aAULAS de Civil

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Data: 02/09/08 Aula 01 Meu nome Fabrcio Carvalho, sou Procurador do Estado, sou mestre em Direito Civil pela UERJ. Teremos 30 encontros de 3 horas, vamos ter 90 horas e a proposta abranger parte geral, obrigaes, contratos, reais e responsabilidade civil. O tema bastante rduo, bastante extenso, ento vamos nos dedicar com afinco. Em relao referncia bibliogrfica no h um autor que resolva todos os problemas. Na verdade, no direito civil contemporneo, vamos ver que verdades absolutas so muito poucas. Ento, vou indicar algumas opes. Algumas boas referncias: Carlos Alberto Gonalves, o curso de direito civil e no as sinopses. Tambm boa a obra do Cristiano Chaves de Farias, que escreve em parceria com o Nelson Rosenvald. Para parte geral h outra obra tambm interessante, que do Francisco Amaral. Dentre os clssicos, talvez o mais interessante seja o Caio Mrio, at porque a atualizadora a Maria Celina Bodin de Moraes, que uma autora que est bem atualizada com vrios temas. Claro que a atualizadora acaba sofrendo algum tipo de restrio, pois no pode alterar a substncia da obra, ento... Enfim, dos clssicos talvez o Caio Mrio. H quem goste do Venosa e assim sucessivamente. Como segunda leitura, em uma perspectiva um pouco mais aprofundada e mais polmica como vamos perceber no decorrer do curso, temos o Gustavo Tepedino. No aconselho como primeira leitura, porque o Tepedino muito polmico. Ns veremos que ele tem posicionamentos extremamente minoritrios, mas talvez ele seja o diferencial, hoje, no direito civil. No d mais para estudar direito civil sem consultarmos os enunciados do Conselho da Justia Federal. Se colocarmos no Google Conselho da Justia Federal, o primeiro site que aparece. Claro que os objetivos aqui so mltiplos, nem todo mundo quer s concurso pblico, mas falando na realidade de concurso talvez se fizermos uma estatstica ps-cdigo civil em vigor, 80% das questes de prova encontram resposta nesses enunciados. Mas no podemos levar esses enunciados para as provas, ento, quem pensa em concurso tem que ler e vamos fazer remisso aqui e acol, numa espcie de colas lcitas em nossos cdigos. 1. Constitucionalizao do Direito Civil Antes de comearmos especificamente a tratar do cdigo civil, vamos fazer uma breve introduo acerca da questo da constitucionalizao do direito civil. um tema que est em voga. Na verdade, percebemos que toda a tendncia do direito civil no sentido de ser interpretado luz da Constituio. O Cdigo Civil de 1916, o revogado, foi extremamente inspirado pelo Cdigo Civil francs, pelo Cdigo Civil Napolenico. Toda codificao da poca foi extremamente influenciados pelo Cdigo Civil da Revoluo Francesa. a chamada Codificao Oitocentista, ou seja, so os Cdigos elaborados nesta poca, sob o influxo do Cdigo Civil Napolenico. Como todos sabem, h trs postulados bsicos na Revoluo Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. S que a perspectiva de igualdade da Revoluo Francesa correspondia a idia da igualdade meramente formal, isonomia formal e no ambiente de isonomia formal todos so tidos como efetivamente iguais. Essa questo da isonomia formal, que to difundida no direito constitucional, trouxe um reflexo decisivo para o direito civil, porque em um ambiente em que todos so tidos como efetivamente iguais, desnecessria a interveno do Estado nas relaes privadas. Se eu sou tido como absolutamente igual a empresa IBM ou qualquer outra grande empresa, desnecessria a interveno do Estado nessa relao jurdica, porque se todos so efetivamente iguais, cada um melhor tutelar os seus respectivos interesses. Ento, naquele contexto era tido como desnecessria a interveno estatal nas relaes privadas. Obviamente que esse contexto de isonomia formal interessava classe econmica dominante, a burguesia, que em um ambiente em que o Estado no intervm nas relaes privadas o interesse econmico sempre prepondera. Sabemos que esse sistema de isonomia formal caiu por terra, no resistiu a realidade dos fatos, isto , duas grandes guerras, crack da Bolsa de Nova Iorque e hoje ns conhecemos o sistema de isonomia material, isonomia substancial. Ento, percebam bem... O que aconteceu no direito brasileiro resumidamente? Ns tnhamos um Cdigo Civil de 1916 extremamente apegado ao ideal da Revoluo Francesa, um Cdigo Civil que no prezava pela interveno do Estado nas relaes privadas. Por outro lado, ns tnhamos uma realidade scioeconmica que impunha a interveno estatal nas relaes privadas, do direito civil. Qual foi a reao do legislador a esse descompasso entre o Cdigo Civil e essa nova realidade social? Foi o surgimento dos chamados microssistemas. o que a doutrina chama de movimento de descodificao. 1

Pouco a pouco, o Cdigo Civil de 1916 foi perdendo a centralidade do sistema, porque diversas leis extravagantes, esses chamados microssistemas, comearam cada vez mais a regulamentar determinado setores da vida privada. Ns temos hoje diversos microssistemas: estatuto da terra, locao, consumidor, meio ambiente, enfim, inmeras situaes envolvendo a questo dos microssistemas. Qual o grande cuidado que preciso tomar? Essa expresso microssistemas ela no pode ser levada ao p da letra, porque se interpretarmos literalmente a expresso microssistemas, o que essa expressa parece sugerir? Que ns temos diversos sistemas jurdicos, quando, na verdade, por razes bvias, o sistema jurdico apenas um. Quem garante a unidade do sistema jurdico a Constituio. Quer dizer, o papel preponderante da Constituio Federal garantir a unidade do sistema jurdico. Ento, claro que dentro dessa perspectiva de garantir a unidade do sistema, o direito civil, necessariamente, precisa ser interpretado em harmonia com os valores e princpios constitucionais. Aquela pirmide do Kelsen ilustra bem essa perspectiva. Percebam que isto vem em harmonia inclusive com a tendncia de ps-positivismo. Ou seja, dentro da lgica de que o direito positivo vlido sim, a regra escrita vlida sim, mas desde que interpretada e aplicada em harmonia com os valores do sistema. No h dvida alguma de que no h hierarquia entre normas e princpios constitucionais. No direito brasileiro sempre prevaleceu o chamado princpio da unidade hierrquico-normativa. O direito brasileiro nunca admitiu aquela teoria das normas constitucionais inconstitucionais, do Otto Bachof que defendia a existncia de hierarquia ente normas e princpios constitucionais. Isso, no Brasil, nunca valeu, pois aqui vige, o Princpio da Unidade Hierrquico-Normativa. C entre ns, e que os constitucionalistas no nos ouam, mas h um princpio constitucional que ganha um papel de maior realce no direito civil, o princpio da dignidade da pessoa humana. A Maria Celina Bodin de Moraes preconiza que o princpio da dignidade da pessoa humana comporta quatro subprincpios. Ns teramos quatro subprincpios decorrentes da dignidade da pessoa humana, quais sejam: liberdade, igualdade, integridade psicofsica e solidariedade. O princpio constitucional da solidariedade ns utilizaremos bastante aqui no decorrer do curso, e ele est contemplado no artigo 3, inciso I da CF. Lembrando que a dignidade da pessoa humana est no artigo 1, inciso III da CF. Art. 3 da CF: Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidria; Art. 1 da CF: A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; Grosso modo, porque claro que vamos precisar avanar um pouco no direito civil para percebermos os efeitos mais prticos decorrentes dessa nova perspectiva, mas justamente por conta do que ns estamos comeando a delinear que, modernamente, a doutrina costuma salientar a questo da despatrimonializao do direito civil. justamente a dignidade da pessoa humana, aplicada ao direito civil, que gera a chamada despatrimonializao do direito civil. Para no viajarmos demais, qual a sntese da despatrimonializao do direito civil? Quando h um conflito entre o interesse patrimonial e o interesse existencial, h de preponderar o interesse existencial. Basicamente a doutrina costuma dizer o seguinte: em um ambiente anterior, a preocupao central do ordenamento jurdico, para o direito civil, se focava no contratante e no proprietrio, ou seja, a preocupao central envolvia o contratante e o proprietrio, isso, repito, dentro de uma conotao patrimonial. Por outro lado, no direito civil contemporneo a preocupao central deixa de ser o contratante e o proprietrio, e passa a ser a pessoa humana. O que j d para perceber claramente hoje? No contexto atual, ocorre uma mitigao na dicotomia direito pblico e direito privado. Estamos vivendo num ambiente em que ocorre a mitigao da dicotomia direito pblico e direito privado. No h um rompimento dessa dicotomia, mas h uma mitigao, uma atenuao dessa dicotomia. H algum tempo atrs era muito fcil separarmos o direito pblico do direito privado. O que se dizia? Direito pblico = interesse pblico e direito privado = interesse particular. Vejam que essa a afirmativa que, infelizmente, encontramos em alguns manuais, e ela fazia todo sentido em uma poca em que o Estado no intervinha nas relaes privadas, pois naquele ambiente o direito civil era direito privado e o interesse era meramente particular. Mas no contexto atual ns passamos a ter tambm interesse pblico nas relaes privadas. Tem algumas expresses que s vezes ainda encontramos em alguns manuais que, na verdade, precisam ser revisitadas. muito comum ouvirmos o seguinte: essa norma de direito patrimonial e, portanto, disponvel... Isso um equvoco, pois isso s fazia sentido em uma poca em que o Estado no intervinha nas relaes privadas. No contexto atual, o fato de uma norma envolver direito patrimonial no significa, necessariamente, que ela uma regra disponvel. 2

