Abdias Nascimento. O Negro Revoltado

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    o negro revoltado ume revolto, logo ns somosAlbert Camus: L omme Rvolt

    o presente volume rene vrios trabalhos apresentados ao I Congresso do Negro Brasileiro, promovido pelo Teatro Experimentaldo Negro, no Rio de Janeiro , entre 26 de agosto e 4 de setembrode 1950. Alm das teses, indicaes, depoimentos e contribuiesdiversas, o que marca a sua originalidade e a sua fora a presena do prprio negro em ativa participao. O registro taquigrfico revelar que o negro brasileiro no aceita nem paternalismo nem intermedirios para suas reivindicaes. Dialogando compessoas de quaisquer origens raciais e pertencentes a classes sociaiss mais diversas, ele firmou seus princpios, sua ttica e estratgia,recusou a tutela ideolgica. O texto que s segue a fixao aovivo do que o negro pensa, sofre, aspira, reivindica e combate.Nesse conclave houve liberdade plena e total a todas s manifestaes pertinentes aos temas em debate. Isso deu ensejo a que svrias orientaes que, ao longo dos anos, vinham se configurandoa respeito dos estudos e do comportamento do homem de corviessem tona e mesmo se radicalizassem. Duas correntes maissignificativas sobressaram: de um lado, a maioria, constituda dopovo negro, pessoas destitudas de ttulos acadmicos ou honorficos; e, de outro, os que s auto-intitulavam homens de cincia .A camada popular e o grupo dos cientistas , ao final do Congresso,se chocaram violentamente. Foi quando estes ltimos tentaram, apsa assemblia haver aprovado a Declarao Final do PrimeiroCongresso do Negro Brasileiro , fazer aprovar uIpa outra Declarao , esta assinada somente pelos cientistas . Ocorria que, nos deixando manipular pelos que se julgavam autoridades no assunto, a camada popular impediu aos cientistas , naquele ato derecusa sua Declarao , que os resultados do Congresso fossem

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    por eles domesticados e desvirtuados. O povo negro venceu a suti leza daquele t ipo de intelligentzia, alienada de seus problemas.Artur Ramos havia dito certa vez competir uma elite negra, com seus lderes, t raar normas, diretr izes, para o futuro deseu povo de cor . Foi ainda um ilustre professor d Sorbonne,de Paris, o socilogo Roger Bastide, quem, numa das sesses maisvibrantes do Congresso, proferiu:Acho que o Congresso do Negro Brasileiro no deveser unicamente um congresso de estudos afro-brasileiros, masdeve distinguir-se pelo seu trabalho de ao. : um congresso onde se discutem idias por um Brasil maior. Estou feliz,porque neste congresso ningum dorme. Todos discutem,dando bom exemplo de democracia social e poltica.

    Infelizmente o comportamento dos cientistas impediu quese concretizasse o bom exemplo preconizado por Roger Bastidee Artur Ramos. E tal foi o abismo que se abriu entre as duascorrentes que se viram i.rremediavelmente afetados os resultadosdo Congresso. Sobretudo prejudicou a divulgao dos Anais nocasio oportuna, assim como o cumprimento das recomendaesda Assemblia. Vrias teses, pareceres, discursos e atas, por exemplo, foram, em confiana, emprestados ao Sr. A. Costa Pintoque, na poca, realizava um trabalho para a Unesco sobre o negro no Rio de Janeiro . A maior par te do material emprestado jamais me voltou s mos. O extravio desses documentos foi denunciado por Guerreiro Ramos em artigo no O lornal 17-1-54ao analisar a autoridade cientfica do Sr. L. A. Costa Pinto:

    . confirma no livro que acaba de publicar - ONegro io de laneiro - a sua incompetncia em matriade sociologia e a sua falta de probidade, j reveladas emtrabalhos anteriores. ( ) Lutas de Famli assim, umailustrao do primarismo sociolgico e da desonestidade mtodos os sentidos [o grifo meu] ( ) vai f icar n histriada sociologia no Brasil como o autor da maior chantagemocorrida em tal domnio.

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    Alis, Gilberto Fre ire tambm se refere a antroplogos esocilogos, alguns talvez tendenciosos [o grifo meu], encarregados pela Unesco de realizar no Brasil um inqurito sobre relaesde raa ( Prefcio a Religio e Relaes Raciais, de Ren Ribeir o) , o que naturalmente no se aplica nem a Ren Ribeiro(Pernambuco) nem a Roger Bastide e Florestan Fernandes (SoPaulo), cujos trabalhos em suas respect ivas reas mereceram orespei to de todos. No que se refere par te carioca d pesquisa,alm de Guerreiro Ramos, outras pessoas se manifestaram condenando a tendenciosidade cientfica do livro do Sr. A. CostaPinto, entre eles o assistente social Sebastio Rodrigues Alves que,em conferncia pronunciada na ABI, disse:

    Tudo leva a crer que esses aventure iros tm propsitos de achinca lhar o negro e de permanecer n sua costumeira posio de senhores . Essa industrializao dos estudos afro-brasileiros e relaes de raas uma atividademuito rendosa, no s no mbito econmico-financeiro,como tambm na ascenso dos estudiosos que se tornamdonos do problema do negro e se lanam numa aventuraperniciosa, afirmando, erroneamente, que o negro tem taiscomplexos, tais e tais comportamentos, e reagem desta oudaquela forma. ( ) Andou manuseando as atas e tesesdiscutidas no Congresso, tirando ali algo para suas presunosas e impostoras alegaes. e to capcioso esse pseudocient ista que tem a desfaatez de afirmar estar dandoum aspecto novo aos estudos do negro no Rio de Janeiro. realmente uma forma usurpadora e medocre dese aproveitar do traba lho alheio. ( ) Os cientistas cestudiosos tm procurado transformar nosso trabalho emarapuca ideolgica .Ao que o Sr. A. Costa Pinto contesta referindo-se genericamente aos negros que, t anto no Congresso ou fora dele, recusaram sua cincia :

    Duvido que haja biologista que depois de estudar,digamos, um micrbio, tenha visto esse micrbio tomarda pena e vir a pblico escrever sandices a respeito do es-6

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    tudo do qual ele participou como material de laboratrio.O JornalRecentemente procurei ];;dison Carneiro (co-organizador doCongresso comigo e Guerreiro Ramos) e indaguei se ele por acasono teria em seu poder as atas e outros documentos emprestadosao Sr. L Costa Pinto. A resposta foi negativa. Em conseqncia, este volume no tem a responsabilidade dos demais membros co-organizadores, mas somente a minha, de secretrio-executivo do Congresso e de diretor do Teatro Experimental do Negro, entidade promotora do certame.

    N ROTA DO PRECONCEITOCerta a colocao de Martin Luther King: compreensosuperficial das pessoas de boa vontade mais nociva do que aincompreenso absoluta das pessoas de m vontade. Nos dias quecorrem, a situao racial no Brasil est obnubilada por tal crostade estereotipias, clichs e condicionamentos estratificados que so

    mente atravs de um choque traumtico - grito pattico de -volta - talvez fosse possvel arrancar a conscincia brasileira dohbito e do torpor. Lembrando Scrates, o lder negro norte-americano da no-violncia advoga, ent:etanto, a tenso de espritocomo forma de supresso da escravido a mitos e meias-verdades.Possivelmente usando tal instrumento catrtico, a classe de brancos e brancides - detentores dos privilgios econmicos e sociais - se sensibil izaria marginalizao do negro, sua dorsecular, ao seu inconformismo submetido, mas no aniquilado detodo.Teriam as classes dirigentes deste pas uma irremedivel incapacidade de sentir, com Joaquim Nabuco, pelo menos, a dor

    maior - a do Brasil ultrajado e humilhado; os que tm a altivezde pensar - e a coragem de aceitar as conseqncias desse pensamento - que a ptria, como a me, quando no existe paraos filhos mais infelizes, no existe para os mais dignos?Ou estaremos exagerando? Seremos os criadores de um problema artificial, inexistente neste pas, conforme somos freqentemente acusados?

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    Recordemos algumas incriminaes desse tipo. Por ocasio doconcurso de artes plsticas do Cristo Negro, uma cronista do Jor-nal Brasil, em 26-6-55, dizia:

    Pelo seu exemplo de abnegao, de renncia, de bondade, a Me-Negra, que nos embalou o sono, que nos deuseu leite, foi a grande formadora do nosso corao. ( )Essa exposio que se anuncia deveria ser proibida comoaltamente subversiva. Tal acontecimento realizado s vsperas do Congresso Eucarstico foi preparado adrede para servir de pedra de escndalo e motivo de repulsa. O nosso descontrole moral , a nossa grande falta de respeito e de bomgosto, o nosso triste estado d alma, no podem ser dadosem espetculos aos que nos visitam. Damos daqui nosso brado de alarma. As autoridades eclesisticas devem, quantoantes, tomar providncias para impedir a realizao desseatentado feito Religio e s Artes. O prprio povo brasileiro se sentir chocado pela afronta feita.Conforme se percebe facilmente, a articulista convoca o p -

    der policial a fim de impedir uma manifestao de arte e cultura,na qual, alis, participaram em grande maioria os artistas brancos.Estes compreenderam que uma arte brasileira, para ser autntica,precisa incorporar a ela o canon negro que permeou nossa formao desde os primeiros dias. Para desgosto da cronista, ocardeal D. Jaime Cmara e o bispo D. Hlder Cmara deramseu apoio e pat rocinaram o Cristo de Cor.

    A atitude cautelosa de certas pessoas out ra forma de manifestar incompreenso. Por exemplo, J. Etienne Filho, na Tribunada Imprensa, de 14-1-1950:O problema no consiste em isolar o negro, mas em

    assimil-lo. Uma revista, um teatro, um clube, exclusivamente para o elemento negro, no corre o perigo de hipertrofiarum sentimento de grupo? O problema no de assimilao,antes que de segregao? ( ) Por isso, tememos que iniciativas louvveis como o Quilombo ou o TEN possam sercontraproducentes, isto , consigam o aplauso daqueles queo dariam, de qualquer modo, a qualquer medida anti-racista,63

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    mas, por out ro lado, afastem aqueles que nisto podem verum excelente pretexto para o desenvolvimento de. suas teorias de sangue puro ou de supremacia de raas .

    Sempre o rece io do racismo antibranco No ocorre a J.Etienne Filho que a hiptese de ati tudes antibrancas partidas denegros muito menos perigosa do que o efetivo, concreto, imediato procedimento antinegro de parte de nossa sociedade? Quemest advogando segregao? Ns, os segregados? Ou nossos segregadores?

    Interpretaes desse gnero surgem freqentemente em nossaimprensa. Evoco ainda o Correio Manh de 9-7-1950, quando uma jornalista, assinando sua matria, entrevista KatherineDunham, em visita ao nosso pas. L pelas tantas a redatoracoloca na boca de Katherine estas palavras:

    No Brasil, onde o problema no deveria existir, tiveuma impresso desagradvel ao ver um jornal feito p rnegros e para negros, chamado Quilombo No um ttuloque me parea adaptado segundo li nos seus livros - dissepara Gilberto Fre ire - e parece-me que aqui, onde o p ro blema no igual ao dos Estados Unidos, os negros devemler a imprensade todos, no se segregarem voluntariamente o que pode dar resultados nefastos. Quando discuti essesproblemas com o lder de um movimento 'negro' disse-lhe:'Voc me faz lembrar Marcus Garvey'. uma srie de inverdades como essa da s r ~ o voluntria do negro, de jornal feito por negros e para negros . Aeterna incompreenso mais prxima intriga do que ao equvoco.

