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ABC da Relatividade" é um guia primoroso, para leitores não-iniciados em matemática e física, das teorias da relatividade especial e geral de Albert Einstein.
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ABC da RELATIVIDADE
ABC da Relatividade1 Reviso: 28.01.2005 2 Reviso: 15.02.20053 Reviso: 23.02.2005Prod.: Textos & FormasCliente: Ed. Zahar
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BERTRAND RUSSELL
ABC da RELATIVIDADE
Traduo:MARIA LUIZA X. DE A. BORGES
Reviso tcnica:ALEXANDRE CHERMAN
Fundao Planetrio do Rio de Janeiro
ABC da Relatividade1 Reviso: 28.01.2005 2 Reviso: 15.02.20053 Reviso: 23.02.2005Prod.: Textos & FormasCliente: Ed. Zahar
Ttulo original:ABC of Relativity
Traduo autorizada da edio inglesa originalmentepublicada por George Allen & Unwin.
Esta edio publicada com autorizao de Taylor & Francis Books.
Copyright 1958, 1969, 1985, Bertrand Russell Peace Foundation
Copyright 1997, Peter Clark, Introduo
Copyright da edio brasileira 2005:Jorge Zahar Editor Ltda.rua Mxico 31 sobreloja
20031-144 Rio de Janeiro, RJtel.: (21) 2108-0808 / fax: (21) 2108-0800
Todos os direitos reservados.A reproduo no autorizada desta publicao, no todo
ou em parte, constitui violao de direitos autorais. (Lei 9.610/98)
Grafia atualizada respeitando o novoAcordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa
Capa: Miriam Lerner
ABC da Relatividade1 Reviso: 28.01.2005 2 Reviso: 15.02.20053 Reviso: 23.02.2005Prod.: Textos & FormasCliente: Ed. Zahar
Russell, Bertrand, 1872-1970R925a ABC da relatividade / Bertrand Russell; traduo,
Maria Luiza X. de A. Borges; reviso tcnica, AlexandreCherman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005
Traduo de: ABC of relativityISBN 978-85-7110-837-0
1. Relatividade (Fsica). I. Ttulo.
CDD: 530.1105-0435 CDU: 530.12
CIP-Brasil. Catalogao na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
Sumrio
Prefcio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1 * Tato e viso: a Terra e o cu . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2 * O que acontece e o que observado . . . . . . . . . 29
3 * A velocidade da luz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
4 * Relgios e rguas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
5 * Espao-tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
6 * A teoria da relatividade especial . . . . . . . . . . . . 67
7 * Intervalos no espao-tempo . . . . . . . . . . . . . . . . 80
8 * A lei da gravitao de Einstein . . . . . . . . . . . . . . 93
9 * Provas da lei da gravitao de Einstein . . . . . . . 106
10 * Massa, momento, energia e ao . . . . . . . . . . . . 115
11 * O universo em expanso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
12 * Convenes e leis naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
13 * A abolio da fora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
14 * O que matria? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
15 * Consequncias filosficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
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Prefcio
A primeira edio deste livro foi lanada em 1925. Os princpios
bsicos da relatividade no mudaram desde ento, mas tanto a
teoria quanto suas aplicaes foram muito ampliadas, e foi preci-
so fazer alguma reviso para a segunda edio e as subsequentes.
Para a segunda e a terceira edies, fiz essa reviso com a aprova-
o de Bertrand Russell. A alterao mais substancial consistiu em
reescrever o captulo 11 para incorporar a expanso do universo,
estabelecida no final da dcada de 1920.
Russell morreu em 1970. Revises adicionais feitas em 1985
para a quarta edio, da qual esta uma reimpresso inalterada,
foram de minha inteira responsabilidade. Alterei novamente v-
rias passagens para p-las de acordo com o conhecimento atual.
No me atrevi a interferir na substncia dos dois ltimos captu-
los, cujo carter muito menos fsico do que filosfico.
FELIX PIRANI, 2002
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Introduo
Sem dvida um raro tributo extraordinria capacidade de Rus-
sell como expositor, e a seu talento literrio, que uma introduo
no matemtica escrita h mais de 70 anos para uma teoria fsica
de importncia capital, e na poca absolutamente revolucionria,
ainda constitua um guia preciso. O claro contraste existente, em
matria de estilo e apresentao, entre este excelente livro e a escri-
ta alvoroada e sensacionalista que costuma caracterizar atual-
mente as obras de divulgao cientfica tambm d margem a
reflexo. Todo leitor do livro de Russell, ignoramus ou cognoscenti,
se deliciar com o bom humor, a prosa transparente e espirituosa
do livro, e ter uma perfeita compreenso dos princpios fsicos
bsicos que esto no cerne da teoria da relatividade. Em seu car-
ter de introduo no matemtica, esta obra tem agora exata-
mente o mesmo valor que tinha ao ser publicada pela primeira vez
em 1925.
Em sua autobiografia (The Autobiography of Bertrand Russell,
vol. II, 1914-1944, Londres, Allen & Unwin, 1968, p. 152), Russell
comenta que seu objetivo ao escrever este livro, o anlogo The
ABC of Atoms (Londres, Kegan Paul, 1923) e What I Believe (Lon-
dres, Kegan Paul, 1925) foi ganhar dinheiro. Mas se o segundo
desses volumes foi superado pelos desenvolvimentos da fsica
quntica em particular a elaborao da nova teoria quntica
aps 1925 , a primeira exposio resistiu em grande parte ao
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teste do tempo, apesar dos considerveis avanos realizados na re-
latividade e na cosmologia.
Russell havia voltado da China em setembro de 1921 e no es-
tava ocupando nenhum cargo acadmico. Ele conta que, apesar de
ter ganho um bom dinheiro com seus livros ABC, continuou bas-
tante pobre at 1926, quando prosperou financeiramente com a
publicao de um livro sobre educao. digno de nota o monu-
mental volume de textos que conseguiu produzir na dcada de
1920. Entre eles estiveram trs importantes contribuies lgica
e filosofia, uma nova edio de Principia Mathematica em 1925,
e duas obras importantes, The Analysis of Mind (Londres, Allen &
Unwin, 1921) e The Analysis of Matter (Londres, Kegan Paul,
Trench, Trobner & Co., 1927). Parte deste ltimo volume formou
as Tarner Lectures feitas no Trinity College, Cambridge, em 1926.
Essas conferncias, que foram dedicadas epistemologia da nova
fsica, incluram uma elegante anlise lgica e estrutural da teoria
da relatividade e sua relao com a geometria pura e aplicada, sen-
do que duas delas versaram sobre os fundamentos da teoria qun-
tica, tal como ento compreendidos. A tudo isso se somaram
livros sobre os mais variados assuntos, como a China, a felicidade,
o casamento e o futuro da sociedade e da cincia.
Essa foi claramente uma fase em que o pensamento de Russell
esteve dominado por temas sociais e pela necessidade de difundir
e popularizar o conhecimento de modo a sanar o que lhe parecia
uma irracionalidade profundamente arraigada, nascida da igno-
rncia e da falta de oportunidade educacional, que se manifestara
no entusiasmo com que as populaes da Europa haviam partici-
pado na ascenso do nacionalismo e da Primeira Guerra Mundial.
Foi sem dvida um perodo herico na vida de Russell, no qual ele
acreditou sinceramente que o preconceito de tipo cego e irrefleti-
do a seu ver fundamentalmente responsvel pelos horrores da
Primeira Guerra Mundial poderia ser transcendido pela disse-
10 ABC da relatividade
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minao do conhecimento e o exerccio da capacidade de ra-
ciocnio crtico por todas as classes da sociedade. Sua enorme
produo nesse perodo teve por objetivo pr ao alcance de todos,
tanto quanto possvel, a liberdade de pensamento e ao que o co-
nhecimento e a cultura proporcionam. Essa atitude iluminista
certamente impregna ABC da relatividade.
Embora seja sem dvida uma obra-prima da exposio de
ideias, este livro contm dois aspectos que podem levar o leitor de-
savisado a enganos. O primeiro diz respeito a qual , fundamen-
talmente, o objeto o domnio de discurso da relatividade
especial, e o segundo est ligado transio da teoria especial para
a geral. Ao longo de toda a sua discusso da teoria especial, Russell
refere-se ao observador e, para explicitar a diferena entre o re-
ferencial newtoniano clssico e a teoria especial, mostra que as re-
laes-chave de simultaneidade, comprimento, tempo e ordem
temporal, considerados absolutos no referencial clssico, depen-
dem do observador na teoria especial.
Assim, ao falar da ordem temporal dos eventos, Russell diz:
A ordem temporal dos eventos em parte dependente do obser-
vador; no sempre e inteiramente uma relao intrnseca entre
os prprios eventos (p.49). Ora, isso poderia dar a impresso de
que a teoria especial diz respeito a intervalos temporais observa-
dos, magnitudes espaciais medidas, simultaneidade observada, r-
guas e relgios rgidos reais etc. Mas isso no verdade.
A relatividade especial uma teoria do espao-tempo, uma
teoria essencialmente cinemtica acerca dos eventos e das relaes
espaciais e temporais entre eles exatamente como a teoria de
Newton , e, como tal, nada tem a ver com observadores. O fato
de ela no fazer nenhuma afirmao a respeito de observadores, ou
da natureza ou constituio deles, uma evidncia disso. Na feliz
expresso de Russell, seu domnio o que acontece, no o que
observado. claro que, ao fazer afirmaes sobre o que acontece,
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Introduo 11
ela pode de fato, como qualquer teoria cinemtica (por exemplo, a
de Galileu, que substituiu), suscitar previses sobre eventos e seus
arranjos espao-temporais quando considerados juntamente com
descries de situaes experimentais. Em suma, poder ser posta
prova contra a experincia, mas isso no faz dela uma teoria sobre
intervalos espao-temporais observados entre eventos.
