádios, bem como o ingresso do público no mesmo, artigo 14 do já referido

decreto.59

3.3. As medidas adotadas por Portugal para sediar a Eurocopa de 2004

A violência entre as torcidas portuguesas não chega a ser um problema

preocupante para as autoridades lusitanas. Maurício Murad afirma: “A avaliação quase

unânime é de que é relativamente fácil trabalhar com as torcidas em Portugal, embora

sempre possa haver algum tipo de violência a pessoas ou ao patrimônio”.60

A realização do Campeonato Europeu de Seleções, conhecida como Eurocopa,

no ano de 2004 pode ser indicado como um divisor de águas do futebol português.

Além de sair-se muito bem dentro das quatro linhas, a seleção portuguesa conquistou o

vice-campeonato, o planejamento, a organização, os planos de obras e de segurança

do evento foram classificados pela UEFA, associação que rege o futebol europeu, como

exemplos históricos para o continente europeu.61 Dentre as medidas adotadas por

Portugal, duas merecem destaque especial: as embaixadas de fãs, e a atuação dos

stewards.

57 ARGENTINA. Decreto nº 1.466, de 1997. Regime de segurança no futebol. Órgãos e âmbito de

aplicação. Diário Oficial [da] República Argentina, Buenos Aires, 06 jan. 1998. Disponível em: <http://www2.jus.gov.ar/sssef/legales_decreto.asp>. Acesso em 26. set. 2008.

58 Ibidem 59 Ibidem 60 MURAD, Maurício. A Violência e o Futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje. Rio de

Janeiro: FGV, 2007. p. 60 61 MURAD, Maurício. Op. Cit. p. 54

Page 24: A Violencia Entre as Torcidas

As embaixadas de fãs consistem em “pontos de encontro dos torcedores de cada

um dos países participantes, com informações, orientações e apoios”,62 auxiliando aos

que foram torcer por suas seleções durante o campeonato e reunindo-os em um

mesmo lugar, evitando assim brigas nas ruas das cidades-sede entre torcedores de

nacionalidades diferentes.

Os stewards, ou treinadores de adeptos, são civis recrutados entre as torcidas de

cada país participante e treinados para ajudar seus conterrâneos. Vejamos o conceito

de steward para o professor Murad:

Steward é uma pessoa, homem ou mulher (há muito mais homens, mas há mulheres também), devidamente preparada e formada por um clube de futebol, pela federação do país, ou até mesmo pela UEFA, para ajudar os espectadores das partidas a entrar, se localizar, e sair dos estádios em segurança. São treinados para apoiar os torcedores e para ajudar as forças de segurança a evacuar os estádios e as ruas vizinhas, principalmente em situações de pânico e conflito. Quase sempre são pessoas com experiência em claques e servem como ponte entre os torcedores e as autoridades da ordem pública. A maioria tem idade entre 25 e 45 anos e ensino médio concluído. Atuam na esfera preventiva, para evitar os conflitos e proteger as pessoas. Têm aulas e explicações sobre os limites de sua atividade. Não têm autoridade policial, sua estratégia é educativa, é diferente das forças de segurança, mas há uma complementação de papéis. Não agem na área repreensiva, como a polícia, as empresas promotoras e os agentes particulares contratados pelos clubes. Conhecem bem os integrantes das organizadas e são reconhecidos por eles, inclusive como antigos participantes.63

Houve ainda, durante a realização da Eurocopa de 2004, a intervenção das

autoridades policiais portuguesas em lugares geralmente correlacionados à

marginalidade e ao narcotráfico, treinamento de policiais para agir entre os torcedores e

campanhas educativas e de valorização da cultura do futebol.64 Como referido

anteriormente, o evento foi considerado um grande sucesso tanto de organização

quanto à segurança.

3.4. A falta de identidade nacional no futebol espanhol e as medidas anti-violência

Mesmo sendo um dos países mais apaixonados por futebol e tendo um dos

campeonatos mais disputados do mundo, “o espanhol não tem no futebol um símbolo

62 MURAD, Maurício. Op. Cit. p. 62 63 MURAD, Maurício. Op. Cit. p. 62 64 MURAD, Maurício. Op. Cit. p. 54

Page 25: A Violencia Entre as Torcidas

de identidade nacional”.65 Tendo seu território dividido por diversas regiões com origens

culturais diferentes, “as identidades são construídas com as comunidades autônomas e

não com o país”.66

A professora Heloisa Helena Baldy dos Reis faz a seguinte constatação à

respeito do problema da violência de torcedores espanhóis:

Na Espanha, os incidentes de violência relacionados a jogos de futebol e seus espectadores foram menos violentos que em outros países, porém a aparição e reincidência desses foi um alarme de que poderiam vir a ser um problema maior, como ainda é hoje o hooliganismo na Inglaterra e na Alemanha.67

A Lei do Esporte, nº 10/1990, é o principal texto normativo espanhol, e prevê em

seu art. 60 a criação da Comissão Nacional contra a Violência nos Espetáculos

Esportivos, órgão que rege as medidas de segurança a serem adotadas dentro da

Espanha.68 Entre as funções atribuídas para a Comissão Nacional contra a Violência

nos Espetáculos Esportivos está o controle anual de dados de pesquisa sobre a

violência nos estádios, promover ações de prevenção à violência, fazer com que clubes

e federações incluam códigos disciplinares em seus estatutos, promover medidas de

controle do nível de álcool ingerido pelos espectadores e promover campanhas de

divulgação das normas de prevenção deste tipo de violência.69

Devemos destacar que, quanto a medidas preventivas de violência, dentro dos

estádios espanhóis é proibida a venda de bebidas alcoólicas70, bem como é obrigatória

a fixação na entrada dos estádios, em forma de cartaz, do “croqui do estádio e uma lista

de objetos proibidos de ingressar no estádio com os espectadores, ficando a cargo dos

clubes o cumprimento dessa norma”,71 sendo dos clubes, também, a responsabilidade

de revistar os torcedores. A Lei do Esporte espanhola prevê também a obrigatoriedade

de instalação de uma Unidade de Controle Organizativo (UCO), de onde os

65 REIS, Heloísa Helena Baldy dos. Futebol e Violência. Campinas: Armazém do Ipê (Autores

Associados), 2006. p. 33 66 REIS, Heloísa Helena Baldy dos. Op. Cit. p. 33 67 REIS, Heloísa Helena Baldy dos. Op. Cit. p. 51 68 ESPANHA. Lei nº 10, de 15 de outubro de 1990. Diário Oficial [do] Reino da Espanha, Madrid, 17

out. 1990. Disponível em: <http://217.116.15.226/xml/disposiciones/csd/disposicion.xml?id_disposicion=32576&desde=csd>. Acesso em: 26 set. 2008.

69 Ibidem 70 REIS, Heloísa Helena Baldy dos. Futebol e Violência. Campinas: Armazém do Ipê (Autores

Associados), 2006. p. 79 71 REIS, Heloísa Helena Baldy dos. Op. Cit. p. 80

Page 26: A Violencia Entre as Torcidas

coordenadores de segurança suas funções.72 Para ocupar o cargo de coordenador de

segurança, a pessoa indicada deverá, necessariamente, estar enquadrada na

organização policial, como prevê o artigo 65 da mesma lei.73

CONCLUSÃO

Os torcedores, ao cometerem atos de violência contra os torcedores rivais, ou de

vandalismo contra o patrimônio do clube adversário, estão agindo sob influência de

forte emoção. Muitos acreditam, ao encontrarem dificuldades na vida pessoal ou

profissional, que o time pode ser a parte de sua vida que dá certo, sendo o estádio do

seu clube um local onde ricos e pobres, homens de sucesso e fracassados, são iguais

e possuem a mesma ambição pela vitória.

Nesta seara, nota-se claramente a maior proximidade de características das

novas torcidas da dupla Gre-nal, Geral do Grêmio e Guarda Popular Colorada, com os

barra bravas encontrados nos países de América Latina, pois não possuem quadro de

associados ou uniformização, como as torcidas organizadas brasileiras, nem possuem

identificação política de extrema direita, como os hooligans europeus.

A imprensa relata os atos cometidos pelos torcedores de maneira

sensacionalista, ignorando as boas ações praticadas pelas torcidas, sendo pacífica

entre os autores a opinião de que somente os atos ruins chamam a atenção do público

consumidor.