    A prpria Katherine, de So Paulo, onde se encontrava, em cartaquela jornalista retificou:Como a senhora sabe, sou uma grande amiga de Abdiasdo Nascimento, no Rio de Janeiro, e seus associados, quefazem parte do teatro negro. Sou perfeita conhecedora dosseus problemas, assim como dos negros brasileiros, especialmente porque eu mesma fui vtima da discriminao racialaqui em So Paulo. ( ) Falando ainda de um ponto de

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    vista puramente cientfico, e acredito que isto tenha ficadoclaramente entendido entre ns, Gilberto Freire e eu, a pu-blicao do Quilombo um reconhecimento da segregaodo negro brasileiro, e Abdias do Nascimento, se quisesseseguir a tese apresentada em minha conferncia, que foi oponto de partida de toda esta discusso, teria toda just if icativa em ser um 'Messias' de um povo oprimido e deprimido. Eu no posso afirmar ser esta a inteno, ou mesmoo desejo, do Sr. Nascimento, porque ele nunca o expressoupara mim. Sei apenas ser ele uma pessoa profundamentepreocupada e conhecedora das condies existentes e estdisposto e animado a tentar melhorar estas condies ( ) , o Sr Nascimento que, certamente, conta com a minhacompleta cooperao.s nossos cr ticos, se fossem to fiis verdade quanto soapressados nos julgamentos irresponsveis, equivocados ou maliciosos, constatariam facilmente a ausncia de quaisquer intenesou propsitos auto-segregacionistas, de supremacia de raas, etc.,etc. Se usamos as expresses raa racismo , evidentemente, conforme o entendimento informal, popular, acientfico. Como sina..nimo de etnia e nunca como purismo biolgico. Convm acentuar,entretanto, que o tabu, em que se erigiu a palavra raa, jamaisimpediu e jamais impedir que exeramos os atos ditados pelonosso sentimento de responsabilidade para com o futuro do negrono Brasil. E nem o temor ao apodo infamante de rac is ta ser bastante forte para abafar nossa rebeldia ante essa triste perspectiva,o expediente de entregar morte a soluo de um problema ,como dizia Joaquim Nabuco, que acrescentava:

    O processo natural pelo qual a escravido fossi lizounos seus moldes a exuberante vital idade do nosso povo durou todo o perodo do crescimento, e enquanto a naono tiver conscincia de que lhe indispensvel adaptar liberdade cada um dos apare lhos do seu organismo de quea escravido se apropriou, a obra desta ir por diante, mesmo quando no haja mais escravos.

    Entregar morte foi, realmente, a soluo adotada aps o13 de maio de 1888. Cerca de dois milhes de brasileiros sim-

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    pIesmente atirados rua. Sem meios de se alimentar, vestir, morar. Algum que possua dignidade e entendimento, diante desteespantoso fato histrico, no pode chegar a outra concluso: quiseram l iquidar a raa negra no Brasil, como fizeram mais tardeos nazistas com os judeus. Talvez com um requinte maior de sadismo, desumanidade e covardia. Basta refletir: quase quatro sculos de sujeio e espoliao total. Destruda sua famlia, suatradio. Embrutecido de mente, desnutrido. Assim foi. E eis chegada a liberdade da Lei urea: a liberdade de no comer, nomorar, no vestir. A liberdade de no viver. A liberdade de sobreviver, de subviver e de morrer. Ningum atentou para o quedizia Nabuco:

    A emancipao dos atuais escravos e seus filhos apenas a tarefa imediata do Abolicionismo. Alm dessa, houtra maior, a do futuro: a de apagar os efeitos de um regime que, h trs sculos, uma escola de desmoralizaoe inrcia, de servilismo e irresponsabilidade para a castados senhores.No prximo ano de 1968 completam-se oitenta anos de abolio jurdica da escravatura entre ns. Analisando nossa realidadede hoje quase se pode dizer que a Lei urea fora assinada ontem.A situao do negro livre pouco se modificou nos oitenta anosde abolio: baixo status social, educacional, econmico, poltico,sanitrio o elenco de frustraes transformado num forte po_tencial de justos ressentimentos da raa. Com as iniciativas e realizaes do Teatro Experimental do Negro, tanto no campo artst ico como no social, temos procurado canalizar a frustrao subjacente, em atos e fatos positivos da coletividade negra. Transferirou canalizar o que poder ia se tornar ressentimento negativo, emestado de revolta profundamente criador. Pois a revolta no selimita a expressar uma mgoa, nem se esgota no ressentimento.Com Sartre, acreditamos que ela vai mais longe: a revolta que o mago da liberdade, pelo que ela apenas se realizacom o engajamento na revolta .Nossa revolta est plenamente consciente de que a opressodos negros nos Estados Unidos, na frica do Sul, em Angola eMoambique, ou na Rodsia de Van Smith so formas particula-

    res da mesma opresso que atinge indistintamente a todos os povos de cor, em qualquer pas de predominncia branca. Podemvariar de grau, tais opresses, mas a sua essncia sempre amesma. Da essa constncia singularizando o negro - espoliaoe opresso - den tro dos quadros nacionais e culturais os maisdiversos.Sabemos as dificuldades j enfrentadas e por enfrentar nessatarefa de purgar nossas relaes entre pretos e brancos de fatoresnegativos. Florestan Fernandes afirma mesmo que anica forade sentido realmente inovador e inconformista, que opera em consonncia com os requisitos de integrao e de desenvolvimento daordem social competit iva, procede da ao coletiva dos 'homensde cor' . Mas temos sentido na carne o preo que nos custa. Asagresses de todo o tipo, as intimidaes, a violncia. Por outrolado, sabemos que s somos dignos da liberdade que formos capazes de conquistar. O status scio-econmico de um povo ofruto de sua determinao em consegui-lo. No existe doao debem-estar social. Tal expectativa fruto da utopia paternalista.Contudo, toda vez que o negro rompe esta barreira, no s no ouvido, como suscita incompreenses irracionais , ainda segundo Florestan Fernandes.Deixemos neste pargrafo que o reprter Lus Vil larinhoDirio da Noite, Rio, 6-10-1961) nos fornea alguns dados. Elefez levantamentos estatsticos e divulgou os seguintes resultados:no futebol o negro est presente com 52 , os pardos com 32e os brancos com 13 ; assaltos e furtos: 80 de negros; es-telionatos ou apropriaes indbitas: 90 de brancos; edu-cao (Instituto de Educao, Colgio Militar, Pedro II, ColgioNaval): 8 de negros; universidades: 6 de negros, 10 depardos e 84 de brancos; ginsio: 9 de negros, 26 de pardos, de brancos; primrio: 18 de negros, 25 de pardos,57 de brancos. Se o negro reage e procura ascender aos ambientes mais elevados - diz a reportagem - chega conclusode que tem pela frente um inimigo invisvel - a segregao, que,no Brasil, no tem nome, no classificada, nelll chega mesmoa ser admitida.A idntica concluso chegou tambm Nlson Werneck Sodr:

    OBrasil no ficou imune questo racial, e nem poderia ficar. ( ) Existe, conhecemos os seus efeitos, e os67

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    sentimos por t oda parte . A diferena entre a sit uao t ra dicional - de que o negro trabalhava e o b ran co vivia doproduto do trabalho do negro - e a atual no disfara umtrao social que no se pode apagar p el o engano ou pelasimples negao. No temos casas de espetculos especiais,veculos espec iais e lugares especiai s para o negro , comoacontece nos Estados Unidos. Mas temos , como l , na est ru tu ra social, um lugar especial par a eles. E isso o queimporta.

    DISCRIMINAO MILITANTEO esprito de revolta no possvel senonos grupos em que uma igualdade terica encobre grandes desigualdades de fato.Albert Camus: L Homme Rvolt

    Temos em mos o dossi da discriminao racial em nossopas. Esta no a ocasio para divulg-lo, o que certamente faremos um dia. Por ora, basta referir alguns casos ilustrativos ocorridos antes e depois da Lei Afonso Arinos, votada em 1951, parapunir a discriminao racial e de cor. Entre os mais recentes,ci temos o que aconteceu ao deputado estadual Carlos Santos, doRio Grande do Sul. A imprensa do pas registrou no ms dejaneiro deste ano o incidente em que se viu envolvido esse parlamentar quando, ao candidatar-se presidncia da AssembliaLegislativa do seu estado , foi ameaado de mort e por um seucolega branco, deputado do mesmo par tido , que no admitia serpresidido por um negro. Foi eleito o deput ado Carlos Santos, oque muito recomenda a conscincia democrtica dos parlamentares gachos. Porm a agresso sofrida por aquele deputado, devido sua colorao epidrmica, agravo que transcende sua prpria pessoa para ser o diagns tico de um povo.Durante uma cerimnia que se realizava nos sales de umclube na cidade de Santos ( es tado de So Pau lo ) o deput ado Es meraldo Tarqunio, da Assemblia Legislativa daquele estado, emresposta a um discurso que acaba ra de profe rir, recebeu do coronel do Exrc ito Fleury Varela, comandante da Fortaleza de68

    Itaipu, violenta agresso verbal. Se no Brasil houvesse discriminao racial, um negro cretino [o grifo meu] e subversivocomo voc, Tarqun io , no estar ia no par lamento Correio da nh Rio de Janei ro , 1-7-1965) . Em cer ta ocasio , tambmaqui no Rio, o depu tado Souza Marques, indicado par a ocupa ruma Secre taria no governo estadual, teve sua nomeao vetadapelo fato de ser negro, conforme o prp rio par lament ar denun ciou em sesso pblica realizada na Associao Brasileira de Im-prensa ABI).Para encerrar essa referncia ao poder legislativo, citemos oepisdio mais recente e mais dramtico de quantos tenham ocorrido. Refiro-me ao incidente envolvendo o deputado federal Nelson Carneiro. Agredido fis icamente e injur iado pelo seu colegaSouto Maior , que o chamou pejorat ivamente de negro , viu-se nacontingncia de, em pleno recinto da Cmara Fede ra l, em Bra sl ia, responder a afronta a bala. As declaraes do deputado Nelson Carneiro comisso de inqurito esto registradas n orn ldo Brasil, de 11-6-1967, pg. 20.

    H um evidente retrocesso na participao do negro na i-reo da vida do pas. Raros, rarssimos, atualmente, os membrosde cor de nosso Poder Legis lat ivo. As honrosas excees, comovimos, so vtimas de humilhaes e ofensas. Houve poca , ent re tanto, em que a simples ausncia de um mulato no Minis t rioe ra motivo par a protestos na t ri buna da Cmara . Jo s Honr ioRodrigues O ornal Rio, 21-5-1961) lembra o deputado Antnio Perei ra Rebouas, em pleno 1843, negando autenticidadenacional ao Ministr io que no t inha um representante mulato. acusao de Rebouas respondeu o deputado Angelo Munizda Silva Ferraz - depois bar o de Uruguaiana - como aquele,tambm representante da Provncia Africanizada da Bahia . Suadefesa do Ministr io terminou com a afi rmao de que , quandohouvesse no pas mulatos com ins truo e capacidade, eles noseriam desprezados. Prontamente retrucou Rebouas:Mas aqui estou eu, que me julgo to bom quanto os atuai s,e ningum me convidou.Nesse debate participou ainda outro homem de c or : o d eputado Joo Maurcio Vanderlei, futuro baro e Cotegipe.No estamos reivindicando para todos os negros um diplomade deputado ou t tulo de baro . Espero que minhas palavras no

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    sejam distorcidas e interpretadas com malcia. A discriminaoatinge principalmente as ocupaes humildes. Ainda no dia 28de junho deste ano, o Jornal do rasil inseria em sua pgina 6(Suplemento Classificado) anncio pedindo telefonista com tima aparncia, branca . A candidata deveria telefonar para 52-2260,Sr Alberto, e por favor no se apresentar sem os requisitosacima .

