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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
ESCOLA DE ENFERMAGEM
CAROLINA LUIZA BERNARDES
A VIVNCIA DOS TRABALHADORES DE ENFERMAGEM
QUE SOFRERAM ACIDENTE COM FLUIDO BIOLGICO:
UM OLHAR FENOMENOLGICO
So Paulo
2014
CAROLINA LUIZA BERNARDES
A VIVNCIA DOS TRABALHADORES DE ENFERMAGEM
QUE SOFRERAM ACIDENTE COM FLUIDO BIOLGICO:
UM OLHAR FENOMENOLGICO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Gerenciamento em Enfermagem da
Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo
para obteno do ttulo de Mestre em Cincias
rea de Concentrao: Fundamentos e Prticas de
Gerenciamento em Enfermagem e em Sade.
Orientadora:
Prof. Dr. Patrcia Campos Pavan Baptista
So Paulo
2014
Autorizo a reproduo total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa desde que citada
fonte.
Assinatura: ______________________________ Data: ____/____/_____
Catalogao na Publicao (CIP)
Biblioteca Wanda de Aguiar Horta
Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo
Bernardes, Carolina Luiza
A vivncia dos trabalhadores de enfermagem que sofreram
acidente com fludo biolgico: um olhar fenomenolgico / Carolina
Luiza Bernardes. So Paulo, 2014.
96 p.
Dissertao (Mestrado) Escola de Enfermagem da Universidade
de So Paulo.
Orientadora: Prof. Dr. Patrcia Campos Pavan Baptista
rea de concentrao: Fundamentos e Prticas de Gerenciamento
em Enfermagem e em Sade
1. Enfermagem. 2. Agentes biolgicos. 3. Pesquisa qualitativa. I.
Ttulo.
FOLHA DE APROVAO
Nome: Carolina Luiza Bernardes
Titulo: A vivncia dos trabalhadores de enfermagem que sofreram acidente
com fluido biolgico: um olhar fenomenolgico.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Gerenciamento em Enfermagem da
Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo
para obteno do ttulo de Mestre em Cincias.
Aprovado em: ____/____/____
Banca Examinadora
Prof. Dr.: ___________________________ Instituio: _____________________
Julgamento: ________________________ Assinatura: ____________________
Prof. Dr.: ___________________________ Instituio: _____________________
Julgamento: ________________________ Assinatura: ____________________
Prof. Dr.: ___________________________ Instituio: _____________________
Julgamento: ________________________ Assinatura: ____________________
Dedicatria
Aos meus pais Lincoln e Maria pelo amor
incondicional, e por terem nos mostrado o brilhante
caminho dos estudos.
A minha irm Amlia pela dedicao e
companheirismo.
A minha irm Natlia por estar sempre to perto
mesmo estando longe.
A minha tia e madrinha Mrcia pelo carinho
dedicado a ns.
AGRADECIMENTOS
A Nossa Senhora Aparecida pela Graa alcanada.
A Profa. Patrcia Campos Pavan Baptista pelas orientaes, por ter possibilitado
meu ingresso no Mestrado e por contribuir de forma significativa com o meu
trabalho e meu crescimento como pesquisadora.
A Profa. Vanda Elisa Andres Felli pela experincia e palavras sbias durante as
reunies do grupo de pesquisa.
As Profas Arlete Silva e Miriam Merigui pelas valiosas contribuies durante o
exame de qualificao.
Aos pesquisadores do grupo de pesquisa pelo coleguismo e aprendizado
compartilhado durante nossas reunies.
A equipe do SESMT Dr. Eduardo Costa S e aos enfermeiros Thatiana Fernanda
Coa, Ruth Munhoz, Elza Leandro da Silva, Ricardo Roslindo e Vania Germinia
Andrade pelo apoio, receptividade e ajuda durante todo o Mestrado.
As trabalhadoras de enfermagem que por meio do relato de suas vivencias
possibilitaram a reflexo e elaborao deste trabalho.
A Clotilde Aparecida C. Silva da Biblioteca da Escola de Enfermagem pelo seu
brilhante trabalho.
Ao fotgrafo Lincoln Bernardes que gentilmente cedeu suas fotos para publicao
neste trabalho.
A Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo pelo financiamento
deste estudo.
O ente que temos a tarefa de analisar somos ns
mesmos. O ser deste ente sempre e cada vez meu.
Martin Heidegger
Bernardes CL. A vivncia dos trabalhadores de enfermagem que sofreram
acidente com fluido biolgico: um olhar fenomenolgico [dissertao]. So
Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de So Paulo; 2014.
RESUMO
A exposio ocupacional aos fluidos biolgicos inerente ao trabalho
desempenhado pela equipe de enfermagem durante a realizao da
assistncia, tornando o trabalhador susceptvel a ocorrncia de acidentes e
exposto aos fluidos corporais que podem conter diferentes patgenos
causadores de doenas como HIV, Hepatite B e C. Trata-se de um estudo de
natureza qualitativa que objetivou compreender a experincia do acidente com
fluido biolgico e da assistncia prestada aos trabalhadores de enfermagem,
considerando suas necessidades de cuidado. Foram realizadas entrevistas
individuais a partir da seguinte questo norteadora: Conte-me como foi para
voc ter se acidentado com fluido biolgico?. Os discursos foram analisados
luz do Referencial de Martin Heidegger onde surgiram as seguintes Unificaes
Ontolgicas: Ser no mundo vivenciando a acidente com fluido biolgico; A
angstia por ter se acidentado com fluido biolgico; As necessidades
manifestas pelas trabalhadoras de enfermagem aps o acidente com material
biolgico: vivenciando o cuidado autntico; Vivenciando o cuidado inautntico e
a impessoalidade aps o acidente de trabalho com material biolgico;
Superao e reorganizao do trabalho por meio da transcendncia. Os
resultados demonstram que aps o acidente com fluido biolgico as
trabalhadoras vivenciam a angstia e a assistncia trabalhadora acidentada
efetiva quanto ao acompanhamento clnico e ambulatorial por meio do
protocolo de atendimento, porm ele no aborda questes consideradas
fundamentais no ponto de vista do sujeito que sofre o acidente.
Palavras-chave: Enfermagem. Exposio ocupacional. Agentes biolgicos.
Pesquisa qualitativa.
Bernardes CL. The experience of nursing staff who had accidents with
biological fluid: a phenomenological look [dissertation]. So Paulo: Escola de
Enfermagem, Universidade de So Paulo; 2014.
ABSTRACT
Occupational exposure to biological fluids is inherent in the work performed by
the nursing staff during the implementation of assistance, making the worker
liable to accidents and exposed to body fluids that may contain various
pathogens causing diseases like HIV, Hepatitis B and C. This is a qualitative
study that aimed to understand the experience of the accident with biological
fluid and assistance to the nursing staff, considering their care needs. Individual
interviews were conducted with the following question: "Tell me how it was for
you to have crashed with biological fluid?. The reports were analyzed in the
light of Martin Heidegger Referential where Ontological Unifications following
emerged: Being in the world experiencing the accident with biological fluid ; The
anguish because you are injured in biological fluid ; The manifest need for
nursing workers after the accident with biological material : experiencing
authentic care ; Experiencing care inauthentic and impersonality after work
accident with biological material ; Resilience and reorganization of work through
transcendence . The results show that after the accident with biological fluid
workers experience distress and assisting rugged working is effective for clinical
and outpatient follow- through care protocol, but it does not address
fundamental issues considered in view of the individual who suffers the accident
.
Keywords: Nursing. Occupational exposure. Biological Agents. Qualitative
research.
SUMRIO
Dedicatria
Agradecimentos
Resumo
Abstract
1. INTRODUO ........................................................................................................... 11
1.1 O despertar para a temtica ............................................................................ 12
1.2 Inquietaes e o objetivo do estudo ................................................................ 13
2. REVISITANDO CONCEITOS ................................................................................... 15
2.1 O trabalhador de enfermagem e o acidente com fluido biolgico .................. 16
2.2 A assistncia ao trabalhador acidentado com fluido biolgico:
notificao do acidente, profilaxia aps a exposio e monitoramento
do trabalhador .................................................................................................. 22
3. OPTANDO PELO MTODO QUALITATIVO FENOMENOLGICO ...................... 29
4. CAMINHO METODOLGICO .................................................................................. 33
4.1 Tipo de pesquisa ............................................................................................. 34
4.2 Sujeitos da pesquisa ....................................................................................... 34
4.3 Regio de inqurito ......................................................................................... 35
4.4 Procedimento para coleta de dados ............................................................... 35
4.5 Aspectos ticos ............................................................................................... 35
4.6 O caminho para a Anlise dos discursos ........................................................ 36
5. APRESENTANDO OS RESULTADOS .................................................................... 37
5.1 Conhecendo as trabalhadoras de enfermagem que sofreram acidente
com fluido biolgico ......................................................................................... 38
5.2 Unificaes Ontolgicas ................................................................................... 39
5.2.1 Ser no mundo vivenciando o acidente com fluido biolgico ................... 39
5.2.2 A angstia por ter se acidentado com fluido biolgico ........................... 43
5.2.3 As necessidades manifestas pelas trabalhadoras de enfermagem
aps o acidente com fluido biolgico: vivenciando o cuidado
autntico .................................................................................................. 47
5.2.4 Vivenciando o cuidado inautntico e a impessoalidade aps o
acidente de trabalho com fluido biolgico ............................................... 51
5.2.5 Superao e reorganizao do trabalho por meio da
transcendncia ........................................................................................ 54
6. DISCUSSO .............................................................................................................. 58
7. DESVELANDO O FENMENO ................................................................................ 73
8. REFERNCIAS ......................................................................................................... 78
9. APNDICES .............................................................................................................. 87
10. ANEXOS .................................................................................................................. 91
1. INTRODUO
Introduo
12
1.1 O despertar para a temtica
Iniciei minha trajetria profissional no ano de 2009, em uma unidade
de emergncia de um hospital escola, considerado o maior complexo hospitalar
da Amrica Latina. O primeiro contato foi marcante, inmeros pacientes com
diferentes patologias e um avano tecnolgico dirio exigindo constante
atualizao por parte de todos os trabalhadores.
