A voz da primavera - As reivindicações do movimento ambientalista gaúcho

Embed Size (px)

Citation preview

ISSN 1983-9685 www.revistahistoriar.com

A voz da primavera As reivindicaes do movimento ambientalista gacho (1971-1980)Elenita Malta Pereira* Resumo O artigo apresenta um histrico das reivindicaes do movimento ambientalista no Rio Grande do Sul, atravs das lutas da AGAPAN na dcada de 1970, relacionando sua origem com o ativismo contracultural da poca. Busca tambm uma interao com o movimento em mbito internacional, e com o surgimento de uma conscincia ecolgica no Brasil. O movimento ambientalista pode ser pensado como um novo movimento social, crtico do consumismo, propondo prticas cidads e uma convivncia harmnica do homem com a natureza. Palavras-chaves: Movimento ambientalista novos movimentos sociais histria ambiental Abstract This article presents the historical demands of the environmental movement in Rio Grande do Sul, through AGAPAN fights in the 70s, linking its origin with the contracultural activism of the time. It also describes the interaction with the movement worldwide, and with the growing of the ecological awareness in Brazil. The environmental movement can be seen as a new social movement, critical of the excessive consumption, proposing citizens practices to provide a harmonic living of man with nature. Key-words: Environmental movement social movement news environmental historical O Movimento Ambientalista como um Novo Movimento Social O Movimento Ambientalista surge num contexto histrico de mudana social e poltica. A Guerra Fria, a ameaa de guerra nuclear e as injustias de desigualdade racial foram alguns dos fatores que geraram interesse pblico e protestos de massa nas dcadas de 1950-1960. A percepo do crescimento econmico constante e da industrializao desenfreada, num ritmo capitalista selvagem, levou a uma frustrao com os governos e crena de que somente a ao direta poderia chamar a ateno para as questes importantes que no eram consideradas pelo estabilishment poltico dominante. Alm do ambientalismo1, vrias questes sociais e polticas mobilizaram massas da populao, a maioria jovens, em protestos, criando assim um clima de ativismo pblico

*

Licenciada em Histria pela UFRGS. Atualmente cursando o Bacharelado em Histria pela UFRGS.

2

intenso. Estudantes e trabalhadores negros lutaram pelos seus direitos, nos Estados Unidos, na dcada de 1950, o que incentivou posteriormente o movimento de direitos civis. O movimento contra a guerra, em particular a do Vietn, tambm foi alvo de protesto estudantil. O ano de 1968 considerado o divisor de guas para os novos movimentos sociais, quando ocorreram importantes acontecimentos na Frana, Alemanha e Espanha. O Maio de 68 Francs determinante para uma nova ordem cultural, o ps-modernismo. O ativismo estudantil questionava os valores polticos, sociais e culturais aceitos at ento. A juventude da poca estaria em busca de um mundo ideal, e a realidade do sistema poltico e econmico dominante era totalmente contrria a essa utopia. O movimento de contracultura tinha ideais semelhantes aos do ambientalismo, ambos eram profundamente antiindustriais, condenavam o consumismo, os valores materiais, e questionavam a racionalidade de uma sociedade que utilizava a cincia para produzir armas capazes de terrveis atrocidades nas guerras e pesticidas que causavam danos ecolgicos. Em vista disso, o ambientalismo deu expresso contracultura, e o movimento hippie se apropriou da moral ambientalista, pregando que o retorno s reas virgens e natureza era o nico caminho para o homem voltar as suas origens, manter sua ligao com a terra, com as verdades essenciais, num mundo materialista. A desterritorializao da cultura, do modo de produo dominante (a expanso de multinacionais em vrios pases diferentes), aliada internacionalizao dos meios de comunicao, na segunda metade do sculo XX, leva a uma nova forma de configurao da sociedade, e uma nova concepo de movimento social. Surgem, assim, na dcada de 1960, os novos movimentos sociais, em cuja base est presente um pensamento crtico construdo a partir de uma insatisfao quanto s formas de opresso e autoritarismo, tanto do capitalismo quanto das tentativas para a sua superao - o socialismo real (SCHERER-WARREN, KRISCHKE, 1987, p. 40). Os princpios que organizam esses novos movimentos so a democracia de base, a livre organizao, a auto-gesto, o direito diversidade, e o respeito individualidade, herdados do anarquismo.

1

No o objetivo deste artigo discutir o conceito de ambientalismo. Optei por usar o termo movimento ambientalista, ciente da diferena entre este e o movimento ecologista. Isabel Carvalho comenta a distino proposta por Pdua (1997), de que o ambientalismo seria algo intermedirio entre o conservacionismo (conhecer e preservar para o futuro) e o ecologismo (movimento que pregava mudanas econmicas e sociais). O ambientalismo proporia mudanas no to radicais quanto o ecologismo, entretanto iria alm do conservacionismo. Mesmo assim, a autora adverte que essas demarcaes no so estveis (CARVALHO, Isabel, 2001, p. 17).

3

No Brasil, os Novos Movimentos Sociais (NMS) surgem na dcada de 1970, com a retomada dos movimentos de bairro. So tambm exemplos as Comunidades Eclesiais de Base - CEBs, o novo sindicalismo urbano, o movimento feminista, o movimento ecolgico, setores do movimento de jovens e outros. Nos NMS, o ambiente de luta deixa de ser o sindicato, o partido, ou mesmo o cho-defbrica, e passa a ser a moradia, o bairro e seus dramas cotidianos. Para Vera da Silva Telles (1987), desde 1964, a partir do contexto repressor da ditadura militar, a sociedade civil reaparece como tema da reflexo poltica e intelectual (...), como lugar da poltica, ou melhor, como alternativa poltica frente ao Estado (TELLES, Vera da Silva, 1987, p. 60). Alm do lugar da luta, mudaram tambm os sujeitos sociais. Estes no mais se encaixavam na figura tradicional da classe operria. A diversidade dos atores sociais foi tida como negativa em princpio pelos estudiosos dos movimentos sociais, entretanto, em seguida essa heterogeneidade foi entendida como caracterstica definidora de sua prpria singularidade. Os interesses de luta eram mais amplos, iam alm da questo sindical, chegando a discutir o papel do Estado alm dos direitos polticos, remetendo aos direitos sociais dos cidados. Portanto, as reivindicaes no eram apenas de uma classe, frutos da experincia de um determinado grupo social, e sim significavam a aglutinao de indivduos de diferentes classes, crenas, raas, etc., em torno de um objetivo comum. Nos anos 1960 os partidos polticos tradicionais (PSD, UDN, PTB), ou mesmo os pequenos partidos no conseguiam mais abrigar as tendncias contraditrias que surgiam. Cludia Wasserman pontua que as lutas na esfera poltico-institucional perderam espao para as disputas que envolviam setores da sociedade, como trabalhadores urbanos e rurais, soldados, estudantes e professores e, de outro lado, empresrios, militares, representantes da Igreja (WASSERMAN, 2004, p. 30-31). Surgiam, assim, no contexto obscuro e sectrio da ditadura militar os NMS, como alternativa poltica de articulao da sociedade, reivindicando direitos bsicos da cidadania, como a igualdade feminina, a resistncia dos camponeses expropriao de terras, a proteo da natureza, entre outros. Augusto Carneiro, questionado se os militantes do movimento ambientalista tinham conscincia de que faziam parte de um movimento social, diz que sim, e que alm de social, era um movimento poltico:(...) ns tnhamos conscincia disso. Porque eu sempre fui poltico desde 1934, comecei a me interessar na hora em que os italianos invadiram a Absnia, ou seja, a Etipia, e eu tive incidentes polticos durante toda a minha vida. (...)Ns sabamos, sim, eu e o Lutzenberger, ns sabamos que ramos um movimento social. Talvez

4

alguns no soubessem, mas na nossa turma era bem adiantada, t. Eles sabiam que era um movimento social, que era um movimento poltico.2