Veremos no decorrer do nosso curso a boa-f objetiva, a funo social dos contratos, enfim, uma srie de aspectos que demonstram o interesse pblico nas relaes privadas. Clusulas Gerais Antes de comearmos no cdigo especificamente, vamos nos ater a uma definio muito importante que diz respeito s chamadas clusulas gerais. um tema bastante atual. Clusulas Gerais. Uma das caractersticas do Cdigo de 16, que tambm se espelhava no Cdigo Napolenico, era chamada a pretenso de concretude. O Cdigo de 16 tinha a chamada pretenso de concretude. Como o prprio nome sugere, o Cdigo de 16 tinha pretenso de regulamentar casuisticamente todos os potenciais conflitos de interesses. claro e evidente que essa pretenso absolutamente incompatvel com a dinmica das relaes privadas. lgico que o legislador da poca no era ingnuo, bvio que os legisladores da poca j anteviam essa impossibilidade, mas percebam bem: a Revoluo Francesa acabou instaurando um novo modelo, pois na verdade se buscava a quebra de paradigmas antes estabelecidos pelo sistema feudal, e os magistrados na poca da Revoluo Francesa ainda se encontravam atrelados ao regime anterior, ao modelo de pensamento anterior. Ento, vejam que a idia de que o Cdigo francs era completo tinha que objetivo? Tinha o objetivo de atribuir ao julgador a misso de resolver os conflitos de interesses como se houvesse uma mera receita de bolo. Quer dizer, o cdigo era completo e, portanto, no havia qualquer margem de liberdade para o julgador solucionar os conflitos de interesses, no havia muito espao para que o julgador pudesse imprimir seus respectivos valores na resoluo dos conflitos. Da aquela mxima: d-me os fatos, que eu te darei a norma, como se fosse muito fcil a soluo de todos os conflitos. Como superar esse envelhecimento precoce da legislao? Porque, na verdade, num conjunto de regras casusticas, novos fatos surgem e esses fatos no encontram soluo nesse conjunto de regras casusticas. Da a importncia das chamadas clusulas gerais. justamente nesse contexto que entram as clusulas gerais, pois estas representam uma nova tcnica legislativa. Na verdade, as clusulas gerais so normas dotadas de maior vagueza, maior abstrao. Por isso comum ouvirmos que as clusulas gerais tm uma vocao expansionista, porque essas clusulas gerais, justamente por serem vagas, por serem normas elsticas, elas tm uma potencial aplicao em diversas situaes fticas. Isso muito importante porque o nosso cdigo atual usa e abusa da tcnica de clusulas gerais, ou seja, isso uma marcante do nosso cdigo atual, e podemos citar como exemplo a boa-f objetiva, a funo social do contrato. O artigo 11 do Cdigo Civil, que veremos j na prxima aula, mas s para termos uma idia, diz: com exceo dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade so intransmissveis e irrenunciveis no podendo seu exerccio sofrer limitao voluntria. Art. 11 do CC: Com exceo dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade so intransmissveis e irrenunciveis, no podendo o seu exerccio sofrer limitao voluntria. Direitos da personalidade - clusula geral. Quantas situaes prticas ns podemos enquadrar aqui no artigo 11 do Cdigo Civil?! Vrias. Enfim, uma marcante do cdigo atual. Ento, o grande mrito das clusulas gerais viabilizar que novas situaes prticas possam vir a ser dirimidas, possam vir a ser enfrentadas luz dessas regras que tem uma maior elasticidade, uma maior capacidade de absoro. Qual a grande crtica s clusulas gerais? Insegurana jurdica. A grande crtica a insegurana jurdica. Sem dvida alguma, isso inegvel, as clusulas gerais conferem uma maior dose de discricionariedade ao julgador. Qual o contra argumento? Como vamos defender as clusulas gerais diante dessa crtica? O contra argumento o seguinte: sem dvida alguma as clusulas gerais conferem maior liberdade ao julgador, porm, essa liberdade no uma liberdade absoluta. O que limita a aplicao e interpretao das clusulas gerais so os Princpios Constitucionais. Que dizer, os princpios e valores constitucionalmente tutelados, representam uma limitao aplicao e interpretao das clusulas gerais. O tema importante primeiro porque o cdigo usa muito essa tcnica, e tambm porque as clusulas gerais tambm vm de uma conexo com a perspectiva da constitucionalizao do direito civil. Personalidade Jurdica Vista essa parte mais introdutria, vamos comear com o cdigo especificamente, comeando com a idia de personalidade jurdica. Definio tradicional, definio majoritria, de personalidade jurdica: a aptido genrica para adquirir direitos e contrair obrigaes. Vamos seguir nessa perspectiva tradicional e depois veremos uma nova perspectiva. Ento, personalidade jurdica a aptido genrica para adquirir direitos e contrair obrigaes. O que a doutrina amplamente majoritria sustenta que, a princpio, para ser titular de direitos e obrigaes, preciso que se tenha personalidade jurdica. 3

Mas ns temos algumas excees, so os chamados entes despersonalizados, que Pontes de Miranda chama de pessoas formais. Os exemplos aqui so os exemplos clssicos: a massa falida, o esplio, a sociedade de fato e, tradicionalmente, tambm se coloca o condomnio. Em relao ao condomnio preciso registrar que h uma forte tendncia doutrinria no sentido de se sustentar que o condomnio edilcio tem personalidade jurdica. Nesse sentido, Enunciado n 246 combinado com o Enunciado n 90 do Conselho da Justia Federal. Enunciado n. 90: Art. 1.331: Deve ser reconhecida personalidade jurdica ao condomnio edilcio nas relaes jurdicas inerentes s atividades de seu peculiar interesse. (Alterado pelo En. 246 III Jornada) Enunciado n. 246: Art. 1.331: Fica alterado o Enunciado n. 90, com supresso da parte final: nas relaes jurdicas inerentes s atividades de seu peculiar interesse. Prevalece o texto: Deve ser reconhecida personalidade jurdica ao condomnio edilcio. Quando falamos em Enunciado do Conselho da Justia Federal parece que so Enunciados firmados em carter jurisprudencial, mas no nada disso. Esses Enunciados foram firmados por estudiosos do direito civil. O Gustavo Tepedino, por exemplo, teve uma participao decisiva e expressiva na elaborao dos enunciados. Ento, so, na verdade, interpretaes trazidas pelos estudiosos do tema, ou seja, no h nenhum vnculo com o entendimento da jurisprudncia da Justia Federal especificamente. Alm desses denunciados, seguindo esse entendimento, temos a posio da Maria Helena Diniz e o do Marco Aurlio, atualmente examinador da Defensoria Pblica RJ. Na verdade, o condomnio edilcio celebra uma srie de contratos, ele tem empregados, enfim, h uma magnitude tal de obrigaes contradas pelo condomnio edilcio que vm fazendo com que a doutrina se incline em favor de personalidade jurdica para o condomnio edilcio. Antes de qualquer coisa, vamos ressaltar aqui o seguinte: esses entes despersonalizados eles no tm essa aptido genrica para adquirir direitos e contrair obrigaes, mas por uma razo de poltica legislativa o ordenamento jurdico atribui a esses entes despersonalizados a possibilidade do exerccio de alguns direitos e obrigaes. A questo dos entes despersonalizados uma questo de poltica legislativa. Esses entes despersonalizados tm, inclusive, capacidade processual, ou seja, o CPC prev capacidade processual para tais entes despersonalizados. Essa a perspectiva clssica, a perspectiva majoritria. J criando polmica, discorda dessa posio, o Gustavo Tepedino. O Tepedino no isolado aqui diga-se de passagem, porque a Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka acompanha essa posio do Tepedino. Qual a segunda perspectiva? A segunda perspectiva vem no sentido de que a personalidade jurdica um valor que decorre do princpio da dignidade da pessoa humana. Dentro desse contexto percebam bem: s teria personalidade jurdica a pessoa fsica. O Tepedino ressalta seguinte: no podemos confundir personalidade jurdica com subjetividade. A subjetividade seria essa aptido para adquirir direitos e contrair obrigaes. Ento, na verdade, a pessoa jurdica, por exemplo, no teria personalidade jurdica, ela seria dotada de subjetividade, sendo certo que os entes despersonalizados tambm teriam subjetividade. Percebam que o Tepedino ressalta que personalidade jurdica no sinnimo de capacidade de direito. A idia de capacidade de direito no essa aptido genrica para adquirir direitos e contrair obrigaes? A doutrina clssica costuma afirmar que personalidade jurdica e capacidade de direito seriam sinnimos. O Tepedino diz que no nada disso. Personalidade jurdica s tem pessoa fsica e a capacidade de direito abrange no s pessoa fsica, mas tambm a pessoa jurdica e os entes despersonalizados. Com isso, o que o Tepedino defende que todos os desdobramentos da dignidade da pessoa humana, toda a tutela especial envolvendo direitos da personalidade, por exemplo, so privativos da pessoa fsica. Vamos discutir mais adiante a questo do dano moral em favor de pessoa jurdica, mas a maioria da doutrina entende pelo cabimento do dano moral, e isso tem at smula do STJ, smula 227. O Tepedino discorda, pois para ele no cabe dano moral em favor de pessoa jurdica, justamente porque o dano moral decorre da dignidade da pessoa humana, o dano moral seria privativo da pessoa fsica. Essa posio do Tepedino minoritria. Smula n 227 do STJ: A pessoa jurdica pode sofrer dano moral. Incio da Personalidade Em relao ao incio da personalidade jurdica, temos aquelas teorias clssicas. A primeira teoria tradicional a chamada TEORIA NATALISTA. Pela teoria natalista a personalidade jurdica se inicia com o nascimento com vida, no momento da primeira respirao. Tem at um exame que se faz para aferir se houve ou no respirao, a chamada docimasia hidrosttica de galeno. Mergulha-se o pulmo na gua e se verifica se h ou no ar nos pulmes. 4

Cuidado, pois h uma posio isolada do Washington de Barros, no sentido de que a personalidade jurdica se iniciaria quando do rompimento do cordo umbilical. Posio isolada essa. A teoria natalista decorre, inclusive, da interpretao... na verdade, no nem da interpretao, e sim da letra fria do artigo 2, primeira parte do Cdigo Civil, que diz que a personalidade civil da pessoa comea com o nascimento com vida. Art. 2o do CC: A personalidade civil da pessoa comea do nascimento com vida; mas a lei pe a salvo, desde a concepo, os direitos do nascituro. Nesse sentido, temos a maioria da doutrina, e s a ttulo de exemplificao o prprio Gustavo Tepedino, que polmico em vrios temas, defende a teoria natalista, junto com o Arnaldo Rizzardo, o Venosa, o Caio Mrio... A segunda posio a chamada TEORIA CONCEPCIONISTA, tambm chamada TEORIA CONCEPTUALISTA. Essa teoria defende que a personalidade jurdica se iniciaria desde a concepo e, portanto, o nascituro seria dotado de personalidade jurdica. Argumentos utilizados por essa segunda perspectiva: a redao do artigo 2, parte final do Cdigo Civil, ou seja, o mesmo artigo 2, mas na parte final. A parte final diz assim: mas a lei pe a salvo desde a concepo os direitos do nascituro. Art. 2o do CC: A personalidade civil da pessoa comea do nascimento com vida; mas a lei pe a salvo, desde a concepo, os direitos do nascituro. O cdigo usa a expresso direitos do nascituro e, na verdade, para se ter direitos preciso personalidade jurdica. Outro argumento: o nascituro pode ser donatrio, artigo 542; pode ser o herdeiro, artigo 1798; pode haver reconhecimento de paternidade do nascituro, artigo 26, pargrafo nico do ECA e artigo 1609 pargrafo nico do Cdigo Civil; o nascituro tem direito a gestao saudvel, realizao de exames de pr-natal, artigo 7 do ECA. Art. 542 do CC: A doao feita ao nascituro valer, sendo aceita pelo seu representante legal. Art. 1.798 do CC: Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou j concebidas no momento da abertura da sucesso. Art. 26, pargrafo nico do ECA: O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes. Art. 1.609, pargrafo nico do CC: O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes. Art. 7 do ECA: A criana e o adolescente tm direito a proteo vida e sade, mediante a efetivao de polticas sociais pblicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condies dignas de existncia. Tradicionalmente so defensores dessa posio o Leoni, Francisco Amaral, Teixeira de Freitas, tem alguns clssicos defendendo a teoria concepcionista, a Silmara ??? Almeida... Essa , inclusive, a perspectiva do direito francs, o direito francs segue a teoria concepcionista. O que h de novo aqui o seguinte: essa dicotomia teoria natalista versus teoria concepcionista uma dicotomia antiga. Agora, o que vem surgindo de novo a o seguinte: tm alguns autores defendendo que o nascituro teria personalidade jurdica para prticas de atos de natureza existencial, para o exerccio de situaes existenciais, ou seja, para o exerccio de direitos da personalidade, mas no teria para exerccio de direitos estritamente patrimoniais. Uma das autoras que inclusive defende essa posio a Maria Helena Diniz, que costuma dizer o seguinte: o nascituro tem personalidade jurdica para o exerccio dos direitos da personalidade, para situaes existenciais. Ela chama essa personalidade jurdica de personalidade jurdica formal, pois estaria atrelado ao exerccio de direitos da personalidade, mas o nascituro no teria personalidade jurdica para o exerccio de direitos patrimoniais que ela chama de personalidade jurdica material. Quem acompanha essa expresso da Maria Helena Diniz o Flvio Tartuce que tambm tem uma boa obra, uma coleo nova. dentro desse novo cenrio trazido por vrios autores que o nascituro, por exemplo, tem personalidade jurdica para pleitear investigao de paternidade, pois estamos falando aqui de um direito identidade pessoal. Toda discusso envolvendo a possibilidade do nascituro pleitear alimentos, pois os alimentos esto atrelados a subsistncia, a dignidade da pessoa humana. Questo recente decidida pelo STJ, no informativo 360 STJ, Resp 931 556, que diz respeito questo do dano moral em favor do nascituro pelo falecimento do genitor. Depois vale a pena dar uma olhada no julgado. Informativo n 360 do STJ Terceira Turma ACIDENTE DE TRABALHO. PENSO MENSAL. NASCITURO. DANO MORAL. Prosseguindo o julgamento, a Turma decidiu ser incabvel a reduo da indenizao por danos morais fixada em relao a nascituro filho de vtima de acidente fatal de trabalho, considerando, sobretudo, a impossibilidade de mensurar-se o sofrimento daquele que, muito mais que os outros irmos vivos, foi privado 5