No decorrer da minha atuao fui me inquietando com as questes
relativas suscetibilidade aos acidentes de trabalho, em especial aos
acidentes com fluidos biolgicos, considerando a rotina frentica, a alta
demanda de pacientes e o trabalho intenso devido rapidez nos atendimentos
e a gravidade das emergncias. Inmeras vezes compartilhei o desgaste de
colegas aps um acidente de trabalho com fluido biolgico, tendo em vista a
incerteza relacionada ao estado de sade dos pacientes e, frequentemente a
ausncia de exames sorolgicos, por se tratar de uma unidade emergencial.
importante ressaltar que o trabalhador imerso em seu cotidiano de
trabalho ao se deparar com uma situao inesperada necessita de apoio
institucional no sentido de facilitar seu acesso ao atendimento rpido e que lhe
proporcione segurana e acolhimento em um momento to angustiante.
Entretanto, minha experincia profissional permitiu-me a percepo de que os
servios nem sempre tm uniformidade nas orientaes e no atendimento
desses trabalhadores, decorrente de dvidas acerca dos protocolos, gerando
ansiedade e agravando ainda mais o contexto vivencial dos trabalhadores
acidentados.
Outro fator observado foi a subnotificao dos acidentes pelos
profissionais expostos, o que pode estar relacionado ao medo da exposio no
ambiente laboral, punies como a perda do emprego, e a prpria falta de
informaes acerca do protocolo preconizado na instituio.
inegvel o avano no conhecimento sobre os acidentes com
fluidos biolgicos, nas pesquisas quantitativas e qualitativas, que abordam no
Introduo
13
apenas os dados referentes ocorrncia dos acidentes como os sentimentos
vivenciados pelos trabalhadores, porm ainda problemtica a situao dos
trabalhadores de enfermagem quanto notificao dos acidentes, o
seguimento do protocolo, o que pode indicar uma assistncia ineficaz ao
trabalhador e uma fragilidade nos sistemas de vigilncia de notificao desses
acidentes.
Nesse aspecto, esta pesquisa surge com o intuito de desvelar o
fenmeno ser trabalhador de enfermagem e ter se acidentado com fluido
biolgico, considerando as lacunas existentes acerca da assistncia prestada
ao trabalhador acidentado bem como suas necessidades de cuidado.
Considerando que por meio da investigao fenomenolgica possvel
descobrir os significados ocultos vivenciados por cada indivduo em
determinada situao e suas repercusses para sua vida profissional, social e
afetiva, acredito que este estudo poder subsidiar mudanas relacionadas
assistncia prestada aos trabalhadores de enfermagem vtimas de acidentes
com fluidos biolgicos.
A seguir apresento as inquietaes que me conduziram realizao
da presente pesquisa.
1.2 Inquietaes e o objetivo do estudo
Diante da experincia vivenciada durante minha atuao na Unidade
de Pronto Socorro, surgiram algumas inquietaes acerca das vivncias dos
trabalhadores que se acidentaram com fluidos biolgicos:
Em que contexto de trabalho os acidentes com fluido biolgico
ocorrem?
Como a assistncia prestada ao trabalhador acidentado com
fluido biolgico?
Introduo
14
Quais so as necessidades de cuidado manifestas pelos
trabalhadores de enfermagem acidentados?
Quais as dificuldades encontradas pelos trabalhadores que se
acidentaram com fluido biolgico?
Este estudo tem como objetivo compreender a experincia do
acidente com fluido biolgico e da assistncia prestada aos trabalhadores
de enfermagem, considerando suas necessidades de cuidado.
Compreender a vivncia dos trabalhadores de enfermagem que se
acidentaram com fluidos biolgicos poder desvelar o sentido do acidente para
o trabalhador no tocante assistncia recebida fornecendo subsdios para o
desenvolvimento de medidas de proteo sade do trabalhador, indicando as
possveis lacunas no processo de atendimento que podem favorecer a
subnotificao desses acidentes bem como o no seguimento do tratamento
por parte dos trabalhadores tendo em vista a melhoria da assistncia aos
trabalhadores vitimados com esta natureza de acidente e o desenvolvimento de
estratgias para a criao de um sistema eficaz de vigilncia e monitoramento
dos acidentes de trabalho com fluidos biolgicos.
Dessa forma, considero importante apresentar ao leitor o contexto
atual dos acidentes de trabalho com fluido biolgico nos trabalhadores de
enfermagem. O captulo a seguir prope uma reviso de literatura.
2. REVISITANDO CONCEITOS
Revisitando Conceitos
16
2.1 O trabalhador de enfermagem e o acidente com fluido biolgico
Os trabalhadores de enfermagem esto expostos s cargas
biolgicas, qumicas, fsicas, fisiolgicas e psquicas durante o processo de
trabalho. Partindo-se da abordagem histrica da sade do trabalhador de
enfermagem, durante o processo de trabalho essas cargas interagem entre si e
com o corpo do trabalhador podendo gerar processos de desgaste, inclusive
com perda da capacidade laboral (Laurell,Noriega,1989).
Os acidentes de trabalho so formas de expresso do desgaste do
trabalhador. Ao sofrer um acidente ocupacional o trabalhador exposto s
cargas biolgicas devido ao contato direto com fluidos biolgicos seja atravs
de respingos, perfurao da pele ou contato com mucosas, s cargas
mecnicas devido aos cortes e rompimento da soluo de continuidade da pele
nos casos de acidentes com perfurocortantes e as cargas psquicas muitas
vezes subjugadas pelos prprios profissionais e relacionada aos sentimentos
vivenciados durante e aps o acidente ((Felli,Tronchin 2010).
De acordo com a Lei n 8.213/91, acidente de trabalho o que
ocorre pelo exerccio do trabalho a servio da empresa ou pelo exerccio do
trabalho dos segurados, provocando leso corporal ou perturbao funcional
que cause a morte, perda ou reduo, permanente ou temporria, da
capacidade para o trabalho (Brasil, 1991).
Durante a realizao da assistncia de enfermagem devido
manipulao de materiais como lminas, cateteres, sondas e na execuo de
procedimentos invasivos o trabalhador entra em contato direto com fluidos
orgnicos e secrees tornando-se susceptvel ocorrncia de acidentes que o
expe a patgenos causadores de doenas como os vrus HIV, hepatite B e C
(Pinheiro, Zeitoune, 2008; Marziale, Nishimura, 2003).
Entre os acidentes causados por fluido biolgico entre a sua maioria
esto aqueles com materiais perfurocortantes e a categoria profissional mais
atingida, a dos auxiliares de enfermagem. O maior nmero de acidentes
Revisitando Conceitos
17
ocorre durante a realizao de procedimentos, cuidados ao paciente no leito
como puno venosa, aspirao e administrao de medicamentos. As
literaturas nacionais e internacionais apontam que as mos foram a parte do
corpo mais envolvida em acidentes (Mbaisi et al.,2013; Gomes et al.,2009;
Spagnuolo, Baldo, Guerrini, 2008).
Uma pesquisa realizada em Ribeiro Preto (SP) demonstrou a
ocorrncia de 140 acidentes de trabalho em um perodo de seis meses, os
trabalhadores da equipe de enfermagem registraram 45 (72,5%) dos acidentes
de trabalho com exposio a fluidos biolgicos, desses 42 (67,7%) eram
auxiliares e tcnicos de enfermagem (Giomo et al.,2009).
Em um estudo realizado no Hospital universitrio da Universidade de
So Paulo, foi identificado que dos 46 acidentes com exposio a fluidos
biolgicos ocorridos durante o perodo de um ano, (73%) ocorreram com os
trabalhadores de enfermagem. A unidade de emergncia foi o local onde
ocorreu a maior parte dos acidentes, seguida pela clnica mdica e unidade de
terapia intensiva (Balsamo, Felli, 2006).
As exposies ocupacionais que podem causar a transmisso do
vrus HIV e dos vrus da Hepatite B (HBV) e C (HCV) ao trabalhador podem
ocorrer por meio de uma leso percutnea (corte com objeto pontiagudo, bisturi
ou agulha) e pelo contato da mucosa ou pele no ntegra com sangue ou
outros fludos corporais que so potencialmente infecciosos. O risco de
transmisso do vrus HIV de 0,3% em casos de exposio percutnea e
0,09% em acidentes envolvendo mucosas. O sangue o principal meio
transmissor de hepatite B, o HBsAg o antgeno de superfcie do vrus e
HBeAg o antgeno que indica a replicao viral, indicando o aumento da
carga viral, nesses casos o risco de hepatite clnica de 22 a 31%, nos casos
onde apenas HBsAg detectado no paciente fonte o risco fica em torno de 1 a
6%. Em relao ao vrus da Hepatite C a transmisso s ocorre de maneira
efetiva atravs do sangue, considera-se que a transmisso do vrus atravs de
outros fluidos biolgicos muito baixa e o ndice de soroconverso em casos
Revisitando Conceitos
18
de sangue infectado de 1,8% (Centers for disease Control and Prevention,
2005; Brasil, 2004;).
Um estudo realizado a partir dos acidentes com fluido biolgico
ocorridos na Grande Florianpolis no ano de 2007 demonstrou que, do nmero
total de acidentes no perodo, 73% envolveram exposio percutnea, 10%
atravs das mucosas e pele ntegra respectivamente, seguidos por aqueles
relacionados exposio da pele no ntegra igual a 7% (Vieira, Padilha,
Pinheiro, 2011).
importante ressaltar que aspectos relacionados ao descarte de
materiais perfurocortantes como o preenchimento das caixas coletoras acima
do recomendado pelo fabricante bem como a prtica de depositar materiais
contaminados com sangue em caixas j preenchidas, por meio de manobras
como empurrar os materiais com as mos aumentam o risco de perfurao.
Soma-se a esses fatores o hbito de reencapar agulhas que ainda se faz
presente e interfere negativamente na preveno dos acidentes.
O primeiro caso de exposio ocupacional ao HIV seguido de
contaminao data de 14 de Outubro de 1994, em um Hospital privado na
cidade de So Paulo. O acidente ocorreu quando um auxiliar de enfermagem
perfurou o brao direito ao ajudar um colega durante uma puno venosa em
um paciente com diagnstico de AIDS. Aps a exposio, o profissional no
recebeu nenhuma medicao profiltica, pois no perodo do acidente no
existia no Brasil qualquer recomendao oficial para sua utilizao. Aps uma
sucesso de testes com resultados negativos para HIV, em 1996, o profissional
foi submetido a um teste Elisa e posteriormente ao Western-Bloth ambos com
resultados positivos (Santos, Monteiro, Ruiz, 2002).
