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A V ISÃO MISSIONÁRIA NA B ÍBLIA uma história de amor

A VISÃO MISSIONÁRIA NA B uma história de amor fileA Realização em Paulo: vocação, teologia e missão 107 8. A Perspectiva Universal da Bíblia: missão até o fim 119 Conclusão

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A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIAuma história de amor

TIMÓTEO CARRIKER

A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIAuma história de amor

Carriker, C. Timóteo, 1952-

A visão missionária na Bíblia : uma história de amor /C. Timóteo Carriker. – Viçosa, MG : Ultimato, 2005.

136p.

ISBN 85-86539-85-6

1. Missões – Doutrina bíblica. I. Título.

CDD. 22.ed. 266

Ficha Catalográfica Preparada pela Seção de Catalogaçãoe Classificação da Biblioteca Central da UFV

C316v2005

A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIACategoria: Missão/Bíblia

Copyright © 2005, Timóteo Carriker

Primeira Edição: Outubro de 2005

Revisão: Heloisa Wey Neves Lima

Capa: Souto Design

PUBLICADO NO BRASIL COM AUTORIZAÇÃO

E COM TODOS OS DIREITOS RESERVADOS PELA

EDITORA ULTIMATO LTDACaixa Postal 4336570-000 Viçosa, MGTelefone: 31 3891-3149 — Fax: 31 3891-1557E-mail: [email protected]

SUMÁRIO

Prefácio 7Apresentação 13

1. A Perspectiva Universal da Bíblia:missão desde o início 17

2. A Promessa para Abraão:povo escolhido, povos benditos 23

3. A Promessa para Moisés:povo peculiar, povo entre os povos 37

4. A Promessa para Davi:reino eterno, luz para as nações 49

5. A Realização em Jesus:cruz e ressurreição 59

6. A Realização na Igreja:capacitação e estratégia 97

7. A Realização em Paulo:vocação, teologia e missão 107

8. A Perspectiva Universal da Bíblia:missão até o fim 119

Conclusão 123Notas 129Bibliografia 131Agradecimentos 133

PREFÁCIO

Assim importa que o Filho do homem seja levantado[...] Porque Deus amou ao mundo de tal maneira quedeu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crênão pereça, mas tenha a vida eterna.JOÃO 3.14B, 16

JESUS NÃO DESPERDIÇOU palavras com o importante líderoficial dos judeus, Nicodemos. De certo modo, não precisava,pois esse líder pertencia ao partido religioso dos fariseus, aorganização que, entre as outras da época, mais prestigiava asEscrituras e cujos membros conheciam bem a Palavra de Deus.Não era necessário que Jesus levasse a Nicodemos ainda maisinformações, e sim, esclarecimentos. Apesar de versado nasEscrituras (Jo 3.10), o chefe farisaico não conhecia, em seu

8 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

íntimo, o fundamental. Precisava de explicações. Por isso,reconhecendo a autoridade de Jesus, foi ao seu encontro. Cientedo prévio conhecimento de Nicodemos, Jesus não perdeutempo: para ver o reino de Deus, é necessário nascer de novo! Acuriosidade do líder dos fariseus aguçou-se ainda mais, e demaneira breve Jesus expôs sobre os caminhos do Espírito de Deus.De modo bastante sucinto, apresentou o âmago da mensagembíblica para o grande líder e mestre dos judeus. É isto que euquero fazer neste livro – resumir o cerne da revelação bíblica, queentendo como: 1) a cruz e a ressurreição de Jesus; 2) o amor deDeus pelo mundo e 3) a resposta humana apropriada de fé. Denovo: Cristo, missão e fé. A cruz e a ressurreição são demonstra-ções do amor de Deus pelo mundo inteiro. O mundo é o seuconstante enfoque. E o seu desejo, repleto de amor, é que omundo volte-se para Ele e que viva pela fé.

Embora simples e breve, escrevo este livro para os líderes dopovo de Deus, desejoso de que essa história que leram ou ouvi-ram, quem sabe, inúmeras vezes, chegue agora de modo diferen-te. Confio e me alegro no sentimento de Deus ter guiado esteprojeto. Estou ciente de que, nesta vida, continuamos a enxergarobscuramente, como em espelho de metal polido, mas certo deque o dia virá quando, finalmente, veremos face a face (1 Co13.12).

Este projeto começou como uma série de estudos sobre a mis-são da Igreja publicados na revista Ultimato entre 1983 e 1986.Em 1992 tomou forma de um pequeno livro, publicado pelaEditora Vida Nova, com o título Missões na Bíblia: PrincípiosGerais. Portanto, a idéia original nasceu há vinte anos. E veiocom o intuito de nutrir o movimento missionário brasileiro con-temporâneo, que ainda era muito novo.

Eu tinha 31 anos. Hoje tenho 53. Sou um pouquinho maisexperimentado. Por isso, quanto mais eu considerava a reedição

PREFÁCIO 9

de Missões na Bíblia, mais reconhecia que uma revisão serianecessária, pois tanto eu como o movimento missionário brasi-leiro contemporâneo nos movemos durante esses últimos vinte eum anos. Creio que ambos nos tornamos mais prudentes, maiscautelosos em nossa tarefa, sem, contudo, sacrificarmos nossapaixão. É como o bom casamento. Enquanto o casal se conhece econhece melhor o mundo ao seu redor, o amor se aprofunda. Apaixão, porém, não diminui. Talvez o relacionamento torne-semenos romântico, mas não menos amoroso. É essencial que oardor permaneça, aliado, no entanto, a um pouco mais de experi-ência. Apresentar a missão do povo de Deus com toda a paixãoque ela merece e que a Bíblia lhe confere é o meu anseio. Pensoque, talvez agora, devido à experiência adquirida, a visão estejamais aprofundada, embora exposta de maneira mais simples emais clara.

Do ponto de vista “profissional”, eu poderia me envergonharde, após vinte e um anos, ainda estar tratando do mesmo assun-to. Será que durante esse tempo não aprendi mais nada? Nãoexistiriam temas mais profundos que “a missão da Igreja”? Acre-dito que estamos lidando com o cerne da vida da Igreja e docompromisso cristão. É um assunto inesgotável, pelo simples fatode que a própria tarefa de que trata não termina, nem geográfica,nem temporalmente. Creio que “missões” é o enredo decisivo dasEscrituras, sem o qual não se consegue seguir adequadamente anarrativa toda. Por isso, ainda urge – e sempre urgirá – contar odrama bíblico do papel do povo de Deus neste mundo. Essa é atarefa que assumo e que tento realizar com amor e alegria.

Em Missões na Bíblia, procurei apenas esboçar, de modosimples, o tema, além de desafiar o leitor. Em Missão Integral(1992), posteriormente revisado e reeditado como O CaminhoMissionário de Deus (2000), tentei elaborá-lo um pouco melhor,acrescentando detalhes e trazendo uma reflexão mais teológica.

10 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Essas obras partiram do pressuposto de que o enredo missionárioda Bíblia vem à tona quando se observa atentamente a seqüênciada narrativa bíblica, da mesma forma que em toda estrutura nar-rativa o sentido se constrói pela leitura que parte do início e segueem direção ao fim. Entretanto, tenho descoberto que atenção àseqüência, por si só, não basta. Identificar a trama das Escrituras éuma tarefa profundamente teológica, não apenas literária – o quenão significa que tenha de ser complicada, como os teólogos cos-tumam fazer. Hoje penso que, se a Bíblia apresenta a temáticamissionária como um enredo determinante, e se ela se destina atodo o povo de Deus, o seu conteúdo não pode ser complicado.Misterioso, talvez. Creio que esse era o entendimento de Paulo,segundo o relato de Efésios 3.1-7. Porém, como uma chave quedestranca um baú deixa à mostra o seu conteúdo, assim também,uma vez revelado o mistério, o enredo salta aos olhos, sem maio-res complicações.

Neste livro, optei por alterar radicalmente o texto original.Metade do conteúdo de Missões na Bíblia foi simplesmente des-cartada. Incluí nos capítulos três (A Promessa para Moisés) e qua-tro (A Promessa para Davi) algumas idéias desenvolvidas no livroO Caminho Missionário de Deus, além de acrescer-lhes materialnovo. Os capítulos dois (A Promessa para Abraão) e cinco (ARealização em Jesus), bem como a conclusão, são inteiramentenovos. Como resultado de uma terceira tentativa de apresentarde modo mais explícito os desígnios de Deus para a humanidade,surge, então, este livro, que, após tantas mudanças, recebejustificadamente um novo título – A Visão Missionária na Bíblia.Aqui procuro, por meio das Escrituras, apresentar uma explica-ção mais coesa do desenvolvimento seqüencial da missão de Deuscom ênfase na coerência da mensagem bíblica do início ao fim.Busco colocar em relevo a fluência da narrativa mestra e esclarecero desdobramento da história da grande incumbência do povo de

PREFÁCIO 11

Deus. Não me preocupo com a “novidade” de idéias em si. Pelocontrário, pretendo deixar a histórica bíblica o mais “óbvia”possível. Meu objetivo é que o leitor, ao finalizar sua leitura,possa dizer algo como “mas é claro, é isso mesmo. De repentetudo se encaixa!”

A Bíblia, de Gênesis 1.1 a Apocalipse 22.21, é um livro essen-cialmente missionário, visto que sua inspiração deriva de um DeusMissionário, o Deus que envia. Importante atentar para o signifi-cado do termo “missionário”, que, tanto em sua origem latina,como em sua origem grega, corresponde a “enviado”. Jesus usouessa expressão para destacar o relacionamento entre Deus Pai, DeusFilho e seus discípulos, quando disse: “Assim como o Pai me en-viou, eu também vos envio” (Jo 20.21). Desse modo, vê-se o cará-ter missionário de nosso Senhor. Portanto, não é surpreendenteque sua Palavra também manifeste a mesma característica. E é àluz dessa revelação de Deus que a igreja enfrenta o maior desafiodo cristianismo – a inacabada tarefa missionária, cujo âmago é aevangelização.

Quero apresentar ao leitor este desafio missionário.

APRESENTAÇÃO

A Visão Missionária na Bíblia: Uma História de Amor — o títulonão poderia ser mais feliz, porque tudo o que aconteceu nopequeno período de tempo compreendido entre a concepção deJesus e a sua ascensão aos céus é uma história de amor sem prece-dentes e sem paralelo. Parece que foi João quem se aprofundoumais na descoberta do amor de Deus para com o ser humanocaído e miseravelmente culpado: “Nisto consiste o amor: não emque nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amoue enviou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados”(1 Jo 4.10, NVI). É por isso que o apóstolo se atreve a resumirtoda a largura, todo o comprimento, toda a altura e toda aprofundidade do amor de Deus (Ef 3.18) em três palavras: “Deusé amor” (1 Jo 3.8).

Tenho me perguntado várias vezes: “quem sofreu mais naSexta-feira da Paixão: o Filho ou o Pai?” Jesus sofreu a tristeza

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mortal do Getsêmani, a traição de Judas, o abandono dos apóstolos,a negação de Pedro, a zombaria, a cusparada, as varadas, as bofetadase os açoites dos soldados do governador, a indiferença dos quepassavam, a ingratidão do povo, os cravos que o prendiam à cruz,a sede intensa e, sobretudo, o peso, a vergonha e a culpa do peca-do alheio. E o Pai? Deus deixou tudo acontecer por uma únicarazão: “Amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filhounigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha avida eterna” (Jo 3.16).

Não é à toa que Timóteo Carriker transcreve esse versículo nocimo de seu prefácio. Deus sofreu junto com o Filho; nem me-nos nem mais, principalmente quando Jesus bradou em alta voz:“Eloí, Eloí, lama sabactâni?”, que quer dizer: “Meu Deus! MeuDeus! Por que me abandonaste?” (Mt 27.46).

Essa história de amor sem igual se consumou na plenitude dotempo (Gl 4.4). Mas começou muito antes, logo depois da que-bra da santidade original do ser humano, no proto-evangelho, naprimeira referência ao esmagador da cabeça da serpente (Gn 3.15).É por isso que Timóteo Carriker dá a este livro o título A VisãoMissionária na Bíblia (isto é, de Gênesis a Apocalipse).

Foi exatamente a presença da Grande Comissão na chamadade Abraão, nos Salmos e nos profetas, e não só nos Evangelhos,em Atos e nas Epístolas, que provocou em mim um forte impac-to. Até então, eu tinha uma certa consciência missionária, poruma questão histórica (meus avós e os avós de minha esposa fo-ram ganhos para Cristo graças à consciência missionária e ao tra-balho missionário de John Rockwell Smith, no Nordeste, e deJohn Boyle, no interior de São Paulo), por ter lido, na adolescên-cia, biografias de missionários e porque me formei num seminá-rio que dava muita ênfase ao evangelismo. Mas nunca havia en-xergado o imperativo missionário além dos textos tradicionais deMateus 28.19, Marcos 16.15 e Atos 1.8. Não prestava atenção às

APRESENTAÇÃO 15

versões da Grande Comissão presentes no Evangelho SegundoLucas (24.27) e no Evangelho Segundo João (17.18). O que maisme surpreendeu e empolgou foram as expressões sinônimas dofamoso “ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda cria-tura” (Mc 16.15) que encontrei nos Salmos: “Proclamai entre ospovos os seus feitos” (9.11); “Anunciai entre as nações a sua gló-ria, entre todos os povos, as suas maravilhas” (96.3); “Dizei entreas nações: Reina o Senhor” (96.10); “Fazei conhecidos, entre ospovos, os seus feitos” (105.1).

Foi Timóteo Carriker quem abriu os meus olhos e os olhos demeu rebanho na década de 80. Havíamos acabado de fundar oCentro Evangélico de Missões (CEM), em Viçosa, MG (outu-bro de 1983), e soubemos que Timóteo seria a pessoa indicadapara ser o seu primeiro diretor e professor. Então o trouxemos deSanta Maria, RS, para conhecer a cidade e o CEM. Na ocasião,ele fez uma série de palestras na Igreja Presbiteriana de Viçosasobre as bases bíblicas de missões. Foi quando vimos claramentea Grande Comissão também no Antigo Testamento. Pelo menospara mim foi algo novo e fantástico. Logo em seguida, publica-mos essas palestras na revista Ultimato.

O impacto que aquelas palestras provocaram em mim e, pos-teriormente, em muitos cristãos no país inteiro, por meio da re-vista, foi enorme. Por agradáveis oito anos (1984-1992), comodiretor e professor do CEM, Timóteo (junto com sua esposa,Marta) deu uma contribuição difícil de medir, em termos locais enacionais, no que diz respeito à consciência missionária bem fun-damentada, isto é, a partir da mais emocionante história de amor.

Que Deus coloque suas mãos sobre A Visão Missionária naBíblia: Uma História de Amor e o abençoe!

Elben M. Lenz César

A PERSPECTIVAUNIVERSAL DA BÍBLIA

MISSÃO DESDE O INÍCIO

O HOLANDÊS J. H. BAVINCK, grande teólogo de missões,observou que Gênesis 1.1 (“No princípio criou Deus os céus ea terra”) constitui a base da Grande Comissão dada nosEvangelhos.

A CRIAÇÃO DO MUNDO

O primeiro versículo da Bíblia destaca a amplitude da preocu-pação de Deus e, por conseguinte, o palco de missões – “os céus ea terra”. O mundo inteiro está dentro da esfera do interesse deDeus. Sua preocupação é primariamente universal. Antes de ser o

1.

18 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Deus de Israel ele já era o Deus do Universo. E antes de ser oDeus da Igreja é o Senhor de tudo e de todos. O própriotítulo “Senhor” traduz a palavra hebraica composta Adonái1

(Adon = Senhor ou Mestre; ái = tudo ou absoluto). Dessemodo, Gênesis 1.1 revela que, como Senhor de todas as coisas,o alvo de Deus desde a criação é o mundo inteiro.

Em João 3.16 (“Pois Deus amou ao mundo de tal maneira...”)observa-se que o interesse de Deus não é menor do que o mundoque ele criou. Sua mira está fixada nesse mundo. Ele possui umplano mestre que envolve todas as coisas (1 Co 15.28). Israel foio instrumento usado por Deus no Antigo Testamento para alcan-çar seu alvo. A partir do Novo Testamento ele usa a Igreja, quepode ser concebida como o centro do plano de Deus, mas jamaisvista como sendo o limite, a totalidade desse plano. A esfera dapreocupação de Deus é universal. Em Mateus 28.18 Jesus afirmaque toda autoridade lhe foi dada no céu e na terra. O mesmoDeus que tudo criou possui toda autoridade sobre todas as coisas(Cl 1.16-17) e de tudo receberá toda glória e honra, “para que aonome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixoda terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor,2 paraglória de Deus Pai” (Fp 2.10-11).

Jesus disse aos seus discípulos que fossem a todas as nações, atoda criatura e a toda parte do mundo. Fez isso baseando-se nofato de que cada parte deste mundo, por ser criação de Deus,pertence por direito a ele.

A CRIAÇÃO DO HOMEM

O relato da criação do homem e o propósito de Deus paraele confirmam a idéia de que a preocupação de Deus tem umadimensão universal.

A PERSPECTIVA UNIVERSAL DA BÍBLIA 19

Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem deDeus o criou; homem e mulher os criou. E Deus osabençoou, e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos,enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar,sobre as aves dos céus, e sobre todo animal que rasteja pelaterra (Gn 1.27-28).

Nesse trecho da história da criação, nota-se que o domíniodado à humanidade abrange o mundo inteiro. Tanto os céus comoa terra são mencionados mais uma vez. Surge aqui outra dimen-são do assunto de missões – o papel do homem, que recebe umacerta realeza investida por Deus. Sua tarefa será dominar e sujeitaro mundo que Deus criou. Aparentemente essas capacidadesdadas ao homem – de dominar, sujeitar e ordenar – refletem aimagem do próprio Deus no ser humano: do mesmo modocomo Deus domina, governa e reina como o Rei, assim tambémo homem, como seu embaixador e enviado, deve reinar sobrea criação como um rei. Foi com a finalidade de promover oreino de Deus que se imputou ao homem a imagem doCriador. Porém houve grande desordem e abuso de domíniopor parte do ser humano, que, depois da queda, afastou-se deDeus.

A PROVISÃO DE VITÓRIA SOBRE O MAL

Somente a restauração, a recriação e o renascimento do ho-mem por meio da redenção conseguida na cruz do Calvário po-deriam recapacitá-lo, a fim de permitir-lhe participar do reino deDeus e, assim, anunciar a chegada desse glorioso reino a todas asnações. Entretanto seria necessário tratar primeiramente a raiz darebelião do homem contra Deus. A provisão de vitória sobre omal foi prevista na promessa de que um descendente da mulherferiria a serpente: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua

20 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lheferirás o calcanhar” (Gn 3.15; cf. 1 Jo 3.8 e Rm 16.20).

O tema “descendência” como promessa de Deus para atingir omundo inteiro é desenvolvido em todo o Antigo Testamento,com referências à descendência de Abraão – o povo de Deus e aodescendente de Davi – rei ungido por Deus. Seu cumprimento sedá definitivamente na pessoa de Jesus de Nazaré. Ele é a figuracentral da história bíblica sobre a criação e do amor de Deus pelomundo e, por isso, é o enfoque do maior capítulo deste livro. Pormeio de Cristo os propósitos de Deus para sua criação são realiza-dos e, somente por ele, a humanidade pode cumprir sua tarefa dezelar pela criação.

Vê-se, assim, que o relato bíblico da criação já estabelece aspeças principais do drama bíblico de missões. O alvo e o focosão universais. O homem exerce a função de embaixador, quepromove o domínio do Rei-Criador por todo o mundo. Oenredo de maldição e bênção aparece na queda da humanidadee na promessa de derrota do mal por um descendente da mu-lher. O restante da Bíblia, por sua vez, desenvolve e elabora orelato inicial, alcançando seu clímax no prometido Messias,Jesus.

Entretanto pode-se questionar por que o Antigo Testamentoenfatiza uma só nação – o povo de Israel –, se Deus tem, desde oinício, uma preocupação universal. De fato, de Gênesis 12 até ofinal do Antigo Testamento, dá-se muita atenção à história espe-cífica do povo de Israel. Porém o interesse de Deus por todo ouniverso não se perde no decorrer da narrativa bíblica. Ao contrá-rio, Israel é vista como instrumento de Deus para atingir seu alvomaior – o mundo inteiro. Tanto no período dos patriarcas comono dos reis e dos profetas, embora o relato se centralize em um sópovo, o propósito maior de Deus continua o mesmo desde oprincípio. Permanece universal e busca alcançar todos os povos

A PERSPECTIVA UNIVERSAL DA BÍBLIA 21

do mundo. O próximo capítulo abordará esse ponto com maisdetalhes.

Perguntas para reflexão

1. Qual é a abrangência da preocupação de Deus? Queevidências disso são encontradas no relato da criação?

2. Qual é a característica fundamental da imagem de Deusno ser humano? Que dimensão missionária isso envolve?

3. Quais as peças principais do drama bíblico de missões járegistradas no relato bíblico da criação?

A PROMESSA PARA ABRAÃOPOVO ESCOLHIDO, POVOS BENDITOS

SE A PREOCUPAÇÃO DE DEUS permanece essencialmenteuniversal ao longo de toda a Bíblia, por que, na nossa leitura dasEscrituras se dá tanta atenção a uma história específica: à históriade Israel no Antigo Testamento e à história da igreja no NovoTestamento? Por que não lemos mais sobre a história de outrospovos maiores e mais poderosos, que viviam nas mesmas épocas?Por que não lemos muito mais sobre os egípcios, os assírios, osbabilônios, os sumérios, os gregos e os romanos? E por que nadalemos dos grandes povos chineses e hindus, de outros povos asi-áticos, dos grandes impérios africanos, para não falar das grandese antigas civilizações das Américas?

A resposta está na maneira como Deus resolveu alcançar seupropósito maior em relação ao mundo todo, com todos os seus

2.

24 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

povos. Misteriosamente, ele separou um só povo para ele, a fimde abençoar não exclusivamente aquele povo, e sim de abençoartodos os povos do mundo. Esse “povo de Deus” seria seu ins-trumento para trazer a salvação a “todas as famílias da terra”(Gn 12.3) ou “até aos confins da terra” (At 1.8). Isso foiuma promessa, a promessa mais importante da Bíblia, da qualtodas as outras se derivam.

A idéia de promessa sempre foi fundamental para a identidadedo povo de Deus. Durante toda a sua longa história, Israel seentendia como o povo da promessa, povo escolhido por Deus,não para o prejuízo do resto da humanidade, mas justamente, emprol do benefício de todos os povos. A igreja herdou essa mesmavisão, que também se tornou chave para sua identidade. Portan-to, para situar bem a natureza e o propósito de um “povo deDeus” precisamos começar com a idéia de promessa.

DO MUNDO TODO PARA UM SÓ POVO

Logo no início do livro de Gênesis, Deus se revela como al-guém que faz e cumpre promessas. Por causa das necessidadesfísicas humanas, Deus prometeu duas coisas: o sustento alimentar(1.29-30) e a companhia conjugal (2.18). E, por causa da situa-ção espiritual humana, Deus prometeu várias coisas: a vitória so-bre o mal (3.14), o sofrimento pelo pecado (3.16-19), a maiordesgraça e maldição pela violência obstinada (4.8-12), a salvaçãodo justo, do íntegro e daqueles que o cercam (6.9, 18-19) e ojulgamento pelos maus desígnios do coração (8.21-22; 9.11).Nesses primeiros onze capítulos de Gênesis, as promessas (inclu-sive de julgamento!) de Deus se destinam à humanidade toda.Aqui, Deus se relaciona com o mundo todo. O próprio nome“Adão”, que significa “humanidade”, demonstra tal preocupaçãouniversal. Contudo, esse enfoque “universal” não se esgota nos

A PROMESSA PARA ABRAÃO 25

primeiros onze capítulos de Gênesis. Ele continua ao longode toda a Bíblia, já que todos os povos da terra, e a terra toda,constituem a preocupação benemerente de Deus.