do carinho, assim como de qualquer lembrana ou contato, ainda que remoto, de quem lhe proporcionou a vida. A dor, mesmo de nascituro, no pode ser mensurada, conforme os argumentos da r, para diminuir o valor a pagar em relao aos irmos vivos. REsp 931.556-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/6/2008. Houve um acidente do trabalho e o sujeito faleceu em razo do acidente do trabalho. Foi demonstrada a culpa do empregador, sendo que o falecido tinha filhos vivos e um nascituro. O STJ condenou o empregador em dano moral no apenas em favor dos filhos vivos, mas tambm em favor do nascituro e, diversamente do que ocorria anteriormente, o STJ ressaltou que o valor devido ao nascituro deveria ser o mesmo daquele devido aos outros filhos vivos. Em uma perspectiva clssica se dizia que pode at caber dano moral, esse sujeito nem conheceu o pai, ento, valor do dano moral seria reduzido. S que em uma perspectiva tradicional que valoriza a dignidade da pessoa humana, se sustenta que talvez, justamente o fato de no haver sequer a oportunidade de o nascituro conhecer o pai, talvez o dano moral seria mais intenso do que em relao aos outros filhos vivos. Ento, o STJ veio nessa perspectiva de reconhecer ser devido dano moral, inclusive com um valor idntico, pela dor suportada pelo nascituro de sequer ter tido a oportunidade de conhecer o pai. Quem quiser at fazer um contraste com a perspectiva anterior, eu cheguei a ver um julgado anterior que vinha contra essa tendncia e dizendo que o valor seria diferente. Resp. 399028. Esse ltimo julgado vai na perspectiva de que o valor seria diferente. Resp 399028 / SP RECURSO ESPECIAL 2001/0147319-0 DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO. COMPOSIO FRREA. AO AJUIZADA 23 ANOS APS O EVENTO. PRESCRIO INEXISTENTE. INFLUNCIA NA QUANTIFICAO DO QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA. NASCITURO. DIREITO AOS DANOS MORAIS. DOUTRINA. ATENUAO. FIXAO NESTA INSTNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I - Nos termos da orientao da Turma, o direito indenizao por dano moral no desaparece com o decurso de tempo (desde que no transcorrido o lapso prescricional), mas fato a ser considerado na fixao do quantum. II - O nascituro tambm tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstncia de no t-lo conhecido em vida tem influncia na fixao do quantum. III - Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta instncia, buscando dar soluo definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da soluo jurisdicional. Tem a questo, por exemplo, do dano moral por deformaes sofridas durante o processo gestacional por ato de terceiros, quer dizer, por falha do mdico que d o medicamento inadequado e o sujeito nasce com algum tipo de deficincia. Se discute se o nascituro teria ou no possibilidade de pleitear dano moral em face daquele que teria supostamente causado aquela deficincia. Nesse contexto, vale a pena ressaltar o Enunciado 01 do CJF que vai at um pouco alm, diga-se de passagem. Enunciado n 01 do CJF: Art. 2: A proteo que o Cdigo defere ao nascituro alcana o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura. Esse enunciado diz assim: a proteo que o cdigo defere ao nascituro alcana o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade tais como nome, a imagem e sepultura. Mesmo o natimorto teria proteo de direitos da personalidade e aqui, na verdade, o enunciado implicitamente acaba reconhecendo a existncia de direitos da personalidade em favor do nascituro. Vejam que isso vai contra a perspectiva clssica que sempre afirmou que, ou o sujeito tem personalidade jurdica ou no tem. No existe esse negcio de o sujeito ter personalidade jurdica em parte. Nessa nova perspectiva, o nascituro teria personalidade jurdica apenas para concretizao de situaes existenciais. Como se justifica o fato, por exemplo, de o nascituro poder ser donatrio? A teoria natalista vai dizer que, na verdade, o nascituro tem um direito sujeito a condio suspensiva, ou seja, a lgica da condio suspensiva que utilizada para refutar a idia de personalidade jurdica do nascituro. H uma terceira e ltima teoria, teoria desprestigiada no direito brasileiro, que a chamada TEORIA DA PERSONALIDADE CONDICIONADA. Essa teoria desprestigiada defende o seguinte: o nascituro teria personalidade jurdica sujeita a condio suspensiva. Quando, na verdade, colocamos condio suspensiva a personalidade condicionada acaba se equiparando a prpria teoria natalista. Quem defende essa posio o Washington de Barros Monteiro, Arnold Wald e Serpa Lopes. 6

S a ttulo de curiosidade, no Brasil pela teoria natalista bastam nascimento com vida. Ns temos situaes no direito comparado que divorciam um pouco dessa regra, por exemplo, h legislaes, o Cdigo Civil espanhol exige que haja a sobrevida com 24h, se exige a forma humana, enfim, situaes no exigidas no direito brasileiro. Trmino da Personalidade Em relao ao trmino da personalidade jurdica, no h muita dvida que o trmino ser d com morte. Lembro, inclusive, que para fins de transplante o que prevalece a perspectiva da morte cerebral ou morte enceflica, que est no artigo 3 da lei 9434/97. Art. 3 da Lei 9434: A retirada post mortem de tecidos, rgos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento dever ser precedida de diagnstico de morte enceflica, constatada e registrada por dois mdicos no participantes das equipes de remoo e transplante, mediante a utilizao de critrios clnicos e tecnolgicos definidos por resoluo do Conselho Federal de Medicina. O que a doutrina unssona ao afirmar - e no h dvida realmente -, de que no contexto atual no mais se admite a figura da morte civil. A figura da morte civil era adotada, por exemplo, no Direito Romano em relao aos escravos, aos religiosos, aos desertores de guerra, quer dizer, no plano jurdico eles eram tidos como falecidos e, na verdade, no teriam personalidade jurdica. O Venosa e a Maria Helena Diniz defendem que h um resqucio da questo da morte civil no direito brasileiro no caso da excluso do sucessor por indignidade, ou seja, haveria um resqucio da morte civil no direito brasileiro em relao excluso dos sucessores por indignidade. No caso da excluso por indignidade, os descendentes do sucessor excludo, eles sucedem como se tivesse falecido o excludo. E isto est no artigo 1816: so pessoais os efeitos da excluso, os descendentes do herdeiro excludo sucedem como se ele morto fosse antes da abertura da sucesso. Art. 1.816 do CC: So pessoais os efeitos da excluso; os descendentes do herdeiro excludo sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucesso. O prprio artigo 1816 diz "como se morto fosse antes da abertura da sucesso", seria um mero resqucio aqui obviamente. Quais so alguns dos efeitos da morte? Claro que um rol meramente exemplificativo. Como efeitos da morte ns teremos a transferncia da propriedade, artigo 1784, que prev a teoria da saisine, inclusive, uma das excees quela lgica geral de que a propriedade de bens mveis se transfere com tradio e de imvel com o registro. Aqui, por fico jurdica, pelo simples falecimento j h a imediata transferncia da propriedade. uma das poucas hipteses que veremos em que o registro imobilirio tem natureza meramente declaratria. Art. 1.784 do CC: Aberta a sucesso, a herana transmite-se, desde logo, aos herdeiros legtimos e testamentrios. Outro efeito: a extino do poder familiar, a extino do vnculo conjugal e a extino de contratos personalssimos. Um aspecto que relevante o seguinte: com a morte sabemos que termina a personalidade jurdica e terminando a personalidade jurdica cessam os mecanismos gerais de proteo do indivduo, mas percebam que, excepcionalmente, se admite a chamada proteo post mortem de alguns direitos da personalidade. Ns veremos que o artigo 12, pargrafo nico e artigo 20, pargrafo nico do Cdigo Civil, contemplam a questo da legitimao, da legitimidade, ou seja, a quem compete pleitear o dano moral pela violao ao direito a personalidade do morto. Art. 12, Pargrafo nico do CC: Em se tratando de morto, ter legitimao para requerer a medida prevista neste artigo o cnjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral at o quarto grau. Art. 20, Pargrafo nico do CC: Em se tratando de morto ou de ausente, so partes legtimas para requerer essa proteo o cnjuge, os ascendentes ou os descendentes. O que justifica a proteo post mortem dos direitos da personalidade? Sem dvida uma situao excepcional, porque j est cessada a personalidade jurdica. Mas o que justifica o princpio da dignidade da pessoa humana. Os exemplos clssicos de proteo pos mortem de direitos da personalidade so: a imagem e os direitos morais do autor. O Francisco Amaral chega a defender isoladamente que haveria personalidade jurdica post mortem por conta dos direitos da personalidade. O que, na verdade, a doutrina afirma que cessa a personalidade jurdica, mas, excepcionalmente, se confere uma proteo post mortem a direitos da personalidade, em que pese o trmino da personalidade jurdica, ou seja, seria uma situao de exceo decorrente da dignidade da pessoa humana. O cdigo prev a questo da morte no artigo 6 e no artigo 7. Art. 6o do CC: A existncia da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucesso definitiva. Art. 7o do CC: Pode ser declarada a morte presumida, sem decretao de ausncia: I - se for extremamente provvel a morte de quem estava em perigo de vida; 7