Este um ponto importante, porque pr a teoria na depen-
dncia do observador pode sugerir que ela diz respeito a medies
ou operaes que podemos efetuar com rguas e relgios absolu-
tos. Poderia ainda sugerir que o universo est envolvido numa
conspirao para esconder fatos espao-temporais reais, dando-
nos acesso apenas a relaes espao-temporais fisicamente verifi-
cveis, a saber, aquelas descritas pela teoria especial. Nada poderia
estar mais longe da verdade, e nada est realmente mais distante
das intenes de Russell em sua exposio. No incio ele deixa cla-
ro que [a teoria da relatividade] est inteiramente empenhada
em excluir o que relativo e chegar a uma formulao das leis fsi-
cas que no dependa de maneira alguma das circunstncias do
observador (p.29). A maneira mais fcil de evitar a armadilha da
dependncia com relao ao observador substituir essa noo
pela de dependncia para com o sistema de referncia e observar
que a relatividade especial torna as relaes de simultaneidade,
durao e intervalo espacial dependentes do referencial.
Aps chamar a ateno para o risco de impingir uma inter-
pretao teoria especial, convm alertar igualmente para um ou-
tro, que consiste em afirmar que ela prova a teoria causal do
espao-tempo. Como se sabe, Leibniz afirmou que espao e tem-
po deveriam ser vistos no como substncias, mas como relaes,
sendo constitudos pelas relaes causais entre eventos. Assim,
por exemplo, poderamos pensar em um instante do tempo como
o conjunto de todos os eventos coexistentes. Tome portanto um
evento que ocorreu no instante t, e considere que t o conjunto de
12 ABC da relatividade
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todos os eventos simultneos a este. Nessa viso, dois eventos so
simultneos se no puderem ser ligados por nenhum tipo de sinal
causal, seja qual for a velocidade com que este se propague. Na
verdade, Leibniz sustentou que, como no h limite superior para
a velocidade de propagao de sinais causais, a relao de simulta-
neidade assim compreendida asseguraria que instantes temporais
tal como definidos acima no poderiam se sobrepor (a relao de
simultaneidade seria transitiva) e se comportariam exatamente
da maneira exigida pela teoria do tempo absoluto de Newton.
Contudo, como no h nenhuma argumentao igualmente cris-
talina em defesa do espao absoluto, o projeto de construir a geo-
metria do espao e tempo clssicos a partir de relaes causais
subjacentes nunca pde ser levado a cabo com sucesso.
Ora, como notavelmente salientou Russell (p.62), quando
A.A.Robb trabalhava em Cambridge, em 1914, ele publicou A
Theory of Space and Time (Cambridge, Cambridge University
Press, 1914) uma teoria causal para o espao-tempo relativsti-
co da qual decorre este extraordinrio teorema: a estrutura causal
do espao-tempo totalmente suficiente para gerar sua geometria
(no euclidiana). claro que na relatividade especial um novo
postulado sobre a simultaneidade se torna necessrio, em conse-
quncia direta da finitude da velocidade da luz e da afirmao
fundamental de que um sinal luminoso o mais rpido sinal cau-
sal, sendo a maior rapidez definida aqui em termos de viagem de
ida e volta. Por vezes, na literatura, essa consequncia do trabalho
de Robb tomada como prova da ideia leibniziana, mas essa afir-
mao transcende o contedo da relatividade especial, pois nada
nessa teoria nos compele a expressar a noo de simultaneidade
em termos de relaes causais.
possvel dizer que a relatividade especial coloca todas as re-
laes entre eventos na dependncia do referencial (isto , torna
tudo relativo)? Russell foi admiravelmente claro em sua resposta:
Introduo 13
ABC da Relatividade1 Reviso: 28.01.2005 2 Reviso: 15.02.20053 Reviso: 23.02.2005Prod.: Textos & FormasCliente: Ed. Zahar
no (p.63, 78). De certo modo ela to absoluta quanto o refe-
rencial clssico, mas o que independe do referencial diferente. O
referencial clssico usado na fsica, tal como veio a ser compreen-
dido no sculo XIX, era mais forte que aquele postulado pelo pr-
prio Newton. Baseava-se, na verdade, na argumentao de Kant
de que duas estruturas ontologicamente independentes espao
absoluto e tempo absoluto eram pressupostas pela prpria
possibilidade de experincia objetiva, e portanto pela existncia
da fsica como cincia. Esta foi a resposta de Kant questo for-
mulada pelo ataque ctico de Hume ideia de que podemos ter
conhecimento indutivo das leis da natureza. Foi a resposta de
Kant questo epistemolgica fundamental: Como a cincia na-
tural possvel? (Prolegmenos a toda metafsica futura,
1783). Kant sustentou ainda que os estudos fsicos tinham o pres-
suposto de que a geometria da estrutura formada tomando-se
conjuntamente as duas entidades independentes espao e tem-
po absolutos era euclidiana. Isso significa simplesmente que
podemos calcular a distncia espacial entre eventos distantes
usando o teorema de Pitgoras, e calcular sua separao temporal
subtraindo as coordenadas temporais absolutas (p.84-93).
Ora, a relatividade especial simplesmente substitui o espao
absoluto e o tempo absoluto por um outro absoluto, a saber, a
classe dos referenciais inerciais (isto , sistemas de referncia ou
diagramas de espao-tempo que no esto eles prprios sujeitos
ao de foras). Pelo princpio fundamental da relatividade, as leis
da natureza devem ter a mesma forma em todos os elementos des-
sa classe. Surge ento de imediato a questo: que formas devem ter
as transformaes que partem das coordenadas de um evento
em um elemento da classe e do as coordenadas do mesmo even-
to em qualquer outro elemento da classe para que as leis da na-
tureza tenham uma forma invariante em todo referencial inercial?
Mas aqui surgiu uma dificuldade fundamental.
ABC da Relatividade1 Reviso: 28.01.2005 2 Reviso: 15.02.20053 Reviso: 23.02.2005Prod.: Textos & FormasCliente: Ed. Zahar
14 ABC da relatividade
As leis da mecnica newtoniana so invariantes no sentidoexigido quando esto em jogo as transformaes galileanas pa-dro. Mas as leis do eletromagnetismo no so invariantes sob es-sas transformaes: s permanecem invariantes em referenciaisinerciais se for empregado um conjunto inteiramente distinto detransformaes. As transformaes fisicamente mais importantesnesse conjunto so as de Lorentz. Foi necessria a extraordinriaacuidade de Einstein para compreender que as leis mais funda-mentais eram as eletromagnticas, no as da mecnica, e que por-tanto as transformaes de Lorentz eram as corretas. Toda arelatividade especial, como Russell observa com acerto (p.81-3),decorre da investigao de quais propriedades a cinemtica e amecnica devem ter (como elas devem ser reescritas) se as trans-formaes de Lorentz forem vlidas. O carter absoluto da classedos referenciais inerciais juntamente com as transformaes deLorentz nos obrigam a submeter o modo como concebemos a es-trutura do espao-tempo a uma reviso fundamental.
A mais notvel das correes a fazer admitir que espao etempo no so mais ontologicamente independentes, no podemser compreendidos como entidades separadas, devendo ser consi-derados como uma nica entidade, o espao-tempo, cuja geome-tria no pode ser euclidiana, ou seja, a separao de eventosdistintos no espao-tempo no dada pelo teorema de Pitgoras(p.84-93). Ademais, em consequncia das transformaes de Lo-rentz, essa separao no espao-tempo uma invariante, umagrandeza independente do referencial, e isso que induz o fe-nmeno, primeira vista estranho, da dilatao do tempo e dacontrao do comprimento, bem como o da dependncia dasimultaneidade em relao ao referencial. Enquanto os compo-nentes da separao no espao-tempo que correspondem ao com-primento e separao temporal podem variar entre os membrosda classe dos referenciais inerciais, a completa expresso da sepa-rao no espao-tempo no pode.
Introduo 15
ABC da Relatividade1 Reviso: 28.01.2005 2 Reviso: 15.02.20053 Reviso: 23.02.2005Prod.: Textos & FormasCliente: Ed. Zahar
Esse carter absoluto essencial na teoria, porque ele que
impede a derivao de pretensas contradies, como o paradoxo
dos gmeos. uma consequncia imediata das transformaes de
Lorentz que relgios em movimento funcionam devagar. Se-
gue-se que, se um membro de um par de gmeos parte em viagem,
digamos para Pluto, enquanto seu irmo permanece na Terra, o
gmeo que viaja envelhecer menos que o irmo que permanece
na Terra. Mas do ponto de vista do irmo que est no foguete, da-
dos o princpio da relatividade de todo movimento uniforme e a
natureza recproca da dilatao do tempo, no poderamos tratar
o gmeo que fica na Terra como se tivesse feito a viagem e retorna-
do ao foguete estacionrio? Nesse caso seriam os relgios na
Terra que estariam se movendo, e, como funcionariam devagar,
poderamos inferir que o gmeo na Terra estaria mais jovem que o
irmo. Teramos inferido portanto, dada a natureza recproca da
dilatao do tempo, que cada um dos gmeos estaria mais jovem
que o outro, o que impossvel. Mas dada a teoria, essa inferncia
invlida.
Um dos gmeos deve retornar ao ponto de partida da viagem,
portanto, um deles (o que se move) deve deixar a classe dos referen-
ciais inerciais quando inicia a viagem de volta, mesmo que o faa
instantaneamente. Somente um dos gmeos faz isso. Em razo do
carter absoluto da classe dos referenciais inerciais, toda simetria
entre as viagens dos gmeos quebrada (um e somente um gmeo
pode completar a viagem inteiramente dentro da classe dos refe-
renciais inerciais de fato aquele que permanece em casa, no refe-
rencial fixo da Terra); portanto, por causa da quebra da simetria,
no h nenhuma reciprocidade, e da no decorre nenhum parado-
xo. Isso simplesmente um reflexo do carter absoluto da classe dos
referenciais inerciais postulado pela relatividade especial.