Entretanto, a partir de Gênesis 12, encontramos uma mudan-ça de estratégia que marca todo o resto da Bíblia.Deus separa umsó povo através de quem a sua benevolência e restauração se mani-festarão para todos os povos e para o mundo todo. Nesse contex-to, o objeto das promessas de Deus transfere-se de toda a huma-nidade para um só povo, ainda que seu alvo maior continue sendoo mundo todo. Deus continua o seu projeto universal (não abremão da prerrogativa como Criador do mundo todo), porém o fazpela instrumentalidade de um só povo, Israel, com a intençãoúltima de abençoar o mundo todo. Essa mudança na maneirade Deus agir é sinalizada por uma transição literária entreGênesis 11 e 12, em que se destaca um contraste entre a arro-gância humana universal e a benevolência de Deus canalizadapara um povo específico:

Portanto, em Gênesis 12, encontramos a resposta de Deuspara a rebeldia e a arrogância da humanidade, a qual desejarealizar seus projetos independentemente dele, o que leva àsua própria destruição. Nesse capítulo, Deus continua se preo-cupando com a humanidade toda, mantendo o foco universal

DE:

“tornemos célebre o nossonome” (11.4b)

“o Senhor os dispersoudali pela superfície daterra” (11.8)

“Um prenúncio de umamaldição sobre aarrogância” (11.7)

PARA:

“te engrandecerei o nome”(12.2)

“de ti farei uma grandenação” (12.2)

“em ti serão benditastodas as famílias da terra”(12.3)

26 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

dos primeiros onze capítulos. No entanto, daqui para frente, Deusterá um parceiro chave e específico, um povo entre os outrospovos, no tratamento com os povos do mundo.

A PROMESSA PARA ABRAÃO: GÊNESIS 12.1-3

A partir de Gênesis 12, Deus estabelece um relacionamentoespecial (chamado “aliança”, da palavra berit) com um povo espe-cífico e faz promessas a esse povo, ainda que seu alvo seja alcançaro mundo inteiro.

Ora, disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tuaparentela e da casa de teu pai e vai para a terra que temostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei,e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção!Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os quete amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famíliasda terra. (Gn 12.1-3)

Essa não é uma promessa passageira, mas, como veremos aseguir, ela se repete diversas vezes ao longo de todo o livro deGênesis; primeiro, para Abraão e, depois, para cada um dos seusdescendentes. É uma das promessas fundamentais de toda a Bí-blia porque serve de base para as demais. O desenvolvimento te-ológico tanto do Antigo quanto do Novo Testamento se basei-am na explicação, na elaboração e no cumprimento dessa pro-messa. Tão importante era, que o apóstolo Paulo considerou-acomo o preanunciação do evangelho (Gl 3.8). Por isso, para en-tender o enredo principal dessa grande narrativa divina, que vaide Gênesis a Apocalipse, é preciso, primeiro acertar a interpretaçãodesta promessa. E a chave da interpretação está no reconhecimen-to que a promessa revela em duas dimensões, que correspondemaos dois imperativos dados para Abraão, primeiro, de ser umabênção e, segundo, de abençoar os povos do mundo.

A PROMESSA PARA ABRAÃO 27

No capítulo 12, Deus faz uma aliança de duas partes comAbraão. A compreensão do restante da Bíblia depende de umesclarecimento acertado dessa aliança. Portanto, é importanteobservar que ela envolve dois imperativos, cada um com suaspromessas, tendo uma dimensão interna (ou “nacional”) e outraexterna (ou “internacional”). Vejamos estes imperativos maisdetalhadamente.

O primeiro imperativo se encontra no versículo 1: “Sai da tuaterra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que temostrarei”. Em conseqüência do cumprimento do imperativo,Deus promete localidade (“a terra que te mostrarei”) e nacionali-dade (“de ti farei uma grande nação”) específicas. O restante doAntigo Testamento elabora essas duas promessas, tratando da re-lação de promessa e julgamento entre Israel e a terra de Canaã, edo desenvolvimento de Israel como nação através das suas diver-sas instituições (o sistema de sacrifício, a lei, o governo da nação ea sua fidelidade e infidelidade diante de Deus e do próximo). NoNovo Testamento as duas promessas de localidade e nacionalida-de são expandidas. A partir de então, o povo de Deus segueadiante “até aos confins da terra” (At 1.8)1 e sua “nacionalidade”agora inclui representantes de todos os povos, como está escrito:

Os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo corpo eco-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio doevangelho. (Ef 3.6)

Pois nem a circuncisão é coisa alguma, nem aincircuncisão, mas o ser nova criatura. E, a todos quantosandarem de conformidade com esta regra, paz emisericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus.(Gl 6.15-16)

Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa,povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim deproclamardes as virtudes daquele que vos chamou das

28 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, nãoéreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheisalcançado misericórdia, mas, agora, alcançastesmisericórdia. (1 Pe 2.9-10)

O segundo imperativo se encontra no versículo 2: “Sê tu umabênção”. Em conseqüência do seu cumprimento, Deus prometebenevolência para todos os povos da terra que abençoem o povode Abraão: “em ti serão benditas todas as famílias da terra” (v. 3).A partir desta promessa, boa parte do Antigo Testamento focalizao relacionamento de bênção e maldição entre Israel e os povos aoseu redor. No Novo Testamento a promessa novamente se am-plia para uma vocação de anunciar as boas novas e estabelecercomunidades do povo de Deus entre todas as etnias:

Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda aautoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto,fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nomedo Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os aguardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis queestou convosco todos os dias até à consumação do século.(Mt 28.18-20)

Finalmente, apareceu Jesus aos onze, quando estavam àmesa, e censurou-lhes a incredulidade e dureza de coração,porque não deram crédito aos que o tinham visto járessuscitado. E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai oevangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado serásalvo; quem, porém, não crer será condenado. (Mc 16.14-16)

Vós sois testemunhas destas coisas. (Lc 24.48)

Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco! Assimcomo o Pai me enviou, eu também vos envio. (Jo 20.21)

Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, esereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como emtoda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra. (At 1.8)

A PROMESSA PARA ABRAÃO 29

Esforçando-me, deste modo, por pregar o evangelho, nãoonde Cristo já fora anunciado, para não edificar sobrefundamento alheio; antes, como está escrito: Hão de vê-loaqueles que não tiveram notícia dele, e compreendê-lo osque nada tinham ouvido a seu respeito. (Rm 15.20-21)

A PROMESSA PARA A DESCENDÊNCIA DE ABRAÃO

Como já dissemos, a aliança de Deus em Gênesis 12 não éuma afirmação passageira e secundária. Pelo contrário, é repetidaem várias ocasiões para Abraão e relembrada a seus descendentes,de modo que ela molda a memória litúrgica de Israel através desua história e até se torna a base lógica da lei que formalizou aaliança entre Deus e seu povo. Vamos ilustrar essas afirmações...

A aliança é repetida para Abraão:

Disse o Senhor a Abrão, depois que Ló se separou dele:Ergue os olhos e olha desde onde estás para o norte, para osul, para o oriente e para o ocidente; porque toda essa terraque vês, eu ta darei, a ti e à tua descendência, para sempre.Farei a tua descendência como o pó da terra; de maneiraque, se alguém puder contar o pó da terra, então secontará também a tua descendência. (Gn 13.14-16)

Então, conduziu-o até fora e disse: Olha para os céus econta as estrelas, se é que o podes. E lhe disse: Será assim atua posteridade. Ele creu no Senhor, e isso lhe foiimputado para justiça. Disse-lhe mais: Eu sou o Senhorque te tirei de Ur dos caldeus, para dar-te por herança estaterra…. Naquele mesmo dia, fez o Senhor aliança comAbrão, dizendo: À tua descendência dei esta terra, desde orio do Egito até ao grande rio Eufrates: (Gn 15.5-7,18)

Quanto a mim, será contigo a minha aliança; serás pai denumerosas nações. Abrão já não será o teu nome, e simAbraão; porque por pai de numerosas nações te constituí.

30 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Far-te-ei fecundo extraordinariamente, de ti farei nações,e reis procederão de ti. Estabelecerei a minha aliançaentre mim e ti e a tua descendência no decurso das suasgerações, aliança perpétua, para ser o teu Deus e da tuadescendência. Dar-te-ei e à tua descendência a terra dastuas peregrinações, toda a terra de Canaã, em possessãoperpétua, e serei o seu Deus. (Gn 17.4-8)

Visto que Abraão certamente virá a ser uma grande epoderosa nação, e nele serão benditas todas as nações daterra? (Gn 18.18)

Então, do céu bradou pela segunda vez o Anjo do Senhora Abraão e disse: Jurei, por mim mesmo, diz o Senhor,porquanto fizeste isso e não me negaste o teu único filho,que deveras te abençoarei e certamente multiplicarei a tuadescendência como as estrelas dos céus e como a areia napraia do mar; a tua descendência possuirá a cidade dosseus inimigos, nela serão benditas todas as nações daterra, porquanto obedeceste à minha voz. (Gn 22.15-18)

A aliança é repetida para a descendência de Abraão:

Para Isaque:

Apareceu-lhe o Senhor e disse: Não desças ao Egito. Ficana terra que eu te disser; habita nela, e serei contigo e teabençoarei; porque a ti e a tua descendência darei todasestas terras e confirmarei o juramento que fiz a Abraão,teu pai. Multiplicarei a tua descendência como as estrelasdos céus e lhe darei todas estas terras. Na tuadescendência serão abençoadas todas as nações da terra….Na mesma noite, lhe apareceu o Senhor e disse: Eu sou oDeus de Abraão, teu pai. Não temas, porque eu soucontigo; abençoar-te-ei e multiplicarei a tuadescendência por amor de Abraão, meu servo.(Gn 26.2-4, 24)

A PROMESSA PARA ABRAÃO 31

Para Jacó:

Deus Todo-Poderoso te abençoe, e te faça fecundo, e temultiplique para que venhas a ser uma multidão de povos;e te dê a bênção de Abraão, a ti e à tua descendênciacontigo, para que possuas a terra de tuas peregrinações,concedida por Deus a Abraão…. Perto dele estava oSenhor e lhe disse: Eu sou o Senhor, Deus de Abraão, teupai, e Deus de Isaque. A terra em que agora estás deitado,eu ta darei, a ti e à tua descendência. A tua descendênciaserá como o pó da terra; estender-te-ás para o Ocidente epara o Oriente, para o Norte e para o Sul. Em ti e na tuadescendência serão abençoadas todas as famílias da terra….Vindo Jacó de Padã-Arã, outra vez lhe apareceu Deus e oabençoou. Disse-lhe Deus: O teu nome é Jacó. Já não techamarás Jacó, porém Israel será o teu nome. E lhechamou Israel. Disse-lhe mais: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; sê fecundo e multiplica-te; uma nação emultidão de nações sairão de ti, e reis procederão de ti. Aterra que dei a Abraão e a Isaque dar-te-ei a ti e, depois deti, à tua descendência. (Gn 28.3-4, 13-14; 35.9-12)

Para José:

O Anjo que me tem livrado de todo mal, abençoe estesrapazes; seja neles chamado o meu nome e o nome demeus pais Abraão e Isaque; e cresçam em multidão nomeio da terra…. José é um ramo frutífero, ramo frutíferojunto à fonte; seus galhos se estendem sobre o muro. (Gn48.16; 49.22)

Para o descendente, Cristo:

Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seudescendente. Não diz: E aos descendentes, como sefalando de muitos, porém como de um só: E ao teudescendente, que é Cristo. (Gl 3.16)

Para todos que crêem em Cristo, seus descendentes espirituais:

32 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em CristoJesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo deCristo vos revestistes. Dessarte, não pode haver judeu nemgrego; nem escravo nem liberto; nem homem nemmulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, sesois de Cristo, também sois descendentes de Abraão eherdeiros segundo a promessa. (Gl 3.26-29)

A aliança molda a memória litúrgica do povo de Deus:

Porque o Senhor, vosso Deus, fez secar as águas do Jordãodiante de vós, até que passásseis, como o Senhor, vossoDeus, fez ao mar Vermelho, ao qual secou perante nós, atéque passamos... Para que todos os povos da terra conheçamque a mão do Senhor é forte, a fim de que temais aoSenhor, vosso Deus, todos os dias. (Js 4.23-24)

E, finalmente, a aliança estabelece a base lógica da lei dada noMonte Sinai:

Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz eguardardes a minha aliança, então, sereis a minhapropriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda aterra é minha... vós me sereis reino de sacerdotes e naçãosanta. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel.(Êx 19.5-6)

Tudo isso indica que o tema da aliança com Abraão e os seusdescendentes não só domina o enredo do primeiro livro da Bí-blia, Gênesis, mas também serve de base para os principais even-tos na história de Israel e, eventualmente, da igreja, ao longo dasEscrituras. Por isso, é importante que entendamos o significado ea função dessa aliança que marca os passos de Deus em relaçãonão só ao seu povo, mas também a todos os povos da terra. Que-remos, portanto, examiná-la um pouquinho mais.

Observamos que a aliança tem a forma de um contrato, porusar a linguagem condicional (“se você fizer isto..., então eu farei

A PROMESSA PARA ABRAÃO 33

aquilo”). Nesse “contrato”, como era de costume entre os povosantigos do Oriente Médio, há um compromisso entre duas par-tes. Neste caso, a princípio, entre Deus e Abraão, e, depois, entreDeus e os descendentes de Abraão. Da sua parte, Deus prometetrês coisas: abençoar Abraão (Gn 12.2), a sua descendência(Gn 12.7; 22.15-18) e, através dele, todas as famílias daterra (Gn 12.3). A Abraão e sua descendência, cabe uma tarefa:ser uma bênção (a primeira “Grande Comissão” da Bíblia!). Àmedida que a promessa se repete no relato do livro de Gênesis,essa incumbência de “ser uma bênção” é ampliada na forma dodever de “guardar” a aliança (Gn 17.1-9, literalmente, “cumprircom cuidado e diligência”) ou, simplesmente, “obedecer” a Deus(Gn 22.15-18, literalmente, “ouvir” ou “prestar atenção”). Essessentidos se tornam explícitos como a condição básica da aliançadurante o “nascimento” de Israel como nação no Monte Sinai:

Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz eguardardes a minha aliança, então, sereis a minhapropriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda aterra é minha. (Êx 19.5)

IMPLICAÇÕES MISSIONÁRIAS

A missão de Deus: soberania e bênção. O livro de Gênesismarca o passo de toda a Bíblia. Nele, encontramos o Deus bene-volente que age e que está sempre no controle, mesmo diante dacapacidade humana, dada por Deus, de se rebelar; o Deus sobera-no que não é mecânico, frio e calculista, mas um artista-arquitetoque cria prazerosamente; o Deus que leva seu projeto a cabo, quepromete seguro de que irá cumprir; o Deus que deseja abençoar eque abençoa, que deseja a prosperidade e que faz prosperar. É oDeus que tem uma missão em relação ao mundo. Qualquer“missão” que o povo de Deus tem para o mundo só pode derivar

34 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

da missão de Deus para o mundo. Esse é o Deus que o livro deGênesis nos apresenta.

Em conseqüência da sua soberania, a humanidade é beneficiadapela graça de Deus, não por mérito próprio. A virtude humanaverdadeira está intimamente relacionada à sua vocação de Deus(para Israel, veja Deuteronômio 7.7-8; para Abraão, veja Josué24.2-3 e Deuteronômio 26.5; e, para Noé, veja Gênesis 9.20-27),não há mérito algum. O povo de Deus foi “escolhido” não porser “melhor” do que os outros, mas simples e unicamente peloamor gracioso e imerecido de Deus. Tal escolha, porém, não éum fim em si, pois o povo de Deus foi escolhido para alcançartodos os povos com a bênção de Deus.

Ao longo das Escrituras, descobrimos que a promessa e a bên-ção de Deus, por serem tão abrangentes, nunca se realizam porcompleto através do povo de Israel. Aliás, mais adiante descobri-mos, com grande tristeza, que o povo de Deus se caracterizavacada vez mais pela desobediência própria e o conseqüente julga-mento de Deus, do que pela fidelidade própria e as conseqüentesbênção e graça de Deus. Resta o cumprimento através de umdescendente real, um judeu autêntico, Jesus Cristo. Através dele epor instrumentalidade do seu povo, a igreja é uma bênção deDeus a fim de alcançar todas as famílias da terra.

A missão do povo de Deus: responsabilidade e adoração. Aaliança com Abraão e com sua descendência não se referia origi-nalmente à sua própria redenção ou condenação eternas, mas àsucessão de sua descendência. Alusões aos aspectos últimos dasalvação no Novo Testamento como sendo a libertação da mortee do inimigo final são poucas e esparsas, na melhor das hipóteses.Portanto, a aliança não era orientada à condição eterna de Abraão,mas sim, à sua vocação em vida e à vocação de sua descendência,como mediadores do plano salvífico de Deus aos povos do mun-do. A aliança não é inicialmente uma categoria de “salvação”, mas

A PROMESSA PARA ABRAÃO 35

de “missão”! Abraão e sua descendência deveriam ser canais enão depositários das bênçãos de Deus para os povos do mundo. Éprivilégio, sim, mas não privilégio exclusivo e excludente. Maisainda, é uma responsabilidade, a responsabilidade de ampliaras próprias bases. Abraão e sua descendência não eram apenas“escolhidos” (e ponto final), mas “escolhidos para” (bahar é umverbo de ação). A idéia é antes de serviço que de privilégio. Aeleição deveria ser entendida, portanto, como um meio e, não,como um fim.

Em conseqüência da sua eleição, isto é, da sua vocação, inclu-sive “missionária”, Abraão adorou ao Senhor (Gn 12.7). A adora-ção é a resposta última apropriada de missão, tanto para quem“faz” missão quanto para quem a “recebe.” A adoração universal, enada mais, é o fim último de missão:

Pois a terra se encherá do conhecimento da glória doSenhor, como as águas cobrem o mar. (Hc 2.14)

Porque no fim, depois de completar toda a “missão”, perma-necerão a adoração e o louvor ao Cordeiro de Deus, o prometidodescendente decisivo de Abraão.

E entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar olivro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com oteu sangue compraste para Deus os que procedem de todatribo, língua, povo e nação e para o nosso Deus osconstituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra. [...]Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, eriqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor.[...] Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro, seja olouvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dosséculos.

E os quatro seres viventes respondiam: Amém! Também osanciãos prostraram-se e adoraram. (Ap 5.9-10, 12b,13b-14; cf. 7.10-12)

36 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Perguntas para reflexão

1. Se a preocupação de Deus permanece essencialmenteuniversal na Bíblia toda, por que se dá tanta atenção, defato, a uma história específica: a história de Israel noAntigo Testamento, e a história da igreja no NovoTestamento? Por que não lemos mais sobre a história deoutros povos maiores e mais poderosos, que viviam nasmesmas épocas?

2. Qual é o significado missionária do chamado de Abraão?

3. Quais são as duas dimensões da promessa de Deus paraAbraão? Quais são os dois imperativos nesse chamado deAbraão?

4. Em quem a promessa da descendência de Abraão secumpre?

5. A eleição é privilégio ou responsabilidade?

6. Que significa ter uma missão de bênção?

A PROMESSA PARA MOISÉS 37

A PROMESSA PARA MOISÉSPOVO PECULIAR,

POVO ENTRE OS POVOS

NO CAPÍTULO ANTERIOR, apresentamos o Deus soberanoque faz e que cumpre promessas. Destacamos, em especial, a pro-messa feita a Abraão e à sua descendência, como padrão para oresto da Bíblia do relacionamento de Deus com um povo especí-fico e com o mundo inteiro. À medida que a promessa se repete,as implicações do segundo imperativo, “sê tu uma bênção”, co-meçam a transparecer. Implica uma aliança, um relacionamentode obediência (Gn 18.18-19; 22.16-18), de fidelidade e com-promisso entre duas partes. Essa aliança permanece em vigor paraas sucessivas gerações, passando pelos patriarcas e chegando aotempo de Moisés, quando ela se formaliza na lei dada por Deusno Monte Sinai:

3.

38 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz eguardardes a minha aliança, então, sereis a minhapropriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda aterra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e naçãosanta. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel.(Êx 19.5-6; ver 1 Pe 2.9)

POVO PECULIAR

Moisés guiou o povo diretamente para o monte Sinai, ondefizeram um compromisso solene com o Deus que os havia liber-tado da opressão dos egípcios. A aliança do Sinai foi a base dorelacionamento contínuo de Israel com Iahweh (Deuteronômio5.2ss). Era a resposta de Israel à sua eleição por Deus, uma respos-ta de adoração e serviço exclusivo e verdadeiro. Eventualmente, aadoração seria institucionalizada através do sistema de sacrifíciosque cercava o tabernáculo e, depois, o templo. Semelhantemente,o serviço de Israel a Deus seria codificado através da lei. Estas duasinstituições, o tabernáculo/templo e a lei, serviam para demarcarIsrael como um povo peculiar entre os outros povos, e sua fé eculto servia de exemplo para esses povos.

A resposta de Israel à sua eleição era a aceitação de um chama-mento e de um juramento de obediência. Israel jurou lealdade eobediência incondicionais, isto é, a devoção fiel (hesed) a Iahwehque anterior e primeiramente o tinha escolhido. “Vós sereis reinode sacerdotes e nação santa” (Êxodo 19.6, ver 1 Pedro 2.9). Seriaum povo peculiar. A partir de então, Israel cumpriria uma funçãosacerdotal como povo dentre todos os povos, representando Deusno mundo das nações e intercedendo a favor dos povos. A aliançaimplicava, assim, uma função especialmente missionária de Deus.Quando Israel falhou em aceitar esta obrigação, conseqüentemente,estava repudiando sua própria eleição (Is 1.2,4; J 18.1ss;Os 6.7; 8.1).

A PROMESSA PARA MOISÉS 39

O sistema de sacrifícios. O sistema de sacrifícios surgiu doreconhecimento de Israel como nação “santa” e dele como reinode sacerdotes (ou “reino em relação ao sacerdócio”). Em outraspalavras, o ritualismo da fé israelita, no sentido de reino sacerdo-tal, tinha como função principal destacar o caráter ético dessa fé,o aspecto de um povo “santo”. O propósito do sistema de sacrifí-cios era conscientizar Israel da sua distância em relação a santapresença de Deus. Além disso, encorajou-o a entrar numa vida deculto e comunhão.

Israel devia ser “um reino de sacerdotes”, o representante divi-no no mundo e a favor do mundo (como Adão) para a bênçãodas nações (como Abraão). Contudo, o próprio Israel, através dosistema de sacrifícios e do tabernáculo, se tornou cada vez maisconsciente da sua própria distância de Deus e da necessidade deentrar na bênção de Iahweh. Restaria ao servo sofredor cumprir econsumar o sistema de sacrifícios quando,

pelo eterno Espírito, a si mesmo se ofereceu sem mácula aDeus... para aniquilar pelo sacrifício de si mesmo, opecado... e ser a propiciação ... pelos pecados do mundointeiro. (Hb 9.14,35; 1 Jo 2.2)

A lei. Enquanto o tabernáculo era uma analogia visível e ritualda santidade e da salvação de Deus, a lei era a sua expressão verbal.A lei também refletia a idéia de que Deus exerce soberania realsobre seu povo escolhido, em todas as áreas da sua vida. O povode Deus elabora seus afazeres e conduta de maneira a refletir anatureza e o caráter de Iahweh. Deus dá sentido a toda a vidacooperativa e individual do seu povo.

A lei refletia o caráter salvador e compassivo de Iahweh, espe-cialmente através das suas provisões em relação à exploração eco-nômica (o uso apropriado da terra), à injustiça social (os direitosdos escravos) e ao bem-estar dos mais fracos (o estrangeiro, oórfão e a viúva).

40 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Enfim, a lei refletia o próprio caráter de Iahweh como umDeus compassivo, misericordioso e libertador. A sua justiça deveser o padrão para a comunidade do seu povo, que assume para siessa característica profundamente redentora como resposta decompromisso, de gratidão e de obediência à aliança que Iahwehhavia feito com ela. Antes da lei ser abusada e transformada emsistema legalista, era a intenção de Deus a expressão de seu carátere se colocava não como caminho para a salvação, mas como ocaminho do “já salvo” como resposta agradecida a Deus.

Deus chama um povo específico para manifestar seu caráterde compaixão e justiça no mundo e assim conclamar o mundo aglorificá-lo. Com essa característica de justiça, somos chamados aser um povo especial para um serviço missionário, para intercedercomo reino de sacerdotes a favor do mundo, e declarar-lhe asboas novas (1 Pe 2.9). Isso implica, antes, um compromisso deobediência e lealdade a Deus. O que a lei era para Israel, odiscipulado é para a igreja. O serviço do povo de Deus no mundoexige a disposição de um povo disciplinado e discipulado. Odiscipulado é um preparo para um testemunho missionário!

POVO ENTRE OS POVOS

Nossa discussão sobre a promessa (eleição) de Deus dada a Abraãoe repetida aos seus descendentes nos levou a seguinte conclusão:compartilhar as bênçãos de Deus entre todos os povos é incum-bência do povo de Deus. Nossa discussão sobre a resposta (alian-ça) de Israel a Deus, formalizada através de Moisés, reforça estamesma tarefa central do povo de Deus. Israel deveria viver a suafé no meio das nações.