Nesse sentido, estudo que props analisar as causas dos acidentes
a partir da percepo do profissional acidentado aponta como resultados o
descuido do trabalhador, a sobrecarga de trabalho, os riscos inerentes
Revisitando Conceitos
19
profisso, a falta de materiais e infraestrutura inadequados e a no observao
das medidas de proteo (Damasceno et al.,2006).
Os fatores de risco para acidentes de trabalho com material
perfurocortante esto associados ao no cumprimento das normas de
biossegurana e ao no conhecimento das mesmas, falta de ateno e
planejamento na execuo das atividades e sobrecarga de trabalho devido ao
nmero reduzido de profissionais responsveis pelos cuidados aos pacientes
(Alves, Passos, Tocantins,2009).
sabido que as medidas de proteo no foram amplamente
incorporadas as rotinas pelos trabalhadores de enfermagem e embora sejamos
um grupo altamente exposto aos fluidos biolgicos, nota-se que a adeso ao
uso de equipamentos de proteo individual ainda baixa nos tornando ainda
mais vulnerveis (Nichiata, Takahashi, Ciosak, 2004).
Frequentemente, observa-se que os trabalhadores de enfermagem
subjugam os riscos aos quais esto expostos ao desenvolverem suas rotinas
de trabalho, a no utilizao de luvas para a realizao de puno venosa, a
ausncia do uso de mscara e culos de proteo durante a execuo de
procedimentos como sondagem vesical e aspirao endotraqueal, so prticas
corriqueiras nas instituies de sade. Cercados por uma rotina desgastante e
a segurana proporcionada pelos anos de ocupao torna os trabalhadores
pouco reflexivos em relao importncia da utilizao dos equipamentos de
proteo individual para a sua sade.
O uso das precaues universais e o desenvolvimento de
estratgias para o seu uso durante o processo de trabalho a principal e mais
eficaz medida para a preveno de acidentes entre os trabalhadores (Garner,
Salehi, 2010;Brasil,2006). As precaues padro recomendam o uso de
equipamentos de proteo individual (EPIs) durante a realizao da assistncia
aos pacientes, independente do seu diagnstico e o no reencape das agulhas
aps a sua utilizao. Os trabalhadores devem usar mscara, luvas de
Revisitando Conceitos
20
procedimentos, culos de proteo e avental sempre que houver a
possibilidade de contato com fluido biolgico. A lavagem das mos antes e
aps calar as luvas e no contato direto aos pacientes tambm preconizada
como forma de proteo ao trabalhador (Gomes et al.,2009).
Considera-se que o desenvolvimento de medidas institucionais que
visem o treinamento e a informao relacionada importncia e ao uso correto
dos EPIs primordial para a preveno dos acidentes que envolvem exposio
a fluido biolgico. Por outro lado, o papel do trabalhador e sua conscientizao
relacionada a real necessidade da utilizao de equipamentos de proteo
fundamental para a reduo do nmero de acidentes de trabalho.
Em 1970, foi publicado pelo Center Disease Control and Prevention
(CDC), organizao internacional responsvel pelo desenvolvimento de normas
e condutas, equivalentes quelas desempenhadas pela vigilncia
epidemiolgica no Brasil, um manual tcnico detalhado com orientaes
relacionadas s precaues a serem utilizadas em casos de isolamentos nos
hospitais gerais. Uma reviso do manual foi apresentada em 1975,
acrescentando a utilizao dos equipamentos de proteo individual,
recomendando o uso de mscaras, luvas e aventais de acordo com a categoria
de isolamento (Centers for disease Control and Prevention,1970).
Em 1985 em decorrncia da epidemia do vrus HIV, os CDCs
publicaram novas diretrizes estabelecendo as chamadas precaues
universais. Aps relatos de que trabalhadores de sade haviam se infectado
com o vrus HIV, houve a necessidade de propor novas estratgias para a
segurana do trabalhador (Benatti, Almeida, 2007).
Dessa maneira, foi necessrio o desenvolvimento de medidas que
inclussem as precaues para infeces transmitidas pelo ar, gotculas e
contato, a partir da instituiu-se as chamadas precaues padro que
incorporaram as precaues universais e o isolamento para substncias
corporais. As precaues padro aplicam-se a todas as situaes em que
Revisitando Conceitos
21
houver a possibilidade de exposio do trabalhador aos fluidos biolgicos.
Recomendando o uso de culos, mscaras, luvas e avental como barreira
(Brasil, 2004).
Em 11 de Novembro de 2005 foi publicada pelo Ministrio do
Trabalho e emprego a norma regulamentadora nmero 32 que tm como
objetivo principal estabelecer as diretrizes bsicas para a implantao de
medidas segurana e a sade dos trabalhadores dos servios de sade e
daqueles que prestam servios de assistncia e promoo da sade em geral
(Brasil, 2005).
Na mesma direo a norma regulamentadora n 9 do Ministrio do
Trabalho e Emprego do Brasil estabelece a obrigatoriedade e implementao
por meio dos empregadores do programa de preveno de riscos ambientais,
como forma de identificar os riscos aos quais o trabalhador est exposto,
propondo medidas que visem a proteo da sade (Brasil,1978).
Sendo assim, as empresas so obrigadas a fornecer os
equipamentos de proteo individual de acordo com a atividade desenvolvida
pelo trabalhador e compete ao Servio Especializado em Engenharia de
segurana e em Medicina do trabalho-SESMT, em acordo com a Comisso
Interna de Preveno de Acidentes-CIPA, recomendar ao empregador os
equipamentos de proteo individual adequados de acordo com o programa de
preveno de riscos ambientais (Brasil, 1978).
Estudos demonstram que o uso de equipamentos de proteo
individual por parte dos trabalhadores influenciado por fatores individuais,
organizacionais e outros relativos ao trabalho. Dessa forma, necessrio um
suporte estrutural que favorea a utilizao desses equipamentos, como
suprimentos em nmero adequado, orientaes quanto ao seu uso, polticas
institucionais que promovam a segurana do trabalhador, bem como o
acompanhamento dos acidentados, incluindo a profilaxia aps a exposio
(Brevidelli, Cianciarullo, 2009).
Revisitando Conceitos
22
Nesse sentido, importante destacar que a experincia adquirida e
o tempo de atuao profissional tornam o trabalhador de enfermagem, alheio
aos riscos aos quais est exposto no trabalho e o no reconhecimento das
situaes de vulnerabilidade agravam a problemtica da ocorrncia de
acidentes e doenas relacionadas ao trabalho. Estudos evidenciam que
somente aps o acidente, que o profissional comea a repensar seu modo
de agir diante do trabalho, reconstruindo suas prticas (Maganini, Rocha,
Ayres, 2011).
A seguir, apresento os procedimentos relacionados a assistncia ao
trabalhador que sofre acidente com fluido biolgico, e as questes relevantes
notificao, profilaxia e monitoramento ps exposio.
2.2 A assistncia ao trabalhador acidentado com fluido biolgico:
notificao do acidente, profilaxia aps a exposio e monitoramento
do trabalhador
Os acidentes de trabalho com fluidos biolgicos devem ser tratados
como emergncia mdica e as instituies devem colocar a disposio de seus
trabalhadores protocolos de atendimento de notificao rpida,
encaminhamento, aconselhamento, tratamento e acompanhamento ps-
exposio ocupacional.
O acompanhamento do trabalhador exposto fundamental aps a
ocorrncia do acidente tanto do ponto de vista clnico como sorolgico. H
uma sequncia de aes a serem realizadas aps a exposio ocupacional
a fluidos corporais. As leses onde ocorre exposio de membranas
mucosas ou rompimento da pele com penetrao de agulha contendo
sangue ou fluidos como smen, secrees vaginais, lquido
cefalorraquidiano, sinoviais, lquido pleural, peritoneal, pericrdico e
amnitico oferecem risco maior de contaminao ao trabalhador (Centers for
disease Control and Prevention, 2001).
Revisitando Conceitos
23
Aps a exposio aos fluidos biolgicos recomenda-se que nos
casos de exposio percutnea e cutnea a rea exposta seja lavada com
gua corrente e em caso de contato com mucosas deve-se usar soluo
fisiolgica (Brasil, 2004).
Nos casos de quimioprofilaxia para o HIV, a exposio deve ser
avaliada quanto ao potencial para transmitir o vrus, o tipo de fluido biolgico
envolvido, via e gravidade da exposio, o conhecimento do paciente fonte e o
resultado da sorologia para anti-hiv e por fim a situao clnica e imunolgica
do paciente fonte sabidamente infectado.
Os acidentes mais graves so aqueles que envolvem maior
quantidade de sangue e em geral ocorrem atravs de leses percutneas bem
como, onde o paciente fonte sabidamente HIV positivo e possui nmero
elevado de carga viral ou encontra-se em estgio avanado da doena.
Recomenda-se que a quimioprofilaxia nos casos indicados deva ser iniciada
nas primeiras horas aps o acidente e no mximo em at 72 horas. A terapia
tem durao de 28 dias (Centers for disease Control and Prevention,2001).
Nos casos em que a sorologia do paciente fonte desconhecida a
avaliao deve ser individual, novamente faz-se necessrio avaliar o tipo de
exposio e a probabilidade de infeco. Em casos de exposio ao vrus da
hepatite B, a vacinao anterior exposio a principal forma de
preveno, a resposta vacinal fica em torno de 90 a 95% em adultos sadios e
deve ser realizada durante a admisso do funcionrio na empresa e
administrada a todos aqueles que tiverem contato com fluidos biolgicos. O
esquema vacinal composto por trs doses da vacina em intervalos
regulares. Em alguns casos onde o trabalhador no vacinado ou possui o
esquema incompleto deve-se dar continuidade ou incio ao esquema
concomitante a administrao de imunoglobulina (Centers for disease Control
and Prevention, 2005; Brasil, 2004).
Revisitando Conceitos
24
A realizao do teste sorolgico para anticorpo superficial da
Hepatite B (Anti- Hbs) indica a condio sorolgica do trabalhador. Nos casos
em que houve vacinao prvia possvel verificar a soroconverso da vacina
e para trabalhadores no vacinados indica se houve imunizao passiva
durante o trabalho no ambiente hospitalar. Embora a realizao do teste esteja
associada a medidas ps-exposio, ressalta-se a realizao do mesmo como
forma preventiva, identificando a situao sorolgica do trabalhador como
forma de prevenir a Hepatite B (Pinheiro, Zeitoune, 2008).
