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Jornal da UFRJ Gabinete do Reitor • Coordenadoria de Comunicação da UFRJ • Ano 4 • Nº 45 • Junho–Julho de 2009 3 a 5 Novo Enem Com as conquistas do passado Miriam Guindani Entrevista 6 e 7 24e 25 A Universidade quer sair do armário mais direitos, menos “caveirões” Violência: 13a 16 As escolas públicas e privadas de Ensino Superior ofereceram, em 2007, mais de 2,8 milhões de vagas. Porém, pouco mais de 1,4 milhões de candidatos conseguiram ter acesso ao Ensino Superior. O velho modelo em xeque Com ações que abalam a sua histórica estrutura segmentada e estanque, UFRJ traça o caminho para um novo paradigma acadêmico. 10 a 12 Universidades em transformação Por todo o país, instituições planejam expansões e reformulações a partir do Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades, o Reuni. Aos quarenta anos do fato que marcou a criação do Dia Internacional do Orgulho Gay a comunidade acadêmica da UFRJ não tem muito que comemorar. Tanto as áreas administrativas quanto os movimentos organizados de funcionários, professores e alunos não dispõem de uma política de afirmação com propostas e ações que garantam os direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, permitindo que a homofobia habite os campi da instituição. 28 Júlio Cezar Ribeiro de Souza Nos idos de 1880, o paraense teria criado o primeiro sistema de navegação para balões, com proa volumosa e popa afilada, para dar direção aos aeróstatos. Não são poucos os episódios sangrentos da nossa história que contradizem o ainda arraigado mito da cordialidade brasileira. O uso desmedido de forças policiais contra as populações despojadas de direitos nunca deixou de ser uma prática contumaz. Contra a primazia das ações repressivas, Miriam Guindani, professora da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, defende uma concepção de política de segurança associada à garantia do exercício integral da cidadania. “O Estado não consegue efetivar programas para assegurar direitos sociais. A ausência desses mecanismos facilita a reprodução da violência institucional”, enfatiza a docente em entrevista ao Jornal da UFRJ.

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Jornal da

UFRJGabinete do Reitor • Coordenadoria de Comunicação da UFRJ • Ano 4 • Nº 45 • Junho–Julho de 2009

3 a 5Novo Enem Com as conquistas do passado

Miriam GuindaniEntrevista

6 e 724e 25A Universidade quer

sair do armário

mais direitos, menos “caveirões”

Violência: 13a16

As escolas públicas e privadas de Ensino Superior ofereceram, em 2007, mais de 2,8 milhões de vagas. Porém, pouco mais de 1,4 milhões de candidatos conseguiram ter acesso ao Ensino Superior.

O velho modelo em xequeCom ações que abalam a sua histórica estrutura segmentada e estanque, UFRJ traça o caminho para um novo paradigma acadêmico.

10 a 12Universidades em transformaçãoPor todo o país, instituições planejam expansões e reformulações a partir do Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades, o Reuni.

Aos quarenta anos do fato que marcou a criação

do Dia Internacional do Orgulho Gay a

comunidade acadêmica da UFRJ não tem muito

que comemorar. Tanto as áreas

administrativas quanto os movimentos

organizados de funcionários, professores

e alunos não dispõem de uma política de

afirmação com propostas e ações que garantam os direitos de lésbicas,

gays, bissexuais e transgêneros, permitindo

que a homofobia habite os campi da instituição.

28Júlio Cezar Ribeiro de Souza

Nos idos de 1880, o paraense teria criado o primeiro sistema de navegação para balões, com proa volumosa e popa afilada, para dar direção aos aeróstatos.

Não são poucos os episódios sangrentos da nossa história que contradizem o ainda arraigado mito da cordialidade brasileira. O uso desmedido de forças policiais contra as populações despojadas de direitos nunca deixou de ser uma prática contumaz.Contra a primazia das ações repressivas, Miriam Guindani, professora da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, defende uma concepção de política de segurança associada à garantia do exercício integral da cidadania. “O Estado não consegue efetivar programas para assegurar direitos sociais. A ausência desses mecanismos facilita a reprodução da violência institucional”, enfatiza a docente em entrevista ao Jornal da UFRJ.

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Junho–Julho 2009UFRJJornal da

2

Reitor Aloísio Teixeira

Vice-reitora Sylvia da Silveira Mello Vargas

Pró-reitoria de Graduação (PR-1) Belkis Valdman

Pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa (PR-2)

Ângela Maria Cohen Uller

Pró-reitoria de Planejamento e Desenvolvimento (PR-3)

Carlos Antônio Levi da Conceição

Pró-reitoria de Pessoal (PR-4) Luiz Afonso Henriques Mariz

Pró-reitoria de Extensão (PR-5) Laura Tavares Ribeiro Soares

Superintendência Geral de Administração e Finanças

Milton Flores

Chefe de Gabinete João Eduardo Fonseca

Forum de Ciência e CulturaBeatriz Resende

Prefeito da Cidade UniversitáriaHélio de Mattos Alves

Sistema de Bibliotecas e Informação (SiBI) Paula Maria Abrantes Cotta de Melo

Coordenadoria de Comunicação (CoordCom) Fortunato Mauro

Fotolito e impressão Newstec Gráfica e Editora

25 mil exemplares

Av. Pedro Calmon, 550. Prédio da Reitoria – Gabinete do Reitor

Cidade Universitária CEP 21941-590

Rio de Janeiro – RJ Telefone: (21) 2598-1621

Fax: (21) 2598-1605 [email protected]

JORNAL DA UFRJ é UmA PUBlICAçãO mENSAl DA COORDENADORIA DE COmUNICAçãO DA UNIVERSIDADE FEDERAl DO RIO DE JANEIRO.

Supervisão editorial João Eduardo Fonseca

Jornalista responsável Fortunato mauro (Reg. 20732 mTE)

Edição e pautaAntônio Carlos moreira,

e Fortunato mauro

RedaçãoAline Durães, Bruno Franco,

Coryntho Baldez, luciana Crespo, marcio Castilho, Pedro Barreto,

Rodrigo Ricardo, Sidney Coutinho e Vanessa Sol

Projeto gráfico Anna Carolina Bayer,

Jefferson Nepomuceno e Rodrigo Ricardo

Diagramação Anna Carolina Bayer

Ilustração Jefferson Nepomuceno,

Vitor Vanes e Zope

FotosBranca Bueno de Arruda/Arquivo CCS,

Ceplan/UNB, César Augusto Spadella/Arquivo CCS,

Foca lisboa e marco Fernandes

Revisão mônica machado

Instituições interessadas em receber essa publicação devem entrar em

contato pelo e-mail [email protected]

UFRJJornal da

O Jornal da UFRJ publica opiniões sobre o conteúdo de

suas edições. Por restrições de espaço as

cartas sofrerão uma seleção e poderão ser resumidas.

10/6 – “Estudar e morar na Cidade Universitária” (Política Resi-dencial) – Salão Azul, térreo do Prédio da Reitoria.

17/6 – “Cidade Universitária, Cidade Responsável em Energia e meio Ambiente”– Centro de Tecnologia.

24/6 – “Cidade da Inovação” (Ciência e Tecnologia) – Salão No-bre, no Centro de Tecnologia.

1º/7 – “Cidade do Conhecimento e da Arte” (Política de Cultura e museus) – Casa da Ciência da UFRJ.

12/8 – “Cidade Saudável e Esportiva” (Política de Esporte e lazer) – Auditório Hélio Fraga, bloco K, 2º andar do CCS.

19/8 – “Cidade Universitária, Cidade Acessível” (Política de mobilidade e Acessibilidade) – Centro de Ciências matemáticas e da Natureza.

Oficinas temáticas começam este mês

Para aprofundar o debate, receber sugestões, críticas e trocar experiências, o Comitê Técnico do Plano Diretor UFRJ 2020 (CTPD) inicia, neste mês de junho, uma série de oficinas temáticas. Temas como Esporte, Cultura, Transporte, Tecnologia, Energia e

Habitação serão abordados nos encontros. As apresentações ficarão a cargo dos integrantes do CTPD, em mesa composta por especialistas e por membros da

comunidade universitária.

A primeira oficina “Estudar na Cidade Universitária, morar na Cidade

Universitária”, acontecerá no dia 10, às 10h, no Salão Azul do Prédio da Reitoria. Será debatida a política

de residências universitárias, que pretende dar fim aos alojamentos,

criando condições de moradia dignas a estudantes, professores e técnico-

administrativos. Segundo o documento “Plano

Diretor - Proposta Preliminar para discussão”, apresentado no dia 16 de abril no Conselho Universitário (Consuni), a intenção é criar cerca

de 10 mil moradias na Cidade Universitária, 3.500 delas serão sociais. Segundo o parecer da

Comissão de Desenvolvimento do Consuni, que aprovou a alocação de recursos destinados a investimentos na Cidade Universitária, “todos os

recursos destinados para a construção de residências universitárias devem

ser investidos na edificação de moradias sociais”.

Ainda na Proposta, as 6.500 vagas restantes poderão ser ocupadas por docentes, técnico-administrativos,

bem como estudantes de graduação e pós-graduação que não se enquadrem no perfil de moradias sociais. Discute-se no

âmbito do ministério das Cidades e da Caixa Econômica a criação de linhas de financiamento para locação de moradias, de acordo com a faixa de renda compatível a

cada segmento.

Todos os eventos acontecerão às quartas-feiras, às 10h.

Calendário previsto de Oficinas TemáticasIII Reunião do Conselho Participativo:

Cultura, Esporte e Lazer19/6 (sexta-feira, às 10h)Salão moniz de Aragão

Palácio Universitário

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UFRJJornal da

3Junho–Julho 2009

Márcio Castilho

As escolas públicas e pri-vadas de Ensino Superior ofereceram, em 2007, mais

de 2,8 milhões de vagas. Porém, pouco mais de 1,4 milhões de candidatos conseguiram ter acesso ao Ensino Su-perior. Os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ligado ao Mi-nistério da Educação, demonstram que apenas 52% das vagas para os cursos de graduação foram ocupadas no país. O resultado revela que a democratização do acesso constitui ainda um grande desafio para educadores, gestores e de-mais atores envolvidos na formulação de políticas de educação. O Censo da Educação Básica, divulgado pelo Inep, também ajuda a entender esse cenário: o total de matrículas no 3º ano do Ensi-no Médio era de 2,2 milhões, em 2007, um número que supera os cerca de 1,4 milhões de ingressos nas Instituições de Ensino Superior (IES). Grande parte dessa defasagem está relacionada ao baixo aproveitamento dos alunos do ensino médio da rede pública.

Para aproximar a oferta de vagas nas IES da demanda de estudantes que concluem o ensino médio, o Ministé-rio da Educação apresentou, em abril desse ano, a proposta de criação de um novo Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) em substituição aos vestibulares tradicionais. O chamado Sistema de Seleção Unificada, no en-tanto, gerou reação das universidades temerosas em perder a experiência bem-sucedida acumulada em seus processos seletivos. Diante da resis-tência, o governo decidiu flexibilizar as regras, permitindo quatro opções de aproveitamento da prova do Enem como ferramenta de ingresso no ensino superior: como fase única, como era a proposta inicial; como primeira fase, ficando as outras etapas a critério das universidades; combinado com o processo seletivo da instituição, estabelecendo uma média definitiva; e como critério de preenchimento das vagas remanescen-tes do vestibular.

As Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) tinham até o dia 8 de maio para se posicionar quanto à disposição de aderir ou não ao novo Enem. Dois dias antes do prazo final do Ministério da Educação, o Conselho de Ensino de Graduação (CEG) da UFRJ aprovou o indicativo de participação da universidade pela adoção do Enem como uma das fases do seu processo de seleção. Pela decisão, será mantido o atual modelo de provas discursivas numa etapa posterior do vestibular. Ainda falta definir como serão com-putadas as notas das provas objetivas do novo Enem. Esse formato depen-derá de um detalhamento maior da proposta do Ministério. Uma comis-são específica do CEG acompanhará a continuidade dessa discussão para que possa ser elaborado o edital reunindo as regras do Concurso de Acesso aos Cursos de Graduação 2010 da UFRJ.

Belkis Valdman, pró-reitora de Graduação e presidente do CEG, destacou o caráter “histórico” da decisão. Segundo ela, a sinalização da universidade ao Ministério da Educação quanto ao indicativo de participação demonstra o interesse da UFRJ em promover a democratização do acesso ao ensino superior. “Houve uma contribuição grande da UFRJ quando modificou o tipo de prova no vestibular, de múltipla escolha para questões discursivas. Isso imprimiu uma transformação no ensino médio e nos próprios cursos preparatórios. Esse tipo de acesso, de qualquer forma, premia o mérito de alunos de boas escolas, geralmente privadas. O indicativo de utilizar o Enem pode proporcionar uma influência diferente, porque sinaliza a preocupação da universidade em se abrir também para os estudantes do ensino médio das escolas públicas”, afirma a pró-reitora, acrescentando que outras ações afirmativas, frutos de parcerias com o Ministério e com a Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, estão contribuindo para melhorar o ensino nas escolas públicas.

Com as conquistas do passado

Educação

Novo Enem

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Junho–Julho 2009UFRJJornal da

4 Educação

AutonomiaEm nota oficial, a Associação Na-

cional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) afirma apoiar a iniciativa para ampliar o acesso de segmentos mais amplos da sociedade. A Andifes reitera, no entan-to, a defesa da autonomia das universi-dades, que devem escolher “alguma das opções apresentadas pelo Ministério da Educação a partir das respectivas realidades institucionais”.

Ao anunciar sua intenção de par-ticipar do novo modelo de processo seletivo, a UFRJ não quer deixar de lado a experiência de 22 anos obtida com o seu vestibular de questões discursivas, amplamente reconhecido e aprovado pela comunidade acadê-mica. A participação da UFRJ no uso do Enem deve ser interpretada nessa perspectiva, segundo Andréa Teixeira, professora da Escola de Serviço Social (ESS) e conselheira do CEG. “Estamos acreditando que esse processo vai fazer com que o aluno da escola pública visualize a possibilidade de vir para a UFRJ. Hoje em dia ele não tem esse parâmetro. Estamos trabalhando com essa hipótese, que pode ser afirmada ou infirmada, mas é uma sinalização de que pode ser um processo impor-tante.”

Para Ana Maria Ribeiro, relatora da comissão criada pelo colegiado para discutir a proposta do Ministério, o grande desafio, no caso específico da UFRJ, é reduzir a grande concentra-ção de candidatos em poucos cursos. “Temos hoje um problema concreto. Dos nossos 50 mil candidatos, 47% estão concentrados em seis cursos. Oferecemos, no entanto, 108 cursos. Isso é problemático, implica que uma quantidade enorme de jovens não tem

Na concepção original, o Sistema de Seleção Unificada prevê uma grande mudança no processo de inscrição e avaliação. Permite que os candidatos se inscrevam em até cinco cursos de instituições que tenham aderido ao sistema em qualquer região do país. Os estudantes seriam submetidos a um único teste nacional, aplicado nos dias 3 e 4 de outubro. Pela proposta, a escolha do curso somente será feita após a divulgação das notas. Assim, o candidato, verificando a sua classificação, poderá saber previamente as suas chances de aprovação e escolher um dos cursos para os quais se inscreveu.

O Ministério da Educação informa que uma das principais contri-buições do novo Enem é ampliar a mobilidade dos estudantes. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2007 (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que apenas 0,04% dos alunos matriculados no primeiro ano do Ensino Superior saiu de seus estados de origem para ingressar nas instituições de sua escolha. Como comparativo, o percentual de mobilidade chega a 20% nos Estados Unidos.

Para que possa receber estudantes de outros estados, as universida-des terão que investir em políticas de assistência estudantil. Ao lançar o projeto da seleção unificada, o ministro da Educação, Fernando Haddad, anunciou que poderá dobrar para R$ 400 milhões os recursos destinados a esta área. A UFRJ prevê investimentos da ordem de R$ 20 milhões para novos alojamentos e restaurantes universitários em seu plano de expansão, dividido em duas etapas: até 2012 e até 2020. Segundo Belkis Valdman, pró-reitora de Graduação, o alojamento da UFRJ oferece 540 vagas na Cidade Universitária. “A previsão é termos mais dois alojamentos de capacidade similar na primeira etapa, em 2012, e na segunda, em 2020. É uma previsão, mas pode triplicar o número de vagas nos alojamentos”, informa a professora.

Segundo o Ministério, outra vantagem de uma prova única, no modelo de avaliação centrado em competências e habilidades dos estudantes, é a possibilidade de reestruturação de currículos no en-sino médio. A prova tem 200 questões objetivas, divididas em quatro grandes áreas: Linguagens e Códigos, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Matemática. Este conteúdo, na avaliação do Ministério, elimina o modelo “decoreba” aplicado principalmente por cursinhos pré-vestibulares.

Projeto exige recursos para Assistência Estudantil

Acesso a UFRJ em debateDos cerca de 50 mil candidatos que se inscreveram no Concurso de Seleção UFRJ 2009 quase metade está

concentrada em seis cursos/habilitações, das 108 oferecidas.

noção de que pode ter acesso ao Ensi-no Superior”, salienta Ana Maria. Os cursos mais procurados são Engenha-ria, Medicina, Direito, Comunicação Social, Administração e Engenharia Química. “Um processo nacional pode ajudar na visualização dos cursos que oferecemos na universidade”, afirma a relatora, que é especialista em Assuntos Educacionais.

Formação de professoresA comissão do CEG criada para

discutir o aproveitamento do Enem no vestibular da UFRJ entende que, apesar de a proposta do Ministério da Educação abrir a possibilidade de um acesso maior de jovens de menor poder aquisitivo ao ensino superior, a desigualdade não resulta propriamente de processos seletivos excludentes. Trata-se de um processo desigual cons-truído historicamente desde a educa-ção básica. Por esse motivo, existe um consenso entre educadores de que a democratização do acesso passa por políticas de formação de professores e um sólido projeto pedagógico nas escolas públicas.

Para Marcelo Macedo Corrêa Castro, professor da Faculdade de Educação (FE) e decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), a ênfase na criação de um exame nacio-nal em detrimento de um investimento permanente na formação dos alunos é um problema básico no sistema educa-cional brasileiro. Nesse sentido, em vez de priorizar a escolarização básica, o Estado busca exercer o controle do in-gresso nos cursos superiores. “Ao fazer um exame nacional, ele segue a mesma lógica. Acho que o Enem é um exame com um perfil que serve para avaliar a formação sob o ponto de vista de

Dados da Comissão Executiva do Concurso de Acesso PR-1/UFRJ

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UFRJJornal da

5Junho–Julho 2009 Educação

O afastamento dos concluintes da rede pública

A realização de um exame unificado era o sistema utilizado por uni-versidades públicas e particulares do Rio de Janeiro ao longo dos anos 1970 e no início da década de 1980. O planejamento e a aplicação das provas cabiam à Fundação Cesgranrio, uma organização que chegou a reunir 12 instituições universitárias da região metropolitana do Rio de Janeiro. Os candidatos escolhiam o curso e indicavam, em ordem de preferência, as faculdades em que desejavam estudar antes da aplicação dos exames. As vagas na UFRJ costumavam ser as mais disputadas. O processo de inscrição era diferente do sistema proposto para o novo Enem neste o candidato tem a opção de escolher o curso após a divulgação das notas, comparando a sua classificação com a dos demais concorrentes. As provas do vestibular da Cesgranrio, com questões de múltipla escolha, eram realizadas em dois dias no estádio do Maracanã.