O papel essencial que os sistemas de referncia inerciais de-
sempenham na teoria especial suscita a pergunta: que so referen-
16 ABC da relatividade
ABC da Relatividade1 Reviso: 28.01.2005 2 Reviso: 15.02.20053 Reviso: 23.02.2005Prod.: Textos & FormasCliente: Ed. Zahar
ciais inerciais (o que determina que um sistema de referncia
pertence ou no classe dos referenciais inerciais) e por que deve-
riam eles ter esse papel (por que a natureza os privilegia)? Foram
essas as perguntas que Einstein formulou e foram elas, juntamen-
te com o resultado fundamental a que a relatividade especial che-
gou no tocante igualdade de massa e energia (p.118-31), que
acabaram por conduzi-lo teoria geral da relatividade em 1916.
aqui talvez que a exposio de Russell da transio para a relativi-
dade geral, e da relatividade geral e da cosmologia em si, precisam
de uma pequena atualizao e suplementao.
O modo como Russell exps a relatividade foi fortemente in-
fluenciado pelo mais notvel relativista ingls de seu tempo, sir
Arthur Eddington, e em particular por sua obra clssica, The Ma-
thematical Theory of Relativity (Cambridge, Cambridge Univer-
sity Press, 1923). Esse livro d uma nfase particular aos aspectos
geomtricos da teoria geral, chegando quase a apresentar a teoria
fsica como conhecimento a priori. Essa abordagem que em
certa medida transferida para a exposio de Russell tende a
obscurecer as questes fsicas bsicas subjacentes teoria.
O primeiro problema geral, que diz respeito a como caracte-
rizar a noo de um sistema de referncia inercial e a como formu-
lar a lei da inrcia, j havia sido suscitado por Ernst Mach em
1872, em sua monografia seminal sobre a lei da conservao de
energia (The History and Root of the Principle of the Conservation
of Energy, Open Court, 1909). Nela, como se sabe, Mach defendeu
a ideia de que no era o movimento com relao ao espao absolu-
to que determinava as propriedades inerciais da matria, e sim o
movimento com relao distribuio da matria restante no
universo. Ele escreveu:
Obviamente no importa que pensemos que a Terra gira em torno de seu
eixo ou permanece em repouso enquanto os corpos celestes giram em tor-
no dela.... A lei da inrcia deve ser concebida de tal modo que exatamente a
Introduo 17
ABC da Relatividade1 Reviso: 28.01.2005 2 Reviso: 15.02.20053 Reviso: 23.02.2005Prod.: Textos & FormasCliente: Ed. Zahar
mesma coisa resulte quer da segunda ou da primeira suposio. Isso deixa-
r evidente que, na expresso dessa lei, preciso levar em conta as massas
do universo.
(p.76-7, nota 2)
De fato, Mach est sugerindo aqui que no h absolutamente
nenhum referencial fisicamente prefervel. Mas ele no fez muito
para indicar como esse achado poderia ser incorporado teoria
fsica.
Russell, porm, d grande destaque dificuldade de incorpo-
rar a gravitao teoria especial, porque a lei gravitacional de
Newton envolve em sua formulao a noo de distncia, que
dependente do referencial, o que d a impresso de que a prpria
lei dependente dele (p.94-5). Em si mesma, contudo, essa no
uma dificuldade fundamental tampouco difcil incorporar a
gravitao relatividade especial, como qualquer outra fora
(nem a teoria especial nem a geral exigem, como Russell parece
afirmar no captulo 13, a abolio da noo de fora). O verdadei-
ro problema provm da igualdade de massa e energia (E=mc2)
a mais revolucionria consequncia da relatividade especial. Pois
se um corpo em movimento tiver sua energia aumentada diga-
mos, quando aquecido , sua massa aumentar igualmente. Mas
se sua massa aumentar, segundo a lei de Newton, aumentar tam-
bm sua resposta ao campo gravitacional (sua massa gravitacio-
nal). Mas a quantidade de energia que um corpo ganha ao ser
aquecido depende de sua composio, e assim temos a conse-
quncia de que a maneira como um corpo responde ao campo
gravitacional depende de sua composio. No entanto, isso con-
tradiz o princpio-chave sobre a gravidade enunciado por Galileu
como um axioma: a saber, que todos os corpos respondem igual-
mente ao campo gravitacional, independentemente de sua compo-
sio. A teoria geral de Einstein consegue fornecer uma explicao
em que referenciais inerciais perdem seu status privilegiado e em
ABC da Relatividade1 Reviso: 28.01.2005 2 Reviso: 15.02.20053 Reviso: 23.02.2005Prod.: Textos & FormasCliente: Ed. Zahar
18 ABC da relatividade
que o princpio de equivalncia entre massa gravitacional e iner-
cial perde seu status axiomtico para se tornar uma consequncia
dedutiva direta da teoria.
de esperar que esta bela exposio no matemtica que
Russel faz da relatividade estimule o leitor a ampliar seu conheci-
mento da teoria e de suas aplicaes cosmologia. Ela certamente
habilitar o leitor a enfrentar a exposio que o prprio Einstein
faz em seu tratado The Meaning of Relativity (Princeton, Prince-
ton University Press, 1922). Uma excelente exposio no tcnica
da relatividade pode ser encontrada em Wesley C. Salmon, Space,
Time and Motion: A Philosophical Introduction (Encino: Dicken-
son Publishing, 1975), ao passo que o livro de Wolfgang Rindler,
Essential Relativity, Special, General and Cosmological (Berlim,
Springer-Verlag, 1977) fornece uma introduo muito boa, de ca-
rter mais matemtico, a todos os aspectos da teoria. Para os de in-
clinao filosfica, os livros de Lawrence Sklar, Space, Time and
Space-time (Berkeley, California University Press, 1974) e Roberto
Torretti, Relativity and Geometry (Oxford, Pergamon Press, 1983)
oferecem caminhos acessveis para as questes conceituais da teo-
ria da relatividade.
Russell foi talvez o mais importante pensador da Gr-Bre-
tanha no sculo XX; no pode haver melhor tributo a seus grandes
talentos como expositor e a suas importantes ideias tericas e so-
ciais que o fato de este livro, que ele escreveu para ganhar a vida,
ser editado mais uma vez. No melhor sentido, grande parte de sua
viso, de suas capacidades e do prazer que o conhecimento lhe
propiciava podem ser discernidos aqui.
PETER CLARK
The University of St. Andrews
Introduo 19
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* 1 *
Tato e viso: a Terra e o cu
Todos sabem que Einstein fez uma coisa assombrosa, mas muito
poucos sabem exatamente o que foi. Reconhece-se em geral que
ele revolucionou nossa concepo do mundo fsico, mas as novas
concepes esto embrulhadas em tecnicidades matemticas.
verdade que h inmeras exposies populares da teoria da relati-
vidade, mas em geral elas deixam de ser inteligveis exatamente no
ponto em que comeam a dizer alguma coisa importante. Certa-
mente a culpa no dos autores. Muitas das novas ideias podem
ser expressas numa linguagem no matemtica, mas isso no as
torna nem um pouco menos complicadas. O que se exige uma
mudana da imagem que temos do mundo imagem que foi
transmitida de gerao em gerao desde nossos ancestrais mais
remotos, talvez pr-humanos, e que todos assimilamos na primei-
ra infncia. Uma mudana em nossa imagem do mundo sempre
difcil, sobretudo quando j no somos jovens. O mesmo tipo de
mudana foi exigido por Coprnico, que ensinou que a Terra no
estacionria e o cu no gira em torno dela uma vez por dia. Para
ns, hoje, essa ideia no encerra nenhuma dificuldade, porque a
aprendemos antes que nossos hbitos mentais se fixassem. De ma-
neira semelhante, as ideias de Einstein parecero mais fceis para
as geraes que crescerem com elas; para ns, um certo esforo de
reconstruo mental imprescindvel.
Ao explorar a superfcie da Terra, usamos todos os nossos
sentidos, mais particularmente o tato e a viso. Em idades pr-
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cientficas, usavam-se partes do corpo humano para medir com-
primentos: polegada, p, cbito e palmo eram definidos
dessa maneira. Para distncias maiores, pensvamos no tempo
necessrio para andar de um lugar a outro. Pouco a pouco apren-
demos a avaliar distncias aproximadamente pelo olho, mas
quando queremos ser precisos dependemos do tato. Alm disso,
o tato que nos d nosso senso de realidade. H coisas que no
podem ser tocadas: arco-ris, reflexos em espelhos e assim por
diante. Elas intrigam as crianas, cujas especulaes metafsicas
so atradas pela informao de que aquilo que veem no espelho
no real. O punhal de Macbeth era irreal porque no era sen-
svel ao tato como viso. No s nossa geometria e fsica como
toda a nossa concepo do que existe fora de ns baseia-se no sen-
tido do tato. Isso se manifesta at em nossas metforas: um bom
discurso consistente, um mau discurso vazio, isto , feito de
ar, coisa que no nos parece inteiramente real.
Ao estudar o cu, somos privados de todos os sentidos, exceto
a viso. No podemos tocar o Sol nem medir as Pliades com uma
rgua. Apesar disso, os astrnomos sempre aplicaram ao cu, sem
hesitar, a geometria e a fsica que lhes pareciam teis na superfcie
da Terra, e que haviam construdo com base no tato e em viagens.
Com isso, puseram-se em dificuldades que s foram resolvidas
com a descoberta da relatividade. O fato que grande parte do que
havia sido aprendido mediante o sentido do tato era preconceito
sem base cientfica, que devia ser rejeitado se quisssemos ter uma
imagem verdadeira do mundo.
Um exemplo pode nos ajudar a compreender quanta coisa
impossvel para o astrnomo se comparado a algum interessado
no que ocorre na superfcie da Terra. Suponha que voc toma uma
droga que o deixa temporariamente inconsciente e que, ao acor-
dar, est desmemoriado, mas preserva sua capacidade de racioci-
nar. Suponha ainda que, enquanto estava inconsciente, voc foi
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posto num balo, o qual, quando voc recobra os sentidos, est
navegando ao sabor do vento numa noite escura a noite de 5 de
novembro se voc estiver na Inglaterra, a de 4 de julho, se estiver
nos Estados Unidos, ou a de 31 de dezembro, se estiver no Brasil.