O Movimento Ambientalista em mbito internacionalSomente muito depois da Revoluo Industrial, com a era das descobertas cientficas, quando os sinais de deteriorao do ambiente se tornaram visveis para grande parte das pessoas e no apenas para observadores atentos, as atitudes humanas em relao natureza comearam a mudar. A conscincia de que a situao do meio ambiente se agravava foi o motivo pelo qual os debates sobre as questes ambientais comearam a surgir na dcada de 1960. O livro de Rachel Carson, Primavera Silenciosa, publicado em 1962, pode ser considerado um primeiro marco, colaborando muito para o incio do movimento ambientalista, pois denunciava os efeitos do DDT nas lavouras, pesticida cujo impacto ambiental era persistente. Em setembro de 1968, foi realizada em Paris a Conferncia Intergovernamental de Especialistas sobre as Bases Cientficas para Uso e Conservao Racionais dos Recursos da Biosfera. Esta conferncia deu continuidade ao tema que j havia sido explorado na UNSCCUR, em 1949, da cooperao internacional em pesquisa ecolgica. Dentre as questes debatidas na Conferncia da Biosfera, estava o patamar crtico em que as mudanas no ambiente chegaram; as exigncias da populao dos pases industrializados de correo das agresses ao meio; a compreenso de que a maneira como vinha sendo conduzido o desenvolvimento e o uso dos recursos naturais tinha que ser alterados, de um desenvolvimento descuidado, para outro que considerasse a biosfera como um sistema, em que uma das partes pode afetar o todo (McCORMICK, 1992, p. 98); a necessidade de um enfoque interdisciplinar para o uso dos recursos naturais, integrando cincias naturais, sociais e a tecnologia; a urgncia de muitas novas pesquisas sobre os problemas da biosfera, tanto nos pases desenvolvidos, quanto nos menos desenvolvidos. O Clube de Roma, um grupo de trinta pessoas cientistas, educadores, economistas, humanistas, industriais e funcionrios pblicos de mbito nacional e internacional reunido em 1968 pelo empresrio italiano Aurlio Peccei, em Roma, foi responsvel por um dos relatrios de maior repercusso quanto aos problemas ambientais. O tom catastrofista do relatrio, publicado em 1972 (MEADOWS, 1973) fez com que no fosse unanimemente

2

ENTREVISTA Oral de Augusto Carneiro a Elenita Malta Pereira em 2005.

5

aceito, recebendo crticas de outros cientistas. Porm foi muito importante como alerta para o grande desequilbrio entre desenvolvimento e preservao da natureza. A Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, Sucia, de 5 a 16 de junho de 1972, foi o primeiro grande acontecimento de discusses sobre o meio ambiente. Os encontros anteriores trataram a questo ambiental considerando seus aspectos cientficos, eram reunies de tcnicos e pesquisadores da rea. J na Conferncia de Estocolmo, pela primeira vez, o problema ambiental foi tratado em seus aspectos polticos, sociais e econmicos. Um avano importante foi a nova percepo que os pases mais ricos tiveram sobre os menos desenvolvidos. As delegaes dos pases desenvolvidos foram para a Conferncia determinados a discutir seus problemas ambientais, no entanto, foram levados pelos debates a assumir um compromisso sobre as prioridades dos pases pobres alm das suas prprias. O ponto de vista dos paises menos favorecidos foi dominante a tal ponto que os ambientalistas ocidentais tiveram que encarar as questes ambientais dentro de uma perspectiva global (McCORMICK, 1992, p. 106). Dentre as resolues da Conferncia, foi pensada uma nova nfase para o meio ambiente humano: a proteo da natureza e conservao dos recursos naturais evoluiu para uma viso mais abrangente da utilizao equivocada da biosfera pelos seres humanos. Estocolmo tambm forou uma interao entre os pontos de vista dos pases mais e menos desenvolvidos. Alm disso, na Conferncia foi criado o Programa de Meio Ambiente das Naes Unidas (UNEP), que apesar das limitaes, foi um resultado institucional possvel naquele momento. Outra contribuio importante do encontro foi o entendimento sobre as relaes entre o ambiente e o desenvolvimento, de onde surgiu o conceito de um novo tipo de desenvolvimento: o ecodesenvolvimento. Este valorizaria o conhecimento das populaes locais para a gesto do seu meio, em contraponto com os modelos homogeneizados de at ento. Aps Estocolmo, houve outras conferncias na dcada de 1970, sobre temas variados. Em 1974, sobre populao; em 1976, sobre habitat; em 1977, sobre educao ambiental; em 1981, sobre fontes alternativas de energia. A repercusso destas no foi to forte quanto a primeira, porm as discusses avanaram. Tanto nos pases mais desenvolvidos, quanto nos em desenvolvimento, muitos organismos ambientais foram criados, assim como Legislaes sobre a rea comearam a surgir.

6

Com o progresso dos debates, o conceito de ecodesenvolvimento foi substitudo pelo conceito de desenvolvimento sustentvel. O termo foi utilizado pela primeira vez num documento elaborado pela International Union for Conservation of Nature and Natural Resources, IUCN, em 1980. O desenvolvimento sustentvel o que atende s necessidades do presente sem afetar as geraes futuras, para que elas tambm possam ter acesso aos recursos que satisfaro suas necessidades. Em 1983, Gro Harlem Brundtland, primeira-ministra norueguesa, criou a Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que publicou um relatrio em 1987, o Relatrio Brundtland, publicado em livro com o ttulo Nosso futuro comum. O documento influenciou a realizao da ECO-92, Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro. Os debates da tambm chamada Rio-92 discutiram estratgias de aes que poderiam ser adotadas pelos pases perifricos rumo a um desenvolvimento sustentvel, alm de temas como mudanas no clima mundial e diversidade biolgica. O contedo das decises foi oficializado na Agenda 21, documento gerado na Conferncia, que, entretanto, devido s dificuldades das Naes de implementar as aes previstas, no tem sido mais que uma carta de boas intenes. O encontro mais recente foi em Johannesburgo, na frica do Sul, em 2002, chamado pela ONU de Cpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentvel, tambm conhecido como Cpula da Terra, ou Rio+10. Em relao aos anteriores, tem sido referido como um retrocesso, pois no houve avanos nas propostas discutidas na Rio-92, e o grande poluidor, os Estados Unidos, esquivou-se de firmar compromissos efetivos com os pases subdesenvolvidos e em assumir responsabilidades pelos danos ambientais. De relevncia internacional tambm foi a assinatura do Protocolo de Kyoto, em 11 de dezembro de 2001. Numa reunio realizada na cidade japonesa de Kyoto em 1997, foi aprovado o documento chamado Protocolo de Kyoto, e que foi assinado decisivamente em 2001. O Protocolo de Kyoto tem por objetivo que os pases industrializados (com a exceo dos EUA que se recusam a participar do Acordo) reduzam (e controlem) at 2008-2012 as emisses de gases que causam o efeito estufa em aproximadamente 5% abaixo dos nveis registrados em 1990. A barreira principal entrada em vigor do Protocolo encontrar-se em

7

conseguir um nmero suficiente de confirmaes dos principais emissores de CO2 visando o comprometimento dos responsveis por pelo menos 55% das emisses globais.3 O fato de que os Estados Unidos, responsveis por cerca de 30 por cento das emisses de gs carbnico no mundo, no assinaram o documento, reduz a eficcia do Acordo de Kyoto. Em nome do desenvolvimento das indstrias de um pas, a natureza global prejudicada. E, ironicamente, o pas que mais recursos financeiros possui para implementar aes de defesa ambiental. O movimento ambientalista em nvel internacional estratgico. A partir dos debates em diferentes pases, foi sendo construda uma conscincia ecolgica global. O esclarecimento da populao tambm a base do movimento no Brasil e no Rio Grande do Sul. A educao ambiental leva o cidado a pensar local e agir globalmente, visando o desenvolvimento sustentvel. O Movimento Ambientalista no Brasil O Brasil conhece a explorao de suas matas desde o descobrimento. Ao longo dos seus 500 anos, a Mata Atlntica foi desmatada em 97% pelos ciclos do acar, do caf, pela industrializao e para a construo de estradas e vias urbanas. A Floresta Amaznica tambm j contabiliza enormes perdas de fauna e flora irreparveis; espcies medicinais ainda no estudadas correm o risco de serem extintas, atravs de queimadas endmicas e do desmatamento. Alm da destruio vegetal, o pas enfrenta a poluio das guas, do ar, e um crescimento urbano desordenado, com conseqncias sociais e ecolgicas alarmantes. Ainda no perodo colonial, em 1808, D. Joo VI criou o Jardim Botnico do Rio de Janeiro; foi o primeiro sinal de ateno natureza. Jos Bonifcio, tutor de D. Pedro I, fez um curso de Histria Natural em Portugal, e tinha preocupaes com a preservao da natureza. Jos Augusto Pdua (2002), no livro Um Sopro de Destruio, expe os resultados de exaustiva pesquisa sobre a crtica ambiental brasileira nos sculos XVIII e XIX. Muito antes do que se poderia acreditar, j havia reflexo sobre o tema da destruio e seus laos com o sistema escravista. Pdua recupera textos de vrios intelectuais da poca, em que os autores a maior parte formada em Direito na cidade de Coimbra ou em Lisboa descreviam os abusos em relao ao ambiente como entraves ao desenvolvimento econmico do pas.