Essa característica do vestibular unificado, que não incentivava a expressividade verbal, a criatividade a reflexão crítica mais ampla dos candidatos, foi um dos principais alvos de questionamento de educado-res. Para os especialistas, a aplicação exclusivamente de questões objetivas favorecia os chamados cursinhos pré-vestibulares em detrimento do investimento pedagógico na formação básica. Nos primeiros anos, não havia sequer prova de redação. Como conseqüência, as universidades começaram a pensar em alternativas para substituir os exames unificados de modo a valorizar as capacidades intelectuais dos jovens.

A UFRJ retirou-se da Fundação Cesgranrio, em 1987, com a proposta de realizar provas inteiramente discursivas. A iniciativa, em princípio, foi adotada em parceria com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), com o Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) e com a Escola Nacional de Ciência Estatística (Ence). No vestibular de 1991-1992, passou a fazer seu próprio processo seletivo.

O vestibular unificado durante a ditadura militar

Como podemos verificar, apenas 52% das vagas foram ocupadas em 2007, ocorreu queda progressiva na rede privada e pequeno

crescimento na rede pública.

competências e habilidades. Mas para que deve servir o exame? Para fazer políticas públicas e não para o gover-no dizer quem entra na universidade. Todo esse discurso da inclusividade pode estar se prestando para o oposto. Seleciona-se o melhor estudante do Brasil para a vaga mais cobiçada. Na verdade estaríamos refinando a seleti-vidade”, afirma o docente.

Marcelo Corrêa Castro defende um diálogo amplo com todos os atores envol-vidos neste processo, inclusive as escolas e as famílias. Para o decano, a proposta do novo Enem se restringe exclusivamente a um debate do Ministério da Educação com as universidades: “É como se nós fôssemos mais uma vez um órgão corre-gedor do Ensino. Essa postura para mim é um grande equívoco.”

Dados Censo do Ensino Superior INEP/MEC 2007

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Junho–Julho 2009UFRJJornal da

6 Universidade

Coryntho Baldez

O velho modelo em xeque

Há 120 anos, no início da República, apenas um restrito grupo de 2.300

estudantes tinha acesso às cinco faculdades então existentes no Brasil – duas de Direito, duas de Medicina e uma Politécnica. Nas décadas seguintes, ao lado do ex-clusivismo elitista, outros conhecidos vícios de origem tornaram o percurso do ensino superior no país bastante acidentado.

Um exemplo é a criação de universi-dades como federações de escolas inde-pendentes, como ocorreu com a UFRJ, um dos fatores da sua pesada herança de fragmentação institucional e de isolamen-to entre as unidades. Cuidar do próprio “pedaço” – cátedras, departamentos, unidades, centros ou laboratórios – pas-sou a ser uma prática que atravessou o tempo e ficou marcada por disputas em torno de verbas orçamentárias à margem de uma visão de conjunto da estrutura universitária.

Os currículos com especialização rígida, voltados para a formação profis-sionalizante e avessos à troca com outros campos do conhecimento, também alargaram a fragmentação acadêmica e produziram um tipo de saber distante, em muitos casos, das demandas de uma sociedade em mudança.

Hoje, há um debate em ebulição nas instituições de ensino superior em torno de questões acadêmicas que desafiam o padrão histórico de universidade com-partimentada e excludente que vigorou e se reproduziu durante todo o período republicano. Na UFRJ, já é possível con-tabilizar inúmeras ações que, mesmo de modo incipiente, fazem antever a possibilidade de construção de um novo paradigma acadêmico. Entre elas, a cres-cente oferta de novas vagas e habilitações, a construção de currículos integrados e com viés multidisciplinar, experiências alternativas ao modelo departamental, a democratização do debate orçamentário e maior aproximação entre ensino, pes-quisa e extensão.

Cursos renovadosSegundo a Pró-reitora de Graduação

(PR-1), Belkis Valdman, um dos pilares do projeto de expansão e reestruturação da UFRJ é a oferta de novos cursos. Como muitos deles se diferenciam por envol-verem diversas áreas do conhecimento, a iniciativa tem duplo efeito: amplia o número de vagas e cria uma notável sinergia acadêmica entre as unidades. Belkis Valdman cita como exemplos representativos dessa expansão renovada o curso de Relações Internacionais e o Bacharelado em Ciências Matemáticas

Com ações que abalam a sua histórica estrutura segmentada e estanque, UFRJ traça o caminho de um novo paradigma acadêmico.

e da Natureza. Participaram da elabora-ção do projeto pedagógico desses cursos professores com competências variadas, que definiram o seu perfil, as grades curriculares e as novas disciplinas. “Nos dois cursos, todas as questões adminis-trativas e acadêmicas são decididas pelos seus colegiados, o que é uma experiência completamente nova. Esses colegiados têm representação de todas as unidades envolvidas na definição das atividades acadêmicas”, assinala Belkis, que é profes-sora da Escola de Química (EQ).

Uma das coordenadoras do curso em Ciências Matemáticas e da Terra, Marta Feijó Barroso, professora do Instituto de Física (IF), explica que ele foi criado com base na necessidade de formação para a área de Ciências Exatas em um mundo em mutação. “O desenvolvimento científico e tecnológico está se dando de

maneira extremamente acelerada. Mui-tas técnicas hoje talvez não sirvam para amanhã, mas saber aprender, pensar, refletir e desenvolver conhecimento vai servir sempre”, analisa a docente. Em sua opinião, o país precisa, seja do ponto de vista social ou, de formação ampla, sólida e flexível, capazes de apreender a realidade e atuar sobre ela.

O currículo do curso foi construído – e essa é uma de suas grandes novidades – com a percepção de que é necessário um conhecimento sólido de Matemática e Ciências para que o estudante possa escolher o tipo de formação que deseja concluir. Marta Feijó Barroso relata que inicialmente foi feito um estudo das afinidades entre os cursos tradicionais do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN), como Matemática, Física, Astronomia, Estatística, Geologia e

Geografia. “Depois, elaboramos uma pro-posta que permite a qualquer estudante, sem grande dificuldade, transitar para os cursos tradicionais ou mesmo fazer uma formação de acordo com seus interesses”, frisa a professora. Nessa mesma linha, novas habilitações estão sendo pensadas para os outros cursos, envolvendo conhe-cimentos inter e multidisciplinares. Há um empenho grande dos professores em melhorar e ampliar a formação de jovens para que se possa aumentar a capacidade científica do estado e do país, completa Marta Feijó.

Nesse processo, a Pró-reitoria de Graduação busca dar o máximo de apoio e estimula novas parcerias, de acordo com Belkis Valdman. Já existem outros novos cursos sendo formatados para 2010, como Biotecnologia, Gestão Pública e Nanotecnologia, à espera de aprovação nos colegiados competentes e superiores.

Desde 2003, foram criados 15 novos cursos nas unidades da capital, seis deles constituíram as suas primeiras turmas este ano. O campus de Macaé, implan-tado em 2006, já oferece seis cursos – os de Medicina, Nutrição, Enfermagem e Obstetrícia foram criados em 2009 – e mais oito novas graduações estão em fase de preparação para serem implan-tadas em 2010. Um dos reflexos dessas iniciativas é o crescimento da oferta do número de vagas, que deu um salto de 12,5% entre 2008 e 2009, passando de 6.825 para 7.682.

Ensino a distânciaOutra iniciativa que configura uma

inovação acadêmica cada vez mais neces-sária, segundo Belkis Valdman, é a prática do ensino a distância. Desde 2002, a UFRJ participa do consórcio Cederj (Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro), iniciativa pioneira em nível nacional. “A UFRJ participa dos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas e Física e, recen-temente, tivemos aprovado o curso de licenciatura em Química. Procuramos sempre manter a nossa reconhecida qua-lidade nesses cursos”, ressalta Belkis.

Adotando o princípio do comparti-lhamento do conhecimento, os cursos no âmbito do Cederj são oferecidos com dis-ciplinas das várias universidades públicas do estado que integram o consórcio, cujo objetivo principal é ofertar uma opção de formação para quem não tem condição de fazer um curso presencial na capital ou em outra cidade grande.

Belkis Valdman destaca que os es-tudantes que participam dos cursos da UFRJ, em sua maioria, são professores da rede pública do ensino fundamental nas cidades do interior, o que também

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UFRJJornal da

7Junho–Julho 2009

Cursos novos para 2010

Universidade

reforça o compromisso da universidade com a melhoria do ensino público em todos os segmentos. “Nos polos, o aten-dimento aos alunos é feito através de plataforma digital e eles acompanham os módulos durante a semana, num pro-cedimento autodidata. Eles têm material bibliográfico, vídeos que acompanham disciplinas específicas e tutores locais. Os professores responsáveis pelos conteúdos das disciplinas vão toda semana aos polos para tirar dúvidas”, informa a pró-reitora de Graduação.

Segundo ela, a metodologia do ensino a distância é uma atividade mundialmente recomendada. O Conselho Nacional de Educação (CNE), desde 2002, autoriza a utilização dessa prática em até 20% da grade curricular dos cursos presenciais. Algumas disciplinas das habilitações oferecidas pela UFRJ – um total de 150 – já usam essa metodologia. “Hoje em dia, as novas tecnologias permitem o uso de materiais e de conteúdos que, muitas vezes, na aula presencial é impossível ter, especialmente nas disciplinas de Ciências Exatas”, completa a professora.

Núcleo interdisciplinar no CTNo Centro de Tecnologia (CT) da

UFRJ, de acordo com o decano Walter Issamu Suemitsu, está em pleno anda-mento o debate acerca da necessidade de integrar várias áreas de conhecimento com o objetivo de oferecer uma formação mais ampla para os estudantes de Enge-nharia. Uma das novidades é a proposta de criação do Núcleo Interdisciplinar de Desenvolvimento Social. Entre ou-tros, os objetivos do Núcleo são apoiar e desenvolver tecnicamente projetos sociais, desenvolver novos conceitos e metodologias no campo da Tecnologia e Desenvolvimento Social e estimular a participação dos alunos em projetos de geração de trabalho e renda, promoção dos direitos humanos e inclusão social. Segundo Issamu – que é professor da escola Politécnica –, o Núcleo também pretende propor políticas públicas a partir de sua prática, de sua base teórica e terá o seu caráter interdisciplinar asse-gurado pela participação de professores e estudantes das áreas de Engenharia, Bio-logia, Letras, Educação Física e Ciências Sociais, entre outras.

Mas atividades de ensino multidisci-plinar, que provocam fissuras na tradi-cional e inflexível especialização, não são absoluta novidade no Centro de Tecnolo-gia. Desde 2004, os cursos de Engenharia Ambiental, na Escola Politécnica (Poli), e o de Engenharia de Bioprocessos, na Escola de Química, integram áreas do conhecimento conexas.

O decano do CT também aponta como indispensável para adequar a UFRJ a um novo paradigma acadêmico a superação da estrutura departamental, que classifica como “muito restritiva”. É um modelo, segundo ele, que faz com que áreas de conhecimento tornem-se “pro-priedade” dos departamentos. Walter Issamu acredita que seria necessário im-plantar uma organização mais flexível, de

modo a permitir a criação de programas interdisciplinares e multidisciplinares, sem muita burocracia entre departamen-tos, unidades e centros.

Uma experiência de integração acadê-mica mais completa e bastante avançada se encontra no campus de Macaé, cujo es-tatuto, em análise pelo Conselho Univer-sitário (Consuni), prevê que os docentes se organizem por núcleos temáticos em áreas afins na Pesquisa e na Extensão, atu-ando de maneira integrada e articulada. Na recente entrevista que concedeu ao Jornal da UFRJ (edição 43), Francisco de Assis Esteves, fundador e coordenador do Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Sócio-Ambiental de Macaé (Nupem), evidencia a preocupação de que o Núcleo não copie o modelo departamental. Para superar a fragmentação que estabelece o “poder de professores-doutores”, sugere que o exercício da interdisciplinaridade seja uma busca constante e afirma que, no

Gestão Pública

campus da UFRJ em Macaé, o objetivo é estabelecer o máximo de integração pos-sível entre ensino, pesquisa e extensão.

Revolucionando a pesquisaUm ambicioso projeto que pretende

repensar a pesquisa e a sua relação com o ensino de graduação também come-ça a ser delineado. Trata-se do Plano Diretor de Pós-graduação e Pesquisa (PDPP), que almeja lançar um novo olhar sobre as formas de organização do conhecimento, juntando ao redor de alguns temas as várias competências envolvidas, revela Ângela Maria Cohen Uller, pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa (PR-2) da UFRJ. “A idéia não é definir temas por áreas do saber e sim encontrar temas complexos. Por exemplo, o ser humano integral, como indivíduo e em sociedade, sua história, evolução, adaptação, interação consigo mesmo, com os outros e com o ambien-

te”, explica Ângela Uller, que também é professora da Poli.

Foi formado um grupo de trabalho com 10 professores que realiza reuniões para sugerir os chamados “temas com-plexos”. Depois, de acordo com a pró-reitora, serão formados outros grupos para desdobrá-los em linhas de pesquisa, que serão remetidas a outras áreas da UFRJ para receber contribuições. “Um plano assim somente se legitima se houver uma grande participação do corpo social da universidade”, assegura Ângela Uller.

Para Luiz Bevilacqua, coordenador do Plano, faz parte do ethos de uma uni-versidade o compromisso com o avanço do conhecimento. “É da sua essência uma contínua revisão das prioridades de pesquisa e da maneira de executar a investigação científica e tecnológica, com envolvimento de alunos, professores, pes-quisadores e a sociedade em geral”, analisa o professor emérito da UFRJ. Atualmente, diante da velocidade com que se processam as ideias, é vital definir estratégias para “navegar” nesse novo contexto científico, tecnológico e social. Um dos objetivos do PDPP é exatamente apreender esse “turbilhão” de mudanças para reorientar o caminho da investigação científica na UFRJ. “Está cada vez mais claro que sem uma convergência de várias disciplinas, dificilmente se poderá alcançar avanços significativos no conhecimento. Portanto a cooperação entre pessoas com formações básicas diferentes deve ser estimulada no tratamento de uma ‘nova ciência’ que vem emergindo. A isso se tem dado o nome de multi, inter e transdisciplinaridade”, destaca Bevilacqua.

A organização departamental, se-gundo ele, pode ser um empecilho para a implantação desse novo modelo de conhecimento. Ele também faz questão de enfatizar que interdisciplinaridade não é sinônimo de superficialidade. “As pessoas que se engajarem nesse programa têm que estar fortemente compromissadas com a pesquisa e dispostas a trabalhar muito. Do ponto de vista de formação de equipes, deve-se ter em vista todos os instrumentos de intercâmbio, diálogo e informação, o que permite a integração de pesquisadores de vários lugares em uma rede de conhecimento”, adverte o professor.

Em relação à separação nociva entre pós-graduação e graduação, Bevilacqua considera que esse é um problema que vem diminuindo. “Em um novo con-texto, devem se dissolver as barreiras entre essas duas etapas da formação”, defende o docente.

Uma das tarefas iniciais do grupo de trabalho do PDPP é interagir com todos os membros da comunidade acadêmi-ca para definir a formação de grandes grupos de pesquisa interdiscilplinares, comprometidos com o avanço do co-nhecimento científico e tecnológico, informa Luiz Bevilacqua. Na pesquisa, ele afirma que o principal não é a pressa, mas a consolidação de competências e a busca de um ambiente propício para uma interação frutífera.

licenciatura em DançaBacharelado em Teoria da Dança

Nanotecnologia

Conservação e RestauraçãoGastronomia

Finanças e Estratégia de Negociação Internacional

Biotecnologia

O papel estratégico do orçamento descentralizado

O orçamento descentralizado, que vigora na UFRJ desde 2005, também já se consolidou como dispositivo eficiente e indispensável de integração acadêmica. Ao contrariar a lógica anterior que dava margem a práticas de “balcão” na renhida disputa por recursos do Orçamento, ele recuperou o papel das unidades no planejamento estratégico da UFRJ.

Como vem fazendo nos últimos anos, a Pró-reitoria de Planejamento e Desenvolvimento (PR-3) está enviando para as unidades, nos meses de maio e junho, as planilhas nas quais são estabelecidas as suas demandas para 2010. Como não é possível acomodar todas as necessidades no orçamento, os recursos são distribuídos por meio de alguns critérios, como o número de alunos matriculados, a existência de cursos noturnos e a relação professor/aluno, entre outros.

O orçamento descentralizado formulado pelas unidades incide sobre uma parcela do orçamento global de custeio e investimento da UFRJ. Neste ano, houve um aumento de 10% em relação ao ano anterior, perfazendo cerca de R$ 12 milhões, já excluídos os recursos do Complexo Hospitalar e de Saúde da UFRJ – que terá orçamento à parte.

Para George Pereira Junior, diretor da Divisão de Planejamento, Orçamento e Gestão da PR-3, a participação das unidades na definição das prioridades orçamentárias, com base em critérios transparentes e discussões em colegiados, tem sido indispensável para romper a segmentação estrutural da UFRJ e aperfeiçoar o seu planejamento institucional e acadêmico.

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Junho–Julho 2009UFRJJornal da

8 Hospitais Universitários

O fim da fragmentaçãohospitalar

Com a centralização administrativa e a integração das atividades de suas nove unidades hospitalares, a UFRJ combate a

fragmentação e faz do seu Complexo Hospitalar o maior de todas as Instituições Federais de Ensino Superior do país.

Visando a integração das atividades de ensino, pesquisa e extensão das

suas muitas unidades hospitalares, bem como seus serviços de saúde prestados à população, a UFRJ aprovou, em resoluções do seu Conselho Universitário (Consuni) – deliberadas em dezembro do ano passado e publicadas em janeiro desse ano – a criação do Complexo Hospitalar da UFRJ.

O Complexo figurará na estrutu-ra média da universidade, reunin-do, sob uma mesma coordenação e com unidade orçamentária, as nove unidades hospitalares da UFRJ: Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), Hospital Es-cola São Francisco de Assis (Hesfa), Instituto de Puericultura e Pedia-tria Martagão Gesteira (IPPMG), Maternidade Escola (ME), Insti-tuto de Ginecologia (IG), Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC), Instituto de Psiquiatria (Ipub), Instituto de Doenças do Tórax (IDT), Instituto do Coração Edson Saad (Ices).

Tal inclusão se deu com a reso-lução nº 15 do Consuni, de 18 de dezembro de 2008, publicada no Boletim da UFRJ, em 8 de janei-ro. Pela portaria 4.017, publicada também no dia 18 de dezembro, o reitor Aloísio Teixeira designou a comissão responsável pela feitura do regimento do Complexo, bem como por sua administração pro-visória, enquanto o regimento não fosse aprovado.

