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I © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA ABDOME AGUDO Clínica e Imagem

Abdome Agudo - Clínica e Imagem

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I© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

ABDOMEAGUDO

Clínica e Imagem

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Outros livros

de interesseCLÍNICA EPROPEDÊUTICA MÉDICAS

Amâncio – Causas de ... Guia de Diagnóstico Diferencial 2a ed.Bassan – Síndrome Coronariana Aguda nas Unidades de Dor TorácicaBatlouni e Ramires – Farmacologia e Terapêutica CardiovascularBeltrame Ribeiro – Atualização em Hipertensão Arterial – Clínica,

Diagnóstico e TerapêuticaBethlem – Pneumologia 4a ed.Bevilacqua – Fisiopatologia Clínica 5a ed.Browse – Exame Clínico do Paciente Cirúrgico – Fundamentos

DiagnósticosCastro – Propedêutica do Equilíbrio Hidroeletrolítico

e Ácido-BásicoCruz Lima – Raciocínio Diagnóstico – Estudo com 40 Histórias

Clínicas ComentadasDoretto – Fisiopatologia Clínica do Sistema Nervoso – Fundamentos

da Semiologia 2a ed.Evandro Tinoco – Semiologia CardiovascularFerreira e Póvoa – Cardiologia para o Clínico GeralFlorêncio – Testes Funcionais e Terapêutica Ambulatorial

em EndocrinologiaFranco Jr. – (Série Hospital Universitário USP) – Vol. 1 – Manual

de Terapia IntensivaFriedman – Manual de Diagnóstico em Medicina InternaGalvão – ChoqueGayotto – Doenças do Fígado e Vias Biliares (2 vols.)Gerude, Pires, Alves e Mannarino – Terapia NutricionalGilberti – Semiologia Cardiovascular Orientada para a Prática DiáriaGhorayeb e Meneghelo – Métodos Diagnósticos em

Cardiologia ClínicaGoldberger – Tratamento das Emergências CardíacasGonçalves Reis – Laboratório para o Clínico 8a ed.Hoppenfeld – Propedêutica Ortopédica – Coluna e ExtremidadesJosivan – Aulas em Endocrinologia Clínica – Texto Básico

com a Apresentação de 622 Slides DidáticosKnobel – Condutas no Paciente Grave 2a ed. (2 vols.)Levene e Davis – Dor Torácica: Seu Diagnóstico

e o Diagnóstico DiferencialLuz – O Médico, esta Droga DesconhecidaMacambira – Febre Prolongada de Origem ObscuraMenna Barreto – Semiologia do Aparelho RespiratórioNicolau e Marin – Síndromes Isquêmicas Miocárdicas InstáveisNobre, Mion e Oigman – MAPA – Monitorização Ambulatorial

da Pressão Arterial 2a ed.

Nobre, Mion e Oigman – MAPA – Monitorização Ambulatorialda Pressão Arterial 2a ed. (edição em espanhol)

Novais – Como Ter Sucesso na Profissão Médica 2a ed.Oliveira – Semiologia Médica – Quadros SinópticosOtto Miller – O Laboratório e as Técnicas de Imagem na ClínicaPedroso – Clínica Médica – Os Princípios da Prática Ambulatorial

2ªed.Perez – Hipertensão Arterial – Conceitos Práticos e TerapêuticaPessoa – Pneumologia Clínica e CirúrgicaProtásio da Luz – Nem só de Ciência se Faz a CuraRatton – Medicina Intensiva 3a ed.Rocha e Silva – ChoqueRocha e Silva – Série Fisiopatologia Clínica (com CD-ROM)

Vol. 1 Rocha e Silva – Fisiopatologia CardiovascularVol. 2 Zatz – Fisiopatologia RenalVol. 3 Carvalho – Fisiopatologia RespiratóriaVol. 4 Laudana – Fisiopatologia DigestivaVol. 5 Yasuda – Fisiopatologia Neurológica

Rooth Gosta – A Prática do Equilíbrio Ácido-Base e Eletrolítico –Aprendendo a Calcular na Prática o Equilíbrio Ácido-Base com oNomograma Retificado de Siggard-Andersen e com a Régua deCálculo de Severinghaus

Rotellar – ABC das Alterações do Balanço Hidroeletrolíticoe Ácido-Base - Texto Ilustrado com Cartoons para o Estudante deMedicina, Enfermagem e Nutrição

Rubin e Hochstein – Manual de Exame do Pacientepara o Estudante de Medicina

Sanvito – Propedêutica Neurológica Básica 5a ed.Sanvito – Síndromes Neurológicas 2a ed.SBC (Soc. Bras. Card.)/Funcor – Prevenção

das Doenças do Coração – Fatores de RiscoSchor – Clínica Médica – Medicina Celular e Molecular, GenomaSeibel – Dependência de DrogasSilva e Friedman – SepseTavares – Manual de Antibióticos e Quimioterápicos Antiinfecciosos

2a ed.Timerman – Ressuscitação CardiopulmonarVeronesi e Focaccia – Retroviroses Humanas HIV/AIDS –

Etiologia, Patologia, Patologia Clínica, Tratamento, PrevençãoVilela, Borges e Ferraz – Gastrenterologia e HepatologiaWilliams – Asma – Guia Prático para o ClínicoZago – Hematologia – Fundamentos e Prática

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III© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

São Paulo • Rio de Janeiro • Ribeirão Preto • Belo Horizonte

ABDOMEABDOMEABDOMEABDOMEABDOMEAGUDOAGUDOAGUDOAGUDOAGUDO

Editores

ANTONIO CARLOS LOPES

Professor Titular da Disciplina de Clínica Médica do

Departamento de Medicina da Universidade Federal

de São Paulo, Escola Paulista de Medicina,

UNIFESP-EPM

SAMUEL REIBSCHEID

Médico Radiologista e Chefe da Coordenadoria de

Radiodiagnóstico do Departamento de Diagnóstico

por Imagem da Universidade Federal de São Paulo,

Escola Paulista de Medicina, UNIFESP-EPM.

Doutor em Clínica Médica

JACOB SZEJNFELD

Professor Adjunto Livre-docente e Chefe do

Departamento de Diagnóstico por Imagem da

Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista

de Medicina, UNIFESP-EPM

Clínica e Imagem

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IV© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

EDITORA ATHENEU

PROJETO GRÁFICO: Equipe Atheneu

PRODUÇÃO EDITORIAL: Liciane Corrêa

CAPA: Magma Comunicação e Design

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:

1. Abdome agudo: Diagnóstico e tratamento: Medicina 617.55

São Paulo — Rua Jesuíno Pascoal, 30Tels.: (11) 6858-8750Fax: (11) 6858-8766E-mail: [email protected]

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Belo Horizonte — Rua Domingos Vieira, 319 — Conj. 1.104

Abdome agudo: clínica e imagem/editoresAntonio Carlos Lopes, Samuel Reibscheid, Jacob Szejnfeld. —São Paulo: Editora Atheneu, 2006.

Vários colaboradores.

1. Abdome agudo — Diagnóstico 2. Abdome agudo — Tratamento3. Diagnóstico por imagem 4. Sistemas de imagem em medicinaI. Lopes, Antonio Carlos. II. Reibscheid, Samuel. III. Szejnfeld, Jacob.

CDD-617.5504-1176 NLM-WI 900

LOPES, A. C.; REIBSCHEID, S.; SZEJNFELD, J.Abdome Agudo — Clínica e Imagem

©Direitos reservados à EDITORA ATHENEU — São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto,Belo Horizonte, 2006

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ANDRÉ DE MORICZ

Professor Instrutor (Mestre) da Disciplina de

Cirurgia de Emergência do Departamento de

Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da

Santa Casa de São Paulo e Chefe de Equipe do

Serviço de Emergência Cirúrgica da Santa Casa

de São Paulo

CRISTIANA COSTACURTA

Médica Especializanda do Departamento de

Diagnóstico por Imagem da Universidade

Federal de São Paulo – Escola Paulista de

Medicina

DANIEL BEKHOR

Médico Radiologista do Departamento de

Diagnóstico por Imagem da Universidade

Federal de São Paulo – Escola Paulista de

Medicina, Mestre em Radiologia Clínica

DARIO BIROLINI

Professor Titular da Disciplina de Cirurgia

do Trauma do Departamento de Cirurgia da

Faculdade de Medicina da Universidade

de São Paulo

DAVID CARLOS SHIGUEOKA

Médico Radiologista e Chefe da Coordenadoria

de Ultra-sonografia do Departamento

de Diagnóstico por Imagem da Universidade

Federal de São Paulo – Escola Paulista de

Medicina, Doutor em Radiologia Clínica

COLABORADORES○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

EDIVALDO M. UTIYAMA

Professor Doutor da Disciplina de Cirurgia

Geral do Departamento de Cirurgia da

Faculdade de Medicina da Universidade

de São Paulo

EDMUND CHADA BARACAT

Professor Titular Livre-docente, Vice-chefe do

Departamento de Ginecologia e Pró-reitor de

Graduação da Universidade Federal de

São Paulo – Escola Paulista de Medicina

FRANZ R. APODACA TORREZ

Médico Colaborador do Grupo de Fígado

e Vias Biliares e Pâncreas da Universidade

Federal de São Paulo – Escola Paulista de

Medicina, Mestre em Gastroenterologia

Cirúrgica

GASPAR DE JESUS LOPES FILHO

Professor Adjunto Livre-docente da Disciplina

de Gastroenterologia Cirúrgica do

Departamento de Cirurgia da Universidade

Federal de São Paulo – Escola Paulista de

Medicina

GEORGE QUEIRÓS ROSAS

Médico Radiologista e Pós-graduando do

Departamento de Diagnóstico por Imagem da

Universidade Federal de São Paulo – Escola

Paulista de Medicina

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GIUSEPPE D´IPPOLITO

Professor Visitante do Departamento de

Diagnóstico por Imagem da Universidade

Federal de São Paulo – Escola Paulista de

Medicina

GLÁUCIA ANDRADE E SILVA PALÁCIO

Médica Radiologista e Pós-graduanda do

Departamento de Diagnóstico por Imagem da

Universidade Federal de São Paulo – Escola

Paulista de Medicina

GLORIA MARIA MARTINEZ SALAZAR

Médica Residente do Departamento de

Diagnóstico por Imagem da Universidade

Federal de São Paulo – Escola Paulista de

Medicina

IONÁ GROSSMAN

Médica Radiologista

JOSÉ CARLOS COSTA BAPTISTA-SILVA

Professor Associado Livre-docente da Disciplina

de Cirurgia Vascular do Departamento de

Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo

– Escola Paulista de Medicina

JOSÉ MARIA SOARES JUNIOR

Médico Ginecologista e Pós-graduando do

Departamento de Ginecologia da Universidade

Federal de São Paulo – Escola Paulista de

Medicina, Doutor em Medicina

JOSÉ ROBERTO FERRARO

Professor Assistente da Disciplina de

Gastroenterologia Cirúrgica do Departamento

de Cirurgia da Universidade Federal de

São Paulo – Escola Paulista de Medicina

LORY DEAN COUTO DE BRITO

Médico Radiologista e Especializando do Setor

de Neurorradiologia do Departamento de

Diagnóstico por Imagem da Universidade

Federal de São Paulo – Escola Paulista de

Medicina

LUÍS RONAN M. F. DE SOUZA

Médico Especializando do Departamento de

Diagnóstico por Imagem da Universidade

Federal de São Paulo – Escola Paulista de

Medicina

MARCELO RODRIGO SOUZA-MORAES

Médico Cirurgião do Pronto-socorro do Hospital

São Paulo – Universidade Federal de São Paulo

– Escola Paulista de Medicina, Mestre em

Cirurgia Vascular

MARCO AURÉLIO ALVARENGA FALCÃO

Médico Radiologista e Especializando do Setor

de Abdome do Departamento de Diagnóstico

por Imagem da Universidade Federal de São

Paulo – Escola Paulista de Medicina

ROGÉRIO PEDRESCHI CALDANA

Médico Radiologista do Setor de Abdome

do Departamento de Diagnóstico por Imagem

da Universidade Federal de São Paulo

– Escola Paulista de Medicina, Doutor em

Radiologia Clínica

ROSIANE MATTAR

Professora Adjunta e Chefe de Clínica

Obstétrica da Disciplina de Obstetrícia

do Departamento de Ginecologia da

Universidade Federal de São Paulo

– Escola Paulista de Medicina

SALOMÃO FAINTUCH

Médico Pós-graduando do Departamento de

Diagnóstico por Imagem da Universidade

Federal de São Paulo – UNIFESP.

Clinical Fellow, Interventional Radiology Beth

Israel Deaconess Medical Center – Harvard

Medical School, Boston, EUA

SAMIR RASSLAN

Professor Titular da Disciplina de Cirurgia

de Emergência do Departamento de Cirurgia

da Faculdade de Ciências Médicas da Santa

Casa de São Paulo e Diretor do Serviço

de Emergência Cirúrgica da Santa Casa

de São Paulo

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SÉRGIO HERNANI STUHR DOMINGUES

Mestre em Gastroenterologia.

Médico Contratado da Disciplina de

Clínica Médica da Universidade Federal

de São Paulo – Escola Paulista de

Medicina.

SÉRGIO MANCINI NICOLAU

Professor Adjunto da Disciplina

de Obstetrícia do Departamento

de Ginecologia da Universidade Federal

de São Paulo – Escola Paulista

de Medicina

SUZAN MENASCE GOLDMAN

Médica Radiologista e Chefe do Urinárioe da Ginecologia e Obstetrícia do Setor deAbdome do Departamento de Diagnósticopor Imagem da Universidade Federalde São Paulo – Escola Paulista de Medicina,Doutora em Radiologia Clínica

TARCISIO TRIVIÑO

Professor Adjunto e Chefe da Disciplinade Gastroenterologia Cirúrgica doDepartamento de Cirurgia da UniversidadeFederal de São Paulo – Escola Paulistade Medicina

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Aos Mestres,

Jairo Ramos,

Alípio Correia Neto

e Feres Secaf,

que nos deram o conhecimento que

possibilitou escrever este livro.

“Quem salva uma vida salva toda a humanidade.”

Do Talmude

“O lugar do médico é ao lado de seu doente.”

Hipócrates

DEDICATÓRIA○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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XI© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

A atitude do médico diante de um doente comquadro de abdome agudo deve ser de cau-

tela e humildade. É uma situação clínica difícil,que exige raciocínio e decisões rápidas e precisas.O julgamento não será nem apressado nem dedemora. A natureza do quadro clínico impõe re-gras de disciplina para o médico e para o doente.

A história minuciosa e o exame físico clássi-co são a chave para a conduta e o diagnóstico.

Apesar do quadro de dor e da angústia dodoente que, com freqüência, acompanham oquadro, quase sempre é possível fazer o interro-gatório complementar e chegar a dados impor-tantíssimos para o diagnóstico.

O exame clínico associado ao exame de ima-gem, após anamnese, interrogatório complementare conhecimento dos antecedentes pessoais, são deimportância capital para o diagnóstico desta enti-dade mórbida que, freqüentemente, representaum desafio para os médicos mais experientes. Estasistemática permite estabelecer os diagnósticos combase na fisiopatologia dos processos de doença enão apenas na possibilidade e semelhanças.

Um quadro de apendicite aguda, por exem-plo, obriga à realização de celiotomia. O exame deimagem terá inestimável valor para detectar ascomplicações do processo inflamatório, sua exten-são e propagação para outros locais do abdome.

INTRODUÇÃO○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

O diagnóstico clínico traça a diretriz de con-

duta e, em última análise, o destino e o caminho

que o doente vai seguir.

O doente com abdome agudo pode ser sub-

metido a exames clínicos e de imagem evolutivos.

Em poucas horas, é possível a definição de um

quadro duvidoso horas antes.

O conhecimento da história natural da doen-

ça é essencial. Uma doença abdominal pode co-

meçar como cólica, passar a quadro inflamatório,

perfurativo e/ou oclusivo: cada momento da do-

ença, cada fase, terá sintomas e sinais clínicos e

quadros de imagem distintos.

Também é essencial o conhecimento anatô-

mico o mais aprofundado possível. Os caminhos

da infecção pela cavidade peritoneal foram rees-

tudados e redefinidos com os conhecimentos tra-

zidos pelos exames radiológicos modernos e é

possível a previsão e a definição da extensão das

infecções. Também a distribuição do gás na ca-

vidade abdominal, bem como suas modificações

temporais, pode ser compreendida e utilizada

para o diagnóstico, desde que critérios anátomo-

funcionais sejam considerados.

A doença abdominal aguda, por mais catas-

trófica que seja a evolução, pode começar insidio-

samente. O tratamento rápido é obrigatório.

Page 12: Abdome Agudo - Clínica e Imagem

XII© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

Apesar de o quadro ser essencialmente dolo-

roso, deve-se evitar a prescrição de medicamen-

tos analgésicos e antiespasmódicos para que o

diagnóstico não fique mascarado.

O paciente e sua família devem ser escla-

recidos sobre a possível gravidade do quadro,

bem como sobre a necessidade de intervenções

cirúrgicas.

Este livro traz a experiência prática de mé-

dicos que convivem, no seu dia-a-dia, com os

problemas de diagnóstico e tratamento do abdo-

me agudo.

Sem pretender esgotar o tema, quer apre-

sentar, de maneira simples e concisa, os aspectos

mais complicados do quadro. A intenção dos au-

tores foi a de casar, em um único livro, os proble-

mas e as soluções clínicas, laboratoriais e os da

imagem.

Conta com a colaboração de eminentes es-

pecialistas, tornando-o atual e útil para alunos,

residentes e médicos.

Os autores

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XIII© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

PARTE I — FUNDAMENTOS BÁSICOS

1. ANATOMIA DO ABDOME POR IMAGEM, 3Samuel Reibscheid

2. SEMIOLOGIA CLÍNICA DO ABDOME, 27

Antonio Carlos Lopes

3. PROPEDÊUTICA DA IMAGEM, 41

Jacob Szejnfeld

PARTE II — ABDOME AGUDO

4. ABDOME AGUDO — CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO, 49

Sergio Hernani Stuhr Domingues

5. ABDOME AGUDO INFLAMATÓRIO, 51

Clínica

Franz R. Apodaca Torrez

Tarcisio Triviño

Imagem

Salomão Faintuch

Gloria Maria Martinez Salazar

SUMÁRIO○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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XIV© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

6. ABDOME AGUDO PERFURATIVO, 79

Clínica

Samir Rasslan

André de Moricz

Imagem

Gláucia Andrade e Silva Palácio

Daniel Bekhor

7. ABDOME AGUDO VASCULAR, 95

Clínica

Marcelo Rodrigo Souza-Moraes

José Carlos Costa Baptista-Silva

Imagem

George Queirós Rosas

Rogério Pedreschi Caldana

8. ABDOME AGUDO OBSTRUTIVO, 111

Clínica

Gaspar de Jesus Lopes Filho

José Roberto Ferraro

Imagem

Ioná Grossman

Giuseppe D’Hipolitto

9. ABDOME AGUDO HEMORRÁGICO, 129

Clínica

Edivaldo M. Utiyama

Dario Birolini

Imagem

Marco Aurélio Alvarenga Falcão

10. ABDOME AGUDO EM OBSTETRÍCIA, 151

Clínica

Rosiane Mattar

Imagem

Lory Dean Couto de Brito

David Shigueoka

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11. ABDOME AGUDO EM GINECOLOGIA, 173

Clínica

Edmund Chada Baracat

José Maria Soares Júnior

Sérgio Mancini Nicolau

Imagem

Suzan Menasce Goldman

Luís Ronan M. F. de Souza

PARTE III — CASOS DE ABDOME AGUDO

CASO 1, 193

Samuel Reibscheid

CASO 2, 197

Samuel Reibscheid

CASO 3, 199

Cristiana Costacurta

Lory Dean Couto de Brito

CASO 4, 205

Gaspar de Jesus Lopes Filho

José Roberto Ferraro

CASO 5, 209

George Queirós Rosas

CASO 6, 213

Rosiane Mattar

CASO 7, 217

Samuel Reibscheid

ÍNDICE REMISSIVO, 223

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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Parte I

FUNDAMENTOS

BÁSICOS

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INTRODUÇÃO

O conhecimento da anatomia normal e de suasvariantes é essencial para a compreensão do diag-nóstico e das complicações da doença abdominalaguda. Os exames de imagem são meio auxiliar degrande valor nessas afecções.

A análise e o diagnóstico anatômicos forampotencializados com o estudo da anatomia dinâmi-ca do abdome. A preocupação do radiologista pas-sou a ser o diagnóstico da dinâmica da doença,com o conhecimento prévio da anatomia clássicae das vias de disseminação dos processos mórbidos.Com o conhecimento dessas vias de disseminação,das cavidades virtuais e dos neocompartimentospós-operatórios, muitos processos deixaram de seraleatórios e se tornaram previsíveis.

A imagem obtida pelos raios X e posteriormentepela tomografia computadorizada depende das di-ferenças de densidade radiológica dos vários tecidose estruturas do corpo.

A mesma estrutura aparece com diferentes as-pectos conforme a técnica da sua obtenção. Peloexame radiológico, a primeira técnica criada paraa obtenção da imagem, definem-se algumas den-sidades básicas, como densidade de líquido (tecidose líquidos), densidade gasosa (gás em qualquer lo-cal ou tipo, seja gastrointestinal, intraperitoneal oupulmonar ou num abscesso), densidade cálcica (os-

ANATOMIA DO ABDOME

POR IMAGEM

sos e calcificações em geral), densidade gordurosa(tecidos gordurosos ou acúmulos tumorais de gor-dura) e densidade artificialmente introduzida dassubstâncias de contraste.

Quando o feixe de raios X do exame conven-cional passa pelo fígado ou pelo rim, por exem-plo, ele não discrimina, na imagem obtida, o queé parênquima e o que é vaso ou duto, uma vezque todas essas estruturas têm densidade radioló-gica de líquido.

Já a tomografia computadorizada, que utilizaos mesmos raios X, porém com o tubo em movi-mento circular ou espiral em torno do objeto a serestudado, permite, com o auxílio de decodificaçãopor computador, a discriminação de estruturas comdensidades radiológicas muito próximas.

Outras técnicas, como a ressonância magnéti-ca e a ultra-sonografia, mostram as imagens ba-seadas em diferentes princípios.

A imagem produzida pelos raios X depende dacontrastação entre densidades radiológicas distin-tas e vizinhas; por exemplo, a borda hepática pos-terior pode aparecer claramente demonstrada naradiografia simples desde que haja gordura sufici-ente no compartimento pararrenal posterior, decontigüidade anatômica com o fígado.

Ora, o fígado é palpado pelo propedeuta nasua borda anterior. Então, freqüentemente a he-patomegalia descrita pelo radiologista não tem

Capítulo 1 1 1 1 1

Samuel Reibscheid○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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. 4 .© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

Fig. 1.1 — Radiografia localizada do hipo-côndrio direito em decúbito dorsal, incidên-cia anteroposterior, efetuada duranteurografia excretora. Observa-se o rim di-reito (RD) com contraste no sistema cálico-pielo-ureteral. O fígado (Fig) aparecedelimitado como estrutura homogênea comdensidade de líquido nas porções superiore direita. Fígado e rim direito estão sepa-rados por faixa de gordura, no caso, a gor-dura perirrenal (pontas de seta negras). Aparede abdominal (pontas de seta brancas)é representada como faixa com densidadede líquido. O compartimento de gordurapararrenal posterior, também chamado delinha de gordura dos flancos, aparece comofaixa de densidade de gordura, escura, ime-diatamente para dentro da parede muscu-lar do abdome (seta branca).

correspondência clínica e vice-versa. Da mesmamaneira, o pólo inferior do baço é contrastadopela gordura perirrenal esquerda. Entretanto, osângulos hepático e esplênico do colo podem serdeslocados em casos de aumento de volume dofígado ou do baço, representando, então, cres-cimento dos órgãos no sentido anterior (Figs. 1.1a 1.5).

Não se trata simplesmente de conhecer a for-ma, os contornos, as dimensões e os demais parâ-metros anatômicos de uma dada estrutura. Paraestudar a imagem radiológica é necessário o co-nhecimento das relações entre as estruturas, comofáscias, distribuição das gorduras intra e extraperi-toneais e leis gerais da física das radiações e da for-mação da imagem.

Os exames de corte (por ressonância magnéti-ca, ultra-sonografia e tomografia computadoriza-da) modificaram a maneira de se encarar a radio-grafia simples; então, mais dados passaram a seranalisados e antigos sinais foram revalorizados.

A insistência no valor dos raios X convencionaisnão é matéria de tradição. Continua sendo a téc-nica mais rápida, barata e difundida para a obten-ção da imagem diagnóstica. Seu estudo é essen-cial, pois uma radiografia simples pode ser obtidaem qualquer centro médico.

Algumas imagens apresentadas nessa seção re-presentam estados de doença: há espaços virtuaisque só aparecem quando há lesão expansiva no seuinterior. De outra maneira, não seria possível suadescrição.

A radiologia convencional pode adquirir asimagens de maneira digitalizada, pois, em vez deempregar os écrans reforçadores (que emitem luzquando estimulados pelos raios X e assim impres-sionam o filme radiográfico que será processadoquimicamente), pode utilizar receptores eletrôni-cos, com rápida obtenção da imagem. Essa ima-gem é digital e pode ser trabalhada quanto aosparâmetros de brilho e contraste. A imagem é me-lhorada de maneira significativa, o que evita repe-tições do exame.

OS ESPAÇOS RETROPERITONEAIS

Até há pouco tempo, a análise radiológica doretroperitônio praticamente se limitava à visuali-zação ou não da borda do psoas. A não-visualiza-ção era atribuída a derrames ou processos inflama-tórios. Tal sinal era e é incerto, pois em aproxima-damente 40% dos indivíduos normais as bordas dospsoas são demonstradas de maneira desigual.

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. 5 .© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

Fig. 1.3 — Reconstrução coronal deressonância magnética do abdome.A reconstrução interessa o rim es-querdo (RE). A fáscia renal está indivi-dualizada (seta negra). Observam-seos compartimentos de gordura pararre-nal posterior em ambos os lados (pon-tas de seta negras). As faixas degordura estão representadas pela corbranca (hiper-sinal). De um lado e dooutro da coluna aparecem os múscu-los psoas (Ps) com as bordas bem carac-terizadas contra as gorduras perirrenal(na porção superior) e pararrenal poste-rior (na porção inferior). O fígado (Fig)e o baço aparecem em cor negra (hi-possinal). Observe que a superfíciemedial do baço se relaciona com agordura perirrenal (seta negra).

Fig. 1.2 — Tomografia computadorizada. Corte no nível da porção média dosrins. O fígado (Fig) e o rim direito (RD) estão separados por uma faixa de teci-do gorduroso (2). O peritônio parietal posterior do lado direito aparece comouma fina linha (seta branca). Imediatamente para trás observa-se uma faixa es-cura (3) que representa o compartimento de gordura pararrenal posterior. A su-perfície convexa lateral do fígado está bem delimitada e separada da paredeabdominal (1). Ambos os rins foram contrastados por contraste iodado injetadopor via endovenosa e é possível ver os parênquimas renais e a aorta realçados.

Page 21: Abdome Agudo - Clínica e Imagem

. 6 .© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

Fig. 1.5 — Radiografia do abdome obtida em anteroposterior com o doente em decúbito dor-sal, durante enema baritado com insuflação de gás nos colos. Observa-se o baço (seta branca)como estrutura de densidade de líquido. O pólo inferior do baço (pontas de seta brancas) mar-ca o ângulo esplênico do colo. Por sua vez, o ângulo esplênico é demonstrado por conter gás.As demais porções do colo contêm bário ou ar, como o colo transverso (CT).

Fig. 1.4 — Reconstrução axial de ressonância magnética do abdome. O corte representa ima-gem no nível dos rins direito (RD) e esquerdo (RE). A fáscia renal é nítida (setas negras), delimi-tando a gordura perirrenal. O compartimento de gordura pararrenal posterior projeta-se paratrás do folheto posterior da fáscia renal e estende-se anteriormente pelo flanco (pontas de setanegras).

Page 22: Abdome Agudo - Clínica e Imagem

. 7 .© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

Uma série de estudos anatômicos e radioana-tômicos demonstrou detalhes da anatomia que sãoabsolutamente úteis para o diagnóstico e que fize-ram as frases: “Muitas reputações clínicas perma-necem enterradas atrás do peritônio. Nesta selva desolidão mesenquimatosa, com limites vagos e im-precisos, o clínico é geralmente abandonado ape-nas com seu instinto e princípios básicos do diag-nóstico para conduzi-lo.” (Editorial: Periuretericfibrosis. Lancet 2:780-781, 1957), ultrapassadas. Aanatomia dos espaços e fáscias é muito bem de-monstrada pelas técnicas de obtenção da imagem.

O espaço retroperitoneal é delimitado pelo pe-ritônio parietal pela frente e pela fáscia transversalpor trás. Ele pode ser dividido em três comparti-mentos ou espaços: espaço perirrenal, espaço parar-renal posterior e espaço pararrenal anterior (Fig. 1.6).

Os espaços perirrenais são limitados pelos folhe-tos anterior e posterior da fáscia renal (Gerota). Osespaços, geralmente, não são comunicantes atravésda linha média. Medialmente, o folheto posteriorfunde-se com a fáscia do psoas ou do quadradolombar. O folheto anterior mistura-se na massa detecido conjuntivo que circunda os grandes vasos ea raiz do mesentério, para trás do pâncreas e do

duodeno. Os rins contêm gordura e as glândulassupra-renais. A gordura perirrenal é responsávelpela visualização dos rins. As supra-renais normaisnão são visíveis e só o serão na presença de calci-ficações. Lateralmente, os folhetos anterior e pos-terior se fundem e formam o ligamento látero-co-nal que, por sua vez, se funde lateralmente com operitônio parietal da parede abdominal.

O espaço pararrenal posterior está situado paratrás do folheto posterior da fáscia renal e do ligamen-to látero-conal e é anterior à fáscia transversal, nãocontendo órgãos. Medialmente, chega até a bordado psoas. Lateralmente, continua com o flanco, for-mando a faixa de gordura extraperitoneal do flan-co (Figs. 1.7 e 1.8). A largura da faixa de gordura émuito variável de indivíduo para indivíduo e se co-munica com a gordura extraperitoneal pélvica.

O espaço pararrenal anterior situa-se anterior-mente ao espaço perirrenal e é limitado pela fáscialátero-conal. É potencialmente contínuo com o es-paço oposto e contém diversos órgãos e estruturas,tais como pâncreas, parte do duodeno e colos des-cendente e ascendente (Fig. 1.9).

O pâncreas normal não é visível, apesar da gor-dura circundante; suas bordas circinadas não de-

Fig. 1.6 — O esquema representa ostrês compartimentos do espaço retro-peritoneal do lado esquerdo. O compar-timento anterior (1) é o compartimentode gordura pararrenal anterior e con-tém vísceras, representando o colodescendente (C). O compartimento pe-rirrenal (2) envolve o rim (R), limitadopela fáscia renal. O compartimento pa-rarrenal posterior (3) inicia-se imediata-mente para trás do rim e se estendepara frente, acompanhando a face late-ral do abdome. Observa-se que o espa-ço pararrenal posterior é delimitadopelo peritônio parietal por dentro (setanegra) e pela fáscia transversal (pontade seta negra) por fora. O músculo pso-as (MP) tem íntima relação com o com-partimento de gordura perirrenal.(Modificado de Meyer, 1.)

1

CR

MP

2 3

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Fig. 1.7 — Tomografia computadorizada. Corte efetuado no hipogástrio. Tra-ta-se de um doente esfaqueado no flanco esquerdo três dias antes e que desen-volveu abscesso no compartimento pararrenal posterior. Há solução decontinuidade no plano muscular do flanco esquerdo (asterisco branco) provo-cada pelo instrumento perfurante. O compartimento pararrenal posterior estáaumentado e contém massa de densidade heterogênea (seta branca), correspon-dente a abscesso de grandes dimensões. O peritônio parietal posterior está des-locado para frente (pontas de seta brancas) pela presença de massa. O músculopsoas do lado direito (Psd) e o quadrado lombar (Qd) têm aspecto normal. Dolado esquerdo, o alargamento do espaço pararrenal posterior provocado peloabscesso afasta o músculo psoas (Pse) do quadrado lombar (Qe).

Fig. 1.8 — A figura representa umscout film, feito como parte inicialda tomografia computadorizadado doente representado na Fig.1.7. Os compartimentos de gordu-ra pararrenal posterior são visíveisem ambos os lados. Do lado direi-to, onde o aspecto é normal (setanegra), aparece delimitado peloceco (Ceco) e pelo colo ascen-dente por dentro, e pelo planomuscular por fora (pontas de setanegras). A faixa de gordura parar-renal posterior do lado esquerdo(seta branca) está ocupada pelamassa abscedada (Col); o colo des-cendente (CDc), por dentro e aparede muscular (ponta de setabranca), lateralmente. A diferençade aspecto e espessura dos com-partimentos de gordura pararre-nais posteriores é notória. Na Fig.1.7, o abscesso está apontado pelaseta branca. O scout film é umaradiografia digital e como tal deveser analisada.

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terminam condições adequadas de contrastação. Opâncreas calcificado é característico, exibindo a to-pografia do órgão. O duodeno quase nunca é visua-lizado na radiografia simples. Os colos costumamser demonstrados devido ao conteúdo gasoso e fe-cal característicos. O espaço pararrenal anteriortambém se comunica com a gordura extra-peritoneal na pelve.

Se separados pelas fáscias, os compartimentosnão são absolutamente estanques, podendo entrarem comunicação por processos de doença, seja noslocais de comunicação descritos através da gordu-ra extraperitoneal, seja por permeação de membra-nas, como ocorre nas pancreatites, quando o exsu-dato pancreático, de origem retroperitoneal, ultra-passa o peritônio posterior e invade a retrocavida-de dos epíploons.

PSOAS

Inicia-se na altura da quarta vértebra lombare se estende para baixo até o pequeno trocanter,juntamente com os músculos ilíacos. A borda late-ral do psoas é visível pela contraposição à gordura

perirrenal, na sua parte alta, e pela presença da gor-dura pararrenal posterior, na parte mais distal.Com freqüência elevada, a borda do músculo nãoé visível, seja pela presença de escoliose postural,seja pela presença de alças com líquido na cavida-de peritoneal.

O sinal clássico — desaparecimento da bordado músculo — tem validade quando o apagamen-to é segmentar: a borda desaparece e volta a apa-recer abaixo da zona suspeita. Essa análise vale,como várias outras relativas a estruturas com den-sidade de líquido, para a radiografia convencional,uma vez que na tomografia computadorizada ouna ressonância magnética as bordas musculares sãobem demonstradas (Figs. 1.3, 1.4 e 1.24).

Quadrado Lombar

Jaz para trás e para fora do psoas. É parte daparede posterior do abdome e separado do psoaspela fáscia transversal. Nas radiografias clássicas,depende da presença de gordura para sua visuali-zação. Sua demonstração é habitual nos exames decorte (Figs. 1.10 e 1.11).

Fig. 1.9 — Esquema dos vários espaços do abdome. A fáscia transversal envolve todasas estruturas do abdome desde a porção posterior até a porção mais anterior. A figuramostra que vários órgãos estão contidos no compartimento pararrenal anterior, que seestende através da linha média. (Modificado de Meyer, 1.)

Fáscia Transversal

Peritônio

Duodeno

RimColoDescendente

PâncreasDuodeno

RimColo

Ascendente

Ao VCI

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Fig. 1.10 — Tomografia computadorizada. O corte foi feito na altura de ambos os rins(RD e RE). Um corpo vertebral (CV) bem como os músculos psoas (Ps) e os quadrados lom-bares (1 e 2) estão apontados. A fáscia renal esquerda (pontas de seta brancas) está afas-tada da superfície do rim esquerdo por alargamento da camada de gordura perirrenaldevido ao efeito de edema. Ambos os rins têm sinais de nefropatia crônica. Há zona deespessamento localizada no folheto anterior da fáscia renal (seta branca), com formatode lágrima. Também o músculo quadrado lombar do lado esquerdo (2) tem o volumemuito aumentado, com aspecto diverso do quadrado lombar contralateral (1). O examefoi efetuado após punção do flanco esquerdo com passagem de cateter de nefrostomia.O fígado (Fig) tem aspecto normal.

Fig. 1.11 — Detalhe da figura ante-rior: a trajetória da agulha de pun-ção, representada pela linha AB, vaida superfície cutânea dorsal até o fo-lheto anterior da fáscia renal; atra-vessa o músculo quadrado lombar,que tem sinais de espessamento (setabranca), e o rim esquerdo. A fásciarenal (pontas de seta brancas) e a le-são por espessamento na fáscia renalanterior (seta negra) são nítidas. Ocompartimento perirrenal (e) tem ovolume aumentado.

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Fig. 1.12 — Tomografia computadorizada. Corte feito no nível do pólo superior do rimdireito (RD). O fígado (Fig), o baço (B) e um corpo vertebral (CV) estão assinalados. Ospilares diafragmáticos direito e esquerdo (setas brancas) aparecem com forma caracte-rística abraçando a aorta (Ao).

Pilares do Diafragma

São mais bem demonstrados quando o feixe deraios X é dirigido ao diafragma ou na incidência ápi-co-lordótica das cúpulas. A gordura pararrenal poste-rior contrasta os pilares desde que atinja a região sub-diafragmática. Aparecem rotineiramente na tomogra-fia computadorizada, onde sua presença ou ausênciaassume importância diagnóstica (Figs. 1.12 e 1.13).

A CAVIDADE PERITONEAL

A cavidade peritoneal é um espaço bem delimi-tado, praticamente fechado, em que os órgãos con-tidos mantêm uma relação complexa entre si.Cada estrutura é sujeita a inúmeras doenças comamplo espectro de alterações anatômicas que po-dem ser detectadas nos exames de imagem.

INSERÇÕES PERITONEAIS POSTERIORES

O esquema da Fig. 1.14 mostra as raízes deinserção, a partir da parede posterior do abdome,

dos segmentos peritoneais do intestino, bem comoas pregas peritoneais do fígado e baço. Os com-partimentos que são descritos a seguir não são es-tanques, possuindo zonas de comunicação maio-res ou menores.

O mesocolo transverso divide a cavidade peri-toneal em dois grandes compartimentos, que sãosupra e inframesocólico.

A raiz do mesentério, de direção oblíqua decima para baixo e da esquerda para a direita, di-vide o compartimento inframesocólico em dois es-paços: o direito, limitado para baixo pela junção domesentério com a inserção do colo ascendente, e oesquerdo, que se abre para a pelve.

Em ambos os lados da inserção dos colos as-cendente, descendente e sigmóide estão as goteirasparietocólicas. A da esquerda, estreita e rasa, é in-terrompida na porção superior pelo ligamento fre-nocólico (Fig. 1.14).

A goteira parietocólica direita, larga e profun-da, é contínua na parte superior com o espaço sub-hepático direito e com sua extensão posterior, abolsa de Morison.

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Fig. 1.13 — Tomografia computadorizada. O doente tem rotura traumática dodiafragma esquerdo com corte efetuado na porção média do fígado (Fig). Assi-nalam-se a aorta (Ao) e um corpo vertebral (CV). Foi demonstrado o pilar dodiafragma direito (setas brancas), mas não o pilar do lado esquerdo, ausente pelarotura do músculo.

Fig. 1.14 — Recessos peritoneais poste-riores e reflexões do peritônio. A figura es-quematiza a face anterior da paredeposterior do abdome depois da retiradados intestinos e do fígado. 1. Espaço subfrê-nico direito; 2. Ligamento coronariano di-reito; 3. Ligamento coronariano esquerdo;4. Ligamento gastroesplênico; 5. Ligamen-to frenocólico; 6. Goteira paracólica direi-ta; 7. Goteira paracólica esquerda; 8.Inserção do colo descendente e sigmóide;9. Inserção do colo ascendente; 10. Raiz domesocolo transverso; 11. Espaço infracóli-co direito; 12. Espaço infracólico esquerdo;B. Baço; VCI. Veia cava inferior; RD. Rim di-reito; BM. Bolsa de Morison; FX. Forame deWinslow; Rc. Retrocavidade dos epíploons.O estômago está representado por linhasoblíquas. D. Duodeno; AE. Ângulo esplêni-co do colo; RM. Raiz do mesentério; Bex.Bexiga. (Modificado de Meyers, 1.)

1

2

3VCI

B

RcFWBM

RD.........4

......5

AED

9

1110

6 RM 128

7

Bex

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Para trás do estômago destaca-se da cavidadeperitoneal, mas em continuidade com a mesma osaco peritoneal menor ou retrocavidade dos epíplo-ons (Fig. 1.15). Ela é uma cavidade virtual localiza-da atrás do pequeno epíploon, do estômago, do bul-bo duodenal e do ligamento gastrocólico. Por baixo,é limitada pelo mesocolo transverso e pelo colo trans-verso. Na porção posterior, está o pâncreas.

Por conseguinte, as massas localizadas naretrocavidade dos epíploons podem deslocar osórgãos vizinhos: o estômago para frente e o colotransverso e seu meso para baixo (Fig. 1.16).

No lado esquerdo, a retrocavidade é limitadapelos ligamentos gastroesplênico e esplenorrenal.

Uma vez que o espaço sub-hepático direito co-munica-se com o espaço subfrênico direito, com abolsa de Morison, com a retrocavidade dos epíplo-ons e, ainda, com a goteira parietocólica (e estacom a cavidade pélvica), fica claramente demons-trado o caminho que um processo infeccioso podefazer, e com freqüência faz, na cavidade peritone-al, bolsas e recessos comunicantes (Fig 1.17).

No lado direito, a cavidade se estende para adireita da linha média e se comunica com a cavi-

dade peritoneal, pelo forame de Winslow. A paredeanterior do forame contém o ligamento hepatoduo-denal.

No lado esquerdo, o caminho pela goteira pa-rietocólica é dificultado, e até mesmo bloqueado,pelo ligamento frenocólico.

Essas considerações anatômicas explicam oscaminhos preferenciais das infecções peritoneais.

Os abscessos e as coleções da retrocavidade dosepíploons ocorrem pela oclusão por edema do fo-rame de Winslow. Da mesma maneira, bolsas e ca-vidades podem ser criadas no abdome em locaiscom paredes delimitadas e que permitam, porcontigüidade anatômica, a passagem e retenção dematerial séptico, como ocorre nos espaços subfrê-nicos, sub-hepáticos e outros.

Finalmente, vale lembrar que essas relaçõesanatômicas entre os compartimentos abdominaissão muito alteradas pelas diversas cirurgias quetêm como finalidade remover órgãos e barreiras.

A Fig. 1.18 mostra um caso de extravasamentoperitoneal de contraste por bário ingerido por via oralem doente submetido à gastrectomia total com re-

Fig. 1.15 — Esquema de um corte sagitalna porção mediana do abdome. A retroca-vidade dos epíploons (Rc) é virtual e separao pâncreas (P) da parede posterior do es-tômago (Est). O duodeno (D) é retro-peritoneal. O mesocolo tranverso (Mt)parte da porção posterior do abdome,como reflexão peritoneal, e continua, en-volvendo o colo transverso (C). Tambémaparecem os pequeno (Pe) e grande epí-ploons (Ge). A raiz do mesentério (M) e ointestino delgado (I) também estão esque-matizados. Observe a continuidade dosfolhetos de reflexão peritoneal que envol-vem as vísceras e o estômago como cama-da serosa dos mesmos.

Pe

Est Rc p

DMt

C

Ge

M

I

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Fig. 1.16 — Radiografia em perfil do abdo-me em posição ortostática. O doente tempseudocisto pancreático que ocupa a retro-cavidade dos epíploons (Rc), que está ocupa-da por massa com densidade de líquidoscom boceladuras anteriores. Há desloca-mento anterior do estômago, com impres-sões na parede posterior (setas negras) dasboceladuras da massa pancreática. A cavi-dade gástrica deslocada é reconhecida peloconteúdo de gás (pontas de seta brancas).Para baixo da massa é demonstrado o colotransverso (pontas de seta negras).

Fig. 1.17 — Os caminhos da infecção pe-ritoneal. As setas demonstram as direçõestomadas pelas infecções. Conhecida a ori-gem, é compreensível e previsível o cami-nho da propagação do processo infeccioso.CP. Cavidade pélvica; FW. Forame de Wins-low; 1. Espaço infracólico direito; 2. Espaçoinfracólico esquerdo; 3. Espaço subfrênicodireito; 4. Bolsa de Morison; 5. Goteira pa-rietocólica direita; 6. Goteira parietocólicaesquerda; 7. Ligamento frenocólico; Setacurva, indica o caminho para a regiãosubfrênica esquerda a partir uma lesão naparede anterior do estômago.

3

...7

FW

4

5

12

6

CP

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construção esôfago-jejunal término-lateral. Haviasuspeita clínica de deiscência de sutura com saída deabundante volume líquido por dreno abdominal lo-calizado no flanco direito. O contraste escapou pelafístula e preencheu os espaços subfrênicos e sub-he-páticos, desenhando os contornos das estruturas.

OS CAMINHOS DO GÁS PELOS LIGAMENTOS

Observações recentes definem os caminhos dogás através dos ligamentos e inserções peritoneaisdas alças.

Com efeito, em três doentes com quadro depneumatose cistóide (Figs. 1.19 a 1.22), em que o

gás intraluminar escapou da luz duodenal ou dointestino delgado pela presença de úlceras, foi pos-sível demonstrar a presença desse gás em compar-timentos insuspeitos.

Na pneumatose cistóide, o gás extravasado daluz intestinal forma bolhas de diferentes dimensõesna parede serosa das vísceras. A partir daí, o gáspercorre fáscias e ligamentos, atingindo locais dis-tantes e outros compartimentos. Em dois doentes,portadores de estenose pilórica por úlcera péptica,a lesão ocorreu após feitura de endoscopia digesti-va em que não foi possível a passagem do endos-cópio pela zona estenosada. Em outro doente, por-tador de processo de enterite inespecífica pelo exa-me histológico, as bolhas subserosas provinham demicroúlceras no íleo.

Fig. 1.18 — Radiografia do abdome em anteroposterior, em decúbito dorsal, obtida apósingestão de bário. Doente com deiscência de esôfago-jejuno-anastomose realizada apósgastrectomia total. O exame foi efetuado duas semanas após a cirurgia. O doente apre-sentou má evolução clínica, com formação de fístula com drenagem de alto débito peloorifício cutâneo de drenagem peritoneal. Também havia pneumoperitônio residual. Obário ingerido extravasou pela sutura da anastomose e se espalhou pela cavidade ab-dominal, causando uma peritoneografia. São demonstrados a superfície hepática (setasnegras) e os contornos da vesícula biliar (ponta de seta negra). O lobo direito do fíga-do (Fig) tem dimensões dominantes. O ligamento falciforme (pontas de seta brancas) écontrastado pela presença de gás em ambos os lados. O diafragma esquerdo (seta bran-ca) é visualizado pela presença do pneumoperitônio. As superfícies demonstradas pelobário e pelo gás têm aspecto normal e grande valor anatômico. O bário ingerido ex-travasou logo após a passagem pelo esôfago (Es) contrastando o trajeto fistuloso (fist).

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Fig. 1.19 — Radiografia do tórax em incidência póstero-anterior, em de-cúbito ortostático. O doente era portador de uma úlcera duodenal esteno-sante, com formação de extensa pneumatose cistóide. Apresentavaperfuração da úlcera, tamponada pelo grande epíplo e por alça do íleo dis-tal, além do quadro de estenose. Havia pneumoperitônio. A superfíciediafragmática do fígado (Fig) é nítida. As hemicúpulas frênicas (pontas deseta brancas) estão contrastadas pelo gás do pneumoperitônio (1 e 2), nasuperfície inferior, e pelo gás pulmonar, na superior. As bolhas de gás nassuperfícies serosas das alças intestinais são de grandes dimensões e muitonumerosas (seta branca), aparecendo como bolhas com densidade de gás.Elas estão assinaladas pela seta branca, numa topografia inusitada inter-hepatodiafragmática. Deduziu-se que o gás intraluminar saiu pela efraçãomucosa da úlcera duodenal e penetrou o espaço subseroso, onde formoubolhas e dissecou ligamentos intestinais, atingindo estruturas distantes. A ro-tura de bolhas subserosas originou o pneumoperitônio.

Fig. 1.20 — Tomografia computa-dorizada do mesmo doente da Fig.1.19. Corte efetuado no nível daporção média do rim direito (RD) edo baço (Bc). As bolhas subserosassão volumosas (seta branca). O es-tômago está muito distendido (Est).Outros cortes mostravam gás emsuas paredes. O pâncreas apareceà frente dos grandes vasos – aorta(A) e veia cava inferior (V). O es-paço retrogástrico (ponta de setabranca) está com as dimensõesmuito aumentadas e ocupado porgás. Não foi caracterizado se essegás era de uma bolha subserosa vi-zinha ou proveniente do pneumo-peritônio.

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Fig. 1.22 — Tomografia computadorizada do mesmo doente da Fig. 1.21. Corteefetuado no nível do baço (Bc) e do fígado (Fig). O estômago (Est) está com au-mento das dimensões. No leito da vesícula biliar (ponta de seta negra), há ima-gem de gás com aspecto de formação de bolhas. Também existe imagem de gásno interior do ligamento falciforme (seta negra). Presumiu-se que o gás intra-luminar, proveniente da luz duodenal, penetrou o espaço subseroso através daefração mucosa da úlcera e atingiu o leito vesicular e o ligamento falciformepor dissecção pelo ligamento hepatoduodenal e pela cápsula hepática.

Fig. 1.21 — Radiografia em anteroposterior do andar superior do abdome, emortostática. O doente, assim como o das Figs. 1.19 e 1.20, é portador de úlcerapéptica estenosante do bulbo duodenal. O estômago tem o volume aumentado(Est), caracterizando-se o fundo e o antro gástricos. As pontas de seta negrasapontam a grande curvatura do órgão. Na topografia do hilo do fígado (Fig), hácoleção de gás com aspecto bolhoso (seta branca).

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Nos três casos, havia pneumoperitônio de lon-ga duração (semanas a meses), insuspeito e assin-tomático.

FÍGADO

Órgão de grandes dimensões, ocupa o qua-drante superior direito do abdome. É preso à pa-rede abdominal posterior pelo ligamento coroná-rio, folheto de reflexão peritoneal que delimita asua área vazia, extraperitoneal. O fígado varia deforma e dimensões, bastante relacionadas ao bió-tipo do doente. No brevilíneo, há domínio volu-métrico do lobo direito; no longilíneo e mediolí-neos, equilíbrio das dimensões dos lobos direito eesquerdo.

Aproximadamente 10% da população tem umaextensão proeminente do lobo direito do fígado,conhecida como lobo de Riedel, e que pode esten-der-se até a crista ilíaca, não sendo indicativa dehepatomegalia.

Quase não há gordura peri-hepática. O órgãoé visível quando há gordura extraperitoneal (pa-rarrenal posterior e perirrenal), sendo habitual-mente visualizado na radiografia na sua bordaposterior.

VESÍCULA BILIAR

Ocupa a fossa sub-hepática entre os lobos di-reito e esquerdo, em situação anterior. Tem íntimasrelações anatômicas com o bulbo duodenal, antrogástrico e ângulo hepático do colo (Figs. 1.18 e1.23).

BAÇO

Jaz logo abaixo do diafragma esquerdo, parafora da grande curvatura e do fundo gástricos. A bor-da inferior com freqüência é contrastada por gordu-ra extraperitoneal e é visível na radiografia sem con-traste. As vísceras vizinhas de conteúdo gasoso favo-recem a visualização do órgão (Fig. 1.5).

ESTÔMAGO

Quase sempre contém gás e líquido que permi-tem a análise de inúmeros dados. As alterações desua forma e topografia permitem inferir alteraçõesdo tipo expansiva de estruturas vizinhas como olobo esquerdo do fígado, as coleções na retrocavi-dade dos epíploons, o aumento de volume do pân-

Fig. 1.23 — Radiografia do hipocôndrio direito, em anteroposterior, decúbito dorsal.Na porção média da borda hepática inferior e anterior (pontas de seta negras), há abau-lamento correspondente à vesícula biliar. O abaulamento é localizado e há impressãono ângulo hepático do colo (seta branca) provocada pela vesícula. Fígado (Fig) e bor-da hepática (seta negra) com aspecto normal.

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creas e a esplenomegalia. Em decúbito dorsal, o gásse acumula junto à parede anterior; em ortostáti-ca, no fundo gástrico. Entre nós, a acalasia da cár-dia provoca o sinal da “ausência da bolha de gásgástrica” (Figs. 1.24 a 1.29). É comum uma radi-ografia do tórax, efetuada por outros motivos, mos-trar alterações da bolha gástrica que necessitarãode outros exames para elucidar os achados.

INTESTINO DELGADO

O intestino delgado e seu mesentério ocupama porção central do abdome. As alças do delgado,no adulto normal, contêm pouco gás, dada a rá-pida absorção do gás deglutido. Assim, grandesquantidades de gás e líquido são indicativas de pro-blemas de adinamia ou de oclusão. O radiologistadeve usar nomenclatura clara quando descrever asalterações das alças intestinais. Usualmente, o del-gado é demonstrado quando contém algum gás,pela presença das válvulas coniventes, finas e deli-cadas e que vão de parede a parede, atravessandotoda a luz do órgão. Essas válvulas podem ter as-pecto em espiral, empilhadas ou mais irregulares.É necessário e importante que o radiologista formeseu próprio conceito sobre o aspecto das alças e daspregas, acompanhando o maior número possível dedoentes (Figs. 1.30 e 1.31).

COLO

O colo do adulto, em geral, contém gás e ma-terial fecal (Fig. 1.30). Com o doente em decúbi-to dorsal, o colo sigmóide e o transverso se con-trastam pelo gás inerente por serem mais anteri-ores. O contorno dos colos é marcado pelas haus-trações, abaulamentos da parede formados porcontrações das tênias do colo. As marcas são de di-mensões grandes. As pregas mucosas, válvulas se-milunares, são espaçadas e não atravessam a alça(Figs. 1.5 e 1.24). O calibre dos colos varia de 3a 8cm, usualmente mais calibroso no ceco. O sig-móide e o transverso são intraperitoneais, suspen-sos pelos mesocolo tranverso e pelo mesossigmói-de. Por outro lado, os colos ascendente e descen-dente, bem como o reto, são retroperitoneais, fi-xados na parede posterior. Devem ser lembradasas diversas variações do grau de peritonização dasalças: não é raro o doente ter o ceco intraperito-neal sujeito, por exemplo, a sofrer torção. A pre-

sença de níveis de gás nos colos deve ser interpre-tada com cautela: com freqüência, eles surgemapós emprego de catárticos, após enteroclismas ecom o uso de morfina. Surgem também em ou-tras condições que serão discutidas quando daapresentação dos casos. O apêndice cecal, comelevada freqüência, é contrastado no enema bari-tado (Fig. 1.32).

PELVE

A presença de gordura extraperitoneal permite,com freqüência, a demonstração dos músculos edas vísceras pélvicas. A ausência das interfaces deveser interpretada com cuidado, pois pode ocorrersem presença de doença.

MÚSCULO PIRIFORME

Localiza-se na parede posterior, porção súpero-lateral. Sua borda inferior pode ser visualizadacomo uma interface convexa que vai do sacro aoforame ciático. O nervo ciático sai da pelve caudal-mente ao piriforme. Hérnias internas — com con-teúdo de intestino grosso e bexiga — podem-se es-tender pelo forame ciático.

MÚSCULO OBTURADOR INTERNO

Jaz na parede lateral da pelve e cerca o forameobturador. Pode ser visualizado na radiografia habi-tual por causa da gordura subperitoneal que o envol-ve por cima e pela gordura isquiorretal por baixo.

MÚSCULO ELEVADOR DO ÂNUS

O assoalho pélvico é formado pelo elevador doânus, anteriormente, e pelo sacrococcígeo, posteri-ormente.

MÚSCULO GRANDE GLÚTEO

A borda posterior da fossa isquiorretal é forma-da por esse músculo, uma vez que sua face medi-al, contrastada pela gordura subcutânea, aparecenas radiografias como linha regular que se estendepara baixo, a partir do sacro.

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Fig. 1.24 — Radiografia do abdome em incidência anteroposterior, decúbito dor-sal. O estômago (Est) aparece por contraste do gás na sua parede anterior. Comoo colo transverso também contém gás, delimita-se a faixa com densidade de lí-quido que representa as paredes da grande curvatura do estômago e do colotransverso. É um espaço virtual conhecido como espaço gastrocólico (pontas deseta brancas). As bordas dos psoas (P) são bem representadas. As válvulas semi-lunares do colo tranverso (setas brancas) são visíveis contra a coluna de gás in-traluminar. As Figs. 1.24 a 1.27 representam diferentes aspectos do estômago ede seu conteúdo gasoso.

Fig. 1.25 — Radiografia do tórax,incidência póstero-anterior, decúbitoortostático. A bolha de ar do estôma-go (seta branca) ocupa a topografiasubfrênica. Há nível de líquido (pon-ta de seta negra) na altura do corpogástrico. À diferença da radiografiaanterior, obtida em decúbito dorsal,com espalhamento do gás na pare-de anterior do estômago, na posiçãoortostática desenha-se a imagem dabolha gástrica por acúmulo do gásna zona do fundo.

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Fig. 1.26 — Radiografia do tórax,em póstero-anterior, decúbito or-tostático. O doente é portador deacalasia da cárdia, de etiologiachagásica, com megaesôfago. Aseta negra aponta uma ausência:não se demonstra a bolha de gásdo estômago. Entre nós, o acha-do de ausências da bolha gástri-ca é altamente sugestivo deacalasia do esôfago.

Fig. 1.27 — Radiografia do hemiabdome superior em incidência anteroposte-rior, decúbito ortostático. O doente é portador de câncer do fundo gástrico per-furado e tamponado no hilo esplênico. O estômago mostra a clássica imagemde bolha (Est) e, logo acima, aparece imagem com nível de líquido, subfrênica(seta branca) e extragástrica. O ângulo hepático (C) do colo e outras estruturasde densidade de líquido, como fígado (Fig), baço (Bc) e rim esquerdo estão bemrepresentados.

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Fig. 1.29 — Tomografia computadorizada do abdome com administração decontraste por via oral do mesmo doente das Figs. 1.27 e 1.28. Corte no níveldo fígado (Fig) e do baço (Bc). Há dois níveis de líquido: de bário intragástrico,com imagem de massa (M), na zona do fundo, e de líquido (ponta de seta branca)extragástrico, no hilo do baço, onde há imagem de massa (seta negra). Os exa-mes de imagem definem a massa gástrica e sua complicação.

Fig. 1.28 — Estudo contrastado do estômago do mesmo doente daFig. 1.27. O estômago (Est) está contrastado por bário ingerido. Há nívellíquido do bário (ponta de seta branca) assim como outro nível de lí-quido (seta branca) extragástrico.

Fig

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Fig. 1.30 — Radiografia do abdome em in-cidência anteroposterior, com o paciente emdecúbito dorsal. No estômago (Est) e nos co-los, há gás que “emoldura” o abdome, coma característica disposição periférica. O ma-terial fecal no ângulo hepático (seta branca)tem aspecto bolhoso, diferente do contido noângulo esplênico (seta negra), com caracterís-ticas de fezes formadas e sólidas. O reto (R)contém gás. O intestino delgado (ponta deseta negra) é mal demonstrado pela pobrezade gás presente nas alças. O aspecto do del-gado é muito variado e quantidades maioresde gás podem estar normalmente presentes.

Fig. 1.31 — Radiografia do abdome em an-teroposterior, decúbito dorsal, obtida durantefeitura de trânsito intestinal, quatro horas apósa ingestão do contraste. Alças jejunais apare-cem no flanco esquerdo (J), e alças ileais (I),no hemiabdome inferior e direito. Algumasalças ileais estão contrastadas por bário e porgás, com aspecto de duplo contraste (setabranca). A mucosa jejunal demonstra as vál-vulas coniventes. Nessa radiografia, há con-trastação do ceco e do colo ascendente (Asc).

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Fig. 1.32 — Radiografia em incidênciaanteroposterior do abdome, em decúbitodorsal. Foi obtida após introdução de bá-rio e ar por via retal na vigência de ene-ma baritado por duplo contraste. Os colosse distribuem na periferia do abdome, em“moldura”. As haustrações são evidentes(setas brancas). A ampola retal (R) é me-diana. O apêndice cecal com aspectovermiforme (ponta de seta branca) é mé-dio-cecal.

VÍSCERAS PÉLVICAS

A gordura subperitoneal pode delinear a super-fície lateral e superior da bexiga. O útero tambémpode ser visto, particularmente se anteverso. O retoé visível pela presença de gás intraluminar.

O CONTEÚDO GASOSO DO TUBODIGESTIVO

O gás deve ser considerado um meio de con-traste natural.

Usualmente, o intestino do adulto contém pou-co menos que 200cc de gás. Ele provém de três fon-tes: deglutição, produção bacteriana intestinal e di-fusão do sangue. O gás ocupa as porções mais altasdo tubo digestivo e sua demonstração depende do seuvolume e do decúbito do doente. Em decúbito dor-sal, acumula-se e contrasta os segmentos mais an-teriores. Em ortostática, as porções mais altas.

O exame por imagem deve:1. Identificar o segmento que contém gás;2. Avaliar o calibre do segmento;3. Definir o ponto mais distal da coluna de gás;

4. Avaliar o estado da mucosa contrastada pelo gás.No exame radiológico, as radiografias em an-

teroposterior e em decúbito dorsal mostram, decima para baixo:• Estômago médio e distal;• Colo transverso, junto à grande curvatura do es-

tômago, separado pelo espaço gastrocólico.Também os colos ascendente, descendente e sig-móide, que, pela topografia geral, desenhamuma “moldura” do abdome. O sigmóide ocupaa porção ínfero-medial do abdome e pode ser re-conhecido pelas haustrações;

• Reto: porção média até a altura da sínfise púbica.O delgado tende a ocupar a porção central

do abdome e as alças têm menor calibre que asdo colo.

As haustrações do colo têm 2 a 3cm de largurae ocorrem de 1 em 1cm. As plicas ou pregas circu-lares do delgado têm 1 a 2mm de espessura e ocor-rem de 1 em 1mm. As pregas do delgado atraves-sam a luz intestinal de lado a lado.

O delgado tem calibre de até 3cm, o grosso, deaté 5cm.

Às vezes, só é possível a definição do segmentocom o emprego de meios de contraste, e o radio-

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logista não deve hesitar na realização do examecontrastado.

O gás permite o estudo de detalhes da muco-sa. Na radiografia sem contraste, demonstram-seúlceras e processos proliferativos e infiltrativos doestômago. Também é possível demonstrar proces-sos granulomatosos do intestino e tumores cólicos.

ROTINA DE ANÁLISE DARADIOGRAFIA DO ABDOME

A rotina da análise do exame de imagem éorientada no sentido do diagnóstico anatômico esindrômico.

Independentemente da suspeita clínica, emprega-mos a seguinte seqüência no estudo da radiografia:1. Bacia, coluna lombossacra e articulações sacroi-

líacas e coxofemorais;2. Estruturas paravertebrais e psoas;3. Órgãos com densidade de líquido (fígado, baço,

rins);4. Estruturas que contêm gás (estômago, bulbo

duodenal, delgado, grosso, reto);5. Diafragma e espaços subfrênicos; bases pulmo-

nares;6. Compartimentos de gordura extraperitoneais

(linhas dos flancos, linhas paravesicais);7. Calcificações;8. Massas;9. Estruturas retroperitoneais (pâncreas, linfonodos,

grandes vasos, supra-renais).A análise deve ser sistemática e interessar todos

os itens arrolados. Cada região será examinada nabusca de todas as alterações possíveis.

Uma vez definidos os achados, eles serão va-lorizados dentro da história e do quadro clínicodo doente. Os exames de imagem exibem acha-dos que, com freqüência, nada têm a ver com adoença atual.

Os quadros de abdome agudo são evolutivos emutáveis: uma alça intestinal sofre processo de tor-ção, produz oclusão intestinal; há sofrimento da

alça pela torção do mesentério e seus vasos; há mi-croperfurações; há quadro de peritonite, com pneu-moperitônio etc. Então, interessa conhecer o está-gio da doença em que o exame está sendo realiza-do, se inicial ou tardio, pois os achados podem serdiferentes. Interessa também conhecer a história emdetalhes.

Em outras palavras, quando se define a apen-dicite aguda como doença inflamatória aguda —e ela o é —, o radiologista não se deve limitar ape-nas a procurar os sinais que definem quadro infla-matório, mas deve procurar, de acordo com a sis-tematização da análise das radiografias, todos ossinais possíveis. Além dos apendicolitos e sinais in-flamatórios locais, a radiografia definirá quadrosoclusivos, de pneumoperitônio, de sofrimento dealças, presença de gás na veia porta, abscessossubfrênicos ou ascite.

O agrupamento dos sinais leva a diagnósticosmais completos.

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A Semiologia Clínica do Abdome continua de-sempenhando importante papel em clínica médicaambulatorial, hospitalar e nas situações de urgên-cia, a despeito do grande progresso na tecnologiaque coloca à disposição do médico os exames deimagem, tão valiosos para quem exerce a medici-na à beira do leito.

Sua sistemática deve ser rigorosamente segui-da, uma vez que, como dizia Jairo Ramos, o grandecriador da clínica médica brasileira, “a Clínica ésoberana”.

A sistemática apresentada nesses capítulos se-gue fielmente a escola de Jairo Ramos e é a utili-zada na Disciplina de Clínica Médica da Universi-dade Federal de São Paulo — Escola Paulista deMedicina.

ANAMNESE

A anamnese deve ser sempre cuidadosa e pre-cisa, dentro dos princípios da relação médico-pa-ciente. Por meio dela, pode-se estabelecer o diag-nóstico em aproximadamente 70% dos casos. Parasua eficiência é fundamental que o médico e odoente se encontrem em posição confortável e decordialidade, e o diálogo deve ser o mais harmo-nioso possível.

SEMIOLOGIA CLÍNICA

DO ABDOME

INTERROGATÓRIO COMPLEMENTAR

Neste item, aborda-se por meio de interrogató-rio os vários sistemas orgânicos, e cada sinal e sin-toma referido pelo paciente deverá ser exploradoem sua plenitude.

O médico precisa estar atento para o fato deque nossos pacientes, em geral, possuem duas oumais doenças que podem interferir no diagnóstico.

ANTECEDENTES PESSOAISE FAMILIARES

Os antecedentes pessoais e familiares são de gran-de importância, e não devem ser relegados a um se-gundo plano. Freqüentemente, uma doença no pas-sado poderá ser a causa direta ou indireta da atual.

Doenças com caráter hereditário poderão ma-nifestar-se em qualquer época da vida. Diabetemelito, hipertensão arterial, tabagismo, alcoolismoe hábitos de vida são sempre relevantes tanto parao diagnóstico da doença principal como para o dasdoenças secundárias.

TERAPÊUTICA EM USO

Os medicamentos dificilmente são destituídosde efeitos colaterais, os quais poderão ser o moti-

Capítulo 2

Antonio Carlos Lopes○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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vo da queixa do doente. O médico sempre deverálevar em consideração as possíveis interações me-dicamentosas.

EXAME CLÍNICO DO ABDOME

CARACTERÍSTICAS DA PAREDE

ANTERIOR DO ABDOME

Antes de entrar no estudo das modificações daforma da parede anterior do abdome, é recomen-dável conhecer o aspecto que a inspeção nos mos-tra quando se trata de uma pessoa normal.

As saliências provocadas pela parte superiordos músculos retos podem simular tumores gástri-cos ou hepáticos. Esse engano na inspeção podeconduzir ao erro de diagnóstico, mormente quan-do a contratura muscular impede uma palpaçãoprofunda eficiente.

A aparência da parede abdominal anterior émuito variável de um indivíduo para outro, mas en-quadra-se facilmente numa descrição geral. Há, noentanto, diferença acentuada nos dois sexos: o abdo-me da mulher e do homem são diferentes entre si.

Os acidentes da superfície da parede abdomi-nal anterior só podem ser notados nos indivíduosmagros ou portadores de moderado tecido celularsubcutâneo. Quando o tecido adiposo atinge umaespessura maior, assume o abdome a forma abau-lada, uniformemente lisa e regular, apenas demar-cada pela presença da cicatriz umbilical, transfor-mada em fenda mais ou menos profunda, e pelassaliências da moldura óssea. Nos homens jovens evigorosos, nota-se que a porção supra-umbilical daparede anterior do abdome se mostra quase plana,deprimida em relação ao rebordo costocondroxifoi-diano. Abaixo do umbigo, ela é mais arredondadae uniforme, um pouco mais saliente. Na porção su-pra-umbilical da linha mediana, nota-se uma de-pressão longitudinal — o sulco mediano — que vaido processo xifóide até a orla umbilical, ou até umpouco mais abaixo. Aí os pêlos são mais abundan-tes e convergentes no sentido axial do corpo. Late-ralmente, essa goteira rasa é delimitada por duaselevações longitudinais suaves que se estendem dorebordo condral para baixo, passam a cicatriz um-bilical e se atenuam nas regiões infra-umbilicais.Nos indivíduos fortes e magros, nota-se que essaselevações não são uniformes de cima até em bai-xo e sim apresentam depressões transversais que ascruzam de um lado a outro. A mais evidente é qua-se sempre a primeira, pouco abaixo da molduracondroóssea. Raramente, à inspeção, pode-se notarque essas depressões transversais são em número de

três acima do umbigo; apenas duas são bem evi-dentes. A goteira mediana corresponde à linhabranca do abdome. As elevações laterais são produ-zidas pelos músculos retos anteriores, com as suasinterseções tendinosas.

