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Introdução ao Número Especial «The R&D Management Conference» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 Jorge F. S. Gomes Emprego para jovens cientistas no sector empresarial: Expectativas e realidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Margarida Fontes, Augusto Queiroz Novais, Carlos Cabral-Cardoso Gerência da propriedade intelectual na academia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 Claudia Inês Chamas Como promover a I&D multidisciplinar na academia: O caso do Projecto “Casa do Futuro” . . . . . . 47 Jorge Alves, Celeste Amorim, Irina Saur, Maria José Marques Gerir organizações de investigação e desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Cristina Reis Platform management and early supplier involvement in NPD . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 Juliana H. Mikkola, Tage Skjoett-Larsen Uma tipologia de análise da inovação no Sector dos Moldes em Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 Filipa Dionísio Vieira, Fernando Romero As inovações organizacionais do PROCANA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 Mirian Hasegawa, André Tosi Furtado ARTIGOS DE OPINIÃO COeG Organizações: Uma perspectiva positiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 Miguel Pina e Cunha, Arménio Rego, Rita Campos e Cunha Revista semestral editada pelo ISPA Volume 11 - N.º 1 - Abril 2005 Comportamento Organizacional e Gestão

Aavv, Revista Comportamento Organizacional e Gestão, 11 (1), Abr, 2005

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Introdução ao Número Especial «The R&D Management Conference» . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3Jorge F. S. Gomes

Emprego para jovens cientistas no sector empresarial: Expectativas e realidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7Margarida Fontes, Augusto Queiroz Novais, Carlos Cabral-Cardoso

Gerência da propriedade intelectual na academia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25Claudia Inês Chamas

Como promover a I&D multidisciplinar na academia: O caso do Projecto “Casa do Futuro” . . . . . . 47Jorge Alves, Celeste Amorim, Irina Saur, Maria José Marques

Gerir organizações de investigação e desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61Cristina Reis

Platform management and early supplier involvement in NPD . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71Juliana H. Mikkola, Tage Skjoett-Larsen

Uma tipologia de análise da inovação no Sector dos Moldes em Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85Filipa Dionísio Vieira, Fernando Romero

As inovações organizacionais do PROCANA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95Mirian Hasegawa, André Tosi Furtado

ARTIGOS DE OPINIÃO COeG

Organizações: Uma perspectiva positiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111Miguel Pina e Cunha, Arménio Rego, Rita Campos e Cunha

Revista semestral editada pelo ISPA Volume 11 - N.º 1 - Abril 2005

Comportamento Organizacional e Gestão

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Realizou-se entre 7 e 9 de Julho de 2004, em Sesimbra, a 26ª edição da The R&D Manage-ment Conference, co-organizada pelo ISPA e a RADMA (Research and Development Manage-ment Association). O tema da conferência foi Managing People and Managing R&D, para ilustraro papel e importância das pessoas na gestão da inovação e da investigação e desenvolvimento(I&D). O tópico tem ganho, em anos recentes, uma considerável relevância, visto que a inovação ea I&D são cada menos actividades técnicas, e, cada vez mais, o resultado do esforço humano.Posto de outra forma, as inovações são mais o resultado da actividade social do que do trabalho deum indivíduo isolado. É verdade que ainda é importante haver quem grite “Eureka”, mas a activi-dade inovativa e criativa resulta progressivamente de um ambiente que promova o pensamentolivre e de um conjunto de práticas de gestão de recursos humanos orientadas para a inovação e acriatividade.

Estes temas são extremamente caros a Portugal, como atestam os esforços continuados dosúltimos governos em promover uma gestão eficiente da ciência e da tecnologia. Um sinal em comohá ainda muito caminho a cumprir, são os pobres resultados globais em termos de inovação e ges-tão tecnológica que sistematicamente Portugal apresenta, comparativamente aos seus congénereseuropeus.

No presente número da COeG são mostrados alguns dos trabalhos apresentados na confe-rência, conduzidos por investigadores cujo traço de união é a expressão em língua portuguesa, eque exploram assuntos a diversos níveis da gestão da inovação e da tecnologia, desde o político aoestratégico, do processual ao operacional. A COeG alia-se, assim, a outras revistas científicas pa-trocinadoras e/ou apoiantes do evento, como a The R&D Management Journal, e a Creativity andInnovation Management, que apresentam brevemente edições especiais relacionadas com a reuniãoem Sesimbra.

No primeiro destes trabalhos, Margarida Fontes e Augusto Novais, do INETI, e Carlos Ca-bral-Cardoso, da Universidade do Minho, exploram a questão do emprego de jovens cientistas no

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Introdução ao Número Especial «The R&D ManagementConference»

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sector empresarial em Portugal. As principais questões do estudo são três: 1) Que tipo de compe-tências procuram as empresas que empregam mestres e doutorados? 2) Quais as razões que levamcertas empresas a não oferecer emprego a mestres e doutorados? 3) Qual a atitude de jovens cien-tistas em relação a uma carreira no sector empresarial? As conclusões apontam, entre outros aspec-tos, para alguns desajustamentos entre os objectivos e as expectativas das empresas e dos cientistas

Inês Chamas, do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, analisa segundo vários ânguloso processo de protecção e exploração da propriedade intelectual, tal como gerido pelas instituiçõesacadémicas. Com base em várias fontes de informação e entrevistas, a autora tece conclusões rela-tivamente: à organização das instituições envolvidas na gestão da propriedade intelectual e trans-ferência de tecnologia; às respectivas políticas institucionais; ao perfil dos profissionais; aos ele-mentos necessários à construção do portfolio de patentes e outros activos intangíveis; ao uso dedocumentos de patentes; às actividades de marketing, negociação e exploração económica dosdireitos de propriedade intelectual; e à distribuição dos royalties.

No terceiro texto, Jorge Alves, Celeste Amorim, Irina Saur, e Maria José Marques, todos noDepartamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial, da Universidade de Aveiro, abordama complexa questão da dinâmica dos processos de I&D multidisciplinar. O artigo apresenta o casode uma estratégia institucional desenvolvida pela Universidade de Aveiro, cujo objectivo foi esti-mular a investigação aplicada através de cooperação interdepartamental e multidisciplinar, emcolaboração com o tecido produtivo regional. Em concreto, a investigação analisa um projecto de-signado por “Casa do Futuro”, enquadrado no âmbito de uma rede de cooperação multidisciplinare inter-organizacional constituída por doze empresas e a Universidade de Aveiro, e descreve aestratégia e a abordagem metodológica utilizadas para dinamizar a comunidade académica e esti-mular projectos de I&D multidisciplinar.

Em seguida, Cristina Reis explora as diferenças e semelhanças do significado da gestão edas práticas em duas organizações de I&D; uma organização é uma divisão de I&D de uma grandemultinacional europeia; o outro tipo de organização é composta por três consórcios de I&D finan-ciados pela CE. No final, a autora sugere que uma diferença importante entre os dois tipos de orga-nização prende-se com a promoção de diferentes tipos de investigação que beneficie diferentespartes sociais e comerciais.

Juliana Mikkola, investigadora na Copenhagen Business School, juntamente com TageSkjoett-Larsen, ilustram no quinto trabalho as implicações do envolvimento de fornecedores nasfases inciciais do processo de desenvolvimento de novos produtos, especialmente quando os com-ponentes inovativos são desenhados, construídos e incorporados na nova plataforma. O artigo é ba-seado num estudo de caso da Oticon, uma empresa dinamarquesa que manufactura aparelhos audi-tivos; em concreto, explica-se de que forma a Oticon introduziu uma plataforma nova de aparelhosauditivos.

Filipa Vieira e Fernando Romero, ambos no Departamento de Produção e Sistemas, da Uni-versidade do Minho, apresentam um estudo do comportamento de 12 empresas inovadoras doSector dos Moldes em Portugal. Determina-se onde e como essas empresas adquirem o conheci-mento necessário para a realização das suas inovações, explorando as fontes internas e externas de

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inovação. Um dos pontos realçados na investigação é o papel das redes (incluindo clientes, forne-cedores, concorrentes, instituições académicas, e instituições do sector público) na inovação.

No último artigo do grupo, Mirian Hasegawa e André Furtado, do Departamento de PolíticaCientífica e Tecnológica, da UNICAMP, São Paulo, analisam criticamente as reformas ocorridasnas instituições brasileiras responsáveis pela investigação científica. Os autores dirigem a sua aten-ção para as inovações organizacionais criadas dentro de um programa de investigação público bra-sileiro – o programa de melhoramento genético da cana-de-açúcar do IAC (PROCANA).

O Artigo de Opinião COeG é o único texto que não deriva directamente da conferência, masa sua inclusão justifica-se não apenas pela pertinência do tema para o comportamento organiza-cional, mas também porque faz a ponte com futuros temas a tratar pela revista. Miguel Pina eCunha, Arménio Rego, e Rita Campos e Cunha, desvendam alguns dos conteúdos da psicologiapositiva nas organizações, pano de fundo em que as interacções humanas e as redes sociais com-plementam e consubstanciam os mecanismos de gestão técnica e económica.

JORGE F. S. GOMES

(Instituto Superior de Psicologia Aplicada)

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Resumo. A formação avançada de recursos humanos tem vindo a ser objecto de um elevado inves-timento, com base no pressuposto de que estes recursos desempenham um papel crucial no desen-volvimento tecnológico. No entanto, os jovens pós-graduados têm vindo a deparar-se com dificul-dades crescentes no mercado de trabalho académico, dificuldades essas que não estão a ser compen-sadas com o aparecimento de novas oportunidades no mercado de trabalho empresarial. Tal sugerea existência de alguma desadequação entre a oferta e a procura, ou seja, entre as competências dosindivíduos e as pretendidas por um mercado de trabalho em mutação.Este artigo aborda esse problema, examinando a questão do emprego de jovens cientistas no sectorempresarial em Portugal. A investigação foi conduzida tendo em consideração quer o ponto de vistadas empresas, quer o dos jovens cientistas e centrou-se nas seguintes questões: a) no caso das em-presas que empregam mestres e doutorados, que tipo de competências são procuradas, como são ge-ridos este tipo de recursos e que tipo de obstáculos se deparam à sua integração e utilização plena;b) no caso das empresas que não empregam, mas que poderiam beneficiar destes recursos, quais osmotivos para a sua relutância; c) no caso dos jovens cientistas, qual a sua atitude em relação a umacarreira no sector empresarial e em que condições estariam dispostos a segui-la. A investigação per-mitiu detectar alguns desajustamentos entre os objectivos e expectativas das empresas e dos cientis-tas, bem como identificar alguns factores de relutância em ambos os grupos. Estes resultados per-mitiram-nos avançar algumas sugestões no sentido de promover o emprego de jovens cientistas nosector empresarial.Palavras-chave: Mercado de trabalho para cientistas, políticas de formação avançada, carreiras dejovens doutorados, receptividade empresarial.

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COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL E GESTÃO, 2005, VOL. 11, N.º 1, 7-23

Emprego para jovens cientistas no sector empresarial:Expectativas e realidade

Margarida FontesInstituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, Lisboa

Augusto Queiroz NovaisInstituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, Lisboa

Carlos Cabral-CardosoUniversidade do Minho, Braga

Endereço: Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, Estrada do Paço do Lumiar, 22, 1649-038 Lisboa,Portugal. E-mail: [email protected]

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1. Introdução

Durante as últimas décadas Portugal realizou um elevado investimento na formação avança-da de recursos humanos em ciência e tecnologia. Este investimento baseava-se no pressuposto deque os recursos formados viriam a ter um papel chave no desenvolvimento tecnológico do país, con-tribuindo simultaneamente para reforçar a produção de conhecimento ao nível do sector público deinvestigação e para promover o desenvolvimento de competências tecnológicas no sector empre-sarial. No entanto, no que diz respeito a este último objectivo, os poucos dados disponíveis suge-rem que, apesar do rápido crescimento do número de doutorados e mestres e do aumento das difi-culdades na sua absorção pelo sector público de investigação, o emprego de indivíduos com estasqualificações no sector empresarial é ainda muito reduzido. Há portanto indicações no sentido de umsubaproveitamento dos recursos formados, o que aponta para a necessidade de uma análise maisaprofundada sobre um conjunto de aspectos relacionadas com a sua formação e empregabilidade.

O objectivo deste artigo é exactamente abordar o emprego dos recursos humanos altamentequalificados – particularmente jovens doutorados e mestres – no sector empresarial. Para com-preender as razões do actual sub-emprego e avaliar as condições em que tal situação pode ser re-vertida, abordou-se o problema do ponto de vista dos empregadores e dos empregados. No que dizrespeito aos empregadores os objectivos eram os seguintes: a) no caso das empresas que empre-gam doutorados e mestres, compreender qual o tipo de competências procuradas, quais as opçõesem termos de gestão destes recursos e quais os obstáculos à sua integração e utilização plena; b) nocaso das empresas que não empregam este tipo de recursos, mas que poderiam beneficiar da sua uti-lização, entender os motivos para a sua relutância. No que diz respeito aos indivíduos, o objectivo eracompreender quais as atitudes dos jovens cientistas face a uma carreira no sector empresarial. Com-parando as expectativas e reservas das empresas com as dos jovens cientistas, pretendeu-se aindaavaliar o grau de (des)adequação entre elas e identificar factores com impacto na evolução do mer-cado de trabalho para este tipo de quadros.

2. O papel dos recursos humanos altamente qualificados nas empresas

A crescente consciencialização sobre a importância dos recursos humanos em ciência e tec-nologia, tem levado os governos a investir fortemente na sua formação, nomeadamente ao nível dodoutoramento (Recotillet, 2003). Este processo foi particularmente visível em países dispostos arealizar o “catching-up” em termos tecnológicos. Por exemplo, no caso de Portugal, houve umesforço considerável de formação qualificada no país e no estrangeiro (Pereira, 2002). Como resul-tado, o número de novos doutorados aumentou significativamente durante a última década,atingindo uma taxa média de crescimento anual de cerca de 10% (MCT, 2000).

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Fontes, Novais, & Cabral-Cardoso

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2.1. Evolução do mercado de trabalho

Numa contradição aparente com estes esforços, estudos recentes revelam que os doutoradosse deparam cada vez com maiores dificuldades no mercado de trabalho, particularmente em algu-mas áreas disciplinares (Cabral-Cardoso et al., 2003; Mangematin, 2000; OECD, 1999; Lavoie &Finnie, 1998; NRC, 1998).

Esta situação pode ser um indicador de desadequação entre procura e oferta, ou seja, entre asqualificações e competências dos indivíduos e as pretendidas por um mercado de trabalho em mu-tação (EC, 2003a). De facto, os programas de doutoramento ainda são maioritariamente orientadospara saídas profissionais naquele que foi até há pouco o seu “mercado natural”: a docência e inves-tigação no sector público. Mas as oportunidades de emprego neste sector estão a diminuir e a tor-nar-se cada vez mais precárias. Em paralelo, no sector privado, a necessidade crescente de recorrerao conhecimento científico e tecnológico para resolver problemas industriais, criou uma procura derecursos humanos mais qualificados, fazendo com que os jovens doutorados se virem mais fre-quentemente para este mercado.

As mudanças no mercado de trabalho alteraram o perfil da procura e assim o desafio actualconsiste em ajustar a formação avançada às necessidades de uma maior variedade de carreiras (EC,2003a). Estudos realizados neste domínio apontam para a necessidade de introduzir alterações naformação dos jovens cientistas, de modo a aproximar as suas competências das necessidades daeconomia. Assim, a formação deveria ser mais interdisciplinar e envolver o desenvolvimento umamaior gama de competências, produzindo profissionais melhor equipados para trabalhar no contex-to empresarial e para desenvolver actividades que envolvam uma maior mobilidade em termos decarreiras (OECD, 1999; Burgess et al., 1998; NAS, 1995).

2.2. Principais contribuições dos quadros altamente qualificados para as empresas

A formação de recursos humanos altamente qualificados é apresentada por alguns autorescomo uma das principais contribuições da investigação académica para a indústria (Salter &Martin, 2001). Por exemplo Pavitt (1991, p. 114) refere que, ao prosseguirem uma carreira na in-dústria, os quadros altamente qualificados levam consigo, não só o conhecimento obtido directa-mente a partir da sua investigação, mas também competências, métodos de trabalho e uma rede decontactos em que se poderão apoiar para a solução de problemas que venham a surgir na sua vidaprofissional. Segundo Salter e Martin (2001, p. 522), estudantes que estiveram envolvidos em in-vestigação, sobretudo ao nível da pós-graduação, trazem para a empresa conhecimento sobre in-vestigação recente mas também – e sobretudo – a capacidade de resolver problemas complexos,realizar investigação e desenvolver novas ideias.

De uma forma geral, a formação científica dá ao indivíduo uma capacidade tácita paraadquirir e utilizar o conhecimento e aplicá-lo de formas novas, o que se traduz numa “atitude men-tal” que pode constituir uma contribuição importante para as actividades de inovação (Senker, 1995).

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Emprego para jovens cientistas

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Os cientistas mais jovens trazem ainda entusiasmo e uma abordagem crítica, que estimula os ou-tros e eleva os standards (Salter & Martin, 2001).

Os quadros qualificados também têm um papel importante no desenvolvimento da “capaci-dade de absorção” da empresa. Uma das funções relevantes que podem desempenhar é a de “gate-keeper” (Tushman, 1977) – ou seja a função de monitorizar o meio envolvente, identificar infor-mação relevante e traduzi-la de forma a torná-la compreensível para os outros membros da organi-zação. Segundo Cohen e Levinthal (1990) este papel é particularmente crítico quando a base deconhecimento interna difere substancialmente da dos actores externos que podem fornecer infor-mação relevante, situação frequente quando a empresa entra em processos de mudança. Nestas si-tuações, é também indispensável possuir o que Gibbons e Johnston (1974) designaram por “know-ledge of knowledge”, ou seja, saber onde está localizado o conhecimento relevante. No entanto,embora o papel do gatekeeper seja crítico, a capacidade da empresa para assimilar a informaçãoveiculada vai depender fortemente do nível de conhecimento dos seus restantes elementos. Nessesentido, embora o recrutamento de um quadro qualificado funcione como indicador de vontade demudança, as expectativas sobre o seu impacto imediato devem ser encaradas com cautela: é sobre-tudo o início de um processo de aprendizagem, que vai permitir desenvolver novas capacidades(Freel, 1999).

Em resumo, quadros altamente qualificados trazem para a empresa conhecimento, novosmétodos de trabalho, redes de contactos, “knowledge of knowledge” e uma atitude mental propensaà inovação. As capacidades inerentes à sua formação e à sua relação recente com o meio académi-co permitem-lhes desempenhar na empresa um conjunto de funções cruciais para o processo deinovação: resolução de problemas complexos, gatekeeping, tradução e absorção de conhecimento.

2.3. Problemas de integração

A integração de novos quadros é sempre um processo lento, uma vez que estes têm que inte-riorizar as características específicas da empresa e integrar-se nas rotinas estabelecidas (Lee &Allen, 1982). O processo é ainda mais complexo no caso dos jovens recém diplomados, dado queestes têm também que ser integrados na “prática industrial”, antes de poderem ser efectivamenteutilizados (Salter & Martin, 2001).

Os problemas de integração podem tornar-se particularmente complicados no caso dos dou-torados, que foram expostos durante um período mais longo à cultura académica, o que poderá terconduzido a uma forte identificação com valores substancialmente diferentes dos prevalecentes nomeio empresarial (Kerr et al., 1977). Esta situação, associada à pouca familiaridade com o meioempresarial e portanto à reduzida informação sobre as empresas e a sua actividade, reforça as difi-culdades de integração. Vários estudos concluíram que, mesmo quando trabalham numa empresa,estes quadros tendem a manter a sua identidade como cientistas e a valorizar mais a contribuiçãopara o conhecimento e o reconhecimento pelos pares do que o empenhamento na organização. Tam-bém tendem a manter laços estreitos com o mundo académico, o que os pode isolar do resto da em-presa. Em geral, o seu comportamento, expectativas de carreira, o tipo de relações que desenvol-

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Fontes, Novais, & Cabral-Cardoso

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vem e os próprios referenciais éticos são diferentes e potencialmente geradores de conflito (Cabral--Cardoso, 1999; Dubinskas, 1985).

Entretanto um estudo recente (Mangematin, 2000), já realizado num contexto em que os dou-torados encontram crescentes dificuldades em obter empregos estáveis em instituições de tipo aca-démico, rejeita a hipótese de que durante o doutoramento os estudantes se adaptam inevitavelmen-te à lógica académica. Os doutorandos estudados parecem antes tentar ajustar-se aos critérios de re-crutamento daquele que pretendem vir a ser o seu empregador. Os que pretendem vir a trabalhar naindústria adoptam à partida estratégias diferentes, que se reflectem por exemplo na escolha de temade doutoramento e na procura de projectos em parceria com empresas. Embora continue a verifi-car-se uma exposição às práticas de trabalho académico, existe uma maior abertura ao meio empre-sarial, o que não só aumenta as oportunidades de recrutamento posterior como também poderá fa-cilitar a integração.

Finalmente, a escolha de empregador por parte dos doutorados parece estar bastante dependentede critérios de ordem científica (Cabral-Cardoso, 1999). De facto, demonstram preferência por empre-sas que conduzem I&D e têm boa reputação no meio científico (Jones, 1992) e dão grande importânciaà qualidade das equipas de investigação e às condições de trabalho (McMillan & Deeds, 1998).

Pode concluir-se que, embora a integração de novos quadros não seja nunca um processo lin-ear, no caso de quadros com permanência mais longa no contexto académico, o choque entre as cul-turas académica e empresarial (diferentes atitudes, valores e práticas) pode agravar as dificuldades eeventualmente suscitar reacções de rejeição. Em qualquer caso, a integração será sempre facilitadaquando a formação é realizada, pelo menos parcialmente, em ambiente industrial (Freel, 1999).

3. A situação no mercado de trabalho português

Neste ponto abordamos brevemente as condições de oferta e procura de recursos altamentequalificados, no contexto português.

3.1. Oferta de recursos humanos altamente qualificados

Portugal tem investido consideravelmente em formação avançada em ciência e tecnologia. En-tre 1970 e 2001 o número de novos doutoramentos atingiu os 10746 (dos quais 30% realizados emuniversidades estrangeiras). 61% tiveram lugar nas áreas das ciências e da engenharia (C&E), comnítido predomínio das primeiras. Em 2001, a taxa de novos doutorados no grupo etário dos 25-34anos era de 0.3 por mil (EC, 2003b). Apesar de manter valores abaixo da média da UE-15 (0.55),Portugal encontra-se entre os países com maior crescimento neste indicador. Na base deste cresci-mento encontra-se a atribuição de um elevado número de bolsas governamentais1. Apenas entre

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Emprego para jovens cientistas

1 Observatório para a Ciência e o Ensino Superior (OCES) webpage: www.oces.mct.pt.

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1990 e 2001 foram concedidas cerca de 6600 bolsas de doutoramento e ainda 4300 bolsas de mes-trado e 1200 de pós-doutoramento.

Esperava-se que esta política beneficiasse não só o sector público de investigação, mas tam-bém o sector empresarial, estimulando as empresas existentes a contratar um número mais substan-cial de indivíduos com formação avançada. Apesar dos dados existentes serem escassos, a infor-mação disponível aponta para algum insucesso na concretização deste último objectivo.

3.2. Procura de recursos humanos altamente qualificados pelo sector empresarial

A informação sobre o emprego de doutores de mestres no sector empresarial é escassa. Osúnicos dados disponíveis – qualificações do pessoal de I&D nas empresas2 – permitem-nos con-cluir que, em 1999, as empresas portuguesas empregavam 104 doutores e 210 mestres em activi-dades de I&D. No caso dos doutorados registou-se um crescimento substancial entre 1995 e 1997(praticamente duplicou), mas uma estagnação relativa entre 1995-19973, enquanto que no caso dosmestres se verificou um crescimento contínuo no mesmo período. Apesar disso, os pós-graduadosrepresentavam apenas 5.5% do pessoal de I&D empresarial em 1999, sendo que os doutorados re-presentavam apenas 1.8%. Estes dados constituem um indicador da fraca empregabilidade dos pós--graduados nas empresas, mesmo ao nível das actividades de maior conteúdo científico e tecnoló-gico.

A procura reduzida deste tipo de pessoal pelas empresas portuguesas não é de estranhar,dado o limitado envolvimento das empresas em actividades que requerem recursos humanos alta-mente qualificados, como a I&D e a inovação. Por exemplo, em 2001, o sector empresarial finan-ciou apenas 32.4% das despesas de I&D (comparado com uma média da UE-15 de 56.1%) e em-pregou apenas 15.5% dos recursos humanos em I&D (49.7% na UE-15) (EC, 2003b). Por outro la-do, e de acordo com o 2.º Inquérito Comunitário às Actividades de Inovação (CIS2), entre 1995 e1997, apenas 25.8% das empresas industriais e 28% das empresas de serviços tinham introduzidocom sucesso novos produtos ou processos no mercado. A despesa em inovação representou respec-tivamente, 1,6% e 0.7% das receitas das empresas industriais e de serviços, sendo que a maior par-te deste investimento incidiu na aquisição de equipamento e tecnologia. Apenas um pequeno con-junto de sectores mais inovadores consagrou uma parte mais significativa da despesa de inovação àI&D (Conceição & Ávila, 2001).

Finalmente, para uma melhor compreensão da atitude das empresas em relação aos quadrosaltamente qualificados, pareceu-nos ainda relevante analisar a percepção global das empresas sobrea importância dos recursos humanos. A partir dos resultados de um conjunto de inquéritos às acti-vidades de inovação realizados nos anos noventa (Godinho, 1990), bem como dos dados do CIS2,pode concluir-se que a fraca qualificação dos trabalhadores é geralmente considerada pelas empre-sas como uma das principais barreiras à inovação. No entanto, quando inquiridas acerca dos fac-

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Fontes, Novais, & Cabral-Cardoso

2 OCT (1999) para os anos 1995 e 1997; dados fornecidos pelo OCES para 1999.3 Dados mais recentes apontam para 113 doutorados em 2001 (Webpage OCES), confirmando o crescimento mais lento.

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tores que promovem a inovação, as empresas tendem a desvalorizar factores relacionados com ouso de recursos humanos qualificados e com o desenvolvimento de competências internas, bem co-mo factores associados ao acesso a conhecimento científico e tecnológico externo e a serviços deíndole tecnológica (Barata, 1999). A baixa percepção das empresas sobre a importância relativa des-tes factores, pode requerer a sua prévia sensibilização para o papel destas actividades e recursos, co-mo condição para a compreensão efectiva dos benefícios potenciais da contratação de profissionaiscom qualificações ao nível do mestrado ou doutoramento.

A discussão anterior sugere um baixo envolvimento do sector empresarial em actividades queinduzem a procura de mestres e doutorados, mas a escassez de dados deixa várias questões por res-ponder. Em primeiro lugar, qual é efectivamente o nível de emprego destes recursos humanos pelosector empresarial e até que ponto as suas qualificações estão ser devidamente aproveitadas. Emsegundo lugar, quais as principais razões para a relutância das empresas em contratar este tipo derecursos humanos. Embora seja um facto que a maior parte das empresas portuguesas se encontranum estádio de desenvolvimento em que quadros com este nível de qualificações não são realmen-te necessários, também é possível que empresas que poderiam beneficiar deste tipo de recursos nãoestejam a recorrer a eles. Várias razões podem ser apontadas para explicar esta situação: as empre-sas podem não estar despertas para as vantagens deste tipo de quadros ou podem deparar-se comsérias dificuldades em identificá-los ou em retê-los; a sua relutância em recrutar pode estar relacio-nada com uma imagem negativa dos pós-graduados. No entanto, também é possível que exista umdesajustamento real entre as necessidades da empresa e as competências e atitudes dos recursoshumanos que estão a ser formados. A resposta a estas questões requer uma análise mais aprofunda-da sobre este tema.

Tendo em conta que o investimento intensivo na formação avançada de recursos humanostem sido, pelo menos parcialmente, justificado pelo impacto esperado da sua integração no sectorempresarial – no pressuposto de que poderão actuar como difusores de conhecimento novo e pro-motores de inovação (MCT, 2000) – uma melhor compreensão das atitudes e comportamentos dasempresas e dos potenciais empregados é indispensável para avaliar até que ponto é que este objec-tivo está ser cumprido e para identificar os obstáculos que se opõem à sua concretização.

4. O emprego de recursos humanos altamente qualificados pelas empresas Portuguesas

Para responder às questões colocadas, foi realizada uma análise do comportamento e das ati-tudes de um conjunto de empresas consideradas “potenciais empregadoras” de recursos humanosaltamente qualificados – ou seja, indivíduos com grau de mestre ou doutor, que serão designadoscomo “pós-graduados” – bem como das atitudes destes indivíduos relativamente a um emprego nosector empresarial4. A partir da comparação entre os objectivos, expectativas e factores de resistên-

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Emprego para jovens cientistas

4 Projecto “Integração nas empresas de pós-graduados nas áreas das ciências e tecnologias” realizado pela Universidadedo Minho e pelo INETI e financiado pela FCT (PCSH/OGE/1023/95).

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cia de empregadores e empregados, avançaremos com algumas pistas com vista a um melhor ajus-tamento entre a oferta e a procura a este nível.

4.1. Metodologia de investigação

Um primeiro objectivo desta investigação era avaliar a extensão do emprego de pós-gradua-dos pelas empresas portuguesas e caracterizar as empresas que contratam este tipo de recursoshumanos. Um segundo objectivo era contribuir para uma melhor compreensão das razões queexplicam a sua baixa empregabilidade, mesmo entre empresas tecnologicamente mais evoluídas,que poderiam beneficiar da presença de quadros com tais qualificações.

No que diz respeito a este segundo objectivo, foi considerado relevante abordar e comparar:a) o caso de empresas que empregam pós-graduados, de modo a compreender que tipo de compe-tências procuram, como gerem este tipo de recursos e que tipo de obstáculos vêm à sua integraçãoe utilização; b) o caso de empresas que não empregam pós-graduados, de modo a compreender quaisos motivos da sua relutância; c) o ponto de vista dos pós-graduados – originários duma cultura aca-démica e com uma formação fortemente orientada para a investigação – relativamente a um empre-go no sector empresarial.

Nesse sentido foram realizados dois inquéritos, dirigidos às duas unidades de análise (Tabe-la 1).

O inquérito às empresas envolveu 538 “potenciais empregadores de pós-graduados”. Combase no pressuposto que entre os factores susceptíveis de influenciar o recrutamento de pós-gra-duados se incluíam a presença de actividades de I&D, o desempenho de actividades intensivas emtecnologia e alguma capacidade económica, foram seleccionados três grupos de empresas: a)grandes empresas do sector industrial: seleccionadas a partir das “500 maiores empresas” (base dedados Exame/ Dun & Bradstreet, 1996), excluindo empresas comerciais, de construção, serviçosimobiliários e agricultura; b) empresas com actividades de I&D, inquiridas pelo Observatório Na-cional para a Ciência e Tecnologia; c) novas empresas de base tecnológica, identificadas no decor-rer de um projecto de investigação anterior.

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Tabela 1Inquéritos: Empresas e pós-graduados

Inquiridos (corrigido) Respostas Taxa de resposta

Inquérito a empresas 538 (493) 126 25.6%

Inquérito a pós-graduados- Mestres 2797 (2690) 969 36.0% - Doutorados 2458 (2342) 1062 45.3%

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O inquérito aos pós-graduados envolveu 5255 bolseiros (2458 de doutoramento e 2797 demestrado), representando a quase totalidade de bolsas de doutoramento e mestrado financiadas porprogramas governamentais entre 1990 e 19955.