A comissão – instituída pela Re-solução 16/08 do Consuni, votada na mesma reunião que a de número 15 – foi composta pelos professo-res Marcelo Gerardin Poirot Land, d iretor do IPPMG; Alexandre Pinto Cardoso, diretor do HUCFF, e Nelson Albuquerque de Souza e Silva, diretor do Ices, a quem coube a presidência da Comissão.

De acordo com Souza e Silva, a decisão tomada é importante para a UFRJ, na medida em que cria uma estrutura administrativa para coordenar a atuação conjunta

dessas unidades, que operavam de maneira isolada em suas respectivas áreas. “Para que a gente trabalhe em conjunto na oferta para o sis-tema de saúde de tudo o que aqui se produz – não somente para o sistema de saúde, mas também para o ensino e a pesquisa –, é preciso que toda a UFRJ possa utilizar as unidades hospitalares como campo de treinamento para seus estudan-tes”, explica o professor.

A nova estrutura integradora das nove unidades, anteriormente isoladas entre si, foi chamada de Complexo Hospitalar, pois pode-rão atuar em rede, ofertando seus serviços de saúde para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para as áreas de Ciência e Tecnologia. “A universidade em conjunto passa a disponibilizar quase mil leitos. Em conjunto, pode ser considera-da a maior unidade hospitalar do

sistema Ministério da Educação”, ressalta Souza e Silva.

Uma decisão de toda a universidade

Pela decisão do Consuni – na reunião de 18 de dezembro – a es-trutura média da UFRJ passa a ser composta pelos centros, pelo Fórum de Ciência e Cultura (FCC) e, agora também, pelo Complexo. “Com essa reforma estatutária, abriu-se a possibilidade de outras unidades formarem complexos. No caso da área de saúde e unidades hospitala-res, chama-se Complexo Hospitalar, mas pode haver complexos em outras áreas, para facilitar a junção de co-nhecimentos”, explica Souza e Silva.

Junto a essa decisão, também foi criada a comissão de Implantação do Complexo. Instalada em janeiro, a Comissão vem trabalhado com diretores das unidades hospitalares e também com os das unidades acadê-micas que atuam nas unidades de saúde, o que inclui, por exemplo, os cursos de Enfermagem e de Serviço Social, para que o regimento fosse elaborado com base nas ideias de todas as áreas de conhecimento afeitas ao Complexo. “Esse regimento deve ser entregue ao reitor em breve e deve ser encaminhado ao Consuni para aprovação”, antecipa o presidente da comissão.

À Comissão de Implantação cabem três atribuições: fazer o regi-mento; realizar audiências públicas para discussão das propostas acerca do regimento (duas já aconteceram, uma no campus da Praia Vermelha e outra na Cidade Universitária) e gerenciar a área administrativa do Complexo.

Unidade orçamentária A iniciativa conciliou as neces-

sidades das unidades hospitalares a uma portaria publicada pelo Mi-nistério da Educação, em 2 de maio do ano passado, criando unidades orçamentárias para os hospitais de ensino. “Para nós não daria para criar nove unidades orçamentárias. Então foi criada a unidade orçamentária Complexo Hospitalar. Ela continua

Bruno Franco

Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, a maior unidade do Complexo.

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9Junho–Julho 2009 Hospitais Universitários

sendo gerida pelo reitor, não é in-dependente. Mas agora temos uma unidade orçamentária UFRJ e outra Complexo Hospitalar”, esclarece Souza e Silva.

A vantagem disso é que o Mi-nistério demonstra inédita vontade de financiar os hospitais de ensino. Atualmente essas unidades sobre-vivem dos recursos que arrecadam do SUS – pela prestação de serviços (consultas, cirurgias, internações etc) – e que se mostram insuficientes às necessidades. “No que o Ministério da Educação assume essas unidades orçamentárias, passamos a ter ver-ba para custeio e capital”, conclui o professor.

De acordo com Souza e Silva, o Ministério da Educação está le-vantando as informações acerca do que as unidades hospitalares fazem em termos de atendimento, ensino e pesquisa, para que elas possam receber recursos de acordo com o que fazem. “Isso, para a UFRJ, é um grande avanço, pois nossos hospitais prestam assistência de saúde, mas também fazem pesquisa de ponta em várias áreas, como células-tronco, remodelagem computacional de sis-tema cardiovascular, sobretudo para circulação coronariana (parceria do Ices com outros centros, inclusive o Laboratório Nacional de Ciência e Computação)”, avalia o diretor do Ices.

Os hospitais universitários não têm por missão somente prestar assistência, mas também formar profissionais em diversas áreas além da saúde, treinando estudantes de graduação e pós-graduação, além da pesquisa. “O hospital de ensino é diferente de um hospital assistencial. Nós fazemos assistência, mas também fazemos – e temos essa obrigação – ensino, pesquisa e extensão”, enfatiza o Souza e Silva.

A proposta de regimento inclui a formação do Conselho Diretor Exe-cutivo, composto pelos diretores das unidades hospitalares que formam o Complexo, e o Conselho Deliberativo Superior, que planeja as diretrizes gerais e que, supõe-se, será formado pelas unidades acadêmicas, com a co-laboração de estudantes, professores e técnico-administrativos.

Certificação doshospitais de ensino

Outro motivo para a criação do Complexo foi a certificação, pelo Ministério da Educação, dos hospitais de ensino. “Em função da natureza de nossas unidades, nem todas pre-encheriam os requisitos para certifi-cação. Por exemplo, não poderíamos ter emergências em todas as nossas nove unidades”, explica Souza e Silva. Assim, apenas quatro unidades hos-pitalares da UFRJ foram certificadas: HUCFF, IPPMG, Maternidade-Escola e Instituto de Psiquiatria.

A não-certificação das demais uni-dades inviabilizaria a contratação das mesmas junto ao SUS, como hospital de ensino, o que garantiria um acrés-cimo de receita. “Apresentando-nos ao gestor do sistema como UFRJ, todas as unidades podem ‘contratualizar’. E, exatamente por isso, conversamos com o gestor do sistema que, no caso, é o secretário municipal de Saúde (o município é o gestor pleno da Saúde) e com o secretário estadual. Alguns procedimentos do HUCFF são de alta complexidade, o que é da alçada estadual, e ele achou ótima a idéia. Portanto, essas unidades entrarão como parte do Complexo Hospitalar, para que recursos adicionais venham para elas. Isso mostra a importância de atuar em conjunto e não de maneira isolada”, avalia Nelson Souza e Silva.

Princípios norteadoresNo Complexo, as decisões serão

sempre colegiadas e os recursos serão condizentes com a produção de cada unidade. Para Souza e Silva, “o que facilita o gerenciamento conjunto é o Conselho decidir, se houver recursos na unidade orçamentária, que estes possam ser alocados em qualquer área que o próprio Complexo decida ser importante desenvolver”.

O professor pondera que é funda-mental a cada unidade manter sua auto-nomia de planejamento, que será levada ao Complexo para a compatibilização com as demais unidades sem tirar a li-berdade de cada uma delas. “Colocamos como princípio básico que os interesses isolados não podem sobrepor-se aos coletivos”, indica o dirigente.

Outro princípio que norteará os trabalhos do Complexo é o de qualidade social, segundo o qual, as pessoas que precisam dos cuidados do Complexo Hospitalar são o foco de todas as suas atividades, bem como os estudantes que a universidade tem a responsabilidade de formar. Além disso, será estimulada a integração docente-assistencial, para que professores se envolvam na prática de ensino dos hospitais.

De acordo com Souza e Silva, o Complexo traz no seu âmago o obje-tivo de apresentar propostas para os principais problemas de saúde do país. “Por sorte termos áreas formadas que representam essas necessidades do país: Cardiovascular e Pneumológica, Materno-Infantil e Neurocientífica. Além do Hesfa, que atua com ênfase na Atenção Básica de Saúde, e o HUCFF, que é o grande hospital-geral da uni-versidade e que apoia os institutos”, pontua o professor.

Dos grandes problemas de saúde que afetam o país, a UFRJ não tem representação apenas na área onco-lógica. “Talvez até porque temos em nossa cidade o Instituto Nacional do Câncer. O que não impede que tenhamos, no futuro, uma área bas-tante forte em Onco-hematologia”, pondera Souza e Silva. Instituto de Ginecologia, no Centro da cidade: um dos hospitais do Complexo.

Enfermaria do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira.

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Junho–Julho 2009UFRJJornal da

10 Plano Diretor

Universidades em tranformação

Por todo o país, instituições planejam expansões e reformulações a partir do Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades, o Reuni.

Prioridade ao transporte coletivo e ativo, trans-ferências de unidades,

construção de novos prédios e cria-ção de novos cursos. Não, estas não são apenas pautas do Plano Diretor da UFRJ, são, sim, propostas para a expansão e reestruturação acadêmi-ca de outras universidades federais Brasil afora. As de Minas Gerais (UFMG), da Bahia (UFBA), de São Carlos (UFSCar) e a de Brasília (UnB) são algumas das instituições que também estão se reformando internamente a partir de recursos provenientes do Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Ex-pansão das Universidades (Reuni) com a finalidade de ampliar o acesso ao ensino superior e produzir um conhecimento conectado entre di-versas áreas do saber. Além disso, elas também têm em comum os debates internos exacerbados por pontos considerados polêmicos entre determinados setores dessas instituições. Parte do jogo demo-crático. UFBA, a precursora das mudanças

Uma das primeiras a pensar um processo de reordenamento espacial foi a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Em 1996, o Conselho Uni-versitário aprovou as diretrizes de sua reforma patrimonial, que tinha como princípios a racionalização do

Pedro Barreto

espaço físico, maior eficiência das instalações, construção e ampliação dos equipamentos e concentração das atividades de ensino nos campi da universidade. “Ao longo da his-tória, tivemos sete planos diretores e nenhum foi concluído. Esperamos conseguir chegar até o fim desta vez”, aponta Naomar Monteiro de Almeida Filho, reitor da Federal da Bahia.

O caminho está sendo traçado. Em 2005, foi criada uma comissão formada por professores da Escola de Arquitetura que colheu infor-mações das demandas de todas as unidades antes da elaboração do documento de referência, com as

principais diretrizes. Dois anos de-pois, foram aprovados os Estudos Preliminares de Necessidades e, no início de maio último, o Plano de Localização. Os próximos passos serão o debate acerca do Plano de Manejo Ambiental e, em seguida, o Estudo de Viabilidade Orçamentária e Financeira. “A comunidade uni-versitária tem reagido muito bem, inclusive o movimento estudantil”, afirma o Naomar Monteiro, que é professor do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA.

Em março de 2008, foi aprovado no Conselho Universitário o Ter-mo de Referência, que define os princípios do projeto. Entre eles,

está a proposta de concentração das atividades acadêmicas nos campi de Ondina, de Canela, de Edgard Santos – situados em Salvador – e de Anísio Teixeira – localizado no município de Vitória da Conquista. O documento, entretanto, é claro no sentido de preservar a autonomia das unidades garantindo a cada uma delas que decida “manter sua atual localiza-ção ou postular pertinência a outros setores que não os aqui indicados”.

O documento também estabelece que em todos os campi haja pelo me-nos um restaurante dimensionado para atender à demanda local, a cria-ção de residências universitárias nos arredores de cada um desses campi, implantação de centros de serviços gerais e de integração universitária, bem como a de um sistema viário de transporte interno e inter-campi, como passarelas, planos inclinados, empréstimo de bicicletas e ônibus movidos a energias ambientalmente responsáveis.

No que diz respeito à reformu-lação acadêmica, serão criados 38 novos cursos, abertas 2.900 novas vagas – a maioria em cursos notur-nos e bacharelados interdisciplina-res – chegando a um contingente de 39 mil alunos até 2012. No quadro funcional, estão previstos 1.008 novos servidores, 580 professores e 428 técnico-administrativos a serem contratados nos próximos quatro anos.A Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG tem uma área de 17 mil m2 divididos em quatro blocos.

Terreno do campus Ceilândia da UnB vai abrigar o novo prédio da área de Saúde, onde vão funcionar auditórios, salas de aula e laboratórios para 240 alunos por semestre.

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UFRJJornal da

11Junho–Julho 2009 Plano Diretor

Para abrigar toda essa estrutura a UFBA aspira por uma ampliação de 100 mil m2 de área a ser nego-ciada com o governo do Estado. O orçamento total do Ministério da Educação previsto para a Federal da Bahia é de R$ 80 milhões para inves-timentos de capital e R$ 300 milhões para custeio e pessoal até 2012. UFMG, transferência sem resistência

Talvez o projeto que guarda mais semelhanças com o Plano Di-retor UFRJ 2020 seja o da UFMG. A começar pela concentração das unidades no campus da Pampulha. Com a diferença fundamental de que todas as unidades desocupadas foram vendidas. Grande parte delas para o próprio poder público, mas alguns terrenos foram parar nas mãos da iniciativa privada. “Todo o dinheiro arrecadado foi reverti-do para investimentos no próprio campus . A resistência por parte da comunidade não foi grande, pois o Centro de Belo Horizonte (onde se localizavam as unidades transferidas) é um lugar inóspito e barulhento, além disso, os prédios já estavam deteriorados”, informa Maria Lúcia Mallard, responsável pelo Plano Diretor da UFMG.

Segundo a arquiteta, a Faculda-de de Direito, que tradicionalmente tem uma conduta de oposição à Reitoria, desta vez foi favorável. “Apenas a Arquitetura, que está instalada em um moderno prédio no bairro da Savassi, optou por não vir”, pontua Maria Lúcia, que é ser-vidora da Escola de Arquitetura.

José Nagib Cotrim Árabe, pró-reitor de Planejamento e Desen-volvimento, informa que “um dos antigos prédios da universidade foi incorporado à Prefeitura de Belo Horizonte e hoje abriga a Secretaria Municipal de Educação”. Segundo ele, oito unidades foram instala-das no novo campus, entre elas, a Faculdade de Ciências Econômicas – com 17 mil m2 de área, divididos em quatro blocos – e a Escola de Engenharia – composta por nove blocos de salas de aula. “Até mesmo um hangar foi criado para atender à Escola de Engenharia Aeroespa-cial”, cita Árabe.

Não obstante a alegada adesão massiva da comunidade universi-tária, o pró-reitor reconhece que há um ponto de grande polêmica sendo debatido. “Nossa maior dor é a mobilidade, especialmente no que diz respeito às vagas para es-tacionamentos”, afirma José Árabe, em referência à proposta de co-brança dos estacionamentos, que passariam ainda a ser periféricos e não mais localizados próximo às unidades.

Até o final do ano, a UFMG esti-ma um aumento de cinco mil novos

estudantes por dia circulando no campus, totalizando 47 mil. Até 2011, eles serão 60 mil. “A universidade é o segundo maior polo atrator de trânsito na cidade. Neste sentido, a centralização foi prejudicial”, reco-nhece Árabe. As linhas de metrô em funcionamento na capital mineira não contemplam a região onde a universidade está instalada, o que contribuiu para a necessidade do transporte rodoviário. “A duplica-ção da avenida Antônio Carlos deve trazer uma melhoria significativa no trânsito quando for concluída. No en-tanto, há inúmeras linhas de ônibus chegando ao campus, o que aumenta o engarrafamento nos horários de pico”, analisa o pró-reitor.

Maria Lúcia Mallard aponta o que considera uma incoerência por parte dos órgãos municipais: “É exigido um grande número de vagas para automóveis, o que estimula o transporte individual”. Mas ela sinaliza com alternativas. “Existem conversações com o Go-verno do Estado e a Prefeitura no que diz respeito à Copa de 2014, o que pode trazer uma estação de metrô para o campus da Pampu-lha”, aponta a arquiteta.

Para atender à demanda dos 28 novos cursos de graduação, 70% deles no turno da noite, todo o sistema de iluminação foi moder-nizado visando uma economia de até 10% no gasto mensal. Foram

fe itos invest imentos ainda em segurança, com a instalação de câmeras nas entradas do campus, aquisição de viaturas, além de um convênio com a Polícia Militar. Será construído ainda um restau-rante central que servirá almoço e jantar a preços subsidiados, além da implantação de uma política de lazer, com a criação de cineclubes, quadras poliesportivas, piscinas e locais para shows e eventos. No quadro funcional, está prevista a contratação de 310 novos profes-sores. Até 2012, a expectativa é que sejam repassados, pelo Ministério da Educação, R$ 73 milhões para investimentos e R$ 92 milhões para custeio.

Estágio do Plano Diretor em algumas Ifes

A Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) descentralizou as atividades e está inaugurando novas instalações no campus Sorocaba.

Branca Bueno de Arruda/César Augusto Spadella/Arquivo CCS

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Junho–Julho 2009UFRJJornal da

12 Plano Diretor

UnB, opção pela interiorizaçãoNa universidade da capital fede-

ral, o processo de readequação do campus se deu de maneira inversa. Ao invés de centralizar, fortalecer os campi instalados nas cidades satélites foi a saída. “A UnB tinha uni-dades instaladas somente no Plano Piloto. A partir de 1997, começamos o processo de expansão que levou a universidade para Ceilândia, Gama e Taguatinga. Esta é uma mudança muito grande, pois leva o ensino su-perior federal para a periferia”, define Alberto Alves de Faria, arquiteto do Centro de Planejamento Oscar Nie-meyer, da UnB.

Parte das obras foi realizada com recursos da própria universidade. No entanto, com o orçamento proveniente do Reuni, foi possível a construção de novas salas e outras edificações de uso acadêmico. Entre elas, está a criação de novos restaurantes universitários. Mas a comunidade ainda discute se real-mente eles serão criados ou se haverá a reforma dos já existentes.

Com relação às residências, existe a proposta de unificar as moradias de professores e estudantes. Ambas as partes, todavia, resistem. O alunado reivindica a criação da Casa do Estu-dante, um espaço para festas e con-fraternizações para arrecadar fundos para os centros acadêmicos, proposta que não agrada o corpo docente. “A universidade já dispõe deste espaço. Está localizado 1,5 km do campus”, argumenta Faria.

A mobilidade é outro ponto de destaque do projeto. “Pretendemos priorizar o transporte ativo, construin-do uma ciclovia interna do campus integrada à cidade”, explica o arqui-teto. Segundo ele, há conversações com as esferas estadual e municipal de incrementar a oferta de transpor-te coletivo na universidade. “Esta é uma carência da cidade, já que faz parte da cultura da comunidade o uso do transporte individual”, afirma Alberto Faria.