Lateralmente, a elevação longitudinal parame-diana é limitada por um sulco menos pronunciadoque o mediano e mais largo. Iniciado logo abaixodo rebordo costal, esse sulco desce verticalmentedois dedos abaixo da cicatriz umbilical, depois seinclina para dentro e para baixo até que as suasextremidades se encontrem na linha mediana, nadepressão transversal da parte inferior do abdome,denominada sulco suprapúbico. Essa é a linha se-milunar que corresponde ao ponto em que as fibrasmais desenvolvidas do músculo grande oblíquo seinserem no seu tendão aponeurótico.

As linhas em que essa transição se dá, nos di-ferentes músculos, não se superpõem no mesmoplano anteroposterior. Abaixo do umbigo, não hámais sulco mediano, pois ele é substituído por umalinha mais pigmentada em que há pêlos em maiorabundância.

Para fora do sulco lateral do abdome, entre asaliência formada pela metade inferior do múscu-lo reto anterior medialmente e a parte muscular dopequeno oblíquo para fora, vemos uma elevaçãomais acentuada quanto menos vigoroso e mais ido-so é o indivíduo. É o relevo supra-inguinal, quecorresponde ao canal inguinal. É a parte menos re-sistente da parede abdominal. Quando o indivíduo,estando em decúbito dorsal, ergue a cabeça ou seesforça para levantar, essa saliência oblonga torna-se ainda mais pronunciada.

Além desses sulcos verticais, vamos notar outrosque cortam o abdome no sentido transversal e queassumem o aspecto de pregas da pele, bem nítidase em forma de linha como as da palma da mão.

Nota-se em primeiro lugar, logo acima da cica-triz umbilical, ou em seu nível, uma prega que vaido bordo externo do músculo reto de um lado aode outro. É a prega de flexão do corpo.

A prega inguinal constitui o limite inferior dasuperfície do abdome. Pode ser considerada comoa dobra de flexão da coxa sobre a parede abdomi-nal anterior. Vai de uma espinha ilíaca a outra, pas-sando logo acima dos órgãos genitais externos. Nasua porção média, é quase sempre recoberta de pê-los. Acima dela, encontra-se a prega supra-inguinalcurva para cima, de raio menor que a anterior, si-tuada cerca de 3cm acima do púbis.

Na parte média do abdome, nota-se a de-pressão conhecida pelo nome de cicatriz umbili-

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cal. Dada a importância cirúrgica desse acidenteda parede abdominal anterior, ele tem sido par-ticularmente estudado pelos anatomistas e cirur-giões. Apenas assinalaremos aqui que ele é cons-tituído por rebordo saliente limitado para dentropor um sulco muito profundo que, por sua vez,constitui o limite externo de uma elevação profun-damente situada — tubérculo umbilical. No cen-tro desse tubérculo ou mamilo, situa-se uma cica-triz branca, aderente — a cicatriz umbilical.Como se vê, o umbigo é sempre uma depressãomais profunda quanto mais avantajado é o teci-do celular subcutâneo do indivíduo. Em geral, nosindivíduos de 1,70m de altura, cuja linha xifopu-biana mede 35cm em média, o umbigo fica 16cmacima do púbis. Portanto, um pouco abaixo docentro do abdome. Em 20 indivíduos magros me-didos, cujas alturas variavam de 1,65m a 1,10m,a umbilical estava praticamente em meio cami-nho do apêndice xifóide ao púbis. No homem, oplano frontal que passa pelas espinhas ilíacas an-teriores e superiores é também tangente à faceanterior da sínfise pubiana.

Nos flancos, o umbigo desce o plano musculardo rebordo costal ao arco da crista ilíaca quase ver-ticalmente. Aí vemos a prega de flexão lateral dotronco quando o indivíduo se inclina para o lado.Não observamos, nessa região, acidentes maiores.

Na mulher, o abdome aparece com menosacidentes de superfície. O tecido celular subcutâ-neo, sempre mais abundante, mascara as saliên-cias e torna menos evidentes os sulcos longitudi-nais. Os sulcos transversais são mais pronuncia-dos, principalmente o supra-inguinal que se apre-senta com raio maior e é mais extenso. Devido àmaior amplitude da bacia e à maior depressão dotórax, o abdome feminino é mais alargado e maissaliente na porção infra-umbilical. O plano fron-tal que passa pelas espinhas ilíacas está em posi-ção anterior ao plano que toca o púbis, devido aofato de a lordose lombar ser mais acentuada; fatoeste que também explica a forma abaulada daporção inferior do abdome. O flanco não é planocomo no homem, mas forma uma depressão poro quadril ser mais evidente por causa do diâme-tro lateral maior da bacia. A prega de flexão doflanco é mais acentuada.

Sendo na criança o tronco muito mais desen-volvido que os membros, o abdome toma um as-pecto preponderante que vai-se atenuando com ocrescimento.

DIVISÃO TOPOGRÁFICA DO ABDOME

Várias são as linhas convencionais usadas pelospropedeutas para a divisão topográfica do abdome,com o fim de melhor localizar os órgãos intra-ab-dominais, as zonas dolorosas e a situação de forma-ções anômalas verificadas à palpação e à percus-são. A Fig. 2.1 representa a divisão que adotamos,seguindo a maioria dos autores. Nesse caso, a divi-são topográfica do abdome é realizada por três li-nhas transversais, três verticais, os rebordos costaise a arcada inguinal. As linhas horizontais são traça-das, umas paralelas às outras, na altura do apên-dice xifóide, extremidade da 10a costela e alturadas espinhas ilíacas anteriores e superiores; as li-nhas verticais são ligeiramente oblíquas de cimapara baixo e de fora para dentro, partindo da ex-tremidade da 10a costela e vindo a atingir as extre-midades direita e esquerda do ramo horizontal dopúbis. O limite inferior é dado pela arcada ilíaca eramo horizontal do púbis.

Usando as linhas anteriormente mencionadas,dividiremos o abdome em três andares distintos:superior, médio e inferior. Cada um desses anda-res poderá ser subdividido em três sub-regiões,uma central e duas periféricas, situadas à direitae à esquerda das duas linhas verticais que, do re-bordo costal, dirigem-se para o ramo horizontaldo púbis. Assim delimitadas teremos as seguintesregiões:1a. Andar superior:

a) epigástrio, b) e c) hipocôndrios, direito e es-querdo, respectivamente;

2a. Andar médio:a) região umbilical, b) e c) regiões laterais ouflancos, direito e esquerdo, respectivamente;

3a. Andar inferior:a) região hipogástrica, b) e c) fossas ilíacas ouregiões inguinais, direita e esquerda, respecti-vamente.

PROPEDÊUTICA DO ABDOME

Inspeção

O exame sistemático do abdome deve ser ini-ciado por uma inspeção bem conduzida, uma vezque essa etapa propedêutica traz ensinamentosmuito úteis. Para uma inspeção abdominal eficienteé necessário que o paciente e o médico se coloquemem posição adequada. O doente deverá estar dei-tado em decúbito dorsal ou em pé, de fronte a uma

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única fonte luminosa. Há casos, entretanto, em quea incidência oblíqua dos raios luminosos favorece avisibilidade; nessas condições, o médico deve orien-tar a posição do paciente de acordo com as neces-sidades de cada caso em particular. O médico secolocará à direita ou à esquerda do paciente, de-vendo também, em certas ocasiões, colocar-se parao lado do segmento cefálico (estando o pacientedeitado), de modo que a parte abdominal, a serinspecionada, fique situada entre o médico e a fon-te luminosa.

Inicia-se a inspeção pelo estudo das alteraçõesda forma do abdome. Esta sofre alterações quedependem do tipo morfológico, portanto enquadra-das dentro da normalidade. Distinguem-se duasformas extremas: o abdome do tipo longilíneo, queé muito longo, achatado no sentido anteroposteriore de pequeno diâmetro transversal, e o abdome dotipo brevilínio, que é curto, com diâmetros antero-posterior e transverso exagerados. Entre esses doistipos extremos é possível verificarmos uma sérieenorme de formas intermediárias. Nesses limites, aforma do abdome não adquire valor patológico.Há, entretanto, alterações da forma que devem ser

conhecidas, pois fogem desses limites e adquiremsignificado patológico; podem ser de dois tipos: al-terações simétricas e alterações assimétricas.

As alterações assimétricas da forma do abdomesão as seguintes:1a. Abdome retraído, pronunciadamente achatado no

sentido anteroposterior, tornando-se visíveis osrelevos dos rebordos costocondrais, das cristas ilí-acas e da sínfise púbica. Encontra-se nos indi-víduos caquéticos, particularmente nos desidra-tados, como em casos de vômitos incoercíveis oude diarréia com pronunciada perda de líquido.

2a. Abdome globoso com distensão uniforme e re-gular. Encontra-se nos indivíduos obesos; nosportadores de grandes ascites; nos casos de for-te meteorismo intestinal, como pode acontecernas estenoses com obstrução; nas paralisias in-testinais; no pneumoperitônio e nos portadoresde grandes tumores abdominais (cisto de ová-rio, por exemplo).

3a. Abdome de batráquio, que se caracteriza peladilatação exagerada dos flancos, trazendo au-mento do diâmetro lateral. Encontra-se emgeral nos indivíduos ascíticos com diminuição

Fig. 2.1 — Linhas convencionais para a divisão topográfica do abdome.

Hipocôndriodireito

Hipocôndrioesquerdo

Epigástrio

Fla

nco

direito

Fla

nco

esq

uerd

o

Região

umbilical

Região

abdominallateral

ou direita

Região

abdominallateral

ou esquerda

Regiãoinguinal oufossa ilíaca

direitas

Região púbicaou

hipogástrica

Regiãoinguinal ou

fossa ilíacaesquerdas

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da tonicidade da musculatura da parede abdo-minal.

4a . Abdome pendular, caracterizado pela queda dohipogástrio sobre a sínfise púbica, vindo a parteinferior do abdome colocar-se em nível maisbaixo que o da sínfise púbica. Nos estados maisavançados, é conhecido com o nome de abdo-me em bisaccia, no qual a parede abdominalanterior chega até a região inguinal, alcançan-do e mesmo recobrindo-a inteiramente.As alterações assimétricas têm sempre significa-

ção patológica. É necessário, entretanto, que a as-simetria seja bem evidente para podermos atribuirvalor semiológico. Em geral, as assimetrias são de-vidas a abaulamentos localizados. Conforme a si-tuação destes, assim será o órgão lesado e a signi-ficação clínica: abaulamentos — consideraremos osabaulamentos devidos à distensão localizada desegmentos do tubo gastrointestinal e descritos coma denominação de meteorismo localizado. O me-teorismo localizado é facilmente diagnosticado pelainspeção auxiliada da percussão, a qual mostra aexistência de som timpânico, que caracteriza otubo gastrointestinal cheio de ar. Conforme a loca-lização do abaulamento, temos uma indicaçãodiagnóstica preciosa que nos orienta de maneira es-quemática para a identificação da parte do tubogastrointestinal que é a sede do meteorismo. Qual-quer que seja a sua situação, o meteorismo locali-zado indica distensão de um segmento do tubogastrointestinal devido ao obstáculo que deverá es-tar situado abaixo da porção dilatada. Exceção aessa regra: a possibilidade de o abaulamento de-pender de formação herniária ou de eventração,ocorrências clínicas de fácil diagnóstico.

De acordo com a localização e a forma doabaulamento, poderemos distinguir as seguintesvariedades de meteorismo localizado:1a. Localização epigástrica, mais evidente à es-

querda da linha mediana devido à distensão doestômago. Nesses casos, a forma do abaula-mento pode reproduzir os contornos gástricos,vendo-se melhor a grande curvatura e menosnitidamente a pequena curvatura, por causa desua posição mais alta e mais profunda.

2a. Localização umbilical pode ou não tornar a ci-catriz umbilical proeminente, havendo achata-mento do epigástrio e das fossas ilíacas; é con-seqüência da distensão de alças do intestinodelgado.

3a. Localização na fossa ilíaca direita, de formaovóide, descendo até a arcada femoral, subin-

do mais ou menos alto em direção ao hipocôn-drio direito; indica a distensão do ceco.

4a. Localização nos flancos, em forma de chouri-ço, orientado no sentido longitudinal devido àdistensão dos colos ascendente e descendente.Essa verificação é possível em indivíduos muitoemagrecidos, mesmo na falta de alterações pa-tológicas, ou em casos em que condições anor-mais tornam esses segmentos cólicos mais su-perficiais.

5a. Localização transversal, podendo estar localiza-do acima ou abaixo da cicatriz umbilical, ori-entando-se de um hipocôndrio a outro, e quepode ainda só ser visível em cada metade doabdome, indicando distensão total do colotransverso, ou de sua metade direita (mais ra-ramente), ou da metade esquerda (mais fre-qüente), devido à localização de obstáculo naflexura esplênica.

6a. Localização na linha mediana, orientado nosentido longitudinal, podendo apresentar ligeirainclinação para a direita ou para a esquerda, eindicando uma distensão do colo pélvico, quan-do muito dilatado. Essas localizações servemapenas para a indicação esquemática do seg-mento intestinal distendido de acordo com asua sede normal. Se houver um obstáculo du-plo, de modo a seqüestrar um segmento intes-tinal, observa-se uma distensão em forma dechouriço mais ou menos volumoso, de localiza-ção variável, em geral perfeitamente palpável,constituindo o que em propedêutica se conhe-ce com o nome de alça de Wahll.

Contrações Peristálticas Visíveis

É freqüente encontrar em certas circunstânciasmovimentos peristálticos visíveis pela simples ins-peção da parede anterior do abdome, aliado ounão a meteorismo localizado. Como para o meteo-rismo, a sede do início dos movimentos peristálti-cos tem importância diagnóstica. Nesses casos, ain-da assume grande valor a direção em que se orien-ta o peristaltismo visível. A importância disso estáno fato de que os movimentos se processam sem-pre no sentido do isoperistaltismo, servem paraidentificar o segmento intestinal que é a sede dascontrações, e, ao mesmo tempo, indicam a locali-zação do obstáculo, marcada pelo ponto em quemorrem as ondas peristálticas. Em condições nor-mais, não se observam as contrações do estômago

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e do colo, sendo possível, em determinadas circuns-tâncias, a apreciação de contrações do intestinodelgado. Assim sendo, tal verificação tem sempresignificação patológica; indica obstrução do trânsitogastrointestinal, que se realizou de maneira lenta eprogressiva. Nessas circunstâncias, as paredes doórgão, devido ao trabalho excessivo, hipertrofiam-se e as suas contrações peristálticas, muito maisamplas, podem ser percebidas sobre a parede doabdome. Quando o peristaltismo se localiza no es-tômago, observa-se a onda peristáltica nascer abai-xo do rebordo costal esquerdo, dirigir-se transver-salmente para a direita e terminar perto do rebor-do costal direito. A extensão da contração no sen-tido axial depende do grau de dilatação do estôma-go. Essa constatação permite ao médico afirmarcom segurança a existência de um obstáculo piló-rico ou duodenal (1a porção) que se opõe ao esva-ziamento gástrico.

Quando o obstáculo está situado no ânguloduodenojejunal, é possível verificarmos ainda, alémda contração do estômago, a existência de peristal-tismo duodenal, que se dirige da direita para a es-querda, descrevendo uma trajetória curva de con-cavidade superior. O peristaltismo visível varia deaspecto conforme seja localizado no intestino del-gado ou no intestino grosso. No intestino delgado,ele assume duas formas bem distintas: a primeira,denominada agitação peristáltica de Kussmaul ouVermina intestinorum, caracteriza-se por movimen-tos rotatórios, acompanhados de fortes ruídos intes-tinais, conhecidos com o nome de borborigmos; asegunda forma é o peristaltismo em degrau, dis-pondo-se as alças em contração de maneira trans-versal, tais como degraus de uma escada.

Quatro são as características fundamentais quesão oferecidas ao clínico para localizar o peristaltis-mo que se observa no intestino delgado, a saber:1a. Localização na região central do abdome;2a. Grande intensidade e vivacidade das ondas;3a. Fenômenos acústicos intensos; e4a. Associação de dores fortes que aparecem e desa-

parecem juntamente com as ondas peristálticas.O peristaltismo do intestino grosso, quando vi-

sível, é constituído por ondas lentas, em geral bemevidentes, muito semelhantes às encontradas noestômago. A verificação da diretriz das ondas peris-tálticas tem grande importância para o diagnósti-co da sede do obstáculo, uma vez que sempre serealiza no sentido do isoperistaltismo. Em caso queparecia não prevalecer essa regra, tratava-se depaciente com inversão visceral completa; o peris-taltismo cólico caminhava da esquerda para a di-

reita, era causado por um obstáculo localizado naflexura esplênica, que se achava no hipocôndriodireito. O peristaltismo cólico é muito evidente noscasos de megacolo, tanto pela grande dilatação dosegmento intestinal como pela hipertrofia da cama-da muscular. Ao lado do meteorismo localizado,que apresenta movimentos peristálticos visíveis,podemos observar uma outra variedade não menosinteressante, que consiste na distensão rígida detodo o segmento dilatado, devido à contração brus-ca de toda a musculatura sem existir peristaltismo.Essa distensão rígida se localiza no estômago ou nointestino em casos de obstáculos que se processammais rápida e completamente, coexistindo com ohipertono da musculatura do segmento dilatado. Averificação de tal estado indica a necessidade deintervenção cirúrgica imediata pela possibilidade dese observar uma ruptura das paredes dos segmen-tos em distensão rígida.

Quando a distensão rígida se localiza no estô-mago, pode ser geral ou parcial. Se geral, reproduza forma do órgão, e, no caso de ser parcial, loca-liza-se, de regra, no antro pilórico.

A distensão rígida do intestino tanto pode serverificada na parte próxima do obstáculo como emregiões mais afastadas. Assim, podemos observar dis-tensão rígida do ceco em casos de obstáculo locali-zado na flexura esplênica. Tanto no estômago comono colo, a distensão rígida indica uma contração te-tânica da musculatura hipertrofiada da parede dosegmento dilatado, sendo acompanhada de doresmais ou menos fortes e é sempre conseqüência deum obstáculo ao livre trânsito de seu conteúdo.

Na alça de Wahll, a dilatação de um segmen-to intestinal é compreendida entre dois obstáculos,como só acontece no vólvulo, pois, devido à obs-trução se processar rapidamente, não há tempopara a hipertrofia da túnica muscular, não se ob-servando contrações peristálticas nem distensão rí-gida. Verifica-se, ao contrário, a atonia com disten-são muito pronunciada. Para o caso particular dovólvulo, a torsão do mesentério, prejudicando a nu-trição do segmento intestinal, ainda concorre paraaumentar a atonia.

Nos casos de meteorismo localizado, há freqüen-temente associação de ruídos hidroaéreos, de variadanatureza, com significação patológica diferente.

Retrações

Contrastando com os abaulamentos localizados,há casos em que se verificam retrações mais ou

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menos pronunciadas de localização variável e cujosignificado semiológico é diferente, conforme a lo-calização. Como para os abaulamentos, as retra-ções podem ser generalizadas ou localizadas. Quan-do generalizadas, encontram-se nos indivíduos ca-quéticos, como acontece nos casos de estenose doesôfago ou do piloro, ou nos pacientes que, poruma causa qualquer, perderam grande quantidadede água. Pode-se ainda verificar retração genera-lizada nos casos de forte espasmo intestinal comona cólica saturnina ou nos casos de contração tôni-ca pronunciada da musculatura da parede anteriordo abdome, que se encontra no tétano, na menin-gite e nas crises tabéticas. As retrações localizadassão eventualidades raras. A mais comum é a de lo-calização epigástrica; é verificada nos indivíduosmagros, com evidente ptose visceral, particular-mente quando ocupam a posição em pé ou o de-cúbito dorsal elevado.

Edema da Parede

Encontra-se edema da parede abdominalcomo expressão de um estado geral e, por isso, semimportância maior para a semiologia abdominal.Quando o edema se limita ao abdome, assume im-portância diagnóstica, indicando com segurança aexistência de processo inflamatório intracavitário. Oedema sintomático pode ser generalizado ou loca-lizado. Seu valor no diagnóstico de processos infla-matórios intraperitoneais é particularmente notávelem pacientes recém-operados e em puérperas.Nesse último caso, a perda momentânea da tonici-dade da parede abdominal, que sobrevém após oparto, impede o aparecimento da contração refle-xa dos músculos abdominais anteriores, que costu-ma aparecer nos casos de peritonite. Desse modo,é regra não se observar contração da musculaturada parede anterior do abdome na peritonite puer-peral, e, assim, o edema, que quase sempre existe,é seguro índice da existência do processo mórbido.O edema se encontra no hipogástrio e nas fossasilíacas porquanto a peritonite é baixa, localizando-se de preferência na pequena bacia. Também nosrecém-operados o edema assume importância pelapossibilidade de não se verificar resistência da pa-rede abdominal.

O edema localizado merece ainda atenção nodiagnóstico de processo inflamatório intraparenqui-matoso, como pode acontecer nos casos de abscessohepático situado perto da superfície do órgão.

Sistema Venoso

Normalmente a inspeção da parede anterior doabdome não demonstra a existência de vasculari-zação, a não ser o tronco da subcutânea abdomi-nal que, com freqüência, é visível. Quando a vas-cularização venosa é muito evidente, assume sig-nificação patológica e indica, em geral, obstáculona circulação venosa profunda. Todas as vezes quea inspeção demonstra turgência venosa, torna-senecessário conhecer a direção em que o sangue cor-re nos troncos venosos dilatados. Para isso, usa-sede uma manobra muito simples. Com o indicadorde uma das mãos, faz-se pressão sobre o vaso quese pretende estudar, com o intuito de separar umsegmento venoso para ser examinado; desliza-se oindicador da outra mão sobre o tronco venoso,exercendo pressão leve, com o objetivo de esvaziá-lo. Após ter conseguido o esvaziamento de determi-nado segmento do vaso, deixamos subitamente deexercer o deslize e observamos se o enchimento seprocessa novamente ou se o vaso continua vazio. Odeslize deve ser experimentado tanto à direitacomo à esquerda do indicador que faz pressão numponto fixo. Assim procedendo, podemos observarem que segmento o vaso permanece vazio ou seenche menos rapidamente, depois de processada amanobra de esvaziamento. A verificação de tais fa-tos demonstra a direção que a corrente sangüíneatem no segmento do vaso estudado. Conhecendo-se a direção normal da corrente sangüínea em cadaum dos vasos dilatados e verificada a direção nocaso particular em estudo, estamos aptos a dizer sea corrente venosa segue direção normal ou se estáinvertida. Três tipos fundamentais de circulaçãosão verificados no abdome: o primeiro tipo, que éo mais conhecido, depende de embaraço da circu-lação na veia porta. Quando se dá o obstáculo, acirculação colateral se efetua por intermédio deanastomoses profundas e superficiais entre o siste-ma porta e os dois grandes sistemas, cava superiore inferior. Para o caso especial de inspeção do ab-dome só interessam particularmente as colateraisvenosas superficiais, localizadas na parede anterior.No obstáculo porta, dilatam-se as veias periumbi-licais constituindo, em sua expressão máxima, de-nominada caput-medusae. Ainda nesse caso verifi-ca-se turgência nas veias supra-umbilicais, quederivam o sangue por intermédio da xifoidianamediana para a mamária interna, que pertence aosistema cava superior. O segundo tipo de circulaçãovenosa colateral no abdome relaciona-se ao obstá-

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culo no território da veia cava inferior. Observam-se ectasias venosas na região infra-umbilical, noterritório da veia epigástrica superficial e nas regi-ões laterais do abdome, no território das veias ab-dominais laterais e, particularmente, na veia to-rácica lateral que é tributária do sistema cava su-perior. Nesse caso, o sangue, em todas as veias, cor-re de baixo para cima; verifica-se na veia subcu-tânea abdominal uma inversão da corrente san-güínea. O terceiro tipo é uma associação dos doisprimeiros. Nos três tipos fundamentais de circula-ção venosa colateral abordados, a dilatação dasveias se torna mais evidente quando o pacienteocupa a posição em pé. Tal fenômeno é mais pro-nunciado nos casos de obstrução da cava inferior.Quando existe circulação venosa tipo porta, é pos-sível que na posição ereta apareça transitoriamenteum obstáculo na veia cava inferior, associando-se osdois tipos fundamentais.

Alterações da Pele

São muito variadas e não são de grande signi-ficado diagnóstico. É justo, entretanto, que sejamassinaladas algumas das mais comuns, como as vi-bices gravídicas, que são estrias de direção variá-vel ocasionadas por rupturas das fibras elásticas doderma e que se verificam nos casos de distensãorápida e pronunciada da pele da parede anteriordo abdome, como acontece na gravidez. Essas es-trias são duradouras e muito características. Forada gravidez ainda podemos verificá-las nos casosde ascite muito pronunciada, de enorme cisto doovário ou na obesidade. Outras alterações da pelepodem ser verificadas, tais como as vibices graví-dicas e os desenhos venosos aracniformes, o desa-parecimento ou diminuição acentuada dos pêlosnos cirróticos, petéquias, máculas, pápulas (febretifóide), roséolas (lues), placas de urticária etc., semum significado diagnóstico fundamental para apropedêutica abdominal, como, por exemplo, nasobstruções por bridas pós-operatória.

A existência de cicatrizes no abdome é relevan-te para o conhecimento de operações anterioresque, muitas vezes, constituem o elemento seguropara um diagnóstico clínico.

Palpação

O tubo gastrointestinal, especialmente o colo,apresenta uma série de características que permi-

tem estabelecer o diagnóstico diferencial com ou-tras formações intra-abdominais passíveis de ex-ploração manual. Essas características dizemrespeito a:1. Consistência;2. Diâmetro;3. Forma;4. Mobilidade;5. Fenômenos acústicos.

Consistência

A consistência dos vários segmentos do tubogastrointestinal é avaliada pelo tato e depende danatureza e da quantidade do conteúdo do intes-tino e do grau de contração da musculatura dassuas paredes. Quanto mais consistente se mostrao órgão à palpação, mais sólidas são as substân-cias encontradas no seu interior: consistência mai-or no caso de fezes pastosas e endurecidas, menorquando está cheio de líquido e gases. Essa regrasofre, no entanto, uma exceção, isto é, quando aalça está muito distendida por gases em conseqü-ência de estenose dupla o segmento assim dilata-do apresenta uma consistência elástica renitente,muito característica, constituindo a chamada alçade Wahll. Nessas condições, até o intestino delga-do pode ser explorado manualmente sob forma dechouriço de consistência elástica. A contração damusculatura lisa do tubo gastrointestinal é o fatorque mais faz variar a sua consistência, fato maisfacilmente perceptível ao nível do colo e menosapreciável no estômago e no intestino delgado. Àsvezes, a contração é tanta que o órgão se apresen-ta duro e fino como um lápis, fato que surpreen-de os principiantes a ponto de duvidarem ser re-almente o intestino que estão palpando. Confor-me o grau da ação muscular tal será o aspectopalpatório da alça em exame. Os dois fatores an-tes considerados, isto é, conteúdo gastrointestinale estado funcional de sua musculatura, interferemconjuntamente para estabelecer o grau de consis-tência do órgão à palpação. Considerados isolada-mente, teremos que o intestino de conteúdo sóli-do será mais consistente que o de conteúdo líqui-do; o grau da consistência aumenta e torna-semaior que no último caso, quando há contraçãodas paredes musculares; porém, a consistênciamáxima será dada pela conjunção dos dois fato-res: contração da parede e conteúdo sólido. De-preende-se do exposto que a consistência dos di-

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versos segmentos gastrointestinais é muito vari-ável, podendo essa variação ser observada no de-correr do exame propedêutico: para um mesmosegmento explorado pode haver notável alteraçãoda consistência que depende dos fatores antes re-feridos; processam-se ativamente, não intervindoo examinador senão pela excitação necessáriarealizada pela palpação.

A mudança de consistência observada duran-te o exame constitui o sinal mais precioso para odiagnóstico diferencial entre o tubo gastrointestinale os órgãos parenquimatosos intra-abdominais.

Diâmetro

Assim como a consistência, o diâmetro variaextraordinariamente de acordo com o estado dastúnicas musculares e com o conteúdo do órgão.Essa variação vai desde o diâmetro de um lápis,intestino vazio e contraído, até as grandes pro-porções de uma alça distendida por gases ou lí-quidos, como se verifica nas porções situadas ajusante de obstáculos ao trânsito intestinal, ou naalça de Wahll.

Forma

Quando explorado manualmente, o intestino émuito variável, o que torna difícil dizer qual a suaforma normal. Assim como para as duas caracterís-ticas anteriormente estudadas, também aqui o con-teúdo e o estado das paredes têm grande influên-cia. Em geral, o segmento intestinal se apresentacomo um cilindro, particularmente quando há con-teúdo fecal e contratura maior ou menor das túni-cas musculares. Se houver relaxamento muscularcompleto e o conteúdo for diminuto e o líquidocom muito pouco ar, o intestino perde a forma ro-liça para se apresentar à palpação, tal como o es-tômago, muito achatado, com as paredes justapos-tas, dando a impressão de degrau em seu contor-no inferior quando realizamos o deslize de cimapara baixo. Para sentir o limite superior, será neces-sário realizar o deslize em sentido inverso, isto é, debaixo para cima, o que nem sempre é possívelquando o intestino está situado muito alto. Os con-tornos do cilindro intestinal são lisos, e trata-se deum esforço inútil tentar perceber as haustraçõescaracterísticas do colo.

Mobilidade

O tubo gastrointestinal pode apresentar quatromodalidades de movimentação: respiratória, ma-nual, de decúbito e espontânea.

Mobilidade Respiratória

Todos os órgãos intra-abdominais estãomais ou menos sujeitos à ação do diafragma,dependendo esta da maior proximidade do mús-culo e da tonicidade aumentada ou diminuídada parede abdominal anterior. Quanto mais pró-ximo estiver o órgão do diafragma, maior será asua mobilidade respiratória; o estômago, o pilo-ro, o colo transverso (quando alto) e os ânguloscólicos são as partes do tubo gastrointestinalmais sujeitas à ação do diafragma e, portanto,as que apresentam mobilidade respiratória maisacentuada. Quando estudamos porções intesti-nais situadas mais abaixo como o ceco e o colosigmóide, verificamos ser nula a sua mobilidaderespiratória.

É útil conhecer essa propriedade, pois ela ser-ve de auxíilio para a exploração manual dessas vís-ceras, particularmente quando pretendemos palparo estômago.

Há órgãos que apresentam mobilidade respira-tória, descendo no sentido axial, na fase da inspi-ração, e subindo na da expiração, sem que se con-siga impedir essa ascensão expiratória. Diremos,então, que não há movimento de expiração fixo eisso indica íntima conexão do órgão explorado como diafragma. Quando se torna possível, a fixaçãoexpiratória indica que as relações com o diafragmasão de contigüidade. Tais características são mui-to úteis à palpação do abdome.

Mobilidade Manual

O tubo gastrointestinal pode ser deslocado desuas posições durante o movimento palpatório,graças aos seus mesos mais ou menos longos. Amobilidade manual será mais pronunciada quantomaior for o meso e vice-versa. É por isso que o colotransverso apresenta grande mobilidade, ao passoque os colos ascendente e descendente, que quasesempre são sésseis, não podem ser deslocados desuas posições.

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Mobilidade de Decúbito

Graças ainda à existência de mesos, o tubogastrointestinal modifica a sua posição de acordocom a atitude do paciente. Essa troca de posição éque explica a discordância observada entre os exa-mes palpatórios, realizados pelo clínico, e as veri-ficações radiológicas. Para o primeiro caso, usa-se,de preferência, o decúbito dorsal, ao passo que osradiologistas preferem a posição em pé, encontran-do o órgão em nível mais baixo, particularmentepara o estômago e colo transverso, porções queapresentam maior mobilidade de decúbito.

Mobilidade Espontânea

Sendo o tubo gastrointestinal um órgão cavo-muscular, dotado de fibras musculares lisas e dis-postas em duas direções diferentes — longitudinale circular — e podendo essas duas túnicas muscu-lares se contraírem ao mesmo tempo ou isolada-mente, é claro que os vários segmentos podemapresentar alterações de posição, de acordo com oestado funcional das paredes. Além desses fatores,outros interferem, como, por exemplo, conteúdointestinal, particularmente o gasoso, parede abdo-minal, estado de contratura ou relaxamento dastúnicas musculares etc.

Fenômenos Acústicos

Uma vez que o tubo gastrointestinal contémgás e ar em quantidades que podem variar, e sendoórgãos contráteis, é possível verificarmos ruídos hi-droaéreos que aparecem espontaneamente ouquando provocados. A consistência e a qualidadedo conteúdo, a existência de gases, a relação entrea quantidade de gases e de líquido e o estado detensão das paredes do órgão são fatores que inter-vêm na gênese dos fenômenos acústicos observadospara o lado do tubo gastrointestinal. Quando oconteúdo é consistente e com pouco líquido, não seobservam fenômenos acústicos que aparecem, en-tretanto, tanto mais evidentes quanto maior for aquantidade de líquido em relação à sólida. A presen-ça de gases é indispensável à produção dos ruídos,trazendo a formação de turbilhões sonoros nas por-ções líquidas, daí a denominação usual de ruídos hi-droaéreos. É necessário também que as paredes in-testinais não estejam em contração espástica.

Os ruídos hidroaéreos aparecem com muitopouca freqüência no intestino delgado, sendo veri-ficáveis na parte cecal do íleo ou na sua parte in-ferior, em casos de enterite. Assim sendo, esses ruí-dos quase só se mostram no território do intestinogrosso e no estômago. Descreveremos, separada-mente, quatro variedades de ruídos que, além deapresentarem características acústicas diferentes,ainda indicam condições físicas variáveis do con-teúdo gastrointestinal e da sua parede muscular.

Ruído Hidroaéreo ou Vascolejo

Esse ruído pode ser produzido por sucussão to-tal ou parcial, conforme as condições físicas presen-tes. Acusticamente, assemelha-se ao que é obtidoquando se agita um recipiente contendo ar e líqui-do. Para consegui-lo pela sucussão total processohipocrático deve o médico abalar o abdome à custade sacudidelas rápidas realizadas por suas mãosaplicadas nas duas cristas ilíacas. Em certos indi-víduos, esse ruído pode ser obtido pelo próprio pa-ciente que, com meneios enérgicos da bacia, pro-voca o deslocamento rápido de líquidos e ar con-tidos na luz intestinal ou gástrica. A sucussão par-cial deve ser feita por meio de choques rápidos so-bre a região em que se pretende obter o ruído, rea-lizados com a polpa dos dedos da mão direita reu-nidos. Na obtenção da sucussão parcial, é necessá-rio não esquecer que o abalo produzido pelos de-dos da mão direita deve ser limitado à região emque se pretende pesquisar o vascolejo, evitando queo choque venha a se propagar por todo o abdome,o que impede a localização da região responsávelpelo ruído. A delimitação do campo de ação é rea-lizada pela mão esquerda, que deve ser colocadaespalmada sobre o abdome de modo que restrinjaa porção gastrointestinal examinada.

Ruído de Patinhação

Esse ruído é semelhante ao que se obtémquando damos palmadas na superfície da água. Apesquisa no homem é realizada pela manobra deGlenard, que consiste em deprimir rapidamente aparede anterior do abdome com a face palmar dostrês dedos medianos da mão. O ruído de patinha-ção se obtém em órgão cavomuscular, com paredesmuito flácidas e que contenha líquido e pouco gás,de modo que a superfície interna da parede aba-

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lada está separada da superfície líquida por um es-paço pequeno. O choque faz com que a parede re-calcada venha bater de encontro à superfície lí-quida, tal como se observa quando damos palma-das na superfície da água.

Gargarejo

O gargarejo é ruído mais freqüentemente ob-servado, seja espontaneamente, seja provocado. Éo mais característico dos ruídos do tubo gastroin-testinal e se obtém quando deslizamos dedos sobreos segmentos gastrointestinais procurando palpá-lospela técnica da palpação profunda e deslizante. Ogargarejo aparece quando as quantidades de líqui-do e ar são moderadas. Onde não há sucussão, porfaltarem as condições físicas necessárias, haverágargarejo. É claro que entre um e outro poderemosobservar toda uma série de ruídos intermediários emal classificados, causados pelo deslocamento degases na luz intestinal.

Borborigmos

É ruído causado pela existência de gases na luzintestinal sem haver concomitantemente líquido.

Para finalizar essa parte, é necessário salientarque as propriedades do tubo gastrointestinal queacabamos de estudar dizem respeito ao indivíduovivo e não podem de modo algum ser controladasno cadáver, em que são muito diferentes as consis-tências, o diâmetro, a forma, a mobilidade, a po-sição etc.; além disso, também faltam as contra-ções das túnicas musculares e varia muito o con-teúdo gasoso, graças às fermentações processadasin loco após a morte.

Percussão

À percussão do abdome obtém-se som timpâ-nico em toda a extensão. A percussão do fígadopode ser realizada para delimitação de dois tiposde áreas de submacicez — a relativa e a absoluta.A obscuridade relativa serve para delimitar a cúpu-la hepática na região em que é coberta pela lingüe-ta pulmonar. A obscuridade absoluta marca o pontode contato do fígado com a parede torácica. Paradelimitação da obtusidade relativa, usamos da per-cussão forte, e da obtusidade absoluta, da percus-

são leve. A lingüeta pulmonar que recobre parte dofígado torna os resultados obtidos, tanto para aobtusidade relativa como para a absoluta, discor-dantes de observador para observador, razão pelaqual não se pode usar da percussão como meio se-guro de delimitação da área hepática. Assim sendo,os resultados da determinação da cúpula hepáticapela percussão são muito aleatórios, devendo-se,nos casos em que necessitamos de maior precisão,usar dos raios X ou do pneumoperitônio.

A percussão do limite inferior do fígado tam-bém fornece resultados muito pouco precisos, e ascausas de erro são aqui mais numerosas do quepara a delimitação do bordo superior. O verdadeirométodo de exploração clínica do bordo inferior dofígado é a palpação.

A percussão da zona da macicez hepática podefornecer indicações úteis. A delimitação das zonasdolorosas é de grande auxílio para o diagnósticodas hepatites, particularmente da hepatite supura-tiva, que vem acompanhada de fortes dores ao sepercutir a região hepática. O ponto mais dolorososerá o da punção diagnóstica, quando indicada. Amacicez hepática pode, em certas eventualidades,desaparecer e ser substituída por zonas de sonori-dade aumentada, até mesmo por timpanismo fran-co, como é o caso do pneumoperitônio. Conformea maneira do desaparecimento da macicez hepáti-ca e a sua sede, tal será a causa que motivou. Ja-iro Ramos teve ocasião de apresentar à Sociedadede Medicina e Cirurgia de São Paulo um estudo so-bre algumas eventualidades de ausência da maci-cez hepática, procurando diagnosticar as causasdesse desaparecimento, conforme o local e o senti-do em que ele se processava. Quatro esquemasfundamentais foram focalizados, os quais serãoapresentados a seguir:1. O timpanismo deve ser ocasionado por pneu-

moperitônio quando se localiza na metade in-terna da área da macicez hepática, entre as li-nhas mediana e mamilar, podendo em seguidaprogredir a toda a região hepática, continu-ando-se para cima com a sonoridade pulmo-nar e para baixo com o timpanismo abdo-minal, e apresentando mutações de forma ede sede conforme as várias posições tomadaspelo paciente.

O fato de o timpanismo se localizar sobrea região hepática tem muita importância parao diagnóstico de úlceras gástricas ou duodenaisperfuradas.

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2. Se a macicez desaparece na parte externa, parafora da linha mamilar, conservando-se subma-cicez hepática entre as linhas mamilar e medi-ana e não havendo mutações de forma e de si-tuação dessa zona timpânica com as posiçõesocupadas pelo paciente, trata-se provavelmen-te de interposição de uma porção do colo trans-verso entre o fígado e o gradeado costal.

Nem sempre é fácil, mesmo radiologica-mente, diferenciar a interposição do colo de umpneumoperitônio. Correia Neto teve oportuni-dade de observar um caso em que o colo inter-posto cheio de gás foi tomado pelo radiologis-ta como pneumoperitônio, tendo a autópsiaevidenciado o erro.

3. Se a macicez hepática desaparece gradualmen-te de baixo para cima, deixando uma peque-na faixa de submacicez entre o timpanismo as-cendente e a sonoridade pulmonar, sem que seobservem alterações com os decúbitos, trata-seprovavelmente de meteorismo abdominal mui-to pronunciado devido à distensão e interposi-ção de alças intestinais entre o fígado e a pa-rede costal. Quando o meteorismo é muito pro-nunciado, toda a zona de macicez pode desa-parecer, porém o desaparecimento se processagradualmente e não abruptamente, como severifica no pneumoperitônio espontâneo, nocaso de úlcera perfurada.

4. Caso a macicez desapareça de maneira progres-siva e gradual em direção descendente, apresen-tando alterações evidentes com as posições, par-ticularmente entre a posição em pé e a de de-cúbito dorsal, a causa deve ser pulmonar (enfi-sema), ou pleural (pneumotórax), e a zona dotimpanismo apresenta a localização delimitada.Dos quatro esquemas fundamentais que estu-

damos, o primeiro e o terceiro são os mais impor-tantes para a distinção entre pneumoperitônio es-pontâneo e meteorismo muito pronunciado. Para odiagnóstico diferencial ter valor nesses casos, é ne-cessário que o exame clínico seja realizado preco-cemente, pois, passadas muitas horas, torna-se di-fícil a distinção; porquanto, tanto em um como emoutro, podemos observar desaparecimento comple-to da macicez hepática. No caso de o exame serrealizado precocemente não é provável que o me-teorismo tome toda a área hepática, observando-sesempre, entre o timpanismo ascendente e a sono-ridade pulmonar, uma zona de macicez.

No pneumoperitônio, ao contrário, é possívelobservarmos seu desaparecimento.

O baço não é percutível e o espaço de Traubeé livre.

Ascite

Denominamos ascite o derrame líquido da ca-vidade peritoneal. O seu diagnóstico tem muitaimportância e, por isso, estudaremos os sinais clí-nicos com minúcias.

Inspeção

A forma do abdome varia conforme a posiçãotomada pelo doente, a quantidade de líquido doderrame e o grau de tonicidade dos músculos daparede anterior do abdome. Quando o líquido émuito abundante, a pele na parede abdominalapresenta-se lisa e brilhante. Encontram-se, nosderrames muito abundantes, víbices tais como asverificadas na gravidez. A cicatriz umbilical apla-na-se e, por vezes, torna-se proeminente fazendohérnia. No decúbito dorsal, a parede é de peque-na tonicidade, o abdome se alarga e a tumefaçãose localiza nos flancos, ocasionando aquela apa-rência característica, denominada abdome de ba-tráquio. Quando a tonicidade é grande, não severifica o alargamento lateral e o abdome se mos-tra proeminente. Na posição em pé, o abdome oué distendido e proeminente, como no último casocitado, ou cai, debruçando-se sobre a região cru-ral. Geralmente, não é possível pela inspeção sim-ples a diferenciação entre o meteorismo e a asci-te. Entretanto, no decúbito dorsal nunca há oalargamento lateral que dá a forma de batráquioao abdome do paciente em caso de meteorismo;na posição em pé, o abaulamento é maior na re-gião epigástrica, e, portanto, justamente o inver-so do derrame líquido, em que o abaulamento émais proeminente na região infra-umbilical. A di-ferenciação com a uronefrose é dada pela unila-teralidade de abaulamento. O diagnóstico dife-rencial com o cisto do ovário é difícil. Com ainspeção, podemos verificar, pelo fenômeno deLitten, a elevação considerável do diafragma, nocaso de ascite.

Palpação

O abdome é tenso, mais ou menos elástico,conforme a intensidade da ascite e a tonicidade daparede. A palpação nos fornece ótimo sinal para aidentificação de um derrame peritoneal (queremosreferir-nos à sensação de onda).

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Sensação de Onda (Técnica de Pesquisa)

Espalma-se uma das mãos em um dos flancos,dão-se piparotes no outro flanco, sentindo-se, en-tão, pequenos choques na palma da mão causadospela mobilização da massa líquida. O choque podeser percebido, às vezes, na ausência de líquido,quando houver gordura exagerada ou edema daparede. Nesse caso, um assistente, com o bordo cu-bital da mão, fazendo uma pressão leve sobre a li-nha mediana, interceptará as vibrações da parededeixando passar aquelas devidas ao líquido ascíti-co. A sensação de onda é também obtida nos tu-mores líquidos do abdome, por isso não serve parao diagnóstico diferencial. Ela deixa de aparecerquando a quantidade de líquido é muito pequenaficando no decúbito dorsal, quando coletado nosflancos ou quando é em quantidade tal que tornemuito grande a tensão.

Sinal de Bard

Chamada flutuação lombossacra. Percurtem-sea região lombar e põem-se as mãos espalmadasnas duas fossas ilíacas estando o paciente em pé.Sente-se, quando houver líquido, onda originadapelos choques de percussão. A palpação, muitasvezes, permite o diagnóstico diferencial com os tu-mores líquidos do abdome, pois, nesse último caso,pode-se quase sempre obter uma delimitação docisto líquido, o que não é possível na ascite. Quan-do houver tumores móveis ou órgão parenquimato-so aumentado de volume e palpável, nadando nolíquido ascítico, poderemos obter rechaço: peque-nos choques sobre o tumor fazem com que estepenetre profundamente e volte novamente em con-tato com a mão. Esse sinal é suficiente para mos-trar, de modo seguro e evidente, a existência de lí-quido na cavidade peritoneal. Tripier descreve o si-nal do útero leve — é a obtenção do rechaço ute-rino pelo toque vaginal — assim como do útero ex-cessivamente móvel. Ainda pelo toque vaginal, con-segue-se perceber a flutuação e o abaulamento dofundo-de-saco de Douglas em posição em pé. Pelotoque retal, obtemos também sinal de flutuação.

Percussão

É o melhor meio de diagnosticar, com seguran-ça, um derrame peritoneal.

O líquido revela-se por um som maciço ou sub-maciço que contrasta com o timpanismo intestinal.O limite de macicez nas diferentes posições é muitocaracterístico quando realizamos a delimitação emvárias posições.

Decúbito Dorsal

Nessa posição, o líquido, sendo coletado naspartes de maior declive, procurará os flancos, asfossas ilíacas e, só quando a tensão for muitogrande, ocupará também a parte mediana do ab-dome. Portanto, se delimitarmos a submacicez lí-quida, teremos um traçado em crescente de con-cavidade para o epigástrio. Os limites do crescen-te não são muito precisos — temos uma verda-deira escala entre o som timpânico umbilical e amacicez do hipogástrio e dos flancos. São semicír-culos que se sucedem em crescendo de submaci-cez — os chamados círculos de Skoda. Essa ma-neira do líquido se dispor é característica e permi-te diagnóstico seguro com o cisto do ovário, quedá uma ferradura de concavidade voltada parasentido oposto, e com os outros tumores líquidosdo abdome, particularmente os cistos do pâncrease as hidronefroses.

Posição em Pé

Nessa posição, vamos ver todo o líquido cole-tar-se na pequena bacia, fossas ilíacas e hipogás-trio, subindo à medida que aumenta. O seu limitesuperior é dado por uma linha horizontal acima daqual obtemos timpanismo epigástrio. Nota-se amesma graduação entre a macicez líquida e o tim-panismo intestinal, já assinalado.

Decúbitos Laterais

Nesse caso, o líquido se coleta todo no lado so-bre o qual o paciente estiver deitado, com o limi-te superior sendo dado por uma linha horizontalcom grau crescente de submacicez.

Posição de Trendelenburg

Nessa posição, havendo derrame volumoso, oespaço de Traube desaparece.

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Tudo isso que acabamos de expor se refere àsascites livres na cavidade peritoneal, muito mó-veis e abundantes. Nas que são pouco móveis,como nos derrames inflamatórios, a mudança dazona de obscuridade não é tão perceptível e, quan-do há aderência, pode não se verificar mudançada forma e da submacicez com os diferentes de-cúbitos. Nas ascites pequenas, o diagnóstico é maisdifícil, por vezes mesmo impossível. Mueller, estu-dando em cadáveres a quantidade mínima de lí-quido capaz de ser revelada em percussão, che-gou às seguintes conclusões: nas crianças, 100mlnão são demonstráveis, 150ml produzem umasubmacicez pouco clara, e 200ml provocam ma-cicez perfeitamente percutível. No adulto,1.000ml não são revelados pela percussão,1.500ml dão uma leve submacicez, e 2.000mldão submacicez evidente nos flancos, que é mó-vel com os decúbitos. A quantidade varia muitocom o estado das alças intestinais: quando muitometeorizadas, a porção de líquido necessária paraser suspeitada é maior.

Para diagnosticar os derrames pequenos, deve-mos procurar submacicez nas partes em declive,isto é, no decúbito dorsal procuramos nos flancos;nos decúbitos laterais, no flanco do mesmo nome;na posição em pé, no hipogástrio; na posição genu-peitoral, a submacicez aparece na região umbilical.Miguel Couto aconselha procurar os derrames pe-quenos no hipogástrio quando o indivíduo está empé e com o tronco em flexão dorsal. É mister esva-ziar-se a bexiga e, na mulher, conhecer o estado doútero. Não basta, para o diagnóstico, a verificaçãoda submacicez, é necessário certificarmo-nos se émóvel e, além disso, se é dada pelo líquido da ca-vidade peritoneal.

Para o diagnóstico diferencial, devemos formu-lar e eliminar as seguintes hipóteses:1. O colo ascendente cheio de fezes pode dar ma-

cicez nos flancos. Nesse caso, além da falta demobilidade, a lavagem intestinal a fará desa-parecer; há, além disso, submacicez nos lom-bos em posição genupeitoral;

2. Alças intestinais vazias contraídas e parede ab-dominal também contraída como se costumaencontrar nas meningites. Nesse caso, o fenô-meno é geralmente transitório, garantindo coma evolução um diagnóstico precioso;

3. Abundância de líquido nas alças intestinais.Nesse caso, temos sinais pseudoascíticos e sub-macicez móvel com os decúbitos, com limite

horizontal. O diagnóstico se fará porque, emtais casos, a mobilidade é menor e o conteúdointestinal pode variar pela contração da alçaintestinal.

4. Mueller e Queirolo descrevem zonas normaisde submacicez, que atribuem à alça intesti-nal em contração e às fezes. Essas zonas sãovariáveis de dia para dia, num mesmo indi-víduo, e variam com as modificações que sãoproduzidas nas paredes intestinais e no seuconteúdo;

5. Parede abdominal edemaciada estando o indi-víduo em decúbito dorsal, sendo o edema deestase.São esses os chamados sinais de pseudoascite

que devemos conhecer para evitar erros. É necessá-rio também lembrar que esses sinais são apenas per-cussórios, não se revelam à palpação e à inspeção.

Ausculta

À ausculta do abdome nota-se os ruídos hi-droaéreos, que poderão apresentar-se com as ca-racterísticas normais ou estarem aumentadas ou di-minuídas.

Nas situações em que o trânsito intestinal en-contra-se aumentado, os ruídos apresentam-setambém aumentados, porém com timbre normal.

Havendo dificuldade ao trânsito (obstrução ousuboclusão intestinal), os ruídos apresentam-se como timbre metálico (semelhante ao ruído de moedasbatendo umas nas outras).

Havendo ílio adinâmico, como ocorre nas pe-ritonites, o ruído apresenta-se diminuído, podendo,inclusive, deixar de existir.

Nos casos de meteorismo localizado, há fre-qüentemente associação de ruídos hidroaéreos denatureza variada, com significados patológicos di-ferentes.

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As últimas décadas assistiram à criação de téc-nicas de obtenção de imagem diagnóstica numavelocidade surpreendente. A radiologia convencio-nal foi a única modalidade existente durante mui-tos anos. Empregava (e ainda emprega) filmes im-pressionáveis pela luz emitida por écrans, necessi-tando de revelação por processos químicos. Hoje, asimagens são obtidas como nas demais modalidadesdiagnósticas, por meio de recursos eletrônicos e di-gitais, que permitem o seu envio a outros locais dainstituição ou além dela.

Em seguida, com intervalo de poucos anos,surgiram a ultra-sonografia (US), a tomografiacomputadorizada (TC) e a ressonância magnética(RM). Outros métodos diagnósticos existentes,como a medicina nuclear e a endoscopia, não se-rão comentados nessa ocasião, pois fogem de nossaexperiência pessoal, mas, nem por isso, são de me-nor valor.

A imagenologia valorizou o estudo do abdomeagudo desde a criação da radiologia. Este capítu-lo discutirá as técnicas, os cuidados e as principaisindicações da radiografia, tomografia computado-rizada, ultra-sonografia e ressonância magnética noestudo dos pacientes com quadro clínico de abdo-me agudo.

Nessa circunstância especial da clínica, os exa-mes, quando necessários, devem ser efetuados einterpretados com rapidez e eficiência, não se ad-

PROPEDÊUTICA

DA IMAGEM

mitindo atrasos por técnica inadequada. O abdo-me agudo traz ao radiologista o desafio de resolversituações em doentes instáveis e pouco colaborati-vos devido à dor, e, em quem os preparos habitu-ais muitas vezes não podem ser feitos.

Os principais achados e a eficácia de cada mo-dalidade serão discutidos nos vários capítulos espe-cíficos, na segunda parte deste livro.

A RADIOGRAFIACONVENCIONAL

TÉCNICA

O doente deve esvaziar a bexiga antes do exa-me, evitando-se as imagens pseudotumorais. A uti-lização de roupas fornecidas pelo serviço de radio-logia evita artefatos como zíperes, moedas etc.

Usualmente, o pedido “radiografia simples doabdome” refere-se à incidência anteroposterior como paciente em decúbito dorsal.

Os cuidados técnicos são importantes. O doentedeve estar confortavelmente deitado, sem rotaçãoda pelve. A flexão dos membros inferiores, comapoio dos joelhos, facilita o relaxamento da muscu-latura abdominal evitando artefatos provocadospor movimentação. Emprega-se um filme grande;entretanto, a colimação e a proteção gonadal de-

Capítulo 3

Jacob Szejnfeld○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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vem ser observadas sempre que possível. Em geral,a exposição é feita de um a dois segundos apóspausa respiratória em expiração. O raio centralaponta a altura das cristas ilíacas e a borda infe-rior do campo passa pelo púbis.

A definição dos tecidos e órgãos intra-abdo-minais depende do contraste inerente fornecidopelo gás intraluminar e pela presença dos planosde gordura.

A maioria das radiografias é obtida com 60 a75kV, pois assim evita-se os artefatos provocadospor movimentos. A técnica ótima deve usar a me-nor quilovoltagem possível ao mesmo tempo emque a miliamperagem por tempo (mAs) seja amais baixa possível. Não são infreqüentes as soli-citações para a realização de radiografias no lei-to. Estas devem ser evitadas na medida do pos-sível. Os doentes, em geral, não podem colaborare é difícil a centralização correta das grades e dofilme. Os resultados obtidos quase nunca corres-pondem ao trabalho necessário para a feitura dosexames.

É hábito, em alguns serviços, a solicitação doexame: “radiografia de abdome em ortostática”,como única incidência. Não há qualquer vantagemdemonstrável na radiografia isolada nessa posição.

O EXAME COMPLETO DO ABDOME

Utilizam-se, conforme a suspeita clínica e osobjetivos do exame, diversas incidências:a. Anteroposterior em decúbito dorsal;b. Anteroposterior em ortostática;c. Anteroposterior em ortostática com raio central

dirigido e paralelo às cúpulas frênicas;d. Anteroposterior em decúbito lateral esquerdo

com raio central horizontal dirigido ao hipocôn-drio direito;

e. Perfil em ortostática com raio central dirigidoe paralelo às cúpulas frênicas;

f. Radiografia do tórax;g. Radiografia das cúpulas frênicas, com inclina-

ção cefálica do tubo de 15 graus em decúbitodorsal (ápico-lordótica);

h. Radiografias localizadas em zonas específicasde interesse.Usualmente, a propedêutica radiológica do ab-

dome agudo, com os raios X simples, se inicia pelarealização das três incidências clássicas, e a espe-cificação da incidência na solicitação do clínico agi-liza o procedimento. A suspeita clínica e a inter-

pretação das radiografias iniciais fazem com que oradiologista opte por incidências adicionais.

A incidência em ortostática é útil na avaliaçãoda oclusão intestinal, pois identifica os segmentosintestinais distendidos a montante da oclusão. Essaincidência, porém, pode não detectar pequenasquantidades de gás nos espaços subfrênicos. A de-tecção de pneumoperitônio em pequenas quanti-dades é pesquisada nas incidências dirigidaspara a cúpula, quando os raios têm direção pa-ralela à lâmina de gás. A complementação dapesquisa de pneumoperitônio e de oclusão pode serobtida na incidência com raios horizontais, em de-cúbito lateral esquerdo. Vale lembrar que o doen-te deve ficar na posição em que será feita a pesqui-sa de pneumoperitônio por alguns minutos paraque o gás se acumule.

Em síntese, o radiologista, atento para a sus-peita clínica, escolherá as incidências apropriadasdurante o seu exame podendo, inclusive, utilizaroutras técnicas para que se obtenha um examecompleto e bem-documentado.

O EXAME PELAULTRA-SONOGRAFIA

A ultra-sonografia é uma técnica de obtençãode imagem bastante utilizada no estudo das doen-ças abdominais. Desde o seu advento na década de1970 até os dias atuais, grandes avanços têm sidoalcançados. Os grandes e lentos aparelhos estáticostransformaram-se em aparelhos portáteis com altaresolução de imagem e com recursos avançados,como o Doppler colorido e os transdutores endoca-vitários e multifreqüenciais.

Em virtude de sua ampla disponibilidade, bai-xo custo, rapidez e inocuidade, a US é, cada vezmais, encarada como parte do próprio exame físi-co, sendo sua presença indispensável nas salas deemergência da maioria dos hospitais.

Seu funcionamento consiste na emissão de umfeixe sonoro (energia mecânica) com freqüênciasvariáveis formado por um conjunto de cristais lo-calizados na extremidade do transdutor. As ondassonoras incidem sobre as estruturas e o feixe é en-tão refletido e refratado, nas interfaces teciduais,com impedância acústica diferente. Parte do feixeretorna ao transdutor, onde a energia sonora é no-vamente convertida em energia elétrica. Esta éentão amplificada e processada para ser traduzidaem imagem.

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Em condições ideais, o exame é realizado como doente em decúbito dorsal e oblíquo. Posiçõessecundárias como decúbitos laterais, decúbito ven-tral e ortostase completam o exame. As manobrasrespiratórias, como inspiração e expiração profun-das, são sempre solicitadas, pois deslocam os órgãosoriginalmente sem acesso ecográfico, como, porexemplo, atrás de estruturas ósseas e de alças intes-tinais contendo gás. A ingestão de água durante oexame também pode auxiliar na obtenção de jane-las acústicas adequadas.

É importante o conhecimento da última refei-ção do paciente para auxiliar na interpretação dasimagens. Não há, no entanto, nenhuma contra-in-dicação ao exame. Diante de um quadro de abdo-me agudo, a urgência do processo e a própria con-dição clínica do doente impedem que algumas des-sas diretrizes sejam seguidas. A versatilidade dométodo permite, inclusive, que os exames possamser realizados nas próprias unidades de tratamen-to intensivo e emergência com o objetivo de umaelucidação diagnóstica rápida para determinaçãoda conduta.

Nos casos de suspeita de abdome agudo infla-matório, a US pode ser um exame decisivo. A co-lecistite, a apendicite, a diverticulite, a prenhez ec-tópica e as doenças inflamatórias pélvicas são si-tuações nas quais a US permite ao radiologista de-finir com segurança o diagnóstico. A pesquisa deabscessos, empiemas, perfurações e outras compli-cações também auxiliam na escolha de uma con-duta adequada.

É importante lembrar que os resultados sãovariáveis dependendo do grau de distensão abdo-minal, distribuição gasosa nas alças, biótipo e co-laboração do paciente. A apresentação de cada do-ença também influencia na sensibilidade do exame,pois manifestações sutis de algumas doenças po-dem não ser detectadas. É necessário destacar queprocessos extensos podem ser ocultados pela intensadistensão intestinal que acompanha alguns quadrosde abdome agudo.

Portanto, é de fundamental importância que oradiologista expresse no seu laudo o grau de certezado diagnóstico e destaque suas limitações. Cabe aoclínico estar em sintonia com o radiologista, para seestabelecer conduta terapêutica ou prosseguimen-to da pesquisa diagnóstica com outros métodos deimagem. A eficácia do método US é fundamenta-da na experiência do radiologista e na qualidadedos equipamentos.

O EXAME POR TOMOGRAFIACOMPUTADORIZADA

Disponível para uso na prática clínica a partirde meados dos anos 60, a tomografia computado-rizada despontou como uma nova e promissora for-ma de aplicação dos raios X.

Ela foi idealizada para o estudo por imagemdas doenças intracranianas. Entretanto, os avançostecnológicos constantes proporcionaram melhoriassignificativas na qualidade de imagem e no tempode exame, ampliando suas aplicações para a inves-tigação diagnóstica de doenças de todos os sistemasorgânicos.

O uso rotineiro mostrou sua capacidade de for-necer informações únicas e precisas. A TC promo-veu, inclusive, uma reavaliação de antigos concei-tos anatômicos e patológicos. A eficiência da TC naavaliação das doenças abdominais fez com que al-guns exames caíssem no desuso ou passassem a serutilizados apenas em situações extremas. Como,por exemplo, as linfografias e as angiografias.

Além de uma significativa redução de gastos,houve uma nítida e marcante evolução na avalia-ção diagnóstica das doenças abdominais. A TC tor-nou a propedêutica por imagem do abdome maisconfortável e mais segura.

Duas formas básicas de aparelhos tomográficossão usadas rotineiramente: os tomógrafos axiais eos helicoidais.

Na tomografia axial, o feixe de raios X é coli-mado em leque, sendo obtida uma fatia transver-sal do paciente através da rotação completa dotubo. Nessa situação, a mesa e o paciente perma-necem parados durante o corte. Portanto, um exa-me consiste em várias fatias sucessivas da região deinteresse e a mesa avança intervalos estabelecidosapós cada fatia. Nesse caso, o ponto focal do tubode raios X circular situa-se em um único plano emrelação ao paciente.

Na tomografia helicoidal, o tubo de raios Xroda continuamente e a mesa com o pacientemove-se em velocidade constante. O ponto focal dotubo de raios X define uma espiral em torno dopaciente. A TC helicoidal forma, portanto, unida-des volumétricas e não planos como na TC axial.Esses dados são posteriormente transformados emcortes axiais para análise. A vantagem da tomogra-fia helicoidal é permitir em tempo mais curto aavaliação de áreas mais extensas do abdome. Oestudo do abdome pode ser feito em menos de 20segundos.

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Os protocolos para estudo do abdome agudodevem ser desenhados de acordo com a suspeitadiagnóstica. Como a TC pode ser utilizada no ab-dome agudo inflamatório, vascular, obstrutivo eperfurativo, é importante estabelecer, previamen-te, a suspeita clínica, para que a aquisição dasimagens possa ser potencializada.

De maneira geral, não é necessário nenhumpreparo para a realização do exame tomográfico.É, no entanto, preferível um jejum de aproximada-mente quatro horas nos pacientes em que a injeçãoendovenosa de contraste seja necessária.

Na suspeita de abdome agudo perfurativo, nãoé necessária a administração de contraste oral ouEV, mas é preciso pesquisar ar fora de alças utili-zando janelas apropriadas. Nos pacientes com sus-peita de abdome agudo vascular, é recomendávelque a injeção de contraste EV seja feita na veloci-dade correta e sem associação de contraste oral,para que se possa distinguir as obstruções arteriaisdas venosas. Já no abdome agudo obstrutivo, umaadequada e dedicada ingestão de contraste oralauxilia sobremaneira na detecção da sede e daetiologia da obstrução. O contraste oral é necessárionos casos de abdome agudo inflamatório e a com-plementação com contraste retal é indicada nos pa-cientes com suspeita de diverticulite e apendicite.

Além de todas variáveis de preparo, os diversosajustes técnicos do aparelho como colimação, inter-valo de reconstrução, pitch e tempos de corte com-pletam a técnica adequada do exame.

Em suma, a história clínica e o exame físicodevem ser repetidos pelo radiologista responsável.Assim, ele deve escolher o preparo e a técnica ideaispara otimizar ao máximo os resultados da TC deabdome. Evitando, assim, atrasos no diagnóstico econdutas equivocadas.

A TC é considerada o padrão-ouro no diag-nóstico e estadiamento da pancreatite aguda e doabdome agudo vascular. A necessidade da avalia-ção das coleções abdominais e de suas relaçõesanatômicas com os outros órgãos também se tornouindicação precisa. A distensão abdominal, que é umfator limitante na US, não interfere no estudo to-mográfico, fazendo com que a TC seja o exame deescolha nessas situações.

A acurácia da TC abdominal evoluiu de tal for-ma em rapidez de obtenção de imagens e em qua-lidade de informações que a tornou um exame im-prescindível na avaliação do abdome agudo emnossos dias.

O EXAME POR RESSONÂNCIAMAGNÉTICA

O uso da ressonância magnética (RM) em pa-cientes com quadro clínico de abdome agudo foilimitado, até recentemente, pelo elevado temponecessário para a realização do exame. O tempoprolongado para aquisição das imagens e a escas-sez de recursos técnicos nos primeiros equipamen-tos contra-indicava a aplicação da RM. Entretan-to, o desenvolvimento de técnicas e aparelhosmais rápidos, com aquisição da imagem entre 1 e25 segundos, permitiu reduzir os artefatos de mo-vimento e faz com que a RM seja um meio cadavez mais importante de diagnóstico nas doençasabdominais.

A RM ainda não se constitui nem o primeironem o principal método de imagem a ser utiliza-do no quadro doloroso abdominal agudo; no en-tanto, algumas aplicações e possibilidades já me-recem ser conhecidas. Descreveremos a seguir al-gumas delas.

ABDOME AGUDO INFLAMATÓRIO

Pancreatite Aguda

A TC com contraste é o método consagrado nodiagnóstico e no estadiamento da pancreatite agu-da. A classificação de Balthazar permite graduar anecrose da glândula e a presença de coleções líqui-das, e pode ser correlacionada de forma confiávelcom o prognóstico e estadiamento da doença.

Alguns estudos, tanto em humanos quanto emanimas, têm questionado a segurança do uso docontraste iodado nas fases iniciais da pancreatiteaguda, relacionando o seu uso a um agravamentoda necrose pancreática.

A RM contrastada com gadolínio apresenta efi-cácia semelhante à TC com contraste iodado naavaliação e no estadiamento da pancreatite aguda,sem os inconvenientes de sua toxicidade. Uma van-tagem da avaliação por RM é a possibilidade de sepesquisar a etiologia da pancreatite. A litíase bili-ar, principal causa da pancreatite aguda, pode serdetectada em seqüências dirigidas para avaliaçãoda árvore biliar. A colangiopancreatografia por RM(CPRM) acrescenta informações sobre a localizaçãoe o tamanho dos cálculos, bem como as variaçõesanatômicas da via biliar, auxiliando no planeja-mento cirúrgico. Nos casos de pancreatite crônica

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alcoólica agudizada, segunda causa mais freqüen-te de pancreatite aguda, a RM apresenta a possi-bilidade de avaliação dos ductos e parênquimapancreáticos.

A RM deve, portanto, ser indicada nos casosem que houver contra-indicações absolutas ao usodo contraste iodado, como antecedentes alérgicos einsuficiência renal e também nas situações em quea avaliação adicional da via biliar seja de interesse.

Colangite

A colangite é complicação freqüente da oclu-são das vias biliares. A CPRM é hoje reconhecidacomo o exame mais seguro e acurado na investi-gação da etiologia e das principais complicaçõesda colangite. A rapidez do exame (7 a 19s) e anão-necessidade do uso de contraste fazem daCPRM um exame inócuo, substituindo, assim, acolangiografia endoscópica diagnóstica. A CPRMpermite, ainda, avaliar a via biliar acima daobstrução, bem como diagnosticar e estadiar even-tuais lesões que se estendem além da luz dos duc-tos. A CPRM também possibilita a avaliação dofígado, sendo útil no diagnóstico e acompanha-mento de abscessos hepáticos, uma das principaiscomplicações da colangite.