II - se algum, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, no for encontrado at dois anos aps o trmino da guerra. O artigo 6 no traz nada de novo, diz l: a existncia da pessoa natural termina com a morte, presume-se esta quanto aos ausentes nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucesso definitiva. Quer dizer, na primeira parte, o artigo 6 prev a morte real, e na segunda parte prev a morte presumida... Morte presumida que pressupe, como o prprio cdigo diz, os elementos necessrios para abertura da sucesso definitiva do ausente. Esses elementos, faam remisso do artigo 6 parte final combinado com os artigos 37 e 38. Art. 6o do CC: A existncia da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucesso definitiva. Ver artigo 37 e artigo 38 Art. 37 do CC: Dez anos depois de passada em julgado a sentena que concede a abertura da sucesso provisria, podero os interessados requerer a sucesso definitiva e o levantamento das caues prestadas. Art. 38 do CC: Pode-se requerer a sucesso definitiva, tambm, provando-se que o ausente conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as ltimas notcias dele. O artigo 7 traz uma novidade. No Cdigo de 16 s se admitia a morte presumida no caso de ausncia. O artigo 7 traz uma exceo. Diz o artigo 7 que pode ser declarada a morte presumida sem decretao de ausncia e a vem o inciso I e diz: se for extremamente provvel a morte de quem estava em perigo de vida; inciso II: se algum, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, no for encontrado at dois anos aps o trmino da guerra. A maioria da doutrina diz que o cdigo traz a uma nova modalidade de morte presumida que independe de decretao de ausncia. Alis, diga-se de passagem, isso no chega a ser to novo assim, porque j havia uma hiptese em que se admitia a morte presumida independentemente de ausncia, que o artigo 88 da lei 6015/73, lei de registros pblicos. Art. 88 da Lei 6015/73: Podero os Juzes togados admitir justificao para o assento de bito de pessoas desaparecidas em naufrgio, inundao, incndio, terremoto ou qualquer outra catstrofe, quando estiver provada a sua presena no local do desastre e no for possvel encontrar-se o cadver para exame. (Renumerado do art. 89 pela Lei n 6.216, de 1975). Pargrafo nico. Ser tambm admitida a justificao no caso de desaparecimento em campanha, provados a impossibilidade de ter sido feito o registro nos termos do artigo 85 e os fatos que convenam da ocorrncia do bito. A lei de registros pblicos prev como premissa para essa decretao da morte presumida a observncia daquele procedimento de justificao do CPC em que h, entre aspas, uma documentao da prova testemunhal. Para quem quiser registrar: artigo 861 a artigo 866 do CPC. O Cristiano Chaves de Farias, por exemplo, que escreve em parceria com Nelson Rosenvald, no gosta dessa expresso morte presumida, porque para eles a situao do artigo stimo absolutamente diferente da do artigo 6, porque vejam no artigo 6, na parte final, a nica certeza que h em relao ao desaparecimento (e no falecimento), quer dizer, a ausncia apenas ressalta o desaparecimento, no h uma perspectiva de efetivo falecimento com a decretao de ausncia. J o artigo 7 pressupe hipteses em que a morte extremamente provvel. Eles, inclusive, ao invs de usar a expresso morte presumida do artigo 7, eles costumam usar a expresso presuno de morte. Quer dizer, no artigo 7 no haveria uma morte presumida, mas seria uma presuno de morte. O artigo 7 traria a idia de prova indireta do falecimento, que no haveria no artigo 6. Tem uma questo que no h ainda uma resposta clara, e a doutrina tambm no vem enfrentando, que mais um dos problemas em que ns percebemos que no h ainda uma soluo clara. O que acontece no caso de reaparecimento de sujeito no caso do artigo 7? Esse um problema que o cdigo no sistematizou, no regulamentou. Vamos primeiro abordar uma questo principiolgica aqui. Em uma perspectiva tradicional a tendncia no caso de reaparecimento desse sujeito seria a proteo de seus respectivos interesses, ou seja, interesse daquele que reapareceu. S que ns veremos que um dos princpios que marcam o nosso Cdigo Civil o princpio da boa-f objetiva e um dos seus desdobramentos justamente o princpio da confiana. Na verdade, uma sntese aqui: o princpio da confiana busca a proteo da legtima expectativa. O Cdigo Civil atual, todo nosso ordenamento jurdico ele deixa de priorizar a proteo do declarante e passa a conferir maior proteo ao declaratrio... A preocupao central se desloca do declarante e vai para o declaratrio, ou seja, para aqueles que, em tese, receberiam algum tipo de proteo, algum tipo de interesse em decorrncia de uma determinada declarao de vontade. Aqui no nosso caso a tendncia vem no sentido de proteger a legtima expectativa de terceiros. Ns veremos que o Cdigo Civil atual tem uma preocupao central em proteger a legtima expectativa de terceiros, justamente sobre o influxo, em homenagem, ao princpio da confiana, da proteo da legtima expectativa. 8

Todo mundo lembra que a nulidade absoluta atinge interesse pblico. O que a doutrina clssica sempre afirmou? Se a nulidade absoluta atinge interesse pblico, no se protege interesse de terceiros no caso de nulidade, porque o interesse pblico prevalece sobre eventual interesse de terceiros. Todo mundo sabe que agora, a simulao passa a ser causa de nulidade absoluta, est l no artigo 167 e olha o que diz o 2 do artigo 167: ressalvam-se os direitos de terceiros de boa f em face dos contraentes do negcio jurdico simulado. Art. 167 do CC: nulo o negcio jurdico simulado, mas subsistir o que se dissimulou, se vlido for na substncia e na forma. 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-f em face dos contraentes do negcio jurdico simulado. Quer dizer, mesmo a simulao sendo uma causa de nulidade absoluta, o artigo 167 protege os interesses de terceiros, porque a proteo aos interesses de terceiros passa a ser tambm matria de ordem pblica, porque a proteo aos interesses de terceiros decorre do princpio da confiana, da boa-f objetiva, ela tem uma tendncia de proteo a legtima expectativa de terceiros. s uma sntese, vamos ver isso com mais calma, mas uma mudana na reflexo do direito privado. Como situao de morte presumida ns temos a lei 9140/95 que envolve os desaparecidos polticos a poca do regime militar. Comorincia Artigo 8 do CC. Art. 8o do CC: Se dois ou mais indivduos falecerem na mesma ocasio, no se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-o simultaneamente mortos. Todos se lembram da comorincia: se duas ou mais pessoas falecem em um nico evento, no direito brasileiro, desde o Cdigo 16, sempre houve a presuno relativa de falecimento simultneo. Isso de vez em quando vem em prova objetiva. Presuno relativa, nem precisamos ler o Cdigo, porque obviamente se for possvel constatar a efetiva precedncia de falecimentos a gente vai se valer a da primazia da realidade, da verdade real. Em outros ordenamentos temos alguns jogos de presunes, mas que jamais adotamos aqui, por exemplo, alguns pases h presuno que as mulheres falecem antes dos homens, por ser o suposto sexo frgil, que os mais velhos falecem antes dos jovens e as crianas antes dos adultos. Quer dizer, uma srie de presunes que o nosso ordenamento jurdico nunca adotou. Para ns h a presuno relativa de simultaneidade. Um cuidado aqui o seguinte: o artigo 8 diz que se dois ou mais indivduos falecerem na mesma ocasio, no se podendo averiguar se alguns dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-o simultaneamente mortos. Falecerem na mesma ocasio. A doutrina bastante segura aqui no sentido de afirmar que essa expresso mesma ocasio no deve ser interpretada restritivamente. Vamos imaginar dois atentados terroristas simultneos em locais distintos, em ocasies diferentes. Pela letra fria do Cdigo, por uma interpretao restritiva, seria inaplicvel a comorincia, mas a doutrina unnime em afirmar que a regra do artigo 8 se aplicaria em tal circunstncia. No necessrio que o evento seja nico, o que importa que haja a efetiva simultaneidade, a dificuldade em se apurar a efetiva precedncia de falecimentos. O efeito prtico disso aqui vai para o mbito do direito sucessrio, porque se h presuno de simultaneidade de falecimento, o efeito a no transmisso de direitos sucessrios entre comorientes. 2. Capacidade Vamos para a capacidade. Ela pode ser de direito ou de fato. Capacidade de direito sinnimo de capacidade de gozo ou ainda capacidade de fruio. Capacidade de direito (ou de gozo ou de fruio) Capacidade de direito seria a aptido genrica para adquirir direitos e contrair obrigaes. Isso leva, inclusive, boa parte da doutrina a afirmar que capacidade de direito seria sinnimo de personalidade jurdica. J sabemos que aquela perspectiva do Tepedino desafia essa afirmativa, porque pela viso do Tepedino apenas a pessoa fsica teria personalidade jurdica. Mesmo fora dessa posio do Tepedino, h quem defenda que personalidade jurdica no seria exatamente uma definio idntica de personalidade jurdica (capacidade de direito??). Para o Tepedino so institutos bastante diferentes, mas h quem defenda que, por exemplo, a personalidade jurdica ela seria ilimitada. J a capacidade de direito comportaria determinadas restries. O exemplo que se costuma trazer o seguinte: pessoa jurdica, pela viso amplamente dominante, tem personalidade jurdica de maneira ilimitada. Mas a pessoa jurdica, apesar de ter personalidade jurdica, ela no teria capacidade de direito para a prtica dos chamados atos de direito de famlia puros, atos puros do direito de famlia. Porque os chamados atos puros do direito de famlia seriam incompatveis com a prpria finalidade que envolve a pessoa jurdica. 9