Até 2012, a UnB estima aumentar seu corpo discente dos atuais 30 mil para 40 mil alunos, que ocuparão uma área de 60 mil m2. O quadro docente, que hoje é de mil professo-res, chegará a 1,5 mil daqui a quatro anos, enquanto os 3 mil técnico-administrativos ganharão um reforço de 500 novos funcionários. Os re-cursos oriundos do Reuni para tanto serão de R$ 90 milhões, sendo R$ 53 milhões para edificações e obras de infraestrutura. UFSCar, iniciando a discussão

A Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) ainda não definiu o seu plano de expansão. Ainda assim, já estabelece as bases para o processo. Tendo à frente do processo o profes-sor Luiz Antônio Falcoski, ex-secre-tário de Urbanismo de Araraquara (SP), que pretende implementar na

UFRJ investe em mobilidade e segurança

No âmbito da UFRJ, já estão em andamento alguns projetos de transformação do espaço físico da Cidade Universitária. Uma das iniciativas deve amenizar grande parte das reclamações de quem frequenta o campus localizado na Ilha do Fundão: o acesso. Está em fase final, por parte do Departamento de Engenharia Civil da Escola Politécnica, o estudo de viabilidade da criação da “Nova Ponte Sul”. Uma das possibilidades de edificação é a conexão direta com a linha Vermelha, atravessando o Canal do Cunha, desembocando no Caju, na altura da Estação de Tratamento de Alegria. Outra alternativa é a ligação com a linha Vermelha na altura da Vila do João. O projeto já conta com a simpatia tanto de luiz Fernando Pezão, vice-governador e secretário estadual de Obras, quanto de Eduardo Paes, prefeito do município do Rio de Janeiro, e tem boas chances de ser viabilizado.

Outro empreendimento já em andamento é o do terminal de integração. As obras tiveram início no último dia 25 e a previsão é que sejam concluídas até setembro. O terminal será a porta de entrada dos transportes coletivos na Cidade Universitária e servirá ainda como integração com outros meios de transporte. Está prevista ainda uma praça de alimentação nas proximidades. Segurança

Assunto muito em voga na grande imprensa quando se fala da Cidade Universitária, a segu-rança interna do campus também deve sofrer modificações. O prefeito Hélio mattos anunciou recentemente algumas providências previstas. Entre elas está o maior controle de acesso às uni-dades. “Não se trata de proibir ninguém de entrar, mas de controlar o acesso. Atualmente, são 65 mil pessoas e 25 mil veículos circulando diariamente na Cidade Universitária. Com a expansão, naturalmente, o fluxo aumentará”, avalia mattos.

Serão implantadas 19 câmeras de alta resolução para o monitoramento de todo o campus, cabines blindadas nos acessos à Cidade Universitária, 250 postos de vigilância, além das seis viaturas que circulam das 6 às 23 horas. Outras questões, como a melhoria do transporte público interno e a troca dos postes de iluminação, também estão em andamento. Ainda há uma central telefônica de emergência (2598-1900) para dar suporte nas questões de segurança na UFRJ. “Há problemas, mas os episódios que ocorrem na UFRJ estão em um contexto de violência que atinge todo o Rio de Janeiro”, explica Hélio de mattos.

Para Carlos Vainer, membro do Comitê Técnico do Plano Diretor UFRJ 2020 (CTPD), os números demonstram que a tranquilidade ainda predomina no campus e que o tema precisa ser tratado sem alarmismos. “Sou contra catracas eletrônicas, por exemplo, porque ferem o princípio de uma universidade pública e aberta. Entretanto, devemos prever portarias como central de informações”, acredita Vainer, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Regional (Ippur).

Pedro Barreto e Rodrigo Ricardo

instituição o mesmo que fez à fren-te da pasta municipal. “Na década de 1990, a universidade tinha um plano diretor, mas era necessário adequá-lo aos novos padrões do Ministério da Educação. Por isso, estamos trabalhando na releitura dos planos setoriais, dos campi de Araras, Sorocaba e Araraquara”, afirma Falcoski, coordenador do Escritório de Desenvolvimento Físico (EDF) da UFSCar.

A UFSCar já conta com uma política de residências universitá-rias. Existem moradias estudantis, gratuitas para estudantes carentes, mediante a análise do perfil sócio-econômico, além de moradias de aluguel nas proximidades para a comunidade interessada. Na refor-mulação acadêmica está prevista a criação de 21 novos cursos. A maioria noturnos e interdiscipli-nares.

Falcoski explica que o plano ainda não está definido, mas será debatido por toda a comunidade. “Estamos em processo de debate de zoneamento ambiental do campus e de leitura da capacidade técnica da universidade. É importante que o conceito seja construído a partir dos agentes envolvidos”, conclui o docente.

Faculdade de Farmácia da UFMG, uma das oito unidades transferidas para o campus da Pampulha.

Foca Lisboa

Branca Bueno de Arruda/César Augusto Spadella/Arquivo CCS

Além da construção de novos prédios, o Plano Diretor da UFSCAR prioriza o tráfego de pedestres.

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UFRJJornal da

13Junho–Julho 2009 13Entrevista

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evis

ta

Miriam Guindani

Não são poucos os episódios sangrentos da nossa história que contradizem o ainda arraigado mito da cordialidade brasileira. O uso desmedido de forças policiais contra as populações despojadas de direitos nunca deixou de ser uma prática contumaz do aparato estatal republicano, desde a carnificina de Canudos, no final do século XIX, até as recorrentes tentativas de militarizar o tratamento da questão social. Contra a primazia das ações repressivas, Miriam Guindani, professora adjunta da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, defende uma concepção de política de segurança associada à garantia do exercício integral da cidadania. “O Estado não consegue efetivar programas para assegurar direitos sociais. A ausência desses mecanismos facilita a reprodução da violência institucional”, enfatiza a docente e pesquisadora, pós-doutora em Política Criminal pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj).

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Junho–Julho 2009UFRJJornal da

14 Entrevista

Coryntho Baldez

Jornal da UFRJ: Por que a cultura da violência das forças policiais do Estado contra a população vem se reproduzindo ao longo do tempo?

Miriam Guindani: É uma marca da nossa história e da cultura brasileira essa utili-zação das forças da ordem como mecanismo de reprodução da desigualdade e de manutenção do status quo. Isso se altera dependendo do contexto político e das forças no comando do governo. É um fenômeno que pode assumir um viés mais violento, de militarização, ou então um caráter populista. Mas não deixa de ser uma marca dos nossos 500 anos de tentativa de construção de uma civilização.

Jornal da UFRJ: E a violência institucional que se expressa na ausência de direitos básicos e em desigualdades sociais estruturais?

Miriam Guindani: Uma das maiores manifestações da desigualdade social no sistema econômico-político vigente é a desigualdade no acesso à Justiça e a falta de mecanis-mos democráticos de controle das forças da ordem. No cotidiano, isso aparece, por exemplo, no uso abusivo da força no inquérito policial para a obtenção de informações e também na forma como as forças de segurança ocupam um território e invadem comunidades.

Jornal da UFRJ: Essas comunidades destituídas de direitos sociais acabam sendo as maiores vítimas dessa violência?

Miriam Guindani: Elas não são destituídas de direitos, mas de um aparato que garanta o acesso a eles. É o Estado que não consegue efetivar programas e ações para assegurar os direitos sociais. A ausência desses mecanismos facilita a reprodução dessa violência institucional, que não sofre qualquer fiscalização nem controle externo. O Ministério Público, depois da Constituição de 1988, passou a ser o órgão responsável por essa fiscalização, mas ainda tem dificuldades para cumprir a sua missão.

Jornal da UFRJ: Qual a sua opinião a respeito da ideia de que as pessoas sem nenhum horizonte de vida, sem acesso aos seus direitos, estão na fronteira da violência e da cri-minalidade?

Miriam Guindani: Eu tenho certa preocupação em relação a esse tipo de análise dos territórios onde vivem as comunidades pobres. Na verdade, são territórios que expressam a complexidade da vida social. Ali existem situações que contribuem para reproduzir mecanismos de criminalização e estigmatização da pobreza. Mas também se produz vida social. O Complexo da Maré, por exemplo, é um território extrema-mente dinâmico, que pulsa, em que circula cultura, que tem geração de renda. Tam-bém existe ali uma violência institucional pela via do aparato da Segurança Pública, que muitas vezes desrespeita os direitos da população. Por outro lado, essa população também convive com acesso a outros recursos. É um território, portanto, que não está totalmente apartado. Possui, sim, fronteiras invisíveis associadas à falta de acesso às políticas públicas. Mas também existe uma dificuldade da própria população se reconhecer como portadora de direitos e afirmar claramente que não quer mais que o “caveirão” entre na comunidade, que não quer mais ser tratada com violência pela polícia. Porém, se é verdade que há certa passividade, ela convive com o movimento da própria comunidade, na qual vivem trabalhadores que estão inseridos em organizações e programas sociais, muitos dos quais são funcionários da UFRJ. Isso é decorrente de uma vida que pulsa. Então, não podemos olhar esses territórios apenas como os de pessoas oprimidas e passivas, que não reagem.

Jornal da UFRJ: Hoje, o encarceramento a qualquer preço parece que passou a ser uma política de Estado. O Brasil possui quase meio milhão de presos e esse número cresce a uma taxa de cerca de 14% ao ano. A senhora vê alguma eficácia nesse tipo de política?

Miriam Guindani: Vários estudos, inclusive de outros países, mostram que o au-mento da taxa de encarceramento não tem qualquer relação com a redução do crime violento. É uma política de efeito mais midiático, pela qual os gestores da política criminal pretendem apresentar à população respostas mais imediatas relacionadas ao combate ao crime. Em São Paulo, as autoridades dizem que há uma relação entre o aumento da taxa de encarceramento e a redução dos homicídios. Mas isso precisa ser aprofundado e constatado. Eu discordo dessa perspectiva. O que existe é um con-junto de ações associadas ao avanço do poder local na responsabilidade por políticas de prevenção, através de ações integradas, que estão contribuindo para a redução da violência. A política do encarceramento, na verdade, não produz impacto e somente sacia o desejo de vingança, além de ser o atestado de incompetência do próprio Estado, que não consegue prevenir a violência criminal com políticas sociais e apresenta como resposta a ampliação do sistema punitivo.

Jornal da UFRJ: A própria taxa de reincidência no crime dos presos no Brasil, de cerca de 70%, reforça essa tese?

Miriam Guindani: A ideia de taxa de encarceramento precisa ser relativizada. Ela

Violência:mais direitos,

menos “caveirões”Nesta entrevista, Miriam demonstra preocupação

com o enfrentamento da violência urbana por meio da ampliação do sistema punitivo. O Brasil já possui quase

meio milhão de presos, mas em nenhum lugar do mundo a política de encarceramento maciço deu certo, segundo ela. É uma estratégia de efeito mais midiático, “pela qual os gestores da política criminal pretendem apresentar à população respostas mais imediatas relacionadas ao

combate ao crime”, sustenta a especialista.Miriam Guindani também é coordenadora do

Núcleo Interdisciplinar de Ações para Cidadania (Niac), programa de Extensão da UFRJ que envolve a ESS,

a Faculdade de Direito (FD), o Instituto de Psicologia (IP) e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), todos da UFRJ. Atuando no campo da Justiça e dos Direitos Humanos, o Niac desenvolve projetos no

Complexo da Maré que buscam pôr em prática meios de resolução de conflitos, alternativos à judicialização das demandas e absolutamente antagônicos à via repressiva representada pelos temidos “caveirões” –

blindados do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). Uma das iniciativas do Núcleo é o Escritório da Cidadania, que já contabiliza 400 casos desde a sua criação, em 2007, e almeja se transformar em

referência na política de Segurança Pública.

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Junho–Julho 2009Jornal da

UFRJEntrevista 15

representa a circulação de pessoas que entram e saem do sistema penitenciário. No Rio de Janeiro, não sabemos quantas pessoas entram e saem das prisões. Há uma taxa imensa de evasão. As pessoas não cumprem as penas, muitas vezes voltam porque fugiram no regime semi-aberto ou aberto. As experiências, no entanto, mostram que a pena privativa de liberdade não possui o efeito idealizado ou prometido por alguns setores da execução penal.

Jornal da UFRJ: As execuções extrajudiciais e a tortura por parte das forças policiais brasileiras têm sido uma preocupação constante de setores da sociedade brasileira e também da Comissão dos Direitos Humanos da ONU. Como a senhora analisa a emergência de grupos de extermínio e esquadrões da morte no Rio de Janeiro?

Miriam Guindani: Há um acirramento dessas ações extrajudiciais, mas a verdade é que os grupos de extermínio sempre marcaram a história do Rio de Janeiro. In-felizmente, o poder público sempre contou com esses grupos paramilitares e para-policiais, que estão imbricados nas forças da ordem. São grupos muito diversos na sua constituição, mas observa-se que cada vez mais eles estão ocupando territórios. Temos, agora, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das milícias, coordenada pelo deputado Marcelo Freixo, o que demonstra o quanto essas organizações estão próximas do poder político. Além de ocuparem territórios, estão financiando políti-cos e elegendo parlamentares das suas próprias fileiras. Essas milícias significam uma total vinculação entre crime organizado, órgãos da polícia e instâncias políticas.

Jornal da UFRJ: Por que, no Brasil, o pobre que furta manteiga no supermercado vai para a cadeia sem apelação e pessoas já condenadas por corrupção em primeira instância conseguem habeas-corpus com relativa facilidade?

Miriam Guindani: A desigualdade no acesso à Justiça é a maior expressão da desigualdade social que vivemos no país. O tratamento dado a quem não tem os devidos recursos nem acesso aos mecanismos legais reproduz as desigualdade estruturais. Ou seja, quem mora em determinados territórios ou quem pertence a uma classe ou determinada etnia está muito mais vulnerável ao sistema punitivo do que os outros. Existem mecanismos legais e garantias processuais extremamen-te avançados, mas que não são assegurados a todos os estratos da sociedade. Um exemplo: as pessoas não podem ser algemadas se não oferecem perigo à sociedade. Mas, outro dia, eu estava em uma delegacia de Nova Iguaçu, onde homens que não pagam pensão para ex-esposas foram conduzidos à cadeia com algemas. Essa é a expressão máxima da criminalização da pobreza e do total descumprimento da lei. São pessoas que nem sabem que os seus direitos estão sendo violados. Ao contrário, quando a proprietária de uma grande loja de São Paulo foi presa, houve toda uma preocupação da mídia, e de outros setores, com o exagero da ação e cobranças em relação ao respeito à lei.

Jornal da UFRJ: O Brasil ocupa, atualmente, o 4º lugar no ranking mundial de mortes causadas por armas de fogo e estima-se em quatro milhões as armas que não possuem registro. Como enfrentar esse problema?

Miriam Guindani: É preciso investir no combate ao tráfico de armas. Essas armas são produzidas no Brasil, por indústrias nacionais, que precisam ser fiscalizadas. Depois, elas são exportadas, muitas delas de forma ilegal e, em seguida, são con-trabandeadas de volta para o país. É preciso estabelecer uma política em nível internacional, de controle de fronteiras, envolvendo as forças tanto das polícias federais como das polícias rodoviárias dos países da América do Sul. O que é mais lamentável é que toda ação do Poder Público se volta para a busca de armas em determinadas comunidades, como se elas fossem fabricadas ali. Na verdade, há uma facilidade de acesso a todo tipo de armamento, mas a resposta do Estado prioriza as apreensões nas comunidades, com intervenções quase sempre violentas, quando o alvo do controle deveria ser os fornecedores, principalmente.

Jornal da UFRJ: E como a senhora avalia a estratégia do governo estadual de “paci-ficar” as favelas por meio da ocupação permanente feita por forças policiais?

Miriam Guindani: Essas experiências não são inovadoras, já foram tentadas desde a época em que o coronel Newton Cerqueira estava à frente da Secre-taria de Segurança, no governo de Leonel Brizola. Houve outras experiên-cias semelhantes definidas como bem-sucedidas nas favelas do Pavãozinho e do Cantagalo e, depois, na favela do Cavalão, em Niterói. Hoje, há uma abordagem política da medida como se ela fosse inovadora e ligada à cons-trução de uma nova polícia. Acho que a ocupação social dos territórios, no contexto atual, pressupõe, sim, uma entrada das forças de ordem, mas dentro dos parâmetros legais. E também um controle do poder das armas. É bom frisar que existem várias formas de asfixiar a entrada de armas e de munições que são opostas à invasão da comunidade com carros blindados ou “caveirões”. Por exemplo, com serviços de inteligência. Outro ponto é a ocupação permanente da polícia. Ela deve estar presente como um serviço

natural de ronda ou patrulhamento. Mas fazer essa ocupação com um viés de polícia comunitária é um desvio de função.

Jornal da UFRJ: De que forma isso vem acontecendo?

Miriam Guindani: Há pouco tempo fui visitar o Bope com uma turma de alunos e fiquei muito preocupada com a nova versão de Bope comunitário, que joga futebol e mantém relações próximas com jovens, crianças e os moradores do local. Esse policial que deveria ser extremamente qualificado e bem remunerado tem uma função de prevenção e, às vezes, de contenção. O policial que prende um adulto que espanca uma criança não pode ser o mesmo que fica na comunidade participando de atividades recreativas. Essa é uma dupla mensagem do que significam as forças de ordem. Tenho forte preocupação com a ampliação dessas polícias ditas comunitárias. A polícia precisa, na verdade, ser qualificada e interagir com outros profissionais da área da saúde, de serviço social, da educação, dando condições de segurança para que as políticas sociais possam ser efetivadas em determinados territórios. Quando a polícia invade essas áreas e se torna a responsável por garantir a paz, o lazer, as atividades culturais, há um processo de militarização da questão social e de desvio das funções da Segurança Pública na resolução dos conflitos. Não quer dizer que não devem garantir o mínimo de convivência e de civilidade, mas isso deve ocorrer tanto no Complexo da Maré como na Zona Sul.

Jornal da UFRJ: Por falar em Bope, algumas lideranças comunitárias temem que as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nas favelas abram caminho para a entrada do “caveirão”. O que a senhora acha disso?

Miriam Guindani: Esse é um argumento que tem fundamento, pois a abertura de vias e trajetos facilitaria o acesso à cidade dos moradores, mas também a entrada de forças de repressão. Isso depende da forma de ocupação. Nós somos co-responsáveis por permitir o uso abusivo da força policial, que não deveria entrar nas comunidades de forma violenta em nenhuma hipótese, seja com ruas menos ou mais abertas. É possível que, em função da política de segurança vigente, isso possa ser uma estratégia para facilitar a entrada do braço repressivo do Estado. Por outro lado, há um jogo de forças e de disputa desse espaço. E esse é um desafio para outros setores sociais, inclu-sive para a universidade. Jornal da UFRJ: Há certo alarmismo midiático em torno da violência, es-pecialmente quando ela atinge camadas mais abastadas da população. Isso parece gerar um círculo vicioso que leva parcela da população a pedir mais

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UFRJJornal da

16 Entrevista

prisões e até a legitimar execuções extrajudiciais. Falta uma abordagem mais profunda do problema, que é grave, por parte da grande mídia?

Miriam Guindani: A mídia do Rio de Janeiro dá um espaço para a questão da violência muito maior do que a paulista e a gaúcha, por exemplo. A mídia carioca veicula diariamente informações a respeito de tragédias ligadas à violência urbana, sem problematizar ou aprofundar a questão. Já a mídia de São Paulo evita o tema e não trata dele com tamanho alarde. Esse comportamento dos meios de comunicação do Rio alimenta o sentimento de impunidade e de insegurança. E o tratamento é desigual dependendo da origem de classe da vítima. Se ela é oriunda da classe do-minante, há um alarde, mas se ela não tem nem endereço sai apenas uma notinha no jornal. A mesma lógica orienta o tratamento que se dá ao infrator. Isso também expressa a desigualdade no acesso à Justiça e aos meios de comunicação.