Voc pode ver fogos de artifcio que esto sendo soltos por pes-
soas no solo, em trens e em avies que viajam em todas as dire-
es, mas no consegue ver o solo, nem os trens, nem os avies
por causa da escurido. Que tipo de imagem do mundo voc for-
maria? Pensaria que nada permanente: haveria apenas breves
lampejos de luz que, durante sua curta existncia, viajariam pelo
vazio traando as mais variadas e extravagantes curvas. Obvia-
mente sua geometria, sua fsica e sua metafsica seriam muito di-
ferentes daquelas dos simples mortais. Se um simples mortal
estivesse com voc no balo, sua fala lhe pareceria inintelig-
vel. Mas se Einstein estivesse ao seu lado, voc o compreenderia
com mais facilidade do que o simples mortal, porque voc esta-
ria livre de um sem-nmero de ideias preconcebidas que impe-
dem a maioria das pessoas de entend-lo.
A teoria da relatividade depende, em considervel medida, do
abandono de noes que so teis na vida comum, mas no para
nosso balonista desmemoriado. Por vrias razes, mais ou menos
acidentais, as circunstncias na superfcie da Terra sugerem con-
cepes que na verdade so errneas, embora tenham chegado a
parecer imposies do pensamento. A mais importante dessas cir-
cunstncias o fato de os objetos, na superfcie da Terra, serem em
sua maioria bastante persistentes e quase estacionrios do ponto
de vista de um terrqueo. Se no fosse assim, a ideia de fazer uma
viagem no pareceria to clara como parece. Quando voc pensa
em tomar um trem na estao de Kings Cross para Edimburgo,
sabe que encontrar a estao onde sempre esteve, que a estrada
de ferro seguir pelo mesmo trajeto que seguiu em sua viagem an-
terior e que a estao Waverley em Edimburgo no ter subido
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morro acima at o Castelo. por isso que voc diz e pensa que foi
a Edimburgo, no que Edimburgo foi a voc, quando na realidade
esta ltima afirmao seria to correta quanto a primeira. O su-
cesso desse ponto de vista fundado no senso comum depende de
vrias coisas que, na verdade, so da natureza da sorte. Suponha
que todas as casas de Londres estivessem perpetuamente se mo-
vendo de um lugar para outro, como um enxame de abelhas; su-
ponha que as estradas de ferro se movessem e mudassem de forma
como avalanches e, por fim, suponha que os objetos materiais
estivessem perpetuamente se formando e se dissolvendo como
nuvens. No h nada de impossvel nessas suposies. Mas, ob-
viamente, o que chamamos de uma viagem a Edimburgo no teria
nenhum sentido num mundo assim. Certamente voc teria de co-
mear perguntando ao motorista de txi: Onde est Kings Cross
esta manh? Na estao, teria que fazer uma pergunta semelhan-
te sobre Edimburgo, mas o bilheteiro responderia: A que parte
de Edimburgo o senhor est se referindo? Princes Street foi para
Glasgow, o Castelo mudou-se para as Highlands e a estao Wa-
verley no momento est debaixo da gua, no meio do Firth of
Forth. Durante o percurso, as estaes no estariam paradas no
lugar; algumas estariam se deslocando para o norte, outras para o
sul, outras para leste ou oeste, talvez muito mais velozmente que o
seu trem. Nessas condies, em nenhum momento voc poderia
dizer onde estava. Na verdade, a prpria noo de que estamos
sempre em algum lugar definido decorre da afortunada imobi-
lidade da maioria dos objetos grandes na superfcie da Terra. A
ideia de lugar no passa de uma aproximao prtica grosseira:
no tem nada de logicamente necessrio, e no possvel torn-la
precisa.
Se no fssemos muito maiores que um eltron, no teramos
essa impresso de estabilidade, que decorre apenas da insuficin-
cia de nossos sentidos. A estao de Kings Cross, que nos parece
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to slida, seria vasta demais para ser concebida, exceto por um
punhado de matemticos excntricos. Os pedacinhos dela que
poderamos ver consistiriam de minsculos pontos de matria,
que nunca entrariam em contato uns com os outros, e estariam
perpetuamente a passar zunindo uns pelos outros, num bal in-
concebivelmente rpido. O mundo de nossa experincia seria to
louco quanto aquele em que as diferentes partes de Edimburgo
saem a passeio em diferentes direes. Se para tomar o extre-
mo oposto voc fosse to grande quanto o Sol, vivesse tanto
quanto ele e tivesse uma percepo correspondentemente lenta,
veria novamente um universo sem permanncia, inteiramente
confuso estrelas e planetas surgiriam e desapareceriam como
nvoas matinais e nada permaneceria em posio fixa em relao
a nada. A noo de estabilidade relativa que faz parte de nosso
ponto de vista comum deve-se, portanto, ao fato de sermos mais
ou menos do tamanho que somos e vivermos num planeta cuja
superfcie no muito quente. Se no fosse esse o caso, a fsica
pr-relatividade no nos pareceria intelectualmente satisfatria.
Teramos tido de saltar diretamente na relatividade, ou permane-
cer na ignorncia de leis cientficas. uma sorte que no tenha-
mos enfrentado essa alternativa, j que quase inconcebvel que
uma s pessoa pudesse ter feito o trabalho de Euclides, Galileu,
Newton e Einstein. Mas a verdade que, sem um gnio incrvel
como esse, dificilmente a fsica poderia ter sido descoberta num
mundo em que o fluxo universal fosse bvio para a observao
no cientfica.
Na astronomia, embora o Sol, a Lua e as estrelas continuem
existindo ano aps ano, sob outros aspectos o mundo com que te-
mos de lidar muito diferente daquele da vida cotidiana. Como j
foi observado, dependemos exclusivamente da viso: os corpos
celestes no podem ser tocados, ouvidos, cheirados nem degusta-
dos. Tudo no cu est em movimento em relao a tudo o mais. A
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Terra est girando em torno do Sol, o Sol est se movendo, muito
mais rapidamente que um trem expresso, para um ponto na cons-
telao de Hrcules, as estrelas fixas esto correndo para c e
para l. No h no cu lugares bem marcados, como Kings Cross
e Edimburgo. Quando voc viaja de um lugar para outro na Terra,
diz que o trem se move, no as estaes, porque estas preservam as
relaes topogrficas que tm umas com as outras e com o territ-
rio que as cerca. Na astronomia, porm, o que chamamos de trem
e o que chamamos de estao arbitrrio: uma questo a ser de-
cidida com base exclusivamente na convenincia e na conveno.
Sob esse aspecto, interessante comparar Einstein e Coprni-
co. Antes de Coprnico, pensava-se que a Terra estava parada e o
cu girava volta dela uma vez por dia. Coprnico ensinou que
na realidade a Terra gira uma vez por dia e que a revoluo di-
ria do Sol e das estrelas apenas aparente. Galileu e Newton en-
dossaram essa concepo, que parecia ser provada por vrias
coisas por exemplo, o achatamento da Terra nos polos e o fato
de os corpos serem mais pesados neles que no equador. Na teoria
moderna, contudo, a divergncia entre Coprnico e os astrno-
mos anteriores mera questo de convenincia; todo movimento
relativo e no h diferena entre estas duas afirmaes: A Terra
gira uma vez por dia e o cu gira em torno da Terra uma vez por
dia. As duas significam exatamente a mesma coisa, assim como d
no mesmo dizer que uma coisa mede um metro ou cem centme-
tros. A astronomia fica mais fcil se considerarmos que o Sol est
fixo, e no a Terra, assim como os clculos ficam mais fceis num
sistema monetrio decimal. Dizer que Coprnico fez mais que
isso admitir o movimento absoluto, o qual uma fico. Todo
movimento relativo, e mera conveno considerar que um cor-
po est em repouso. Todas essas convenes so igualmente legti-
mas, embora nem todas sejam igualmente convenientes.
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H um outro aspecto de grande importncia em que a astro-
nomia, por depender exclusivamente da viso, difere da fsica ter-
restre. Tanto o pensamento popular quanto a fsica antiga usavam
a noo de fora, que parecia inteligvel por estar associada a
sensaes bem conhecidas. Quando andamos, temos sensaes
associadas a nossos msculos que no temos quando parados.
Antes da introduo da trao mecnica, embora pudessem se lo-
comover sentadas em carruagens, as pessoas podiam ver os cava-
los fazendo esforo e evidentemente produzindo fora, tal como
os seres humanos. Todos sabiam por experincia prpria o que
empurrar ou puxar, ou ser empurrado ou puxado. Esses mesmos
fatos to conhecidos faziam a noo de fora parecer uma base
natural para a dinmica. Mas a lei newtoniana da gravitao in-
troduziu uma dificuldade. A fora entre duas bolas de bilhar pare-
cia inteligvel porque conhecemos a sensao de nos chocarmos
contra uma outra pessoa; mas a fora entre a Terra e o Sol, que es-
to separados por 150 milhes de quilmetros, era um mistrio.
At Newton considerava essa ao a distncia impossvel, e acre-
ditava que havia algum mecanismo, ainda no descoberto, pelo
qual a influncia do Sol era transmitida aos planetas. Mas nunca
se descobriu que mecanismo era esse, e a gravitao continuou
sendo um enigma. O fato que toda a concepo de fora gravi-
tacional um erro. O Sol no exerce nenhuma fora sobre os pla-
netas; na lei relativstica da gravitao, o planeta s leva em conta
o que encontra em sua prpria vizinhana. A maneira como isso
funciona ser explicada num captulo posterior; por enquanto in-
teressa-nos apenas a necessidade de abandonar a noo de fora
gravitacional, que decorreu de concepes equivocadas, deriva-
das do sentido do tato.
medida que a fsica avanou, foi se tornando cada vez mais
claro que a viso menos enganosa que o tato como fonte de no-
es fundamentais sobre a matria. A aparente simplicidade da
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coliso de bolas de bilhar inteiramente ilusria. De fato, as duas
bolas nunca se tocam; o que realmente acontece inconcebivel-
mente complicado, mas mais anlogo ao que acontece quanto
um cometa entra no sistema solar e sai dele do que ao que o senso
comum supe que acontece.