O encontro de Israel com outros povos seria um encontrocom outras culturas, inclusive com outras formas de fé e de ado-ração. O povo de Deus teria que lidar com tais diferenças e discernir

A PROMESSA PARA MOISÉS 41

quando seria apropriado confrontá-las ou assimilá-las. Hojeenfrentamos um desafio semelhante em relação à fé e à adoração,tanto a nossa quanto a dos outros. Questionamos, por exemplo,se há uma expressão sacra da fé e da adoração, pela qual podemosmedir as outras expressões. Muitas pessoas falam, por exemplo,em “música sacra” ou em “liturgia sacra”. Grande parte do traba-lho efetivo de missionários depende de como respondemos a es-sas questões. Interessante, o Antigo Testamento nos fornece duasrespostas ao mesmo tempo, pois condena veementemente osincretismo, enquanto recomenda ousadamente a contextualizaçãoefetiva. Ambos, o sincretismo e a contextualização, são termosque se referem ao cruzamento de usos e costumes de várias cultu-ras. O aproveitamento de costumes e conceitos, inclusive religio-sos, de culturas não-judaicas, podia tanto enriquecer a fé dos ju-deus quanto ameaçá-la fatalmente. A todo custo deve-se evitar osincretismo cultural e religioso, mas deve-se procurar e encorajara contextualização. Qual é a diferença entre os dois? E como po-demos promover uma contextualização sadia e evangelística semcair no perigo do sincretismo?

Contra a cultura, contra as concessões. Foi durante o perí-odo monárquico, particularmente durante Omri (876-869 a.C.)e Acabe (869-850 a.C.) que a religião cananéia veio a predominarem Israel, e foram principalmente os profetas que Deus usou parachamar Israel à decisão: ou Iahweh (Javé) ou Baal. Para entendermelhor esse conflito religioso é importante notar que a religiãodos cananeus era agrária, baseada na fertilidade. Também era cíclica,voltada, de modo determinista, ao status quo. Por promoveremum culto de fertilidade, os aderentes praticavam livremente norito, a copulação, imitando os deuses, para garantir a boa fertili-dade da terra e uma boa safra. Por ser também cíclica, seguia asestações do ano. Um sistema cíclico exclui qualquer expectativade transformação progressiva e futura, porque todos os anos

42 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

tanto as coisas, quanto as estações do ano, se repetiam. Somenteuma visão linear da história permite a possibilidade de verdadei-ras inovações, isto é, da mudança.

A adoração a Baal tornara-se atraente porque, francamente,muitos judeus desejavam a luxúria e o prazer, o egoísmo e a lascí-via, um ritual sem nenhuma exigência ética ou moral. Isso estavalonge dos padrões de justiça e retidão estabelecidos na lei, comoexpressão da aliança de Israel com Deus. E é nesse contexto quelemos sobre uma confrontação entre poderes espirituais: Eliascontra os profetas de Baal (1 Rs 18.17-40; 19.15-18; compareMt 6.24: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há deaborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e des-prezará ao outro”). Conseqüentemente, tornou-se claro que nãopoderia haver concessões com relação à fé de Israel, pelo menosem relação ao conteúdo dessa fé, um conteúdo de justiça, retidãoe exclusiva devoção a Javé.

A favor das culturas, a favor do testemunho. A literatura deSabedoria e os Salmos nos oferecem uma apreciação diferente dacultura e da religião estrangeiras, uma resposta grandemente posi-tiva e assimiladora. Havia uma tolerância dos sábios e dos poetasestrangeiros que nunca houve dos profetas e sacerdotes estrangei-ros. Os sacerdotes e os profetas estrangeiros, talvez porque falas-sem e ministrassem em nome de suas respectivas deidades, sãodescritos pela Lei como “falsos”. Entretanto, os sábios e os poetasestrangeiros, talvez porque lidassem mais com assuntos do coti-diano e menos cúlticos, são geralmente vistos de um modo maispositivo. Suas idéias e conclusões eram até consideradas apropri-adas para a adoração de Israel.

A sabedoria de Israel não era apenas divulgada entre as nações,mas também influenciada pelas nações:

— Egito (Gn 41.8; Êx 7.11; At 7.22; 1 Rs 4.30;Is 19.11-12);

A PROMESSA PARA MOISÉS 43

— Edom e Arábia (Jr 49.7; Ob 8; Jó 1.3; 1 Rs 4.30);

— Babilônia (Is 47.10; 44.25; Jr 50.35; 51.57; Dn 1.4, 20);

— Fenícia (Ez 28.3ss; Zc 9.2);

— Provérbios 22.17-23.11 é provavelmente baseado nasMáximas de Amenemope;

— Provérbios 23.13ss, na doutrina de Aicar, um sábioassírio do século VII a.C., e

— Provérbios 30 e 31.9 cita como suas fontes os sábios detribos sírio-palestinas.

A sabedoria floresceu em Israel no século 10 provavelmenteatravés da influência cananéia e foi cultivada na corte de Salomão(conforme a menção de Etã, o ezraíta, Hemã, Calcol e Darda em1 Reis 4.31). Mesmo que a Bíblia inequivocamente rejeite amágica e a superstição arraigadas na sabedoria estrangeira (Is 47.12-13) e o orgulho que ela promove (Jó 5.13), ao mesmo tempo,fala dos sábios gentios com um respeito nunca atribuído a sacer-dotes e profetas das nações pagãs. E, embora Salomão possua afama de ter ultrapassado os sábios estrangeiros, e Daniel seja des-crito como mais excelente do que os sábios da Babilônia, pessoasde extraordinárias compreensão (Dn 5.11-12), é claro que desdeo Antigo Testamento alguém pode pensar sabiamente e falar ver-dadeiramente, com certas limitações, sem uma revelação especialda parte de Deus (conforme Aitofel em 2 Samuel 16.23; 17.14).

Os Salmos eram originalmente conhecidos como “louvores.”Sua composição e poesia seguiam as mesmas regras das canções epoesia dos vizinhos de Israel. Foi nesse âmbito de intercâmbiocultural sob a influência fenícia que Israel alcançou os mais altosníveis de excelência poética e musical. Salmos de origem cananéia(11, 29, 45) foram adaptados para o uso israelita. As semelhançassão muito evidentes, demonstrando que os louvores e orações

44 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

de Israel tomavam forma facilmente compreendida pelos povosvizinhos de Israel. Só podemos concluir que sua forma e estiloestavam em harmonia com seu propósito e mensagem de chama-da às nações a um louvor universal ao verdadeiro Deus (Sl 7.7-8;9.8, 11; 10.16; 19.1-4; 22.27-28; 33.12; 40.3; 47; 50.1; 57.7;59.5; 64.9-10; 66.1, 8 ; 67; 68.28-32; 72.8-11, 17-19; 86.9;87.4; 96-100; 102.15-22; 105.1; 44-45; 108.3; 113.3-4; 117.1).

Em suma, Israel usava as mesmas formas enigmáticas e poéti-cas que seus vizinhos, ou seja, o estilo, a estrutura, o ritmo e,geralmente, as mesmas figuras de linguagem com o objetivo decomunicar de forma compreensível e num nível popular. Aomesmo tempo, qualquer material que não coadunava com a féem Iahweh era rejeitado ou modificado a fim de expressar a es-sência daquela fé.

Logo, quanto à forma da composição de salmos e provérbios,inclusive o uso de algumas expressões metafóricas, é tanto possí-vel quanto aconselhável adaptar as formas de fé e adoração exis-tentes em outras religiões, ainda que rejeitem qualquer conceitocontrário à revelação divina.

IMPLICAÇÕES MISSIONÁRIAS

Por enquanto temos dividido a aliança de Deus com Israel emduas fases, através de duas grandes figuras do AntigoTestamento,Abraão e Moisés. A aliança através de Abraão tomou a formaprincipalmente de promessa e teve uma dimensão interna e exter-na, ou nacional e mundial. Deus prometeu abençoar Abraão eseus descendentes transformando-os em uma grande nação. Tam-bém prometeu, através de Abraão e de sua descendência, abenço-ar todos os povos da terra.

A aliança através de Moisés tomou a forma de contrato,exigindo a obediência e, como vimos, teve igualmente uma

A PROMESSA PARA MOISÉS 45

dimensão interna e externa. Pela observância da lei e pelo cultoexclusivo a Javé, Israel seria um povo peculiar, diferente dos ou-tros, e um modelo a seguir. Ao mesmo tempo, seria povo entreos povos, povo que intercedia pelos outros povos e testemunhoda verdadeira e única divindade: Javé. Como testemunha, Israelteria que lidar com a cultura dos outros povos, por oposição oupor adaptação e assimilação.

Um povo peculiar, um povo entre os povos. Deus estabeleceum relacionamento especial com um povo específico. E esserelacionamento de aliança é recíproco, embora o chamamentopara ela não o seja. Enquanto só Deus escolhe, tanto ele quantoseu povo se comprometem. O povo de Deus responde ao domgratuito com sua lealdade (hesed), sua devoção, seu amor e suaobediência.

Tal compromisso do povo de Deus serve a um propósitomissionário. Esse povo será “separado” do mundo, isto é, santo,para Deus usá-lo no mundo. Toda a sua vida e conduta devemdar testemunho às nações do caráter de Deus. Tanto o sistema desacrifícios quanto a lei destacam o papel missionário do povo deDeus. Os sacrifícios demonstram que só ele deve ser cultuado etambém revelam a distância do povo em relação a Deus.. Seguin-do a lei, o povo confirma sua resposta de compromisso com aaliança e reflete o caráter de Deus para o mundo. É significativoque esse caráter seja refletido por uma ética com grandes preocu-pações sociais, pelo estrangeiro, pela viúva, pelo órfão e pelospobres. Deus é um Deus justo e tal justiça deve se manifestarentre seu povo. Deus chama um povo específico para manifestarseu caráter de compaixão e justiça no mundo e assim chamá-lo aglorificá-lo. Com essa característica de justiça, somos chamados aser um povo especial para realizar um serviço missionário e inter-ceder como um reino de sacerdotes a favor do mundo, e declarar-lhe as boas novas (1 Pe 2.9).

46 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

A favor ou contra a cultura? A obra da igreja inevitavelmenteenvolve encontros religiosos, tanto na evangelização dos não-cris-tãos quanto no desafio ao nominalismo. No processo de procla-mar a única soberania de Deus em Cristo Jesus, muitos povos sãochamados a uma decisão análoga a do encontro com Baal. A féem Cristo Jesus não abre lugar para o misticismo e subjetivismoda adoração politeísta, muito menos para o abandono aosensualismo da adoração hedonista que caracteriza boa parte dasociedade hoje. Deus não compartilha seu trono!

Aqui, de novo, teremos que andar com certo cuidado, embo-ra firmeza. Pois, não nos opomos à contextualização do evangelho,mas apenas ao sincretismo. Qual é a diferença? A antropologia nosajuda a esse respeito. A contextualização traz o evangelho profun-damente a um contexto específico e assim dá significado cristão aformas autóctones de uma dada cultura, pelo menos para as nãoadversas à fé bíblica, que geralmente são a maioria numa dadasociedade. O sincretismo é resultado de exatamente o contrário,deixando o evangelho muito superficial na sua cultura, e assim dáformas cristãs para sentidos e significados pagãos, por exemplo, dan-do nomes de santos para os velhos orixás das religiões africanas.

A igreja, enquanto procura, cuidadosamente, contextualizarsua mensagem, rejeita toda forma de sincretismo. Somente JesusCristo é o Senhor (1 Co 12.3)! O testemunho bíblico demandaum exclusivismo de fé, enfatizando a unicidade eincomparabilidade de Iahweh, como revelado em Jesus Cristo.Bernard W. Anderson lucidamente expôs esta tensão entre a fé deIsrael e as culturas vizinhas ao seu redor:

Israel não disse enfaticamente um não, repudiando acultura avançada na qual se inseriu, mas disse não e sim. Afé em Iahweh, o Deus de Israel, exigiu uma rejeição dosoutros “deuses” e, conseqüentemente, a repúdia daspressuposicões teológicas das religiões do ambiente. Não

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poderia haver um meio termo entre a fé em Iahweh e osdeuses do paganismo. Todavia, o não de Israel nesse nívelmais profundo, freqüentemente foi acompanhado por umsim de apropriação, isto é, tomando posse das formas deculto (tal como o sacrifício) e formas literárias (tal como osalmo) e convertendo-as ao serviço de Iahweh [tradução,ênfase acrescentada] (Anderson 1970:24s).

O culto a Deus é também uma ação missionária. Nas liçõesanteriores, vimos que através do êxodo e da aliança sinaíticasubseqüente, Israel se transformou de um povo qualquer numacomunidade chamada, que cultua e louva aquele que providen-ciou a sua libertação. Aludimos à significância do seu culto e lou-vor para a tarefa missionária. O livro dos Salmos traz a essasignificância um grande relevo. Os Salmos revelam a natureza e oconteúdo litúrgicos de Israel. Embora dirigida a Israel, essa liturgiaestá repleta de desafios e mensagens missionárias (Sl 2; 33; 66;72; 98; 117; 145). Ela chama os povos ao culto universal:

Aclamai a Deus toda a terra. Salmodiai a glória do seunome, dai glória ao seu louvor. (Sl 66.1-2)

Louvai ao Senhor vós todos os gentios, louvai-o todos ospovos. Porque mui grande é a sua misericórdia paraconosco,e a fidelidade do Senhor subsiste para sempre.Aleluia! (Sl 117)

Faz parte, portanto, do conteúdo da liturgia do povo de Deus,um convite às nações para participarem do culto e da adoração aDeus. A própria liturgia, longe de ser uma cerimônia exclusivista,é um verdadeiro desafio missionário para o povo de Deus.

48 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Perguntas para reflexão:

1. Qual é a implicação do imperativo “sê tu uma bênção”,em Gênesis 12.2?

2. Qual era o papel do culto e da lei no preparo missionáriodo povo de Deus no Antigo Testamento? Podemosentender a adoração e a observância das Escrituras demodo semelhante hoje? O que mudou? O que permanececomo antes?

3. Qual é a postura cristã em relação à cultura de outrospovos? E à nossa própria cultura?

A PROMESSA PARA DAVI 49

A PROMESSA PARA DAVIREINO ETERNO,

LUZ PARA AS NAÇÕES

AO LONGO DE SUA história, Israel segue uma trajetória defracasso, tanto em relação a sua incumbência de refletir o caráterde Deus quanto em seu papel intercessório perante as nações. Emvez de permanecer como um povo “peculiar”, que adorava unica-mente a Javé e mantinha o padrão divino, Israel repetidamenteadotou os cultos sensuais e a ética amoral e opressora dos povosvizinhos. Conseqüentemente, a promessa de bênção passou a ad-quirir cada vez mais uma dimensão de juízo. Neste contexto defracasso, a “grandeza” da nação, contida na promessa de Deus aAbraão, começou a sofrer um processo de transformação, a partirde Davi, passando de um conceito quantitativo para um conceito

4.

50 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

cada vez mais qualitativo. Simultaneamente, a “peculiaridade” danação, afirmada na aliança estabelecida com Moisés, passoupor um processo inverso de transformação, deixando de seruma referência qualitativa para se tornar cada vez mais umareferência quantitativa.

A promessa para Davi. Conforme a promessa feita a Abraão,sua descendência seria real e grande (Gn 17.15-22). Esta descen-dência não se refere a toda a prole de Abraão, mas apenas ao filhoprometido através de Sara. Dela e de seu filho Isaque, “reis depovos procederão” (Gn 17.16), enquanto que de Ismael, filho deHagar, apenas “príncipes” serão gerados (Gn 17.20).

Dentro do conceito de realeza encontramos dois princípios dapromessa de Deus para Abraão e Sara: o primeiro é o princípioimediato da seletividade e estreitamento da semente que “carrega”a promessa; o segundo princípio, mais distante, diz respeito àrealeza de tal semente. Esses dois princípios serão desenvolvidosespecialmente na literatura profética: o primeiro através doconceito do remanescente e o segundo através da esperançamessiânica.

A aliança com Abraão e Sara também inclui uma promessa degrandeza, implícita na afirmação de que Sara, nossa matriarca, “setornará nações; reis de povos procederão dela”, superando assim a“grandeza” do povo que procede de Ismael (Gn 17.16, 20). Agrandeza de Israel pode ser interpretada de várias maneiras, comoindicam os sinônimos usados no texto. No aspecto quantitativo,tem o sentido de “numerosa” (Gn 17.2; 22.17; 26.4), enquantoque no aspecto qualitativo, significa “vitoriosa” e “influente”(Gn 17.5-8; 22.15-18; cf. 26.2-5). Todos estes aspectos repre-sentam dimensões positivas da promessa. Mas, diante da desobe-diência de Israel, a promessa adquire também uma dimensão dejuízo. Da grandeza numérica, o verdadeiro povo de Deus começaa se caracterizar também pela noção diminutiva do remanescente

A PROMESSA PARA DAVI 51

até chegar ao conceito de um só fiel, em quem as promessasde Deus serão cumpridas. Por fim, esta expressão será aplicadaao único judeu verdadeiro e fiel, Jesus. Só ele é capaz de cumprira incumbência de abençoar todos os povos do mundo, demons-trando assim a justiça e a retidão de Deus e iniciando a “expansãoprogressiva” do seu povo, chamado para anunciar e trazer a bên-ção de Deus para todos os povos. Ele será chamado filho de Davi,mas não um filho qualquer, afinal, Davi teve muitos filhos!Este filho de Davi, de acordo com o Salmo 72.17, será um rei“em quem serão abençoados todos os homens e as nações”(cf. Gn 12.3; 22.18).

REINO ETERNO

A figura messiânica estava associada principalmente ao conceitode rei, mais especificamente, à casa de Davi (2 Sm 7.12-15; jáprevisto em Gn 49.8-12). Os profetas exploraram bastanteessa ligação messiânica com a dinastia de Davi (Is 9.1-7; 11.1-5;32.1; 33.17; Mq 5.2-4; Am 9.11-12; Os 2.5; Jr 33.19-26;Ez 37.24-28). Este filho de Davi seria o rei “ungido”, o Messias.A esperança na restauração divina através de um descendente deDavi preparou o caminho para o cumprimento das promessasmessiânicas encontradas no Novo Testamento. Tanto que Jesusde Nazaré recebeu da igreja o título de Cristo (tradução grega dapalavra hebraica Messias, ou “Ungido”).

O Messias. O conceito de Messias no Antigo Testamentoestá intimamente ligado à idéia do remanescente, contribuindoainda mais para a esperança profética de salvação. Tanto o “Mes-sias” quanto o “renovo” são descendentes de Davi (Jr 23.5-6),com vocações especiais dadas por Deus (Is 4.2; compare Zc 3.8;6.12). Nos últimos dias, este “renovo” restaurará a terra e esta-belecerá um remanescente de “sobreviventes”, santificando o

52 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

restante, purificando o povo da imoralidade e manifestando todoo esplendor da glória da presença de Yahweh.

É Isaías quem dá expressão clássica à esperança messiânica. Duaspassagens se destacam aqui: Isaías 9.1-7 e 11.1-9. A primeira anun-cia a chegada de um menino, descendente de Davi, que trará sal-vação e receberá os títulos régios de “Maravilhoso Conselheiro,Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”. Na segunda en-contramos a promessa da vinda de um novo Davi, que terá asqualidades carismáticas do primeiro (v. 2) e estabelecerá um reinode paz, de forma que “a terra se encherá do conhecimento doSenhor, como as águas cobrem o mar” (11.9b). Mas esse Messiasesperado perde aos poucos o aspecto de realeza vitoriosa e passa aser caracterizado pelo serviço e pelo sofrimento.

O servo sofredor. Às vezes, a palavra “servo” é usada para sereferir a todo o povo de Israel, coletivamente (Is 41.8; 42.1-7,19;43.10; 44.1, 21; 45.4; 49.3-5; 51.1,7).Em outras circunstân-cias, especialmente no quarto cântico de Isaías, a referência aoServo do Senhor só pode ser aplicada a uma figura singular(Is 52.13 – 53.12). Ele é descrito como sendo uma “luz para osgentios” (Is 42.6; 49.6). Diante dele todas as nações irão se pros-trar (Is 9.7; 49.7) e seus descendentes irão conquistar e povoar asnações (Is 54.2-3). Então Yahweh será “o Deus de toda a terra” (Is49.6; 54.5); ele oferecerá “misericórdia eterna” e fará uma “aliançade paz” (Is 54.9-10) com todas as nações (Is 49.6; 55.1-9; vejatambém At 13.45-49; 26.22-23). Sua missão servirá de modelopara o povo de Deus. Os primeiros cristãos identificaram esseservo como sendo Jesus (Mc 10.45; At 8.26-40; Fp 2.5-11),aquele que veio com uma missão a cumprir.

O Filho do Homem. Diferentemente de Isaías, Daniel nãoviu apenas o sofrimento do Filho de Deus; ele viu também seutriunfo final como Filho do Homem, aquele que será entronizadoentre as nações e a quem prestarão adoração e culto, da mesma

A PROMESSA PARA DAVI 53

forma que Jesus é descrito posteriormente entronizado no meiodas nações (Fp 2.9-11; 1 Tm 3.16; Hb 1.5-14). De fato, Jesusassumiu para si o título de Filho do Homem mais do que qual-quer outro título. Esta expressão aparece cerca de 80 vezes noNovo Testamento, sempre usada por Jesus, com uma única exce-ção. Jesus certamente sabia que a expressão “Filho do Homem”era um título messiânico (Mc 14.61-62), e o fato de usá-la asse-verava que ele era o homem celestial, aquele que está assentado àdireita de Deus, o esperado de Israel. Contudo, Jesus alterou aidéia do Filho do Homem combinando-a com a idéia do ServoSofredor (Mc 8.31; 9.12, 31; Lc 9.22; 24.7) entendendo destaforma seu papel central no plano de Deus para as nações.

LUZ PARA AS NAÇÕES

Através dos profetas, Israel passou a reconhecer, novamente,que o futuro do povo de Deus dependia da sua fidelidade aopapel que lhe fora reservado em relação às nações. Este papel en-controu sua expressão mais destacada na crença de uma glorifica-ção final no monte Sião. Esse local será o centro de um grandereino de paz, onde se verá a glória de Deus. Para lá as naçõesafluirão. Assim, a casa de Deus será chamada “casa de oração paratodos os povos” (Is 56.7; cf. 2 Cr 6.32), como conseqüência daunicidade e da universalidade de Yahweh. Em Isaías 66.18-21(compare com Miquéias 4.1-4) lemos que Yahweh ajuntará pes-soas de todas as nações, não apenas para contemplarem a sua gló-ria e participarem das bênçãos da salvação, mas também para par-ticiparem do ministério de anunciar a glória de Deus como suastestemunhas, pelo mundo inteiro.

Ao invés de destruir sua confiança em Deus, as frustrações e osdesapontamentos do povo de Israel no período pós-exílio inten-sificaram sua convicção de que o alvo final dos propósitos de

54 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Deus, a era escatológica de salvação, certamente iria chegar. Nelase cumprirá a promessa feita a Abraão de abençoar todas as nações(Gn 12.3). Como conseqüência do castigo e purificação deIsrael, todos os povos prestarão culto a Yahweh (Sf 3.10; compareJr 16.19-21 e Hc 2.14).

Depois do exílio, esta visão se intensifica ainda mais. As na-ções procurarão o Senhor no centro religioso de Israel, em Jerusa-lém, sendo dirigidas pelos judeus fiéis (Zc 8.22ss). A esperançaencontrada em Isaías 40–55 não se refere a algo remoto, mas estábaseada na proclamação da lei de Deus, que atrai as nações (Is42.6; 43.10; 45.22). Como conseqüência do monoteísmo explí-cito (Is 44.10, 20; 46.1-13), o único Deus será conhecido entretodas as nações (Is 45.22-23; 51.4-5; 55.5). O modelo de Israelpara o cumprimento desta missão, como já observamos, é o ser-vo de Yahweh (Is 49.6).