O uso da RM na apendicite e na diverticulitetambém já foi estudado e mostrou eficácia seme-lhante à TC (padrão-ouro) no estudo dessas doen-ças. A RM não apresenta, no entanto, nenhumavantagem adicional sobre a TC, o que torna suarealização pouco indicada.

Abdome Agudo Vascular

A isquemia intestinal, por ser uma doença deinstalação relativamente insidiosa e sintomatolo-

gia muitas vezes inespecífica, é uma das causas dediagnóstico mais difícil do abdome agudo. A sus-peição dessa etiologia acaba ocorrendo tardia-mente em muitos casos. A dificuldade de confir-mação do diagnóstico ocorre pela pequena acu-rácia do RX simples e da US para essa condição.A angiografia digital é o exame-padrão no diag-nóstico da isquemia intestinal; entretanto, trata-se de um procedimento invasivo que utiliza con-traste iodado e freqüentemente requer anestesiado paciente. Tais fatores acabam retardando arealização do diagnóstico e, conseqüentemente,piorando o prognóstico. É nesse cenário que aangiografia por RM (angioRM) pode ter seu es-paço. A angioRM pode inferir o diagnóstico etio-lógico da isquemia, indicando a terapia especí-fica para o caso proporcionando condutas maiseficazes que melhoram o prognóstico do abdomeagudo vascular.

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Parte II

ABDOME

AGUDO

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O termo abdome agudo descreve uma situaçãoemergencial, caracterizada pelo aparecimentoabrupto de sintomas abdominais, em geral graves,sugerindo uma evolução potencialmente fatal. Di-ante desse quadro dramático, a essência da abor-dagem do paciente é realizar o diagnóstico de for-ma precisa o mais rapidamente possível. Tais ati-tudes podem determinar o prognóstico e evitar se-qüelas irreversíveis.

Os recentes avanços tecnológicos não só têmtrazido mais facilidades no diagnóstico como tam-bém no tratamento dos pacientes. Entretanto, aexperiência e a sagacidade suplantam de longe taltecnologia, e não raramente pacientes são subme-tidos a cirurgias que talvez fossem desnecessárias.Prova disso é um recente trabalho que revela quecerca de 20% de pacientes submetidos à laparoto-mia exploradora por suspeita de apendicite têmapêndice normal. Esse tipo de erro aumenta para40% se o paciente é idoso e do sexo feminino. Poroutro lado, esse mesmo trabalho insiste em que seesses pacientes apresentam sintomatologia e sinaisclínicos patognomônicos de apendicite aguda, exa-mes complementares podem e devem ser excluídos.

Os termos abdome agudo ou abdome cirúrgi-co talvez não sejam os mais adequados, já que en-contramos alguns casos de abdome rígido, em “tá-bua”, como na febre do Mediterrâneo, que não sãoagudos e os de pancreatite aguda edematosa, em

ABDOME AGUDO

CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO

que a cirurgia estaria contra-indicada. Inúmerastentativas de se retirar tais termos já foram feitas,sem sucesso. Talvez isso se deva ao fato de que ospacientes que tenham esse rótulo recebam maioratenção para que o diagnóstico e intervenções se-jam praticados mais agilmente, melhorando seusprognósticos e complicações.

Dessa forma, alguns autores sugerem a deno-minação “dor abdominal aguda de 1 a 72 horas”,já que sintomas por períodos maiores ou menoresem geral não necessitam de diagnósticos imediatose/ou tratamentos de urgência.

CLASSIFICAÇÃO

Em função de suas características fisiopatoló-gicas, diagnósticas e terapêuticas semelhantes, amaior parte dos casos pode ser classificada em cin-co grandes síndromes. Em certos casos, podemocorrer mecanismos associados, dificultando aindamais sua abordagem e tratamento.

SÍNDROME INFLAMATÓRIA

• Apendicite aguda;• Colecistite aguda;• Pancreatite aguda;

Capítulo 4

Sergio Hernani Stuhr Domingues○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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• Diverticulite dos colos;• Doença inflamatória pélvica;• Abscessos intracavitários;• Febre do Mediterrâneo.

SÍNDROME DE PERFURAÇÃO

• Úlcera péptica;• Câncer gastrointestinal;• Processos inflamatórios intestinais (febre tifóide,

amebíase, doença de Crohn etc.);• Perfuração de divertículos de colo;• Perfuração de apendicite;• Perfuração de vesícula biliar.

SÍNDROME OBSTRUTIVA

• Obstrução pilórica;• Hérnias;• Bridas;• Por Áscaris, corpos estranhos, cálculo biliar etc.;• Vôlvulo;• Intussuscepção intestinal.

SÍNDROME HEMORRÁGICA

• Prenhez ectópica;• Rotura de aneurisma de aorta abdominal;• Cisto hemorrágico de ovário;• Rotura de baço;• Endometriose;• Necrose tumoral.

SÍNDROME DE OCLUSÃO VASCULAR

• Trombose da artéria mesentérica;• Torção do grande omento;• Torção do pedículo de cisto ovariano;• Infarto esplênico.

Uma série de afecções extra-abdominais simu-lam abdome agudo conforme descrição a seguir:

NEUROLÓGICAS

• Polirradiculopatia;• Reativação de herpes zoster.

MÚSCULO-ESQUELÉTICAS

• Trauma;• Fibromialgia.

CARDIOTORÁCICAS

• Pneumonia;• Infarto do miocárdio;• Pneumotórax;• Empiema;• Embolia pulmonar.

TÓXICAS/METABÓLICAS

• Uremia;• Cetoacidose diabética;• Porfiria;• Intoxicação por metais;• Doença de Addison;• Picada de cobras e insetos.

BIBLIOGRAFIA

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CONCEITO

O abdome agudo é definido como uma condi-ção mórbida, súbita e inesperada, manifestada,fundamentalmente, pela presença de dor abdo-minal com menos de oito horas de evolução. Seudiagnóstico precoce assume vital importância naconduta e na evolução desses pacientes. De igualimportância é tentar definir se estamos diante deum abdome agudo de tratamento clínico ou cirúr-gico, sendo, então, a história clínica e o exame fí-sico fundamentais na abordagem dessa entidade.

Desde os primeiros relatos feitos por Hipócra-tes (460-375 a.C.) até os nossos dias, o abdomeagudo permanece um desafio para clínicos, cirur-giões e imagenologistas, mesmo com o concurso demodernos métodos diagnósticos e terapêuticos.

Como já mencionado em outro capítulo, a sín-drome decorrente da irritação peritoneal está pre-sente em vários tipos de abdome agudo. Contudo,é o abdome agudo inflamatório aquele que suscitamaiores dúvidas diagnósticas, sendo, também, oque mais freqüentemente leva a internações emserviços de pronto-atendimento, em busca de diag-nóstico definitivo.

O abdome agudo inflamatório pode ser defini-do como um quadro de dor abdominal, com as ca-racterísticas inicialmente mencionadas, decorrente

ABDOME AGUDO

INFLAMATÓRIO

de um processo inflamatório e/ou infeccioso loca-lizado na cavidade abdominal, ou em órgãos e es-truturas adjacentes.

ETIOPATOGENIA

Existem diversas causas de abdome agudo in-flamatório, sendo as mais freqüentes a apendiciteaguda, a colecistite aguda, a pancreatite aguda ea diverticulite por doença diverticular dos colos.

Outras causas de abdome agudo inflamatórioserão mencionadas na seção Diagnóstico Diferen-cial, especialmente aquelas cuja abordagem é emi-nentemente clínica.

Vale lembrar que, com grande freqüência, epi-sódios de dor abdominal aguda, eventualmente deorigem inflamatória, não têm sua confirmação es-tabelecida, e sua resolução é espontânea.

FISIOPATOLOGIA

Os dados fisiopatológicos no abdome agudo in-flamatório estão relacionados com a reação do pe-ritônio e as modificações do funcionamento notrânsito intestinal. A cavidade peritoneal é revesti-da pelo peritônio, uma membrana serosa derivadado mesênquima que possui uma extensa rede ca-

Capítulo 5

CLÍNICAFranz R. Apodaca TorrezTarcisio Triviño

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pilar sangüínea e linfática, com função protetorapor meio da exsudação, absorção e formação deaderências.

Topograficamente, a membrana peritoneal di-vide-se em visceral e parietal. O peritônio visceralé inervado pelo sistema nervoso autônomo e o pe-ritônio parietal, pelo sistema nervoso cerebroespinal,o mesmo da musculatura da parede abdominal.

Todo agente inflamatório ou infeccioso, ao atin-gir o peritônio, acarreta irritação do mesmo, cujaintensidade é diretamente proporcional ao estádiodo processo etiológico. Segue-se a instalação pro-gressiva de íleo paralítico localizado ou generaliza-do. Esse fenômeno é justificado pela lei de Stokesque diz: “Toda vez que a serosa que envolve umamusculatura lisa sofre irritação, esta entra em pa-resia ou paralisia.” Por outro lado, a resposta doperitônio parietal exterioriza-se clinicamente pordor mais bem localizada e contratura da muscula-tura abdominal localizada ou generalizada, depen-dendo da evolução do processo. É importante sa-lientar que a contratura muscular pode ser volun-tária ou, mesmo, determinada por doença extra-abdominal.

De fato, podemos concluir que a dor abdomi-nal secundária à irritação do peritônio visceral (au-tônoma) é mal localizada e origina-se pela disten-são e contração das vísceras, enquanto a dor quesegue a irritação do peritônio parietal (cerebroespi-nal) é contínua, progressiva, piorando com a mo-vimentação e sendo também mais localizada.

QUADRO CLÍNICO

Da mesma forma que nos outros tipos de ab-dome agudo, a dor abdominal é, sem dúvida, osintoma predominante no paciente com abdomeagudo de etiologia inflamatória. Algumas caracte-rísticas dessa dor podem sugerir a natureza do pro-cesso. Contudo, freqüentemente esse sintoma é dedifícil caracterização pelo paciente e má interpre-tação por parte do médico. Por isso, é importantea condução da anamnese.

Noções da embriologia do sistema gastrointes-tinal poderiam ajudar, de alguma forma, na inter-pretação inicial da dor abdominal. O trato gastro-intestinal se origina do intestino anterior, médio eposterior, tendo cada segmento vascularização einervação próprias; o intestino anterior compreendedesde a orofaringe até o duodeno, dando origem apâncreas, fígado, árvore biliar e baço; o intestino

médio origina o duodeno distal, jejuno, íleo, apên-dice, colo ascendente e dois terços do colo transver-so e, finalmente, o intestino posterior dá origem aorestante do colo e reto até a linha pectínea. Defato, a dor abdominal localizada no epigástrio te-ria sua origem em alguma víscera oriunda do intes-tino anterior; a dor abdominal localizada na regiãoperiumbilical poderia corresponder a vísceras deri-vadas do intestino médio e a dor abdominal loca-lizada no hipogástrio poderia decorrer de processopatológico de alguma víscera derivada do intesti-no posterior.

Além da topografia da dor abdominal, é de fun-damental importância definir as características damesma, tais como: início, irradiação, evolução, ca-ráter, intensidade, duração, condições que a intensi-ficam ou atenuam. Essa análise minuciosa, às vezesárdua, é posteriormente recompensada, pois, comona maioria das doenças do sistema digestório, a his-tória clínica é a pedra fundamental do diagnóstico.

A dor no abdome agudo inflamatório pode serdesencadeada pelo início de uma doença recente,como no caso da apendicite aguda, ou pela agudi-zação de uma doença crônica, como na colecistiteaguda por colelitíase ou diverticulite do sigmóidepor doença diverticular dos colos.

O caráter progressivo da dor é observado nocaso da apendicite aguda, colecistite aguda, pan-creatite aguda e diverticulite aguda do sigmóide.Na maioria das doenças de conduta cirúrgica cau-sadas por quadro abdominal de etiologia inflama-tória, a dor nitidamente evolui para piora.

A irradiação da dor abdominal, tão importan-te na maioria dos doentes com abdome agudo in-flamatório, não deve ser confundida com localiza-ção. A trajetória da dor é característica em muitaspatologias, sendo de grande valor diagnóstico.

O tipo de dor, em cólica, contínua, pontada,queimação etc., pode mudar no curso da doença,permitindo orientação diagnóstica.

A intensidade e a duração da dor, tão impor-tantes nos doentes com abdome agudo inflamató-rio, nem sempre são proporcionais à gravidade,nem tampouco sugerem conduta cirúrgica, comona pancreatite aguda.

É importante, também, analisar os fatores queintensificam ou atenuam a dor, sendo freqüente aexacerbação da mesma com a movimentação e es-forços, tão comum no abdome agudo inflamatório.

Além da dor abdominal, é possível observarsintomas associados nos quadros de abdome agu-do de etiologia inflamatória. Náuseas e vômitospodem acompanhar uma série de doenças abdomi-

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nais. A febre é um sintoma freqüente, surgindo pre-cocemente, sendo menos intensa no início e assu-mindo características próprias e maior intensidadenas fases de supuração. Alterações no hábito intes-tinal no abdome agudo inflamatório, especialmentea constipação, acontecem nas fases avançadas dadoença devido à peritonite. Algumas vezes são ob-servados episódios de diarréia secundários a absces-so de localização pélvica, particularmente nos ca-sos de apendicite ou diverticulite complicada. Sin-tomas urológicos, como disúria e polaciúria, podemacompanhar quadros de apendicite de localizaçãoretrocecal e, mais freqüentemente, quadros de di-everticulite do sigmóide.

DIAGNÓSTICO CLÍNICO

O diagnóstico da síndrome de abdome agudoinflamatório é fundamentalmente clínico. Emboravárias doenças clínicas ou cirúrgicas possam serresponsáveis pelo evento, mencionaremos nestecapítulo apenas as causas mais freqüentes emnosso meio.

APENDICITE AGUDA

A apendicite aguda é a causa mais freqüentede abdome agudo inflamatório, sendo, provavel-mente, a doença cirúrgica mais comum no abdo-me. Incide mais freqüentemente entre a segundae terceira décadas, e reconhece na obstrução dolume apendicular, por corpo estranho (fecalito) ouprocesso inflamatório, seu principal agente fisio-patológico.

A anamnese é de fundamental importância. Ador, anteriormente referida como o principal sinto-ma no abdome agudo inflamatório, localiza-se ini-cialmente, e mais freqüentemente, no epigástrio ena região periumbilical, para, posteriormente, loca-lizar-se na fossa ilíaca direita. De caráter contínuo,piora com a movimentação, podendo acompanhar-se de náuseas e vômitos, além de febre e calafrios.

A apendicite aguda pode ser de diagnóstico di-fícil nos extremos da vida ou quando o apêndicetiver topografia atípica, particularmente pélvica ouretrocecal.

Nos doentes com apendicite aguda, o estadogeral costuma estar preservado, assim como ascondições hemodinâmicas. A temperatura, poucoelevada nas fases iniciais, costuma apresentar dife-rença axilo-retal acima de 1°C.

O exame do abdome é, provavelmente, a partemais importante da semiologia do abdome agu-do, devendo ser respeitada, sempre que possível, aseqüência inspeção, palpação, percussão e auscul-tação.

A inspeção revela um paciente com pouca mo-vimentação, atitude antálgica (flexão do membroinferior direito) no sentido de aliviar a dor. Mano-bras como pular ou tossir podem desencadear ouexacerbar a dor na fossa ilíaca direita.

Ao realizar a palpação, o examinador não podeesquecer de aquecer as mãos e de evitar movimen-tos bruscos. A palpação inicialmente superficial e aseguir profunda pretende identificar dor localizadana fossa ilíaca direita ou difusa, resistência volun-tária ou espontânea (sinais de irritação peritoneal),ou, ainda, presença de massas (plastrão ou tumorinflamatório).

Sinais sugestivos de apendicite aguda, taiscomo os indicados a seguir, são bem conhecidos:• Sinal de Blumberg: dor à descompressão brusca

na seqüência da palpação profunda da fossailíaca direita;

• Sinal de Rovsing: dor observada na fossa ilíacadireita por ocasião da palpação profunda na fos-sa ilíaca e flanco esquerdo;

• Sinal de Lapinsky: dor na fossa ilíaca direitadesencadeada pela palpação profunda no pontode McBurney com o membro inferior direito hi-perestendido e elevado.

A dor pode ser difusa e a resistência generali-zada em casos de apendicite aguda complicadacom peritonite difusa.

A percussão da parede abdominal deve ser ini-ciada num ponto distante ao de McBurney, enca-minhando-se para a fossa ilíaca direita, onde a dora essa manobra será expressão da irritação perito-neal localizada.

Por fim, a auscultação do abdome costumaevidenciar diminuição dos ruídos hidroaéreos, maisevidente quanto mais avançada a fase em que seencontra a apendicite aguda.

Diagnosticada precocemente, a apendicitemostra sinais de peritonismo localizado, tornando-se difusa à medida que o processo inflamatórioatinge toda a serosa peritoneal.

COLECISTITE AGUDA

A colecistite aguda pode ser definida como ainflamação química e/ou bacteriana da vesícula

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biliar, na maioria das vezes desencadeada a partirda obstrução do ducto cístico.

Como a litíase vesicular ou colelitíase são aprincipal causa dessa doença, a obstrução decorreda impactação de um cálculo na região infundíbu-lo-colocística, com conseqüente hipertensão, esta-se, fenômenos vasculares, inflamatórios e prolifera-ção bacteriana.

O processo assim desencadeado pode involuir,abortar, como decorrência da mobilização do cál-culo. Pode, também, evoluir para hidropisia vesicu-lar, empiema, necrose, perfuração bloqueada ouem peritônio livre (coleperitônio).

Menos freqüentemente, a colecistite agudapode ocorrer na ausência de obstrução do ductocístico, quando é denominada alitiásica com fisio-patologia pouco conhecida. Pode estar associada aprocessos auto-imunes, toxinas circulantes ou subs-tâncias vasoconstritoras, acometendo pacientes hos-pitalizados crônicos, em unidades de terapia inten-siva, politraumatizados, sépticos, em pós-operatórioe idosos.

A colecistite aguda acomete preferencialmentepessoas de sexo feminino, adultos jovens e idosos,sendo, freqüentemente, a primeira manifestação dadoença litiásica.

A dor é a principal manifestação da colecisti-te aguda, freqüentemente desencadeada pela in-gestão de alimentos colecistocinéticos. Inicialmen-te, assume o caráter de cólica, expressão clínicado fenômeno obstrutivo, e a seguir torna-se con-tínua, como decorrência dos fenômenos vascula-res e inflamatórios.

À localização inicial no hipocôndrio direito, se-gue-se irradiação para o epigástrio, dorso e difu-sa para o abdome na vigência de complicações.Náuseas e vômitos são freqüentemente observados.

O estado geral está na dependência da inten-sidade do processo inflamatório e principalmenteinfeccioso. Costuma estar preservado, sem gran-des alterações hemodinâmicas e apresentar febreraramente superior a 38°C. Em aproximadamente20% dos pacientes é possível observar icteríciadiscreta.

A inspeção do abdome revela posição antálgi-ca ou discreta distensão. A palpação do abdome é,sem dúvida, o recurso propedêutico mais valioso,podendo revelar hipersensibilidade no hipocôndriodireito, defesa voluntária ou não e mesmo plastrãodoloroso. Em 25% dos doentes, é possível observarvesícula palpável e dolorosa.

O sinal de Murphy — interrupção da inspira-ção profunda pela dor à palpação da região vesi-cular — é, talvez, a expressão maior da propedêu-tica abdominal na colecistite aguda.

A percussão abdominal revela dor ao nível dohipocôndrio direito, conseqüente à irritação do pe-ritônio visceral, o mesmo ocorrendo com os ruídoshidroaéreos que se encontram diminuídos ou, até,normais.

É importante ressaltar que tal exuberânciapropedêutica pode estar mascarada em pacientesidosos ou imunocomprometidos.

PANCREATITE AGUDA

A pancreatite aguda é uma doença que temcomo substrato um processo inflamatório da glân-dula pancreática, decorrente da ação de enzimasinadequadamente ativadas, que se traduz por ede-ma, hemorragia e até necrose pancreática e peri-pancreática. Este quadro é acompanhado de reper-cussão sistêmica que vai da hipovolemia ao compro-metimento de múltiplos órgãos e sistemas e, final-mente, ao óbito.

Baseando-se em evidências epidemiológicas,admite-se, na atualidade, que aproximadamente80% das pancreatites agudas estão relacionadas àdoença biliar litiásica ou ao álcool.

Embora muitas outras etiologias já estejam es-tabelecidas (trauma, drogas, infecciosas, vascularese manuseio endoscópico), uma parcela não despre-zível permanece com a etiologia desconhecida, sen-do, portanto, denominada idiopática.

Nem sempre o quadro clínico da pancreatiteaguda é característico, o que, por vezes, torna di-fícil o seu diagnóstico. São importantes, pela fre-qüência, a dor abdominal intensa, inicialmente epi-gástrica e irradiada para o dorso, em faixa ou paratodo o abdome, além de náuseas e vômitos, acom-panhada de parada de eliminação de gases e fezes.O polimorfismo no quadro clínico da doença é oprincipal responsável pelo erro no seu diagnóstico.

Considerando a ampla variedade de apresenta-ções da pancreatite aguda, bem como o grandepotencial de gravidade da doença, há muito seconstitui preocupação a caracterização das formasleves e graves da pancreatite. A diferenciação en-tre essas formas pode ser feita pelos critérios prog-nósticos com base em dados clínicos, laboratoriaise de imagem. A diferenciação entre essas formaspode ser feita pelos critérios prognósticos com base emdados clínicos e laboratoriais (critérios de Ranson,

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APACHE II e outros) e/ou radiológicos (critérios deBalthazar).

O exame físico da pancreatite aguda nas for-mas leves (80 a 90%) mostra um paciente em re-gular estado geral, por vezes em posições antálgi-cas, sinais de desidratação e taquicardia. O abdo-me encontra-se distendido, doloroso difusamente àpalpação profunda, especialmente no andar supe-rior e com ruídos hidroaéreos diminuídos. Algumasvezes, é possível palpar abaulamentos de limites in-definidos, os quais sugerem a presença de coleçõesperipancreáticas.

Nas formas graves de pancreatite aguda (10 a20%), o paciente se encontra em estado geral ruim,ansioso, taquicárdico, hipotenso, dispnéico e desi-dratado. O abdome encontra-se distendido, dolo-roso difusamente e com sinais de irritação perito-neal difusa. É possível identificar equimose e he-matomas em região periumbilical (sinal de Cullen)ou nos flancos (sinal de Grey Turner). Os ruídos hi-droaéreos encontram-se reduzidos, ou mesmo abo-lidos.

Nessa eventualidade, impõe-se tratamento emunidades de terapia intensiva e por equipe multi-disciplinar.

DIVERTICULITE DOS COLOS

A diverticulite dos colos caracteriza-se pelo pro-cesso inflamatório de um ou mais divertículos, po-dendo estender-se às estruturas vizinhas e causaruma série de complicações. A doença diverticulardos colos compreende a diverticulose universal doscolos, a doença diverticular do sigmóide e o diver-tículo do ceco, cada uma dessas formas com carac-terísticas peculiares. Neste capítulo, serão aborda-dos aspectos clínicos da diverticulite do sigmóide.Essa doença é mais comum em pessoas acima de50 anos de idade, fato que contribui para o au-mento da sua morbimortalidade.

Do ponto de vista fisiopatológico, caracteriza-se por um processo inflamatório do divertículo edas estruturas peridiverticulares, geralmente de-sencadeado pela abrasão da mucosa do divertícu-lo por um fecalito. Esse processo inflamatório rapi-damente envolve o peritônio adjacente, a gordurapericólica e o mesocolo. As manifestações clínicasda doença vão desde discreta irritação peritonealaté quadros de peritonite generalizada.

O sintoma principal é a presença de dor ab-dominal geralmente localizada na fossa ilíaca es-

querda ou na região suprapúbica, à semelhançade uma apendicite do lado esquerdo. A dor, algu-mas vezes do tipo contínua e outras do tipo cóli-ca, localiza-se desde o início em fossa ilíaca es-querda podendo, em determinadas circunstâncias,irradiar-se para a região dorsal do mesmo lado. Épossível encontrar anorexia e náuseas. As altera-ções do trânsito intestinal estão caracterizadas porobstipação e algumas vezes diarréia. Quando oprocesso inflamatório atinge a bexiga ou o ureter,o doente manifesta sintomas urinários do tipodisúria e polaciúria.

Ao exame físico encontraremos o paciente fe-bril, pouco taquicárdico. O abdome se encontradiscretamente distendido, e os ruídos hidroaéreos,diminuídos. A palpação evidenciará sinais de irrita-ção peritoneal (descompressão brusca positiva, per-cussão dolorosa) localizados em fossa ilíaca esquer-da, região suprapúbica ou, às vezes, generalizada.Em muitas situações, é possível palpar uma mas-sa dolorosa na fossa ilíaca esquerda. O toque retalfreqüentemente evidenciará dor em fundo-de-saco.Não devemos esquecer que, em algumas circuns-tâncias, o quadro clínico da diverticulite do sigmói-de pode assumir características de abdome agudoperfurativo ou, mesmo, abdome agudo obstrutivo.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

Os exames laboratoriais podem ser de grandeimportância no diagnóstico do abdome agudo in-flamatório, devendo ser interpretados à luz do qua-dro clínico.

De todos os exames laboratoriais o hemogramaé, sem dúvida, o mais importante. A leucocitose —aumento no número total de glóbulos blancos —mostra-se discreta, em torno de 16.000/mm3, nasfases iniciais do processo. Leucocitose acima de20.000/mm3 deve merecer avaliação mais crite-riosa. Inicialmente, a leucocitose se faz à custa dosneutrófilos polimorfonucleares; posteriormente, aalteração hematológica se faz à custa do apareci-mento de formas jovens na circulação, bastonetes,mielócitos e metamielócitos, caracterizando o des-vio à esquerda, que por sua vez é indicativo degravidade do processo infeccioso.

Igual significado é atribuído à presença de gra-nulações tóxicas nos neutrófilos e, particularmente,à queda acentuada do número total de leucócitos— leucopenia — observada em infecções gravespor germes Gram-negativos.

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A contagem dos glóbulos vermelhos — eritró-citos — assim como a dosagem do hematócrito eda hemoglobina são particularmente úteis na ava-liação do estado de hidratação do doente.

A medida da velocidade de hemossedimenta-ção, quando revela níveis baixos, pode sugerir ocaráter agudo do processo; níveis elevados indicamprocesso inflamatório ou infeccioso crônico, eventu-almente agudizado.

A pancreatite aguda é uma das doenças quedeterminam quadro de abdome agudo, no qual osexames laboratoriais têm grande valia.

A amilasemia eleva-se nas primeiras 24 a 48horas do processo, declinando a seguir. A lipasemia,

ao contrário, eleva-se mais tardiamente, tendo va-lor principalmente prognóstico. Igual importância édado à amilasúria e à lipasúria.

Ainda na pancreatite aguda, tem importânciaa dosagem de glicemia, transaminases, cálcio, só-dio, potássio e gasometria arterial, úteis não ape-nas no diagnóstico como, particularmente, na ca-racterização da gravidade do processo.

O exame de urina é útil no diagnóstico diferen-cial com processos inflamatórios ou infecciosos dotrato urinário, mas, principalmente, em casos deapendicite ou diverticulite, em que o comprometi-mento urinário se faz como conseqüência da pro-ximidade das estruturas.

IMAGEMSalomão FaintuchGloria Maria Martinez Salazar

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DIAGNÓSTICO POR IMAGEM

INTRODUÇÃO

A avaliação radiológica cuidadosa e precisa noabdome agudo inflamatório resulta em um diag-nóstico correto para a maioria dos pacientes. Ain-da que diferentes doenças do trato gastrointestinalpossam apresentar achados de imagem semelhan-tes, a história clínica geralmente direciona o diag-nóstico para alguns diferenciais.

Para uma abordagem inicial do diagnósticopor imagem no abdome agudo inflamatório,deve-se procurar confirmar ou excluir a apendi-cite aguda. Uma vez que a região do apêndicefoi identificada como normal, devemos partirpara o exame cuidadoso do ceco e colo ascen-dente, com o intuito de excluir uma possível neo-plasia cecal, diverticulite, tiflite ou colite. Poste-riormente, doenças que acometem primariamen-te a gordura pericolônica, como apendicite epi-plóica (apendagite) e infarto omental, devem serexcluídas. Passando para a avaliação do íleo ter-minal e de seu mesentério, as doenças mais fre-qüentes incluem ileíte terminal aguda, linfadeni-te mesentérica e doença de Crohn. Outros dife-renciais incluem colecistite aguda, pancreatiteaguda e isquemia intestinal.

Neste capítulo, discutiremos o uso das diferen-tes modalidades de exames de imagem no diagnós-tico das causas mais freqüentes de abdome agudoinflamatório em nosso serviço: apendicite aguda,diverticulite aguda, colecistite aguda e pancreati-te aguda.

APENDICITE AGUDA

O diagnóstico rápido e preciso da apendiciteaguda é essencial para minimizar a sua morbida-de. A tomografia computadorizada helicoidal (TC)e o exame ultra-sonográfico (US) são métodos comalta acurácia, que assumem, portanto, papel essen-cial no diagnóstico, estadiamento e direcionamen-to terapêutico de pacientes com suspeita clínica deapendicite aguda.

Radiologia Convencional

Apesar de a radiografia convencional ter sidohistoricamente o primeiro exame a ser utilizado nainvestigação diagnóstica do abdome agudo, estudosrecentes demonstraram que, quando comparadacom a tomografia computadorizada, a maioria dosachados radiológicos são pouco específicos ou re-

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presentam apenas sinais indiretos de processo infla-matório, necessitando, portanto, de complementa-ção ultra-sonográfica ou tomográfica.

Sinais Específicos

1. Cálculo apendicular (apendicolito, coprolitoou fecalito). Um cálculo (concreção) com cen-tro radiolucente, em forma de anel, é encon-trado em 14% dos pacientes com apendicite(Fig. 5.1). É observado com maior freqüênciaem crianças, podendo ser múltiplo em até30% dos casos.

2. Massa periapendicular. Massa inflamatória nafossa ilíaca direita ou na goteira parietocólicadireita, que afasta as alças intestinais. É for-mada pela combinação de abscesso, edema daparede de alças intestinais e omento e íleo dis-tendido com líquido. É visível em um terço dospacientes.

3. Separação entre o ceco e a gordura extra-peritoneal. Consiste na presença de massa in-flamatória na goteira parietocólica, que alarga

esse espaço. Presente em 50% dos pacientes comapendicite retrocecal.

4. Alteração na forma do ceco e do colo ascenden-te. Representa o alargamento das haustrações, se-cundário ao edema; ocorre em 5% dos pacientes.

Sinais Indiretos

1. Infiltração do compartimento da gordura pa-rarrenal posterior à direita.

2. Escoliose lombar esquerda.3. Apagamento da margem inferior do músculo

psoas e do músculo obturador à direita.4. Aeroapendicograma. O apêndice distendido

contém gás.

Sinais Inespecíficos

1. Sinais de íleo adinâmico. Pode ocorrer tambémem enterites, colecistite aguda, pancreatiteaguda, salpingite, abdome agudo perfurativoou peritonite (Fig. 5.2A).

Fig. 5.1 — Apendicolito em doente com quadro de apendicite aguda. Deta-lhe de radiografia simples do abdome, em incidência anteroposterior, focalizan-do a fossa ilíaca direita. Observa-se imagem de concreção com camadassuperpostas de calcificação (seta).

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2. Aumento do líquido intraperitoneal. Quantida-des de líquido livre de volume variável são ob-servadas em 50% dos pacientes com apendiciteaguda (Fig. 5.2B).

3. Pneumoperitônio. Secundário à perfuraçãoapendicular.

Tomografia Computadorizada (TC)

A TC tem alta acurácia para o diagnóstico e oestadiamento da apendicite aguda. É um métodorelativamente fácil de executar, operador-indepen-dente, que demonstra achados de fácil interpreta-ção. A sensibilidade e a especificidade diagnósticasda TC são excelentes para todo o espectro de apre-sentações da doença e não são afetadas pela pre-sença de perfuração ou por variação na localizaçãoanatômica do apêndice. A TC helicoidal demonstrasensibilidade de 90% a 100%, especificidade de 83%a 97% e acurácia de 93% a 98% para o diagnósti-co da apendicite aguda.

Estudos iniciais demonstraram alta acurácia daTC convencional associada à administração demeios de contraste oral e endovenoso (EV). Toda-

via, estudos mais recentes com a tomografia heli-coidal demonstraram excelente acurácia (95%)para o diagnóstico de apendicite aguda empregan-do exclusivamente o meio de contraste endorretal,que facilita sobremaneira na identificação do apên-dice e incorre em menores risco, desconforto e cus-to. Assim, a indicação para o uso de contraste EVpermanece controversa. Alguns estudos ainda des-tacam a sua importância: em pacientes com pou-ca gordura mesentérica; para diferenciar apendi-cite perfurada de flegmão inespecífico; para ga-rantir a caracterização de outras afecções gastro-intestinais, ginecológicas e genitourinárias, quepodem apresentar-se com o mesmo quadro clínicode dor na fossa ilíaca direita. Além disso, preconi-zam o uso do contraste oral para melhorar a carac-terização do apêndice e para evitar o diagnósticoerrôneo de apêndice normal pela visualização deuma alça ileal colapsada.

A sensibilidade e a acurácia do diagnóstico to-mográfico baseiam-se na visualização do apêndice,que depende do seu tamanho, do tipo e da quali-dade do exame tomográfico (convencional ou he-licoidal), da quantidade de gordura mesentérica,bem como do grau de opacificação colônica/intes-tinal pelo meio de contraste.

Fig. 5.2 — Peritonite e íleo adinâmico como complicações de apendicite aguda. A. Radiografia do abdo-me, em incidência anteroposterior, no 8o dia pós-operatório de apendicectomia. Observam-se alças de in-testino delgado (setas brancas) com calibre aumentado. O relevo mucoso está preservado. Há ar entre asalças (ponta de seta branca) caracterizando o sinal de Rigler. Há gás e fezes no colo (C). B. Detalhe da ra-diografia anterior. A ponta de seta branca aponta a parede abdominal do flanco. A seta negra indica o com-partimento de gordura pararrenal posterior com aspecto normal. A ponta de seta negra mostradesaparecimento da faixa de gordura pelo processo de peritonite.

A B

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A prevalência e a exuberância dos sinais tomo-gráficos correlacionam-se com a gravidade e exten-são do processo inflamatório. Na apendicite leve, oapêndice encontra-se levemente distendido e pre-enchido por líquido, com diâmetro entre 5 a15mm. A parede apendicular apresenta-se unifor-memente espessada, com realce homogêneo apósinjeção de meio de contraste endovenoso. A infla-mação periapendicular (visível como heterogenei-dade da gordura local ou do mesoapêndice) geral-mente está presente, mas pode não ser identifica-da em casos incipientes. Entretanto, em casos gra-ves, o espectro de anormalidades pode incluirachados de flegmão ou abscesso pericecal ou ain-da perfuração e pneumoperitônio.

Sinais Tomográficos

1. Apêndice dilatado (5 a 15mm) e preenchidopor líquido. Trata-se do sinal tomográfico maisespecífico (Fig. 5.3).

2. Realce da parede do apêndice (sinal do alvo).Consiste em realce homogêneo da parede es-pessada do apêndice, após injeção de meio decontraste endovenoso. É um sinal específico deinflamação.

3. Apendicolito calcificado. Mais bem visualizadoà TC que ao RX. Porém, só tem valor diagnós-

tico quando associado à dilatação/espessamen-to da parede apendicular ou inflamação peri-apendicular (Fig. 5.4).

4. Inflamação periapendicular. Sinal inflamatóriosecundário presente em 98% dos pacientes comapendicite aguda. É caracterizado pela presen-ça de líquido ou heterogeneidade da gorduraperiapendicular (Figs. 5.3 e 5.4).

5. Sinal da ponta de seta. Sinal sugestivo, queresulta da distribuição do meio de contrasteendorretal pelo ceco proximal, que preencheapenas o orifíicio do apêndice ocluído (pontade seta).

6. Sinal da barra cecal. Consiste na separação en-tre a luz do ceco e a base do apêndice/apendi-colito. Secundário ao processo inflamatório local.

7. Abscesso pericecal. Sugestivo, mas não especí-fico de apendicite.

Complicações

A TC helicoidal também é útil para o diagnós-tico das complicações da apendicite aguda, comoperfuração (pneumoperitônio), obstrução do intes-tino delgado, linfadenopatia localizada, peritonite etrombose venosa mesentérica. Com a progressão dadoença e a perfuração, o apêndice apresenta-sefragmentado, destruído e substituído por flegmão

Fig. 5.3 — Apendicite aguda. Tomografia computadorizada, com uso de meio de con-traste endorretal, evidencia apêndice dilatado, preenchido por líquido (seta) e líquido li-vre periapendicular (ponta de seta).

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Fig. 5.4 — Apendicite aguda. Tomografia computadorizada evidencia apêndice dilata-do contendo apendicolito calcificado no seu interior (seta), envolvido por inflamação (he-terogeneidade) da gordura periapendicular.

ou abscesso. Nesses pacientes, o diagnóstico espe-cífico de apendicite pode ser feito caso o apendico-lito seja visto no interior do abscesso ou flegmão.Espessamento mural do íleo distal e do ceco adja-centes também pode ocorrer.

Ultra-sonografia (US)

A US é um método rápido, não-invasivo e debaixo custo para a visualização do apêndice infla-mado. Essa técnica não requer preparo do pacienteou administração de meio de contraste, além denão utilizar radiação ionizante.

O apêndice normal apresenta-se à US comouma estrutura tubular em fundo cego, que costu-ma medir 5mm no seu diâmetro anteroposterior.Quando o apêndice não é observado à US, o limi-te entre o ceco distal e os vasos ilíacos deve ser cla-ramente identificado, visando excluir a possibilida-de de apendicite.

O diagnóstico de certeza de apendicite agudaé feito quando o apêndice medir 6mm ou mais dediâmetro anteroposterior, na ausência de compres-são pelo transdutor (Fig. 5.5). Apêndices com me-dida entre 5 e 6mm, considerados limítrofes, de-vem ser avaliados com color Doppler, para pesqui-sa de aumento perfusional (que sugere apendicite).A presença de apendicolito geralmente indica umexame positivo.

A suspeita de apendicite gangrenosa deve sersuscitada quando ocorrer perda da ecogenicidade eausência de fluxo, ao estudo Doppler, na camadasubmucosa do apêndice. Hiperecogenicidade dotecido periapendicular indica inflamação da gordu-ra mesentérica ou omental adjacente. Abscessosperiapendiculares apresentam-se tipicamente comocoleções localizadas, ecogênicas, que exercem efeitode massa. Geralmente ocorre aumento de fluxo aoestudo Doppler ao redor do abscesso.

Estudos prospectivos de US com compressãolocalizada, realizada por radiologistas experientes,demonstraram sensibilidade de 75% a 90%, espe-cificidade de 86% a 100% e acurácia de 87% a 97%para o diagnóstico de apendicite aguda.

Uma limitação importante da US reside nofato de o método ser operador-dependente, isto é,requer experiência e habilidade do ultra-sonogra-fista. A especificidade diagnóstica é prejudicada napresença de perfuração, bem como quando o apên-dice tem localização retrocecal. Além disso, a obe-sidade e a sensibilidade dolorosa local dificultam acompressão adequada pelo transdutor.

Resultados falso-negativos também podem re-sultar de um apêndice preenchido por ar, ou extre-mamente dilatado, que pode ser confundido comuma alça de intestino delgado, ou, ainda, em ca-sos de apendicite aguda recente, em que pode ha-ver inflamação apendicular confinada distal e oapêndice proximal apresentar-se normal.

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Fig. 5.5 — Apendicite aguda. Ultra-sonografia demonstra apêndice dilatado (seta) com8mm de diâmetro anteroposterior.

Ultra-sonografia versus TomografiaComputadorizada

Pacientes com sintomas típicos de apendiciteaguda geralmente têm indicação cirúrgica, dispen-sando a realização de exames radiológicos. Porém,em pacientes com sinais e sintomas pouco típicos,a complementação diagnóstica através de imagemé indicada. A escolha entre US e TC depende ba-sicamente da qualidade de cada método no hospi-tal (por exemplo, disponibilidade de ultra-sonogra-fista experiente); não obstante, fatores como a ida-de, o sexo e o biótipo do paciente devem ser con-siderados na decisão.

A US é um método rápido, de baixo custo, quedispensa administração de meio de contraste.Como não utiliza radiação ionizante, o seu uso érecomendado em crianças, mulheres jovens e grá-vidas. A TC, portanto, estaria indicada para os de-mais casos, podendo também ser complementar àUS em casos inespecíficos (por exemplo, não visua-lização de apêndice retrocecal). Por outro lado, aUS é complementar à TC em pacientes magros,que podem apresentar resultados tomográficos in-determinados.

Uma limitação importante da US são as baixassensibilidade e especificidade em caso de perfura-

ção. Um apêndice dilatado, não-compressível, évisto em apenas 38 a 55% dos pacientes com per-furação. Nesses casos, a US pode tentar identificarsinais secundários, mas não atinge especificidadesuperior a 60%.

Assim, a TC é considerada o exame de escolhana suspeita de apendicite aguda perfurada ou com-plicada devido à sua alta acurácia, inclusive naidentificação de massas inflamatórias ou abscessosperiapendiculares. Outra vantagem da TC é per-mitir um melhor planejamento cirúrgico.

O único estudo prospectivo da literatura quecompara os dois métodos para o diagnóstico deapendicite aguda demonstrou superioridade da TCem relação à US, apresentando, para a TC e US,respectivamente: sensibilidade (96% versus 76%),especificidade (89% versus 91%), acurácia (94%versus 76%), valor preditivo positivo (96% versus

95%) e valor preditivo negativo (95% versus 76%).

Diagnóstico Diferencial

Outras doenças podem levar à inflamação e aoabscesso na fossa ilíaca direita e mimetizar acha-dos radiológicos de apendicite aguda, como, porexemplo, diverticulite, doença de Crohn e apendi-

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cite epiplóica. Basicamente, todos os processos in-flamatórios do trato gastrointestinal, incluindodoença inflamatória intestinal e colite/enterite in-fecciosa, podem manifestar-se com dor e produzirreação inflamatória na gordura mesentérica.

DIVERTICULITE AGUDA

Portadores de doença diverticular dos colostêm uma chance de 25% de desenvolver diverti-culite aguda, evoluindo com perfuração e forma-ção de abscesso pericólico. Como 95% desses pa-cientes apresentam comprometimento do sigmói-de, 75% dessas perfurações serão retroperitoneais.A perfuração é geralmente bloqueada por um pro-cesso inflamatório focal, imagens de pneumo-peritônio ou pneumorretroperitônio são ocasional-mente observadas. O gás colônico pode adentrarqualquer um dos três espaços retroperitoneais. Opneumoperitônio de origem colônica consiste ge-ralmente em gás com pouco líquido, diferencian-do-o de perfuração gástrica ou duodenal. Umaperfuração diverticular não-bloqueada pode cau-sar também peritonite e abscessos intra ou retro-peritoneais. Podem ocorrer fístulas para os planosmusculares, pele, bexiga ou coxa.

Radiologia Convencional

A radiografia abdominal simples pode demons-trar o abscesso pericólico sugerido pela presença deuma massa, por gás extraluminal, tanto na massacomo na fístula ou por presença de coprolito ou gásem localização ectópica, como bexiga ou sacoomental. Apresenta acurácia de 39%.

O enema opaco (baritado ou com meio de con-traste iodado hidrossolúvel) para o diagnóstico dediverticulite aguda pode apresentar acurácia acimade 90% quando realizado por radiologistas habili-dosos e experientes.

Sinais ao Enema Opaco

1. Presença de divertículos colônicos. Diverticulitesem divertículos demonstráveis é rara.

2. Identificação de fístulas, abscessos ou extrava-samentos do meio de contraste. São os sinaisradiográficos mais específicos, porém poucosensíveis.

3. Irritabilidade e espasticidade colônica segmen-tar. Fenômeno dinâmico, observado principal-mente à radioscopia.

4. Estreitamento colônico segmentar persistente.Trata-se de um sinal comum ao câncer cólico,com alta sensibilidade (90%) e baixa especifi-cidade (68%) para diagnóstico de diverticuliteaguda.

Tomografia Computadorizada (TC)

A TC é um método mais sensível para a ava-liação inicial de pacientes com suspeita de diver-ticulite. Apresenta altas sensibilidade (93%), es-pecificidade (100%) e acurácia no diagnóstico dediverticulite aguda. Além disso, é mais sensívelque o enema para determinar a presença e aorigem das complicações pericolônicas, sendotambém útil para sugerir outros diagnósticosem 78% dos casos que mimetizam diverticuliteaguda.

O uso do contraste endorretal permite melhorvisualização e opacificação da luz intestinal. Apesarde a administração exclusiva de meio de contras-te endorretal proporcionar alta acurácia diagnós-tica, a administração concomitante de contrasteendovenoso ajuda a detectar e a caracterizar a in-flamação pericolônica, sendo preconizada para amaioria dos pacientes.

Portanto, o papel da TC é confirmar a suspeitaclínica, determinar a presença de complicações(por exemplo, abscessos), direcionar o acesso tera-pêutico (percutâneo ou cirúrgico) e sugerir diagnós-ticos alternativos quando a hipótese de diverticu-lite é excluída.

Sinais Tomográficos

1. Espessamento simétrico (>4mm) da paredecolônica (prevalência: 70%) associado à pre-sença de divertículos (prevalência: 80%). Essaassociação apresenta sensibilidade de 96% e es-pecificidade de 91%.

2. Alterações inflamatórias na gordura pericólica (he-terogeneidade ou estriação). Apresenta sensibilida-de de 96% e especificidade de 90% (Fig. 5.6).

3. Líquido livre abdominal. Apresenta sensibili-dade de 45% e especificidade de 97% para odiagnóstico de diverticulite aguda.

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4. Presença de gás extraluminal. Sensibilidade de30% e especificidade de 100% quando há sus-peita clínica de diverticulite (Fig. 5.6).

5. Complicações. Fístulas e extravasamentos demeio de contraste, flegmões, abscessos, obstru-

ção do intestino grosso ou delgado, ou infla-mação secundária do apêndice.

A interpretação tomográfica global tem sen-sibilidade, especificidade, valor preditivo positi-

Fig. 5.6 — Diverticulite aguda. Tomografia computadorizada com uso de meio de con-traste endorretal demonstra diverticulose colônica (Figs. 5.6A e 5.6B, setas) bem como gásextraluminal (Fig. 5.6B, ponta de seta) e alterações inflamatórias da gordura pericólica.

A

B

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vo, valor preditivo negativo e acurácia de 99%,todos.

Diverticulite Aguda à Direita — SinaisTomográficos

Apresenta-se como uma alteração inflamatóriapericólica focal, associada a espessamento muraldiscreto e divertículo protruindo do colo direito nonível do máximo espessamento mural. O divertícu-lo inflamado contém gás, líquido, meio de contrasteou material calcificado. Nesses pacientes, é impe-riosa a identificação precisa do apêndice normal;caso contrário, a apendicite deve ser consideradaentre os diagnósticos diferenciais, bem como aapendicite epiplóica (apendagite), tiflite ou carci-noma cecal perfurado.

Diverticulite do Intestino Delgado

Causada pela inflamação de um pseudodiver-tículo jejunal ou ileal, ou de um divertículo de Me-ckel. Os achados tomográficos são pouco sensíveisou específicos: inflamação perientérica, divertícu-lo preenchido por ar ou enterolito.

Ultra-sonografia (US)

As vantagens do uso da US em relação à TC,na suspeita de diverticulite aguda, incluem:maior disponibilidade, menor custo e a ausên-cia de radiação ionizante ou de meio de con-traste iodado.

Sinais Ultra-sonográficos

1. Espessamento da parede colônica (>4 mm);2. Presença de divertículos;3. Inflamação da gordura pericólica. Definido como

halo hiperecogênico adjacente à parede do colo;4. Abscesso pericólico.

Ultra-sonografia versus TomografiaComputadorizada

Um estudo comparativo prospectivo em 64 pa-cientes demonstrou acurácia semelhante entre a USe a TC (Tabela 5.1). Todavia, a maioria dos espe-cialistas considera atualmente a TC como métodode escolha.

Diagnóstico Diferencial

O carcinoma colônico perfurado é o principaldiagnóstico diferencial em pacientes com suspeitade diverticulite. Apesar de a espessura do colo sermenor que 1cm na diverticulite aguda, em pacien-tes com hipertrofia muscular, a parede pode medir2 a 3cm de espessura, simulando carcinoma. Umazona de transição abrupta, entre o segmento estrei-tado e outro com calibre normal, linfonodomegalialocal e espessamento mural assimétrico, com espes-sura superior a 15mm, são altamente sugestivos decarcinoma.

A apendicite epiplóica (ou apendagite) ocorrequando um apêndice epiplóico colônico sofre infla-mação, torção ou isquemia. Essa doença pode si-mular tanto o quadro clínico como achados deimagem de apendicite ou de diverticulite à esquer-

Tabela 5.1Sensibilidade e Especificidade de Quatro Critérios Diagnósticos

para a Diverticulite Colônica Aguda

TC US

Critério Sensibilidade Especificidade Sensibilidade Especificidade

1. Espessamento da parede colônica 82% 71% 76% 77%

2. Presença de divertículos 82% 51% 79% 68%

3. Inflamação da gordura pericólica 91% 71% 85% 81%

4. Abscesso pericólico 27% 100% 18% 97%

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da ou à direita. O apêndice epiplóico inflamadoapresenta-se à TC como uma pequena massa comatenuação de gordura com contornos hiperate-nuantes. Um foco hiperatenuante linear ou arre-dondado pode ser visto ocasionalmente no centroda lesão e pode representar trombose vascular. Ou-tros achados de imagem incluem: efeito de massa,espessamento focal do intestino adjacente, hetero-geneidade da gordura mesentérica e espessamentofocal do peritônio adjacente.

COLECISTITE AGUDA

A imagenologia da vesícula biliar e das vias bi-liares mudou drasticamente nos últimos 20 anos. Asubstituição da colangiografia transparietal e dacolecistografia oral por técnicas modernas, não-in-vasivas, trouxe grande avanço para o diagnósticodas doenças das vias biliares.

Atualmente, o diagnóstico e o acompanhamen-to imagenológico das doenças biliares baseia-se naultra-sonografia (US), na tomografia computado-rizada (TC), na ressonância magnética (RM) e nacintilografia. A US mantém-se como o exame deescolha na avaliação inicial das doenças biliaresagudas, devido a sua facilidade de execução, am-pla disponibilidade e grande acurácia no diagnós-tico da colecistite aguda.

Radiologia Convencional

Dos pacientes com coleciste aguda, 90-95%têm cálculos, porém apenas 10 a 20% contêm cál-cio suficiente para serem radiopacos. O cálculo obs-truindo o ducto cístico ou a bolsa de Hartmann in-terrompe o fluxo da bile, acarreta produção progres-siva de muco, com distensão, edema e isquemia davesícula, que se apresenta preenchida por pus.

Na colecistite aguda não-complicada, os sinaisradiológicos são presença de cálculo, íleo paralíti-co das alças adjacentes à vesícula e distensão davesícula biliar.

Tomografia Computadorizada

É uma modalidade útil quando os resultadosda ultra-sonografia são duvidosos ou quando oquadro clínico sugere acometimento de órgãos ad-jacentes (por exemplo, pancreatite ou duodenite).

A baixa sensibilidade da TC para colelitíase ébem estabelecida, apesar de a TC quase sempredemonstrar a vesícula biliar (VB) em pacientes emjejum. Diferentemente da US, a descrição do cál-culo à TC é altamente dependente do tamanho eda composição deste. Cálculos calcificados são fa-cilmente observados como imagens hiperatenuan-tes na VB, e cálculos de colesterol são vistos comofalhas de enchimento hipoatenuantes da bile ao seuredor. Entretanto, vários cálculos são compostos deuma mistura de cálcio, pigmentos biliares e coles-terol e aparecem isoatenuantes em relação à bile aoredor; portanto, tais cálculos não são detectados àTC, independentemente do seu tamanho.

A sensibilidade e a especificidade da TC paradiagnóstico de colecistite aguda não foram deter-minadas em estudos prospectivos, e os sinais tomo-gráficos devem ser interpretados com cautela devi-do ao seu baixo valor preditivo positivo. A TC é degrande utilidade quando há suspeita de colangio-carcinoma ductal ou da VB, coledocolitíase, bemcomo para avaliar as complicações da colecistite;situações estas de limitação diagnóstica da US.

Na coledocolitíase, a TC tem maior acuráciaque a US para determinar a localização (acurácia:97%) e a causa (acurácia: 94%) da obstrução, comsensibilidade de 87 a 90%. A TC é particularmenteútil na avaliação distal do ducto hepático comume da ampola de Vater, áreas de difícil visualizaçãoà US; e consegue detectar cálculos, mesmo na au-sência de dilatação das vias biliares.

Sinais Tomográficos

• Sinais específicos: vesícula biliar distendida,apresentando espessamento da parede maior que3mm e realce parietal pelo meio de contraste.

• Sinais secundários: hiperatenuação focal transi-tória do fígado, na região adjacente à vesícula,na fase arterial de injeção do meio de contraste,devido ao hiperfluxo na veia cística.

• Sinais pouco específicos: fluido perivesicular, bor-ramento ou heterogeneidade da gordura perive-sicular, hiperatenuação da bile vesicular e abs-cesso perivesicular.

Ultra-sonografia

Em pacientes com suspeita de colecistite agu-da, a US provou ser o melhor exame de rastrea-

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Fig. 5.7 — Colecistite aguda. A ultra-sonografia evidencia imagem hiperecogênica arre-dondada (cálculo), produtora de sombra acústica posterior, fixa ao infundíbulo da vesí-cula biliar (seta). Observa-se também espessamento da parede (pontas de seta) e aumentodas dimensões da vesícula biliar (VB).

mento, pois tem maiores sensibilidade e valorespreditivos positivos e negativos do que a TC parauma mesma especificidade. Na coledocolitíase, aUS tem altas sensibilidade (99%) e acurácia (93%)para demonstrar a dilatação ductal, porém é me-nos confiável para determinar a localização (60 a92%) e a causa da obstrução (39 a 71%), devido àdificuldade em visualizar o ducto biliar comum dis-tal. A limitação da US na coledocolitíase está rela-cionada a diversos fatores, incluindo cálculos loca-lizados em ductos biliares não-dilatados ou no duc-to hepático comum distal, ausência de bile ao re-dor dos cálculos e cálculos que não produzem som-bra acústica posterior.

A TC não deve ser utilizada como exame ini-cial, nem tampouco para seguimento da colecisti-te aguda nos casos em que a US forneceu diagnós-tico positivo. Entretanto, a TC deve ser reservadapara casos com sinais e sintomas inespecíficosquando outros diagnósticos são considerados, napresença de história anterior de doença biliar oupara estudo das complicações da colecistite aguda.

Sinais Ultra-sonográficos

1. Presença de cálculo(s). Ocorre em 95% dospacientes. A especificidade do sinal é muito

superior quando é possível identificar umaimagem de cálculo fixa ao infundíbulo da ve-sícula biliar, imóvel à mudança de decúbito.Os cálculos apresentam-se como imagens hi-perecogênicas produtoras de sombra acústicaposterior (Fig. 5.7).

2. Sinal de Murphy ultra-sonográfico. Consiste nacompressão dolorosa sobre a vesícula pelotransdutor ultra-sonográfico. Pode não estarpresente em casos de colecistite gangrenosa.

3. Espessamento da parede da vesícula (≥ 3mm).Pode estar associado à delaminação das cama-das da parede (Fig. 5.7).

4. Líquido livre perivesicular.5. Aumento das dimensões da vesícula (longitudi-

nal ≥ 10cm, transversal ≥ 4cm). Pouco especí-fico (Fig. 5.7).

A combinação de sinais ultra-sonográficos apre-senta o seguinte desempenho diagnóstico:a. Sinal de Murphy ultra-sonográfico e presença

de litíase vesicular: valor preditivo positivo de92% e valor preditivo negativo de 95%.

b. Espessamento da parede da vesícula e presen-ça de litíase vesicular: valor preditivo positivode 95% e valor preditivo negativo de 97%.

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Colangiopancreatografia porRessonância Magnética

Cálculos vesiculares, caracterizados como fa-lha de sinal, são detectados com uma sensibilida-de entre 90 a 95%. Pequenas quantidades de lí-quido perivesicular, caracterizados como sinal hi-perintenso em imagens ponderadas em T2, sãovistas em 91% dos casos de colecistite aguda, comuma acurácia de 89%.

Cálculos no ducto hepático comum ou hepato-colédoco são detectáveis com sensibilidade muitosuperior à da ultra-sonografia e mesmo à da tomo-grafia computadorizada.

Complicações

1. Colecistite enfisematosa. Freqüente em pacien-tes diabéticos, resulta da colonização da vesí-cula biliar por microorganismos produtores degás, que se coleta na luz e na parede da ve-sícula. Cálculos são encontrados em apenas50% dos casos; a sua patogenia é relacionadaà doença de pequenos vasos.

2. Colecistite hemorrágica. É caracterizada por he-morragia intraluminal, que se apresenta comomúltiplas imagens ecogênicas na luz da vesícula,que não produzem sombra acústica posterior.

3. Colecistite gangrenosa ou necrotizante. Formagrave e avançada de colecistite aguda. A vesí-cula apresenta à US membranas intraluminais(descamação da parede), e à TC, gás na luz ouparede, irregularidade ou ausência de parede,e ausência de realce parietal.

4. Abscesso perivesicular. Resulta da perfuraçãoda parede da vesícula e é visto como uma co-leção líquida com ecos no seu interior, próximaao fundo da vesícula. Abscessos hepáticos tam-bém podem ocorrer.

PANCREATITE AGUDA

Uma vez que o diagnóstico de pancreatite agu-da é estabelecido, o tratamento depende da ava-liação precoce da gravidade da doença. Nos últi-mos dez anos, ficou estabelecido que a mortalida-de na pancreatite aguda está diretamente corre-lacionada ao desenvolvimento e à extensão da ne-crose pancreática. Assim, o diagnóstico precoce dapresença e extensão da necrose pancreática

(pancreatite necrotizante) indica prognóstico ruime determina a tomada de medidas terapêuticasenérgicas.

O estadiamento da gravidade da doença éestabelecido com base em parâmetros clínicos elaboratoriais indicativos de falência de múltiplosórgãos e no aspecto morfológico da glândula pan-creática à tomografia computadorizada com o usode contraste endovenoso.

Radiologia Convencional

A radiografia simples de abdome e os estudoscontrastados com bário são úteis ocasionalmentepara o diagnóstico de pancreatite aguda (Fig. 5.8).Todavia, têm maior aplicação na detecção de com-plicações tardias (abscessos, estreitamentos e fistu-las). Além disso, não são capazes de determinar agravidade e o prognóstico da doença.

Radiografias de tórax alteradas, acompanhadasde deterioração na função renal (aumento na cre-atinina plasmática), podem ser úteis para predizera gravidade da doença. A incidência de achadospulmonares (infiltrados, derrame) na pancreatiteaguda é de 15 a 55%, observados principalmenteem pacientes com doença grave. O valor preditivoaumenta na presença de derrame pleural à esquer-da ou bilateral. Derrame pleural esquerdo isolado,entretanto, é visto em apenas 43% dos pacientescom pancreatite grave.

Tomografia Computadorizada

A avaliação tomográfica, com a finalidade dediagnóstico e estadiamento precoce da pancreati-te aguda, melhorou e mudou o seu tratamento clí-nico. A maioria dos parâmetros clínicos e laborato-riais avaliados na pancreatite aguda avalia os efei-tos sistêmicos da pancreatite e reflete indiretamentea presença e o grau de lesão pancreática. Somen-te com o advento da TC com uso de meio de con-traste endovenoso, a descrição e a quantificaçãovisual das alterações do parênquima pancreáticopuderam ser atingidas.

A primeira classificação tomográfica da gravi-dade da pancreatite aguda foi proposta por Baltha-zar em 1985, utilizando a TC sem meio de contras-te endovenoso. Ele classificou os pacientes compancreatite aguda em cinco grupos distintos, de Aaté E, de acordo com os achados tomográficos,

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Fig. 5.8 — Pancreatite aguda necro-hemorrágica. A. Radiografia simples do abdome em incidência ante-roposterior, após a ingestão de pequeno volume de meio de contraste baritado. O arco duodenal (setas) en-contra-se alargado, com sinais de compressão na sua borda medial. O ceco e o colo ascendente mostramimpressões digitiformes no seu contorno interno (pontas de seta). B. Detalhe do arco duodenal. A mucosado duodeno (ponta de seta) mostra sinais de edema e nodularidade, sugestivos de infiltração inflamatória.Há redução da luz duodenal. No colo ascendente, há impressões digitiformes (setas). Ambos os sinais sãosugestivos de infiltração líquida do compartimento retroperitoneal pré-renal. C. Detalhe da fossa ilíaca di-reita. A ponta de seta aponta o íleo terminal no nível da válvula íleo-cecal. As impressões digitiformes no as-cendente estão assinaladas por setas. D. Tomografia computadorizada do abdome do mesmo paciente. Esseexame, realizado com administração oral de meio de contraste iodado, evidencia grande aumento da ca-beça pancreática (seta branca), acompanhado de líquido ao redor do duodeno (ponta de seta) e de hete-rogeneidade/líquido perirrenal (seta negra).

A B

C D

correlacionados com a morbidade e mortalidade(Tabela 5.2).

Esse autor mostrou que a maioria dos pacien-tes com pancreatite grave apresentava uma ou di-versas coleções líquidas peripancreáticas (classes De E) no exame de TC inicial. Esses pacientes apre-sentaram uma taxa de mortalidade de 14%, commorbidade de 54%, em comparação a nenhumamorte, e a uma taxa de morbidade de somente 4%

nos pacientes das classes A, B ou C. Observações si-milares foram relatadas posteriormente em outrosestudos clínicos.

A classificação tomográfica descrita é fácil deexecutar, rápida, não requer a administração demeio de contraste endovenoso, e permite identificaro subgrupo de indivíduos que evoluem com maiormorbimortalidade (classes D e E). Seu principal in-conveniente, entretanto, é a incapacidade de descre-

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ver com precisão a extensão da necrose pancreáticae, conseqüentemente, de definir o risco de complica-ções nos pacientes com coleções líquidas retroperito-neais. Esse estudo demonstrou que as coleções líqui-das peripancreáticas desaparecem espontaneamen-te em aproximadamente metade (54%) dos pacien-

tes, e na outra metade (46%) elas persistem, sofremorganização, aumento ou evoluem para abscessosou pseudocistos infectados.

Uma melhora importante nesse sistema declassificação ocorreu com o advento da técnica di-nâmica de TC, com uso de bolo endovenoso demeio de contraste. Essa técnica permitiu demons-trar que coeficientes de atenuação do parênquimapancreático podem ser utilizados como um indica-dor de necrose pancreática e predizer a gravidadeda doença. Pacientes com pancreatite intersticialleve têm uma rede capilar intacta em vasodilata-ção e devem, conseqüentemente, exibir realce uni-forme da glândula pancreática (Fig. 5.9).

Por outro lado, áreas de realce diminuído ouausente indicam fluxo sangüíneo diminuído e estãorelacionadas a zonas pancreáticas de isquemia ounecrose. A correlação entre os achados tomográfi-cos com contraste e a confirmação cirúrgica da ne-crose foi investigada por Beger e col. e por Bradleye col. A TC mostrou uma acurácia de 87%, comsensibilidade de 100% para a detecção de necro-se pancreática extensa, e sensibilidade de 50%

Tabela 5.2Classificação de Balthazar para Estadiamento

Inicial da Pancreatite Aguda

Classe Achados tomográficos

A Pâncreas sem alterações

B Aumento do pâncreas

C Inflamação pancreática ou da gorduraperipancreática

D Coleção líquida peripancreática única

E Duas ou mais coleções líquidas e/ougás livre na cavidade retroperitoneal

Fig. 5.9 — Pancreatite aguda. Tomografia computadorizada de abdome, com injeção en-dovenosa de meio de contraste iodado. Observa-se realce homogêneo do pâncreas, as-sociado à heterogeneidade/inflamação da gordura peripancreática (setas). Classe C deBalthazar.

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para pequenas áreas de necrose observadas no atooperatório. Não houve nenhum exame de TC fal-so-positivo, o que demonstrou uma especificidadede 100%.

O critério aceito para o diagnóstico tomográficode necrose pancreática é a presença de zonas focaisou difusas de parênquima pancreático sem realceapós a administração endovenosa do meio de con-traste. A extensão da necrose é quantificada emmenos de 30%, entre 30% e 50%, e mais de 50%da glândula.

Estudos demonstram uma correlação excelen-te entre a extensão da necrose pancreática, o tem-po de hospitalização, o desenvolvimento de compli-cações e de morte. Pacientes sem necrose não apre-sentaram mortalidade, e sim uma taxa da compli-cações (morbidade) de somente 6%. Para pacientescom menos de 30% de necrose, não houve morta-lidade e uma taxa de morbidade de 48%, enquan-to áreas maiores de necrose (30% a 50% e >50%)foram associadas a uma taxa de morbidade de75% a 100% e a uma taxa de óbito de 11% a 25%.A taxa combinada de morbidade nos pacientescom mais de 30% de necrose foi de 94%, e a taxade mortalidade, de 29%.

Portanto, há um consenso geral sobre a impor-tância do desenvolvimento e extensão da necrosecomo indicadores da gravidade da doença. Entre-tanto, devemos lembrar que as complicações sistê-micas e locais podem ocorrem durante um episó-dio de pancreatite aguda mesmo na ausência denecrose pancreática.

A acurácia da TC para avaliar a presença e aextensão da lesão do parênquima pancreático de-

pende de diversos fatores, mas o mais importanteé a qualidade do exame. A administração endove-nosa do meio de contraste é essencial, particular-mente nos pacientes com pancreatite grave, permi-tindo uma melhor visualização do pâncreas e a di-ferenciação entre a glândula e as coleções líquidasheterogêneas adjacentes bem como do tecido infla-matório peripancreático. A detecção da lesão doparênquima é baseada unicamente na intensidadee na homogeneidade do realce pancreático.

Índice Tomográfico de Gravidade daPancreatite Aguda

É utilizado como uma tentativa de melhorar odiagnóstico e o prognóstico do paciente com pan-creatite aguda, na presença da necrose pancreáti-ca. Aos pacientes classificados pelos critérios tomo-gráficos de A até E (Tabelas 5.2 e 5.3) são atribuí-dos pontos de 0 a 4, que são adicionados de maisdois pontos caso haja necrose em até 30% do pa-rênquima pancreático, 4 pontos se a necrose ocu-par 30% a 50% do órgão, ou 6 pontos se a necroseestiver em mais de 60% da glândula (Tabela 5.3).

Índices de gravidade de 0 a 3 (pancreatite leve)estão associados à baixa morbimortalidade (4% e0%, respectivamente). No outro extremo, índicesentre 7 e 10 (pancreatite grave) apresentam taxade morbidade (complicações) de 92% e mortali-dade de 17%. O índice de gravidade tomográficodemonstrou uma excelente correlação com o desen-volvimento de complicações locais e a incidência damortalidade (Fig. 5.10).

Tabela 5.3Índice Tomográfico de Gravidade da Pancreatite Aguda*

Necrose

Classe Pontos Percentagem Pontos Adicionais Índice de Gravidade

A 0 0 0 0

B 1 0 0 1

C 2 < 30% 2 4

D 3 30% a 50% 4 7

E 4 > 50% 6 10

O índice de gravidade é composto pela soma dos pontos resultantes da classe (Classificação de Baltha-zar, Tabela 5.2) com aqueles resultantes da percentagem de necrose.

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Concluindo, o exame de TC com administra-ção de contraste endovenoso é considerado atual-mente o método de imagem de escolha para ava-liar a gravidade do processo inflamatório, detectarnecrose pancreática, descrever complicações locaise estabelecer o prognóstico do paciente com pan-creatite aguda.

Até o presente momento, não existe um sistemade classificação padrão, único, para determinar agravidade da doença, que consiga compreendertanto os parâmetros clínico-laboratoriais como osaspectos de imagem.

Ultra-sonografia

A avaliação ultra-sonográfica pode ser indi-cada precocemente em um episódio agudo depancreatite para avaliar a presença de cálculosna vesícula biliar e/ou no ducto hepático co-mum. Porém, a visualização do pâncreas é fre-qüentemente prejudicada pela presença de gásem alças intestinais. A detecção de coleções lí-quidas intraparenquimatosas ou retroperitoneais

pela US tem pouca correlação com a extensãoda necrose pancreática. As alterações ultra-sono-gráficas são observadas em 33 a 90% dos pacien-tes com pancreatite aguda. Uma glândula difusa-mente aumentada e hipoecogênica é consistentecom edema intersticial, e coleções líquidas extra-pancreáticas (por exemplo, na bolsa omental ouno espaço pararenal anterior) costumam estarpresentes nos pacientes com doença grave.