A maior parte do que dissemos at agora j havia sido reco-
nhecida pelos fsicos antes que a teoria da relatividade fosse inven-
tada. Sustentava-se em geral que o movimento um fenmeno
meramente relativo isto , quando dois corpos esto mudando
sua posio relativa, no podemos dizer que um est se movendo e
o outro est em repouso, pois o que est acontecendo meramen-
te uma mudana na relao de um com o outro. Mas um grande
trabalho foi necessrio para pr o procedimento efetivo da fsica
em harmonia com essas novas convices. Os mtodos tcnicos
da fsica antiga incorporavam as ideias de fora gravitacional e de
espao e tempo absolutos. Precisava-se de uma nova tcnica, livre
dos velhos pressupostos. Para que isso fosse possvel, as antigas
ideias de espao e tempo tiveram de ser fundamentalmente trans-
formadas. nisso que residem tanto a dificuldade quanto o inte-
resse da teoria. Antes de explic-la, porm, h alguns preliminares
indispensveis. Trataremos deles nos dois prximos captulos.
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* 2 *
O que acontece e o que observado
H um tipo de gente presunosa que gosta de afirmar que tudo
relativo. Isso claramente um absurdo, pois se tudo fosse relativo,
seria relativo em relao a qu? possvel porm, sem incorrer em
absurdos metafsicos, sustentar que tudo no mundo fsico relati-
vo a um observador. Mas mesmo essa ideia, quer ela seja verdadei-
ra ou no, no a que a teoria da relatividade adota. Talvez o
nome seja infeliz; no h dvida de que ele levou filsofos e pes-
soas pouco instrudas a confuses. Eles imaginam que a nova teoria
prova que tudo no mundo fsico relativo, quando, ao contrrio, ela
est inteiramente empenhada em excluir o que relativo e chegar a
uma formulao das leis fsicas que no dependa de maneira
alguma das circunstncias do observador. verdade que se desco-
briu que essas circunstncias tm mais efeito sobre o que aparece
para o observador do que outrora se pensava, mas, ao mesmo
tempo, a teoria da relatividade mostra como desconsiderar esse
efeito por completo. Essa a fonte de quase tudo que ela tem de
surpreendente.
Quando dois observadores percebem o que se considera uma
ocorrncia, h certas similaridades e tambm certas diferenas en-
tre as percepes de um e de outro. As diferenas so obscurecidas
pelas exigncias da vida diria, porque, do ponto de vista prtico,
elas em geral no tm importncia. Mas tanto a psicologia quanto
a fsica, de seus diferentes ngulos, devem obrigatoriamente enfa-
tizar os aspectos em que a percepo que uma pessoa tem de certa
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ocorrncia difere da de outra. Algumas dessas diferenas decor-
rem de diferenas nos crebros ou mentes dos observadores,
outras a diferenas em seus rgos sensoriais, outras ainda a dife-
renas de situao fsica: esses trs tipos podem ser chamados res-
pectivamente de diferenas psicolgicas, fisiolgicas e fsicas. Um
comentrio feito numa lngua que conhecemos ser ouvido; ao
passo que um comentrio feito em voz igualmente alta numa ln-
gua que desconhecemos nos passar inteiramente despercebido.
Uma pessoa que viaja pelos Alpes perceber a beleza da paisagem,
enquanto outra notar as quedas dgua pensando em us-las na
produo de energia. Essas diferenas so psicolgicas. As diferen-
as entre um hipermetrope e um mope, ou entre um surdo e al-
gum que ouve bem, so fisiolgicas. No estamos interessados em
nenhum desses dois tipos de diferenas e s os mencionamos para
exclu-los. O tipo que nos interessa o puramente fsico. Diferen-
as fsicas entre dois observadores sero preservadas se os subs-
tituirmos por cmeras ou gravadores e podero ser reproduzidas
num filme ou na vitrola. Quando duas pessoas ouvem uma terceira
falar, e uma est mais prxima da que fala que a outra, a mais prxi-
ma ouve os sons em volume mais alto e uma frao de segundos
antes. Quando duas pessoas veem uma rvore cair, seus ngulos de
viso so diferentes. Ambas essas diferenas seriam igualmente
mostradas por instrumentos de registro: no resultam de maneira
alguma de idiossincrasias dos observadores, sendo parte do curso
ordinrio da natureza fsica tal como a experimentamos.
Os fsicos, como as pessoas comuns, acreditam que suas per-
cepes lhes fornecem conhecimento sobre o que est realmente
acontecendo no mundo fsico, e no s sobre suas experincias
privadas. Profissionalmente, consideram que o mundo fsico
real, no um mero sonho de seres humanos. Um eclipse do Sol,
por exemplo, pode ser observado por qualquer pessoa que esteja
adequadamente situada, e igualmente observado pelas chapas
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fotogrficas que so expostas com esse fim. O fsico est convenci-do de que alguma coisa realmente aconteceu alm da experinciados que olharam para o Sol ou viram fotografias dele. Estou enfa-tizando este ponto, que talvez parea um tanto bvio, porque al-guns imaginam que a relatividade introduziu alguma diferenaneste aspecto. De fato, no introduziu.
Mas se o fsico est certo ao acreditar que vrias pessoas po-dem observar a mesma ocorrncia fsica, ele claramente deverestar interessado naquelas caractersticas que a ocorrncia tem emcomum para todos os observadores, pois as outras no podem serconsideradas pertencentes ocorrncia em si mesma. No mnimoos fsicos devem se restringir s caractersticas que so comuns atodos os observadores igualmente bons. Observadores que usammicroscpios ou telescpios so preferveis queles que no o fa-zem, porque veem tudo que estes veem, e mais. Uma chapa foto-grfica sensvel pode ver mais ainda, e por isso preferida qualquer olho. Mas coisas como diferenas de perspectiva, ou detamanho aparente devido a diferena de distncia, obviamenteno podem ser atribudas ao objeto; pertencem unicamente aoponto de vista do espectador. O senso comum as elimina ao ava-liar os objetos; a fsica tem de levar o mesmo processo muito maislonge, mas o princpio o mesmo.
Quero deixar claro que no estou interessado em nada quepoderia ser chamado de impreciso. O que me interessa so dife-renas fsicas genunas entre ocorrncias que so, todas elas, deseu prprio ponto de vista, um registro correto de determinadoevento. Quando uma arma de fogo disparada, as pessoas que noesto muito prximas dela veem o claro antes de ouvir o tiro. Issono se deve a nenhuma falha de seus sentidos, mas ao fato de que osom se desloca mais devagar que a luz. A luz se desloca to rapida-mente que, no que diz respeito maioria dos fenmenos queocorrem na superfcie da Terra, pode ser considerada instantnea.Tudo que podemos ver na Terra acontece praticamente no mo-
O que acontece e o que observado 31
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mento em que o vemos. Num segundo, a luz percorre 300.000km.
Leva cerca de oito minutos para vir do Sol Terra, e algo entre
quatro e vrios bilhes de anos para vir das estrelas a ns. No po-
demos, claro, instalar um relgio no Sol, enviar um sinal lumi-
noso de l s 12h, hora mdia de Greenwich, e t-lo recebido em
Greenwich s 12h08min. Nossos mtodos para avaliar a velocida-
de da luz so os que aplicamos ao som quando usamos um eco.
Podemos enviar um sinal luminoso para um espelho e observar
quanto tempo o reflexo leva para chegar a ns; isso d o tempo da
dupla viagem, at o espelho e de volta. Medindo a distncia que
nos separa do espelho podemos calcular a velocidade da luz.
Atualmente os mtodos de mensurao do tempo so to
precisos que esse procedimento no usado para calcular a veloci-
dade da luz, mas para determinar distncias. Por um acordo inter-
nacional assinado em 1983, o metro o comprimento do trajeto
percorrido pela luz no vcuo durante um intervalo de tempo de
1/299.792.458 de segundo. Do ponto de vista dos fsicos, a veloci-
dade da luz tornou-se um fator de converso, a ser usado para
transformar distncias em tempos, assim como o fator 0,9144
usado para transformar distncias em jardas em distncias em
metros. Agora, faz todo sentido dizer que o sol est a cerca de oito
minutos de ns, ou que estamos a um milionsimo de segundo do
prximo ponto de nibus.
Pode-se alegar que a fsica sempre esteve perfeitamente ciente
do problema de considerar o ponto de vista do espectador; que, de
fato, ele dominou a astronomia desde o tempo de Coprnico.
verdade. Mas muitas vezes princpios so reconhecidos muito an-
tes que suas plenas consequncias sejam extradas. Muito embora
esse princpio fosse teoricamente reconhecido por todos os fsi-
cos, grande parte da fsica tradicional incompatvel com ele.
Existia um conjunto de regras que causava constrangimento
s pessoas de esprito filosfico, mas era aceito pelos fsicos por-
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que funcionava na prtica. Locke havia distinguido as qualidades
secundrias cores, rudos, gostos, cheiros etc. como subje-
tivas, admitindo ao mesmo tempo que as qualidades primrias
formas, posies e tamanhos eram propriedades genunas
dos objetos fsicos. As regras que os fsicos adotavam eram as que
podiam ser inferidas dessa doutrina. Admitia-se que cores e ru-
dos eram subjetivos, embora resultassem de ondas que se pro-
pagavam numa velocidade definida a da luz ou a do som,
conforme o caso de sua fonte at o olho ou o ouvido de quem
os percebia. As formas aparentes variam de acordo com as leis da
perspectiva, mas estas so simples, e fcil inferir as formas
reais a partir de vrias formas visuais aparentes; alm disso, as
formas reais podem ser verificadas pelo tato no caso de corpos
na nossa vizinhana. O tempo objetivo de uma ocorrncia fsica
pode ser inferido do tempo em que a percebemos descontando-se
a velocidade de transmisso da luz, do som ou de fluxos nervo-
sos, segundo as circunstncias. Essa era a concepo adotada pe-
los fsicos na prtica, fossem quais fossem as desconfianas que
eles pudessem ter delas em momentos no profissionais.