    Obviamente, uma lei s por si mesma no tem o poder e afora de modificar comportamentos estratificados atravs de s-culos de hbito de tratar o negro desrespeitosamente e de formadepreciativa. No concordamos com a identificao, que ultimamente se vem fazendo, de nossa discriminao como mercadoriaimportada dos Estados Unidos. O preconceito de cor brasi leiro secular e autctone. De pura cepa lusitana.

    Outro exemplo significativo temos na conferncia do Sr. Antnio Arruda Cmara, segundo o JorfUll do Comrcio de 7-6-1948.A Sociedade Nacional de Agr icultura procedeu, em 1925, a uminqurito em todo o pas entre pessoas, instituies e autoridadesestaduais e municipais. Revela o Sr. Arruda Cmara:

    Manifestaram-se contra qualquer imigrao 3%. Entre os favorveis imigrao, manifestaram-se contra a amarela 47% e a favor 46 ; contra a negra 76% e a favor18 . No emitiram opinio 7 e 6 , respectivamente,dos interessados sobre a imigrao amarela e negra. A raabranca, excetuados os votos contrrios a qualquer imigrao, no foi objeto de restries, tendo reunido acentuadapreferncia italianos, alemes e portugueses. ( ) Traduzesse inqurito, ainda agora, quase vinte e cinco anos depois,em muitos dos seus aspectos, aspiraes e anseios nacionais.Ser, talvez, porque reflete ele o pensamento de estadistas,economistas e socilogos conhecedores das necessidades brasileiras.

    Nessa pesquisa foram distribudas 6.000 circulares das quaisresponderam 4,16% associaes rurais; 1,54 . associaes comerciais; 25,77% agricultores; 8,7% industriais; 8,24% comerciantes; 30,40% intelectuais; 12,37% autoridades diversas; 8,76%atividades no declaradas.70

    Outro inquri to, este feito por Guerreiro Ramos e seus alunos do curso do Departamento Administrativo do Servio Pblico(DASP), num grupo constitudo em sua maioria por funcionriospblicos anh Rio, 4-7-1948), nenhum se declarou negro.Na pesquisa ficou registrado o irredutvel preconceito de cor :77,35% dos pesquisados no admitiam casamento com negro, e54,71 % o mesmo com o mulato.

    Somente os cegos e os surdos, os duros de entendimento eobsessivos da m f podem desconhecer e negar a gravidade quedia a dia assume nossa inter- relao tnica, com tendncia a seintensificar rapidamente. Bailes e clubes barram o negro, negamlhe certos empregos, a carreira diplomtica, dificultam-lhe o oficialato das foras armadas e praticam a segregao residencial.Quando a segregao no se manifesta luz do dia, exerce suaao envergonhada em avisos ou circulares reservadas. Mesmo depois da Lei Afonso Arinos a ao criminosa do preconceito e dadiscriminao prossegue sua obra nefasta. ilustrativo observar-sea curva sempre ascendente das dificuldades opostas promoodo negro, atravs dos casos mais divulgados pela imprensa, comoaconteceu - para citarmos alguns deles - com a cientista IreneDiggs e a danar ina Katherine Dunham, tambm antroploga,ambas norte-americanas. A primeira foi vetada pelo Hotel Serrador(Rio de Janei ro) e a segunda pelo Hotel Esplanada (So Paulo).

    Oque mais seduzia distncia, neste pas, era a convivncia fraterna dos brancos, negros, mulatos e ndios, eisso, a meu ver, o que h de bsico e substancial numademocracia. ( ) Foi com essa iluso que cheguei aoRio, rumando do aeropor to para o Hote l Ser rador , onde ,com muita antecedncia, a Embaixada Americana reservara aposentos para mim. Eu vinha em misso oficial do Departamento do Estado, estudando a situao social e histrica dos negros na bacia do Prat a e do Brasil.So palavras de Irene Diggs, ao jornql Diretrizes de10-2-1947. Por que teria sido recusada?

    Porque sou negra. O Hotel Serrador arranjou s pressas uma desculpa amarela que no me convenceu. No sa-7

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    biam, naquele hotel, que a Ora. Irene Diggs era negra, e daa atrapalhao em que ficaram quando me apresentei naportaria. ( ) Agora estou convencida de que no Brasilh mais preconceito do que em qualquer outro pas da Am-rica, com exceo dos Estados Unidos. No meu pas essepreconceito tende a desaparecer, o passo que aqui a tendncia para aumentar. E explico por qu: os negros americanos so hoje o grupo negride mais avanado do mundo.Alcanaram tal grau e cultura e bem-estar econmico quej no podem ser tratados como prias. ( ) Ainda nonos amam, mas j nos respeitam, nos Estados Unidos. ( )Revelarei ento o que todo mundo ignora em meu pas, isto ,que este grande pas, onde a raa negra j produziu gniose heris como Henrique Dias, Aleijadinho e outros, dissimula o seu preconceito e raa como a brasa debaixo dacinza. H racismo no Brasil, e com tendncia para aumentar.Digo mais: o nico pas latino-americano onde mais secultiva to odioso preconceito. Estou desencantada.Pelas colunas do Correio Paulistano de 16-7-1950, declaraKatherine Dunham:

    Estou profundamente surpreendida. Havia feito reserv h cerca e dois meses, quando ainda estava no estrangeiro, por intermdio de meus agentes. Eles no ignoravam(o Hotel Esplanada) que o apartamento era para mim emeu marido. A ltima hora a deciso do hotel nos surpreendeu. ( ) Naturalmente senti-me ferida. Minha vida temsido uma luta: most rar que o preconceito um absurdo.

    Nessa mesma ocasio o mesmo Hotel Esplanada mandou cancelar reserva e aposentos feita para Marian Anderson sob a justificativa de que o regulamento vedava a hospedagem a pessoase cor. Katherine constituiu advogado e na sua petio justiadeclarava, depois e historiar os fatos e sua recusa exclusivamente por ser de cor - tanto assim que sua secretria, que branca, inscreveu-se na recepo o hotel:

    Assim, indiscutvel que tal atitude configura o crimee injria, pois foi a suplicante ofendida na sua dignidade

    e decoro (art. 140 do Cdigo Penal) Tribuna da -prensa Rio, 21-7-1950).Tambm o autor deste sofreu vrias experincias de discriminao. Em certa oportunidade viu-se compelido a dirigir aochefe e Polcia do Rio de Janeiro um protesto pelo fato deter barrada, por um comissrio de polcia, sua entrada em umbaile no Hotel Glria para o qual se achava convidado. (Do

    cumento nmero 1.)A estratgia da discriminao em nosso pas, sob crto aspecto, mais sutil e mais cruel que a prat icada nos Estados Unidos, porque no permite qualquer oportunidade e defesa vtima. Criou slogans fabricou leis, com isto domesticou o negro.Em sua grande maioria o negro brasileiro sofre a dopagem dapseudodemocracia racial que lhe impingiram. Ele ainda se achadrogado . Como dizia Walter Scott a respeito do escravo, e parecem dizer nossas leis, hbitos, costumes, enfim todo o comportamento do pas: No acordeis o negro que dorme, ele sonhatalvez que livre.Certa vez escrevi um artigo, sociologia desaculturadaJornal - Rio, 31-10-1954), dizendo em certo trecho:

    Um aspecto que sempre me intrigou e me pareceu damaior significao na observao do fenmeno inter-racialno Brasil aquele relacionado com a fuga o negro suaprpria cor. No que eu desejasse, ou achasse necessrio,que a cada instante, ou mesmo de quando em vez, o homeme cor fizesse profisso de f e sua negrura. No. E la jcarrega em si mesma eloqncia irredutvel. Mas de outrolado, por que se envergonhar de sua herana cultural africana, s prezar a contribuio branca de nossa formao,erro em que incorreu at mesmo um negro ilustre comoJos do Patrocnio, quando bradava enfaticamente: Ns, oslatinos Por que erigir a brancura como nica medidae valor, como o verdadeiro ideal de vida e o supremo padro de beleza? Por que aceitar passivamente s imposiese uma equvoca sociologia que prega a aculturao comoforma natural da soluo do problema negro no Brasil?

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    Esse racismo dis fa rado pela misti ficao cien ti fici sta aviolncia mais chocante e sutil que o negro ter que enfrentar para a sobrevivncia de seus valores peculiares.

    PRECONCEITO E DESEMPREGOA revolta nasce do espetculo da sem-razo,

    ante uma condio injusta e incompreensvel.Albert Camus: L omme Rvolto artificialismo de apresentar o Brasil no exterior como mo

    delo de soluo de convivncia tnica no moda recente. J p orvol ta de 1880, Joaquim Nabuco denunciava o embus te com estaspalavras de sbio: A id i a que a men tir a no ex te rio r hab il itao governo a no fazer nada no pas e deixar os escravos entregues sua prpr ia sor te . Outra coisa no fazem e no fizeram nossosgovernos republicanos, em relao ao ex-escravo.

    Sem que se saiba antec ipadamente quando nem onde, o fato que a verdade sempre se revela. Por mais que essas coisas devamficar confinadas dentro das fronteiras do pas, j se levantam noestrangeiro algumas pontas da t ri ste mor ta lha com que no Brasi lse encobriu a s ituao do negro. The Times de Londres Jornaldo Brasil Rio, 23-4-1960) revela:

    ( ) a d iscr iminao rac ia l existe, rea lmente , noBrasil, ainda que muitos brasileiros neguem esse fato. ( )A discriminao to suave e tcita que torna quaseimperceptvel , mas os negros, conduzidos ao Brasil peloscolonizadores portugueses, encontram-se segregados economicamente. ( ) De um modo geral os negros no conseguem promoes fceis, no s nas at iv idades civis, masden tro das foras armada s. Assegura-se que a r azo dissoest no seu nvel de educao inferior. Mas um garom negro coisa rara num hotel ou r es taur an te de qualidade, e asgrandes lojas nunca os tm a seu servio como balconista.( ) O que preocupa grande par te dos lat ino-amer icanos ,principalmente os , brasileiros, que, com a industrializaoe gradativo aumento de nveis das rendas e conseqentes fa-

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    ci lidades educacionais, breve chegar a ocasio em que osnegros desejaro ultrapassar suas limitadas posies. Perguntam - qual ser a atitude com que os brancos vo en ca ra resses fatos?As dif icu ldades se sucedem numa cadeia inferna l ao negro

    que deseja emprego, e, depois, ascenso no trabalho que a duraspenas tiver conseguido. J mencionamos que para o modesto lugarde telefonist a se exige a co r b ranca. Quer em a moa neg ra explorada e humilhada como nos tempos da escravido: seu lugar na cozinha ou no tanque, em tarefas infe riores. Em c ada 100trabalhadores domsticos, cerca de 62 so negros e mulatos. Umasobrevivncia do regime colonial de prestao de servios que empregada domstica no deve qualquer obrigao em matria de ordenado, garantia de emprego, frias, doena, etc. Tratase de um t raba lhador cu ja garant ia o humor do patro. Seuregistro profissional, significativamente, feito na polcia O I Congresso do Negro Brasi le iro houve por bem dedicar umade suas sesses para ouvir e debater o trabalho que a respeitodas domsticas apresentou uma talentosa advogada negra, a Dra.Guiomar Ferreira de Matos.Como maior fator de desemprego, o preconcei to de cor foimencionado em O Jornal de 14-6-1959. Aps pesquisa fei ta nomercado de trabalho (Rio de Janeiro), a chefe da Seo de Colocaes do Ministrio do Trabalho, Sra. Vera Neves, afirma:

    Com efeito, candidato de cor, mesmo com habilitao[o gr ifo meu] , para o comrc io , escri t rios, c inemas, consultrios, portarias, bares, hospitais , f irmas estrangeiras eoutros estabelecimentos que exigem pessoas de boa aparncia , no 60nsegue t raba lho. ( ) o preconcei to decor que se encontra em primeiro lugar como fator de desemprego, em seguida vem a idade e a nacionalipade.Em Por to Alegre, segundo a mesma notcia de O Jornal

    t ambm se procedeu a uma rp ida pesquisa de campo no mesmosentido da realizada no Rio. Eis as concluses:

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    1 - Existe, tambm em Porto Alegre, o preconceitoracial no aproveitamento do homem de cor, embora veladamente; 2 - ocorre uma segregao espontnea, por partedo preto, que por no se achar preparado psicologicamentee adaptado s condies ambientais, foge da procura de emprego em certas funes; 3 - no se observam negros, ano ser em rarssimas excees, em trabalhos de balconistas, escr,itrios, enfermagem, ou seja, em ocupaes externasde maior contato com o pblico; 4 - em determinadosramos de atividade a presena do negro observada em cargos priml ios da hierarquia; 5 - o maior nmero de pretos observado em trabalhos braais, de estiva, em portos, armazns, lojas, etc.; 6 - a acolhida do negro em funoespecializada, na indstria, pode ser devido defasagem entre o nosso desenvolvimento industrial e a mo-de-obra especializada, cada vez mais rara; 7 - observa-se um esforontimo para que o preconceito de cor no aflore, mantendo-osubjacente, veladamente, para que no venha a constituir-seem outra grave questo social, aqui no Brasil; 8 - o preconceito racial no aparece com maior evidncia, entre ns,possivelmente em virtude do fraco poder econmico donegro.