Ressonância Magnética (RM)

Com o desenvolvimento da técnica de gradien-te-eco com supressão de gordura, a RM tornou-seuma excelente alternativa diagnóstica para avaliare estadiar a pancreatite aguda. Essa técnica é par-ticularmente útil em pacientes com contra-indica-ção ao uso de contraste iodado.

A RM contrastada com gadolínio ponderada emT1, técnica gradiente-eco, pode quantificar a necrosepancreática, assim como áreas de parênquima semrealce. Imagens obtidas com supressão de gordurasão úteis para definir alterações parenquimatosas

Fig. 5.10 — Pancreatite aguda com necrose. Tomografia computadorizada de abdo-me, com injeção endovenosa de meio de contraste iodado. Observa-se área hipoate-nuante (seta) no corpo do pâncreas, que não apresenta realce, sugestiva de necrose (2pontos). Observa-se também heterogeneidade/inflamação da gordura peripancreática(mais 2 pontos).

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focais, difusas ou sutis. Imagens ponderadas em T2podem detectar com precisão coleções líquidas, pseu-docistos e áreas de hemorragia. Em comparação aoexame de TC com administração do meio de con-traste endovenoso, a RM apresenta resultados simi-

lares. Por isso, é aceita como modalidade diagnós-tica alternativa para o estadiamento da pancreatiteaguda ou para melhor caracterização, diante de umexame tomográfico duvidoso ou em pacientes alér-gicos ao meio de contraste iodado.

CLÍNICAFranz R. Apodaca TorrezTarcisio Triviño

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Neste capítulo, faremos referência a diversasdoenças, muitas de caráter clínico, que podem si-mular abdome agudo, além daquelas que, mesmodeterminando quadro abdominal agudo de nature-za cirúrgica, devem ser diferenciadas, pois podemimplicar condutas diversas.

Como fizemos em capítulos anteriores, citare-mos, inicialmente, as principais causas de abdomeagudo inflamatório e as doenças que devem ser re-lacionadas no diagnóstico diferencial.

APENDICITE AGUDA

Essa talvez seja a causa de abdome agudo in-flamatório não apenas mais freqüente, como, tam-bém, a que mais suscita diagnósticos diferenciais.

Devem ser lembradas adenite mesentérica, gas-troenterocolites virais ou bacterianas e doenças detratamento eminentemente clínico. Outras doençasdo trato digestório como diverticulite de Meckel, di-verticulite colônica, diverticulite do ceco, doença deCrohn, úlcera péptica gastroduodenal perfurada,colecistite aguda e epíploíte devem ser lembradas nodiagnóstico diferencial. O mesmo se diga de doençasdo trato urinário, infecção urinária, nefrolitíase eabscesso perirrenal e do trato genital, particularmen-te em mulheres, infecções anexiais, cistos torcidos ourotos e mesmo complicações hemorrágicas.

COLECISTITE AGUDA

No diagnóstico diferencial de colecistite aguda,devem ser lembradas doenças inflamatórias ou não,

de expressão localizada no hemiabdome superiordireito. São elas: pneumonia de base direita, hepa-tites, pielonefrite, e mesmo isquemia ou infarto domiocárdio. Outras doenças do trato digestório de-vem ser lembradas, como apendicite aguda de lo-calização sub-hepática, úlcera péptica complicadae pancreatite aguda.

PANCREATITE AGUDA

A pancreatite aguda é a doença que talvezmais suscite dúvidas diagnósticas. Além da dificul-dade em confirmar esse diagnóstico, devem serlembrados a doença ulcerosa péptica complicada,a colecistite aguda, a obstrução intestinal e o infar-to mesentérico. Também a isquemia miocárdicanão deve ser esquecida.

DIVERTICULITE DO SIGMÓIDE

O diagnóstico diferencial dessa entidade incluicolite isquêmica, neoplasia de colo complicada,apendicite aguda e afecções infecciosas do tratogenital feminino. Devemos ainda diferenciar a di-verticulite aguda do sigmóide de suas complica-ções, tais como perfuração, abscesso peridiverticu-lar, fístula colovesical e outras, cuja conduta tera-pêutica pode ser distinta.

No diagnóstico diferencial do abdome agudoinflamatório, de tantas e diversas etiologias, muitasvezes se faz necessário recorrer a alternativas diag-nósticas.

Por muitos anos, o cirurgião dispunha da ob-servação em busca de melhor definição clínica.Por vezes, no intuito de uma solução rápida, re-

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corria à laparotomia exploradora para definir, eeventualmente tratar, a causa do abdome agudoinflamatório.

Julgamos oportuno referir o concurso atual dalaparoscopia diagnóstica que tantas laparotomiasdesnecessárias tem evitado.

As causas não-cirúrgicas de abdome agudo se-rão apresentadas na Tabela 5.4 e classificadas deacordo com o sistema comprometido.

TRATAMENTO E ELEMENTOS DEPROGNÓSTICO

O tratamento do abdome agudo inflamatórioobedece a dois critérios: um deles genérico, aplicá-vel a praticamente todos os casos, e um específico,aplicável, de forma distinta, a cada tipo de abdo-me agudo, na dependência de sua etiologia.

TRATAMENTO GENÉRICO

Aplicável a quase todos os casos de abdomeagudo inflamatório, deve começar tão logo se ca-racterize o quadro clínico em questão. Seus princi-pais objetivos são:

Analgesia

Embora seja voz corrente que não se deve apli-car analgésicos até que se tenha o diagnóstico etio-lógico de abdome agudo, tal verdade nem sempreé aplicável na prática diária. Devemos lembrar queo doente com dor intensa é, na maioria das vezes,pouco colaborativo.

Após o exame inicial do abdome, com diagnós-tico provável ou mesmo conduta estabelecida, cos-tumamos prescrever analgesia com fármacos depotencial crescente, iniciando com analgésicoscomo a dipirona até chegarmos às soluções deci-mais de meperidina.

Reposição Volêmica

Falta de ingesta, vômitos e íleo adinâmico e,principalmente, transudação peritoneal costumamdeterminar um estado de hipovolemia, desidrata-ção, com repercussão para o sistema cardiocircu-latório e, principalmente renal, que devem ser mo-

tivo de preocupação desde o início do atendimen-to médico.

Esse comprometimento é particularmente im-portante nos doentes com pancreatite aguda oucom peritonite generalizada.

A reposição com soluções cristalóides ou comexpansores plasmáticos deve ser feita criteriosa-mente, usando como parâmetros as mensuraçõesde freqüência cardíaca, pressão arterial, diurese, e,se necessário, pressão venosa central.

Correção de Distúrbios Eletrolíticos

Os vômitos e o íleo adinâmico costumam seros principais responsáveis pelas alterações eletro-líticas, particularmente do sódio e do potássio,mais evidentes na vigência de comprometimentorenal, além disso, devem ser corrigidas tão logosejam detectadas.

Na pancreatite aguda grave, além desses ele-trólitos, devem ser avaliados o cálcio e o fósforo.Nessa eventualidade, além dos eletrólitos, mereceatenção a gasometria arterial.

Tratamento do Íleo Adinâmico

Na maioria dos doentes com abdome agudoinflamatório, o jejum é suficiente para minimizar osefeitos do íleo adinâmico. Na presença de grandedistensão gástrica, jejunoileal ou vômitos incoercí-veis, recomenda-se a introdução de sonda nasogás-trica com a finalidade de descompressão, drena-gem, alívio da distensão abdominal, do desconfortoe da síndrome compartimental por ela determina-da, além de prevenir a regurgitação e a broncoas-piração por ocasião da indução anestésica e intu-bação orotraqueal.

Tratamento de Falências Orgânicas

Embora pouco freqüente no abdome agudoinflamatório nas fases iniciais, à exceção de na pan-creatite aguda grave, a ocorrência das falênciasorgânicas determina caráter grave da doença.

Por ordem de freqüência são mais comuns ainsuficiência renal, cardiocirculatória, respiratória,metabólica. Já a coagulopatia é um fenômeno ob-servado nas fases avançadas da sepse abdominal.

O tratamento específico para cada uma dessasdisfunções é imperioso, determina a evolução do

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Tabela 5.4Causas Não-cirúrgicas de Dor Abdominal

Sistema Doença ou Transtorno

Pulmonar PneumoniaPleurisiaEmbolia pulmonarPneumotórax espontâneo

Cardiovascular Isquemia ou infarto de miocárdioInsuficiência cardíaca congestivaPericarditeDissecção da aorta torácicaInsuficiência vascular mesentéricaColite isquêmicaPeriarterite nodosaLúpus eritematoso sistêmicoPúrpura de Henoch-Schönlein

Genitourinário Cólica renal ou ureteralPielonefriteCistiteTorsão testicularOrquiepididimiteRetenção urinária aguda

Gastrointestinal Doença ulcerosa pépticaGastroenterocolite bacteriana ou viralAdenite mesentéricaDoença inflamatória intestinalEnterocolite pseudomembranosaSíndrome do intestino irritávelFibrose cística

Hematológicas LinfomasLeucemiasEsplenoseCrise drepanocíticaSíndrome urêmico-hemolítica

Neuromuscular Herpes zosterNeoplasias ou lesão da medula espinhalMordida por aranhaHematoma do reto abdominal

Metabólico e endócrino Cetoacidose diabéticaIntoxicação por chumboInsuficiência supra-renalPorfiriaHiperparatireoidismo primárioFebre familial do MediterrâneoTireotoxicoseHiperlipoproteinemia tipo I e VSíndrome de abstinência

Doenças infecciosas Tuberculose intestinal

Febre tifóide

Lues

Peritonite primária

Hepatite

Amebíase

Ascaridíase

Febre reumática

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doente e deve ser feito sempre em ambiente de cui-dados intensivos.

Antibioticoterapia

Acreditando-se que a infecção seja um fenôme-no quase sempre presente no abdome agudo infla-matório, entende-se a necessidade de antibiotico-profilaxia ou antibioticoterapia precoce.

Conhecendo a etiologia do processo, é possívelimaginar os principais germes causadores da infec-ção e, assim, aplicar a terapêutica antibiótica maisrecomendada.

Freqüentemente, tal etiologia não é determina-da, o que nos leva a utilizar antibióticos de amploespectro, voltados para germes Gram-positivos eGram-negativos, assim como anaeróbios.

A antibioticoterapia por via endovenosa, emdoses efetivas, iniciada logo nos primeiros momen-tos do atendimento, deverá ser revista e mesmomodificada, no curso da doença, por ocasião daconfirmação cirúrgica do processo ou após examebacteriológico, cultura e antibiograma do materialcolhido durante a laparotomia.

Se iniciado o tratamento com antibióticos, estedeve ser mantido por cinco a sete dias após o pro-cedimento cirúrgico ou, mesmo, por três semanasou mais se a etiologia assim o exigir.

TRATAMENTO ESPECÍFICO

É importante lembrar que, para cada doençadeterminante da síndrome de abdome agudo infla-matório, existe um tratamento específico, seja elecirúrgico ou, mesmo, clínico.

Assim sendo, vamos restringir-nos às principaisdoenças causadoras de abdome agudo inflamató-rio, como foi referido em capítulos anteriores.

Apendicite Aguda

O tratamento da apendicite aguda e de suascomplicações é sempre cirúrgico. Embora algunspoucos autores indiquem tratamento inicialmenteclínico, essa conduta somente deve ser preconiza-da para raras situações, como em doentes mori-bundos. É discutida a possibilidade de instaurarconduta conservadora diante dos abscessos apendi-culares e da apendicite hiperplásica; contudo, em

ambas as situações, o tratamento definitivo será aapendicectomia eletiva.

Para a quase totalidade dos doentes portado-res de apendicite aguda, impõe-se a apendicecto-mia como método terapêutico ideal, estando suaprecocidade relacionada à evolução pós-operatória.

A laparotomia clássica, por incisão oblíqua outransversa, na fossa ilíaca direita, permite acesso aoapêndice cecal, que é removido, seguindo-se a lim-peza da cavidade abdominal.

A drenagem da cavidade peritoneal é temacontroverso, sendo justificável em casos de necro-se do apêndice e abscesso local. No entanto, nota-se tendência ao seu abandono.

Nos últimos anos, muitos autores têm preferi-do a abordagem por videolaparoscopia, com exce-lentes resultados não apenas cosméticos mas, par-ticularmente, no que diz respeito à volta às ativi-dades físicas. Restrições se fazem ao custo do pro-cedimento e à experiência dos profissionais.

O tratamento cirúrgico da apendicite aguda temcomo principais complicações o abscesso de paredeabdominal e abscesso intraperitoneal. Fístulas ester-corais são raras e de tratamento complexo.

Colecistite Aguda

A colecistite aguda tem na remoção da vesículabiliar seu tratamento específico e definitivo.

Embora existam autores que preconizam o tra-tamento clínico já citado anteriormente, para pro-ceder à colecistectomia eletiva 30 a 60 dias após,somos da opinião que a colecistectomia precoce éa melhor conduta, pois não apenas remove a cau-sa do processo, como evita as complicações quasesempre bastante graves.

A maior incidência de lesão iatrogênica porocasião da colecistectomia realizada na fase agudapode ser evitada com prudência cirúrgica, colan-giografia intra-operatória e, se necessário, colecis-tostomia.

Durante uma centena de anos, a colecistecto-mia convencional foi o método ideal para a tera-pêutica da colecistite aguda, com excelentes resul-tados, tendo como principais complicações infecçãoda parede abdominal e hérnia incisional.

A videolaparoscopia trouxe grande contribuiçãoe hoje é a primeira opção para a realização da co-lecistectomia, com índices de conversão inferiores a5%. Não se deve, contudo, evitar de converter paraa cirurgia convencional, em face das dificuldades

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anatômicas, sangramento ou processo inflamató-rio exuberante.

Pancreatite Aguda

A pancreatite aguda, na maioria das vezes deetiologia biliar, pode, ainda, ser decorrência deum surto agudo por doença crônica de etiologiaalcoólica.

É uma doença inicialmente clínica, pois a cirur-gia não consegue evitar a evolução nem tampoucoreduzir a gravidade nas formas necrotizantes.

É de fundamental importância o tratamentodas complicações sistêmicas e, nas formas graves,tentar retardar uma eventual intervenção cirúrgica,para 15 dias, 20 dias ou mais. O objetivo é buscarum tratamento eficaz, como a necrosectomia, quan-do a necrose se encontra bem delimitada, evitando,assim, a remoção de tecido pancreático sadio.

A infecção do tecido necrosado implica drena-gem peripancreática precoce.

Freqüentemente, o processo pancreático étratado apenas com medidas clínicas, restando,para um momento oportuno, o tratamento da li-tíase biliar.

Na pancreatite aguda leve, a colecistectomiadeve ser realizada eletivamente, na mesma interna-ção, por volta do seu sétimo dia.

Na pancreatite aguda necrotizante, esse proce-dimento deve ser retardado, e feito somente quan-do o doente apresentar condições cirúrgicas ideais.

A pancreatite aguda traumática é de interven-ção cirúrgica precoce, freqüentemente exigindo res-secção pancreática.

Diverticulite do Sigmóide

A diverticulite do sigmóide também é uma do-ença de tratamento clínico, com as medidas já re-feridas. A cirurgia é indicada para as formas com-plicadas da doença e para pacientes que não res-pondem ao tratamento clínico ou com episódios re-correntes de diverticulite aguda.

De modo geral, a diverticulite do sigmóide tam-bém é uma doença de tratamento clínico. Essa con-duta costuma determinar resultados satisfatórios.

Reserva-se a cirurgia, na forma aguda, para osdoentes que não respondem ao tratamento clínicoe para aqueles que apresentam complicações, tais

como abscesso, perfuração ou peritonite. Para es-ses doentes, indica-se laparotomia, limpeza da ca-vidade e colostomia a montante da lesão, pois aressecção com reconstrução do trânsito é sujeita ariscos e deiscências. A cirurgia de Hartman é outraopção sólida para esses doentes.

A colectomia é deixada para uma fase posterior,quando as condições gerais e, particularmente, lo-cais forem satisfatórias.

Eletivamente, indica-se, ainda, a colectomia,nos doentes com estenose, fístulas ou suspeita deneoplasia.

Algumas doenças que determinam síndrome deabdome agudo inflamatório, tais como enterites,colites, infecção do trato genital, particularmenteanexite e pielonefrites, de tratamento eminente-mente clínico, têm na videolaparoscopia um exce-lente recurso não apenas diagnóstico, mas, princi-palmente, terapêutico, por meio da lavagem e as-piração. É, também, responsável por evitar lapa-rotomias desnecessárias.

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CONCEITO E INCIDÊNCIA

O abdome agudo perfurativo é uma das sín-dromes mais freqüentes entre as urgências abdomi-nais não-traumáticas. A perfuração de vísceras ocaspode ocorrer devido a processos inflamatórios (úl-ceras pépticas, doenças inflamatórias intestinais),neoplásicos e infecciosos do aparelho digestivo (in-fecções por Salmonella tiphy, citomegalovírus, tu-berculose intestinal etc.) ou a uso de medicamen-tos (antiinflamatórios). Pode ainda ser decorrenteda ingestão de corpos estranhos, traumatismos e ia-trogenias (procedimentos diagnósticos e terapêuti-cos). Ainda hoje, a mortalidade da perfuração vis-ceral se encontra entre 8 e 10%.

ETIOPATOGENIA

Ver seção Diagnóstico Diferencial e Etiológico.

FISIOPATOLOGIA

Ver seção Quadro Clínico.

QUADRO CLÍNICO

De modo geral, o quadro clínico é caracterizadopelos seguintes parâmetros:

ABDOME AGUDO

PERFURATIVO

• Intervalo curto entre o início da dor e a chega-da ao serviço de emergência;

• Dor súbita, de forte intensidade, com difusão rá-pida para todo o abdome;

• Sinais de sepse, hipotensão ou choque estão fre-qüentemente presentes;

• No exame do abdome, há sinais evidentes de pe-ritonite, ausência de macicez hepática (sinal deJobert) e de ruídos hidroaéreos.

A intensidade dos sintomas e a gravidade doquadro clínico dependerão do local e do tempode evolução da perfuração, do tipo de secreçãoextravasada e das condições do doente. Inicial-mente, ocorre uma inflamação peritoneal de na-tureza química, principalmente nas perfuraçõesaltas do trato digestivo, seguida de invasão bac-teriana secundária e progressivo processo infec-cioso, com repercussões locais e sistêmicas. Emrelação ao intestino grosso, a peritonite é sépti-ca desde o início.

Algumas vezes, a sintomatologia não é tãoexuberante, podendo estar “mascarada” por sin-tomas decorrentes de afecções clínicas associadascomuns em doentes idosos e imunossuprimidos.As perfurações podem ocorrer em peritônio livrecom extravasamento de líquido e difusão portoda a cavidade abdominal ou, então, se apre-sentar de forma bloqueada, com dor e sinais

Capítulo 6

CLÍNICASamir Rasslan

André de Moricz

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peritoneais localizados, correspondentes à topo-grafia da víscera comprometida. Em tais situa-ções, pode haver retardo no diagnóstico e trata-mento da doença.

Uma série de parâmetros devem ser levadosem consideração no diagnóstico e na avaliação dodoente portador de abdome agudo perfurativo:• Peritonite química ou bacteriana;• Nível da perfuração;• Tempo de evolução da perfuração;• Manifestações sistêmicas ou abdominais exclusivas;• Perfuração bloqueada ou em peritônio livre;• Etiologia da perfuração.

DIAGNÓSTICO CLÍNICO

Ver seção Quadro Clínico.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

É inespecífico, mas há outras possibilidades dediagnóstico auxiliar.

Quando o quadro clínico não é característico,ou mesmo é obscuro, tem-se procurado o empregode métodos complementares no diagnóstico etio-lógico da afecção abdominal de urgência, levando-se em consideração os custos e a racionalidade desua utilização.

A punção abdominal para aspiração de líqui-dos intraperitoneais é um método auxiliar menosutilizado atualmente que no passado, e, quandopositiva, auxilia na tomada de decisão e confir-mação do quadro de peritonite. Apresenta, po-rém, um número significativo de falso-negativos,podendo apresentar falso-positivos quando dapunção acidental de alças intestinais ou sangue(acidente de punção). Particularmente em obe-sos, a punção pode apresentar maior probabili-dade de falhas.

A lavagem peritoneal é também simples e commaior índice de positividade, tendo sido propos-

ta a dosagem do amoníaco do líquido intracavi-tário em alguns estudos clínicos do passado, paraauxílio no diagnóstico de perfuração de vísceraoca. Não tem indicação no abdome agudo perfu-rativo bem como nas demais síndromes abdomi-nais não-traumáticas.

Quando todos os métodos falham na de-monstração do pneumoperitônio e a dúvida per-siste, o exame endoscópico pode contribuir parao diagnóstico das perfurações do trato digestivoalto (estômago e duodeno). A gastroduodenosco-pia permite identificar a lesão ulcerada e, porvezes, até mesmo a sua perfuração. Não é inco-mum o aparecimento do pneumoperitônio numanova radiografia, realizada após o exame endos-cópico.

Um recurso atual que possibilita não só odiagnóstico diferencial como o tratamento demuitos casos de abdome agudo perfurativo é avideolaparoscopia. Trata-se de um procedimentoinvasivo que, em mãos habilitadas, com materialadequado e em casos selecionados, permite a su-tura de úlceras pépticas agudas, ou mesmo crô-nicas, e limpeza adequada da cavidade com se-gurança.

Doentes internados em terapia intensiva, se-dados e em suporte ventilatório tornam-se umdesafio do ponto de vista do diagnóstico de afec-ções abdominais agudas devido à perda de pa-râmetros clínicos e do exame de palpação abdo-minal, e pela dificuldade e risco de mobilizaçãopara exames radiológicos. Uma laparotomia des-necessária na dúvida diagnóstica poderia agra-var o quadro clínico. Nesses casos, pode-se rea-lizar a laparoscopia diagnóstica à beira do leito,sob anestesia local e com pneumoperitônio debaixa pressão para elucidação diagnóstica e de-finição da melhor conduta.

Todos os meios propedêuticos são válidos,mas o diagnóstico se apóia na história clínica mi-nuciosa, no exame físico criterioso e na experiên-cia do cirurgião.

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DIAGNÓSTICO RADIOLÓGICO— DIAGNÓSTICO POR IMAGEM

INTRODUÇÃO

A característica radiológica de perfuração devíscera oca é a presença de ar e/ou líquido na ca-vidade peritoneal, no retroperitônio e, com menorfreqüência, nas paredes de órgãos e outras estrutu-ras. A perfuração de uma víscera oca leva à forma-ção de pneumoperitônio em 75% a 80% dos casos.Os casos nos quais não ocorre pneumoperitônio sãodevidos ao bloqueio do local da perfuração ou àausência de gás no segmento da víscera perfurada.Além disso, o erro metodológico também pode con-tribuir para a não-detecção do pneumoperitônio.

Na radiografia simples do abdome, pequenasquantidades de gás extraluminar podem ser detec-tadas, fazendo com que esse exame tenha impor-tante papel. O gás livre pode também ser detec-tado através da tomografia computadorizada(TC) e da ultra-sonografia. A ressonância nuclearmagnética é um método pouco utilizado na ava-liação do abdome agudo perfurativo, devido a ele-vada acurácia, disponibilidade e menor custos dosdemais métodos.

RADIOGRAFIA SIMPLES DO ABDOME

A detecção de ar livre intraperitoneal é um va-lioso sinal de abdome agudo perfurativo. As radio-grafias padrão para o diagnóstico de penumoperi-tônio são de tórax em ortostática, com incidênciaanteroposterior, e com o raio central apontando nonível das hemicúpulas, e em decúbito lateral es-querdo com raios horizontais. Já foi demonstradoque esse exame pode ser sensibilizado a ponto deser detectado tão pouco quanto 1 a 2ml de ar, se opaciente permanecer em decúbito lateral esquerdo,por 10 a 20 minutos, e em ortostática, por dez mi-nutos, antes de a radiografia ser realizada.

A sensibilidade das radiografias em decúbitodorsal é de 56% para a detecção de pneumo-peritônio. Suplementando a radiografia em decú-bito dorsal com a radiografia em ortostática, au-

menta-se em até 76% esse índice; e a adição da ra-diografia em decúbito lateral esquerdo com raioshorizontais pode elevá-lo a 90%.

São também de grande importância as radio-grafias em decúbito dorsal com raios horizontais,em que pode ser demonstrado ar livre logo abaixoda parede abdominal anterior, e as radiografias decúpulas em perfil.

O gás livre na cavidade abdominal na radio-grafia em posição ortostática pode ser coletado logoabaixo do diafragma, entre o fígado, ou o estôma-go, e o diafragma (Fig. 6.1).

Em 50% dos casos, o gás se acumula abaixo dofígado, ou no espaço hepatorrenal, apresentando-se como uma radioluscência elíptica ou linear.Grandes quantidades de gás livre subdiafragmáti-co produzem também o sinal da cúpula na radio-grafia em posição ortostática, que é traduzido porgás acumulado abaixo do tendão central do dia-fragma. O gás na radiografia em decúbito lateralesquerdo coleta-se entre o fígado e a parede abdo-minal lateral (Fig. 6.2).

A radiografia feita em decúbito dorsal, comodito anteriormente, tem sensibilidade inferior nadetecção de pneumoperitônio. Freqüentemente, elapode ser a única incidência radiográfica possível,logo é essencial a familiarização com os sinais de arlivre que podem aparecer nas radiografias obtidasnessa incidência. São eles:1. Sinal de Rigler. É a visualização da parede

gástrica ou intestinal pela presença de gás naluz e na cavidade peritoneal. Pode ser simula-do quando duas alças intestinais distendidaspor gás aparecem unidas na radiografia e porgordura intraperitoneal adjacente à parede daalça (Fig. 6.3).

2. Sinal do ligamento falciforme. O gás livre tendea delinear estruturas que normalmente não sãoobservadas na radiografia convencional, comoas reflexões peritoneais e os ligamentos (porexemplo, o ligamento falciforme do fígado, osligamentos umbilicais e o úraco). Quando acavidade está distendida com ar, o ligamentose torna radiograficamente aparente, às vezesna radiografia simples e com freqüência na to-mografia computadorizada (Fig. 6.4).

IMAGEMGláucia Andrade e Silva Palácio

Daniel Bekhor

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Fig. 6.1 — Radiografia de tórax em anteroposterior, com raio central no nível das hemicúpulas.Extenso pneumoperitônio bilateral por diverticulite aguda perfurada, caracterizado por ar livre(setas brancas) coletado entre o fígado (Fig) e o diafragma (ponta de seta branca), e entre o fundogástrico (Est) e o diafragma.

Fig. 6.2 — Radiografia localizada em decúbito lateral esquerdo com o raio incidindo horizontal-mente. Pneumoperitônio. Ar livre (seta branca) entre o fígado (Fig), a parede abdominal laterale o diafragma (ponta de seta branca). Pulmão (Pu).

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Fig. 6.3 — Sinal de Rigler. Radio-grafia simples de abdome em de-cúbito dorsal. Alças de intestinodelgado distendidas por gás (setaspretas). O gás é observado forada luz intestinal (seta branca) e nointerior de alças intestinais (setaspretas), delineando a parede daalça (ponta de seta branca).

Fig. 6.4 — Sinal do ligamentofalciforme. Radiografia em decú-bito dorsal. O pneumoperitôniopor ligamento falciforme é vistocomo imagem linear radiopaca(setas brancas), delineado por arlivre na cavidade abdominal, emum doente com enterocolite ne-crotizante. A sombra hepática(Fig) encontra-se mais radiolus-cente que o usual.

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Nos casos de pneumoperitônio massivo, aorientação oblíqua do ligamento falciforme,indo do umbigo à superfície anterior do fígado,aparece como sombra linear que divide a ca-vidade peritoneal superior. A espessura varia de1 a 11mm.

3. Sinal da fissura do ligamento redondo. São vi-sualizadas pequenas quantidades de gás na fis-sura do ligamento redondo.

4. Sinal do “V” invertido. Ocorre quando os liga-mentos umbilicais laterais são visualizados uniou bilateralmente.

5. Sinal do úraco.6. Sinal da borda hepática. O ar livre coletado

na cavidade peritoneal anterior pode permitirdelineação da borda hepática inferior. Carac-teristicamente, as coleções gasosas que pro-movem esse sinal têm margem superior côn-cava ou reta, que representa a interface lisacom o fígado.

7. Sinal da bola de futebol. Ocorre quando umagrande quantidade de ar na região do abdo-me médio, na radiografia em posição supina,produz uma imagem radioluscente de formaelíptica.

8. Ar no espaço de Morison. A porção superior doespaço sub-hepático posterior pode coletar arlivre. É visto como radioluscência crescente outriangular medialmente abaixo da décima pri-meira costela, onde é contida acima pela áreanua do fígado.

9. Sinal oval superior e anterior. Pequenos acúmu-los de ar livre são coletados ântero-superior-mente na cavidade peritoneal. Podem ser vis-tos como única ou múltiplas radioluscênciasovóides sobre o fígado, geralmente na suaporção medial. Na TC, essas radioluscênciassituam-se ventralmente ao fígado, abaixo daparede abdominal anterior, em lugar muito co-mum de acúmulo de ar livre.O quadrante superior direito é o local onde o ar

livre intraperitoneal é visto com maior freqüênciana radiografia simples. Portanto, essa região deveser avaliada cuidadosamente, e qualquer radiolus-cência fora do trato gastrointestinal deve ser ana-lisada com suspeição, requerendo maior avaliação.

Uma série de condições conhecidas pode mi-metizar a presença de gás livre na cavidade abdo-minal. Essas variantes e desordens devem ser con-sideradas e prontamente reconhecidas no sentidode evitar laparotomias desnecessárias. São elas: asíndrome de Chilaiditi (alça interposta, de intesti-no delgado ou grosso, entre a superfície hepática

ântero-superior e a cúpula diafragmática); gordu-ra subdiafragmática retroperitoneal (encontradaem 1% dos pacientes); pneumotórax e atelectasiabasais paralelas ao diafragma; distensão de vísce-ras ocas; tecido adiposo entre o fígado e o diafrag-ma; ar retroperitoneal; abscessos subfrênicos; pneu-matose cistóide; divertículo do estômago, esôfagoou duodeno; e a configuração ondulada do diafrag-ma (Fig. 6.5).

Em 70% dos casos de pneumoperitônio por úl-cera gástrica ou duodenal perfurada, é detectadoar livre na radiografia simples.

Outras causas de pneumoperitônio não causa-dos por perfuração de víscera oca ocorrem em pa-cientes com doença pulmonar obstrutiva crônica,pneumotórax, pneumomediastino e via trato geni-tal feminino. A propagação do ar dos pulmões paraa cavidade peritoneal ocorre por dissecção ao lon-go dos espaços peribrônquicos com entrada nomediastino. O retroperitônio é contínuo com espaçomediastinal. A extensão do pneumorretroperitônioao longo do curso dos vasos mesentéricos é outrarota para entrar na cavidade peritoneal. O ar podepassar também do tórax para o abdome, atravésde pequenas aberturas no diafragma, próximo à li-nha media anteriormente (Figs. 6.6 e 6.7).

Se presença de líquido intra ou retroperitonealtambém for observada, níveis de líquido tambémpodem ser observados. É necessário que se diferen-cie entre esses achados e a presença de coleções lí-quidas ou gasosas correspondentes à formação deabscessos.

ESTUDOS GASTROINTESTINAIS

CONTRASTADOS

O estudo contrastado, assim como a ultra-so-nografia, é uma modalidade secundária, útil emsituações especiais.

Em um doente com suspeita de abdome agu-do perfurativo, se os achados clínicos e a radiogra-fia simples forem inconclusivos, a situação pode seresclarecida com a administração de um meio decontraste hidrossolúvel por via oral ou retal. Nessescasos, o meio de contraste baritado é contra-indi-cado devido ao risco de peritonite.

Para o paciente com suspeita de úlcera perfu-rada, 30 a 50cc de meio de contraste iodado sãoadministrados via oral, e em seguida o paciente écolocado em decúbito lateral direito por 10 minu-tos, para que o contraste flua até o estômago dis-tal e duodeno proximal, onde ocorre a maioria das

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Fig. 6.6 — Pneumomediastino causado por perfuração de esôfago que se estendeu para a re-gião infradiafragmática, determinando retropneumoperitônio e pneumoperitônio. No tórax, o arlivre é detectado no mediastino no formato de finas lâminas (setas brancas).

Fig. 6.5 – Ângulo esplênico docolo (seta branca) simulandopneumoperitônio, por estaracentuadamente distendido emum doente com neoplasia decolo esquerdo.

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perfurações. Aproximadamente um terço dos paci-entes com perfuração terá extravasamento revela-do por essa técnica, mesmo na ausência de pneu-moperitônio (Fig. 6.8).

ULTRA-SONOGRAFIA

A perfuração de uma víscera oca associada àpresença de pneumoperitônio pode ser ocasional-mente diagnosticada com a ultra-sonografia. Nes-ses casos, o gás livre surge como linhas hiperecogê-nicas com acentuada reverberação posterior, entrea parede abdominal anterior e a superfície ante-rior hepática. Esse achado também é mais bem ca-racterizado no quadrante superior direito com opaciente em decúbito lateral esquerdo.

Esses artefatos de reverberação típicos, osquais não são demonstrados no interior da luz in-testinal, podem também ser observados ao redorde vasos sangüíneos nos casos de uma perfuraçãoretroperitoneal. No entanto, essa distinção pode serbastante sutil. Uma avaliação ultra-sonográficamais detalhada é geralmente dificultada pela pre-sença de grandes quantidades de gás intraluminal.

Pequenas quantidades de líquido livre no espa-ço hepatorrenal ou no retrovesical podem tambémser detectadas com a ultra-sonografia. Geralmen-te, a natureza do líquido livre não pode ser exata-mente definida pelo ultra-som. Hemorragias recen-tes são geralmente difíceis de ser evidenciadas de-vido à sua alta ecogenicidade.

TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA

A tomografia computadorizada, como a radiolo-gia convencional, é excelente para a detecção de gáslivre na cavidade abdominal. A localização precisa ea distribuição de gás e líquido livre fornecem chavesda natureza do processo patológico de base, poden-do também ser possível estabelecer a localização daperfuração em até 80% dos casos (Fig. 6.9).

Em pacientes com perfuração de úlcera duode-nal, por exemplo, gás e líquido são geralmente en-contrados não apenas na cavidade peritoneal, mastambém no espaço pararrenal anterior. No caso deuma perfuração de úlcera gástrica posterior ou úl-cera duodenal, líquido e gás podem penetrar noespaço do fundo-de-saco posterior e podem esten-

Fig. 6.7 — Pneumomediastino causado por perfuração de esôfago que se estendeu paraa região infradiafragmática, determinando retropneumoperitônio e pneumoperitônio. Noabdome, observa-se ar livre no espaço hepatorrenal (seta preta), pararrenal direito (setabranca) e retrocaval (ponta de seta preta).

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Fig. 6.9 — Diverticulite aguda perfurada de sigmóide determinando pneumoperitônio. NaTC, é demonstrado o colo sigmóide (Sg) distendido por meio de contraste iodado (bran-co). A parede do colo está espessada. Nota-se gás (seta branca) fora da luz intestinal, depermeio a gordura que se encontra heterogênea.

Fig. 6.8 — Exame contrastado do tratogastrointestinal superior. Doente no pós-operatório de gastrectomia parcial. Após aingestão do meio de contraste por via oral,observamos a câmara gástrica com con-traste no seu interior (Est) e extravasamen-to do mesmo no local da anastomose(ponta de seta branca). O contraste encon-tra-se livre na cavidade abdominal e escor-re pela goteira parietocólica direita (setabranca).

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der-se até a região da loja pancreática, simulandoum quadro de pancreatite.

A sensibilidade da tomografia é superior à daradiografia simples na detecção de pneumo-peritônio, e pouco depende da quantidade de gáslivre intraperitoneal. Já a radiografia simples podevariar de 33 a 100% dependendo do volume emquestão e da metodologia utilizada.

A tomografia computadorizada é útil principal-mente no grupo de pacientes obesos, em que o nú-mero de falso-negativos é elevado na radiografiasimples. Também pode ser necessária naqueles emque foi possível a realização apenas da incidênciaem decúbito dorsal, e que persiste a suspeita clíni-ca, mesmo sem a detecção do pneumoperitôniocom essa incidência.

Na TC, o ar livre intraperitoneal é freqüente-mente detectado no mesogástrio e adjacente à su-perfície anterior do fígado, porém nos vários reces-sos abdominais podem ser vistas coleções de ar.Para melhor detecção do ar, a utilização de uma“janela pulmonar” tem sido indicada.

PNEUMORRETROPERITÔNIO

O gás que se acumula no espaço retroperitonealgeralmente pode ser distinguido facilmente do gás

intraperitoneal. Um dos sinais que permite essa di-ferenciação é a mudança de localização das cole-ções gasosas intraperitoneais, de acordo com a al-teração do decúbito do doente, enquanto o ar re-troperitoneal é relativamente confinado nos planosfasciais e, portanto, migra muito pouco.

Outra forma de diferenciar é devido ao fato depequenas quantidades de gás retroperitoneal pode-rem ser coletadas logo abaixo do diafragma, masraramente ascenderem ao ápice do pilar diafrag-mático, diferentemente do pneumoperitônio.

A localização do gás retroperitoneal pode suge-rir a sua origem. Perfurações retroperitoneais permi-tem que o gás penetre nos compartimentos corres-pondentes, podendo ser demonstradas nos espaçospararrenais. O gás presente no espaço pararrenalprovindo de uma úlcera duodenal perfurada ou deuma perfuração nos colos descendente ou ascendenteé geralmente distribuído nos dois lados da colunavertebral. O gás pode migrar cranialmente para onível subdiafragmático, simulando um pneumo-peritônio nas radiografias em posição ortostática oupode penetrar na região mediastinal (enfisema me-diastinal). A perfuração na parede posterior do retopermite que o gás penetre na região do espaço pa-rarrenal posterior e migre para a região dos flancosbilateralmente. O gás pode espalhar-se medialmenteapenas até o nível da margem do psoas (Fig. 6.10).

Clínica

Fig. 6.10 — Retropneumoperitônio por diverticulite perfurada de sigmóide. TC demons-trando gás no retroperitônio (setas brancas), adjacente à aorta, à veia cava inferior e aopsoas.

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIALE ETIOLÓGICO

Excluindo o trauma, várias são as causas que de-terminam a perfuração de víscera oca (Tabela 6.1).A análise da história e do surto agudo atual, as-sociada a exames complementares, permite odiagnóstico etiológico em um número expressivode casos.

do esôfago distal. O endoscopista geralmente faz odiagnóstico durante a realização do exame e enca-minha o doente ao serviço de emergência. O diag-nóstico é, então, confirmado pela história clínica,pelo exame físico e pela presença do pneumo-peritônio na radiografia simples de abdome. O tra-tamento consiste em laparotomia e sutura primá-ria da laceração esofágica seguida de gastrofundo-plicatura para cobertura da área de sutura. Quan-

Tabela 6.1Abdome Agudo Perfurativo — Etiologia

Esôfago Estômago e Duodeno Intestino Delgado Colo

Iatrogenias Úlcera crônica Doença inflamatória Divertículo

Sd. Boerhaave Úlcera aguda Tuberculose Neoplasia

Corpo estranho Neoplasia Crohn Doença inflamatória

Neoplasia Corpo estranho Febre tifóide Megacolo tóxico

Enterite inespecífica Isquemia e necrose

Divertículo de Meckel Corpo estranho

Isquemia e necrose Sd. de Ogilvie

Corpo estranho

CLÍNICASamir Rasslan

André de Moricz

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Uma vez feito o diagnóstico, o doente é ope-rado, e a conduta intra-operatória é ditada pelolocal da perfuração, por sua etiologia, pelas condi-ções gerais do doente e condições locais da cavida-de peritoneal.

PERFURAÇÃO ESOFÁGICA

As perfurações do esôfago no seu trajeto intra-abdominal são raras e, mais freqüentemente, estãorelacionadas a iatrogenias decorrentes de dilataçõesendoscópicas de estenoses pépticas ou da acalasia

do a perfuração é decorrente de procedimento en-doscópico em esôfago doente (estenose cáustica,por exemplo), a opção terapêutica é pela esofagec-tomia com ou sem toracotomia.

A ruptura espontânea de esôfago ou síndromede Boerhaave acomete o esôfago distal intratoráci-co, raramente levando a quadro de abdome agu-do, sendo o comprometimento torácico e medias-tinal mais importante.

Outras causas mais raras de perfuração de esô-fago intra-abdominal incluiriam as úlceras pépti-cas, os tumores de esôfago distal e cárdia e os cor-pos estranhos ingeridos.

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PERFURAÇÕES GÁSTRICA E DUODENAL

As perfurações gastroduodenais são causadaspor lesões pépticas agudas ou crônicas, neoplasiase traumatismos, sendo a etiologia mais comum aúlcera crônica. Embora a perfuração possa ser aprimeira manifestação da doença ulcerosa crônica,2/3 dos doentes costumam apresentar sintomasprévios. Apesar do uso de bloqueadores H

2 e de

bomba de prótons e da diminuição do tratamentooperatório eletivo da úlcera péptica, a incidência decomplicações continua inalterada. A perfuração deúlcera péptica continua ocorrendo em 10% dos ca-sos como no passado.

Normalmente, nos portadores de úlceras agu-das, existe referência à ingestão de álcool ou medi-camentos, como antiinflamatórios, corticóides ouácido acetilsalicílico.

A neoplasia gástrica perfurada é ocorrência rarae observada em doentes com tumores avançados.Uma história gástrica prévia, associada à anorexiae ao emagrecimento, sugere o diagnóstico de neo-plasia. Muitas vezes, o pneumoperitônio nesses ca-sos não está presente, pela invasão neoplásica porcontigüidade dos órgãos vizinhos.

A dor é o sintoma guia, com as característicasjá referidas; o exame físico nas primeiras horas re-vela contratura generalizada da parede abdominal(abdome em tábua). Decorrido algum tempo, ainstalação da peritonite bacteriana se acompanhade febre, sepse e da ocorrência do íleo adinâmico;no exame do abdome, verificamos distensão e si-nais difusos de irritação peritoneal. Culturas do lí-quido peritoneal em doentes com perfuração gás-trica mostram uma positividade de 21% até 6 ho-ras após a perfuração, chegando a 30% após 12horas e a 63% com 24 horas de evolução. As bac-térias mais comumente encontradas são a Pseudo-

monas aeruginosa, Klebsiella sp e E. coli.Uma vez confirmada a hipótese clínica, a con-

duta operatória se impõe. Nas lesões agudas, con-siste em sutura da perfuração com ou sem epiplo-plastia (cirurgia de Graham-Steele) e limpeza dacavidade. Nas úlceras duodenais crônicas, o cirur-gião deve optar pelo tratamento definitivo tão logoas condições gerais e locais assim o permitam.Quando existe grande contaminação com peritonitepurulenta, a preferência é pela sutura, que é a con-duta mais simples. Na escolha do tratamento de-finitivo, a operação a ser utilizada é aquela a queo cirurgião estiver mais habituado.

Nas lesões gástricas crônicas, havendo condi-ções, a operação mais indicada é a gastrectomia.Quando for praticada a sutura, nos casos de peri-tonites importantes e doentes em condições sistêmi-cas desfavoráveis, as bordas da lesão ulcerosa de-vem ser encaminhadas para exame anatomopato-lógico para evitar-se o risco de sutura de eventualneoplasiagástrica que, drasticamente, estaria fada-da ao insucesso.

Na perfuração gástrica e suspeita de lesão neo-plásica, mesmo com condições locais ruins e sistê-micas comprometidas, a opção deve ser pela res-secção (gastrectomia), pois a sutura é impraticávele talvez não haja outra oportunidade para o trata-mento operatório.

Outra causa menos freqüente de perfuraçãogastroduodenal é decorrente da manipulação en-doscópica transpapilar quando, na realização dapapilotomia para exploração mecânica da via bi-liar, ocorre a perfuração da segunda porção duode-nal e o aparecimento do pneumorretroperitônio,caracterizando-se a chamada “janela posterior”.Uma vez identificada e diagnosticada a perfuração,está indicado o tratamento operatório de urgência.

PERFURAÇÃO DE INTESTINO DELGADO

Tendo em vista a composição da flora bacte-riana e a atividade das enzimas componentes desua secreção, as perfurações no intestino delgadoapresentam diferenças conforme sua topografia.Como mencionado previamente, as perfuraçõesproximais determinam inicialmente peritonite quí-mica, com extravasamento de enzimas digestivasainda ativas. As perfurações distais são acompa-nhadas de peritonite séptica.

Dentre as causas de perfuração de intestinodelgado, as infecções específicas, como a tubercu-lose e a febre tifóide, e as enterites inespecíficas sãoas mais freqüentes. Há ainda as perfurações porcorpos estranhos ingeridos ou, mais raramente, portumores. Nos pacientes imunossuprimidos (aidéti-cos e doentes transplantados ou em regime de qui-mioterapia), podemos encontrar perfurações porcitomegalovírus ou tumores como o sarcoma deKaposi. Nesses doentes, nem sempre a reação pe-ritoneal palpatória é significativa e imediata, po-dendo suscitar dúvidas quanto ao diagnóstico daperfuração.

A perfuração pode ser ainda secundária a ne-croses intestinais provocadas por hérnias, torções,

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invaginação e infarto intestinal de causa vascularprimária. Nesta situação, o quadro inicial é do tipoobstrutivo.

A perfuração por corpo estranho é comumentebloqueada ou com formação de abscessos e, às ve-zes, é difícil sua identificação. Mais raramente,pode ocorrer perfuração de um divertículo de Me-ckel, sugerindo quadro de apendicite aguda.

As doenças inflamatórias intestinais específicas,como a doença de Crohn, podem apresentar, nasua evolução, perfuração com formação de fístulasinternas, sem determinar o quadro de peritoniteaguda.

A tuberculose intestinal ocorre geralmente comocomplicação da tuberculose pulmonar, e acredita-se que 5 a 8% dos portadores da doença pulmonartenham comprometimento intestinal, que, nos ca-sos mais avançados, atinge 80%. A perfuração datuberculose intestinal é observada na sua forma ul-cerativa, sendo pouco freqüente sua ocorrência emperitônio livre.

O diagnóstico é feito quando existe referênciade doença pulmonar ou quando, na radiografia detórax, aparecem lesões sugestivas de tuberculosemiliar.

O tratamento operatório depende da causa daperfuração e das condições locais da cavidade egerais do doente. Pode ser uma simples ressecçãocom anastomose primária ou então ressecção comestomia (Rasslan, Masslon).

Nas perfurações secundárias a processos infla-matórios como tuberculose intestinal ou por cito-megalovírus ou, naquelas que ocorrem em doentesimunossuprimidos e com peritonite avançada,deve-se evitar a sutura ou anastomose primária,optando-se pela ressecção com exteriorização dosegmento proximal.

PERFURAÇÃO DO INTESTINO GROSSO

As perfurações não-traumáticas do colo são se-cundárias a processos inflamatórios agudos, comoapendicite ou diverticulite, neoplasias, megacolotóxico, obstrução intestinal em alça fechada comperfuração do ceco, volvos de ceco e sigmóide, cor-pos estranhos e síndrome de Ogilvie. A retocoliteinespecífica e a colite isquêmica podem tambémapresentar perfuração.

A peritonite decorrente da perfuração do colodireito é considerada mais grave que a do esquerdopela alta virulência dos germes presentes em sua flo-

ra e pela consistência líquida do material fecal quese dissemina rapidamente. No entanto, a gravidadedo quadro clínico depende de outros fatores, comofaixa etária, doenças associadas etc. O quadro sép-tico é freqüente e quando as manifestações são loca-lizadas há presença de bloqueio e/ou abscessos.

A terapêutica intra-operatória vai depender daetiologia da perfuração. Nas neoplasias, a operaçãoconsiste na ressecção com colostomia proximal.Na diverticulite aguda perfurada, as condutasvariam conforme o achado intra-operatório des-de as ressecções com colostomia, ostomias maisdrenagem de abscessos e, em casos selecionados,alguns autores preconizam a anastomose primá-ria após ressecção. Tais anastomoses apresentamelevado risco de complicação e, como princípiogeral, devem ser evitadas.

Nos casos de “obstrução em alça fechada” decolo com perfuração de ceco pela grande distensãoe sofrimento vascular, devido à continência da vál-vula ileocecal (80% dos pacientes), prefere-se acolectomia total com ressecção do tumor distal se-guida de ileostomia ou íleo-retoanastomose, se ascondições do doente assim o permitirem. Para es-ses doentes, costuma-se dizer que “o mínimo éequivalente ao máximo”.

Em pacientes portadores de megacolo comvolvo de sigmóide e que apresentam sofrimentovascular com perfuração secundária do segmentointestinal torcido, realiza-se a ressecção com colos-tomia proximal e sepultamento do coto distal (pro-cedimento de Hartman). Nos casos de megacolotóxico, o tratamento é a colectomia total com ile-ostomia.

A perfuração do colo nos doentes com retoco-lite ulcerativa inespecífica ocorre em cerca de 3 a5% dos casos com mortalidade elevada. A ressec-ção é o tratamento de escolha e a anastomose pri-mária é contra-indicada.

A síndrome de Ogilvie ou pseudo-obstruçãoaguda do colo, atribuída a desequilíbrios entre ossistemas simpático e parassimpático, acomete do-entes acamados, mulheres em período pós-cesáreae traumatizados. Há uma distensão abrupta eprogressiva do colo sem obstrução mecânica, po-dendo evoluir para perfuração geralmente do cecose não diagnosticada a tempo. Na ocorrência deperfuração, a opção é também pela colectomiatotal.

Doentes psiquiátricos ou com perversões se-xuais podem ser vítimas de impalamento e apre-sentar perfurações de reto intraperitoneal por

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corpos estranhos. Tais perfurações são gravesquando os pacientes tardam a procurar o servi-ço de emergência, podendo apresentar-se cominfecção peritoneal difusa. O tratamento consisteem sutura e drenagem com ostomia de proteção.Nas lesões mais extensas, a retossigmoidectomiacom colostomia proximal e sepultamento do cotoretal é a melhor opção.

Na peritonite estercoral avançada, é ainda pre-conizado o tratamento pelas reoperações progra-madas para a limpeza da cavidade a cada 48 ho-ras, procurando-se evitar a formação de abscessosresiduais e a ocorrência de sepse. Trata-se de umprocedimento de exceção amplamente utilizado nopassado e até mesmo de forma indiscriminada. Éuma opção boa, não está isenta de complicações eriscos e sua indicação deve ser criteriosa.

TRATAMENTO

Ver seção Diagnóstico Diferencial e Etiológico.

COMENTÁRIOS FINAIS

1. O abdome agudo perfurativo é a terceira sín-drome abdominal aguda mais freqüente, vindoapós o inflamatório e o obstrutivo.

2. A perfuração pode ocorrer em peritônio livrecom peritonite difusa ou então se apresentar deforma bloqueada.

3. A peritonite decorrente da perfuração pode serquímica ou infecciosa, havendo diferençasquanto ao nível do tubo digestivo onde elaocorreu.

4. Os dados de história e o exame físico definemou sugerem o diagnóstico de perfuração.

5. Quando se pensa em abdome agudo perfurati-vo, o exemplo clássico é a úlcera perfuradaque, apesar dos avanços na terapêutica clínica,ainda é observada com freqüência significativa.

6. A presença do pneumoperitônio na radiografiasimples de abdome ou tórax confirma o diag-nóstico. A ausência de pneumoperitônio não ex-clui a perfuração.

7. Na suspeita de perfuração gastroduodenal,quando não confirmada pelo exame radiológi-co, a realização da esôfago-gastroduodenosco-pia auxilia no diagnóstico.

8. A videolaparoscopia pode ser empregada comoprocedimento diagnóstico em casos duvidosos

e, dependendo da etiologia, permite também otratamento.

9. O tratamento é operatório e tem por objetivo asutura da perfuração ou a ressecção da áreacomprometida, dependendo da etiologia.

10. Nas perfurações do intestino delgado, pratica-sea ressecção com anastomose primária. Esta deveser evitada na vigência de peritonite avançadacom comprometimento sistêmico ou em funçãoda afecção que provocou a perfuração.

11. Nas perfuraçôes do colo, a opção é a ressecçãocom colostomia. Excepcionalmente, pode serrealizada a anastomose primária.

12. A antibioticoterapia é iniciada no pré-operató-rio, podendo ser preventiva (curta duração) outerapêutica, dependendo do achado operatório.

13. O prognóstico depende do local e da causa daperfuração, do tempo de evolução da doença,da idade e de condições locais da cavidade esistêmicas do doente.

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Entre as várias possibilidades de dor abdo-minal, precisamos ficar atentos aos quadros deisquemia intestinal. A variabilidade dos vasos en-volvidos, a extensão do órgão acometido e os di-ferentes níveis de comprometimento do tecidoresultam em uma infinidade de apresentaçõesclínicas. Tanto a indicação dos exames diagnós-ticos quanto a terapia definitiva representam umdilema diante de um doente que, quando não emcondições críticas, apresenta-se debilitado pelaprópria doença ou pelos processos mórbidos fre-qüentemente associados.

CIRCULAÇÃO INTESTINAL

O intestino como um todo é um dos órgãosque apresenta, provavelmente, um dos sistemasde circulação colateral mais completos do organis-mo. As três artérias principais ou axiais contamcom uma intrincada e extensa rede de ramos ar-teriais que se intercomunicam. Esse sistema fun-ciona de forma tão eficiente que a oclusão de atéduas das artérias principais pode ser pouco ounão-sintomática.

A falta de sangue devido à oclusão da arté-ria mesentérica superior (AMS) em seu óstio podeser suprida pelo fluxo do tronco celíaco (TC) via

ABDOME AGUDO

VASCULAR

artéria hepática comum, artéria gastroduodenale artérias pancreatoduonenal superior e inferior.Na ocorrência de estenose ou oclusão do TC, ofluxo percorre o mesmo caminho, porém de for-ma inversa.

Na caso de a obstrução envolver a artéria me-sentérica inferior (AMI), a circulação colateral seguefluxo pela arcada de Riolan (ramo ascendente dacólica esquerda) que, por meio de anastomosescom a cólica média, alcança o território normal-mente irrigado pela AMS e pelo TC. Na isquemiado território correspondente a AMI, o fluxo podeseguir o caminho contrário e ainda receber colate-rais provenientes das artérias ilíacas internas, viaartérias sacrais, sigmóideas e da artéria marginal.

A aterosclerose, principal causa de isquemia crô-nica do intestino, tem como característica uma ins-talação lenta. Isso proporciona tempo para que hajaacomodação da circulação colateral. De forma geral,a principal artéria responsável pela perfusão intesti-nal pode ser considerada a AMS; quando ocluída ouestenótica é a que mais freqüentemente causa sinto-mas de angina abdominal. Geralmente, a obstruçãoda AMI e/ou do TC costuma ser mais bem tolerada.Cirurgias abdominais prévias, principalmente comressecções intestinais, podem piorar o quadro deuma perfusão intestinal devido à perda de colateraissecundária às ligaduras dos ramos arteriais.

Capítulo 7

CLÍNICAMarcelo Rodrigo Souza-MoraesJosé Carlos Costa Baptista-Silva

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ISQUEMIA AGUDA

DEFINIÇÃO

Redução súbita do fluxo sangüíneo em deter-minada parte ou em todo o intestino de tal inten-sidade que não seja possível manter sequer o me-tabolismo basal, havendo conseqüentemente mor-te celular e necrose.

ETIOLOGIA

Neste tópico, cabe a divisão entre as causasoclusivas e não-oclusivas.

Das oclusivas podemos citar como mais fre-qüentes a embolia (origem cardíaca, aórtica, tumo-ral ou por cristais de colesterol) e a trombose agu-da (secundária geralmente à aterosclerose prévia)dos principais ramos arteriais viscerais.

A causa predominante entre as não-oclusivas ésecundaria à diminuição importante do débito car-díaco (importando menos a causa da descompen-sação que a magnitude da insuficiência cardíaca),que pode ou não ser acompanhada do espasmo dosvasos. Outras causas citadas compreendem o cho-que de origem medular ou traumático, gastroente-rites, hemoconcentração, pneumonia, placenta pré-via e espasmo das artérias distais associado ao abu-so de cocaína, intoxicação por Ergot ou o empre-go de vasopressores durante o tratamento do cho-que. Paradoxalmente, estados de relativa hiperten-são aguda, como pós-operatório de correção decoarctação aórtica, apresentam chance de necroseintestinal.

Podemos incluir como causa de sofrimento vis-ceral a trombose das veias do sistema mesentérico-portal. As causas incluem trombose primária (semetiologia definida) e as secundárias: deficiência deproteína C ou proteína S, antitrombina III e fatorV de Leidig, além de estados de hipercoagulabili-dade associados a doenças neoplásicas ou inflama-tórias, trauma, hipertensão portal, cirrose e, após,escleroterapia de varizes de esôfago.

FISIOPATOLOGIA

Não por acaso o fenômeno isquêmico agudo in-testinal cursa com altas taxas de mortalidade, emtorno de 70% dos casos. Como se trata de um qua-dro abrupto, e principalmente nos casos de embolia,

não há tempo para o desenvolvimento de uma redede circulação colateral que seja suficiente para man-ter nem mesmo o metabolismo mínimo intestinal.Curiosamente, a embolia apresenta as melhores ta-xas de sobrevida. O êmbolo normalmente aloja-sena circulação mais distal, poupa o óstio dos ramosprincipais e, assim sendo, pode preservar em maiorou menor grau territórios do órgão. A trombose agu-da costumeiramente ocorre nos óstios das principaisartérias e, associada a freqüente presença de ateros-clerose em múltiplas artérias, leva à isquemia de ex-tensas áreas, sendo a sobrevida uma exceção.

A respeito das causas não-oclusivas, durante ochoque de qualquer origem ocorre a vasoconstriçãoarterial visceral a fim de dirigir o fluxo sangüíneopara as áreas mais críticas como cérebro e coração,o que, associado à vasoconstrição venosa, podeacrescentar até 30% de volume ao espaço intravas-cular. Por algum mecanismo pouco elucidado oupelo emprego de vasopressores para o controle da hi-potensão, tal constrição pode prolongar-se por horas,mesmo após a normalização dos parâmetros hemo-dinâmicos. O sistema renina-angiotensina provavel-mente exerce uma função central, visto que sua ini-bição parece proteger o intestino da isquemia duran-te o choque. Após a cirurgia para correção da coarc-tação do arco aórtico, a relativa hipertensão a queficam expostos os vasos viscerais pode cursar comum vasoespasmo reflexo e um quadro de vasculitenecrotizante de graves conseqüências.

A mucosa intestinal, principalmente do delga-do, é a primeira e mais gravemente afetada. Isque-mia acima de uma hora pode produzir edema dasubmucosa seguido de desprendimento da mucosa,ulcerações e sangramento das vilosidades intesti-nais. Há perda da barreira entre o conteúdo intes-tinal e o sangue, produção de fatores inflamatórioslocais que agravam as lesões através da mobiliza-ção das células de defesa e fagocitárias e risco detranslocação bacteriana. Havendo a manutençãoda isquemia, há piora do edema, que, associado aoprocesso inflamatório iniciado localmente, piora oambiente celular local, permitindo a extensão dalesão para as demais camadas da alça. A camadamuscular afetada não cumpre sua função de peris-talse normal, determinando assim estase do con-teúdo e aumento de pressão local, o que dificultaainda mais a já deficiente perfusão tecidual. O úl-timo estágio desse processo mórbido compreende agangrena de toda a parede intestinal, perda de suaestrutura física culminando em perfuração com ex-travasamento do conteúdo intestinal e, conseqüen-te, peritonite fecal.

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QUADRO CLÍNICO

Como poderíamos imaginar diante do quadroagudo, a dor abdominal é o sintoma mais freqüentee marcante. Apresenta-se praticamente em todos oscasos, em maior ou menor grau. Classicamente,diz-se que após seis horas de dor (isquemia) o te-cido intestinal torna-se inviável, não se recuperan-do após a revascularização, visão esta que não écompartilhada por todos os autores. Vômitos, alte-ração nas características das fezes e distensão ab-dominal são sintomas freqüentes. A ausculta abdo-minal pode ser aumentada, nos casos de isquemiasegmentar em que a porção acometida funcionacomo uma obstrução, ou diminuída, quando a ex-tensão comprometida for muito extensa, não sen-do assim de muito valor prático. O toque retaleventualmente traz como dado adicional sugestivode necrose a presença de fezes com aspecto de “ge-léia de amoras”, conseqüência da necrose de re-giões da mucosa intestinal.

Devemos ficar atentos às situações que particu-larmente coincidem com maior ocorrência de fenô-menos de trombose ou embolia. Arritmia cardíaca,miocardiopatia com dilatação, infarto do miocár-dio, doença reumática das válvulas cardíacas epresença de doença aterosclerótica em outros ter-ritórios como das coronárias, das extremidades ourevascularização prévia são indicadores do aumentodesse risco.

Isquemia decorrente da manipulação tambémpode ocorrer. Dor abdominal difusa com distensãoapós cateterismo da aorta deve levantar a suspei-ta imediata de dissecção ostial ou embolia por des-locamento de um trombo de placa.

DIAGNÓSTICO CLÍNICO

Ver seção Quadro Clínico.

EXAMES COMPLEMENTARES

O leucograma pode estar alterado com tendên-cia a leucocitose, mas depende muito da porção,gravidade e extensão isquêmica. A amilasemia sé-rica também aumenta de forma moderada e a ra-diografia simples do abdome pode demonstrar apresença de alças paréticas e distendidas, apresen-tando níveis hidroaéreos, porém de forma incons-tante. Perante uma isquemia extensa, geralmente odoente evolui com acidose metabólica identificadaatravés da gasometria, preferencialmente arterial.De forma geral, as alterações possíveis nos exameslaboratoriais observadas na isquemia intestinalaguda são pouco significativas e pouco específicas,sendo comuns a inúmeras doenças abdominais.

Na suspeita de um abdome agudo de origemvascular, o tratamento de eleição continua sendo acirurgia, de preferência com uma equipe apta arealizar uma rápida revascularização intestinal.Dessa forma, não observamos vantagem em adiaro tratamento definitivo ou aumentar o risco decomplicações (insuficiência renal, hemorragia e dis-secção arterial entre outras) realizando o estudoarteriográfico.

Apesar de toda propedêutica “armada” dispo-nível atualmente, uma adequada história e um cui-dadoso exame físico associados a um alto grau dealerta para a existência dessa doença continuamsendo a melhor forma de diagnóstico.

IMAGEMGeorge Queirós RosasRogério Pedreschi Caldana

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DIAGNÓSTICO POR IMAGEM

Introdução

Nos estágios precoces da doença, técnicasdiagnósticas básicas como a radiografia simplese a ultra-sonografia são geralmente pouco sensí-

veis, fornecendo achados inespecíficos, comuns aoutras doenças.

Em casos suspeitos de isquemia intestinal, de-vem-se considerar dois principais aspectos:1. Dificuldade do diagnóstico precoce;2. Necessidade de estabelecer o diagnóstico antes

da fase de infarto.

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Esses são os fatores que devem orientar a esco-lha do método diagnóstico utilizado.

Radiografia Simples

O primeiro passo na abordagem diagnóstica éa radiografia simples do abdome nas incidênciaspreconizadas Nos casos suspeitos de abdome agu-do de origem vascular, a radiografia simples geral-mente fornece achados inespecíficos. Sua impor-tância está na pesquisa de sinais indicativos de ou-tras causas de dor abdominal.

A despeito da causa do evento isquêmico, osachados radiográficos são bastante semelhantes,diferindo apenas no segmento comprometido e ex-tensão do processo.

Na seqüência fisiopatológica, inicialmente ocor-re redução da tonicidade da parede muscular, cau-sando acúmulo de gás e distensão das alças envol-vidas (íleo adinâmico). Essas alterações são respon-sáveis pelo achado radiográfico mais comum, cor-respondendo à distensão gasosa intestinal com ní-veis de líquidos, que pode ser mais acentuada naárea isquêmica. Também não é rara a pobreza ga-sosa intestinal difusa (Fig. 7.1).

Segue-se o edema da parede, com espessa-mento e apagamento de válvulas coniventes. Oprogressivo acúmulo líquido na submucosa produzabaulamentos excêntricos na luz intestinal, em as-pecto de impressões digitiformes. Se o processo is-quêmico prosseguir, seguem-se necrose com rup-tura mucosa e penetração do gás intraluminar en-tre as camadas da parede intestinal (pneumatose)(Fig. 7.2), podendo em seguida atingir a circulaçãovenosa portal (aeroportograma). A extensão doprocesso aos tecidos adjacentes às alças intestinaispode levar também ao acúmulo de líquido perito-neal livre, com opacificação abdominal difusa edeslocamento central de alças distendidas. Se hou-ver perfuração, podem ser observados sinais depneumoperitônio.

Em síntese, os critérios radiográficos mais su-gestivos de infarto mesentérico são o edema daparede intestinal com impressões digitiformes, apresença de pneumatose e o aeroportograma. Noentanto, é importante ressaltar que esses achadossão infreqüentes e já tardios no processo isquêmi-co, de modo que a ausência de alterações à radio-grafia simples não deve afastar a hipótese de isque-mia intestinal.

Fig. 7.1 — Radiografia anteroposterior do abdo-me em decúbito dorsal em caso de trombose daartéria mesentérica superior secundária a inva-são tumoral pancreática, demonstrando disten-são gasosa difusa de alças delgadas (seta preta),com predomínio no íleo distal e ceco (ponta deseta preta).

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Fig. 7.2 — Radiografia anteroposte-rior do abdome em decúbito dorsaldemonstrando alterações tardias detrombose da veia mesentérica. Notea presença de gás delineando ocontorno parietal do colo direito esigmóide (seta preta). Pneumatoseintestinal.

Radiografia Contrastada

Na suspeita do abdome agudo vascular, exa-mes como o trânsito intestinal e o enema opaconão devem ser realizados na abordagem diagnós-tica inicial porque não fornecem informações efi-cientes para o diagnóstico definitivo. Sua execu-ção nesses casos determina dois importantesprejuízos: o consumo de tempo, retardando o es-tabelecimento diagnóstico, e a piora da qualida-de de imagem de estudos seguintes potencialmentediagnósticos como a TC e a angiografia, devido àutilização do meio de contraste intraluminar dealta densidade.

Seu uso pode ser considerado nos casos deapresentação crônica, onde, nos períodos sintomá-ticos, a presença do contraste no interior das alçaspode tornar mais evidentes os achados radiográfi-cos, associado à alteração no padrão de progressãodo contraste.

Ultra-sonografia

As principais vantagens da ultra-sonografia-Doppler estão na elevada disponibilidade, baixocusto, não-invasividade e na rápida execução,fornecendo dados úteis principalmente para odiagnóstico diferencial. No entanto, nos casos deisquemia intestinal aguda, o exame ultra-sono-gráfico pode ser bastante prejudicado pela fre-qüente e excessiva distensão gasosa intestinal, li-mitando sua sensibilidade. Por isso, seu empre-go nesses casos não deve substituir métodos commaior capacidade diagnóstica para a isquemiaintestinal aguda como a angiografia ou a TC.

Na ultra-sonografia, caracterizam-se alças comespessamento parietal ou sinais de ascite em cercade 20% dos casos. A avaliação Doppler-fluxométri-ca pode demonstrar diretamente a trombose arte-rial ou venosa pela ausência de fluxo associado àobliteração da luz vascular por material ecogênico.

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No entanto, esses achados são bem caracterizadosapenas no segmento proximal, devido ao pequenocalibre e à rica ramificação dos vasos mesentéricosno trecho médio e distal.

Angiografia

Em princípio, a angiografia representa o méto-do diagnóstico ideal da isquemia mesentérica, tantopelo alto potencial de diagnóstico precoce comopela possibilidade de intervenção terapêutica ime-diata. A angiografia permite identificar a causa daisquemia, distinguindo a forma oclusiva da não-oclusiva e avaliando o grau de perfusão intestinal.Nas oclusões arteriais, determina o local e a exten-são da obstrução, bem como o grau de irrigaçãocolateral. O tratamento percutâneo transluminalpode ser feito durante o mesmo procedimento pelainfusão seletiva de drogas vasodilatadoras ou agen-tes fibrinolíticos.

Trata-se efetivamente do método de maiorsensibilidade e especificidade para as causas deabdome agudo vascular, desde que realizado comrefinamento técnico, através de cateterização sele-tiva do tronco celíaco e artérias mesentéricas. Nasoclusões arteriais, tem sensibilidade superior a 92%pela fácil demonstração de estenoses críticas ouêmbolos.