Jornal da UFRJ: A UFRJ também não está imune ao quadro de violência urbana e, particularmente, o campus da Cidade Universitária sofre até certo estigma em relação às suas condições de segurança, algo que também acontece com alguns bairros ou áreas. Como a senhora avalia isso?

Miriam Guindani: Eu tenho uma inserção de atividades na Praia Vermelha, na Faculdade de Direito e na Cidade Universitária. Sei, por exemplo, de episódios de alunos de Direito que foram sido vítimas de assaltos violentos nas imediações daquela unidade. Por outro lado, há episódios corriqueiros e violentos na Ilha do Fundão. Não é somente o estigma, são fatos, mas que atingem também outras unidades da UFRJ. Isso é fruto de mera observação. Mas seria um bom objeto de estudo saber os tipos de ocorrência, de delitos, nas várias unidades. Até para des-mistificarmos essas concepções. Na Cidade Universitária, se acirra a percepção da insegurança muito em função dos episódios que envolvem a Linha Vermelha.

Jornal da UFRJ: O Plano Diretor prevê a ocupação e a criação de novas áreas de convivência na Cidade Universitária. Um campus com mais vida pode ser sinônimo de mais segurança?

Miriam Guindani: Há vários estudos que mostram que uma rua iluminada, a preocupação com o paisagismo, a facilidade de ir e vir por meio de um transporte eficiente, tudo isso con-tribui não apenas para dar maior sensação de segurança como também para a redução de alguns tipos de delitos. Entre eles, assaltos a transeuntes, o furto de bens e de patrimônio. Mas isso não quer dizer que haverá redução da taxa da violência letal. Na Maré, por exemplo, esse tipo de violência está associado muito mais a disputas por territórios. Casos de violência interpessoal e de violência doméstica contra crianças e adolescentes, que acontecem ali no entorno, não necessariamente sofrerão impactos positivos.

Jornal da UFRJ: Já que estamos falando do Complexo da Maré, a senhora coordena o Núcleo Interdisciplinar de Ações para Cidadania (Niac), que tem vários projetos de extensão naquela comunidade. Fale um pouco a respeito dessas iniciativas.

Miriam Guindani: O Núcleo é um programa de Extensão Universitária criado em 2006, na gestão da professora Laura Tavares, que articula a ESS, a FD, o IP e a FAU. O programa realiza atividades de atendimento à população, mas também se ocupa com a formação e a educação dos nossos próprios estudantes no tema da defesa dos direitos humanos e do acesso à justiça. Isso se concretiza por meio de diferentes ações, sendo que a prioritária é o Escritório da Cidadania, localizado na Cidade Universitária, na Divisão de Integração Universidade-Comunidade da Pró-reitoria de Extensão (PR-5). É um serviço que atende a população do Complexo da Maré. As demandas são diversas, mas quase todas são voltadas para a resolução de conflitos, como a disputa pela guarda de crianças, por moradias e o seu registro, questões trabalhistas e previdenciárias, entre outras. A ideia é que esse Escritório da Cidadania se transforme em referência de política pública.

Jornal da UFRJ: Há estatísticas em relação ao número de casos?

Miriam Guindani: Desde 2007 até agora, temos 400 casos registrados em nosso banco de dados. Não queremos ocupar o lugar da Defensoria Pública, mas sim desenvolver ações que possam resolver muitas demandas sem precisar levar essas questões para a Justiça. O acesso à justiça não é o acesso ao Poder Judiciário, mas aos direitos e às necessidades da população. Essa forma de solução de conflitos encaminhada pelo Escritório da Cidadania concorre com outras formas perversas e violentas, como as milícias.

Jornal da UFRJ: Em relação à formação dos estudantes, qual é o enfoque?

Miriam Guindani: O Escritório quer formar alunos com visão crítica a respeito do acesso à Justiça e da necessidade de evitar a criminalização da pobreza e a ju-

dicialização dos conflitos. Essa não é uma mudança simples, porque é de natureza cultural. Na área do Direito, por exemplo, há essa prática de encaminhar os conflitos para a esfera judicial. A população também precisa mudar a sua visão e entender que há formas de resolver determinados conflitos sem judicializar. Mas é claro que há outros casos em que isso é necessário.

Jornal da UFRJ: O Núcleo tem outros projetos?

Miriam Guindani: O Niac também desenvolve o projeto Pacificar, do Ministério da Justiça, e o projeto Balcão de Direitos. Este último é um trabalho de equipes itinerantes que vão às comunidades fazer orientação jurídica. E o Pacificar é orientado pelo Ministério da Justiça, que estimula a produção de pesquisas e de práticas alternativas para a solução de conflitos. Há uma onda de que temos que resolver conflitos via polícia comunitária, entre outras formas. Isso é muito preocupante porque pode levar a um processo de privatização da resolução dos conflitos, que prepara o caminho para a entrada em cena de grupos milicianos de extermínio e de grupos religiosos, entre outros. Há pastores que têm uma liderança imensa e fazem uma espécie de mediação para evitar o extermínio na disputa entre grupos. É uma expressão da ausência de políticas públicas. Com o Pacificar, estamos estudando esse fenômeno e apresentado outros caminhos.

Jornal da UFRJ: Qual a sua expectativa em relação à 1ª Conferência Nacional so-bre Segurança, em agosto, que está sendo organizada pelo Ministério da Justiça?

Miriam Guindani: Ela tenta acompanhar outras políticas públicas, que têm como um dos princípios a participação social. A Conferência é um movimento de democratização desse debate, ao abrir espaço para outros atores envolvidos com o tema da segurança. Tem os seus méritos, mas não

podemos fazer idealizações. Antes da Conferência, have-rá um processo de debates em etapas locais, municipais e estaduais e construí-lo não é fácil. Há um risco de que setores que querem pena de morte e novos “capitães Nas-cimento” à frente da polícia influenciem esse processo. É preciso saber qual será o produto final em termos de sugestões para a política pública de segurança. Também há outro problema ligado ao momento de realização desse evento. Queremos fazer uma Conferência para que haja envolvimento da sociedade e controle externo nessa área. Mas 2010 é um ano eleitoral. Essa Conferência deveria ter sido feita no primeiro ano de mandato do atual governo, para que fosse iniciada a sua execução no segundo ano. Acho que ela não vai produzir o impacto suficiente para as reformas estruturais necessárias das instituições de

segurança pública. Há uma luta desde o primeiro mandato do governo Lula para mexer na estrutura do sistema de segurança pública e a Conferência era uma estratégia para alcançar esse objetivo. Lamento que somente esteja sendo realizada agora, mas, ainda assim, está saindo.

Jornal da UFRJ: Como a senhora avalia o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci)?

Miriam Guindani: O Pronasci recebeu um corte violento no último con-tingenciamento orçamentário, de quase 70% do que estava programado. O interessante do Pronasci é que não se resume a princípios e diretrizes, mas busca operacionalizá-los por meio de projetos específicos. O Pacificar, por exemplo, é um deles. Há outro que envolve as mães e lideranças locais como mediadores de conflitos. Também há incentivos através de bolsas para po-liciais que estão estudando, algo importante. Mas o Pronasci não toca nas reformas estruturais das instituições da segurança pública, que considero a grande questão.

Jornal da UFRJ: É possível caminhar para democratizar o acesso à justiça no Brasil, com controle social efetivo e gestão participativa?

Miriam Guindani: Temos mecanismos legais que podem viabilizar esse controle externo, mas precisaríamos primeiro de uma boa ouvidoria, inde-pendente e qualificada. Precisamos ter também um Ministério Público mais atuante. É preciso dar prioridade política para, de fato, reformar as polícias, criando mecanismos de integração das informações. Recentemente, o chefe de polícia do Rio caiu porque estava com dificuldade de compartilhar infor-mações e isso é inaceitável. O papel da Defensoria Pública também é fun-damental para garantir o acesso à justiça. A população afetada por políticas que cada vez mais criminalizam a pobreza deve ter bons advogados públicos para enfrentar a ampliação do sistema punitivo. Fortalecer essa instituição significa contrapor-se à política ineficiente do encarceramento.

“É preciso dar prioridade política

para, de fato, reformar as polícias, criando mecanismos

de integração das informações.”

Junho/Julho 2009

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Bruno Franco O caminhoda Índia

Com um PIB (Produto Interno Bruto – valor total de bens e serviços

produzidos no país) de US$ 1,176 tri-lhão, a Índia é a décima segunda maior economia do mundo (o Brasil é o nono país em PIB, US$ 1,313 trilhão). A análise do Banco Mundial leva em consideração não apenas a produção de riquezas de cada país, mas, também, a paridade do poder de compra de sua moeda. Dentro desses parâmetros a Índia seria a quarta maior potência econômica mundial. No entanto, essa pujança é relativizada pela enorme população indiana, fazendo-a ocupar a 135ª posição mundial no que tange ao PIB per capita.

A maior parte da população in-diana está no campo. No entanto, a economia do país se destaca pelo setor de serviços (que responde por mais de 50% do PIB), sobretudo de

Contando com cerca de 1,2 bilhão de habitantes, 300 milhões dos quais compondo um poderoso mercado consumidor de

classe média, ao lado da China, a Índia tem sido um dos motores do crescimento econômico mundial e tem se firmado como

potência emergente.

Junho/Julho 2009Jornal da

UFRJ 17Junho/Julho 2009 Mundo

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alta tecnologia, call center, indústria farmacêutica (o país é o maior pro-dutor e exportador de medicamentos genéricos do mundo).

De acordo com Sabrina Medei-ros, professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada (PPGHC) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ, a percepção da Índia como potência emergente é realista, “porque o poten-cial de elevação em função da margem de consumo ainda não explorada é grande”, avalia a pesquisadora.

Daniel Chaves, historiador e pes-quisador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente (Tempo), também do Ifcs, concorda e destaca a importância do amadurecimento e autonomia das instituições indianas, a supressão da pobreza e a efetividade das políticas públicas básicas de seguridade social. “O que é fato, independentemente da progressão atingir ou não essa expec-tativa mais ou menos otimista, é que Índia e China são líderes regionais de grande vulto já no tempo presente. Destacaria também o Brasil e a África do Sul como polos nessa direção”, afirma Chaves.

Convergência de interesses com o Brasil

Brasil e Índia têm estreitado re-lações nos últimos anos (somente em 1996, com Fernando Henrique Cardoso, houve a primeira visita de um presidente brasileiro à Índia), dada a percepção de ambos acerca de possibilidades em parcerias Sul-Sul no cenário internacional. O comércio bilateral – superavitário para os india-

nos devido à exportação de produtos e serviços de maior valor agregado – ainda não assume grande vulto, mas a concertação diplomática de ambas as chancelarias é crescente.

O esforço de coordenar posições comuns em foros internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), ampliou-se no G-20 (grupo composto por 20 países em desenvolvimento, focado em pro-postas da OMC, sobretudo relativas à agricultura) e começa a consolidar-se no chamado Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), que visa promover a coopera-ção e intercâmbio entre os três países, em comércio, em investimentos, em redução de pobreza, em desenvolvi-mento sustentável e na atuação conjunta internacional.

Brasil, Rússia, Índia e China com-põem ainda o Bric (sigla com as iniciais dos quatro países), designação criada pelo economista norte-americano Jim O´Neill, do banco Goldman Sachs, que prevê ao quarteto um papel de proa na indução do crescimento econômico mundial, bem como crescente liderança como atores políticos internacionais.

Segundo Daniel Chaves, não há necessariamente uma concorrência entre esses eixos na multipolaridade. “Uma projeção brasileira como po-tência mundial não pode se excluir sistematicamente de fórum algum, aproveitando-se do pragmatismo tra-dicional da nossa política externa para se maximizar de forma cooperativa. A parceria com a Índia, nesse sentido, é altamente estratégica”, defende o historiador.

Sabrina Medeiros avalia que o Ibas tem o significado de um mecanismo de cooperação que “pode proporcionar prosperidade, fundamentalmente para seus pares, enquanto o papel do Bric está mais relacionado à presença destes atores no cenário internacional”.

Como a crise afeta a ÍndiaQuando o mundo vivia a euforia

da abundância de crédito e incentivo à desregulamentação, muitos países financiaram seus processos de cresci-mento econômico graças à expansão de suas exportações e ao fortalecimen-to de seus superávits comerciais.

Com a crise, o comércio interna-cional retraiu-se de maneira rápida e significativa, prejudicando, sobretudo, os países que dependem fortemente de suas exportações de bens cuja deman-da seja elástica. Mas, na Índia, o peso das exportações em relação ao PIB é de 15%. Na China, nas Filipinas e na Coréia do Sul, cerca de 40% e em Cin-gapura é de quase 90%, como indica Ashutosh Sheshabalaya, consultor e autor do livro Made in India.

Incluindo na conta as importações, de forma a analisar todo o comércio exterior, o peso vai a 44% do PIB, bem inferior ao de diversos países asiáticos, e demonstra a introversão da orien-tação econômica da Índia pelas im-pressionantes dimensões do mercado consumidor interno, capaz de conferir ganhos de escala às empresas nacionais antes que busquem o mercado exterior. Com a retração creditícia e comercial que sobreveio à crise financeira mun-d i a l , as exportações indianas

caíram 20% em quatro meses. Entretanto, parte

significativa da pauta de exportações do país tem pouca elas-ticidade, a demanda por seus bens sofre pouca variação. Esse é o caso da exportação de serviços de tecnologia da informação, de joalheria, da indús-tria farmacêutica e da biotecnologia. Segundo o The New York Times, a desaceleração econômica deverá ser suave neste ano — de 9,3% em 2007, para 7,8% em 2008 e algo em torno de 6,9% neste ano.

Incerteza eleitoralA Índia realizou nesse ano, sua

eleição legislativa, iniciada em 16 de abril e terminada em 13 de maio. O país conta com 714 milhões de eleitores, cuja ida às urnas foi dividida em cinco etapas. O voto não é obrigatório e cerca de 200 milhões de indianos comparece às urnas.

Os 35 estados e territórios são divi-didos em 543 distritos, cada um apto a eleger um deputado (perfazendo o total de 543 cadeiras na Lok Sabha, a Câmara Baixa do Parlamento). Mas, desse total, 131 vagas são reservadas para as castas baixas e tribos. A coligação ou o partido vencedor precisa de 272 cadeiras para governar. Para garantir a tranquilidade e a lisura do pleito na maior democracia do planeta, 6,1 milhões de policiais, soldados e observadores civis estavam presentes. No entanto, no dia em que as eleições foram iniciadas, guerrilhei-ros naxalistas, de inspiração maoísta, desencadearam diversos ataques, viti-mando 17 pessoas.

Uma das personagens de maior destaque é Kumari Mayawati, ministra-chefe (governadora) do estado de Uttar Pradesh, que

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UFRJJornal da

19Junho–Julho 2009 Mundo

é chamada de a “Rainha dos Dalits”. Nascida nesta casta, está propondo uma agenda política mais à esquerda, voltada para as questões sociais. Com a abertura de seu partido, Bahujan Samaj Party (BSP), às demais castas – muitos brâmanes estão concorrendo pelo partido às vagas como deputados no Uttar Pradesh –, Mayawati aparece com chances de vitória, o que representaria uma novidade no cenário político indiano.

Além do BSP, também têm chan-ces de vitória o Bharatiya Janata Party (BJP), nacionalista de direita, e o Par-tido do Congresso, de Sonia Gandhi, nora de Indira Gandhi (apesar do sobrenome, a ex-primeira-ministra e a candidata não possuem parentesco com o Mahatma), que busca manter-se no poder. Como a Índia é parlamen-tarista, o grupo que obtiver a maioria no Lok Sabha indicará o primeiro-mi-nistro. Oito dos 14 premieres indianos vieram da região de Uttar Pradesh.

Embora seja a maior do mundo, a Índia não é um modelo de democracia, na opinião de Sabrina Medeiros. “As instituições são rígidas, os partidos políticos têm plataformas frágeis e o lastro da crise é também da política doméstica, em que a maior minoria muçulmana do mundo considera-se fora do escopo de participação – o que é fonte constante de conflitos”, critica a professora.

Para Daniel Chaves, o hibridismo de características democráticas e autoritárias na Índia foge às convenções ocidentais clássicas sobre a chamada boa governança. O historiador ressalva que não necessariamente a coexistência da tradição com a modernidade, no século XXI, se dá pela “uniformização das instituições democráticas – na acepção mais polissêmica possível, já que estamos falando de diversidade, na regra do valor europeizado, destas, conforme conhecemos”.

Desde a intervenção norte-americana no Iraque – no rastro dos atentados de 11 de setembro de 2001 – o multilateralismo e, sobretudo, o sistema da ONU chegaram a um impasse devido ao crescente descrédito dos EUA frente a decisões internacionais em matéria de segurança.

Como resposta, o ex-secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, instituiu o Grupo de Alto Nível sobre as Ameaças, os Desafios e a Mudança, composto por 16 estudiosos das Relações Internacionais, dentre os quais o diplomata brasileiro João Clemente Baena Soares.

O Grupo – presidido pelo ex-premier tailandês Anand Panyarachun – entregou a Annan o informe Um mundo mais seguro: nossa responsabilidade comum, que dentre suas 101 recomendações, trazia duas propostas de ampliação do Conselho de Segurança, principal instância decisória da ONU, reacendendo o debate evitado desde o fracasso da proposta do embaixador malaio Razali Ismail, em 1997.

Na ocasião da criação da ONU, na Conferência de São Francisco (EUA), em 1945, o Conselho de Segurança era composto pelo chamado P5 (Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido, França e China – os vencedores da Segunda Guerra Mundial) e mais seis membros não permanentes. Como o texto adotado pela Conferência estabeleceu que as questões mais importantes somente poderiam ser aprovadas com os votos do P5, instituiu-se, na prática, o poder de veto a esses países permanentes.

Com o enorme aumento no número de membros da ONU, após a descolonização da África e da Ásia e a independência das nações desses continentes, o número de membros não-permanentes foi ampliado de seis para dez, estabelecendo-se o número total de 15 países no Conselho de Segurança. Desde então, não houve mais qualquer reforma que adaptasse o Conselho às necessidades vigentes.

A mal-sucedida proposta de Razali previa a incorporação de mais cinco membros permanentes, dois do mundo desenvolvido e três de cada região em desenvolvimento. O Grupo de Alto Nível, por sua vez, previu duas hipóteses para que o Conselho comportasse 24 membros. Uma com mais seis vagas permanentes e três rotativas e outra com oito vagas de membros semipermanentes (uma categoria a ser criada) e mais uma vaga rotativa, sempre sem a extensão do poder de veto.

Também em 2004, Brasil e Índia, com base em suas mútuas aspirações a uma posição permanente ao Conselho de Segurança, formaram, com Japão e Alemanha, o G4. A proposta dos quatro aliados (apresentada em maio de 2005) seria a de uma reforma que contemplasse vagas permanentes no Conselho, a eles mesmos e também a duas nações do continente africano; uma das vagas já está pleiteada pela África do Sul (por sua vez, contestada pela Nigéria pelo Egito, dentre outros).