Adicionalmente, foram realizadas entrevistas com bolseiros e empresas. Para mais detalhesrelativamente à metodologia ver Cabral-Cardoso et al. (2003).

4.2. Emprego de pós-graduados pelas empresas

Um primeiro resultado que pode ser obtido a partir do inquérito às empresas, diz respeito aonível de emprego de pós-graduados em empresas mais intensivas em tecnologia e/ou com maioresrecursos. Das 126 empresas que responderam ao inquérito, 52 (41.3%) empregavam um total de 142pós-graduados (43 doutorados e 99 mestres), ou seja, uma média de 2,7 por empresa. 16 empresas em-pregavam mestres e doutorados, 27 apenas mestres e 9 apenas doutorados. Apenas metade destasempresas empregavam pós-graduados em ciência e engenharia, provindo os restantes das áreas deeconomia, gestão e outras ciências sociais. No que diz respeito ao acesso ao trabalho pós-gradua-do, a maioria das empresas tinha recrutado mestres ou doutorados, mas cerca de metade tinha tam-bém facultado aos seus quadros a oportunidade de realizar uma pós-graduação. É ainda interessan-te verificar que 27 empresas tinham apoiado investigadores externos a realizar pós-graduações, atravésde acolhimento ou apoio financeiro.

No que diz respeito a recrutamento futuro, 34 empresas (27%) expressaram a intenção de con-tratar pós-graduados no futuro próximo, embora apenas 5 pretendessem contratar doutorados. Poroutro lado, 57 empresas (45%) expressaram interesse em usar trabalho pós-graduado externo, nocontexto de mecanismos de mobilidade, como alternativa ao recrutamento.

4.3. Perfil das empresas empregadoras de pós-graduados

As 52 empresas inquiridas que referiram ter pós-graduados nos seus quadros localizavam-sesobretudo nos sectores dos serviços, química, petrolífera e papel, equipamento eléctrico e de ópti-ca. Já as empresas que empregavam doutorados encontravam-se sobretudo na química, petrolíferae papel, seguida dos serviços e da metalurgia de base e equipamentos.

No que se refere às actividades de índole tecnológica, cerca de 2/3 das empresas com pós-graduados mencionou actividades de I&D, embora apenas metade referisse a presença de umdepartamento de I&D (ou equivalente). Por outro lado, apenas 63.5% das empresas declarou terpessoal afecto a I&D (mesmo a tempo parcial) e apenas 50% apresentou um valor para despesas de

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5 Programas: Formação e Mobilidade de Recursos Humanos, CIÊNCIA e PRAXIS XXI. Considerando que cerca de25% dos doutoramentos obtidos durante os anos 90 foram objecto de uma bolsa e que, com excepção dos doutoramentos noestrangeiro, é provável que se registe uma maior incidência de candidaturas a bolsas entre indivíduos sem um lugar estável naUniversidade (dado que esta usualmente concede equiparação a bolseiro com manutenção do vencimento), este grupo pode serconsiderado como representativo da população que se pretendeu estudar.

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I&D, o que sugere alguma informalidade nas actividades conduzidas por algumas empresas. Nocaso particular das empresas com doutorados, a esmagadora maioria declarou ter actividades de I&D,embora nem todas tivessem um departamento específico (apenas 70%), pessoal afecto a activida-des de I&D (apenas 66.7%) ou despesas de I&D (apenas 50%).

Cerca de 70% das empresas com pós-graduados mencionaram a existência de relações tec-nológicas externas, verificando-se uma predominância de relações do tipo colaboração, as quais assu-miam particular importância no caso das empresas com doutorados, onde eram complementadas poruma grande intensidade de contactos informais. Adicionalmente, entrevistas realizadas sugeriramque um dos papéis mais importantes desempenhados pelos pós-graduados tinha exactamente a vercom a interface entre a empresa e fontes externas de conhecimento. Para empresas que não desen-volvem actividades de I&D internas, ou que possuem recursos limitados a esse nível, estes quadros– sobretudo os doutorados – funcionam como intermediários entre a empresa e o meio académico.Os pós-graduados são portanto vistos como gatekeepers, pressupondo-se que possuem os conheci-mentos necessários para acompanhar a evolução científica e tecnológica nas suas áreas de conheci-mento e identificar os desenvolvimentos com interesse para a empresa.

4.4. Integração e utilização de pós-graduados

Com vista a avaliar qual a situação dos pós-graduados nas empresas, tentou-se compreender quaisos objectivos da empresa ao recrutar este tipo de empregados e quais as funções que estes acabam pordesempenhar.

A área de especialização dos pós-graduados existentes nas empresas inquiridas dá-nos algu-mas indicações sobre o tipo de competências procuradas. No caso dos mestres as empresas pare-ciam estar relativamente mais interessadas em competências de engenharia. Já no caso dos douto-rados as competências requeridas cobriam um leque mais amplo, embora se verificasse uma maiorapetência relativa por quadros ligados às ciências. Dado o tipo de formação adquirido ao nível domestrado é provável que os mestres sejam encarados como mais ajustados a desempenhar funçõesem áreas ligadas à produção, controlo de qualidade, projecto – onde as competências em engenha-ria são críticas – enquanto que os doutorados sejam encarados como mais orientados para activi-dades de I&D onde existe necessidade de uma combinação de competências em ciências e enge-nharia. No que se refere às funções desempenhadas, verifica-se que os pós-graduados desempe-nham sobretudo funções técnicas (57%), sendo que apenas um número muito reduzido desempe-nha funções comerciais. Cerca de 30% dos mestres e 40% dos doutores tinham funções de gestão,sendo de notar que em 16 empresas existia pelo menos um pós-graduado entre os proprietários (usu-almente nas novas empresas).

Os pós-graduados são recrutados quer para reforçar equipas já existentes, quer para enca-beçar mudanças organizacionais, usualmente de índole tecnológica. Em cerca de 1/3 das empresasa decisão de recrutar pela primeira vez correspondeu a uma alteração importante na actividade, si-tuação que se reflecte na posição atribuída ao quadro: é nestas empresas que se regista a maior pro-porção de casos em que o pós-graduado vai ocupar um lugar de direcção ou lançar uma área nova.

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Na grande maioria dos empresas (96%) não existiu qualquer alteração na política de recur-sos humanos, quer porque as empresas consideram que os pós-graduados são “quadros iguais aosoutros” (59%), quer porque, admitindo embora que são “colaboradores diferentes”, não vêm neces-sidade de uma política específica (41%). Em geral, as empresas consideravam que as funções de-sempenhadas pelos pós-graduados permitiam explorar devidamente as suas qualificações, embora9 tenham admitido não ser esse o caso.

5. Comparação das expectativas dos empregadores e empregados

Neste ponto ir-se-ão analisar e comparar as expectativas e reservas das empresas em relaçãoao recrutamento de pós-graduados e as expectativas e reservas dos pós-graduados em relação a umemprego no sector empresarial. Quanto às empresas, pretende-se compreender porque recrutampós-graduados, ou as razões para a sua resistência, quando não o fazem. Quanto aos pós-gradua-dos, procura-se compreender até que ponto quadros com uma formação essencialmente académicaestão interessados numa carreira no sector empresarial e as condições de emprego que procuram6.

Através dessa análise procurar-se-á avaliar (dentro das limitações dos dados disponíveis) ograu de (des)ajustamento entre as expectativas dos potenciais empregadores e empregados e identi-ficar alguns dos principais factores que podem intervir na evolução do mercado de trabalho paraeste tipo de quadros.

5.1. (Des)ajustamento entre objectivos e expectativas dos quadros e das empresas?

Os dados obtidos a partir do inquérito aos pós-graduados demonstraram que parte substan-cial dos inquiridos estava pelo menos receptiva à ideia de trabalhar numa empresa (apenas 3% dosbolseiros de mestrado e 5% dos de doutoramento rejeitavam totalmente essa possibilidade), embo-ra o grau de receptividade variasse de acordo com as áreas científicas.

No que se refere aos pós-graduados que revelaram disponibilidade para trabalhar em empre-sas, os aspectos mais marcantes são sumariados de seguida. Antes de mais, uma carreira no sectorempresarial surge em geral como segunda escolha, o que sugere uma elevada orientação académi-ca, embora temperada com algum pragmatismo. Por outro lado, mesmo trabalhando numa empresagostariam de manter uma ligação ao meio académico e à I&D, ainda que a tempo parcial (emboramanifestem algum cepticismo em relação à I&D realizada nas empresas) e rejeitam actividades deíndole comercial7. Revelam ainda algum interesse por actividades de interface entre a investigaçãoe a indústria.

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6 Uma apresentação mais detalhada da evidência relativa às empresas e aos pós-graduados pode ser encontrada emFontes (2005).

7 Apesar destas regularidades, foi também possível identificar perfis individuais diferenciados, tendo em conta a atitudeem relação a um emprego no sector empresarial (Cabral-Cardoso, 1999).

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De que forma se confrontam estas expectativas com as das empresas?Em termos das características dos quadros, verifica-se que algumas das aptidões específicas

dos pós-graduados são pouco valorizadas pelas empresas: por exemplo, experiência de I&D, con-tactos com o meio académico, experiência de estudo no estrangeiro, conhecimento especializado.Entre as mais valorizadas encontram-se características pessoais genéricas como integração emequipa, aprendizagem, capacidade de resolução de problemas práticos.

No que se refere aos objectivos do recrutamento, verifica-se que as empresas tanto recrutampós-graduados para reforçar equipas existentes, como para lançar novas áreas de actividade, embo-ra este último objectivo seja mais frequente entre empresas que recrutam pela primeira vez, o quepermite concluir que muitas empresas vêm o pós-graduado como um factor de mudança. No entan-to esta conclusão deve ser confrontada com o facto de parte significativa das empresas não procu-rar à partida um pós-graduado, tendo acabado por recrutar apenas porque surgiram pós-graduadosentre os candidatos e se verificou que as suas qualificações podiam ser úteis.

Tal revela algum desconhecimento das possibilidades oferecidas por estes quadros, que setorna mais evidente quando consideramos os factores que inibem o seu recrutamento. As empresasque não empregavam pós-graduados manifestavam reservas que estavam relacionadas, quer com asua visão das características dos pós-graduados, quer com a própria organização. No que diz res-peito aos pós-graduados eram apontados aspectos como: formação demasiado especializada, poucaflexibilidade para desempenhar actividades noutras áreas, dificuldades de integração. No que dizrespeito à organização, as empresas mencionavam não necessitar de pessoal com esse nível de qua-lificação, falta de capacidade financeira para o contratar, ou incapacidade de o ocupar adequada-mente a tempo inteiro. Também eram mencionadas dificuldades em encontrar quadros com a espe-cialização necessária (o que pode estar relacionado com as limitações ao nível da empresa ou comdeficiências ao nível da oferta).

É possível argumentar que algumas destas respostas reflectem uma imagem estereotipada dopós-graduado como indivíduo excessivamente qualificado, demasiado académico e difícil de gerir.Entretanto, quer a literatura sobre os problemas de integração destes quadros, quer as própriasexpectativas dos pós-graduados, vêm dar alguma razão aos receios das empresas, sobretudo daque-las com menor nível de competência, que pretendem dar um salto qualitativo. Tal sugere a necessi-dade de iniciativas que desafiem a imagem dos pós-graduados que parece continuar a prevalecer.Mas também apela à necessidade de reconsiderar as condições em que a formação avançada é rea-lizada, bem como a uma maior consciencialização dos pós-graduados em relação ao tipo de activi-dades que poderão ter que vir a desenvolver ao longo das suas carreiras, caso o seu futuro passe pelaindústria.

As funções que os pós-graduados desempenham nas empresas, são basicamente funções téc-nicas e raramente comerciais, conquanto exista uma elevada proporção de doutorados em funçõesde gestão (embora não fosse possível discriminar se se trata de gestão de actividades de índole tec-nológica ou gestão administrativa e haja um elevado número de doutorados entre os proprietários).Embora o tipo de actividades que os pós-graduados preferem realizar se enquadre nas “funções

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técnicas”, a questão que se coloca é até que ponto essas funções lhes permitem manter pelo menosalguma actividade ligada à I&D.

A maior parte das empresas com pós-graduados e praticamente todas as empresas com dou-torados mencionaram realizar I&D, mas nem todas a conduziam de modo formal, isto é, tinhamum departamento específico, pessoal dedicado, despesas de I&D. Portanto, embora seja expectávelque as empresas atribuam a estes quadros, sobretudo aos doutorados, tarefas com maior nível de exi-gência, é provável que frequentemente eles tenham de se envolver noutros tipos de actividade. É tam-bém possível que algum do cepticismo relativo ao tipo de I&D realizado nas empresas correspondaà realidade: serão muitas vezes actividades pontuais ou “sazonais”, sobretudo nas empresas de me-nor dimensão. Existem entretanto empresas com departamentos formais, grupos de maior dimen-são e projectos de maior fôlego, onde as actividades de I&D surgem como mais sistemáticas e even-tualmente mais recompensadoras para um doutorado.

Por outro lado, existe outra utilização dos pós-graduados, que responde a uma das aspiraçõesdos inquiridos: a de gatekeeper entre a empresa e fontes externas de conhecimento tecnológico, no-meadamente através de ligações com o meio académico. Esta função é esperada quer dos quadrosrecrutados, quer daqueles que venham para a empresa no âmbito de programas de mobilidade, man-tendo ligações ao meio académico.

Finalmente é interessante mencionar que a maioria das empresas considera que os pós-gra-duados são bem aproveitados. Embora este tipo de afirmação deva ser considerado com cuidado,parece indicar que não existem situações de descontentamento extremo.

5.2. Algumas pistas para promover o emprego de pós-graduados

A partir desta análise, é possível retirar algumas indicações sobre o tipo de empresas onde qua-dros altamente qualificados podem ser mais produtivos, sobre o que empresas devem oferecer paraos atrair e sobre os mecanismos que devem ser postos em funcionamento para aumentar o seu re-crutamento pelo sector empresarial.

Os pós-graduados têm mais condições para ser produtivos em empresas que realizam defacto actividades de I&D, mesmo que com carácter informal, em empresas interessadas em manteralguma observação sobre as actividades das IC&T com vista ao seu eventual aproveitamento futu-ro, em empresas que pretendem dar um salto qualitativo em termos tecnológicos e portanto valori-zam alguma autonomia e experiência na realização actividades de I&D e uma rede de ligações aoutras fontes de conhecimento. Quanto às formas de atrair estes quadros, os resultados apontam nosentido de lhes serem proporcionadas condições para manter um laço à I&D, mesmo que apenasatravés de uma ligação ao meio académico. Outra alternativa seria oferecer salários mais elevadosque no sector de investigação, embora tal surja como viável apenas em empresas de maior dimen-são.

É de notar entretanto que, embora haja alguma margem de actuação sobre os factores subja-centes à resistência das empresas em recrutar recursos humanos com qualificações ao nível do mes-trado ou doutoramento, é necessário ter em conta que a capacidade do tecido industrial nacional

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para utilizar estes recursos tenderá a ser baixa, pelo menos num futuro próximo. Com efeito, mui-tas empresas, mesmo inovadoras, não necessitam efectivamente de quadros com este nível de qua-lificação, sendo que, no seu estádio actual de desenvolvimento, o recrutamento de recém licencia-dos será potencialmente mais proveitoso.

No que se refere aos mecanismos que podem ser postos em funcionamento para aumentar areceptividade das empresas a este tipo de recursos humanos, verifica-se que um processo de apren-dizagem sobre a utilidade de ter pós-graduados na empresa poderá ser benéfico. O caso de empre-sas que não procuravam pós-graduados mas que encontraram nestes candidatos o tipo de qualifi-cações pretendido, bem como o interesse por mecanismos (por exemplo o Programa de Apoio à In-serção de Mestres e Doutores nas Empresas a nível nacional ou as bolsas Marie Curie a nível inter-nacional) que permitem “experimentar” o pós-graduado por algum tempo, são um indicador nessesentido. Por outro lado, o número de casos em que o pós-graduado foi abrir uma nova área, o factoda maior parte das empresas considerar que os pós-graduados estão a ser bem aproveitados e o nú-mero crescente de candidatos aos programas de incentivos, sugerem que a experiência de traba-lhar com quadros altamente qualificados pode ser positiva para diferentes tipos de empresas. Noentanto, a diversidade de situações – empresas com alguma dimensão e capacidade económica etecnológica; pequenas empresas de base tecnológica, com competências mas escassez de recursos;PMEs com intenções inovadoras em fase de upgrading tecnológico – exige que estes processossejam apoiados de forma diferenciada.

Finalmente, no que se refere aos detentores de pós-graduações, os resultados sugerem que de-verão consciencializar-se da necessidade de flexibilizar as expectativas e encarar a possibilidade deaplicar as suas competências em áreas de actividade que não estejam (exclusivamente) relaciona-dos com I&D, tendo em conta que mesmo nessas circunstâncias poderão actuar como uma fonte deconhecimento C&T, utilizando as suas redes pessoais para assegurar a ligação ao conhecimentoproduzido no exterior. Um certo grau de pragmatismo, que se verificou existir entre os indivíduosinquiridos (o qual está possivelmente associado às dificuldades de emprego estável na carreira dasua preferência), surge como um atributo essencial neste contexto.

6. Conclusões

Portugal, como vários outros países, tem vindo a realizar um esforço importante no sentidode formar recursos humanos em ciência e tecnologia, nomeadamente ao nível da pós-graduação.No discurso político, a absorção destes recursos humanos pelo sector produtivo surge como uma dasformas mais eficazes de melhorar as competências tecnológicas das empresas portuguesas. No en-tanto os dados disponíveis apontam para uma empregabilidade limitada de pós-graduados pelasempresas. A investigação realizada abordou esse problema, focando nomeadamente os obstáculosque impedem uma utilização mais generalizada deste tipo de recursos. Sem prejuízo de uma aná-lise mais aprofundada desta situação, este estudo identificou um conjunto de questões que podem

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contribuir para uma melhor compreensão das condições que prevalecem no mercado de trabalhoneste sector.

A principal explicação para o aproveitamento limitado dos recursos humanos altamentequalificados existentes pelo sector empresarial, terá a ver com o facto de a maior parte das empre-sas portuguesas se encontrar num estádio de desenvolvimento em que quadros com este nível dequalificações não são de facto necessários. No entanto, existem empresas que podem beneficiar dorecrutamento deste tipo de recursos humanos e que não os estão a utilizar. No caso destas empre-sas, os principais obstáculos identificados incluem a falta de percepção por parte dos empresáriosdo potencial desses quadros para a empresa; dificuldades em identificar claramente o tipo de quali-ficações necessário; algum desajustamento entre as competências oferecidas e os requisitos da em-presa; alguma apreensão (em certos casos pelo menos parcialmente justificada) sobre a capacidadede integrar e utilizar devidamente quadros que têm associada uma imagem de excesso de especiali-zação, orientação académica e fraca adaptabilidade. Já no que se refere a empresas interessadas nascompetências destes quadros, mas com recursos escassos (por exemplo as novas empresas de basetecnológica), verificam-se sobretudo dificuldades na sua atracção e retenção.

Por outro lado, existe por parte dos pós-graduados alguma relutância em trabalhar em em-presas, apesar de muitos adoptarem uma postura pragmática, aceitando uma carreira no sector em-presarial em certas condições. Embora em alguns casos a opção pela formação avançada estejaassociada a uma genuína vontade de prosseguir uma actividade de índole científica, haverá tam-bém casos em que a resistência a actividades não académicas deriva essencialmente da natureza econdições da sua formação e das expectativas que esta criou em termos profissionais, sendo possí-vel alterar as atitudes através da intervenção ao nível destes factores.

Este estudo permitiu identificar alguns desajustamentos entre as expectativas dos pós-gra-duados em relação a uma carreira profissional e os objectivos das empresas ao nível da contrataçãode quadros qualificados em geral e as suas expectativas em relação aos pós-graduados em particu-lar. Permitiu ainda compreender alguns dos factores de resistência prevalecentes nos dois grupos.Deste modo foi possível sugerir algumas pistas para promover o emprego de pós-graduados nosector empresarial.

Os resultados deste estudo também sugerem alguns comentários sobre as políticas orienta-das para a formação avançada. Embora exista uma preocupação crescente com o aproveitamentoefectivo das competências adquiridas pelos quadros formados, verificou-se que continua a haverdemasiada ênfase na produção de novos recursos, sem que pareça existir uma consciência real dosestrangulamentos criados à sua absorção pela natureza do tecido industrial nacional. Ora, quer os re-sultados deste estudo, quer a experiência de outros países mostra que, para evitar o desperdício derecursos e prevenir sentimentos de frustração (que estão a aumentar entre os jovens cientistas), setorna indispensável introduzir profundas alterações tanto no tipo de formação oferecido como naforma como é encarada a pós-graduação e as respectivas saídas profissionais. Estas são questõescríticas que deverão ser abordadas seriamente pelas políticas futuras.

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Abstract. Industrialised countries have strongly invested in the advanced training of humanresources under the assumption that they have a critical role in technological development.However, these resources are meeting with increasing difficulties in the academic labour market,which are not being compensated by the emergence of opportunities in the business labour market,suggesting some mismatch between supply and demand, i.e. between the competences possessed bythe individuals and those sought by a changing market. The paper addresses this problem, looking at the (under)employment of young scientists in thebusiness sector in Portugal. Research was conducted examining this issue from the standpoint ofboth firms and individual scientists and focusing on the following questions: a) in the case of firmsthat employ masters or doctors, which type of competencies they look for, how they manage thistype of resources and what type of obstacles they see to their integration and use; b) in the case offirms that do not employ, but might benefit from these resources, which are the motives for theirreluctance; c) in the case of young scientists, which are their attitudes regarding a career in the busi-ness sector and in which conditions they would be willing to pursue it. The research led to theuncovering of some mismatches between the objectives and expectations of firms and scientists, aswell as to the identification of reluctance factors in both groups. This enabled us to offer some sug-gestions for ways of promoting the employment of young scientists in the business sector.Key words: Scientific labour market, science training policies, young PhD careers, industry recep-tivity.

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Emprego para jovens cientistas

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Resumo. O trabalho analisa como as instituições acadêmicas, em nível internacional, organizam-separa gerenciar o processo de proteção e exploração econômica da propriedade intelectual. Diversosaspectos são abordados: a organização do Escritório de Propriedade Intelectual e Transferência deTecnologia (Epitt), as políticas institucionais que sustentam as atividades do Epitt, o perfil dosprofissionais, os elementos necessários à construção do portfolio de patentes e outros ativosintangíveis, o uso do documento de patentes como importante fonte de informação para diversostipos de projetos, as atividades de marketing, negociação e exploração econômica dos direitos depropriedade intelectual e a distribuição dos royalties.Palavras-chave: Propriedade intelectual, patentes, transferência de tecnologia, instituições acadêmi-cas.

1. Introdução

O trabalho analisa como as instituições acadêmicas, em nível internacional, organizam-separa gerenciar o processo de proteção e exploração econômica da propriedade intelectual.

São examinadas as possibilidades de organização do Escritório de Propriedade Intelectual eTransferência de Tecnologia (Epitt), as políticas institucionais que sustentam as atividades doEpitt, o perfil dos profissionais, os elementos necessários à construção do portfolio de patentes e

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COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL E GESTÃO, 2005, VOL. 11, N.º 1, 25-45

Gerência da propriedade intelectual na academia

Claudia Inês ChamasInstituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, Brasil

Agradecimentos: A autora agradece aos entrevistados pela colaboração com o desenvolvimento deste trabalho. Contri-buições importantes também foram oferecidas pelo Prof. Carlos Alberto Nunes Cosenza e pelo Prof. Orlando Cosenza, da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro. A pesquisa também não seria possível sem o apoio do Prof. Joseph Straus, do Max-Planck-Institut für Geistiges Eigentum, Wettbewerbs-und Steuerrecht. O trabalho foi apresentado na R&D ManagementConference 2004, em Sesimbra.

Endereço: Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz, Ministério da Saude), Av. Brasil, 4365, Mourisco, sala 122, Rio deJaneiro, RJ 21045-900, Brasil. E-mail: [email protected]

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outros ativos intangíveis, o uso do documento de patentes como importante fonte de informaçãopara diversos tipos de projetos, atividades de marketing, negociação e exploração econômica dosdireitos de propriedade intelectual e a distribuição dos royalties.

A metodologia de pesquisa envolveu a realização de entrevistas semi-estruturadas comgestores de diversas instituições acadêmicas. Fontes secundárias de informação, como documen-tos, relatórios e reportagens também foram úteis.

A importância do texto reside na sua contribuição para o recente processo de implementaçãode políticas e escritórios de propriedade intelectual nas organizações de pesquisa do Brasil. Nessecontexto, um olhar atento para as capacitações acumuladas por universidades e institutos de outrospaíses poderá servir de referência para a detecção de barreiras e as necessidades futuras de ajuste.

2. Organização do Escritório de Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia

Com as transformações em curso nas instituições acadêmicas e a sua disposição para tirarproveito das vantagens do sistema de propriedade intelectual, empreendem-se esforços para a cons-trução de capacitação própria e o estabelecimento de estruturas organizacionais capazes de atenderàs novas demandas. Fundam-se os Escritórios de Propriedade Intelectual e Transferência de Tec-nologia (Epitts). Esta é apenas uma denominação genérica aqui adotada. Diversos nomes são uti-lizados para departamentos criados com o propósito de proteger e explorar economicamente a pro-priedade intelectual.

Várias são as funções que o Epitt pode incorporar. O tipo de instituição (universidade, cen-tro de pesquisa, hospital acadêmico, laboratório governamental) que lhe dá abrigo influenciará oseu campo de ação. Em geral, o Epitt é a instância principal de execução das disposições estabele-cidas nas políticas institucionais para a proteção e exploração econômica da propriedade intelectu-al. Essas políticas podem constituir ou não regulamentação de artigos específicos da legislaçãonacional de propriedade intelectual. Nos EUA, por exemplo, políticas de propriedade intelectualforam criadas espontaneamente no âmbito de algumas universidades, durante todo o século XX. En-tretanto, a proliferação dos Epitts nos EUA só adveio após a promulgação de um conjunto de legis-lações de fomento à transferência de tecnologia, durante a década de 80.

A maioria das instituições apresenta um único Epitt para atender a toda a sua clientela.Desse modo, atua o Département Valorisation et Transferts de Technologie (DVTT) do InstitutNational de la Santé et de la Recherche Médicale (Inserm), concentrando-se na implementação dapolítica de valorização da pesquisa e das parcerias econômicas.

No Massachusetts Institute of Technology (MIT), há o Office of Intellectual Property Coun-sel, que se dedica somente a fornecer informações sobre propriedade intelectual, e o TechnologyLicensing Office, que gerencia o patenteamento, o registro de marcas e direitos autorais, a proteçãodos programas de computador e as atividades de licenciamento.

Algumas instituições apresentam mais de um Epitt em sua estrutura. A descentralização dosserviços permite maior agilidade e interação com os pesquisadores, especialmente em campi de

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grandes dimensões. Assim acontece na University of Michigan, com o Office of Technology Trans-fer, representando o papel de órgão central, e os dois satélites, o Office of Technology Transfer andCorporate Research (OTTCR-Medical) e o Office of Technology Transfer and Commercialisation(OTTC-Engineering), submetendo-se a mesma política institucional e dando conta da diversidadee abrangência das atividades institucionais.

Há situações em que um conjunto de instituições vale-se de uma única organização. Tal es-tratégia justifica-se quando: (i) é baixa a demanda para a proteção de ativos intangíveis; (ii) não foiacumulada a experiência necessária para a implementação desses serviços; e/ou (iii) existe carênciade capital para estabelecer um Epitt para cada instituição. O British Technology Group (BTG), emsuas origens, funcionava dessa maneira. Fundado em 1948, como National Research DevelopmentCorporation (NRDC), sua missão era comercializar resultados de pesquisas realizadas com fundospúblicos no Reino Unido.

Em alguns casos, há uma organização que atende a uma determinada região geográfica, man-tendo um contato em cada instituição participante da rede. O projeto Bayern Patent Die BayerischeHochschul-Patentinitiative administrado pela Fraunhofer-Patentstelle für die Deutsche Forschung,com incentivo do Bayerischen Staatsministeriums für Wissenschaft, Forschung und Kunst dásuporte à estruturação das funções de patenteamento e licenciamento nas universidades da regiãoda Bavária. Em cada universidade, há um aconselhador (Erfinderberater) para os pesquisadores.No caso da Universität Augsburg, o serviço localiza-se no Zentrum für Weiterbildung und Wis-senstransfer, servindo também a duas outras instituições: a Fachhochschule Augsburg e a Fachho-chschule Kempten – Neu Ulm.

O Imperial College of Science, Technology and Medicine decidiu, em 1986, criar uma firmaà parte: a Imperial Exploitation Ltd (Impel) é uma joint venture entre a 3i plc (44% de partici-pação) – a parte responsável pelo capital e líder neste tipo de investimentos no Reino Unido –, a 3iResearch Exploitation Ltd (5% de participação) – com expertise em avaliação, proteção, licencia-mento e marketing –, e o Imperial College (51% de participação). A Impel trabalhou em colabo-ração com o Industrial Liaison Office – também entidade externa à universidade – e manteve umacordo de não exclusividade com o Imperial College, o qual poderia aproximar-se de outras firmasde exploração se assim desejasse. Após a fusão do Imperial College com a Royal PostgraduateMedical School (RPMS) em 1997, criou-se, em 1998, Imperial College Innovations Ltd, resultadoda soma das equipes da Impel e da RPMS Technology. Paralelamente, formou-se o ImperialCollege Company Maker Ltd, dedicado a criar empresas de comercialização de tecnologias oriun-das do Imperial College.

Fundações também parecem ser alternativas, especialmente para algumas universidades es-taduais norte-americanas. A Wisconsin Alumni Research Foundation foi fundada em 1925 e serveà University of Wisconsin, em Madison, em questões de patenteamento e licenciamento.

Os Liaison Programs também fazem parte da estratégia de aproximação da academia com osetor privado. A instituição estabelece um programa com sócios empresariais, que terão um acessoprivilegiado às pesquisas do campus, o qual inclui: a elaboração de um programa associando asnecessidades da empresa e as ofertas da instituição; encontros com pesquisadores; relatórios e

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bases de dados especiais; acesso a novas tecnologias; possibilidades de treinamentos exclusivospara técnicos e gerentes, etc. Objetiva-se dar à empresa acesso a tecnologias emergentes e compotencial mercadológico, com opção privilegiada de licenciamento, e contato com profissionaisqualificados que poderão migrar para os quadros da empresa ou oferecer consultoria. No MIT, fun-ciona o Industrial Liaison Program com essas características.

Algumas universidades preferem terceirizar as atividades de licenciamento, contratando umafirma especializada. Uma das firmas dedicadas a essa finalidade é a norte-americana ResearchCorporation Technologies, Inc. (RCT), localizada em Tucson, que foi criada em 1912 para comer-cializar as invenções desenvolvidas pelo professor Frederick Cottrell, da University of California,em Berkeley.