IMPLICAÇÕES MISSIONÁRIAS

A esperança messiânica. A leitura das Escrituras nos ensinaque Deus tem absoluto controle sobre o mundo e a história, por-tanto podemos afirmar com segurança que ele iria providenciarum meio de resgatar o mundo e a história, desviados de seu rumo.Assim, surgiu a esperança de um mediador messiânico (pelo me-nos na perspectiva do Novo Testamento) através do qual a histó-ria será consumada. A linhagem empregada inicialmente em rela-ção a Moisés terá seu cumprimento na pessoa de Jesus. Ele foierguido (At 3.26; 13.33) como aquele que anuncia a palavra deDeus e serve de modelo para o povo de Deus (1 Co 2.13). Amissão concedida à igreja se centraliza na pessoa de Cristo. A igre-ja prega e ensina muitos assuntos, mas Cristo é o tema central, ocerne de todo o ensino. Quando a igreja assume a incumbênciade levar Cristo às nações, ela está obedecendo ao mandato

A PROMESSA PARA DAVI 55

do Novo Testamento e realizando a esperança messiânica dosprofetas.

O compromisso missionário do povo de Deus. Finalmente,a soberania de Deus não anula a responsabilidade de seu povo empregar o evangelho. Quando a comunidade de fiéis recua diantede seu papel de testemunhar a Cristo, não está apenas deixandode cumprir seu dever, mas está se afastando da graça e da eleição.Devemos assumir o papel de testemunhas de acordo com opadrão que nos foi deixado pelo servo de Yahweh, em Isaías. Aindagação de John Bright ainda demanda uma séria reflexão:

Pois como membros da igreja de Cristo, nossa vocação é avocação de servos. Até que ponto nós a levamos a sério?Entendemos de alguma forma o que ela representa?Aceitamos a missão mundial da igreja. Cremos em umúnico Deus. Declaramos que seu Reino se estende sobretoda a terra. Enviamos missionários para pregar oevangelho em terras distantes. Mas temos dificuldadepara entender as conseqüências dessa grande teologia...Queremos um Cristo sofredor, para que nós nãoprecisemos sofrer; um Cristo que se sacrifica, para quenosso conforto não seja perturbado. O chamado paraperder a vida por amor a Cristo para então achá-lanovamente, de tomar a cruz e seguir a Jesus, permanecemisterioso e ofensivo para nós. É claro que nos esforçamospara trazer as pessoas a Cristo, e oramos para que “venhao teu reino”. Mas consideramos que tudo isso é resultadodo nosso esforço e amadurecimento, de boasprogramações e investimento financeiro. Será que nãoestamos procurando construir o reino do Servo sem seguiro Servo? Se agirmos assim, provavelmente edificaremosuma grande igreja, mas terá ela algo a ver com o Reino deDeus? Precisamos ter em mente que a tarefa da igreja nãoé outra senão a tarefa do servo. (1953:154-155, traduçãodo autor).

56 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Mas a mensagem dos profetas não termina com uma notapessimista! Juntamente com as advertências sobre julgamento,encontramos o anúncio de uma solução futura de restauração eda vinda do reino de Deus. Embora esta esperança não esteja pre-sente no grosso da literatura profética, como assinalamos anteri-ormente, os escritores do Novo Testamento a reconhecem comoo foco e o alvo da mensagem dos profetas.

O juízo e a destruição da parte de Deus eram vistos comopreparação para uma nova criação e um novo êxodo, pois se nãofosse assim, não haveria, humanamente falando, nenhum futuropara Israel. É por isso que encontramos nos profetas, apesar e porcausa do juízo, a mais refulgente esperança já vista em qualqueroutro período da história de Israel. A ênfase do Antigo Testamen-to começa no passado, com o êxodo e a posse de Canaã, chega aopresente com os salmos reais e a adoração no templo, e apontapara o futuro, através dos profetas mais recentes. A mensagem deesperança se tornou não somente o anúncio abrangente da restau-ração e da grandeza futura de Israel, mas também o anúncio deuma nova forma de Deus tratar com os povos do mundo.

Como resposta ao fracasso de Israel em se tornar uma bênçãopara todas as famílias da terra, Deus não só julgou Israel comocumpriu sua promessa através de um número cada vez menor defiéis. A esperança profética para o destino das nações levou a umaesperança futura de salvação. A esperança da vinda dos povospara o centro de Israel deverá se cumprir no futuro, como re-sultado da iniciativa divina. Mas o testemunho da justiça e daretidão de Deus já fazia parte da dieta diária de Israel, assimcomo permanece até os dias de hoje em nossa vocação comopovo de Deus.

A PROMESSA PARA DAVI 57

Perguntas para reflexão

1. Como a promessa de Deus a Abraão se liga à promessa deDeus a Davi e por fim chega à pessoa de Jesus de Nazaré?

2. O futuro do povo de Deus ainda depende da suafidelidade em servir de testemunha entre as nações? Deque forma? Se a igreja for infiel à sua tarefa missionária,Deus ainda assim cumprirá os seus propósitos para omundo?

A REALIZAÇÃO EM JESUSCRUZ E RESSURREIÇÃO

O DESENVOLVIMENTO TEOLÓGICO, tanto do Antigoquanto do Novo Testamento, se baseia na explicação, na elabora-ção e no cumprimento das promessas de Deus feitas a Abraão,Moisés e Davi. As promessas relacionadas a Abraão possuemabrangência nacional e internacional e correspondem a dois im-perativos: tornar-se povo de Deus e abençoar as nações. Estas pro-messas se aplicam ao patriarca e à sua descendência – uma referên-cia ao povo de Israel e também a um descendente individual, fiele real que abençoará todos os povos do mundo.

Semelhantemente, as promessas feitas a Moisés assumem tam-bém duas dimensões, uma externa e outra interna. Só que a natu-reza condicional da promessa e a exigência de obediência por par-te do povo de Deus são formalizadas através da lei e do culto.

5.

60 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Estas serão duas áreas críticas para se avaliar a obediência de Israel.O fracasso em relação à lei, por causa da injustiça moral e social,e em relação ao culto, pela adoração a outros deuses, acaboulevando Israel à decadência e à quebra da aliança com o Deussupremo.

As promessas feitas a Davi se apresentam como um desdobra-mento das promessas anteriores, e são de natureza qualitativa equantitativa. O reino do descendente de Davi será qualitativa-mente um reino de justiça e eqüidade, e será eterno. No aspectoquantitativo, se por um lado as promessas se estreitam através doremanescente até chegar à figura messiânica, por outro lado sealargam, na medida em que o Israel fiel e o servo fiel e real repre-sentam luz para as nações. Desta maneira, as promessas de bênçãopara a nação e bênção para os povos da terra se cumprirão.

Jesus Cristo cumpriu as promessas de Deus feitas a Abraão,Moisés e Davi, estabelecendo assim o início de uma nova criaçãoe do reino de Deus, em que todas as nações serão abençoadas.Neste capítulo iremos examinar como Jesus cumpriu as promes-sas centrais de Deus, entrelaçadas por todo o Antigo Testamento,formando assim uma espécie de dobradiça para a história da hu-manidade.

JESUS CUMPRIU A PROMESSA FEITA A ABRAÃO

Conforme a promessa feita a Abraão, todas as famílias da terraseriam abençoadas através dele e de sua descendência. Ao longodo Antigo Testamento, torna-se cada vez mais evidente que talbênção não se realizaria através de Israel. Pelo contrário, ironica-mente Israel deixa de ser sujeito de bênção para se tornar objetode maldição por parte das nações, através dos cativeiros e da opres-são estrangeira. Por essa razão, e com a ajuda da promessa de Deuspara a descendência de Davi, esperava-se que a promessa para

A REALIZAÇÃO EM JESUS 61

Abraão fosse cumprida através de um só descendente, fiel e real,que abençoaria todos os povos do mundo. O consenso do NovoTestamento é que Jesus de Nazaré é este descendente. Aliás, estaspraticamente são as primeiras palavras que encontramos no NovoTestamento:

Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho deAbraão. (Mt 1.1; cf. 1.17)

São também as últimas palavras de Maria, mãe de Jesus, emseu cântico de louvor a Deus pela sua gravidez:

Amparou a Israel, seu servo, a fim de lembrar-se da suamisericórdia a favor de Abraão e de sua descendência, parasempre, como prometera aos nossos pais. (Lc 1.54-55)

O próprio Jesus afirmou ser aquele que Abraão esperava:

Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente etomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reinodos céus. (Mt 8.11)

Abraão, vosso pai, alegrou-se por ver o meu dia, viu-o eregozijou-se. (Jo 8.56)

Certamente a igreja primitiva entendia que Jesus era odescendente prometido de Abraão:

Vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deusestabeleceu com vossos pais, dizendo a Abraão: Na tuadescendência, serão abençoadas todas as nações da terra.Tendo Deus ressuscitado ao seu Servo, enviou-oprimeiramente a vós outros para vos abençoar, no sentido deque cada um se aparte das suas perversidades. (At 3.25-26)

Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seudescendente. Não diz: E aos descendentes, como sefalando de muitos, porém como de um só: E ao teudescendente, que é Cristo. (Gl 3.16)

62 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

O papel exercido por Jesus de abençoar os povos, emcumprimento às promessas feitas a Abraão, talvez seja umdos pressupostos mais importantes dos primeiros quatrolivros do Novo Testamento, os Evangelhos. Diferentementedos demais livros do Novo Testamento, os quatro Evangelhosdesenvolvem os eventos que cercaram a vida e o ministério deJesus, e como os demais livros do Novo Testamento, destacam,de maneira enfática, a sua morte e ressurreição. Como nossa in-tenção aqui é demonstrar como Jesus cumpriu a promessa feita aAbraão de abençoar todas as famílias da terra, daremos maiordestaque à sua vida e ao seu ministério. Mais adiante, iremosabordar também sua morte e ressurreição.

Para os autores dos Evangelhos, o ministério de Jesus era sig-nificativo, tanto como confirmação do cumprimento das pro-messas de Deus quanto como exemplo para o ministério e atua-ção missionária dos cristãos subseqüentes. Vejamos, através doEvangelho de Lucas, como Jesus cumpriu a promessa feita aAbraão de abençoar todas as famílias da terra. Lucas enfatiza ofato de o ministério de Jesus quebrar barreiras, e assim comoPaulo, contribui para a conclusão controvertida, mas eventual,presente no cristianismo primitivo de que aquele seria o períodoem que os gentios seriam integrados à família da fé. Para Lucas,Jesus quebrou barreiras geográficas, sociais e étnicas, abrindo as-sim as portas para a graça de Deus fluir entre as nações.

Em Lucas 4.31-44 encontramos Jesus se dirigindo aCafarnaum, o centro de seu ministério na fase inicial. Foi nesselocal que ele começou a pregar, ensinar e curar com autoridade.Foi ali que ele esteve na casa de Simão e curou sua sogra. Foitambém nessa cidade que ele ficou até altas horas da noite curan-do os doentes que o povo lhe trazia. Jesus deve ter ficado umtanto sobrecarregado com este ministério, pois no verso 42lemos:

A REALIZAÇÃO EM JESUS 63

Sendo dia, saiu e foi para um lugar deserto; as multidões oprocuravam e foram até junto dele, e instavam para quenão os deixasse.

Aparentemente aquelas pessoas perceberam que Jesus estavaprestes a deixá-las, e isto quando Jesus mal havia começado seuministério! Jesus então lhes respondeu:

É necessário que eu anuncie o Evangelho do reino de Deustambém às outras cidades, pois para isso é que fui enviado.(Lc 4.43)

O Evangelho, por sua própria natureza, deve se espalhar. Nãopode ficar parado em um lugar apenas! Sua propagação está im-plícita em seu conteúdo: o anúncio da chegada do reino de Deus.O ministério de Jesus demonstra uma preocupação missionáriaque cruza as fronteiras geográficas (At 1.8; Rm 15.19), convo-cando todas as pessoas, em todos os lugares a assumirem o com-promisso com o reino. Esse mesmo padrão emerge em todo oNovo Testamento: as boas novas são proclamadas em todos oslugares, novas frentes de pregação do evangelho são abertas e acontinuidade do ministério é mantida através da liderança local.

Contudo, a missão de Jesus não se reduziu a cruzar barreirasgeográficas. Jesus também atravessou as barreiras sociais, incluin-do alguns segmentos da sociedade antes negligenciados. Lucasapresenta três relatos de Jesus indo à casa de fariseus para jantar(7.36; 11.37;14.1). Portanto, ele não deixou de ministrar atémesmo à classe religiosa que mais se opunha a ele. Em outra oca-sião, Jesus deixou que uma mulher “pecadora” ungisse seus péscom perfume (7.36-50). Jesus não se importava com o estigmasocial que poderia receber por tratar todas as pessoas com simpa-tia e disponibilidade. Ele ministrava a todos igualmente, tantoaos seus maiores inimigos quanto aos que poderiam ser motivode escândalo para o seu ministério. De acordo com Lucas, é

64 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

possível perceber que Jesus aparentemente demonstrava certapreferência por pessoas deste tipo, embora ele também tenha dadoatenção à alta classe dos líderes religiosos. Jesus ministrou aodesterrado, ao aflito e ao pecador.

Até mesmo os publicanos, que eram odiados pelo povo, fo-ram recebidos por Jesus com amor e atenção. Eles eram conside-rados exploradores do povo por causa dos altos impostos quecoletavam, e traidores, por ajudarem a enriquecer o Estado polí-tico romano. Jesus enfrentou este forte preconceito social ao irjantar na casa de Levi (Lc 5.27-32). Mais tarde, ele se ofereceupara ir à casa de Zaqueu, um outro coletor de impostos (Lc 19.1-10). Ao oferecer atenção especial aos rejeitados e marginalizadossocialmente, Jesus demonstrou concretamente que sua missãoimplicava o rompimento de todas as barreiras sociais.

Desde o princípio do seu ministério Jesus buscou a compa-nhia dos pobres e oprimidos:

Vim para evangelizar os pobres, libertar os cativos eoprimidos e restaurar a vista aos cegos. (Lc 4.18)

No sermão das bem-aventuranças, o contraste propositalentre pobreza e riqueza exemplifica a preocupação especial deJesus pelos pobres, famintos, desesperados e oprimidos. En-contramos outros exemplos nas parábolas dos dois devedores(Lc 7.41-43; observe quem Jesus diz que o ama mais), do amigoinsistente (11.5-8), do rico e seus celeiros (12.13-21; veja o últi-mo versículo), da moeda perdida (15.8-10), do administradoresperto (16.1-13; observe novamente o último versículo) e dojuiz iníquo (18.1-8).

Antes de prosseguirmos em nossa elaboração do ministério deJesus, consideramos necessário esclarecer dois pontos. Em pri-meiro lugar, quando afirmamos que Jesus dava preferência aospobres e oprimidos, não estamos defendendo nem divulgando

A REALIZAÇÃO EM JESUS 65

nenhuma teologia contemporânea de libertação. Nossa intençãoé apresentar uma base (apesar de breve) e uma interpretação bíbli-ca rigorosa e coerente (julgue você mesmo!). Em segundo lugar,sabemos que muito se tem falado sobre uma opção preferencialpelos pobres. A meu ver, a própria evidência bíblica leva a estaconclusão. Caso contrário, Jesus poderia ter dito: “O Espírito doSenhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar osricos” ou ainda, “bem-aventurados os ricos”? Paulo descreveria aigreja de Corinto como composta não “por muitos analfabetos,ou por muitos oprimidos, nem ainda por aqueles de nascimentohumilde” (1 Co 1.26)? Para aqueles que preferem uma interpre-tação mais espiritualizada das Escrituras, ouso afirmar que há cer-ta preferência bíblica pelo pobre e oprimido. Não é por acaso quenenhum dos textos citados descreve o pobre como alguém quenão seja social e economicamente pobre. Por outro lado, para osque defendem uma interpretação mais liberal, apenas em termossociopolíticos, digo que esta preocupação com o pobre não de-corre propriamente da sua pobreza, mas está relacionada à justiçae à glória de Deus. O pobre é preferencialmente bem-aventuradoporque não tem ninguém para defendê-lo, a não ser o próprioDeus (se ele realmente depender de Deus). Assim, o pobre bem-aventurado é de fato uma pessoa política e economicamente po-bre, e apesar de ser injustiçado pelos homens é considerado justodiante de Deus. Esta idéia do pobre injustiçado e ao mesmo tem-po justo deriva da palavra ‘ani do Antigo Testamento, que podeser traduzida como “pobre”, “humilde” ou “piedoso” (Am 2.6; Is2. 6-12). Resumindo, o rico dificilmente reconhece a postura dopobre e este tem preferência diante de Deus por ser mais propen-so a depender de Deus. Sua dependência de Deus ultrapassa asdimensões espiritual, emocional e relacional, incluindo tambémas crises financeiras, operárias e até políticas do cotidiano, quepouco afetam os ricos. Entretanto, quando o rico consegue

66 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

assumir esta mesma postura (não é este o sentido da exortação aojovem rico em Lucas 18.18-23?), também pode gozar da bênçãode Deus (como no caso da bem-aventurança para o “humilde” ou“pobre de espírito” em Mateus 5.3). Achamos que devíamos nosalongar nesta questão por dois motivos: primeiro, por ela carecerde esclarecimento bíblico e, segundo, por ser bastante pertinenteà realidade brasileira, já que a maior parte da população do Brasilé constituída de pobres (e cada vez mais, proporcionalmente!).

Jesus certamente também ministrou aos ricos, pois tantoZaqueu quanto José de Arimatéia dispunham de bons recursosfinanceiros (porém, a orientação de ambos quanto às suas rique-zas teve que mudar diante do compromisso com Jesus!). Assim,devemos observar que se Jesus assumiu uma opção preferencialpelos pobres certamente esta opção não era exclusiva. O essencialé o compromisso assumido com o Senhor, que se manifesta demaneira concreta não só em uma vida devotada a Deus, mas tam-bém nos relacionamentos humanos.

Jesus também demonstrou atenção e preocupação por umoutro grupo de pessoas desprezadas pela sociedade: as mulheres.Encontramos em Lucas quarenta e três referências a esta dimen-são do ministério de Jesus, enquanto que Mateus e Marcos jun-tos trazem apenas quarenta e nove referências. Lucas também dáespecial ênfase ao fato de serem as mulheres as primeiras a testificarda ressurreição de Jesus (23.55-24.12). Em um mundo onde opapel da mulher não gozava de nenhum prestígio, este fato é bas-tante significativo e revelador. Além disto, só o Evangelho deLucas dá destaque às mulheres que acompanhavam e sustenta-vam nosso Senhor em sua missão (8.1-3).

Todas estas situações assinalam de forma convincente queo ministério de Jesus atravessou barreiras sociais e atingiu todasas camadas da sociedade, especialmente as mais desprezadas eoprimidas.

A REALIZAÇÃO EM JESUS 67

Jesus quebrou também barreiras étnicas e religiosas. Jesusalcançou até os samaritanos, que eram desprezados e marginaliza-dos pelos judeus. Ele não só os alcançou como os transformouem heróis quando contou a história do bom samaritano(Lc 10.29-37). Imagine o aborrecimento dos fariseus ao ouviresta história! É preciso lembrar também que dos dez leprosos queJesus curou, o único que voltou para agradecer era samaritano(Lc 17.11-19).

Jesus provocou outro escândalo cultural e religioso pelo trata-mento que dispensou ao centurião romano, pois para os judeus,os gentios estavam fora da esfera do amor e da ação de Deus (anão ser que se tornassem judeus!). Quando este guarda romano,responsável pela manutenção da lei e da ordem na região, pediuque Jesus curasse seu servo, ele revelou tal confiança nas palavrasde Jesus que este afirmou: “Nem mesmo em Israel achei fé comoesta” (Lc 7.9).

Em resumo, vemos no Evangelho de Lucas como Jesus cum-priu a promessa feita a Abraão de abençoar todas as famílias daterra e quebrou as barreiras impostas pelos judeus a todos queconsideravam “impuros”. Israel havia transformado a aliançamissionária de Deus em uma aliança exclusivista e criado o que oapóstolo Paulo descreve como um muro de separação, agora der-rubado por Cristo (Ef 2.11-22). Através de seu ministério, Jesusrompeu todas as barreiras e estabeleceu a base para abençoar defi-nitivamente todos os povos da terra. Além disso, seu ministérioserviu de modelo e desafio para seus seguidores.

JESUS CUMPRIU A ALIANÇA COM MOISÉS

A promessa de Deus para Israel assumiu a forma de pacto oualiança, estabelecido por intermédio de Moisés. Assim como naspromessas feitas a Abraão, essa aliança também possui duas

68 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

dimensões, uma interna e outra externa. As discussões teológicassobre a aliança do Sinai geralmente enfatizam a dimensão inter-na. Apresentaremos a seguir a idéia básica dessa dimensão.

A aliança era um compromisso que envolvia dois participan-tes, Deus e Israel. De sua parte, Deus havia prometido permane-cer ao lado de Israel e protegê-lo. Da parte de Israel, a aliançaexigia obediência às condições do pacto e exclusividade de cultoao Deus Criador. A natureza condicional da promessa, relaciona-da à obediência por parte de Israel, se formalizou através das ins-tituições da lei e do culto. Assim, esses dois elementos se torna-ram áreas críticas para avaliar a obediência de Israel. O fracassoem uma dessas áreas, ou em ambas, levaria à decadência de Israel,representando a quebra da aliança com o Deus Supremo, atravésda injustiça moral e social em relação à lei, ou da adoração deoutros deuses em relação ao culto.

Mas a aliança do Sinai não possuía apenas uma dimensãointerna, que deveria ser velada pelas duas partes. Havia tambémuma dimensão externa. Aliás, é justo observar que, assim comonas promessas para Abraão, a dimensão “externa” da aliança doSinai constituía a razão e o alvo de sua dimensão “interna”. Istosignifica que a promessa da parte de Deus de tornar Israel “propri-edade peculiar dentre todos os povos”, por mais importante queseja, está inserida em uma afirmação maior: “porque toda a terraé minha” (Êx 19.5). Semelhantemente, da parte de Israel, a obe-diência à lei e a exclusividade de culto a Deus eram alvos dignospor si só. Entretanto, também serviam a um propósito maior:demonstrar o caráter justo do único Deus Criador (por guardar aaliança) e testificar sua unicidade (pela exclusividade do culto)diante de todos os outros povos. Dessa maneira, a fidelidade deIsrael à aliança e conseqüentemente a Deus, seria um serviço sa-cerdotal não só para Deus, mas em prol de todos os povos, o quese pode observar nos textos a seguir:

A REALIZAÇÃO EM JESUS 69

Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz eguardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedadepeculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; vósme sereis reino de sacerdotes e nação santa. São estas as palavrasque falarás aos filhos de Israel (Êx 19.5-6; cf. Dt10.12-19;26.16-19; 28.1-10).

Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa,povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim deproclamardes as virtudes daquele que vos chamou dastrevas para a sua maravilhosa luz. (1 Pe 2.9)

Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário,eu vos escolhi a vós outros, e vos designei para que vades edeis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudoquanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda.(Jo 15.16)

A nação dos judeus está para todo o mundo habitadocomo o sacerdote está para o Estado. (Filon, Das LeisEspeciais 2.163, tradução do autor)1

Se a função e o propósito da aliança do Sinai não se cumpriramao longo da história de Israel por causa da sua obstinada deso-bediência e da sua idolatria, que diremos hoje? Antes de tudo,podemos afirmar que Jesus Cristo cumpriu a aliança de Deuscom Israel, firmada no monte Sinai. O Novo Testamento atestaesta afirmação, como veremos a seguir. Procuraremos tambémesboçar como Jesus cumpriu as promessas feitas a Moisés.

Evidências de que Jesus cumpriu a aliança do Sinai. Para oleitor cristão, conhecedor das Escrituras, talvez a afirmação de queJesus cumpriu a aliança do Sinai não seja nenhuma novidade, poisela se evidencia ao longo do Novo Testamento de várias manei-ras, como veremos a seguir.

70 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Conforme o Evangelho de João:

— Jesus introduziu um conhecimento de Deus (graça everdade) além daquele que Moisés revelou no Pentateuco(lei) (1.17).

— A vinda de Jesus foi prevista tanto por Moisés (noPentateuco) como pelos profetas (1.45; cf. Dt 18.15, Is7.14; 9.6; 53; Ez 34.23; Ml 3.1) e no sermão de Pedro(At 3.22).

— Sua ressurreição foi prevista e prefigurada por Moisés,possibilitando a vida eterna a todo aquele que crê eprovando o amor de Deus para com o mundo (3.14-18).

— Jesus é o verdadeiro maná, maior do que o maná dadopor Deus através de Moisés para alimentar o povo deIsrael (6.32-35; cf. Êx 16).