Por exemplo, o chamado dever de coabitao, o dever de fidelidade recproca, so os chamados direitos de famlia puros porque so direitos de famlia que no tem qualquer repercusso patrimonial. O Tepedino traz aqui uma ponderao que parece interessante, ele diz o seguinte: por exemplo, artigo 1618: s a pessoa maior de 18 anos pode adotar. Quando o sujeito atinge os 16 ele atinge a incapacidade relativa e, em tese, ele pode praticar os atos da vida civil atravs da assistncia. Art. 1.618 do CC: S a pessoa maior de dezoito anos pode adotar. Se h a incapacidade relativa de fato, a assistncia supre essa incapacidade relativa de fato. A vem a pergunta: essa limitao aqui - a capacidade de adotar aos 18 anos - ela pode ser suprida por assistncia, ou seja, maior de 16 pode adotar atravs da assistncia? No. Ento, o Tepedino deixa claro que no estamos falando aqui de incapacidade de fato porque se fosse incapacidade de fato a assistncia supriria. Na verdade, o sujeito menor de 18 anos no tem capacidade de direito para adotar, seria um equvoco falar em incapacidade de fato porque incapacidade de fato, se for relativa, ela se supre atravs da assistncia. Na verdade, no h como suprir essa limitao desse artigo 1618 atravs da assistncia, haveria aqui um limite a capacidade de direito. S para registro, tem uma posio que minoritria do Arnaldo Rizzardo, no sentido de que a personalidade jurdica estaria atrelada ao exerccio dos direitos da personalidade. Ele usa a expresso direitos fundamentais. J a capacidade de direito estaria atrelada aos exerccios dos atos civis, dos atos da vida civil, trazendo a, portanto, uma perspectiva patrimonial. Essa posio do Arnaldo Rizzardo isolada. Sintetizando, para ficar claro, posio de vrios autores, talvez posio majoritria, no sentido de que capacidade de direito seja sinnimo de personalidade jurdica. Alguns dizem, na verdade, que a mesma coisa, a diferena que a capacidade de direito pode sofrer determinadas restries, possvel se falar em gradao da capacidade de direito. E a posio do Tepedino que radicalmente diversa. Para ele, personalidade jurdica dignidade humana, e a capacidade de direito abrangeria pessoas fsicas e entes personalizados. Capacidade de fato (ou de exerccio ou de ao) Vamos para a capacidade de fato que a sim ns temos vrios aspectos, at polmicos, e de modo at menos abstrato. Capacidade de fato sinnimo de capacidade de exerccio que sinnimo de capacidade de ao. A doutrina aqui no diverge. Basicamente, a capacidade de fato representaria aptido para, pessoalmente, praticar atos da vida civil. A diferena bem clara, porque claro que um garoto de cinco anos pode ser proprietrio porque tem personalidade jurdica, tem capacidade de direito, mas ele no pode alienar sozinho um imvel porque ele no tem capacidade de fato. A idia de capacidade de fato est intimamente atrelada a idia de discernimento, e aqueles que no tm nenhum discernimento so qualificados como absolutamente incapazes. Os absolutamente incapazes tem que ser representados, sob pena de nulidade absoluta, artigo 166, I. Art. 166 do CC: nulo o negcio jurdico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; Aqueles que tm discernimento reduzido so os relativamente incapazes. Estes precisam ser assistidos sob pena de anulabilidade, artigo 171, I do Cdigo Civil. Art. 171 do CC: Alm dos casos expressamente declarados na lei, anulvel o negcio jurdico: I - por incapacidade relativa do agente; Lembrando que a diferena bsica entre representao e assistncia que na representao vale apenas a vontade do representante, justamente porque o representado no tem nenhum discernimento, e como ele no tem nenhum discernimento a vontade do representado, em regra (vamos ver que h excees), desimportante. J na assistncia, o assistente um coadjuvante do assistido, quer dizer, a vontade do assistido h de ser levada em considerao, porque se trata apenas de uma reduo no grau do discernimento. Metaforicamente claro, a representao seria um pai atravessando a rua com o filho no colo e a assistncia seria o pai atravessando a rua com o filho pela mo. Est claro e evidente que o objetivo da incapacidade proteo. Isso vai ser decisivo em alguns pontos mais adiante, por exemplo, quando discutirmos se o incapaz pode usucapir? O incapaz mora l sozinho h muito tempo, exerce a posse, preenche todos os requisitos que veremos mais adiante, e a a dvida se ele pode ou no usucapir? E vejam, se o objetivo da incapacidade a proteo, haveria uma incoerncia em privar o incapaz da usucapio. Quer dizer, seria inaplicvel, em tese, a teoria geral das incapacidades para privar o incapaz da usucapio, porque ns no estaramos protegendo o incapaz e sim punindo. Ns veremos essas e outras circunstncias em que vai ser importante essa perspectiva. Bom, o fato que os absolutamente incapazes esto elencados no artigo 3 do Cdigo Civil e logo no inciso I o cdigo diz que so absolutamente incapazes os menores de 16 anos. Presuno absoluta - o chamado critrio biolgico. 10

Art. 3o do CC: So absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficincia mental, no tiverem o necessrio discernimento para a prtica desses atos; III - os que, mesmo por causa transitria, no puderem exprimir sua vontade. Ento, por razes de segurana jurdica, no adianta o garoto de 15 anos tentar provar que tem discernimento porque ele absolutamente incapaz. Tem uma questo importante. Pela letra fria do Cdigo, todo ato praticado por um absolutamente incapaz, por um menor de 16 sem estar devidamente representado, conduziria a nulidade absoluta. S que vejam: muito comum um garoto de 15 anos ou menos, por exemplo, celebrar um contrato de transporte sozinho e ir para a escola. Ele chega escola e celebra um contrato de compra e venda da merenda. Enfim, ns temos alguns atos socialmente aceitos que so efetivamente praticados por menores de 16 anos, sem que ningum suscite a nulidade de tais atos. Para essas hipteses no previstas em lei, surge a chamada TEORIA DO ATO FATO. Teoria do ato fato, essa a expresso mais usada, mas como sinnimo ns teramos a idia de autorizao presumida e o Leoni usa expresso autonomia, que seria a expresso utilizada l no Direito alemo. No Brasil, a expresso mais utilizada seria a teoria do ato fato. Qual o objetivo bsico da teoria do ato-fato? A teoria do ato fato busca estabelecer critrios que venham a conferir validade a determinados atos praticados por incapazes, independentemente de representao ou assistncia. Eu j joguei representao e assistncia porque claro que se a teoria do ato fato se aplica aos menores de 16, com muito mais razo se aplica tambm aquele que tem entre 16 e 18 anos. Quais so os critrios? So requisitos cumulativos e no alternativos. 1) atos de pouca expresso econmica. 2) atos que venham a atender aos interesses imediatos e cotidianos do incapaz. 3) que tais atos usualmente sejam praticados por recursos destinados pelo prprio representante ou assistente. A teoria do ato fato sem dvida uma construo doutrinria e jurisprudencial no prevista pelo Cdigo Civil. O inciso II prev incapacidade absoluta por deficincia mental e o inciso III, vamos fazer uma anlise conjunta, diz que mesmo por causa transitria no puder exprimir a sua vontade. A diferena do inciso II para o III que no inciso III a privao do discernimento decorre de uma causa transitria. Se a deficincia mental tem o cunho de permanncia, obviamente vamos aplicar o inciso II. Situaes, por exemplo, de coma, de depresso profunda, hipnose, abrangeria o inciso III. Tem um exemplo extremamente polmico do Arnaldo Rizzardo, est l no livro dele, que a tenso pr-menstrual entraria no inciso III. Uma questo que agora estava resolvida no Cdigo atual, a seguinte: no Cdigo de 16, os ausentes estavam no rol dos absolutamente incapazes. A doutrina j criticava muito o Cdigo anterior por isso, porque o ausente, a princpio, aquele que abandona o seu domiclio sem deixar um administrador para seus interesses e o absolutamente incapaz aquele que no tem nenhum discernimento. Quer dizer, o fato de algum abandonar seu domiclio sem deixar um administrador para os seus interesses no significa que o sujeito totalmente desprovido de discernimento. Ento, muitos autores, contra legem, j defendiam que o ausente era capaz. Isso caiu uma vez numa prova especfica do MP, numa questo em que o ausente, na Bahia, vendeu um imvel sem estar representado ou assistido e se indagava se aquela alienao era vlida ou no. A poca do Cdigo de 16, o examinador queria que se defendesse a validade da compra e venda sob esse argumento. Na verdade, no haveria uma incapacidade absoluta propriamente para o ausente, diversamente do que previa o Cdigo. Esta questo est resolvida porque o Cdigo no mais traz o ausente no rol dos absolutamente incapazes. Quer dizer, esse aparente equvoco do Cdigo de 16 foi corrigido pelo legislador do Cdigo em vigor. Intervalo... (...) Que a chamada sentena de interdio e a tem at aquela discusso sobre a natureza jurdica da sentena de interdio. Alguns defendendo que a sentena de interdio teria natureza meramente declaratria, porque ela no cria ausncia de discernimento, ela apenas reconhece uma ausncia de discernimento pr-existente. Tm autores importantes defendendo essa posio, por exemplo, o prprio Carlos Roberto Gonalves, o Paulo Nader e o Fbio Ulhoa Coelho. Essa posio vem sendo revista, porque a sentena de interdio no cria ausncia de discernimento, a ausncia de discernimento pr-existente, isso no h dvidas. Mas, na verdade, a sentena de interdio cria um novo estado jurdico, ou seja, o estado jurdico de incapaz. 11

Toda sentena constitutiva ou condenatria ela traz uma carga de declarao, ela pressupe uma declarao, quer dizer, sentena para constituir ou condenar ela precisa declarar algo pr-existente. Ento, o simples fato da sentena reconhecer a ausncia de discernimento no a qualifica como sendo declaratria. Tanto que os autores contemporneos usam a expresso sentena meramente declaratria, apenas quando ela no traz efeitos constitutivos ou negativos. Ento, a tendncia hoje vem sendo no sentido de se entender que a sentena de interdio tem natureza constitutiva, tese inclusive defendida pelo Barbosa Moreira. H quem defenda, mas acho que essa no uma posio que ganhe repercusso no direito processual, porque na verdade essa discusso aqui ela tem natureza processual, mas h quem defenda que a sentena de interdio tem natureza hbrida. Ela seria hbrida, ela seria heterognea, porque essa sentena ela seria declaratria em relao a ausncia de discernimento e constitutiva em relao ao estado de incapaz. O Leoni, por exemplo, defende essa posio, que talvez no agrade os processualistas, porque, como ns ressaltamos, toda sentena constitutiva pressupe uma carga de declarao. Bom, s que h um ponto aqui muito importante que o seguinte: se o incapaz pratica um ato aps a sentena, sem estar representado ou assistido, haver a invalidao do ato, no caso, nulidade se for absolutamente incapaz e anulabilidade se for relativamente incapaz. A questo tormentosa a seguinte: vamos supor que haja um reconhecimento hoje da interdio e uma semana antes, aquele agora interditado, praticou atos significativos de disposio patrimonial, por exemplo, ele vendeu imvel. Percebam que ns no podemos falar em efeitos ex tunc da sentena de interdio. Quer dizer, em relao aos maiores de idade h uma presuno de capacidade, ningum obrigado a exigir atestado mdico para ningum quando se celebra um contrato. As relaes contratuais, inclusive, so cada vez mais impessoais, ns celebramos hoje contrato pela internet sem nunca ter visto o outro contratante. Ento, cogitar de efeitos ex tunc abalaria a segurana jurdica. Talvez numa viso mais atual, acho que j temos que acostumar a essa nova dogmtica, ao invs de falar em segurana jurdica, penso que devemos comear a falar em princpio da confiana. O princpio da confiana busca a proteo da legtima expectativa, seria como que uma nova leitura da antiga segurana jurdica, traduzida atravs da boa f objetiva. S que ao mesmo tempo uma semana antes claro que o sujeito era ausente, desprovido de discernimento. Para essas situaes se aplica o que a doutrina chama de incapacidade natural. Para no precisarmos decorar a expresso, por que incapacidade natural? Porque haveria aqui uma suposta incapacidade no plano naturalstico, mas no reconhecida no mbito jurdico, por isso a expresso incapacidade natural. Pergunta do aluno. Resposta: na verdade o CPC tem uma regrinha explcita dizendo que a sentena de interdio produz efeitos desde a sua prolao. Agora, claro que at essa prpria regra do CPC e essa afirmativa que estamos trazendo a luz do princpio da confiana acaba se inclinando em favor da natureza constitutiva da sentena. Numa perspectiva atual, sem dvida, a sentena tem natureza constitutiva. preciso s ressaltar, porque ns temos alguns autores clssicos que ainda defendem inversamente. Quer dizer, a gente pode at fazer uma conexo aqui, os processualistas talvez no faam, mas a natureza constitutiva da sentena como decorrente do prprio princpio da confiana, decorrente da boa f objetiva. Ento, vejam bem, a incapacidade natural busca o qu? Estabelecer requisitos que permitam atingir a validade de atos praticados antes da sentena de interdio. Requisitos, mais uma vez, cumulativos. 1) haver o nus de se demonstrar a efetiva ausncia de discernimento poca do ato. Esse nus no haver em relao a atos posteriores. 2) efetivo prejuzo. 3) mais importante, me parece. Em uma viso clssica, o que alguns autores afirmam como terceiro e ltimo requisito? Se exigiria a m f do outro contratante. O Venosa, o Silvio Rodrigues, por exemplo, explicitamente usam essa expresso m-f, com o objetivo de resguardar a segurana jurdica. S que vamos perceber aqui o seguinte: quando falamos em m-f, estamos falando da hiptese em que o outro contratante sabia da ausncia de discernimento. Ento, a idia de m-f se contrape a boa-f subjetiva, porque quando se fala em m-f, o que estamos dizendo? O outro contratante sabia, sendo que a boa-f subjetiva representa justamente o desconhecimento do vcio ou da ilicitude, elemento subjetivo. S que, vejam bem, o contexto atual que estamos vivendo, primordialmente o princpio da boa-f objetiva e todo mundo sabe que uma das conseqncias da boa-f objetiva so os chamados deveres anexos. E dentre os deveres anexos, ns temos o dever anexo de cuidado, de diligncia. Ento, sobre o influxo da boa-f objetiva o que modernamente vem se sustentando? Que como ltimo requisito no se exigiria necessariamente a m-f do outro contratante. O que se exige que a ausncia de discernimento fosse perceptvel ao outro contratante. 12