Nas ocorrncias relacionadas Hepatite C no h medidas
profilticas para a exposio ocupacional ao vrus portanto a nica medida
recomendada evitar o acidente. importante salientar a necessidade de
realizao dos testes sorolgicos do paciente fonte para HIV, Hepatite B e C
logo aps a ocorrncia do acidente. Nos caos onde o paciente fonte
desconhecido deve-se avaliar a probabilidade clnica e epidemiolgica da
ocorrncia de contaminao como gravidade do acidente e prevalncia da
infeco no material de origem (Centers for disease Control and Prevention,
2001).
Tratando-se dos acidentes com fluidos biolgicos, ainda faz-se
necessrio considerar as questes referentes profilaxia ps-exposio e
todas as dificuldades j apontadas na literatura para a no adeso ao
tratamento (Sarquis, Felli, Mantovani et al.,2009). Estudos realizados no Brasil
e em mbito internacional evidenciaram que a maioria dos trabalhadores de
enfermagem no realizou as medidas preconizadas aps o acidente, como a
correta notificao e os testes sorolgicos ps- exposio. Nesse sentido,
ressalta-se a importncia de um sistema efetivo de vigilncia aos profissionais
acidentados (Bahadori, Sadigh, 2010; Damasceno et al., 2006).
As causas relacionadas ao no seguimento do tratamento profiltico
pelos trabalhadores de enfermagem ps-exposio esto associadas aos
efeitos colaterais das drogas, a no conscientizao, falta de conhecimento
sobre as condutas a serem realizadas aps o acidente, e falta de preparo
Revisitando Conceitos
25
emocional relacionada ao medo e angstia dos profissionais frente
possibilidade de adquirir HIV-AIDS (Vieira, Padilha, 2008).
Considerando a baixa adeso ao tratamento profiltico em casos
onde o trabalhador exposto ao vrus HIV suscita questes que interferem na
utilizao dos antirretrovirais como o preconceito, o desconhecimento das
medicaes, os desagradveis efeitos colaterais e a prpria conscincia do
profissional acerca do fato de estar fazendo uso de uma medicao destinada
ao tratamento de pacientes portadores do vrus HIV.
Em relao notificao os acidentes de trabalho necessrio um
protocolo de registro o qual deve conter informaes relativas s condies do
acidente (data e horrio, avaliao do tipo e gravidade da leso); informaes
do paciente-fonte bem como todos os dados do trabalhador de sade. Todas
as exposies ocupacionais devem ser comunicadas pela empresa por meio
do preenchimento de formulrio prprio denominado CAT- Comunicao de
acidente de trabalho (Brasil, 1991). A partir de 2004 foi criada a rede sentinela
de Notificao Compulsria de Acidentes e Doenas relacionadas ao trabalho.
(Brasil, 2004).
A subnotificao dos acidentes de trabalho fator preocupante no
que concerne ao desenvolvimento de medidas de proteo a sade do
trabalhador. Quanto menos os acidentes so notificados, menos relevante
socialmente torna-se a questo. necessrio que a fora de trabalho faa com
que suas situaes de vulnerabilidade sejam expostas as autoridades
competentes. A categoria profissional da enfermagem, no expe suas
reivindicaes e cargas as quais est exposta ao prestar cuidados a
populao.
Em uma pesquisa realizada em um hospital do interior paulista
verificou-se que do total de trabalhadores acidentados 37 (100%), 34(91,9%)
referiram j terem deixado de notificar o acidente de trabalho. Entre as
exposies no notificadas 34,4% foram ocasionadas por materiais
Revisitando Conceitos
26
perfurocortantes. Os autores apontam para a desproteo legal do trabalhador
quando a ocorrncia subnotificada, ressaltando a importncia de estudos que
investiguem as dificuldades encontradas por parte dos trabalhadores na
notificao desses acidentes (Napoleo, Robazzi, 2003).
Entre os motivos apontados para a subnotificao esto falta de
conhecimento sobre o risco de adquirir uma doena, dificuldades burocrticas
no preenchimento dos sistemas, na avaliao mdica dos trabalhadores, no
preenchimento da CAT e dificuldades pessoais. Nesse mesmo estudo 32,70%
dos acidentados julgaram no ser necessria a notificao dos acidentes
(Marziale, 2003).
A notificao dos acidentes primordial para o desenvolvimento de
estratgias de proteo sade do trabalhador, acompanhamento do estado
de sade e resguardo de seus direitos trabalhistas. Em uma pesquisa realizada
em dois hospitais na cidade de Ribeiro Preto apontou que dos 336 acidentes
relatados pelos trabalhadores do Hospital A, 243 (72,32%) acidentes foram
notificados e 93 (27,68%) no notificados. No hospital B dos 35 acidentes,
21(60%) foram notificados e 14 (40%) no notificados. Os resultados revelam
que os trabalhadores de enfermagem possuem condutas diferentes diante da
ocorrncia de cada acidente. Dos 336 relatados pelos trabalhadores do
Hospital A, 242 (72,02%) acidentes foram ocasionados por material
perfurocortante e desses, 150 (61,98%) foram notificados e 92 (38,02%) no.
Dos 35 acidentes relatados pelos trabalhadores do Hospital B 30 (85,72%)
foram ocasionados por material perfurocortante desses, 18 (60,00%) foram
notificados e 12 (40,00%) no (Marziale, 2003).
Estudo realizado em um Centro Cirrgico de um Hospital em Belo
Horizonte constatou que 84,6% dos acidentes ocorridos no perodo pesquisado
no foram notificados. Uma das formas de diminuir a subnotificao a
informao acerca da importncia dos registros, alertar o trabalhador para o
risco de ter sido infectado e a necessidade de respaldo legal no caso de
afastamento do trabalho (Oliveira, Gonalves, 2010).
Revisitando Conceitos
27
Estudos apontam que a falta de padronizao dos formulrios
utilizados para registro das exposies ocupacionais, a utilizao de fluxos
diferentes que dificulta a padronizao do atendimento, a falta de registros de
investigao dos acidentes, alm da ausncia do acompanhamento do
desfecho das exposies contribuem para a no uniformidade das informaes
e dificuldades no atendimento dos trabalhadores (Silva et al.,2011).
Para que medidas de proteo sade do trabalhador sejam
desenvolvidas importante existncia de um sistema de notificao nas
instituies de sade e vigilncia dos acidentes. Embora os acidentes
favoream a exposio a vrus como Hepatite B, C e HIV estes acidentes
algumas vezes produzem leses pequenas nos casos de perfuraes ou at
mesmo no apresentam leses em situaes de respingos de secrees, o que
favorece a subnotificao (Oliveira, Gonalves, 2010).
No Chile entre os anos de 2003 a 2007, foi realizada uma
experincia por meio da criao de um programa efetivo para manejo e
vigilncia dos acidentes biolgicos entre estudantes da rea da sade na
Universidade do Chile. O programa inclua assistncia integral aos estudantes
que sofreram acidente biolgico durante as 24 horas aps a ocorrncia, alm
de testes sorolgicos e entrega de antirretrovirais ps-exposio a fluido
biolgico infectado pelo HIV. A anlise do estudo solidifica a importncia de um
sistema de monitorizao dos acidentes de trabalho para a sade da
populao bem como, indica os custos relativamente baixos para a
implantao do programa diante dos benefcios. Partindo desta perspectiva os
autores apontam como positiva a iniciativa para criao de programas similares
em pases em desenvolvimento (Fica et al., 2010).
As pesquisas evidenciam que o trabalhador aps ter se acidentado
com fluido biolgico sofre alteraes psicolgicas e emocionais relacionadas
incerteza do diagnstico do paciente e a falta de informaes acerca de seu
histrico de sade. Somado a isso a espera dos testes sorolgicos e a
possibilidade de soro converso acabam gerando angstias em relao
Revisitando Conceitos
28
possibilidade de ter sido contaminado (Alves, Passos, Tocantins, 2009;
Sarquis, Felli, 2009).
Dessa forma, importante que os servios disponham de uma
assistncia que garanta no apenas a orientao adequada aos trabalhadores
que se vitimaram, como uma rede de apoio psicolgico, minimizando o
desgaste psquico vivenciado por esses sujeitos.
Durante a assistncia, o medo, a preocupao, indeciso, raiva,
culpa so alguns dos sentimentos vivenciados pelo trabalhador aps a
exposio ocupacional. Diante de tantas dvidas, torna-se urgente a
reorganizao institucional do processo de trabalho, a instrumentalizao
dos recursos humanos para o atendimento desses profissionais (Sarquis,
Felli, 2009).
A partir das questes trazidas nesta breve reviso de literatura,
importante considerar que a ocorrncia do acidente com fluido biolgico ainda
um desafio no contexto de sade do trabalhador de enfermagem que merece
ser explorado sob diferentes aspectos, com vistas reduo da subnotificao,
desenvolvimento de programas de monitoramento e assistncia eficaz ao
trabalhador de enfermagem.
Para melhor compreenso do fenmeno a ser desvelado, apresento
no captulo a seguir, o contexto do estudo tendo como pano de fundo a
fenomenologia existencial de Martin Heidegger.
3. OPTANDO PELO MTODO
QUALITATIVO FENOMENOLGICO
Optando pelo Mtodo Qualitativo Fen omenolgico
30
Neste estudo, optei pelo mtodo qualitativo, considerando que o
objetivo compreender a experincia da assistncia prestada aos
trabalhadores de enfermagem que sofreram acidente com fluido biolgico,
resgatando as necessidades de cuidado por ele manifestas.
A escolha pela fenomenologia justifica-se por ser esta, uma vertente
terica que valoriza o ser em sua singularidade e busca compreender a
experincia vivida pelo sujeito e das estruturas onde o fenmeno ocorre. No
contexto dos acidentes de trabalho com fluidos biolgicos acredito que abordar o
fenmeno por meio da apreenso de sua essncia primordial uma vez que os
fenmenos no podem ser compreendidos isolados dos sujeitos que os vive.
A fenomenologia um mtodo filosfico que busca atravs da
compreenso de um fenmeno, desvelar o seu sentido para assim chegar
quilo que a coisa (Heidegger, 2012).