    A DIF IL LUT ANTIGAA conscincia nasce com a revoltaAlbert Camus: L Homme Rvolt

    Perguntar-se-: e o negro? Ficou quieto todo esse tempo?Assistiu passivamente liquidao de sua raa?Venceram o negro. Submeteram..Jlo. Passivo ele nunca foi. Enem pacfico. Os quilombos, s insurreies e levantes provam,

    ao longo da histria do Brasil, seu senso de dignidade humana,cuja meta sempre a liberdade. Depois da Abolio de 1888,seus esforos duplicaram tendo em vista sobreviver no caos, noabismo em que se viu de repente atirado.Por volta de 1920, mais ou menos, em So Paulo, os negrostentam organizar-se para dar forma coletiva a seus problemas.

    Funda-se o Centro Cvico Palmares, e seu trabalho foi denunciara Guarda Civil de So Paulo que no admitia negros em seusquadros. Surge o jornal Clarim Alvorada fundado por Jaimede Aguiar e Jos Correia Leite, sendo um dos seus propsi tos arealizao do Primeiro Congresso da Mocidade Negra. Combatidapor intelectuais negros, a idia no foi adiante. Chegou, porm, acontar com algumas expressivas adeses, como s do professorArlindo Veiga dos Santos, em So Paulo, e do advogado dr. Evaristo de Morais, aqui no Rio.Em nome dessa democracia racial que Florestan Fernandesj qualificou de mito, mesmo depois que a Unesco constatou denorte a sul a precariedade de nossas relaes raciais, ainda agora,brancos e brancides, intelectuais ou no, insistem em no quererver o que acontece sua frente, negando razo e fundamentoaos que trabalham para melhorar nosso tipo de convivncia tnica.

    A muralha de preconceito e discriminao que no se v,mas que existe, uma criao dos amigos do negro. Vedam-lhena prtica o direito terico da igualdade. Na verdade ele - onegro - no passa de um cidado de segunda classe. Seu padroeducacional realmente baixo. Por isso ele no pode ocupar ospostos mais elevados da hierarquia social. Culpa do negro? Ascrianas negras morrem em maior nmero: seria culpa de sua in-ferioridade biolgica? Ou de seu baixssimo padro alimentar, desade, de higiene? O negro no possui especializao profissionalpara enfrentar o t rabalhador de outras origens - ter ele poderde decises privativas do poder pblico, para evitar, impedir suaprpria degradao? No pode estudar por falta de meios, e notendo habilitao profissional no pode trabalhar e conseguir osmeios de que necessita. um hermtico crculo vicioso da civilizao capitalista - e dita crist - que precisa ser rompido dequalquer forma nte s que ns, os negros, pereamos todos. Noexageramos. No estamos longe da extino total do negro noBrasil. Basta consultar os nmeros.

    Rio Branco assinala que s vsperas da Independncia, 1822(um Brasil independente mas escravizador da maioria de seusfilhos), havia 3.800.000 habitantes, sendo: 1.930.000 negros,1.043.000 brancos e 526.000 mulatos.Segundo o IBGE temos: em 1872: brancos 3.787.289; negros 1.954.542; e pardos 4.188.737. Em 1890: brancos 6.308.198;

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    negros 2.097.426; e pardos 5.934.291. Em 1940: brancos26.171.778; negros 6.035.869; e pardos 8.744.365. Em 1950:brancos 32.027.661; negros 5.692.657; e pardos 13.786.742.Em percentuais, vemos o declnio do negro nas datas mencionadas: 19,68 ; 14,63 ; 14,64 ; 10,96 . Da mesma forma fcil constatar-se a branquificao da populao brasileira atravsdos mesmos percentuais nas mesmas datas acusando para o brancoe o pardo (eufemismo de mulato) respectivamente: 1872: 38,14

    e 42,18 ; 1890: 43,97 e 41,40 ; 1940: 63 ,47 e 21,20 ;1950: 61,66 e 26,54 .Nunca demais insistir: o slogan da democracia racial brasileira serve discriminao disfarada e ao lento, porm inexorvel, desaparecimento do negro. ti a frmula encontrada peloBrasil para apagar a mancha da escravido, conforme desejavaRui Barbosa ao mandar, como ministro da Fazenda, que se queimassem os documentos referentes ao trfico escravo e ao regimeescravocrata. Falou vagamente numa indenizao aos ex-escravos,mas de concreto s mesmo a queima de papis. Satisfazia-se comessa providncia romntica a m conscincia das classes dirigentes.Com a revoluo de 1930, os negros de So Paulo tentamnovo avano. Organizam a Frente Negra Brasileira, movimentoliderado pelos irmos Arlindo e Isaltino Veiga dos Santos, JosCorreia Leite, Gervsio de Morais e Alberto Orlando. A gente

    negra paulista respondia assim ao apelo da poca de transioque o pas atravessava. A iniciativa alastrou-se rapidamente nos no interior do estado de So Paulo, como nas grandes cidadesde significativa populao de cor. Sem dvida representava umanova posio do negro, cansado de bancar o jaguno, o capanga,o cabo eleitoral dos velhos caciques de calcanhar ainda preso aorecente perodo escravocrata. Foi um teste relativamente bem-sucedido, ficou provada a capacidade organizacional do negro numasociedade que lhe negava participao e qualquer oportunidadede bem-estar social. O negro exprimia-se com desenvoltura nosplanos social, cultural e poltico. O Estado Novo de 1937 fechouas portas desse belo esforo.

    No pretendo traar a crnica dos movimentos dos negrosde So Paulo. To-somente me anima algumas refernciasaos esforos do negro nos quais tomei parte ou tive informaes

    diretas. Isto servir para situar, no tempo e no espao, a significao do I Congresso do Negro Brasileiro, finalidade bsica destevolume. O trabalho e os esforos daqueles negros tinham umsentido prtico, o ambiente era de competio intensa com osdemais elementos que formariam a sociedade multirracial paulista_ ncleo da civilizao urbana e industrial do Brasil de nossOsdias. Outro instrumento importante dessa poca foi o ube Negro de Cultura Social, fundado em 1932, e que em maio de 1938teve suas realizaes do cinqentenrio da Abolio oficializadaspor Mrio de Andrade, ento diretor do Departmento Estadualde Cultura.u j participara de realizaes tanto em So Paulo comoem Campinas (interior do estado) no Centro Cvico Campineiro(1933). Nessa mesma cidade onde a discriminao ostensiva aonegro durou at ontem, promovi com Geraldo Campos de Oliveira, Aguinaldo de Oliveira Camargo, Agur Sampaio, Jernimoe Jos Alberto Ferreira, o Congresso Afro-Campineiro. Teve lugar em maio de 1938 e contamos com a colaborao das alunasda cadeira de sociologia da Escola Normal, ministrada pelo pro-fessor Nlson Omegna.Em outra ocasio, o negro paulista teve que enfrentar umchefe de polcia, o dr. Alfredo Issa, que atendendo pedido de comerciantes proibiu o footing tradicional que os negros promoviamaoS domingos na Rua Direita. Uma comisso foi enviada ao Rio:Fernando Goes, Rossine Camargo Guarnieri, Galdino e Abdias doNascimento. Aqui, um dos que mais nos ajudaram a combater aportaria racista foi o jornalista Osrio Borba, do Dirio e Notci sO Rio apresenta uma teia de mistificaes que dificulta aindamais a compreenso dos problemas de relaes de raa. A cidadedespista com simpatia, belas cores e ritmo contagiante a prticada discriminao racial. onde a segregao residencial atingeseu ponto mais agudo. Basta percorrer os guetos das favelas. OEstado e o Paulo suplemento especial de 13-4-1960, publicaos seguintes dados de 1950: Populao do Rio brancos 1.660.834; negros e mulatos - 708.459. Populao faveladabrancos _ 55.436; negros e mulatos - 113.218.Isto quer dizer que para cada trs habitantes do Rio, um negro. Para cada branco favelado, h dois negros morando no

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    II t 1I1l IIII l I l I l I lS para o fato, segundo a presente estatstica, lfu I I l I (' jL l ll r 11111 tero da populao carioca e figura em cifraIUU It, UlIlu. 111\ populao favelada, teremos diante dos olhos adhllilt N l W l ~ l o de moradia imposta populao de cor.

    Ilio chocante a situao de fato que ningum se rende l v l d ~ l l i l l e alguns procuram tangenciar: mas o negro no odollo da cidade no Carnaval? Seus craques de futebol no so osmuis aplaudidos? No temos um 'rei' Pel? Mrio Filho com seuestudo O Negro Futebol Brasileiro j no esgotou e encerrouo assunto? A resposta simples: no. Mrio Filho prestou umenorme servio ao pas com sua denncia. Mas o problema mudoude feio porm no foi resolvido. Ainda em dezembro de 1951,pela Ollima Hora Gentil Cardoso, tcnico de renome, fez acusaes:

    Por causa da cor - dizia o reprter - Gentil temperdido muita coisa, em dinheiro e em glria. Fala o discutido co t hCulpa exclusiva da pigmentao. Porque sou negro, me perseguem e me tiram as grandes possibilidades.