3

O Protocolo de Kyoto. Disponvel em: http://www.wwf.org.br/participe/minikioto_protocolo.htm . Consulta em: 31/10/2005.

8

Interessante ressaltar que no havia ainda uma conscientizao ecolgica; os intelectuais pesquisados por Pdua atribuam valor ao mundo natural por sua importncia econmica, no por algum sentimento de simpatia intrnseco pela natureza. Os recursos naturais eram percebidos como essenciais para o progresso futuro, portanto a destruio e o desperdcio dos mesmos eram considerados uma espcie de crime histrico, que deveria ser duramente combatido (PDUA, 2002, p. 13). Dentre os pensadores analisados no estudo, Jos Bonifcio recebe destaque, porque representa a crtica ambiental em estgio mais apurado, apesar de no inaugura-la. Segundo Pdua, Bonifcio pode ser considerado fundador da crtica sistmica da destruio ambiental no Brasil (2002, p. 14). A primeira entidade ambientalista brasileira foi a Sociedade dos Amigos das rvores, fundada em 1931 pelo botnico Alberto Sampaio no Rio de Janeiro. E em 1948 foi criada a Fundao Brasileira para a Conservao da Natureza, a FBCN, que tinha como objetivos a criao e estabilizao de parques, reservas, monumentos, com ateno especial para espcies raras ou ameaadas de extino; cooperao com governos e outras entidades nacionais e estrangeiras; estudos e pesquisas relativas conservao dos recursos naturais; difuso dos conhecimentos conservacionistas (BONES; HASSE, 2002, p. 16). Entretanto ainda no havia uma preocupao ambiental no Brasil. Os mecanismos de normatizao restringiam-se ao saneamento, a preservao do patrimnio natural, histrico e artstico. Em 1956 surgiu a Associao de Defesa da Flora e da Fauna (ADEFLORA), criada para dar fora uma campanha de defesa das florestas do Pontal do Paranapanema. Um dos seus fundadores, Paulo Nogueira Neto, foi convidado a integrar o Conselho Florestal, ligado ao Governo de So Paulo. Formado em Histria Natural e em Direito, Nogueira Neto ajudou a preparar a legislao ambiental brasileira. O Brasil esteve representado na Conferncia de Estocolmo, em 1972, com uma delegao que considerava a proteo Natureza um empecilho ao progresso. Os delegados, Costa Cavalcanti, Miguel Osrio Almeida e Jos Candido Mello Carvalho, defenderam o direito s oportunidades de crescimento econmico a qualquer custo. A Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), implantada por Nogueira Neto em 1973, foi o primeiro rgo governamental importante de proteo natureza, em mbito nacional. Foi criada para discutir a questo ambiental, instigando a conscientizao das pessoas, e para combater a poluio.

9

No Rio Grande do sul, em 1971 foi criada a Associao Gacha de Proteo Natureza - AGAPAN, tendo como principais fundadores o Agrnomo Jos Lutzenberger, o Advogado Augusto Carneiro e o casal Juarez Romano-Hilda Zimmermann, entre outros. Citada por alguns autores como a principal entidade ambiental brasileira da dcada de 1970, a AGAPAN foi protagonista de diversas lutas pelo meio ambiente, algumas delas detalhadas nesta pesquisa. De fato, o movimento ambientalista gacho foi muito forte e ativo. Alfredo Sirkis considera o episdio ocorrido em Porto Alegre, em 25 de fevereiro de 1975, no qual o jovem estudante Carlos Dayrell sobe numa rvore na Avenida Joo Pessoa, para impedir que seja derrubada para a construo do viaduto Imperatriz Leopoldina, como marco inicial de um movimento eco-poltico (SIRKIS, 1992, p. 217). No Brasil. Em plena ditadura militar, no governo Geisel, o ato do estudante foi significativo pela contestao ao desenvolvimentismo sem considerar as conseqncias para o ambiente. A no derrubada da rvore foi uma vitria que deu novo impulso ao movimento ambientalista. Nos anos 1980-1990, o carter do movimento muda. Os ecologistas adotaram duas estratgias: ou faziam lobby, ou se organizavam em torno de um partido. Jos Lutzenberger teve uma atuao representativa com lobby, aproximando-se de polticos de diferentes partidos. O lobby no implica a tomada de partido, pelo contrrio, a capacidade de influenciar quem dispe de poder, independente de ideologia, ou afinidade partidria. Dessa maneira, Lutzenberger chegou a ser Secretrio Especial de Meio Ambiente do governo Fernando Collor. Uma gerao mais jovem de ecologistas preferiu a estratgia da organizao popular, atravs da filiao em partidos, caso de alguns ativistas da AGAPAN, como Caio Lustosa, Giovanni Gregol e Gert Schinke, por exemplo. Ecologistas ex-exilados criaram o Partido Verde, em 1986, no Rio de Janeiro, que surgiu devido aos limites do verde em vrios partidos. Inicialmente filiados em partidos diferentes, os ecologistas perceberam que os poucos espaos que tinham, apenas em perodo eleitoral, no seriam suficientes para resolver os problemas ambientais. O Partido abrigou vrios anistiados, e elegeu, em 1988, Alfredo Sirkis como vereador mais votado da cidade do Rio de Janeiro. Foram eleitos tambm ecologistas de outros partidos para vrias Cmaras Municipais neste perodo eleitoral. No mesmo ano, 1988, Chico Mendes foi assassinado. Acontecimento de intensa repercusso nacional e internacional, o escndalo colocou em pauta os problemas ecolgicos do Brasil. Chico Mendes, assim como Wilson Pinheiro, era um dos lderes do movimento dos

10

seringueiros, que lutava contra a devastao da Floresta Amaznica pelas moto-serras, tratores e pelos incndios. Desde a dcada de 1970, o regime militar estimulou a colonizao da Amaznia, quando, atravs de incentivos fiscais, permitiu a devastao da floresta para grandes pastagens, instigando o desenvolvimento da regio. Com isso, os povos da floresta, ndios, seringueiros e castanheiros, tiveram a prpria sobrevivncia comprometida. Chico Mendes organizava os seringueiros numa resistncia pacfica, em que muitas vezes estes se interpunham no caminho dos tratores e das moto-serras, chegando a enfrentar a violncia da polcia e dos jagunos contratados pelos latifundirios. Jos Lutzenberger, em suas viagens Amaznia, conheceu o trabalho de Chico Mendes, e percebeu a importncia que tinha para a preservao da floresta. O Ecologista gacho, que havia criado a Fundao Gaia, destinou ao lder seringueiro uma verba de US$ 500,00 (quinhentos dlares) mensais, conseguida na Europa. (BONNES; HASSE. Op. cit, p. 41). A morte de Chico Mendes influenciou a escolha do Brasil para sediar a Conferncia das Naes Unidas, a ECO-92, no Rio de Janeiro, e trouxe a questo ecolgica para os meios de comunicao, visvel, portanto, para a massa da populao. Essa tendncia se reforou ainda mais com a realizao da Conferncia em 1992, que foi muito noticiada. Porm, apesar da grande quantidade de informao, o efeito no foi suficiente para conscientizar as pessoas da situao ambiental. Mesmo com um frum internacional para debater as questes ecolgicas, com os avanos conseguidos atravs dele, e com a entrada de diversas organizaes no governamentais (ONGs) no campo ambientalista, na prtica, as lutas do dia-a-dia no foram reforadas, muito pelo contrrio, os problemas se agravaram, como o caso da Amaznia. O que se coloca uma questo poltica muito forte, por trs do debate ecolgico. A perspectiva ambiental muito mais profunda, pois alm do protesto que marcou a fase inicial do movimento, preocupa-se com a mentalidade capitalista selvagem, que prioriza o lucro, desconsiderando os danos ambientais de seus atos. Requer um trabalho que envolve a participao da sociedade, dos parlamentos, das empresas, de conscientizao de que o planeta e os recursos naturais no so infinitos. E de que as conseqncias de todo o abuso j esto sendo visveis no presente, na atualidade, pressionando reflexes sobre quais os futuros possveis... O movimento ambientalista gacho