Essa concepo funcionou bastante bem at que os fsicos co-
mearam a se preocupar com velocidades muito maiores que as
comuns na superfcie da Terra. Um trem expresso percorre cerca
de 3km em um minuto; os planetas deslocam-se alguns quilme-
tros em um segundo. Os cometas, quando prximos do Sol, deslo-
cam-se muito mais rapidamente, mas como suas formas esto em
constante mudana, impossvel determinar suas posies de
maneira muito precisa. Na prtica, os planetas eram os corpos
de movimento mais rpido a que a dinmica podia ser adequada-
mente aplicada. Com a descoberta da radioatividade e dos raios
csmicos, e, recentemente, com a construo de mquinas ace-
leradoras de alta energia, abriram-se novas amplitudes de ob-
servao. Passou-se a poder observar partculas subatmicas
O que acontece e o que observado 33
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individuais, que se movem com velocidades no muito menores
que a da luz. O comportamento de corpos que se movem a essas
enormes velocidades no o que as antigas teorias nos teriam le-
vado a esperar. Para comear, a massa parece aumentar com a ve-
locidade de uma maneira perfeitamente definida. Quando um
eltron est se movendo muito depressa, verifica-se que uma for-
a tem menos efeito sobre ele do que quando se move devagar.
Depois, surgiram razes para se pensar que o tamanho do corpo
afetado por seu movimento por exemplo, se voc tomar um
cubo e o mover muito rapidamente, ele ficar mais estreito na di-
reo de seu movimento do ponto de vista de uma pessoa que no
est se movendo com ele, embora de seu prprio ponto de vista
(isto , para um observador que esteja se deslocando com ele) per-
manea exatamente como era. Mais surpreendente ainda foi a
descoberta de que a passagem do tempo depende do movimento;
isto , dois relgios perfeitamente certos, um dos quais est sendo
deslocado muito rapidamente em relao ao outro, no marcaro
a mesma hora se forem novamente reunidos aps a jornada. Esse
efeito to pequeno que at hoje no foi possvel test-lo direta-
mente,1 mas provavelmente poderemos p-lo prova se algum
dia conseguirmos realizar viagens interestelares, porque nesse
caso faramos jornadas longas o bastante para que essa dilatao
do tempo, como chamada, se tornasse realmente perceptvel.2
H algumas provas diretas da dilatao do tempo, mas chega-
mos a elas de uma maneira diferente. Essas provas vm de obser-
vaes dos raios csmicos, que consistem numa variedade de
partculas atmicas que provm do espao sideral e se movem
muito rapidamente atravs da atmosfera da Terra. Algumas dessas
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1 Ele foi testado em 1971. o famoso experimento de Hafele e Keating, publicado emScience, 177, 1972. (N.R.T.)2 O segredo foi construir relgios atmicos de alta preciso. (N.R.T.)
partculas, chamadas msons, desintegram-se na trajetria, e essa
desintegrao pode ser observada. Verifica-se que, quanto mais
rapidamente um mson se move, mais tempo ele leva para se de-
sintegrar do ponto de vista de um cientista na Terra. Resultados
desse tipo revelam que as medidas que fazemos com relgios e
rguas, e que costumavam ser consideradas o suprassumo da
cincia impessoal, na realidade dependem em parte de nossas cir-
cunstncias pessoais, isto , da maneira como estvamos nos mo-
vendo em relao aos corpos medidos.
Isso mostra que temos de traar uma linha diferente da usual
quando queremos distinguir o que pertence ao observador e o que
pertence ocorrncia que est sendo observada. Quando voc usa
culos de lentes azuis, sabe que o aspecto azulado das coisas se
deve aos culos, e no ao que est vendo. Mas digamos que voc
observe dois flashes e registre o intervalo de tempo entre suas ob-
servaes. Se seu cronmetro for exato, se voc souber onde os si-
nais luminosos ocorreram e descontar nos dois casos o tempo que
a luz leva para alcan-lo, certamente poder pensar que desco-
briu o intervalo de tempo real entre os dois flashes, e no alguma
coisa que diga respeito somente a voc. Sua convico ser confir-
mada porque todos os outros observadores cuidadosos a que voc
tem acesso concordam com suas estimativas. No entanto, essa
concordncia fruto apenas do fato de que tanto voc quanto os
demais observadores esto na Terra e partilham do movimento
dela. Mesmo dois observadores dentro de foguetes movendo-se
em direes opostas teriam no mximo uma velocidade relativa
de cerca de 56.000km/h, o que muito pouco se comparado a
300.000km/s (a velocidade da luz). Se um eltron que se desloca a
272.000km/s pudesse observar o tempo entre os dois flashes, che-
garia a uma estimativa muito diferente, depois de descontar intei-
ramente a velocidade da luz. Talvez o leitor esteja perguntando
como posso saber isso. No sou um eltron, no posso me mover
O que acontece e o que observado 35
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com essas velocidades fabulosas, nenhum cientista jamais fez ob-
servaes capazes de provar a verdade das minhas afirmaes. No
entanto, como veremos a seguir, h bons fundamentos para mi-
nha afirmativa: ela se fundamenta, em primeiro lugar, em experi-
mentos e o que notvel em raciocnios que se poderiam
fazer em qualquer momento, mas s foram desenvolvidos depois
que alguns experimentos mostraram que os raciocnios antigos
certamente estavam errados.
A teoria da relatividade recorre a um princpio geral que se
revela mais poderoso do que se poderia supor. Quando voc sabe
que uma pessoa duas vezes mais rica que outra, esse fato deve
aparecer igualmente, quer voc avalie a riqueza de ambas em li-
bras, dlares, francos ou qualquer outra moeda. Os nmeros que
representam a riqueza de ambas mudaro, mas um ser sempre o
dobro do outro. O mesmo tipo de coisa, sob formas mais compli-
cadas, aparece tambm na fsica. Como todo movimento relati-
vo, podemos tomar qualquer corpo que queiramos como nosso
corpo padro de referncia, e avaliar todos os outros movimentos
em relao a ele. Quando, dentro de um trem, voc anda para o
vago-restaurante, naquele momento voc tende a tratar o trem
como fixo e avalia seu movimento em relao a ele. Mas quando
pensa na viagem que est fazendo, voc toma a Terra como fixa, e
diz que est se movendo taxa de 96km/h. Um astrnomo inte-
ressado no sistema solar toma o Sol como fixo e considera que ns
estamos girando e nos movendo; comparado a esse movimento, o
do trem to lento que praticamente inexiste. Um astrnomo in-
teressado no universo estelar pode calcular o movimento do Sol
relativamente mdia das estrelas. No podemos dizer que uma
dessas maneiras de avaliar o movimento mais correta que outra;
todas se revelam perfeitamente corretas assim que o corpo de refe-
rncia designado. Ora, assim como podemos avaliar uma fortu-
na em diferentes moedas sem alterar suas relaes com outras
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fortunas, assim tambm podemos avaliar o movimento de um
corpo usando diferentes corpos de referncia sem alterar suas re-
laes com outros movimentos. E como a fsica se interessa exclu-
sivamente por relaes, deve ser possvel expressar todas as suas
leis referindo todos os movimentos a determinado corpo definido
como padro.
Podemos expressar isso de outra maneira. O objetivo da fsica
informar sobre o que realmente acontece no mundo fsico, e no
apenas sobre as percepes pessoais de observadores distintos. A
fsica deve, portanto, considerar aquelas caractersticas que um
processo fsico tem para todos os observadores, pois somente es-
tas podem ser consideradas pertencentes prpria ocorrncia f-
sica. Isso requer que as leis relativas aos fenmenos sejam as
mesmas, quer os fenmenos sejam descritos tal como aparecem
para um ou para outro observador. Esse nico princpio o moti-
vo gerador de toda a teoria da relatividade.
Ora, descobriu-se que o que at hoje consideramos proprie-
dades espaciais e temporais das ocorrncias fsicas em grande
parte dependem do observador; apenas um resduo pode ser atri-
budo s ocorrncias em si mesmas, e apenas esse resduo pode ser
envolvido na formulao de qualquer lei fsica para que ela tenha
uma chance a priori de ser verdadeira. Einstein encontrou, pronto
para ser usado, um instrumento da matemtica pura, chamado
teoria dos tensores, em cujos termos possvel expressar leis que
incorporam o resduo objetivo e concordam aproximadamente
com as leis antigas. Nos aspectos em que diferem das antigas, at
agora as previses da teoria da relatividade se provaram mais de
acordo com a observao.
Se o mundo fsico no tivesse nenhuma realidade, se no pas-
sasse de uma pluralidade de sonhos sonhados por diferentes pes-
soas, no esperaramos encontrar nenhum lei que associasse os
sonhos de uma pessoa aos de outra. a estreita ligao existente
O que acontece e o que observado 37
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entre as percepes de uma pessoa e as percepes (aproximada-
mente) simultneas de outra que nos faz acreditar numa origem
externa comum das diferentes percepes relacionadas. A fsica
explica tanto as semelhanas quanto as diferenas entre as percep-
es que diferentes pessoas tm do que chamamos a mesma
ocorrncia. Para isso, porm, o fsico precisa antes descobrir quais
so exatamente essas semelhanas. Elas no so as mesmas que
tradicionalmente se supunha, porque nem o espao nem o tem-
po, em separado, podem ser tomados como estritamente objeti-
vos. O que objetivo uma espcie de mistura de ambos chamada
espao-tempo. Explicar isso no fcil, mas preciso tentar.
Isso comear a ser feito no prximo captulo.
38 ABC da relatividade
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* 3 *
A velocidade da luz
A maior parte das curiosidades que a teoria da relatividade encer-
ra est ligada velocidade da luz. O leitor no ser capaz de enten-
der o que levou a essa importante reconstruo terica se no tiver
alguma ideia dos fatos que fizeram o antigo sistema ruir.
O fato de que a luz transmitida com uma velocidade defini-
da foi estabelecido em primeiro lugar por observaes astronmi-
cas. s vezes os satlites de Jpiter so eclipsados pelo planeta e
fcil calcular em que momentos isso deve ocorrer. Verificou-se
que, quando Jpiter estava prximo da Terra, o eclipse de um dos
satlites era observado alguns minutos antes do previsto; j quan-
do Jpiter estava distante, ele acontecia alguns minutos depois do
esperado. Descobriu-se que era possvel explicar todos esses des-
vios supondo que a luz tem certa velocidade, assim, o fenmeno
que observamos em Jpiter aconteceu na verdade um pouco antes
um tempo maior quando Jpiter est distante do que quando
est prximo. Verificou-se que a velocidade da luz explicava igual-
mente fatos semelhantes com relao a outras partes do sistema
solar. Admitiu-se portanto que a luz in vacuo sempre se desloca a
uma certa taxa constante, de quase exatamente 300.000km/s.