    Negam-me ainda, por causa da cor, todo o meu trabalhoem favor do futebol brasi leiro. ( ) Uma vez o pres identedo Flamengo, Drio de Melo Pinto, recebeu uma carta queme acusava de ter recebido metade das luvas do Eliezer .Acontece, porm, que, para minha salvao, Eliezer norecebeu nquel de luvas.o processo grosseiro e sempre repetido esse denunciadopor Genti l: quando no tm argumentos contra um negro, o maisfcil cham-lo de desonesto, de ladro, de negro sujo. Vejamosagora o depoimento do grande Domingos da Guia ltima HoraRio, 8-6-1957):

    Aparentemente, o futebol brasileiro no faz discriminao racial. Olhem o panorama dos nossos jogos: o pre toe o branco atuam juntos. H times quase somente de pretos.Essa confraternizao parece levar, fatalmente, conclusode que tanto faz, nos gramados do Brasil, te r uma cor ououtra. O problema, porm, mais dramtico do que pa-80

    rece. No se deixem iludir pelas aparncias. E um nomeocorre, irresistivelmente: refiro-me a Gentil. , sem dvida,o mais solitrio, o mais desprezado dos tcnicos. H, nodestino de Gentil, um outro detalhe misteriosssimo. Ei-Io:o sucesso, a glria, o seu trampolim para a rua da amar-gura.A tenso racial afeta no s o futebol como outras reas desportivas. Nelson Rodrigues fixa admiravelmente bem o encontro

    de luta-livre entre Gracie versus Valdemar Oltima Hora Rio,1959). Diz ele: Ignora r o fato racial tirar da l ut a Gracie x Valdemar todo o seu patt ico. preciso ver, antes de tudo e sobretudo, o drama da cor. O branco contra o preto e viceversa. Eu sei que os anjinhos vo est ranhar: 'Mas como?No Brasil no existe o preconceito racial ' Tanto existe, quea simples sugesto do problema j irrita, j exaspera, e todos o evitam com impressionante pusilanimidade. Mas oque importa o seguinte: o que houve, anteontem, na ACM,foi a forra ancestral do negro sobre o branco. ( ) O

    lutador preto subiu ao ring. E, ento, ocorreu, a meu lado,um fato transcendente, que foi o seguinte: um sujeito louro,barrigudo e sanguneo, falou em 'negro boall'. 'Negro boal 'A par ti r deste momento eu vi tudo. A luta perdeu para mimtodo o sentido tcnico e esportivo, que a poderiam banalizar.Adquiriu uma dimenso nova. E se me perdoarem a enfticasubli tera tura, direi que vi o ret in to Valdemar , no como'um negro', mas como 'o negro' . ( ) .. , cada um dens tem o seu racismo irredutvel. Vo argumentar com aferocidade dos brancos norte-americanos. E, com efeito, nsno linchamos, mas fazemos algo pior: ns humilhamos.Todas as relaes entre brancos e negros, no Brasil, se fazem, justamente, na base desta humilhao. O negro maisnobre, mais ilustre, mais puro, passa a ser apenas um moleque, se experimentamos uma vaga e superficial irritao.Fingimos uma igualdade racial, que o cnico disfarce deum desprezo militante, profundo. Pouco antes da batalha,Valdemar foi ainda uma vez humilhado e ofendido. Ele cresceu, ento, irresistivelmente.

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    Carnaval, macumba, futebol e gafieira: eis o resumo da reaconsentida ao protagonismo do negro. A fome e a enfermidadedo negro, seu analfabetismo e seu barraco, sua criminalidade ouseu desamparo, tudo isso levado a dbito na conta geral do povobrasileiro. Tudo passa a constituir um bloco dos que no tm,contra o bloco dos que tm. Raa a no entra. No passa pelacabea dos argumentadores desse tipo que os pobres, os demaisnecessitados, o so por contingncia da situao do pas ou porincapacidade individual na competio e no pelo fato de ter apele mais escura. Pelo fato de ter sido desumanamente exploradodurante quatro sculos. E depois ter sido atirado no meio da rua,como bicho. Sem sequer ingressar na sociedade competitiva.Existe uma patologia social do branco: preservao de certosprivilgios baseados na herana da raa supostamente dominadora.Sob os efeitos da violenta compulso social que o atingiu, tambm o negro .sofreu abalos orgnicos e emocionais. Isso era inevitvel. Esse estado de traumatismo ainda perdura. Por isso, a maioria negra ainda se contenta com o desfrute dessa rea ldica e recreativa em que a confinaram. Nessas atividades o preto evade-se,sublima o penoso sentimento de frustrao e emparedamento totragicamente expresso por Cruz e Sousa. Mas h uma parcela sig-nificativa de negros esclarecidos tentando sempre retomar a -l itncia no sentido de elevar o padro de vida de seus irmos decor, afirmar e desenvolver a cultura ancestral trazida da frica,no no sentido de um retrocesso histrico, porm valorizando acontribuio original da cultura negra no enriquecimento espirituald a nova ptria. Enquanto nosso movimento atuava no centro-sul do pas, um grupo de estudiosos realizava no Recife (1934)e na Bahia 1937 , respectivamente, o I e II Congresso AfroBrasileiro. Foram congressos acadmicos. Descreveram o negrosob aspectos histricos, antropolgicos, folclricos, etnogrficos,usaram o negro como matr ia-prima de pesquisas. Mas no seconfundiram com as reivindicaes prticas e objetivas da gentenegra. O negro, como mais tarde diria um membro da corrente,entrou naqueles certames como o micrbio sob o olho do microscpio. Tiveram assim prioridade o lado mais vistoso e ornamental da vida negra - os candombls, a roda de samba, a capoeira particularmente o enfoque do negro coisificado , esttico,imvel, e estranho dinmica da sociedade brasileira.82

    Tem toda a razo Guerreiro Ramos na sua denncia de socilogo autntico, isto no acadmico e no aculturado pelacincia aliengena:No hesito em dizer mesmo que, do ponto de vis ta dointeresse nacional, a maioria de nossos estudos antropolgicose sociolgicos sobre negro contriburam para t ravar oprocesso de evoluo das massas de cor anh10-12-1950). Eis a causa por que o TEN nunca foi compreendido pelos prgonos da cincia oficial que, emborano o hostilizassem francamente, sempre se conduziram emface do empreendimento com desconfiana. No fundo, percebiam que o TEN representava uma mudana de 180 grausna orientao dos estudos sobre o negro. Todavia , nuncaos dirigentes do TEN hostilizaram os antroplogos esocilogos oficiais. Foram, na verdade, pacientes com eles.Atraram-nos para as suas reunies, certos de que, na medida em que fossem sinceros, poderiam ser recuperados.Vale a pena insistir neste pon to . O TEN foi, no Brasil, oprimeiro a denunciar a alienao da antropologia e da sociologia nacional, focalizando a gente de cor luz do pitoresco ou do histrico puramente, como se se tratasse deelemento esttico ou mumificado. Es ta denncia um

    leitmotiv de todas as demonstraes do TEN, entre as quaiso seu jornal Quilombo a Conveno Nacional do Negro(So Paulo, 1945), a Conferncia Nacional do Negro 1949e o Primeiro Congresso do Negro Brasileiro (Rio, 1950) .Os dirigentes do TEN sabiam e sabem que, de modo geral,a camada letrada e os antroplogos e socilogos oficiaisno estavam, como ainda no esto, preparados mentalmente para alcanar o significado da iniciativa Cadernosdo nosso tempo n O 2 .

    A CONVENO NACIONAL DO NEGRO BRASILEIROFundando o Teatro Experimental do Negro (TEN) em 1944,pretendi organizar um tipo de ao que a um tempo tivesse significao cultural, valor art stico e funo social. De incio havia a

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    necessidade urgente do resgate da cul tura negra e seus valores,violentados, negados, oprimidos e desfigurados. Depois de liquidada legalmente a escravido, a herana cultural que ofereceriaa contraprova do racismo, negador da identidade espiritual daraa negra, de sua cultura de milnios. O prprio negro havia perdido a noo de seu passado. Reencontrando-se com suas foraspotenciais, o negro, parcela do povo brasileiro, estaria apto a umacontribuio criadora indita em nosso teatro, tanto no que se refere a uma esttica brasileira do espetculo como no terreno deuma dramaturgia autntica. Num pas que, segundo Joaquim Nabuco, um pas de negros, no se concebia que o elemento de corno participasse do teatro nem como ator nem como personagem,s aparecendo em cena em papis ridculos e secundrios. Muitaimportncia tambm dedicou o TEN na criao de uma pedagogiapara educar o branco de seus complexos, sentimentos disfaradosde superioridade. Mostrar ao branco - ao brasileiro de pele maisclara - a impossibilidade de o pas progredir socialmente enquanto ele insistir no monoplio de privilgio coloniais, mantivercomportamento retrgrado, mascarando-se de democrata e praticando socapa a discriminao racial . E discriminando logo onegro que realmente sangrou, suou, morreu, chorou para construireconomicamente este pas. Ensinar ao branco que o negro no deseja a ajuda isolada e paternalista, como um favor especial. Eledeseja e reclama um status elevado na sociedade, na forma de oportunidade coletiva, para todos, a um povo com irrevogveis direitoshistricos.Tendo em vista o sentido pragmtico de sua ao, o TENorganizou e promoveu em So Paulo, em 1945, a Conveno Nacional do Negro que se reuniu sob a minha presidncia. Ao finalizar seus trabalhos a assemblia votou um Manifesto NaoBrasileira Documento n O 2 .REPERCUSSO DO MANIFESTO DA CONVENO

    O documento final da Conveno foi apresentado aos partidos polticos, lderes e candidatos s eleies presidenciais daquele ano. Em car ta que me dirigiu 27-12-1945), assim se manifestou o brigadeiro Eduardo Gomes candidato da Unio84

    Democrtica Nacional): A raa negra prestou avultada contribuio para a formao do nosso povo, dos nossos costumes epara o progresso do nosso pas. Suas reivindicaes merecem serolhadas com toda simpatia.O general Eurico Gaspar Dutra, candidato do Partido SocialDemocrtico, em telegrama datado de 2-10-1945 dizia: Desejopossam encaminhar-se pleno xito seus trabalhos.O secretrio-geral do Partido Comunista Brasileiro, Sr. LusCarlos Prestes, em carta de 19-12-1945: O Manifesto foi lidocuidadosamente, merecendo inteiro apoio do nosso partido asreivindicaes expostas.Estas respostas testemunham o interesse puramente formaldos dirigentes polt icos pela sorte do negro. Nenhum deles feznada de prtico e objetivo. Tudo no passou das solidariedadesde protocolo, de pura cortesia.Na Assemblia Nacional Constituinte, o senador HamiltonNogueira, em longo, fundamentado e lcido discurso DirioTrabalhista Rio, 15-3-1946), enfrentou a questo corajosamente:

    Perguntaro, talvez: existe no Brasil uma questo racista? e possvel que no exista nas leis, mas existe de fato,no somente em relao a nossos irmos pretos como em relao aos nossos irmos israelitas. H uma questo de fato:restrio entrada de pretos na Escola Mili tar, na EscolaNaval, na Aeronutica, e principalmente, na carreira diplomtica. ) Assim, fao essa proposta Assemblia Constituinte, no sentido de que fique estabelecida em lei a igualdade de todas as raas e considerando crime de lesa-humanidade a contraveno a essa lei.Historicamente o senador Hamilton Nogueira foi quem, pelaprimeira vez apresentou, por sugesto do nosso Manifesto, aoPoder Legislativo, o problema da discriminao como contra

    veno penal. Seu projeto de lei foi recusado. Um grupo deparlamentares sublinhou seu apoio numa declarao de voto, nostermos seguintes:Declaro que votei pela aprovao da emenda n O 1.089ao art. 159 do antigo projeto e ao art. 141 do projetorevisto, cujo destaque foi concedido, emenda esta defen-