A obstrução arterial nos 2cm proximais da ar-téria mesentérica superior indica trombose. A am-putação do trajeto vascular com aspecto em menis-co invertido, que na artéria mesentérica superiorgeralmente ocorre abaixo da origem da artéria có-lica média, é indicativa de obstrução embólica.

A trombose venosa mesentérica pode ser iden-tificada na fase venosa da angiografia, com menorsensibilidade que os processos arteriais. Caracteri-za-se por redução da perfusão arterial das alças,com não constrastação das veias correspondentes eeventual presença de circulação colateral de drena-gem. Nos casos de isquemia não-oclusiva, os acha-dos incluem vasoconstrição difusa, com irregulari-dade por espasmos arteriais segmentares.

Apesar de ser o método mais sensível na abor-dagem da isquemia intestinal, a angiografia aindanão teve seu papel estabelecido definitivamente. Oproblema é indicar um exame de natureza invasi-va como a angiografia a todos os pacientes comsuspeita de isquemia intestinal se esse grupo depacientes apresenta quadro clínico tão pouco espe-

cífico. No momento oportuno, deve-se, portanto,ponderar as vantagens e desvantagens do método:se por um lado o uso mais amplo da angiografiaaumenta o sucesso terapêutico nos casos de isque-mia; por outro, também se acompanha de maiornúmero de resultados negativos e complicações re-lacionadas ao método.

Tomografia ComputadorizadaHelicoidal

A TC tem papel fundamental no estabeleci-mento do diagnóstico precoce por sua capacida-de de demonstrar os principais troncos arteriais evenosos da circulação mesentérica. Além disso re-presenta excelente alternativa à angiografia, commaior disponibilidade, menor custo e menor riscode complicações.

O achado tomográfico mais comum da isque-mia intestinal é o espessamento de alças; no entan-to, esse é um sinal bastante inespecífico, podendotambém ser encontrado em doenças inflamatórias,infecciosas e algumas neoplasias (Fig. 7.3). O es-pessamento da parede intestinal de etiologia isquê-mica é decorrente do edema e, por isso, tem aspec-to circunferencial, preservando a estratificação decamadas da parede, o que confere um aspecto em“alvo”.

Outros achados tomográficos descritos incluema própria visibilização do trombo arterial (Figs. 7.4e 7.5) ou venoso, distensão gasosa de alças, conges-tão das veias mesentéricas nos casos de obstruçãovenosa (Fig. 7.6), perda do realce intestinal habi-tual, pneumatose intestinal, aeroportograma e, noscasos de perfuração em decorrência de necrose is-quêmica, incluem pneumoperitônio e líquido nacavidade peritoneal.

O trombo pode eventualmente ser identificadojá na fase de pré-contraste como material hipera-tenuante no interior do vaso. As imagens obtidasapós a injeção do contraste revelam com melhornitidez a extensão da área sem fluxo, bem comopermitem avaliar o realce das alças, que expressao grau de perfusão intestinal oferecido pela circu-lação colateral. Nos casos de trombose venosa,pode ser vista congestão vascular secundária à es-tase, que se apresenta na forma de ectasia e tor-tuosidade venosa, geralmente associada à densifi-cação da gordura mesenterial perivascular por ede-ma (Figs. 7.7 e 7.8).

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O realce habitual da parede intestinal está au-sente em cerca de 60% dos casos de oclusão arte-rial, indicando o déficit perfusional. A ausência des-se sinal não afasta o sofrimento isquêmico da alça,que pode estar recebendo irrigação ainda deficitá-ria, mesmo com vasodilatação de vias colaterais.Esse mecanismo de irrigação colateral é o principalfator proposto para justificar os casos em que háaumento do realce intestinal na vigência de proces-so isquêmico. Acredita-se que a vasodilatação refle-xa das artérias terminais é em parte responsávelpor esse efeito paradoxal, numa tentativa local deaumentar a oferta de oxigênio tecidual. A ausênciade realce ao contraste pode ser um dos poucos si-nais presentes na fase inicial da isquemia, por issoé um achado de importante valorização nos casossuspeitos.

A presença de gás intramural (pneumatose) éum achado menos freqüente e mais tardio da lesãointestinal isquêmica, sendo a TC o melhor examepara sua pesquisa. Sua presença indica que jáocorreram áreas de ruptura mucosa por necrose,permitindo a dissecção das camadas da parede in-testinal pelo gás de origem intraluminar. Devido à

localização das imagens gasosas entre camadas daparede, na TC é possível observar seu aspecto ti-picamente curvilíneo, podendo envolver toda a cir-cunferência da alça comprometida. A pneumatoseintestinal é um achado mais específico do proces-so isquêmico, porém somente presente na fase deinfarto (Fig. 7.9). No entanto, não é exclusiva dalesão isquêmica, podendo ser encontrada comoconseqüência de doenças pulmonares e úlcerapéptica. Na evolução do processo, o gás pode pe-netrar nas vênulas da parede intestinal, atingindoa circulação venosa mesentérica e portal. O deli-neamento da circulação venosa portal por conteú-do gasoso (aeroportograma) constitui geralmenteum sinal de estágio avançado e mau prognóstico(Fig. 7.10).

A TC é o método de escolha para o diagnós-tico da trombose venosa mesentérica, com altasensibilidade também para todas as causas do ab-dome agudo vascular, sendo superior a 82% paraesse conjunto de doenças. Técnicas recentes maisrefinadas como a tomografia multislice, em queconjuntos de detectores alinhados em série permi-tem a execução do exame em tempo mais curto e

Fig. 7.3 — Tomografia computadorizada do abdome sem contraste endoveno-so em caso com isquemia por trombose venosa. Note a difusa distensão e o es-pessamento das paredes do colo direito (seta branca) e ascite (asterisco).

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Fig. 7.4 — Tomografia computadorizada helicoidal do abdome na fase arterial demons-trando a falha de enchimento hipoatenuante que preenche a porção central da artériamesentérica superior compatível com processo tromboembólico (seta branca). Veia me-sentérica superior identificada por ponta de seta branca.

Fig. 7.5 — Tomografia computadorizada helicoidal do abdome na fase de equilíbrio pós-contraste endovenoso, no mesmo paciente da figura anterior. Persiste o mesmo aspectode falha de enchimento determinado pelo trombo arterial (seta branca). Ponta de setabranca identificando a veia mesentérica superior.

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Fig. 7.6 — Tomografia computadorizada do abdome do mesmo caso apresen-tado na Fig. 7.3. A ponta de seta branca aponta o espessamento parietal co-lônico. Há congestão venosa e densificação da gordura mesenterial por edema(seta branca).

Fig. 7.7 — Tomografia computadorizada helicoidal do abdome na fase portalpós-contraste. Sinais de trombose venosa mesentérica: a veia mesentérica apre-senta calibre aumentado, preenchida por material hipoatenuante e sem contras-tação (seta branca). Há ectasia venosa na raiz do mesentério (ponta de setabranca), associada a espessamento parietal de um segmento de alça no flan-co esquerdo (seta preta), com líquido ascítico adjacente (asterisco).

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colimação bastante fina (2,5mm), são capazes defornecer imagens com qualidade diagnóstica su-perior, provavelmente mais sensíveis ao diagnós-tico de lesões em vasos de menor calibre.

Além de método rápido e não-invasivo, a TCtem a vantagem de avaliar também outras estru-turas que podem estar associadas à origem do pro-cesso isquêmico, como a invasão tumoral das ar-térias na raiz do mesentério, ou mesmo podendosurpreender causas de abdome agudo de outra na-tureza, sendo importante ferramenta na orientaçãodiagnóstica diferencial. Essa talvez seja uma dasprincipais vantagens da TC sobre a angiografia,podendo fornecer informações úteis nos casos emque a lesão vascular não é confirmada.

De fato, a TC desempenha importante papelentre os métodos diagnósticos de imagem não-in-vasivos nos casos suspeitos de abdome agudo vas-cular, pela capacidade de estabelecer o diagnósti-co mais precocemente que a maioria dos demaismétodos, sem os riscos de um procedimento inva-sivo. Representa a principal alternativa na aborda-gem diagnóstica de pacientes, cuja queixa e sinaisclínicos são pouco específicos; a lesão isquêmica

intestinal constitui hipótese de prognóstico sombriose negligenciado.

Ressonância Magnética

É capaz de demonstrar o trombo recentecomo material de alto sinal nas imagens ponde-radas em T1 e T2, substituindo a habitual au-sência de sinal nos locais de fluxo (flow void). Asimagens de angiografia pela ressonância magné-tica podem mostrar áreas de estenose e ausênciade fluxo (Fig. 7.11).

Na angiografia pela ressonância magnética(ângio-RM), o contraste das estruturas vascularespode ser obtido por meio de técnicas sensíveis aofluxo (contraste de fase e TOF) ou por seqüênciasdinâmicas associadas à infusão rápida de contras-te paramagnético (gadolínio). Trata-se de excelen-te alternativa para a investigação de processos is-quêmicos, porém não é capaz de detectar sinais depneumatose, aeroportograma ou pneumoperitônio,sendo, portanto, menos sensível que a TC ou a an-giografia em casos de isquemia aguda.

Fig. 7.8 — Tomografia computadorizada helicoidal do abdome na fase portal pós-contraste do mesmo caso apresentado na figura anterior. Esse corte inferior demonstramelhor a ectasia venosa mesentérica (ponta de seta branca), o espessamento parie-tal intestinal (seta preta) e o líquido ascítico (asterisco).

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Fig. 7.10 — Aeroportograma intra-hepático demonstrado pela tomografia com-putadorizada do abdome sem contraste. Observe as imagens gasosas que se dis-tribuem segundo a ramificação venosa portal intra-hepática (setas pretas).Calcificação esplênica seqüelar identificada por ponta de seta branca, achado in-cidental do exame.

Fig. 7.9 — Tomografia computadorizada do abdome do mesmo caso da Fig. 7.4em corte inferior. Imagens gasosas entre as camadas da parede do ceco carac-terizam a pneumatose (seta branca).

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Fig. 7.11 — Angiografia pela ressonânciamagnética na fase portal, realizada pela técni-ca tridimensional com gadolínio. Pode-se de-monstrar com nitidez o maior trajeto da veiamesentérica superior e a veia porta, de aspec-to normal (seta branca).

CLÍNICAMarcelo Rodrigo Souza-MoraesJosé Carlos Costa Baptista-Silva

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Ver seção Quadro Clínico.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO

O procedimento para correção da isquemia ousuas conseqüências vai depender do tempo, da ex-tensão e da causa da obstrução arterial. De manei-ra geral, procura-se restabelecer fluxo ao intestinoainda viável, geralmente revascularizando a AMI, eretira-se as porções necróticas.

A esmagadora maioria dos doentes necessita deuma celiotomia. Durante a mesma, é possível ava-liar as condições do tecido intestinal, e, por meio da

localização das alterações, reconhecer o troncoarterial; ou, no caso de embolia, o conjunto de ra-mos envolvidos. As alças intestinais podem apre-sentar desde uma coloração rósea pálida, passan-do pelo esbranquiçado até um cinza-escuro ou es-verdeado, já denotando avançado sofrimento teci-dual. Os sinais objetivos são a ausência de pulsopalpável nos óstios arteriais, a ausência de peristal-tismo e a ausência de pulsatilidade visível nas ar-cadas do mesentério e no mesocolo. A presença delíquido fétido é freqüente nos casos mais avançadosmesmo na ausência de perfuração das vísceras ocas.

Os tratamentos cirúrgicos possíveis incluem aembolectomia na suspeita de embolia ou a deriva-ção nos casos de trombose. A menos que o intesti-no esteja francamente necrótico, o cirurgião deve

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manter uma boa vontade no sentido da revascula-rização previamente à ressecção primária, visto queo intestino pode apresentar uma melhora espantosaapós o restabelecimento do fluxo.

Para a realização da embolectomia, a origemda AMS deve ser exposta. Os parâmetros anatômi-cos adequados incluem seguir a artéria cólica mé-dia até que ela encontre o intestino delgado na por-ção duodenal. Realiza-se uma incisão longitudinalpara a introdução de um cateter balonado de pre-ferência 3F para porção proximal e 2F para a dis-tal. O cuidado deve ser redobrado durante a insu-flação do balão, pois as artérias viscerais são signi-ficativamente mais frágeis quando comparadascom as das extremidades. Uma vez conseguidoum fluxo pulsátil satisfatório, diretamente da aor-ta, a artéria pode ser suturada primariamente oucom a interposição de um path ou remendo deveia autóloga.

No caso da falha na embolectomia ou em setratando de trombose, o mesmo acesso pode serusado para a anastomose da derivação. A prótesea ser usada geralmente é de material sintéticocomo PTFE ou Dacron. Configura contra-indica-ção a presença de material fecalóide, e como alter-nativa em tais casos dispomos preferencialmente dasafena magna em posição invertida.

Avaliação visual, palpação, ultra-som Doppler,fluoresceína, fotopletismografia com infravermelho,oximetria de superfície e Laser Doppler são méto-dos que foram desenvolvidos para testar a viabili-dade intestinal após o restabelecimento do fluxo.Apesar de resultados bastante significativos, a com-provação do restabelecimento de fluxo não garan-te a viabilidade da alça. Assim sendo, a maioria dosdoentes é candidato a um segundo procedimentocirúrgico ou second-look dentro de 18 a 36 horasapós a primeira intervenção. As anastomoses visce-rais podem ser checadas, bem como a manutençãodo pulso nos troncos arteriais e seus ramos. Áreasintestinais que permaneceram numa “penumbra”isquêmica por tempo demasiado e se encontramem sofrimento podem ser removidas.

O pós-operatório ideal inclui internação emunidade de terapia intensiva, severa vigilância he-modinâmica e precoce identificação de complica-ções infecciosas. O emprego de nutrição parenteralé de grande utilidade, pois, mesmo que pouco in-testino delgado tenha sido ressecado, o que restoupassou por condições geralmente severas podendolevar alguns dias para recobrar as funções de ab-sorção e motilidade normais. De forma geral, res-

secções que preservem mais que dois metros de del-gado dificilmente evoluem com a necessidade denutrição parenteral prolongada (NPP); já com me-nos de um metro, quase certamente haverá neces-sidade de complemento nutricional parenteral.

Isquemia intestinal de causa não-oclusiva temum comportamento diferente. Geralmente secun-dária ao choque, seu tratamento consiste basica-mente no suporte clínico. O emprego de cateteresna artéria pulmonar para melhor controle da repo-sição volêmica, descontinuação do uso de vasocons-tritores e controle dos parâmetros hemodinâmicosconstitui a primeira linha de tratamento. Aqui, aarteriografia tem sua utilidade prática por meio daadministração de vasodilatadores diretamente nosóstios arteriais. Doses em torno de 30 a 60mg/horasão recomendadas e devem ser mantidas numeventual período pós-operatório. A cirurgia, se ne-cessária, consiste na identificação e ressecção desegmentos intestinais que estejam francamentecomprometidos visto que com o tratamento insti-tuído existe a chance de reperfusão e salvamentode segmentos inicialmente pouco isquêmicos.

Na vigência de trombose das veias mesentéri-cas, o tratamento de escolha representa uma anti-coagulação agressiva, preferencialmente com hepa-rinização endovenosa. Pela alta incidência de recor-rência do quadro, devemos proceder a posterioranticoagulação oral por tempo indeterminado ouaté que a causa tenha sido diagnosticada e corri-gida. A contra-indicação à manutenção da anticoa-gulação consiste na evolução com varizes de esôfa-go pelo potencial sangramento.

Colite Isquêmica

O colo é o segmento mais comum de isquemiaintestinal. Tal complicação é geralmente secundá-ria a estados de hipoperfusão e choque ou a pro-cedimentos na aorta infra-renal como aneuris-mectomia e endoprótese percutânea, que obstru-em o fluxo na artéria mesentérica inferior (AMI).Ocorre em cerca de 2% dos casos (6% nos casosde correção na urgência) e a maioria apresenta-se como necrose de todas as camadas da alça econseqüente perfuração, geralmente do sigmóide.A alta mortalidade (cerca de 50% dos casos) as-sociada à sua ocorrência justificam o amplo em-prego da revascularização da AMI e a atenção re-dobrada que devemos manter no período pós-operatório de tais procedimentos.

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A prevenção inclui, se possível, o estudo arterio-gráfico prévio, no qual a presença de fluxo retró-grado (do território da AMI para AMS) representaexcelente fator prognóstico de isquemia intestinal.Normalmente, lesões múltiplas requerem revascu-larização concomitante dos troncos arteriais supe-riores (AMS e TC). A adequada técnica cirúrgicaindica a necessidade de revascularização semprequando a AMI pérvia demonstrar uma medida depressão menor que 40mmHg (obtida por cateteri-zação do óstio após a abertura da aorta). Tambémdevemos realizar esforços para manter o fluxo emao menos uma das artérias ilíacas internas.

O quadro clínico pode ser confundido por umainfinidade de sintomas inespecíficos e comuns queos doentes costumam apresentar nesse período.Distensão abdominal excessiva, sinais de irritaçãoperitoneal no flanco ou hipocôndrio esquerdo, eva-cuação líquida sanguinolenta ou escura, leucocito-se acentuada (acima de 20 mil ou 30 mil leucó-citos/campo), plaquetopenia severa (abaixo de 90mil plaquetas/campo) e acidose de difícil contro-le são sinais freqüentemente associados a essacomplicação.

Atualmente, a colonoscopia com fibra ótica re-presenta a técnica de escolha para realizar o diag-nóstico. Além da possibilidade de ser realizada àbeira do leito sem necessidade de transporte dodoente, permite o monitoramento nos casos decomprometimento parcial das camadas intestinaisque não têm necessidade de ressecção imediata,mas podem evoluir. Havendo necessidade de res-secção, a reconstrução primária não está indicada.Após a retirada do segmento comprometido, a ex-teriorização do coto intestinal proximal e o sepul-tamento do coto distal podem ser realizados pelatécnica de Hartmann.

REPERFUSÃO INTESTINAL

Após um período de isquemia, a reintroduçãode sangue em determinado segmento de intestinocausa a geração e a liberação para a circulaçãoportal e sistêmica de uma série de mediadores quí-micos que afetam o metabolismo localmente nointestino e em órgãos a distância. A mucosa intes-tinal, como já citado, é a camada mais sensível dointestino; a isquemia, portanto, é a primeira aapresentar alterações. Tendo a importante funçãode barreira, as alterações ampliam o acesso desubstâncias do conteúdo intestinal à circulação bem

como permitem a ocorrência da translocação bac-teriana. Existem evidências crescentes de que o in-testino é o berço e o alvo de citoquinas pró-infla-matórias, e sua I/R participa de uma forma centralna resposta inflamatória sistêmica.

É razoavelmente fácil de entender que, peladificuldade em se encontrar um modelo clínico, aesmagadora maioria dos estudos existentes foi rea-lizada em animais. Com a crescente experiência emtransplante intestinal em humanos, nos próximosanos há tendência de uma disponibilidade maior emelhor de dados.

Durante a fase de isquemia, o tecido intestinalprecisa utilizar as vias alternativas, anaeróbias,para reposição de adenosina trifosfato (ATP) paramanter o metabolismo mínimo que mantém a fun-ção e a homeostase celular. Tais mecanismos sãoprecários e geralmente eficientes por apenas algu-mas horas, além de cobrarem um preço alto ao te-cido, produzindo substâncias potencialmente noci-vas, como o ácido lático, e os precursores de radi-cais livres, como a xantina oxidase. Devido à inca-pacidade de repor ATP na área isquêmica, o teci-do intestinal sofre sucessivamente defosforização ea cascata de produção de energia cessa. Há conse-qüente introdução no local dos subprodutos dometabolismo das purinas, hipoxantina, xantina eiosina. Com a reintrodução local de oxigênio na fasede reperfusão, esses metabólitos vão gerar os radi-cais livres, altamente reativos, que acentuam a le-são tecidual local e sistemicamente.

Experimentalmente, pôde-se demonstrar aparticipação do sistema de defesa nas lesões origi-nadas por isquemia e reperfusão (I/R) intestinal.Camundongos deficientes em determinados subti-pos de anticorpo, C3 e C4, indicaram um impor-tante papel da via clássica de ativação do comple-mento durante I/R intestinal, pois apresentarammenores alterações locais e sistêmicas quando com-parados com seus pares normais. Outros deficien-tes de uma enzima precursora do fator B (via al-ternativa de ativação do complemento), ou trata-dos com anticorpos inibidores do mesmo, quandoexpostos a I/R, apresentaram menor alteração dasvilosidades, menor atividade de mieloperoxidase(menor concentração de células inflamatórias) e dedesidrogenase intestinal, bem como menor ativida-de de mieloperoxidase pulmonar. Como os compo-nentes do complemento terminais (C5a e C5b-9)apresentam um papel importante no recrutamen-to de células inflamatórias, podemos prever uma

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menor atividade de mieloperoxidase nos tecidos I/R com menor atividade do sistema de anticorpos.

De forma geral, os estudos disponíveis em lín-gua inglesa concordam em um ponto: a fundamen-tal participação das células de defesa, em especialdos leucócitos polimorfonucleares (PMN). O recru-tamento dos PMN ao local compreende uma sériede passos que começa na atração proporcionadapor mediadores quimiotáticos pró-inflamatórios,como interleucina 1 (IL-1), interleucina 6 (IL-6),fator de necrose tumoral (TNF), entre outros; pas-sa pela fase de marginação ou rolling, que aproxi-ma o PMN da parede vascular e diminui sua ve-locidade de fluxo a fim de que seja possível o reco-nhecimento das moléculas presentes na superfíciedo endotélio da vênula pós-capilar, processo estemediado pela família de moléculas de adesão de-nominadas selectins (P-,E- e L-selectin); e termi-na na ativação, forte aderência e penetração emdireção ao segmento alvo nos tecidos isquêmicos,mediado por um outro grupo de moléculas de ade-são, os heterodímeros das β

2-integrinas, que inclu-

em os antígenos derivados de linfócitos (LFA-1,CD11a/CD18), a molécula de adesão intercelular(MAC-1, CD11b/CD18) e p150,95 (CD11c/CD18)..

Os PMN ativados e situados no tecido intesti-nal isquêmico contribuem para maior formação deradicais livres presentes em seus grânulos enzimá-ticos, produção de mais substâncias que propagama inflamação sistêmica e para atração de outrascélulas líticas como monócitos e macrófagos.

Muito vem sendo estudado durante a últimadécada sobre isquemia e reperfusão. Apesar de ain-da não haver um volume de evidência suficientepara justificar o emprego prático do conhecimen-to já adquirido, é bastante provável que em brevedisponhamos de agentes que protejam os órgãoslocalmente do efeito da I/R e, conseqüentemente,diminuam a resposta inflamatória sistêmica e a fa-lência de múltiplos órgãos.

Transplante Intestinal

A falência intestinal é definida como a incapaci-dade de o sistema gastrointestinal manter adequa-da nutrição, fluidos e homeostase eletrolítica semsuporte externo artificial. As causas mais comunsincluem ressecções intestinais (por isquemia mesen-térica, volvo intestinal, doença de Crohn, entre ou-tras) e enterocolite necrotizante do recém-nascido.

Classicamente, aprendemos que um doenteapresentando isquemia irreversível de grandeporção do intestino, principalmente o delgado,teria seu prognóstico fechado, não justificandoinvestimentos adicionais em medidas para pro-longar sua vida.

Tal mentalidade sempre foi questionada emvários lugares do mundo. Há alternativas que po-dem ser usadas para manter um doente vivo pormuitos anos, como a instituição de nutrição pa-renteral prolongada (NPP) em esquema domici-liar, mesmo sabendo que a NPP tem um tempode “vida útil” que pode ser relativamente curtopelas complicações. Os critérios para falha daNPP incluem a falência hepática grave com ousem hipertensão portal (elevação de bilirrubinas,transaminases, coagulopatia, varizes de esôfago),a impossibilidade de acesso venoso central, as in-fecções freqüentes do acesso com sepse (acima dedois episódios com necessidade de internação porano) e a desidratação ou distúrbios freqüentes doequilíbrio hidroeletrolítico a despeito da suple-mentação vigente.

A partir de outubro de 2000, o HCFA – He-alth Care Financing Administration (atual CMS— Center for Medicare and Medicaid Services)determinou como procedimento de escolha otransplante intestinal ou multivisceral em doen-tes que não poderiam sobreviver sem o suportede NPP e que apresentassem alguma contra-in-dicação a NPP. Com isso, os doentes em questãoganharam oficialmente mais uma alternativaterapêutica.

A formidável barreira imposta pela rejeição in-tratável sob a forma da doença do enxerto-versus-hospedeiro e pelas altas taxas de infecção do recep-tor tornaram tal procedimento proscrito por mui-tos anos. Com os avanços conseguidos principal-mente na última década, através do emprego denovas drogas de controle como o tacrolimus, aprostaglandina-E

1, a azatioprina e o sirolimus, para

tratar casos de rejeição o OKT3 e a timoglobulina,ou através de técnicas adjuvantes como a irradia-ção do enxerto para diminuir a imunogenicidade ea infusão de células-tronco da medula do doador,os resultados dessa modalidade de transplante pas-saram a ser comparáveis aos demais.

Representam contra-indicação ao transplante ainsuficiência cardiopulmonar grave, a presença deneoplasia disseminada e a vigência de infecção sis-têmica ou intra-abdominal.

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CONCLUSÃO

A maioria dos casos de isquemia mesentéri-ca incide sobre indivíduos em idade avançada, e,por esse motivo, eles geralmente apresentammenor reserva funcional e maior associação comoutras morbidades. Com o progressivo envelhe-cimento da população, há tendência ao aumen-to da ocorrência da mesma. Apesar disso, a is-quemia mesentérica aguda ou crônica não fazparte do dia-a-dia da maioria dos médicos. Sen-do assim, a experiência pessoal pouco conta paraadministrar bem casos suspeitos ou confirmados.A melhor forma de conduzir essa doença consisteno uso da experiência conjunta, acumulada porvários centros ao longo dos anos e acrescida dasmelhores novidades tecnológicas para o diagnós-tico e tratamento.

O conhecimento da doença e um alto grau dealerta aos sinais clínicos permanecem como pilarespara, através do reconhecimento precoce, evitar oagravamento das lesões que ditarão o prognósticodo doente. Utilizando os métodos de diagnósticocomplementares disponíveis nos maiores centros,local onde tais doentes devem ser preferencialmen-te tratados, confirma-se o diagnóstico e a melhorconduta a ser adotada.

O suporte clínico pré- e pós-operatório, o rá-pido restabelecimento do aporte sangüíneo aotecido intestinal e o reconhecimento precoce dascomplicações esperadas dão a chance necessáriapara que o doente se restabeleça. Além disso,atualmente podemos contar com tratamentos ad-juvantes (como a NPP e o transplante intestinal)que tornam possível o que até uma década atrásnão era: a manutenção do doente com uma qua-lidade de vida aceitável.

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CONCEITO

O abdome agudo obstrutivo, síndrome decor-rente de uma obstrução intestinal, é uma afecçãomuito freqüente que engloba uma grande per-centagem das internações causadas por dor ab-dominal. É causado pela presença de um obstá-culo mecânico ou de uma alteração da motilida-de intestinal que impede a progressão normal dobolo fecal.

A obstrução intestinal compreende dois grandesgrupos, segundo a causa da interrupção do trânsi-to: causa mecânica, que leva aos quadros de obs-trução mecânica, e distúrbio da motilidade intesti-nal, que leva aos quadros de íleo adinâmico ou pa-ralítico ou neurogênico (pseudo-obstrução). As cau-sas mecânicas ocorrem pela presença de obstácu-los intraluminares, como, por exemplo, cálculos bi-liares e bolo de áscaris, ou por fatores extralumina-res, tais como as obstruções intrínsecas causadaspor tumores, hematomas etc. ou pelas compressõesextrínsecas, como, por exemplo, as aderências, hér-nias, tumores etc.

Classificações distintas são utilizadas para dife-renciar as causas mecânicas:

ABDOME AGUDO

OBSTRUTIVO

1. Alta, quando o obstáculo ao trânsito situa-se nodelgado proximal, ou baixa, quando o obstácu-lo situa-se no delgado distal ou no colo;

2. Parcial, quando a oclusão da luz intestinal éincompleta, ou completa, quando a oclusão étotal;

3. Aguda, quando de instalação abrupta, ou crô-nica (geralmente parcial), quando de instala-ção lenta, com períodos de melhora e pioraque se estendem por vários dias ou meses(p. ex., nas doenças inflamatórias intestinaisou nas aderências);

4. Simples, quando o suprimento de sangue aointestino encontra-se íntegro, não havendocomprometimento da vitalidade da alça, ouestrangulada, quando há comprometimento dosuprimento sangüíneo, podendo levar à isque-mia e mesmo à necrose do intestino já obs-truído mecanicamente;

5. Em alça fechada (p. ex., hérnias, volvos),quando existe obstáculo em dois níveis, im-pedindo tanto a progressão quanto o reflu-xo do conteúdo da alça; nessas condições,pode ocorrer grande distensão e sofrimentoda alça.

Capítulo 8

CLÍNICAGaspar de Jesus Lopes FilhoJosé Roberto Ferraro

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INCIDÊNCIA

As obstruções intestinais podem acontecer des-de a idade prematura até a nona década de vida,tendo seu pico máximo aos 50 anos. A idade dopaciente torna-se importante, pois certas causastêm sua maior freqüência em determinadas faixasetárias. Assim, no neonato, devem ser consideradasas atresias, o volvo, o íleo meconial, a imperfura-ção anal e a doença de Hirchsprung. Já nos lacten-tes, devemos lembrar da invaginação intestinal, dashérnias complicadas e das obstruções por compli-cações do divertículo de Meckel. No adulto joveme na meia-idade, devemos considerar as aderên-cias, as hérnias e a doença de Crohn. Quanto maisidoso o paciente, maior a possibilidade de tratar-se de neoplasias, seguida pelas aderências, hérnias,diverticulites e fecalomas.

Cerca de 20% das internações em serviço decirurgia por acometimento agudo abdominal sãodevidas a obstruções intestinais. As causas mais co-muns de obstrução intestinal são as aderências, se-guidas das hérnias inguinais complicadas e dasneoplasias intestinais. Cerca de 80% de todas asobstruções ocorrem devido a essas três causas. Cer-ca de 80% das obstruções são no intestino delgadoe 20% são no intestino grosso.

ETIOPATOGENIA

As causas da obstrução intestinal mecânicapodem ser classificadas de acordo com o modocomo a obstrução acontece. Assim, pode ocorrer aobstrução da luz intestinal, como no íleo biliar, aredução da luz por retração e o espessamento daparede da alça por doença intrínseca do intestino,como ocorre na enterite ou no câncer, e a obstru-ção por compressão extrínseca do intestino, comoacontece na oclusão por aderências. Por outrolado, as causas decorrentes dos distúrbios da mo-tilidade intestinal levam aos quadros de íleo pa-ralítico ou neurogênico.

Assim, podemos enumerar:1. Obstrução da luz intestinal: intussuscepção in-

testinal, íleo biliar, impactação (bário, bezoar,áscaris).

2. Doenças parietais: congênitas: atresias e este-noses, duplicações, divertículo de Meckel; trau-máticas; inflamatórias: doença de Crohn, di-verticulites; neoplásicas; miscelânea: estenosepor irradiação, endometriose.

3. Doenças extrínsecas: aderências; hérnias; mas-sas extrínsecas (pâncreas anular, vasos anôma-los, abscessos, hematomas, neoplasias, volvo).

4. Alterações da motilidade do intestino delgado:íleo paralítico, íleo espástico, oclusão vascular.

FISIOPATOLOGIA

Embora a obstrução intestinal mecânica sim-ples, a obstrução com estrangulamento, a obstru-ção em alça fechada e o íleo paralítico tenhammuitos aspectos em comum, existem diferençasimportantes na fisiopatologia e no tratamento des-sas entidades.

OBSTRUÇÃO INTESTINAL MECÂNICA

SIMPLES

As principais alterações fisiológicas do intestinocom obstrução mecânica, porém com suprimentode sangue intacto, são o acúmulo de líquido e gásacima do ponto de obstrução e a alteração da mo-tilidade intestinal, que, somados, levam a altera-ções sistêmicas importantes.

Alguns autores demonstraram que o fator tóxi-co da obstrução intestinal mecânica é a perda delíquidos e eletrólitos por vômito e seqüestro na alçaintestinal obstruída. O acúmulo de líquido no inte-rior da alça intestinal obstruída ocorre de modoprogressivo. O movimento de líquidos entre a luzintestinal e o sangue ocorre de duas maneiras: ab-sorção (movimento de líquido da luz intestinal parao sangue) e secreção (movimento de líquido dosangue para a luz intestinal). Após 48 horas de obs-trução intestinal, o movimento de líquido é predo-minantemente do sangue para a luz intestinal, au-mentando muito a quantidade de líquido no intes-tino obstruído. O mesmo fenômeno acontece como sódio e o potássio. A composição do líquido acu-mulado na luz intestinal é semelhante à do plasma.O principal componente do acúmulo de líquido naalça intestinal obstruída é o aumento de secreção.Acredita-se que a distensão abdominal aumenta asecreção de prostaglandina, que, por sua vez, pro-duz um aumento na secreção intestinal. O segmen-to proximal à obstrução fica repleto de líquido eeletrólitos, o que provoca mais distensão e compro-mete a circulação. Esse conteúdo caminha em sen-tido proximal, chegando a segmentos intestinaisque ainda possuem a capacidade absortiva. Caso aobstrução não se resolva, esses segmentos proximaistambém ficam distendidos e com a circulação e a

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absorção comprometidas. Esse processo pode com-prometer todo o intestino proximal à obstrução.Outro local de perda de líquidos e eletrólitos é aparede do intestino obstruído. A parede intestinalpode ficar bastante edemaciada a ponto de perderlíquido através da serosa para a cavidade perito-neal. A quantidade de líquido e eletrólitos perdidosna parede intestinal e na cavidade peritoneal de-pende da extensão, da congestão venosa e edemae do tempo de obstrução. A perda mais óbvia de lí-quidos e eletrólitos é através do vômito ou do dé-bito da sonda nasogástrica. A soma de todas essasperdas depleta o fluido do espaço extracelular, pro-duzindo hemoconcentração, hipovolemia, insufici-ência renal, choque e morte, a não ser que o tra-tamento seja instituído rapidamente.

O acúmulo de gás no interior do intestino cons-titui um evento marcante na obstrução intestinal eé responsável pela distensão, que faz parte do qua-dro clínico da doença. O gás do intestino delgadoé composto de ar atmosférico, que, após ter sidodeglutido, foi acrescido de outros gases não encon-trados no ar ambiente. A absorção do gás intestinaldepende da sua pressão parcial no intestino, noplasma e no ar da respiração. O nitrogênio é pou-co difundido, porque a sua pressão parcial é mui-to semelhante nesses três locais. Já o dióxido decarbono é muito difusível, porque a sua pressãoparcial é alta no intestino, intermediária no plasmae baixa no ar. Por esse motivo, o dióxido de carbo-no produzido no intestino contribui muito poucopara a distensão intestinal.

Assim que a obstrução ocorre, o peristaltismointestinal aumenta como resposta do intestino a fimde resolver a obstrução. Após algum tempo, o pe-ristaltismo contínuo é substituído por períodos in-termitentes de peristaltismo aumentado, intercala-dos com períodos de acalmia. Os períodos de acal-mia variam de acordo com o nível da obstrução.Em geral, esses períodos são de três a quatro mi-nutos na obstrução alta e de dez a 15 minutos naobstrução intestinal distal ao nível do íleo terminal.O peristaltismo aumentado pode ser violento o bas-tante a ponto de traumatizar o intestino e provo-car mais edema. A distensão intestinal proximal àobstrução provoca uma inibição do peristaltismodistal a ela.

OBSTRUÇÃO COM ESTRANGULAMENTO

Denomina-se obstrução com estrangulamento aobstrução intestinal associada ao comprometimentoda irrigação sangüínea. A compressão dos vasos do

mesentério é a causa da interrupção do suprimen-to de sangue ao intestino, acarretando isquemia enecrose. Essa situação é mais freqüente na obstru-ção por aderências, hérnias ou volvo. À compressãodas veias e à dificuldade do retorno venoso soma-se o problema do acúmulo de líquido e gás já des-crito, levando a pequenos sangramentos na luz in-testinal e na parede das alças. O segmento de in-testino necrosado libera substâncias tóxicas na ca-vidade peritoneal e na luz do intestino. Os fatoresque mais interferem na fisiopatologia da obstruçãocom estrangulamento são os seguintes: o conteú-do da alça obstruída é tóxico; as bactérias aí pre-sentes são importantes para a produção dessas to-xinas; os segmentos de intestino que não estão ne-crosados não participam na formação dessas toxi-nas; as toxinas não passam através de mucosa nor-mal; a absorção das toxinas é mais importante doque a sua produção; e os sintomas podem estarcorrelacionados com a formação dessas toxinas.

OBSTRUÇÃO EM ALÇA FECHADA

Quando uma alça intestinal encontra-se obs-truída simultaneamente nas extremidades proximale distal, caracteriza-se uma obstrução em alça fe-chada. A obstrução em alça fechada pode progredirrapidamente para o estrangulamento. A interrupçãodo suprimento sangüíneo pode ocorrer pela mesmacausa que provocou a obstrução em alça fechada(aderências, hérnia ou volvo), ou simplesmente pelagrande distensão da alça obstruída. A pressão no in-terior da alça obstruída pode atingir níveis iguais aodo sistema venoso, interrompendo o fluxo de sanguenas veias e aumentado o edema intestinal.

ÍLEO PARALÍTICO

O íleo paralítico pode apresentar-se sob trêsformas: o íleo adinâmico, o íleo espástico e o íleoda oclusão vascular. O íleo adinâmico é o mais co-mum e costuma ocorrer após cirurgias abdominais.A fisiopatologia do íleo adinâmico não está comple-tamente esclarecida, porém parece envolver o com-prometimento da resposta neuro-hormonal relacio-nada ao intestino. A recuperação da motilidade in-testinal no período pós-operatório de cirurgiaabdominal é diferente nos vários segmentos do tra-to gastrointestinal. O intestino delgado recupera suamotilidade em aproximadamente 24 horas, o estô-mago, em 48 horas e o intestino grosso, em três acinco dias. Além da cirurgia abdominal, outras cau-sas de inibição da motilidade intestinal são as in-

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flamações peritoneais, como a apendicite e a pan-creatite aguda, as patologias que envolvem o retro-peritônio, como a cólica ureteral, o hematoma re-troperitoneal ou a fratura de coluna, as lesões to-rácicas, como a pneumonia de base do pulmão, ouas fraturas de costelas e as causas sistêmicas, comoa toxemia grave, a hiponatremia e a hipocalemia,ou a hipomagnesemia. Drogas como a morfina, apropantelina, os antiácidos, os anticoagulantes, asfenotiazinas e os agentes bloqueadores gangliona-res também podem provocar íleo adinâmico.

O íleo espástico não é comum, porém surge emconseqüência de uma hiper-reatividade do intesti-no. Pode ocorrer na intoxicação por metais pesados,na porfiria e, às vezes, quando existe uremia.

O íleo com oclusão vascular caracteriza-se poruma incapacidade de coordenação da motilidadeintestinal, em conseqüência da morte celular resul-tante da isquemia.

QUADRO CLÍNICO

ANAMNESE

Nesse tipo de abdome agudo, a dor é em cóli-ca e difusa em todo o abdome. Além da cólica, opaciente apresenta distensão abdominal, que émais intensa quanto mais distal for a obstrução notrato digestivo. Apresenta, ainda, parada de elimi-nação de gases e fezes, náuseas e vômitos conse-qüentes à obstrução. Como vimos, pode-se classi-ficar o abdome agudo obstrutivo em alto ou baixo,e a caracterização desses tipos é feita pelos aspec-tos clínicos do paciente e não exatamente pelo localda obstrução. Assim, na obstrução alta, as náuseas eos vômitos precedem a parada de eliminação degases e fezes, pois o paciente continua a eliminar oconteúdo intestinal a jusante do obstáculo. Já naobstrução baixa, a parada de eliminação de gasese fezes precede os vômitos, pois esses só acontecemquando todo o intestino delgado a montante daobstrução estiver distendido. A distensão abdomi-nal é maior quanto mais baixo for o bloqueio.Quanto à distensão, ela pode ser simétrica ou as-simétrica. Na obstrução do colo esquerdo, se a vál-vula ileocecal for continente, teremos a distensãosomente do colo, determinando um abaulamentoassimétrico do abdome. Se, no entanto, a válvulaileocecal for incontinente, a distensão será univer-sal e, portanto, o abaulamento abdominal será si-métrico. O abdome agudo obstrutivo pode ser, ain-da, complicado ou não-complicado, na dependên-cia de a obstrução ter determinado (ou não) isque-mia e/ou perfuração de víscera intraperitoneal.

EXAME FÍSICO GERAL

• Alteração do estado geral;• Desidratação, fundamentalmente, devida aos

vômitos e ao seqüestro de líquidos nas alças in-testinais; os vômitos podem acarretar, além daperda líquida, perda hidroeletrolítica, determi-nando, às vezes, alcalose hipocalêmica;

• Taquisfigmia, devida à desidratação;• Geralmente, o quadro não é acompanhado de

febre; ela aparece quando temos uma complica-ção do quadro (peritonite bacteriana);

• Hipotensão arterial pode estar presente em qua-dros prolongados.

EXAME FÍSICO ABDOMINAL

• Distensão abdominal (simétrica ou assimétrica);• Discreto desconforto à palpação, não caracteri-

zando sinais de irritação peritoneal, a não serquando há complicação do quadro;

• Ruídos hidroaéreos aumentados em número ecom alteração do timbre (timbre metálico); como evoluir do processo e, portanto, com a isque-mia da alça intestinal envolvida, os ruídos ten-dem a diminuir e, até, se tornar ausentes.

DIAGNÓSTICO CLÍNICO

O diagnóstico da obstrução intestinal é feitoessencialmente com os dados da anamnese e doexame físico e, geralmente, auxiliado pelos métodosde imagem. O método de imagem mais freqüente-mente usado é a radiografia simples do abdome,realizada com o doente em posição de pé e deita-do. Mais raramente, pode-se lançar mão de estu-dos especiais, tais como o estudo contrastado dotrato gastrointestinal, a ultra-sonografia e a tomo-grafia computadorizada.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

Aconselha-se realizar a dosagem da concentra-ção sérica de eletrólitos, a dosagem do hematócri-to, da creatinina, o estudo da coagulação e a do-sagem de plaquetas e leucócitos, que são úteis parase determinar a gravidade do quadro clínico e ori-entar a reanimação do doente. Na suspeita de íleoparalítico, a dosagem de eletrólitos séricos podecontribuir para o esclarecimento diagnóstico.

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DIAGNÓSTICO POR IMAGEM

INTRODUÇÃO

Os sinais encontrados nas diversas modalidadesde imagem correlacionam-se com a fisiopatologiada obstrução intestinal: acúmulo de fluido e eletró-litos acima do ponto de obstrução, diminuição daabsorção pela mucosa e aumento da secreção paraa luz. Se a distensão for exagerada, como no casode obstrução em alça fechada, pode ocorrer isque-mia e necrose da parede da alça. A maioria dasobstruções (80%) é decorrente de obstrução mecâ-nica no delgado, sendo em 80% das vezes secun-dárias a bridas ou aderências. Por outro lado, ascausas mais freqüentes de obstrução colônica são ocarcinoma, o volvo de sigmóide e a diverticulite, eaderências respondem por apenas 4% das causasde obstrução mecânica.

As quatro perguntas que precisam ser respon-didas em pacientes com suspeita de abdome agu-do obstrutivo são:1. Existe obstrução?;2. Qual o seu nível da obstrução?;3. Qual é a causa da obstrução? e;4. Existem sinais de estrangulamento ou isquemia?

Os diversos métodos de diagnóstico por ima-gem são utilizados nesse sentido, principalmente aradiografia simples do abdome e a tomografiacomputadorizada.

RADIOGRAFIA SIMPLES DO ABDOME

A radiografia simples do abdome continua sen-do a principal ferramenta para o diagnóstico doabdome agudo obstrutivo (AAO). Freqüentemente,é o primeiro, senão o único, método utilizado, ape-sar da introdução de métodos seccionais de diag-nóstico por imagem, como a ultra-sonografia (US)e a tomografia computadorizada (TC). Nesse sen-tido, é indispensável realizar todas as radiografiaspreconizadas para o estudo do abdome agudo (verCapítulo 1).

Apesar de muito utilizada, a radiografia simplesdo abdome para obstrução de intestino delgado

apresenta uma eficácia global que não ultrapassa50 a 60%, tendendo a diagnosticar mais casos deobstrução do que o número real, quando compara-dos à laparotomia (padrão-ouro). No entanto,quando há sinais claros de obstrução, a radiogra-fia simples do abdome pode indicar o ponto daobstrução em cerca de 80% dos casos. Os casosduvidosos (cerca de 20 a 30%) podem ser reavalia-dos com radiografias seriadas, aumentando assim aeficácia do método. As obstruções proximais até ametade do intestino delgado tendem a evidenciarníveis de líquido predominantemente no quadrantesuperior esquerdo (Fig. 8.1). Um número maior dealças dilatadas com níveis de líquido, arranjadas aolongo da raiz do mesentério, pode indicar obstru-ção no delgado distal ou no ceco. É de extrema im-portância a demonstração de sinais de obstrução esofrimento de alça, como pregas edemaciadas,pneumatose intestinal e, eventualmente, gás naveia porta, sugerindo obstrução em alça fechada epior prognóstico.

Os padrões anormais de distribuição de gásvariam conforme o ponto, o grau, o tempo de obs-trução, a freqüência de vômitos e a presença desonda nasogástrica. Na obstrução gástrica, pode-mos observar o deslocamento inferior do colo trans-verso por um contorno com densidade de partesmoles, devido à distensão gástrica com líquido emseu interior. Além disso, uma pequena quantidade degás quase sempre está presente, mesmo com o estô-mago muito dilatado. Portanto, se obtivermos umaradiografia em decúbito lateral direito, podemosconfirmar, pelo deslocamento do gás, que a densida-de de partes moles que desloca o colo transverso in-feriormente trata-se de líquido no interior do estô-mago. O local mais comum de obstrução gástricaé a região antro-piloro-duodenal (Fig. 8.2).

Nem sempre a distensão gástrica é resultado deuma obstrução mecânica: alterações metabólicasou induzidas por drogas podem alterar a peristal-se do estômago. Pacientes com diabetes crônicopodem apresentar atonia gástrica (gastroparesiadiabética), um sinal de neuropatia diabética qua-se sempre associado à neuropatia periférica. Outrascausas de dilatação gástrica incluem uso de morfi-na, uremia, hipocalemia, intoxicação por chumboe vagotomia prévia.

IMAGEMIoná GrossmanGiuseppe D’Hipolitto

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Fig. 8.1 — Oclusão intestinal por bridas. Ra-diografia do abdome em anteroposterior, or-tostática. Doente com oclusão intestinal porbridas pós-operatórias (gastrectomia subtotalhá oito anos). O quadro clínico era de cólicase parada da eliminação de gases e fezes há24 horas. Observam-se alças do delgado mui-to distendidas (pontas de seta brancas), comcalibre superior a 3cm. As alças são longas econtínuas com níveis de líquido de diferentesalturas na mesma alça (setas brancas). Nãohá gás no intestino grosso.

Fig. 8.2 — Obstrução antro-piloro-duodenal.Radiografia do abdome em anteroposterior,ortostática. Observa-se distensão da câmaragástrica (Est) e nível de líquido (seta negra). Ocolo transverso está deslocado para baixo(ponta de seta negra). Trata-se de um doentecom estenose da região antro-piloro-duodenalpor adenocarcinoma.

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A obstrução do intestino delgado é responsávelpor 80% das causas de AAO e é, com certa fre-qüência, de difícil diagnóstico pela radiografia sim-ples do abdome. Pode ser de causa extrínseca, in-trínseca ou intraluminal.

Exemplos de causas extrínsecas são as adesõesou bridas, as hérnias externas e internas, massasabdominais extraluminais tumorais (linfoma, me-tástases peritoneais, tumores mesenteriais) e mas-sas extraluminais não-tumorais (diverticulite, doen-

ça de Crohn, aneurisma, hematoma e endometri-ose). A maioria das obstruções do intestino delga-do é causada por aderências pós-operatórias tar-dias ou recentes e que podem ocorrer a partir do 3o

ao 5o dia pós-operatório. As bridas representamcerca de 60% das obstruções do intestino delgado,sendo que mais de 80% destas são decorrentes decirurgias prévias, 15% de processos inflamatórios(Fig. 8.3A, B e C) e as demais são congênitas ou decausa indeterminada.

Fig. 8.3 — Distensão do delgado por processoinflamatório na fossa ilíaca direita (apendicite).Tomografia helicoidal sem contraste. A. O corteefetuado na altura da bacia mostra imagem deapendicolito (seta branca), demonstrada comoimagem ovóide de densidade cálcica. Há alçasde delgado dilatadas com conteúdo líquido. B.Corte no nível da bacia, 3cm acima do corte dafigura anterior. Observa-se região com densida-de elevada pela presença de processo inflama-tório periapendicular (pontas de seta brancas).Há alças de delgado dilatadas (del). C. Corteefetuado no mesogástrio. Observam-se alças dedelgado dilatadas, com mais de 3cm de diâme-tro (del) preenchendo toda a cavidade abdomi-nal. Nota-se um nível de líquido (ponta de setabranca). O colo ascendente está colabado (as-terisco branco).

A

B

C

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Radiologicamente, a característica mais impor-tante na obstrução por bridas é a mudança súbitado calibre da alça vista no exame contrastado (outomografia), estando muito dilatada proximalmen-te à obstrução e colabada distalmente a esta. Naausência de história cirúrgica, deve-se suspeitar deuma hérnia obstrutiva, e 95% delas são externas (in-guinal, femoral, umbilical ou incisional). A presençade alça com gás abaixo dos ramos púbicos sugerehérnia inguinal como causa da obstrução.

São causas intrínsecas de obstrução intestinalos tumores e processos inflamatórios envolvendo aprópria parede intestinal, como o adenocarcinoma,o tumor carcinóide, o linfoma, a doença de Crohn(Fig. 8.4), a tuberculose, a gastroenterite eosinofí-lica, a isquemia, a enterite actínica, o hematomada parede e a invaginação (Fig. 8.5). Esta últimaenquadra-se nessa categoria porque usualmenteapresenta uma causa intrínseca, como hipertrofiado tecido linfóide intestinal ou pólipos, denomina-dos “cabeça da invaginação”.

Entre as causas intraluminais destacam-se íleobiliar (Fig. 8.6), bezoar, corpo estranho, áscaris e

mecônio. Radiograficamente, o íleo biliar caracte-riza-se por gás na via biliar, obstrução intestinal epela presença de um cálculo radiopaco entremea-do com gás intestinal, na alça obstruída. O conjun-to desses sinais é denominado tríade de Rigler e foidescrito na radiografia convencional. À medida queo cálculo progride no intestino, aderem-se sedimen-tos do conteúdo intestinal, fazendo com que o cál-culo aumente em diâmetro. A maioria dos cálculosobstrutivos mede mais de 2,5cm de diâmetro. Atomografia é um excelente método para o diagnós-tico, permitindo identificar com precisão os sinaisradiológicos antes citados. A ultra-sonografia podesugerir o diagnóstico quando se detecta ar na vesí-cula biliar e distensão de alças de intestino delgado.

A diferenciação entre obstrução mecânica e íleoadinâmico é, muitas vezes, necessária, e pode nãoser possível pela radiografia simples. No entanto,alguns sinais radiográficos podem auxiliar na suadistinção. Por exemplo, o grau de dilatação das al-ças tende a ser maior em pacientes com obstruçãomecânica do que nos com íleo adinâmico. A disten-são intestinal é geralmente progressiva na obstru-

Fig. 8.4 — Apresentação da fase es-tenosante da doença de Crohn, le-vando à distensão do delgado.Radiografia do abdome em antero-posterior obtida durante exame detrânsito intestinal em paciente comquadro clínico de semi-oclusão. A ra-diografia mostra o contraste preen-chendo o intestino delgado (del) etambém o ceco (ponta de seta negra)e o colo ascendente (seta negra).Uma alça do íleo distal aparece comlonga estenose e alterações no rele-vo mucoso (setas brancas). Há sinaisde compressão extrínseca tanto daalça estenosada quanto de alçaspróximas (pontas de seta brancas)pelo aumento da gordura adjacenteou pela presença de abscessos.

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Fig. 8.5 — Suboclusão em doen-te com invaginação. Radiografiado abdome em anteroposteriorde trânsito intestinal com o con-traste preenchendo todo o colo,delgado e delgado terminal (del),em doente com quadro clínico deoclusões intestinais recidivantes. Aetiologia dos surtos de oclusão erainvaginação íleo-ceco-transverso,sem causa definida aparente. Aalça de delgado invaginante (setasbrancas) é longa e afilada. O seg-mento do transverso que envolvea porção invaginada é claramen-te demonstrado (pontas de setanegras).

Fig. 8.6 — Íleo biliar. Corte de tomografia helicoidal realizado no nível do fígado (Fig)e do baço (Bc) após a administração do contraste oral. Essa imagem mostra a vesículabiliar (seta branca) com gás e contraste (ponta de seta negra) em seu interior. Alças dedelgado com sinais discretos de dilatação (seta negra) estão contrastadas.

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ção mecânica e os níveis de líquido tendem a sermais evidentes, bem como um padrão de “empi-lhamento de moedas” que caracteriza o espessa-mento das válvulas coniventes. O espessamento daparede intestinal, caracterizado ao exame radioló-gico simples pelo afastamento de alças contíguas, étambém um sinal que favorece o diagnóstico deobstrução mecânica. É importante lembrar quecom freqüência nota-se uma distensão difusa dasalças do delgado e do colo no íleo adinâmico.

A principal causa de obstrução colônica são osadenocarcinomas primários do colo, responsáveispor cerca de 55% dos casos. O local mais provávelde obstrução tumoral nos colos é o sigmóide, porser a porção mais estreita e onde as fezes são maissólidas. Na radiografia simples, nota-se uma dila-tação gasosa das alças proximais à obstrução euma pobreza ou ausência de gás no colo distal oureto (Fig. 8.7). O enema baritado com simples con-traste pode ser realizado e, muitas vezes, é sufici-ente para confirmar a presença e a causa da obs-trução (Fig. 8.8). A tomografia e a ressonância

magnética, por sua vez, são os melhores métodospara estadiamento da doença, na presença de neo-plasia colorretal. A presença de gás no intestino del-gado é variável nessa situação, de acordo com acompetência da válvula ileocecal. Se a válvula forincompetente, permitirá o refluxo de gás para o in-testino delgado, podendo produzir sinais radiográ-ficos semelhantes àqueles de obstrução do delgado.

A perfuração colônica é uma possível complica-ção da obstrução do intestino grosso, ocorrendo emcerca de 7% dos casos, e mantém relação com ograu de dilatação. Pode ocorrer no local da obstru-ção ou proximalmente no local mais dilatado (ge-ralmente o ceco), devido a alterações isquêmicas naparede da alça. Alguns autores referem que o diâ-metro de 9 a 12cm sugere risco iminente de perfu-ração do ceco. Deve-se, contudo, considerar o fe-nômeno de magnificação, particularmente em pa-cientes em posição supina e a correlação clínica.Radiografias seriadas com intervalos de 12 a 24horas podem ser de maior valor, caso evidenciemdilatações progressivas.

Fig. 8.7 — Obstrução baixa por adenocarci-noma de sigmóide. Radiografia do abdomeem anteroposterior, decúbito dorsal. Obser-va-se dilatação acentuada do ceco/ascen-dente (seta branca) e do transverso (ponta deseta branca). O reto contém pequena quan-tidade de gás (ponta de seta negra).

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Assim como no intestino delgado, a obstruçãocolônica precisa ser diferenciada da dilatação não-obstrutiva (ou pseudo-obstrução). Essa condição éconhecida por síndrome de Ogilvie, por quem foidescrita, e está associada a diversas condições clí-nicas, como inflamação intra-abdominal, queima-duras, gravidez, pós-parto vaginal ou cesariana.Acredita-se que sua fisiopatologia esteja ligada aum desequilíbrio na inervação simpática e paras-simpática. As radiografias também mostram acen-tuada distensão colônica, geralmente restrita àmetade direita (ceco, ascendente e metade direitado colo transverso).

O megacolo tóxico caracteriza-se por sintomasinfecciosos em um paciente com o colo muito di-latado à radiografia. Tradicionalmente, está asso-ciado à colite ulcerativa, mas pode ocorrer em ou-tras situações (colite granulomatosa, amebíase,colite pseudomembranosa). Radiograficamente, éimportante enfocar não só o grau de dilataçãocolônica (principalmente do colo transverso e as-cendente), como também a presença ou não depneumoperitônio.

A segunda causa mais comum de obstrução dointestino grosso é a torção ou volvo, responsável porcerca de 12% dos casos. Cerca de 60% a 75% dosvôlvulos colônicos envolvem o colo sigmóide, 4%, ocolo transverso e 2% a 3%, o ceco. A radiografia sim-ples é diagnóstica na maioria (75%) dos casos devolvos do sigmóide: a alça dilatada preenchida porgás pode assumir a configuração típica de um grãode café gigante ou “U” invertido, sem haustrações,que se estende até a porção superior do abdome(Fig. 8.9). A persistência dessa condição pode sugerira possibilidade de obstrução em alça fechada comcomprometimento vascular, caracterizada pela ra-diografia por espessamento da parede da alça, es-vaecimento das plicas circulares e preenchimento dosegmento obstruído por fluido, formando uma den-sidade arredondada de partes moles em contatocom a gordura intra-abdominal. No volvo de colotransverso, a radiografia simples mostra a ima-gem de “grão de café” no hemi-abdome superior(Fig. 8.10A e B). Um enema com bário pode con-firmar o diagnóstico (Fig. 8.10C). O termo vol-

Fig. 8.8 — Radiografia do abdome em antero-posterior obtida durante a realização de enemabaritado com simples contraste, do mesmo do-ente da Fig. 8.9, mostrando a clássica imagemde “maçã mordida” do carcinoma anular este-nosante do sigmóide.

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vo do ceco refere-se a uma rotação do ceco no seueixo axial, com uma dobra do colo direito, fazen-do com que o ceco localize-se no mesogástrio ouquadrante superior esquerdo. A radiografia simplesé diagnóstica em 75% dos casos de volvo cecal,evidenciando uma alça de ceco dilatada, preenchi-da por gás, em localização ectópica.

A terceira causa de obstrução do intestino gros-so é a diverticulite, responsável por cerca de 10%dos casos. O melhor exame nesses casos é a tomo-grafia computadorizada, pois, além de confirmar odiagnóstico, fornece informações a respeito daspossíveis complicações, como obstrução e coleçõespericolônicas.

RADIOGRAFIA CONTRASTADA DO

ABDOME

O trânsito intestinal com bário ou iodo e o ene-ma opaco são exames contrastados que podem serutilizados na investigação diagnóstica do AAO.

Quando planejamos utilizar estudos contrastadoscom bário, devemos estar atentos para o provávelnível de obstrução (através de radiografias simplesdo abdome) e iniciar a investigação por um enemaopaco, caso a obstrução seja baixa, ou trânsito in-testinal, no caso de obstruções altas. O estudo combário é seguro nessas situações. No entanto, o cirur-gião pode não querer alças dilatadas preenchidascom bário se tiver que realizar uma laparotomialogo em seguida ao exame radiológico. O trânsitointestinal está contra-indicado no AAO quandoexiste suspeita de perfuração intestinal, estrangula-mento e sofrimento de alça, obstrução mecânica delonga evolução ou íleo adinâmico. Nessas situações,e de uma maneira geral, os exames contrastadospodem e devem ser substituídos por estudos tomo-gráficos (TC), quando disponíveis. Apesar de oscustos dos exames contrastados serem inferiores aosda TC, esse método apresenta maior eficácia e ra-pidez no diagnóstico do AAO e na definição da suacausa, tendo sido utilizado como principal alterna-tiva complementar a radiografia simples do abdo-me nesse grupo de pacientes.

Fig. 8.9 — Volvo do sigmóide.Radiografia do abdome em an-teroposterior, decúbito dorsal,em doente com quadro clínicode oclusões intestinais recidivan-tes. Observa-se dilatação docolo sigmóide (seta branca)com aspecto de “grão de café”.A ponta de seta branca apontaas paredes da alça de flexão.Proximalmente ao volvo, o coloapresenta-se distendido (setanegra).

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Fig. 8.10 — Volvo do colo transver-so. A. Radiografia do abdome emanteroposterior, decúbito dorsal. Ob-serva-se a clássica imagem do “grãode café” no epigástrio, que significaalça do intestino grosso torcida sobresi mesma. A alça torcida está disten-dida (setas brancas), se mostradas asparedes da alça de flexão (ponta deseta branca). B. Radiografia do ab-dome em perfil, ortostática. Observa-se acentuada elevação das cúpulasdiafragmáticas (setas negras). A alçade transverso torcida está muito dis-tendida (seta branca). C. Enema ba-ritado no volvo do colo transverso. Ocontraste preenche o reto (R) e ocolo transverso (CTr), com aspectonormal. O ponto de torção está as-sinalado pela seta branca. Umapequena quantidade de contraste ul-trapassa a torção (ponta de setabranca).

A B

C

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No trânsito intestinal, é possível identificar al-ças intestinais dilatadas, com diluição e lentidão daprogressão do meio de contraste, mudança abruptade calibre e espessamento do relevo mucoso. Radio-grafias seriadas são realizadas no sentido de se al-cançar o ponto de obstrução que pode ser alcança-do somente após algumas horas de exame. A iden-tificação desse ponto é crucial para definir não so-mente o nível da obstrução mas também a suacausa, a partir da análise dos contornos da alçaintestinal ocluída. Nos casos de brida ou aderência,como causa da obstrução os contornos da extremi-dade da alça são regulares, afilando-se progressiva-mente. Na obstrução de causa neoplásica, nota-seirregularidade e assimetria dos contornos, com efei-to de massa.

Na suspeita de obstrução colônica, o enemaopaco permite não somente identificar rapidamentee com precisão o ponto de obstrução como tambémdiferenciar as três principais causas de oclusão bai-xa. Em pacientes portadores de câncer colorretal,é possível identificar lesão estenosante, de inícioabrupto e eventualmente com o típico aspecto em“mordida de maçã”. A diverticulite aguda, por suavez, caracteriza-se por segmento espástico, comespessamento regular de mucosa e presença de di-vertículos. Finalmente, o vôlvulo de sigmóide é fa-cilmente diagnosticado pela rotação da alça sobreo seu eixo.

O trânsito intestinal com duplo contraste (ouenteróclise) tem sido muito pouco utilizado em nos-so meio. Mesmo em países onde esse método diag-nóstico é mais difundido, tem sido substituído pelaTC na avaliação de pacientes com suspeita de AAO.A enteróclise apresenta as mesmas contra-indica-ções do trânsito intestinal convencional, com oagravante de ser mais incômoda para o paciente,pela necessidade de intubação gastrointestinal e porrequerer material específico e pessoal treinado, nemsempre disponíveis.

ULTRA-SONOGRAFIA

A ultra-sonografia tem sido utilizada na avalia-ção de pacientes com AAO, geralmente combinadaao exame radiológico simples, com o intuito de dis-tinguir um íleo paralítico de um quadro obstrutivo.Nesses pacientes, a US permite identificar alçasintestinais distendidas, com níveis de líquido e au-mento do peristaltismo. A US é também útil paradistinguir alças dilatadas de intestino delgado de

intestino grosso, através da identificação das vál-vulas coniventes. Uma das principais vantagens daultra-sonografia é a demonstração da presença ounão de peristalse em alças preenchidas por líquidoe avaliação da espessura da sua parede. A combi-nação de peristalse, distensão com conteúdo líquidoe espessamento da parede sugere o diagnóstico deinfarto da parede intestinal.

TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA

A TC tem sido cada vez mais utilizada na ava-liação de pacientes com suspeita de abdome agu-do e particularmente de AAO. As principais razõespelo crescente interesse desse método no AAO são:a) na TC, não há necessidade de administração demeio de contraste intraluminal, pois o fluido retidoserve com agente de contraste (observar Fig. 8.3A,B e C), os pacientes obstruídos têm muita dificul-dade em ingerir quantidade suficiente de contras-te e freqüentemente vomitam; b) a qualidade diag-nóstica do exame independe da propulsão do con-teúdo pela peristalse do intestino delgado, muitasvezes diminuída ou ausente, fato esse que reduzconsideravelmente o tempo de exame, quandocomparado ao trânsito intestinal; c) não é adminis-trado bário, portanto o exame pode ser realizadocom segurança mesmo na suspeita de perfuração eimediatamente antes de intervenções cirúrgicas; d)a TC permite uma avaliação panorâmica de todaa cavidade abdominal e diagnósticos alternativos e;e) a TC é o melhor método para o diagnóstico deestrangulamento de alça intestinal, fornecendo in-formações a respeito da perfusão da parede da alçae de sua vitalidade, através do uso endovenoso decontraste.

Os principais sinais tomográficos de obstruçãointestinal são a distensão de alças de delgado (aci-ma de 2,5 a 3cm de diâmetro), presença de níveislíquido e desproporção do calibre da alça, se iden-tificados segmentos de fino calibre. Dessa forma, épossível estabelecer o nível da obstrução e sua cau-sa. A eficácia da TC no diagnóstico de AAO de grauvariado oscila entre 75 e 95%, com melhores resul-tados nas oclusões completas. A TC é também útilna diferenciação de oclusão mecânica e íleo adinâ-mico. Nesse último caso, é possível identificar dila-tação global de alças intestinais, sem desproporçãode calibre ou pontos de obstrução.

As hérnias internas (paraduodenal e mesentéri-ca) são causas incomuns de obstrução intestinal e

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são raramente suspeitadas pela radiografia simples.Elas geralmente ocorrem em pacientes com márotação do intestino delgado e colo em situaçãousual. Os sinais tomográficos são os de má rotaçãodo intestino delgado (caracterizada pela ausênciada porção horizontal do duodeno e posicionamen-to anormal da veia mesentérica superior, em situa-ção ventral e à esquerda da artéria mesentéricasuperior), agrupamento de alças de delgado nomesogástrio, uma espiral de vasos jejunais ao redore à direita da artéria e veia mesentérica superior,na direção do jejuno encapsulado na região para-duodenal direita. A tomografia também podemostrar o encapsulamento do jejuno atrás do pân-creas ou entre o pâncreas e o estômago.

As hérnias externas, como as inguinais ou incisio-nais, são diagnosticadas através da TC, pela identi-ficação de alças intestinais encarceradas no canalinguinal ou parede abdominal, com distensão de al-

ças intestinais a montante. Acompanhando o seutrajeto, é possível diferenciar alças de delgado e colo.

De maneira semelhante, a obstrução intestinalde origem tumoral é caracterizada pela identifica-ção de massa geralmente com densidade de partesmoles, envolvendo um determinado segmento in-testinal e levando à dilatação de alças proximais.

Na ausência de sinais de processo expansivoinfiltrando alças intestinais ou evidências de hérniasna TC, deve-se considerar por exclusão bridas ouaderências como causas da obstrução intestinal.

Finalmente, a TC com contraste endovenosopermite diagnosticar isquemia e sofrimento de alçaatravés de sinais tomográficos como a hipoperfusãoou realce persistente da parede intestinal, pneuma-tose intestinal, espessamento segmentar parietal egás no sistema porta (sinal do aeroportograma,também identificado à radiografia simples). Nessesentido, a TC é o método diagnóstico mais eficaz.

CLÍNICAGaspar de Jesus Lopes FilhoJosé Roberto Ferraro

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

As dificuldades do diagnóstico diferencial entreoutros processos abdominais agudos e a obstruçãointestinal só ocorrem quando o paciente é visto tar-diamente, já instalada uma complicação. Nessafase, a dor é contínua, como na úlcera péptica per-furada, na apendicite aguda ou na pancreatiteaguda, não se ouve peristaltismo e há defesa mus-cular e sinais de peritonite, como nessas entidades.Uma anamnese bem feita é a chave do diagnósti-co diferencial.

É oportuno lembrar a pseudo-obstrução do in-testino, que se caracteriza por ser uma doença queapresenta manifestações de obstrução intestinalsem lesão orgânica. Todo o trato gastrointestinalpode ser comprometido, porém é muito freqüenteque haja predomínio em segmentos de intestinodelgado. Uma forma aguda de pseudo-obstruçãomuito conhecida compromete o colo, sendo deno-minada síndrome de Ogilvie. Na pseudo-obstruçãodo intestino delgado, os sintomas podem ser inter-mitentes, durando anos. Os sintomas mais comuns

são vômitos, dor abdominal e distensão abdomi-nal. A pseudo-obstrução pode ser causada por mi-opatia visceral hereditária. Outras condições, nãoraro associadas à obstrução intestinal, porém semuma ação causal definida, são o diabete melito, ohipotireoidismo, o feocromocitoma, o hipoparati-reoidismo, a dermatomiosite, o lúpus eritematoso,a distrofia miotônica, a doença de Parkinson, a es-clerose múltipla e a amiloidose.