O sentido de compreender, descrever e explicar as experincias
vivenciadas pelo ser no cuidado ao outro contribui para o conhecimento de
diversas dimenses que envolvem o cuidar. Desta forma, instrumentalizando-
nos podermos chegar s essncias dos seres por meio do conhecimento do
fenmeno, sugerindo mudanas nos processos de cuidado (Baptista, Merighi,
Freitas, 2011; Duarte, Rocha, 2011; Diniz, Lopes, Silva, 2008).
Ao buscar compreender a experincia vivenciada pelos
trabalhadores de enfermagem que sofreram acidente com fluido biolgico, os
significados ocultos nessa experincia, as necessidades de cuidado e lacunas
no processo de assistncia, optei pela fenomenologia existencial de Martin
Heidegger, uma vez que este filsofo descreve as questes existenciais do ser
inserido no mundo.
Heidegger (2012) se convenceu de que pensadores como ele
deveriam voltar-se as experincias comuns que as pessoas tinham do mundo.
Esta convico o levou a escrever sua obra-prima Ser e Tempo, que
apresenta as questes relativas ao SER.
Optando pelo Mtodo Qualitativo Fen omenolgico
31
Heidegger procurou meditar sobre a diferena ontolgica: ente
uma coisa, ser o que permite que uma coisa seja a ideia que o ser permite
que algo seja e ente a base material daquilo que . A pedra , A planta , O
rochedo , Deus , mas s o homem existe, as outras coisas esto. Ser um
problema humano. Ser a questo do (Werle,2003).
O filsofo ento coloca um conceito importante que o Dasein,
ser-a, onde o homem no um sujeito muito menos um objeto, o homem
estar-a. (Inwood, 2002). O trabalhador de enfermagem um ser-a pois est
presente, existe, est disponvel no mundo em contato com outros entes e
que s existem a partir do momento que vivenciam experincias que os fazem
repensar sua existncia.
O ser-a o Dasein, um ser-no-mundo, pois est sempre situado em
um contexto de vivncia no mundo, h uma relao existencial com o mundo.
Dessa forma, o trabalhador de enfermagem que se acidenta com fluido
biolgico um ser-a no mundo, que trabalha em um hospital, reside em sua
casa, frequenta lugares no mundo. Outro conceito fundamental do ser-a o
ser-com, para Heidegger o homem existe em um mundo compartilhado com os
outros, ser-com a forma como o ser sente, vive, se relaciona com as pessoas
no mundo. Os trabalhadores de enfermagem imersos em sua existncia se
relacionam com os colegas de trabalho, com a chefia, familiares e amigos.
Nesse sentido, o mundo pode ser definido como aquilo a que
dedicamos nosso cuidado e ns podemos ser definidos como aquilo que
dedica cuidado ao mundo. O ser do homem s existe enquanto ser-no-tempo e
o cuidado para Heidegger compreendido como solicitude, preocupao,
dedicao pelo outro (Stein, 2008).
Quando existe um relacionamento com o outro de uma maneira
envolvente e significante d-se a solicitude, constituda pela considerao, por
tudo o que foi vivenciado e experenciado com o outro, pela pacincia, algo que
espero que possa vir a acontecer com o outro (Heidegger, 2012).
Optando pelo Mtodo Qualitativo Fen omenolgico
32
O cuidado inautntico com o outro reflete no seu autocuidado.
Trabalhadores que possuem formas de cuidar onde no permitem ao outro se
manifestar tero grandes obstculos em demonstrar sua capacidade de
autoconhecimento e cuidado com si prprio e em suas aes com aqueles que
se relaciona. Apropriar-se de Heidegger para desvelar esta vivncia torna
possvel repensar as necessidades de cuidado manifestas pelos trabalhadores
de enfermagem acidentados, vislumbrando novos caminhos para a assistncia
sade do trabalhador.
Buscamos compreender por meio deste estudo como o ser humano
vivencia suas experincias a partir da percepo de estar lanado no mundo. O
ser humano, interrogao que a nossa angstia, o fato que ns existimos.
Consideramos que o problema do ser tem que partir do homem, interrogando o
homem na sua existncia, portanto, ser trabalhador de enfermagem e ter se
acidentado com fluido biolgico, constituindo-se este, um problema da
existncia.
Acredito na importncia de compreender o fenmeno a partir do
olhar dos sujeitos uma vez que se acidentar envolve uma proximidade com a
finitude, medo da morte, da doena, e, portanto, preciso fazer uma reflexo
do homem de ser-no-mundo, a partir de Dasein que se refere a todo e qualquer
ser humano e repensar a assistncia prestada ao trabalhador acidentado com
fluido biolgico.
No prximo captulo, apresento as etapas metodolgicas que
permitiram a realizao da presente pesquisa.
4. CAMINHO METODOLGICO
Caminho Metodolgico
34
4.1 Tipo de pesquisa
Trata-se de uma pesquisa qualitativa fenomenolgica com
abordagem da fenomenologia existencial de Martin Heidegger.
4.2 Sujeitos da pesquisa
Os sujeitos da pesquisa foram oito trabalhadoras de enfermagem
que sofreram acidente de trabalho com fluido biolgico. O nico critrio de
incluso para a seleo dos sujeitos foi ter sofrido acidente de trabalho com
fluido biolgico notificado conforme legislao vigente no Brasil at o perodo
mximo de seis meses, respeitando o perodo de atendimento ao trabalhador
preconizado no protocolo de atendimento ao acidente com fluido biolgico.
Primeiramente, o Servio Especializado em Engenharia de
Segurana e em Medicina do Trabalho forneceu a listagem dos trabalhadores
da equipe de enfermagem que sofreram acidente com fluido biolgico nos
ltimos 6 meses. Na Listagem fornecida estavam relacionados 70 nomes de
trabalhadores, mas apenas 29 nomes tinham informaes como contato
telefnico e setor de trabalho.
Desta forma, participaram da pesquisa oito trabalhadoras de
enfermagem que estavam vivenciando o processo do acidente de trabalho com
fluido biolgico, sendo seis auxiliares de enfermagem e duas enfermeiras.
Primeiramente, realizei um primeiro contato onde foi possvel
esclarecer aos trabalhadores o objetivo do estudo e sua contribuio para a
enfermagem. Em seguida partindo-se do aceite do trabalhador um encontro foi
agendado de acordo com sua disponibilidade de data e local. A coleta de
dados foi sendo realizada individualmente at o momento em que todas as
minhas inquietaes foram respondidas.
Caminho Metodolgico
35
4.3 Regio de inqurito
A regio de inqurito deste estudo foi constituda por trabalhadores
da equipe de enfermagem que atuam em um hospital de ensino da regio
oeste de So Paulo e se acidentaram com fluido biolgico. Para a coleta de
dados no foi necessrio definir um local, pois a regio de inqurito era a
prpria situao em que o fenmeno estava ocorrendo, o mundo dos
trabalhadores de enfermagem. Nesse sentido, no importava a unidade/
clnica, instituio de atuao do mesmo.
4.4 Procedimento para coleta de dados
As entrevistas tiveram a durao de aproximadamente 40 minutos,
foram realizadas pela prpria pesquisadora, entre os meses de Janeiro e
Fevereiro de 2014 conforme disponibilidade dos trabalhadores e foram
gravadas em aparelho de MP3 mediante sua autorizao prvia a partir da
seguinte questo norteadora e uma questo auxiliar: Conte-me como foi para
voc ter se acidentado com fluido biolgico?.
Questo auxiliar: Como foi assistncia que voc recebeu aps o
acidente?.
Foi utilizado um instrumento para caracterizao scio demogrfica
dos participantes da pesquisa (Apndice 1).
4.5 Aspectos ticos
O projeto foi submetido e aprovado pela Comisso de tica em
Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo, Parecer n
464.028, de acordo com a resoluo 466/2012 que regulamenta pesquisas em
seres humanos no Brasil.
Caminho Metodolgico
36
Para cada entrevistado foi apresentado o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE) (Apndice 2). Este documento fornece explicaes
sobre a pesquisa e assegura o sigilo das informaes fornecidas. Foi
resguardado ao entrevistado o direito de interromper a participao no projeto
quando lhe fosse conveniente.
4.6 O caminho para a Anlise dos discursos
Os discursos foram analisados seguindo as etapas do referencial de
Josgrilberg (2000), onde por meio de uma sequncia de etapas foi possvel
compreenso do fenmeno.
Primeiramente, as entrevistas foram transcritas na ntegra, em
seguida realizei a leitura e releitura dos depoimentos a fim de apreender as
unidades significativas dos discursos. Em um segundo momento as unidades
mais significativas foram agrupadas e identificadas a partir do referencial
filosfico de Martin Heidegger, constituindo-se as unificaes ontolgicas, que
sero discutidas adiante.
5. APRESENTANDO OS RESULTADOS
Apresentando os Resultados
38
5.1 Conhecendo as trabalhadoras de enfermagem que sofreram acidente
com fluido biolgico
Bruna, 35 anos, auxiliar de
enfermagem. Perfurou o
dedo aps realizar uma
puno venosa
Joana, 50 anos, auxiliar de
enfermagem. Perfurou o
dedo ao descartar um
escalpe na caixa coletora
de perfurocortantes
Camila, 48 anos, auxiliar
de enfermagem,
perfurou o dedo ao
descartar um escalpe na
caixa coletora de
perfurocortantes
Renata, 30 anos, auxiliar de
enfermagem, foi atingida
por respingos de sangue
durante a realizao de um
procedimento invasivo.
Marli, 28 anos,
enfermeira, perfurou o
dedo ao realizar uma
injeo intramuscular.
Bianca, 55 anos, auxiliar de
enfermagem, perfurou o
dedo com a agulha ao
realizar um teste de
glicemia capilar
Cibele, 49 anos, auxiliar de
enfermagem, perfurou a
mo ao puncionar um
paciente durante uma
emergncia
Roberta, 55 anos,
enfermeira, perfurou a
mo ao realizar a coleta
de gasometria arterial.
Apresentando os Resultados
39
5.2 Unificaes Ontolgicas
A anlise dos discursos permitiu a constituio de cinco unidades
ontolgicas segundo o referencial de Martin Heidegger que proporcionaram o
desvelar do fenmeno, a experincia da assistncia prestada aos
trabalhadores de enfermagem que sofreram acidente com fluido biolgico
considerando suas necessidades de cuidado:
Ser no mundo vivenciando a acidente com fluido biolgico.