11

Henrique Lus Roessler, considerado por Augusto Carneiro o primeiro ecologista do Brasil 4, j em 1939 tinha muitas preocupaes com o ambiente. Atravs de panfletos que distribua em So Leopoldo, buscava conscientizar a populao local da importncia da conservao da natureza. Em um edital intitulado Campanha de Proteo Natureza, Roessler, no cargo de Delegado Florestal, chamou a ateno dos interessados para o rigoroso e exato cumprimento de algumas exigncias legais, como, por exemplo, o compromisso de reflorestamento, a preservao das reservas florestais, o comrcio de produtos florestais, a eroso das terras, a regulamentao da caa e da pesca, entre outras. No fim do edital, consta: A lei no permite excusas de ignorncia. E abaixo: O homem destruidor da natureza mau elemento, demonstra crueldade de esprito, coopera para o empobrecimento prprio e desperdia a riqueza de sua ptria. 5 Embora as justificativas do autor sejam prerrogativas morais, e at mesmo cvicas, com um tom de nacionalismo, o seu trabalho foi pioneiro, porque abrangeu a natureza numa esfera geral, global. Havia, na poca (dcadas de 1930-1940), pessoas que defendiam a fauna e a flora, mas ainda no tinham a viso da natureza como um todo e de todos os desdobramentos da questo ambiental. Roessler, para Augusto Carneiro, era um globalista. Ele provou que era globalista pelo ato de perseguir os industriais e pelo ato de escrever artigos sobre o problema geral da indstria e da poluio.6

O Delegado Florestal foi precursor, ao compreender a

complexidade dos mecanismos poluentes, e em lutar contra os empresrios da regio, principalmente os donos de curtumes, inclusive chegando a mult-los, devido ao forte cheiro que exalavam em So Leopoldo e at mesmo nos municpios vizinhos. Entretanto, em 1955, perdeu a credencial de fiscal do meio ambiente, em virtude do Estatuto do Funcionrio Pblico Federal, que veda servios pblicos gratuitos. No mesmo ano, fundou a Unio Protetora da Natureza UPN, a primeira entidade ambientalista do Rio Grande do Sul, atravs da qual continuou o trabalho de proteo da natureza. Atravs da UPN, emitia panfletos para conscientizar a populao sobre as questes ambientais. Em 1957, Roessler comeou a escrever semanalmente no Correio Rural, suplemento do jornal Correio do Povo. Publicou ao todo 301 crnicas, sempre sobre a temtica ambiental. Analisava os problemas ecolgicos, criticava os desperdcios, denunciava a m administrao e o desleixo4 5

ENTREVISTA. Op. cit. SERVIO FLORESTAL. Edital: Campanha de Proteo Natureza. Por Henrique Luiz Roessler Delegado Florestal. Documento do Arquivo pessoal de Augusto Carneiro. 6 ENTREVISTA. Op. cit.

12

das autoridades para com as reas naturais. Em 1986, a AGAPAN promoveu a publicao do livro O Rio Grande do Sul e a ecologia, contendo 96 dessas crnicas, em homenagem a Roessler, que foram agrupadas de acordo com as questes tratadas pelo autor: Problemtica Florestal; Conscientizao Ecolgica; Caadores e Passarinheiros; Nossos Rios e a Poluio; Peixes e Pescadores; Os Animais; e o ltimo captulo chamado Progresso? Esses artigos no Correio do Povo fizeram com que ele se tornasse conhecido e seu trabalho fosse referncia para os fundadores da AGAPAN, em 1971. O Padre Balduino Rambo, filho da Companhia de Jesus, escreveu um livro, publicado em 1942, pretendendo descrever o Rio Grande do Sul tal qual , atendendo a trs aspectos: cientfico, didtico e o aspecto esttico, ou seja, a beleza natural das paisagens. O ltimo captulo do A Fisionomia do Rio Grande do Sul intitula-se Proteo Natureza, onde Rambo concebe que a proteo natureza est servio das cincias naturais, antropogeogrficas e histricas; baseia-se sobre um princpio de tica natural; e aliada de valor da higiene e pedagogia sociais, ajudando na educao nacional.(RAMBO, 1942, p. 432). A preocupao do Padre com a natureza do Estado grande: O mato riograndense est em grave perigo! E no so apenas as derrubadas da agricultura, tambm a indstria madeireira, que, mais tempo menos tempo, despojar as selvas uruguaias de seus gigantes mais expressivos, e acabar por transformar os soberbos pinhais em tristes fachinais (p. 437). Assim como Roessler, Rambo foi precursor na defesa natural, denunciando em seu livro a situao da fauna e da flora no Rio Grande do Sul. Seu trabalho no pode ser considerado cientfico, possui trechos de carter literrio, at mesmo potico, entretanto sua paixo pessoal pelo ambiente o levou a produzir um belo estudo sobre a paisagem natural. Ele percorreu os quatro cantos do Estado em um avio monomotor, de onde tirou fotos e coletou dados para sua pesquisa, iniciativa indita na poca, que certamente contribuiu para a Botnica e Geologia locais. Como Rambo mesmo menciona, seu livro antes uma tentativa, ditada pelo amor ao ptrio torro, de delinear os fundamentos fsicos da nascente cultura riograndense (Prlogo). As reivindicaes iniciais da AGAPAN

13

Por ocasio da fundao da AGAPAN, em 27 de abril de 1971, foi editado um Programa de Luta7, no qual consta que a entidade defender a natureza ameaada, nas formas de fauna, vegetao, solo, atmosfera, guas, e luta pela salvao da humanidade da destruio, pela promoo da ecologia como cincia da sobrevivncia. Alm disso, a AGAPAN promoveria o combate ao massacre de animais e caa indiscriminada, s devastaes das vegetaes e s queimadas, ao uso exagerado dos meios mecnicos contra o solo e toda eroso provocada ou facilitada, poluio do ar causada pelas indstrias e veculos, poluio dos cursos dgua pelos resduos industriais e esgotos no tratados, do uso indiscriminado de inseticidas, fungicidas, herbicidas, raios ionizantes,sem a devida proteo s destruies desnecessrias de belezas paisagsticas. Pregava tambm a luta por uma nova moral ecolgica. Estas foram as primeiras bandeiras levantadas pelo Movimento. Pela atuao e lutas que os membros da AGAPAN promoveram ao longo de suas atividades, nota-se que as reivindicaes foram ampliadas e desmembradas em muitas outras. Neste primeiro momento, nota-se a grande influncia do Engenheiro Agrnomo Jos Lutzenberger, o primeiro presidente da entidade. O conceito de Ecologia que aparece na letra F da primeira parte do documento est presente no Manifesto Ecolgico Brasileiro - Fim do Futuro? (LUTZENBERGER, 1980). Neste livro, ele defende que a natureza uma sinfonia, feita de vrias partes que se inter-relacionam, interdependem-se e se complementam, compondo um todo orquestrado. As diversas espcies no poderiam viver isoladas, todas so peas de uma grande unidade funcional. A Natureza no um aglomerado arbitrrio de fatos isolados, arbitrariamente alterveis ou dispensveis. Tudo est relacionado com tudo (LUTZENBERGER, 1980, p. 11). O Agrnomo indica que os recursos do planeta Terra so limitados, e, numa perspectiva funcionalista, prope a preservao de todas as espcies sem exceo, pois entende a Ecosfera como uma unidade funcional em que cada pea (espcie) tem sua funo especfica, complementar de todas as demais. Em vista disso, para Lutzenberger, a Ecologia, como Sinfonia da Vida a cincia da sobrevivncia (p. 12). Ainda no Manifesto, de tom catastrofista, o autor explora vrias questes presentes no Programa de Luta. Sobre o uso de inseticidas, agrotxicos, lembra da Guerra do Vietn, do uso dos desfolhantes, herbicidas jogados pelos avies norte-americanos para dificultar a formao de esconderijos pelos guerrilheiros nativos, que destruram grandes extenses da7

AGAPAN. Programa de Luta. Porto Alegre, 27 de abril de 1971. Panfleto de divulgao da fundao da entidade. Arquivo pessoal de Augusto Csar Cunha Carneiro.