Em suma, há duas opções básicas: manter um Epitt dentro da instituição ou valer-se de umaestrutura externa. Há prós e contras em ambos os casos. Criar uma firma especialmente para cuidardo assunto pode favorecer a uma disciplina financeira mais rigorosa e maior flexibilidade nosnegócios. Um Epitt interno tende a construir laços mais fortes com o corpo de pesquisadores. Es-quemas mistos também podem funcionar, contando-se com um Epitt interno para avaliação dopotencial de proteção e uma firma externa para o marketing e a transferência de tecnologia. É im-portante considerar que, ao estabelecer uma estrutura para o trato da propriedade intelectual, é ne-cessário haver um forte comprometimento dos níveis hierárquicos mais elevados da instituição. Sãoserviços que demandam profissionais qualificados, altos investimentos para a construção de port-folio de patentes e outros ativos e para a transferência de tecnologia, e visão estratégica. São, semdúvida, expertises raras no ambiente acadêmico. Elaborar uma carteira de patentes e de outrosativos e não conseguir negociá-la nem obter resultados positivos, evidencia deficiências na elabo-ração das estratégias de negócios. Além dos custos crescentes com depósitos nacionais e interna-cionais, retornos em níveis baixos podem provocar descrédito frente aos inventores, à comunidadeacadêmica e a potenciais investidores externos (IPPSRB, 1993).

3. Políticas Institucionais

Os trabalhos de Archie Palmer foram pioneiros em descrever a multiplicidade de instrumen-tos institucionais de política disponíveis desde o início do século nos Estados Unidos. A HarvardUniversity, por exemplo, instituiu a sua primeira política de patentes em 1934, sofrendo posterioresmodificações em 1975, 1986 e 1998. Além do instrumento principal intitulado Inventions, Patent& Copyright Policy, encontram-se outros também: Royalty Sharing Policy, Supplement to theRoyalty Sharing Policy, Participation Agreement, Tax Treatment for Royalty Distributions, EquityPolicy, Student Inventions, Release of Inventions to Inventors, Use of Name Policy, e Policy Re-garding Conflict of Interest in Licensing.

A Michigan State University Patent Policy data, inicialmente, de 1930, tendo sido revisadaem 1985 e 2001.

O Massachussets Institute of Technology (MIT) adotou sua primeira política em 1932, com

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revisão em 1952. Em 1995, estabeleceu o documento Guide to the Ownership, Distribution andCommercial Development of MIT Technology, expressando sua política de patenteamento e delicenciamento. A última revisão deu-se em 1999.

Políticas contempladoras dos aspectos referentes à propriedade intelectual têm o papel de darcontorno e sustentação às ações e iniciativas institucionais. Em geral, os Epitts concentram-se nopatenteamento e no licenciamento de invenções, mas outras atividades correlatas podem estar sobo seu domínio.

As políticas de propriedade intelectual das universidades e instituições de pesquisa expres-sam as necessidades e especificidades da comunidade acadêmica, respeitando seus valores etradições, assim como as exigências impostas pela legislação nacional. Devem estar em consonân-cia com os objetivos e a missão das instituições, sua estrutura e a extensão e qualidade da pesquisadesenvolvida. Refletem a necessidade dos vários atores envolvidos no processo de geração de tec-nologias – os professores, os pesquisadores, os departamentos, a instituição, as fontes de financia-mento, o entorno sócio-econômico.

Um exame dessas políticas pode revelar o grau de sofisticação que a instituição desenvolveupara lidar com os direitos de propriedade intelectual e a importância atribuída à transferência detecnologia. As políticas são objetos dinâmicos e costumam sofrer revisões e aperfeiçoamentos pe-riódicos. Devem ser flexíveis o suficiente para que os Epitts possam tratar situações imprevistas einusitadas e cumprir as exigências das regulamentações nacionais e internacionais de propriedadeintelectual, as quais estão em constante evolução. Além das políticas formais, há práticas infor-mais, extensões necessárias das normas escritas. Após aplicação com êxito, tais práticas são, nor-malmente, incorporadas à rotina institucional e adotadas como regras “oficiais”.

Permitir a disseminação da informação é o principal da foco de muitas políticas. Faz parteda tradição acadêmica a publicação imediata dos frutos da pesquisa. Nesse sentido, a política doMIT é clara: «under no circumstances will we ban or significantly delay publication to protectintellectual property.» A posição é adotada pela Universität Bern e pela Universität Zürich tam-bém é precisa quando afirma que financiamento de terceiros nunca deverá influenciar a liberdadede pesquisa e ensino, de acordo com o documento Richtlinien zur wirtschaftlichen Verwertung vonForschungsergebnissen. Pesquisa confidencial é também proibida. O que se permite é um acordocom a parte que financia a pesquisa, estipulando-se um prazo para viabilizar o depósito da patente,com atraso da publicação. No caso do MIT, o limite é de 60 dias. Na ausência de um acordo, bus-ca-se um depósito imediato, até mesmo em um ou dois dias, se necessário, sem prejuízo para pu-blicações (Nelsen, 1993).

Além das políticas, as universidades e instituições de pesquisa adotam em suas rotinas pro-cedimentos de grande relevância tais como, o Relatório Descritivo da Invenção (Invention Disclo-sure Report) e procedimentos de manutenção de registro de dados de pesquisa (Record-KeepingProcedures). Como as políticas, esses mecanismos são dinâmicos, experimentando contínuas mo-dificações. Muitas instituições, especialmente as norte-americanas usam vários modelos de acor-dos (Uniform Biological Material Transfer Agreement, Inventions and Proprietary InformationAgreement, Simple Letter Agreement for Biological Material Transfer from Non-Profit to Non-

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Profit, Guidelines for Research Projects Undertaken in Co-operation with Industry, Policy on Con-sulting by Faculty, Policy on Conflict Situations, entre outros). O uso desses acordos padronizadosé adotado para facilitar as negociações. Entretanto, está longe de ser o ideal – um acordo desenha-do para cada situação. É o reflexo da ausência de advogados na maioria dos Epitts, em função dosaltos custos dos seus honorários.

Em muitas universidades norte-americanas, há políticas específicas para o tratamento dos di-reitos autorais. Na Stanford University, encontra-se a Copyright Policy (Research Policy Hand-book 5.2), que visa a reter a propriedade de trabalhos considerados institucionais, financiados comuma alocação específica da verba da universidade ou criados sob a direção da universidade com umpropósito específico. Tem por objetivo a proteção de trabalhos institucionais, especialmente progra-mas de computador e outros de especial interesse para a instituição. Exclui o caso de trabalhos ar-tísticos, pedagógicos, dissertações, artigos, poemas, programas de computador não-patenteáveis. Ou-tra política complementar, na mesma universidade, apresenta disposições para coibir o uso não-au-torizado de programas de computador.

No Quadro 1, destacam-se alguns dos pontos mais relevantes e freqüentes das políticas insti-

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Quadro 1Políticas Institucionais para a Proteção e Exploração Econômica da Propriedade Intelectual

Pontos Relevantes:

- Definição do grupo de profissionais submetido à ação da política (professores, estudantes de graduação e pós-graduação, visitantes,pesquisadores, consultores, etc.).

- Definição dos termos sensíveis (patente, propriedade, empregador, etc.), os quais podem sofrer diferentes interpretações a dependerdo contexto.

- Instâncias responsáveis pela implementação, administração e revisão da política.- Garantia da liberdade acadêmica para divulgação dos resultados científicos.- Fomento à expressão livre e criativa e à manutenção e disseminação do conhecimento.- Busca da transformação da propriedade intelectual em bem disponível à sociedade.- Definição das condições para atribuição da titularidade das invenções, dos modelos de utilidade, dos desenhos industriais e de outras

criações sujeitas à proteção.- Promoção de contatos e intermediação das cooperações entre pesquisadores e professores e o setor empresarial.- Promoção da proteção de invenções e modelos de utilidade, do registro de marcas, do registro de desenhos industriais e do registro de

direitos autorais, em âmbitos nacional e internacional. - Promoção da proteção de tecnologias por segredos de negócios.- Monitorização dos casos de uso não-autorizado por terceiros dos direitos de propriedade intelectual da instituição, com previsão de

pronta repressão a essas ações.- Marketing, negociação e exploração econômica (licenciamento, cessão, venda, etc.) da propriedade intelectual (patentes de invenção,

modelos de utilidade, cultivares, marcas, segredos de negócios, know how, desenhos industriais, topografia de circuitos integrados,multimídia, etc.).

- Busca de parceiros para desenvolver, comercialmente, as tecnologias.- Elaboração e revisão de acordos e outros instrumentos contratuais.- Geração de retorno financeiro para a instituição, para os seus departamentos e para os inventores.- Distribuição dos proventos obtidos com a exploração econômica da propriedade intelectual.- Zelo pelo uso do nome da instituição, especialmente quando associado a produtos disponíveis nos mercados.- Disseminação dos conceitos do sistema de propriedade intelectual na comunidade acadêmica.- Estímulo ao uso do documento de patente como fonte de informação tecnológica.

Fonte: Elaboração própria.

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tucionais para a proteção e a exploração econômica da propriedade intelectual. A lista não é exaus-tiva. Deve-se ressaltar que há uma grande diversidade de políticas. Algumas são bastante concisas,apenas com orientações gerais; outras extensas, regulando por miúdo situações diversas. Não háregras.

4. Perfil dos Profissionais

Nos Epitts, convivem basicamente três tipos de profissionais – agentes de propriedade in-dustrial, especialistas em marketing e exploração econômica da propriedade intelectual e pessoalde suporte administrativo. Essas atividades requerem capacitação e treinamento, envolvendo umasérie de conhecimentos específicos sobre propriedade intelectual e administração. Assim, o paten-teamento e a comercialização dos direitos de propriedade intelectual, merecem tratamento geren-cial e administrativo específico, não podendo ser realizadas por pesquisadores e técnicos sem o su-porte e treinamento adequados.

O agente em propriedade industrial possui, geralmente, formação técnica em engenharia, fí-sica, química ou ciências biomédicas. Precisa conhecer leis, tratados e acordos internacionais, eleis, decretos e portarias nacionais que regulam o tema, interagir com cientistas a fim de extrair amatéria necessária para a redação do pedido de patente, desenvolver estratégias de patenteamento,definir o escopo das reivindicações patentárias, realizar levantamento do estado da técnica para ela-boração do diagrama da invenção, providenciar o depósito de material biológico em uma Autori-dade Depositária Internacionalmente Reconhecida (International Depositary Authority – IDA),acompanhar a tramitação dos pedidos de patente, tratar da manutenção das patentes concedidas eresponder às diversas exigências técnicas e legais que envolvem o processo, inclusive contrafação(Chamas & Müller, 1998).

Algumas instituições optam por manter em seus quadros agentes de propriedade industrial,outras por contratar serviços de firmas especializadas. A primeira opção parece mais atraente, poiso profissional estará totalmente dedicado às necessidades da comunidade científica local. Entre-tanto, o que parece ser mais barato e prático, pode tornar-se complicado se a instituição exerce pes-quisa multidisciplinar, abrangendo diagnóstico molecular, aeronáutica e metalurgia, por exemplo.São áreas muito distintas e que requerem profissionais com diferentes formações acadêmicas e cons-tante atualização. Contratar profissionais de firmas evita a manutenção de custos fixos, mas os cus-tos variáveis costumam ser altos e cobrados por hora de trabalho. Os agentes externos necessitamestar aptos a trabalhar com prazos apertados em função das necessidades e dos problemas da áreaacadêmica, assim como poder oferecer estratégias de patenteamento que reduzam os custos de de-pósito e manutenção, haja vista que essas instituições sempre trabalham com orçamentos mais jus-tos que os das empresas. Os agentes devem inclusive fazer recomendações no sentido de não sedepositar pedidos com baixa atratividade comercial ou abandonar pedidos que apresentam dificul-dades de exploração (Nelsen, 1993; Crampes & Langinier, 1998). Nesse sentido, Bercovitz (1990)argumenta que uma patente não serve para nada se não é explorada comercialmente e que, por con-

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seguinte, a universidade não deve arcar com os custos de manutenção do privilégio. Em raciocíniocomplementar, Cornish (1990) alerta que:

«If you are not going to patent, then at least you must organise publication of the inven-tive idea as soon as practicable. That will prevent rivals from getting patents for them-selves in the same idea or one that is obviously similar.»

O especialista em marketing e exploração econômica da propriedade intelectual atua emestreita colaboração com o pessoal de propriedade industrial, desempenhando as seguintes ativida-des: acompanhamento da evolução do portfolio de patentes institucional; monitoração das tendên-cias de mercado referentes às tecnologias componentes de seu portfolio de patentes e de pedidos depatente; orientação para a redação de projetos de cooperação técnica; detecção e realização de con-tatos com potenciais parceiros para futuras transferências de tecnologia; comparecimento a eventostécnicos e científicos para realizar novos contatos e oferecer as tecnologias; negociação e redaçãode instrumentos contratuais aplicáveis a cada caso; monitoração do andamento das parcerias efe-tuadas; auxílio à formação de companhias start-ups; cooperação com escritórios de advocacia es-pecializados em propriedade intelectual; e atuação em casos de inobservância às cláusulas de ins-trumentos contratuais celebrados. São pessoas com habilidades para comunicação e interesse emavanços científicos, mas também com visão para aplicações e compreensão para atuar nos merca-dos. E flexíveis para contemporizar interesses distintos e encontrar soluções harmonizadoras, espe-cialmente no âmbito das cooperações entre o mundo acadêmico e o empresarial.

Algumas atividades devem ser feitas em conjunto pelos agentes de propriedade industrial epelos especialistas em marketing e exploração econômica da propriedade intelectual, como, porexemplo, as decisões quanto ao patenteamento ou não-patenteamento de invenções, a partir de ava-liações técnicas e econômicas, e as revisões e ampliações das políticas de propriedade intelectual.Atividades como proteção de software e registro de direitos autorais também poderão ser realiza-das em parceria.

Os Epitts têm, então, funções fortemente técnicas, embora, eventualmente, tenham de atuarno plano político, especialmente na elaboração de pareceres sobre novas legislações. Nos Epittsnorte-americanos e europeus, em geral, os especialistas e diretores têm formação de base técnica,em engenharia, física, química ou ciências biomédicas, freqüentemente com curso de doutorado.Além do doutoramento, muitos apresentam alguma especialização em administração. O número defuncionários varia enormemente. Na Michigan State University, o Office of Intellectual Propertyapresenta sete funcionários: um vice-presidente assistente para propriedade intelectual, quatro es-pecialistas em marketing e licenciamento, uma assistente administrativa e um webmaster. HarvardUniversity possui 22 especialistas (direção, patentes, administração, finanças, royalties, marcas)trabalhando no Office for Technology and Trademark Licensing e no Office of Technology Licen-sing and Industry-Sponsored Research, o qual serve, especificamente, à Faculty of Medicine. OEpitt do Massachussets Institute of Technology conta com 35 profissionais (direção, patentes, li-cenciamento, finanças, sistemas de informação, administração, marketing, copyrights).

Os profissionais de suporte administrativo são responsáveis por atividades críticas dos Epitts

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como: a manutenção e o controle de arquivos e programas de computador gerenciadores do portfo-lio de patentes, acordos e negócios; o cálculo e a monitoração da distribuição dos royalties; o trata-mento da correspondência; entre outras.

5. Construção do Portfolio de Patentes e de Outros Ativos Intangíveis

O principal instrumento para detectar-se novas invenções é o Relatório Descritivo da Inven-ção (Invention Disclosure Report), organizado pelo Epitt, para que o inventor descreva os detalhesde sua invenção. Instrumentos semelhantes podem ser aplicados para a comunicação do desenvol-vimento de marcas, programas de computador, cultivares, ente outros.

Em geral, por disposição das políticas institucionais, o inventor é orientado a comunicar, omais rapidamente possível, ao Epitt o surgimento de uma invenção. De acordo com a Revised Po-licy on Intellectual Properties’: Including their Disclosure, Commercialisation, and Distributionof Revenues from Royalties and Sale of Equity Interests, da University of Michigan:

«University employees have an obligation to disclose promptly and completely to theTechnology Management Office any intellectual property developed or discovered asdescribed in Regents’ Bylaw 3.10.»

O Relatório abrange pontos importantes como:a. Objetivo da invenção;b. Descrição técnica;c. Vantagens e melhoramentos em relação às técnicas já existentes;d. Nomes dos co-inventores da instituição e externos à instituição, se houver;e. Fontes de financiamento, se for o caso;f. Data e local de possíveis divulgações do objeto para o qual quer se solicitar proteção, se-

jam elas orais, escritas ou seu uso, ocorridas anteriormente ao depósito do(s) pedido(s) depatente(s);

g. Aplicações comerciais;h. Potenciais parceiros para futuros desenvolvimento e comercialização; ei. Países de conhecimento do(s) inventor(es) que tenham mercado consumidor e/ou capaci-

dade de produção do objeto a ser patenteado.

A comunicação da invenção deve ser datada e acompanhada de assinatura dos inventores ede uma testemunha, a qual deverá ser uma pessoa capaz de entender o significado da invenção.Preferencialmente, o chefe do laboratório ou do departamento onde se desenvolveu a invenção.

Algumas instituições, como a Stanford University, recebem entre 150 e 200 Relatórios por ano.Destes, 25% a 40%, aproximadamente, resultam em depósitos de pedidos de patente e somentemetade deste percentual conseguem vir a ser licenciadas (10% a 15% do total de invenções rela-tadas). No MIT, cerca de 45% das invenções relatadas a cada ano são patenteadas; do total de in-venções depositadas cerca de um terço obtêm licenciamento. O restante é abandonado ou per-

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manece por mais algum tempo no portfolio. Os proventos obtidos com as patentes licenciadascompensam os gastos efetuados com aquelas malsucedidas.

No Quadro 2, são apresentados dados de 1999 sobre o recebimento de Relatórios Descri-tivos da Invenção em universidades norte-americanas.

Nem sempre o pesquisador/professor sente-se à vontade com as normas para revelação dainvenção, podendo: (i) sentir-se pressionado a modificar a sua rotina acadêmica: ensinar, orientar,pesquisar, publicar; (ii) estar sem estímulo para cumprir com mais uma obrigação, ou ter de fazeralgo que ele já experimentou e não obteve resultado positivo (se, anteriormente, houve relato deoutras invenções e algo patenteável não foi identificado ou alguma patente obtida não foi explora-da); (iii) não confiar nos serviços oferecidos pelo Epitt da sua instituição.

Nelsen (1993) considera que nunca é cedo de mais para comunicar à instituição algo que po-derá ser objeto de uma patente. Quando o Epitt avalia que é prematuro depositar o pedido, pode-secolocar o projeto em uma lista de espera. No MIT, nesses casos, a cada seis meses, o inventor écontatado para informar qual o estágio da sua pesquisa e se já existe algo em condições de fazerparte de um pedido.

A partir dos dados deste Relatório, os especialistas irão determinar se a invenção é patenteá-vel, atendendo aos três requisitos básicos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e apli-cação industrial, de acordo com a lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996). Para identificar se os resul-tados alcançados em projetos de pesquisa são diferentes de tudo o que já foi feito no resto do mun-do, é efetuado um levantamento do estado da técnica por meio de uma busca em documentos depatente e em literatura não-patenteada.

No caso da busca de patentes, utiliza-se como meio indexador a Classificação Internacional

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Quadro 2Relatórios Descritivos da Invenção: 1999

Instituição Relatórios Descritivos da Invenção

W.A.R.F./University of Wisconsin-Madison 278University of Minnesota 219Penn State University 188University of Illinois 165University of Michigan 158University of Iowa Research Foundation 79Purdue Research Foundation 102Ohio State University 100Michigan State University 85Northwestern University 80

Fonte: AUTM, 2000.

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de Patentes, que apresenta uma estrutura hierárquica, dividida em oito sessões e 70 mil subdi-visões, relacionadas com áreas do conhecimento tecnológico, e que permitem delimitar, com pre-cisão, o campo de busca de interesse. A busca é feita pelos agentes com os inventores, no acervode patentes da autoridade governamental para propriedade industrial. No Brasil, esta autoridadeintitula-se Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Se o resultado da busca apontaralgo inovador, além do estado da técnica, os inventores deverão fornecer aos agentes todos os da-dos com relação ao seu projeto – resultados de laboratório, informações sobre os problemas nor-malmente encontrados na literatura e como a invenção dispõe-se a resolvê-los, entre outras. Destaforma, será elaborada a primeira minuta do pedido de patente, a qual sofrerá modificações e refina-mentos a serem efetuados com os inventores. Geralmente, de acordo com a prática dos agentes depropriedade industrial, faz-se necessária a elaboração de cerca de cinco versões para que se atinjauma redação satisfatória do pedido, protegendo a invenção da forma mais ampla possível. Com aintensa colaboração dos inventores, o processo é bastante ágil, reduzindo-se o tempo necessáriopara o depósito do documento na autoridade governamental para propriedade industrial. Para os de-pósitos em outros países, em virtude do princípio da prioridade constante da Convenção de Paris,que assegura a data de depósito do pedido prioritário como data para aferição da novidade, tem-seo período de um ano, contado da data do primeiro depósito – realizado, normalmente, no país deresidência do inventor e/ou depositante –, para se escolher em quais países será solicitada a pro-teção (Chamas & Müller, 1998).

A decisão em relação ao local do depósito dos pedidos não se dá somente pelo lado técnico.É preciso avaliar-se outros fatores como o custo de depósito e manutenção, as demandas nacional einternacional para o produto ou processo, o valor comercial da tecnologia, a existência de tecnolo-gias alternativas e os potenciais interessados em licenciar a invenção. Deve-se também levar emconta a natureza da invenção. Alguns produtos têm ciclo de vida tão curto que a obtenção de pa-tentes não é determinante para o seu sucesso mercadológico. Outros elementos importantes: Para ouso da invenção será necessário firmar acordos de cross-licensing em função da existência de pa-tentes complementares essenciais ainda em vigência? Haverá muito retraso na comercialização doproduto (por exemplo, para produtos farmacêuticos necessita-se obter, na autoridade de saúde pú-blica, registro específico para a aprovação do medicamento – procedimento, em geral, demorado)em relação a data de depósito do pedido (casos de pedidos de patente prematuros)? Os inventoresestão dispostos a colaborar com o processo de patenteamento e licenciamento?

Muitos agentes questionam a necessidade de efetuarem-se depósitos para patentes de proces-so. Enquanto que patentes de produtos oferecem ao depositante maior segurança em situações decontrafação, patentes de processo, que não imprimem fingerprints nos produtos não fornecem ele-mentos para possível repressão aos contrafatores. A noção geral é que as patentes de processo re-velam tecnologia mas não obtêm contrapartida equiparável em termos de proteção. São muito maio-res os esforços necessários para identificar uma contrafação no caso de patentes de processo. Asituação será mais complicada caso as reivindicações não sejam de amplo escopo (Knight, 1996).

Alguns Epitts valem-se de comitês para avaliar o potencial das invenções, procurando com-partilhar os riscos nas tomadas de decisões. Em geral, a experiência demonstra que não funcionam

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bem e constituem um empecilho no processo, a não ser que: (i) estabeleçam-se reuniões freqüen-tes; (ii) as decisões possam ser delegadas quando não se consegue quórum; (iii) os membros co-nheçam as tecnologias em discussão e o seu potencial mercadológico; e (iv) não haja peer review,mas um julgamento justo e concentrado no potencial técnico e econômico da invenção.

6. Patente: Fonte de Informação Tecnológica

Nas autoridades governamentais para propriedade industrial de diversas nações, pode-se teracesso a uma grande quantidade de dados tecnológicos. No Brasil, as consultas aos documentos depatentes podem ser realizadas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que recebe,mensalmente, cerca de 30 mil documentos de patentes de outros países. Por meio da rede Internet,também é possível o acesso a vários bancos de dados internacionais de patentes. Alguns serviçossão gratuitos. O Quadro 3 indica as diferentes finalidades de buscas para atender distintas necessi-dades dos usuários.

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Quadro 3Buscas de Patentes: Finalidades

Tipo Finalidades

Estado da técnica Objetiva determinar o estágio do conhecimento técnico de um campo específico. Pode servir de base para a contestação de pedidos de patente, início de projetos de pesquisa, avaliação de alternativas técnicas, etc.

Novidade Visa a definir a ocorrência ou não de novidade de uma técnica. Útil para contestação de pedidos de patenteou de patentes, refinamento das reivindicações, etc.

Patenteabilidade Verifica a validade dos pré-requisitos para a concessão de privilégios – novidade, atividade inventiva eaplicação industrial.

Nominal Identifica nomes de inventores e de titulares dos pedidos de patente e de patentes.

Atividade técnica Visa a conhecer as empresas envolvidas em determinado campo da técnica, bem como os países em quesão concedidas as patentes.

Violação de direitos Define os pedidos de patente e as patentes que possam violar direitos.

Família de patentes Examina em quais países uma invenção teve pedido de patente depositado ou patente concedida.

Estado legal Informa sobre a situação em que se encontra um pedido de patente ou uma patente em face das legislações pertinentes.

Mercado Permite avaliar o potencial e a viabilidade de uma determinada técnica em um mercado específico. Auxilia em casos de exportação, por exemplo.

Fonte: Adaptado de Macedo & Barbosa, 2000.

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Os Epitts podem auxiliar os pesquisadores a utilizar a patente como valiosa fonte de infor-mação. A maior parte da informação contida em documentos de patentes não consegue ser acessa-da por outras vias (livros, periódicos, catálogos), encontrando-se neles a informação mais recentesobre um determinado estágio tecnológico. Pode-se inclusive avaliar qual o estado da técnica deuma dada tecnologia. Com as reivindicações apresentadas nos documentos, reconhece-se a exten-são da proteção que uma patente oferece. Segundo uma pesquisa realizada pelo United StatesPatent and Trademark Office, 70% da tecnologia descrita em patentes concedidas nos EUA, noperíodo de 1967 a 1972, não havia sido publicada em nenhuma outra literatura.

Outra vantagem é a facilidade de leitura da patente. Ao contrário dos artigos científicos, suaestrutura é um tanto rígida, obedecendo a critérios definidos pelas leis nacionais e, freqüentemente,sob as recomendações da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). Desta forma,é, relativamente, fácil estabelecer comparações entre patentes de diversas origens, seja japonesa,brasileira, norte-americana ou alemã. Na maioria dos países, como no caso do Brasil, é permitido oacesso ao pedido de privilégio publicado, isto é, podem-se conhecer detalhes da invenção antes daconcessão da patente.

O uso contínuo deste tipo de informação contribui para a redução do tempo e custo daspesquisas, pois facilita a identificação de trabalhos semelhantes, bem como de novas tendênciastecnológicas. Por meio da análise das patentes depositadas monitora-se a atividade de outros gru-pos de pesquisa, identificam-se competidores e verificam-se concessões em áreas correlatas.

7. Marketing

Com o investimento na construção de um portfolio de pedidos de patentes e de patentes jáconcedidas, duas situações podem ocorrer. Para algumas invenções, a instituição, prontamente,recebe consultas de potenciais interessados, seja porque já havia algum contato com os inventores,ou a instituição conta com um Liaison Office, ou tomou-se ciência da publicação do pedido depatente. Nesses casos, em geral, parte-se diretamente para a negociação.

Na maioria dos casos, entretanto, a instituição busca empreender uma estratégia de busca eseleção de parceiros para a exploração comercial das tecnologias. A existência da invenção édivulgada sob várias formas.

O marketing das tecnologias nas instituições acadêmicas é feito em estreita colaboração comos inventores e tem por finalidade dar visibilidade à carteira de patentes e de pedidos de patentes,atraindo potenciais interessados para negociações e licenciamentos. Inicialmente, é feita uma ava-liação do potencial de comercialização da invenção por meio de busca em literatura e contatos naindústria. Os inventores colaboram no processo detectando potenciais licenciadores. Outras formasde marketing são: envio de correspondência a companhias e associações de indústrias; uso intensi-vo de bancos de dados, contatos telefônicos e correio eletrônico; exibição de listas na rede Internete no jornal informativo do Epitt; contratação de firmas especializadas em exploração comercial de

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tecnologias; e comparecimento a eventos, feiras e reuniões de profissionais da área tecnológica deinteresse. Geralmente, a abordagem mais seletiva é a mais eficiente.

De acordo com as recomendações do relatório elaborado pela British Academy, é necessi-dade básica para instituições de pesquisa ter a sua disposição pessoal interno ou até mesmo de fir-mas especializadas que possam trazer experiências práticas e instinto de negócios, conduzindo osprocessos de negociação, marketing e comercialização com firmeza.

«What may need to be on site is a small staff charged with stimulating interest in com-mercialisation and its mechanics, in working with researchers on the practical potentialin their work and generally in enhancing knowledge of intellectual property rights in theinstitution.»

Principalmente nos estágios de implementação do Epitt, a presença ou não desses profis-sionais fará a diferença entre o sucesso e o fracasso (NAPAG, 1995).

8. Negociação

A negociação é um processo dinâmico de ajustamento e entendimento por meio do qual aspartes, com seus objetivos e expectativas, buscam uma solução mutuamente satisfatória. O proces-so de negociação envolve, ao mesmo tempo, elementos explícitos e implícitos, objetivos e metasmais ou menos fáceis para serem atingidos e expectativas conflitantes. Os negociadores precisamter noção dos vários aspectos que permeiam o processo, garantindo a segurança e estabilidade domesmo. A flexibilidade é o elemento-chave (Baptista, 1994).

O ponto de partida da negociação deve anteceder o primeiro encontro com as partes, exigin-do planejamento. Esta etapa não deve ser menosprezada, pois, como explica Grisi (1994):

«a experiência tem ensinado que o tempo e os esforços dedicados a essa fase são larga-mente recompensados pela qualidade dos resultados produzidos por uma preparaçãocuidadosa.»

Para tanto, é necessário um bom sistema de informação. Nesta fase, devem-se coletar as in-formações essenciais, traçar as variáveis que influirão no curso das negociações e analisar previa-mente os cenários e as alternativas possíveis.

Baptista (1994) elege os fatores fundamentais para a preparação:Aspectos investigativos ou de pesquisa

- Colecta de informações gerais sobre os negociadores (personalidades, valores, estilos denegociação)

- Dados sobre as organizações e os produtos (tecnologias, mercados, situação financeira)- Possíveis áreas de cooperação- Legislações pertinentes- Tratados ou acordos internacionais que afetem o relacionamento entre as partes- Logística de eventuais viagens

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Aspectos analíticos e valorativos- Preparação do dossiê das partes- Preparação do projeto a ser apresentado e negociado (metas, objetivos e prazos)- Determinação do grau de compromissos que se pode ou pretende assumir

Após a fase de preparação, tem-se a negociação propriamente dita. Grisi (1994) estabelecequatro fases:

i. Sondagem inicial: criação de um clima de receptividade, definição de objetivos de cadaparte, ênfase nos benefícios mútuos, assinatura de acordo de confidencialidade e cartade intenções;

ii. Troca de informações: reconhecimento e avaliação das características dos negocia-dores, afastamento das posições e disputas de vontades, consolidação de critérios obje-tivos em torno dos quais se possa, no futuro, conceder ou exigir concessões;

iii. Persuasão: intercâmbio de ofertas, avaliações e contrapropostas, movimentos rápidos,revezamento de valores e interesses, oferecimento de opções com benefícios mútuos; e

iv. Concessões e acordos: apresentação dos prós e contras de cada alternativa, obtenção deconcessões recíprocas, assinatura dos acordos.

O acordo assinado deve refletir o entendimento entre as partes ao final do processo de nego-ciação, constituindo-se em elemento essencial no caso de eventuais disputas ou ações judiciais.Nem sempre, porém, as partes chegam a um bom entendimento. É preciso, às vezes, recomeçar anegociação ou abandoná-la e procurar outro parceiro.

Na literatura, aponta-se como ponto crítico das negociações de tecnologia a seleção de umparceiro capaz de introduzir um novo produto no mercado, uma vez que é alta a taxa de fracassosna comercialização de invenções.