A angstia por ter se acidentado com fluido biolgico.
As necessidades manifestas pelas trabalhadoras de
enfermagem aps o acidente com fluido biolgico:
vivenciando o cuidado autntico.
Vivenciando o cuidado inautntico e a impessoalidade
aps o acidente de trabalho com fluido biolgico.
Superao e reorganizao do trabalho por meio da
transcendncia.
5.2.1 Ser no mundo vivenciando o acidente com fluido biolgico
Esta categoria traz as situaes vivenciadas pelas trabalhadoras de
enfermagem que favoreceram a ocorrncia dos acidentes de trabalho
envolvendo a exposio aos fluidos biolgicos. Essas exposies foram
decorrentes de vrios fatores, entre eles o desconhecimento e mau uso dos
instrumentos de trabalho como o descarte inadequado do material
perfurocortante, e no utilizao dos equipamentos de proteo individual.
As trabalhadoras reconhecem o desconhecimento acerca do
funcionamento do dispositivo de puno endovenosa quanto trava de
segurana e o modo de manipulao do dispositivo identificando que a falta de
conhecimento contribuiu para a o acidente. A narrao a seguir demonstra
essa realidade:
Apresentando os Resultados
40
Porque na verdade eu coloquei o jelco na bandeja e quando eu
fui pegar o esparadrapo para fixar o acesso eu no vi o jelco,
estava embaixo do esparadrapo a espetou a ponta do meu
dedo, eu j tinha puncionado, mas no sabia como que usava o
jelco, era um jelco novo, no sabia como que manipulava porque
na verdade eu nem conhecia, eles at tiveram treinamento s
que no dia eu no estava ento acabei no participando, no
sabia que tinha aquela travinha, que voc aperta depois que
pega o acesso, ento acabou acontecendo isso, mais por falta
de conhecimento...(Bruna)
Os acidentes de trabalho tambm foram causados pelo descarte
inadequado dos materiais perfurocortantes, os problemas neste descarte e
fatores associados como o preenchimento da caixa coletora alm do limite
recomendado o que favoreceu a ocorrncia desses acidentes. Os discursos
seguintes refletem essa problemtica:
Que nem a caixinha...tava a tampa eu acho que tava mal
colocada, um negcio assim..na hora que eu joguei o escalpe l
dentro, voltou e furou meu dedo...(Joana)
H algum tempo atrs n eu tava puncionando um paciente...tava
colhendo sangue dele.. e quando eu fui..jog o escalpe no
perfuro..ele virou pra cima e picou o meu dedo...(Camila)
Foi o primeiro acidente de trabalho com material biolgico, tinha
feito uma IM (injeo intramuscular) num paciente e quando fui
descartar me furei... (Marli)
As causas dos acidentes tambm se relacionam a utilizao de
materiais e instrumentos inadequados para a realizao dos procedimentos
contribuindo para a exposio das trabalhadoras, j que a tcnica no
realizada corretamente, considerando que outro instrumento no padronizado
Apresentando os Resultados
41
para determinado procedimento utilizado podem ocorrer falhas no processo
de execuo. O caso a seguir refere-se a uma trabalhadora que estava
utilizando uma agulha ao invs de uma lanceta para a realizao do teste de
glicemia capilar:
Porque como no tinha lanceta eu estava furando com a agulha de
insulina, a ela (paciente) bateu, levantou a mo e a agulha voltou no
meu dedo...(Bianca)
A no utilizao dos equipamentos de proteo individual pelos
trabalhadores durante a execuo de procedimentos invasivos favorece a
exposio do trabalhador aos fluidos biolgicos, os relatos a seguir referem-se
a trabalhadoras que no utilizavam equipamentos de proteo individual no
momento dos acidentes e acabaram se contaminando com respingos de
sangue e diurese:
Ento ele tava passando um cateter central, quando ele foi tirar o
sangue da seringa no campo, ele apertou com muita fora o
mbolo da seringa ento o sangue bateu no campo e subiu em mim
ele colocou muita fora no mbolo da seringa..e eu sou
pequenina... numa emergncia querendo salvar a vida do paciente
muitas vezes a gente acaba deixando de usar os epis..(Renata)
Da vez que eu me contaminei com lquido n... fui desprezar uma
sonda e aquele lquido...a sonda caiu da minha mo..a sonda no o
recipiciente, e voltou, eu me molhei toda com aquela secreo
nojenta..ai foi horrvel...(Joana)
Outro fator identificado como causador das exposies ocupacionais
a sobrecarga de trabalho vivenciada pelos trabalhadores de enfermagem nas
instituies de sade. Devido ao alto fluxo de pacientes e a alta demanda de
servios, a rapidez na execuo nas atividades acarreta a diminuio da
ateno no momento da realizao dos procedimentos. A desateno do
Apresentando os Resultados
42
colega de trabalho tambm foi um fator apontado pelos sujeitos. Esses fatores
so descritos pela trabalhadora:
.. eu estava sozinha na sala de emergncia, a sala estava muito
cheia eu estava sozinha, aquela correria, chegou um paciente bem
grave e eu fui puncionar, tinha acabado de furar o paciente, eu
estava segurando o jelco e entrou na minha mo... Chegou um
paciente n (...) estava cheio ele entrou na sala e j estava bem
mal mesmo...(Joana)
A falta de ateno dos colegas de trabalho com as aes executadas
pela equipe de enfermagem pode ocasionar acidentes, pois o outro acaba
interferindo de forma negativa em um momento no qual a ateno do trabalhador
deveria estar totalmente voltada para o procedimento que estava executando,
mas interferncias externas como os chamados verbais e at mesmo gestos
fsicos contribuem para as ocorrncias. A trabalhadora abaixo descreve a
situao em que o fator externo foi causa de seu acidente de trabalho:
Ento esse ltimo acidente que eu sofri tinha uma paciente que
estava na sala de agitao, era uma paciente psiquitrica ento
eu falei, olha vou dar uma picadinha no seu dedo pra fazer o
dextro T bom... a o mdico chegou, entrou na sala e foi
conversar com ela, a paciente levantou a mo e furou meu
dedo...(Bianca)
A dessa vez eu fui colher o exame do paciente...e na hora que eu
fui por no tubo algum me chamou e eu furei meu
dedo...(Roberta)
E na hora que ele chegou (...). Eu estava puncionando o paciente,
ento o mdico pegou e encostou na maca, ento a maca andou
e o jelco entrou na minha mo (...) poxa, a maca no lugar pra
apoiar e cruzar a perna, eu acho que a obrigao dele era ter me
ajudado j que ele viu que o paciente estava ruim...(Joana)
Apresentando os Resultados
43
Sendo assim, por meio desta categoria percebe-se que durante o
processo de trabalho da equipe de enfermagem, na execuo das atividades e
dos procedimentos, as trabalhadoras esto sob a influncia de inmeros
fatores que podem contribuir para a ocorrncia dos acidentes de trabalho com
fluidos biolgicos. A sobrecarga de trabalho, a escassez de pessoal, as
demandas dos pacientes, alm da ausncia de treinamento so fatores
importantes destacados pelas trabalhadoras.
5.2.2 A angstia por ter se acidentado com fluido biolgico
Esta categoria aborda a angstia vivenciada pelas trabalhadoras
aps se acidentarem com fluido biolgico, relacionada ao desespero,
possibilidade de adoecimento e ao medo da morte refletindo em uma sensao
de iminente desamparo em relao queles que dependem de seu trabalho,
seus filhos, irmos e companheiros.
As trabalhadoras no momento do acidente passam a repensar suas
vidas manifestando uma inquietude profunda, desespero e ansiedade que as
oprime, sentem medo da morte e fragilidade diante da magnitude daquele
acontecimento. A angstia caracterizada por uma mistura de sentimentos
evidenciada a seguir:
No uma angstia, preocupao, ansiedade uma mistura, na
hora voc no consegue .. separar o que que voc t
sentindo...(Marli)
Fiquei muito desesperada na hora...O paciente estava internado
(...) fiquei desesperadssima, 3 dias aquilo no saia da minha
cabea um minuto...um minuto... (Camila)
Encostei na pia deu vontade de chorar, ...minha vontade era
chorar..agora no sei que tipo de vrus ela tem e agora meu
mundo acabou... depois de doze horas de planto...ai foi
horrvel...(Renata)
Apresentando os Resultados
44
A angstia manifestada aps a exposio aos fluidos biolgicos
surge em decorrncia do medo de adoecer e tambm pelo sentimento de culpa
inconsciente pelo acidente. Nesse sentido, as trabalhadoras vivenciam o
sofrimento psquico e o desprazer no processo de trabalho. Dessa forma elas
passam a refletir sobre aquilo que realmente importante no interior de sua
existncia e algumas trabalhadoras chegam a questionar o trabalho na
profisso Enfermagem por acreditarem estarem arriscando as suas vidas.
Os discursos a seguir apresentam esse questionamento por parte
das trabalhadoras:
Ento eu fiquei muito, fiquei muito assustada na hora...
nossa...fiquei muito chateada, chorei muito...porque eu fiquei
pensando: poxa, aqui meu local de trabalho, eu venho aqui para
trabalhar e vem acontece uma coisa dessas...prejudica minha
vida...(Bruna)
Eu t aqui arriscando minha vida... nossa eu fiquei assim...eu
chorei...chorei...chorei...muito (...) essa nossa profisso muito
ingrata..voc corre o risco tanto de se acidentar, como de cometer
erro... (Bruna)
Mas muito ruim..a gente fica assim na hora a gente fica muito
desesperada..a gente perde at o foco assim..a gente t
trabalhando par tudo n...parou..(Camila)
A preocupao com as pessoas, a responsabilidade e o vnculo
afetivo com filhos, esposos e irmos geram um sentimento muito desesperador
para as trabalhadoras principalmente quanto possibilidade de contaminao.
Os discursos evidenciam que muitas vezes, as trabalhadoras proporcionam o
sustento da casa e o acidente significa o fim do trabalho, a perda da vitalidade.