Também o autor da Carta aos Hebreus afirmou a superiorida-de de Jesus em relação a Moisés, e não somente à pessoa de Moisés,mas também às instituições estabelecidas por intermédio deMoisés, como:

— O tabernáculo (3.1-6), com o seu sacerdócio (8.1-2) esistema de sacrifícios (9.13-15, 24-25, 27-28).

— A aliança (8.6; 9.15).

Por fim, o apóstolo Paulo descreve inúmeras vezes, especial-mente nas cartas aos Gálatas e aos Romanos, a graça de Deusmanifesta em Jesus Cristo como o cumprimento e consumaçãoda lei de Moisés. Vejamos:

— Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aqueleque crê. (Rm 10.4; cf. Mt 5.17-18; Lc 16.16-17)

— Anulamos, pois, a lei, pela fé? Não, de maneiranenhuma, antes confirmamos a lei. (Rm 3.31)

A REALIZAÇÃO EM JESUS 71

— De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzira Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé(Gálatas 3.24).

Portanto, não é difícil concluir a partir destas passagens queJesus Cristo cumpriu a aliança estabelecida por intermédio deMoisés. As afirmações são inequívocas. Variam apenas nos deta-lhes referentes aos aspectos da aliança cumpridos por Cristo. As-sim, dentro da perspectiva cristã, a afirmação de que Jesus cum-priu a aliança do Sinai é incontestável. Ele “cumpriu” a lei, “cum-priu” o tabernáculo, “cumpriu” o sistema de sacrifícios e “cum-priu”, por fim, a aliança. Resta-nos elaborar como Cristo cum-priu a aliança do Sinai. Vejamos então como Jesus cumpriu aaliança com Moisés.

Como Jesus cumpriu a aliança do Sinai. A questão em si,não é difícil, e necessita pouca explicação. Ela já foi respondidanos versos citados acima: Cristo cumpriu a aliança do Sinai atra-vés da sua morte. Mas, devemos perguntar ainda como a mortede Cristo cumpriu a aliança do Sinai. Talvez a resposta oferecidapor Paulo, na sua Carta aos Gálatas, seja a mais sucinta:

Ora, tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pelafé os gentios, preanunciou o evangelho a Abraão: Em ti,serão abençoados todos os povos. De modo que os da fésão abençoados com o crente Abraão. Todos quantos, pois,são das obras da lei, estão debaixo de maldição; porqueestá escrito: Maldito todo aquele que não permanece emtodas as coisas escritas no Livro da lei, para praticá-las. E éevidente que, pela lei, ninguém é justificado diante deDeus, porque o justo viverá pela fé. Ora, a lei não procedede fé, mas: Aquele que observar os seus preceitos por elesviverá. Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-seele próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito:Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro; para

72 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em JesusCristo, a fim de que recebêssemos pela fé o Espíritoprometido. (Gl 3.8-14)

Para entender o argumento de Paulo nesta passagem preci-samos conhecer alguns aspectos da religião judaica, ou maisespecificamente, entender a perspectiva judaica em relação: 1) àsleis de pureza e impureza; 2) à condição dos não-judeus diante dalei; 3) à crucificação como evidência de impureza e à ressurreiçãocomo sinal da vindicação de Deus. Por fim, precisamos conside-rar ainda o uso do conceito de substituição, manifesto no últimoversículo da passagem acima, especialmente na expressão “emCristo”.

1. Leis de pureza e impureza. Como mencionamos acima, alei e o sistema de sacrifícios serviram, em última análise, a umpapel missionário. Essas leis surgiram para estabelecer o papel dopovo de Israel em servir como intercessor em favor das nações.Ao mesmo tempo, para servir a tal propósito, a lei e o culto ti-nham a função imediata de separar Israel das outras nações, man-tendo um padrão de culto e de comportamento distinto das ou-tras nações. Como o “testemunho” dado às nações envolvia, aci-ma de tudo, a afirmação da soberania do Deus do Universo, Javé,de certa forma o culto ressaltava, no aspecto qualitativo, a sobera-nia de Deus, ou seja, sua unicidade. Sendo ele o único e verdadei-ro Deus, somente ele seria digno de culto e adoração.Semelhantemente, a lei realçava de modo quantitativo a sobera-nia de Deus em todas as áreas da vida pessoal e social. Ao destacara soberania de Deus pela conduta e pelo culto, Israel estava dandoo maior “testemunho” da existência, do caráter e do amor de Deus.

A lei envolvia proibições e prescrições. Israel deveria fazer certascoisas e deixar de fazer outras, com o propósito de demonstraralgo do próprio caráter de Deus. As leis relacionadas à pureza e

A REALIZAÇÃO EM JESUS 73

impureza serviam principalmente para fazer distinção entre opovo de Deus e os outros povos, com seus deuses e hábitosdiferentes.

2. A condição dos não-judeus diante da lei. De acordo com asEscrituras, a bênção e a maldição eram condições decorrentes daobediência ou da desobediência à lei (Dt 11.26-28). Logo, onão-judeu, por não seguir a lei judaica, era considerado maldito,e estava excluído da aliança (Gn 12.3). Maldição e impurezatinham praticamente o mesmo significado e expressavam acondição do não-judeu. De igual modo, a bênção era semelhanteà pureza, representando a condição do judeu obediente à lei(Dt 28.8-9). Novamente a impureza é vista como a condição donão-judeu, do gentio, por desconhecer a lei (inclusive as leisde pureza e impureza) e conseqüentemente não se submeter aela. Por definição, os gentios eram considerados “impuros”(cf. Mt 15.22-26; gentios são comparados a “cachorrinhos”!),da mesma forma que a impureza estava relacionada à condi-ção de gentio.

3. A crucificação como evidência de impureza e a ressurreição comosinal da vindicação de Deus. Em Gálatas 3.13 Paulo mencionauma lei de pureza e impureza que se encontra em Deuteronômio21.23: “Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro”.Paulo havia se formado na melhor escola rabínica da época: a dosfariseus. Essa era a escola que mais prestigiava a interpretação dasescrituras hebraicas, conhecendo a razão para cada lei. Por exem-plo, havia uma lei que dizia que os defuntos deviam ser enterra-dos (cf. 2 Rs 9.30-37). A lei não permitia que o defunto fossedeixado ao ar livre, apodrecendo, como no caso da morte porcrucificação. O defunto deveria ser enterrado, caso contrário secriaria uma situação de impureza (isto é, de contaminação,conforme Deuteronômio 21.23). E, como vimos acima, a

74 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

impureza estava relacionada à maldição, tida virtualmentecomo a condição do gentio.

Assim, pela perspectiva de Paulo (que se considerava um ju-deu dos mais ortodoxos e comprometidos), a morte de Jesus porcrucificação parecia, inicialmente, uma prova inegável de conde-nação por parte de Deus, já que ele havia morrido como umimpuro, numa cruz, pendurado no madeiro. Morreu contami-nado, morreu na condição de gentio. Talvez tenha sido este omotivo pelo qual Paulo tanto perseguiu os cristãos, antes de seuencontro com Jesus na estrada para Damasco. Paulo os conside-rava hereges por desrespeitarem as “claras” implicações da lei. Comoo prometido Filho de Davi poderia morrer pendurado numa cruz?Esta era uma morte contaminada, de acordo com a lei de Deus!Seria uma contradição da parte de Deus, e isso era algo impossí-vel. A única conclusão lógica a que Paulo poderia chegar era queos cristãos formavam uma seita especialmente perniciosa, porquefazia Deus mentiroso. Por isso eles deveriam ser eliminados!

Só que Paulo “mudou de idéia”, ou melhor, Deus mudou lite-ralmente o seu rumo através de uma revelação inesperada. A ca-minho de perseguir a igreja, Paulo, então Saulo, viu-se frente afrente com algo que apenas os judeus mais conservadores (espe-cificamente, os fariseus e essênios) acreditavam: a ressurreição.Embora os escritos proféticos façam alusão à crença na ressurrei-ção como sinal de vindicação da parte de Deus, somente os escri-tos apocalípticos, como o livro de Daniel e a literatura extrabíblica,se referem explicitamente ao assunto.2 Aliás, os fariseus aparente-mente se orgulhavam de sua crença na ressurreição, pois conside-ravam esta crença como evidência de ortodoxia (veja, por exem-plo, o incidente com Paulo no Sinédrio, alguns anos depois, re-gistrado em Atos 23.6-10).

O encontro com Jesus na estrada para Damasco lançou porterra a teoria de Paulo sobre a crucificação de Jesus. Paulo entendia

A REALIZAÇÃO EM JESUS 75

que a morte de Jesus na cruz era uma prova aparentementeirrefutável de sua rejeição por parte de Deus. Mas agora Pauloestava face a face com o Jesus ressurreto, assim, a ressurreição sópoderia ter um significado: vindicação, literalmente, justificaçãoda parte de Deus! Como conciliar esta aparente contradição? Pa-rece-me que Paulo resolveu essa “contradição” em três fases, em-bora não seja possível saber se a resolução total foi instantânea ounão.

Em primeiro lugar, creio que Paulo imediatamente percebeuque a visão do Jesus ressuscitado superava sua interpretação ante-rior sobre a crucificação. Por isso, Paulo pôde se referir mais tardea esta ocasião como uma revelação de Deus (Gl 1.16), uma visão(1 Co 15.8) ou uma revelação do mistério de Deus (Ef 3.3;cf. Rm 16.25).

Mas, o que fazer com a interpretação anterior sobre a impure-za da crucificação? Evidentemente Paulo não considerou que suainterpretação estivesse errada, mas sim superada. Isto é, o proble-ma não estava na interpretação correta ou errada da lei. A suainterpretação estava certa! O que havia mudado era a validadeatual da lei. Paulo não chegou à conclusão de que a lei não pos-suía mais nenhuma validade; ela apenas agora funcionava de ou-tro jeito. Paulo concluiu que a era profetizada pelo profeta Jeremias(cf. 31.31-37), em que a lei seria interiorizada, havia chegado.Cristo, neste sentido, é o “fim” da lei, isto é o seu cumprimento(Rm 10.4). Isso não significa que a lei não tivesse mais valor, nemque a crucificação não implicasse a impureza de Jesus. De fatoimplicava, pois pela crucificação Jesus morreu como impuro.

Essa então foi a segunda e grande revelação que Paulo rece-beu. Jesus, ao morrer na cruz, morreu como impuro, isto é,morreu na condição de gentio. Só que Deus o ressuscitou – emtermos jurídicos, Deus o vindicou, na linguagem teológica, Deuso justificou. Deus inverteu o veredicto de condenação que a lei

76 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

determinava pela crucificação em declaração inequívoca deinocência e vindicação, através da ressurreição.

Por fim, Paulo percebeu que em Jesus, isto é, em sua condiçãode gentio ao ser crucificado, o tempo da justificação dos gentiosera chegado. Não pela lei, pois por causa da crucificação a leicondenava Jesus, mas pela ressurreição. Jesus foi justificado porDeus pela ressurreição, e hoje todos os que estão “nele”, isto é,todos os que nele crêem, também são justificados. Pois a justifi-cação é pela graça, mediante a fé, e não pelas obras da lei.

O conceito de substituição. Finalmente, para uma melhorcompreensão do argumento usado por Paulo em Gálatas 3.8-14,é necessário esclarecer o princípio de substituição introduzidopor ele. Aliás, os estudiosos observam que a frase, “em Cristo”,que denota substituição, foi empregada inicialmente porPaulo.3 Portanto, faz parte da revelação que nos foi concedidaprimeiramente através do apóstolo Paulo:

Se é que tendes ouvido a respeito da dispensação da graçade Deus a mim confiada para vós outros; pois, segundouma revelação, me foi dado conhecer o mistérioconforme escrevi há pouco, resumidamente… a saber, queos gentios são co-herdeiros, membros do mesmo corpo eco-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio doevangelho. (Ef 3.2, 3, 6)

O texto de Gálatas 3.8-10 nos dá uma pista de como surgiueste conceito. Afinal, se pelo fato de ter morrido numa cruz demadeira Jesus recebeu a maldição da lei, e se a maldição indicavaa condição gentílica, não creio que tenha sido difícil para Paulodeduzir que Cristo morreu como gentio. Mas, se Jesus foi “justi-ficado” pela ressurreição (lembre-se de que ao ressuscitar um “réu”morto injustamente, Deus, e somente Deus, poderia inocentá-lo), isto pode ter levado Paulo a concluir que o gentio tambémpoderia ser justificado por Deus dentro de sua condição gentílica,

A REALIZAÇÃO EM JESUS 77

isto é, sem precisar se converter primeiro ao judaísmo, através dacircuncisão ou de algum outro sinal que o identificasse comojudeu. Seja como for, a idéia de substituição, ou seja, Jesus assu-mindo o nosso lugar e nós o dele, já estava presente no argumen-to de Paulo e hoje é fundamental para a nossa fé. Cristo morreupor nós, pecadores. Logo, só foi possível para nós nos libertar-mos do cativeiro do pecado porque Cristo – e apenas por estarazão – assumiu a condição de pecador. Quando Jesus morreu,nós morremos junto com ele para o pecado (Rm 6.11; Cl 3.3).

Ali, na estrada para Damasco, o encontro com Jesus, antescrucificado e agora ressurreto, fez nascer na mente de Paulo (nãona mente de Deus!) a doutrina da justificação pela graça de Deus.Logo, Jesus não anulou a aliança do Sinai, ao contrário, ele acumpriu, pois cumpriu a própria lei dada por intermédio deMoisés.

Para completar nossa argumentação de que Jesus representa ocumprimento de toda a Escritura, resta-nos expor como Jesuscumpriu as promessas para Davi.

JESUS CUMPRIU A ESPERANÇA DE DAVI

Novamente nossa exposição envolve duas partes: na primeira,daremos destaque às diversas afirmações do Novo Testamentoque demonstram que Jesus cumpriu as promessas para Davi, e nasegunda, iremos considerar como Jesus cumpriu estas promessas.

Afirmações de cumprimento. No capítulo anterior vimosque o povo de Deus aguardava o cumprimento das promessasfeitas ao rei Davi. Deus havia prometido a Davi que seu des-cendente iria construir a casa de Deus, reinaria eternamente,seria para Deus um filho e teria sempre a misericórdia de Deus(2 Sm 7.12-16; já previsto em Gn 49.8-12). O salmo 72 desen-volve melhor esta última promessa, revelando que o filho de Davi

78 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

julgará com justiça e eqüidade. Além disso, este salmo acrescentauma quinta característica: a abrangência do seu reino pelo mundointeiro. Esta última característica remete à promessa de grandeza,de ser bênção para todos os povos (Gn 17.15-22; 49.8-10) e àmissão do Messias como luz das nações (Is 42.6; 49.6; 51.4).Transcrevemos abaixo todo o Salmo 72:

Salmo de Salomão1 Concede ao Rei, ó Deus, os teus juízos e a tua justiça ao

Filho do Rei.2 Julgue ele com justiça o teu povo, e os teus aflitos com

eqüidade.3 Os montes trarão paz ao povo, também as colinas a trarão,

com justiça.4 Julgue ele os aflitos do povo, salve os filhos dos

necessitados e esmague ao opressor.5 Ele permanecerá enquanto existir o sol, e enquanto durar a

lua, através das gerações.6 Seja ele como chuva que desce sobre a campina ceifada,

como aguaceiros que regam a terra.7 Floresça em seus dias o justo, e haja abundância de paz até

que cesse de haver lua.8 Domine ele de mar a mar, e desde o rio até aos confins da

terra.9 Curvem-se diante dele os habitantes do deserto, e os seus

inimigos lambam o pó.10 Paguem-lhe tributos os reis de Társis e das ilhas; os reis de

Sabá e de Sebá lhe ofereçam presentes.11 E todos os reis se prostrem perante ele; todas as nações o

sirvam.12 Porque ele acode ao necessitado que clama, e também ao

aflito e ao desvalido.13 Ele tem piedade do fraco e do necessitado, e salva a alma

aos indigentes.

A REALIZAÇÃO EM JESUS 79

14 Redime as suas almas da opressão e da violência, e preciosolhe é o sangue deles.

15 Viverá, e se lhe dará do ouro de Sabá; e continuamente sefará por ele oração, e o bendirão todos os dias.

16 Haja na terra abundância de cereais, que ondulem até aoscumes dos montes; seja a sua messe como o Líbano, e dascidades floresçam os habitantes como a erva da terra.

17 Subsista para sempre o seu nome e prospere enquantoresplandecer o sol; nele sejam abençoados todos oshomens, e as nações lhe chamem bem-aventurado.

18 Bendito seja o Senhor Deus, o Deus de Israel, que só eleopera prodígios.

19 Bendito para sempre o seu glorioso nome, e da sua glória seencha toda a terra. Amém e amém!

20 Findam as orações de Davi, filho de Jessé.

O Novo Testamento afirma que Jesus cumpriu cada uma dasseis características previstas para o Filho de Davi. Creio que nãohá necessidade de uma análise prolongada de todo o texto, já queele fala por si só. Vejamos então a seguir as afirmações relaciona-das às características do descendente prometido de Davi.

1. Jesus construiu a casa de Deus

Este disse: Posso destruir o santuário de Deus e reedificá-loem três dias. (Mt 26.61; cf. Mc 14.58)

Ora, o essencial das coisas que temos dito é que possuímostal sumo sacerdote, que se assentou à destra do trono daMajestade nos céus, como ministro do santuário e doverdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, não o homem.(Hb 8.1-2).

Aqui está quem é maior que o templo. (Mt 12.6)

Replicaram os judeus: Em quarenta e seis anos foiedificado este santuário, e tu, em três dias, o levantarás?Ele, porém, se referia ao santuário do seu corpo. Quando,

80 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

pois, Jesus ressuscitou dentre os mortos, lembraram-se osseus discípulos de que ele dissera isto; e creram naEscritura e na palavra de Jesus. (Jo 2.20-22)

E me transportou, em espírito, até a uma grande e elevadamontanha, e me mostrou a santa cidade, Jerusalém, quedescia do céu, da parte de Deus .... Nela não vi santuário,porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso,e o Cordeiro. (Ap 21.10, 22)

2. Jesus reina eternamente

Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo;Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai; elereinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinadonão terá fim. (Lc 1.32-33)

Mas, alcançando socorro de Deus, permaneço até ao diade hoje, dando testemunho, tanto a pequeno como agrande, nada dizendo senão o que os profetas e Moisésdisseram haver de acontecer, isto é, que o Cristo deviapadecer e, sendo o primeiro da ressurreição dos mortos,anunciaria a luz ao povo e aos gentios. (At 26.22-23;cf. 28.23).

Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste.(Cl 1.17)

Segundo o eterno propósito que estabeleceu em CristoJesus nosso Senhor. (Ef 3.11)

Pois desta maneira é que vos será amplamente suprida aentrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador JesusCristo. (2 Pe 1.11)

Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém delecomer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pelavida do mundo é a minha carne. (Jo 6.51; cf. 6.58;8.51-52; 11.26).

A REALIZAÇÃO EM JESUS 81

3. Jesus é o Filho de Deus e Deus é o seu Pai

E os que estavam no barco o adoraram, dizendo:Verdadeiramente és Filho de Deus! (Mt 14.33)

O centurião e os que com ele guardavam a Jesus, vendo oterremoto e tudo o que se passava, ficaram possuídos degrande temor e disseram: Verdadeiramente este era Filhode Deus. (Mt 27.54; cf. Mc 15.39)

Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.(Mc 1.1)

Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo,e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra;por isso também o ente santo que há de nascer seráchamado Filho de Deus. (Lc 1.35)

Pois eu, de fato vi, e tenho testificado que ele é o Filho deDeus. (Jo 1.34)

Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu oseu Filho unigênito, para que todo o que nele crê nãopereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou oseu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, maspara que o mundo fosse salvo por ele. Quem nele crênão é julgado; o que não crê já está julgado, porquantonão crê no nome do unigênito Filho de Deus.(Jo 3.16-18)

Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesusé o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhaisvida em seu nome. (Jo 20.31).

O Pai ama ao Filho, e todas as coisas tem confiado às suasmãos. (Jo 3.35)

Porque o Pai ama ao Filho, e lhe mostra tudo o que faz, emaiores obras do que estas lhe mostrará, para que vosmaravilheis. (Jo 5.20)

82 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

4. Ele terá sempre a misericórdia, ou graça, de Deus. Isto é, elejulgará com justiça e eqüidade.

Então lhe deram o livro do profeta Isaías, e, abrindo olivro, achou o lugar onde estava escrito: O Espírito doSenhor está sobre mim, pelo que me ungiu paraevangelizar aos pobres; enviou-me para proclamarlibertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, parapôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitáveldo Senhor. (Lc 4.17-19; é assim que Jesus interpreta suamissão.)

Mas, acerca do Filho: O teu trono, ó Deus, é para todo osempre; e: Cetro de eqüidade é o cetro do seu reino.Amaste a justiça e odiaste a iniqüidade; por isso, Deus, oteu Deus, te ungiu com o óleo de alegria como a nenhumdos teus companheiros. (Hb 1.8-9)

Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo,separado para o evangelho de Deus, o qual foi por Deusoutrora prometido por intermédio dos seus profetas nasSagradas Escrituras, com respeito a seu Filho, o qual,segundo a carne, veio da descendência de Davi.... visto quea justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, comoestá escrito: O justo viverá por fé. (Rm 1.1-3, 17)

Porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar omundo com justiça, por meio de um varão que destinou eacreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre osmortos. (At 17.31; cf. Rm 2.16 e 2 Tm 4.1)

5. O seu reino abrange o mundo inteiro. Ele é bênção para todosos povos da terra e sua missão é como luz para as nações.

Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, quenos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritualnas regiões celestiais em Cristo. (Ef 1.3)

Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se elepróprio maldição em nosso lugar, porque está escrito:

A REALIZAÇÃO EM JESUS 83

Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro; paraque a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em JesusCristo, a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espíritoprometido. (Gl 3.13-14)

A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceramcontra ela. Houve um homem enviado por Deus cujonome era João. Este veio como testemunha para quetestificasse a respeito da luz, a fim de todos virem a crerpor intermédio dele. Ele não era a luz, mas veio para quetestificasse da luz, a saber: a verdadeira luz, que, vinda aomundo, ilumina a todo homem. (Jo 1.5-9)

De novo lhes falava Jesus, dizendo: Eu sou a luz domundo; quem me segue não andará nas trevas; pelocontrário, terá a luz da vida. (Jo 8.12; cf. 9.5; 12.46)

Porque o Senhor assim no-lo determinou: Eu te constituípara luz dos gentios, a fim de que sejas para salvaçãoaté aos confins da terra. Os gentios, ouvindo isto,regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creramtodos os que haviam sido destinados para a vida eterna.(At 13.47-48, pregação de Paulo e Barnabé.)

...isto é, que o Cristo devia padecer e, sendo o primeiro daressurreição dos mortos, anunciaria a luz ao povo e aosgentios. (At 26.23, testemunho de Paulo.)

A cidade não precisa nem do sol, nem da lua para lhedarem claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e oCordeiro é a sua lâmpada. As nações andarão mediantea sua luz, e os reis da terra lhe trazem a sua glória.(Ap 21.23-24)

Enfim, o Novo Testamento testifica que Jesus é o verdadeiro,o esperado Filho de Davi, e o precioso Filho de Deus.

Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho deAbraão. (Mt 1.1; cf. 1.17)

84 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Partindo Jesus dali, seguiram-no dois cegos, clamando:Tem compaixão de nós, Filho de Davi! (Mt 9.27;cf. 15.22; 20.30-31)

E as multidões, tanto as que o precediam como as que oseguiam, clamavam: Hosana ao Filho de Davi! Bendito oque vem em nome do Senhor! Hosana nas maiores alturas!(Mt 21.9)

Mas o anjo lhe disse: Maria, não temas; porque achastegraça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz umfilho, a quem chamarás pelo nome de Jesus. Este serágrande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor,lhe dará o trono de Davi, seu pai. (Lc 1.30-32)

Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos testificar estas coisasàs igrejas. Eu sou a raiz e a geração de Davi, a brilhanteestrela da manhã. (Ap 22.16)

Como Jesus cumpriu as promessas para Davi. No AntigoTestamento lemos que este “Filho de Davi” será o rei “ungido”(Messias). A esperança de restauração divina através de um des-cendente de Davi preparou o caminho para a esperança messiânicae seu cumprimento encontrados no Novo Testamento. Tanto queJesus de Nazaré recebeu da igreja o título de Cristo, traduçãogrega do hebraico Messias, que significa “ungido”. Como vimosnas passagens citadas acima, a igreja primitiva entendeu que Jesusera o prometido e esperado Filho de Davi. Resta-nos elaborarcomo a igreja entendeu que Jesus cumpriu as promessas para Davi.