É importante ressaltar que o produto da atividade de pesquisa é algo freqüentemente poucodesenvolvido. De acordo com Rosenberg (1990):

«the output of basic research is never some final product to which the market place canattach a price tag (...) the output is a peculiar kind of intermediate good that may beused, not to produce a final good, but (perhaps) to play some further role in the inventionof a new final good.»

Caso a invenção esteja em um estágio embrionário de desenvolvimento, o foco deve ser osinvestidores de alto risco, que aceitam compromissos de longo prazo. Pequenas firmas também seinteressam por este tipo de invenções. Vale lembrar que essa situação é recorrente no ambienteacadêmico: tecnologias em estágios embrionários implicam maior empenho e rapidez na busca deparceiros, uma vez que: (i) o pesquisador pode não ter incentivos para prosseguir com o projeto dainvenção patenteada, por falta de financiamento ou alguma outra razão – desenvolvimentos poste-riores ficariam a cargo do futuro parceiro; (ii) outros grupos de pesquisa podem desenvolver tecno-logias substitutas e vantajosas em relação a invenção patenteada original.

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9. Exploração Econômica da Propriedade Intelectual

A exploração econômica da propriedade intelectual pode ocorrer de várias maneiras: licen-ciamento, cessão ou venda dos direitos; desenvolvimento tecnológico e produção da invenção naprópria instituição; aquisição ou criação de firma para efetuar o desenvolvimento tecnológico e aprodução da invenção; formação de joint venture ou outra forma de aliança estratégica; entre ou-tras.

Todas as práticas supracitadas podem ocorrer em ambientes acadêmicos. Depende funda-mentalmente da disposição, da estratégia adotada e da capacitação da instituição, assim como daflexibilidade das regulamentações internas e das leis nacionais. Restrições do ponto de vista legalrestringirão as opções para a exploração dos direitos. A opção mais comum e conveniente é o li-cenciamento. As firmas pagam às instituições montantes fixos ou royalties em troca de licençaspara explorar uma ou mais tecnologias. Royalties podem ser fixos ou variáveis, de acordo com me-tas de vendas preestabelecidas.

Durante o processo de negociação, discutem-se os termos e condições da licença. No Officefor Technology and Trademark Licensing da Harvard University, por exemplo, é fixada em políti-ca interna esta situação. Cada invenção recebe um responsável (case manager), que trata o caso doinício ao fim do processo, facilitando não só a efetividade do processo de transferência de tecnolo-gia, mas também conferindo laços mais fortes com os inventores e com os licenciados.

Há decisões sobre a exclusividade ou não-exclusividade da licença. Existem também osacordos de opção, que permitem à firma adquirir o direito de avaliar uma tecnologia por um dadoperíodo de tempo, chamado período de opção, quando se optará por efetuar ou não uma licença datecnologia. Neste tempo de avaliação, se o acordo de opção for exclusivo, o Epitt não poderá con-ceder licenças relativas a tecnologia em questão para nenhuma outra firma. Se o acordo de opçãofor não-exclusivo, o Epitt poderá licenciar a tecnologia ou realizar acordos de opção com outrasempresas em bases não-exclusivas. Após a celebração do acordo de licença, o trabalho não cessa.É necessário monitorar se o licenciado está desenvolvendo a tecnologia a contento, nos prazosestabelecidos, e se os royalties estão sendo pagos e distribuídos de maneira correta.

Além dos acordos de licenciamento, existem situações como a transferência de materiais en-tre instituições, especialmente de materiais biológicos, que deve ser regulada por meio de instru-mento específico. Em outros casos, são celebrados acordos de confidencialidade entre todos os quetiverem acesso ao objeto que deve ser mantido em sigilo.

Freqüente também é a criação de firmas por parte de professores e pesquisadores. São desti-nadas a explorar direitos de propriedade intelectual, cujos inventores, em geral, são os criadores dafirma. O negócio é orientado pelo Epitt e aprovado pelo conselho superior da instituição. Na Mi-chigan State University (MSU), a firma pode agir como licenciadora de invenção pertencente àinstituição, com previsão, inclusive, de pagamento de taxa inicial de licenciamento, royalties e re-embolso das despesas com patenteamento. É tratada como se fosse qualquer outra firma, sem pri-vilégios. O processo de aprovação deve incluir um rol com potenciais sublicenciadores ou um

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plano de negócios para a formação de uma companhia start-up. Na MSU, há um órgão específicopara obtenção de conselhos de negócios e identificação de fontes de financiamento – o VentureCenter, Inc., uma organização sem fins lucrativos. As consultas ao centro são realizadas mediantepagamento de honorários. Possíveis pontos de conflito entre os interesses da nova firma e os daMSU são levados em consideração. Para tanto, foi desenvolvida uma política sobre conflitos deinteresses.

Instituições acadêmicas estão empenhadas em promover a criação de start-ups e buscaragentes para o financiamento dessas companhias, encorajando o lado empreendedor de seus em-pregados e fomentando formas alternativas de transferência de tecnologia. Como a instituiçãogeralmente detém a titularidade das invenções, o empregado deve adquirir uma licença para iniciara companhia. Os acordos de licenciamento prevêem uma participação (equity) nos negócios para ainstituição (Muir, 1997).

O sucesso das start-ups depende tanto de uma invenção com potencial mercadológico quan-to com a organização e a capacidade para negócios do pesquisador. Uma relativa vantagem dosempreendedores-pesquisadores sobre os empreendedores externos à instituição reflete-se no fatode que estes têm de realizar procedimentos de busca para o investimento, enquanto que aquelesforam os responsáveis pelo desenvolvimento do objeto a ser comercializado, conhecendo mais inti-mamente as possibilidades de êxito. Os capitalistas de risco têm, em geral, preferência por pesqui-sadores-inventores, podendo também contribuir não só com o capital, mas também com o suportegerencial necessário. As instituições podem captar recursos, formando o seu próprio fundo de ris-co, o qual pode ser composto por um parceiro geral ou gerenciador e parceiros para investimentos.Assim, a Harvard University criou o Medical Science Partners, com capital inicial de US$35 mi-lhões. A universidade é representada no fundo por uma entidade sem fins lucrativos, criada espe-cialmente com essa finalidade. As invenções desenvolvidas pela universidade receberam 85% docapital levantado. O retorno dos investimentos é distribuído da seguinte maneira: 80% para os par-ceiros que realizaram investimentos, 10% para o parceiro gerenciador e 10% para a universidade.O dinheiro é utilizado em atividades de ensino e pesquisa (Muir, 1997).

10. Distribuição dos Royalties

O destino das taxas e royalties recebidos com a exploração dos direitos de propriedade in-telectual é determinado pela política da instituição. O compartimento mais usual dá-se entre osinventores, o departamento onde desenvolveu-se a invenção e a instituição. Os inventores recebemparte dos dividendos como incentivo à produtividade. Algumas legislações, como a brasileira, esta-belecem tal critério. Outras como a norte-americana deixam a questão para ser resolvida pelos con-tratos de trabalho e pela jurisprudência.

Salvo acordo em contrário, a participação dos inventores será compartida igualmente entretodos os inventores. Os inventores também podem destinar sua participação para a instituição paraser utilizada em seus projetos de pesquisa. A política pode prever a continuidade da participação

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dos inventores mesmo que eles sejam transferidos para outro departamento ou outra instituição.Previsões são realizadas para casos de inventores que não pertençam aos quadros da universidade,quando os inventores não são identificáveis ou se os inventores decidem estabelecer uma compa-nhia start-up para exploração da invenção. As despesas com patenteamento e licenciamento paracada invenção podem ser recuperadas dos royalties obtidos, fazendo-se a distribuição dos royaltiesremanescentes. Alguns acordos que envolvem financiamento de pesquisas acadêmicas por parte deempresas, estabelecem que estas serão responsáveis por todos os gastos com patenteamento e li-cenciamento da invenção.

Na MSU, os royalties são partilhados entre os inventores, as unidades acadêmicas e a uni-versidade (ver Quadro 4). A percentagem que cabe ao inventor decresce à medida que aumenta ovalor auferido com a exploração da patente. O objetivo é oferecer ao inventor apenas um incentivo,mantendo-o nos quadros da universidade.

Na Universität Zürich, os primeiros CHF 5.000 são destinados à pesquisa, devendo sergerenciados pelo chefe do grupo de pesquisa que realizou a invenção. Proventos adicionais serãousados para cobrir os custos com o patenteamento e a exploração. Até CFH 1 milhão, a renda lí-quida sofre a seguinte distribuição: um terço para o inventor; um terço para o departamento; e umterço para a universidade. Acima de CFH 1 milhão: um terço para o inventor; os dois terços rema-nescentes serão compartidos entre o departamento e a universidade em proporção a ser determina-da caso a caso pela direção da universidade. Em situações de disputas, a direção universitária deci-de como será feita a distribuição e o uso da renda.

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Quadro 4Michigan State University, Royalties de Invenções Licenciadas

Royalties Inventor(es) (%) Unidade Acadêmica (%) Universidade (%)

Primeiros US$ 5.000 100 0 0

US$ 100.000 seguintes 33 1/3 33 1/3 33 1/3

US$ 400.000 seguintes 30 30 40

US$ 500.000 seguintes 20 20 60

Acima de US$ 1.005.000 15 15 70

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11. Considerações Finais

Foram aqui apresentados aspectos relevantes do gerenciamento da propriedade intelectual e datransferência de tecnologia, com ênfase para universidades e instituições de pesquisa, as quais compor-tam especificidades que as distinguem do setor empresarial, merecendo tratamento diferenciado.

A aproximação da academia com o mercado, embora seus determinantes, critérios e intensi-dade mereçam ser mais estudados, especialmente no Brasil. Nesse contexto, é importante reco-nhecer a necessidade de se investir na proteção adequada dos frutos dos projetos das cooperações.

No Brasil, durante a década de 90, houve uma ampla revisão de todo o ordenamento jurídicono campo da propriedade intelectual. Alguns instrumentos foram concebidos para suprir os inte-resses do pesquisador e das entidades de pesquisa, destacando-se a Lei de Propriedade Industrial, odecreto n.° 2.553, a portaria MCT n.° 88 e a portaria MEC n.° 3.228. Foi estabelecido o comparti-lhamento dos recursos para a exploração dos direitos de propriedade intelectual no âmbito das enti-dades do Ministério da Ciência e Tecnologia e Ministério da Educação e do Desporto, benefician-do, assim, o pesquisador, que tem direito a um terço dos proventos oriundos da exploração econô-mica das suas criações intelectuais.

Embora o legislador brasileiro se esforce para criar a base legal de sustentação dos Epitts na-cionais, detectam-se graves barreiras ao pleno aproveitamento das oportunidades de proteção e ex-ploração da propriedade intelectual na área acadêmica, como, por exemplo: carência de capital e deprofissionais qualificados no campo da propriedade intelectual e da transferência de tecnologia,falta de definição de prioridades institucionais, falta de experiência com comercialização de tecno-logias em estágio embrionário, resistências às mudanças nos diversos níveis institucionais, e faltade controle em relação ao fluxo de informação entre instituições, realizado com a ida e retorno deprofissionais com vínculo empregatício ou mesmo sem vínculo.

A experiência internacional aqui relatada oferece alguns elementos úteis ao processo de cria-ção de Epitts no Brasil e em outros países, mormente no que se refere aos aspectos de política ins-titucional e de organização.

Em função do caráter incipiente da experiência brasileira, vislumbra-se um vasto campo deatuação propício ao estabelecimento de cooperações entre Epitts nacionais e norte-americanos e eu-ropeus, promoção de cursos específicos voltados para essa demanda, constituição de uma associa-ção que congregue os Epitts nacionais, realização de simpósios anuais para discussão de aspectosda propriedade intelectual de interesse para os Epitts, linhas de financiamento específicas, entre ou-tros. Essa nova dinâmica que se estabelece é também campo fértil para análises acadêmicas.

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Abstract. The purpose of this paper is to analyse how academic institutions on international levelorganise themselves for managing the process of protection and economical exploitation of intellec-tual property rights. We approach different aspects: the organisation of the Intellectual Property andTechnology Transfer Office, the institutional policies that sustain the activities of the office, theprofessionals’ profile, the elements necessary for building up the portfolio of patents and otherintangible assets, the use of patents as important source of information for different kinds of pro-jects, the marketing activities, the negotiation and economical exploitation of intellectual propertyrights and distribution of royalties.Key words: Intellectual property, patents, technology transfer, academic institutions.

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Resumo. A I&D multidisciplinar realizada em cooperação permite responder a desafios complexoscom relativa rapidez. As organizações mais inovadoras começam a desenvolver mecanismos eestruturas de colaboração que apoiam este tipo de iniciativa, numa tentativa de alargar as fronteirasdas suas bases de conhecimento. Contudo, a prática tem demonstrado que há, ainda, inúmeras difi-culdades na sua implementação, devido a uma variedade de factores inibidores; são poucos os casosde sucesso conhecidos. Este artigo analisa a estratégia e a abordagem metodológica utilizada paradinamizar um projecto de I&D multidisciplinar no quadro de uma rede interorganizacional designa-da por “Casa do Futuro”. Apresentam-se as implicações do estudo na dinamização de redes basea-das na I&D multidisciplinar. Palavras-chave: Multidisciplinaridade, inovação, I&D, cooperação universidade-empresas.

Introdução

Os mercados e os processos de investigação tornam-se cada vez mais complexos, incertos ecompetitivos. As mudanças tecnológicas sucedem-se com rapidez e a inovação precisa de uma

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COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL E GESTÃO, 2005, VOL. 11, N.º 1, 47-60

Como promover a I&D multidisciplinar na academia: Ocaso do Projecto “Casa do Futuro”

Jorge AlvesDepartamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial (DEGEI), Universidade de Aveiro

Celeste AmorimDepartamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial (DEGEI), Universidade de Aveiro

Irina SaurDepartamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial (DEGEI), Universidade de Aveiro

Maria José MarquesDepartamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial (DEGEI), Universidade de Aveiro

Endereço: Departamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial (DEGEI), Universidade de Aveiro, CampusUniversitário de Santiago, 3810-193 Aveiro, Portugal. E-mail: [email protected]

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base de recursos e áreas de competência diversificados (European Comission, 2000). Neste contex-to, a capacidade de uma organização de desenvolver independentemente soluções inovadores tendea ser limitada. A inovação de sucesso requer acesso e utilização de informação, conhecimento e com-petências que não se encontram disponíveis na própria organização (European Comission, 2000).

As organizações inovadoras começam a desenvolver estruturas organizacionais mais sofisti-cadas, numa tentativa de partilhar ou juntar recursos e ultrapassar a fragmentação e o isolamento dosindivíduos e do seu conhecimento (Qin et al., 1997). As iniciativas de cooperação inter-organiza-cional com carácter multidisciplinar surgem como soluções eficazes para estes problemas. Con-tudo, raramente ocorrem espontaneamente (Roper & Brookes, 1999; OCDE, 1999; Caruso & Rho-ten, 2001) e há muitas barreiras culturais e institucionais que interferem com o seu sucesso (Oos-terlinck, 2001; Schmoch et al., 1998; Naiman, 1999; Golde & Gallagher, 1999; Pickett et al., 1999;Pellmar & Eisenberg, 2000; Wear, 1999). Impõe-se, consequentemente, que se aumente a compre-ensão da dinâmica dos processos de I&D multidisciplinar, tanto da perspectiva das políticas comodo quadro teórico associado.

Este artigo apresenta o caso de uma estratégia institucional desenvolvida pela Universidadede Aveiro, com o objectivo de estimular a investigação temática aplicada através de cooperação in-terdepartamental e multidisciplinar, em colaboração com o tecido produtivo regional. O artigo anal-isa um projecto de investigação designado por “Casa do Futuro”, enquadrado no âmbito de umarede de cooperação multidisciplinar e inter-organizacional constituída por doze empresas e a Uni-versidade de Aveiro, e descreve a estratégia e a abordagem metodológica utilizadas para dinamizara comunidade académica e estimular projectos de I&D multidisciplinar ligados ao metasector dohabitat.

Importância da I&D multidisciplinar

Apesar da popularidade crescente da cooperação inter-organizacional, particularmente dasrelações universidade-empresas, o estudo da cooperação multidisciplinar entre organizações en-contra-se numa fase muito incipiente: o quadro teórico de referência ainda não foi consolidado edesconhecem-se os efeitos da multidisciplinaridade sobre a criação, dinâmica e desempenho dasredes. Isto não prejudica, antes realça, a importância das observações de vários autores sobre amultidisciplinaridade.

Rooper e Brookes (1999), e Naiman (1999) consideram, por exemplo, que a tentativa de so-lucionar problemas multidisciplinares utilizando abordagens estritamente disciplinares é umaforma artificial de encarar o processo de investigação. Neste sentido, a I&D multidisciplinar res-ponde à crescente complexidade e ao cruzamento de disciplinas científicas e tecnológicas. As equi-pas multidisciplinares de I&D provam-se mais eficazes do que muitas equipas disciplinares, por-que minimizam a redundância de conhecimento, encontrando o equilíbrio entre diversidade e com-plementaridade, enquanto beneficiam de sinergias de informação, conhecimento, culturas e técni-cas. O cruzamento de mundividências distintas, que leva a perspectivas diferentes sobre o mesmo

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problema, ajuda a ganhar uma melhor compreensão conjunta sobre aspectos específicos (EuropeanCommission, 2000; Hargadon, 2003; Romm, 1997; Rinia et al., 2001; Ivanitskaya, 2002; Nissani, 1997).

A I&D multidisciplinar melhora a performance criativa, uma vez que as inovações radicaissurgem frequentemente quando se juntam ideias anteriormente não relacionadas e se recombinamde várias formas para criar produtos ou processos originais. Nestas circunstâncias, a qualidade,variedade e disponibilidade de conhecimento a recombinar é crucial para que a I&D tenha sucesso(Caruso & Rhoten, 2001; Romm, 1997; Pellmar & Eisenberg, 2000; Schmoch et al., 1998; Nissani,1997; European Commission, 2000).

Ademais, considera-se que as inovações radicais numa dada área científica ou sector deactividade são muito importantes para o progresso de outras áreas ou sectores. Também, a utiliza-ção de métodos e instrumentos de várias disciplinas leva a soluções inéditas e singulares para pro-blemas de natureza complexa (Ivanitskaya, 2002; Rinia et al., 2001; Caruso & Rhoten, 2001; Pickettet al., 1999).

Obviamente, as estratégias multidisciplinares são indispensáveis para resolver problemasque têm uma natureza multidisciplinar e somente podem ser compreendidos se se juntarem pers-pectivas e metodologias de várias disciplinas relevantes. Esta situação aplica-se normalmenteaquando da valorização dos resultados da I&D, no momento em que se transformam em produtos eserviços novos e economicamente viáveis (Schmoch et al., 1998; European Commission, 2000; Iva-nitskaya, 2002; Romm, 1997; Roper & Brookes, 1999).

Neste contexto, um número crescente de organizações têm feito investigação multidiscipli-nar, promovendo visões mais abrangentes (Nissani, 1997). As actividades de I&D multidisciplinarsão implementadas por equipas multidisciplinares, que podem ser dinamizadas internamente nasorganizações ou desenvolvidas no âmbito de iniciativas de cooperação interorganizacional. Inicia-tivas deste género são exemplificadas pela cooperação entre universidade e empresas (EuropeanCommission, 2000). Os projectos de I&D multidisciplinar desenvolvidos em cooperação entre uni-versidades e empresas têm-se revelado eficazes no que respeita à melhor exploração das capacida-des limitadas de investigação, à transferência mais rápida de tecnologia entre a academia e a indús-tria e à geração de sinergias (Roper & Brookes, 1999; OCDE, 1999).

Barreiras à I&D multidisciplinar

Apesar de aumentarem a viabilidade económica das inovações, as actividades multidiscipli-nares e multisectoriais e os projectos de I&D multidisciplinar que reúnem universidades e empre-sas raramente surgem espontaneamente (Alves et al., 2004; Caruso & Rhoten, 2001).

O discurso político da academia reconhece a importância da I&D multidisciplinar. Contudo,este tipo de investigação enfrenta um conjunto de barreiras que se opõem à sua concretização(Caruso & Rhoten, 2001; Oosterlinck, 2001; Schmoch et al., 1998). Essas barreiras incluem as es-truturas organizacionais das universidades, a falta de motivação dos participantes, a falta de incen-tivos e a complexidade de gestão das equipas multidisciplinares.

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No que respeita à estrutura organizacional, a fragmentação das disciplinas dentro das insti-tuições académicas, particularmente aquelas que são organizadas em departamentos, oculta aspec-tos importantes das actividades modernas de I&D (Bourke & Butler, 1997). Na verdade, a culturatradicional de I&D não preparou os investigadores académicos para fazer face a estes desafios (Ca-ruso & Rhoten, 2001; Naiman, 1999; Roper & Brookes, 1999).

Um segundo aspecto prende-se com a falta de motivação, porque poucos investigadores aca-démicos têm consciência da importância e dos benefícios da I&D multidisciplinar (Caruso & Rho-ten, 2001; Naiman, 1999).

Um terceiro aspecto diz respeito à ausência de incentivos suficientes, uma vez que o sistemaacadémico de reconhecimento do mérito não atribui prioridade e importância à I&D multidisciplinar.Os investigadores multidisciplinares ainda são considerados “Jack of all trades, masters of none”(Caruso & Rhoten, 2001; Naiman, 1999; Golde & Gallagher, 1999; Pickett et al., 1999; OCDE, 1999).

Por último, os projectos de I&D multidisciplinar são mais difíceis de gerir. A I&D multidis-ciplinar não beneficia de um quadro conceptual unificado. A comunicação, a transferência de conhe-cimento, os processos de interpretação e de atingir consenso são mais complicados devido à diver-sidade de conceitos, abordagens e formas de trabalho que surgem em ambientes multidisciplinares(Caruso & Rhoten, 2001; Schmoch et al., 1998; Golde & Gallagher, 1999; Pickett et al., 1999; Pel-lmar & Eisenberg, 2000; Wear, 1999; Naiman, 1999; Roper & Brookes, 1999).

Todas estas circunstâncias limitam as iniciativas espontâneas de I&D multidisciplinar dentroda universidade e entre universidade e empresas e travam o sucesso das equipas multidisciplinares.As estratégias de sucesso utilizadas pelas universidades para promover a I&D multidisciplinar ra-ramente são descritas na literatura, o que mantém esta área “nebulosa” e incentiva a repetição deesforços improfícuos (Caruso & Rhoten, 2001).

Condições propícias à I&D multidisciplinar

É possível identificar, na escassa literatura científica disponível, um conjunto de condiçõespropícias ao desenvolvimento de actividades de I&D multidisciplinar entre universidades e empresas.

Primeiro, uma estrutura organizacional apropriada e uma visão estratégica voltada para amultidisciplinaridade são essenciais. É preciso criar estruturas dedicadas à promoção e ao apoio deiniciativas de I&D multidisciplinar dentro da academia ou entre universidades e empresas, pro-movendo visões generalistas, facilitando contactos e apoiando a organização e mobilização de equi-pas multidisciplinares de I&D (Naiman, 1999; Golde & Gallagher, 1999). É também essencial quese defina uma estratégia global e realística de I&D multidisciplinar e que se promovam um conjun-to de projectos de I&D multidisciplinar com suficiente carisma e potencial mobilizador para teremsucesso e para levar ao surgimento de outros projectos semelhantes (Pickett et al, 1999; Pellmar &Eisenberg, 2000; Bradley & Hoepner, 1991).

Segundo, é indispensável que se motivem e mobilizem investigadores para participar em ini-ciativas de I&D multidisciplinar. É importante criar oportunidades para encontros informais regu-

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lares entre os investigadores de várias disciplinas, em que os participantes possam encontrar-se,trocar opiniões, discutir (ex., organizar reuniões temáticas sobre assuntos de interesse para várias dis-ciplinas). Estes encontros criam laços de confiança, fomentam a comunicação aberta e estimulamparcerias (Naiman, 1999; Pellmar & Eisenberg, 2000). É igualmente importante distribuir infor-mação relevante sobre: a) as necessidades das empresas, as competências da academia e as práticasde trabalho de cada um e b) os casos de sucesso de I&D multidisciplinar. Esta informação cria cons-ciência de que este tipo de investigação é possível e traz benefícios em situações específicas (Pell-mar & Eisenberg, 2000). A existência de um sistema académico de reconhecimento de mérito quereconheça a importância da I&D multidisciplinar e que contenha instrumentos para avaliar osresultados destas actividades de investigação (novos produtos, novas soluções e nova produção ci-entífica) pode ajudar a ultrapassar a falta de motivação inerente a estes processos (Pellmar & Ei-senberg, 2000; Wear, 1999; Pickett et al., 1999).

Terceiro e último, a complexidade associada ao funcionamento das equipas multidisciplina-res pode ser abordada de várias formas. A formação em áreas específicas (ex., gestão de equipasmultidisciplinares, princípios de funcionamento da I&D multidisciplinar, etc.) permite adaptar o com-portamento dos participantes e ajuda a organizar e gerir melhor o trabalho das equipas multidisci-plinares (Pellmar & Eisenberg, 2000; Bradley & Hoepner, 1991; OCDE, 1999). Uma definiçãoclara das formas de organização, funcionamento e monitorização das actividades das equipas (de-finição de tarefas, responsabilidades, procedimentos, mecanismos de controlo, etc.) permite opti-mizar os processos de comunicação (e a inerente partilha de conhecimento) e avaliar a performan-ce da equipa (Holmes, 1994; Naiman, 1999). Como a I&D multidisciplinar é um processo de gru-po, a selecção cuidada dos participantes é essencial. Assim, é importante escolher indivíduos comcaracterísticas específicas (por ex., que demonstrem interesse noutras áreas disciplinares, que este-jam interessados em explicações adicionais e em testar ideias e conceitos, que exibam capacidadesde comunicação bem desenvolvidas e estejam dispostos a trabalhar em cooperação e aprender), demodo a permitir ultrapassar as barreiras de comunicação inerentes a estes projectos. É igualmenteimportante assegurar a complementaridade do conhecimento dos participantes, aumentando por es-ta via a eficácia dos processos e assegurando uma integração óptima do conhecimento disponível(Caruso & Rhoten, 2001; Holmes, 1994; Bradley & Hoepner, 1991).

De forma geral, se se quiser promover a I&D multidisciplinar, as universidades devem alte-rar as suas práticas de gestão e adoptar e implementar estratégias de promoção proactiva da multi-disciplinaridade, desafiando os padrões culturais e comportamentais existentes.

Ter consciência de que há um conjunto de elementos que fomenta a I&D multidisciplinarnão é suficiente para implementar com sucesso este tipo de processo. É preciso identificar métodose instrumentos próprios, aplicáveis a uma variada gama de situações. Neste momento, o quadroteórico da multidisciplinaridade não permite responder a estas questões. É importante continuar aanálise de estudos de caso que lançam mais luz sobre a dinâmica dos processos multidisciplinares.Na secção seguinte, os autores apresentam o caso do Projecto “Casa do Futuro” e as abordagensutilizadas para promover iniciativas de I&D multidisciplinar na Universidade de Aveiro, em coope-ração com parceiros empresariais.

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O Projecto “Casa do Futuro”: uma experiência multidisciplinar e multisectorial

O Projecto “Casa do Futuro” é o resultado de uma colaboração de alguns anos entre a Uni-versidade de Aveiro e algumas empresas do metasector da habitação. Esta colaboração baseia-senuma rede de cooperação interorganizacional que levou à constituição de uma associação sem finslucrativos, designada por AveiroDOMUS, e cujo objectivo estratégico é o desenvolvimento de pro-dutos inovadores para a habitação e a preparação da construção de uma Casa do Futuro no CampusUniversitário de Santiago (Aveiro).

Os participantes empresariais na rede têm sido, na sua maioria, médias empresas que actuamno metasector do habitat. Há somente uma empresa por cada sector industrial, o que evita a pre-sença de competidores directos e facilita a comunicação aberta, indispensável para o sucesso darede. As empresas complementam-se em termos de competências e acesso a fontes de informaçãoe a conhecimento relevante. Pode afirmar-se que a rede “Casa do Futuro” é uma rede diagonalmultisectorial. A Universidade de Aveiro é um participante activo, com os mesmos direitos e obri-gações das empresas.

Actualmente, cada participante paga uma quota anual, que ronda os 6.000 euros, para a suaparticipação na rede. Os fundos são utilizados para organizar e gerir todas as actividades inerentesao seu funcionamento. A cooperação entre os participantes é encorajada e surge espontaneamente,tendo nalgumas circunstâncias viabilizado oportunidades efectivas de negócio.

Os participantes têm vindo a trabalhar num desafio tangível, formalizado num projecto de-signado por “Casa do Futuro”. Deste projecto, em vias de receber financiamento público, resultaráo Caderno de Encargos da Casa do Futuro – um conjunto de 22 sub-projectos que abordam asvárias facetas de uma habitação, desenvolvidos separadamente mas sujeitos a forte integração ecoordenação – e um número significativo de produtos futuristas para a habitação.

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Tabela 1Rede “Casa do Futuro”: principais características

Data de início das actividades: 1999

Número de parceiros (Maio de 2004): 13

Financiamento das actividades: Autofinanciamento (100% capital privado)

Objectivos estratégicos: Promoção da inovação no metasector do habitatCriar condições para construir uma Casa do Futuro

Tipo de rede: Rede aberta, diagonal e multisectorialRede formal, constituída numa associação sem fins lucrativos(AveiroDOMUS)

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Universidade de Aveiro: promotor da I&D multidisciplinar

A Universidade de Aveiro identificou no Projecto “Casa do Futuro” uma oportunidade únicapara estimular a cooperação e a I&D interdepartamental e para reforçar os seus laços tradicionaiscom o tecido industrial da região onde se insere.

Este projecto coincidiu com o arranque de uma estratégia de promoção da I&D multidisci-plinar que tinha sido adoptada recentemente pela Reitoria da Universidade de Aveiro, o que permi-tiu que este tipo de investigação fosse incluído, como uma prioridade, na Agenda académica.

A implementação desta estratégia é facilitada pela estrutura departamental da Universidadede Aveiro. Os departamentos tendem a ser relativamente pequenos e homogéneos, reportam direc-tamente ao Reitor da Universidade, e estão concentrados num só campus (o que facilita o relacio-namento e a comunicação entre investigadores).

O apoio da Reitoria para o projecto “Casa do Futuro” foi formalizado em Maio de 2003 econtemplou recursos financeiros suficientes para criar uma estrutura encarregada de estudar, pla-near e implementar as condições necessárias à realização, na Universidade de Aveiro, de I&D mul-tidisciplinar ligada à habitação.

Equipa de Coordenação e Gestão

O elemento operacional da estrutura acima referida é uma Equipa de Coordenação e Gestão(Equipa de CG) multidisciplinar, constituída por três professores e duas assistentes de investi-gação, com experiências profissionais e formação muito distintas. Os professores têm experiênciaem gestão de projectos de I&D, gestão da inovação e de redes de cooperação e nas relações univer-sidade-empresas.

O principal objectivo da Equipa de CG é criar uma atmosfera propícia para o desenvolvi-mento de I&D multidisciplinar na academia, com base na partilha de informação e conhecimentorelevante, na colaboração entre investigadores académicos e profissionais das empresas, na criaçãode equipas multidisciplinares e no desenho de um clima criativo capaz de desenvolver laços de con-fiança e de entendimento mútuo.

A Equipa de CG responde a alguns desafios específicos: a) identificar todas as oportunidades deinvestigação relacionadas com o Projecto “Casa do Futuro”, considerando para este efeito o conheci-mento e os interesses das unidades de investigação da Universidade de Aveiro e as necessidades dasempresas; b) estimular a criação de projectos de investigação multidisciplinar aplicada, ligados àhabitação; c) testar e observar os fenómenos ligados à inovação e ao desenvolvimento de produtos eprocessos inovadores; d) coligir e criar conhecimento sobre instrumentos e métodos de suporte e ges-tão da cooperação universidade-empresas e da integração do conhecimento académico e industrial.