O Conselho passaria de 15 para 25 membros com o ingresso desses seis membros permanentes e de mais quatro não-permanentes. A proposta original previa a extensão do direito de veto aos novos membros permanentes. Em junho, o G4 modificou sua proposta, apregoando que a questão do direito ao veto fosse revista em 15 anos, durante uma avaliação da reforma.Cada um dos países do G4 encontra resistência de seus respectivos vizinhos mais poderosos, caso a caso: Argentina e México não apóiam o Brasil; o Paquistão é contrário à aspiração da Índia; a China é oposta ao Japão e a Itália é contrária à entrada da Alemanha (a única potência européia sem vaga permanente no Conselho).

A reforma do Conselho de Segurança depende da aprovação do modelo pretendido, da aprovação dos candidatos e da emenda à Carta de São Francisco. Este último processo necessita do voto favorável de dois terços na Assembléia Geral, incluindo todos os votos dos P5, daí a grande dificuldade de consenso acerca da reforma, pois cada proposta afeta interesses de ao menos uma das cinco potências.

A candidatura brasileira conta com a simpatia de diversos países. Principalmente de alguns atores essenciais nesse processo, três membros do P5: o Reino Unido, a Rússia e a França, esta com maior entusiasmo ao ingresso do Brasil no seleto clube de membros permanentes do Conselho. Juntamente com o Japão, o Brasil é o país que mais vezes ocupou uma vaga rotativa, nove no total.

Caso o Brasil e a Índia obtenham as vagas, suas responsabilidades dentro das Nações Unidas aumentarão, sobretudo na contribuição financeira ao orçamento da organização e no envolvimento com missões de paz e state-building (apoio à reconstrução física e normativa de países devastados por conflitos).

Reforma do Conselho de Segurança da ONU

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Junho–Julho 2009UFRJJornal da

20 Transporte

Rodrigo Ricardo

Mesmo as luzes que tingem o céu nos fins de tarde não aplacam a dureza da

rotina em meio aos congestionamentos das linhas Vermelha e Amarela. Diante da retina, uma infindável fila de automóveis. O horizonte, antes colorido, vira noite. Enquanto o tempo, que é vida, segue esta-cionado no acostamento. A imagem dos amiúdes engarrafamentos retrata a opção pelo paradigma rodoviário que abriga um bilhão de veículos, emitindo toneladas de CO2 e atropelando a saúde humana com angústia e estresse. Os especialistas são unânimes na indicação do incremento do transporte coletivo como solução. E, no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ, uma nova fronteira tec-nológica desenvolve-se para atravessar ou mitigar o caos urbano, capaz de produzir cenas de passageiros chicoteados para que as portas dos vagões sejam fechadas. Os trens de levitação magnética, assim, despontam como uma aposta futurista. Porém, por quais caminhos trilha o sis-tema ferroviário brasileiro?

Há 155 anos, a Locomotiva Baronesa soltava o primeiro apito dessa história, iniciada pelo empresário Irineu Evan-gelista que recebeu o título de Barão de Mauá ao inaugurar o primeiro trecho ferroviário no Brasil, tinha 14,5 quilô-metros. “Ligava nada a lugar nenhum. Pretendia alcançar Petrópolis, mas parou dois anos depois, diante do paredão da Serra”, explica Eduardo Gonçalves Da-vid, engenheiro e pesquisador ad hoc do Laboratório de Estudos e Simulações de Sistemas Metro-ferroviários (Lesfer) do Programa de Engenharia de Transportes do Coppe, e recorda que o empreendedor Mauá comprara dos ingleses um pacote tecnológico defasado: “Já estavam em operação locomotivas de segunda geração e a escolha das bitolas (distância entre a face interna dos trilhos da linha) também foi um erro estratégico, pois se adotou

Eduardo Gonçalves David, pesquisador ad hoc do Coppe, relata com exclusividade ao Jornal da UFRJ o projeto para ligar a Cidade Universitária às estações de trem e metrô em Del Castilho, no Shopping Nova América. “Há uma tensão vespertina que paira sobre a UFRJ. Todos pensam sobre o tempo que vão levar para chegar em casa”, destaca David, que, tomando a rotatória do Centro de Tecnologia (CT) como referência, faz o trajeto e o cálculo: seguindo reto até o viaduto de acesso da Linha Vermelha com a Linha Amarela, seriam 900 m. En-tretanto, o carro que segue em direção ao Centro pela Linha Vermelha dá uma volta de 5,7 km para chegar ao mesmo ponto. A velocidade média é de 5,8 km/h, mas em alguns dias é de 3,8 km/h – inferior à de uma caminhada a pé.

Eduardo acredita que a primeira centena de metros da linha de teste estará concluída até meados de 2010. Utilizando a faixa da Linha Amarela e aproveitando as estruturas já existentes, seria possível traçar uma linha do Maglev-Cobra, interligando o CT à estação do Metrô Rio e da Supervia em Del Castilho, no Shopping Nova América, com 5,5 km de extensão, com apenas uma estação intermediária (Fiocruz) na interseção com a avenida Brasil.

Recentemente o Coppe assinou convênio com a Secretaria Estadual de Transportes para avançar neste projeto. Segundo Eduardo, o tripé político, financeiro e tecnológico integrado e bem gerenciado é capaz de implantar esta obra desafiadora em dois anos e, para isso, “existe uma conjuntura favorável, as fontes para os recursos são evidentes e as tecnologias do século XIX não se mostram mais capazes de atender ao drama contemporâneo dos transportes urbanos”.

Quanto ao badalado TAV (Trem de Alta Velocidade) para ligar Rio a São Paulo, o professor espera que o Brasil não adote uma tecnologia obsoleta como fez o Barão de Mauá há 155 anos. “O futuro está nas estradas ferromagnéticas e não nos ultrapassados sistemas de rodas e trilhos, inaugurado há meio-século, na época do japonês Shikanse, o primeiro trem-bala do mundo”, adverte o pesquisador.

Conexão Del Castilho - Nova América

um tamanho maior do que os padrões mundiais”.

As consequências dessas falhas téc-nicas foram fatais. A então Companhia Imperial de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis, depois rebatizada de Estrada de Ferro Mauá, tinha como objetivo escoar o café do Vale do Paraíba do Sul, mas acabou por assistir apenas ao trânsito das mulas, passando ao seu largo abarrotadas, carregando o principal item

de exportação nacional da época. Apesar da frustração do pioneiro Mauá, a malha ferroviária para transportar o café seguiu em expansão. Contudo, mal projetada em sua maioria, ela não resistiu ao abandono, em especial após a crise econômica de 1929, causada por superprodução e baixo consumo.

Autor de O futuro das estradas de ferro no Brasil (Portifolium, 2009), Eduardo Gonçalves David elucida o título de seu

livro, homenagem a uma publicação homônima, escrita pelo patrono das ferrovias no Brasil. Ele se refere a Chris-tiano Benedicto Ottoni, primeiro diretor da Estrada de Ferro Dom Pedro II e que conseguiu fazer com que os trens superas-sem a Serra do Mar em direção a Minas Gerais e São Paulo. “Ele teve a ousadia de desafiar os empreiteiros ingleses, unir a engenharia brasileira à experiência norte-americana que já havia superado montanhas rochosas em seu território”, pontua Eduardo, analisando que o ad-vento tecnológico do pneumático (1887), viabilizando o tranporte rodoviário, altera aceleradamente o cenário de transportes no planeta. “Em 1919, a Ford se instala no Brasil e, em 1927, chega a General Motors. Antes, em 1898, o aviador San-tos Dumont, depois do acidente que o deixou tetraplégico, importou da França o primeiro automóvel a rodar no país, um Peugeot. Desde então, outro veículo além dos bondes elétricos e carruagens passou a disputar o espaço na cidade”, historia o pesquisador.

Maquinistas presidenciais Fundador de Brasília, o presidente

Juscelino Kubitschek em seu projeto de interiorizar o progresso costuma car-regar a culpa pelo avanço do modelo rodoviário no país. Entretanto para Eduardo Gonçalves David, há uma certa injustiça histórica: “As ferrovias já eram um fracasso quando ele decidiu fazer 50 anos em cinco, apoiando a indústria automobi-lística com a criação de mais rodovias e a pavimentação do asfalto das mais antigas”. De acordo com o especialista, o monopólio das ferrovias começou a ruir na gestão do último presidente da chamada República Velha, Washington Luís: “Ele inaugura a rodovia ligando o Distrito Federal (RJ) a Petrópolis, em 1927, e lança o brado de que governar é abrir estradas”.

Durante o segundo governo de Ge-túlio Vargas, em 1952, instalou-se uma

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21Junho–Julho 2009 Transporte

O percurso das ferrovias e um novo capítulo na história

do transporte dentro nas cidades.

trem magnético

Maria fumaça

Da

ao

comissão mista entre Brasil e Estados Unidos para desenvolver a unificação de todas as ferrovias controladas pela União. Do embrião deste grupo de trabalho, nasceria cinco anos depois a Rede Ferro-viária Federal S.A. (RFFSA), privatizada em 1996, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. ”O crescimento do transporte de cargas multiplicou-se (26 para 83 milhões de toneladas) e foi todo baseado nas diesel-elétricas, deixando para trás as locomotivas a vapor movidas a carvão”, analisa Eduardo, que trabalhou por 22 anos em diversos cargos na RFFSA. “O que restou da empresa, sem linha e contingente reduzido, teve ainda uma sobrevida de quase dez anos até Lula extingui-la em 2007. Se não tivessem ter-minado com o transporte de passageiros do interior, reduzido o quadro de 100 mil funcionários e interrompido o fluxo de investimentos, ela seria autossustentável”, sentencia o pesquisador.

Atrás apenas de Paris, registra-se o Rio de Janeiro de 1856 como a segunda

cidade a ter trilhos urbanos com bondes puxados a burro e depois substituídos pelos elétricos que ainda resistem como transporte público em Santa Teresa, servem a moradores e visitantes, ao cotidiano e ao turismo no bairro. A palavra bonde, inclusive, é uma criação nacional. Os bilhetes impressos nos EUA eram bonds e com o tempo o povo acabou cunhando o neologismo. Além da criatividade, a população carioca desenvolveu muita paciência para en-frentar os tumultos nas plataformas de trens e metrô. Segundo dados do Metrô Rio, 550 mil pessoas utilizam diariamente o meio de transporte, pagando um bilhete unitário de R$ 2,80, seja nos 15,2 km da Linha 1 ou nos 21,7 km do outro ramal, a Linha 2. Tarifa não muito diferente da Supervia, que cobra R$ 2,45 dos 500 mil passageiros que trafegam por uma malha de 225 km. Ambas as empresas entraram em cena no final dos anos 1990 e, apesar dos investimentos dos cofres públicos para a melhoria das estruturas e da ma-

lha viária, as concessionárias ainda não conseguiram se adequar para suportar a crescente demanda pelos serviços.

A nova fronteira ferroviária está em curso na UFRJ. Trata-se do Maglev-Cobra, um trem de levitação magnética com articulações múl-tiplas, que permite efetuar curvas em raios de 30m e operar em vias elevadas ou no nível do solo. Por não depender de atrito mecânico, além de menor consumo energético, não produz poluição sonora, podendo se harmonizar com a arquitetura das cidades, apresentando uma imagem futurista. O autor do invento, Richard Stephan, professor do Laboratório de Aplicações de Supercondutores (Lasup) do Coppe, lembra que “os 150 metros de trilhos desmontáveis serão determinantes à evolução do experimento para depois estendê-lo por dentro dos 4,7 km do campus da UFRJ e por fim conectá-lo à malha de transportes da cidade”.

O Maglev está contemplado no Plano Diretor UFRJ 2020 e também conta com o apoio dos governos municipal e esta-dual para melhorar a infraestrutura de transportes no Rio, que concorre à sede olímpica de 2016 e será uma das sedes da Copa de 2014. O experimento teve recur-sos da Faperj e o aporte de R$ 4,7 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na execu-ção de sua primeira fase. “Ele é viável em escala real”, destaca Stephan, pontuando que o veículo movimenta-se por um motor elétrico e sem a emissão de gases poluentes. De acordo com o pesquisador, a tecnologia empregada difere da aplicada em outros países e constitui uma alterna-tiva para os centros urbanos, com trens saindo a cada três minutos e circulando a uma velocidade de até 70 km/h. Ele ainda destaca que o custo de implantação do trem magnético é da ordem de um terço do necessário para um metrô, que custa, dependendo do tipo de solo, entre R$ 100 e R$ 300 milhões por quilômetro.

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Junho–Julho 2009UFRJJornal da

22 Direito

Justiça democrática

A instituição do júri tem seu fundamento jurídico no artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal de 1988, que dispõe: “é reconhecida a instituição do Júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude da defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos vereditos; d) a competência para o julgamento dos crimes do-losos contra a vida.” Para Nilo César Martins Pompílio da Hora, professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito (FD) da UFRJ, o Tribunal do Júri é uma forma democrática do povo participar efetivamente da idéia da entrega da prestação jurisdicional (a solução do conflito). “Ela se faz por magistrados e pelo corpo de jurados, que é formado por pessoas que não se habilitam pelo concurso público, mas pela idéia de contribuir nessa visão maior de democracia”, explica o docente.

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UFRJJornal da

Junho–Julho 2009 23Direito

Bruno Franco

O Tribunal do Júri é com-posto por um juiz pre-sidente – de carreira

– e sete jurados. Ele direciona os trabalhos e profere as decisões, mas as deliberações competem ao corpo de jurados, de quem não é exigido o conhecimento técnico acerca do ordenamento jurídico. “Lá se vive a realidade, lá se vive o fato. É um grupo de pessoas com compromisso social, em relação ao que está sendo julgado. Para que, ao proporcionar a pena imposta, sirva de exemplo a to-dos que compõem aquela sociedade. O crime doloso não macula apenas a sua vítima, mas toda a sociedade. Torna-se assim fundamental que o povo tenha a melhor solução”, acre-dita Pompílio.

Segundo Luciana Boiteux, pro-fessora de Direito Penal da FD, a possibilidade de a população parti-cipar da oferta de justiça faz do júri uma instituição bastante tradicional da Justiça brasileira. “Eu considero esta uma das principais instituições que temos. Uma forma de acesso direto da população à Justiça. Atu-almente, somente os crimes dolosos contra a vida, como homicídio, abor-to, infanticídio são avaliados pelo júri. É uma modalidade de justiça muito importante e deveria até se estender a outros domínios”, defende Boiteux.

O júri é soberano em suas decisões e os expedientes são limitados para garantir o princípio de sua soberania. As hipóteses de recursos para um juiz singular são mais amplas que as do Tribunal do Júri. “Pode-se recorrer em caso de nulidade, questões pro-cessuais penais ou se manifestamente contrária à prova dos autos a decisão dos jurados”, explica Luciana Boiteux. Aceito o recurso, seria realizado um novo julgamento, não por um tribunal de apelação, mas pelo próprio júri.

O caso NardoniO caso mais célebre que irá ao Tri-

bunal do Júri, em breve, é o caso do assassinato da menina Isabella Nardo-ni, ocorrido em março de 2008, cujos réus são o pai, Alexandre Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá. Para Nilo Pompílio, o caso singularizou-se pela prisão preventiva do casal.

Pompílio qualifica essa prisão como tendo sido uma resposta ao ape-lo midiático que foi criado, típico de casos como o do casal Nardoni. Mas, destaca o professor, prisões desse tipo são provisórias e não trazem a certeza da condenação dos possíveis autores da infração penal. “São espécies de um gênero que vêm sem o manto ou a cobertura de uma decisão penal, que vá aferir efetivamente a respon-sabilidade”, avalia o especialista.

Baseando-se na doutrina jurídi-ca, Pompílio afirma que esse tipo de prática é um “mal necessário”.

Mal, pois pessoas são segregadas sem que se tenha certeza quanto à responsabilidade acerca da prática delituosa, e necessário, pois a liber-dade de tais pessoas poderia gerar intranquilidade.

Segundo ele, a prisão preven-tiva tem determinação judicial, mas vem sem o respaldo de uma apreciação quanto ao mérito. Ela vem com uma motivação cautelar, mas carece da prova indispensável de sua necessidade. “No caso dos Nardoni, veio a evitar que eles di-lapidassem o campo probatório. A boa jurisprudência dos tribunais superiores mostra que deve haver prova concre-ta . Deve es-tar despida de pessoalidade. O p i n i ã o s e troca em porta de botequim, o que vale é o que é legal. Caso não este-ja fundamen-t a d a , e n t r a no âmbito do arbítrio e da i l ega l idade”, explica Pom-pílio.

A exposição midiática

U m a d a s c r í t i c a s qu e se faz ao júri, sobretudo pe-l o s ve í c u l o s de comunica-ção, é a de que esse excesso de in for ma-ção, toda essa influência sobre os jurados pode-ria lhes dificultar o julgamento. “Eu mesma já participei, como advogada, de alguns casos muito rumorosos, como o do assassinato da atriz Daniella Perez. Com essa experiência pude perceber que há um grande impacto da mídia so-bre os jurados, mas eles souberam permanecer independentes. Eles deliberaram de acordo com suas consciências e de acordo com as provas”, relata Luciana Boiteux.

Nilo Pompílio destaca que os ju-rados têm reações e emoções como quaisquer outras pessoas, assim como juízes, e podem ser afetados pela cobertura noticiosa do fato em julgamento. “Caso ele delibere pela inocência, como seria julgado por seus pares, no seu convívio social e familiar, que sabem de sua par-ticipação? É o lado negativo dessa manipulação. A exposição midi-ática muitas vezes afronta princí-pios legais como o amplo direito ao contraditório e a presunção de inocência”, avalia o professor.

Ainda assim, Pompílio ressalta que a informação é importante e ne-cessária a qualquer pessoa. “O pró-prio juiz se manifestará, por escrito, e ele também será influenciado pelas notícias”, pondera o especialista.

OrigensDe acordo com Rogério Lauria

Tucci, em seu artigo Tribunal do Júri: estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira (Revis-ta dos Tribunais, 1999) o antepassa-do do Tribunal do Júri era o quaes-tio, órgão colegiado constituído por cidadãos (no máximo 50, escolhidos de uma lista pública de mil no-

mes, cabendo a recusa pelo acusador) do antigo Impé-rio Romano, presidido pelo praetor, “cujas constituição e atribuições — a s s i m c om o o s c r i m i n a determinan-t e s d a s u a competência, e respectivas penas — eram definidos em leges, prévia e regularmente editadas.”

A exemplo do que ocorre atualmente no júri brasileiro, a quaestio era formada por um magistra-do que presi-dia a sessão, mas que era

desprovido da faculdade de julgar, que competiria aos jurados, em processo público, consagrados o contraditório e a oralidade.

O conceito ressurgiria em 1215, na Inglaterra, quando a Magna Carta estabeleceu o preceito de que “ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento por seus pares, segundo as leis do país.”

O júri então era composto por 24 pessoas, escolhidas entre os vi-zinhos do acusado e os moradores do lugar em que fora cometida a infração penal. Essas pessoas, por terem conhecimento do fato e da pessoa do acusado, constituíam, ao mesmo tempo, o “júri de acusação” e o “júri de julgamento”.