Ento, quando se fala em perceptvel o que estamos dizendo? Se o outro contratante no sabia, mas deveria saber, ele est agindo de acordo com a boa-f subjetiva, mas em desarmonia com a boa-f objetiva. Ou seja, o que se exige aqui, a bem da verdade, a teoria da aparncia, o que se exige que a ausncia de discernimento fosse aparente, fosse perceptvel. Enfim, a doutrina unnime em admitir a incapacidade natural, entendimento consolidado. O STJ j chegou a aplicar essa idia de incapacidade natural, Resp 255271. Resp 255271 / GO RECURSO ESPECIAL 2000/0036843-1 CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FUNDAMENTAO. PROVA. INTERDIO. Somente a ausncia de fundamentao, no ocorrente na espcie, que enseja a decretao de nulidade da sentena com base no art. 458, II, no a fundamentao sucinta. Sendo o processo anulado por motivo no referente prova, esta pode ser utilizada, no mesmo feito, desde que ratificada, em respeito ao princpio da economia processual. Os atos praticados pelo interditado anteriores interdio podem ser anulados, desde que provada a existncia de anomalia psquica - causa da incapacidade - j no momento em que se praticou o ato que se quer anular. Recurso no conhecido. E a doutrina praticamente unnime aqui, a exceo da Maria Helena Diniz, vem no sentido de que a incapacidade natural deve ser reconhecida atravs de ao autnoma. Quer dizer, o processo de interdio ele no se presta ao reconhecimento da incapacidade natural, toda a dilao probatria no processo de interdio busca a constatao da incapacidade a partir da prolao da sentena. Outra questo importante aqui Enunciado n 138 do CJF. Enunciado n 138 do CJF: Art. 3: A vontade dos absolutamente incapazes, na hiptese do inc. I do art. 3, juridicamente relevante na concretizao de situaes existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto. o seguinte: ns j vimos que os menores de 16 so absolutamente incapazes e, como absolutamente incapazes, a vontade deles desimportante, porque eles no tm nenhum discernimento. O Enunciado n 138 diz assim: a vontade dos absolutamente incapazes, na hiptese do inciso I, do artigo 3, juridicamente relevante na concretizao de situaes existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto. Quer dizer, o enunciado 138 diz que, excepcionalmente, a vontade dos menores de 16 anos deve ser levada em conta para situaes existenciais, ou seja, situaes de natureza extrapatrimonial. Isso talvez nos lembre diretamente a questo da guarda, questo da adoo. O prprio artigo 47, 5, do ECA, prev a necessidade da oitiva da opinio do adotando. A participao no processo educacional. Art. 47, 5 do ECA: A sentena conferir ao adotado o nome do adotante e, a pedido deste, poder determinar a modificao do prenome. Querem ver uma questo tormentosa que tem a ver com isso? Tem uma regra do Cdigo, que vamos ver com calma mais adiante, que o artigo 15 que diz: ningum pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento mdico ou interveno cirrgica. Art. 15 do CC: Ningum pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento mdico ou a interveno cirrgica. Pela lgica dos direitos patrimoniais muito fcil, quem se manifesta o representante e o representado tem de seguir, mas agora a dvida : ser que o representante ele tem disponibilidade para assumir riscos em relao a prpria vida do representado? Quer dizer, a lgica da representao toda voltada para a lgica dos direitos patrimoniais. O Cdigo foi omisso em relao a lgica da representao em relao a situaes de natureza existencial. Ento, obviamente que a lgica totalmente diferente e, portanto, nesse caso, plenamente aplicvel pelo Enunciado n 138. Isso importante por qu? O Enunciado n 138 traz uma sistemtica peculiar a representao, no caso dos absolutamente incapazes, por conta do princpio da dignidade da pessoa humana. Quer dizer, o princpio constitucional da pessoa humana que traz a essa peculiaridade do Enunciado n 138. Outra questo que a doutrina sempre ressalta a questo dos intervalos de lucidez. Quer dizer, h uma sentena, interdio, reconhece a deficincia mental, s que a deficincia mental intermitente, ou seja, ela vai e volta. E a a dvida se o sujeito pode tentar comprovar em juzo que quando da prtica do ato ele estava no momento de lucidez. O direito brasileiro j admitiu isso antes do Cdigo de 16, quando valiam aqui as Ordenaes de Portugal, as Ordenaes Filipinas, Ordenaes Manuelinas, Ordenaes Afonsinas, elas admitiam alegaes 13

dos intervalos de lucidez. Mas desde o Cdigo de 16, o entendimento consolidado da doutrina e jurisprudncia no sentido de no se admitir a alegao de intervalo de lucidez para convalidar o negcio jurdico. Tradicionalmente o que sempre se afirmou? Que essa possibilidade de alegao dos intervalos de lucidez abalaria a segurana jurdica. Modernamente, fica mais interessante usarmos aqui, mais uma vez, o princpio da confiana. Outra questo importante, no confundir incapacidade com impedimento. Impedimento sinnimo de falta de legitimao e incapacidade resulta da ausncia de discernimento. Ento, a incapacidade ela genrica para os atos da vida civil. J o impedimento casustico, episdico, e tecnicamente os autores afirmam o seguinte: o impedimento decorre de uma circunstncia especial que determinado indivduo ocupa em relao a certos interesses. O exemplo mais claro o seguinte: o tutor capaz, mas ele impedido de comprar bens para o tutelado, artigo 497, I. A hiptese no de incapacidade, de impedimento, pois resulta dessa natureza especial decorrente da relao entre tutor e tutelado. Art. 497 do CC: Sob pena de nulidade, no podem ser comprados, ainda que em hasta pblica: I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados sua guarda ou administrao; Tem o artigo 496, lembram daquela histria da venda de descendente para ascendente que pressupe o consentimento dos outros descendentes e tambm, em regra, do cnjuge? Tambm teramos ali uma hiptese de impedimento, de falta de legitimao. Art. 496 do CC: anulvel a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cnjuge do alienante expressamente houverem consentido. ltima questo envolvendo incapacidade absoluta. O cdigo atual no mais previu o surdo-mudo como absolutamente incapaz. Na verdade, o surdo-mudo pode tanto ser tanto capaz, quanto absolutamente incapaz, quanto relativamente incapaz. Dados os avanos, o chamado surdo-mudo hoje tem condies de expressar a sua vontade, agora se ele padece de algum tipo de deficincia mental, enfim, ou de qualquer outro tipo de situao previstas nos artigos 3 ou 4, ele vai ser erigido ao status de incapaz. Mas a simples existncia da surdo-mudez no conduz necessariamente a incapacidade. Bom, os relativamente incapazes esto no artigo 4. Art. 4o do CC: So incapazes, relativamente a certos atos, ou maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os brios habituais, os viciados em txicos, e os que, por deficincia mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os prdigos. O inciso I j prev: maiores de 16 e menores de 18. Para no sermos repetitivos, se aplica aqui a teoria do ato-fato, tudo que vimos l vale para c. Vale a pena registrar o seguinte: regra geral - maior de 16 e menor de 18 tem que ser assistidos, excees: 1) maior de 16 e menores de 18 no dependem de assistncia para ser mandatrio, artigo 666. Art. 666 do CC: O maior de dezesseis e menor de dezoito anos no emancipado pode ser mandatrio, mas o mandante no tem ao contra ele seno de conformidade com as regras gerais, aplicveis s obrigaes contradas por menores. 2) pode ser testemunha, art. 228, I, e ainda pode testar, art. 1858 combinado com o art. 1860, nico. Art. 228 do CC: No podem ser admitidos como testemunhas: I - os menores de dezesseis anos; Art. 1.858 do CC: O testamento ato personalssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo. Art. 1.869, Pargrafo nico do CC: Podem testar os maiores de dezesseis anos. Vale a pena fazer algum tipo de referencia para o artigo 180 do Cdigo Civil, uma peculiaridade envolvendo maior de 16 e menor de 18. Art. 180 do CC: O menor, entre dezesseis e dezoito anos, no pode, para eximir-se de uma obrigao, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior. Lembra aquela histria do maior de 16 e menor de 18 que quando oculta a sua prpria idade acaba assumindo as obrigaes da decorrentes?!! uma peculiaridade tambm atrelada ao artigo 4, inciso I. A doutrina costuma afirmar que o artigo 180 decorre do princpio geral de que ningum pode se beneficiar da prpria torpeza. No est errado, est certo, mas numa leitura atual podemos afirmar que o artigo 180 decorre da boa-f objetiva, atravs de um tema que veremos mais adiante, que a idia da tu coque (?) (2430). Boa f objetiva atravs da tu coque (?) (2435). 14