A resposta a esta questão não é difícil. Requer pouca explica-ção, como no caso do cumprimento da aliança do Sinai, menci-onado acima. Além disso, está implícita nos versículos já citados:Cristo cumpriu as promessas para Davi através da sua ressurrei-ção. Mas devemos perguntar também como a ressurreição de Cristocumpriu as promessas para Davi. Paulo reconheceu que Jesus erao verdadeiro filho de Davi pela ressurreição:

A REALIZAÇÃO EM JESUS 85

Com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veioda descendência de Davi e foi designado Filho de Deuscom poder, segundo o espírito de santidade, pelaressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nossoSenhor. (Rm 1.3-4; cf. 2 Tm 2.8)

Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita anossos pais, como Deus a cumpriu plenamente a nós, seusfilhos, ressuscitando a Jesus, como também está escrito noSalmo segundo: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei. E, queDeus o ressuscitou dentre os mortos para que jamaisvoltasse à corrupção, desta maneira o disse: E cumprirei avosso favor as santas e fiéis promessas feitas a Davi. Porisso, também diz em outro Salmo: Não permitirás que oteu Santo veja corrupção. Porque, na verdade, tendo Daviservido à sua própria geração, conforme o desígnio deDeus, adormeceu, foi para junto de seus pais e viucorrupção. Porém, aquele a quem Deus ressuscitou nãoviu corrupção. (At 13.32-37, pregação de Paulo;cf. At 2.25-32, pregação de Pedro.)

Por causa disto, alguns judeus me prenderam, estando euno templo, e tentaram matar-me. Mas, alcançando socorrode Deus, permaneço até ao dia de hoje, dandotestemunho, tanto a pequeno como a grande, nadadizendo, senão o que os profetas e Moisés disseram haverde acontecer, isto é, que o Cristo devia padecer e, sendo oprimeiro da ressurreição dos mortos, anunciaria a luz aopovo e aos gentios. (At 26.21-23, testemunho de Paulodiante do rei Agripa, Berenice e o governador Festo.)

O texto acima já estabelece a ligação: o Cristo, que é umareferência ao messias davídico, devia padecer e ser o primeiro naressurreição dos mortos. Logo, a ressurreição é o sinal mais im-portante do cumprimento da promessa de descendência para Davi.Por isso os grandes líderes do nascente movimento cristãorecorreram ao Salmo 16, assim como Paulo e Pedro em suas

86 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

pregações registradas em Atos 13.32-37 e 2.25-32. Na promessade descendência para Davi estava implícito que tal filho nãopermaneceria morto. Logo, a ressurreição de Jesus confirmou ocumprimento das promessas para Davi e o designou como“Filho de Deus com poder”, como lemos na primeira referênciaacima. (Rm 1.3-4)

CONCLUSÃO

Chegamos ao fim do capítulo mais longo de nossa exposição.Nosso propósito era demonstrar que o Messias, Jesus, cumpriutudo o que Deus havia prometido aos três personagens principaisdo Antigo Testamento, Abraão, Moisés e Davi. Todos os judeus– tanto os daquela época como os de hoje – encontram sua iden-tidade através dos grandes atos de Deus realizados na vida destestrês personagens. Qualquer esperança futura só poderia ser enten-dida como cumprimento das promessas feitas a eles – e Jesuscumpriu tais promessas.

O Novo Testamento fornece inúmeras evidências do cumpri-mento de tais promessas. É claro que é possível argumentar, comomuitos, de fato, o fazem, que os autores estavam equivocados.Em última análise, a veracidade do seu testemunho depende daveracidade da ressurreição em si. Assim como o apóstolo Paulo,temos que admitir de maneira honesta e humilde que:

Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a vossafé. (1 Co 15.14)

Ao mesmo tempo, se ele ressuscitou, então:

Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crêem mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crêem mim não morrerá, eternamente. Crês isto?(Jo 11.25-26)

A REALIZAÇÃO EM JESUS 87

Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que,segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para umaviva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristodentre os mortos, para uma herança incorruptível, semmácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros,que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé,para salvação preparada para revelar-se no último tempo.(1 Pe 1.3-5)

IMPLICAÇÕES MISSIONÁRIAS

O anúncio da ressurreição de Jesus se tornou o tema principalda mensagem missionária nascente, juntamente com a descriçãoda forma como ele morreu. Assim, a morte e a ressurreição deJesus se tornaram o cerne da mensagem missionária de todo ocristianismo antigo. A ressurreição estabeleceu definitivamente opapel singular de Jesus como o Filho ungido de Deus, que cum-priu as promessas feitas a seus servos Abraão, Moisés e Davi. Eleé o perfeito, o abençoado Filho de Deus, bênção e luz para todosos povos da terra. Diante de tal papel singular, podemos sugeriralgumas implicações baseadas no cumprimento por Jesus das pro-messas de Deus a Abraão, Moisés e Davi. Pois assim como aspromessas de Deus foram se afunilando através do povo de Deusaté chegar aos remanescentes, aos profetas, e finalmente a Jesus,semelhantemente, a partir de Cristo, tais promessas se ampliamaté chegar aos apóstolos, à igreja nascente e, no devido tempo, atodo o povo de Deus, espalhado pelo mundo inteiro.4

Povo abençoador, que quebra barreiras. Em primeiro lugar,quando Jesus cumpriu as promessas de Deus para Abraão, deixouum modelo para o povo de Deus. O primeiro verbo usado naBíblia para descrever um povo “missionário”, citado na promessade Deus para Abraão, não é “ir” nem “pregar”, por mais impor-tantes que sejam. O primeiro verbo empregado para caracterizar

88 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

um povo missionário é “abençoar”. E para abençoar, é necessárioprimeiro quebrar todas as barreiras erguidas entre os diversos po-vos e famílias do mundo. Jesus quebrou barreiras geográficas,sociais e étnicas, abrindo assim a porta para que a graça e a bênçãode Deus fluíssem entre as nações.

O final do Evangelho de Lucas, assim como o final dos ou-tros Evangelhos, alcança o seu clímax no desafio para os discípu-los continuarem o ministério de Jesus (quebrando também asbarreiras geográficas, sociais, étnicas e religiosas) e proclamaremsua morte e ressurreição. Em Lucas 24.48 lemos que Jesus disse aseus discípulos: “Vós sois testemunhas destas coisas”. A história,de fato, continua no livro de Atos, e a forma como Lucas concluio seu Evangelho e inicia o livro de Atos reflete tal continuidade(observe que o livro de Atos começa com a ordem de Jesus paraque seus discípulos sejam suas testemunhas). Mas a história con-tinua não só no livro de Atos, ela permanece através dos séculosaté os nossos dias. Deste modo, nossa fé não se baseia em mitosou experiências místicas (embora histórias lendárias e experiênci-as espirituais façam parte da ilustração e revelação da nossa fé),mas na obra de Deus ao longo da história e através dela. Nossafé resulta da atuação concreta de Deus na história econsequentemente na transformação integral do homem, emtodos os seus relacionamentos.

A quem o evangelho deve ser pregado? “A todas as nações”(Lc 24.47). No início de seu ministério, Jesus não permitiu queas barreiras geográficas o impedissem de levar o evangelho à ou-tras cidades. Semelhantemente, no final de seu ministério, eleexortou seus discípulos a serem suas testemunhas em todas asnações. Esta exortação serve também para nós. A responsabilida-de é nossa, mas é Deus quem nos capacita através do seu Espírito.Como os discípulos, devemos esperar até que Deus nos revista depoder (24.49) para podermos então abençoar os povos.

A REALIZAÇÃO EM JESUS 89

Além disto, devemos ter em mente que a dimensão da grandecomissão é tão larga quanto toda a humanidade, isto é, incluitoda a área geográfica, todas as classes sociais e todas as culturas. Aresponsabilidade é nossa. Quando Jesus disse, “vós sois testemu-nhas destas coisas”, ele incluiu todos os cristãos. É nossa responsa-bilidade levar o Evangelho a todas as nações. Se não o fizermos,deixaremos de ser igreja, pois enviar discípulos faz parte de suaprópria essência. Outro evangelista, João, enfatiza o fato de ser-mos testemunhas a todas as nações através de várias situações en-volvendo o verbo “enviar”. Mas a mais notável é a que se encon-tra em João 20.21b:

Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio.

Se por um lado o ministério de Jesus é único, ao mesmo tem-po serve como paradigma para o discipulado e para a açãomissionária. O verdadeiro “descendente” de Abraão tornou-semodelo para toda a igreja, isto é, para todos os cristãos, seus fi-lhos, que também são herdeiros da promessa e incumbidos deabençoar os povos:

E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão,e herdeiros segundo a promessa. (Gl 3.29)

Povo intercessor, que vive pela graça a via crucis. Emsegundo lugar, assim como Cristo assumiu o papel intercessóriode Israel no Sinai (Lc 6.12: orando a noite toda; Jo 17.18-21; Êx19.6), o povo de Deus recebeu a incumbência de interceder afavor dos povos (1 Pe 2.9-10; cf. Ef 6.18-19). Como Moisés ecomo Cristo, somos um povo que cultua e adora o único e ver-dadeiro Deus, o Criador do universo, e somos também um povocomprometido a perseverar no discipulado até o fim. Quanto asermos um povo adorador, Jesus nos ensinou que devemos cultuare adorar a Deus em todos os nossos passos. Um povo missionário

90 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

é um povo adorador, mas não simplesmente adorador, é um povoque adora a Deus, que engrandece o Rei do universo e ergue bemalto o seu santo nome. Quanto a sermos um povo comprometi-do, é bom lembrar que Jesus veio para cumprir a lei, não paraanulá-la. Obedecer a Deus e ser fiel aos seus mandatos não élegalismo! É assumir o discipulado, é assumir o compromissode perseverar até o fim. Legalismo é tentar fazer isto por contaprópria.

Foi isto que Jesus nos revelou e Paulo nos deixou explícito.Viver com Cristo é viver pela graça de Deus. É depender dele. Épermanecer firme e em total dependência dele. Enfim, é entre-gar-se a Jesus, como ele se entregou por nós até a morte. É trilhara via crucis. É reconhecer a nossa insuficiência e buscar a plenitudedo Espírito em nossas vidas. Paulo nos esclarece:

Sim, deveras considero tudo como perda, por causa dasublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meuSenhor; por amor do qual perdi todas as coisas e asconsidero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achadonele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão aque é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede deDeus, baseada na fé; para o conhecer, e o poder da suaressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos,conformando-me com ele na sua morte; para, dealgum modo, alcançar a ressurreição dentre os mortos.(Fp 3.8-11)

Somente assim daremos verdadeiro testemunho. Só assimnosso louvor será reconhecido como autêntico. E o mundo en-tão saberá que Cristo Jesus é o Senhor, para a glória de Deus.Jesus cumpriu a aliança dada por intermédio de Moisés e estabe-leceu um padrão de adoração, de oração, de compromisso e dedependência de Deus para seu povo. Seu povo é um povo que

A REALIZAÇÃO EM JESUS 91

adora a Deus, que é fiel e leal, e que vive pela graça. Com isto,engrandece a Deus e dá testemunho da sua grandeza e justiça di-ante de todos os povos da terra.

Povo do reino de Deus. Em terceiro lugar, como Jesuscumpriu as promessas de Deus para Davi, encarnando cada umadas características do prometido Filho de Davi, a igreja participado grande projeto de construir o seu reino no mundo. As caracte-rísticas do Filho de Davi têm implicações missionárias para o povode Deus. Recapitulando, essas características são as seguintes:1) o Filho de Davi construirá a casa de Deus; 2) ele reinará eterna-mente; 3) será para Deus um filho; 4) terá sempre a misericórdiade Deus e julgará com justiça e eqüidade; 5) o seu reino alcançaráo mundo inteiro. Vejamos agora como a igreja reflete estascaracterísticas:

1. A igreja é o corpo de Cristo e templo do Espírito Santo! Alinguagem é de Paulo, mas o conceito foi antecipado por Jesus(Jo 17; cf. Jo 11.49-52; Mt 16.18). A igreja atua como corpo deCristo (1 Co 12). É o lugar de verdadeiro culto e adoração aDeus. Deve ser resguardada de divisões (1 Co 3.16-17) e honradacomo edifício pelo qual Cristo deu a sua vida e onde os discípu-los se esforçam para amadurecer na fé conforme o modelo deCristo (Ef 4.7-14). Equipada desta maneira, a igreja é capaz deproclamar a verdade com amor (Ef 4.15) e tornar conhecida amultiforme sabedoria de Deus diante de todos os poderes destemundo, e até do mundo invisível (Ef 3.10-11).

2. A tarefa da igreja é eterna! Esta afirmação pode parecer es-tranha, especialmente quando se concebe missões como ganharpessoas para Cristo ou plantar igrejas. Mas a tarefa da igreja émais do que isto. Antes da sua ascensão, Jesus incumbiu seusseguidores de fazer discípulos e ensiná-los a “guardar tudo quantotenho ordenado” (Mt 28.20). Semelhantemente, Paulo entendeuque sua tarefa missionária era “conduzir as nações à obediência”

92 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

(Rm 15.18; cf. 16.26). Como vimos no Antigo Testamento, ofim da obediência é o culto autêntico a Deus. Se considerarmosque todos os povos estão incluídos no culto e na adoração a Deus,nossa dimensão de missão muda. Já não termina mais com avolta de Cristo, mas continua com a sua realização. A realizaçãoda missão relatada no Apocalipse e profetizada por Habacuque, éa adoração universal e multiétnica ao Cordeiro de Deus.

Pois a terra se encherá do conhecimento da glória doSenhor, como as águas cobrem o mar (Hc 2.14)

Depois destas coisas vi, e eis grande multidão queninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povose línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro,vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos; eclamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deus que seassenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação. Todosos anjos estavam de pé rodeando o trono, os anciãos e osquatro seres viventes, e, ante o trono se prostraram sobre osseus rostos, e adoraram a Deus, dizendo: Amém. O louvor,e a glória, e a sabedoria, e as ações de graça, e a honra, e opoder, e a força sejam ao nosso Deus pelos séculos dosséculos. Amém. (Ap 7.9-12; cf. 5.8-14)

Logo, não só é possível, como convém pensar em missõescomo uma tarefa literalmente sem fim. É claro que sua fase “ini-cial”, a de chamar pessoas para que se tornem seguidoras de Jesus,participem da comunidade de cristãos e vivam em prol do reinoda justiça de Deus, um dia irá terminar. Mas se pensarmos deforma um pouco mais abrangente, veremos que a tarefa de anun-ciar o evangelho – por si só um ato de adoração! – e o compro-misso de viver segundo a justiça de Deus em seu reino já inaugu-rado, não têm fim. Pois declararemos sua glória para sempre, epara sempre viveremos debaixo do seu governo de justiça. Cabe anós começarmos já esta tarefa!

A REALIZAÇÃO EM JESUS 93

Encontramos novamente, no final do Evangelho de Mateus,a promessa vinculada à incumbência missionária com a promessada presença do Senhor conosco até o fim! Este é o maior domconcedido à igreja, e é a maior e última promessa de Jesus, válidaaté os dias de hoje. Ela nos remete ao início do Evangelho e aonome recebido por Jesus, “Emanuel”,5 que é “Deus conosco”.Estas palavras estabelecem a ligação entre missões e o fim dostempos. Assim, missão pode ser entendida como uma expectati-va escatológica da realização plena do reino de Deus, no qual ajustiça definitivamente se instalará.

3. Somos adotados como filhos de Deus! É difícil imaginar umaposição mais preciosa diante de Deus que a posição de filho. As-sim como Jesus se dirigiu a Deus carinhosamente chamando-ode “papai” (Aba), nós também podemos ter tal intimidade com oCriador do universo. Através de Jesus, somos reconhecidos comofilhos do reino (Davi), filhos da aliança (Moisés) ou ainda comofilhos da fé (Abraão). Mas somos principalmente reconhecidoscomo filhos de Deus, filhos de sua criação, criados à imagem esemelhança do Pai (Gn 1.26). Este é o desejo de Deus paratoda a criação (2 Pe 3.9). O fundamento básico para missões éa humanidade original do ser humano como criatura e comofilho de Deus e o desejo da parte de Deus de restabelecer esterelacionamento.

Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seuFilho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgataros que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos aadoção de filhos. E, porque vós sois filhos, enviou Deus aosnossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba,Pai! (Gl 4.4-6)

Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, quenos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual

94 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheunele antes da fundação do mundo, para sermos santos eirrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinoupara ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo,segundo o beneplácito de sua vontade. (Ef 1.3-5)

Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus sãofilhos de Deus. Porque não recebestes o espírito deescravidão para viverdes outra vez atemorizados, masrecebestes o espírito de adoção, baseados no qualclamamos: Aba, Pai. O próprio Espírito testifica com onosso espírito que somos filhos de Deus. Ora, se somosfilhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo: se com ele sofrermos, para quetambém com ele sejamos glorificados. (Rm 8.14-17)

4. Justiça e graça são os valores centrais da igreja! O reino que oFilho de Davi veio estabelecer é um reino de justiça e eqüidade. Éo cetro previsto na exortação para obediência dada a Abraão(Gn 18.19; 22.18; 26.5), detalhado na lei da aliança dada a Moisés(Êx 20-23), e exemplificado parcialmente no reinado de Davi(2 Sm 8.15; cf. 1 Rs 3.6; 1 Cr 18.14) e plenamente no seu Filho(Is 9.7; Jr 23.5; 33.15; Ap 19.11). É o cetro do reino de Deus(Mt 6.33; Rm 14.17) e é também a nova condição daqueles queestão em Cristo (Ef 4.24; Fp 1.11; 2 Tm 3.16; 1 Jo 2.29). A luzdo evangelho, que brilha através do testemunho da igreja diantedo mundo, é viver pela justiça e pela graça de Deus. A exortaçãofinal de Jesus, de “guardar todas as coisas que vos tenho ordena-do” é uma alusão clara a Mateus 19.17. Em outros lugares, apare-ce resumidamente como “fazer justiça” (Mt 5.20; 6.33).

5. A igreja está aberta para o mundo inteiro! É significativo quea incumbência missionária venha imediatamente após a ressurrei-ção de Jesus e pouco antes de sua ascensão. A proclamação doevangelho é a proclamação do senhorio de Cristo. A obra

A REALIZAÇÃO EM JESUS 95

missionária é a manifestação do seu domínio universal. Isto seevidencia em todos os relatos da “Grande Comissão”, mas deforma especial em Mateus 28.18-20:

Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda aautoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto,fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nomedo Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os aguardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis queestou convosco todos os dias até a consumação do século.

Aqui, o verbo “ir” (“ide”) está relacionado ao verbo principal,“discipular”. Os dois juntos se referem a uma só ação, ou seja,fazer discípulos. O “ide” serve como reforço à ação expressa em“fazei discípulos”, acrescentando um sentido de urgência. Poderí-amos traduzir assim: “ide fazer discípulos”, ou numa forma maiscoloquial: “vá fazer discípulos!”. É a tarefa de chamar pessoas paraseguir a Cristo, portanto, e não a ação de se deslocar que é impor-tante. A obra missionária é trazer pessoas a Jesus, para o senhoriode Cristo, onde quer que estejam. Assim, é uma tarefa a ser cum-prida em cada lugar onde o senhorio de Jesus ainda não subme-teu todas as facetas da vida humana.

As “nações” (ethne) definem o alvo da missão. Este termo nãose refere apenas a grupos sociologicamente definidos como gru-pos étnicos. É também uma distinção religiosa, diferenciando ojudeu do não-judeu (como na tradução hebraica, gôyim). Masnem sempre é usado como referência aos gentios, algumas vezes éusado para se referir ao mundo inteiro (compare Mt 24.14;Mc 13.10; Mc 16.15; Mt 26.15), incluindo tanto os judeus comoos demais povos (Sl 72; Is 66; Ap 5.7). Assim, o discipulado sedestina a todas as pessoas do mundo inteiro, sem distinção.

Como o reino do Filho de Davi abrange o mundo inteiro, énecessário que o povo de Deus se ocupe de anunciar as Boas Novas

96 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

do reino de Deus em Cristo Jesus a todos os povos da terra(cf. Mt 24.14).

Perguntas para reflexão

1. Como a promessa de Deus para Abraão se cumpriu napessoa de Jesus de Nazaré?

2. Como a promessa de Deus para Moisés se cumpriu napessoa de Jesus de Nazaré?

2. Como a promessa de Deus para Davi se cumpriu napessoa de Jesus de Nazaré?

3. Qual o significado missiólogico do ministério de Jesus, deacordo com o relato do Evangelho de Lucas?

4. Qual o significado missiólogico da crucificação de Jesus?

5. Qual o significado missiólogico da ressurreição de Jesus?

6. Para realizar sua vocação missionária, como o povo deDeus pode ser um povo abençoador?

7. Para realizar sua vocação missionária, como o povo deDeus pode ser um povo intercessor?

8. Para realizar sua vocação missionária, como o povo deDeus pode ser um povo do reino?

A REALIZAÇÃO NA IGREJA 97

A REALIZAÇÃO NA IGREJACAPACITAÇÃO E ESTRATÉGIA

NO CAPÍTULO ANTERIOR discutimos a importância damorte e da ressurreição de Jesus para a missão da igreja nos dias dehoje. Baseamos nosso estudo principalmente no Evangelho deLucas. No presente capítulo, continuaremos seguindo o relato deLucas, porém, em seu segundo volume, o livro de “Atos dos Após-tolos”. Este livro dá continuidade à história de Jesus através davida e do testemunho da comunidade emergente de fé, capacita-da pelo Espírito Santo. No final do Evangelho de Lucas encon-tramos Jesus exortando seus seguidores a aguardarem a vinda doEspírito Santo. No início do livro de Atos, vemos a descida doEspírito Santo sobre os discípulos e o começo da expansãomissionária da igreja.

6.

98 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

O ESPÍRITO SANTO: CAPACITAÇÃO PARA O MINISTÉRIO

Não podemos subestimar a necessidade do poder do EspíritoSanto para a realização da grande comissão. Harry Boer, em seulivro Pentecost and Missions (Pentecostes e Missões),1 argumentade forma bíblica e irrefutável que a vinda do Espírito Santo, aexperiência de Pentecostes, dá vida e sentido à grande comissão.De fato, a grande comissão sem o Pentecostes não teria poderalgum e nem poderia ser cumprida. A vinda do Espírito é quepossibilita a realização desse mandamento. É estimulante ver ho-mens e mulheres que tiveram um encontro inesquecível com Je-sus respondendo ao mandamento de pregar o Evangelho, apósserem revestidos do poder do alto. Mesmo não entendendo per-feitamente a grande comissão, eles pregaram com convicção econseguiram resultados, pois o Espírito fez brotar neles um im-pulso irresistível de testemunhar.

Creio que atualmente, em muitas igrejas tradicionais, existemforças satânicas por trás do medo que sentem do poder do Espí-rito Santo. É claro que, algumas vezes, esse medo decorre dosabusos que vemos ao nosso redor. Mas, na maior parte das vezes,tememos a ação do Espírito em nossas vidas porque temos receiodo que isso poderá exigir de nós. A este respeito, Richard Lovelaceobserva em seu livro The Dynamics of the Spiritual Life (A Dinâ-mica da Vida Espiritual):2

Há uma estranha incapacidade entre os cristãos modernosde levar esta informação (sobre a realidade de Satanás) asério, e até mesmo uma insegurança entre os evangélicos(conservadores) de dar atenção a este assunto. A meu ver,nós relutamos não por se tratar de um assunto trivial,mórbido ou perigoso, mas porque estas forças têm acessoàs nossas mentes e podem tanto nos cegar da sua presençaquanto esconder o evangelho do mundo. O inferno

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conspira contra nós, e o primeiro pré-requisito de umaconspiração é permanecer na clandestinidade.

Por que o inimigo quer criar em nós este medo da atuação doEspírito Santo e fazer com que duvidemos da presença e do po-der do maligno? Porque com isso ele corta o nervo principal parao cumprimento de missões (ao afastar-nos do poder do Espírito)e ao mesmo tempo mantém oculta sua conspiração contra nós.

Autor e promotor de missões. O Pentecostes proporcionavida e sentido à tarefa evangelística da igreja. É o Pentecostes quepossibilita a ação missionária da igreja. Sem o Pentecostes, a igre-ja é quem estabelece sua própria agenda. No livro de Atos, é oEspírito que dá inicio à obra missionária (At 1.8). Mais do queisso, aprendemos pela leitura do livro de Atos que é o Espíritoquem promove e sustém o testemunho da comunidade da fé, emtodos os tempos. Observe a atuação do Espírito:

— No começo da igreja, trazendo 3.000 e depois 5.000convertidos (2.41, 44).