14

floresta vietnamita, transformando-as em pastos ecologicamente insustentveis. Lutzenberger cita o estrago dos pesticidas nas lavouras, nos cursos dgua, por onde escoa o veneno, ou a aplicao deste diretamente nas plantaes, por exemplo, no arroz, para controlar aguaps em canais e lagos.8 A questo da destruio vegetal tambm abordada por Lutzenberger; o caso da Amaznia destacado por ele. Alm da derrubada de milhares de hectares de floresta por incndios gigantescos, o uso do trator e principalmente da moto-serras so muito eficientes na devastao de rvores centenrias e dos animais, que perdem o seu habitat natural. O comrcio interno e de exportao de espcies raras de flora e fauna outro grave problema, pois muitas delas so endmicas formas de vida que ocorrem em um determinado lugar e em nenhum outro do planeta, porque exigem um habitat com condies muito especiais extremamente vulnerveis, portanto. Corre-se o risco de extingui-las antes mesmo de conhecer suas caractersticas, propriedades teraputicas, inclusive, no caso de plantas medicinais amaznicas. Outros temas relatados pelo Agrnomo so a caa ilegal, e mesmo a legal, que se fazia com regras absurdas; o reflorestamento, que, com incentivo fiscal, tornou-se, na verdade, incentivo para a derrubada das matas nativas, em troca do plantio de pinus ou eucalipto, impossibilitando a recuperao do ambiente natural; a destruio de monumentos arquitetnicos e do patrimnio histrico, para a construo de vias expressas, viadutos e tneis; a radiao ionizante, proveniente do uso da energia atmica, que afeta e altera o cdigo gentico, podendo causar cncer e mutaes. A moral ecolgica abordada por Lutzenberger num artigo no Correio do Povo, em 1971, Por uma tica ecolgica. Este texto foi lido no lanamento da AGAPAN, segundo depoimento de Augusto Carneiro. um alerta para a situao em que a natureza se encontrava, sobre os danos irreparveis da destruio de comunidades ecolgicas que levaram milhes de anos para evoluir, e que o ser humano estava legando extino. tambm um trabalho de conscientizao sobre a apologia do progresso:

Sobre a utilizao de agrotxicos na agricultura, o livro de Rachel Carson, Primavera Silenciosa, publicado em 1962, obra de referncia. Foi pioneira em detalhar os efeitos adversos da utilizao de pesticidas e inseticidas qumicos sintticos, iniciando o debate acerca das implicaes da atividade humana sobre o ambiente e o custo ambiental dessa contaminao para a humanidade. Carson mostrou como o DDT penetrava na cadeia alimentar e acumulava-se nos tecidos gordurosos dos animais, inclusive do homem, com o risco de causar cncer e danos genticos. O livro causou muita polmica, pois alm de expor os perigos do DDT, questionava a confiana cega da humanidade no progresso tecnolgico. Ao abordar a temtica ambiental verificando a causa maior do problema, a obra de Rachel Carson contribuiu para o incio do Movimento Ambientalista em mbito mundial, sendo inspiradora tambm para os ambientalistas gachos.

8

15

Nossa vida urbanizada, dominada por uma tecnologia artificial, nos est alienando quase por completo do mundo natural. Ns imaginamos que podemos viver totalmente isolados da natureza, que sobreviveremos num mundo s de humanos e mquinas, com meia dzia, talvez, de animais e plantas domsticas. Temos uma f inabalvel no que costumamos chamar de progresso. Uma f em que progresso significa crescimento eterno. (LUTZENBERGER, 1971, p. 22)

Para Augusto Carneiro, a reivindicao inicial eram as rvores. Nos depoimentos que concedeu para esta pesquisa, enfatizou sua preocupao: A nossa reivindicao inicial eram as rvores. A primeira, e at hoje. No h jeito de ns vencermos, isto , acabarmos com as podas.9 De fato, em 1972 o jornal Folha da Tarde publicava que menos de um ano aps ter sido fundada, a Associao Gacha ao Ambiente Natural AGAPAN considerava-se parcialmente vitoriosa na campanha contra a poda de rvores da cidade.10 Em seu livro A Histria do Ambientalismo, Carneiro (2003) enumera 14 reivindicaes principais, que ele tambm comenta nas entrevistas. Aqui sero explicitadas nove delas, consideradas as mais importantes para esta pesquisa. Caa, fauna, florestas: Segundo Carneiro, a AGAPAN surgiu dum debate sobre caa. A fauna em geral, ns pensvamos na fauna desde o Amazonas at o Uruguai, por que a gente conhece por causa de uns caadores conhecidos nossos.11 Houve o combate ao reflorestamento promovido pelo governo,com incentivos fiscais o reflorestamento de pinus eliote, eram incentivos fiscais. Os replantadores recebiam prmios de vrias espcies, t, o governo proibia. Ns conseguimos convencer o governo indiretamente, ao foi uma campanha direta contra o reflorestamento. Uma campanha contra esse tipo de reflorestamento, que pegou, pegou e o governo retirou os incentivos, porque esse reflorestamento era feito custa da floresta. Eles destruam a floresta pra plantar eucalipto, s pra ganhar o incentivo. Era uma baita vigarice ditatorial; ganhavam incentivo, t? Bueno, era sempre a custa das florestas nativas.12

A questo filosfica: Carneiro lembra a conferncia inicial de Lutzenberger, j citada acima, Por uma tica ecolgica, como marco do debate em mbito filosfico. Nela, o Agrnomo defende a metfora de que a humanidade como uma nave espacial, perdida na imensido do espao, e que o planeta Terra como uma jia rara, pois no h outro igual no sistema solar ao qual pertence. Ele compara o cuidado do astronauta com sua cpsula espacial, e o cuidado dos humanos com o planeta que habitam. necessrio recordar que a poca em

9

ENTREVISTA. Op. Cit. AGAPAN acha que sua campanha contra poda foi vitoriosa IN: Folha da Tarde, 4 de fevereiro de 1972. 11 ENTREVISTA. Op. Cit. 12 ENTREVISTA. Op. cit.10

16

que o artigo foi escrito, 1971, logo aps a viagem do homem Lua, em 1969, e o tema estava em voga, inclusive havia muita empolgao com a conquista do espao. Para Lutzenberger, o homem deveria tentar chegar a sistemas de equilbrio dinmico, nas questes econmicas, tecnolgicas e polticas, o que impediria o crescimento ilimitado do consumo e o esbanjamento dos recursos naturais. A moderao levaria a humanidade a gastar somente o que pudesse ser reposto. Mais uma vez utilizando metforas, numa analogia econmica, ele decreta: temos que aprender a viver dos juros de nosso capital, no podemos comer o capital. Se roermos a substncia, acabaremos com nosso prprio futuro e tornaremos impossvel a vida de nossos descendentes. 13 Em outro artigo, publicado no jornal Zero Hora, Lutzenberger retoma a questo do desenvolvimentismo, do consumo desenfreado, que era a sua grande preocupao, presente em todos os textos estudados para esta pesquisa. O agrnomo prope uma redefinio da palavra progresso, no somente como aumento constante do fluxo de materiais e dinheiro, mas progresso como aumento da soma da felicidade humana e manuteno da integridade, harmonia e sustentabilidade do grande Caudal da Vida neste astro. Da decorrero novos e fundamentalmente diferentes modelos de desenvolvimento. constante para Lutzenberger. A campanha contra a poda das rvores: Para Carneiro, foi questo ecolgica e poltica, pois houve enfrentamento com a autoridade municipal;a campanha contra a poda das rvores pode no ter feio alguma poltica, mas dado que ns enfrentvamos um poltico imbecil mesmo, um burro, como o prefeito de Porto Alegre, ento ela pegou uma feio bem poltica. Lgico que no detalhe quando a gente discutia: ah, esse galho, aquele galho, a sim no tinha feio poltica. Mas quando ns falvamos contra a poda das rvores em geral era uma questo poltica, t? Ahn... e ns no iramos atacar, por ser uma questo poltica, outra autoridade que no o idiota do prefeito.1514

A busca do equilbrio era

Em 1971, o prefeito de Porto Alegre era Telmo Thompson Flores, e, de fato, para a construo do Viaduto Imperatriz Leopoldina, na Avenida Joo Pessoa, mandou derrubar inmeras rvores, inclusive houve um episdio amplamente noticiado pela imprensa local e at mesmo nacional, do jovem Carlos Alberto Dayrell, estudante de Engenharia Eltrica, que13

LUTZENBERGER, Jos A. Por uma tica ecolgica. Manuscrito impresso pela Secretaria de Educao e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul Departamento de Assuntos Culturais, p. 2.. Centro de documentao sobre a Ao Integralista Brasileira e o Partido de Representao Popular (CD-AIB/PPR). 14 Em defesa do Ambiente. IN: Zero Hora, 29 de outubro de 1978. Recorte de jornal obtido nos documentos de Lucilla Dotti, CD-AIB/PPR. 15 ENTREVISTA. Op. Cit.