Quando ficou estabelecido que a luz consiste em ondas, passou-se
a considerar que essa velocidade era a da propagao das ondas no
ter pelo menos costumava ser, mas agora o ter foi abandona-
do, embora a onda permanea. As ondas de rdio (semelhantes s
de luz, apenas mais longas) e de raios X (semelhantes s ondas de
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luz, apenas mais curtas) deslocam-se com essa mesma velocidade.
Hoje se considera em geral que essa a velocidade com que a gra-
vitao se propaga (antes da descoberta da teoria da relatividade,
pensava-se que a gravitao se propagava instantaneamente, mas
hoje essa ideia insustentvel).
At a, tudo correu sem percalos. Mas medida que foi se
tornando possvel fazer medidas mais precisas, dificuldades co-
mearam a se acumular. Supunha-se que as ondas estavam no
ter, e portanto sua velocidade deveria ser relativa ao ter. Ora,
como o ter (se que ele existe) claramente no oferece nenhuma
resistncia aos movimentos dos corpos celestes, pareceria natural
supor que no partilhasse seu movimento. Se a Terra tivesse de
empurrar uma grande quantidade de ter sua frente, mais ou
menos como um barco a vapor empurra gua diante de si, seria de
se esperar, da parte do ter, uma resistncia anloga que a gua
oferece ao barco. A concepo geral, portanto, era que o ter podia
passar atravs dos corpos sem dificuldade, como o ar por uma pe-
neira grossa, s que ainda mais. Se fosse esse o caso, a Terra deveria
ter em sua rbita uma velocidade relativa ao ter. Se por acaso, em
algum ponto de sua rbita, ela se movesse exatamente com o ter,
em outros deveria se mover atravs dele ainda mais depressa.
Quando samos para dar uma caminhada ao longo do crculo
num dia ventoso, temos de andar contra o vento em parte do pas-
seio, seja qual for a direo em que ele esteja soprando; o princpio
nesse caso o mesmo. Segue-se que, se escolhermos dois dias se-
parados por um intervalo de seis meses, em que a Terra estar se
movendo em sua rbita em direes exatamente opostas, em pelo
menos um desses dias ela deveria estar se movendo contra um
vento de ter.1
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1 Na verdade, isso no aconteceria necessariamente. O vento de ter poderia estar detravs. (N.R.T.)
Mas se h um vento de ter, claro que, relativamente a um
observador na Terra, sinais luminosos pareceriam se deslocar
mais rapidamente com o vento do que transversalmente a ele,
e mais depressa transversalmente a ele do que contra ele. Foi isso
que Michelson e Morley se dispuseram a testar com seu famoso
experimento. Eles enviaram sinais luminosos em duas direes
em ngulos retos; cada qual foi refletido por um espelho e retor-
nou ao lugar de que havia sido emitido. Ocorre que, como qual-
quer pessoa pode verificar, seja por experincia ou por um pouco
de aritmtica, levamos um pouco mais de tempo para remar de-
terminada distncia num rio contra a corrente e depois de volta
do que para remar a mesma distncia transversalmente corrente
e de volta. Portanto, se houvesse um vento de ter, um dos dois si-
nais luminosos, que consistiriam em ondas no ter, deveria ter ido
at o espelho e voltado numa taxa mdia mais lenta que o outro.
Michelson e Morley tentaram o experimento, repetiram-no em
vrias posies, tentaram de novo mais tarde. Sua aparelhagem era
suficientemente precisa para detectar a diferena de velocidade es-
perada ou at uma diferena muito menor, se existisse alguma, mas
no foi possvel observar nenhuma. O resultado foi to surpreen-
dente para eles mesmos quanto para os demais; mas repeties cui-
dadosas eliminaram qualquer possibilidade de dvida. Realizado
pela primeira vez em 1881, o experimento foi reproduzido de ma-
neira mais cuidadosa em 1887. Passaram-se muitos anos, no entan-
to, antes que ele pudesse ser corretamente interpretado.
Verificou-se que a suposio de que a Terra leva consigo o ter
circundante em seu movimento era impossvel por vrias razes.
Em consequncia, pareceu surgir um impasse lgico, do qual os
fsicos procuraram se desvencilhar inicialmente mediante hipte-
ses bastante arbitrrias. A mais importante delas foi a de Fitzge-
rald, desenvolvida por Lorentz e hoje conhecida como a hiptese
da contrao de Lorentz.
A velocidade da luz 41
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Segundo ela, quando um corpo est em movimento, ele en-
curtado na direo do movimento em uma certa proporo que
depende de sua velocidade. A medida da contrao deveria ser su-
ficiente para explicar o resultado negativo do experimento Mi-
chelson-Morley. A jornada corrente acima e depois abaixo deveria
ter sido realmente mais curta que a jornada transversal corrente,
e deveria ter sido mais curta exatamente o bastante para permitir
onda de luz mais lenta atravess-la no mesmo tempo. O encurta-
mento nunca poderia, claro, ser detectado por medio, porque
as rguas que usamos para medi-lo sofreriam o mesmo efeito.
Uma rgua posta na linha do movimento da Terra seria mais curta
que a mesma rgua posta em ngulos retos com esse movimento.
Esse ponto de vista era notavelmente semelhante ao plano do Ca-
valeiro Branco de pintar de verde as suas e depois usar um aba-
no pra impedir que fossem vistas.2 O curioso foi que o plano
funcionou muito bem. Mais tarde, quando Einstein props a teo-
ria especial da relatividade (1905), descobriu-se que a hiptese era
correta em certo sentido, mas s em certo sentido. Ou seja, a su-
posta contrao no um fato fsico, mas o resultado de certas
convenes de medio que, depois que se chega ao ponto de vista
correto, parecem ser de adoo obrigatria. Mas ainda no desejo
expor a soluo de Einstein para o enigma. Por enquanto, a na-
tureza do prprio enigma que quero esclarecer.
Aparentemente, e deixando de lado hipteses ad hoc, o expe-
rimento Michelson-Morley (juntamente com outros) mostrou
que, relativamente Terra, a velocidade da luz a mesma em todas
as direes, e que isso igualmente verdadeiro em qualquer mo-
mento do ano, embora a direo do movimento da Terra esteja
sempre mudando medida que ela gira em volta do Sol. Ficou cla-
ro tambm que isso no uma peculiaridade da Terra, sendo ver-
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2 Em Atravs do espelho e o que Alice encontrou por l, de Lewis Carroll. (N.T.)
dadeiro no tocante a todos os corpos: quando um sinal luminoso
enviado a partir de um corpo, esse corpo permanece no centro
das ondas enquanto elas se deslocam para fora, no importa como
esteja se movendo pelo menos essa ser a viso de observadores
que se movam com o corpo. Esse era o sentido puro e simples dos
experimentos, e Einstein conseguiu inventar uma teoria que obe-
decia a ele. De incio, porm, pensou-se que era logicamente im-
possvel admitir esse sentido puro e simples.
Alguns exemplos mostraro bem como os fatos so estra-
nhos. Um projtil, quando disparado, se move mais depressa que
o som: as pessoas em cuja direo ele atirado primeiro veem o
claro, depois (se tiverem sorte), a bala passa por elas e finalmente
ouvem o estampido. claro que, se algum pudesse se deslocar
junto com a bala, nunca ouviria a detonao, pois o projtil explo-
diria e a mataria antes que o som a alcanasse. Mas se o som obe-
decesse aos mesmos princpios que a luz, quem viajasse com a bala
ouviria tudo exatamente como se estivesse parado. Nesse caso, se
uma tela, adequada para produzir ecos, fosse presa ao projtil e
se deslocasse com ele, digamos 90m frente dele, a pessoa ouviria
o eco da detonao a partir da tela aps exatamente o mesmo in-
tervalo de tempo em que o ouviria se ela e o projtil estivessem em
repouso. Obviamente, este um experimento que no pode ser
realizado, mas outros que podem mostraro a diferena. Podera-
mos encontrar um lugar numa estrada de ferro em que houvesse
um eco vindo de um ponto mais adiante dela digamos, um lu-
gar em que a ferrovia penetrasse num tnel. Suponhamos que,
quando o trem est se deslocando pela ferrovia, algum na sua
margem d um tiro. Se o trem estiver seguindo na direo do eco,
os passageiros ouviro o eco mais cedo que a pessoa postada na
margem da ferrovia; se estiver seguindo na direo oposta, o
ouviro mais tarde. Mas essas no so exatamente as mesmas cir-
cunstncias do experimento Michelson-Morley. Nele, os espelhos
A velocidade da luz 43
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correspondem ao eco, e eles esto se movendo com a Terra, de
modo que o eco deveria se mover com o trem. Suponhamos que o
tiro seja disparado do vago da guarda, e que o eco venha de uma
tela fixada na locomotiva. Suponhamos que a distncia entre o va-
go da guarda e a locomotiva seja aquela que o som pode percor-
rer em um segundo (cerca de 330m), e a velocidade do trem seja
um doze avos da velocidade do som (cerca de 100km/h). Agora
temos um experimento que pode ser realizado pelas pessoas que
esto no trem. Se o trem estivesse em repouso, o guarda ouviria o
eco em dois segundos; mas, nas circunstncias presentes, ele o ou-
vir em 2 e 2,014 segundos. A partir dessa diferena, conhecendo
a velocidade do som, possvel calcular a velocidade do trem,
mesmo que a noite esteja brumosa e no seja possvel ver as mar-
gens da ferrovia. Mas se o som se comportasse como a luz, o eco
seria ouvido pelo guarda aps dois segundos, fosse qual fosse a ve-
locidade do trem.