Esse sentimento angustiante manifesto pelas trabalhadoras descrito como
desesperador, podendo muitas vezes levar a quadros depressivos:
Apresentando os Resultados
45
Eu fiquei pensando poxa eu...aqui estou arriscando muito a minha
vida..nossa..a sei l..e tambm pensei no meu filho...eu falei
largar o meu filho em casa pra t aqui arriscando minha
vida...(Bruna)
Eu fiquei ali pensando...eu no tenho filho e agora sou uma
portadora de alguma coisa..e agora chegar pro meu marido e falar
sou portadora...isso j aconteceu com colegas...(Renata)
E como eu tenho uma irm que doente e depende muito de
mim...ela tem esquizofrenia...e ela depende muito de
mim...(Bianca)
A incerteza em relao aos resultados dos exames, a possibilidade do
tratamento com antirretrovirais e at mesmo a no efetividade desse tratamento
medicamentoso aps o acidente geram uma sensao de fraqueza, insegurana
e fragilidade e est presente nas descries das trabalhadoras a seguir:
Fui fazer o tratamento... tomei os 28 dias...Eu tomei aquele
Kaledra...Nossa aquele remdio e o coquetel me deu uma
diarreia, vmito...ai que coisa horrvel...eu tive at que me afastar
durante 14 dias do trabalho...Esse ltimo foi horrvel...porque a
gente pensa...porque eu tenho que ficar tomando aquilo l, no
sabe se vai valer... se no vai valer ...(Bianca)
Comea aos pouquinhos...vai baixando a adrenalina da hora..e do
momento..voc fica pensando, ah.. ser que estava contaminado?
Ser que vai dar positivo? Ser que eu vou ter que tomar aquele
monte de medicao...ai ser que...ai ser que... muito
difcil...(Marli)
As consequncias do acidente para as trabalhadoras podem ser
descritas como um sentir-se s, a solido manifesta-se diante da incerteza e do
Apresentando os Resultados
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enfrentamento daquele problema to grave que somente dela e de mais
ningum. A fala apresentada a seguir evidencia o sentimento de solido:
Ultimamente eu estou meio assim, meio baqueada, eu acho que
depois que a gente passa por esse problema de acidente s
vezes a gente fica sozinha...(Bianca)
A exposio ocupacional manifesta nas trabalhadoras um repensar
sobre sua prpria vida e a possibilidade de adoecer devido probabilidade de
contaminao pelos vrus HIV, Hepatite C ou B, traz a tona uma srie de
sentimentos relacionados possibilidade da morte. Embora no pronunciado
este sentimento est implcito na oratria das trabalhadoras:
Eu fiquei muito nervosa...porque ela era HIV..estava fazendo
tratamento colhendo lcor todo dia.. estava com
meningite...n...tinha tido uma meningite e j tratava h dois anos
de HIV..a fiquei muito...me deu uma depresso danada...(Bianca)
Na hora que voc sofre aquele...a voc j pensa um monte de
coisa n...poxa eu estou trabalhando, j pensou se eu contrair um
HIV ou ento se eu Hepatite C...no sei, a voc fica...eu
fiquei...uns 3 dias assim preocupadssima n...(Camila)
Acho que uma angstia quando voc v que aconteceu isso...
que voc comea a pensar, ser que o paciente tinha uma doena
infecto contagiosa, se vai ter que tomar antiretroviral...A gente fica
com muito medo, medo mesmo de acontecer alguma coisa com
voc, se contaminar com fluido do paciente...(Marli)
Minha vida passou na minha frente no momento do acidente
pensei, agora pode mudar minha vida ser portadora de um vrus
C, de uma Aids... (Renata)
Apresentando os Resultados
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Desta forma, compreende-se que as trabalhadoras aps o acidente
de trabalho vivenciam a angstia, um sentimento profundo que altera suas
percepes acerca da sua vida e do seu trabalho. Assim, o acidentar-se no
apenas um problema institucional antes de tudo uma vivencia prpria de cada
trabalhadora permeada por valores pessoais e questes muito subjetivas que
resultam em estados de solido, tristeza e depresso.
5.2.3 As necessidades manifestas pelas trabalhadoras de
enfermagem aps o acidente com fluido biolgico:
vivenciando o cuidado autntico.
Nesta categoria, so descritas as necessidades de cuidado
manifestas pelas trabalhadoras aps o acidente, assim como os cuidados
prestados pela instituio, o apoio da famlia, dos colegas de trabalho e da
chefia, a importncia do atendimento mdico e o acompanhamento clnico e
laboratorial aps o acidente.
A trabalhadora de enfermagem aps sofrer um acidente com fluido
biolgico necessita de apoio institucional, emocional e suporte para todas as
aes que ir vivenciar, inclusive durante a realizao de testes sorolgicos,
considerando que este momento permeado pela angstia. Para a trabalhadora
ter algum para conversar, ser amparada e trazer de volta a sensao de
segurana e estabilidade que a pouco perdera muito importante. Os relatos
abaixo evidenciam a importncia desse cuidado:
Primeira coisa quando meu marido chegou.. eu falei assim..voc
no sabe o que aconteceu comigo hoje!!..e j comecei a chorar
pra ele..comecei a chorar.. ele falou assim calma mais o que
aconteceu? A eu contei pra ele...no fica tranquila, no vai
acontecer nada n e me tranquilizou ele pegou falou assim, no...
mais isso da.. um acidente de trabalho..voc tem que estar
preparada pra essas coisas..da eu falei assim..mais a gente
nunca t preparada pra essas coisas...(Camila)
Apresentando os Resultados
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A Clara foi uma das pessoas que mais me deu apoio...Clara
esteve ao meu lado... Me deu tanto apoio que ela no foi embora
enquanto as coisas no se resolviam...o pessoal tambm me deu
respaldo, mas foram embora ...s que ela no foi embora, correu
atrs das coisas ficou comigo at o fim do atendimento... Nessas
horas muito importante ter algum ao seu lado...(Renata)
As trabalhadoras relataram como necessidade de cuidado o suporte
da chefia aps o ocorrido, demonstrando a importncia do apoio emocional de
outrem. O enfermeiro a primeira pessoa a ser comunicada aps a exposio,
contribuindo para diminuir a ansiedade e o medo das trabalhadoras:
Ento a Clarice que minha chefe, j chamei ela...eu j comecei
at a querer chorar...um desespero mesmo. Falei assim: Clarice
pelo amor de Deus eu me piquei... E agora, e agora...? E ela
tentou me tranquilizar, ficou do meu lado e disse assim: No, tudo
bem, vai ficar tudo bem...(Camila)
Eu precisava de algum do meu lado naquele momento, ento a
Jlia enfermeira me pegou aqui fora, me colocou na outra sala e
falou: Calma... Eu falei, calma, calma como? Ento ela
conversou comigo, ficou do meu lado, me apoiando, sabe? Fez
muita diferena para mim naquele momento ter algum pra
conversar...(Renata)
(...) A chefia tem me ajudado...(Bianca)
Outro cuidado apontado foi o atendimento mdico aps o acidente
que significou para as trabalhadoras um momento de alvio e conforto, a
segurana transmitida pelo profissional bem como o cuidado prestado
possibilitou tranquiliz-las em relao as suas inquietaes e quanto
possibilidade de terem sido contaminadas O atendimento mdico se faz
importante para que sejam transmitidas ao trabalhador informaes confiveis
Apresentando os Resultados
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partindo-se do princpio que a informao uma necessidade de cuidado
manifesta pela trabalhadora:
Assim a mdica me deixou bem tranquila, quando viu que os
exames da paciente tinham dado negativo ela falou assim para
que eu no ficasse preocupada porque mesmo que tivesse algum
problema, tinha um coquetel, que eu poderia tomar pro HIV...A eu
fiquei mais tranquila, me deixou bem mais tranquila...(Bruna)
Eu procurei o mdico, fiz o CAT (Comunicado de Acidente de
Trabalho), passei pelo atendimento...ele pediu todos os exames
tanto os meus como os do paciente, conversei bastante com o
mdico ele disse que a possibilidade de eu contrair alguma coisa
era muito mnima...porque eu estava usando luva...ele prescreveu
uns antirretrovirais por precauo, depois eu fiz todos os exames
de novo... (Camila)
Eu fui ao mdico que ele olhou l que eu tinha colhido exame para
o peridico h pouco tempo... o ms passado ele olhou l...os
meus exames no tinham dado hepatite nenhuma nunca tive
contato com hepatite A , hep B sou vacinada, hepatite C no
tenho ento ele falou, est tudo bem com vc...s colhe do
paciente e manda n...e me deu o papel...(Roberta)
O atendimento mdico sob o olhar dos sujeitos uma maneira de
tranquiliz-las reduzindo a ansiedade relacionada ao medo de uma possvel
contaminao, a realizao do teste rpido para o vrus HIV foi apontadA pela
trabalhadora a seguir como um cuidado capaz de livr-la do pesadelo
momentneo:
Hora que aconteceu o acidente ele (o mdico) j pediu o exame
de hiv que faz na hora, o teste rpido que sai em 5 minutos... E j
pediu para coletar ali mesmo e deu negativo, ento ele pediu pra
eu repetir os exames... todos os exames deram negativo, foi um
atendimento muito bom (...)(Renata)
Apresentando os Resultados
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O acompanhamento clnico e laboratorial aps o acidente, as
conversas com o profissional capacitado e o respaldo institucional durante todo
o processo proporcionam segurana e estabilidade para as trabalhadoras. Os
discursos a seguir relatam essa realidade:
Eu vou l no mdico, passo na consulta, porque aqui eles
acompanham a gente... pelo menos isso, eles acompanham aqui,
para coletar os exames...(Camila)
Fiquei tranquila quando me falaram que.. estava tudo certo depois
saiu todos os exames... fiquei mais tranquila, que j tinha
encerrado o tratamento, tudo negativo..(Bruna)
O mdico marcou consulta, pra voltar no retorno.. pra saber os
exames.. quando eu vim no retorno ele falou, o paciente no tem
nada.. e me deu alta..(Roberta)
Depois, eu fiquei aguardando e a doutora falou que tinha dado
negativo, que o segundo teste de hiv e depois os outros exames
deram negativo, passei com o mdico e ele me deu alta...inclusive
quando eu passei com mdico depois de um ms o atendimento
foi bom...(Renata)
A necessidade de atendimento psicolgico aparece de maneira
significante para uma trabalhadora e se faz necessria devido ao desequilbrio
causado pela vivencia do fenmeno, ter se acidentado com fluido biolgico:
Na hora o que aconteceu abalou meu psicolgico eu precisava de
um apoio psicolgico eu encostei assim na pia e comecei a lavar o
meu rosto entendeu? Comecei a lavar o meu rosto... deveria ter
no hospital uma psicloga pra isso..porque na hora passa o
mundo na sua frente...(Renata)
Portanto, esta categoria nos traz a relevncia do apoio emocional
neste momento to delicado para as trabalhadoras de enfermagem, surge
Apresentando os Resultados
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tambm necessidade de apoio psicolgico por meio de um profissional
especializado, porm ela no sanada. Outra questo identificada por meio
desta categoria a importncia atribuda por elas ao atendimento mdico e a
toda a assistncia prestada durante e aps o acidente pela instituio,
cuidados esses que as fizeram sentir-se mais seguras e confiantes em relao
ao seu prprio cuidado.