17

subiu numa rvore, para impedir que fosse cortada, na frente da Faculdade de Direito da UFRGS.16 Tambm para a construo da Segunda Perimetral, avenida que interligaria vrios bairros de Porto Alegre, o mesmo Prefeito pretendia derrubar trinta rvores na Avenida Goethe17, porm a campanha contra foi forte, at mesmo crianas colaram cartazes nas rvores, pedindo que fossem salvas, e elas esto l at hoje18, conta Carneiro. reas naturais: Exemplos de reas naturais defendidas pela AGAPAN foram as ilhas do Delta do Rio Jacu, a primeira segundo Carneiro; o Parque do Turvo; o Parque Saint Hilaire; a faixa de lagoas entre Rio Grande e Torres Lagoa do Peixe, em especial; o Parque da Guarita, em Torres. Este ltimo foi implantado por Jos Lutzenberger e administrado por ele de 1973 a 1978. Em 1996, foi cedido pelo governo do Estado para a Prefeitura Municipal de Torres. O Agrnomo o consideravaum carto de visita do Estado em sua entrada norte junto a costa (...) Muitas da espcies que ali existem, existem ali e em nenhum outro lugar do mundo. Por isso se concebeu ali um parque esttico-ecolgico, um parque concebido em cima da natureza existente com o sentido de refaz-la onde j estava devastada e acrescentar, sempre dentro de um dilogo direto com a natureza, sem plano inicial, concebendo o parque a medida que ele ia crescendo.19

Para Augusto Carneiro, as reas naturais so importantes espaos de perpetuao das espcies:o parque no vale pela beleza nem pelo verde, nem nada. o futuro. O parque sinnimo de futuro. (...) As reservas biolgicas e os parques so reservas para o futuro. o futuro, o sinnimo de futuro, porque ns vamos perder tudo, menos aquilo, e ns no podemos ceder nenhuma, nenhuma, porque elas representam as aves, e os poucos animais que poderiam sobreviver ali.20

Agrotxicos: O tema foi levantado por Lutzenberger atravs de palestras e denncias. Carneiro cita duas conferncias do Agrnomo proferidas na sede da AGAPAN, na Escola de Agronomia da UFRGS e na Sociedade de Agronomia do Rio Grande do Sul, com os ttulos

Derrubada de rvores.IN: Folha da Tarde, 25 de fevereiro de 1975, p. 21. A rvore salva. IN: Revista Veja, 05 de maro de 1975, p. 38. 17 Obras da Perimetral vo derrubar as rvores da Goethe. IN: Folha da Manh, 06 de maro de 1975, p. 5. 18 ENTREVISTA. Op. cit. 19 Estado entrega Parque de Torres Prefeitura. IN: Jornal Agir Azul, n 12, Outubro a Novembro de 1996, p. 17. 20 ENTREVISTA. Op. cit.

16

18

A Insensatez da Agroqumica e Contaminao Insidiosa. Lutzenberger critica o uso dos defensivos, apontando que

21

No Fim do Futuro, tambm

os problemas no decorrem s do mau uso, o prprio uso correto constitui arma indiscriminada. O agricultor, que pretende ver-se livre de um determinado inseto em sua lavoura, aplica uniformemente em toda ela um veneno fulminante ou persistente. Ele consegue assim matar o organismo que quer combater, mas no se interessa pelos demais organismos que tambm mata, entre eles seus maiores aliados. Alm da lagarta, o inseticida mata a perdiz, o tico-tico, a currura, o sabi, os sapos e pererecas e todos os insetos predadores, mata a vida do solo e envenena os cursos dgua. (LUTZENBERGER, 1980, p. 24-25).

Se as afirmaes do Ecologista hoje fazem parte do senso comum, na poca eram desconhecidas da maioria da populao. Na dcada de 50, no Brasil, em substituio do DDT, foram introduzidos inseticidas fosforados, acompanhados de um mtodo cruel, devido ignorncia sobre o tema. Para misturar o DDT, em p solvel, com a gua, os agricultores foram ensinados a usar o brao, com a mo aberta girando meia volta em um e outro sentido, dentro do recipiente que continha o veneno. O DDT tem uma dose letal alta, necessria uma grande absoro do produto para provocar a morte, e levava em mdia 15 anos para os problemas de sade aparecerem. Entretanto, ao servir-se da mesma tcnica na mistura do Parathion, primeiro fosforado utilizado no Brasil, o agricultor caa morto, fulminado.22 Transamaznica: Em janeiro de 1972 houve um manifesto sobre o assunto publicado no Correio do Povo, em que a AGAPAN demonstrava preocupao com a construo da estrada, e, em dezembro do mesmo ano ouro artigo defendia a Amaznia. Segundo Carneiro, a Transamaznica foiuma obra da ditadura. Essa estrada foi iniciada e parou no meio do caminho. Uma pequena parte asfaltada e o resto abandonado. Ela trouxe para a Amaznia muita destruio, muita ocupao. Ns tivemos agora um exemplo dessa ocupao da Amaznia com o noticirio sobre a seca do Rio Amazonas, eles mencionaram o seguinte: que essa seca, desse sculo passado, a segunda conhecida. H uns vinte, trinta anos atrs, e que a grande diferena seria a ocupao humana. A Transamaznica uma desconsiderao com a mata, uma destruio pavorosa. Os incndios so propositais. Todos, no h incndio acidental. Poucas pessoas conhecem bem os incndios, e elas garantem que os incndios so propositais em toda parte. No so acidentais nem naturais.23

21 22

CARNEIRO. Op. cit, p. 86. A primavera silenciosa. Um dos livros que marcaram o sculo XX. Disponvel na Internet em www.geocities.com. Consulta em 24/09/2005. 23 ENTREVISTA. Op. Cit.

19

Problemas urbanos e defesa de praas e rvores: Segundo Carneiro, as lutas foram contra a edificao de viadutos e vias asfaltadas, na dcada de 1970. Parte do programa ditatorial de progresso, obras tidas como desenvolvimentistas tambm tiveram seu lugar em Porto Alegre. Como foi citado anteriormente, houve atritos com o prefeito Thompson Flores, que mandou derrubar todas as rvores que atrapalhassem suas construes. Borregaard: A Borregaard foi uma empresa de processamento de celulose, para posterior fabrico de papel. Instalou-se no municpio de Guaba, s margens do Lago de mesmo nome, e comeou a operar em 16 de maro de 1972. Foi um dos grandes projetos do perodo no Estado, que no teve preocupao com o ambiente. De sua chamin, exalava um perfume que inunda a cidade (Porto Alegre) vindo de Guaba (...) o mau cheiro da Borregaard e toda a poluio oriunda das indstrias responsvel por 20% da poluio do ar numa rea urbana. 24 O artigo de Fernando Sampaio pretende esclarecer, entretanto, que o problema vai muito alm do cheiro:Muitos esto preocupados com a poluio exclusivamente por causa da Borregaard e de seu mau cheiro. Ns achamos que a Borregaard, de certa forma, nos veio ajudar. Antes dela, poluio, ecologia,equilbrio natural e proteo e reconstituio da natureza eram frases que ecoavam no vazio. No tinham sentido para a maioria. Quase ningum se dava conta do perigo. Apenas uns poucos estavam conscientes disto. Agora, ao se tratar do tema poluio, a ateno muito maior. No s aqui. O problema mundial.25

Foi articulada uma grande campanha contra a Borregaard, que reuniu tcnicos do governo, ativistas ambientais, entidades profissionais, imprensa e polticos. At mesmo uma Comisso Parlamentar de Inqurito foi aberta, na Assemblia Estadual, onde a Associao Mdica do Rio Grande do Sul apresentou um relatrio sobre casos de problemas de sade oriundos da poluio provocada pela Borregaard: dores de cabea, irritao dos olhos, nuseas, vmitos, etc. (BONNES; HASSE, 2002, p. 30). Em virtude da polmica, a Borregaard foi fechada em dezembro de 1973, pelo secretrio da sade, Jair Soares. Reabriu em maro de 1974, comprometendo-se a reduzir seus ndices de poluio. Porm foi novamente fechada em novembro do mesmo ano, tendo que investir US$ 3,5 milhes de dlares em equipamentos para voltar a operar. Alm das questes ambientais, o relatrio de CPI abrangeu as negociaes poltico-financeiras para a24

SAMPAIO, Fernando. Borregaard.A poluio industrial e a destruio ecolgica. IN: Correio do Povo, 25 de abril de 1973. 25 Ibidem.