A Equipa de CG tem sido envolvida num número diversificado de actividades, designada-mente: a) na mobilização e coordenação da participação da universidade na preparação do Cadernode Encargos da Casa do Futuro; b) no desenvolvimento e aplicação de uma metodologia para iden-tificar e desenvolver novos produtos e sistemas para a Casa do Futuro; c) no desenvolvimento, na

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Universidade de Aveiro, de produtos que integrarão a primeira versão da Casa do Futuro; d) na cri-ação de um Código de Conduta e Propriedade Intelectual que rege as actividades de todos os par-ticipantes e colaboradores do Projecto “Casa do Futuro”; e) na criação de um Plenário de Coorde-nação e Acompanhamento para promover o projecto em cada departamento; f) no estabelecimentode uma interface entre os investigadores académicos e os profissionais e empresários; g) na divul-gação dos benefícios e dos possíveis factores inibidores da I&D multidisciplinar.

Plenário de Coordenação e Acompanhamento

Para além da Equipa de CG, a estrutura de gestão do Projecto “Casa do Futuro” inclui umPlenário de Coordenação e Acompanhamento (Plenário). Este órgão multidisciplinar, essencial-mente estratégico, é constituído por representantes dos dez departamentos envolvidos no projecto(nalguns casos, os próprios Presidentes dos Conselhos Directivos).

O Plenário tem dois objectivos principais. Primeiro, ajuda a delinear a estratégia da Univer-sidade de Aveiro no que respeita à sua participação no projecto “Casa do Futuro” e avalia e moni-toriza a sua evolução global. Segundo, serve de interface entre a Equipa de CG e cada um dos de-partamentos envolvidos.

O Plenário reúne, em média, cada dois meses, para debater assuntos ligados às actividadesde I&D multidisciplinar a decorrer internamente ou em cooperação com as empresas pertencentesà rede “Casa do Futuro”. Os tópicos em discussão contemplam potenciais projectos de I&D, fontesde financiamento, novos investigadores que poderão ser envolvidos, etc.

O Plenário ajuda a ultrapassar as barreiras colocadas pela estrutura formal da Universidade deAveiro. Os seus membros têm perspectivas generalistas e atitudes proactivas. Comunicam e in-teragem bem com os seus colegas departamentais e, como consequência, a informação relacionadacom a evolução do projecto e com os requisitos para participar tem sido disseminada de forma fácil einteligível. A mobilização dos seus colegas para iniciativas específicas tem beneficiado de melhorcoordenação. As propostas tangíveis de adesão ao projecto têm sido identificadas com facilidade.

Acções no âmbito do Projecto “Casa do Futuro”

A Equipa de CG iniciou o seu trabalho com visitas a 10 dos 17 departamentos da Universidadede Aveiro, apresentando as oportunidades e os desafios do Projecto “Casa do Futuro”. Um total de101 investigadores participaram nessas sessões, tendo 44 manifestado interesse em participar.

Foi criada, por esta mesma equipa, uma Newsletter electrónica e um site Web1 dedicado aoProjecto “Casa do Futuro” de modo a aumentar a sua visibilidade e partilhar informação actualiza-da. A Newsletter adoptou uma linguagem informal e contém soluções e desafios futuristas e de

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1 http://www.egi.ua.pt/casadofuturo/

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inovação radical. A Newsletter vai na sua quinta edição, sendo enviada, de dois em dois meses, porcorreio electrónico, a cerca de 400 pessoas.

A Equipa de CG identificou e contactou informalmente “fazedores de opinião” na Universi-dade de Aveiro, procurando assegurar empatias com o projecto capazes de favorecer a sua acei-tação pela comunidade académica.

Foram também identificados e mobilizados académicos particularmente empreendedoresentre os investigadores que aderiram ao projecto. Têm decorrido conversas informais para aumen-tar a sua participação no projecto, esperando obter “low hanging fruits”2 que demonstrem os bene-fícios da cooperação e da I&D multidisciplinar.

A Equipa de CG organizou sete sessões de criatividade que envolveram 30 investigadoresacadémicos e cinco sessões com 32 profissionais das empresas da rede “Casa do Futuro”.

As técnicas de fomento da criatividade utilizadas nessas sessões foram o brainstorming e obrainwriting, que foram muito bem assimiladas e utilizadas pelos participantes e produziram resul-tados que ultrapassaram as mais optimistas expectativas. Na Universidade de Aveiro, as sessões decriatividade foram oportunidades de singulares intercâmbios interdepartamentais e multidiscipli-nares e permitiram que alguns dos participantes se encontrassem pela primeira vez.

Na Universidade, as sessões responderam a dois objectivos concretos: a) obter o maior nú-mero possível de ideias sobre a Casa do Futuro, de modo a ajudar a definir o seu modelo conceptu-al e a identificar oportunidades para desenvolver novos produtos e sistemas e b) cativar e motivaros participantes, criando possibilidades de trabalho colectivo, num ambiente informal e lúdico, eajudando a ultrapassar as barreiras de comunicação existentes.

Estas iniciativas contribuíram ainda para ajudar a Equipa de CG a conhecer melhor os inves-tigadores académicos envolvidos, a sua forma de interagir, as suas expectativas e interesses e o seudesejo real de cooperar.

A equipa de CG, nos seus contactos com a comunidade académica, tem sublinhado as vanta-gens de reunir académicos e empresários numa rede formal para atingir um objectivo comum. Asempresas da rede proporcionam oportunidades de financiamento, possibilidades de testar protóti-pos e de desenvolver produtos em conjunto.

A equipa de CG trabalha em cooperação com a rede “Casa do Futuro” e conhece os requisi-tos de desenvolvimento de produto das empresas participantes. Com a sua visão horizontal sobreas necessidades e capacidades dos empresários e académicos, a equipa tem procurado identificaroportunidades de I&D multidisciplinar conjunta.

A equipa de CG tem assumido que o mundo académico e o empresarial são distintos, commodos de pensar e de agir muito diferentes. Não há dúvida de que a linguagem, as atitudes e os

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2 A expressão “low hanging fruits” costuma ser utilizada na literatura anglo-saxónica para designar os primeiros resul-tados obtidos num projecto com duração média ou longa e que não antevê resultados concretos numa fase incipiente. Estesprimeiros resultados são considerados mobilizadores para os participantes, demonstrando que o projecto está a ter sucesso e quetudo está a decorrer conforme o previsto.

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valores são distintos. Contudo, no domínio do pensamento divergente e especulativo, como acon-tece no caso das sessões de criatividade acima mencionadas, foram notáveis as semelhanças entreos participantes académicos e empresariais.

A análise dos interesses dos académicos e empresários, efectuada pela equipa de CG, levouà criação de grupos de trabalho multidisciplinares e multisectoriais para desenvolver os sub-projec-tos que definirão o Caderno de Encargos da Casa do Futuro (ver Tabela 2).

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Tabela 2Composição das equipas multidisciplinares por sub-projecto

Sub-projectos Departamentos envolvidos Empresas envolvidas: principais áreas de actividade

Arquitectura Comunicação e Arte, Engenharia Civil, Arquitectura, Construção civil, Mobiliário, Física Prefabricados, Revestimentos cerâmicos

Acessos e mobilidade Comunicação e Arte, Electrónica e Arquitectura, Ferragens, Perfis de ligas de alumínio eTelecomunicações, Engenharia Civil, tratamentos de superfícieSaúde, Física

Acústica Ambiente e Ordenamento do Território, Arquitectura, Equipamentos para circulação de fluidos, Cerâmica e Vidro, Engenharia Civil, PrefabricadosFísica

Qualidade do ar Cerâmica e Vidro, Mecânica, Química Arquitectura, Perfis de ligas de alumínio e tratamentos de superfície, Revestimentos cerâmicos, Equipamentospara circulação de fluidos

Engenharia civil Cerâmica e Vidro, Engenharia Civil Arquitectura, Construção civil, Perfis de ligas dealumínio e tratamentos de superfície, Prefabricados, Revestimentos cerâmicos

Comunicações Comunicação e Arte, Electrónica e Arquitectura, Cozinha/electrodomésticosTelecomunicações, Física, Mecânica

Domótica Electrónica e Telecomunicações, Arquitectura, Cozinha/electrodomésticos, Ferragens, Engenharia Civil, Mecânica Perfis de ligas de alumínio e tratamentos de superfície

Electricidade Electrónica e Telecomunicações, Física, Arquitectura, Cozinha/electrodomésticosMecânica

Energia Ambiente e Ordenamento do Território, Arquitectura, Construção civil, Cozinha/electrodomésti-Electrónica e Telecomunicações, Física, cos, Equipamentos para circulação de fluidos, Perfis deMecânica ligas de alumínio e tratamentos de superfície

Entretenimento Comunicação e Arte, Electrónica e Arquitectura, Cozinha/electrodomésticosTelecomunicações, Física, Gestão e Engenharia Industrial

Mobiliário Comunicação e Arte, Física Arquitectura, Cozinha/electrodomésticos, Ferragens, Mobiliário

Continua na página seguinte

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Estas equipas integram investigadores de vários departamentos da Universidade de Aveiro edas várias empresas participantes na rede. Consequentemente, há uma variedade de competências euma elevada multidisciplinaridade na maioria das equipas. O número médio de participantes emcada equipa é de doze.

As sessões de criatividade mencionadas anteriormente produziram aproximadamente 700ideias. Estas foram registadas e classificadas num repositório de ideias inovadoras pela equipa deCG, que também assegura acesso rápido e contínua actualização do mesmo.

A equipa de CG assegurou que as ideias obtidas foram divulgadas na universidade e nas em-presas que fazem parte da rede, sendo que por recombinação poderão dar lugar a cada vez maisideias inovadoras.

As ideias contidas no repositório têm revelado oportunidades excelentes para estimular pro-jectos de I&D, envolvendo as empresas e a universidade. Com base no repositório e em ideias jáanteriormente acarinhadas pelas empresas, estão identificados 21 projectos de desenvolvimento denovos produtos com interesse para as empresas da rede.

Ademais, 23 projectos de I&D aplicada multidisciplinar, ligados à Casa do Futuro, foramidentificados na universidade. Estes projectos estão a circular entre os investigadores de vários

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Continuação da página anterior

Jardinagem e rega Biologia, Electrónica e Telecomunica- Arquitectura, Construção civil, Equipamentos para cir-ções, Engenharia Civil, Mecânica culação de fluidos

Isolamento térmico Ambiente e Ordenamento do Território, Arquitectura, Perfis de ligas de alumínio e tratamentosCerâmica e Vidro, Engenharia Civil, de superfície, PrefabricadosQuímica

Iluminação Comunicação e Arte, Electrónica e ArquitecturaTelecomunicações, Física, Mecânica

Manutenção e limpeza Comunicação e Arte, Física, Química Arquitectura, Construção civil

Reciclagem Ambiente e Ordenamento do Territó- Arquitectura, Construção civil, Perfis de ligas de alumí-rio, Biologia, Cerâmica e Vidro, Comu- nio e tratamentos de superfícienicação e Arte, Electrónica e Telecomu-nicações, Engenharia Civil

Segurança Ambiente e Ordenamento do Território, Arquitectura, Ferragens, Perfis de ligas de alumínio eElectrónica e Telecomunicações, tratamentos de superfícieMecânica

Divisões específicas Cerâmica e Vidro, Comunicação e Arte, Arquitectura, Cozinha/electrodomésticos, EquipamentosQuímica para circulação de fluidos, Ferragens, Prefabricados

Águas interiores Ambiente e Ordenamento do Território, Arquitectura, Construção civil, Equipamentos para cir-Engenharia Civil, Mecânica culação de fluidos

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departamentos, à procura de potenciais parceiros. O Plenário de Coordenação e Acompanhamentotem servido de intermediário nestes processos.

A equipa de CG está a avaliar todos os potenciais projectos e procura criar sinergias entre auniversidade e as empresas, visando promover futuros projectos de I&D aplicada. Isto já levou àcriação de três equipas de I&D, que envolvem investigadores da universidade e profissionais dasempresas participantes na rede.

A equipa de CG está a preparar um número de sessões de convergência na universidade, uti-lizando as ideias inovadoras contidas no repositório. O objectivo é o de identificar outros projectosmultidisciplinares de I&D que podem ser desenvolvidos pelos investigadores académicos.

O cruzamento dos projectos de I&D dos dois níveis (universidade e empresas) e as sessõesde convergência permitirão aumentar o número de equipas de I&D ligadas à Casa do Futuro.

Conclusões

A Universidade de Aveiro utiliza uma abordagem inovadora para promover a I&D multidis-ciplinar entre os seus vários departamentos. Beneficiando de uma iniciativa carismática com perfilmultidisciplinar, a Universidade de Aveiro tem juntado investigadores de vários departamentos emprojectos conjuntos de I&D. Simultaneamente, tem reforçado as relações universidade-empresas.

A Reitoria considera que a I&D interdepartamental tem uma importância estratégica edecidiu financiar um projecto interno que procura estudar os aspectos teóricos e práticos da pro-moção de iniciativas multidisciplinares inovadoras. Este projecto interno é liderado por uma estru-tura (a equipa de CG) que é, ela própria, multidisciplinar.

A equipa de CG contribui para a estratégia global do projecto e assegura a sua implemen-tação. É um instrumento fundamental para motivar e encorajar os investigadores académicos epara criar e apoiar equipas multidisciplinares de investigação. Esta equipa tem procurado criar um

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Tabela 3Resultados

Equipas multidisciplinares 23

Repositório de ideias inovadoras 700

Projectos de desenvolvimento de novos produtos – em curso 21

Projectos de I&D aplicada – potenciais 23

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clima de confiança, compreensão e comunicação aberta, divulgando os benefícios da cooperaçãomultidisciplinar e alertando para as possíveis dificuldades que possam surgir. Tem ajudado, tam-bém, a eliminar barreiras entre a universidade e as empresas, facilitando a cooperação com as em-presas da rede “Casa do Futuro”.

Um aspecto importante foi a criação de um Plenário de Coordenação e Acompanhamento,que envolve professores de vários departamentos. Este Plenário tem sido um órgão activo, partici-pando na definição das estratégias internas e na consolidação do programa de I&D multidiscipli-nar. É um instrumento importante para ultrapassar barreiras de comunicação, para divulgar infor-mação estratégica, para persuadir os seus colegas a participar no projecto e para melhorar o proces-so de tomada de decisão.

A abordagem apresentada neste artigo tem produzido resultados encorajadores. Há 19 equi-pas multidisciplinares prontas para trabalhar nos sub-projectos que integrarão o caderno de encar-gos da Casa do Futuro; há 700 ideias inovadoras que podem apontar para projectos de I&D desafi-antes; as empresas da rede “Casa do Futuro” identificaram 21 projectos de desenvolvimento deproduto e há 23 potenciais projectos de I&D na universidade, que podem conduzir ao desenvolvi-mento de projectos conjuntos entre a universidade e as empresas, três dos quais já arrancaram.

É ainda demasiado cedo para afirmar que a abordagem estratégica da Universidade de Avei-ro teve sucesso. O arranque foi recente (2003) e mais estudos e análises serão necessários antes dese conseguirem resultados consolidados. Contudo, a visão que se obtém da experiência vivida atéagora deixa margem para optimismo.

Referências

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Abstract. While empirical research does indeed suggest that collaborative R&D has many desirableoutcomes, it is also clear that collaborative work is difficult and expensive. The challenge becomesincreasingly sharp as complex and expensive research questions require a large pool of resourcesand a combination of specialized disciplines. As a result, different organizations get involved ininterdisciplinary projects to expand the frontiers of knowledge. This paper analyzes the strategy andmethodological approaches used to mobilize interdisciplinary R&D within a university-industrynetwork named “House of the Future”. We discuss the implications of our research for R&D net-works design.Key words: Multidisciplinarity, innovation, R&D, university-industry cooperation.

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Alves, Amorim, Saur & Marques

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Resumo. Este artigo faz uma análise das diferenças e semelhanças do significado da gestão e daspráticas em duas organizações de investigação e desenvolvimento. Uma organização é uma divisãode I&D de uma grande multinacional europeia e o outro tipo de organização em análise são trêsconsórcios de I&D financiados pela CE. Os membros destes consórcios assumem entre si que têmrelacionamentos simétricos e baseados em igualdade de poderes administrativos mas têm dificul-dades em gerir um consenso sobre o que pretendem comunicar para a EC. No entanto para tornar ocaso mais interessante na altura em que este estudo foi realizado a multinacional em questão tinhaacabado de reformar a sua estrutura para ultrapassar as dificuldades de processos de consenso.Tendo em conta que há interesses tanto do sector privado como do público, uma das maiores dife-renças entre a divisão de I&D de uma multinacional e dos consórcios de I&D financiados pela EC,poderá ser a promoção de diferentes tipos de investigação que beneficie diferentes partes sociais ecomerciais.Palavras-chave: Multinacionais, unidades de I&D, práticas na gestão de unidades de I&D, proces-sos de consenso, mudança organizacional.

1. Introdução

Este artigo compara como os gestores entendem e dão significado às práticas de gestão deinvestigação de desenvolvimento (I&D) através de dois tipos de organizações diferentes, focando--se em duas estruturas organizacionais contemporâneas: uma unidade de I&D numa grande multi-nacional Europeia e três consórcios de I&D financiados pela Comissão Europeia (CE).

O significado do termo gestão varia consideravelmente de organização para organização.Apesar das diferenças entre as diversas organizações, alguns autores argumentam que a gestãoinclui sempre a coordenação e o controlo do comportamento dos outros (Scase & Goffee, 1989).Porém existem novas formas de gestão, como, por exemplo, cooperações em rede as quais poderãocriar novas perspectivas sobre o significado de gestão. Degener e Inversini (2001), enquanto apro-

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COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL E GESTÃO, 2005, VOL. 11, N.º 1, 61-70

Gerir organizações de investigação e desenvolvimento

Cristina Reis

Endereço: Apartado 337, 3811-905 Aveiro, Portugal. E-mail: [email protected]

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fundam estas novas perspectivas dizem que a gestão não é algo forçado mas baseado no envolvi-mento e na motivação dos membros da organização. Outros estudos exploram a variedade de sig-nificados de gestão, de país para país. Hickson (1993), por exemplo, vê as diferenças no significa-do de gestão em diferentes países Europeus. Conteúdo estes argumentos são baseados em represen-tações culturais, em factores económicos ou baseados na história política de cada país. Estas imagensnacionais são interessantes mas quase sempre estereotipadas.

O enquadramento teórico deste artigo propõe, no entanto, que o significado de gestão e dassuas práticas podem variar dentro do mesmo país e até dentro da mesma organização (Reis, 2004).

Em geral, a literatura corrente sobre gestão aparece muitas vezes com origem nos EstadosUnidos. Esse tipo de literatura vê a gestão como um assunto muito pragmático, a qual se concentraem funções e tarefas como planeamento e organização, em dirigir e controlar (Koontz & O’Don-nell, 1993). Na verdade, estas tendências teóricas provenientes dos EUA têm bastante influênciainternacional quer nas práticas de gestão, quer na investigação e no ensino (Steinmann & Schreyögg,2000; Boyacigiller & Adler, 1991). Mas como esse tipo de literatura que pretende prioritariamenteoferecer conceitos e conselhos para a prática de gestão, assemelha-se mais com um manual de re-ceitas para utilização das pessoas que lidam com as tarefas de gestão.

A par da literatura de gestão corrente, existem outras tendências teóricas. É o caso de Townley(1993) ao sugerir que a gestão raramente é definida com precisão, e argumenta que as definiçõesde gestão sofrem infelizmente de uma obscuridade de conceitos (p. 222). Townley utiliza os con-ceitos teóricos de Foucault sobre poder e conhecimento relacionando-os com os conceitos de ges-tão. Os conceitos de poder e conhecimento aplicados à gestão oferecem uma análise de poder as-cendente nas organizações e constroem um forte argumento sobre o entendimento da gestão. Naperspectiva de Townley, a gestão deverá ter em conta as dimensões do que é relativo, do que éconstitucional, bem como as políticas das suas próprias operações. A conceitualização de gestão deTownley fica, assim, em oposição à literatura corrente. Os seus argumentos não só dão forma àprática social da gestão como também definem o seu significado. Isto é, o significado de gestãotem significado por via das próprias pessoas que praticam essas actividades de gestão.

Partindo deste enquadramento teórico, o presente artigo explora as implicações para a gestãode organizações de I&D. Primeiro, apresentam-se as estruturas organizacionais de I&D deste estu-do. Seguidamente, são apresentadas as estruturas organizacionais de dois tipos de organizações.Finalmente, apresentam-se as diferenças e as semelhanças dos dois tipos de organizações e sãoexplicadas as implicações para as organizações de I&D e a sua gestão.

2. A gestão de I&D de uma multinacional

2.1. A estrutura da organização

Normalmente assume-se que, na maioria das companhias multinacionais, os processos de

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decisão executiva são bastante centralizadas. Na verdade, as companhias multinacionais têm umatradição mais longa e mais vasta de experiência na gestão de I&D do que os consórcios. No entan-to, hoje em dia, muitas organizações encontram-se perante mudanças, por meio de aquisições e ali-anças, despedimentos, novos engenhos de organização e mudanças de cultura através da sucessãode leaders. Estas mudanças são normalmente desencadeadas para desenvolver inovação e reno-vação nas organizações (Marks, 1994).

A divisão de I&D da companhia multinacional apresentada neste artigo também confrontoumudanças organizacionais precisamente um ano antes deste estudo de investigação ter começado,ou seja, no princípio de 2004. Os actores de gestão acreditam que a nova estrutura organizacionalse moveu para uma organização descentralizada, o que facilitou processos de consenso na decisãoexecutiva dos investimentos I&D em toda a companhia. Mas antes das mudanças terem tomadolugar, a unidade de I&D tinha um modelo de centralização muito elevada. O gestor executivo daunidade de I&D tinha que transmitir ao gestor de topo, apoio em toda a multinacional na área glo-bal de energia, ambiente e I&D. O gestor executivo da unidade de I&D geria cerca de 100 pessoas,directa e exclusivamente em I&D, e estava encarregado de 4 centros de I&D na Europa.

Depois de operadas as mudanças, o cargo do gestor executivo cessa e passa a chamar-se Vi-ce-presidente de I&D. Por sua vez, o Vice-presidente muda de funções e passa a gerir apenas 3outros gestores que lhe reportam directamente dentro da mesma multinacional (Figura 2).

Com as mudanças, acima descritas sobre a estrutura organizacional, as funções de tarefas doex-gestor executivo, e agora Vice-presidente (VP) de I&D, mudaram. As responsabilidades do VPde I&D passaram de gerir internamente a I&D para comprar I&D externa. De mais a mais onde o

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Gerir organizações de I&D

Figura 1. Situação da companhia multinacional antes de mudanças terem sido incorporadas

Gestor de apoio à corporação global da multinacionalEnergia, Ambiente e I&D

∇Gestor executivo de Investigação e Desenvolvimento

∇Responsável directo por 100 pessoas que trabalham nesta multinacional em I&D e por

4 centros de I&D desta multinacional na Europa

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gestor executivo tinha 100 pessoas em gestão directa, o VP de I&D tem apenas três gestores que selhe reportam directamente. Nas próprias palavras do VP de I&D:

«Agora tenho menos responsabilidades internas e sou principalmente responsável pelaI&D de que esta multinacional é proprietária. Quero dizer que sou responsável de comoesta multinacional compra I&D de outras instituições, incluindo a investigação promovi-da pelas universidades e também de assegurar o nosso envolvimento ou associação emoutras organizações externa de I&D.»

Os centros de I&D que esta multinacional tinha, antes de proceder ao processo de mudançada estrutura organizacional, continuam a existir mas agora, esses centros, focam-se apenas nos ne-gócios e nos produtos cruciais, neste caso originalmente produzidos pela multinacional. Outras pes-soas que trabalham a níveis de gestão mais baixos dentro da multinacional continuam a gerir essescentros de I&D.

Mas, em oposição ao que nos leva a crer de ter ocorrido um processo de descentralizaçãodentro da multinacional em análise, descobre-se um novo processo de centralização de decisão exe-cutiva. Ou seja, a selecção de investimentos e projectos externos de I&D, que esta multinacionalcompra, passou a estar concentrada apenas nas mãos de uma pessoa e foram deixados para trás oslongos processos de consenso e administração de pessoal que integravam no mínimo 100 pessoasgerentes dos vários projectos. É possível que a gestão da divisão de I&D da multinacional, antesdas mudanças organizacionais (Figura 1), possam ter sido uma fonte de conflitos e de difícil gestãono sentido de alcançar um consenso. Possivelmente comparável às situações que se descrevem pa-ra a gestão dos consórcios.

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Figura 2. Situação após mudanças organizacionais

Gestor de apoio à corporação global da multinacionalEnergia, Ambiente e I&D

∇Vice-Presidente de I&D

∇Outros três gestores internos de I&D

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2.2. Compreender o significado de gestão e as práticas de gestão

O VP de I&D da multinacional em questão, ao ser entrevistado, explicou que divide as tare-fas de I&D em duas metades. Uma parte consta em ler propostas para identificar as novas ideiaspara desenvolver novos negócios e empresas. A outra metade descreve-a como sendo negociaçõespara comprar novas ideias de I&D. Consequentemente, o VP de I&D precisa de participar regular-mente em encontros com outras organizações e de ouvir outros indivíduos ou promotores organiza-cionais sobre novos projectos de I&D.

Contudo, para o VP de I&D, estas práticas de gestão significam mais dos que as tarefas aci-ma descritas. O gestor descreve o seu entendimento sobre I&D e as suas funções de gestão com asseguintes palavras:

«Gestão para mim é planear o futuro da organização e distribuir o uso de recursos naorganização. Penso que a implementação de um plano é aborrecida porque é uma tarefaprática e acaba em rotina. Gerir e fazer investigação são duas coisas muito diferentes.Na investigação pode-se planear um portfolio de 10 a 15 projectos e pode-se fazer inves-tigação apenas com estes projectos de investigação. Gestão é focada nas necessidadesdos consumidores e é definida por objectivos. Investigação é silêncio.»

Seguindo o enquadramento teórico proposto para este artigo, o significado de gestão de I&Dé moldado pelas práticas dos gestores e não pelas regras de gestão. Neste sentido, gestão e práticasde gestão são irreconciliáveis com o trabalho dos cientistas. Sendo ainda mais esclarecedor para o signi-ficado de gestão, quando nos informam que um cientista que ocupa um cargo de gestão em I&D nu-ma multinacional o faz por motivos de segurança financeira pessoal e não propriamente e apenaspelo interesse na ciência e em I&D:

«A minha motivação para ocupar um cargo de gestão combinado com I&D é porquequero guardar dinheiro e atingir independência económica pessoal.»

É possível que a decisão de um cientista em aceitar um cargo para gerir uma unidade deI&D numa companhia multinacional se baseie numa combinação de diferentes motivos. Primeiro,aceitar esta situação pode fundar-se em motivos pessoais de não depender de nenhum emprego.Poderá haver alguma atracção em se tornar num empresário, mas aceitar esta situação tambémpode estar baseada na longa dedicação intelectual em aptidões específicas de expertise na área deI&D e necessária para gerir a divisão de I&D numa multinacional.

3. A gestão de consórcios de I&D

3.1. A estrutura organizacional

Neste artigo, entende-se por consórcio uma associação de diferentes organizações ou umaaliança entre duas ou mais organizações de I&D.

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Gerir organizações de I&D

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As organizações originais que formam um consórcio permanecem independentes (Hage-doorn, 2002). O objectivo de um consórcio é trabalhar em colaboração com membros das organi-zações que a formam sobre questões específicas em I&D.

Embora um acordo em consórcio seja constituído com base em colaborações, nem todos osconsórcios assinam um contrato escrito. Mas supondo que asssinam um contrato este deverá con-ter, a missão, a estrutura e as regras de trabalho em colaboração. Há diferentes modelos de acordosque podem ser usados para formar um consórcio (ver CA-T, 2004; Organismes Publics Français deRecherche, 2003; Working Group for UNECA, 2003). Estes modelos de acordos diferem pouco naestrutura organizacional e na sua gestão (Figura 3). Esta estrutura tem normalmente três divisões: adivisão facilitadora, a divisão da gestão de decisão executiva e o conselho.

A divisão facilitadoraEsta divisão é responsável pelo processo administrativo do consórcio no seu todo e consiste

na existência de um coordenador que tem um papel crucial no consórcio e poderá ser assistido porum grupo administrativo.

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Figura 3. Diagrama de um consórcio

A divisão de decisão executivaA divisão facilitadora Conselho

Governo

Comité executivo

Comité de

sub-projecto

Comité de

sub-projecto

Conselhoadministrativo

Outroscomités ouconselhos

Coordenador

O grupoadministrativo

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O papel principal do coordenador é o de dar assistência ao consórcio da divisão de decisãoexecutiva, divisão do comité executivo e especialmente ao governo. Quando os membros do con-sórcio assinam um contrato com a Comunidade Europeia (CE) para obter o financiamento para osprojectos, o coordenador deverá gerir este contrato. O coordenador é a fonte intermediária de infor-mação entre o consórcio e a CE. Deste modo, o coordenador faz um sumário à CE do que se passano consórcio e tem um papel de facilitador. No entanto, poderá ser visto pelos membros como umfiltro que não transmite informações consideradas importantes pelos membros do projecto.

A divisão de decisão executivaO governo do consórcio decide sobre a aprovação das regras, acordos, planos, relatórios do

consórcio, bem como sobre todos os documentos que têm de ser entregues à CE.O comité executivo pode ser visto como o provedor da gestão diária do consórcio. O comité

consiste em todos os responsáveis dos sub-projectos e é responsável pela coordenação e peloseguimento das actividades do consórcio. Também prepara propostas e relatórios para o governo.O comité dos sub-projectos pode ser visto como quem providencia o trabalho administrativo. Estecomité consiste em geral de representantes de todos os membros que participam nos sub-projectose são responsáveis pela implementação, coordenação, e do seguimento das actividades dos sub-pro-jectos.

De mais a mais, o comité deverá documentar e transmitir ao comité executivo o progresso dosseus trabalhos e gastos, e propor um plano de trabalhos com o orçamento para o próximo período.

O conselho administrativoEsta parte do conselho consiste em especialistas externos escolhidos para o consórcio e que

fazem parte do governo. Esta parte do conselho apoia as decisões a serem tomadas. Também é esperado da parte do

conselho administrativo a avaliação do consórcio, a qual é feita anualmente (peer review).Outros comités de conselhos poderão ser formados para tratar de outros assuntos específicos

relativamente a, por exemplo, questões éticas.

3.2. O significado de gestão e das práticas de gestão

Três consórcios de I&D foram analisados neste estudo. A gestão significa o trabalho admi-nistrativo e essencialmente consiste na preparação de reuniões e de reuniões onde as decisões irãoser tomadas.

No entanto, e quanto às práticas de gestão, há queixas por parte dos membros do consórciorelativamente à gestão destas colaborações. O coordenador do consórcio da parte governativa évisto pelos membros com poderes para tomar todas as decisões mas é o único que tem contactodirecto com a CE. Deste modo, nem todos os membros vêm com bons olhos o papel do coorde-nador. Queixam-se, principalmente, que ele tem um papel muito dominante e que as decisões nãosão feitas por consensos. Parece, aos membros do consórcio, que o coordenador faz um relatório

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Gerir organizações de I&D

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que muitas vezes não inclui o que se fala nas reuniões. Este relatório segue para a CE e baseia-sena informação que o coordenador filtrou com uma visão individualista.