— Quando Pedro e os outros discípulos testemunharamcom ousadia, mesmo enfrentando perseguição (3.11-26).

— Entre os primeiros seguidores, fazendo com quevencessem o egoísmo e contribuíssem liberalmente para aobra do Senhor (4.32-37).

— Na ocasião da morte do primeiro mártir, demonstrandovitória gloriosa sobre a perseguição e vingança (6.8-7.60).

— Ao levar o evangelho de salvação ao primeiro lar gentio(11.12).

— Ao levar a mensagem de perdão até a Etiópia, alcançandoassim a África (8.29).

— Edificando firmemente as igrejas da Judéia, Galiléia eSamaria (9.31).

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— Preparando a maravilhosa igreja missionária de Antioquiapara o envio de missionários (11.22-26).

— Entre as primeiras comunidades cristãs, fazendo com queenviassem ajuda aos irmãos necessitados e levantassemcoletas, incentivadas pela profecia de Ágabo (11.28-29).

— Quando a igreja de Antioquia lançou seu programamissionário (13.2).

— Permitindo que Paulo vencesse seu primeiro inimigo,Elimas, em Chipre (13.9).

— Ao fazer com que os apóstolos se alegrassem pelaperseguição que estavam sofrendo em Antioquia daPisídia (13.52).

— Ao fazer os apóstolos reconhecerem a obra dos gentios,desobrigando-os da necessidade de cumprir a lei (15.28).

— Quando Paulo foi proibido de permanecer na Ásia e sedirigiu à Europa, um marco missionário significativo(16.6-10).

— Na escolha dos líderes para tomar conta da igreja localem Éfeso (20.28).

Assim, o Espírito Santo acompanhou todos os passos decisi-vos para a expansão missionária da igreja.

Poder para missões. O livro de Atos relata quatro ocasiõesem que o Espírito Santo foi derramado. Cada conquista, durantea expansão missionária, foi acompanhada por sinais milagrosos.A primeira foi a descida do Espírito no Pentecostes:

E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como defogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos ficaramcheios do Espírito Santo e passaram a falar em outraslínguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem ....Outros, porém, zombando, diziam: Estão embriagados!(2. 3, 4,13)

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A segunda foi quando o evangelho alcançou a primeira cidadenão-judia, Samaria:

Os quais, descendo para lá, oraram por eles para querecebessem o Espírito Santo; porquanto não havia aindadescido sobre nenhum deles, mas somente haviam sidobatizados em o nome do Senhor Jesus. Então, lhes impunhamas mãos e recebiam estes o Espírito Santo. (8.15-17)

A terceira foi quando Pedro pregou à primeira família gentia,a família de Cornélio, em Cesaréia:

Ainda Pedro falava estas coisas quando caiu o EspíritoSanto sobre todos os que ouviam a palavra. E os fiéis queeram da circuncisão, que vieram com Pedro, admiraram-se,porque também sobre os gentios foi derramado o dom doEspírito Santo. (10.44-45)

E, finalmente, a quarta foi quando Paulo explicou a diferençaentre o evangelho de Jesus e a pregação de João Batista:

Nesse meio tempo chegou a Éfeso um judeu, natural deAlexandria, chamado Apolo, homem eloqüente e poderosonas Escrituras. Era ele instruído no caminho do Senhor; e,sendo fervoroso de espírito, falava e ensinava com precisãoa respeito de Jesus, conhecendo apenas o batismo de João.Ele, pois, começou a falar ousadamente na sinagoga.Ouvindo-o, porém, Priscila e Áqüila, tomaram-no consigoe, com mais exatidão, lhe expuseram o caminho de Deus.Querendo ele percorrer a Acaia, animaram-no os irmãos eescreveram aos discípulos para o receberem. Tendochegado, auxiliou muito aqueles que, mediante a graça,haviam crido; porque com grande poder convenciapublicamente os judeus, provando, por meio dasEscrituras, que o Cristo é Jesus. (18.24-28)

Em cada uma dessas ocasiões o próprio Espírito Santo marcoude maneira milagrosa o começo de cada fase na tarefa missionária.E todas elas geraram frutos duradouros.

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O ESPÍRITO SANTO: ESTRATÉGIAS PARA O MINISTÉRIO

Uma estratégia geográfica. Atos 1.8 apresenta a estratégiageral para o crescimento do movimento cristão nascente. Trata-sede uma expansão “exterior”, que começa em Jerusalém, onde ocor-reram os eventos que culminaram na morte e ressurreição de Je-sus, e se espalha por toda Judéia e Samaria, em direção aos con-fins da terra. Desta maneira, aprendemos que a expansãomissionária, em termos geográficos, deve se tornar cada vez maisabrangente e alcançar as nações mais distantes.

Uma estratégia urbana. Encontramos também no livro deAtos o emprego de outra estratégia com característica urbana, ouseja, a evangelização de cidades-chave. O livro de Atos relata queFelipe se dirigiu a Samaria, Pedro a Cesaréia e Paulo às cidades-chave do Oriente Próximo e Europa. Isto permite concluir que oministério urbano não é uma prerrogativa da missiologia con-temporânea. Diante do crescimento cada vez maior da populaçãourbana mundial (14% da população em 1900, 40% em 1980 e50% em 2000) e brasileira (31% em 1940 e 68% em 1980; atéo ano de 2025, as Nações Unidas estimam que entre 80 e 90%da população latino-americana será urbana!) a tarefa missionárianão pode falhar. No Brasil, a migração para os centros urbanos,especialmente aqueles localizados na faixa litorânea, é praticadadesde o período colonial. Viana Moog, em seu livro, Bandeiran-tes e Pioneiros,3 registra que havia uma forte tendência da popula-ção em voltar às cidades litorâneas, apesar do crescente avançopara o oeste, em direção às regiões rurais. Tudo isso tem grandesimplicações para a obra missionária.

Pessoas-chaves. O livro de Atos menciona ainda uma outraestratégia, envolvendo a evangelização de pessoas-chave. QuandoPaulo foi a Chipre, tratou com o procônsul do país. Em Atenas(outro centro metropolitano) conversou com os filósofos, e

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alguns se converteram, entre eles um certo Dionísio, chamado “oareopagita” (cf. 17.18,34). Quando em Éfeso, Paulo trabalhoudurante dez anos entre os estudiosos da escola de Tirano. Comoresultado, “todos os habitantes da Ásia ouviram a palavra do Se-nhor, tanto judeus como gregos” (19.10). Que relatório! Felipetambém é um bom exemplo dessa estratégia, pois ao evangelizaro eunuco vindo da Etiópia, ele abriu o caminho para a entrada doevangelho na África.

Igrejas autóctones. O Espírito Santo orientou as igrejasrecém-fundadas para que fossem igrejas autóctones (20.28). Oprimeiro passo para se alcançar esse objetivo, e também o maisdifícil, é procurar desenvolver uma liderança local capacitada(20.29-31). Muito se tem falado, hoje em dia, sobre os três obje-tivos práticos e concretos para se alcançar autoctonia: autogoverno,auto-sustento e autopropagação. Isto significa que nenhuma igrejalocal (muito menos em nível denominacional) pode se dar porsatisfeita enquanto depender da ajuda financeira de outra igrejapara prover o sustento de seus obreiros ou desenvolver programasevangelísticos. Por outro lado, isto não quer dizer que as igrejasnão devam cooperar entre si ou apresentar um testemunhoem comum perante a comunidade. Prestar ajuda e cooperaçãosão atitudes não só positivas como essenciais para os cristãos (cf.Jo 17.20-21). Contudo, uma dependência que ultrapassa estestrês objetivos enfraquece a igreja e prejudica a eficácia e a integri-dade do seu testemunho na sociedade. Todos estes objetivos sãoimportantes, porém podemos dizer que os dois primeiros, demodo geral, concorrem para o máximo empenho do terceiro, oalcance evangelístico e missionário de cada comunidade cristã.É isto que procuramos destacar em nosso estudo, afinal esta éa essência da igreja. A igreja que não cumpre sua tarefamissionária não pode ser considerada igreja no sentido bíblico.

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Aliás, ela própria acaba se tornando um campo missionário. Pordesenvolverem uma liderança local, as primeiras comunidadescristãs dispunham de toda a infra-estrutura necessária para levaravante a evangelização do seu próprio povo. A igreja de Tessalônicaé um bom exemplo para nós. Observe o que Paulo escreve sobreela:

Porque de vós repercutiu a palavra do Senhor, não só naMacedônia e Acaia, mas por toda parte se divulgou a vossafé para com Deus, a tal ponto de não termos necessidadede acrescentar coisa alguma. (1 Ts 1.8)

Portanto, cada igreja deve procurar se libertar de qualquer de-pendência, desenvolver sua própria liderança, prover seu própriosustento e usar seus próprios recursos para os programas deevangelização e para a obra missionária.

Cabe aqui uma observação. O fato de uma igreja alcançar ostrês objetivos mencionados não garante sua autoctonia, emboraindique que esteja caminhando nesta direção. Algumas igrejas,embora se sustentem por si mesmas, se dirijam e pratiquem aevangelização, permanecem dependentes de suas igrejas de ori-gem, no sentido de manterem seus conceitos e aplicações do evan-gelho conforme as determinações impostas por tais igrejas. Oproblema é que na maior parte das vezes, as igrejas de origemdesconhecem o contexto cultural e social onde estão inseridas es-tas novas igrejas. Não estou sugerindo que cada igreja devareelaborar todas as suas doutrinas e conceitos. Longe disso! Creioque o Espírito Santo continua vivo e atuante, liderando a igrejade Cristo através da história na expressão da sua fé. Porém, aaplicação do evangelho pode variar de acordo com as diferentessituações culturais, sociais e históricas. Os problemas enfrentadospelos brasileiros são diferentes dos problemas que afetam os nor-te-americanos ou europeus. Isto também se aplica aos nigerianos

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ou indianos. As igrejas de origem podem e devem ajudar as novasigrejas a entenderem a revelação de Deus aos homens. Contudo,a interpretação e aplicação dessa mensagem é tarefa das novas igre-jas, dentro dos seus próprios contextos. Quando estas igrejas as-sumirem seu próprio sacerdócio e ouvirem o que Deus tem paralhes dizer através das Escrituras, em seu próprio contexto, estarãoperto de obter sua autoctonia (mais ainda, poderão ajudar as igre-jas de origem a aplicar melhor o evangelho dentro de seu própriocontexto cultural).

A união cristã como alvo e instrumento missionário. Nolivro de Atos encontramos também um outro princípio missio-nário essencial: a união cristã. Em uma cultura altamente indivi-dualizada como a nossa, é especialmente importante sublinhar aimportância da união cristã para um evangelismo efetivo e autên-tico. Repare que a união dos fiéis (2.44,46; 4.24,32) leva à intre-pidez diante dos homens (2.37-41; 4.29,31) e ao temor diantede Deus (2.43; 4.31). O livro de Atos revela que Deus operavamilagres através do Espírito Santo (2.43; 4.22,30) e a igreja tantoanunciava o evangelho (2.40,41,47; 4.29,32,33) quanto atendiaàs necessidades físicas das pessoas (2.45; 4.32,34,35). Estas são asmarcas de uma igreja missionária: união, intrepidez, temor a Deus,milagres, evangelismo e ação social!

A união da igreja não é apenas um belo ideal a ser alcançadocom certa facilidade. Ao contrário, precisamos nos esforçar paraalcançá-la (Ef 4.3) e preservá-la. Esta união é uma exigência práti-ca e visível por razões teológicas, mas invisível na maioria dasvezes. (Ef 4.4-6). A união Exige sacrifício e até certo sofrimento,mas nos prepara para o combate pela fé evangélica (Fp 1.27-30).Não deve ser apenas uma união teórica (”nós somos irmãos,embora não concordemos...”), mas união de pensamento,sentimento, amor e humildade (Fp 2.1-4). Só iremos alcançá-laà medida que seguirmos o exemplo de Jesus Cristo (Fp 2.5-11).

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Sem dúvida, a união do povo de Deus é uma das estratégias maiscríticas para o cumprimento da obra missionária que o Senhornos confiou e o Espírito Santo viabilizou.

IMPLICAÇÕES MISSIONÁRIAS

Há ainda outros aspectos do ministério do Espírito para aexpansão missionária da igreja que poderiam ser analisados.Talvez o leitor se sinta motivado a estudar mais sobre esse assun-to, depois do que vimos aqui. A observação principal que se podededuzir deste breve resumo é que missões estão intimamente li-gadas à obra e à manifestação do Espírito Santo. Isto significa quea igreja nunca deve superestimar sua capacidade de testemunharao mundo. Pelo contrário, ela deve aguardar a capacitação do Es-pírito Santo. Até mesmo os ministérios “carismáticos” ou“pentecostais” muitas vezes se esquecem desta observação básica,porém crucial. A obra missionária nunca deve ser avaliada peloscritérios ocidentais de “sucesso” e administração eficiente. Trata-se de uma tarefa que depende do mover do Espírito, que a comu-nidade de fé deve aguardar enquanto busca a unidade e a maturi-dade no culto ao Senhor. O Espírito é o autor e o promotor daobra missionária, é ele quem concede o poder e a estratégia pararealizá-la.

Perguntas para reflexão

1. Qual o papel exercido pelo Espírito Santo na obramissionária?

2. Cite algumas estratégias missionárias que podemosperceber pela leitura do livro de Atos dos Apóstolos.

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A REALIZAÇÃO EM PAULOVOCAÇÃO, TEOLOGIA E MISSÃO

NO LIVRO DE ATOS dos Apóstolos, Lucas põe em evidênciao chamado de Paulo e o seu ministério entre os demais líderes noinício do movimento cristão. O cânon do Novo Testamentoconfirma o reconhecimento adquirido por este apóstolo na igrejaprimitiva. Estes dois motivos nos levaram a focalizar, em nossareflexão sobre as epístolas, o chamado, a teologia e a práticamissionária de Paulo. É interessante observar que o entendimen-to teológico de Paulo se desenvolveu a partir de sua práticamissionária que, por sua vez, resultou de um chamado missi-onário transformador. Faríamos bem hoje, se lembrássemosdesse elo inseparável entre a vocação, a prática e a teologiamissionária.

7.

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A VOCAÇÃO MISSIONÁRIA DE PAULO:GÁLATAS 1.13-16

Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora nojudaísmo, como sobremaneira perseguia eu a igreja deDeus e a devastava. E, na minha nação, quanto aojudaísmo, avantajava-me a muitos da minha idade, sendoextremamente zeloso das tradições de meus pais. Quando,porém, ao que me separou antes de eu nascer e mechamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim,para que eu o pregasse entre os gentios...

Paulo recebeu um chamado específico para pregar o evangelhoentre os gentios (Gl 1.16; Rm 1.1; 11.13), ou entre as nações, ouentre os grupos étnicos do mundo mediterrâneo. Como “judeu dosjudeus”, cuja ambição era exterminar um grupo de judeus “hereges”,que mais tarde seriam conhecidos como “cristãos” (At 9.1-9;Gl 1.13-16; 3.6-14), seu encontro com o Jesus ressurreto na estradapara Damasco transformou totalmente sua perspectiva e lhe deuum senso escatológico de urgência (1 Co 9.16-17) para comple-tar a proclamação do Evangelho. O chamado de Paulo para se-guir a Cristo foi também um chamado para proclamar as BoasNovas aos povos do mundo. Ele estava convicto de que aqueleera o tempo, profetizado anteriormente, em que Deus iria iniciaruma nova era messiânica na história humana. Nessa nova era a leiseria inscrita nos corações dos homens e os gentios incluídos nasbênçãos de Deus. O “judeu dos judeus”, ultraconservador e zelo-so, havia se transformado no Apóstolo de Deus para os gentios.

A TEOLOGIA MISSIONÁRIA DE PAULO:ROMANOS 15.7-13

Portanto, acolhei-vos uns aos outros, como também Cristonos acolheu para a glória de Deus. Digo, pois, que Cristo foi

A REALIZAÇÃO EM PAULO 109

constituído ministro da circuncisão, em prol da verdade de Deus,para confirmar as promessas feitas aos nossos pais; e para que osgentios glorifiquem a Deus por causa da sua misericórdia, comoestá escrito: Por isso eu te glorificarei entre os gentios e cantareilouvores ao teu nome. E também diz: Alegrai-vos, ó gentios, como seu povo. E ainda: Louvai ao Senhor, vós todos os gentios, etodos os povos o louvem. Também Isaías diz: Haverá a raiz deJessé, aquele que se levanta para governar os gentios; nele os gen-tios esperarão. E o Deus da esperança vos encha de todo o gozo epaz no vosso crer, para que sejais ricos de esperança no poder doEspírito Santo.

Paulo era um homem de fé, intensamente devoto, e umteólogo conservador e comprometido antes de seu encontro comCristo. Grande parte da sua teologia permaneceu intacta mesmodepois desse encontro, haja vista seu entendimento sobre a sobe-rania de Deus, sua visão das Escrituras e sua compreensão do com-portamento de um justo. No entanto, pontos cruciais do seuentendimento teológico anterior, como sua perspectiva da lei eda escatologia, sofreram uma transformação radical. No centrodestas transformações, e no centro de toda teologia paulina, en-contra-se sua nova perspectiva sobre a morte e a ressurreição deJesus. Ele entendeu que embora a morte de Jesus numa cruz fosseloucura para os gregos e uma pedra de tropeço para os judeus,para os que estavam sendo salvos era o poder e a sabedoria deDeus (1 Co 1.23). A crucificação e a ressurreição passaram a seruma nova forma de compreender a vida cristã.

Porque nós, que vivemos, somos sempre entregues à mortepor causa de Jesus, para que também a vida de Jesus semanifeste em nossa carne mortal. De modo que em nósopera a morte, mas em vós, a vida. Tendo, porém, omesmo espírito da fé, como está escrito: Eu cri; por isso éque falei. Também nós cremos; por isso também falamos,

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sabendo que aquele que ressuscitou ao Senhor Jesustambém nos ressuscitará com Jesus e nos apresentaráconvosco. (2 Co 4.11-14; cf. Cl 3.1-4)

Do ponto de vista de Paulo, a crucificação tinha importânciaespecial para os gentios, assim como a ressurreição para os judeus.Em Romanos 15.7-13 Paulo cita várias vezes o Antigo Testa-mento para demonstrar a validade deste pensamento.

A ressurreição para os judeus. Para os judeus, a ressurreição era a“prova” de que Jesus era aquele que ele mesmo dizia ser, o Messiasesperado, o Filho de Davi, que veio para cumprir as promessas deDeus aos judeus. Tanto o livro de Daniel como a literaturaapocalíptica judaica (2 Enoque 44.5, cf. O Testamento de Abraão12-14) fazem referência à ressurreição de indivíduos como evi-dência da vindicação de Deus para com seu povo escolhido, povoque havia sido oprimido pelos babilônios, depois pelos gregos eagora estava sob o jugo romano. A convicção comum era de queDeus iria, de fato, vindicar seu povo. Israel não pereceria, os jus-tos receberiam sua merecida recompensa e os ímpios seriam pu-nidos. Israel se tornaria uma luz para os gentios. Esta é, em parte,a razão que levou Paulo a citar Isaías 11.10 em Romanos 15.12.1

A crucificação para os gentios. Para os não-judeus, a crucificação(Gl 3.6-14) se tornou o paradigma para sua inclusão no povo deDeus. Como a crucificação era um tremendo escândalo paraos judeus, o fato de Deus ter usado este meio para iniciar umanova era escatológica de salvação para todos os povos era ummistério revelado a Paulo (Rm 16.25-27; Ef 3.1-6). Em Gálatas3.6-14 Paulo estabelece a ligação entre a ressurreição e a crucifica-ção e a bênção de Abraão, citando uma passagem do AntigoTestamento:

Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se elepróprio maldição em nosso lugar, porque está escrito:

A REALIZAÇÃO EM PAULO 111

Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro;para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, emJesus Cristo, a fim de que recebêssemos pela fé o Espíritoprometido. (Gl 3.13, Paulo citandoDeuteronômio 21.23.)

Para um judeu, tornar-se maldito significava ter as bênçãos daaliança canceladas e ser expulso da aliança, ou seja, colocar-se nacondição de gentio e pecador. As leis judaicas que regulavam ospadrões de pureza e impureza proibiam a exposição de cadáverespendurados nos madeiros (veja novamente Dt 21.23). Por isso,devido à forma como Jesus morreu, pela crucificação, os judeusentendiam que Deus o havia rejeitado, considerando-o como gen-tio, portanto, fora da aliança. É justamente por isso que Paulo,antes da sua conversão, perseguiu tão violentamente os cristãos,pois eles negavam o ensinamento claro da Lei, pela qual Jesus eratão impuro quanto um pecador gentio. Com certeza o encontrode Paulo com o Jesus ressuscitado na estrada para Damasco trans-tornou seu raciocínio, simplesmente porque a ressurreição, pordefinição, era evidência da vindicação por parte de Deus de umjusto injustamente condenado. Imediatamente, ou depois de al-gum tempo – não temos como saber –, Paulo concluiu que Deusestava agora favorecendo aquele que antes era tido como amaldi-çoado: o pecador fora da aliança, ou seja, o gentio. Aquela seria aera em que os gentios seriam incluídos no povo de Deus. A eraque havia sido prevista pelos profetas, especialmente na passagemde Isaías 66.

Portanto, a crucificação e a ressurreição são elementoscruciais na teologia de Paulo, pois mudaram radicalmentesua perspectiva escatológica em relação aos gentios (e tam-bém quanto à lei) dentro do plano redentor de Deus parao mundo.

112 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

A PRÁTICA MISSIONÁRIA DE PAULO:ROMANOS 15.14-21

E certo estou, meus irmãos, sim, eu mesmo, a vosso respeito,de que estais possuídos de bondade, cheios de todo o conheci-mento, aptos para vos admoestardes uns aos outros. Entretantovos escrevi em parte mais ousadamente, como para vos trazer istode novo à memória, por causa da graça que me foi outorgada porDeus, para que eu seja ministro de Cristo Jesus entre os gentios,no sagrado encargo de anunciar o evangelho de Deus, de modoque a oferta deles seja aceitável, uma vez santificada pelo EspíritoSanto. Tenho, pois, motivo de gloriar-me em Cristo Jesus nascoisas concernentes a Deus. Porque não ousarei discorrer sobrecoisa alguma, senão daquelas que Cristo fez por meu intermédio,para conduzir os gentios à obediência, por palavra e por obras,por força de sinais e prodígios, pelo poder do Espírito Santo; demaneira que, desde Jerusalém e circunvizinhanças, até ao Ilírico,tenho divulgado o evangelho de Cristo, esforçando-me, destemodo, por pregar o evangelho, não onde Cristo já fora anuncia-do, para não edificar sobre fundamento alheio; antes, como estáescrito: Hão de vê-lo aqueles que não tiveram notícia dele, ecompreendê-lo os que nada tinham ouvido a seu respeito.

Uma missão inclusiva (“desde Jerusalém e circunvizinhanças,até o Ilírico”, 15.19). Quem são os beneficiários dos eventosescatológicos que cercaram a morte e a ressurreição de Jesus? Pri-meiro os judeus, mas também os gregos, ou as nações (Rm 1.16).As nações glorificam a Deus por sua misericórdia (Rm 15.9)porque também são beneficiárias dessa misericórdia prometi-da a Abraão tempos atrás (Gn 12.3). Nos capítulos 9-11 deRomanos, Paulo já havia discorrido longamente sobre o grandemovimento dos gentios entrando na igreja. Portanto, o fato deDeus estender sua misericórdia aos gentios e eles prontamente

A REALIZAÇÃO EM PAULO 113

a aceitarem é a razão para a evangelização mundial. Hoje é odia. Deus mesmo tomou a iniciativa. A razão para a evangelizaçãomundial não está na carência da humanidade, ou em sua necessi-dade de Deus ou em nosso amor por aqueles que não o conhe-cem. A razão para a evangelização mundial está firmemente arrai-gada na iniciativa e na misericórdia de Deus, reveladas e realizadasem Cristo. Os povos estão vindo para Cristo! Portanto, o evan-gelho precisa ser proclamado. Paulo acreditava que antes que oúltimo capítulo da história humana fosse escrito, tanto judeusquanto gentios experimentariam a graça salvadora de Deus emJesus Cristo.