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    dida na tribuna pelo nobre senador Hamil ton Nogueira, deque sou o primeiro signatrio, e est subscri ta pelos nobresConstituintes, Srs. senador Hamilton Nogueira, deputadosJos Borba, Aureliano Leite, Plnio Barreto, Antenor Boga,Ataliba Nogueira, Gilberto Freyre, Otvio Mangabeira, JaciFigueiredo, Jos Alkmim, Amando Fontes, Domingos Velasco, Nestor Duarte, Do lor Andrade, Paulo Sarasate eHermes Lima - por estar convencido de que ela tem umfundo profundamente democrtico. Tendo ela sido rejeitadacom fundamento de que nos referidos artigos, isto nopargrafo primeiro dos mesmos, no existe distino dequalquer espcie ou natureza, e sim existe a afirmao deque todos so iguais perante a lei, conforme acentuaram osnobres consti tuintes, Srs. senador Nereu Ramos, l der damaioria, deputado Costa Neto, relator-geral, Prado Kelly,vice-lder da maioria e outros, certo est de que no poderhaver mais nenhuma restrio por motivo de raa e cor,para o ingresso de brasileiros nas carreiras diplomtica, mil itar (Escolas Naval, de Guerra e Aeronutica) e civil, nempoder haver mais nenhuma restr io, seja em que sentidofor, aos brasileiros de cor ou de raa israelita. Assim, reservo-me o direi to de protestar por todos os meios e formas,no futuro, se houver qualquer restrio a algum brasileiropelos motivos expostos. Sala das sesses, 26 de agostode 1946. BenCo Fontenele, Segadas Viana, Ezequiel Mendes, Romeu Fiori, Euzbio Rocha, Baeta Neves, AntnioSilva Dirio Assemblia 28-8-1946, pg. 4.404).Naturalmente as discriminaes contra brasileiros de cor continuaram e continuam. E foi preciso que uma negra de fama mundial, Katherine Dunhan, fosse bar rada no Hote l Esplanada , emSo Paulo, para que tivssemos uma lei anti-racista: a Lei AfonsoArinos, votada em 1951.Convm mostrar a ati tude de certos jornalistas em relao populao de cor. Leiamos Fernando Sabino, sobre meu jornalQuilombo no Dirio Carioca (Rio, 16-7-1949):

    No creio que, no nosso pas, o negro tenha vidaprpria, problemas especficos e aspiraes determinadas.86

    Para comear, no sei bem quem o negro brasileiro . Nospases onde as raas se segregam - e graas a Deus aindano , em termos positivos, o nosso caso - negro todoaquele que tem sangue africano nas veias. Se fssemos aplicar tal critrio de discriminao no Brasil, os brancosseriam minoria. E seria discriminao racial, a rb itrr ia ,como todas elas, o que muito mal. o que Quilomboest fazendo.Afirma em seguida que a discriminao existente de origemmais econmica do que propriamente racial sendo a luta

    em termos de riqueza versus misria. ( ) Sinto-me vontade para tocar ne se assunto porque fui dos que sempre escreveram violentamente contra a humilhante condiodos negros americanos, sujeitos a toda a sorte de injustias eperseguies.Semente de dio como Fernando Sabino chama o nossoesforo em criar um instrumento de autodefesa, defesa pessoal

    ou legt ima defesa do negro, agredido e violentado de tantas maneiras. Eu pergunto: que nome, que qualif icao merece do jornalista, essa minoria branca que espolia e marginal iza a maiorianegra? No haveria aqui a repetio, em termos brasileiros, obviamente, do que est acontecendo em Angola, Moambique, nRodsia, ou frica do Sul, onde uns poucos brancos mantm naopresso os muitos africanos? Que nome teria essa semente?Entretanto, h jornalistas e jornalistas. Dir-se-ia que por antecipao R. Magalhes Jnior contestou os argumentos de Fernando Sabino. m A Noite de 7-1-1946, afirma R. MagalhesJnior:

    o negro, alm da misria em que vive, tem aindaa sobrecarga do preconceito de cor, que mais difcil lhetorna o acesso a camadas mais altas, a um melhor nvelde vida. ( ) No se diga que os negros esto querendocriar por conta prpria um problema do negro no Brasi l.No. Este problema j est criado. S atravs de uma orga-87

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    nizao integrada pelos elementos da prpria raa negra -

    J e at mesmo com finalidade eleitoral - podero os negroscombater a srie de restries que pesam contra eles. Essaacusao de que os negros esto querendo criar o 'problemado negro' , ainda no fundo, uma demonstrao de preconceito, por par te daqueles que tudo recusam ao negro eque desejam v-lo reduzido ignorncia, misria e servido. ( ) Esse movimento (Conveno) , que seiniciou h dias em So Paulo - onde comerciantes estrangeiros chegaram a pedir polcia que impedisse o trnsitode negros por certas ruas gr-finas parece-me til e dignode ser encorajado. Porque mostra que as massas brasileirasesto comeando a se preocupar com o destino coletivo eque o nosso negro est querendo deixar de ser apenas opria que s encontra felicidade na cachaa, na macumba enos sambas de carnaval.

    CONFERNCIA NACIONAL DO NEGRO revolta a recusa do homem a ser tratadocomo coisa e a fi r reduzido simples histria.

    Albert Camus: L Homme RvoltA 9 de maio de 1949, no salo de reunies do conselho da

    ABI, instalou-se a Conferncia Nacional do Negro que, sob opatrocnio do TEN, foi organizada por Guerreiro Ramos, l isonCarneiro e Abdias do Nascimento. Com representantes da Sociedade Recreativa Floresta Aurora (Porto Alegre, RS), TurmaAlvi-Verde e Grmio Cruz e Souza (Juiz de Fora, MO),Unio dos homens de Cor dos Estados Unidos do Brasil Rio),respectivamente Srs. Heitor Nunes Fraga, Sebastio de Sousa eJos Pomplio da Hora; Srs. Osvaldo C. Oliveira (Ribeiro Preto,So Paulo), Cap. Antnio Carlos MG). Milton Nunes da Silva(Cabo Frio, RJ), o jornalista George S Schuyler, enviado especialdo The Pittsburgh Courier, importante rgo da imprensa negranorte-americana, o representante da ONU no Brasil, Sr. Paul88

    Vanorden Shaw, a Conferncia foi aberta pelo Sr. Castro Barreto.Nesta sesso foi aclamada a seguinte Saudao s Naes Unidas:

    A Conferncia Nacional do Negro sada as NaesUnidas e manifes ta a sua conf iana em seus esforos pelaconfraternizao universal.A Conferncia Nacional do Negro espera que as Naes Unidas, como organismo promotor dos direitos do

    homem e da amizade e da cooperao entre todos os povos,sem consideraes de cor, de religio, de lngua, de organizao poltica, continuem a representar dignamente o seupapel de mais alta tribuna da opinio mundial .Nos dias 10, e 12 ocorreram as sesses ordinrias, com

    apresentaes de vrios trabalhos, entre os quais: RogerBastide: I lhas cultura is , conscincia de cor e enquistamentotnico ; 2) Castro Barreto: Contribuio do estoque negro formao da populao brasile ira ; 3) Abdias do Nascimento:Esprito e fisionomia do Teatro Experimental do Negro ;4) Outras intervenes: Sebastio Rodrigues Alves sobre a Questo negra face assistncia socia l ; Haroldo Costa sobre o preconceito nos colgios secundrios; Jos Cludio Nascimento,fundador da Escola Jos do Pat rocnio, t ra tou da alfabetizaonos morros cariocas; Francisco de Assis Barbosa estudou as personalidades humanas e literrias de Machado de Assis e LimaBarreto; Ironides Rodrigues abordou o tema da alfabetizao deMachado de Assis e Lima Barreto; Elza Soares Ribeiro, chefeda seo de emprego do SESI, investigou o preconceito de cornos contratos de trabalho; Guiomar Ferreira de Matos tratou dosproblemas da mulher negra; Nilza Conceio deps a respeito dasituao do secundarista de cor em relao aos demais alunos;Arinda Serafim referiu-se aos problemas de organizao do trabalho domstico; Valdemar Sizenando, presidente da Federaodos Morros, pregou a unio dos pretos e brancos para a conquista da educao e progresso social; Jos da Silva falou dopreconceito do negro contra o negro; Jos Pomplio da Hora ,Isalt ino Veiga dos Santos (antigo dirigente da Frente Negra Brasileira - So Paulo), Lgia Oliveira, Mlton Nunes da Silva,

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    Dante Laytano, Marieta Campos, Ruth de Souza, Maria Manhes,foram outros que apresentaram interessantes contribuies. Mariade Lourdes Vale es tudou aspectos da educao da jovem negraem da prostituio e por fim, o deputado Segadas Vianacontribuiu com a tese O problema do trabalho para o negro .A 3 de maio de 1949 encerrou-se a Conferncia em sessopresidida pelo representante da ONU, Sr. Paul Vanorden Shaw,que entre outras afirmaes disse:

    Entre as homenagens prestadas Organizao das Naes Unidas, neste grande pas, uma das mais simpticas erelevantes esta da Conferncia Nacional do Negro. Revela que os delegados a esta reunio compreendem umpoilto bsico da Organizao Mundial e indispensvel esteiode uma paz permanente - a declarao de que todo serhumano tem direitos, sem distino de cor, c redo ou condio social. Ao lado desses esto os outros que constituemos alicerces slidos sobre os quais repousar a paz quetodos ns almejamos - po, justia e liberdade para todosem todas as partes do mundo. ) Todos ns, de corou no, vimos de presenciar um fato de profunda significao. Primeiro, no hesitou a ONU por um instante pondo, assim, em boa prtica o que prega - de nomearcomo mediador substitu to do grande sueco, conde FolkeBernadotte, o Dr. Ralph Bunche, distinto negro norte-americano. ) No desempenho dessa funo, Ralph Buncheconquistou a admirao e respeito de todo o mundo; tevesob suas ordens civis e militares brancos que lhe serviramdedicadamente, pois que lhe reconheciam os grandes dotesde homem e de estadista.Ainda nesta mesma sesso de encerramento, pronunciaria,talvez, uma de suas ltimas palestras pblicas, o professor ArturRamos, antes de seguir para assumir em Paris o cargo de diretordo Departamento de Cincias da Unesco, onde faleceu. Foi umaaula notvel seu discurso de encerramento. Ao finalizar-se, a Conferncia convocou o I Congresso do Negro Brasi leiro e aprovouseu respectivo ternrio Documento n.o 3) .

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    SOBRE O I CONGRESSO DO NEGRO BRASILEIRONo nmero de jane iro de 1950, em artigo de uilombo euassim definia as linhas do futuro congresso que se reuni ri a noRio em maio daquele ano:

    O I Congresso do Negro pretende dar uma nfasetoda especial aos problemas prticos e atuais da vida danossa gente de cor. Sempre que se estudou o negro foicom o propsi to evidente ou a inteno maldis farada deconsider-lo um ser distante, quase morto, ou j mesmoempalhado como pea de museu. Por isso mesmo o Congresso dar uma importncia secundria, por exemplo, squestes etnolgicas, e menos palpitantes, interessando menos saber qual seja o ndice ceflico do negro, ou se Zumbisuicidou-se realmente ou no, do que indagar quais os meiosde que poderemos lanar mo para organizar associaes einstituies que possam oferecer oportunidades para a gentede cor se elevar na sociedade. Deseja o Congresso medidaseficientes para aumentar o poder aquisitivo do negro,tornando-o assim um membro efetivo e ativo da comunidade nacional.Guerrei ro Ramos vai mais longe afirmando que estatomada de posio de elementos de nossa raa de co r nadamais do que uma resposta do Brasil ao apelo do mundo,que reclama a participao das minorias no grande jogodemocrtico das culturas.

    Conforme j ficou dito, este cert ame no teria ligaes _seno muito remotas - com os Congressos Afro-Brasileiros doRecife 1934) e da Bahia 1937). Esses foram congressos acadmicos, repetimos - mais ou menos distantes da cooperao eda participao popular . O congresso de 1950 reconhecia a existncia de uma populao de cor no pas, consciente de sua importncia como fator de progresso nacional, e tentaria modos emaneiras de promover o acesso ao bem-estar social dos milhesde negros e mulatos do Brasil. Assim o Congresso do Negropreencheu dois objetivos: um passivo e outro ativo, um acadmicoe outro popular, um tcnico e outro prtico. Essa dualidadede objetivos est, alis, bem clara no temrio.