O problema agrava-se porque os membros dos consórcios também são membros de outrosinstitutos de investigação e de outras universidades. Acontece muitas vezes que os membros destesconsórcios têm uma carga administrativa muito elevevada e frequentemente delegam essa carganos seus assistentes de investigação. Assim, os relatórios poderão conter informações menos sofis-ticadas do que poderia ser desejado pelos membros do consórcio que delegam estas funções.

Em princípio, os membros de gestão dos consórcios têm um relacionamento baseado emigualdade de poderes e excluem qualquer relacionamento hierárquico. Os membros do consórciotêm normalmente a sua própria expertise e dificilmente aceitam ordens de outros colegas. Emboraprecisem uns dos outros para a execução das tarefas tentam evitar conflitos e manter bons relacio-namentos o que leva muitas vezes a um status quo de decisões executivas. De mais a mais a ma-nutenção dos bons relacionamentos torna-se bastante difícil, quando se trata de tomar decisões, so-bretudo as relacionados com a CE.

4. Comparação do significado de gestão e das práticas de gestão

Tanto na divisão de I&D da multinacional como nos consórcios, todas as actividades quenão são investigação científica são vistas como administrativas e têm o significado de gestão. Noentanto, as práticas de gestões diferem e são variadas.

Ambos os tipos de organização tentam alcançar objectivos administrativos. No caso da mul-tinacional, o foco está em comprar investigação externa de alta qualidade mas não em gerir o dia adia dos projectos de investigação onde investiram os seus fundos. Nos consórcios focam-se noscontratos que estabeleceram com a CE assim como na avaliação dos colegas externos ao consórcio(conselho).

Em ambos os tipos de organização de I&D deste estudo, as pessoas envolvidas nos cargosde gestão definem-se a si próprias como cientistas mas diferem nos seus interesses pessoais, no querespeita a ocuparem uma posição administrativa. No caso dos consórcios, a motivação pessoal con-centra-se na habilidade de influenciar os objectivos dos projectos de investigação dos mesmos con-sórcios. No caso da multinacional, os interesses pessoais centram-se numa mistura de influência naqualidade de I&D em geral e também na obtenção de uma segurança financeira pessoal que estasposições em grandes multinacionais garantem.

Outra diferença, entre a gestão da unidade de I&D da multinacional e dos consórcios, estáno modo como os processos de decisão executiva são organizados.

Na multinacional, as decisões executivas relativamente aos investimentos de I&D estão cen-tralizados numa só pessoa, enquanto nos consórcios os membros tentam tomar decisões colectiva-mente. Contudo, nos consórcios as decisões executivas não são tão democráticas como desejadas.Ou seja, os membros reclamam que o coordenador detém o controlo sobre a informação que é trans-

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Reis

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mitida à CE. Nesta perspectiva, o coordenador dos consórcios tem um papel centralizado e seme-lhante ao gestor de I&D da multinacional.

Mas a multinacional mudou recentemente a organização, de descentralizada para centraliza-da. Tem menos pessoal a administar directamente, abandonaram os processos de consenso morosose deram lugar a uma estrutura onde podem tomar decisões rápidas e de administração flexível.

No consórcio, as decisões executivas deveriam ser baseadas em encontros colectivos mas talparece ser uma utopia. O poder de decisão final executiva acaba por se concentrar num só membro– o cordenador – que tem o contacto directo com a CE ou com a fonte de financiamento. É possí-vel que o coordenador de um consórcio seja pressionado para mostrar resultados com rapidez eflexibilidade, tal como em qualquer outro negócio. Sendo assim, pode dizer-se que o coordenadordo consórcio tem um papel parecido com o de um gestor de uma companhia multinacional, mesmoque tal papel seja avesso aos interesses de um cientista dedicado somente à investigação.

5. Observações

A multinacional é propriedade privada enquanto o consórcio é uma organização financiadapor fundos públicos. É possível que uma companhia privada tenha como objectivo prioritário oslucros financeiros pelo que por isso ponha menos entusiasmo nos benefícios da comunidade.

Voltando ao enquadramento teórico, apresentado inicialmente neste artigo, que propõe umaanálise ascendente de poder e sugere que as pessoas envolvidas nas práticas de gestão definam osignificado da gestão, não há diferenças acerca do significado de gestão nos dois tipos de organiza-ção de I&D mas existem divergências quanto às práticas dessa mesma gestão.

Os consórcios assumem um relacionamento de igualdade entre os seus membros. Por seu la-do, a divisão de I&D da multinacional vê dificuldades em manter processos de consensos e refor-mou a organização para conseguir um processo de decisão mais centralizado.

A divisão da companhia multinacional assume liderança centralizada, por oposição ao modode envolver activamente todos os membros da organização na sua gestão.

As organizações requerem liderança de uma forma ou de outra, e qualquer forma de lideran-ça envolve diferentes formas de controlo. No caso de I&D da divisão da multinacional é a de livra-ram-se do controlo directo e dos processos de consensos internos. É possível que estejam em me-lhor posição de gerir o futuro de I&D.

A investigação no futuro poderá desenvolver debates e criticar as práticas de gestão que usapara chegar a consensos mais eficazes. De mais a mais, o significado de gestão é idealizada nosdois tipos de organização de I&D, mas como as suas práticas divergem poderia ser interessantedesenvolver, no futuro, uma discussão teórica sobre as vantagens e as desvantagens de arranjos de-mocráticos para diferentes tipos de grupos e organizações de I&D.

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Gerir organizações de I&D

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Abstract. This paper analyse differences in the meaning of management practices of two differenttypes of research and development (R&D) organisations. One organisation is a R&D division in alarge European multinational company and the other type of organisation are R&D consortia fun-ded by the European Commission. The consortium assumes an egalitarian, symmetrical relationshipin the management of R&D projects, while a division of a multinational company seems to beaware of the difficulties of democratic consensus processes and has undertaken organisational chan-ges. Taking into account the implications for R&D organisations, which maybe privately or publicmanaged, one of the main differences between the management of the division of a multinationalcompany and of the consortia funded by the EC may be the promotion of different types of researchwhich will benefit different spheres of society.Key words: Multinationals, R&D consortium, R&D management practices, consensus processes,organizational change.

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Abstract. Platform strategies reflect a firm’s technology policy towards its new product develop-ment (NPD) activities. Depending on the technological complexities embedded in the platform, cer-tain degree of interdependence is created between the firm and its suppliers. Firms may decide towhat extent the suppliers should be involved in its NPD activities. There has been an increasinginterest with issues related to supplier involvement in NPD. Involving suppliers early in NPD canhelp firms reduce costs, reduce concept-to-customer development time, improve quality, and pro-vide innovative technologies. However, it requires a great effort and many tradeoffs need to be con-sidered.This paper discusses the implications of early supplier involvement in new product development,specifically regarding to sourcing decisions and NPD processes when new components aredesigned and incorporated into the new platform. We would like to understand to what extent theNPD collaborates with suppliers, and at which stage of the NPD process suppliers are invited toparticipate in platform designs. A case study of Oticon, a Danish manufacturer of hearing aids, ispresented. We describe how the successful introduction of a new platform of hearing aids is rea-lized as well as how and when Oticon’s suppliers were involved during this process.Key words: Platform management, early supplier involvement, new product development.

1. Introduction

Shorter product life cycles, increasing customization of products, clockspeed competition(Fine, 1998) in addition to supply chain integration (Bagchi & Skjoett-Larsen, 2003; Mouritsen et

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COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL E GESTÃO, 2005, VOL. 11, N.º 1, 71-84

Platform management and early supplier involvement inNPD

Juliana H. MikkolaDepartment of Operations Management, Copenhagen Business School

Tage Skjoett-LarsenDepartment of Operations Management, Copenhagen Business School

Nota do Editor: Este artigo encontra-se presentemente em revisão, para publicação, na revista The R&D ManagementJournal.

Address: Department of Operations Management, Copenhagen Business School, Solbjerg Plads 3, DK-2000 Frede-riksberg, Denmark. E-mail: [email protected]

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al., 2003) are encouraging many firms to increase outsourcing of various activities, not only in ser-vices but also in new product development (NPD) (Chiesa et al., 2004), or to collaborate with sup-pliers (Bonaccorsi & Lipparini, 1994; Dowlatshahi, 1998). Much of the debate about outsourcingduring the 1990s has mainly focused on manufacturing and service issues. Some of the driversbehind outsourcing include, for example, to: accelerate reengineering efforts, access to world-classcapabilities, free resources for other purposes, improve company focus, and to reduce operatingcosts (The Outsourcing Institute, 1998). However, when firms follow a defensive incrementalapproach to outsourcing decisions, it can initiate a spiral of decline that ultimately leaves firmswithout the skills and competence they need to compete (Bettis et al., 2001).

With the increasing focus on supply chain integration, many high-tech firms are increasingtheir outsourcing activities, not only in terms of services and production, but of new product deve-lopment activities as well. The literature often emphasizes the impact of the initial stages of NPDon the overall performance of the development projects (Khurana & Rosenthal, 1998; Wheelwright& Clark, 1992; Bacon et al., 1994; Ulrich & Eppinger, 2004). The initial stage includes planning,concept development, and system level design. Platform design strategies and related sourcing stra-tegies are often devised during this stage. The extent to which a system can be decomposed withwell-specified and standardized interfaces determines whether component outsourcing is a viablestrategy (Mikkola & Gassmann, 2003), which has a tremendous impact on when to involve andcollaborate with suppliers in NPD (Mikkola, 2003).

Involving suppliers early in NPD can help firms reduce costs, reduce concept-to-customerdevelopment time, improve quality, and provide innovative technologies (Handfield et al., 1999).However, it requires a great effort and many tradeoffs need to be considered. Wynstra et al.(2001), for instance, identify four driving factors that can affect the significance of the differentmanagement areas: the size and complexity of the organization; the type of production technologyemployed; the importance of R&D processes; and, the dependence on suppliers.

The challenges with outsourcing are aggravated by the increasing customer demand forproduct individualization and customization at affordable cost. Many high-tech firms are dealingwith this challenge by devising platform strategies to best meet their customer needs while keepinga hold of the firms’ core capabilities. Firms have to carefully decide which NPD activities to out-source to suppliers. Depending on the technological complexity of the activity, firms also have toconsider what kinds of relationship it should nurture with the selected suppliers. So how are firmsdealing with this challenge? How much difference does it make by involving suppliers in NPD ofnew platforms? What are some of risks? How can a company maintain its platform leadership andintegrity? How can the company mitigate the risk of supply disruptions when they are closelyrelated to a sole supplier?

This paper addresses these questions by analyzing the implications of early supplier involve-ment in new product development, specifically regarding to sourcing decisions and NPD processeswhen new components are designed and incorporated into the platform and related product archi-tectures. We would like to understand to what extent the NPD collaborates with suppliers, and atwhich stage of the NPD process suppliers are invited to participate in platform designs. A case

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study of Oticon, a Danish manufacturer of hearing aids, is presented. We describe how the suc-cessful introduction of a new platform of hearing aids is realized as well as how and when Oticon’ssuppliers were involved during this process.

2. Literature review

2.1. Product Platforms and Product Architectures

Product platform is a set of subsystems and interfaces that form a common structure from whicha stream of derivatives products can be efficiently developed and produced (Meyer & Lehnerd,1997; Meyer & Dalal, 2002). It encompasses the design and components shared by a set of prod-ucts. A robust platform is the heart of a successful product family, serving as the foundation for aseries of closely related products (Meyer & Utterback, 1993). In order to implement a platformstrategy, product architecture strategies (which can range from modular to integral) have to bedevised. The purpose of devising modular product architecture designs is to create flexibility andchangeability (Erens & Verhulst, 1997). Product architecture can be defined as the arrangement ofthe functional elements of a product into several building blocks, including the mapping fromfunctional elements to physical components, and the specification of the interfaces among interact-ing physical components (Ulrich & Eppinger, 2004). According to Robertson and Ulrich (1998),good product development means good platform development, and in order to do so, a firm mustcarefully align its differentiation plan and its commonality plan through an iterative planningprocess. This planning process leverages the trade-offs between distinctiveness and commonalityin product architectures. At the heart of platform is the organization of components and interfacesmaking up the product architecture, and the degree of modularity embedded in the product archi-tectures is dependent on the composition of the components, how these components are linked withone another, and substitutability of unique components (Mikkola & Gassmann, 2003).

Platform management is the integration of the building blocks (the core technologies andprocesses) with common architectures (the shared subsystems and interfaces), with user require-ments aggregated into target market segments towards the end of producing value rich productsand systems. Product platform has tremendous implications for a firm’s product portfolio manage-ment, in which set of technologies and products are evaluated in relation to each other (Mikkola,2001). How platform is planned and configured, in terms of technology composition contained inthe sub-systems and respective interfaces linking these sub-systems, has significant impact on tra-de-offs between the degree of standardization and customization of product families and respectiveend products. The result of that integration should be product families that serve a spectrum of pri-ce and performance for one or more market segments. Furthermore, having platform leadership(Cusumano & Gawer, 2002) allows a company to drive innovation around a particular platformtechnology at the broad industry level. Platform leaders, however, face three problems (p. 53):

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(1) How to maintain the integrity of the platform (the compatibility with complementaryproducts), in the face of future technological innovation and the independent productstrategies of other companies

(2) How to let platforms evolve technologically while maintaining compatibility with pastcomplements; and

(3) How to maintain platform leadership.

Depending on the technological complexities embedded in the platform and managementdecisions as to outsourcing of NPD activities, certain degree of interdependence is created betweenthe firm and its suppliers. Firms may decide whether to what extent the suppliers should beinvolved in the firm’s NPD activities.

2.2. Early Supplier Involvement

Early supplier involvement (ESI) generally refers to as a form of vertical cooperation inwhich manufacturers involve supplier at an early state in the product development and/or innova-tion process (Bidault et al., 1998). ESI is a means of integrating suppliers capabilities in the buyingfirm’s supply chain system and operations (Dawlatshahi, 1998). Some of the benefits for involvingsuppliers in NPD include reduced development cost (Bonaccorsi & Lipparini, 1994), improved per-formance (Hsuan, 1999), reduced lead times, and access to supplier’s technical expertise and capa-bilities (Ragatz et al., 2002; Wasti & Liker, 1997). However, studies have shown that, despite thevisible benefits of ESI, many firm still experience difficulties in managing this involvement(Wynstra et al., 2001). Some of the difficulties are attributed to lack of communication and trust,supplier’s poor technical capabilities (Wasti & Liker, 1997), limited commitment of the suppliers(McCutcheon et al., 1997).

Platform strategies reflect a firm’s technology policy towards its NPD activities, hence idio-syncratic to a particular firm (Mikkola, 2003). This is one of the reasons why there is very little li-terature available that proposes a generic and comprehensive framework for implementing ESI, asmost of the efforts in this area are proprietary and domain-based in nature (Dawlatshahi, 1998).

The literature often mentions that the type of supplier/customer collaboration in the develop-ment of new products is an important source of competitive advantage for firms (cf. Dyer et al.,1998; Lamming, 1993; Wheelwright & Clark, 1992). Timing of involvement and the degree ofcompetition among suppliers are also important dimensions (Bonaccorsi & Lipparini, 1994). Thedegree of supplier involvement in NPD depends on the complexity of the technology outsourced,which would determine the degree of interdependence shared between the manufacturer and thesupplier, as illustrated in Figure 1.

A generic NPD process can be analyzed in three steps: planning, design, and production. Inthe automotive industry, the planning phase is often referred to as the functional specification pha-se, whereas the design and production steps are often referred to as the detailed engineering phase(Clark & Fujimoto, 1991; Lamming, 1993; Womack et al., 1990). The platform/architecture and re-lated outsourcing strategies are often decided during the functional specification stage. Most firms

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regard their ability to manage platform designs as their core competences, hence generally not muchsupplier involvement is observed during this phase (at least with regard to core components). Asexplained by McCutheon et al. (1997: 274), «[f]irms that tried to be technological leaders in theirindustry usually spent more to maintain in-house design and development expertise. The key con-cern of the product designer was to nurture some proprietary skills or knowledge that, if not dupli-cated by competitors, would provide an avenue for competitive advantage.»

The degree of supplier involvement is also related to how the platform is designed. Beforeoutsourcing decisions can be delegated, product architecture strategies have to be devised. Modu-lar product architectures, for instance, can be used as flexible platforms to leverage a large numberof product variations (Robertson & Ulrich, 1998; Meyer et al., 1997), which are related to the wayin which a system is decomposed (or integrated). With standardization of interfaces, the decompo-sed portions of the product architecture (e.g., sub-systems, modules, sub-modules, components, etc.),can be developed independently by different suppliers.

3. Research methodology

This is an explorative as we ask “how” and “why” questions to investigate a contemporaryphenomenon within its real life context and use multiple sources of evidence. Therefore, accordingto Yin (2003), a case study is the most appropriate research methodology.

The study seeks to identify some of the major issues and problems firms face when they col-

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Figure 1. Possible Supplier Involvement Points in NPD

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laborate with suppliers in NPD. In order to illustrate the implications of early supplier involvementin NPD, we have chosen a leading edge manufacturer of hearing aids for case study. The hearingaids industry is a niche industry, of which three of the largest manufacturers in the world are fromDenmark. Furthermore, the production of hearing aids requires an advanced technology and NPDhas a very important role to ensure that these firms stay competitive in this market.

Face-to-face and semi-structured interviews (with open-ended as well as descriptive ques-tions) were performed with two respondents from Oticon (our case company): the project managerand the integrated circuit (IC) designer. The respondents have been personally involved in theNPD processes of the SUMO platform design (the focus of our case study), from the very begin-ning. The interviews were followed up by telephone conversations and e-mails. An interview nar-rative was also sent to the respondents for corrections and final approval.

4. A case study of Oticon

Oticon, located near Copenhagen, Denmark, is one of the Hearing Aids business units ofThe William Demant Group (the other one is Bernafon), which manufacturers and sells productsand equipment designed to aid the hearing and communication of individuals. Oticon’s goal is tosupply the most sophisticated technology and audiology based on the needs and wishes of the hea-ring impaired and to offer a full range of the best hearing aids and fitting systems on the market. Itsproducts are sold through subsidiaries in 20 countries and some 80 independent distributors world-wide.

Oticon has the capacity to master a wide spectrum of technologies, including the design ofICs for advanced processing of sound signals, the development of fitting software, the design ofmicro-amplifiers, and the development of micro-mechanical components. Oticon also collaborateswith experts with in-depth knowledge of their particular fields and through interaction between thecompany, the users and the hearing-care professional.

NPD at Oticon is organized in Project Groups within the Team Business. The Team Busi-ness Development Group is consisted of competence managers, project managers, and the TeamManagement. Oticon holds “development group” meetings every six weeks, when new ideas arebrought up. The ideas are presented in the form of “project applications”, but not all project appli-cations get accepted. Only projects considered for further development move to the next stage, thePre-Investigation Phase, in which market investigation, technology feasibility, and target specifica-tions take place. The product managers contact the sister companies, dispensers and clinics to testthe market reactions of new product ideas. Schematics are not generated at this stage yet, however.It is seldom that the suppliers get involved at this stage of the product development process. ThePre-Investigation Phase typically ends with a “milestone meeting”. If approved, the project moveson to the Concept Phase, in which priorities between projects and resource demand are evaluated.

Suppliers visit Oticon once or twice per year when new ideas are presented by the supplierand discussed. Oticon does not inform the suppliers about its upcoming products or ideas, unless

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an actual collaboration is initiated. In such case, new suppliers are approved by a supplier commit-tee. Some evaluation criteria include economics, investments, quality, delivery certainty, certifica-tes, procedures, etc. Visits at the supplier’s premises are done prior to approval, and regularly afterthe approval. There exists a number of ways to protect new joint developments between a supplierand Oticon. These include patents and exclusivity arrangements, for example. However, in thelong run, Oticon cannot prevent their competitors from copying its good ideas. Reverse engine-ering is a common practice in this industry, thus every time a hearing aids manufacturer launches anew product, instruments are ordered by competitors for analysis.

There are two types of platforms at Oticon: extension of existing platform, and new platforms.The existing platforms are expanded with new variants up to a few times per year. As the conceptevolves, simulations are performed in order to minimize the risks of failure and to verify that theideas are technically feasible. The SUMO project, described below, is an example of how newplatforms can be realized at Oticon.

4.1. The SUMO project

SUMO is a BTE (behind-the-ear), hearing aid that is developed based on a new mechanicalplatform and a new IC platform. The development lead time of SUMO (from concept generation tofinal production) took a little over three years involving all competence areas of Oticon. It has beenin production since 2002. A picture of SUMO is illustrated in Figure 2.

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Figure 2. The SUMO hearing aid

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Although SUMO is a mid-range product, it is the most powerful hearing instrument in theworld. Its product life cycle is estimated to be between 10 to 15 years, complemented with newversions from once a year to every 18 months. The product life cycle of powerful hearing aids isusually very long, because it takes a long time for the user to get acquainted with the sound patternfrom the hearing aids. Therefore, the user tends to be conservative and stick to the same instrumentfor as long as possible. Some users are still wearing 30-year-old hearing instruments, as it takes along time for the brain to adapt to new sound pictures provided by new instruments for users withprofound hearing losses.

SUMO is a powerful instrument based on analogue design (in contrast to digital design). Itis probably the last analogue product from Oticon to be brought to the market. SUMO has betterpower performance than other products in the market. This is especially important for one niche ofHearing Instrument customers: the users that cannot get enough power, that is, people with pro-found hearing loss. The trend in hearing aids, however, is changing from analogue hearing aids todigital.

The SUMO product architecture is comprised of the following key components: housing,volume control, microphone, receiver, battery wall, switch, connecting element, and PCB wherethe customized IC is placed. There are about 25 components in SUMO, of which all are unique,with the exception of volume control and the microphone. It is interesting to note that although thevolume control is a unique component for Oticon, it is made from a library of combinations fromthe supplier, hence considered a standard component, of which the technique is also standard forthe supplier. The product architecture of SUMO is shown in Figure 3.

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Figure 3. Product Architecture of SUMO

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Although there are no black-box components in SUMO (Oticon wants to have the control ofits design), many of the unique components are, in varying degrees, developed in cooperation withthe suppliers. For instance, the design of switch and IC were carried out in-house, but the manufac-turing (and assembly of the switch) was delegated to the suppliers. The receiver and the connectingelement, on the other hand, are the only components that suppliers were actively involved to jointlysolve technical problems. Development costs were also split between the suppliers.

The receiver is supplied by a sole supplier. Oticon is in a small business area making verysmall components, which means it depends on the suppliers to deliver prototypes as well as in rela-tively small quantities. In order to reach the highest possible level of quality and performance,Oticon, in some cases, involves the suppliers into joint development of components. Sometimesthis results in a high degree of dependency of the supplier. For instance, there is only one supplier(out of a total of two possible suppliers worldwide), that is currently capable of developing the re-ceiver used in SUMO. The development of the receiver started in parallel with the supplier. Engi-neers were actively “running” to and from both places. Oticon generally balances the use of the twosuppliers in order to ensure that they are both active in all areas, thus avoiding having only onesupplier. By doing this Oticon also ensures that the technical level of the suppliers is kept high.Although Oticon involves suppliers in its NPD processes, and also helps its suppliers to improvetheir processes. Oticon owns all the tooling (especially for plastic moulding) to ease second sour-cing as much as possible if needed. Oticon is giving more responsibilities to its system suppliers,who are responsible for assembling subsystems, such as parts of the switch. Oticon has video con-ferences with their global suppliers for 1-2 hours per week when drawings and other informationare exchanged.

The receiver is an example where Oticon had a very close cooperation with the suppliers inNPD. One of the problems was with the plastic and the parts that go into it, specifically withmechanical components that were moving inside the receiver. There were two suppliers involved(not simultaneously), in this project: an American and a Danish supplier. The first supplier was anAmerican company who was selected primarily from evaluating technical vibrational patterns ofthe existing receivers from this company. In the end the performance goal could not be met and itproved to be necessary to switch to the alternate supplier to reach the goal. Although the Americansupplier lost the order with Oticon, it was able to use the hearing aid knowledge learned fromOticon in its other businesses. Hence the continued collaboration with this supplier remained non-affected.

The development of the IC platform, on the other hand, involved very little supplier partici-pation. The design of the chip, including the chip layout, is performed entirely in-house. The ICdevelopment process is shown in Figure 4.

The development of the IC started with the bread board design (in which only standard com-ponents were used), and ended at the test for manufacturability (prior to full production), with allin-between activities. Suppliers only became involved at the test for manufacturability stage, atwhich point suppliers were evaluated based on test time and price.

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5. Some managerial implications

The case illustrates the dilemma a firm may face regarding early supplier involvement inNPD. One the one hand, Oticon wants to keep control of the development of platforms and corecomponents. On the other hand, a few suppliers have the control of the sophisticated technology,which is necessary to produce competitive products. There are only two relevant suppliers in theworld, who are currently capable of producing the receiver used in SUMO. To some extent, thesesuppliers also share knowledge and technology with Oticon’s fiercest competitors. Therefore, thereis an obvious risk that proprietary knowledge is leaked to the competitors. There exists a numberof ways to protect joint NPD between Oticon and a supplier including patents and exclusivityarrangements. However, in the long run, Oticon cannot prevent competitors from copying theirgood ideas. Reverse engineering is common in this industry, thus every time a hearing aids manu-facturer launches a new product, instruments are ordered by competitors for analysis. Anotherissue related to the use of sole suppliers for core components is the risk of disruptions in the sup-

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Figure 4. The NPD process of the IC development

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plies, caused by e.g. bankruptcy, acquisition of the supplier by a competitor, plant fire or strikes. Ifsuch events happen, Oticon will not, in the short run, be able to replace the supplier with an alter-native source. Oticon is very conscious about the potential problems of disruptions. Therefore, itbalances the risk by working with the two receiver suppliers in order to ensure that they are bothactive in all areas. Such policy also ensures that the technical level of the suppliers is kept high.

In order to reduce the risk of disruptions, Oticon is very carefully with the supplier approvalprocess. New suppliers are approved by a supplier committee. Evaluation criteria include financialissues, investments, quality, delivery reliability, certificates, and procedures. Several visits, both atOticon’s and at the supplier’s premises, also take place prior to approval, and regularly afterapproval.

6. Conclusions and future research

During the last decade, there has been an increasing interest with issues related to supplierinvolvement in NPD. Major drivers include rapid technological development, short product lifecycle, global competition and core competency focus by companies. By involving suppliers at anearly stage of NPD, the focal company can get access to suppliers’ technology and capabilities,reduce time-to-market lead time, and share development costs.

This paper discussed some of the problems a company may face when involving suppliers inNPD processes, specifically when new components are designed and integrated into platforms andrelated product architectures. How can a company maintain its platform leadership and integrity?How can the company mitigate the risk of supply disruptions when they are closely related to asole supplier?

We have illustrated these challenges with a case study of a platform development of abehind-the-ear instrument called SUMO from Oticon, a Danish company in the hearing aids indus-try who has a leading-edge technology in acoustics. SUMO is a hearing instrument designed forpeople with severe hearing loss problems. During the NPD process of SUMO, the suppliers werenot involved in the design of platform and product architecture. There were no black-box compo-nents and most of the unique components were produced in-house. The receiver and the connec-ting element were the only components that were developed jointly with two suppliers. Oticon ba-lanced the use to the two suppliers, thus avoiding being dependent only on one supplier. Thedevelopment of the IC platform involved only supplier participation at the test for manufacturabili-ty stage. All the previous stages were performed in-house.

One conclusion drawn from the Oticon case is that it is very difficult to protect proprietaryknowledge over a long period of time. Competitors can do reverse engineering to disclose techni-cal innovations and are able to copy them within a relatively short time. Therefore, NPD perfor-mance and time-to-market is becoming increasingly important. Only by being a few steps ahead ofthe competitors, in terms of technological innovations, can the company survive. Therefore, R&Dis essential for this industry, not mentioning the accessibility to complementary capabilities at the

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suppliers market. The delicate balance is how and when to involve the suppliers during the earlystage of the development process without getting too dependent on sole suppliers. The Oticon caseillustrates how the company deals with such challenge. However, more case studies from differentindustries and environments are necessary in order to explain with more certainty the factors thatinfluence the nature and extent of supplier involvement in NPD.

Supply chain management links a firm with its customers, suppliers, distributors, and otherintermediaries. In this paper, we have focused on the buyer-supplier relationships, and especiallyon the early supplier involvement in NPD. However, it is also important to study the integrationbetween NPD, operations, outbound logistics, and customer service. What challenges are compa-nies facing when they are trying to achieve integration with internal and external partners in thesupply chain, and how are companies overcoming these challenges?

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Resumo. A estratégia de plataforma reflecte os planos tecnológicos das empresas em relação àsactividades do desenvolvimento de produtos novos (NPD). Dependendo das complexidades queexistem na tecnologia, certo grau de interdependência é formado entre as empresas e suas fornece-

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Platform management and ESI in NPD

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dores. Empresas decidem como e quando os fornecedores devem ser envolvidos em NPD.Recentemente o mundo académico está cada vez mais interessado com o envolvimento inicial dosfornecedor (ESI) em NPD. O ESI em NPD pode assistir as empresas em reduzir custos, reduzir operíodo de conceito-para-consumidor, melhorar a qualidade, e fornecer tecnologias inovadoras.Porém, isso exige um esforço extenso e muitas considerações precisam ser avaliadas. Este artigoexamina as implicações de ESI em NPD, particularmente a respeito de decisões de fornecimento eprocessos de NPD, especialmente quando os componentes inovadores são desenhados, construídose incorporados na plataforma nova. A discussão teorética é avaliada através de um estudo de casoda Oticon, uma empresa dinamarquesa que manufactura aparelhos auditivos. A narração explicacomo a Oticon, com muito sucesso, introduziu uma plataforma nova de aparelhos auditivos. Alémdisso, a narração revela como e quando os fornecedores da Oticon foram convidados para participarna ESI em NPD. Palavras-chave: Gerência de plataforma, envolvimento inicial dos fornecedores, desenvolvimentode novos produtos.

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Mikkola & Skjoett-Larsen

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Resumo. Neste artigo estuda-se o comportamento de 12 empresas inovadoras do Sector dos Moldesem Portugal. Determina-se onde e como as empresas inovadoras do sector dos moldes nacional,adquirem o conhecimento necessário para a realização das suas inovações, isto é, se apenas interna-mente e/ou se externamente através de redes de inovação, determinando quais os principais elemen-tos que constituem as redes de inovação, bem como qual o seu desempenho, como impulsionadoresda inovação. Este trabalho procura, assim, estudar a relação entre inovação e as ligações que são estabelecidasentre as empresas do Sector dos Moldes e outras empresas (clientes, fornecedores, concorrentes),bem como com instituições académicas (universidades e institutos superiores) e instituições do sec-tor público (laboratórios, centros tecnológicos e de formação). Consequentemente, com este traba-lho de investigação, é possível constatar que são fortes e consistentes as ligações que estas empre-sas têm com outras empresas, sejam elas clientes, fornecedores ou mesmo concorrentes, mas sãoextremamente fracas e por vezes inexistentes as relações que existem com as instituições académi-cas e que as empresas mais inovadoras são as que mais se relacionam com as instituições académi-cas e instituições do sector público. Podendo-se concluir, que a grande vantagem competitiva destesector da indústria nacional deve-se à sua forte capacidade de se relacionar com outros parceiros,independentemente da sua posição na cadeia de valor. Palavras-chave: Sector dos Moldes, inovação, cooperação, ligações externas.