Embora não seja possível decifrar os detalhes específicos desseplano, podemos perceber que ele segue um padrão. Primeiro, ocumprimento presente das promessas de Deus feitas no passadopara os judeus e através deles, depois, a realização da misericórdiaescatológica futura sobre as nações, e, finalmente, “completandoo círculo”, a salvação plena, tanto para as nações gentias quantopara Israel.

Este é o contexto maior do chamado de Paulo para o ministé-rio. Ele nunca perdeu de vista o alvo último de seu ministério, asalvação e a reconciliação final em Cristo entre judeus e gentios.Sua paixão era testemunhar às nações sobre a graça salvadora deJesus Cristo e colocar tanto judeus quanto gentios diante do tro-no de Deus, evidência de que o seu tempo era o capítulo final dahistória humana. Esse é também o nosso tempo.

Uma missão priorizada (“tenho divulgado o evangelho deCristo”, 15.19). Paulo desejava ir à Espanha para proclamar oevangelho “onde Cristo ainda não era conhecido” (15.20, NVI).Esta frase reflete um princípio fundamental da prática missionáriade Paulo. Ele literalmente “circulou” por todo o mundo gentio,“preenchendo” os espaços vazios existentes nas regiões onde a igrejaainda não havia sido estabelecida. Assim, ele concentrou seus

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esforços evangelísticos nas regiões de outra sorte negligenciadas.E para garantir que a idéia de “alcançar os menos evangelizados”não fosse percebida como uma referência passageira, Paulo cita oprofeta Isaías, que havia profetizado sobre o impacto mundial davinda do Servo Sofredor, dizendo:

Hão de vê-lo aqueles que não tiveram notícia dele, ecompreendê-lo os que nada tinham ouvido a seu respeito.(Rm 15.21; cf. Is 52.15).

Atualmente, o alvo evangelístico não se limita a estabelecerigrejas em cada país do mundo (cerca de 250 países). Hoje,fala-se mais especificamente em estabelecer igrejas fortes entretodos os povos ou etnias do mundo (estima-se que existamcerca de 12 mil etnias no mundo). Pelo menos 500 gruposétnicos nunca ouviram a mensagem do evangelho, o que re-presenta aproximadamente um bilhão de pessoas. Em termospráticos, isto significa que cada vez mais é preciso enviar mis-sionários para as regiões de maior necessidade e treinar as for-ças missionárias emergentes situadas fora do hemisfério nortepara fazerem o mesmo. Precisamos perguntar novamente ondeficam as áreas e os povos com maior carência. Talvez estejambem próximos, ou talvez distantes. A evangelização mundialdeve começar pelas regiões mais carentes, não necessariamentepelas regiões mais distantes.

Uma missão apoiada (“pois espero que, de passagem, estareiconvosco e que para lá seja por vós encaminhado, depois de haverprimeiro desfrutado um pouco a vossa companhia”, 15. 24). Pauloescreveu sua carta aos Romanos porque acreditava que a igreja erao instrumento primário para a obra missionária. Ele esperava queesta igreja (assim como outras igrejas) se tornasse a base do traba-lho missionário na região, como as igrejas em Antioquia e Filiposhaviam se tornado. De fato, a linguagem utilizada em Romanos15.24, “seja por vós encaminhado”, emprega a terminologia

A REALIZAÇÃO EM PAULO 115

missiológica própria do cristianismo primitivo para o envio esustento de missionários. Além disso, a estratégia de “preencher oque falta”, pressupõe que as igrejas locais deveriam evangelizar asregiões circunvizinhas e apoiar Paulo em seus esforços para am-pliar as fronteiras da igreja. É interessante observar que Paulo, o“apóstolo dos povos”, sempre retornava a Jerusalém para prestarrelatório sobre seu trabalho à igreja-mãe judaico-cristã. A baseteológica para isto se encontra em Efésios 3.10: é através do teste-munho da igreja diante de todas as pessoas e dos poderes destemundo que o evangelho será conhecido. Não é à toa que Paulo, omissionário, dedicava muitas horas de seu ministério ao cuidadopastoral. De fato, em suas cartas ele raramente faz menção a estra-tégias ou programas missionários (como na passagem de Roma-nos 15), mas sempre enfatiza os assuntos pastorais. A razão paraisso é que Paulo não era apenas um pioneiro de novos caminhos,era também um capacitador. Paulo entendia a obra missionáriacomo tarefa da igreja, portanto as igrejas implantadas por ele de-veriam praticar sua fé como testemunho da nova era estabelecidapor Deus em Cristo Jesus. Emil Brunner disse: “A igreja existepara missões assim como o fogo existe para queimar”.

Capacitar outros a se tornarem fiéis seguidores de Jesus Cristoe bons evangelistas é crucial para a obra missionária. Ensino eevangelismo caminham de mãos dadas, assim como a obramissionária e o testemunho da igreja local.

IMPLICAÇÕES MISSIONÁRIAS

O exemplo de Paulo serve de paradigma desafiador para oscristãos modernos, que se deixam levar pelo pragmatismopara depois tentar legitimar teologicamente seus programas.As convicções teológicas de Paulo forneciam a base para suaação missionária. Algumas destas convicções (por exemplo, a

116 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

soberania de Deus e seu amor para com o mundo) já existiamantes mesmo do seu encontro com Cristo, pois ele era um ho-mem intensamente religioso e absolutamente fiel à sua compre-ensão de Deus. Outras tiveram que passar por algumas modifica-ções (sua escatologia e perspectiva da lei) e outras ainda sofreramacréscimos (sua cristologia e especialmente sua avaliação da cruz).Mas sua ação missionária refletia todas estas convicções, e estasguiavam sua trajetória.

É importante observar também a natureza explicitamentemissionária do encontro de Paulo com Jesus. A conversão de Paulo,como ele mesmo testemunhou, não foi tanto uma transforma-ção de caráter (como nos acostumamos a pensar na conversão), jáque antes de seu encontro com Jesus sua conduta era irrepreensível(cf. Fp 3.6). Ele não passou do peso da culpa para o esplendor daglória, como alguns gostariam de interpretar sua conversão. Defato, houve uma transformação, mas uma transformação pro-funda na sua perspectiva e orientação de vida (em torno de Cris-to). Essa mudança foi de tal magnitude que, em comparação,Paulo passou a considerar “perda” (“estrume”) tudo aquilo queantes via como qualidade. Sua transformação não foi tanto umaconversão “pessoal” ou uma forma de “endireitar sua própria vida”quanto um chamado missionário para trazer outros a Cristo, es-pecialmente todos aqueles que antes eram considerados não-ju-deus e impuros. Através de Cristo, eles agora seriam incluídos nopovo de Deus e na vida da igreja. Que visão maravilhosa de con-versão! (ou deveríamos dizer “que visão realmente bíblica de con-versão!”) De certo modo, Paulo começou a cumprir o papel dadoa Abraão em Gênesis 12.3 (“em ti serão benditas todas as famíliasda terra”), papel assumido pela igreja por séculos e agora atribuí-do a você e a mim.

A REALIZAÇÃO EM PAULO 117

Perguntas para reflexão

1. Depois do encontro com Jesus na estrada para Damasco,o que mudou na perspectiva teológica de Paulo? O quenão mudou?

2. Quais são as principais estratégias missionárias de Paulo?Procure identificar outras estratégias de Paulo que nãoforam mencionadas neste capítulo.

3. Qual a relação entre a teologia de Paulo e suas estratégiasmissionárias?

4. De que maneira a vocação missionária de Paulo servecomo modelo para nós? Em que aspecto ela se aplicaunicamente a Paulo?

A PERSPECTIVAUNIVERSAL DA BÍBLIA

MISSÃO ATÉ O FIM

JESUS CONFIRMOU A perspectiva missionária universaldo Antigo Testamento. Ele ensinou que, no último dia, “muitosvirão do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e tomarãolugares à mesa no reino de Deus” (Lc 13.29). As bênçãos do reinode Deus são para todos os povos do mundo. A descrição do reinocomo uma “festa” é muito preciosa aqui, mas antes da sua realiza-ção, é necessário enviar convites às nações para que os convidadospossam vir à festa. Este é o trabalho missionário. Os que estãolonge se aproximam, os estranhos se tornam filhos e aqueles queantes estavam sem esperança, agora festejam no reino de Deus!(cf. Ef 2.11-13).

8.

120 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Os convidados herdam o reino. Jesus ensinou que os gentiosnão só estarão entre os convidados como também herdarão oreino de Deus, junto com os judeus crentes (Mt 21.43). Estaverdade também foi revelada a Paulo (cf. At 26.16-18). Assimcomo Jesus mandou seus discípulos “colherem” os gentios para oreino de Deus, hoje também ele nos envia para “colher” as naçõese trazê-las para seu domínio.

Missão cumprida. Quando os discípulos perguntaram a Jesusqual seria o sinal (no singular) da sua volta e da consumação desteperíodo intermediário (Mt 24.3), ele primeiro apresentou umalista de todos os sinais (no plural) que precederiam sua volta aolongo da história (Mt 24.4-12) para depois responder à perguntadeles (agora no singular):

E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo,para testemunho a todas as nações. Então virá o fim.(Mt 24.14)

Jesus afirmou claramente que o evangelho será pregado emtodo o mundo até pouco antes da sua volta. Mas quem irá pre-gar? Seus enviados, seus missionários. Nós somos os precursoresda vinda de Cristo. Quando nós – você e eu – que somos seusseguidores, nos dispusermos a responder ao seu chamado e levar-mos o evangelho até aos confins da terra, então este mesmo Jesusvoltará.

Portanto, a tarefa missionária deve ser cumprida até o fim.Devemos esperar pela gloriosa volta de Jesus e pela consumaçãodos séculos, porém não de braços cruzados. Por isso, quando, emoutra ocasião, os discípulos perguntaram a Jesus quando se dariaa restauração do reino, sua resposta não foi diferente – evangelizemo mundo (At 1.6-8). Não nos preocupemos, pois, com os sinais(plural) da sua vinda (épocas, tempos etc.), mas com um sinal(singular) apenas: a pregação do reino a todas as nações.

A PERSPECTIVA UNIVERSAL DA BÍBLIA 121

Assim como Deus planejou perfeitamente a primeira vinda deJesus, também está preparando todos os passos para a sua volta,que é a esperança da igreja. Tudo está sendo dirigido para esteglorioso e apoteótico acontecimento da história. A volta de Jesusfoi prevista pelos profetas, confirmada pelo próprio Senhor e pro-clamada pelos apóstolos. Todos os sinais apontam em sua dire-ção. Resta apenas o cumprimento do sinal – e esta é uma tarefaque cabe a nós.

Por que a tarefa missionária é tão importante para a volta deCristo? Porque através dela será demonstrado definitivamente oalcance universal do amor de Deus, e sua glória e louvor serãoreconhecidos por todos os povos da terra.

Depois destas coisas vi, e eis grande multidão queninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povose línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro,vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos; eclamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deus que seassenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação.(Ap 7.9-10)

E entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar olivro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com oteu sangue compraste para Deus os que procedem de todatribo, língua, povo e nação, e para o nosso Deus osconstituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra.(Ap 5.9-10)

O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seuCristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos. (Ap 11.15b)

Procuramos enfatizar através de tudo que foi exposto nestelivro o alcance universal do evangelho. Do mesmo modo que aBíblia começa com um escopo universal – Deus criando os céus ea terra e assim preparando o palco mais amplo possível para “mis-sões” –, ela termina no mesmo tom: a visão gloriosa do reino e a

122 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

confirmação de que a salvação pela graça é oferecida a todos,universalmente.

A graça do Senhor Jesus seja com todos. (Ap 22.21)

Perguntas para reflexão

1. Qual será o grande sinal da volta de Cristo e daconsumação dos séculos?

2. Qual o papel do povo de Deus no retorno de Cristo?

3. Podemos “apressar” a vinda de Cristo? Há algumapassagem bíblica que confirme isto? 4. A idéia de“apressar” a vinda de Cristo não se contrapõe ao conceitode soberania de Deus? Como então interpretar o textobíblico que diz: “a respeito daquele dia e hora ninguémsabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão o Pai”(Mt 24.36; cf. At 1.7)?

5. Qual a tarefa da igreja até que venha o final dos tempos(At 1.6-8)?

CONCLUSÃO 123

CONCLUSÃO

CHEGAMOS AO FIM DA nossa exposição. Esperamos quetudo que foi colocado aqui proporcione ao leitor maior entendi-mento e inspiração e o desafie a assumir um compromisso commissões. Antes de concluirmos, restam-nos algumas observaçõesfinais.

Dois movimentos em relação ao mundo. Ao longo denosso estudo, pudemos notar a existência de dois movimentosentre o povo de Deus, um interno e outro externo. O movimen-to interno parte da promessa e da injunção por Deus como umpovo peculiar, desenvolvendo o espírito de comunidade pelo exer-cício dos talentos e através dos diversos tipos de liderança exerci-dos pelos discípulos de Jesus dentro da igreja. O movimento ex-terno parte da promessa e da incumbência por parte de Deus paraque esse povo abençoe os outros povos da terra, interceda em seufavor, demonstre a justiça de Deus em suas comunidades e

124 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

anuncie a salvação em Cristo Jesus. O fortalecimento interno é,ao mesmo tempo, uma capacitação para o testemunho externo.

Outros autores também falam de dois movimentos, mas deforma um pouco diferente. Alguns falam de dois enfoques histó-ricos na narrativa bíblica: um particular e outro universal. De acordocom esta perspectiva, os capítulos 1 a 11 de Gênesis e o livro deApocalipse teriam um enfoque universal, enquanto que o restoda Bíblia relata uma história “particular”, ora de Israel, ora daigreja. Em nossa abordagem consideramos a preocupação univer-sal de Deus como uma constante ao longo de toda a Bíblia, mes-mo quando seu relato enfoca aspectos específicos da história deIsrael. Isto também implica um conceito dinâmico de aliança ede eleição, em que o propósito do acordo (aliança) e do chamado(eleição) de Deus não se esgotam no povo escolhido e designadopor ele, como acontece na interpretação estática destes conceitos.Creio que através de toda a revelação bíblica, Deus sempre mani-festou sua preocupação por toda a criação. Seu alvo maior é omundo. Por trás do conceito de povo escolhido está o propósitode alcançar todos os povos da terra.

Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu oseu Filho unigênito, para que todo o que nele crê nãopereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou oseu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, maspara que o mundo fosse salvo por ele. (Jo 3.16-17)

Outros autores mencionam dois movimentos bem maispróximos da idéia que analisamos aqui. Trata-se um movimentocentrípeto e outro centrífugo. Segundo esta perspectiva, o AntigoTestamento manifesta, grosso modo, um movimentocentrípeto (dirigido ou voltado para o centro), enquantoque o Novo Testamento manifesta um movimento centrífugo(que se afasta do centro). Em ambos, vemos o povo de Deus se

CONCLUSÃO 125

relacionando com outros povos, mas de modo diferente. NoAntigo Testamento, o povo de Deus atrai os outros povos para siatravés do seu culto e do seu testemunho. Já no Novo Testamen-to, o povo de Deus sai em busca dos outros povos. Esta perspec-tiva é semelhante àquela que defendemos, mas novamente acha-mos mais acertada a observação de que o povo de Deus sempreteve a incumbência de crescer internamente para poder assim aben-çoar todos os povos da terra.

A diferença fundamental entre o Antigo e o Novo Testamentose encontra principalmente no êxito do povo de Deus em cumprira incumbência de Deus. A ênfase geral no Antigo Testamentoestá no fracasso do povo de Deus, embora contenha grandes exem-plos de obediência e fidelidade. O enfoque do Novo Testamentoestá no êxito do povo de Deus, capacitado pelo seu Espírito etransformado pela cruz e ressurreição de Jesus. Ao mesmo tem-po, o Novo Testamento está cheio de exemplos de fracasso e de-sobediência, tanto entre os discípulos de Jesus, quanto nas igrejascitadas nas Epístolas e no livro de Apocalipse. Esta última obser-vação deve nos deixar sóbrios e cautelosos em relação ao empre-endimento que nos foi delegado. Na verdade, nenhum esquema,particular ou universal, centrípeto ou centrífugo, interno ou ex-terno, pode ser aplicado se não houver qualificação. Eles apenasnos ajudam a manter uma visão panorâmica da relação do povode Deus com as nações do mundo, através das Escrituras.

Duas posturas em relação a Deus. Nossa exposição remeteconstantemente a dois tipos de relacionamento entre Deus e seupovo. De um lado esse relacionamento envolve compromisso eobediência, de outro, promessa e graça. É importante frisar queessas duas atitudes não são antagônicas, como a tradição protes-tante geralmente interpreta os conceitos de lei e graça. O erroocorre na forma como é interpretado o ponto de vista de Paulo,

126 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

negligenciando-se a dimensão escatológica da discussão. Paulo, porexemplo, jamais desprezou a lei, no sentido de um compromissoque envolve comportamentos bem definidos. Jesus mesmo afir-mou que ele não veio para anular a lei, e sim, cumpri-la. Comodiz a profecia de Jeremias (31.31-37), a partir de Jesus a lei assu-miu uma outra dimensão. Ela agora é interiorizada, e assim in-tensificada; não diminuída, muito menos anulada. Por isso, a leiescrita, que separava o povo de Deus dos outros povos na antigadispensação, não serve mais como critério para distinguir o povode Deus dos outros povos na nova dispensação. Mas a igreja con-tinua com a incumbência de refletir o caráter justo e santo deDeus e por isto continua debaixo do compromisso de obedecer aDeus e viver de modo digno. Somente os aspectos da lei da anti-ga dispensação usados para distinguir os judeus no sentido étni-co, como a circuncisão, as leis alimentícias e a observância dosábado é que são efetivamente adaptados aos crentes gentios nanova dispensação.

Portanto, obediência e compromisso não são característicasexclusivas da antiga dispensação. A igreja é chamada a “seguir” aJesus, a obedecer a “lei de Cristo” e a ser “fiel” ao seu compromis-so até o fim. Recebe também a ordem de fazer discípulos de to-das as nações. Da mesma forma, a graça não é característica exclu-siva da nova dispensação. Vimos que Abraão, como outras gran-des figuras do Antigo Testamento, foi eleito sem mérito próprio.A relação de Deus com seu povo é uma relação de promessa,desde o início até o fim. É interessante observar que a “GrandeComissão” (Mt 28.19-20) contém não só uma ordem, mastambém uma promessa, a promessa de que Cristo estaráconosco até o fim. Missão envolve compromisso e obediência,como a vida cristã em geral. Exige resolução e esforço total.Mas depende fundamentalmente da graça e da promessa de Deus.

CONCLUSÃO 127

Se separarmos esses elementos, estaremos comprometendo omistério da operação de Deus em nossas vidas. Cabe a nós nosesforçarmos totalmente, mas em completa dependência de Deus.Estas atitudes não são antagônicas. São os dois lados da mesmamoeda.

NOTAS

Capítulo 1

1. Construção emprestada provavelmente da gramática egípcia. O sufixomais comum era –âi, que significa “meu”, e Adon denotava um deusparticular de um indivíduo ou uma nação.

2. Aqui Paulo traduz o hebraico adonái (Senhor de tudo) para o gregokúrios e aplica-o à pessoa de Jesus, indicando que o Deus de toda acriação, Jeová, é de fato o próprio Jesus de Nazaré!

Capítulo 2

1. Efésios 6.1-3 ilustra bem a reinterpretação pela igreja primitiva dateologia de uma terra específica. Aqui Paulo amplia a promessaespecífica de Deuteronômio 5.16 e Êxodo 20.12 – “para que seprolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá” – e apromessa que não se limita a um só local geográfico – “para que tevá bem, e sejas de longa vida sobre a terra”.

130 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Capítulo 5

1. Filósofo e historiador judeu importante, Filon nasceu cerca de 10-15a.C. e morreu cerca de 45-50 d.C.

2. Para uma explicação mais detalhada, veja o artigo de minha autoria“A apocalíptica judaica e o evangelho de Paulo”, em Vox Scripturae.Revista Teológica Brasileira, n. 2, 1996, p. 175-204.

3. Paulo emprega a expressão cerca de 117 vezes. Além disso, só éencontrada quatro vezes em 1 Pedro (2.21; 3.16; 5.10, 14), uma vezem Tiago (2.1), uma vez em 1 João (5.20) e uma vez em Judas (1.1).Não se encontra nem nos Evangelhos, nem na carta aos Hebreus, nemno livro de Apocalipse.

4. A figura de dois funis, um se estreitando até Jesus e outro se abrindopara abranger todo o povo de Deus em todos os tempos e em todosos lugares, foi popularizada por Oscar Cullmann. Veja, por exemplo,Christ and Time (Philadelphia: Westminster, 1964), Salvation in History(Londres: SCM, 1967) e Das Origens do Evangelho à Formação daTeologia Cristã (São Paulo: Novo Século, 2000).

5. Ligado ao conceito rabínico de Shekinah, com uma missão perigosa(cf. Js 1.5; Is 43.2, 5).

Capítulo 6

1. 5 ed. Grand Rapids: Eerdmans, 1979.

2. Grand Rapids: Eerdmans, 1979.

3. Trad. L. L. Barrett. New York: George Braziller, 1964.

Capítulo 7

1. Ver o encontro de Paulo com Jesus ressurreto (muito judeu, “hebreudos hebreus”) como o marco que levou à reinterpretação de Jesuscomo o “fim” (cumprimento) da lei (Rm 10.4, cf. a introdução à cartaaos Romanos e Colossenses 2.11-12).

CONCLUSÃO 131

BIBLIOGRAFIA

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132 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

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WINTER, Ralph D., HAWTHORNE, Steven C. Missõestransculturais; uma perspectiva bíblica. 1 ed. Trad. CarlosSiepierski e Márcio Loureiro Redondo. São Paulo: MundoCristão, 1987.

CONCLUSÃO 133

AGRADECIMENTOS

QUERO AGRADECER EM especial ao reverendo ElbenMagalhães Lenz César por sua amizade ao longo dos últimos quasevinte e dois anos. Sempre pudemos falar de modo franco efraterno sobre a fé e sobre as coisas da vida. Quando tento pôrem prática as admoestações bíblicas de fé e de visão missionária,incentivado pela palavra do apóstolo Paulo, que disse: “Sede meusimitadores, como também eu sou de Cristo” (1 Co 11.1), en-contro em Elben um bom exemplo que me impulsiona a seguiro supremo modelo e Senhor, Cristo Jesus.

Também reconheço minha dívida às várias igrejas e ins-tituições de ensino teológico nas quais tive o privilégio de falarda antiga promessa de Deus a Abraão – de abençoar todos ospovos do mundo – e isso, através da salvação lhes oferecida emJesus Cristo e anunciada por nós! A primeira e principal das esco-las foi o Centro Evangélico de Missões, em Viçosa, MG. Entre asoutras citam-se:

134 A VISÃO MISSIONÁRIA NA BÍBLIA

Centro de Treinamento Missionário da JOCUM(Belo Horizonte, MG)

Centro de Treinamento Missionário da Missão Antioquia(Vale da Bênção, SP)

Centro de Treinamento Missionário do Nordeste(João Pessoa, PB)

Centro de Treinamento Missionário do Norte (Natal, RN)

Fuller Theological Seminary, School of Intercultural Studies(Califórnia, EUA)

Instituto Batista de Educação Religiosa (Florianópolis, SC)

Instituto Bíblico das Assembléias de Deus(Pindamonhangaba, SP)

Instituto Bíblico do Norte (Garanhuns, PE)

Instituto Bíblico Eduardo Lane (Patrocínio, MG)

Pittsburgh Theological Seminary (Pittsburgh, EUA)

Seminário Presbiteriano do Norte (Recife, PE)

Seminário Presbiteriano do Sul (Campinas, SP)

Seminário Teológico Batista Independente (Campinas, SP)

Seminário Teológico Batista Independente (Feira de Santana, BA)

Seminário Teológico da Missão Antioquia (Vale da Bênção, SP)

Seminário Teológico de Fortaleza (Fortaleza, CE)

Seminário Teológico de Gramado (Gramado, RS)

Seminário Teológico Jovens de Verdade (Arujá, SP)

Seminário Teológico Nazareno (Campinas, SP)

Seminário Teológico Pentecostal do Nordeste (Recife, PE)

Seminário Teológico Servo de Cristo (São Paulo, SP)

Seminário Teológico Sul-Americano (Londrina, PR)

Universidade Mackenzie, Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper (São Paulo, SP)

E, hoje, o Centro de Treinamento Missionário – Sul, emFlorianópolis, SC, da Igreja Presbiteriana Independente doBrasil.

CONCLUSÃO 135

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