TRATAMENTO

CLÍNICO

Na fase inicial do tratamento da obstrução intes-tinal, de maneira geral, a abordagem clínica se apli-ca a todos os doentes. Uma vez firmado o diagnós-tico, deve ser tomada a decisão de operar imediata-mente ou continuar sob tratamento clínico.

Em alguns doentes, portadores de obstruçãomecânica parcial, o tratamento clínico apresentaalto índice de sucesso e não possui morbidade sig-

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nificativa. Exemplos dessas situações são os doen-tes portadores de aderências, doentes em períodopós-operatório imediato, doentes portadores dedoença intestinal inflamatória, enterite por irradia-ção ou diverticulite, doentes com neoplasias avan-çadas com carcinomatose peritoneal e crianças combolo da áscaris, entre outros.

O tratamento clínico inicia-se com a descom-pressão gástrica, pela passagem de sonda nasogás-trica, hidratação parenteral, correção de distúrbioseletrolíticos, eventualmente presentes, e analgesia.A nutrição parenteral pode ser iniciada, caso seacredite que o doente não possa receber dieta en-teral ou oral pelo menos nos cinco dias seguintes.Admite-se que, quando indicado adequadamente,o tratamento clínico pode obter sucesso em cercade 90% dos casos de obstrução parcial. Quando odoente tem antecedentes de cirurgias abdominaisprévias e suspeita-se de obstrução por aderências,o conhecimento do tipo de cirurgia realizada podeauxiliar na conduta, pois se admite que a possibi-lidade de sucesso com o tratamento clínico é me-nor nas obstruções conseqüentes a alguns tipos deprocedimentos, como as cirurgias da aorta abdomi-nal, cirurgias de anexos pélvicos, de apendicite epara tratamento de obstrução por neoplasias. Nes-ses doentes, deve-se considerar a possibilidade detratamento cirúrgico precoce. A ausência de melho-ra clínica nas primeiras 12 horas é sugestiva de in-sucesso do tratamento clínico e, depois de 48 ho-ras de tratamento clínico sem resolução do quadro,as chances de resolução sem cirurgia diminuem e oíndice de complicações aumenta consideravelmen-te. Assim, em princípio, não havendo melhora, ouhavendo piora nas 12 horas iniciais de tratamentoclínico, deve-se considerar a conveniência de indi-car o tratamento cirúrgico.

É geralmente difícil estabelecer o diagnósticodiferencial entre íleo paralítico e obstrução intesti-nal no pós-operatório precoce de cirurgias abdomi-nais, pois os sintomas em ambos os casos são muitosemelhantes. A radiografia simples do abdome podecontribuir para o diagnóstico, mas raramente os si-nais radiológicos são conclusivos. O estudo do trân-sito intestinal com contraste baritado é útil para adiferenciação entre a obstrução mecânica e o íleo,mas apresenta falhas em até 30% dos casos. A efi-cácia da ultra-sonografia do abdome nesses casosainda não está determinada. A grande maioria (até90%) das obstruções mecânicas no pós-operatórioprecoce é causada por aderências, e as principaisindicações para a cirurgia nesses doentes são a

piora do estado clínico e dos sintomas de obstruçãoe a não-resolução do quadro após duas semanas detratamento clínico.

CIRÚRGICO

Excetuando-se os casos de doentes terminais eos que apresentam carcinomatose peritoneal, todosos doentes com diagnóstico de obstrução intestinalmecânica completa devem ser operados em condi-ção de urgência. Outra indicação para a cirurgia deurgência é o insucesso do tratamento clínico por24 a 48 horas. O doente deve ser sempre avalia-do e, quando necessário, reanimado adequada-mente para suportar a cirurgia. Deve-se ter emvista, entretanto, que a demora em realizar o tra-tamento cirúrgico está relacionada a aumento im-portante da morbidade, da mortalidade e do cus-to de tratamento.

O tratamento cirúrgico inicialmente consiste emlaparotomia exploradora. Após a revisão da cavida-de, com a finalidade de diminuir a distensão abdo-minal, os líquidos acumulados na luz das alças de-vem ser ordenhados para o estômago e aspiradosatravés da sonda nasogástrica. Essa manobra temo intuito de facilitar a abordagem da causa da obs-trução e de evitar as lesões acidentais das alças quese apresentam, muitas vezes, bastante dilatadas.

Dependendo da lesão, podem ser realizadasenterotomias e colostomias proximais à obstrução.Derivações internas, tais como gastroenterostomiase ileotransversostomias ou ressecções intestinais,também podem ser efetuadas para a remoção dacausa da obstrução. Outras manobras cirúrgicaspodem ser efetuadas, tais como lise de aderências,correções de hérnias complicadas ou de intussus-cepções intestinais.

Às vezes, durante o ato operatório, ocorrem dú-vidas sobre a viabilidade de uma alça. Existem al-gumas maneiras de avaliar essa viabilidade, taiscomo o uso de fluoresceína, da transiluminação, doazul de metileno ou do Doppler intra-operatório.Na prática, nem sempre se dispõe desses recursos e,nessas situações, pode-se tentar melhorar a viabi-lidade de uma alça por meio da injeção de novo-caína ou de papaverina na raiz do mesentério. Sepersistir a dúvida, é preferível optar pela ressecçãointestinal.

Nas obstruções intestinais por bridas, caso sefaça a incisão cirúrgica na parede abdominal sobrea cicatriz da incisão antiga, aconselha-se o acesso

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à cavidade peritoneal, em local fora da cicatriz delaparotomia prévia, bem como a liberação caute-losa das alças intestinais e a análise crítica da in-dicação da ressecção de segmentos longos de intes-tino, diante do risco de possíveis ressecções em fu-turas recidivas da obstrução intestinal.

É reconhecida a tendência apresentada por al-guns doentes à formação repetida de aderências,sempre que submetidos à laparotomia. No passa-do, alguns autores descreveram técnicas que ti-nham como objetivo evitar a formação de novasaderências. Dentre essas técnicas podem ser citadasa de Noble e a de Child-Philips. A técnica de No-ble consiste na fixação das alças umas às outras,por sutura seromuscular que as mantém em posi-ção paralela entre si. A técnica de Child-Philipsconsiste também em manter as alças paralelas en-tre si, porém por meio de pontos em “U” transfi-xantes do mesentério das alças. Outra opção des-crita é a colocação de tubo longo intraluminar, fi-xado com um balão insuflado no ceco, e exteriori-zado, como se faz na jejunostomia, no delgado pro-ximal e na pele. Essas técnicas possuem valor his-tórico, mas não apresentaram bons resultados e,por esse motivo, não têm sido muito utilizadas.

Em relação às hérnias complicadas, em princí-pio, recomenda-se usar a via de acesso usual paraa herniorrafia correspondente, mesmo para os ca-sos em que seja necessária a ressecção de alça, re-correndo-se à laparotomia caso a incisão inicial semostre inadequada. Quando se realiza já de inícioa laparotomia, é preferível fazer a herniorrafia poringuinotomia (nas hérnias inguinais), evitando-se osimples fechamento do saco herniário pela incisãode laparotomia.

Nos casos de bolos de áscaris, a indicação delaparotomia pressupõe o insucesso do tratamentoclínico e/ou presença de risco de sofrimento de alça.Se a alça é viável, deve-se tentar malaxar os ver-mes para o ceco, dispensando-se a enterotomia. Sea malaxação é impossível ou se há sofrimento dealça, deve-se malaxar os vermes para o interiordesta e ressecá-la. A simples enterotomia e remo-ção dos vermes podem ser feitas em infestações li-mitadas sem sofrimento de alça. A reconstituiçãodo trânsito é feita por sutura ou anastomose primá-ria. Deve-se associar sempre o tratamento a umvermífugo.

Em relação à intussuscepção intestinal, durantea realização do enema baritado, o radiologista ex-periente poderá obter, sob visão direta, a reduçãode pequenas invaginações ileocólicas. Uma alça

necrosada poderá não dar sintomas típicos, por es-tar contida no interior de uma alça íntegra. Na ci-rurgia, deve-se optar pela ressecção imediata senão houver evidências de necrose; caso contrário,tenta-se apenas a desinvaginação, tracionando-sedelicadamente a alça invaginada e, simultanea-mente, comprimindo a cabeça de invaginação; ha-vendo insucesso, deve-se proceder à ressecção.

Havendo suspeita do diagnóstico de íleo biliar,deve-se fazer a investigação apropriada da via bi-liar pré-operatoriamente e prever a utilização deexame radiológico da via biliar durante a cirurgia.Na cirurgia, uma vez localizado, o cálculo é remo-vido por enterotomia, feita preferencialmente emalça menos comprometida pelo edema e/ou dilata-ção. Geralmente, o cálculo é oriundo da vesícula,sendo freqüente a presença de uma fístula colecis-toentérica. Nesses casos, existe uma controvérsia arespeito da realização do tratamento da doençabiliar nesse mesmo ato operatório. A maioria dosautores recomenda a realização do tratamento si-multâneo da doença biliar quando, após o trata-mento da obstrução intestinal, o paciente apresentaboas condições clínicas e a equipe cirúrgico-anes-tésica considera que não haverá acréscimo de ris-co operatório.

ELEMENTOS DE PROGNÓSTICOS

Com os recursos atuais de tratamento, a mor-talidade dos doentes portadores de obstrução in-testinal é menor do que 10%. As seqüelas mais im-portantes que merecem consideração são a ocor-rência de obstruções intestinais repetidas no mes-mo doente e a síndrome do intestino curto.

A síndrome do intestino curto pode ser uma se-qüela muito grave do tratamento da obstrução in-testinal. O intestino pode ficar curto, devido a res-secções intestinais repetidas em várias cirurgias rea-lizadas para o tratamento da obstrução de repeti-ção ou pode ser resultado de uma ressecção única,porém extensa. Seja qual for a causa, o doenteapresenta grande dificuldade de absorção intesti-nal, podendo desenvolver desnutrição importanteacompanhada de diarréia crônica ou de evacuaçõesfreqüentes.

A obstrução de repetição que exige reopera-ções freqüentes, em geral, ocorre por aderências.Nesses doentes, talvez a insistência no tratamen-to clínico diminuísse a necessidade de reopera-ções, que costumam ser progressivamente mais

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difíceis e podem provocar lesões intestinais duran-te a dissecção. Estas lesões podem exigir ressec-ções ou suturas, aumentando as taxas de morbi-dade e de mortalidade.

O ponto crucial do tratamento da obstruçãointestinal é a realização do diagnóstico preciso eprecoce, através da utilização de recursos simples,como a anamnese, o exame físico e a radiografiasimples de abdome, deixando-se os recursos maissofisticados, tais como a tomografia computadori-zada e o trânsito intestinal, apenas para os casosmais complexos e em que persiste a dúvida quan-to à presença ou não da obstrução. Uma vez feitoo diagnóstico de obstrução, deve-se tentar classifi-car adequadamente o tipo de obstrução, para queo melhor tratamento possa ser indicado pronta-mente. Nos casos em que existe indicação de cirur-gia por insucesso do tratamento clínico, a operaçãodeve ser realizada tão logo quanto possível. Para arealização da intervenção cirúrgica, o doente deveser adequadamente preparado com hidratação ereposição das perdas eletrolíticas, a fim de que elesuporte a anestesia e a operação. A profilaxia an-timicrobiana está sempre indicada e deverá sercontinuada ou não na dependência dos achados noperíodo intra-operatório. Todo segmento de intes-tino inviável deve ser ressecado e, de preferência,deve-se tentar restabelecer de imediato o trânsitointestinal. Não sendo possível o restabelecimento dotrânsito, pode-se lançar mão da exteriorização dointestino.

Finalmente, é importante que se entenda queos quadros abdominais, muitas vezes, não seapresentam de forma característica, o que fazcom que o diagnóstico seja mais difícil de ser feitoe, portanto, freqüentemente, o tratamento deveser retardado.

Algumas mensagens finais, verdadeiros aforis-mos dos quadros abdominais agudos, merecem serlembradas:1. Atende melhor um abdome agudo aquele que

mais vezes atendeu.2. Não devemos medicar nenhum paciente com

dor abdominal que ainda não esteja esclare-cida, sob pena de podermos estar contribuin-do para o atraso do diagnóstico, e, com isso,aumentando a morbidade e mortalidade dopaciente.

3. No atendimento à dor abdominal a esclarecer,devemos fazer uso de duas armas fundamen-

tais, mais importantes que qualquer examesubsidiário, que são:• A observação clínica e• O bom senso.

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INTRODUÇÃO

A hemorragia intra-abdominal espontânea érara. De acordo com alguns autores, estaria pre-sente em 2% dos pacientes adultos que procuramo departamento de emergência com dor abdomi-nal. Apesar de incomum, entretanto, pode ser fa-tal. Há relatos que assinalam taxas de mortalida-de de 40% nos pacientes não-operados e de 100%nos operados sem identificação do foco hemorrá-gico. O conhecimento prévio dos fatores de riscoe das possíveis etiologias, somado a um elevadograu de suspeita clínica, facilita a assistência mé-dico-hospitalar desses pacientes e melhora seuprognóstico.

As causas da hemorragia intra-abdominal sãonumerosas e incluem doenças as mais variadas,como o traumatismo abdominal, a ruptura deaneurisma da aorta ou de alguma artéria visceral,as neoplasias malignas de vísceras sólidas, os pro-cessos inflamatórios erosivos (pancreatite e pseu-docisto, por exemplo) e, nas mulheres, além des-sas mencionadas, as afecções ginecológicas e obs-tétricas.

Ao rever a literatura médica pertinente, obser-vamos que raramente há referência ao assunto soba denominação de “abdome agudo hemorrágico”.Freqüentemente, as hemorragias intra-abdominais

ABDOME AGUDO

HEMORRÁGICO

são relatadas em artigos referentes a doenças es-pecíficas, como, por exemplo, ao aneurisma rotoda aorta abdominal ou à prenhez ectópica rota.Há várias publicações abordando o tema com adenominação de hemorragia intra-abdominal ouhemoperitônio espontâneo, excluindo, dessa for-ma, o sangramento intra-abdominal decorrentede traumatismos abdominais. Apoplexia abdomi-nal também é uma denominação usada para des-crever essa condição. Apoplexia é uma palavra deorigem grega e refere-se à paralisia que ocorreapós a ruptura ou a obstrução de um vaso no cé-rebro. A natureza espontânea e catastrófica dessadoença induziu alguns autores a aplicar o termona hemorragia intra-abdominal espontânea, emanalogia à apoplexia cerebral. Barber, em 1909,descreveu o primeiro caso de hemoperitônio es-pontâneo associado a trabalho de parto. Cushman& Kilgore, em 1941, e Browne & Glasham, em1965, publicaram dois artigos de revisão relatan-do respectivamente 21 e 50 pacientes com hemo-peritônio espontâneo. Camerci e col., em 1998,revendo os casos publicados, no período entre1909 e 1998, relacionaram 110 pacientes relata-dos na literatura mundial.

Ksontini e col., em 2001, realizaram revisão dosartigos publicados entre 1990 e 2001, referentes aohemoperitônio espontâneo, excluindo os trabalhos

Capítulo 9

CLÍNICAEdivaldo M. UtiyamaDario Birolini

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que mencionavam como fontes de sangramento aslesões traumáticas e as afecções da aorta abdomi-nal. Nos 272 artigos coletados, em 71% a origemda hemorragia foi assim distribuída: fígado 26%,vasos abdominais, exceto aorta, 24% e ginecológi-cas 21%. Vinte e oito por cento incluíam doençasdo tubo digestivo, rim, músculo ileopsoas e pân-creas. Em 1%, o local do sangramento intra-abdo-minal não foi determinado.

Neste capítulo, o termo “abdome agudo he-morrágico espontâneo” (AAHE) será utilizado paradesignar o quadro decorrente de sangramento in-tra-abdominal espontâneo, independentemente desua etiologia, excluindo, entretanto, os sangramen-tos provocados por traumatismos abdominais, osque ocorrem no pós-operatório e os devidos a pro-cedimentos abdominais diagnósticos. Procuramosanalisar as afecções mais freqüentes capazes deprovocar AAHE, dando ênfase ao diagnóstico e àsorientações gerais a serem adotadas no cuidadoao paciente.

QUADRO CLÍNICO

O AAHE pode ser causado por várias doen-ças e, por esse motivo, nem sempre os dados clí-nicos nos permitem definir, com segurança, suaorigem. O sangramento intra-abdominal podeocorrer em qualquer idade, ainda que suceda,com maior freqüência, na quinta e sexta décadasde vida. A incidência é maior nos homens, naproporção de 2:1. A etiologia difere de acordocom o sexo e a idade. Enquanto no idoso a rup-tura de tumores, de veias varicosas e de aneuris-mas da aorta abdominal são as causas mais fre-qüentes, no jovem são comuns as rupturas deaneurismas das artérias viscerais e, nas mulhe-res, sangramentos de origem ginecológica e obs-tétrica. Por esse motivo, as informações a respei-to do ciclo menstrual auxiliam na formulação dahipótese diagnóstica.

A dor abdominal, principal sintoma cuja pre-sença, intensidade e localização dependem da cau-sa da hemorragia, manifesta-se isolada ou conco-mitante a evidências de hipovolemia e choque. Ascaracterísticas da dor abdominal no AAHE foramdescritas de forma pormenorizada por Cushman &Kilgore, em 1941. Nessa época, os métodos diag-nósticos laboratoriais e de imagem eram escassos,o que obrigava o médico a obter história e realizar

exame físico com técnica aprimorada. Os autoresrevisaram 21 pacientes com hemorragia intra-ab-dominal. Verificaram que, no início, a dor abdomi-nal podia ser leve, provocando apenas desconforto.Correlacionaram esse achado à presença de hemor-ragia confinada ao foco de sangramento ou ao iní-cio da expansão do hematoma, com distensão doperitônio visceral ou parietal, provocando o quadrodoloroso. Nesses casos, a dor costumava instalar-sesubitamente e permanecia inalterada ou aumenta-va gradativamente de intensidade. À medida quese tornava mais forte surgiam náuseas ou vômitos.Se a hemorragia cessasse, a dor podia até desapa-recer, retornando quando houvesse aumento do he-matoma por novo sangramento. Tal evolução foiobservada em 38% dos pacientes com AAHE. Jánas pacientes com sangramento contínuo e aumen-to do hematoma até a ruptura do peritônio, a dorera súbita, intensa, tornando-se difusa com o pas-sar do tempo, sendo acompanhada de taquicardiae hipotensão arterial. O intervalo entre a dor iniciale a ruptura do hematoma foi muito variável, des-de minutos até dias dependendo da velocidade eda quantidade do sangramento.

O quadro hemodinâmico do AAHE reflete aperda aguda de sangue. Em sua forma mais exu-berante, traduz-se pelo choque hemorrágico, de-finido pela perfusão tecidual deficiente. Entretan-to, os sinais e sintomas variam conforme o volu-me perdido e a velocidade da perda sangüínea eas condições físicas do paciente. No adulto, a per-da de até 750 mililitros (ml) de sangue, conside-rado choque classe I, não altera a pressão e nema freqüência cardíaca, ainda que, ocasionalmen-te, provoque hipotensão postural. No choque clas-se II, com perda de sangue entre 750ml e1.500ml, o doente apresenta taquicardia acima de100 batimentos por minuto, mas a pressão arte-rial mantém-se normal. Sangramento entre1.500ml e 2.000ml provoca hipotensão arterial eaumento da freqüência cardíaca, característicasdo choque classe III, e caracteriza instabilidadehemodinâmica. No choque classe IV, o volume desangramento é acima de 2.000ml e a situação éde extrema gravidade. A presença de instabilidadehemodinâmica pode implicar risco de vida e énecessário o controle cirúrgico imediato da hemor-ragia para prevenir maiores perdas sangüíneas(American College of Surgeons, 1997).

Os sinais e sintomas decorrentes de hemorragiaintra-abdominal são incaracterísticos e podem pas-

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sar despercebidos quando o sangramento é lento ouresulta na perda de menos de 15% da volemia.Quando presentes, no início, são causados, emgrande parte, pela liberação de catecolaminas erefletem a atuação dos mecanismos fisiológicos decompensação. Ocorre a contração dos vasos cutâ-neos e das extremidades. A pele torna-se pálida,fria e úmida e há retardo do enchimento capilar. Opulso torna-se mais fino, a freqüência respiratóriaaumenta e a inspiração se aprofunda. Quando osangramento persiste, as manifestações clínicas fi-cam progressivamente mais evidentes. Hipotensãoarterial, intensa taquicardia, redução da amplitu-de do pulso periférico, palidez, taquipnéia, reduçãodo débito urinário e agitação são achados caracte-rísticos dessa condição.

Na hemorragia intra-abdominal, súbita, maci-ça e contínua, o paciente apresenta-se letárgico oucomatoso, com pele pálida e lívida, de aspecto cé-reo. O pulso é rápido, fino, às vezes só perceptívelao nível das artérias femorais ou carótidas. A res-piração se apresenta superficial, irregular, às vezesmesmo entrecortada, indicando grave deterioraçãodo estado neurológico. A pressão arterial é inaudí-vel. Nessa situação, as medidas de reanimação têmprioridade com relação aos procedimentos diagnós-ticos e a intervenção cirúrgica de urgência se faznecessária para interromper imediatamente o san-gramento.

No exame físico do abdome, deve-se buscar si-nais de irritação peritoneal, assim como a presen-ça de visceromegalias, de massas palpáveis pulsá-teis ou não, de sopros tanto na face anterior doabdome como no dorso. Equimoses na cicatrizumbilical, sinal de Cullen, descrito na gravidez ec-tópica ou na região dos flancos, sinal de Gray-Tur-ney, descrito na pancreatite aguda, sugerem he-morragia intraperitoneal e retroperitoneal, respec-tivamente. A obtenção pormenorizada da história edo exame físico permite suspeitar da presença doAAHE e de sua possível etiologia, orientando osprocedimentos de reanimação e as etapas diagnós-ticas e terapêuticas ulteriores.

FATORES DE RISCO

ARTERIOSCLEOSE E HIPERTENSÃO

ARTERIAL

A presença de doenças associadas é fato co-mum nos doentes com AAHE. Acima de 50 anos,

a arteriosclerose e a hipertensão arterial são asmais freqüentes. Entretanto, a participação daarteriosclerose, como fator predisponente à dila-tação arterial ou ao sangramento, é muito ques-tionada. Sanderson e col., em 1988, por exemplo,apresentam argumentos que invalidam a partici-pação da arteriosclerose como fator predisponen-te. Demonstram a inexistência de arteriosclerose,ao exame anatomopatológico, em casos de san-gramento oriundo de artérias viscerais. Lembramainda que, se a arteriosclerose fosse um fator derisco de sangramento, a incidência de AAHE, aci-ma dos 60 anos, seria maior.

Atualmente, os mecanismos mais aceitos paraexplicar a dilatação e a ruptura arterial são as al-terações estruturais do tecido conjuntivo e/ou osdistúrbios do metabolismo da matriz extracelular.As síndromes de Marfan e de Ehlers-Danlos, porexemplo, hereditárias do tecido conjuntivo, pre-dispõem à formação de aneurismas e são associa-das, em alguns relatos, ao AAHE, corroborando oatual conceito da etiopatogenia das dilatações ar-teriais.

O lúpus eritematoso disseminado e a poliarte-rite nodosa, doenças do colágeno, predispõem àformação de aneurismas arteriais viscerais. As com-plicações mais comuns são a dissecção e a trombosearterial, mas a ruptura com hemorragia intra-ab-dominal é também relatada nessas doenças do co-lágeno. Hashimoto e col., em 1986, sugerem que aformação do aneurisma na doença lúpica se deve-ria primariamente à necrose fibrinóide com destrui-ção da camada muscular e das fibras elásticas,processo que predomina sobre a hipertrofia endo-telial. Processo semelhante ocorreria na poliarteri-te nodosa.

Supõe-se que a hipertensão arterial possa serum fator predisponente ao sangramento por causardegeneração e fibrose da parede dos vasos visce-rais, provocando dilatações e, até, sua ruptura.

COAGULOPATIAS

Pacientes portadores de doenças com déficitsde coagulação, mais freqüentemente mulheres emidade fértil, são suscetíveis ao sangramento intra-abdominal espontâneo. Relatos de casos são en-contrados na literatura mencionando hemorragiaintra-abdominal associada a doenças mieloproli-ferativas, à doença de Von Willebrand, à afibrino-

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genemia congênita, à insuficiência hepática e àtrombocitopenia.

Nas doenças mieloproliferativas com tromboci-tose, as complicações hemorrágicas são comuns,mas imprevisíveis. Embora vários defeitos qualita-tivos das plaquetas sejam descritos nessas doenças,tais como alterações morfológicas e de membrana,agregação anormal, atividade de coagulação redu-zida, ligação defeituosa da trombina e defeitos nometabolismo do ácido araquidônico, não parecehaver relação consistente entre essas anormalidadese as manifestações hemorrágicas nos pacientes comdoenças mieloproliferativas.

A afibrinogenemia congênita é uma doença ge-nética autossômica recessiva, diagnosticada quan-do os níveis de fibrinogênio não são detectáveis ouinferiores a 25 miligramas por decilitro (mg/dl).Hemorragias espontâneas surgem com dosagem defibrinogênio menor de 50mg/dl.

Mulheres na idade reprodutiva, com coagulo-patias, estão expostas mensalmente ao risco de he-moperitônio espontâneo. Nesse grupo, a maneirade evitar a hemorragia intra-abdominal provocadapela ruptura do corpo lúteo é impedindo a ovula-ção através da administração de anticoncepcionaloral. Uma vez instalada a hemorragia, é necessá-ria a reposição do fator de coagulação específico,de crioprecipitado ou de plasma fresco congelado.

ANTICOAGULANTES

O uso de medicamentos que alteram a coagu-lação é usual. Entre eles incluem-se os antiinflama-tórios não-hormonais, os anticoagulantes orais e aheparina de baixo peso molecular ou não. Os an-ticoagulantes são usados no tratamento e na pre-venção de doenças cardiovasculares e a complica-ção mais freqüente de seu uso é o sangramento. Naliteratura médica, há vários relatos de casos de he-morragia intra-abdominal relacionados ao uso deheparina, de enoxaparina, de anticoagulantes orais,de acetaminofen, de ibuprofen e de paracetamol.

Um episódio de dor abdominal aguda, em pa-cientes recebendo anticoagulante oral, pode repre-sentar um dilema diagnóstico e terapêutico. Feliz-mente, as complicações graves são pouco freqüen-tes, considerando a ampla utilização dos anticoagu-lantes. Quando ocorre, a intensidade do sangra-mento abdominal nesses pacientes é muito variável,desde perdas de volumes pequenos, sem repercus-sões sistêmicas, até situações catastróficas. O san-

gramento pode manifestar-se sob a forma de he-matoma do músculo reto do abdome, de hemorra-gia retroperitoneal e intraperitoneal, de pancreatitehemorrágica e de hematomas de parede intestinal.

Mulheres em idade fértil e que tomam anticoa-gulantes orais constituem um grupo de maior ris-co. A ovulação pode causar sérias complicações he-morrágicas que podem exigir a ooforectomia e aesterilização e, até, resultar em morte. Recomenda-se que essas pacientes utilizem anticoncepcionaispara evitar a ovulação.

Coon & Willis, em 1974, relataram incidênciade 6,8% de complicações hemorrágicas em 3.862pacientes em uso de anticoagulante oral. A hemor-ragia digestiva foi oito vezes mais comum do queo hematoma de retroperitônio, enquanto a hemor-ragia intraperitoneal foi de baixa incidência. Em2% houve a necessidade de transfusão de sangue.Relatam ainda que dois terços dos pacientes apre-sentavam atividade de protrombina menor do que20%. Entretanto, a complicação hemorrágica podeocorrer com atividade de protrombina maior. Aqueda da hemoglobina e do hematócrito reflete amagnitude da hemorragia. Palareti e col., em 1996,realizaram estudo coorte prospectivo, no qual ana-lisaram 2.745 pacientes que utilizaram anticoagu-lante oral. A incidência de sangramento foi de6,2%. Através de análise multivariada, verificaramque o risco de sangramento era maior nos pacien-tes com INR maior de 4,5, quando a indicação daanticoagulação era por doença arterial e durante osprimeiros 90 dias de tratamento.

Nos pacientes que apresentam algum fator derisco de sangramento é muito importante investi-gar cuidadosamente se houve algum traumatismoabdominal ou se foi realizado esforço físico exces-sivo. É comum o doente não se lembrar de taisocorrências, mas o médico deve considerar que umtrauma, ainda que de pequenas proporções, podedesencadear sangramento significativo na vigênciade distúrbios da coagulação.

EXAMES LABORATORIAIS

Os exames laboratoriais podem ser importan-tes para quantificar o sangramento e suas repercus-sões fisiológicas. Na maioria das vezes, auxiliam noreconhecimento de alguma condição predisponenteao sangramento. Poucos são os que permitem de-finir sua causa. Obviamente, os exames indicadosvariam, dependendo da causa provável de sangra-

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mento, da presença de doenças associadas e dagravidade do paciente.

Se a hemorragia for em quantidade considerá-vel e se houver tempo suficiente para que se insta-lem os mecanismos compensatórios desencadeadospela hipovolemia, os valores da hemoglobina e a dohematócrito estarão reduzidos. A leucocitose é usuale decorre da irritação peritoneal provocada pelahemoglobina e da própria resposta homeostática àhipovolemia. O número de leucócitos pode variar,dependendo do tempo de instalação do hemoperi-tônio. A contagem do número de plaquetas é obri-gatória. Na plaquetopenia, o sangramento surge apartir de contagens iguais ou inferiores a 20 milplaquetas.

O estudo global da coagulação é útil para odiagnóstico e orienta o tratamento. A atividade daprotrombina, a tromboplastina parcial ativada e atrombina são os mais utilizados. Em casos especí-ficos, como na hemofilia tipo III e na afibrinogene-mia congênita, deve-se quantificar especificamenteo fator VIII e o fibrinogênio, respectivamente.

O teste de gravidez é realizado quando a sus-peita for prenhez ectópica rota.

OUTROS MÉTODOSDIAGNÓSTICOS

PUNÇÃO ABDOMINAL, CULDOCENTESE

E LAVADO PERITONEAL DIAGNÓSTICO

(LPD)

A punção abdominal e a culdocentese, nos diasatuais, encontram-se quase em desuso. Podem serúteis nos doentes em colapso circulatório com sus-peita de hemoperitônio, quando o ultra-som nãoestá disponível ou deixa margens a dúvidas em suainterpretação. Em circunstâncias de exceção, quan-do o doente se encontra em condições precárias, odiagnóstico não está claro e não existem recursosdiagnósticos por imagem, o LPD pode ser de utili-dade no diagnóstico de hemorragia intraperitoneal.

VIDEOLAPAROSCOPIA

O interesse atual pela cirurgia minimamenteinvasiva tem estimulado a videolaparoscopia, tantodiagnóstica como terapêutica, nos quadros abdo-minais agudos. Entretanto, o desenvolvimento ex-plosivo dos métodos de imagem, tais como a ultra-

sonografia, a tomografia computadorizada e a res-sonância magnética, tem permitido o diagnósticona maioria dos casos, com a vantagem de não se-rem invasivos. A videolaparoscopia encontra suaindicação nos doentes com dor abdominal agudacuja indicação cirúrgica é duvidosa e nas afecçõescuja correção cirúrgica é viável por esse método deacesso. Na dúvida diagnóstica, a videolaparoscopiapode reduzir a realização de laparotomia desneces-sária de 19% para 0%.

Fahel e col., em 1999, avaliaram o emprego davideolaparoscopia no abdome agudo não-traumá-tico com finalidade diagnóstica ou terapêutica, em462 pacientes. Em 99,3% dos pacientes, o métodofoi útil no diagnóstico e em 92,8% deles foi possí-vel realizar o tratamento, incluindo 11% dos doen-tes com hemoperitônio. A laparotomia foi necessá-ria em somente 7,1%.

Nas doenças ginecológicas agudas, a videolapa-roscopia é capaz de confirmar o diagnóstico em82% dos casos com cisto de ovário e em 80% dasdoentes com hemorragia do corpo lúteo.

As contra-indicações do videolaparoscopia sãoinsuficiência respiratória grave, choque hipovolêmi-co, obesidade mórbida, múltiplas intervenções abdo-minais prévias e coagulopatias. Quando há indica-ção, os pacientes são preparados e avaliados no pré-operatório, com especial atenção para as condiçõeshemodinâmicas e para a existência de distúrbios decoagulação e de eventuais co-morbidades.

ABDOME AGUDO HEMORRÁGICOVASCULAR

RUPTURA DE ANEURISMA DE AORTA

ABDOMINAL

O aneurisma da aorta abdominal (AAA) ocor-re em 5% a 7% das pessoas acima de 60 anos deidade e predomina no sexo masculino. Acima de 67anos, o risco de morrer devido ao AAA é dez vezesmaior nos homens do que nas mulheres.

A real incidência da ruptura do AAA na popu-lação é desconhecida. Estudos epidemiológicos re-velam prevalência que varia de 6/100.000 a 13,9/100.000 habitantes. Entre os pacientes com diag-nóstico de AAA, a ruptura ocorre em 10% a 40%. Avariabilidade da incidência justifica-se pelo caráterregional, pela diferença na perspectiva de vida daspopulações e pela inclusão ou não do diagnóstico

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hospitalar e de autópsia. Esses estudos, entretanto,confirmam o crescimento da incidência, aumentocom a idade e predomínio nos homens. Além dis-so, cerca de dois terços dos AAA rotos não recebe-ram atendimento médico-hospitalar. Nos EstadosUnidos da América, a ruptura do AAA é a décimaterceira causa de óbito, e em 1993 ocorreram15.500 mortes devido a essa doença. A mortalida-de varia de 32 a 95%, dependendo da duração dossintomas, da presença de hipotensão arterial, daidade do paciente e da necessidade de reanimaçãocardiopulmonar.

No passado, a sífilis era a maior causa de AAA.Com o passar dos anos, as endocardites bacteria-nas, a sepse e as infecções intra-abdominais contí-guas à aorta predominaram. Atualmente, conside-ram-se fatores de risco no desenvolvimento do AAAo sexo masculino, a idade acima de 65 anos, a hi-pertensão arterial, o tabagismo, a doença pulmo-nar obstrutiva crônica, a arteriosclerose, a síndro-me de Marfan, a síndrome de Ehlers-Danlos e an-tecedente da doença na família.

Historicamente, a arteriosclerose foi considera-da uma das maiores responsáveis pela geração deAAA. Estudos recentes demonstram que pacientescom arteriosclerose avançada não desenvolvemaneurismas, mas apresentam doença vascular oclu-siva. A evolução desses pacientes também diferedaqueles portadores de AAA, pois a doença vascu-lar oclusiva ocorre mais precocemente e o resulta-do dos procedimentos terapêuticos é pior. Novosmecanismos etiopatôgenicos para AAA foram pro-postos. Postula-se que a doença esteja ligada à hi-peratividade das proteases do tecido conjuntivo, adefeitos da inibição da proteólise ou à instabilida-de das fibras elásticas.

Muitos pacientes com AAA são assintomáticos eo diagnóstico é suspeitado no exame físico pela pal-pação de massa pulsátil. Nesses pacientes, o ultra-som ou a tomografia computadorizada confirma odiagnóstico. Se o diâmetro do aneurisma for menorque quatro centímetros, repete-se o exame em seismeses. Nos aneurismas maiores que cinco centíme-tros, a correção está indicada e sua realização de-penderá das co-morbidades, assim como da qua-lidade e da expectativa de vida do paciente.

O AAA pode romper-se anteriormente sangran-do para a cavidade peritoneal ou posteriormenteprovocando sangramento retroperitoneal. Apenas12% dos pacientes com ruptura do aneurisma sa-bem ser portadores de AAA. Em 50% dos pacien-

tes, a manifestação clínica inicial limita-se a des-conforto ou dor abdominal mal caracterizada, e em36% a queixa é de dor nas costas. Os restantes14% apresentam-se com dor incaracterística. Ossintomas associados à dor são vários, predominan-do náuseas e vômitos. Ao exame físico, os achadosde massa pulsátil, distensão abdominal e dor à pal-pação são encontrados em menos da metade dospacientes. Quando ocorre ruptura, a hipotensão ar-terial está presente em 25% dos casos no atendi-mento inicial. Devido à diversidade dos sintomas esinais na manifestação inicial de ruptura, o diag-nóstico imediato e definitivo no primeiro atendi-mento é possível em apenas 23% dos pacientes.Em 61%, faz-se a suspeita e confirma-se o diag-nóstico com métodos de imagem (ultra-som ou to-mografia). Em 16% o diagnóstico inicial é equivo-cado. Considerando a evolução fatal do AAA rotonão-diagnosticado e o evidente aumento dos óbitoscom o retardo no tratamento definitivo, recomen-da-se que a hipótese diagnóstica de AAA roto sejalembrada em todo paciente acima de 55 anos comdor abdominal (Rose e col., 2001).

A conduta inicial é voltada para a estabiliza-ção hemodinâmica do paciente e a apresentaçãoclínica, particularmente o grau de instabilidadehemodinâmica, define a urgência necessária naavaliação radiológica e na indicação cirúrgica.Nos doentes instáveis hemodinamicamente, odiagnóstico da ruptura do AAA pode ser confirma-do pelo ultra-som na sala de emergência, exameque detecta tanto a presença do AAA como de lí-quido livre na cavidade peritoneal. No passado, aradiografia simples do abdome foi muito utiliza-da. A presença de calcificação “em casca de ovo”delineando o perfil do aneurisma e a ausência desinais radiológicos de abdome agudo de outra na-tureza, obstrutivo ou perfurativo, aliadas aos dadosclínicos, sugeriam o diagnóstico. Nos pacientes es-táveis hemodinamicamente, além do ultra-som, atomografia computadorizada helicoidal e a resso-nância magnética são métodos de grande utilida-de no diagnóstico. Assim, o ultra-som tem o papelprimordial de selecionar os pacientes para a to-mografia. Esta tem a vantagem de permitir mediro diâmetro e a extensão do AAA, além de identifi-car as demais estruturas do abdome. Embora aangiografia seja o exame-padrão para estudar aanatomia da aorta, não é o método de escolha naemergência, pois exige a punção arterial, a injeçãode contraste e, acima de tudo, o transporte do

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doente até o serviço de radiologia intervencionis-ta, expondo o paciente a mais complicações.

A mortalidade dos AAA rotos operados varia de40 a 70%. Se incluirmos as mortes que ocorremantes que seja possível oferecer ao doente o trata-mento hospitalar, atinge taxas superiores a 80%.Vários fatores contribuem para a elevada mortali-dade. Nos óbitos que ocorrem nas primeiras 48horas de pós-operatório, destacam-se o retardo notratamento cirúrgico e a hipotensão arterial comsuas conseqüências (o coma e a parada cardiorres-piratória). Após as 48 horas iniciais de pós-opera-tório, as doenças associadas são os principais fato-res que colaboram para a morte desses doentes.

Ao médico que atender o doente cabe iniciar aestabilização e, assim que suspeitar de AAA roto,solicitar imediata avaliação do cirurgião vascular,mesmo antes do resultado dos exames, indepen-dentemente da condição hemodinâmica do pacien-te. Weinstein e col., em 1999, realizaram estudo in-teressante sobre a repercussão do retardo no trata-mento do aneurisma roto da aorta abdominal in-fra-renal sobre a mortalidade. Analisaram três gru-pos de pacientes: grupo A, doentes admitidos comhipotensão (pressão sistólica <90mmHg), grupo B,doentes estáveis hemodinamicamente e grupo C,doentes admitidos estáveis mas que apresentaramhipotensão antes da intervenção cirúrgica. A mor-talidade foi de 33, 25 e 87,5%, respectivamente, eo intervalo entre a admissão e o procedimento ci-rúrgico foi de 57, 115 e 174 minutos, respectiva-mente. Concluíram que a estabilidade hemodinâ-mica inicial nos doentes com AAA roto faz com queo médico se sinta mais seguro e não avalie a realurgência do quadro, o que resulta no retardo dotratamento e reduz a probabilidade de salvá-los.

RUPTURA DE ANEURISMA DAS ARTÉRIAS

VISCERAIS ABDOMINAIS

A real incidência dos aneurismas das artériasviscerais é desconhecida. Estudos angiográficos eautópsias documentam a presença freqüente des-ses aneurismas sem manifestações clínicas ou com-plicações e comprovam sua evolução benigna emaproximadamente 90% dos pacientes. Portanto, aruptura da lesão aneurismática das artérias visce-rais é rara. Entretanto, quando o sangramentoocorre, se não for tratado adequadamente, pode serintenso e fatal em breve período de tempo. Em

mulheres grávidas ou na fase reprodutiva, os aneu-rismas incidentais, desde que maiores de três cen-tímetros de diâmetro, expansivos ou sintomáticos,são de tratamento cirúrgico.

A exteriorização clínica da ruptura dos aneuris-mas das artérias viscerais é muito variável. Naanálise de 153 pacientes, com diagnóstico compro-vado, a presença de dor abdominal mal definidaesteve presente em 68% dos pacientes. Em 67%, ainstalação foi súbita e seguida de choque hemorrá-gico. Náuseas e vômitos estiveram presentes em39%. Apenas em um paciente foi possível a palpa-ção de massa intra-abdominal. Ao reunir os paci-entes por idade, menos de 45 anos (43%) e de 45anos ou mais (57%), observou-se que no grupomais jovem predominou o sexo feminino (80%).Nesse grupo, a origem do sangramento foi a arté-ria esplênica em 94%, ocorrendo, na maioria dasvezes, durante a gravidez. Entre os homens do gru-po mais jovem, a artéria esplênica foi a responsá-vel pela hemorragia em apenas 23% dos casos. Nogrupo de 45 anos ou mais, 77% eram homens e23% mulheres. Em 66%, o sangramento localizou-se no tronco celíaco e em seus ramos, em 34% naartéria mesentérica superior ou inferior. Nesse gru-po, a ruptura da artéria esplênica ocorreu apenas em22% dos pacientes. Dos 153 pacientes, apenas 46%foram operados e a taxa de sobrevida foi de 30%.

RUPTURA DE ANEURISMA

DA ARTÉRIA ESPLÊNICA

É o aneurisma mais comum entre os vasos vis-cerais abdominais e corresponde a 60% de todos osaneurismas de artérias viscerais. É mais freqüentenas mulheres do que nos homens, na proporção de4/1. Sua incidência varia de 0,098% na populaçãoem geral a 10,4% em pessoas acima dos 60 anos.Não há unanimidade quanto à etiopatogenia doaneurisma da artéria esplênica, embora seja opor-tuno insistir em dois aspectos: sua freqüência glo-balmente maior, quando comparada à freqüênciade aneurismas de outras artérias viscerais, e suaelevada freqüência entre mulheres. A causa maiscomum do aneurisma da artéria esplênica é adegeneração da camada média, com fragmenta-ção das fibras elástica, adelgaçamento da camadamédia e ruptura da membrana elástica interna. In-variavelmente, esses aneurismas são saculares e,

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ao longo do tempo, a parede se calcifica. A hi-pertensão venosa portal (especialmente nostransplantados de fígado), a fibrodisplasia arte-rial e a gravidez são alguns fatores de risco en-volvidos no desenvolvimento e na ruptura dessesaneurismas. Na gravidez e no puerpério e, porconseguinte, nas multíparas, as dilatações arte-riais devem-se ao aumento do shunt arteriove-noso intra-esplênico, à degeneração da camadamédia da artéria e a mudanças fisiológicas pró-prias da gravidez. Na hipertensão portal, comesplenomegalia, o fluxo sangüíneo na artéria es-plênica aumenta, fato que pode propiciar suadilatação. A fibrodisplasia, decorrente de poliar-terite nodosa ou de doença do colágeno, predis-põe à formação do aneurisma devido a altera-ções na estrutura das fibras elásticas e colágenas,principalmente nos doentes com hipertensão arte-rial essencial.

É possível que o extravasamento de sangue apartir de um aneurisma da artéria esplênica seinicie lentamente antes de sua ruptura maciça.Nessa situação, a hemorragia limita-se, inicial-mente, à retrocavidade, ou escapa pelo forame deWinslow, escorrendo pela goteira parietocólica di-reita e produzindo dor na fossa ilíaca direita. Apósa hemorragia inicial, pode formar-se um coáguloque tampona a lesão e que pode romper-se paraa cavidade minutos ou semanas mais tarde. Dessaforma, a presença de dor abdominal na regiãodorsal e epigástrica, irradiada para o ombro, comsinais de irritação peritoneal, em mulheres grávi-das ou em fase fértil, pode ser evidência suficientepara levar o médico a suspeitar do diagnóstico. Apalpação de frêmito e de massa abdominal e aausculta de sopro sistólico durante o exame doabdome superior são achados raros. O saco aneu-rismático habitualmente é pequeno e sua identi-ficação no exame físico é pouco provável.

A radiografia simples pode ser útil para estabe-lecer o diagnóstico nos pacientes idosos, já que essesaneurismas tendem a apresentar um halo de calci-ficação que pode ser identificado à radiografia sim-ples. Embora a arteriografia continue sendo o exa-me-padrão para confirmar o diagnóstico, os méto-dos não-invasivos estão ocupando um espaço cadavez maior. Entre eles, no momento, destaca-se atomografia computadorizada com contraste intra-venoso.

O tratamento do paciente que é admitido nohospital com choque hipovolêmico em decorrên-cia de sangramento por ruptura do aneurisma é a

laparotomia exploradora imediata associada à re-posição agressiva da volemia com soluções crista-lóides e, quando necessário, com hemoderivados.Embora o diagnóstico possa ser suspeitado forte-mente pelas evidências clínicas e por examescomplementares já mencionados, não costumahaver tempo e condições para proceder a umaavaliação arteriográfica, razão pela qual geral-mente o diagnóstico é estabelecido na mesa deoperação, quando o local do sangramento é iden-tificado. Freqüentemente, o aneurisma da artériaesplênica localiza-se próximo ao hilo do baço, fatoque pode levar o cirurgião a interpretar o sangra-mento como devido a uma ruptura espontânea outraumática do baço.

Os aneurismas da artéria esplênica não se cons-tituem em desafios técnicos para seu tratamentocirúrgico. Quando o aneurisma se situa distalmente,nas proximidades do baço, o tratamento consistena ligadura proximal da artéria, seguida de esple-nectomia. A aneurismectomia com preservação dobaço pode ser adotada quando o aneurisma loca-liza-se no terço proximal da artéria esplênica. Oca-sionalmente, podem existir outros aneurismas asso-ciados na própria artéria esplênica ou em outrosramos do tronco celíaco, principalmente na artériagástrica esquerda ao longo da parede do estôma-go, razão pela qual é obrigatório proceder a umaexploração cuidadosa desses vasos.

O risco de ruptura de um aneurisma de arté-ria esplênica é estimado em cerca de 8%. A rupturaresulta em taxas elevadas de mortalidade. Porexemplo, quando associada à gravidez, a mortali-dade materna é de 65% e a fetal, de 95%. Fora dagravidez, a mortalidade chega a ser de 25%. Poresses motivos, uma vez diagnosticado, o aneurismada artéria esplênica deve ser tratado.

RUPTURA DE ANEURISMA

DA ARTÉRIA HEPÁTICA

O aneurisma da artéria hepática é o segundomais comum, é responsável por 20% dos aneuris-mas das artérias viscerais, ocorre em indivíduosacima de 60 anos e predomina no sexo masculino,na proporção de 2:1. Antes de 1960, a causa maisfreqüente era a de origem micótica, decorrente daembolia séptica. Atualmente, cerca de 38% ocor-rem em decorrência de arteriosclerose, 21%, de de-generação da camada média, 18%, de traumatis-mo e apenas 16% são de origem micótica.

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Habitualmente é assintomático. Ao romper-se,manifesta dor no quadrante superior direito ou noepigástrio e mimetiza a colecistite e a pancreatiteagudas. Dependendo da localização, o sangramentopode exteriorizar-se por hematêmese ou melena,por erosão dos ductos biliares ou do tubo digestivo.A ruptura intraperitoneal pode vir precedida dedores no hipocôndrio direito, denotando a expan-são aguda do aneurisma ou caracterizada por dorsúbita seguida de colapso circulatório.

Antes da ruptura, o diagnóstico pode ser sus-peitado ou feito através da tomografia computado-rizada e confirmado pela arteriografia. Após a rup-tura, quando existe instabilidade hemodinâmica, odiagnóstico é habitualmente feito durante a lapa-rotomia exploradora.

A ressecção, ou a obliteração, dos aneurismasda artéria hepática está indicada em todos os pa-cientes. Nos aneurismas proximais à artéria gastro-duodenal, recomenda-se a ligadura proximal e dis-tal e a ressecção. O fluxo arterial hepático é man-tido pela rica circulação colateral. Nas lesões maisdistais, tanto nas que acometem a artéria hepáti-ca própria como nas dos ramos extra-hepáticos,será considerada a revascularização para evitar anecrose hepática. A mortalidade relatada da ruptu-ra do aneurisma da artéria hepática é de 35%.

RUPTURA DE ANEURISMA DA ARTÉRIA

MESENTÉRICA SUPERIOR

O aneurisma da artéria mesentérica superior éo terceiro mais comum. É responsável por 10% dosaneurismas das artérias viscerais. Ocorre em indi-víduos abaixo de 50 anos e distribui-se igualmen-te entre os homens e as mulheres. Os fatores de ris-co são a endocardite, os traumatismos e a arterios-clerose. Cerca de 60% dos aneurismas da artériamesentérica superior ocorrem em conseqüência deendocardite bacteriana, sendo o estreptococo não-hemolítico o agente mais comumente isolado.

Os sintomas variam muito. Quando o aneuris-ma compromete a irrigação das alças intestinais,podem ocorrer cólicas abdominais após as refeições,sugestivas de claudicação intestinal. Quando háruptura, a dor é intensa, localizada no epigástrio oumesogástrio e acompanhada de náuseas. É comumque inicialmente ocorra tamponamento do sangra-mento pelo hematoma que se forma no mesentério.Esse hematoma pode ser palpável ao exame físico.Ao expandir-se, ele se rompe para a cavidade abdo-

minal. A dor, então, se difunde para todo abdome eos sinais de choque tornam-se mais evidentes.

Quando há evidências clínicas ou de imagemque sugiram o diagnóstico, e desde que as condi-ções do doente o permitam, o aneurisma pode serconfirmado pela arteriografia. Na ruptura, cominstabilidade hemodinâmica, o diagnóstico é feitodurante a laparotomia exploradora ao ser detecta-do hematoma na espessura do mesentério.

O tratamento dessas lesões é muito variável,dependendo da localização do aneurisma, da con-dição de irrigação e de vitalidade das alças intes-tinais e da condição clínica do doente.

AAH EM AFECÇÕES DOAPARELHO DIGESTIVO E DOBAÇO

RUPTURA ESPONTÂNEA DO FÍGADO

A ruptura espontânea do fígado é uma entida-de clínica rara e resulta em taxas de morbidade emortalidade muito elevadas. Em mais de 50% doscasos, deve-se a tumores benignos (hemangiomas,adenomas) ou malignos, e, entre esses, a tumoresprimários (carcinoma hepatocelular, angiossarco-ma) ou secundários. O cisto hidático também poderomper-se e resultar tanto em hemorragia como nadisseminação secundária da infecção. A amiloido-se hepática é outra causa de ruptura espontânea dofígado devido à fragilidade vascular, agravada pe-las alterações da coagulação que acompanham es-ses doentes. Complicações da gravidez comoeclâmpsia, esteatose hepática aguda e síndromeHELLP (hemólise, elevação das enzimas hepáticase plaquetopenia), assim como vasculites e doençasdo tecido conjuntivo (lúpus eritematoso sistêmico esíndrome de Ehlers-Danlos) são conhecidas comocausas da ruptura hepática.

Como mencionamos anteriormente, os tumoreshepáticos são as causas mais comuns da rupturaespontânea do fígado, sejam primários ou secundá-rios. Entre os tumores benignos destacam-se o ade-noma e a hiperplasia nodular focal, principalmentenas mulheres que usam anticoncepcionais orais eem pacientes que tomam esteróides anabolizantese androgênicos durante longo prazo. Esses hormô-nios produzem alterações vasculares que variamdesde a dilatação sinusoidal periportal até o ingur-gitamento do sinusóide com sangue (Peliosis hepatis)predispondo ao sangramento. A ressecção cirúrgica

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do tumor está indicada. O procedimento varia des-de a nodulectomia ou a segmentectomia até a lobec-tomia, dependendo do tamanho e da localização.

O carcinoma hepatocelular (HCC) é uma dascausas de hemoperitônio espontâneo. A proporçãodos HCC que costumam sangrar é da ordem de5% no Ocidente. Essa proporção eleva-se em ou-tras partes do mundo. Assim, é de 2,9% a 14% noJapão, de aproximadamente 12,4% na Tailândia ede cerca de 14,5% em Hong Kong. Embora o me-canismo exato da ruptura espontânea do HCC nãoesteja esclarecido, postula-se que o crescimento dotumor dificulta a drenagem venosa sem interferirno suprimento arterial que é mantido. Resulta, as-sim, a congestão do tumor, com sangramento inter-no, erosão da cápsula de Glisson e extravasamen-to de sangue para o peritônio. Outro mecanismoaventado para explicar a ruptura é a própria fragi-lidade dos vasos que nutrem o HCC, decorrente dadegeneração da elastina, da degradação do coláge-no tipo IV e da distribuição anormal da elastase.

Nos pacientes cirróticos que apresentam dor edistensão abdominal acompanhadas de sinais dechoque e anemia aguda, deve-se suspeitar de san-gramento intraperitoneal. Às vezes, de tão intenso,o quadro clínico pode ser confundido com úlceraperfurada ou pancreatite aguda. O ultra-som e atomografia computadorizada, especialmente a he-licoidal, são os exames que confirmam o diagnós-tico da ruptura do HCC e permitem avaliar o flu-xo sangüíneo portal. Atualmente, os exames tomo-gráficos bifásicos ou trifásicos aumentam a possibi-lidade de detecção das neoplasias. Embora a pa-racentese abdominal confirme de forma inequívo-ca o diagnóstico de hemoperitônio, a tomografiatambém permite o diagnóstico de sangue na cavi-dade, evidenciando a presença de líquido de altadensidade e dispensa os métodos invasivos. Alémdisso, quando ocorre extravasamento de contraste,a tomografia permite identificar se há sangramentoativo, seja por ruptura do tumor ou do hematomasubcapsular.

O tratamento da ruptura do HCC é umaemergência cirúrgica e requer abordagem agressi-va. Durante as décadas de 1970 e 1980, a ressec-ção hepática com ligadura da artéria hepática erao tratamento de escolha para controlar o sangra-mento, mas estava associada a taxas de mortali-dade de 44% a 73% dependendo do grau da disfun-ção hepática. Desde a introdução do cateterismoarterial seletivo com embolização como tratamen-to paliativo do HCC, muitos autores o utilizam

para controlar a hemorragia devida à ruptura doHCC. O procedimento é seguro e efetivo no contro-le do sangramento e pode ser aplicado em pacien-tes idosos ou com disfunção hepática grave. A mor-talidade imediata é da ordem de 18%. As compli-cações mais freqüentes da embolização são febre,dor abdominal, náuseas, vômitos e elevação dastransaminases hepáticas, manifestações que melho-ram entre uma a duas semanas. Nos pacientes comHCC ressecável, a embolização permite o contro-le do sangramento e o preparo adequado do doentepara o tratamento cirúrgico definitivo.

Além dos tumores primitivos do fígado, metás-tases hepáticas das mais diferentes origens podemromper-se ocasionando hemorragia intraperitoneal.O tumor primário pode estar localizado em colo,estômago, pâncreas, vesícula biliar, ovário, mama,rins, testículo, próstata, pulmão. Além disso, metás-tases de melanoma, coriocarcinoma e de carcino-mas de origem desconhecida podem resultar emruptura e hemorragia. Vários fatores estão envolvi-dos na ruptura hepática devida ao tumor metastá-tico. O próprio crescimento da metástase pode re-sultar em necrose da massa tumoral e em erosão dosistema vascular hepático originando o sangramen-to. Dependendo da extensão do comprometimentohepático pelas metástases e dos efeitos da quimiote-rapia, a coagulação pode estar comprometida, o quecontribui para aumentar o sangramento. O diagnós-tico pode ser suspeitado quando há uma históriaprévia de doença maligna com enzimas hepáticaselevadas e surge dor abdominal, hipotensão e ane-mia. O tratamento é paliativo com a embolizaçãoarterial do foco hemorrágico. A sobrevida dessespacientes é curta e muitos morrem em semanas.

RUPTURA ESPONTÂNEA DE BAÇO

A ruptura espontânea do baço foi descrita porAtkinson, em 1874. Trata-se de entidade rara quese manifesta através de sinais e sintomas de inter-pretação difícil. Em conseqüência, o diagnósticopode ser difícil e o tratamento conduzido, pelomenos em uma fase inicial, de maneira errônea,comprometendo a recuperação do doente. Entre-tanto, qualquer doença que leve à esplenomegaliaacentuada pode resultar em ruptura esplênica ehemoperitônio. É o caso de infecções várias entreas quais se destacam a malária, a tuberculose, ocalazar, a sífilis, a citomegalovirose e a mononu-cleose infecciosa, as doenças neoplásicas como a

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leucemia, a doença de Hodgkin, a metaplasiamielóide e metástases esplênicas, e de outras, comoé o caso da amiloidose.

O aparecimento da hipotensão associada à dorno quadrante superior esquerdo que se acentua nainspiração ou no ombro esquerdo (sinal de Kehr),rigidez abdominal e sinais de irritação peritoneal,esplenomegalia acentuada ao exame físico e noexame radiológico devem levar o médico a suspei-tar desse diagnóstico. O fator desencadeante podeser um traumatismo mínimo e geralmente imper-ceptível, decorrente, por exemplo, de tosse exces-siva, vômitos ou esforço para evacuar. Esses peque-nos traumas determinam, inicialmente, rupturasubcapsular que evolui, algum tempo depois, paraa ruptura esplênica para a cavidade peritoneal. Oultra-som realizado na sala de emergência podeidentificar a presença de líquido intraperitoneal ealterações na textura do parênquima esplênico,tornando desnecessários outros exames de ima-gem. Na dúvida, a punção abdominal confirma-rá o diagnóstico.

Na mononucleose infecciosa, a ruptura esplêni-ca ocorre em 0,1% a 0,5% dos casos. Entretanto,é a principal causa de morte nessa doença, com ta-xas de 30% a 100%. A mortalidade elevada é con-seqüência das dificuldades em se diagnosticar pre-cocemente a ruptura, uma vez que os sintomas po-dem ser pouco específicos e confundir-se com os daprópria doença. O mecanismo responsável pelaruptura esplênica permanece obscuro. À exploraçãocirúrgica, o baço encontra-se aumentado, túrgido ecom hematomas subcapsulares puntiformes. Esseshematomas podem romper-se nos acessos de tosse,vômitos e ao defecar devido ao aumento da pres-são portal na manobra de Valsalva ou por com-pressão do baço pelo diafragma ou pela própriaparede abdominal. O hemograma revela leucocito-se com numerosos linfócitos atípicos e anemia.

Na malária, a ruptura esplênica é mais fre-qüente nos doentes com infecção aguda, nos quaiso baço é aumentado e muito friável. Pessoas quevivem em área endêmica costumam ter episódiosrepetidos de hemólise que resultam no aumentogradual do baço. A víscera torna-se mais consisten-te e sua cápsula espessada, tornando a ruptura es-pontânea menos provável. Embora a ruptura es-plênica esteja mais comumente associada a infec-ções pelo Plasmodium vivax, outras espécies tam-bém podem levar à ruptura do baço.

O envolvimento esplênico na amiloidose é co-mum, mas a esplenomegalia é observada em ape-

nas 4 a 13% dos pacientes. A deposição da substân-cia amilóide no baço ocorre na polpa vermelha, napolpa branca e nos vasos sangüíneos tanto em con-seqüência da amiloidose primária como da se-cundária. Até 1987, havia dez casos de ruptura es-pontânea do baço relatados na literatura. Nessesdoentes, o comprometimento esplênico era difusoembora a esplenomegalia estivesse presente emapenas 40%. Em todos, a ruptura havia sido a pri-meira manifestação da doença. O diagnóstico deamiloidose foi sempre realizado no pós-operatórioatravés do exame histopatológico do baço ou doslinfonodos biopsiados na laparotomia. Acredita-seque a formação de pequenos hematomas e suaruptura se devam ao somatório de vários fatoresentre os quais o aumento da rigidez do parênqui-ma esplênico, à maior friabilidade dos vasos emdecorrência do depósito amilóide na parede vascu-lar e à deficiência do fator X.

As metástases esplênicas são raras. Estão pre-sentes em 6 a 13% em autópsias de pacientes comcâncer. Nos últimos anos, o diagnóstico de metás-tase esplênica tem aumentado graças ao adventodos sofisticados métodos de imagem utilizados noseguimento de pacientes com câncer. As metástasesesplênicas podem originar-se a partir de tumoresde mama, ovário, pulmão, próstata, esôfago, estô-mago, endométrio, além do melanoma, de terato-mas e do coriocarcinoma. A possibilidade de rup-tura esplênica deve ser aventada nos pacientes comdiagnóstico prévio de doença metastática que apre-sentam choque hemorrágico com dor abdominal noquadrante superior esquerdo. A causa da rupturaesplênica é multifatorial. A esplenomegalia é o fa-tor presente em todos os doentes. Independente-mente de seu padrão, seja ele infiltrativo ou nodu-lar, as metástases evoluem com necrose e podemerodir os vasos esplênicos, formando hematomasque se rompem para a cavidade abdominal. Dis-túrbios de coagulação e plaquetopenia, quandopresentes, contribuem para o agravamento dosangramento.

A ruptura esplênica espontânea também podeocorrer em baço normal. Os critérios necessáriospara considerar como espontânea a ruptura dobaço normal são: inexistência de qualquer evidên-cia de doença envolvendo o baço, ausência de his-tória de trauma ou de esforço físico excessivo, au-sência de aderências acometendo a víscera e baçonormal ao exame histológico. Exatamente por es-ses motivos, o diagnóstico pode ser difícil e o tra-tamento inicial inadequado.

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O tratamento da ruptura esplênica espontâneaé controverso. Nos casos de metástases esplênicas,Smart e col., em 2002, recomendam a esplenecto-mia uma vez que a mortalidade foi de 100% nosdoentes tratados de forma não-operatória. Jáquando o baço é normal ou quando a esplenome-galia se deve à mononucleose, pode-se adotar umaconduta não-operatória. Ainda assim, na maioriadas vezes, o cirurgião opta pela esplenectomia de-vido à instabilidade hemodinâmica, ao desconhe-cimento do diagnóstico etiológico no pré-operató-rio, à possibilidade de ressangramento e aos riscosda transfusão sangüínea.

TUMORES DO TRATO GASTROINTESTINAL

COMO FONTES DE SANGRAMENTO

O tumor estromal gastrointestinal (GIST) podemanifestar-se com hemoperitônio, principalmentequando se desenvolve de forma exofítica. GIST éuma forma incomum de neoplasia que predominana quinta e sexta década de vida, distribui-se deforma semelhante em ambos os sexos e pode aco-meter qualquer segmento do tubo digestivo. Ape-nas 10% são malignos e representam somente 0,1%a 1% dos tumores malignos do trato gastrointesti-nal. A localização mais comum é no estômago(60% a 70%) e no intestino delgado (30%), maspodem ser encontrados no esôfago, no colo e noreto. A manifestação clínica mais comum é a he-morragia gastrointestinal que resulta em anemia.Também freqüente é a presença de massa palpável.Nas formas exofíticas, o crescimento tumoral sema devida suplementação sangüínea resulta em ne-crose e erosão vascular, causando o hemoperitônio.O diagnóstico é confirmado pela tomografia com-putadorizada, nos pacientes estáveis hemodinami-camente, ou através do ultra-som, na vigência dechoque hemorrágico. O tratamento consiste na res-secção em bloco da lesão, incluindo margem de te-cido normal. Não é necessária a linfadenectomia.

HEMATOMA RETROPERITONEALESPONTÂNEO

A hemorragia retroperitoneal espontânea podeoriginar-se em qualquer órgão ou vaso dessa região.Excluindo os AAA rotos, as causas mais freqüentesde hematomas retroperitoneais espontâneos sãodoenças dos rins, das glândulas supra-renais, do

pâncreas, além de doenças vasculares e coagulopa-tias. Embora individualmente as doenças que po-dem resultar em hematomas espontâneos do retro-peritônio sejam raras, a possibilidade de sua ocor-rência deve ser lembrada quando existem evidên-cias clínicas compatíveis.

A apresentação pode ser aguda, mimetizando aruptura do AAA. A diferença é a ausência da mas-sa pulsátil típica do AAA. A evolução habitual émenos dramática, com dor abdominal na regiãodorsolombar e moderada instabilidade hemodinâ-mica. Ao exame físico podem identificar-se equi-moses nos flancos e até no escroto, dependendo dovolume do hematoma. As medidas iniciais a seremadotadas são as mesmas já descritas anteriormen-te e visam, essencialmente, à manutenção das con-dições hemodinâmicas, ao diagnóstico da fonte dosangramento e ao tratamento imediato.

Ao suspeitar do hematoma retroperitoneal es-pontâneo, a primeira iniciativa a ser tomada é ex-cluir a presença do AAA roto. Na sala de emergên-cia, habitualmente é possível descartar essa possi-bilidade com o ultra-som. Superada essa etapa einiciada a reposição volêmica, deve-se buscar ofoco da hemorragia e estudar a coagulação do pa-ciente. Uma possível coagulopatia deve ser corrigi-da de imediato, lançando mão dos recursos exigi-dos para o caso. Em princípio, a intervenção cirúr-gica imediata está contra-indicada nesse grupo depacientes. Sempre que possível, deve-se lançarmão da tomografia computadorizada, método deescolha para definir o local e a extensão do sangra-mento e, não raramente, para diagnosticar suacausa. Quando a tomografia não permite identifi-car a origem do sangramento na tomografia, estáindicada a angiografia das artérias renais, do tron-co celíaco e dos vasos mesentéricos, na busca deaneurismas. Se localizados, e desde que possível,eles serão tratados por embolização. Se, ainda as-sim, o foco hemorrágico não for definido, há ummotivo a mais para manter o paciente em observa-ção e repetir tomografia de controle para acompa-nhar a evolução.

Em mais de 60% das hemorragias retroperito-neais espontâneas, as causas são tumores renais,malignos ou benignos. Predominam os angiomioli-pomas, com 48%, e o carcinoma de células renais,com 43%. Os 9% restantes incluem a doença me-tastática renal e os sarcomas. Enquanto os angio-miolipomas maiores de quatro centímetros ofere-cem maior predisposição ao sangramento, em setratando de carcinoma de células renais o tamanho

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do tumor não parece influir. A tomografia é habi-tualmente capaz de diferenciar esses tumores, poisos angiomiolipomas se caracterizam por sua hete-rogeneidade. O tratamento é cirúrgico. O procedi-mento depende do tamanho do tumor e de seu tipohistológico. Recomenda-se a nefrectomia nas lesõesmalignas, mas admite-se restringir o procedimen-to à nefrectomia parcial ou mesmo à enucleaçãonas lesões benignas e de menor dimensão.

A doença vascular é a segunda causa de hema-toma retroperitoneal espontâneo, com incidência de17%. A poliarterite nodosa é a doença que maiscomumente favorece o desenvolvimento de aneuris-mas, principalmente os da artéria renal. O trata-mento ideal é a embolização.

A hemorragia unilateral da glândula adrenal édevida principalmente ao feocromocitoma, maspode ser devida a outras causas, tais como carcino-ma, mielolipoma, cisto e ruptura espontânea daglândula. O diagnóstico de feocromocitoma podeser confirmado pela dosagem de catecolaminas naurina de 24 horas ou pela cintilografia com I. Odoente com feocromocitoma requer cuidados espe-ciais no controle da pressão arterial no pré- e no in-tra-operatório. Independentemente da natureza daafecção, o tratamento do sangramento da adrenalé a ressecção da lesão.

HEMOPERITÔNIO ESPONTÂNEOIDIOPÁTICO

Analisando as publicações pertinentes, verifica-se que a freqüência de sangramento intra-abdomi-nal de origem desconhecida tem-se reduzido drasti-camente graças ao aprimoramento dos métodosdiagnósticos. A freqüência, que era de 58% em 1941,reduziu-se para 38%, 27% e 11%, em 1965, 1988 e

1998, respectivamente. Na última revisão, realiza-da por Ksontini e col., em 2001, o local da hemor-ragia não foi localizado em apenas 1% dos casos.