1. Introdução

Neste artigo, determina-se onde e como as empresas inovadoras do Sector dos Moldes

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COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL E GESTÃO, 2005, VOL. 11, N.º 1, 85-94

Uma tipologia de análise da inovação no Sector dosMoldes em Portugal

Filipa Dionísio VieiraDepartamento de Produção e Sistemas, Universidade do Minho

Fernando RomeroDepartamento de Produção e Sistemas, Universidade do Minho

Endereço: Departamento de Produção e Sistemas, Universidade do Minho, Campus de Azurém, 4800-058 Guimarães,Portugal. E-mail: [email protected]

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nacional adquirem o conhecimento necessário para a realização das suas inovações, isto é, se ape-nas internamente e/ou se externamente através de redes de inovação, determinando quais os princi-pais elementos que constituem as redes de inovação, bem como qual o seu desempenho, como im-pulsionadores da inovação.

Este trabalho procura, assim, estudar a relação entre inovação e as ligações que são estabele-cidas entre as empresas do sector dos moldes e outras empresas (clientes, fornecedores, concorren-tes), bem como com instituições académicas (universidades e institutos superiores) e instituiçõesdo sector público (laboratórios, centros tecnológicos e de formação).

Consequentemente, este trabalho de investigação valida as seguintes hipóteses:

1) São fortes e consistentes as ligações que estas empresas têm com outras empresas, sejamelas clientes, fornecedores ou mesmo concorrentes, mas são extremamente fracas e porvezes inexistentes as relações que existem com as instituições académicas;

2) Existe uma relação causa-efeito (cuja direcção não foi determinada) entre o tipo de insti-tuição com que a empresa mantém ligações e a sua capacidade inovadora.

Podendo-se concluir, que a grande vantagem competitiva deste sector da indústria nacionaldeve-se à sua forte capacidade de se relacionar com outros parceiros, independentemente da suaposição na cadeia de valor.

2. Breve descrição do Sector dos Moldes

O Sector dos Moldes nacional é actualmente um dos sectores mais competitivos da indústriaPortuguesa a nível internacional. Apesar de ser relativamente recente (as suas origens remontam apouco mais de 50 anos) ocupa um lugar de destaque a nível mundial, encontrando-se em décimoprimeiro lugar entre os maiores fabricantes mundiais de moldes e em oitavo lugar entre os maioresfabricantes mundiais de moldes para injecção de plástico, exportando cerca de 90% da sua pro-dução (em 2002), sendo o valor da exportação de 317,93 milhões de euros num valor de produçãode 359,23 milhões de euros.

Comporta-se como um parceiro estratégico dos seus clientes, enquanto fornecedor de solu-ções de engenharia de moldes, possuindo a experiência e know-how necessário para tal. Factoresligados ao projecto e à fabricação, ao cumprimento dos prazos de entrega, ao rigoroso controlo dequalidade e ao investimento em alta tecnologia, têm assegurado a continuidade do fornecimento demoldes Portugueses aos mercados internacionais mais exigentes. Na verdade, este sector da indús-tria Portuguesa tem vindo a crescer e a ganhar projecção, estimulado pela procura externa, pos-suindo uma relação qualidade/preço/prazos de entrega suficientemente competitiva para esses mer-cados.

O sucesso da indústria de moldes nacional deve-se, fundamentalmente, aos seguintes aspec-tos:

1. Muito boa imagem internacional;

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2. Elevada capacidade para se adaptar às evoluções tecnológicas e de mercado;3. Sensibilidade à inovação e modernização;4. Elevada capacidade produtiva instalada, com utilização de novas tecnologias;5. Recursos humanos com forte experiência empírica.

Presentemente, o Sector dos Moldes em Portugal é constituído por 300 empresas, concentra-das principalmente nas regiões da Marinha Grande (cerca de 60% das empresas) e de Oliveira deAzeméis (cerca de 35% das empresas), empregando à volta de 7 500 trabalhadores, tendo a maio-ria a dimensão típica das PME’s e com um valor acrescentado superior a 80%.

Portugal é um dos maiores fornecedores mundiais de moldes de precisão para a indústria deplástico. Em 2002 teve como principais mercados a França, a Alemanha, a Espanha, os EUA e oReino Unido. Situação bem diferente da de 1985 em que os Estados Unidos conjuntamente com oCanadá eram responsáveis por 65% do total exportado, situação que deve merecer alguma refle-xão. Na verdade, desde a entrada de Portugal na actual União Europeia, os mercados europeus pas-saram a ser os principais clientes dos moldes nacionais e representam mais de 60% das exporta-ções.

3. Revisão da literatura

Hoje em dia é aceite que o crescimento do output e da produtividade dependem do desen-volvimento e da difusão de novas tecnologias (OCDE, 1997), isto é, o progresso tecnológico con-duz ao desenvolvimento económico. Como tal é necessário que as empresas apostem fortementena inovação para se tornarem competitivas, ou seja, as empresas para se manterem vivas têm queinovar constantemente.

«A inovação é um factor importante da competitividade, a vários níveis (Comissão Europeia,1996, p. 17):

- A inovação nos processos;- A inovação em termos de produtos (ou serviços);- A inovação na organização do trabalho e a valorização dos recursos humanos, bem

como a capacidade de antecipação das técnicas, da evolução das necessidades edos mercados;

- O tempo de acesso ao mercado e difusão das técnicas, produtos e novos serviços.»

Segundo o “Livro Verde Sobre a Inovação” (Comissão Europeia, 1996), uma das principaisdeficiências dos sistemas de inovação europeus deve-se ao reduzido número de inovações organi-zacionais, não permitindo assim remodelar modelos actualmente ineficazes e que são ainda emgrande número e acontecendo o mesmo em relação às fórmulas eficazes de gestão de empresas,vocacionadas para a inovação.

A importância dos factores organizacionais no desenvolvimento e aplicação de novas tecno-logias (OCDE, 1997; Gopalakrishnan & Damanpour, 1997; Simões, 1997; Laranja et al., 1997) éconsensual, uma vez que a organização é considerada como um elemento-chave da inovação,

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sendo essencialmente um processo de obter, gerir e usar informação, que posteriormente, funcio-nará como a base da decisão. Este processo tem uma forte componente intangível. É da capacidadede aprender da empresa de que dependerá a capacidade de inovação. Como tal, o uso da tecnologiacomo fonte de competitividade depende essencialmente dos conhecimentos existentes nos planosda gestão, da utilização das tecnologias e da interpretação dos mercados.

Vários estudos têm tentado definir quais os factores não tecnológicos (factores organizacio-nais e de gestão) que contribuem para o sucesso ou insucesso de inovações tecnológicas (Rothwellet al., 1974; Szakasits, 1974; Rothwell, 1977; Pavitt, 1994; Wolfe, 1994; Baranano, 1995; Freeman& Soete, 1997; Simões, 1997; Baranano, 2000; Meeus & Oerlemans, 2000).

Em geral, é reconhecida a importância da organização no sucesso de inovações tecnológicas,mas têm sido encontrados obstáculos à sua compreensão, uma vez que «a sua medição é bastantedifícil quer conceptualmente, quer na prática» (OCDE, 1997, p. 43).

Os diferentes estudos têm mostrado que a comunicação externa, isto é, o estabelecimento decontactos com o exterior, é um factor crucial. Verifica-se que empresas de sucesso estabelecemcontactos com o exterior a vários níveis, principalmente com outras empresas que podem ser actu-ais ou potenciais clientes, mas também com fornecedores e concorrentes. Contactos e relações commenor frequência ocorrem também com instituições de investigação (institutos, laboratórios, uni-versidades) e também através de consultores externos. Verificou-se igualmente que o estabeleci-mento de contactos externos necessita de alguns requerimentos internos, como uma boa coorde-nação e cooperação interna, assim como uma gestão aberta e descentralizada.

Os inovadores de sucesso, para além de estabelecerem boas comunicações dentro da empre-sa, estabelecem fortes ligações e contactos com a comunidade científica e tecnológica, bem comoanalisam de forma cuidada ideias potencialmente úteis criadas no exterior da empresa. O contactocom potenciais clientes, desde o início do processo de inovação, é extremamente importante, poispermite compreender e interiorizar as necessidades dos consumidores (Barata, 1992). «A inovaçãotecnológica é um complexo processo técnico/sócio/económico que envolve fortes interacções, querintra-empresa quer entre a empresa e a envolvente económica, tecnológica, competitiva e social»(Rothwell, 1977, p. 203).

A informação e o conhecimento são consideradas actualmente como os recursos mais im-portantes de uma economia (Lundvall, 1992) e, consequentemente, o processo mais importante quelhe está subjacente é a aprendizagem, sendo esta o resultado do, ou um processo predominante-mente interactivo, não esquecendo o seu enquadramento num contexto quer institucional, quer cul-tural. A aprendizagem está relacionada com actividades de rotina, em diferentes áreas da empresa,ou seja, na produção, na distribuição ou no consumo, permitindo assim a criação de importantesinputs para o processo de inovação. Lundvall (1992) considera que nem todos os inputs importan-tes do processo de inovação são resultantes de actividades de I&D, nem do conhecimento existentede Ciência & Tecnologia. Estas actividades de rotina que são executados de maneira sistemática eque são específicas de cada empresa, e que envolvem diversas formas de aprendizagem (“learning-by-doing”, “learning-by-using”, “learning-by-learning”, “learning-by-interacting”), funcionamtambém como inputs extremamente importantes do processo de inovação.

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Diversos autores (Chung & Kim, 2003; Freel, 2003; Beeby & Booth, 2000; Sousa, 1997) re-ferem também a importância das interacções entre empresas e o ambiente social e económico ondeestas se encontram inseridas, resultando assim em ligações com clientes e fornecedores, com em-presas de consultadoria e com infra estruturas da ciência e tecnologia, salientando a importânciados centros de I&D e das instituições educativas. A optimização destas ligações e das competênciasassociadas resultam no estabelecimento de redes (de inovação e de negócio) que assentam na com-plementaridade de competências ou de activos, na dependência mútua e em novas formas de orga-nização económica, não primordialmente regidas por vínculos contratuais mas principalmente porrelações de confiança e de partilha de riscos e benefícios (Teece, 1997).

4. Trabalho realizado

Para testar estas ligações foram estudadas 12 empresas do sector (localizadas na Marinha Gran-de e em Oliveira de Azeméis), através de contactos directos. Os contactos foram efectuados combase num guião que foi previamente elaborado e tinha como objectivo a obtenção de dados sobrequais as fontes de informação utilizadas para a realização das suas inovações, se havia ou nãodesenvolvimento de actividades de I&D, entre outras. Neste último ponto realçava-se a importân-cia das suas relações com outros parceiros e quais, bem como a participação em projectos nacio-nais ou internacionais.

Relativamente às fontes de informação para a inovação, estas foram agrupadas em quatro gru-pos, a saber:

1. Fontes internas, em que se obteve informação sobre:- Actividades de I&D;- Design de produto;- Engenharia de produto;- Acumulação de experiência de produção;- Proposta dos trabalhadores;- Sistema para iniciativas;- Top management;

2. Fontes externas, em que se obteve informação sobre:- Concorrentes (análise técnica dos produtos dos concorrentes);- Clientes;- Fornecedores de materiais e componentes (aquisição de tecnologia material);- Fornecedores de equipamento (aquisição de tecnologia material);- Empresas afiliadas;- Aquisição de tecnologia imaterial (licenças, know-how);- Joint ventures;- Consultores;

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- Serviços técnicos;- Promoção de programas de I&D nacionais;

3. Educação e investigação (instituições com actividades de I&D, quer nacionais quer es-trangeiras):- Universidades/Institutos técnicos (Institutos de ensino superior);- Institutos de investigação públicos (laboratórios públicos);- Institutos de investigação privados (IPSFL);- Centros tecnológicos e de formação;

4. Informação disponível de forma generalizada:- Feiras, exposições e mostras de produtos;- Conferências, encontros, publicações;- Patentes;- Revistas técnicas (literatura técnica).

Para se obter informação sobre as ligações que são estabelecidas entre as empresas estuda-das e outras empresas (clientes, fornecedores, concorrentes), bem como com instituições académi-cas (universidades e institutos superiores) e instituições do sector público (laboratórios, centrostecnológicos e de formação), era perguntado a que tipo de instituições recorriam quando necessi-tavam de competências externas, isto é, quando não possuíam essas competências internamente, sehavia formalização das mesmas e qual a sua consistência.

5. Modelo de observação do Sector dos Moldes

Apesar de pertencerem ao mesmo sector da indústria nacional – Sector dos Moldes, asempresas estudadas apresentam características diferentes, o que permite agrupá-las segundo a suaposição na cadeia de valor do sector. Algumas das empresas são tipicamente empresas produtorasde moldes, em que a sua capacidade de projecto e engenharia é muito limitada, bem como a suacapacidade comercial. Uma segunda categoria de empresa tem a componente de engenharia e pro-jecto bastante desenvolvida, conjuntamente com a parte produtiva, sendo capazes de fornecersoluções inovadoras aos seus clientes, conseguindo entrar nos mercados mais exigentes. Existemainda outras que não têm componente produtiva, a qual é subcontratada a outras empresas exclusi-vamente produtoras, que não possuem nem capacidade comercial, nem uma elevada capacidade deprojecto e engenharia.

O Quadro 1 é uma primeira síntese dos resultados que foram obtidos a partir do estudo rea-lizado e mostra como as características das empresas estudadas, que dependem da sua posição nacadeia de valor do sector em questão, se reflectem em termos das ligações existentes entre as mes-mas e os parceiros com que mais frequentemente vão (ou não) mantendo ligações e também per-

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mite tirar ilações sobre a preponderância do tipo de inovação que é desenvolvido por estas empre-sas. O texto que se segue explora com mais algum detalhe o modelo sugerido.

Sendo assim as empresas comportam-se, em termos inovativos, de maneiras distintas, estan-do fortemente dependente do parceiro com quem mantêm ligações, de forma informal. As empre-sas que são produtoras por excelência têm uma elevada preponderância para desenvolverem ino-vações de processo, que advém da sua forte dependência dos clientes em termos de concepção doproduto. Neste tipo de firmas, as competências internas necessárias para a geração de ideias parainovação de produto são escassas. O produto é, em geral, desenvolvido externamente pelo cliente.As exigências do cliente obrigam, por seu turno, ao desenvolvimento do processo. Os clientes sãoos grandes impulsionadores para a aquisição de novos equipamentos que permitem, através de no-vas e melhoradas técnicas de produção, a satisfação dos requisitos exigidos por estes clientes. Vi-sitas a empresas concorrentes estrangeiras, que possuem know-how superior, e períodos de forma-ção de alguns recursos humanos nas mesmas, sob a iniciativa dos clientes, são frequentes e permiteque algumas destas empresas essencialmente produtores se vão actualizando, em termos tecnológi-cos. Para este tipo de empresas o relacionamento com centros de investigação, quer com institui-ções académicas, quer com instituições do sector público, são ténues ou mesmo inexistentes, prin-cipalmente quando se trata de universidades. Estas empresas são típicas empresas subcontratadas,que vão evoluindo tecnologicamente em função das exigências dos seus clientes.

As empresas que têm a componente de engenharia e projecto bastante desenvolvida, conjun-tamente com a parte produtiva, sendo capazes de fornecer soluções inovadoras aos seus clientes,têm um comportamento bem distinto, isto é, a sua dependência dos clientes é muito reduzida, poiso seu know-how é suficientemente elevado para fornecer as soluções que os clientes procuram.Estas empresas já mantêm relações relativamente consistentes com instituições de educação einvestigação. Recorrem normalmente às universidades, laboratórios de investigação e centros tec-nológicos, funcionando estes como parceiros privilegiados na resolução dos seus problemas. Comoconsequência deste comportamento são empresas em que a realização de inovações de produto setorna mais importante, sem detrimento das inovações de processo, pois o know-how entretantoadquirido permite-lhes inovar já em termos de produto, adoptando uma estratégia de diversificaçãomais acentuada.

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Uma tipologia de análise da inovação no Sector dos Moldes em Portugal

Quadro 1Modelo de observação do Sector dos Moldes em Portugal

Tipo de empresa Geração de Tipo de Dependência Relação comideias inovação dos clientes centros de investigação

Produtora Externa Processo Forte Fraca ou inexistente

Engenharia/ Projecto + Produção Interna Produto Fraca Forte

Comercial (Broker) Mista Mista Mista Fraca

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O terceiro grupo de empresas, que funcionam como brokers, tem um comportamento mistorelativamente aos dois anteriores. São empresas que não possuem capacidade produtiva própria,subcontratando toda a sua produção a empresas exclusivamente produtoras (a primeira categoria).Possuem uma capacidade variável de projecto e engenharia (depende da empresa) e muito conheci-mento sobre o mercado, com uma performance comercial elevada. Face a isto, as suas característi-cas encontram-se entre as duas situações extremas, mas com comportamentos mais idênticos às em-presas que compõem o primeiro grupo, no sentido de que a maioria não desenvolve internamente oproduto, servindo apenas de intermediários entre a empresa de concepção e a empresa de produção.Existe, no entanto, uma considerável variabilidade dentro desta categoria, podendo haver empresasque detêm fortes competências internas em termos de projecto e engenharia, o que as aproxima maisdo segundo grupo. Este tipo de empresas é fulcral para a sobrevivência de muitas empresas doSector dos Moldes. Asseguram duas funções que se revelam essenciais para muitas empresas. Aprimeira é uma função comercial, de ligação ao mercado externo, que é inexistente em muitasempresas do sector (tipicamente do primeiro grupo). Através desta função, asseguram o escoamentoe a exportação de uma parte substancial da produção de muitas empresas. Uma segunda funçãoprende-se com a gestão de carteiras de encomendas e a potenciação de economias de escala, atravésda coordenação da actividade produtiva de um conjunto de empresas. Esta vertente advém da inca-pacidade de resposta a grandes encomendas da maior parte das empresas, e da necessidade de dis-tribuir a produção da encomenda por várias empresas, de maneira a cumprir o prazo de entrega.

Apesar das empresas terem comportamentos heterogéneos, que são determinados pela suaespecialização, todas elas se relacionam com empresas concorrentes e estabelecem com elas fortesligações informais, desde visitas às instalações até ao relacionamento informal entre quadros, o queé uma característica particular deste sector. Mas é importante salientar que esta troca de conheci-mento não é feita entre todas as empresas concorrentes, mas apenas com aquelas que asseguremreciprocidade, e em que se estabelece uma transacção de informação e conhecimento que benefi-ciará ambas as partes envolvidas (Von Hippel, 1988).

De uma maneira geral pode-se afirmar que a maioria das empresas recorre mais às fontes deinformação externas do que às internas para obtenção de informação no seu processo de aprendiza-gem, com excepção daquelas que são fortemente inovadoras, que são mais selectivas e exigentesnas suas necessidades externas de conhecimento, como foi visto anteriormente. Relativamente àsfontes externas, estas configuram-se principalmente nos clientes, concorrentes e fornecedores de equi-pamentos, e com menor importância surgem os fornecedores de materiais e de componentes e con-sultores. Também recorrem à informação disponível de forma generalizada, principalmente comidas a feiras, exposições, mostras de produtos, conferências e encontros.

6. Conclusões

Pode-se assim concluir, que a grande vantagem competitiva deste sector da indústria nacio-nal se deve à sua forte capacidade de se relacionar com outros parceiros, independentemente da sua

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posição na cadeia de valor. Mas estas ligações não ocorrem com a mesma frequência, nem com to-dos os parceiros, isto é, nem todas as empresas se relacionam com instituições académicas (univer-sidades e institutos superiores) e/ou instituições do sector público (laboratórios, centros tecnológi-cos e de formação), bem como com outras empresas, nomeadamente clientes. As ligações com ou-tras empresas, quer sejam clientes, fornecedores ou até mesmo concorrentes são extremamente for-tes. Contudo, as ligações entre estas empresas e instituições académicas e/ou instituições do sectorpúblico, normalmente são fracas e por vezes inexistentes. As empresas que têm mais ligações comeste tipo de instituições são as mais inovadoras e as que apresentam maior autonomia relativamen-te aos seus clientes.

O modelo apresentado é importante para uma análise global do sector, bem como um ele-mento de apoio em termos de políticas e tomadas de decisão.

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Abstract. This paper studies the behaviour of innovative firms of the Portuguese moulds sector.The research was based on detailed case studies of twelve firms. It explores the way firms acquirethe necessary knowledge that they need to implement their innovations, and in particular, where isthat knowledge acquired, namely, if it is acquired internally or externally, through networks, or byother means. The main nodes of knowledge networks on which the firms are embedded are identi-fied and their differentiated roles are scrutinized. The sector is characterized by a capacity to establish strong linkages with several kinds and types ofpartners, such as clients, suppliers, competitors, public institutions with research or developmentactivities and professional training activities. Its development path and its competitive advantageare largely related to this intrinsic characteristic. In general, the linkages between firms and otherfirms, with firms and clients, with firms and suppliers, and even with firms and their competitorsare extremely strong. However linkages between firms and technological centres, research institu-tions or universities are, as a rule, rarer and weaker, but the firms that have mores linkages with the-se kinds of partners are also the more innovative ones. The linkages that are established by the firmvary according to the position in the industry value chain, and the firms are differentiated by quali-tative profiles related to their network of contacts.Key words: Moulds sector, innovation, co-operation, external linkages.

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Resumo. Nos países ocidentais, a pesquisa científica financiada com recursos públicos vem sofren-do reformas dramáticas nas últimas duas décadas (Simpson, 2003).Considerando os resultados dessas reformas, este artigo investiga como as mesmas aconteceram noBrasil, como os programas de pesquisa foram afetados e qual estilo de organização emergiu das re-formas. Pretende-se analisar essas questões empiricamente, usando um estudo de caso. Então, oobjetivo específico desse artigo é analisar as inovações organizacionais criadas dentro de um pro-grama de pesquisa público brasileiro – o Programa de melhoraento genético da cana-de-açúcar doIAC (PROCANA) – para enfrentar as reformas nos modelos de atuação do Estado na área de C&T,superar os limites geográficos da pesquisa agrícola, dar mais eficiência à P&D e gerar produtosadaptados às necessidades dos usuários.Palavras-chave: Organização de programas de P&D, gestão da inovação.

Introdução

Nos países ocidentais, a pesquisa científica financiada com recursos públicos vem sofrendoreformas dramáticas nas últimas duas décadas. Instituições de pesquisa têm sido encorajadas aestabelecerem relações com indústrias e outras comunidades de usuários finais com o objetivo deestimular a produção de resultados mais aplicados e de maximizar os retornos do investimento pú-blico (Simpson, 2003).

O paradigma institucional que prevaleceu até a década de 80 quase desobrigava as organiza-

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COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL E GESTÃO, 2005, VOL. 11, N.º 1, 95-107

As inovações organizacionais do PROCANA

Mirian HasegawaDepartamento de Política Científica e Tecnológica, IG, UNICAMP

André Tosi FurtadoDepartamento de Política Científica e Tecnológica, IG, UNICAMP

Endereço: Av. Padre António José dos Santos, 313, Apto. 181, Brooklin, São Paulo-SP, CEP 04563-010, Brasil.

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ções e seus membros a planejarem a captação e a geração de recursos financeiros fora do âmbitoda dotação pública (estatal). Esse fato podia ser observado no Brasil também. Mesmo naquelasorganizações cujas atribuições implicavam a prática de venda de serviços, era raro encontrar metasde autonomia financeira. Hoje, a situação se inverteu, sendo raras as organizações que não estejambuscando alternativas para diversificar suas fontes de financiamento (Mello, 2000).

Nos anos oitenta e noventa, nota-se em diferentes países uma busca de novos modelos deatuação do Estado na área de ciência e tecnologia (C&T).

Simpson (2003) coloca que essas reformas não deram origem a um novo e estável arquétipoorganizacional e argumenta que, na verdade, a melhor maneira das instituições responderem àsdemandas atuais por produção de conhecimento é adotando um estilo de organização dinâmico eflexível. O papel dos líderes organizacionais nesse contexto se refere não somente ao estabeleci-mento de um sentido para as mudanças na organização, mas também à tradução desse sentido paraas ações dos membros da organização e dos parceiros externos.

Considerando os resultados dessas reformas, este artigo estuda como as mesmas acontece-ram no Brasil, como os programas de pesquisa públicos foram afetados e qual é o estilo de organi-zação que emergiu das reformas. Pretende-se analisar essas questões empiricamente, usando umestudo de caso.

Então, o objetivo específico desse artigo é analisar as inovações organizacionais criadas den-tro de um programa de pesquisa público brasileiro – o Programa de melhoramento genético dacana-de-açúcar do IAC1 (PROCANA) – para enfrentar as reformas nos modelos de atuação doEstado na área de C&T, superar os limites geográficos da pesquisa agrícola, dar mais eficiência àP&D e gerar produtos adaptados às necessidades dos usuários. Este programa é desenvolvido emSão Paulo, no sudeste do Brasil, e seus objetivos são: (i) desenvolver novas e melhoradas va-riedades de cana-de-açúcar adaptadas às suas regiões de produção; (ii) criar uma bula contendoinstruções sobre manejo da variedade, métodos de cultivo, resistência a doenças, necessidadeshídricas, etc.

As variedades criadas pelo PROCANA não representam inovações radicais, mas sim incre-mentais. Este programa de pesquisa é constituído como uma rede de inovação, em que participampesquisadores, usinas de cana, universidades, empresas de insumos e outras instituições. Ele teveinício em 1994 e criou fortes parcerias com diversas usinas, as quais contribuem para o financia-mento e a execução da pesquisa sobre variedades. Sua organização pretende atender às demandasda agroindústria sucro-alcooleira e se caracteriza pela forma interdisciplinar de desenvolver os pro-jetos em cana-de-açúcar.

Com o intuito de sobreviver num ambiente em transição e de garantir a boa performance da

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1 Instituto Agronômico de Campinas. É um instituto público de pesquisa, pertencente ao Estado de São Paulo, que foicriado em 1887.

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equipe de P&D, este programa criou várias inovações organizacionais e rompeu com a maneiratradicional de se organizar a pesquisa nos institutos públicos de pesquisa brasileiros.

A agroindústria canavieira, como um todo, responde por 3,5% do PIB brasileiro, aproxima-damente, e emprega, direta e indiretamente, 3,6 milhões de pessoas. O Brasil é o maior produtor decana-de-açúcar no mundo. Os principais produtos da cana são o açúcar e o álcool. O Estado de SãoPaulo produz 60% de toda a cana-de-açúcar do Brasil, usando tecnologias e métodos de gestão mo-dernos2.

A eficiência da agroindústria canavieira do Brasil deve muito às pesquisas desenvolvidas pe-los três programas de melhoramento genético da cana no país3, sendo que o PROCANA é umdeles. Segundo o coordenador deste programa, a produtividade da cultura da cana saltou de 55 to-neladas por hectare na década de 60 para 80 toneladas por hectare atualmente. A longevidade doscanaviais também aumentou, de 3 cortes para 5,7 cortes por talhão. Atualmente, no país, há 40 va-riedades de cana, lançadas nos últimos seis anos. O desenvolvimento das mesmas visa a maturaçãomais cedo ou mais tarde, o alto teor de sacarose e a resistência a pragas e doenças. Isso possibilitao plantio o ano todo, com variedades de ciclo precoce, médio e tardio. É importante ressaltar queas variedades melhoradas são a tecnologia que mais contribuiu para os ganhos de produção e pro-dutividade do setor canavieiro verificadas nos últimos 40 anos.

O PROCANA foi estudado durante quatro anos (de 2000 a 2004) através de entrevistas comos principais atores da rede do programa, que são os pesquisadores do IAC e os agrônomos dasusinas, e da participação em encontros e reuniões entre os atores. Foram realizadas aproximada-mente trinta horas de entrevista com o coordenador do PROCANA, trinta horas com outros novepesquisadores do IAC e quarenta horas com os gerentes e agrônomos de quinze usinas. As entre-vistas eram do tipo abertas e as perguntas se referiam à execução da pesquisa, às interações entrepesquisadores, ao papel do coordenador do PROCANA, à confiança depositada nos membros daequipe e etc. Este programa é explicado detalhadamente em Hasegawa (2001).

A pesquisa no Instituto Agronômico (IAC)

Segundo Mello (2000), recentemente, o IAC tem encontrado dificuldade em internalizar asalterações do ambiente externo e a necessidade de introduzir reformas na forma de organização dapesquisa. O instituto não conseguiu adaptar suas áreas técnicas para atuar nas novas tecnologias enão encontrou formas que permitam maior flexibilidade na administração dos recursos e do quadro

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As inovações organizacionais do PROCANA

2 Dados obtidos na UNICA (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo).3 Os outros dois programas são da COPERSUCAR (Cooperativa de Produtores de Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool do

Estado de São Paulo) e da Universidade Federal de São Carlos (antigo Planalsucar).

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de pessoal. As origens dessas dificuldades se encontram no modelo de atuação ofertista do Estadoe na forma de organização da pesquisa que tem prevalecido nesta instituição desde o pós-guerra.

Desde o pós-guerra até a década de oitenta, aproximadamente, a concepção do processo deinovação que subjazia as políticas e instituições de ciência e tecnologia era o modelo linear de ino-vação, segundo o qual as inovações surgem de um processo linear que tem início em conhecimen-tos científicos (pesquisa básica), que passam por uma fase de aplicação (pesquisa aplicada) e, fi-nalmente, geram novos produtos ou processos, que poderão ser posteriormente difundidos. A atua-ção do Estado, neste caso, deveria se dar preferencialmente nas fases de pesquisa básica, admitin-do-se que a aplicação e o desenvolvimento de inovações seriam feitos “espontaneamente” pelosetor privado. Este modelo de atuação do Estado é chamado de ofertista, pois oferta (financia) apesquisa básica à sociedade e deixa os desdobramentos (aplicação, inovação, difusão) por conta domercado.

Nos anos oitenta e noventa, nota-se em diferentes países uma busca de novos modelos deatuação do Estado na área de ciência e tecnologia. O modelo linear de inovação foi contestado pormuitos pesquisadores que estudam novas alternativas e políticas para a área de ciência e tecnolo-gia, como Kline e Rosenberg (1986), OCDE (1992). Esses autores colocam que o processo de ino-vação é interativo, repleto de feedbacks tanto entre os diversos estágios do desenvolvimento (fasesde design) da inovação quanto entre os pólos científico, tecnológico e de mercado. A inovação nãoé resultado de um processo linear que se inicia com a pesquisa básica, passa pela pesquisa aplicadae termina com o desenvolvimento de um novo produto ou processo que é ofertado ao mercado. Oprocesso inovativo não é determinista e não segue uma fórmula pronta, ele é socialmente construí-do pelos atores envolvidos ou interessados na geração da inovação. Ele deve ser entendido, do co-meço ao fim, como uma série de interações e trocas entre pesquisadores, usuários, técnicos, cien-tistas, governo, empresas, etc., que constituem a rede de inovação.

Essa nova maneira de pensar o processo inovativo exige a criação de novas maneiras de or-ganizar a pesquisa. Mas, as reformas na área de C&T ainda não deram origem a um novo e estávelarquétipo organizacional (Simpson, 2003).

«Em 1996, foi iniciado no IAC um processo de reorganização baseado nos procedimen-tos de planejamento estratégico, que permitiu a avaliação da missão, diretrizes, pontosfracos e fortes do Instituto. Em 1997, novo projeto é iniciado, o qual, dando continuidadeaos trabalhos realizados no período anterior, buscou elaborar um amplo projeto para osprincipais problemas do Instituto... [Porém] na verdade, pode-se afirmar que os resulta-dos até o momento alcançados são mais importantes para estimular projetos futuros maisousados de mudança institucional, visto que se criou um clima mais favorável à mudan-ça, especialmente quando são levados em conta os resultados alcançados por alguns gru-pos e/ou programas de pesquisa» (Mello, 2000, p. 135).