5.2.4 Vivenciando o cuidado inautntico e a impessoalidade
aps o acidente de trabalho com fluido biolgico
A categoria apresentada a seguir relaciona-se s dificuldades
enfrentadas aps a exposio ocupacional e referem-se impessoalidade
manifesta pelos outros membros da equipe em relao ao colega acidentado,
atribuio da culpa pelo acidente e o ser mal visto pelos membros da equipe. O
cuidado inautntico com a trabalhadora torna-se visvel e se manifesta na falta
de apoio.
As dificuldades assinaladas pelas trabalhadoras esto permeadas
por questes burocrticas, ainda no resolvidas pelas instituies de sade,
como os problemas advindos da problemtica para a efetivao da
comunicao do acidente de trabalho. So apontada falhas no processo de
atendimento, bem como o desconhecimento dos fluxos o que leva a no
notificao por parte de algumas trabalhadoras.
Aps o acidente as trabalhadoras vivenciaram o preconceito da
equipe, sendo mal vista pelos outros em seu ambiente de trabalho. A
impessoalidade descrita pelas trabalhadoras como algo presente na vivncia
aps o acidente com fluido biolgico. O discurso das trabalhadoras representa
a impessoalidade e a falta de apoio de alguns membros da equipe de sade
aps a exposio ocupacional:
Voc vai fazer o acidente de trabalho (cat.), eu acho que voc
muito mal visto, as pessoas parece que ficam te julgando
Apresentando os Resultados
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entendeu? Parece que voc fez aquilo de propsito, que voc se
contaminou porque voc quis... Ah muito chato...(Joana)
No geral eu acho que, quando voc sofre um acidente de trabalho
as pessoas nunca veem que voc sofreu aquele acidente porque
ali teve uma coisa que fez acontecer...(Joana)
S que.. sempre as pessoas quando veem assim sempre acham
que voc se contamino porque voc quis...(Joana)
Para uma trabalhadora a falta de amparo e a indiferena dos outros
membros da equipe de sade presentes no momento do acidente fizeram com
que ela se sentisse abandonada e desamparada:
Naquele momento eu me senti abandonada, abandonada... Ah sei l,
porque a enfermeira estava ocupada com os outros pacientes e tinha
muitos pacientes graves, um paciente entubado... A chegou outro
desacordado... E os dois mdicos discutindo o caso em vez deles me
darem um apoio... Ficaram discutindo o caso um virado pro outro... E
a olha pra sua cara e tipo assim, se vire...(Cibele)
Outras questes manifestas pelas trabalhadoras foram as
repercusses do acidente de trabalho para a sua vida profissional e aparecem
nos discursos como o medo de perder o emprego. A demisso para elas
estaria vinculada ao fato de que a culpa pelo acidente de trabalho vista pela
instituio como sendo da prpria trabalhadora:
Com 3 anos aqui fiquei com medo de sei l...correr o risco de ser
mandada embora...(Camila)
Pra mim foi um pouco tenso...como j era o meu quarto acidente
de trabalho, ento eu fiquei pensando: Nossa, mais um pra minha
coleo e a tem aquele processo de...Ah...vou ser mandada
Apresentando os Resultados
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embora, porque eles contam como procedimento ou tcnica
incorreta no seu pronturio do hospital...(Marli)
Outra adversidade assinalada a burocracia envolvida no processo
de abertura da comunicao de acidente de trabalho que favorece a
subnotificao por parte dos trabalhadores que se acidentam. As instituies
precisam repensar seus protocolos e fluxos facilitando o atendimento,
tornando-o menos moroso e complicado para os trabalhadores. As falas das
trabalhadoras demonstram as dificuldades em relao a esse processo:
Eu ainda fiz a metade do acidente de trabalho. Nossa... Nem fiz
tudo porque muita burocracia o acidente de trabalho...mais
da...fiz aquele monte de exame...Fui pra l e pra c, eram tantos
papis tantos lugares que nem fiz tudo...(Joana)
At voc conseguir fazer a CAT... muito demorado aqui, voc vai
em vrios lugares, muito complicado, demorado, sabe?... muito
papel...(Camila)
Abri a cat porque fui obrigada, eu no queria abrir a cat...porque
esse negcio de cat muita burocracia voc vai l, vem pra c...
no sei o que... leva papel no sei aonde...voc perde muito
tempo...(...)vai pra l vem pra c... (...) ruim isso da. O
Funcionrio s vezes no faz a cat por causa disso pela
burocracia que ...(Roberta)
Aps o atendimento mdico o protocolo indica a realizao de
exames laboratoriais no paciente fonte. As trabalhadoras de enfermagem
relataram como dificuldade o fato de elas prprias terem que procurar o
paciente fonte no espao fsico da instituio e o constrangimento muitas vezes
relacionado ao fato da coleta de sorologias desse paciente, levando-as a
situaes embaraosas frente aos prprios pacientes e seus familiares. Os
relatos a seguir refletem essa realidade:
Apresentando os Resultados
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Ah ..tambm teve a histria do paciente.. O paciente j tinha
sado daqui. Tinha ido l pro terceiro andar, tive que ir l no
terceiro pra colher exame do paciente e a famlia no queria, foi
aquela confuso... e eles disseram: vai furar de novo? Ento eu
expliquei para eles que eu tinha me furado ento eles aceitaram
de mau gosto...entendeu? (Joana)
Depois eu tive que colher o exame do paciente... tive que
conversar com o paciente, que ele tinha que colher o exame, tinha
que esperar, e o paciente querendo ir embora. Ele no ia ter que
fazer nada s precisava colher mesmo os exames pra poder dar
seguimento...eu fiquei assim sabe...sem graa...(Marli)
E o pior de tudo foi que o paciente foi a bito..n..a...foi um
transtorno maior ainda...(Cibele)
Desta maneira, identifica-se que embora os acidentes de trabalho
sejam situaes recorrentes nos servios de sade, as instituies ainda no
esto preparadas para atender o trabalhador que exposto aos fluidos
biolgicos. Esta categoria revela problemas no fluxo de atendimento e
notificao destes acidentes e a manifestao do preconceito e indiferena
manifestos pelos prprios colegas de trabalho e membros da equipe de sade,
tornando evidente o cuidado inautntico dirigido aos trabalhadores de
enfermagem.
5.2.5 Superao e reorganizao do trabalho por meio da
transcendncia
Esta categoria representa a superao das trabalhadoras aps a
exposio ocupacional relatando a reorganizao do processo de trabalho e o
repensar suas prticas cotidianas aps o trmino do acompanhamento mdico.
Apresentando os Resultados
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As trabalhadoras de enfermagem aps o acidente reconhecem que
vivenciaram uma situao de instabilidade e vulnerabilidade, mas reconhecem
a possibilidade de seguir adiante aps os resultados negativos dos testes
sorolgicos e a sensao de alvio por no terem sido contaminadas:
Agora posso seguir minha vida mais aliviada, continuar
trabalhando...(Roberta)
Graas a Deus que deu tudo bem...no aconteceu nada... (Joana)
Dessa forma, as trabalhadoras passam a identificar as situaes de
instabilidade em seu ambiente laboral reconstruindo suas prticas cotidianas,
solicitando ajuda aos colegas e sinalizando para a chefia quando percebem
uma situao de risco:
Agora quando est muito pesado ou tem um paciente difcil eu
peo ajuda pros meus colegas, pra no me arriscar...(Bianca)
Fico com receio de sofrer um novo acidente sei l e ter que passar
por tudo de novo, fazer o cat, esperar o resultado dos
exames...toda aquela preocupao. Conversei com a chefia sobre
o acidente, falei que tnhamos que ter mais treinamentos, que os
pacientes deveriam ser redistribudos para que no ficasse mais
to pesado pra ningum...(Roberta)
Ao identificar os riscos aos quais esto expostas as trabalhadoras
conseguem recriar novas possibilidades para o desenvolvimento de suas
atividades e percebem que mesmo aps o acidente conseguem retornar ao
trabalho ainda realizando o acompanhamento mdico:
Mas graas a Deus deu tudo certo, tomei os 28 dias... Estou
fazendo os exames ainda, falta mais um, mas t tudo em
ordem...t dando pra trabalhar... (Bianca)
Apresentando os Resultados
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Fiz o CAT, tudo certinho e..graas a Deus no deu nada at o
presente momento meus exames zerado..(Camila)
Nesse processo de retorno com o trmino do monitoramento, o fim
dos exames sorolgicos e o recebimento da alta mdica, as trabalhadoras
passam por um processo de mudana e sentem-se responsveis pelo seu
autocuidado durante a realizao de suas atividades no trabalho. Na reinsero
no trabalho aps a exposio, as trabalhadoras assumem novas aes como
forma de minimizar a ocorrncia de novos acidentes.
Acho que agora estou bem mais tranquila, agora que os exames
deram negativo eu estou indo trabalhar sossegada...Depois do
acidente estou tentando prestar mais ateno nas coisas que eu
fao sabe? Tomar mais cuidado com as coisas, pra no me
perfurar de novo...ah, agora eu procuro me informar sobre os
jelcos novos...(Bruna)
A gente toma mais cuidado..n..porque eu tenho muito medo de
passar por tudo aquilo de novo...aquela sensao de medo de
poder se contaminar, no quero passar por isso de novo......agora
eu presto mais ateno na hora de realizar os procedimentos,
porque eu tive a chance de viver de novo...(Marli)
Foi bom depois que eu passei com o mdico no final do
tratamento ele viu os meus exames e deu alta, agora estou mais
sossegada, posso seguir a vida..mas acho que a gente tem que
tomar cuidado.. Depois do acidente eu com