S para no ficar no ar vou falar de maneira bem resumida. Qual a idia bsica aqui da tu coque (?) (2458)? Se eu violo uma determinada regra X, eu no posso exigir que outrem cumpra aquela mesma regra X que eu estou transgredindo. A idia bsica da tu cuque essa, quer dizer, se eu descumpro uma determinada regra X eu no posso exigir que outrem cumpra aquela mesma regra X que eu estou violando. Isso no tem a ver com exceo de contrato no cumprido, por exemplo?!! Enquanto no cumpro minha prestao no posso exigir o cumprimento da prestao oposta. Isso no tem a ver com o dolo recproco do artigo 150?!! Se ambas as partes agem dolosamente, nenhuma delas pode alegar o dolo em face da outra. Art. 150 do CC: Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode aleg-lo para anular o negcio, ou reclamar indenizao. Quer dizer, o cdigo ali no artigo 180 foi feliz ao restringir essa sistemtica entre o 16 e 18 anos. porque antes dos 16 anos o sujeito absolutamente incapaz. A hiptese de nulidade absoluta, ou seja, interesse pblico. Vamos ver com calma que no de aplica tu coque (2611) em detrimento de interesse pblico. Aqui, o inciso II do artigo 4, traz para o Cdigo situaes que antes eram previstas em leis extravagantes. O Cdigo fala em brio habitual, viciados em txicos e os que por deficincia mental tenham o discernimento reduzido. A deficincia mental pode conduzir tanto a incapacidade absoluta quanto a incapacidade relativa, vai depender do grau, ou seja, do comprometimento do discernimento. Um cuidado: o Cdigo no inciso II diz brios habituais. Se o brio habitual for um deficiente mental e com isso no tiver discernimento, claro que ele vai ser absolutamente incapaz. uma mera presuno relativa de que o brio habitual relativamente incapaz. Vejam, se o sujeito quando pratica o ato, ele no tem discernimento por conta de uma embriaguez que no constante, quer dizer, ele no brio habitual, mas estava absolutamente bbado quando celebrou o negcio jurdico, vejam que o argumento a a ser utilizado por muitos, de agora em diante, vai ser o artigo 3, III. Quando o sujeito no tem discernimento por uma causa transitria alegvel o artigo 3, III. Art. 3o do CC: So absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: III - os que, mesmo por causa transitria, no puderem exprimir sua vontade. Ento, na verdade possvel que a embriaguez no seja habitual, mas o sujeito no tenha nenhum discernimento para a prtica do ato por uma circunstncia transitria e, nesse caso, pode ser aplicado o artigo 3, III, se ele quiser demonstrar efetiva ausncia de discernimento. E o inciso IV, do artigo 4, prev a questo dos prdigos como relativamente incapazes. O prdigo aquele que no tem condio de administrar os seus prprios recursos. O prdigo, em geral, at tem discernimento dos atos da vida civil, o problema do prdigo envolve atos de disposio patrimonial, pois ele padece de falta de discernimento para atos que envolvam disposio patrimonial. Quer dizer, o prdigo seria um perdulrio. importante a remisso ao artigo 1782 que prev que a incapacidade relativa do prdigo se restringe aos atos de disposio patrimonial. Art. 1.782 do CC: A interdio do prdigo s o privar de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitao, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que no sejam de mera administrao. H uma questo importante que a seguinte: vamos ver mais adiante a questo da responsabilidade civil indireta, que a questo da responsabilidade civil por fato de outrem. Lembram daquela histria de que os pais respondem pelos atos dos filhos menores? O Curador tambm responde pelos atos do curatelado, est no artigo 932, II. Art. 932 do CC: So tambm responsveis pela reparao civil: II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condies; S que o prdigo relativamente incapaz apenas para os atos que envolvam disposio patrimonial, nos atos que no envolvam disposio patrimonial o prdigo capaz. Ento, o que se sustenta que o curador do prdigo s responde indiretamente pelos danos causados pelo prdigo em atos que envolvam disposio patrimonial. Se um prdigo causa um dano a outrem num ato que no envolva disposio patrimonial, para esse ato o prdigo capaz e no h como se cogitar de responsabilidade civil indireta do curador. Acidente de trnsito, por exemplo. O prdigo causa um dano a outrem num acidente de trnsito, qual a tese defensiva do curador do prdigo? No h responsabilidade civil indireta porque aquele dano foi causado por um ato do prdigo que no envolvia disposio patrimonial e, portanto, no envolvia responsabilidade civil indireta. Qual a remisso que eu j faria a? Artigo 4, IV combinado com o artigo 1782 para o artigo 932, II. Vamos lembrar o que? O prdigo relativamente incapaz, mas s para os atos de disposio patrimonial e a responsabilidade civil indireta tem que ser interpretada luz do artigo 1782. 15

Art. 4o do CC: So incapazes, relativamente a certos atos, ou maneira de os exercer: IV - os prdigos. Ver art. 1.782, CC e art. 932, II, CC Art. 1.782 do CC: A interdio do prdigo s o privar de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitao, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que no sejam de mera administrao. Ver art. 4, IV, CC e art. 932, II, CC Art. 932 do CC: So tambm responsveis pela reparao civil: II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condies; Ver art. 4, IV, CC e art. 1.782, CC Outra coisa importante o seguinte: no Cdigo de 16, a legitimidade para suscitar a incapacidade relativa do prdigo era apenas do cnjuge, do ascendente e do descendente. Ento, se o prdigo no tivesse cnjuge, ascendente e descendente pouco importava para o ordenamento jurdico que ele dilapidasse todo o seu patrimnio. Quer dizer, o objetivo da prodigalidade, o objetivo da incapacidade relativa do prdigo, era a proteo do patrimnio familiar, perspectiva patrimonialista. A doutrina j vinha criticando, o CPC nos artigos 1177 e 1178 passou a atribuir legitimao ao MP para requerer a interdio do prdigo. O Cdigo atual vem em sintonia prevendo tambm legitimao ao MP no artigo 1767, V, artigo 1768 e artigo 1769. Art. 1.177 do CPC: A interdio pode ser promovida: III - pelo rgo do Ministrio Pblico. Art. 1.178 do CPC: O rgo do Ministrio Pblico s requerer a interdio: I - no caso de anomalia psquica; II - se no existir ou no promover a interdio alguma das pessoas designadas no artigo antecedente, ns. I e II; III - se, existindo, forem menores ou incapazes. Art. 1.767 do CC: Esto sujeitos a curatela: V - os prdigos. Art. 1.768 do CC: A interdio deve ser promovida: I - pelos pais ou tutores; II - pelo cnjuge, ou por qualquer parente; III - pelo Ministrio Pblico. Art. 1.769 do CC: O Ministrio Pblico s promover interdio: I - em caso de doena mental grave; II - se no existir ou no promover a interdio alguma das pessoas designadas nos incisos I e II do artigo antecedente; III - se, existindo, forem incapazes as pessoas mencionadas no inciso antecedente. O que se pode afirmar aqui com clareza? Que essa legitimao atribuda ao MP vem em harmonia com o princpio da dignidade da pessoa humana, porque insuficiente ns afirmarmos que o objetivo da incapacidade relativa do prdigo proteo apenas do patrimnio. luz da dignidade humana, o objetivo a proteo da pessoa do prdigo. Por ltimo, s ressaltar a, em relao incapacidade relativa, nico do artigo 4 que o seguinte: o Cdigo anterior dizia que o silvcola era relativamente incapaz. Art. 4, nico do CC: A capacidade dos ndios ser regulada por legislao especial. O nico do artigo 4 do cdigo civil diz o seguinte: a capacidade dos ndios ser regulada por regulao especial. Quer dizer, remeteu para a legislao especial e, ao invs de usar a expresso silvcola, usou a expresso ndio. Muitos afirmam que a mudana na expresso foi extremamente infeliz porque o silvcola o indivduo nascido e criado na selva e talvez por isso padea de falta de discernimento. ndio raa, o sujeito pode ser um ndio nascido e criado em Ipanema. Ento, na verdade, essa mudana na expresso parece colidir com a prpria idia de isonomia material, tratar desigualmente os desiguais. E o Cdigo remete para a legislao especial. Essa lei especial a lei 6001/73. Basicamente, a lei prev que o negcio praticado entre um ndio no acautelado e um terceiro estranho a tribo presumidamente nulo, salvo se demonstrar que o ndio tinha efetivo discernimento. O Carlos Roberto Gonalves diz - com toda razo -, que o Cdigo no trouxe nada de novo, porque o Cdigo de 16 dizia que o silvcola era relativamente incapaz, s que a lei 6001/73 lei posterior e, portanto, a lei 6001/73 j havia revogado tacitamente o Cdigo Civil quando definiu o silvcola como relativamente incapaz. O Cdigo apenas se adaptou a uma revogao tcita que a lei 6001 j havia provocado. Outra questo aqui a seguinte: no Direito brasileiro se admite o benefcio de restituio? Vamos ver primeiro o que benefcio de restituio para enfrentarmos a pergunta. Pelo benefcio de restituio, o incapaz pode suscitar a invalidade de um ato legitimamente praticado ou licitamente praticado com a simples alegao de prejuzo. Qual seria a hiptese a do benefcio de restituio? Vamos supor que um garoto tenha praticado um ato devidamente assistido ou representado (alienou um imvel), interveno do MP, autorizao judicial, quer 16