O sangramento intra-abdominal espontâneoidiopático é mais comum no grupo etário de 55 a65 anos, com predomínio no sexo masculino, naproporção de 3:2. O quadro clínico pode ter inícioabrupto ou manifestar-se de forma gradual. Hárelatos de casos nos quais a dor abdominal prece-deu em cinco dias a hipotensão arterial. O fator derisco presente na grande maioria dos pacientes é ahipertensão arterial, mas o hemoperitônio espontâ-neo idiopático pode ocorrer em indivíduos saudá-veis. A ausência de características clínicas definidasdificulta sobremaneira o diagnóstico e agrava oprognóstico.

O tratamento não-operatório do hemoperitônioespontâneo idiopático é uniformemente fatal, e aexploração não-terapêutica resulta em mortalida-de de 42%. De fato, quando não se consegue de-finir a origem do sangramento durante o ato cirúr-gico, o risco de um novo sangramento no pós-ope-ratório é muito elevado. Portanto, a exploração dacavidade abdominal deve ser completa e minu-ciosa. A avaliação sistemática deve abranger o fí-gado e as estruturas vasculares adjacentes, o omen-to maior e o menor, o baço e os vasos esplênicos, oesôfago abdominal, o estômago, o pâncreas, o in-testino delgado e o grosso, o mesentério, os grandesvasos abdominais, o espaço retroperitoneal e os ór-gãos pélvicos na mulher. Permanecendo a indefini-ção do foco hemorrágico, recomenda-se monitoraras condições hemodinâmicas desses pacientes eplanejar a realização de arteriografia no pós-ope-ratório, com intuito de estabelecer a causa do san-gramento e, se possível e indicado, embolizá-la.

O abdome agudo em obstetrícia e em ginecologiasão tratados nos Capítulos 10 e 11, respectivamente.

IMAGEMMarco Aurélio Alvarenga Falcão

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DIAGNÓSTICO POR IMAGEM

RUPTURA ESPONTÂNEA DO FÍGADO

A suspeita de ruptura espontânea do fígadousualmente requer avaliação ultra-sonográfica e to-

mográfica logo após as primeiras medidas emergen-ciais para estabilização do quadro clínico do mesmo.Os achados podem variar. No entanto, a presença delíquido peri-hepático livre ou de coleção subcapsu-lar hepática com características hemáticas sugerefortemente o diagnóstico (Figs. 9.1 e 9.2).

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Fig. 9.1 — Tomografia computadorizada de abdome sem contraste endovenosoevidenciando hepatomegalia associada a irregularidade e maldefinição dos con-tornos hepáticos (pontas de seta brancas). Observa-se também coleção subcap-sular hepática heterogênea (setas brancas) com áreas espontaneamentehiperatenuantes de permeio. Nota-se ainda pequena quantidade de líquido peri-esplênico (asterisco). Ruptura hepática espontânea em gestante de 30 semanascom síndrome HELLP. (Imagem cedida pelo Prof. Dr. Giuseppe D´Ippolito.)

Fig. 9.2 — Corte tomográfico realizado 1cm abaixo do demonstrado na Fig. 9.1evidenciando o hematoma subcapsular hepático (seta branca), promovendo al-teração do contorno hepático (pontas de seta brancas). Nota-se ainda pequenaquantidade de líquido (asterisco) adjacente ao baço (Bc). (Imagem cedida peloProf. Dr. Giuseppe D´Ippolito.)

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Fig. 9.3 — Tomografia de abdome sem contraste evidenciando coleção espon-taneamente hiperatenuante em topografia subcapsular hepática (seta branca).Nota-se ainda lobo caudado (Lc) de dimensões aumentadas e densidade hetero-gênea. A ponta de seta negra indica pequena quantidade de líquido ascítico ad-jacente ao baço. (Imagem cedida pelo Prof. Dr. Giuseppe D´Ippolito.)

À tomografia computadorizada (TC), o san-gramento agudo na cavidade peritoneal apresentavalor de atenuação maior que 30 unidades Houns-field (UH), com média de 45UH. À ultra-sonogra-fia, o sangramento intraperitoneal tem aspecto va-riável, podendo apresentar-se como coleção anecói-ca, na fase aguda, ou hiperecogênica, nas fasesmais tardias.

Nos casos de ruptura espontânea associada àneoplasia hepática, acrescenta-se aos achadosdescritos a identificação de uma lesão hepáticafocal, usualmente em topografia subcapsular(Figs. 9.3 e 9.4).

RUPTURA ESPONTÂNEA DO BAÇO

A avaliação inicial de pacientes com suspeita deruptura esplênica é semelhante à de pacientes comruptura hepática e geralmente se inicia com o ul-tra-som e/ou tomografia computadorizada. Noentanto, devido ao quadro de dor abdominal co-mum nesses pacientes, algumas vezes a radiogra-fia simples de abdome é solicitada inicialmente. Os

achados radiográficos são discretos ou ausentes.Nos casos de sangramentos de grande volume,pode-se observar opacidade difusa do abdome, as-pecto esse semelhante ao de grandes ascites.

O ultra-som e a tomografia, entretanto, sãofundamentais para a confirmação do diagnóstico.Os hematomas subcapsulares esplênicos aparecem,à TC, como áreas hipoatenuantes em crescenteidentando o contorno esplênico. Ao ultra-som, talcoleção pode ser de difícil caracterização após oinício da coagulação sangüínea, devido à ecogeni-cidade semelhante ao parênquima esplênico assu-mida pelo hematoma. Após 48 horas, no entanto, osangue se liquefaz e o diagnóstico ultra-sonográfi-co se torna mais fácil, demonstrando formação hi-poecogênica subcapsular em crescente. Na possibi-lidade de ruptura da cápsula esplênica, o sanguepode distribuir-se uniformemente pelo peritônio,embora mais comumente se observe concentraçãodo líquido adjacente ao baço.

Hematomas intraparenquimatosos tambémpodem ocorrer e se apresentam como massas intra-esplênicas de baixa densidade à tomografia com-putadorizada.

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RUPTURA ESPONTÂNEA DO RIM

A avaliação dos hematomas renais e perirrenaisé mais bem realizada através de tomografia compu-tadorizada sem contraste endovenoso. A identificaçãode coleção com alto coeficiente de atenuação no in-terior do rim ou no espaço perirrenal ao estudo to-mográfico confirma o quadro hemorrágico.

Outra manifestação hemorrágica espontâneano rim é a hemorragia suburotelial. A identificação,à tomografia computadorizada, de material comalta densidade ao longo do sistema coletor em umpaciente com dor abdominal aguda e hematúria épraticamente diagnóstica.

HEMATOMA DO MÚSCULO PSOAS

O diagnóstico de hematoma do músculo psoaspode ser bastante difícil, principalmente nos seuestágio inicial. A tomografia computadorizada épreferível ao ultra-som, devido à maior sensibilida-

de e especificidade na determinação da presença eextensão da doença.

O aspecto ultra-sonográfico é variável. Massastumorais sólidas ou císticas podem ser identifica-das, variando desde coleções anecóicas até forma-ções intensamente ecogênicas, com limites indistin-guíveis do tecido gorduroso adjacente (Figs. 9.5 e9.6). Restos celulares podem acumular-se nas re-giões pendentes, dificultando sua diferenciação comabscessos.

À tomografia computadorizada, o hematomado psoas surge como uma densidade de tecidosmoles anormal, expandindo o músculo difusamentee se estendendo para outros segmentos retroperito-neais. Pode ainda se manifestar como uma forma-ção bem definida, com valores de atenuação va-riáveis (Figs. 9.7, 9.8 e 9.9).

O hematoma agudo tem maior valor de ate-nuação que o sangue intravascular, variando de 70a 90UH. O hematoma subagudo usualmente apre-senta halo hipoatenuante e região central com den-

Fig. 9.4 — Tomografia computadorizada de abdome com injeção de contraste endove-noso, no mesmo paciente da Fig. 9.3. Observa-se massa hepática hipoatenuante, bemdefinida, medindo cerca de 8cm, localizada no lobo hepático direito (seta negra). Notam-se ainda outros nódulos de menores dimensões no lobo hepático direito (pontas de setanegras). Adjacente ao fígado (Fig) observa-se material produtor de artefato, correspon-dendo à compressa hemostática (seta branca). Há condensação de ambas bases pulmo-nares (asteriscos brancos). (Imagem cedida pelo Prof. Dr. Giuseppe D´Ippolito.)

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Fig. 9.5 — Ultra-sonografia de abdome de paciente hemofílico de 7 anos de idade, comquadro agudo de dor abdominal à direita. Observa-se músculo psoas direito no seu eixolongitudinal apresentando formação alongada, heterogênea, discretamente hiperecogê-nica (setas brancas), correspondendo a hematoma de músculo psoas direito.

Fig. 9.6 — Ultra-sonografia de abdome do mesmo paciente da Fig. 9.5. Observa-semúsculo psoas direito no plano transversal apresentando aumento de suas dimensõesdevido à presença de coleção heterogênea, discretamente hiperecogênica (setas brancas),abaulando o contorno posterior desse músculo.

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Fig. 9.7 — Tomografia computadorizada de abdome após injeção de contraste endovenoso. Ob-serva-se grande aumento do músculo psoas esquerdo (seta branca) com achatamento do mús-culo ilíaco ipsilateral (ponta de seta branca) e deslocamento medial e anterior dos vasos ilíacos(vv). Os músculos psoas (seta negra) e ilíaco (ponta de seta negra) à direita têm aspecto preser-vado. Hematoma do músculo psoas esquerdo.

Fig. 9.8 — Tomografia computadorizada de abdome do mesmo paciente da Fig. 9.7 com inje-ção de contraste endovenoso. Corte tomográfico efetuado no nível do fígado (Fig). Adjacente aorim esquerdo (RE), e deslocando-o lateralmente, observa-se o músculo psoas esquerdo de dimen-sões aumentadas, devido à presença de formação hipoatenuante, bem definida, corresponden-do a hematoma de psoas (seta branca). O músculo psoas contralateral (seta negra) apresentaaspecto normal.

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Fig. 9.9 — Tomografia computadorizada de abdome do mesmo paciente das Figs. 9.7 e 9.8,antes da injeção do meio de contraste. Corte tomográfico efetuado no nível da asa do osso ilía-co. Observa-se aumento do volume do músculo ilíaco esquerdo (ponta de seta branca). O mús-culo ilíaco contralateral (ponta de seta negra) apresenta aspecto normal. O hematoma de psoasesquerdo estende-se para o músculo ilíaco ipsilateral.

sidade de partes moles. O hematoma crônico ma-nifesta-se como massa de baixa densidade (20 a40UH), podendo estar associada a calcificaçõesperiféricas.

À ressonância magnética (RM), o aspecto dohematoma de psoas varia de acordo com a idadedo sangramento e com a intensidade do campomagnético. Nos equipamentos mais modernos, comintensidade de campo de 1,5T, o hematoma agu-do apresenta-se isointenso em relação ao músculonas seqüências ponderadas em T1, e hipointensonas seqüências ponderadas em T2. Nível líquido-líquido pode ser identificado nos hematomas agu-dos de grandes dimensões, usualmente com sinalmais elevado na camada inferior. Os hematomassubagudos e crônicos apresentam aspectos maiscaracterísticos à RM. Nas seqüências pesadas emT1, os hematomas subagudos freqüentementeapresentam halo hipointenso, correspondendo auma cápsula com depósito de hemossiderina, asso-ciado a uma zona periférica de alta intensidade desinal e a um núcleo central com intensidade média.Com o envelhecimento do hematoma, o núcleocentral reduz de tamanho, notando-se então umamassa homogênea com sinal elevado, circundadapor halo hipointenso.

RUPTURA DE ANEURISMAS

A ruptura de aneurisma aórtico é uma emer-gência médica fatal na ausência de tratamento ci-rúrgico imediato. A ultra-sonografia abdominalainda durante o atendimento na sala de emergên-cia é, idealmente, o primeiro exame de imagem aser realizado nos pacientes com quadro de dorabdominal, hipotensão e massa abdominal pulsá-til. Como esse é um método de pequena acuráciana identificação de hemorragia paraórtica, a iden-tificação de um aneurisma de aorta é o suficien-te para indicar intervenção cirúrgica imediatanesses pacientes.

Nos casos em que o paciente encontra-se he-modinamicamente estável, a tomografia computa-dorizada é o exame de eleição, pois é melhor nadetecção de sangramentos agudos demonstrandocom acurácia sua extensão, não sendo prejudicadapelos gases intestinais (Figs. 9.10, 9.11 e 9.12). Osachados à tomografia computadorizada da ruptu-ra de aneurisma de aorta consistem na identifica-ção do aneurisma e na presença de grande hema-toma retroperitoneal dissecando os planos teciduais,com possível extensão do sangramento para o mús-culo psoas e para a cavidade peritoneal.

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Fig. 9.10 — Tomografia computadorizada de abdome sem contraste endovenoso mostrandoaneurisma da aorta infra-renal (seta negra), associado à massa heterogênea envolvendo a re-gião do aneurisma e se estendendo para a região paravertebral bilateralmente, mais acentua-damente à esquerda (ponta de seta negra), onde se apresenta sem nítido plano de clivagem como músculo psoas (PsE).

Fig. 9.11 — Tomografia computadorizada de abdome do mesmo paciente da Fig. 9.10, após ainjeção do meio de contraste endovenoso. Corte tomográfico realizado no nível dos pólos infe-riores dos rins (RD e RE). Observa-se realce intraluminal da aorta (ponta de seta negra). Não foiidentificado extravasamento do meio de contraste para o interior do hematoma retroperitoneal(setas brancas), configurando ruptura de aneurisma de aorta tamponado.

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Fig. 9.12 — Corte tomográfico realizado 3cm abaixo do demonstrado na Fig. 9.11, evidenci-ando aorta dilatada com contraste no seu interior (ponta de seta negra). Não há extravasamentodo meio de contraste para o retroperitônio (setas brancas). Nota-se ainda remodelação do cor-po vertebral lombar (cv) adjacente ao aneurisma, com erosão óssea do seu contorno anterior (setasnegras). Não há nítido plano de clivagem entre o músculo psoas esquerdo (PsE) e o hematomaretroperitoneal.

Outros aneurismas, como os de artérias renal,hepática e esplênica, também podem romper, de-sencadeando um quadro de abdome agudo hemor-rágico.

A ruptura de aneurismas da artéria renal estáusualmente associada a hemorragias renais e pe-rirrenais e a áreas de infarto renal, passíveis deserem identificadas aos cortes tomográficos semcontraste. O método padrão-ouro na identificaçãodos aneurismas continua sendo a angiografia, masa TC com contraste, o ultra-som com Doppler e,mais recentemente, a angiorressonância de arté-rias renais conseguem estabelecer o diagnósticocom freqüência. A identificação de fluxo com pa-drão arterial ou a presença de contraste iodadona fase arterial no interior da imagem cística vi-sualizada na topografia da artéria renal fazem odiagnóstico aos estudos com Doppler e tomogra-fia, respectivamente.

Aneurismas e pseudo-aneurismas da artéria es-plênica são de difícil diagnóstico à ultra-sonografiae à tomografia computadorizada, a não ser queapresentem grandes dimensões. O estudo angiográ-fico continua sendo indispensável nesse diagnósti-co. Os pseudo-aneurismas se rompem com maior

freqüência que os aneurismas. Tal ruptura podeocorrer para o interior de um pseudocisto pancreá-tico, de um ducto pancreático, ou ainda para acavidade abdominal, podendo ocasionar quadrohemorrágico catastrófico.

O achado de coleção peripancreática com ca-racterísticas hemorrágicas ao ultra-som deve serconfirmado através de tomografia computadoriza-da sem contraste. A presença de coleções hemorrá-gicas adjacentes ao pâncreas deve prontamente le-vantar a suspeita de ruptura de pseudo-aneurismade artéria esplênica.

O diagnóstico do aneurisma de artéria hepáti-ca é de grande importância clínica, já que 80% dospacientes cursam com ruptura do mesmo para acavidade peritoneal, para o interior das vias bilia-res ou para o trato gastrointestinal. O diagnósticopode ser firmado pela ultra-sonografia com Dop-pler, através da identificação de massa cística comfluxo no seu interior na região do hilo hepático ouadjacente à cabeça pancreática. A TC também éum bom método para a identificação de dilataçãode artéria hepática. Pode-se observar ainda nafase sem contraste a presença de um halo de

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calcificação ao longo da parede do aneurisma.Após a injeção de contraste endovenoso em bolo,a luz do vaso evidencia intenso realce durante afase arterial. O trombo intravascular, caso presen-te, é evidenciado como área de baixa atenuação,sem realce ao meio de contraste. A angiografia, noentanto, continua indispensável na conduta prope-dêutica desses pacientes.

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No decorrer da gravidez e no período pós-par-to, assim como em qualquer outro momento devida, a mulher pode apresentar patologias que de-terminem quadros de abdome agudo. Cerca deuma a cada 635 gestantes necessita ser submetidaà cirurgia não-obstétrica durante a gravidez (Korte col., 1993). As causas mais comuns para sua in-dicação são: apendicite aguda e complicação detumores de massas anexiais.

É de fundamental importância relembrar quedurante o ciclo gravídico-puerperal existem altera-ções fisiológicas, anatômicas e funcionais do tratogastrointestinal e geniturinário que podem masca-rar as manifestações e dificultar o diagnóstico dasdiversas patologias que determinam abdome agu-do durante a prenhez.

No primeiro trimestre da gravidez, por exem-plo, queixas como a presença de náuseas, vômitos,pirose e dor abdominal em cólica são freqüentes;entretanto, algumas vezes, considerá-las fisiológicaspode retardar o diagnóstico de um quadro de ab-dome agudo. Na gestação avançada, por outrolado, o aumento do útero desloca os órgãos abdo-minais confundindo o diagnóstico da causa da dor.

Além disso, a própria gravidez pode apresentarintercorrências que determinem diversos quadrosde abdome agudo.

A abordagem da gestante com dor abdominalsevera deve ser semelhante à das não-grávidas.

ABDOME AGUDO

EM OBSTETRÍCIA

Entretanto, as modificações fisiológicas próprias dagestação precisam ser consideradas ao se interpre-tar os achados da história e exame físico.

É necessária a obtenção de história detalhada,como o tempo de início dos sintomas, duração, in-tensidade e características da dor, e a pesquisa dequalquer fator associado.

No exame físico, os achados são menos proemi-nentes comparados aos de uma não-grávida com amesma patologia. Sinais peritoneais ficam, fre-qüentemente, mascarados na gravidez devido aoestiramento da parede abdominal anterior e pelofato de que a inflamação subjacente pode ficar semcontato direto com o peritônio parietal, e isso ex-cluir resposta de defesa. O útero pode, também,obstruir e inibir o movimento do omento para aárea de inflamação, distorcendo o quadro clínico.

Ao realizarmos o exame físico de abdome gra-vídico, é essencial lembrar as diferentes posições doconteúdo abdominal nas diversas idades gestacio-nais. Por exemplo, o apêndice fica localizado nafossa ilíaca direita, no ponto de McBurney, em pa-cientes com gravidez inicial e em não-grávidas,mas, após o primeiro trimestre, ele é progressiva-mente deslocado para cima e lateralmente até fi-car próximo à vesícula na gravidez tardia.

Ressalte-se que, ao analisar uma gestante, omédico deve avaliar dois pacientes ao mesmo tem-

Capítulo 10

CLÍNICARosiane Mattar

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po, a mãe e o feto. É preciso apurar a presença ea intensidade de contrações uterinas durante o pe-ríodo de avaliação, estabelecer a idade gestacionalcorreta e as condições do concepto para tomar asdecisões apropriadas com base também na vitabi-lidade e maturidade fetal.

Essas particularidades podem, portanto, retar-dar o diagnóstico e a terapêutica corretos. Comisso, pode-se aumentar a morbidade e mortalida-de das pacientes gestantes que desenvolvam abdo-me agudo e de seus filhos, o que resume a impor-tância do estudo desses quadros em Obstetrícia.

CLASSIFICAÇÃO DO ABDOMEAGUDO EM OBSTETRÍCIA

CAUSAS OBSTÉTRICAS

1. Abortamento;2. Gravidez ectópica;3. Neoplasia trofoblástica gestacional;4. Descolamento prematuro da placenta;5. Rotura uterina;6. Infecção puerperal.

CAUSAS GINECOLÓGICAS

1. Tumor de ovário complicado;2. Mioma uterino.

CAUSAS EXTRATOCOGINECOLÓGICAS

1. Apendicite aguda;2. Úlcera gastroduodenal perfurada;3. Oclusão intestinal;4. Colecistite aguda;5. Pancreatite aguda;6. Rotura de fígado;7. Pielonefrite aguda;8. Litíase renal.

CAUSAS OBSTÉTRICAS

Abortamento

O abortamento é síndrome hemorrágica daprimeira metade da gestação caracterizada pelainterrupção da gravidez antes de atingida a vitabi-

lidade do concepto. Tem como limites definidospela Organização Mundial da Saúde: idade ges-tacional de até 22 semanas e peso de 500 gramas.

O abortamento espontâneo clinicamente diag-nosticado ocorre em 10 a 15% das gestações. Oaborto provocado, na maioria das vezes, é pratica-do de maneira ilegal em nosso país, e, por essa ra-zão, sua freqüência não tem como ser apurada.

Para o tratamento do abortamento, indica-se oesvaziamento uterino. Nos casos em que o útero formenor que 12cm, ele pode ser realizado por dila-tação do canal cervical com velas dilatadoras se-guido de curetagem cirúrgica ou aspiração elétricaou pela aspiração manual intra-uterina (estas últi-mas, com muito menor risco de perfuração uteri-na). Nos casos em que houver presença de concep-to e útero maior que 12cm, deve-se induzir contra-ções uterinas com prostaglandina ou seu análogoaté a eliminação do mesmo, seguido de curetagemou aspiração para retirada de eventuais restos.

O quadro de abortamento pode determinarabdome agudo, quando, ao se proceder ao esvazia-mento do útero através de curetagem, ocorrer per-furação uterina. Outra possibilidade seria a infec-ção pós-aborto que pode acontecer diante de res-tos embrionários abandonados intra-útero após acuretagem ou pelo uso de material contaminado,principalmente na prática do aborto ilegal. A infec-ção pós-aborto pode-se disseminar a partir do úte-ro para a pelve e posteriormente para toda a ca-vidade abdominal.

Perfuração Uterina

O diagnóstico da perfuração se estabelece nomomento de sua ocorrência, por falta de resistên-cia ao instrumento cirúrgico (histerômetro, vela di-latadora, pinça de Winter ou cureta).

A prevalência de perfuração na curetagem ute-rina é bastante variável, dependendo da habilida-de do médico e da posição uterina, sendo mais fre-qüente nos úteros retrovertidos.

Nas perfurações simples, pequenas, quase sem-pre ocorridas por vela dilatadora estreita ou histe-rômetro, geralmente será suficiente a conduta deobservação da evolução com o uso de ocitócitospara estimular a contração do útero. Entretanto, alaparotomia será necessária ao se suspeitar de lesãointestinal, na bexiga ou se houver evidência de he-morragia intra-abdominal.

Algumas vezes, a perfuração uterina e de ór-gãos vizinhos não é percebida e quadros graves de

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peritonite podem-se instalar, obrigando à laparoto-mia exploradora.

Aborto Séptico

O diagnóstico de aborto infectado deve serpensado sempre que o aborto se acompanhar defebre e sinais de miometrite, parametrite, peritonitepélvica ou generalizada.

Com elevada freqüência, a anamnese revela in-tervenção cirúrgica prévia ou a intenção de provo-car aborto. Nesses casos, devemos ter em mente apossibilidade de ter havido perfuração uterina nãodiagnosticada e de material estranho na cavidade.

Em relação ao quadro clínico, a paciente apre-senta febre, taquicardia, dor abdominal baixaacompanhada de distensão abdominal e a saída deconteúdo vaginal purulento.

Ao exame físico, observa-se resistência abdomi-nal, descompressão brusca dolorosa, presença even-tual de massas, diminuição dos ruídos hidroaéreos.Ao toque, o colo pode-se apresentar dilatado comsaída de material intra-uterino, às vezes com odorfétido, e com mobilização bastante dolorosa.

O diagnóstico por imagem vai-se basear na ul-tra-sonografia e na radiografia.

O tratamento do quadro infeccioso requer amanutenção das condições hemodinâmicas, uso deantibióticos de amplo espectro e a remoção do con-teúdo uterino. Essa retirada pode ser feita por mé-todos aspirativos que apresentam menor risco deperfuração ou por curetagem cuidadosa.

Laparotomia com histerectomia total deve serindicada se o útero apresentar lacerações ou áreasde necrose. A drenagem cirúrgica de abscessos in-tracavitários localizados é fundamental para me-lhorar o prognóstico da paciente.

A infecção pós-aborto acarreta morbidade comlimitação da vida reprodutiva futura e representauma das três mais freqüentes causas de morte ma-terna nos países em desenvolvimento.

Gravidez Ectópica

Entende-se por gravidez ectópica a implanta-ção e o desenvolvimento do ovo fora da cavidadeuterina. A localização mais freqüente é a tubária.

Gravidez Tubária

Sua incidência atinge cifra de uma em cada100 gestações.

Na evolução da gravidez tubária, pode havercomplicações que determinem abdome agudo, taiscomo o aborto e a rotura tubária, por sangramentono interior da cavidade abdominal.

Em relação ao quadro clínico em ambos, a pa-ciente refere atraso menstrual, metrorragia escassae dor abdominal. A dor, principal sintoma, é sinco-pal na rotura tubária e em caráter de cólica noaborto. O hemoperitônio que se estabelece acentuae generaliza a dor a todo abdome, surgindo náu-seas e vômitos. Em alguns casos, aparece dor esca-pular (sinal de Laffont).

Ao exame físico geral, podem ser encontradossinais de hipovolemia: palidez cutaneomucosa, hi-potensão arterial e taquicardia. À palpação, podeexistir reação peritoneal, descompressão brusca do-lorosa. À ausculta, identifica-se diminuição dosruídos hidroaéreos.

Ao exame tocoginecológico, a paciente referedor ao toque do fundo-de-saco de Douglas. O úteroapresenta-se ligeiramente aumentado e amolecido.Somente em metade dos casos o toque identificamassa anexial.

Embora menos freqüente na atualidade, pormelhoria dos exames subsidiários, em alguns casosduvidosos pode ser indicada a punção em fundo-de-saco posterior que confirma a presença de hemope-ritônio mediante o encontro de sangue não coagulá-vel, porém com a presença de microcoágulos.

O diagnóstico laboratorial baseia-se na dosa-gem da fração beta do hormônio gonadotrófico co-riônico (β-hCG). Os títulos de β-hCG tendem a sermenores que nas tópicas com a mesma idade ges-tacional, e não apresentam aumento adequado aoacompanhamento seriado (duplicação do título em48 horas).

O diagnóstico por imagem vai-se fundamentarna ultra-sonografia vaginal e abdominal.

Nos casos com quadro de abdome agudo he-morrágico, a conduta clínica visa à manutenção dascondições hemodinâmicas. O tratamento cirúrgicoradical (salpingectomia) é o indicado nos casos emque houver complicação, e poderá ser realizado porlaparotomia ou laparoscopia (Wong & Suat, 2000).

A cirurgia proposta será a salpingectomia total.Nos casos de abortamento tubário distal em evolu-ção, em que se deseja manter a capacidade repro-dutiva, excepcionalmente pode-se indicar a orde-nha tubária.

Quanto ao prognóstico materno, a ênfase notratamento é de conseguir preservar o futuro repro-dutivo das pacientes através de diagnóstico precoceda ectópica íntegra e tratamento medicamentoso.

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Gravidez Ovariana

A gravidez ovariana é pouco freqüente, uma acada dez mil gestações ectópicas.

Habitualmente, apresenta rotura precoce. Ahistória, o exame físico, os dados laboratoriais e oexame ultra-sonográfico não são capazes de dife-renciá-la da gestação tubária.

Uma vez rota, com quadro de abdome agudohemorrágico, impõe-se o tratamento cirúrgico coma realização de ooforectomia parcial ou total, de-pendente das condições locais.

Gravidez Abdominal

A gravidez abdominal pode ser primária ou se-cundária decorrente de gestação inicialmente tubá-ria ou ovariana. Representa 1,5% das ectópicas.

Uma vez que as condições para o desenvolvi-mento da gravidez são inadequadas, na maioriadas vezes o concepto morre e há reabsorção sim-ples, supuração ou mumificação.

Quando evolui, a placenta desenvolve-se emqualquer porção ou órgão da cavidade abdominal.Nesses casos, é comum o aparecimento de sintomasdigestivos de suboclusão e excessiva dor abdominalaos movimentos fetais.

Ao exame físico, observa-se superficialidade dofeto à palpação e à ausculta dos batimentos car-díacos fetais. Ao toque, identifica-se útero de me-nor volume que o esperado para a idade gestacio-nal e rechaçado.

O diagnóstico por imagem pode utilizar a ul-tra-sonografia, a radiografia simples de abdome emais raramente a histerossalpingografia.

Na gestação abdominal complicada, poderemoster quadro de abdome agudo oclusivo em que aconduta será laparotomia, extração fetal e lise debridas. O tratamento a ser dado à placenta que nãodequita espontaneamente depende de sua localiza-ção: caso esta seja muito favorável, indica-se suaremoção; nos outros casos, a regra é deixar a placen-ta para evitar hemorragias maciças, embora essaconduta possa acompanhar-se de complicaçõescomo infecção, formação de abscessos e de bridas.Nos casos complicados por hemorragia devida à in-vasão trofoblástica em área inadequada, restará, emlaparotomia, tentar coibir o sangramento do local.

Neoplasia Trofoblástica Gestacional(NTG)

É constituída por quadros diferentes em que hádenominador comum que é a proliferação anormal

do epitélio trofoblástico. A mola hidatiforme com-pleta resulta de alteração cromossômica, apresen-tando freqüentemente cariótipo diplóide, 46XX.

Nessa patologia, não existe desenvolvimento dofeto e o útero fica preenchido por vesículas trans-lúcidas em forma de gotas de água, que correspon-dem aos vilos coriais, cujo revestimento trofoblás-tico apresenta hiperplasia de graus variados, justi-ficando os níveis elevados de gonadotrofina coriô-nica (hCG), característicos da mola hidatiforme.

É patologia que acomete mais as mulheresorientais e as de nível socioeconômico desfavore-cido. Tem maior freqüência nos extremos da vidareprodutiva, sendo mais comum nas com mais de40 anos.

O quadro clínico baseia-se em sangramento daprimeira metade da gravidez, algumas vezes comeliminação de vesículas. Os níveis elevados de go-nadotrofina podem concorrer para o aparecimen-to de hiperemese gravídica e de toxemia.

Ao exame físico, é freqüente o achado de úte-ro maior que o esperado para a idade gestacionale a ausência de batimentos cardíacos fetais.

Em cerca de 25 a 50% das gestações molares,observa-se nos ovários a presença de cistos teca-luteínicos, resultantes da hiperestimulação dos ane-xos pelo hCG em excesso. Costumam ser bilaterais,multiloculados, podendo estar associados com as-cite. Assumem dimensões variáveis, desde bem pe-quenas até 10cm ou mais de diâmetro, na depen-dência de níveis exacerbados do hCG. Quandomuito sintomáticos, os anexos podem ser submeti-dos à punção por via percutânea ou laparoscópica.

O diagnóstico clínico fundamentar-se-á na iden-tificação da mola hidatiforme pela história e examefísico. Cistos teca-luteínicos volumosos podem serpercebidos à palpação abdominal e ao toque.

O diagnóstico laboratorial mostrará a positivi-dade de testes de gravidez e dosagens elevadas dehCG no sangue, habitualmente com valores maio-res do que 200.000mUI/ml.

O diagnóstico por imagem da neoplasia e dapresença de cistos teca-luteínicos se baseia no exa-me ultra-sonográfico.

O diagnóstico diferencial deve ser feito comaborto retido e leiomioma uterino.

O tratamento da mola hidatiforme completa éo esvaziamento uterino e o seguimento pós-molarpara diagnóstico da involução da doença ou daocorrência de qualquer complicação. Quanto aoscistos teca-luteínicos, eles regridem espontanea-mente após o esvaziamento molar.

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Mola Hidatiforme com Complicaçãode Cisto Teca-luteínico

Os cistos teca-luteínicos podem determinarquadros de abdome agudo, em casos de rotura,torção ou hemorragia. Nessas ocasiões, além dasintomatologia própria da doença, a paciente vaireferir dor e sensibilidade abdominal.

Ao exame, haverá rigidez da parede abdominal eao toque e dor intensa à palpação da área tumoral.Se houver hemorragia para a cavidade abdominal,o quadro de dor se espalhará por todo o abdome.

O diagnóstico por imagem se baseia no exameultra-sonográfico.

A indicação será a laparotomia exploradora,mas tendo em vista a regressão espontânea dessestumores diante de nível menor de hCG, a ooforec-tomia jamais deve ser realizada a menos que oovário tenha sofrido infarto extenso.

O prognóstico com acompanhamento molaradequado costuma ser bom, com manutenção dacapacidade reprodutiva, embora a repetição doquadro em gestação futura seja maior do que napopulação em geral.

NTG Maligna com PerfuraçãoUterina

A malignização da mola hidatiforme situa-seem torno de 20%. Ocorre preferencialmente quan-do os níveis de hCG são mais elevados do que100.000mUI/ml, o útero é maior que o esperado eos cistos teca-luteínicos são maiores que 6cm e emmulheres com mais de 40 anos.

A NTG maligna inclui:• Mola invasora: tumor trofoblástico com pre-

servação da estrutura miometrial, histologica-mente semelhante à mola hidatiforme, excetopela invasão miometrial.

• Coriocarcinoma: tumor com proliferação trofo-blástica que não obedece à estrutura vilositária,com atipias pronunciadas e núcleos pleomórficos.

• Tumor trofoblástico de sítio placentário: advémdo trofoblasto intermediário extravilositário,consiste em população de células mononuclea-res que infiltra e disseca as fibras miometriais.Esses tumores, em geral, são muito agressivos.A NTG maligna pode suceder uma gestação

molar ou gravidez normal e mesmo quadros deabortamento ou gestação ectópica.

O diagnóstico da NTG maligna baseia-se napresença de sangramento genital e níveis elevadosde hCG.

O diagnóstico por imagem da presença deNTG maligna e complicações baseia-se na ultra-sonografia, ressonância magnética e tomografia.

Algumas vezes, a NTG pode determinar inva-são e perfuração uterina, promovendo sangramentopara dentro da cavidade abdominal, e assim oquadro de abdome agudo. Da mesma forma, a in-vasão de vasos pode determinar dor abdominaldecorrente da necrose do tumor. Nesses casos, oquadro clínico incluirá dor e rigidez abdominais tí-picos da perfuração de víscera e presença de san-gue em cavidade.

A conduta será laparotomia e histerectomia,além de eventual intervenção sobre órgãos vizinhoscomprometidos. Haverá necessidade de quimiote-rapia complementar.

O prognóstico é variável na dependência dotipo de neoplasia, presença de metástases e respos-ta à quimioterapia.

Descolamento Prematuro daPlacenta (DPP)

É conceituado como o descolamento intempes-tivo e prematuro da placenta normalmente inseri-da, após a 22a semana da gravidez.

A incidência não é uniforme, na dependênciade numerosas variáveis, mas ocorre aproximada-mente em um a cada 200 partos.

A causa do DPP é desconhecida, mas os fato-res associados são fundamentalmente hipertensãoarterial, idade e paridade maiores, fumo, trombo-filia, uso de drogas, mioma uterino e DPP prévio.Em cerca de 1% das vezes, pode ser devido a umtrauma interno ou externo.

Ao descolar a placenta, ocorre sangramento lo-cal que pode ficar restrito à formação de coáguloretroplacentário, extravasar para a cavidade âmni-ca e formar hemoâmnio ou se exteriorizar pelosgenitais. A infiltração de sangue no miométrio de-termina dissociação e necrose isquêmica das fibrasmiometriais, gerando a apoplexia uterina. As alte-rações sangüíneas são de tal ordem que poderãodeterminar perturbação na coagulação sangüínea,além de isquemia renal e hipofisária.

Clinicamente, a paciente refere sangramento edor abdominal de forte intensidade. Ao exame, per-cebe-se hipertonia uterina, presença ou não de ba-timentos cardíacos fetais e hemoâmnio ou sangra-

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mento genital. Habitualmente, são pacientes hiper-tensas, que podem apresentar níveis normais de PAem vista da perda sangüínea.

O quadro de abdome agudo está relacionado àpresença de hipertonia e dor intensa na localizaçãodo útero.

O diagnóstico é fundamentalmente clínico e aintervenção deve ser muito rápida se o conceptoestiver vivo, uma vez que o descolamento vai de-terminar, em pouco tempo, alteração na passagemde sangue no território materno-fetal, podendocausar a morte do concepto.

Algumas vezes, em razão de dificuldade em es-tabelecer o diagnóstico, o diagnóstico por imagematravés da ultra-sonografia pode ser importante.

O diagnóstico diferencial deve ser feito comPlacenta de Inserção Baixa, outra causa de sangra-mento da segunda metade da gravidez e com tra-balho de parto.

Diante do quadro de dor abdominal intensa efeto vivo a conduta será laparotomia, histerotomia,retirada do concepto. Nos casos complicados poratonia uterina pela infiltração miometrial, por ve-zes é necessário a histerectomia que deverá ser sub-total por ser mais rápida, e atender melhor às con-dições da paciente.

Nos casos em que o feto estiver morto, a con-duta expectante poderá ser tentada por algumashoras, com a prática da rotura das membranaspara diminuir a hipertonia.

O prognóstico materno, em geral, é bom, em-bora algumas vezes haja comprometimento quan-to à capacidade reprodutiva.

Rotura Uterina

Caracteriza-se pela abertura da parede mio-metrial com comunicação entre a cavidade uteri-na e a peritoneal, geralmente associada a sangra-mento volumoso das bordas da lesão definindo apresença de acidente hemorrágico.

Ela será completa ao existir comunicação dire-ta com a cavidade peritoneal, e incompleta se res-tar peritônio visceral íntegro.

Geralmente, ocorre durante o trabalho de par-to, e é muito mais freqüente quando existe cicatrizuterina prévia ou se houver indução do trabalho departo, ou ainda se este for muito longo. Raras ve-zes decorre de traumas por acidente de trânsito,traumas contusos e ferimentos por arma branca oude fogo, durante a gravidez.

O quadro clínico vai mostrar a parada das con-trações uterinas, o aparecimento de duas massas dis-tintas no abdome: feto e corpo uterino, desapareci-mento dos batimentos cardíacos fetais, sinais de hi-povolemia materna e quadro de dor abdominal pelapresença de sangue, líquido e feto na cavidade, oque vai constituir o quadro de abdome agudo.

Habitualmente, o diagnóstico é clínico e osexames de imagem não são realizados pela emer-gência da situação. Em raras situações, a ultra-so-nografia abdominal pode mostrar a saída do con-cepto para dentro da cavidade abdominal.

Detectada a rotura, a laparotomia deve serimediata. Em geral, é necessária a realização dehisterectomia, que poderá ser total ou subtotal.

O prognóstico materno depende da precisão nodiagnóstico e intervenção rápida. O prognóstico fe-tal é sombrio, e a mortalidade referida é de 50 a75%.

Infecção Puerperal

É classicamente definida como a que se origi-na no aparelho genital após o parto recente. Ocorreem 1 a 8% das puérperas.

Tem como fatores anteparto predisponente àrotura prematura das membranas, anemia mater-na, desnutrição, estado socioeconômico desfavo-recido, vulvovaginites, presença de patologiasclínicas maternas debilitantes. Entre os fatorespredisponentes intraparto, os principais são tra-balho de parto prolongado, tempo de rotura dasmembranas superior a 12 horas, número exces-sivo de toques vaginais, perda sangüínea grandee operação cesariana.

O agente responsável pela infecção pode iniciaro processo por via exógena ou endógena, esta últi-ma a mais freqüente, devida a microorganismosprovenientes da vagina, da cérvice ou do intestino.Geralmente, é polimicrobiana, e os anaeróbios cos-tumam ser os mais freqüentes.

O desenvolvimento do processo infeccioso de-penderá do grau de contaminação, da virulência dogerme e das condições locais dos tecidos.

O diagnóstico é eminentemente clínico e se ba-seia em febre, comprometimento do estado geral,dor abdominal, subinvolução e amolecimento ute-rinos e alteração do material eliminado pelo útero.

A forma mais freqüente é a localizada, carac-terizada pela endometrite. A partir dela vão-se ori-

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ginar as formas propagadas. Por continuidade,pode acontecer salpingite ou salpingo-ooforite, ecom a evolução do processo, quadros de pelviperi-tonite e peritonite generalizada. Por contigüidade,o processo infeccioso progride pela intimidade mio-metrial, e as miometrites graves podem evoluirpara formas supurativas e dissecantes, com perdade substância uterina e necrose.

Estes são os eventos da infecção puerperal quedeterminam quadros de abdome agudo inflamató-rio, caracterizado por dor abdominal, febre, resis-tência ao toque da região anexial, mobilização do-lorosa do colo uterino e dor ao toque do fundo-de-saco de Douglas.

O diagnóstico é fundamentalmente clínico.Exames laboratoriais com alteração no hematoló-gico podem confirmar o quadro infeccioso.

Os exames radiológicos, a ultra-sonografia, atomografia computadorizada e a ressonância pode-rão ser importantes.

O tratamento clínico baseia-se na manuten-ção das condições hemodinâmicas e no uso de an-tibióticos.

O tratamento cirúrgico dos quadros de abdo-me agudo inflamatório por infecção puerperal ba-seia-se na laparotomia, drenagem das lojas e even-tual histerectomia nos quadros de necrose uterina.

A infecção puerperal é uma das três grandescausas de morte materna. Por essa razão, as deci-sões não devem ser postergadas.

CAUSAS GINECOLÓGICAS

Tumor de Ovário Complicado

Segundo Katz e col. (1993) uma a cada 200gestações cursa com a presença de massa ovaria-na. Qualquer tipo de tumor de ovário pode com-plicar a gravidez e provocar abdome agudo. O tu-mor ovariano mais freqüente na gestação é o tera-toma cístico.

Todas as complicações dos tumores de ovárioque podem determinar abdome agudo acontecemmais nos tumores de grandes dimensões e nos só-lidos. Na gravidez, a mais freqüente é a torção.

Torção do Tumor de Ovário

Acontece em 10 a 15% dos tumores de ová-rio associados à gestação. Geralmente, ocorre nos

momentos em que o útero se eleva com veloci-dade rápida (oito a 16 semanas) ou nos primei-ros dias do puerpério, quando ele diminui comvelocidade.

O quadro clínico se inicia com dor repentina noandar inferior do abdome, náuseas, vômitos e, àsvezes, sinais de choque. O abdome fica rígido, do-loroso e com agravamento da dor à descompressão.Na torção incompleta, o quadro pode não ser tãodeclarado, mas quase sempre há sinais de irritaçãoperitoneal, distensão abdominal e dor.

Caso o diagnóstico dessa complicação não sejafeito, a evolução determinará hemorragia intratu-moral, necrose, infecção e rotura.

O diagnóstico clínico fica facilitado pelo conhe-cimento prévio da presença do tumor à gravidez ouno início da mesma. O diagnóstico da presença dotumor pode ser feito pelo ultra-som ou pela resso-nância magnética, e o da torção deve ser clínico,eventualmente auxiliado pelo Doppler colorido.

O diagnóstico diferencial deve ser feito comgestação ectópica rota, obstrução intestinal, com-plicação de mioma uterino.

A conduta será laparoscopia ou laparotomiapara ressecção do tumor que sofreu torção. O prog-nóstico será ruim se houver evolução do quadro.

Tumor de Ovário como FatorObstrutivo ao Parto

Algumas vezes, o ovário aumentado pelo tumorpode funcionar como fator de obstrução à evoluçãodo trabalho de parto.

Na maioria das vezes, são tumores que erampequenos no primeiro trimestre e que cresceramrapidamente durante a gravidez, atrás do útero,sem que fossem percebidos. Eles caem no fundo-de-saco em razão do peso e volume, e no momentodo parto funcionam como obstrução ao trajeto daparturição.

Nesses casos, o feto não consegue passar pelocanal de parto, se a obstrução não for tratada. Oútero sob pressão por muito tempo pode romper-se e o trauma do trabalho de parto pode resultarem tumor, hemorragia intratumoral seguida de ne-crose e infecção e rotura, se o tumor for cístico. Ascomplicações sofridas pelo tumor podem causarhemorragia intra-abdominal, peritonite química oudisseminação de neoplasia maligna, se o tumor ti-ver tal característica histológica.

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O quadro clínico inicial é de dor em cólicapersistente no trabalho de parto sem que hajadescida da apresentação, seguido de sinais peri-toneais.

O diagnóstico por imagem pode ser reveladopela ultra-sonografia, tomografia e ressonância.

A conduta será laparotomia para a realizaçãoda cesárea seguida da ressecção do tumor.

Perfuração do Tumor de Ovário eTumor de Ovário Hemorrágico

Ambas as complicações são mais freqüentes nostumores císticos de grande volume que estiveremsob grande pressão. O quadro clínico e o diagnós-tico são semelhantes aos encontrados na torção.

Mioma Uterino

Leiomiomas uterinos são achados comuns noútero gravídico, ocorrendo em 0,5 a 5% das ges-tantes. São mais freqüentes nas mulheres com maisde 30 anos.

Na maioria das vezes, os miomas cursam coma gestação sem complicá-la, entretanto a localiza-ção e o tamanho podem alterar essa regra.

Os que podem causar quadros de abdome agu-do são os mais volumosos que sofrem mais freqüen-temente degeneração durante a gravidez, e os pedi-culados, que podem sofrer torção; os outros miomassó causarão complicações abdominais ao se transfor-marem em tumores que causem obstrução ao parto.

Quase todos os miomas aumentam de volumedurante a gravidez, por edema. Isso dificulta o apor-te sangüíneo e é a principal causa das alteraçõesdegenerativas. Geralmente, a degeneração vermelhaocorre no segundo e terceiro trimestres e caracteri-za-se por dor local, leucocitose e sinais de irritaçãoperitoneal. Usualmente, o tratamento clínico comrepouso e analgésicos faz com que haja remissão doquadro em quatro a sete dias. Entretanto, algumasvezes pode acontecer infarto severo, necrose ou in-fecção secundária, o que indicará a laparotomia.

Da mesma forma, a cirurgia estará indicadanos casos de mioma subseroso pediculado que so-fra torção, o que costuma acontecer com as mes-mas características da torção de tumor ovariano.

Diante destas complicações, o diagnóstico clí-nico fica facilitado pelo conhecimento prévio à

gravidez ou no início da mesma, da presença domioma e se ele é ou não pediculado.

O diagnóstico por imagem vai-se basear no ul-tra-som com Doppler colorido, na tomografia e naressonância magnética.

Tanto na degeneração como na torção de pedí-culo, deve-se tentar inicialmente a miomectomia e,na impossibilidade desta, realizar a histerectomia.

O prognóstico dependerá do volume e das ca-racterísticas do mioma, uma vez que esse é o prin-cipal determinante do sangramento durante o atooperatório.

CAUSAS EXTRATOCOGINECOLÓGICAS

Apendicite Aguda

É a causa mais comum de dor abdominal nãoobstétrica durante a gravidez. Ocorre em aproxi-madamente um a cada 1.500 gestações.

A gravidez torna o diagnóstico da apendicitemais difícil, pois a anorexia, náusea e vômitos queacompanham a gravidez normal são sintomas usuaisda apendicite aguda. Além disso, conforme o úte-ro aumenta com o desenvolver da gravidez, deslocao apêndice para cima e para o lado direito, levan-do-o próximo ao flanco direito. Isto faz com que ador e sensibilidade não se iniciem pelo local habi-tual, no ponto de McBurney, e sim no flanco direi-to, fazendo com que os sintomas sejam confundi-dos com patologia hepática ou vesicular.

Na gravidez, algum grau de leucocitose é co-mum e isso atrapalha o diagnóstico laboratorial daapendicite. Também no último trimestre, muitasmulheres não apresentam quadro de dor típica daapendicite. Além disso, durante a gravidez, outraspatologias podem ser confundidas com a apendici-te, como infecção urinária, DPP, degeneração demioma etc.

Como o apêndice é progressivamente desloca-do para cima, o omento fica menos hábil em con-ter a infecção e há maior risco de perfuração doapêndice e posterior peritonite. Segundo Tracey &Fletcher (2000), metade das gestantes com apen-dicite sofre perfuração do apêndice.

O diagnóstico de apendicite aguda na gravidezdeve ser pensado sempre que houver febre e dorabdominal persistente.

Fora da gestação, a ultra-sonografia é importan-te ao auxiliar no diagnóstico; entretanto, o desloca-mento cecal e o volume uterino dificultam a realiza-

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ção e interpretação desse exame. Da mesma forma,a tomografia é um método dificultado na gestação.

Se houver suspeita de apendicite aguda na gra-videz, a exploração cirúrgica deverá ser imediata,pois o erro diagnóstico com apendicectomia nãonecessária parece causar menos morbimortalidadeque a cirurgia realizada com peritonite generaliza-da. O erro diagnóstico relatado em literatura é de25% no primeiro trimestre e de 40% nos dois últi-mos (Stone, 2002).

No primeiro trimestre da gravidez, a interven-ção laparoscópica é possível, mas, quando o úteroestiver volumoso, a intervenção necessária será alaparotomia. O manejo cuidadoso e o deslocamentodiscreto do útero são medidas a serem adotadasdurante a cirurgia.

O prognóstico costuma ser bom nos casos deapendicite não complicada; entretanto, na presen-ça de peritonite, é freqüente o desencadeamento decontrações uterinas de trabalho de parto. A apen-dicite durante a gravidez pode determinar maiorocorrência de aborto, parto prematuro e perda fetal.

A apendicectomia precoce reduziu a mortematerna a menos que 0,5% e a taxa de perda fe-tal a menos que 10% (Tracey & Fletcher, 2000). Oaumento da morbidade e de mortalidade maternaé quase sempre relacionado ao retardo na indica-ção da cirurgia.

Quadros de apendicite aguda no puerpério sãoraros. Caso aconteçam, o diagnóstico é particular-mente difícil em razão da leucocitose normal nopuerpério e outras intercorrências puerperais comsinais e sintomas semelhantes. Nesse período, apresença de anorexia com qualquer evidência deirritação peritoneal deve sugerir apendicite.

Úlcera Gastroduodenal Perfurada

A úlcera pode ser conseqüência de gastrite crô-nica induzida por Helicobacter pylori, por doençapéptica e ainda pelo uso de medicamentos, princi-palmente os antiinflamatórios não-hormonais.

Durante a gravidez, a secreção gástrica ficabastante diminuída; portanto, a freqüência dedoença péptica na gestação é muito pequena. Ge-ralmente, mesmo as pacientes que tinham quadrosintomático de úlcera péptica antes da gravidezapresentam melhora da sintomatologia.

As complicações da úlcera gastroduodenal in-cluem a possibilidade de hemorragia e de perfura-ção. As duas são eventos muito raros na gravidez.

Em caso de perfuração, teremos configuradoquadro de abdome agudo. O exame físico mostraabdome rígido e diminuição ou ausência de RHA.O útero gravídico torna mais difícil a palpação e odiagnóstico.

O tratamento será a laparotomia exploradorapara o tratamento da úlcera perfurada e a condutaobstétrica dependerá da idade gestacional.

Oclusão Intestinal

O quadro de obstrução intestinal é raro durantea gestação; a incidência referida em literatura variade 1:20.000 a 1:65.000 partos.

A causa mais freqüente da obstrução são asaderências devidas a cirurgias prévias, incluindocesárea. Volvo é outra causa comum, e ocorre prin-cipalmente no último trimestre ou no puerpérioprecoce. A ocorrência concomitante de neoplasia ehérnia encarcerada é pouco freqüente.

A obstrução intestinal geralmente resulta dapressão do útero aumentado sobre aderências intes-tinais. Existem três momentos da gravidez em quea obstrução intestinal costuma acontecer com maiorfreqüência: quando o útero sai da pequena bacia, nofinal da gestação com a descida da apresentação fe-tal, e no pós-parto imediato, quando existe mudançarápida do tamanho do útero (Stone, 2002).

As gestantes apresentam náusea e vômito, dore rigidez abdominal e RHA anormais. A obstipaçãointestinal é mais freqüente nas obstruções baixas,mas nos quadros de obstrução parcial pode não serconstante e trazer confusão ao diagnóstico.

A possibilidade de erro diagnóstico é grande emrazão da confusão com sintomas próprios da ges-tação. O atraso no diagnóstico e a relutância naindicação de cirurgia em gestante, além do preparoinadequado, podem tornar os episódios de obstru-ção intestinal muito graves durante a gravidez, comelevados índices de mortalidade materna e fetal.

Existe ainda a necessidade de referência àpseudo-obstrução do colo causada por íleo adinâ-mico, que é rara. Entretanto, em 10% das vezesacontece no puerpério imediato de partos normaisou cesáreas. A síndrome é caracterizada por disten-são abdominal maciça com dilatação do ceco, quepode assumir proporção tão grande que determinea rotura da alça. Recomenda-se a descompressãoquando houver diâmetro da alça maior ou igual a10 a 12cm. O tratamento é a tentativa de reversãocom o uso de neostigmina EV ou por colonoscopia.

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Colecistite Aguda

Os cálculos biliares são mais comuns no sexofeminino, e grande parte das mulheres com maisde 40 anos os apresentam. São pouco freqüentes nagestação, e, quando acontecem, geralmente as pa-cientes são multíparas e idosas.

Parece que as modificações hormonais da gra-videz determinam maior risco de formação de cál-culo biliar por aumentar a secreção biliar de coles-terol. Também as modificações próprias da gravi-dez, como o aumento do volume da vesícula, len-tidão do esvaziamento e maior volume residual debile, são fatores importantes.

Os cálculos biliares podem ser causa de cóli-ca biliar e colecistite quando obstruírem o ductocístico e houver infecção bacteriana. A obstruçãodo colédoco determina icterícia, colangite e pan-creatite.

As modificações da gravidez contribuem paramaior risco de formação de cálculo, mas, aomesmo tempo, a lentidão da vesícula torna me-nos possível sua mobilização ou a obstrução doducto.

A cólica biliar é dor visceral que costuma du-rar duas a três horas, por obstrução passageira doducto cístico, ocorre geralmente uma a duas horasapós refeição e se localiza no epigástrio ou no qua-drante superior direito.

A obstrução do cístico complicado por infecçãobacteriana caracteriza o quadro de colecistite agu-da, e compreende dor, anorexia, náusea, vômito,febre baixa e leucocitose.

O achado de cálculo biliar assintomático emUS durante a gravidez é freqüente, variando de2,5% a 10% na literatura. A colecistectomia nessescasos não estará indicada.

O tratamento da cólica biliar deve ser sintomá-tico, uma vez que os quadros costumam perdurarsomente por algumas horas. A conduta cirúrgicadeve ser indicada nos casos de falha do tratamen-to medicamentoso.

Nos casos de colecistite, deve-se instituir tra-tamento medicamentoso com sonda nasogástrica,fluido EV, antibioticoterapia e analgésicos antesda cirurgia. Mas, o consenso atual é de que a co-lecistectomia deve ser indicada precocemente(Muench e col., 2001).

Quando possível, a colecistectomia por laparos-copia é a primeira opção, e pode ser realizada até30 semanas, mesmo com o útero aumentado.

O atraso no diagnóstico e a relutância em in-dicar a cirurgia durante a gestação aumentam orisco de prematuridade, de morte perinatal e damorbidade materna.

Pancreatite Aguda

Inflamação aguda do pâncreas que se deve àativação do tripsinogênio pancreático seguido deautodigestão, caracterizada pela rotura da mem-brana celular e proteólise, edema, hemorragia enecrose.

Geralmente, é decorrente de colelitíase ou deabuso de álcool. Na gravidez, quase sempre temcomo fator predisponente a litíase biliar. Tambémé encontrada em pós-operatório, associada a trau-ma, a drogas, à esteatose hepática aguda da gra-videz, à hipertrigliceridemia familiar e a algumasinfecções virais.

Na gravidez há relatos de incidência de1:1.500 (Swisher e col., 1994) a 1:4.000 (Legro &Laifer, 1995).

O quadro clínico é de dor epigástrica intensa,que pode-se irradiar para o dorso, náuseas e vômi-tos profusos, rigidez e distensão abdominal. Geral-mente, há febre não muito elevada, taquicardia ehipotensão. No exame físico, há rigidez abdominal.

Os exames laboratoriais revelam níveis elevadosde amilase e lipase no soro. Usualmente, há leuco-citose e hipocalcemia. O diagnóstico na gravidez sebaseia nos mesmos achados de fora da gravidez;entretanto, em grande parte dos casos, o diagnós-tico inicial é confundido com hiperemese gravídica.

O tratamento é usualmente clínico com analgé-sicos, hidratação EV e jejum oral para diminuir asecreção pancreática. Antibióticos devem ser pres-critos nos casos de pancreatite necrotizante. Namaioria dos casos, a pancreatite é autolimitada eem três a sete dias o processo começa a ceder. Otratamento da pancreatite durante a gravidez éigual ao de não-gestantes. Geralmente, o trata-mento clínico é suficiente, mas como geralmenteestá associada à litíase, há necessidade de colecis-tectomia posterior à pancreatite.

O diagnóstico diferencial deve ser feito com hi-peremese gravídica, DPP, gravidez ectópica e tra-balho de parto.

O prognóstico fica reservado tanto para a mãequanto para o feto nos casos de pancreatite necro-tizante, e em geral é bom nos casos autolimitados.

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Rotura de Fígado

A rotura de fígado na gravidez está geralmen-te associada à pré-eclâmpsia grave e é pouco fre-qüente.

Nos casos típicos, o hematoma é subcapsular,na superfície diafragmática do lobo direito, mastambém pode ser intra-hepático. O hematoma he-pático pode-se apresentar com dor no hipocôndriodireito e rigidez abdominal.

Os casos de rotura hepática cursam com he-morragia severa e distensão abdominal que reque-rem intervenção cirúrgica de emergência, já que ahemorragia costuma ser profusa e o choque se ins-tala rapidamente.

A hemostasia local pode ser conseguida comsutura, cauterização ou laser, caso contrário deve-se indicar ligadura da artéria hepática ou ressecçãoparcial do fígado.

A cesárea deverá ser realizada se o concepto ti-ver condições de vida extra-uterina.

O prognóstico é reservado com índices altos demortalidade materna e fetal.

Pielonefrite Aguda

Durante a gravidez o trato urinário sofre mu-danças anatômicas e funcionais importantes. Ocor-re dilatação do trato urinário (cálices, pélvis renale ureteres) que se deve ao relaxamento ocasionadopelas mudanças hormonais e à compressão causadapelo útero aumentado de volume, o que justifica ofato de ser mais acentuada à direita.

A dilatação, a obstrução e o aumento do reflu-xo vesicoureteral são fatores que predispõem agestante a uma maior freqüência de infecção uri-nária alta.

A pielonefrite aguda que representa a infecçãodo parênquima, cálices e pélvis renal acontece em2% das grávidas. Ela é mais comum na segundametade da gravidez e, geralmente, é causada porgermes do trato genital inferior.

Na grande maioria das vezes, a sintomatologiaé constituída por dor lombar, febre, calafrios, sin-tomas urinários, náuseas e vômitos.

O exame do sedimento urinário vai revelarbacteriúria e leucocitúria, a cultura identifica-rá o agente, que, na maioria das vezes, será aEscherichia coli.

O agravamento do quadro pode determinardor abdominal e o diagnóstico pode ser confundi-

do com trabalho de parto, descolamento prematu-ro de placenta, apendicite aguda e outros.

O tratamento baseia-se na hidratação e antibio-ticoterapia EV. Na maioria das vezes, a evolução éboa; entretanto, alguns casos podem evoluir paraabscesso renal com piora do prognóstico materno.

O diagnóstico por imagem, através de US, RXe ressonância, pode ser importante na busca deobstruções, complicações ou diferenciação de diag-nóstico.

Em relação ao concepto, o maior risco da pie-lonefrite é a ocorrência da prematuridade.

Litíase Renal

A litíase de vias urinárias é mais freqüente emhomens, mas acontece duas vezes mais na grávidaque na não-grávida (Shokeir, 2002).

A gestação parece não ser influenciada pela có-lica renal, a não ser pela possibilidade de infecçãourinária.

A mobilização do cálculo e conseqüente obstru-ção cursam com dor lombar intensa em caráter decólica, que se irradia até o membro inferior, náusease vômitos. Dependendo da localização do cálculo, ador pode manifestar-se no abdome, no trajeto doureter, especialmente na fossa ilíaca direita.

O laboratório poderá auxiliar o diagnóstico aorevelar hematúria.

O diagnóstico por imagem se fundamentará naradiografia simples e na ultra-sonografia, às vezesauxiliado pelo Doppler colorido indicando não haverjato urinário para dentro da bexiga. Na gravidez, adilatação pode mascarar a presença da obstrução.

O tratamento será hidratação e analgésicos EV,aguardando a passagem espontânea do cálculo, oque acontece em 75% das vezes. Nos outros 25%,haverá necessidade de procedimentos invasivos, ena gestação dá-se preferência à passagem de son-da duplo J. Excepcionalmente, há necessidade deprocedimento cirúrgico.

Outras patologias podem determinar quadrosde abdome agudo em Obstetrícia. O obstetra devesempre ter em mente que as modificações gravídi-cas podem mascarar e retardar o diagnóstico, eque esse atraso pode determinar piora significati-va na morbidade e mortalidade materna e fetal.Assim, o concurso do diagnóstico por imagem seráimportante e não deve ser retardado, pois a idéiade que podem apresentar riscos à gravidez nãocabe diante dos benefícios que podem trazer.

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DIAGNÓSTICO POR IMAGEM

As causas de dor abdominal aguda na pacien-te grávida podem ser divididas entre aquelas quesurgem a partir de uma complicação da própriagravidez e as que não estão relacionadas à gesta-ção. Entretanto, nesse último grupo, os sintomas esinais da doença podem ser alterados pelas mudan-ças fisiológicas da gravidez, tal como na apendici-te aguda, em que a posição do apêndice pode sermodificada pelo crescimento uterino.

Condições exclusivas da paciente obstétrica quepodem determinar um quadro de abdome agudoincluem: gravidez ectópica rota, complicações datoxemia gravídica, descolamento prematuro daplacenta, ruptura uterina, perfuração uterina (trau-mática ou por acretismo placentário), infecção pu-erperal complicada e abortamento infectado. Emmais de 30% das gestantes com dor abdominalaguda o diagnóstico é inespecífico.

As modalidades de imagem disponíveis incluemultra-sonografia, radiografia simples do abdome,medicina nuclear, tomografia computadorizada eressonância magnética. A ultra-sonografia apresen-ta um papel principal na assistência à gestanteporque nenhum efeito adverso foi descrito nos vá-rios anos em que esse método tem sido utilizado. Aressonância magnética (RM) possui a vantagem denão utilizar radiação ionizante; entretanto, não estáprovada sua inocuidade ao feto. Recomenda-se quea RM seja evitada no primeiro trimestre e deva serutilizada como método alternativo à ultra-sonogra-fia. O contraste paramagnético (gadolínio) atraves-sa a placenta e está contra-indicado, exceto nas si-tuações em que a gravidez precisa ser determinada.

Quando na gestação há a necessidade da ava-liação através de um exame de imagem que utili-ze radiação ionizante, a paciente deve ser adequa-damente informada. Todo o cuidado deve ser to-mado para se minimizar a dose radiada para ofeto, selecionando técnica apropriada, colimação dofeixe, limitação do número de exposições e proje-ções. A tomografia computadorizada permite umadose pequena de radiação espalhada para o feto,conquanto o mesmo não seja incluído no plano decorte das imagens.

CAUSAS DE ABDOME AGUDO

NÃO-RELACIONADAS À GRAVIDEZ

Apendicite Aguda

A ultra-sonografia deve ser o primeiro métodode imagem na suspeita de apendicite aguda nagravidez. No primeiro trimestre, a posição do apên-dice encontra-se pouco alterada, localizando-se nafossa ilíaca direita. Com a progressão da gestação,há um deslocamento superiormente, tal que porvolta do oitavo mês 93% das pacientes apresentamapêndice acima da crista ilíaca e 80% mostramhorizontalização de sua base.

Durante o exame ultra-sonográfico, a mobiliza-ção da paciente pode ajudar a diferenciar entreapendicite e dor uterina ou anexial. Se a pacienteé posicionada em decúbito lateral esquerdo e a dorpersistir à direita, isso sugere irritação peritoneal ea hipótese de apendicite torna-se mais provável. Sea dor varia de intensidade com a mudança de de-cúbito, sugere acometimento do útero ou anexos.

Os critérios ultra-sonográficos para o diagnósti-co de apendicite compreendem a detecção de umaestrutura tubuliforme, em fundo cego, com paredesespessadas (maiores que 3mm), no local da dor(Fig. 10.1). Nas pacientes não-gestantes, no caso deuma ultra-sonografia negativa, uma tomografia com-putadorizada é, em geral, realizada. Dependendo doperíodo gestacional e das condições de saúde da grá-vida, uma laparotomia exploradora pode ser a abor-dagem mais apropriada, em vez da tomografia.

Nos casos em que há a necessidade de se evi-tar um procedimento anestésico ou cirúrgico, umaTC sem contraste deve ser considerada. A ausênciade contraste limita o número de cortes a serem rea-lizados e evita os riscos das reações adversas aomeio de contraste. Se o exame sem contraste nãoelucidar o diagnóstico, a escolha entre o exame to-mográfico completo e a exploração cirúrgica deve-rão ser analisadas individualmente.

Colecistite Aguda

A paciente gestante apresenta volume residualvesicular duas vezes maior do que o encontrado em

IMAGEMLory Dean Couto de BritoDavid Shigueoka

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não-gestantes, demonstrado após testes com ali-mentação rica em lipídios. Barro biliar é identifica-do em 25% das puérperas, passando para 4% nogrupo analisado após um ano. Calculose vesicularassintomática pode ser observada em até 5% dasmulheres durante a gravidez e o puerpério.

A ultra-sonografia é o método-padrão para odiagnóstico da colecistite aguda, apresentando umaacurácia de 97% na paciente grávida. Os achadossão os mesmos encontrados na paciente não-grávi-da: cálculos biliares, cálculo impactado no infundí-bulo vesicular, sinal ultra-sonográfico de Murphy(vesícula biliar focalmente sensível e dolorida), es-pessamento difuso das paredes, líquido perivesicu-lar e dilatação da vesícula (Fig. 10.2). O pâncreasdeve ser cuidadosamente avaliado, pois, nos casosde pancreatite aguda associada, o risco de mortefetal aumenta de 5% para até 60%.

Pancreatite

O diagnóstico de pancreatite tradicionalmentedepende dos níveis sangüíneos elevados de amila-se e lipase. Na paciente não-gestante, a tomogra-fia computadorizada é o exame de escolha para aavaliação das complicações da pancreatite. Na ges-

tante, a ultra-sonografia é imprescindível para aavaliação de litíase vesicular ou colecistite associa-das. A partir da segunda metade da gestação, oacesso ao pâncreas torna-se limitado, e, em umapaciente com íleo adinâmico, a quantidade de gásnos colos prejudica ainda mais sua visualização.

Os achados ultra-sonográficos podem ser nega-tivos nas pancreatites leves. No entanto, o examepode encontrar a causa da pancreatite, como umacoledocolitíase ou outro diagnóstico diferencial. Napancreatite difusa, o pâncreas progressivamentetorna-se hipoecogênico em relação ao fígado nor-mal e aumenta de tamanho. Na pancreatite focal,a lesão deve ser diferenciada de uma neoplasia ouseqüência de uma pancreatite crônica.

Nos casos em que há a dúvida entre explora-ção cirúrgica ou realização do exame tomográfico,cada caso deve ser analisado em particular. A to-mografia avalia não só a extensão do acometimentonecrótico nos casos mais graves, como detectacomplicações como hemorragias, massas inflama-tórias, coleções líquidas intra e extrapancreáticas ea formação de pseudocistos. Se disponível, a resso-nância magnética pode avaliar mudanças no pa-drão. O diagnóstico de necrose pancreática requerinjeção do contraste paramagnético endovenoso,contra-indicado na gestação.

Fig. 10.1 — Exame ultra-sonográfico da fossa ilíaca direita de uma gestante de 13 se-manas evidenciando apêndice cecal com paredes espessadas (pontas de seta). Observea morfologia tubuliforme com fundo cego. Corte longitudinal.

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Oclusão do Intestino Delgado

Apesar de incomum durante a gestação, é asegunda indicação mais comum de intervenção ci-rúrgica por causa não-obstétrica. De 60% a 70%dos casos são secundários a bridas.

Nos quadros obstrutivos, a ultra-sonografia podeauxiliar na avaliação do intestino delgado. Quandoobstruído, as alças apresentam-se distendidas e re-pletas de líquido. O exame tomográfico deve serrealizado, em uma única aquisição, para avaliaçãoda causa da obstrução. A dose de radiação desseprocedimento é baixa e o risco de indução de umaanomalia fetal é significativamente menor do que osriscos inerentes ao diagnóstico tardio.