Vrias outras ilustraes ajudam a mostrar como os fatos re-
lacionados velocidade da luz so extraordinrios do ponto de
vista da tradio e do senso comum. Todos ns sabemos que,
numa escada rolante, chegamos ao topo mais cedo se subirmos os
degraus em vez de ficarmos parados. Mas se a escada rolante se
movesse com a velocidade da luz (o que ela no faz, nem em Nova
York), chegaramos ao topo exatamente no mesmo instante, quer
subssemos os degraus, quer ficssemos parados. Ou por outra: se
voc estiver caminhando por uma estrada a seis quilmetros por
hora, e um automvel o ultrapassar na mesma direo a 60km/h,
se voc e o automvel se mantiverem ambos em movimento, a
distncia entre os dois aps uma hora ser de 54km. Mas se o au-
tomvel o cruzasse, seguindo na direo oposta, a distncia aps
uma hora seria de 66km. Ora, se o automvel estivesse viajando
com a velocidade da luz, no faria nenhuma diferena que ele o ul-
trapasse ou cruzasse: em ambos os casos, um segundo depois ele
44 ABC da relatividade
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estaria a 300.000km de distncia de voc. Estaria igualmente a
300.000km de distncia de qualquer outro automvel que tivesse
passado ou cruzado por voc no segundo anterior. Isso parece im-
possvel: como pode o automvel estar mesma distncia de v-
rios pontos diferentes ao longo da estrada?
Tomemos uma outra ilustrao. Quando uma mosca toca a
superfcie de um poo estagnado, produz ondulaes que se mo-
vero para fora em crculos cada vez mais amplos. Em qualquer
momento, o centro do crculo o ponto do poo tocado pela mos-
ca. Se a mosca se mover pela superfcie do poo, no permanecer
no centro das ondulaes. Mas se as ondulaes fossem ondas de
luz, e a mosca fosse um fsico competente, ela constataria que con-
tinuaria sempre no centro das ondulaes, no importa como se
mexesse. Por outro lado, um fsico competente sentado beira do
poo julgaria, como no caso das ondulaes comuns, que o centro
no era a mosca, mas o ponto do poo tocado pela mosca. E se
uma outra mosca tivesse tocado a gua no mesmo ponto no mes-
mo instante, ela tambm pensaria que continuava no centro das
ondulaes, mesmo que se afastasse muito da primeira mosca.
Isso exatamente anlogo ao que ocorre no experimento Michel-
son-Morley. O poo corresponde ao ter; a mosca corresponde
Terra; o contato da mosca com o poo corresponde ao sinal lumi-
noso que os senhores Michelson e Morley emitiram; e as ondula-
es correspondem s ondas de luz.
primeira vista, esse estado de coisas parece completamente
impossvel. No espanta que, embora realizado em 1881, o ex-
perimento Michelson-Morley s tenha vindo a ser corretamente
interpretado em 1905. Vejamos, exatamente, o que estivemos di-
zendo. Tomemos o exemplo do pedestre e do automvel. Supo-
nhamos que haja vrias pessoas no mesmo ponto de uma estrada,
algumas caminhando, outras de automvel; suponhamos que se
movem com diferentes velocidades e em diferentes direes. O
A velocidade da luz 45
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que estou dizendo que se, nesse momento, um flash de luz foremitido do lugar em que todas esto, aps um segundo, pelo rel-gio de cada uma delas, as ondas de luz esto a 300.000km de cadauma, embora elas j no estejam mais no mesmo lugar. Ou seja,passado um segundo pelo seu relgio, a luz estar a 300.000km devoc, e igualmente a 300.000km de todas as pessoas que estavamjunto com voc quando ela foi emitida aps um segundo pelos re-lgios delas, mesmo que estivessem se movendo na direo opos-ta sua considerando-se que todos os relgios em questoesto perfeitamente certos. Como isso possvel?
H uma nica maneira de explicar fatos como esse, e ela con-siste em admitir que os relgios so afetados pelo movimento.No quero dizer que so afetados no sentido de que poderiam sermontados para ser mais precisos; quero dizer algo de muito maisfundamental. Quero dizer que, se voc diz que uma hora se passouentre dois eventos, e baseia esta afirmao em medidas idealmentecuidadosas feitas com cronmetros idealmente precisos, uma ou-tra pessoa igualmente precisa, que estava se movendo rapidamen-te em relao a voc, pode julgar que se passou mais ou menos doque uma hora. No possvel dizer que voc est certo e a outrapessoa errada, da mesma maneira como no se poderia dizer issose voc estivesse usando um relgio acertado pela hora de Green-wich e a outra pessoa um que mostrasse a hora de Nova York.Como isso acontece o que explicarei no prximo captulo.
H vrias outras coisas curiosas em relao velocidade daluz. Uma delas que nenhum corpo material pode jamais se des-locar to rapidamente quanto a luz, por maior que seja a fora aque esteja exposto, e por maior que seja o tempo de atuao dessafora. Um exemplo pode ajudar a esclarecer isto. Em exposies,vemos s vezes uma srie de plataformas mveis girando em umcrculo. A plataforma exterior move-se a 6km/h; a seguinte mo-ve-se 6km/h mais depressa que a primeira; e assim por diante.Voc pode ir passando de uma para outra at Ester se movendo
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numa velocidade espantosa. Ora, voc pode pensar que, se a pri-
meira plataforma faz 6km/h e a segunda a 6km/h em relao
primeira, a segunda faz 12km/h em relao ao solo. Isso um
erro; ela faz um pouco menos, embora to pouco menos que nem
mesmo as medies mais cuidadosas seriam capazes de detectar a
diferena. Quero deixar bem claro o que estou querendo dizer.
Suponha que, de manh, quando a aparelhagem est prestes a ser
acionada, voc pinte uma linha branca no solo e outra em frente a
ela em cada uma das duas primeiras plataformas. Em seguida
voc se posta junto marca branca na primeira plataforma e gira
com ela. A primeira plataforma move-se a 6km/h com relao ao
solo, e a segunda, a 6km/h em relao primeira. Os 6km/h corre-
pondem a 100m/min. Passado um minuto pelo seu relgio, voc
registra a distncia de sua plataforma e do cho, e tambm a dis-
tncia entre as marcas das duas plataformas. Cada uma dessas
distncias vale 107m. Agora voc salta da primeira plataforma
para o solo. Finalmente, mede a distncia, no solo, entre a marca
branca com que comeou e a posio que registrou, aps um mi-
nuto de viagem, em frente marca branca na segunda plataforma.
Problema: qual ser a distncia entre elas? Voc diria duas vezes
107 metros, isto , 214 metros. Mas na verdade ela ser um pouco
menor, embora to pouco que isso no pode ser medido. A dis-
crepncia resulta do fato de que, segundo a teoria da relatividade,
velocidades no podem ser somadas pelas regras tradicionais. Se
voc tivesse uma longa srie dessas plataformas mveis, cada uma
se movendo a 6km/h em relao outra, voc nunca chegaria a
um ponto em que a ltima estaria se movendo com a velocidade
da luz em relao ao solo, mesmo que as plataformas somassem
milhes. A discrepncia, que muito pequena para pequenas ve-
locidades, torna-se maior medida que a velocidade aumenta, e
faz da velocidade da luz um limite inalcanvel. Como isso acon-
tece o prximo tpico de que deveremos tratar.
A velocidade da luz 47
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* 4 *
Relgios e rguas
At o advento da teoria da relatividade especial, ningum havia
pensado que podia haver alguma ambiguidade na afirmao de
que dois eventos aconteceram em lugares diferentes no mesmo
instante. Podia-se admitir que, se eles ocorrem em lugares muito
distantes entre si, talvez houvesse dificuldade em averiguar com
segurana que haviam sido simultneos, mas o sentido da afirma-
o parecia perfeitamente preciso para todos. O que se descobriu,
no entanto que isso era um erro. Dois eventos em lugares distan-
tes podem parecer simultneos para um observador que tomou
todas as devidas precaues para assegurar a preciso (e, em parti-
cular, levou em conta a velocidade da luz), enquanto outro obser-
vador igualmente cuidadoso pode avaliar que o primeiro evento
precedeu o segundo, e um terceiro pode considerar que o segun-
do precedeu o primeiro. Isso aconteceria se os trs observadores
estivessem todos se movendo rapidamente uns em relao aos ou-
tros. No que um estaria certo e os outros dois errados: todos os
trs estariam igualmente certos. A ordem temporal dos eventos
em parte dependente do observador; no sempre e inteiramente
uma relao intrnseca entre os prprios eventos. A teoria da rela-
tividade mostra no s que essa concepo explica os fenmenos
como tambm que um raciocnio cuidadoso baseado nos dados
antigos deveria ter levado a ela. O fato, contudo, foi que s se pres-
tou ateno base lgica da teoria da relatividade depois que
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estranhos resultados experimentais deram uma sacudida na capa-
cidade de raciocnio das pessoas.
Como deveramos estabelecer com segurana que dois even-
tos em lugares diferentes foram simultneos? Certamente dira-
mos: eles so simultneos se forem vistos simultaneamente por
uma pessoa que est exatamente a meia distncia entre um e ou-
tro. (No h nenhuma dificuldade quanto simultaneidade de
dois eventos no mesmo lugar, como, por exemplo, ver uma luz e
ouvir um rudo.) Suponhamos que dois flashes de luz incidam em
dois lugares diferentes, digamos o Observatrio de Greenwich e o
Observatrio de Kew. Suponhamos que a catedral de Saint Paul
est a meio caminho entre eles, e que os flashes parecem simult-
neos para um observador que est sobre o domo da catedral. Nes-
se caso, uma pessoa que esteja em Kew ver o flash de Kew
primeiro, e uma que esteja em Greenwich ver o flash de Green-
wich primeiro, por causa do tempo que a luz leva para se deslocar
pela distncia que separa os dois observatrios. Mas se forem ob-
servadores idealmente precisos, todas as trs pessoas julgaro que
os dois sinais luminosos foram simultneos, porque faro o ne-
cessrio desconto do tempo de transmisso da luz. (Estou supon-
do um grau de preciso muito acima da capacidade humana.)
Assim,