dizer, o ato foi formal e materialmente devidamente praticado, preo de mercado a poca era o preo justo, enfim tudo adequado. S que uma semana depois dessa alienao h o anncio de uma obra faranica na localidade e aquele imvel que valia 100 - e foi vendido a 100 na poca - passa a valer 300. Pelo benefcio de restituio, o incapaz poderia suscitar a invalidade daquele ato com a simples alegao de prejuzo. Quer dizer, s se deve falar em benefcio de restituio se o ato foi validamente praticado. Antes do Cdigo de 16, como ns sabemos, valiam aqui as Ordenaes de Portugal e a poca das Ordenaes de Portugal se admitia o benefcio de restituio. O artigo 8 do Cdigo de 16, explicitamente passou a refutar o benefcio de restituio, s que o Cdigo atual omisso. E, apesar da omisso do Cdigo, os autores que enfrentam o tema - e no so todos obviamente -, ressaltam que no se admite benefcio de restituio no Direito brasileiro. Art. 8o do CC: Na proteo que o Cdigo Civil confere aos incapazes no se compreende o benefcio de restituio. Primeiro, por uma razo da tradicional segurana jurdica e a talvez uma leitura mais atualizada, como ns vimos, princpio da confiana que a proteo da legtima expectativa. Sabe o que d para aplicar aqui? Lembram da teoria da contradio com a prpria conduta? a chamada venire contra factum proprium. Est no Enunciado n 362 do CJF. Enunciado n 362 do CJF: Art. 422: A vedao do comportamento contraditrio (venire contra factum proprium) funda-se na proteo da confiana, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Cdigo Civil. O que essa teoria a grosso modo busca limitar? Condutas contraditrias que venham a atingir uma legtima expectativa. Alm da legtima expectativa, a boa-f objetiva e at a venire aqui, no nos esqueamos do artigo 2, 3 da LICC: salvo disposio em contrrio, a lei revogada no se restaura por ter a lei reguladora perdido a vigncia. Art. 2, 3o da LICC: Salvo disposio em contrrio, a lei revogada no se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigncia. pela presuno de que no h efeito repristinatrio no Direito brasileiro, quer dizer, o fato do Cdigo 2002 ter revogado o Cdigo 16 no restaura a vigncia das Ordenaes de Portugal. Emancipao Vamos tratar de emancipao. Artigo 5, nico que traz as hipteses de emancipao. Art. 5, nico do CC: Cessar, para os menores, a incapacidade: I - pela concesso dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento pblico, independentemente de homologao judicial, ou por sentena do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II - pelo casamento; III - pelo exerccio de emprego pblico efetivo; IV - pela colao de grau em curso de ensino superior; V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existncia de relao de emprego, desde que, em funo deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia prpria. Basicamente, a emancipao o instituto que permite o atingimento da capacidade de fato antes do prazo ordinariamente previsto em lei, isto , antes dos 18 anos. As hipteses de emancipao esto l no artigo 5, nico, sendo que no inciso I, 1 parte, o legislador traz a chamada emancipao voluntria que aquela emancipao concedida pelos pais. Ela chamada de voluntria justamente porque essa emancipao tem natureza extrajudicial e o Cdigo agora enfrenta uma questo (cuidado na prova objetiva), ele passa a exigir explicitamente no inciso I instrumento pblico. Havia uma divergncia anteriormente e o inciso I explicitamente exige instrumento pblico. S para no precisarmos decorar, mas a pergunta a seguinte: por que o Cdigo atual passou a exigir explicitamente instrumento pblico quando toda a tendncia do direito civil cada vez mais no sentido de flexibilizar a forma e, aqui, o Cdigo acabou aumentando o rigor formal? Essa exigncia de instrumento pblico busca justamente compensar o carter extrajudicial da emancipao, quer dizer, o objetivo conferir o mnimo de segurana, considerando o carter de extrajudicialidade da emancipao. E a, no caso de divergncia entre pais, se admite o suprimento judicial. Artigo 1631, nico. E a tem uma questo importante tambm que a seguinte: ns vimos que os pais respondem indiretamente pelos atos dos filhos, artigo 932, I. Art. 1.631 do CC: Durante o casamento e a unio estvel, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercer com exclusividade. PU: Divergindo os pais quanto ao exerccio do poder familiar, assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para soluo do desacordo. 17

Art. 932 do CC: So tambm responsveis pela reparao civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; Vejam bem, em tese, com a emancipao cessa o poder familiar e em cessando o poder familiar, em tese, no haveria mais a responsabilidade civil indireta, mas no nosso inciso I, 1 parte, seria muito fcil para os pais proceder a emancipao voluntria com o objetivo de se esquivar de eventual responsabilidade civil. Ento, o entendimento j consolidado, isso est inclusive no Enunciado n 41 do CJF, no sentido de que a emancipao voluntria no elide (no afasta) a responsabilidade civil dos pais. Enunciado n 41 do CJF: Art. 928: A nica hiptese em que poder haver responsabilidade solidria do menor de 18 anos com seus pais ter sido emancipado nos termos do art. 5, pargrafo nico, inc. I, do novo Cdigo Civil. Vamos ver mais adiante que, em regra, a responsabilidade civil do incapaz passou a ser subsidiria, est no artigo 928 do Cdigo Civil, que prev a responsabilidade civil subsidiria do incapaz. Art. 928 do CC: O incapaz responde pelos prejuzos que causar, se as pessoas por ele responsveis no tiverem obrigao de faz-lo ou no dispuserem de meios suficientes. Ento, primeiro tem que buscar no patrimnio dos pais e se no achar bens no patrimnio dos pais a sim vai para o patrimnio dos incapazes. S que com a emancipao cessa a incapacidade e a premissa do artigo 928 que quem responde subsidiariamente o incapaz. Se com a emancipao cessou a incapacidade, no mais se aplica o artigo 928, mas a o Enunciado n 41 diz que com a emancipao voluntria haver responsabilidade civil solidria entre o emancipado e os pais. Pergunta do aluno. Resposta: tem uma regrinha especial l no artigo 934 que diz que a regra geral de que o responsvel indireto quando indeniza tem o direito de regresso contra o direto, a exceo quando o responsvel direto um descendente seu. Ento, excepcionalmente ns teramos aqui um regime de solidariedade passiva em que no haveria um direito de regresso dos pais em relao ao filho. Art. 934 do CC: Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz. Teria uma regra especial aqui que aniquilaria esse direito de regresso que era prprio do regime de solidariedade passiva como veremos mais adiante. No haveria aquelas relaes internas do regime de solidariedade passiva. O Arnaldo Rizzardo defende aqui inclusive que essa mesma lgica da responsabilidade civil se aplicaria aos alimentos, quer dizer, a emancipao no excluiria, por si s, o dever de prestar alimentos. Vamos nos lembrar que a emancipao, inclusive a voluntria, ela irrevogvel, ou seja, uma das caractersticas da emancipao, inclusive a voluntria, a irrevogabilidade. S cuidado com o seguinte: a emancipao irrevogvel, mas ela pode ser anulada, pois isto so situaes diferentes. Porque a idia da irrevogabilidade diz respeito a que? Os pais no podem voltar atrs, ou seja, por ato discricionrio dos pais no cabe o retorno ao status quo ante. A anulao cabvel se for comprovada que aquela emancipao no atingia, no vinha em harmonia com os interesses do emancipado e a essa hiptese seria de invalidao da emancipao. O inciso I, parte final, prev a emancipao judicial que na hiptese de tutela. Aqui, claro, tem de ter interveno do MP e a questo do curador especial porque h potencial conflito entre os interesses do tutor e do tutelado. A tendncia aqui de que com a emancipao judicial cessa a responsabilidade civil do tutor. A uma, porque essa emancipao em caso de tutela pressupe sentena. Ento, h controle jurisdicional sobre a emancipao, ela no depende da mera iniciativa do tutor. E mais, a tutela um munus pblico, ento, a tendncia no sentido de no se tratar o tutor com tanto rigor quanto aos pais. Os incisos II a V tratam de emancipao legal. Ento, a doutrina sempre traz essa classificao: emancipao pode ser voluntria, judicial ou legal. A emancipao legal um gnero que comporta a as espcies dos incisos de II a V. No inciso II o legislador prev o casamento. Assim que vemos uma regra sobre casamento o que a gente logo se indaga: se aplica unio estvel? Cuidado que normalmente quando enfrentamos essa questo o que a gente faz? A gente usa o artigo 226 da Constituio e equipara todo mundo. Unio estvel tambm modalidade de famlia... S que aqui precisamos tomar um certo cuidado. A posio prevalecente no sentido de no se admitir a emancipao no caso unio estvel. No unnime, mas a posio majoritria. No h unanimidade aqui. A uma, porque a unio estvel ela independe da autorizao dos pais, diferentemente do ocorre no casamento. Quer dizer, a unio estvel um ato no solene, no depende da autorizao dos pais. Quando se fala em emancipao, a gente tende a pensar em prmio, o sujeito est emancipado, mas vamos perceber o seguinte: o intuito da incapacidade proteo. E quando falamos de emancipao 18

estamos falando da cessao dessa proteo. Ento, tecnicamente, essa emancipao representa o trmino dessa proteo que o ordenamento jurdico confere ao incapaz. Ento, em se tratando de trmino da proteo conferida aos incapazes o que a doutrina afirma aqui? Que o elenco do artigo 5, nico envolve rol taxativo, numerus clausus. Lembrando que numerus clausus ou rol taxativo se contrape ao rol exemplificativo que seria numerus apertus. Contra essa posio, o argumento simples. Para entender que a unio estvel emancipa, o que vamos dizer? Por que o casamento emancipa? Porque incompatvel o sujeito constituir uma nova famlia e continuar submetido a ingerncia dos pais. E se a unio estvel uma nova modalidade de famlia, pelo menos a Constituio assim prev, essa mesma incompatibilidade ocorreria no caso da unio estvel. O Paulo Nader at defende a possibilidade, por exemplo, dessa emancipao por unio estvel, mas ele defende que seria pressuposto a essa emancipao que haja, na verdade, uma sentena declaratria de unio estvel. A sentena declaratria de unio estvel seria pressuposto a emancipao, de acordo com a posio do Paulo Nader. Outra questo importante aqui a seguinte: idade mnima para casar 16 anos, artigo 1552. Art. 1.552 do CC: A anulao do casamento dos menores de dezesseis anos ser requerida: I - pelo prprio cnjuge menor; II - por seus representantes legais; III - por seus ascendentes. S que o Cdigo admite o casamento por menores de 16 anos para evitar pena criminal ou gravidez, est no artigo 1521. Art. 1.551 do CC: No se anular, por motivo de idade, o casamento de que resultou gravidez. Essa questo da pena criminal parece ter sido revogada pelo Cdigo Penal, porque no h aqui mais aquela excludente de inimputabilidade, mas subsiste a possibilidade do casamento antes dos 16 no caso de gravidez. A dvida a seguinte: vamos supor que eles se casem aos 13 anos de idade por causa de gravidez. Esto emancipados aos 13 anos? A maioria da doutrina entende que sim, Silvio Rodrigues, Carlos Roberto Gonalves, Pablo Stolze. Quem tem interesse em rea trabalhista, por exemplo, o livro do Pablo Stolze muito interessante, porque o Pablo Stolze escreve em parceria com o Rodolfo Pamplona que Juiz do Trabalho. Ento, a grande peculiaridade dessa obra do Pablo Stolze que h um inter facie entre Direito Civil e Direito do Trabalho. Ento, o argumento qual ? O Cdigo autoriza a emancipao pelo casamento, est l no artigo 5, nico, II. Se a legislao especfica admite casamento aos 13 anos haveria a causa de emancipao, quer dizer, o inciso II no restringe, diz apenas que o casamento emancipa e ponto final. Contra essa posio: Jos Acir Lessa Giordani. Ele invoca como argumento aqui a redao do artigo 1560, 1: extingue-se em 180 dias o direito de anular o casamento dos menores de 16 anos contado o prazo para o menor do dia em que perfez essa idade, quer dizer, o prazo para anular o casamento pelo menor de 16 s comea a fluir quando ele atinge os 16, por qu? Porque o cdigo entendeu que s a partir dos 16 ele tenha discernimento suficiente para isso. Art. 1.560, 1o do CC: Extingue-se, em cento e oitenta dias, o direito de anular o casamento dos menores de dezesseis anos, contado o prazo para o menor do dia em que perfez essa idade; e da data do casamento, para seus representantes legais ou ascendentes. A o Jos Acir diz que haveria uma incompatibilidade, porque se ele no tem discernimento para provocar a prpria anulao do casamento, ele no pode ter discernimento para os atos em geral da vida civil. Em uma interpretao sistemtica o Jos Acir discorda da posio majoritria. Parece fazer sentido essa posio do Jos Acir. O inciso III do artigo 5, nico, traz uma regra em total desuso, prev emancipao aqui pelo exerccio de emprego pblico efetivo. Aqui, alm de estar em desuso, o Cdigo parece ter usado mal a expresso porque emprego pblico estaria em tese atrelado a empresa pblica e sociedade economia mista