20

implantao da indstria em parceria com um grupo noruegus. Aps as investigaes, finalmente os noruegueses abandonaram o negcio, ficando o controle acionrio (51%) nas mos do Montepio da Famlia Militar (MFM), o que possibilitou a nacionalizao da empresa, pois 44% j correspondiam ao dinheiro injetado pelo BNDES no projeto. (BONNES, HASSE, 2002, p. 30). O nome da indstria passou a ser Celulose Riograndense Ltda. (Riocell). A postura em relao ao meio ambiente tambm mudou. Carneiro lembra que o Lutzenberger, no fim, no ficou contra a nova empresa, que no era a Borregaard, e sim Riocell.26 Carneiro conta tambm que Lutzenberger ficou responsvel, durante um tempo, por um terreno ao lado da Riocell, para organizar ali um parque natural:Mas acontece que naqueles tempos o Lutzenberger foi passar um dia l, pr...eles ofereceram, tanto pro Lutzenberger, quanto pra outros membros da AGAPAN, e olhando aquele espao de 1 km de frente por at cem metros de largura, frente ao Rio, o Lutzenberger viu algum plantando mais eucalipto em linha reta, e tando acompanhado de um dos diretores, eu no me lembro o nome, bom seria se eu soubesse o nome... Esse diretor foi amigo do Lutzenberger, ele gostava do papo do Lutzenberger, e o Lutzenberger disse a ele na hora: olha, isso t tudo errado, plantar em linha reta, eucaliptos, isso aqui um espao que d pra fazer um parque, e seria o parque mais bonito da vida do Lutzenberger, no fosse abandonado, entregue pra uma empresa de limpeza pblica. Ela faz tudo errado, mas mesmo assim mantm o parque, porque o parque reage sozinho, as rvores crescem, n, eu no tenho ido l. (...) do lado da Riocell. E ento o Lutzenberger aconselha o cidado l, esse homem at no enterro dele foi, j no era mais diretor da Riocell, tambm foi num aniversrio do Lutzenberger, que eu estava. Era um homem bom, e defendeu o Lutzenberger, porque os engenheiros da Riocell ficaram horrorizados com a demora que o Lutzenberger fazia, no botava aterro; o parque tem vrias depresses com gua, e os engenheiros idealizaram que o Lutzenberger burro, porque o certo era pegar um trator e tapar tudo, t, com os pontinhos de calia das obras. Pois o Lutzenberger manteve os montinhos de calia, no tapou buraco nenhum, e os montinhos de calia ele passou terra em cima, plantou, ficou um encanto, fez verdadeiras maravilhas. Tudo l ele fez coisa bonita, demorou, os engenheiros falavam dele que no era brinquedo, porque ele no passava um trator e terminava com aquilo num dia, e ele trabalhou com enxada e tudo, fez uma grande obra, depois perdeu. Eu tenho vontade de voltar l pra falar com os diretores pra recuperar aquilo, mas primeiro eu quero ir l na casa do Lutzenberger antiga. 27

Alm dos servios no parque, Lutzenberger tambm foi contratado para fazer o aproveitamento do lixo industrial da Riocell. (BONNES; HASSE, 2002, p. 40-41). Augusto Carneiro relata como foi interessante a maneira que Lutzenberger inventou de transformar os detritos que a Riocell jogava no Lago Guaba em adubo:

26 27

ENTREVISTA. Op. cit. ENTREVISTA. Op. cit.

21

Bom, o Lutzenberger inicia o combate prpria Borregaard, depois na Riocell ele reconheceu que o trabalho contra a poluio bastante intenso, e a tem um nico exemplo que eu vou dar, no vou fazer uma anlise grande: no incio da Borregaard eles pegaram um avio, o Lutzenberger e o Ossanai, diretor da FEPAM, daquela poca, e viram que saa da frente da Borregaard, uma mancha preta. Pelo tamanho dessa mancha, no da mancha, tamanho mtrico cbico, do volume dos afluentes, do que estavam sendo jogados no Guaba, teria aterrado o Guaba, porque so 50 caminhes por dia, que hoje so transformadas em adubo. Bueno, no incio o Lutzenberger levava esse troo na casa dele e fazia experincias no quintal. Sempre deu certo, sempre. Nunca aquilo continha efluentes perniciosos, e no fim ele transformou num aproveitamento total daquela matria que era jogado no Rio. Hoje a FEPAM tambm proibiu a Riocell de jogar no Rio, mas acontecia de ir ocupando lugares sem parar, contaminando, estragando tudo, ento ele inventou uma maneira de aproveitamento, de vender como adubo...E foi dali que ele comeou a tirar uma renda estvel, no excepcional, e a filha dele a diretora da fbrica hoje. Ele ali comeou a ganhar um dinheirinho, e o ajudante-mor dele l era eu, durante um ano.28

Lutzenberger foi criticado por estar prestando servios a Riocell, porm ele mesmo se defendeu:Numa entrevista revista Guia rural, em 1989, ele explicou: Dizem que eu me vendi Riocell. Na verdade, eu tive de tirar o chapu para eles. Mas no era para tirar? Se tu brigas dez, doze anos com algum, dizendo que ele deve fazer isso e aquilo, e ele faz, qual a tua atitude? Ora, tu vais l e te abraas a ele, no mesmo?

(BONNES; HASSE, 2002, p. 40). A operao Hermenegildo: um movimento organizado pela AGAPAN e ADFG em conjunto com outras entidades, para chamar a ateno da sociedade gacha para a mortandade de peixes e animais na Praia do Hermenegildo, em 1978, no litoral do Rio Grande do Sul. Em clima de mistrio, o governo declarou que o motivo para as mortes era a Mar Vermelha, um fenmeno ecolgico. Os ambientalistas no aceitaram a explicao, pois estavam convictos de que o que causara o desastre teria sido o naufrgio de um navio, contendo carga qumica altamente perigosa, inclusive mercrio. A campanha promovida pelos ambientalistas no conseguiu provar sua hiptese, tampouco a do governo do Estado foi plenamente aceita. Apesar de no ter sido uma operao mal-sucedida, no conseguiu impor a sua verso do real motivo pelo qual teria ocorrido o desastre ecolgico. A energia atmica: A AGAPAN redigiu um manifesto contra as experincias nucleares francesas, em 30 de agosto de 1973, por intermdio de Celso Marques, sem a

28

ENTREVISTA. Op. it.

22

participao de Jos Lutzenberger. (CARNEIRO, 2003, p. 89). O documento foi entregue ao consulado Francs e publicado no Estado de So Paulo. 29 Jos Lutzenberger fez uma conferncia sobre o tema, aberta ao pblico, em 20 de julho de 1975, intitulada Os Custos Ambientais do Uso Pacfico da Energia Atmica, na qual analisou a questo do uso da energia atmica tanto para fins de guerra, quanto para fins pacficos. Isso foi uma novidade, mesmo para os membros da AGAPAN, pois era senso comum que a energia nuclear era prejudicial na forma de bombas, como arma de destruio em massa. Lutzenberger um dos pioneiros no Brasil a tratar a energia nuclear para fins pacficos como tambm perigosa e causadora de graves problemas:A proliferao atmica, tanto em sua fase guerreira como na fase dita pacfica, ambas complementando-se perfeitamente, constitui o maior perigo que o Homem e a Natureza j enfrentaram. Incidindo sobre o mecanismo hereditrio dos seres vivos, a radiao ionizante afeta e altera o cdigo gentico. (...) Os estragos, deformaes ou deficincias hereditrias podem aparecer at muitas geraes e milhares de anos depois. Assim, quando contaminamos o ambiente com radiaes ionizantes, prejudicamos no somente os que hoje vivem, mas condenamos tambm geraes futuras que nada tm a ver com nossas motivaes atuais. (LUTZENBERGER, 1980, p. 40-41).