A instituição do júri teve suas bases lançadas nos Estados Unidos, desde o período colonial, e conso-lidou-se, sendo muito frequente sua aplicação naquele país. Na França, o júri adotou a publicidade de debates e a divisão do processo em três fa-

ses: instrução preparatória, júri de acusação e júri de julgamento. Na Inglaterra, a condenação do acusado dependia da unanimidade dos votos dos jurados, mas na França, a maio-ria dos votos era suficiente.

O júri foi instituído no ordena-mento jurídico brasileiro por meio de decreto promulgado em 18 de junho de 1822, que fixava em 24 o número de jurados (16 dos quais poderiam ser recusados pelos réus) que julgariam crimes de liberdade de imprensa.

Reforma do procedimento do júriA Lei 11.689, de 2008, introduziu

diversas modificações e comple-mentações à processualística do júri. A primeira etapa do procedimento foi alterada de modo que é, agora, constituída por uma fase preliminar, que antecede o próprio recebimento da denúncia, na qual o juiz ouvirá as testemunhas, interrogará o acusado e decidirá acerca da admissibilidade da acusação, contando com o prazo de 90 dias para desempenhar tais atribuições.

Encerrada essa fase, o juiz pro-nunciará o acusado, caso conven-cido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou participação no crime. De acordo com um ensaio de Antonio Milton de Barros, fundador-coorde-nador do Núcleo de Aperfeiçoamen-to e Crítica de Ciências Criminais (Naccrim) da Faculdade de Direito de Franca, acerca do Tribunal do Júri, a nova legislação proíbe que o juiz estabeleça valoração acerca dos réus ou dos fatos a eles imputados, pois o primeiro parágrafo do artigo 413 apregoa que “a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indica-ção da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qua-lificadoras e as causas de aumento de pena.”

No seu 415º artigo, a lei amplia as hipóteses de absolvição sumária do réu, para quando provada a inexis-tência do fato; provado não ser ele o autor; o fato não constituir crime; demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Para Luciana Boiteux, a refor-ma permite a simplificação dos procedimentos. “O júri implicava num processo muito lento”, critica a professora. Pompílio, por sua vez, destaca o fim do libelo acusatório – peça inicial da 2ª fase do Tribunal do Júri –, que, em sua avaliação, era um marco e já esclarecia para os jurados o que o acusador iria fazer. “As alte-rações no produto final darão maior retorno porque a sociedade ficará mais satisfeita com o resultado”, acredita o professor.

O julgamento por pessoas

comuns, sem o saber jurídico,

de crimes contra a vida, perpetrados

intencionalmente (com dolo) é

um dos pilares da prática

democrática de nosso

ordenamento jurídico.

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Junho–Julho 2009UFRJJornal da

24 Diversidade

Sidney Coutinho

A madrugada prometia para os freqüentadores do Sto-newall Inn, em Nova Iorque,

quando sete policiais, alguns à paisana e outros não, entram pela porta dupla do bar e anunciam, por volta de 1h20, a diligência no bar. Os policiais não imagi-navam, porém, que a demora dos carros para condução de presos possibilitaria a insurreição de lésbicas e gays contra a prisão arbitrária daqueles que estavam travestidos. Era sábado, 28 de junho de 1969. Desde então, há 40 anos, esse dia passou a ser celebrado como o dia do Orgulho Gay, com manifestações que se espalharam pelo planeta.

Aos quarenta anos do fato que marcou a criação do Dia Internacional do Orgulho Gay, a comunidade acadêmica da UFRJ não tem muito que comemorar. Tanto as áreas administrativas quanto os movimentos organizados de funcionários,

professores e alunos não dispõem de uma política de afirmação com propostas e ações que garantam os direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros,

permitindo que a homofobia habite os campi da instituição.

A Universidade quer sair do armário

Mas há ainda muito que precisa mu-dar para que seja vitoriosa a luta de quem quer igualdade de tratamento não apenas em relação aos deveres, mas também em relação aos direitos. raras exceções, as universidades brasileiras, por exemplo, ainda engatinham no debate, estudo e na percepção das demandas e da temá-tica homossexual. A UFRJ, por exemplo, continua no armário, tal o comedimento de ações nas áreas acadêmicas e admi-nistrativas em prol de um grupo presu-mivelmente formado por um em cada dez brasileiros.

Organizador de três edições da Se-mana de Diversidade Sexual na Escola

de Comunicação (ECO) da UFRJ, Diego de Souza Cotta, estudante do último período de Jornalismo, anda descontente com a impossibilidade de ver mais uma vez o evento acontecer. Ele é um dos mais críticos à postura da universida-de em relação aos que têm orientação homossexual. “Na ECO, fiquei chocado porque jamais tive um professor que discutisse o tema de forma coerente, de forma profunda. É sempre um tabu ao se falar disso. A universidade é vanguarda em tantos assuntos, mas em outros não. E tem capacidade para ser. Os cursos de Antropologia, Sociologia, Filosofia, Comunicação e Psicologia da UFRJ têm

condições de ter uma frente mais pode-rosa”, afirma o estudante.

Diego cita outras Instituições de Ensino Superior (IES) como exemplo. Se-gundo ele, na Universidade de São Paulo (USP) há estudos avançadíssimos acerca da homossexualidade. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Guacira Louro se destaca na área de Pedagogia; também na Universidade Federal da Bahia (UFBA), há o professor de Antropologia Luiz Mott; na Universi-dade Federal Fluminense (UFF), existem núcleos sobre o assunto e foi onde surgiu, há mais de 10 anos, a Associação Brasi-leira de Estudos da Homocultura (Abeh).

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25Junho–Julho 2009 25Diversidade

“Não é porque o assunto tem apenas 40 ou 30 anos que a universidade não vai se envolver. A UFRJ vai ficando para trás de todas”, avalia Diego Cotta.

Vale o escritoA atuação limitada da UFRJ também

incomoda Luciana Patrícia Zucco, pro-fessora da Escola de Serviço Social. Para ela, pela importância política no cenário nacional como uma IES, o que a UFRJ reconhece é o que já está posto por meio da legislação. “Não estou depreciando isso, nem desmerecendo. Mas eu acho que pelo tamanho e importância, a UFRJ deveria ter mais protagonismo, mais pioneirismo e não apenas reconhecer direitos. Em-bora saiba que ela está em um sistema legislativo a que está submetida”, opina a especialista em Sexualidade.

Para ela, a UFRJ não deve se excluir, deixar de estar em consonância com as transformações sociais no Brasil e no mundo. Até porque – opina a professora –, a universidade não está isolada do contex-to. “Quando eu falo desse protagonismo, acho que há certo silenciamento sobre as discussões internas administrativas e nas relações. Como alunos, professores e técnico-administrativos se posicionam sobre isso? Não é uma situação muito cômoda discutir determinados temas. Eu acho que há preconceito e discriminação, mas velado e de forma silenciosa, até para trabalhar esses temas”, problematiza Luciana.

A professora da Escola de Serviço Social reconhece que várias unidades de ensino tratam do tema e têm linhas de pesquisa acerca do assunto. No entanto, são ações pontuais. O que ela deseja é uma política no âmbito da UFRJ, não apenas com benefício para servidores técnico-administrativos, mas para todos. Administrativamente, a universidade permite, desde 2008, a inclusão de de-pendentes de funcionários com relações homoafetivas no convênio do plano de saúde, de acordo com uma portaria do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão (MPOG).

Para Luciana Zucco, porém, a uni-versidade se limita apenas a seguir a legislação que é heteronormativa, é a expressão do patriarcado. “Do ponto de vista administrativo não sei se pode fazer mais. Existe auxílio saúde, é isso e ponto”, exemplifica a pesquisadora.

Papel da administraçãoPedro Paulo Bicalho, professor do

Instituto de Psicologia ,questiona se é papel da administração da UFRJ pensar em ações afirmativas, como acontece, segundo ele, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Lá, existe um núcleo no qual as pessoas podem fazer denúncias sobre casos de homofobia. “É um espaço de ouvidoria, mesmo. Não sei se a UFRJ tem demanda para isso, para se criar um órgão com algum tipo de ação específica. Acho que a comu-nidade acadêmica (alunos, professores e funcionários) deve pautar a questão”, opina o docente.

Antônio Gambine, superintendente de Pessoal (SG-4) da UFRJ, esclarece que do ponto de vista legal, o administrador público está amarrado aos princípios da administração, como o da legalidade, que autoriza fazer apenas o que está previsto em lei. “Se também não disser que é a favor, eu não posso fazer. A não ser em situações muito especiais em que já há uma situação social que você deve enfrentar. Acho que é mais ou menos o caso. A gente hoje está chegando a uma maturidade na sociedade, do ponto de vista cultural, de comportamento, que já permitiria avançar mais”, reconhece o dirigente.

Embora se veja obrigado a recusar os pedidos de reconhecimento de união es-tável em relações homoafetivas, pois não pode ir contra a Constituição Federal, na qual a família é constituída por homem e mulher, Gambine vê como positivo o au-mento no número de processos: “Somente o fato das pessoas terem a coragem de abrir os processos, pedir o reconheci-mento, cobrar da universidade um posicionamento, já mostra uma atitude diferente de tempos atrás.”

Para ele, entretan-to, se houvesse um movimento organi-zado na UFRJ, fosse pela Associação de Docentes da UFRJ (Adufrj), pelo Sindi-cato dos Trabalhado-res em Educação da UFRJ (Sintufrj) ou por um movimento próprio que pautasse algumas questões, evidentemente as pessoas discutiriam. “A gente tem como princípio – o pró-reitor de Pessoal, Luis Afonso Mariz, o reitor, Aloísio Teixeira e eu, como superinten-dente – que a Pró-reitoria de Pessoal (PR-4) não deva simplesmente ser o lugar no qual a gente fica despachando processo e garantindo o pagamento. É, na verdade, um espaço de realização de política de pessoal para os servidores, em ampla visão, seja através de benefícios, seja através de ações recreativas, de integração, de lazer, de formação, de capacitação, de saúde do trabalhador. Se isso for uma questão importante para o bem-estar, a gente tem de tocar o debate, ver onde podemos avançar, ver o que pode ser feito do ponto de vista institucional”, assegura Roberto Gambine.

Campo aberto para a homofobia De fato, as entidades sindicais e de

representação da comunidade da UFRJ parecem dar pouca importância para a questão. A Adufrj, o Sintufrj e até o Dire-tório Central dos Estudantes (DCE) não conduzem de forma sistemática a temáti-ca da orientação sexual, apesar dos casos

de homofobia já ocorridos. Um exemplo é o do estudante Gabriel Muniz, agredido no dia 23 de março de 2007 após uma festa na Cidade Universitária por beijar o companheiro.

Outro exemplo de homofobia na UFRJ é o comportamento de alguns estu-dantes da Faculdade de Direito (FD) que não conseguem conviver com um mural criado, com apoio do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (Caco), que expõe informações do movimento de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT). Somente em novembro de 2007 foram oito ataques sucessivos ao mural, que foi rasgado e coberto com pichações do tipo: “Fora suas bichas!”.

“Logo após os ataques, nosso grupo buscou apoio da Direção da FD, que repudiou as ações através de um texto enviado para os alunos, por e-mail. O mesmo ocorreu com o Caco e o DCE.

Mesmo com o Ma-nifesto de Repúdio afixado no mural, as depredações con-tinuaram. Foi nessa ocasião que eu ade-ri ao grupo. Vendo os ataques ao mural e a falta de respeito de estudantes da FD”, conta Heloísa Melino, estudante de Direito.

Hoje, o LGBT-FD é o mais conhe-cido grupo entre os estudantes da universidade em favor dos direitos LGBT. Talvez seja o único, já que o Parthenon, o pri-meiro núcleo LGBT da UFRJ, criado em 2006 na Praia Ver-

melha, com o ideal de ser um espaço para ação e reflexão sobre diversidade sexual fora e dentro do campus, desa-pareceu aos poucos.

Heloísa Melino conta que os murais passaram a ser montados com materiais mais resistentes à depredação, mas ainda assim há tentativas. “Em abril, montamos o primeiro mural sem con-tact e ficamos felizes que até o dia de hoje (08/05/2009) não foi depredado”, comemora a estudante.

Caminho a seguirPara coibir atos de violência moti-

vados pela orientação sexual, na Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o reitor Ricardo Vieiralves assinou uma carta de intenções contra atos discriminatórios lago após a I Confe-rência Estadual de Políticas Públicas para LGBT ocorrido ano passado na própria universidade.

No documento, entre os diversos pon-tos, destacam-se a criação de estratégias de produção acadêmica voltada para a temática LGBT e a permissão para que os banheiros femininos da universidade e do

Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) fossem utilizados por travestis e transexuais.

“A UFRJ nunca fez isso e, sinceramen-te, não sei o quanto isso é necessário. Acho que a UFRJ já realiza as diversas ações que a UERJ se propõe na carta. As discussões estão menos na política administrativa e mais nos conteúdos e na discussão sobre os programas dos cursos de formação profissional, em especial nos cursos de formação de educadores. A demanda hoje é que os cursos de graduação de formação de professores, médicos, advogados, psicólogos, entre outros, incluam a discussão da sexualidade, da orientação sexual e da identidade de gêneros nos conteúdos. Para que isso seja trabalhado na formação desses pro-fissionais”, sai em defesa da universidade Alexandre Bortolini, coordenador do Programa de Extensão Diversidade Sexu-al na Escola, ressaltando, porém, que não acha de pouca importância um reconhe-cimento institucional da questão.

De acordo com ele, o que a Confe-rência Nacional LGBT definiu como demandas para as universidades ser-viu para a tentativa de criação de um documento da área de educação com o que tinha relação direta com a uni-versidade, se um plano de metas fosse estabelecido. “Mas muito do que tem ali tem a ver com os conteúdos dos cursos de graduação. Isso é algo que vai além de uma política administrativa, que se resolva nas pró-reitorias da UFRJ. O reitor pode assinar uma intenção, mas quem determina são as congregações ou os professores de cada curso, que são os que vão incluir essas questões”, afirma Bortolini.

Para Pedro Paulo Bicalho, a comu-nidade acadêmica da UFRJ nunca de-mandou ações afirmativas como o uso do banheiro feminino. “Se há alguma travesti em algum campus da universi-dade não conheço”, destaca o professor, para quem, “se existe uma coisa que a gente sente falta aqui é de, nos cursos, em geral, uma discussão relacionada à sexualidade de maneira mais ampla.”

Para ele, “se não estamos produzindo pedagogos, comunicólogos, psicólogos e outros que pensem a questão (da diversidade sexual), isso vai produzir profissionais que vão reproduzir todo esse processo de criminalização. É exa-tamente isso que eu estudo, o processo de criminalização da diversidade sexual, que faz com que a população LGBT seja estigmatizada”, opina o pesquisador.

De acordo com Pedro Paulo Bica-lho, os avanços são em decorrência da produção de conhecimento, de projetos. “Porque essa é a vocação dessa univer-sidade. Pois quando a gente produz esse conhecimento, a gente não apenas atinge a comunidade de modo geral, mas a gente também atinge o nosso aluno, que é nossa atividade-fim. O que nós quere-mos de fato é produzir profissionais que pensem politicamente de uma forma diferenciada os estigmas de um modo geral”, concluiu o professor.

“A demanda hoje, é que os cursos de graduação de formação

de professores, médicos,

advogados e psicólogos, entre outros, incluam a discussão da sexualidade, da

orientação sexual e da identidade de gêneros nos

conteúdos.

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Museus

Marcio Castilho ePedro Barreto

Os centros de divulgação do saber científico, cultural e artístico da UFRJ buscam maior integração com diferentes as áreas do conhecimento. Previsto no Plano Diretor UFRJ 2020, o projeto “Caminhos do Conhecimento” pode contribuir para a criação de espaços multidisciplinares, reunindo acervos de diferentes unidades. O CCS já vem construindo essa ideia. O Museu da Geodiversidade, do CCMN, conta com infraestrutura e acervo organizados para visitação. A idéia é atingir também o público externo. Investimentos devem revitalizar outros espaços, como o Museu D. João VI, da Escola de Belas Artes.

Quando a porta do elevador do sétimo andar da Escola de Belas Artes (EBA) se

abre, o visitante se depara com um enor-me busto de Moisés – bíblico -, recém restaurado pela Escola. Ao caminhar pelos corredores, aprecia as pinturas de influência realista de Marta Werneck e Licius Bossolan. Uma, em especial, de Li-cius, alerta: “Peligro, Salida de Vehiculos”, em meio a recortes de jornais denuncian-do a pobreza e a violência no mundo. Ao final do corredor, pode fazer pausa na aconchegante cafeteria, nos moldes das instaladas em quaisquer centros cultu-rais da Zona Sul carioca. Munido do seu quitute favorito, prestes a fruir do melhor da arte oitocentista, exposta nas salas do Museu D. João VI, o visitante depara-se com uma porta de vidro trancada e pro-tegida por grades de ferro. Ao que parece, Licius estava certo.

“Veja o que aconteceu em São Paulo”, adverte Sônia Pereira Gomes, professora da EBA e responsável pelo projeto do museu enviado à Petrobrás Cultural, em referência aos quadros de Cândido Portinari e Tarsila do Amaral, furtados em maio último de uma mansão em São Paulo. As últimas medalhas confecciona-das pela extinta Escola de Medalhística, além de obras de Cândido Portinari, Vitor

Meireles, Eliseo Visconti e Pedro Américo suscitam tal precaução por parte da dire-ção do Museu D. João VI.

O projeto pelo qual Sônia Gomes é responsável contemplou o D. João VI com uma verba de R$ 437 mil, dos quais R$ 43 mil ainda devem ser entregues para a instalação de novos equipamentos e acesso à Internet. “Espero que esta verba saia logo, pois nossos computadores estão defasados e sem rede”, informa a professora. A maior parte dos recursos foi empregada em equipamentos, catalo-gação e restauração de esculturas, como a de Moisés, e de livros raros do século XIX, guardados a sete chaves na única sala restrita a visitas.

O museu expõe apenas a sua reserva técnica e não realiza exposições temporá-rias. A coleção está dividida em obras de alunos e ex-alunos da EBA e outra com-posta por cópias adquiridas em museus, como o do Louvre, além de acervos doa-dos por colecionadores, como Jerônimo Ferreira das Neves, que inclui obras do Renascimento italiano, ibérico e flamen-go, assim como porcelanas da Companhia das Índias e marfins de Goa. No entanto,

o espaço para abrigar as obras terá que ser ampliado. “A escola estava muito mal instalada no segundo andar. Agora nossas dependências são melhores. Mas, mesmo assim, a EBA está pleiteando um prédio próprio que deve sair em breve”, afirma Sonia Gomes, em referência ao espaço que deve ser destinado à unidade, previsto no Plano Diretor UFRJ 2020.