As autoridades brasileiras, após anos de omissão, passaram a legislar sobre o

tema, tendo inclusive publicado as leis nº 9.615/98 e nº 10.671/03, além do decreto nº

4.960/04, as quais, entre outras disposições, regem sobre a política brasileira de

combate a violência entre os torcedores. A Confederação Brasileira de Futebol e o

Conselho Nacional de Procuradores Gerais do Ministério Público dos Estados e da

União assinaram, também, um protocolo de intenções, que contem medidas a serem

tomadas por ambas as entidades, e sugerindo ações a serem adotadas pelos clubes

em seus estádios. Entre as medidas aplicáveis aos estádios previstas no decreto e nas

72 ESPANHA. Lei nº 10, de 15 de outubro de 1990. Diário Oficial [do] Reino da Espanha, Madrid, 17

out. 1990. Disponível em: <http://217.116.15.226/xml/disposiciones/csd/disposicion.xml?id_disposicion=32576&desde=csd>. Acesso em: 26 set. 2008.

73 Ibidem

Page 27: A Violencia Entre as Torcidas

leis supracitados, bem como no protocolo de intenções previamente referido estão: a

instalação de Juizados Especiais Criminais, a proibição da venda de bebidas alcoólicas,

a instalação de circuitos internos de câmeras e a organização da entrada e saída de

torcidas visitantes.

No Rio Grande do Sul também foi publicada também uma lei no sentido de

proibir a venda de bebidas alcoólicas nos estádios gaúchos. Tanto Grêmio, quanto

Internacional, atualmente possuem em seus estádios circuitos internos de câmeras,

bem como Juizados Especiais Criminais. As autoridades policiais gaúchas também

estão engajadas no sentido de prevenir os casos de violência entre os torcedores,

merecendo destaque as reuniões sistemáticas realizadas entre polícia e chefes de

torcidas, assim como a escolta efetuada pela Brigada Militar para que os torcedores

visitantes, em dia de Gre-nal, percorram a pé o trajeto entre o seu estádio e o do

adversário.

Em busca de alternativas ainda não adotadas pelas autoridades brasileiras e

gaúchas, apontaremos quais as medidas adotadas por outros países poderiam ser

implantadas no nosso estado. Sugeriremos, ainda, uma medida simples que também

deve ser implantada urgentemente.

Entre as medidas adotadas pelas autoridades britânicas, acreditamos que a

instalação de assentos numerados em todos os setores dos estádios deveria também

ser implantada nos estádios brasileiros. Em que pese uma suposta alegação de parcela

dos torcedores de que tal medida dificultaria a execução das coreografias exibidas

pelas torcidas, além de provocar a elitização dos estádios, havendo a instalação de tais

assentos, e sendo executado um rígido controle para que os torcedores respeitassem o

número do assento expresso em seu ingresso, o trabalho dos órgãos policiais seria em

muito ajudado. Através do número do assento adquirido os órgãos policiais teriam muito

mais facilidade para a identificação de qualquer pessoa dentro do estádio, auxiliada

também por um bem estruturado circuito interno de câmeras.

Mesmo já havendo no Brasil recomendações no sentido de os clubes instalarem

estes circuitos internos de câmeras em seus estádios, cremos que o modelo a ser

seguido deveria ser o das UCOs espanholas. Tal modelo se faz adequado pois, além

de monitorar toda a área do complexo esportivo dos clubes, controlando assim o fluxo

de chegada e saída dos espectadores e também o interior do estádio, serve como base

Page 28: A Violencia Entre as Torcidas

de operações de um coordenador de segurança específico para aquele estádio,

necessariamente vinculado aos órgãos policiais.

Estes coordenadores de segurança, indicados através de acordo entre os clubes

e os órgãos policiais, deveriam estar subordinados a um Diretor-Geral dos

coordenadores de segurança, responsável pela centralização das informações obtidas

por seus subalternos e pela fiscalização de que os clubes implantassem todas as

medidas que fossem recomendadas pelas autoridades responsáveis. Através da troca

de informações entre os coordenadores de segurança de todo o país, seria possível

que, finalmente, pudéssemos visualizar o real quadro da violência entre os torcedores

no Brasil, e não apenas individualmente nos estados. Esta troca de informações seria

útil também quando as torcidas viajassem para fora de sua cidade, pois haveria um

prévio conhecimento por parte do coordenador de segurança dos torcedores visitantes

que desembarcarão em sua jurisdição, assim como no modelo britânico.

Outra medida que entendemos benéfica seria a criação de lei que previsse a

aplicação de penas aos diretores de clube que fossem coniventes com os atos de

violência de seus torcedores, inspirada do modelo argentino. Com a possibilidade de

serem responsabilizados pelos atos dos torcedores, acreditamos que os diretores dos

clubes passariam a se empenhar mais nas campanhas de conscientização dos

mesmos, bem como aplicariam punições mais firmes com relação aos torcedores que

integram seus quadros sociais e viessem a delinqüir.

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