O tom catastrfico do Manifesto era compartilhado com outros escritos, por exemplo, os livros de Rachel Carson e de Jean Dorst. Entretanto, Lutzenberger e outros ecologistas buscavam alertar as pessoas de que a questo ambiental muito mais profunda do que parece. Tanto a energia nuclear, quanto os agrotxicos, a derrubada das rvores o reflorestamento, a poluio, enfim, toda a agresso ambiental deveria ser compreendida como reflexo da sociedade consumista contempornea. Os ambientalistas, com seus discursos alarmantes queriam promover uma nova moral, a ecolgica, uma nova forma de educar a populao para o no-consumismo, para a conscientizao de que o progresso puro e simples, sem considerar a natureza, levaria ao esgotamento dos recursos naturais e ao fim da prpria humanidade. Consideraes finais O ambientalismo uma nova forma de movimento social descentralizado, surgido nas dcadas de 1960-1970 no Brasil, e no Rio Grande do Sul. Num contexto de regime ditatorial, o movimento ambientalista foi uma voz que permitiu a manifestao pelo amparo natureza. A entidade ambientalista gacha mais importante foi a AGAPAN, fundada em 1971. Foi a que mais aes liderou, a que congregava o maior nmero de scios em seus quadros.29

O Estado de So Paulo, 31 de agosto de 1973.

23

Alm disso, era mencionada nos jornais porto-alegrenses da dcada de 1970 constantemente.30 Suas reivindicaes podem ser consideradas como anseios do movimento, dada a liderana que tinha nas lutas ambientais. O episdio da rvore, de 1975 emblemtico do incio do movimento. caracterstico dessa primeira fase, em que as aes dos indivduos eram valorizadas. No importava se era um estudante, uma dona-de-casa, ou um comerciante, dado o carter multifacetado do movimento; se pretendia defender a natureza, era considerado ambientalista, e estimado como tal, pelos que compartilhavam seus ideais. Numa poca de represso, de reforo s idias de ordem e progresso, com vistas a cumprir o plano desenvolvimentista do Estado, o ato do estudante pode ser visto como um alerta: era possvel construir um viaduto sem derrubar as rvores; a harmonia entre homem e natureza era vivel. A Operao Hermenegildo foi uma das aes mais importantes, organizadas em conjunto por vrias entidades ambientalistas. Pelos jornais e documentos analisados, percebese que o clima final foi de indignao, pois, para os membros do movimento, o laudo de Mar Vermelha no estava correto. A causa das mortes nas praias gachas teria sido o naufrgio do navio Taquari, que transportava uma carga poluente. Dessa forma, a defesa da rvore feita por Carlos Dayrell pode ser interpretada como um grande sucesso do movimento ambientalista, pois a rvore no foi derrubada est no mesmo lugar at hoje -, o fato trouxe repercusso para o movimento e chamou a ateno da populao para as questes naturais. Sobre o caso de Hermenegildo no se pode inferir o mesmo. Apesar de no ter sido uma operao mal-sucedida, no conseguiu impor a sua verso do real motivo pelo qual teria ocorrido o desastre ecolgico. O movimento ps-dcada de 1970 mudou de estratgia. As aes, os manifestos vo sendo silenciados, e os ambientalistas passam a agir em torno de partidos, ou fazendo lobby junto a autoridades que tm poder para implementar suas reivindicaes. A realizao de grandes conferncias, como a RIO-92, trouxe popularizao ao tema, mas a degradao do ambiente continua crescendo. No entanto, poderia ser bem pior, se no fosse a conscientizao provocada pelas aes do movimento ambientalista. Atualmente, a questo ambiental est presente at mesmo na administrao das empresas. A responsabilidade scio-ambiental se tornou uma meta a ser alcanada pelas corporaes; importante para a prpria imagem delas serem reconhecidas por permearem suas aes pela tica e pelo cuidado com o meio-ambiente.30

Nos jornais pesquisados, h referncias AGAPAN, ou a membros da entidade, quase que diariamente, nos anos iniciais de sua fundao, durante a dcada de 1970.

24

Em pleno sculo XXI, depois de duas guerras mundiais, de tantos conflitos pela terra, por religio, raa, gnero, enfim, a preservao da natureza pode significar a prpria sobrevivncia da humanidade. O movimento ambientalista, em seus primrdios, principalmente, mostrou que o homem pode resgatar a si mesmo, conservando o planeta; o seu equilibro com a natureza depende disso, pois tudo est relacionado com tudo! Neste sentido, o movimento foi uma voz ativa e penetrante, no meio de tanto silncio sobre o tema. Depois de tantos invernos, em que usar e abusar dos recursos naturais era considerado normal e necessrio, pois o homem era o animal racional, em nome do progresso, do desenvolvimento e tantas outras armadilhas, floresce o ambientalismo, como a voz da primavera... Uma primavera cujas flores precisam ser regadas constantemente, para no morrerem no vero, propiciando o nascimento de muitos frutos de suas idias no outono...

Fontes AGAPAN. Programa de Luta. Panfleto de divulgao da fundao da entidade. Arquivo pessoal de Augusto Csar Cunha Carneiro, Porto Alegre, 27 de abril de 1971. DOCUMENTOS DE LUCILA DOTTI. Arquivo do Centro de Documentao da Ao Integralista Brasileira. ENTREVISTA Oral de Augusto Carneiro a Elenita M Pereira. (03 sesses gravadas em fitas cassete e transcritas posteriormente). FOLHETO de Divulgao da Operao Hermenegildo. Maio de 1978. Arquivo pessoal de Augusto Carneiro. SERVIO FLORESTAL. Edital: Campanha de Proteo Natureza. Por Henrique Luiz Roessler Delegado Florestal. Documento do Arquivo pessoal de Augusto Carneiro. Jornais e revistas JORNAL CORREIO DO POVO. Diversas datas. 1971-1978. JORNAL FOLHA DA MANH. Diversas datas durante a dcada de 1970. JORNAL FOLHA DA TARDE. Diversas datas durante a dcada de 1970. JORNAL O ESTADO DE SO PAULO. 31 de agosto de 1973. JORNAL ZERO HORA. Diversas datas durante a dcada de 1970. ZERO HORA. N 14.696. 19 de novembro de 2005.Caderno de Cultura, p. 6. REVISTA VEJA. 05 de maro de 1975.

25

Referncias bibliogrficas ACOT, Pascal. Histria da Ecologia. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1990. BONES, Elmar, HASSE, Geraldo. Pioneiros da Ecologia: Breve Histria do Movimento Ambientalista no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: J Editores, 2002. CARNEIRO, Augusto Cunha. A Histria do Ambientalismo. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzato, 2003. CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. A inveno ecolgica. Porto Alegre: Editora da Universidade - UFRGS, 2001. CARSON, Rachel. Primavera Silenciosa. So Paulo: Melhoramentos, 1964. DORST, Jean. Antes que a natureza morra. So Paulo: Edgard Blcher e Editora USP, 1973. LUTZENBERGER, Jos A. Fim do Futuro? Manifesto Ecolgico Brasileiro. Porto Alegre: Editora Movimento, 1980. MEADOWS, Donella H. et al. Limites do Crescimento: Um relatrio para o projeto do Clube de Roma sobre o dilema da humanidade. So Paulo: Editora Perspectiva S. A., 1973. McCORMICK, John. Rumo ao Paraso: a histria do movimento ambientalista. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 1992. PDUA, Jos Augusto. Um sopro de destruio. Pensamento poltico e crtica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. RAMBO, Balduino. A Fisionomia do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Livraria Selbach, 1942. ROESSLER, Henrique Lus. O Rio Grande do Sul e a Ecologia Crnicas escolhidas de um naturalista contemporneo. Porto Alegre: Martins Livreiro-Editor, 1986. SCHERER-WARREN, Ilse. KRISCHKE, Paulo J. Uma Revoluo no Cotidiano? Os novos movimentos sociais na Amrica Latina. So Paulo: Editora Brasiliense, 1987. STEPAN, Alfred. Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. UNGER, Nancy Mangabeira (org.). Fundamentos Filosficos do Pensamento Ecolgico. So Paulo: Edies Loyola, 1992. WASSERMAN, Claudia. GUAZELLI, Csar Augusto (orgs). Ditaduras Militares na Amrica Latina. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2004.