Museus da geodiversidade“Não penso que deva haver um mo-

delo único de museus. Mas talvez sejamos um modelo no sentido da iniciativa”. A afirmação é do Emílio Velloso Barroso, professor do Instituo de Geociências (Igeo) da UFRJ, um dos responsáveis pelo Museu da Geodiversidade ao lado de Ismar de Souza Carvalho, também professor do Igeo, referindo-se à primazia da unidade em inaugurar um espaço de exposições na Cidade Universitária com infraestrutura e acervo organizados para visitação.

Idealizado para a comemoração dos 50 anos do Igeo, o museu foi viabilizado a partir de um esforço de Ismar, de Emí-lio, de José Graciano (professor e diretor do Igeo), e da museóloga Patrícia Danza Greco. Dos R$ 887 mil investidos, R$ 160 mil foram provenientes de recursos próprios da unidade, R$ 114 mil de pro-

jetos enviados à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e outros R$ 613 mil ainda a serem investidos pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

O objetivo é atender não apenas es-tudantes e professores que frequentam o Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN), mas também divulgar o conhecimento científico ali exposto ao público das comunidades do entorno da Cidade Universitária, além de alunos das redes municipal e estadual de Educação. “O nosso museu nasce para servir à sociedade. A intenção é que o visitante se autotransforme e interaja de forma diferente com a realidade. Queremos es-timular a criticidade do visitante”, destaca Patrícia Greco.

A museóloga explica que muito ainda precisa ser feito para divulgar o museu: “já começamos a fazer contato com escolas e esperamos receber cerca de 200 alunos por semana. Também pretendemos realizar oficinas de arte-educação e contratar um bol-sista bilíngue.”

O próprio nome do museu sinaliza para a sua proposta interdisciplinar. “Ele tem um caráter inovador. Pretendemos dar uma percepção holística de como nos inserimos no planeta, mostrar como os saberes estão interligados”, explica Ismar de Carvalho. Perfil este que se encaixa na proposta do subcomitê de Cultura e Museus, para a criação do Museu do Conhecimento. “Isto mostra que a nos-sa unidade está afinada com a linha de pensamento da universidade no que diz respeito à divulgação científica”, analisa Emílio Velloso.

Além de um espaço multidisciplinar, que abrangeria acervos de diversas uni-dades, o subcomitê propõe a criação dos “Caminhos do Conhecimento”. A ideia é estabelecer locais na Cidade Universitária onde haja acervos de visitação. “Preten-demos criar uma ‘museologização’ desse espaço. Vamos colocar placas de sinaliza-ção contando a história da própria Cidade Universitária como paisagem construída”, explica Ismar de Carvalho.

Vice-diretora da Casa da Ciência e as-sessora especial da Pró-reitoria de Exten-são, Isabel Azevedo está à frente do grupo de trabalho de Divulgação, que integra o subcomitê de Cultura e Museus. Segundo ela, os trabalhos ainda estão começando, mas a ideia é estabelecer uma política uni-

ficada da área para toda a universidade. “Vamos convidar para conversar profes-sores e técnico-administrativos que pen-sam este assunto. Imagino que o espaço da universidade deve ser interdisciplinar, de irradiação de saberes em todas as áreas do conhecimento. Nosso desafio é saber como organizar este espaço”, defende a produtora cultural. No CCS, iniciativas promissoras

Ainda na proposta dos “Caminhos do Conhecimento”, Diana Maul de Carvalho, coordenadora de Extensão do Centro de Ciências da Saúde (CCS), trabalha atualmente na catalogação do acervo de todas as unidades daquele centro. “Já temos um levantamento bastante razo-ável e sabemos que praticamente todas as unidades têm algum tipo de acervo sob guarda. Nem todos se constituem em propostas de espaços museológicos. Mas, a partir da identificação dos objetos encontrados, estamos conseguindo fazer pontes para congregar iniciativas”, afirma Diana, que é professora da Faculdade de Medicina (FM) da UFRJ, especialista em História e Saúde.

Entre as peças já catalogadas, estão microscópios do início do século XX, utilizados por Carlos Chagas na desco-berta da Doença de Chagas. “O professor Marcos Farina, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), já tem uma proposta formulada do Museu do Microscópio. Ele já trabalha na conservação e guarda de equipamentos antigos que têm a ver com a questão da ótica voltada para o estudo do corpo humano”, cita Diana Maul.

Atualmente, o CCS conta, na Cidade Universitária, com três espaços desse tipo: o Museu da Anatomia, o Espaço Carlos Chagas Filho, situado no ICB, e o Museu da Farmácia (apenas parcialmente dispo-nível para visitação). “Temos que projetar uma solução arquitetônica diferente para cada tipo de público. Já passamos pela etapa de identificação do acervo e agora estamos debatendo quais as necessidades de conservação, recuperação, catalogação e documentação para que esse acervo se torne realmente expositivo. A outra questão é o tipo de público para que é voltado, o tipo de espaço que deve ocu-par e quais as formas de acesso”, analisa Diana Maul.

Atingir o público de fora da universi-dade é o objetivo também da coordena-dora de Extensão do CCS. Diana recorda o projeto “Universidade na Praça”, desen-

Museu D. João VI, Escola de Belas Artes.

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Museus

volvido nos anos 1980, quando professo-res e estudantes levavam experimentos para locais públicos, como a Cinelândia, no Centro do Rio. “Cada área passava um pouco do seu conhecimento de uma forma muito espontânea. Não sei por que acabou. Espero que a gente retome”, relembra a professora.

Outro projeto ambicionado é o “Ana-tomia das Paixões”, em debate na Câmara de Extensão do CCS. “É uma forma de ensinar Anatomia utilizando a arte. Todos ficaram impressionados, pois é academicamente competente. Temos uma preocupação que seja assim. Não adianta simplificar a ponto de compro-meter a qualidade científica”, assevera a pesquisadora.

Desenvolvido por ela, o Museu Vir-tual da Medicina (www.museuvirtual.medicina.ufrj.br) é uma das ferramentas de divulgação científica da unidade. Mas, segundo ela, ainda é um projeto em de-senvolvimento até que se possa utilizá-lo de forma acadêmica. “Há alguns quadros e documentos raros, mas ainda precisa-mos ter uma estrutura melhor para pre-parar o material. Precisamos digitalizar

os documentos de forma adequada. Isto é democratizar a pesquisa, pois permite o acesso de quem está, por exemplo, no Pará. O acesso virtual, além de proteger os documentos, facilita a consulta”, aponta Diana.

Traduzindo o conceito de culturaO Fórum de Ciência e Cultura

(FCC), criado com a finalidade de promover o saber científico, cultural e artístico, trabalha para ampliar as parcerias com as diversas unidades da UFRJ e outras instituições. Os dados divulgados pelo FCC indicam algumas conquistas: ampliação do número de eventos em 2008, quan-do foram realizadas 371 atividades acadêmico-culturais, representando um aumento de 126% em compara-ção com 2006. Os eventos reuniram cerca de 70 mil pessoas no ano passado, no entanto o incremento de público entre 2006 e 2008 se deu em um ritmo menor. Nesse período, o crescimento foi de 68%. Para que haja um aumento proporcional entre as atividades realizadas e o número de participantes, a direção do FCC quer intensificar a divulgação dos seus projetos permanentes na área de cinema, música e teatro.

A integração com as unidades da UFRJ é uma etapa fundamental do trabalho, na avaliação de Denílson Lo-pes Silva, superintendente de Difusão Cultural do FCC, reconhecendo que a cultura da fragmentação, um traço histórico da universidade, dificulta a consolidação de estratégias integradas de divulgação para melhor visibilidade dos projetos na área acadêmico-cientí-fica, cultural e artística. “Por isso a gente tende a fazer os eventos não apenas com a participação de professores do Fórum, mas estabelecendo parcerias com as outras unidades. Esse entrosamento fortalece o público interno”, afirma o Denílson, reforçando o caráter inter-disciplinar do espaço.

Outra preocupação é a relação com a comunidade externa. O FCC divulga seus eventos pela Internet – através do site www.forum.ufrj.br e mailing list – ou por meio de um folder reunindo a programação bimestral ou trimestral durante o ano letivo. Algumas ativi-dades permanentes, como o “Música no Fórum”, já entram na programação diária dos jornais da grande imprensa.

Outros projetos estão recebendo uma ação intensificada da Assessoria de Im-prensa do FCC, criada em setembro do ano passado. Segundo relatório da uni-dade, os eventos realizados receberam 46 inserções na mídia em 2008.

Além deste, integram a lista de atividades permanentes o “Fórum em cena”, “Fórum na tela”, “Sons do fórum”, “Cultura e saúde” e o programa “Orien-te e Ocidente”. Em 2008, foi realizado com bastante êxito o projeto especial “Do Atlântico ao Pacífico”. Outro destaque foi a conferência do filósofo Slavoj Zizek, reunindo um público de cerca de mil pessoas. Todos os eventos são realizados no Palácio Universitário, no campus da Praia Vermelha.

Para este ano, está sendo articula-da a vinda, em julho, do dramaturgo francês Valère Novarina, em colabo-ração com a Escola de Belas Artes e o curso de Direção Teatral da Escola de Comunicação (ECO). “Em agosto tere-mos um seminário importante acerca da questão do ‘cinema’ e do ‘real’ com participantes da Inglaterra, Estados Unidos e Argentina”, adianta Denílson, que é professor da ECO.

O FCC sempre teve também um papel importante na vida política da cidade e do país, organizando even-

tos que buscam refletir as principais demandas da sociedade em diferentes momentos históricos. Segundo De-nílson Lopes, a articulação do FCC com os movimentos sociais resultou, por exemplo, na criação, em 1993, da organização Viva Rio, engajada na formulação de políticas públicas na perspectiva da cultura da paz e do desenvolvimento social. Centro de popularização da Ciência

Vinculam-se ao Fórum de Ciência e Cultura outros órgãos da universidade, como a Casa da Ciência (Centro Cultu-ral de Ciência e Tecnologia da UFRJ), o Museu Nacional, o Colégio Brasileiro de Altos Estudos (CBAE), a Coordenação de Programas de Estudos Avançados (Copea), a Editora da UFRJ, o Programa Avançado de Cultura Contemporânea (Pacc) e o Sistema de Bibliotecas e In-formações (SiBI).

Na Casa da Ciência, as atividades são realizadas quase sempre em co-laboração com outras instituições de pesquisa, centros de ciência, museus, organizações não governamentais e

centros culturais. Essa integração per-mitiu, segundo Fátima Brito, diretora executiva da Casa, a realização de 30 exposições no espaço, situado na aveni-da Lauro Müller, em Botafogo. O lugar recebe de quatro a dez mil visitantes por mês, dependendo do tipo de evento programado. “É importante ressaltar que professores, pesquisadores e estudantes da UFRJ participam de todas as exposi-ções e atividades realizadas na Casa, quer seja como proponentes, consultores, palestrantes, mediadores de público, amigos ou visitantes”, afirma a diretora.

Exposições, cursos e palestras têm como característica a diversidade de temas e linguagem. Os eventos, lembra Fátima, reúnem música, teatro, cinema e Internet, dentre outras ferramentas que buscam contemplar o interesse de diferentes públicos. Esse ano, uma das novidades é o Cineclube da Casa da Ci-ência, que promove, sempre no primeiro sábado de cada mês, um debate após a exibição de filmes. Casa da Ciência também atua fora da UFRJ, a exemplo de palestras realizadas em escolas públi-cas da série “Ciência para Poetas”, com participação de sete outras unidades da UFRJ.

“Sempre fomos procurados por aqueles que acreditam na populariza-

ção da ciência como parte importante de sua atuação na universidade e, muitas vezes, não foi possível atender a todas as idéias apresentadas, pela inviabilidade de agenda, por falta de recursos ou pela falta de um número maior de profissionais na equipe”, explica Fátima, acrescentando que o novo concurso da UFRJ, realizado no ano passado, ofereceu melhores condi-ções de trabalho com a chegada de novos profissionais.

A diretora afirma que nos últimos anos houve maior investimento do poder públi-co em programas voltados para a popula-rização da Ciência. Através da atuação do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), foram abertos novos editais públicos por meio das agências de fomento e funda-ções de amparo à pesquisa. Para ampliar a visibilidade dos espaços de divulgação e de popularização da ciência, Fátima acredita ser importante que o tema seja visto não apenas como atribuição de uma única pas-ta do Governo, mas integre as políticas de outros ministérios, como Educação, Cul-tura e Meio Ambiente. Defende também a articulação entre os governos federais, estaduais e municipais.

Fátima explica, também, que algu-mas ações de destaque da Casa da Ciên-cia, em 2008, continuarão esse ano. É o caso do projeto “Caminhos de Darwin”, realizado em parceria com o MCT em 12 municípios fluminenses. O sucesso da expedição ilustra a importância de iniciativas integradas. Participam do projeto instituições de ensino e pesquisa, escolas públicas e particulares, empresas, ONGs, estatais e moradores das regiões-alvo do projeto. “Está sendo analisada a criação do ‘Caminhos de Darwin’ como o primeiro itinerário cultural brasileiro, sob a perspectiva da História da Ciência. Isso fortalecerá a transformação do pro-jeto em um roteiro turístico científico-educacional-cultural”, afirma diretora.

A Casa da Ciência realizará tam-bém, no segundo semestre, a exposição “Energia Nuclear”, em parceria com a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEM). Outras ações incluem a expo-sição “Caminhos do Passado, Mudanças no Futuro”, uma parceria com o Departa-mento de Geologia do Igeo. “A exposição começa sua itinerância pelo Museu da Maré, envolvendo moradores do Comple-xo da Maré, que hoje são alunos da UFRJ, com a perspectiva de atingir um número expressivo de visitantes moradores daque-la comunidade”, anuncia Fátima.

Museu da Geodiversidade, Instituto de Geociências.

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Júlio Cezar Ribeiro de SouzaRodrigo Ricardo

A noite tem a propriedade de confundir as sombras com as realidades, seja ela a que

resulta da ocultação do sol ou a que pro-vém da ocultação da verdade; mas sei que a verdade, como o sol, acaba sempre, no momento providencial, por distinguir as realidades das sombras”. Estas palavras pertencem a Júlio Cezar Ribeiro de Souza. Nos idos de 1880, o paraense teria criado o primeiro sistema de navegação para balões. A partir da observação do voo dos pássaros, o cientista previu uma forma chamada “fusiforme dissimétrica”, com proa vo-lumosa e popa afilada, para dar direção aos aeróstatos (de-signação dada a aeronaves mais leves que o ar, como os balões). E, de fato, assim desenhados, os zepelins dariam a volta ao mundo no século XX. Contudo, a glória pelo invento nunca aconteceu e até mesmo o seu pioneirismo é tema controverso no meio científico.

Para Rundsthen Vasques de Nader, coordenador de Extensão do Obser-vatório do Valongo (OV) da UFRJ, o brasileiro não teve a obra copiada. “Era um autodidata que concluiu que o me-lhor formato deveria ser o assimétrico com o centro de empuxo à frente, mas isto já era aventado por inventores franceses. Em 1884, na França, Charles Renard e Arthur C. Krebs decolaram o balão La France, que retornou ao ponto de partida após percorrer 7.600 metros em uma média de 20 km/h, fato amplamente divulgado pela imprensa”, explica o astrônomo, pontuando que esta notícia somente chegou ao Brasil um mês depois.

“Ao tomar conhecimento do aconte-cido, Júlio Cezar imediatamente supôs haver sido plagiado, pois não admitia que a dirigibilidade dos balões pudesse ser alcançada por um sistema diferente do seu. Por acreditar ter a prioridade dos balões fusiformes, convenceu-se de que fora vítima de plágio. Porém não possuía qualquer direito sobre esta forma. Além disso, o La France tinha muitas diferenças em relação ao seu balão, o Santa Maria de Belém”, informa Rundsthen, destacando ainda que o balão com que Santos Dumont realizou uma volta em torno da Torre Eiffel, em 1901, era um dirigível simé-trico: “Portanto, a assimetria não era fundamental para assegurar a direção como considerava Júlio Cezar, que morreu de beribéri (doença provocada por deficiência de tiamina – a vitamina B1) e na mais completa miséria.”

Filho de família pobre do interior paraense, Vila de São José do Acará, o personagem participou da Guerra do Paraguai (1866 e 1869), quando houve o primeiro uso militar de balões de obser-vação na América do Sul, conquistando o prestígio necessário à indicação de

cargos públicos, como o de encarregado da Biblioteca Pública do Pará. Ele acabou por abandonar a função para se ocupar dos estudos sobre a navegação aérea, passando a sobreviver do trabalho de jornalista e de professor. “Não tinha recursos suficientes para bancar viagens, nem a construção de balões, realizadas graças a colaborações de amigos e sim-patizantes de sua causa, além de subsídios do governo. O próprio imperador D. Pedro II pagou a primeira viagem de Júlio Cezar à França”, explica Luís Carlos Bas-salo Crispino, físico e professor do Departamento de Física da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Voava ou não voava?Organizador do livro Júlio Cezar

Ribeiro de Souza – memórias sobre a navegação aérea (Editora UFPA, 2003), Bassalo Crispino acredita que, além da delicada questão internacional do plágio, é possível que a falta do reconhe-cimento às contribuições de Júlio Cezar se devesse à escassez de documentos e à ausência de iconografia capazes de comprovar as pioneiras realizações. “Nos últimos anos, estes registros têm sido lo-calizados no Brasil e no exterior. Hoje, o que já está reunido leva a apontá-lo como o inventor do dirigível”, frisa o professor, enfatizando que vários autores sobre História da Aeronáutica e da Tecnologia já mencionam Júlio Cezar como um dos principais precursores da conquista aé-rea, assim como Bartolomeu de Gusmão, que alcançou os céus com um balão de ar quente pela primeira vez em 1710.

De acordo com Henrique Lins, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), trata-se de um caso controver-so. “Ele ‘inventou’ um meio de atingir a dirigibilidade de balões que nunca funcionaria”, dispara o físico, explicando que a tendência do balão de Júlio seria subir numa diagonal até encontrar uma posição de equilíbrio na vertical. “Ele não conseguiria descer. Neste sentido, é uma das invenções que surgiram nos primórdios da Aeronáutica e sem base científica. O mérito dele é estar pen-sando no voo dirigido naquele tempo, e nos confins do Pará. Ele, por sua vez, se sentia traído pelos franceses e pelo destino, transformando-se numa pessoa magoada, pois embora certo de que ter chegado a uma solução para a dirigibili-dade, seus modelos não voavam”, avalia o pesquisador.

Fiat LuxJúlio Cezar chegou a queixar-se, ale-

gando de que somente teve “migalhas no país dos grandes esbanjamentos, lugar onde a ciência está completamente mis-tificada”. Para angariar recursos, percor-reu os governos, proferiu conferências e até expôs um de seus balões dentro da Catedral de Belém. Mesmo após a notícia do êxito francês, continuou a lutar para provar a autenticidade de seu trabalho, dedicando-se a escrever na língua de Baudelaire o livro Fiat Lux para explicar a sua teoria. Na impossibi-lidade de lançá-lo no país a que acusava de plágio, iniciou uma tradução da obra, lançando-a em capítulos, na imprensa paraense. Não concluiria a empreitada, devido à morte, em 1887, antes mesmo de fazer as experiências definitivas do seu invento.