O PROCANA é um dos programas que conseguiu maior flexibilidade, buscou financiamen-to externo e construiu uma forte interação com os atores participantes do processo inovativo (setorprivado, usuários, universidades).

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O PROCANA

A criação do PROCANA foi resultado da conjunção de vários fatores. Ele é fruto, por umlado, da reorganização institucional do IAC e de uma vontade interna de revitalizar a pesquisa emcana-de-açúcar no início da década de 1990 e, por outro lado, de uma demanda por parte dasempresas usuárias das variedades “puxando” a criação de um programa de cooperação para odesenvolvimento de novas variedades. Como resultado, em outubro de 1994, se efetivou o PRO-CANA.

O programa integra em suas atividades várias áreas da pesquisa sobre cana-de-açúcar e crioumuitas parcerias com usinas de cana, universidades e outras instituições. Este programa tem oobjetivo de criar novas e melhoradas variedades de cana-de-açúcar, adaptadas ao seu ambiente deprodução e acompanhadas de uma “bula” com instruções sobre manejo, técnicas de cultivo, doen-ças, adubação, etc.

O melhoramento genético é feito através da hibridação intervarietal e seleção das plantasque vão apresentando desempenho superior ao longo de um período de tempo.

Resumidamente, o desenvolvimento de variedades pelo PROCANA pode ser dividido emquatro etapas:

1) Realização de cruzamentos entre diversas variedades de cana-de-açúcar (em cooperaçãocom a COPERSUCAR) e posterior produção de sementes.

2) Germinação das sementes numa estação experimental do IAC; envio das mudas paraplantio em sete estações experimentais do IAC, no Estado de São Paulo4. As plantas sãoobservadas e selecionadas durante quatro anos.

3) Envio das plantas selecionadas para várias usinas conveniadas ao PROCANA que par-ticipam dos ensaios de competição regionais (experimentos montados em usinas damesma região em que foram selecionadas as plantas). As plantas serão observadas ecomparadas às variedades padrão (variedades comerciais) e, durante quatro anos, aque-las que apresentarem um desempenho igual ou superior às variedades padrão serão sele-cionadas.

4) As plantas selecionadas nos ensaios regionais são consideradas pré-variedades, poistiveram um ótimo desempenho nas regiões em que foram selecionadas. A última etapa échamada de Ensaios de competição estaduais, os quais têm o propósito de avaliar odesempenho das pré-variedades em várias usinas com diferentes contextos edafocli-máticos e validar a utilização das mesmas num âmbito maior. Após este teste das plan-tas no âmbito do Estado de São Paulo, aquelas de desempenho igual ou superior às va-riedades padrão serão lançadas como variedades.

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As inovações organizacionais do PROCANA

4 As Estações Experimentais representam regiões do Estado de São Paulo cultivadas com a cana-de-açúcar e comgrande variabilidade de clima e solo, a saber: Piracicaba, Ribeirão Preto, Jaú, Pindorama, Assis, Mococa e Adamantina.

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O PROCANA pode ser visto como um programa pioneiro dentro do IAC, visto que repre-senta uma nova forma de organizar a pesquisa, de maneira descentralizada, desburocratizada,baseada em parcerias e priorizando a demanda e a interação com o usuário da tecnologia no dire-cionamento dos trabalhos. A forma de financiar a pesquisa dentro do PROCANA também é atra-vés do estabelecimento de parcerias, ou seja, através da busca de recursos no mercado e não apenasesperando financiamento do Estado, uma vez que este tende a restringir cada vez mais os recursosdestinados às instituições de pesquisa. Para tanto, a grande mudança ocorrida na organização dapesquisa experimentada neste programa foi o rompimento com o modelo predominantementeofertista que imperava na Instituição à época de sua idealização. Os programas de pesquisa doIAC, tradicionalmente, são organizados em centros (que concentram todos os recursos), dependemquase exclusivamente do financiamento do Estado e mantêm uma fraca relação com os usuários datecnologia.

Os objetivos do PROCANA – obtenção de novas variedades, adaptadas ao ambiente de pro-dução e acompanhadas de pacote tecnológico contendo informações sobre o manejo da cultura,adubação, doenças, etc. – colocam a forte necessidade da multidisciplinaridade na condução domesmo. Para tanto, o coordenador do programa montou uma equipe inter-disciplinar.

Importantes inovações organizacionais introduzidas pelo PROCANA foram: i) a equipe in-ter-disciplinar; ii) as parcerias com os usuários da tecnologia (usinas de cana), que participam daexecução e do financiamento do programa; iii) a execução da pesquisa de maneira espacialmentedifusa; iv) os constantes deslocamentos dos pesquisadores; e v) o software que organiza as infor-mações do programa (CAIANA). Essas inovações possibilitaram a redução do tempo de desenvol-vimento de variedades e melhoraram a performance da pesquisa. «O principal desafio para as orga-nizações não é a geração de idéias inovadoras durante a P&D, mas sim a efetiva transferência detecnologia do estágio de descoberta para o mercado. Essa tarefa requer equipes inter-disciplinaresem todas as funções da empresa como um fator crítico para o sucesso da inovação» (Thamhain, 2003).

Graças aos seus esforços no sentido de buscar recursos que possibilitassem a superação dasrestrições financeiras e melhorassem a performance da pesquisa, o PROCANA encontrou muitosnovos parceiros (27 usinas se conveniaram5 até o momento), colaboradores (universidades e COP-ERSUCAR) e fornecedores de insumos.

Graças às inovações organizacionais introduzidas no gerenciamento do programa e à capaci-tação dos seus pesquisadores, o PROCANA aumentou muito a visibilidade e reputação do trabalhodo IAC em cana-de-açúcar.

As inovações organizacionais do PROCANA

A equipe inter-disciplinar, a forma em rede do programa e a sua organização espacialmente

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5 As usinas conveniadas pagam uma anualidade para o programa com o objetivo de terem acesso rápido às variedadesdesenvolvidas pelo PROCANA e também aos conhecimentos produzidos pelos pesquisadores.

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difusa representaram inovações organizacionais dentro do IAC, uma vez que os programas desteinstituto se organizavam, tradicionalmente, na forma de centros de pesquisa e com setores bemdelimitados. As usinas (parceiras do programa) estão localizadas em diversas regiões do Estado deSão Paulo e também em estados vizinhos, mas, para o desenvolvimento de variedades de canaadaptadas a diferentes condições edafoclimáticas, é necessário que os pesquisadores visitem regu-larmente essas usinas. A estratégia adotada pelo coordenador foi a de manter os pesquisadoresconstantemente se movimentando de uma usina para outra para acompanhar os experimentos con-duzidos em cada lugar e para fortalecer a relação com esses parceiros. Essa constante mobilidaderepresenta mais uma inovação organizacional introduzida pelo programa.

Durante as visitas, são colhidos e gerados muitos dados e informações sobre as plantas, e énecessário sistematizar e gerenciar esses dados. Conforme o programa ia estruturando sua rede depesquisa e ia fazendo mais convênios com usinas e outros parceiros, aumentava a necessidade degerenciar de forma eficiente os conhecimentos e dados que circulavam entre os diversos atores ediferentes locais. Dada a necessidade, os pesquisadores iam criando e aperfeiçoando maneiras degerenciar a rede do programa: criaram rotinas de codificação e organização dos dados; fizeramparceria com uma universidade (UNESP) na área de estatística para poderem dar melhores trata-mentos estatísticos às informações; nomearam um gerente na área de sistematização. Finalmente, ocoordenador do programa decidiu desenvolver um software para sistematizar todos os dados einformações gerados pelo PROCANA. Este software (CAIANA) pode ser visto como uma outrainovação organizacional do programa.

Como Grant (1996) coloca, a essência da capacitação organizacional é a capacidade de inte-gração dos conhecimentos especializados (expertise) dos indivíduos. Esta capacidade de integraçãose baseia fortemente em habilidades tácitas do gerente, mas se apóia também em conhecimentoscodificados, uma vez que muitas rotinas organizacionais podem se basear em regras codificadas etambém em algumas ferramentas, como softwares, que ajudam a sistematizar a base de conheci-mentos da organização.

Abaixo, as inovações organizacionais do PROCANA são explicadas detalhadamente.

Equipe inter-disciplinar

Cada vez mais, equipes inter-disciplinares, que integram pessoas de diferentes especiali-dades, estão sendo usadas no desenvolvimento de novos produtos (Barczak & Wilemon, 2003).

O PROCANA integra em suas atividades várias áreas da pesquisa sobre cana-de-açúcar, ouseja, tem característica multidisciplinar. O projeto principal é o de melhoramento genético visandoa obtenção de cultivares de cana-de-açúcar mais produtivos, com maior riqueza em açúcar e comadicionalidades que proporcionem vantagem econômica. Assessoram e complementam o estudo demelhoramento genético vários outros projetos que visam estudar o manejo desses cultivares antes etambém depois da sua liberação comercial. São os projetos da área de fitotecnia que envolvem

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estudos de fisiologia, fitopatologia, entomologia, pedologia, fertilidade, adubação, climatologia ematologia.

Os pesquisadores do PROCANA estão lotados em três Estações Experimentais nas regiõesde Piracicaba, Ribeirão Preto e Jaú (no Estado de São Paulo). A relação entre os pesquisadores doprograma não é hierárquica, mas sim horizontal, e as atividades são coordenadas de forma consen-sual e participativa. Numa visão bastante moderna, poderia se dizer que o programa possui umcentro virtual, no qual a programação definida em conjunto e a disciplina de trabalho fazem comque seus pesquisadores estejam sempre em contato, mesmo não trabalhando no mesmo local sede.

Dessas três estações as ações se multiplicam para outras regiões do Estado, através do deslo-camento constante dos pesquisadores para outras quatro Estações Experimentais do IAC e para asvinte e sete empresas parceiras do programa. Durante as viagens, os pesquisadores das diferentesáreas trabalham juntos para analisar todos os aspectos das plantas que estão sendo testadas nosexperimentos. O conhecimento dos especialistas deve ser integrado para possibilitar a seleção dasplantas. Então, o coordenador do PROCANA criou um plano de trabalho no qual os especialistasestão freqüentemente trabalhando juntos e conduzindo os experimentos de uma forma inter-disci-plinar.

A popularidade das equipes inter-disciplinares é devida, em grande parte, ao seu potencialde influenciar positivamente a performance dos projetos e de reduzir o tempo de desenvolvimentode inovações (Brown & Eisenhardt, 1995). Pode-se dizer que a inter-disciplinaridade da equipe con-tribuiu muito para os resultados alcançados pelo PROCANA em termos de redução no tempo dedesenvolvimento de novas variedades e de qualidade da tecnologia criada.

A grande integração da equipe inter-disciplinar do programa e a sua alta performance podemser explicadas por dois fatores: a capacidade de coordenação do líder do PROCANA e as habili-dades e características dos membros da equipe.

Brown e Eisenhardt (1995) sugerem que as habilidades gerenciais do líder são críticas para obom funcionamento do time. Henke et al. (1993) vão além e argumentam que o sucesso de um ti-me depende de um líder que possua não só habilidades técnicas/funcionais como também habili-dades interpessoais. O líder do PROCANA é um especialista em melhoramento genético altamentequalificado, que participa ativamente de todas as fases do processo de seleção das plantas. Alémdisso, ele possui habilidades interpessoais e capacidade de criar comprometimento e motivação naequipe. E todos os membros do time depositam grande confiança no líder.

Usando as palavras de Thamhain (2003), podemos dizer que o coordenador do PROCANA éum arquiteto social que compreende a interação entre as variáveis organizacionais e comportamen-tais e possui a capacidade de garantir a boa performance das atividades de pesquisa, fornecendo osrecursos necessários e dando visibilidade ao trabalho executado.

Barczak e Wilemon (2003) colocam que equipes de desenvolvimento de novos produtos têmmais chance de obterem sucesso se os seus membros possuírem as habilidades certas, que incluemcapacitação técnica, habilidades interpessoais e capacidade de trabalhar em grupo. Apesar da capa-citação técnica ser importante para a solução de problemas relacionados à pesquisa, Henke et al.(1993) argumentam que as habilidades interpessoais são ainda mais importantes, pois permitem

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que o time funcione efetivamente, o que facilita a execução das tarefas. Como o coordenador doPROCANA explicou e nós pudemos observar durante as reuniões do grupo, os pesquisadores doprograma possuem algumas características em comum: grande capacitação científico-tecnológica,disposição de partilhar conhecimentos e de aprender coletivamente, disposição de viajar sempreque necessário, facilidade de se comunicar com técnicos e agrônomos das empresas, motivação pa-ra aprender novos assuntos relacionados à cultura canavieira e entusiasmo com o programa. Um pes-quisador sem essas características teria dificuldade em permanecer no programa.

Então, as capacidades, não só técnicas mas também interpessoais, dos pesquisadores e docoordenador do PROCANA têm grande influência nos resultados alcançados por este programa.

Organização em rede

Além dos pesquisadores do IAC, é importante analisar também as parcerias estabelecidascom as usinas de cana para compreendermos a forma dinâmica em que o PROCANA é organizado.

Como já foi explicado, a execução e o financiamento do PROCANA dependem considera-velmente das parcerias com os usuários das variedades. Então, a organização em rede é uma estra-tégia que garante a sobrevivência do programa.

Entretanto, o estabelecimento das ligações, da confiança e da comunicação eficiente entre osparceiros que iniciam uma cooperação não é um processo natural e simples. Para que possa haveruma boa comunicação e trocas de conhecimentos entre indivíduos da mesma organização e, princi-palmente, de diferentes organizações, é preciso criar uma homogeneização da linguagem, dos obje-tivos, da visão de mundo, etc. Segundo Nonaka e Takeuchi (1997), o obstáculo que impede a com-preensão mútua entre pessoas de diferentes culturas e organizações não é apenas a barreira da lin-guagem, mas sim as diferenças nos valores, nas visões de mundo e nas abordagens aos problemas.Por isso, é preciso propiciar um compartilhamento de experiências e visões de mundo (conheci-mentos tácitos) entre os parceiros para que se possa desenvolver a compreensão e confiança mú-tuas ou, em outras palavras, para que se crie o capital social (Kingsley & Melkers, 1999).

Na criação das ligações dentro do PROCANA, a primeira fase é de homogeneização da lin-guagem dos atores. Com o intuito de promover a boa comunicação, a estratégia encontrada poreste programa foi começar as parcerias oferecendo um treinamento às usinas.

Então, a primeira fase de interação com as usinas conveniadas é o Treinamento PROCANA,que promove a homogeneização inicial entre os participantes através da troca de idéias e experiên-cias e promove também a “homogeneização técnica” através da transferência de conhecimentoscodificados (manuais sobre como fazer os ensaios, informações técnicas, quais observações devemser feitas, métodos utilizados). Essa transferência capacita os agrônomos das usinas a absorveremmais informações e a participarem mais ativamente do processo de geração de novas variedades,dando opiniões e feedbacks do usuário.

Os treinamentos PROCANA também são uma oportunidade para se debater conceitos deprodução e para redirecionar os projetos futuros de melhoramento genético da cana, isto é, com-

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partilhar visões de mundo e construir coletivamente um cenário para o futuro. Então, uma funçãoimportante do treinamento foi o esclarecimento das expectativas e necessidades das usinas, asquais direcionam o programa de melhoramento e expressam demandas por novos serviços.

A homogeneização propiciada pelo treinamento cria um ambiente fértil para o aperfeiçoa-mento do trabalho do PROCANA. Além disso, os pesquisadores do IAC, como especialistas, aju-dam as usinas a resolverem os problemas enfrentados no dia a dia da cultura.

Neste aspecto, é importante ressaltar que as habilidades interpessoais do coordenador doprograma e dos membros da equipe têm um papel essencial na criação de um clima de cooperaçãoe de participação ativa por parte das usinas.

Seguindo a mesma estratégia de estabelecer parcerias, o coordenador do PROCANA come-çou uma cooperação com uma universidade (UNESP) para criarem normas e conceitos para avaliara qualidade dos ensaios nas usinas e a qualidade dos dados gerados por estes. A partir de tal avalia-ção, foi possível racionalizar o acompanhamento das usinas para ajudá-las a atingir melhores pa-drões na sua experimentação, o que deu informações mais acuradas para o IAC.

Graças a estes esforços, a qualidade dos ensaios melhorou muito desde o início do progra-ma, o que melhorou a performance da pesquisa do PROCANA.

A mobilidade geográfica dos pesquisadores

A rigidez espacial e temporal imposta pela necessidade de observar a interação planta/ambi-ente em diferentes condições ambientais faz com que o desenvolvimento de inovações na agricul-tura seja extremamente lento. No caso do desenvolvimento de variedades de cana-de-açúcar, nor-malmente leva-se doze anos para a obtenção de uma nova variedade.

No treinamento PROCANA, há uma transferência dos conceitos básicos para se montar econduzir um ensaio. Mas os agrônomos das usinas não têm experiência com instalação de experi-mentos, então é preciso que os pesquisadores do IAC acompanhem muitas vezes a montagem dosensaios, as coletas de dados e os cortes em cada usina.

A estratégia empregada no PROCANA para lidar com essa grande dispersão geográfica dosexperimentos e para encurtar o tempo de desenvolvimento de variedades foi a movimentação cons-tante dos pesquisadores (o humanware) entre os diversos locais onde estão sendo conduzidos testescom as plantas. Através desta mobilidade, o conhecimento tácito incorporado nos pesquisadorescircula entre as diversas estações experimentais e usinas permitindo que a seleção das plantas sejafeita num mesmo período em muitas regiões.

Esse deslocamento constante dos pesquisadores pode ser considerado uma inovação organi-zacional do PROCANA, a qual reduziu o tempo de desenvolvimento de novas variedades de dozepara oito anos e aumentou a mobilidade espacial da difusão da inovação. Isto porque as plantas sãotestadas em vários lugares ao mesmo tempo, então, quando uma variedade é selecionada, já existeum conhecimento acumulado sobre o seu comportamento em todas as regiões do Estado de SãoPaulo, dando a ela a capacidade de se difundir por uma área muito mais ampla.

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Software CAIANA

O CAIANA é um software que sistematiza todas as informações sobre os ensaios do PRO-CANA, ou seja, ele armazena e organiza dados sobre o desempenho de todos os clones IAC emtodos os experimentos do PROCANA nas estações experimentais e nas usinas. O software tambémconfecciona relatórios com diversos tipos de análises estatísticas e comparações entre clones. Taisrelatórios ajudam os pesquisadores a visualizarem melhor o desempenho das plantas e apresentamde forma organizada os resultados da pesquisa para as usinas.

E como o programa desenvolveu essa nova ferramenta gerencial? A equipe do PROCANAtinha dificuldade em sistematizar todos os dados obtidos nos experimentos e testes com as plantas.Eles precisavam produzir um relatório anual sobre o desempenho das plantas para cada usina con-veniada, mas devido ao excesso de tarefas os dados iam se acumulando e os pesquisadores demo-ravam para sistematizá-los. O coordenador do PROCANA nomeou um gerente dessa área de sis-tematização dos dados, o qual tinha a responsabilidade de cobrar a entrega dos dados pelos pesqui-sadores e de agilizar a elaboração dos relatórios. Mas ainda não conseguiam ser rápidos e eficien-tes, então, como solução, pensaram em criar um software para organizar os dados.

Em 2002, o PROCANA contratou um consultor para fazer o desenvolvimento do software.Num prazo de quatro meses, o consultor criou uma primeira versão do software, que foi chamadoCAIANA. Esta foi apresentada ao coordenador do PROCANA e ao gerente de sistematização, quecomeçaram a utilizá-la (learning by using). Foram sugerindo várias mudanças e aperfeiçoamentosno software que iriam ao encontro das suas necessidades.

Atualmente, os relatórios são feitos em questão de minutos e com qualidade muito superiore com maior riqueza de análises do que antes do software.

É importante observar que o CAIANA é uma ferramenta (conhecimento codificado) que dásuporte ao know-how dos pesquisadores, pois eles conseguem enxergar e comparar as variedades esuas interações com o ambiente em detalhes que lhes escapavam antes. Por esta razão, essa ferra-menta aprofunda a capacitação C&T do programa. A capacitação organizacional também é apro-fundada com o CAIANA, pois o gerenciamento do programa agora é feito de forma mais rápida eeficiente e, além disso, os relatórios são entregues com muito mais rapidez às usinas, o que con-tribui para a reputação do PROCANA. Esses relatórios, que são muito detalhados e com váriasanálises estatísticas, contribuem para a melhoria da qualidade dos experimentos, pois fornecemparâmetros de qualidade que os pesquisadores e as usinas não possuíam antes.

Conclusão

Esse artigo mostrou que o PROCANA iniciou uma nova maneira de organizar a pesquisa,que rompeu com o modelo tradicional que imperava no IAC.

Este programa criou um estilo de organização flexível e dinâmico, que é mais apropriado

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para responder à redução do financiamento estatal, à dispersão geográfica necessária à pesquisaagrícola e às necessidades dos usuários.

Essa nova maneira de organizar e gerenciar o programa foi criada de modo intuitivo eempírico, baseado nas habilidades do coordenador do PROCANA e de alguns pesquisadores.Quando surgiam obstáculos e problemas, o líder e a equipe participavam na busca de soluções cria-tivas, e assim foram criadas as inovações organizacionais.

Durante a execução e a gestão do programa, foram criadas cinco inovações organizacionais:a equipe inter-disciplinar e horizontal (não-hierárquica); a criação de parcerias com usuários, CO-PERSUCAR e UNESP (organização em rede); a execução da pesquisa de maneira espacialmentedifusa; os constantes deslocamentos dos pesquisadores e o sistema de gerenciamento de infor-mações (software CAIANA).

Ressalta-se que dois fatores muito importantes para a boa performance do programa foramas capacitações técnicas e as habilidades interpessoais tanto do líder quanto dos membros da equi-pe do PROCANA.

As inovações organizacionais foram responsáveis por importantes resultados alcançadospelo programa: i) redução no tempo de desenvolvimento de novas variedades de cana; ii) amplia-ção do escopo geográfico no qual a inovação é difundida; iii) aumento na eficiência da pesquisa ena qualidade dos experimentos; iv) geração de variedades mais adaptadas às necessidades dosusuários; v) aprofundamento das capacitações dos pesquisadores e vi) aumento da reputação e visi-bilidade do programa.

Com o estudo da organização e gestão do PROCANA, este artigo contribuiu para o entendi-mento de como um programa de pesquisa brasileiro conseguiu se adaptar ao novo ambiente da pro-dução científica e tecnológica e, ao mesmo tempo, criar uma forma muito eficiente de organizar apesquisa. As inovações organizacionais e as características dos pesquisadores da equipe reveladasneste trabalho podem indicar um caminho a ser seguido por outros programas de pesquisa agrícolapara que eles também consigam se adaptar ao novo ambiente da pesquisa científica e tecnológica.

Referências

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Hasegawa & Furtado

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Abstract. Throughout the Western world, the provision of public good science research has under-gone dramatic reforms over the past two decades (Simpson, 2003).In the aftermath of these reforms, we ask how they take place in Brazil, how the Brazilian R&Dprograms are affected by these reforms and which style of R&D organization emerges from it. Ourpurpose in this paper is to empirically investigate it, by using a case study. So, the specific objectiveof this paper is to analyse the organizational innovations created by a Brazilian public research pro-gram – the IAC’s Sugarcane Breeding Program (PROCANA) – in order to face these reforms,overcome limits of the agricultural research, give more efficiency to the research, and generateproducts better adapted to the needs of the users.Key words: Organization of R&D programs, innovation management.

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As inovações organizacionais do PROCANA

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Resumo. Nos últimos anos tem ganho expressão nos estudos organizacionais uma nova correntedenominada “estudos organizacionais positivos”. Esta, projecta sobre as organizações um olharpositivo, focando o que está bem e pode ser melhorado, em vez de se basear no modelo da “doen-ça”, que se centra sobre o que está mal e tem de ser mudado. Este artigo faz uma defesa da linhapositiva e dos seus possíveis impactos no comportamento organizacional e na gestão. Palavras-chave: Organizações, organizações positivas, psicologia positiva.

Este texto antecipa, no essencial, parte do capítulo introdutório de Organizações Positivas,um trabalho a editar proximamente e que procura apresentar os contornos dos estudos organiza-cionais positivos. A decisão de escrever um livro sobre “organizações positivas”, baseado nosprincípios dos emergentes estudos organizacionais positivos, pode parecer estranha numa épocaem que as pessoas trabalham frequentemente “à beira de um ataque de nervos”, em que a pressãopara os resultados se sobrepõe aparentemente a tudo o resto, em que a literatura disseca os “peca-dos mortais” dos gestores (Ellis & Tissen, 2003) e na qual uma parte significativa (44%) dos tra-balhadores portugueses qualificados se dizem insatisfeitos com o presente empregador ou com agestão da empresa1. Apesar disso, decidimos concretizar esta tentativa de reenquadramento pela

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COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL E GESTÃO, 2005, VOL. 11, N.º 1, 111-114

Organizações: Uma perspectiva positiva

Miguel Pina e CunhaFaculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa

Arménio RegoUniversidade de Aveiro

Rita Campos e CunhaFaculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa

Endereço: Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa, Marquês de Fronteira, 20, 1099-038 Lisboa, Por-tugal.

1 Os dados são da Hay, in Eiras (2004).

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positiva dos fenómenos organizacionais, um tema que também temos abordado no campo empírico(e.g., Cunha, 2004; Rego & Souto, 2004; Cunha, Cunha & Rego, 2005a, 2005b).

A abordagem científica dos estudos organizacionais positivos deve ser cautelosamente dis-tinguida da sua tradução popular na ideologia simplista do pensamento positivo. Também nósacreditamos nas virtudes da psicologia positiva, mas não na ideia de que “pensar positivo” é fácil esuficiente. Gerir positivamente exige esforço, conhecimento, trabalho e competência. O “pensa-mento positivo” não apaga os problemas, pode é mudar a forma como eles são encarados. O “posi-tivismo organizacional” deve ser encarado sem ilusões de facilidade nem receitas mágicas; ancora-do na produção académica teórica e empírica mas não sendo cego à possibilidade de, em mãos me-nos escrupulosas, poder ser usado de forma manipulatória. Donde, por exemplo, a mistura defascínio e medo com que são olhadas as organizações que, através de abordagens aparentementepositivas, conseguem um envolvimento profundo dos seus trabalhadores, gerando suspeitas de ma-nipulação psicológica ou mesmo “lavagem cerebral” (Pratt, 2000; Taylor, 2004).

Da mesma forma que deve ser evitada a facilidade ilusória do “pensamento positivo” atravésda ancoragem na produção académica, deve ser evitado o efeito inverso, o qual se caracteriza portomar o “realismo”, particularmente no domínio do trabalho, como incompatível com a ingenui-dade e as boas intenções dos estudos positivos. Por outras palavras, uma abordagem positiva não énecessariamente menos relevante ou menos científica que uma abordagem “negativa” (Cameron &Caza, 2004).

A “positividade” organizacional tem na sua base a interacção humana. No dia a dia, algumasinteracções são positivas, outras são negativas. Algumas ajudam a resolver problemas, revelamconsideração e criam um clima interpessoal respeitoso. Outras amarfanham, revelam desconside-ração, dão origem a sentimentos negativos, intoxicam o ambiente. O objectivo dos estudos organi-zacionais positivos deverá ser o de compreender as causas destes diferentes tipos de interacções;isto é, procurar distinguir organizações positivas e negativas, considerando não apenas a “grandeliderança” ou as decisões estratégicas, mas as interacções quotidianas. Focalizando a vertente com-portamental da gestão e não apenas o seu lado técnico. Com esta escolha não pretendemos signi-ficar que o lado técnico é menos importante que o comportamental. A nossa intenção é, antes, a dedefender que a competência técnica de um gestor não substitui a necessidade de sólidas competên-cias interpessoais. As competências interpessoais são importantes não apenas para a relação directadas chefias com os subordinados, mas também para a criação de um feixe de interacções positivaspor toda a organização.

Tomando o gestor como um criador de energia organizacional, pode verificar-se que algunsgestores criam mais energia que outros. Dos mais energéticos, alguns criam “energia negativa” queos seus colaboradores transmitirão ao longo da organização. Outros geram ambientes de exaltaçãopositiva. Talvez assim se possa compreender, por exemplo, porque razão um trabalhador pode serdescortês ao passo que outro ajuda de forma diligente a resolver problemas dos colegas, mesmo sa-bendo que isso não lhe trará ganho material de qualquer espécie.

Por fim mas não por último, estimulou-nos a evidência empírica que revela a existência deuma associação entre a actuação organizacional positiva e o desempenho organizacional (Came-

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Cunha, Rego, & Cunha

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ron, Bright, & Caza, 2004; Seligman, 2003). Ou seja, a virtuosidade pode compensar mesmo nummundo dominado pela hiper-competição. É importante notar que a virtuosidade organizacional éinseparável da virtuosidade individual. Embora o comportamento individual seja por vezes consi-derado negligenciável, a prática mostra que o comportamento individual tem impacto. O impactoda acção de um único indivíduo pode aliás ser suficiente para provocar o colapso de uma organiza-ção, como o demonstra o caso extremo do Barings Bank, uma das instituições financeiras mais an-tigas de Inglaterra.

Os estudos organizacionais positivos deverão dedicar-se, em suma, ao estudo das “pequenascoisas” que muitas vezes fazem a diferença entre as boas e as más organizações do ponto de vistahumano mas também económico. Aceitamos que a excelência pode ser mundana e que resulta daconfluência de dezenas de pequenas destrezas e competências interiorizadas pela prática e que searticulam de forma harmoniosa. Como referia Chambliss, a propósito desta excelência mundanaem campeões olímpicos: «Não há nada de extraordinário ou de sobre-humano em nenhuma destasacções; apenas o facto de serem feitas consistente e correctamente e de, todas juntas, produziremexcelência» (Weick & Browning, 1991, p. 14). Ou seja, são as pequenas coisas que conduzem àexcelência. Adoptamos uma posição optimista – porventura ingénua para o julgamento de algunsleitores – que é pouco frequente na literatura da gestão, na qual algumas importantes teorias têmum pendor claramente pessimista sobre a natureza humana. As teorias da agência e dos custos detransacção, por exemplo, oferecem bons exemplos da descrição do comportamento humano comomotivado pelo auto-interesse, aproveitador das assimetrias de informação, intrinsecamente oportu-nista e ardilosa. Esta concepção não é a priori necessariamente verdadeira mas pode criar a própriarealidade, tornando-se verdadeira pela prática (Ferraro et al., 2005). Algumas pessoas actuamcomo “anjos” (Giovagnoli, 1999), purificando o ambiente à sua volta, em vez de espalharem con-flitualidade e maus fígados. Correspondem deste modo à necessidade biológica de amor dos sereshumanos (Servan-Schreiber, 2003). Organizações positivas, profundamente competentes numaperspectiva competitiva, podem ser também marcadas por um forte sentimento de comunidade.

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Abstract. “Positive organizational studies” is a new stream in organizational research. Or-ganizations are viewed as positive systems, therefore one focuses more on what is good and whatcan get better than on what is bad and hence needs to be changed. In this paper, the positive pers-pective of organizations is introduced and its major advantages and impacts on management andorganizational behaviour are briefly outlined.Key words: Organizations, positive organizations, positive psychology.

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Cunha, Rego, & Cunha