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    o guc at mais ou menos 1940 era considerado uma espciede l scola afro-brasileira de estudos sobre o negro, mais propriamente se poderia denominar de escola nordestina - predominantemente baiana - do que mesmo uma expresso nacionalnesse ramo de estudo. A prpria condio scio-econmica doescravo, diferenciada conforme o contexto histrico das vriasregies do pas, ofereceria reacs mltitplas que dificilmente sesujeitariarrt a generalizaes. em colocar em causa a boa vontade, a generosidade dos organizadores e participantes dos congressos nordestinos afro-brasileiros, podemos afirmar, sem cometerinjustia, que, de nossa perspectiva prtica, esses certames poucoadiantaram ao negro. Sua marca fundamental assentava-se nafruio esttico-epicurista do estudo descritivo. Postura quietista ealienada ainda que humanitr ia e plena de filantropismo. Arepercusso nacional de tais estudos, j disse Guerreiro Ramos,responde, alis, a um no formulado propsito de desviar aateno do pas e do prprio negro dos problemas emergentes desua nova condio de cidado.Ao nosso esforo pela sobrevivncia pela vida, pela elevaode status econmico, cultural, social, carecia significao certo tipode disputa entre os organizadores dos congressos da Bahia e Recife. Por ocasio do Segundo Congresso Afro-Brasileiro da Bahia,Gilberto Freyre escreveu:

    Receio muito que v ter todos os defeitos das coisasimprovisadas. que s estejam preocupados com o ladomais pitoresco e mais artstico do assunto: as rodas decapoeira e de samba, os toques de candombl, etc Incriminado, responde dison Carneiro:

    O congresso do Recife, levando os babalorixs, comsua msica, para o palco do Santa Isabel, ps em xeque apureza dos ritos africanos. O Congresso da Bahia no caiunesse erro. Todas as ocasies em que os congressistas tomaram contato com as coisas do negro, foi no seu prpriomeio de origem, nos candombls, nas rodas de samba ede capoeira.92

    Somente muito mais tarde, em 1953, Edison Carneiro reconheceria que estas duas atitudes - a de considerar o negroum estrangeiro e a preferncia pelas suas religies - desgraaramos estudos do negro . Ao que eu acrescento: muito mais queaos estudos do negro ajudaram a desgraar o prprio negro. OTEN um prolongamento, a continuidade de outra linha de orientao que Guerreiro Ramos chamou de pragmtica. Um de seusprimeiros servios prestados ao negro e cul tura brasilei ra foia denncia daqueles estudos. corrente pragmtica repugnavao uso do negro como objeto, mater ial etnogrfico. Personagemrelevante dessa corrente, Fernando Ges disse certa ocasio olha da Noi te (So Paulo, 6-6-1949):

    Penso que tempo de todos olharem o negro comoum ser humano, e no como simples curiosidade ou assuntopara eruditas divagaes cientficas. Que se cuide da cinciano s louvvel como imprescindvel. Mas que se assistaao desmoronamento e degradao de uma raa de braosoruzados, me parece um crime, e um crime tanto maiorquando se sabe o que representou par a a formao e desenvolvimento econmico do nosso pas.A revolta no o sentimento auto-intoxicador estudado porMax Scheler, definido por Camus como a secreo nefasta emvaso fechado, de uma impotncia prolongada . Muito pelo contrrio, ela o fruto de uma conscincia lcida e bem informadaque no transige nem transaciona com sua identidade e seus i -reitos. Por isso, ainda segundo Camus, todo movimento de revolta invoca tacitamente um valor .Que valor invoca a revolta do negro? eu valor de Homem,seu valor de Negro, seu valor de cidado brasileiro. Quando aAbolio da escravatura em 1888 e a Constituio da Repblicaem 1889 asseguram teoricamente que o ex-escravo um i-dado brasileiro com todos os direitos, um cidado igual ao cidadobranco, mas, na prtica, fabrica um cidado de segunda classe jque no forneceu ao negro os instrumentos e meios de usar asfranquias legais - atingem profundamente sua condio de homem e plantam nele o germe da revolta As oligarquias republicanas, responsveis por essa abolio de fachada, atiraram os

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    qUlIse cinqenta por cento da populao do pas - os escravos eseus descendentes - morte lenta da misria, dos guetos doll ocambo da favela, do analfabet ismo, da doena, do crime, daprostituio. O crime perfeito do linchamento branco isto ,incruento, sem sangue. O linchamento que no deixa rastro nemprova. Com Antnio Callado podemos, sem eufemismo, chamar aLei urea de Lei de Magia Branca, pois nenhuma imposio jurdica ou legal, por si s, tem fora para mudar trezentos anos dacultura de p r v l ~ o s do branco e de espoliao e submissodo negro.Diante dessa situao objetiva, compreende-se melhor frasescomo a de Joaquim Nabuco: A escravido moderna repousasobre uma base diversa da antiga: a cor preta. Ou de MisonCarneiro: um brasileiro de pele preta, que por sinal vairapidamente perdendo essa caracterstica de cor .Vemos na frase de dison Carneiro o ideal da brancurainserido nos refolhos das aspiraes brasileiras. Certa vez, emartigo no Dirio de Notcias 10-12-1950), Tristo de Athaydeafirmou que a substituio do ndio pelo negro e depois a donegro e do mestio pelo europeu era , no fundo, a idia racist aque dominava, com a convico de que a imigrao exclusivamente europia chegasse arianizao do estoque racial mestio .Ataliba Viana ridiculariza nossa propalada miscigenao. Poisno passa de out ro captu lo de uma espoliao que se eternizapelos sculos afora, uma forma de preconcei to, de racismo, quevai, segundo as circunstncias, ressurgindo das cinzas - comoa fnix mitolgica - travestido em outras formas e outros nomes.Miscigenao nunca foi sinnimo de ausncia de preconceito.Daniel Guerin, um francs que estudou a situao do negronorte-americano, anota que quase todos os negros americanos- 80 , calcula-se - so, na realidade, mulatos . Est a destrudo o mito de que mistura de raas a contraprova do racismo. O imperativo fisiolgico, as condies scio-econmicaslevaram o portugus ao comrcio sexual com a negra. Nada provaa favor de sua proclamada ndole isenta de preconceitos. Os resultados desse processo biolgico a esto face de quem quiserver: um simulacro de democracia racial elevado categoria detabu, de fetiche. Certo e verdadeiro : a condio de escravoisto de coisa o ser humano cois if icado) , facilitou a misci-

    genao, para a desgraa do negro. Em sua origem, a miscigenao a violncia, o abuso do poder - e no sentimentos humanose apreconceituosos dos colonizadores. nica e exclusivamentes custas da raa negra se erige esse monumento de impostura,de trgica mentira e oruel hipocrisia, denominado democracia racial brasileira. Diante da miscigenao eu sou neutro: nem contra,nem a favor. Mas no posso morrer calado, como aquele personagem de Koestler Zero e o Infinito tendo diante dosolhos uma teoria de miscigenao que mais a teoria predatri a da ra iz negra, teor ia de mistificao, mascaramento eauto-absolvio. Como refere Jos Honrio Rodrigues Jornal11-5-1961) :

    Se examinarmos a ao portuguesa na frica veremosque a proclamada falta de preconcei to no conduziu miscigenao. Porque, como j acentuamos, faltou ali, quandorealmente se iniciou a colonizao, no fim do sculo passado,a escravido [o grifo meu] que permitia, com ou sem preconceito, usar e abusar dos escravos num plano meramentematerial e sexual.Ainda contemporaneamente se identifica a no existncia deagresses violentas contra o negro, t ipo Estados Unidos, fricado Sul, Angola e Moambique, com ausncia de discriminaoracial. como se se raciocinasse: enquanto negro no caado paulada no meio da rua, no est sofrendo nenhuma injustiaou agresso. No percebem, os que assim pensam, a sutil teor iascio-psicocultural, que vem se complexando ao longo de nossahistria, atirando os que dela participam num labirinto surrealista.Isso tem retardado, mas no erradicado, a ecloso espetacular dopreconceito e a conseqente contrapartida, tambm espetacular,

    reao do negro. O desenvolvimento do pas, a industr ializaode amplas reas de nosso terri trio, o predomnio cada vez maiorda civi lizao urbana, no s devido ao crescimento das cidades,como velocidade dos meios de comunicao, levando informao e hbitos novos aos mais distantes r inces da ptria, estodespertando o negro para sua realidade imediata. O negro brasileiro est espera. Est impaciente. Mas, de espera em espera95

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    - diz Epicuro - consumimos nossa vida e morremos todossobre o trabalhoOutro fundamento da revolta algo que ult rapassa o desprezo da pele preta: trata-se do esmagamento da cultura trazidapelo africano, cujos valores foram sumariamente proscri tos donosso complexo espiritual-cultural. Numa conferncia na ABI, patrocinada pelo TEN, Katherine Dunham teve oportunidade deafirmar judiciosamente que a mais sensvel das formas de privao e de esbulho essa que provoca a inanio espiritual re -sultante do seccionamento dos liames da origem e da tradio.Entretanto, para os cientistas das pesquisas afro-brasileiras, afirmar os valores da c iltura negra no jogo democrtico das oulturasde todos os povos e nacionalidades saudosismo , ou soluo orte-americana , segundo dison Carneiro, um dos autorizadosporta-vozes dessa tendncia. Tal grupo chega, na sua auto-estimae supervalorizao, a nem perceber a distncia que medeia osque vivem um problema daqueles que, nos gabinetes, antolhadospor critrios cientficos maldigeridos, se julgam os maiores donosda certeza e da verdade.Alis, a nfase cientificista que dison Carneiro empresta aseus trabalhos chega mesmo a limites pitorescos. Principalmente,revela seu supremo desdm pelo negro-povo, que no ostentattulos cientficos. Por isso, sua linguagem vinca a consistnciacientfica a cincia como forma superior de conhecimento realidade contra as colocaes de molde popular da questo, doque ele chama sentimentos acientficos e anticientficos O quefoi, em que constituiu a tal cincia afro-brasileira? O povo negroa conhece de sobra: uma literatura descri tiva, ornamental, queem nada o ajudou a caminhar na senda da liberdade e do progresso. Exibidos e explorados como material pitoresco, sua cozinha, seus cultos, sua criminalidade, sua amatria; mas desprezaram, negligenciaram seu direito de ascenso social como negro.Sem a necessidade de transformar-se na pele e no esprito numser tnica e culturalmente ambguo, como se fosse vergonha oucrime sua afirmao como negro. Em nome da cincia pregamuns o luso-tropicalismo, outros, a miscigenao, como formas tradicionais de soluo do problema. m verdade o que pleiteiam a branquificao. Quando abandonam ponderaes desse teor deslocam o fundamental da questo no sentido de encaminh-la para96

    a luta de classes. Outro equvoco, pa ra no dizer uma novaimpostura.A luta do negro pode coincidir com a luta operria, masde forma alguma com ela se identifica pura e simplesmente. Noest provado que o caminho da libertao racial seja o mesmoda liber tao social. O que aprendemos com os exemplos histricos que, na Unio Sovitica, negros e judeus sofrem ouj sofreram discriminao. Nos Estados Unidos existem operrios e sindicatos antinegros, constituindo uma verdadeira aristocracia branca de trabalhadores em detrimento do negro. DanielGuerin descreve em seu livro Descolonizao do Negro Americanoo pavor de um lder comunista br anco ao te r de receber em suacasa, em Nova Orleans, um grupo de negros do seu prpr io par-tido. Estes s puderam entrar pela porta da cozinha. . . No consti tui assim uma lei sociolgica a subordinao da emancipaoracial emancipao social, ou que ambas coincidam necessariamente. A recusa dos sindicatos brancos norte-americanos obrigouo negro criao de seus prprios sindicatos de t rabalhadores.Os trabalhadores em geral desconhecem os problemas especficosdo negro. H relaes de carter espoliativo entre os prpriostrabalhadores. Tal verificao invalida esta concluso de ArturRamos:

    O preconceito de cor um fenmeno de racionalizao histrica, ou melhor, um pretexto, uma estereotopia,que oculta os verdadeiros fatores econmicos. ( )Desaparecidos os fatores econmicos, a l inha de cor seatenuar mais e mais at o seu desaparecimento. A competio ainda existente se far, ento, nas linhas de classe.A romancista branca norte-americana Lilian Smith tambmtestemunha esse fenmeno que ultrapassa o problema da linha

    de classes. Menciona a droga do preconceito que embriaga osbrancos pobres , e entre ns pode ser facilmente constatada amesma droga , embriagando os brasileiros da regio mais pobredo pas - o nordeste. Entre muitos testemunhos leia-se, porexemplo, o romance de Romeu Cruso, A Maldio CanoAinda est por ser escrita a histria das lutas do negro brasileiro para garanti r a sobrevivncia, liberdade e dignidade de

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    ser humano. Cioso da importnc ia de seu papel histrico noBrasil, mas, nem por isso, abrindo mo de uma histria delnios, um passado cultural prprio que nenhuma assimilao ouaculturao deve coagir at ao desaparecimento. O jogo dasinter-influncias culturais deve constituir-se de uma reciprocidadedigna entre todas s diferentes expresses culturais, sem supremacias nem inferioridades. A raa negra, segundo Joaquim Nabuco, fundou, para outros, uma ptria que ela pode, com muitomais direito, chamar sua , pois o que existe at hoje sobre ovasto territrio chamado Brasil foi levantado ou cultivado poraquela raa; ela construiu o nosso pas . Naquela poca, antesda Abolio, brasileiros dignos e preocupados com o futuroo pas, assumiram o Mandato da Raa Negra. Hoje o prprionegro que se investe dever intransfervel de sua promoohumana, social, econmica e cultural. Ele se recusa a permanecercomo matria-prima, vegetativo, pitoresco, segundo o retratou umreprter de L Europeo Gian Gaspare Napolitano (M. Fonseca,O Jornal 3-9-1950):

    Eram belos tipos, altos, desempenados, vestidos impecavelmente de branco, com chapu, guarda-chuva, sapatoslustrosos, camisa aberta, de cor. Tinha tudo quanto umnegro pode desejar no mundo: relgio de pulso, caneta-tinteiro, lencinho no bolso, uma correntezinha de ouro nopescoo. ( ) Cresce como pode, de boa ndole, doce,sensual, mentiroso, afetuoso, devoto, visionrio. ( )-lhes vedado freqentar academias militares, se chega aoficial, depois de ter sido suboficial, no passar nunca doposto de capito, jamais ser deputado, senador, ministro,juiz ou diplomata. ( ) Dentro de cinqenta, setenta anos,este problema mio existir mais os brancos tero absorvidoos negros e os ndios por meio dos cruzamentos. [O grifo meu.]

    Em um dos seus ltimos livros, dison Carneiro diz queum avultado grupo de pequenos-burgueses e burgueses intelectual izados de cor tentou dar voz a manifestaes racistas, desupremacia emocional do negro, a fim de adornar o problema de98

    acordo com a inspirao, a frmula e a soluo norte-americanas .Mais adiante refere-se novamente a esta americanizao forada do ,problema , como a querer t ransferi r para o negro, queviveu intensamente sua situao vital , o seu mimetismo cient ificista, j que conclui pela necessidade do cientista reorientar osestudos do negro . Sua cincia de periferia no lhe permitiu penetrar at intimidade do negro. Recriou nos livros os candombls, o folclore, com a marca do superficial, do esquemtico,ou inaceitvel simplificao. dison Carneiro jamais poderia emitir os conceitos transcritos, emit idos raiz da discusso, que, noI Congresso do Negro Brasileiro, se fez da tese de IronidesRodrigues, A Esttica da Negritude . Tanto dison Carneiro comoL Costa Pinto se insurgiram, negaram a Negritude e tentarammesmo lev-la ao ridculo. Com a publicao do volume em preparo, Negritude Polmica a sair brevemente, se constatar, atravsdas notas taquigrafadas, a consagrao pelo Congresso em peso- o povo negro, o povo-massa-de-cor - do conceito da Negritude, numa lcida antecipao do fenmeno histrico que conduziu s naes africanas afirmao de sua independncia.Curioso e significativo que por ocasio da realizao do PrimeiroFestival Mundia l das Artes Negras - promovido para enfa ti zara Negritude no mundo (Dacar, abril de 1966) - nenhum dosdefensores da Negritude, to atacados por dison Carneiro e LCosta Pinto, esteve presente ao mesmo. No entanto, dison Carneiro no s participou da comisso organizadora (Hamarati ),como viajou fricaA Negritude, em sua fase modema mais conhecida, liderada por Aim Cesaire e Leopoldo Sedar Senghor, mas tem seusantecedentes seculares, como Chico-Rei, Toussaint Louverture,Lus Gama, Jos do Patrocnio, Cruz e Souza, Lima Barreto, YomoKeniata, Lumumba, Sekou Tour, Nkrumah e muitos outros.Trata-se da assuno do negro ao seu protagonismo histrico, umatica e uma sensibil idade conforme uma situao existencial, ecujas razes mergulham no cho histrico-cultural. Razes emergentes da prpria condio de raa espoliada. Os valores da Negritude sero assim eternos, perenes, ou permanentes, na medidaem que for eterna, perene ou permanente a raa humana e seussubprodutos histrico-culturais.

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    Sempre penetrante e autorizado, diz Guerreiro Ramos:No um comportamento romntico que levaria essespovos (africanos) ao enclausuramento (Negritude), a seapegarem aos seus costumes sob a alegao, realmente suicida, de preserv-los em sua pureza; antes uma ati tude queno exclui o dilogo, pois contm a conscincia de que, paraser historicamente vlida, a auto-afirmao dos povos deve

    confluir para o es turio de todas as altas culturas da humanidade.Integrao social assim compreendida no deve, pois, ser confundida com o embranquecimento compulsrio, o desaparecimentodo negro e da negri tude nos quadros tnicos de uma maioria pre

    disposta a trag-los. Extinguem o negro manipulando o regimeimigratrio, na imposio de um estado pe r:manente de misria,na hipertrofia da miscigenao, como o valor mais alto de nossacivilizao. No resta a men6r dvida: o fim da raa negra noBrasil. A integrao no-racista que pregamos outra. Corresponde abertura de oportunidades reais de ascenso econmica,poltica, cultural, social, para o negro, respeitando-se sua origemafricana. Por que essa pregao acintosa e coativa de clarificaoda pele e cultura do povo brasileiro? Justifica-se, a no serpara os racistas, a presso a favor dos estilos culturais e espirituaisdo ocidente em detrimento de outras influncias e contribuies?O que se pratica aqui a negao dos princpios da verdadeirademocracia racial, de cor e cultural, a vigncia do racismo antinegro. Racismo sem apelo ou defesa das vt imas, e para isso funcionam os mecanismos de segurana, criando o inconsciente coletivo, que Guerreiro Ramos chama de lista de preos dos valoresque cada sociedade fornece a todos os seus membros, por forade uma espcie de pedagogia imanente .

    No segredo a pedagogia imanente do nosso subconscientecolet ivo: um dos seus sustentculos a glorif icao da Me Preta. Quase no h, em nosso pas, quem no exiba uma negra quelhe contou his tr ias em criana ou lhe deu de mamar. em geraI, o passaporte condio de amigo do negro. Tambm a exaltao dos craques negros de futebol - vencida a etapa da resistncia a seu ingresso to bem estudada por Mrio Filho - 100

    outro instrumento de segurana, ocorrendo o mesmo com o aplauso frentico aos cantores e msicos negros, s escolas de samba,aos cmicos, passistas e cabrochas. Tais vlvulas de seguranasocial destinam-se ainda a anestesiar a m cpnscincia dos usufruturios de privilgios sociais, monopolistas do bem-estar herdadosainda do regime escravocrata. A prpria Lei Afonso Arinos, votada para outros fins, presta sua involuntria colaborao manuteno do st tus quo Possuindo uma lei antidiscriminativa eantipreconceituosa, os dirigentes, os responsveis pelo progressosocial e poltico consideram-se quites com quaisquer nus ouobrigaes referentes situao intertnica.

    Oprimido e espoliado permanece o negro. Os sofrimentos queele padece tm origem na cor de sua pele. No basta um negro_ excepcional ou sob proteo paternalista - galgar um lugarde projeo, elevar-se do nvel geral mdio de seu povo. Importa,sim, lutarem todos e conquistar oportunidades de elevao paratodos. Pois enquanto um negro for tolhido em sua liberdade porser negro, enquanto um negro tiver obstaculizada sua realizaopelo fato de sua cor epidrmica, todos ns - os negros - estaremos implicitamente sendo atingidos em nossa dignidade de ho-mens e de brasileiros.Assim, o primeiro passo o negro assumir sua negritude. Elesofre, discriminado, por causa da cor de sua pele que os out rosvem. No adianta a reiterao terica de que cientificamente noexiste raa inferior ou raa superior. O que vale o conceito popular e social de raa, cuja pedra de toque, no Brasil, se fundamenta - pior do que na declarada luta de raas - num envergonhado preconceito ornamental, em camuflada perverso esttica. E to forte tal perverso em nosso meio que instilou no prprio negro a m conscincia de ser negro. A forma de passar alinha de cor nos dias de hoje, melhorar a raa , casando-secom branco (fato raro) ou se entregando de qualquer forma aele (fato corrente). Aos cientistas tem cabido a tarefa gloriosade endossar e estimular esse verdadeiro genocdio aqui apresentadocomo modelo e exemplo de cruzamento de raas e harmnica convivncia social. Mas, com Albert Schweitzer, tambm acho a boaconscincia uma inveno do diabo, e o racismo tem seu limitena ndole pacfica do negro. Desde que esta cessa, isto , no momento em que o negro quer ser um aquisitivo, assumir hbitos de

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  • 7/27/2019 Abdias Nascimento. O Negro Revoltado

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    consumo no-vegetativo, e conseqentemente aumentar sua conscincia e participao polticas, quando deseja assegurar nveissuperiores de existncia, tocar as razes de sua subjetividade, oracismo, sob mil disfarces, irrompe minando os passos do negro,quando no o agride frontalmente. E ento somos os criadores deproblemas inexistentes, os copistas da soluo americana. Eume pergunto: que quero afinal? O que fiz me documenta, metestemunha e me responde: tenho defendido a existncia do negroe seus valores como ser humano e cidado brasileiro, tento preservar e enriquecer a personalidade cultural do negro, diferenciadaao nvel da ,universal idade. Isto no retrocesso histrico, masao contrrio, conscincia histrica, presena histrica. Pois sabemos que a erradicao da alienao patolgica do grupo negro- vtima da alienao patolgica do branco - depende emgrande parte da evoluo quali tativa generalizada do povo brasileiro. Seus estilos culturais no Brasil degradaram sua cultura original africana, subst ituindo-a pela culturologia da misria e doanalfabetismo. quilombolas so os precursores de nossa luta dehoje, quando, arriscando a vida ,recusavam a imposio do trabalho forado, dos novos valores culturais, novos deuses, novalngua, novo estilo de vida. So eles - os quilombolas - osprimeiro