Complicações de Úlcera Péptica

Na gravidez, os sintomas relacionados à doençaulcerosa péptica tendem a melhorar e suas compli-cações são mais raras do que na população não-gestante. A endoscopia é o método de escolha parao seu diagnóstico e complicações.

A radiografia simples apresenta papel funda-mental na confirmação de quadros perfurativos.

Uma incidência do tórax em perfil apresenta altasensibilidade para a detecção de pneumoperitônio,além de não expor o feto diretamente ao feixe deraios X. A tomografia deve ser reservada para os ca-sos em que ainda permanecer a dúvida diagnóstica.

Litíase e Obstrução Renal

Quadros de cólicas renais são a causa mais co-mum de dor na gestante, e causas comuns de ad-missões hospitalares nesse grupo. A maioria daspacientes encontra-se no segundo ou terceiro tri-mestre e são tratadas de modo conservador. É im-portante o diagnóstico correto da litíase renal,pois a conduta difere significativamente dos casosde pielonefrite. No terceiro trimestre, deve ser lem-brada a apendicite aguda, que se apresenta comquadro de dor em locais atípicos e pode ser confun-dida com cólica renal ou pielonefrite à direita.

O diagnóstico de obstrução é complicado nagestante porque existe uma dilatação fisiológica dosistema coletor, normal para esse grupo, encontradoem 90% das gestações no terceiro trimestre. A di-latação inicia-se entre a sexta e a décima semanase progride até o fim da gravidez. A dificuldade é

Fig. 10.2 — Ultra-sonografia do abdome superior. Vesícula biliar (vb) com pa-redes espessas, delimitadas pelas pontas de seta. Observa-se cálculo biliar impac-tado na região do infundíbulo, imóvel, formando sombra acústica posterior (seta).

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ainda maior quando se considera o fato de que 20%dos pacientes com obstrução aguda não apresen-tam hidronefrose no início do quadro.

À ultra-sonografia, alguns achados auxiliam nadiferenciação dos quadros obstrutivos: grau de di-latação pielocalicial, assimetria das dimensões re-nais, dilatação do ureter e identificação do pontoobstruído, cálculos, presença da simetria dos jatosurinários intravesicais e alterações nos índices deresistência (IR) das artérias intra-renais (Fig. 10.3).

A obstrução aguda renal eleva a resistência vas-cular dentro de seis horas do início da obstrução,precedendo a dilatação do sistema coletor. Reco-menda-se a comparação dos IRs de ambos os rins,podendo-se considerar IRs normais quando foremmenores do que 0,7.

A detecção do cálculo ureteral distal nas gesta-ções tardias é tecnicamente dificultada pela não-vi-sualização do retroperitônio devido à presença dofeto (Fig. 10.4). A ultra-sonografia endovaginal coma utilização do Doppler colorido pode avaliar obstru-ções no nível em que o ureter cruza os vasos ilíacos.

A avaliação dos jatos ureterais através do modocolorido deve ser realizada visualizando-se ambosos orifícios intravesicais. O efeito pode ser otimizado

em uma paciente previamente bem hidratada ecom pequena repleção vesical. A ausência do jatoureteral no lado com suspeita de obstrução é 100%sensível e 91% específico. Na paciente grávida, seo jato não for visualizado com a paciente em decú-bito dorsal, é essencial que seja reexaminada emdecúbito contralateral ao lado em investigação.

Em um pequeno grupo no qual a ultra-sonogra-fia for inconclusiva, deve ser considerada a realiza-ção de uma urografia excretora. A técnica do examedeve compreender baixa voltagem, colimação cuida-dosa, filmes rápidos e em quantidade limitada. Pre-coniza-se a realização de uma radiografia simples.Após a injeção do contraste endovenoso, a área dosrins deve ser radiografada no primeiro minuto. Casoseja observado um nefrograma satisfatório, uma se-gunda radiografia de todo o abdome é obtida apósuma hora. Se não, são realizadas radiografias aos 15minutos (localizada) e após duas horas (total).

Como há a necessidade de se avaliar a pelve, oexame tomográfico acarreta uma alta dose de radia-ção para o feto e a relação risco-benefício deve seravisada e consentida pela paciente. Se disponível, aressonância magnética pode identificar cálculos e adilatação ureteral nas seqüências ponderadas em T2,devendo ser evitada no primeiro trimestre.

Fig. 10.3 — Ultra-sonografia do abdome em gestante de 23 semanas. Corte longitudi-nal do rim esquerdo evidenciando presença de cálculo urinário (seta) no terço proximaldo ureter que determina hidroureteronefrose a montante. Observe a tênue sombra acús-tica posterior produzida pelo cálculo (pontas de seta).

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Infecções do Trato Urinário

De 10% a 15% das infecções do trato urináriocomplicam durante a gravidez, envolvendo primei-ramente o trato urinário baixo. Pielonefrite ocorreem cerca de 1% a 2,5% das gestações. Nas pacien-tes com litíase renal conhecida, a incidência de in-fecção aumenta em até 45%.

O diagnóstico é eminentemente clínico e labo-ratorial. A ultra-sonografia é o primeiro exame paraavaliação dos rins e possíveis complicações, comomassas inflamatórias ou abscessos. Nos casos duvi-dosos, a tomografia localizada para visualizaçãodos rins pode ser realizada, inferindo baixa dose deradiação. Se houver a necessidade de drenagem davia urinária infectada, uma nefrostomia percutâneaguiada pela ultra-sonografia pode ser realizada.

CAUSAS RELACIONADAS AO ÚTERO E

AOS ANEXOS

De 10% a 40% das pacientes com miomas ute-rinos terão complicações durante a gravidez, e es-tão associados a trabalho de parto prematuro, dor,distocias e descolamento prematuro de placenta. Ador relacionada a miomas pode ser intensa, espe-

cialmente se houver aumento de suas dimensões(em geral, maiores que 5cm).

A degeneração vermelha do mioma é o tipomais comum durante a gravidez. À ultra-sonogra-fia, podem ser observadas áreas císticas com ecosheterogêneos no interior do mioma (Fig. 10.5). Aco-mete cerca de 8% das pacientes grávidas com mio-mas fibróides, podendo manifestar dor nessa área.

Massas anexiais podem-se apresentar como umquadro de dor aguda secundária à torção. Na ges-tação, em ordem decrescente de freqüência, os prin-cipais diagnósticos diferenciais a serem consideradosincluem: teratoma cístico, endometrioma, cisto sim-ples, cistoadenoma e cisto tubário. A ultra-sonogra-fia pode sugerir sinais de benignidade da massa.

A torção ovariana é uma condição abdominalaguda que exige intervenção cirúrgica imediata. Osachados ultra-sonográficos são variáveis, depen-dendo da existência de massa anexial e acometi-mento vascular. Em geral, o ovário está aumenta-do, apresentando folículos evidentes e de tamanhoaumentado resultantes de edema em resposta a umsofrimento vascular. Ao Doppler, nem todos os ca-sos demonstram ausência de fluxo arterial, poisacredita-se que a trombose venosa precede a pa-rada do fluxo arterial, sendo responsável pelo qua-dro clínico inicial.

Fig. 10.4 — Exame ultra-sonográfico da pelve em gestante de 28 semanas. Há cálculo(seta) obstruindo o ureter esquerdo (pontas de setas) no nível da junção ureterovesical,determinando dilatação a montante. Bx = Bexiga.

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Cistos de corpo lúteo podem sofrer hemorragiasno primeiro trimestre, causando dor pélvica aguda.Em geral, são menores do que 6cm e apresentamparedes pouco espessadas. Se descartada uma ges-tação ectópica, a rotina é o acompanhamento ultra-sonográfico da gestante e tratamento conservador.Espera-se resolução entre a 10a e a 15a semanas.

CAUSAS DE ABDOME AGUDO

RELACIONADAS À GRAVIDEZ

Gravidez Ectópica Rota

Uma história sugestiva de gravidez ectópica outeste de gravidez positivo são suficientes para quese faça necessário identificar a presença de um sacogestacional. Preferencialmente, a ultra-sonografiapélvica é o exame inicial, mesmo que na urgênciaa paciente não esteja com a bexiga cheia, com ointuito de se procurar massa extrapélvica e líquidolivre na cavidade peritoneal, em especial no espa-ço hepatorrenal. Em seguida, o exame com sondaendovaginal, individualmente o mais importante,possibilita uma avaliação mais detalhada do úteroe dos anexos. Mais comumente, há dor mais inten-

Fig. 10.5 — Exame ultra-sonográfico da pelve em gestante de 30 semanas, evidencian-do nódulo sólido (delimitado pelas pontas de seta brancas), discretamente hiperecogêni-co em relação ao miométrio normal adjacente (pontas de seta pretas). O achado écompatível com mioma em degeneração, que é evidenciado pelas áreas císticas no seuinterior (setas brancas).

sa em uma das regiões anexiais, o que pode facili-tar o achado diagnóstico.

Deve-se analisar primeiro a cavidade uterina,para descartar a possibilidade de uma gravidez tó-pica (presença de saco gestacional intra-uterino ourestos ovulares). Em até 29% das gravidezes ectó-picas, pode ser visualizado saco pseudogestacionalintra-uterino, que deve ser diferenciado pela ausên-cia de elementos embrionários e pela dupla decí-dua, que circunda os sacos verdadeiros. Os ováriosdevem ser avaliados para a procura do corpo lúteo.Massas anexiais são caracterizadas de acordo comos possíveis aspectos (saco gestacional com ou semembrião, hematossalpinge).

Nas gestações ectópicas tubárias (95% dos ca-sos), quando se visualiza o saco gestacional, algunssinais como irregularidades dos seus contornos ehematomas locorregionais são indícios de rotura(Figs. 10.6 e 10.7). Nem sempre é possível encon-trar o saco gestacional e, dependendo da intensida-de do quadro hemorrágico, após a rotura da pre-nhez ectópica, apenas se observa uma coleção pe-riuterina, associada a útero de tamanho normal oupouco aumentado, apresentando reação decidual(Fig. 10.8). A forma intersticial de prenhez tubária,mais rara, é prontamente identificada visualizando-se o saco gestacional com implantação excêntrica.

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Quando rota, apresenta hemorragia profusa, im-portando o diagnóstico precoce.

As gestações ectópicas não-tubárias são maisraras. A prenhez cervical acompanha massa ocu-pando a cérvix uterina e alargamento do orifícioexterno do colo, invariavelmente associada à per-da sangüínea.

Casos de prenhez ovariana apresentam rotu-ra precoce. À ultra-sonografia, os achados sãoindistinguíveis dos associados à gravidez tubáriarota.

Toxemia Gravídica

A toxemia gravídica pode ser responsável porquadros de dor aguda. A combinação de dor im-portante no hipocôndrio direito ou epigástrica napaciente gestante com hipertensão arterial, semachados clínico-radiológicos que justifiquem o qua-dro de dor abdominal, sugere fortemente o diag-nóstico. A ultra-sonografia tem papel fundamentalno diagnóstico diferencial.

Alguns quadros de toxemia gravídica predo-minam com distúrbios hepáticos e da coagulação

(síndrome HELLP), caracterizados por hemólise,plaquetopenia e aumento das transaminases. Emgeral, esses distúrbios não determinam achadosultra-sonográficos, porém, podem precipitar qua-dros de abdome agudo hemorrágicos. Ao exameultra-sonográfico, podem ser caracterizadas cole-ções hemáticas, decorrentes de hemorragias ou,mais raramente, da rotura de órgãos intra-abdo-minais. A tomografia pode complementar o diag-nóstico, identificando o grau e a topografia daslesões (Fig. 10.9).

Descolamento Prematuroda Placenta

Apesar de ser uma causa de abdome agudo, éuma síndrome clínica em que é necessária a indu-ção rápida do parto, não havendo indicação deexames de imagens complementares nos quadrosinstáveis (choque hipovolêmico).

Nas pacientes estáveis, a ultra-sonografia podedeterminar o grau de acometimento e classificá-loem leve, se a área descolada da placenta for me-nor do que 25%; moderado, nos casos de separa-

Fig. 10.6 — Ultra-sonografia apresentando gravidez ectópica íntegra. As pontas de setaapontam para os limites da massa anexial, com saco gestacional e embrião vivo no seuinterior (seta). Observe a ecogenicidade característica do anel trofoblástico. OE = ová-rio esquerdo.

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Fig. 10.7 — Ultra-sonografia demonstrando gravidez ectópica rota, diagnosticada pre-cocemente, apresentando saco gestacional com restos embrionários. Há líquido livre (L)e alguns coágulos na região anexial.

Fig. 10.8 — Ultra-sonografia da pelve. Formação heterogênea periuterina (seta), asso-ciada a líquido em fundo-de-saco. O sinal do “útero vazio”, numa paciente com níveisde β-hCG superiores a 1.000mUI/ml, sugere fortemente o diagnóstico de gravidez ec-tópica rota.

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Fig. 10.9 — Tomografia computadorizada do abdome em gestante de 30 semanas. Rup-tura hepática, caracterizada por linhas hipoatenuantes de permeio (pontas de setas) e lí-quido intraperitoneal (setas), ao redor do fígado (Fig) e baço (Bc). Paciente gestante, comtoxemia gravídica e síndrome HELLP.

ção placentária entre 25 e 50% e grave, quandomais da metade da superfície perde o contato como útero. A detecção de sangramento agudo é amiú-de difícil, porque o hematoma agudo apresenta-seisoecogênico ou discretamente hiperecogênico emrelação à placenta.

Miomas submucosos têm sido fortemente cor-relacionados com descolamento de placenta, emespecial se apresentarem grande superfície de con-tato com a placenta. Dentre os diagnósticos dife-renciais, a ultra-sonografia pode avaliar a possibi-lidade de uma placenta prévia.

Ruptura Uterina

Complicação rara da gravidez, ocorrendo du-rante o trabalho de parto ou secundária a um trau-ma. A dor intensa acompanha quadro de choque ea intervenção imediata se faz necessária. Examesde imagens são raramente indicados.

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CONCEITO E INCIDÊNCIA

A urgência ginecológica, pela gravidade e reper-cussões gerais que pode ocasionar, deve ser diagnos-ticada e tratada em caráter de emergência. Alémde representar risco de vida iminente, pela possibi-lidade de seqüelas muitas vezes irreversíveis, apresteza no diagnóstico e no tratamento é funda-mental. Algumas das urgências ginecológicas podemmanifestar-se com quadro de abdome agudo, ca-racterizado pela presença de afecção não-traumá-tica, em vísceras ou estruturas contidas na cavidadeabdominal, que surge de modo súbito. Pode advirde processo agudo incidindo em víscera previamen-te normal ou pela agudização de doença crônica.

Conforme os sinais, sintomas ou a origem daafecção, o abdome agudo ginecológico pode ser:1. Hemorrágico: gravidez ectópica, rotura de cis-

tos ou tumores pélvicos;2. Inflamatório: moléstia inflamatória pélvica

aguda;3. Isquêmico: decorrente de necrose de neoplasias,

torção de anexos ou de leiomioma submucosopediculado, degeneração de leiomioma.Entre as causas de abdome agudo hemorrági-

co, a gravidez ectópica rota é a intercorrência maisfreqüente entre os processos hemorrágicos internos.Às vezes, o diagnóstico é difícil, sobretudo nos ca-

ABDOME AGUDO

EM GINECOLOGIA

sos com quadros clínicos atípicos, com história pro-longada de perdas sangüíneas genitais irregularesou ausência de atraso menstrual.

Apesar de a taxa de crescimento da populaçãomundial estar diminuindo, a incidência vem-se ele-vando progressivamente nos últimos anos. Estima-se que o risco de gravidez ectópica na populaçãoseja de 1:3.000 gestações. Se a paciente submeteu-se a procedimentos para fertilização assistida, o ris-co passa a ser de 1:95. É a causa mais comum demortalidade materna durante o primeiro trimestrede gestação. Quando diagnosticada precocemente,pode ser tratada clinicamente (quimioterapia). As-sim sendo, deve ser lembrada e rapidamente des-cartada nas pacientes em idade reprodutiva queapresentam dor abdominal e sangramento genital,com ou sem atraso menstrual. O quadro de abdo-me agudo decorre, em geral, da rotura tubária comformação de hemoperitônio.

Já a incidência da rotura de cisto folicular oude cisto de corpo lúteo, como causa de abdomeagudo, é menor, e o quadro clínico é geralmentediscreto. Na maioria das vezes, a regressão é espon-tânea. Ressalta-se que a ocorrência de hemoperitô-nio devido à rotura de tumor pélvico é ainda maisrara, mas o prognóstico costuma ser mais sombrio.

Dentre os tumores de ovário que causam abdo-me agudo, destacam-se os endometriomas, presen-

Capítulo 11

CLÍNICAEdmund Chada BaracatJosé Maria Soares JúniorSérgio Mancini Nicolau

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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tes em cerca de 10% das mulheres com tumor deovário submetidas à laparotomia. A sua rotura pro-move extravasamento de sangue na cavidade pe-ritoneal, com subseqüente quadro de abdome agu-do hemorrágico.

O abdome agudo inflamatório conseqüente àdoença inflamatória pélvica (DIP) constitui entida-de grave, sendo uma das mais sérias infecções queacometem a mulher na atualidade. Na fase aguda(DIPA), a doença está associada com a progressãode microorganismos da vagina, os quais acometemo colo, o útero e as tubas (ascensão panimétrica),e, finalmente, o peritônio e os órgãos adjacentes.Nos Estados Unidos, aproximadamente 300 milmulheres são internadas por ano devido à DIPA. Cal-cula-se a sua incidência anual em 1% a 2% das mu-lheres jovens e sexualmente ativas (Martens, 1997).

Menos freqüentemente, as torções totais ouparciais de órgãos ou tumores pélvicos podem sercausa de abdome agudo. Provocam quadro agudode dor ao causarem isquemia dos mesmos; quan-do se intervém o mais precocemente possível, podehaver necrose e perda total do órgão, ocasionandoa morte. Nos Estados Unidos, estudos epidemio-lógicos mostram que a torção ovariana é a quintacausa de emergência cirúrgica ginecológica, corres-pondendo a aproximadamente 2,7% de todos oscasos de abdome agudo. É também mais comumnas mulheres que se submeteram à estimulaçãoovariana.

ETIOPATOGENIA

A gravidez ectópica resulta da implantaçãoembrionária fora do útero. A localização mais fre-qüente é a tubária. Classicamente, a invasão tro-foblástica ocorre primeiramente no lúmen do órgão,atingindo progressivamente a lâmina própria, acamada muscular e, posteriormente, o peritôniovisceral, tornando a tuba suscetível à rotura.

Múltiplos fatores contribuem para o aumento doseu risco relativo. Teoricamente, qualquer fator queimpeça a migração do embrião para a cavidade en-dometrial predisporia a mulher à prenhez ectópica.Ao que parece, a infecção pélvica prévia seria o fa-tor mais importante. Pacientes com história de sal-pingite apresentam aumento de cerca de mil vezesde ter uma gestação tubária do que a população emgeral. A incidência de dano tubário eleva-se expres-sivamente após os sucessivos episódios de moléstia

inflamatória pélvica: 13% após um episódio; 35%após dois episódios e 75% após três episódios.

Outro fator de risco é a história de gravidezectópica prévia. Assim, a paciente que já apresen-tou essa afecção tem possibilidade de 53% a 80%de ter uma gestação normal subseqüente e de 10%a 25% de ter outra gravidez ectópica.

Assinalam-se, ainda, como fatores predisponen-tes, cirúrgias tubárias prévias, como salpingosto-mia, neo-salpingostomia, fimbrioplastia, reanasto-mose tubária e lise de aderências peritubárias eperiovarianas. A própria ligadura tubária tambémé outro importante fator predisponente.

Alguns estudos têm mostrado que a indução daovulação com clomifeno ou gonadotrofinas poderiaaumentar o risco de gravidez ectópica. Esse fato su-gere que múltiplos ovócitos e elevada concentraçãohormonal poderiam também predispor à doença.

As mulheres portadoras de dispositivo intra-uterino (DIU) teriam incidência de 3% a 4%. Re-latam-se, ainda, como fatores predisponentes, ida-de avançada, tabagismo, uso prévio de dietilestil-bestrol, cirurgias abdominais prévias e malforma-ções uterinas.

Devido à pouca distensibilidade tubária, com-parativamente ao útero, o embrião pode ser expe-lido para a cavidade abdominal (abortamento tu-bário), o que pode ocasionar hemoperitônio ou gra-videz abdominal. Caso contrário, pode continuarna tuba e levar à sua rotura, determinando sangra-mento intracavitário.

A etiologia da doença inflamatória pélvica ain-da não está totalmente esclarecida. Contribui, paratanto, o fato de o local da infecção ser de difícilacesso, criando dificuldades técnicas para a reali-zação de correta e adequada avaliação microbioló-gica. Entretanto, vários estudos indicam que algunsmicroorganismos seriam os causadores da enfermi-dade, como, por exemplo, Chlamydia trachomatis,Neisseria gonorrhoeae, Mycoplasma, Ureaplasma,entre outros. Estudos epidemiológicos mostram queos mais comuns são a clamídia e o gonococo. En-tretanto, na maioria dos casos, haveria uma infec-ção polimicrobiana causada por organismos queascendem planimetricamente desde a vagina, pas-sando pelo colo uterino e assim infectando as mu-cosas endometrial e tubária, atingindo posterior-mente a cavidade abdominal (peritonite).

Mais de 15% dos casos de DIPA podem ser de-correntes de procedimentos que alteram a barrei-ra cervical, como dispositivo intra-uterino, biópsia

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endometrial e curetagem uterina, que permitem quea flora vaginal colonize o trato genital superior.

É importante realçar que a lesão tecidual e anecrose causada pela moléstia inflamatória pélvicapodem predispor à infecção concomitante de bac-térias anaeróbicas, como prevotela, bacterióides,peptococos e peptoestreptococos (são as mais pre-dominantes). Esse fato pode agravar ainda mais oquadro de abdome agudo.

Em relação ao abdome agudo do tipo isquêmi-co, poderia ser decorrente da torção anexial, deleiomiomas submucosos pediculados ou da torçãode cistos resultantes do crescimento exagerado dofolículo durante o ciclo menstrual, de tumores deovário de médio porte (com diâmetro de 5 a15cm), de cistos tubários e de cistos de hidátide deMorgagni.

FISIOPATOLOGIA

A localização mais freqüente da gravidez ectó-pica é a tuba uterina, e 80% das implantaçõesocorrem na região ampolar. A ocorrência em outrossítios é mais rara, como a abdominal e a ovariana,que correspondem, respectivamente, a apenas1,4% e a menos de 0,2% dos casos.

Na gestação tubária rota ou no abortamentotubário, pode haver perda de grande quantidadede sangue para a cavidade abdominal e tambémpara a cavidade uterina. Assim, instalar-se-ia qua-dro de hemoperitônio e irritação peritoneal, asso-ciado a alterações hemodinâmicas, além de sangra-mento através da vagina. A paciente apresentaria,pois, sintomas como fraqueza, tonturas, síncope eperda da consciência. Em alguns casos, entretan-to, a evolução pode ser mais insidiosa, na depen-dência do calibre do vaso, do grau de comprome-timento tubário e de eventual tamponamento porcoágulos sangüíneos e/ou pelos órgãos adjacentes.

Já no abdome agudo decorrente da DIPA, oaumento de bactérias na região causa rápida e in-tensa resposta inflamatória. Haveria grande migra-ção de leucócitos e de bactérias pelas tubas em di-reção aos ovários e à cavidade abdominal, bemcomo da cavidade uterina para o colo e a vagina.Desse modo, ocorreria a formação de abscesso tu-bovariano, de pelviperitonite e, nos casos mais gra-ves, de peritonite generalizada. Na infecção porgonococo, pode ocorrer também o comprometi-mento do trato urológico, em especial da uretra.

Na torção anexial, qualquer porção da tuba oudo ovário pode sofrer isquemia. Há controvérsiassobre se a congestão vascular pélvica que ocorredurante a ovulação e no período perimenstrual se-ria fator predisponente para torção.

Dependendo do grau de torção, inicialmente,pode haver dificuldade de drenagem sangüínea,visto que a parede das veias ovarianas e tubáriascolabam mais facilmente do que a das artérias.Assim, ocorreria grande congestão no órgão, levan-do à necrose e contribuindo também para a piorada torção. Conseqüentemente, devido à estase san-güínea, haveria a formação de trombos nos vasoscomprometidos. Deve-se ressaltar que esse fatopode predispor à embolia durante as manobrasefetuadas na tentativa de distorcer o anexo durantea cirurgia.

A torção de tumores de ovário pode ainda cau-sar secundariamente hemoperitônio por extravasa-mento sangüíneo devido à obstrução venosa.

QUADRO CLÍNICO

O quadro clínico do abdome agudo ginecológi-co acha-se na dependência de sua etiologia.

A relação dos sintomas e sinais clínicos ao ciclomenstrual, o padrão de atividade sexual e uso demétodos anticoncepcionais são importantes no es-tabelecimento do diagnóstico do tipo de abdomeagudo.

Dor súbita, em facada, latejante, com aumentoprogressivo de intensidade, sem sinais de irritaçãoperitoneal, sugere torção de tumores pediculados,anexiais ou uterinos. Nesse caso, a dor é insuportá-vel durante a mobilização do colo uterino. O toquesob analgesia permite identificar o tumor pélvico.

Dor pélvica irradiada para o ombro supõe irri-tação do diafragma, em geral pelo acúmulo desangue até a cúpula diafragmática (sinal de La-fond). Na pós-menopausa, pela possibilidade denecrose tumoral ou invasão de órgãos adjacentes, ocarcinoma ovariano ou o sarcoma uterino devemser colocados entre as hipóteses de abdome agudode origem ginecológica. No entanto, é rara a torçãode tumores malignos, devido às aderências pélvicaspor eles provocadas. Da mesma forma, os endome-triomas de alto potencial fibrótico, pelo conteúdohemático (hemossiderina), permanecem fixos e porvezes o aspecto é de pelve congelada.

O peritonismo pode ser tardio e pouco evidenteno caso de acúmulo de sangue ou precoce e inten-

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so, quando se trata de secreção purulenta, provo-cando descompressão brusca dolorosa, que podeacentuar-se em direção à região anexial, sugerindoorigem ginecológica da doença (sinal de Halban).Raramente se observa arroxeamento periumbilical,resultado do acúmulo de sangue intraperitoneal (si-nal de Cullen), principalmente na gravidez ectópi-ca. As repercussões gerais, como palidez cutânea,taquidispnéia, hipertermia, hipotensão arterial ehipotensão ortostática, contribuem para a avalia-ção geral e indicam maior agressividade e rapideznas medidas terapêuticas.

O exame especular permite a caracterização doaspecto do colo, identificando sinais de gravidez,traumatismo ou infecções. A dor pélvica associadaa corrimento vaginal purulento, via de regra, indicadoença inflamatória pélvica, sendo freqüente a as-sociação dessa com gravidez ectópica.

Corrimento vaginal purulento, sinais de perito-nismo difuso em abdome inferior ou região de hi-pogástrio, associado a punho, percussão dolorosa deloja hepática, são sugestivos de DIPA com envolvi-mento inflamatório do peritônio parietal e da cáp-sula de Glisson (síndrome de Fitz-Hugh-Curtis). Otoque vaginal, uni ou bidigital, associado ao toqueretal, permite a caracterização ginecológica da dor,bem como sua relação com os demais órgãos pél-vicos, exceto na paciente obesa.

A identificação do útero e dos anexos, sua rela-ção com a bexiga e as alças intestinais, as caracte-rísticas da sensibilidade local, a presença de abau-lamento ou dor aguda (grito de Douglas ou sinal deProust), associados aos demais parâmetros clínicos,definem clinicamente a doença ginecológica aguda.

DIAGNÓSTICO CLÍNICO

A gravidez ectópica é a intercorrência das maiscomuns entre os processos hemorrágicos internos.Com freqüência, depara-se com quadro clínico atí-pico, com história arrastada de perdas sangüíneasgenitais irregulares, ausência de atraso menstrual edor abdominal. Os sintomas típicos, como dor sú-bita, sinais e sintomas de hipovolemias com histó-ria de atraso menstrual, são menos encontrados.Deve-se sempre indagar a respeito de processos in-flamatórios pélvicos pregressos.

O diagnóstico se faz pela história e pelo examefísico, teste imunológico para gravidez, que mesmonegativo não invalida o diagnóstico, ultra-sonogra-

fia pélvica, que pode demonstrar tumor em topo-grafia anexial, com presença de líquido na escava-ção retouterina, ou até a presença do concepto vivofora do útero.

Às vezes, o diagnóstico da moléstia inflamató-ria pélvica pode ser difícil devido ao amplo espec-tro de sintomas clínicos. Entretanto, os sinais clíni-cos são necessários, como dor abdominal, dor àmobilização anexial e do colo uterino.

Outros sintomas, como corrimento genital oufuxos genitais anormais e presença de febre, podemajudar no diagnóstico clínico. A avaliação laborato-rial pode ser de grande ajuda para estabelecer odiagnóstico.

Na torção anexial, os achados clínicos são ge-ralmente inespecíficos. Por essa razão, há demorano diagnóstico e na intervenção cirúrgica. O diag-nóstico pode ser feito mais facilmente quando ocor-re a apresentação clássica da doença, com dor ab-dominal localizada em uma das fossas ilíacas e evi-dências de peritonite e presença de massa anexial.Entretanto, a torção de tumores de ovário pode le-var a hemoperitônio por obstrução venosa e, porisso, extravasamento sangüíneo, o que pode trazerdificuldade para o diagnóstico. A laparotomia e,atualmente, a videolaparoscopia são úteis no diag-nóstico de tumores anexiais.

Os tumores ovarianos que torcem são geral-mente os de médio volume (de 5 a 15cm). O qua-dro clínico depende do grau de torção. Se a torçãoé mínima e lenta, os sintomas são discretos, porém,se for de 360 graus, pode haver dor intensa, agu-da e súbita, náuseas e vômitos, sinais de peritoni-te, íleo adinâmico ou paralítico. O diagnóstico sebaseia na anamnese, nos exames físico geral e gi-necológico, aliados à propedêutica complementar.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL EEXAMES COMPLEMENTARES

A avaliação de exames básicos laboratoriais,como o hemograma, revela o estado hemodinâmi-co da paciente possibilitando a adoção de medi-das para estabilizá-la. A estabilidade hemodinâ-mica constitui fator diferencial para indicação doprocedimento cirúrgico, além de auxiliar no diag-nóstico diferencial se a afecção é infecciosa ou he-morrágica. De igual modo, a análise do leucogra-ma, da velocidade de hemossedimentação e daproteína C reativa pode ser útil na caracterização

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de infecção e de sua repercussão sistêmica, alémde auxiliar na avaliação da terapia antimicrobianainstituída. O sedimento urinário proporciona sus-peita diagnóstica de infecções assintomáticas. Arealização de β-hCG é de grande valia, pois podecomprovar o diagnóstico de gravidez em proces-so de aborcamento ou de uma gravidez tubáriaectópica.

A bacterioscopia da secreção cervical com pes-quisa de gonococo ou clamídia contribui e permi-te o diagnóstico da DIP. A ultra-sonografia pélvicatransvaginal é fundamental no diagnóstico daDIPA. Seu baixo custo, especificidade e sensibilida-de proporcionam o diagnóstico de tumores pélvicos,de líquido livre ou acumulado em fundo-de-saco

de Douglas, de gravidez tópica ou ectópica, sendoessencial para o diagnóstico definitivo do abdomeagudo de causa ginecológica.

A tomografia pélvica ou a ressonância mag-nética deve ser reservada para casos em quepersistem dúvidas diagnósticas, clínicas e/ou ul-tra-sonográficas. Auxiliam na delimitação pélvicade tumores, principalmente quando se suspeitarde corpo estranho e abscesso pélvico de origemnão-ginecológica. Havendo abaulamento de fun-do-de-saco de Douglas, recomenda-se a culdo-centese, que, além de possibilitar a análise ma-croscópica do líquido pélvico, permite obter ma-terial para cultura, antibiograma e drenagem doconteúdo.

IMAGEMSuzan Menasce GoldmanLuís Ronan M. F. de Souza

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DIAGNÓSTICO POR IMAGEM

Até a década de 1970, a radiografia era o únicométodo de imagem disponível para o estudo dasestruturas da pelve. A radiografia simples utiliza-sedas diferentes densidades radiológicas entre dife-rentes tecidos (líquido, gás, gordura e densidadecálcica). Permite a demonstração de processos in-flamatórios e infecciosos e ainda a presença de lí-quidos ou coleções. Pode ser complementada como uso de contrastes, usualmente empregados paraa demonstração do deslocamento de vísceras.

Em seguida, foram introduzidas a ultra-sono-grafia, a tomografia computadorizada, a ressonân-cia magnética e a ultra-sonografia com Doppler.

Atualmente, a ultra-sonografia (US) é o méto-do inicial e, em muitos casos, o único, para avalia-ção da cavidade pélvica. Foi introduzida no finalda década de 1970 e amplamente difundida nadécada de 1980. Possui boa sensibilidade e espe-cificidade, apresenta fácil acesso e realização, alémda melhor relação custo-benefício. Na maioria doscasos, a US já é suficiente para o diagnóstico dadoença pélvica ou exclusão da mesma.

O exame ultra-sonográfico deve ser iniciadopela via abdominal após repleção vesical satisfató-ria. Essa via permite melhor caracterização de le-

sões volumosas ou ainda o diagnóstico de outrasdoenças que não as relacionadas com o aparelhoginecológico, como, por exemplo, apendicite. Emseguida, se necessário, utiliza-se a via transcavitá-ria (endovaginal), sem repleção vesical, para carac-terização de detalhes ecotexturais (Fig. 11.1).

Métodos como tomografia computadorizada(TC) e ressonância magnética (RM), usualmente,são empregados quando o exame por US não res-ponde às dúvidas diagnósticas (Fig. 11.2).

As doenças que podem evoluir para um quadrode abdome agudo no sistema ginecológico são di-vididas em três grupos: hemorrágicas, inflamatóriase vasculares.

HEMORRÁGICAS

São decorrentes da rotura de estruturas pélvi-cas levando ao hemoperitônio, como:

Cisto Funcional

Os cistos ovarianos funcionais, de corpo lúteoou folicular, são variantes fisiológicas e no examepor US aparecem como imagens arredondadas,

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A

Fig. 11.1 — A. Útero normal. Ultra-sonografia endovaginal mostrando ecotex-tura miometrial homogênea e eco endometrial trilaminar (entre os medidores).Esse aspecto de eco endometrial é típico da fase proliferativa do ciclo menstrual.B. Ovário normal. Ultra-sonografia endovaginal mostrando o formato ovóidetípico do ovário com folículos anecóicos dispostos difusamente pelo estromaovariano.

B

dimensões de 1 a 5cm de diâmetro, com conteúdolíquido anecóico e com reforço acústico posterior. Asparedes são finas e lisas, no caso de cistos folicula-res, e espessas quando forem corpos lúteos.

Os cistos funcionais podem sangrar e romperpara o espaço intraperitoneal. A causa desse rom-pimento é o aumento da vascularização ovariana

nessa fase. Esse evento pode ser doloroso, simulan-do até um quadro de abdome agudo inflamatório.

As características do cisto hemorrágico à USsão variáveis (Fig. 11.3), sendo mais freqüente-mente encontrada uma massa anexial cística úni-ca, bem definida e arredondada, com diâmetrovariável em 2,5 a 10cm. A ecogenicidade interna é

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Fig. 11.2 — A. Útero normal. Ressonância magnética com corte sagital na seqüência ponderada em T1 comum corte na linha mediana uterina. B. Ovários policísticos. Ressonância magnética com corte coronal na se-qüência ponderada em T1 mostrando várias imagens arredondadas e dispostas perifericamente ao estromaovariano, correspondendo aos folículos (seta). Note ainda sua relação anatômica com o útero (ponta de seta).

A B

Fig. 11.3 — Cisto hemorrágico. Ultra-sonografia endovaginal que evidencia cisto único e arre-dondado, com conteúdo heterogêneo e finas septações no seu interior, caracterizando um aspectosugestivo de cisto hemorrágico.

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heterogênea. A espessura da parede do cisto geral-mente é de 4mm ou menos, podendo ser identifi-cadas finas septações. A maioria dos cistos hemor-rágicos apresenta um aumento da transmissão so-nora, caracterizado pelo reforço acústico posterior.

Quando há ruptura do cisto, podemos identifi-car líquido livre abdominal e pélvico, e, dependen-do do conteúdo originário do cisto, pode haver de-bris no seu interior, caracterizando um conteúdo lí-quido “espesso”. As paredes do cisto tornam-se ir-regulares e maldefinidas (Fig. 11.4).

Os cistos e a rotura são eventos freqüentes. Al-guns diagnósticos diferenciais com quadro clínico esemelhante podem ser considerados, como os cistosdermóides (teratomas maduros) e os endometriomas.Nesses casos, a RM pode facilmente esclarecer odiagnóstico. Sangue e gordura apresentam sinal tí-pico por esse método. A evolução clínica, realizan-do-se exame em fases posteriores do ciclo menstrual,pode mostrar a regressão do cisto hemorrágico.

Na avaliação de ruptura de cistos funcionais ouhemorrágicos, a TC geralmente evidencia massasde atenuação mista, com componentes de alta ate-nuação anexiais associados. Um nível líquido podeser observado em alguns casos, sendo a fase con-trastada arterial a mais indicada por delimitar asparedes do cisto, indicando o local da ruptura.

Endometrioma

São cistos ovarianos que contêm em seu inte-rior tecido endometrial e que ocorrem em pacien-tes em idade reprodutiva, com história de dor pél-vica e infertilidade.

Nos casos de endometriose pélvica, encontram-se focos ovarianos de doença em 80% deles. Entreos tumores ovarianos, os endometriomas represen-tam 20% dos diagnósticos realizados.

O aspecto de um endometrioma à US é maisfreqüentemente de um cisto de paredes finas, comecos de baixa intensidade no seu interior, homoge-neamente distribuídos. Esse aspecto de imagempode simular uma massa sólida, porém a observa-ção mais atenta nesses casos identifica uma discre-ta movimentação dos ecos no seu interior, asseme-lhando-se a uma calda espessa de chocolate; daí ofato de os endometriomas serem conhecidos como“cistos de chocolate”. Os endometriomas apresen-tam outras diferentes apresentações, podendo mui-tas vezes simular uma neoplasia ovariana ou umcisto hemorrágico. Nos casos de dúvida diagnósti-ca, a RM é o método mais indicado no prossegui-mento da investigação (Figs. 11.5 e 11.6).

Alterações Uterinas Pós-cirúrgicas

A mais grave e mais temida é a rotura, que ocorrecom maior freqüência no período pós-operatórioimediato. Geralmente, identifica-se coleção anexialheterogêna ou predominantemente hipoecogênica,que margeia e dificulta a identificação dos contornosuterinos. Pode ser identificado também líquido he-terogêneo, contendo debris (sangue) na cavidade ab-dominal, nos casos de evolução para peritonite.

Nos doentes com discrasia sangüínea, ocorresangramento que é coletado na cavidade pélvica eao redor do útero. Os hematomas são identificadosà US como formações com ecogenicidade variável,dependendo do tempo decorrido desde o início doquadro (Fig. 11.7).

INFLAMATÓRIAS

Doença Inflamatória Pélvica

É uma infecção do trato genital feminino supe-rior. A paciente pode apresentar uma propedêuticaclínica insuficiente, sendo geralmente necessária acomplementação com exames subsidiários, como oslaboratoriais e de imagem.

A radiografia simples pode sugerir a presençade coleções que se apresentam como opacidades nacavidade pélvica que elevam as alças abdominaiscom gás no interior. Quando de origem anexial es-querda, eleva a porção proximal do sigmóide.Quando de origem anexial direita, é preciso sem-pre lembrar o diagnóstico diferencial com apendi-cite aguda. A distensão gasosa de alças intestinaisnão é significativa nesses casos.

No início do quadro, o exame ultra-sonográfi-co é pouco alterado, identificando-se apenas umapequena quantidade de líquido livre no fundo-de-saco de Douglas e nas lojas ovarianas.

As tubas uterinas, no caso de evolução da do-ença inflamatória pélvica para uma piossalpingite,apresentam-se dilatadas com líquido hipoecogênicocom debris (ecos em suspensão) encontrados no seuinterior (Fig. 11.8).

Os ovários podem estar discretamente aumen-tados, com vários folículos no seu interior (padrãopolicístico).

A TC é bastante inespecífica, porém nos casosde dúvida diagnóstica afasta quadros de apendici-te, diverticulite ou ainda litíase ureteral.

Com a progressão da infecção, o miométrio eo endométrio podem mostrar-se mais ecogênicosà US, e, em alguns casos, há sinais de endome-

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Fig. 11.4 – A. Cisto hemorrágico roto. Ultra-sonografia endovaginal. Há cisto com paredes ir-regulares (seta) e há líquido (ponta de seta) no fundo-de-saco de Douglas. B. Ultra-sonografiaendovaginal. Há líquido livre (setas) no fundo-de-saco de Douglas e na face anterior do útero.

A

B

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Fig. 11.5 — Endometrioma. Ultra-sonografia endovaginal evidenciando cisto único com conteúdoecogênico e composto por ecos homogeneamente distribuídos conferindo um aspecto de massasólida.

trite (espessamento e heterogeneidade do eco en-dometrial, com líquido livre na cavidade uteri-na). A doença pode progredir para o abscessotubovariano, que se caracteriza ultra-sonografi-camente por imagem predominantemente císti-ca heterogênea, com conteúdo preenchido pordebris e septos. As margens da lesão são malde-finidas e irregulares.

Já o abscesso tubovariano se apresenta à TCcomo uma imagem com densidade de líquido, pa-redes espessas e irregulares com septos. Geralmentese encontra próximo a uma estrutura serpinginosacorrespondendo à tuba uterina, dilatada e preen-chida por pus. As bolhas de ar no interior da lesãosão o achado tomográfico mais fidedigno de abs-cesso (Fig. 11.9).

A TC é superior à US no que diz respeito àavaliação do conteúdo da cavidade abdominal.Permite avaliar o grau de comprometimento dasestruturas próximas, como o útero e o grandeomento e mais distantes, como o fígado, as alçasintestinais e o trato geniturinário.

VASCULARES

Torção Ovariana

A torção ovariana é um evento pouco freqüentee raramente lembrado. É definida pela rotação do

ovário em torno do próprio eixo, levando a sofri-mento vascular e à necrose do órgão. Está direta-mente relacionada com o tempo de isquemia, daía importância do seu diagnóstico precoce.

A torção deve ser suspeitada em pacientes comdor aguda no hemiabdome inferior, com aumentosúbito do volume ovariano. Ainda deve ser lembra-da em pacientes com história de cirurgia pélvicaprévia, principalmente a ligadura tubária.

A radiografia simples pode mostrar massas ane-xiais quando estas contiverem calcificações (terato-mas) ou quando, por seu volume, provocarem des-locamento de alças intestinais (Fig. 11.10).

O sinal ultra-sonográfico mais característico datorção ovariana é o aumento do volume ovariano,geralmente maior que 15cm3, associado à distribui-ção periférica dos folículos, podendo cursar comuma massa ou cisto adjacente. Acredita-se que oaumento do volume ovariano predispõe à torção dopedículo.

O estudo por US com Doppler tem resultadosvariáveis, conforme o grau da torção. Em algunscasos, pode ser identificada a ausência de fluxo ve-noso estromal e de fluxo arterial periférico (artériaovariana).

Em crianças, a torção ovariana pode ocorrer naausência de uma lesão ovariana associada, estan-do relacionada à excessiva capacidade de movi-mentação dos anexos.

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Fig. 11.6 — Endometrioma. Ressonância magnética, corte axial em T1. Nota-se mas-sa com alta intensidade de sinal em região anexial direita (seta).

Fig. 11.7 — Hemorragia pós-operatória. Nesta figura, observamos na ultra-sono-grafia endovaginal coleção em fundo-de-saco de Douglas com ecos em suspensãono seu interior (seta). (Figura cedida pelo Dr. Renato Ximenes — Campinas-SP.)

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Fig. 11.8 — Doença inflamatória pélvica. A. Ultra-sonografia endovaginal eviden-ciando massa heterogênea na região anexial direita. Nessa figura, nota-se no in-terior da massa um cisto com conteúdo espesso e de paredes irregulares (seta).B. Ovário direito com padrão multifolicular associado com coleção na loja ova-riana direita.

A

B

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Fig. 11.9 — Abscesso tubovariano. Ultra-sonografia endovaginal mostra líquido espesso na tuba(seta) associado a ovário com cistos irregulares do lado esquerdo. O uso do Doppler mostra au-mento do fluxo no estroma ovariano, sugerindo quadro inflamatório. (Figura cedida pelo Dr. Re-nato Ximenes — Campinas-SP.)

Fig. 11.10 — Teratoma de ovário direito torcido. Radiografia em anteroposterior da bacia evi-denciando concreções calcificadas na região anexial esquerda (seta) associada à massa predo-minantemente radiolucente (ponta de seta), que corresponde à porção cística do teratoma.

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Fig. 11.11 — Teratoma ovariano torcido. Ultra-sonografia pélvica mostrando formaçãocística heterogênea composta por áreas hipoecogênicas, que são os cistos (seta), e hipe-recogênicas, devendo corresponder às calcificações (ponta de seta).

É sempre válido lembrar que em adultos geral-mente essa rotação está associada a algum processoexpansivo ovariano, na maioria dos casos o terato-ma maduro (Fig. 11.11).

Na TC, pode-se identificar um desvio do úte-ro para o lado da torção, ascite e heterogenicida-de dos planos gordurosos. O ovário acometidoapresenta aumento do volume. Após a injeçãodo meio de contraste, o ovário será margeado porveias ectasiadas.

Miomas Uterinos

Pacientes com útero miomatoso estão predis-postas ao quadro de abdome agudo ginecológico:a degeneração miomatosa vermelha e a torção demioma subseroso pediculado.

A degeneração miomatosa vermelha recebe essenome face ao aspecto macroscópico do infarto he-morrágico, que pode ocorrer num nódulo mioma-toso, durante a gravidez. A US mostra nódulosmiometriais com ecotextura heterogênea, podendoestar associados a líquido livre no fundo-de-saco de

Douglas. Na RM, apresentam hipersinal perifériconas imagens ponderadas em T1 e sinal variável nasseqüências em T2.

Miomas subserosos são geralmente assintomá-ticos, porém os pediculados podem sofrer processode torção com conseqüente quadro agudo.

Os miomas submucosos podem causar sangra-mento uterino excessivo e recorrente. Esse sangra-mento pode provocar áreas de redução da luz dacavidade uterina, levando ao acúmulo de sangue(hematométrio) (Figs. 11.12 e 11.13).

A TC não deve ser utilizada como primeiroexame na suspeita de doença ginecológica. Essefato é decorrente do baixo contraste entre as estru-turas pélvicas e suas pequenas dimensões, não per-mitindo adequada caracterização nos cortes axiais. ATC deve ser reservada para a avaliação e acompa-nhamento de abscessos ou hematomas pélvicos,complicações pós-cirúrgicas e para exclusão de do-enças do tubo digestivo e urinário.

A RM é o método que apresenta a melhor re-solução espacial e anatômica da pelve, porém suamenor disponibilidade e maior tempo de realizaçãoexame reservam-na para complementação diag-nóstica da US.

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Fig. 11.13 — Atresia cervical adquirida. Ultra-sonografia endovaginal na qual seobserva conteúdo predominantemente hipoecogênico (sangue) no interior da ca-vidade uterina, principalmente na sua porção mais proximal. Essa paciente estavasendo submetida à radioterapia por carcinoma de colo de útero, evoluindo comfibrose e atresia do canal cervical e hematocolpo, sendo este considerado um dosdiagnósticos diferenciais de atresia uterina.

Fig. 11.12 — Miomas submucosos. Ressonânciamagnética com corte sagital ponderada em T2 evi-denciando várias imagens nodulares miometriais pro-jetando-se para o interior da cavidade uterina (setas).No interior da cavidade, encontra-se uma coleção lí-quida representando sangue retido, com sinal inter-mediário nessa seqüência (ponta de seta).

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial inclui doenças gineco-lógicas e não-ginecológicas capazes de ocasionardificuldades na abordagem inicial a pacientes comabdome agudo. A apendicite aguda deve ser sem-pre colocada dentre as hipóteses diante de quadrode abdome agudo inflamatório. Existindo dúvida,a laparoscopia pode ser utilizada para esclareci-mento definitivo, permitindo o tratamento cirúrgicoda apendicite ou possibilitando a obtenção de ma-terial para cultura e irrigação exaustiva do foco in-feccioso ginecológico.

Assinalam-se, entre as causas não-ginecológi-cas, apendicite, diverticulite, adenite mesentérica,gastroenterite, infecção ou litíase urinária.

TRATAMENTO

CLÍNICO

O tratamento do abdome agudo isquêmico ehemorrágico é cirúrgico (Nicolau e col., 2003). En-tretanto, se a paciente tiver repercussão hemodinâ-mica importante ou estiver em choque, deve-se es-tabilizar o quadro hemodinâmico antes da inter-venção cirúrgica, se necessário com a reposição dehemoderivados.

Ao contrário dos outros tipos de abdome agu-do ginecológico, o inflamatório por moléstia infa-matória pélvica requer tratamento clínico prévio,que tem objetivos a curto e a longo prazos. A cur-to prazo, procura-se a eliminação de sinais e sin-tomas de infecção e a erradiação dos agentes pa-togênicos; a longo prazo, busca-se minimizar a le-são tubária. Assim, o principal enfoque da terapêu-tica é o início o mais precoce possível, visando aevitar danos irreversíveis aos anexos uterinos.

Devido à grande dificuldade em estabelecer-sea sua etiologia, preconizam-se as associações me-dicamentosas, de modo a conseguir-se, rotineira-mente, proteção contra Neisseria gonorrhoeae,Chlamydia trachomatis e outras bactérias anaeró-bias e aeróbias. As pacientes podem apresentar

quadro de abscesso pélvico, tubovariano ou até pe-ritonite generalizada.

Deve-se adotar a seguinte orientação após ahospitalização:1. Medidas gerais: além de repouso e hidratação,

antiinflamatórios não-hormonais e sintomáticos(antitérmicos, antieméticos, analgésicos e anti-espasmódicos) quando necessários;

2. Antibioticoterapia:a) Penicilina cristalina: 5.000.000U, IV, de

quatro em quatro horas, administrada ra-pidamente (durante 30 minutos, no máxi-mo) e dissolvida em 130ml de soro glicosa-do a 5%. Deve-se proteger o frasco contraação da luz;

b) Metronidazol: 500mg, IV, de oito em oitohoras;

c) Doxiciclina: 100mg, VO, de 12 em 12 horas.Utiliza-se a medicação por via intravenosa por

pelo menos quadro dias e até 48 horas após a me-lhora clínica e laboratorial. Ulteriormente, deve-sesubstituí-la pela via oral, até completar 14 dias detratamento.

Nos casos de hipersensibilidade à penicilina,usa-se tetraciclina (1g, IV, de seis em seis horas),cefoxitina (250mg, IV, de seis em seis horas) ou ti-anfenicol (750mg, IV, de oito em oito horas).

Quando a evolução for desfavorável, recomen-da-se o seguinte esquema:a) Clindamicina: 600mg, IV, de seis em seis horas;b) Gentamicina: 2mg/kg de peso, IM ou IV como

dose inicial, e 1,5mg de peso, IM, de oito emoito horas como manutenção.Além da terapêutica clínica, pode ser necessá-

ria a intervenção cirúrgica, a qual pode ser conser-vadora ou radical.

CIRÚRGICO

No abdome agudo ginecológico, a indicação ci-rúrgica pode ter finalidade diagnóstica, terapêuti-ca ou de prevenção de seqüelas tardias. Inicialmen-te, deve-se decidir pela via de acesso, que pode serpor videolaparoscopia ou laparotomia.

CLÍNICAEdmund Chada BaracatJosé Maria Soares JúniorSérgio Mancini Nicolau

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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Quando o quadro agudo advém da presença desangue na cavidade abdominal, a indicação cirúr-gica é inquestionável, e deve ser realizada o maisrápido possível. Essa precocidade, em geral, permiteque a conduta seja mais conservadora. Na presen-ça de gravidez tubária rota, quando o dano à tubanão for muito extenso, pode-se optar pela condu-ta conservadora, com a realização da retirada doconteúdo gestacional, seguida de hemostasia eexaustiva lavagem da cavidade, para evitar fu-turas aderências. Porém, quando a lesão tubária éextensa, a salpingectomia é obrigatória. Nos casosde abortamento tubário, a conduta conservadora équase sempre possível, com a retirada do conteú-do gestacional, hemostasia e lavagem da cavidade.

A ruptura da cápsula dos tumores ovarianos oua persistência de hemorragia proveniente de umcisto folicular pode provocar sangramento insidio-so ou de maior monta, dependendo do calibre dovaso sangüíneo comprometido. Porém, em ambasas situações, a paciente ainda pode evoluir com doraguda por irritação peritoneal pelo sangue Nessescasos, a videolaparoscopia precoce permite realizara hemostasia do vaso comprometido e a lavagemda cavidade.

Alguns autores preconizam o uso precoce dalaparoscopia tanto para diagnosticar corretamentecomo para avaliar o grau de comprometimento daDIP e tratá-la no mesmo ato, levando a um melhorprognóstico reprodutivo. Entretanto, deve-se seguiros seguintes critérios para indicar a cirurgia noscasos de DIP:1. Falta de resposta ao tratamento clínico;2. Massa pélvica que persiste ou aumenta apesar

do tratamento clínico adequado;3. Suspeita de rotura de abscesso tubovariano;4. Presença de abscesso em topografia que permita

drenagem extraperitoneal (abscesso parametrial).Os achados cirúrgicos podem variar muito,

desde hiperemia das tubas com pequeno exsudatoinflamatório no fundo-de-saco posterior até a pre-sença de abscessos tubovarianos e de grande quan-tidade de traves de fibrina. Deve-se realizar a lisedessas aderências, que geralmente são frouxas e sedesfazem com certa facilidade, e remover toda afibrina formada. Os abscessos devem ser drenados,lavando-se exaustivamente o seu interior, e pode-se colocar um dreno por culdotomia posteriorquando for necessário. Fundamentalmente, a cavi-dade toda deve ser lavada e aspirada com grandequantidade de solução de Ringer lactato (três acinco litros), e as tubas podem, eventualmente, serlavadas através do manipulador uterino com a

mesma solução acrescida ou não de antibióticos ecorticóides, com a finalidade de tentar evitar ade-rências futuras. Em seguida ao procedimento cirúr-gico, inicia-se antibioticoterapia em doses adequa-das. Nos casos considerados mais graves pode-seainda indicar uma segunda exploração, com inter-valo de 30 dias, com o intuito de desfazer outrasaderências e preservar a fertilidade.

As torções totais ou parciais de órgãos ou tumo-res pélvicos, quando não tratadas o mais precoce-mente possível, podem levar à necrose e perda doórgão. O diagnóstico muitas vezes só é confirmadopor laparoscopia. A avaliação do estado do órgãocomprometido e o grau de isquemia vão ditar a con-duta, se conservadora, mantendo-se o mesmo, ouradical. As torções podem levar somente a edema econgestão dos tecidos, ou o órgão pode apresentar-se necrosado e extremamente edemaciado. No pri-meiro caso procede-se à distorção com materialatraumático, seguida da aspiração de cisto ou darealização de salpingostomia quando na presença dehidrossalpinge. Nos casos severos, impõe-se a exéresedo órgão acometido, sem realizar a distorção préviapelo risco de embolia, a qual pode ser fatal.

PROGNÓSTICO

Geralmente, o prognóstico do abdome agudohemorrágico por gravidez ectópica é bom. Aproxi-madamente 80% das pacientes que tiveram essaafecção podem ter gestações tópicas normais, en-quanto as restantes são mais susceptíveis a apre-sentarem outro episódio de gravidez ectópica.

As principais complicações da doença inflama-tória pélvica aguda são as recidivas, a formação deabscesso tubovariano, a infertilidade, a gravidezectópica e a algia pélvica crônica. Há grande ris-co de novos episódios em pacientes que apresenta-ram essa afecção.

No que tange à oclusão tubária documentadalaparoscopicamente, foi relatado que após o pri-meiro episódio a incidência é de 11,4%; após o se-gundo, 23,1% e, após o terceiro, 54,3%.

O risco de gravidez ectópica também aumen-ta com o número de episódios de DIP. Após o pri-meiro episódio, a proporção é de 1:24, e quando hámais de um episódio, passa a ser de 1:8.

Já a evolução do abdome agudo isquêmico de-penderá do grau de comprometimento do órgão.Em alguns casos, durante a manipulação do ane-xo, pode haver desprendimento de êmbolos, o quepode ser fatal.

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Page 206: Abdome Agudo - Clínica e Imagem

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Parte III

CASOS DE

ABDOME AGUDO

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Doente do sexo feminino, com 2 anos de idade,

cor branca, natural e procedente de zona urbana

de Diadema, estado de São Paulo. A história foi for-

necida pela mãe.

Queixa e duração: história pregressa da mo-

léstia atual: mãe relata que a criança se quei-

xa de dor abdominal há seis dias. Não consegue

definir o tipo da dor e atribui a verminose, pois

a menina já eliminou lombrigas nas fezes. Le-

vou-a a um hospital onde receitaram antibióti-

cos e Novalgina®. A dor piorou nesses seis dias

e a doente parou de se alimentar, ingerindo

apenas líquidos. Há dois dias, piora no estado

geral e surgiu febre alta (temperatura axilar de

39 graus) e constante. Também há dois dias a

doente não anda, chorando de dor quando mo-

vimentada. Chora até quando é movimentada

na cama.

Evacuou, há três dias, fezes com aspecto

normal e, desde então, não mais evacuou. Nega

tosse. Bebe água de torneira, tratada. Não há

doenças semelhantes na casa onde mora ou nas

vizinhanças.

Nega sintomas urinários ou alterações na cor da

urina.

Antecedentes: nunca foi operada. A vacinação

da criança é completa. Nega traumas. Nega episó-

dios semelhantes no passado.

EXAME FÍSICO

Fácies de sofrimento, palidez. A criança estáchorosa. Não obedece às ordens de solicitação paraque se mova. Deita-se em decúbito lateral direito,com as pernas em flexão e imóveis.

A respiração é superficial, torácica. Temperatu-ra axilar de 39 graus. FP: 120/min. A temperatu-ra retal não foi medida.

Abdome com rigidez à palpação. A palpação

profunda foi impossível, tal o grau de rigidez da

musculatura abdominal. Descompressão brusca

dolorosa em todo abdome. O “sinal da maca” foi

positivo (elevação da maca onde a doente estava

deitada, sem aviso prévio, com posterior liberação

da mesma que cai em queda livre — a elevação

não deve ultrapassar 5 ou 6cm. Considera-se “po-

sitivo” quando a queda desperta dor abdominal).

EXAMES LABORATORIAIS

Hematológico: leucocitose de 22 mil leucócitos.

Neutrofilia com desvio à esquerda. Ausência de eo-

sinófilos.

Exame de Urina tipo I: normal.

EXAME DE IMAGEM

Figs. 12.1 a 12.4.

Caso 1

Samuel Reibscheid○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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Fig. 12.1 — Radiografia do abdome em an-teroposterior, decúbito dorsal. Há quadro deíleo do intestino delgado — alças distendidas(seta branca). A bexiga está em repleção enão foi possível avaliar densidades anôma-las na pelve (ponta de seta negra). Há cal-cificação, de provável sede apendicular —apendicolito (ponta de seta branca). A setanegra aponta lesão com densidade de gáse que pode representar pneumoperitôniosub-hepático.

Fig. 12.2 — Detalhe da Fig. 12.1. Além doapendicolito (ponta de seta branca) e da ima-gem de pneumoperitônio (seta negra), háimagem de alças muito distendidas na fossailíaca direita atribuídas a íleo regional maisintenso (seta branca larga). Há também es-trutura lombricóide com densidade de gás,interpretada como aeroapendicograma (setanegra tortuosa).

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Fig. 12.3 — Radiografia do abdome comtécnica para demonstração das estruturasde partes moles do flanco esquerdo. A setabranca aponta porção normal da faixa degordura pararrenal posterior, situada aci-ma da porção onde ela desaparece (entraas pontas de seta brancas) e reapareceabaixo (seta negra). Ficou caracterizadoquadro de infiltração por processo infla-matório do compartimento gorduroso pa-rarrenal posterior.

Fig. 12.4 — Radiografia do abdome com técnica para de-monstração das estruturas de partes moles do flanco direi-to. O aspecto é de homogeneidade (setas brancastortuosas): a infiltração por processo inflamatório, do com-partimento pararrenal posterior, na sua extensão para oflanco, foi total.

DISCUSSÃO CLÍNICA,LABORATORIAL E DAS IMAGENS

O quadro clínico é de abdome agudo inflama-tório: peritonite generalizada.

A causa mais comum no grupo etário é aapendicite aguda e os exames foram solicitadospara a confirmação do quadro. Sem dúvida, aconduta intervencionista já estava decidida apóso exame físico.

A apendicite, apesar da velocidade da sua pro-gressão, apresenta fases distintas, sendo possível,em geral, a distinção do período da cólica apendi-cular do da ruptura.

No caso em questão, foram permitidas algu-mas suposições: o apêndice era intraperitoneal —

estava perfurado na cavidade peritoneal, com

pouco ou nenhum bloqueio —, havia quadro de

peritonite generalizada com o conseqüente acú-

mulo de pus.

Mais uma vez revelou-se o óbvio: a antibioti-

coterapia foi ineficaz e retardou o diagnóstico que

deveria ter sido feito nas primeiras 24 horas do

processo. A administração de antibióticos e analgé-

sicos leva à sensação de que o doente foi medica-

do adequadamente.

O achado radiológico foi típico: apendicolito e

dor na fossa ilíaca direita é muito sugestivo de

apendicite. Também o ar no apêndice cecal e o

pneumoperitônio são sugestivos do quadro.

A infiltração da faixa de gordura pararrenal

posterior, antes chamada de linha gordurosa pré-

peritoneal, foi de utilidade total.

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Sem dúvida, o diagnóstico e a conduta já

estavam definidos pela história e pelo exame

físico.

Há doentes com quadro de inflamação e

posterior perfuração de divertículo de Meckel,

indistinguíveis da apendicite aguda, inclusive

com imagem de concreção no interior do diver-

tículo.

DIAGNÓSTICO

Peritonite generalizada conseqüente à apendi-cite aguda com necrose e perfuração do apêndice.

CONDUTA ADOTADA

Apendicectomia e drenagem da cavidade peri-toneal.

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Doente do sexo feminino, de 52 anos, natural e

procedente de São Paulo.

Queixa e duração: dor abdominal há dois dias.

História pregressa da moléstia atual: estava

bem e há dois dias sentiu dor abrupta em todo o

abdome. A dor iniciou-se de forma violenta, de ma-

drugada, como se fosse uma facada, impedindo-a

até de respirar fundo. Desde então, a dor se man-

tém inalterada, de forte intensidade, sem localiza-

ção preferencial. Nega irradiação da dor. Sente

náuseas freqüentes e intensa anorexia.

Refere febre, mas não mediu a temperatura.

Relata fraqueza intensa. A dor abdominal pio-

ra com os movimentos. A doente chegou ao hospi-

tal de maca e foi examinada deitada, no serviço de

raios X, pois apresentou lipotimia nas tentativas de

elevação do decúbito.

Antecedentes: nega cirurgias anteriores. Não

sabe ser portadora de qualquer doença. Sofre de

prisão de ventre crônica de quatro a sete dias,

usando laxantes raramente. Nega traumatismos.

EXAME FÍSICO

Estado geral mau. Desidratada grau 1 a 2+.

Mucosas coradas, anictérica. Temperatura axilar:

38 graus.

Dor à palpação superficial do abdome, com si-

nais de descompressão dolorosa em todos os qua-

drantes. Presença de abdome “em tábua”. Sinal de

Jobert presente.

EXAMES LABORATORIAIS

Hematológico: leucocitose de 14 mil com neu-trofilia moderada. Exame de urina tipo I: normal.

EXAMES DE IMAGEM

Foram efetuadas radiografias do abdome naincidência anteroposterior, em decúbito dorsal, poisa doente não tolerava qualquer mudança de decú-bito (Figs. 13.1 e 13.2).

DISCUSSÃO CLÍNICA,LABORATORIAL E DAS IMAGENS

O quadro de pneumoperitônio levou ao diag-nóstico de perfuração de víscera oca.

A história era sugestiva de processo de perfura-ção aguda com quadro atual de peritonite. A au-sência de dados significativos nos antecedentes emnada ajudava na definição de uma etiologia.

DIAGNÓSTICO

Abdome agudo perfurativo. Etiologia indeter-minada.

CONDUTA

Laparotomia. Encontrou-se líquido na cavida-

de peritoneal (220cc aspirados). Perfuração de di-

vertículo do colo esquerdo. Foi efetuada colectomia

total, pois havia diverticulite extensa.

Caso 2

Samuel Reibscheid○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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Fig. 13.1 — Observam-se sinais de pneu-moperitônio: Sinal de Rigler (setas bran-cas) em inúmeros locais do abdome.Visualização do ligamento falciforme (setabranca larga). Ar coletado na bolsa deMorison (ponta de seta branca).

Fig. 13.2 — Detalhe da Fig. 13.1. Observam-se os sinais de pneumoperitônio com maiorclareza: sinal de Rigler (setas brancas). Ligamento falciforme visualizado por ter ar emambos os lados. Na bolsa de Morison, pode-se observar o sinal do “chapéu do Doge”.

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PVS, 18 anos, sexo feminino, estudante, natu-

ral da Bahia, procedente de São Paulo onde mora

há 16 anos.

Queixa e duração: dor abdominal e coloração

amarelada da pele há 15 dias.

História pregressa da moléstia atual: refere au-

mento de volume e dor abdominal há duas sema-

nas. A pele e os olhos ficaram amarelados, a urina

escura e manchando a roupa, e as fezes ficaram

claras nos últimos dois dias, além de apresentar

vômitos após alimentar-se.

Exame físico: abdome distendido e doloroso à

palpação superficial, com maior intensidade no hi-

pocôndrio direito. Descompressão brusca indolor.

Ruídos hidroaéreos sem alterações.

Sinais de ascite presentes.

Edema dos membros inferiores.

Exames laboratoriais: Hemoglobina: 6,4 g/%,

leucócitos: 25.500 com neutrofilia, fosfatase alcali-

na: normal; TGO: 252u; TGP: 130u; plaquetas:

169 mil; bilirrubinemia total: 18,4mg%; bil. indi-

reta: 5,2mg/h; bil. direta: 13,2mg/%.

Durante a internação a paciente evolui com

aumento do volume e dor abdominal difusa após

alimentar-se. O estado geral deteriorou-se e foi

diagnosticada insuficiência hepática.

EXAMES DE IMAGEM

Figs. 14.1 a 14.7.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico inicial foi sindrômico e anatômi-

co: trombose portal e da veia mesentérica superi-

or e hepato-esplenomegalia de natureza não deter-

minada. A doente foi internada e normas evoluti-

vas foram realizadas.

DISCUSSÃO CLÍNICA,LABORATORIAL E DAS IMAGENS

O diagnóstico de tromboses venosas do trato

gastrointestinal não costuma ser simples. Normal-

mente, há uma combinação de achados clínico, ra-

diológicos e laboratoriais inespecíficos que, quando

associados à história clínica do paciente, permitem

a suspeita de oclusão venosa.

Oclusões das veias mesentéricas podem ser pri-

márias ou secundárias, proximais ou distais. A

trombose venosa mesentérica pode ser causada por

condições infiltrativas, neoplásicas ou inflamatórias

(as quais, am alguns casos, podem encarcerar veias

mesentéricas), com ou sem tromboflebite. Além dis-

Caso 3

Cristiana CostacurtaLory Dean Couto de Brito

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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Fig. 14.1 — Radiografia do abdome emanteroposterior, em decúbito dorsal. Oquadro é de distensão de alças do del-gado em grau moderado, sugerindo íleoadinâmico (ponta de seta negra). Nãohá sinais de gás na trajetória da veiaporta ou na topografia intra-hepática.Não se demonstram sinais de coleçõesintraperitoneais. Esplenomegalia discreta(seta negra).

Fig. 14.2 — Ultra-sonografia do abdome. Trombose da veia mesentérica superior esten-dendo-se para a veia porta (seta negra). A artéria hepática, com presença de fluxo (setatortuosa), está delimitada. Pequena ascite. Esplenomegalia homogênea. Fígado com eco-textura heterogênea.

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Fig. 14.4 — Ultra-sonografia (Doppler). Veia e artéria mesentéricas superiores observa-das em um plano axial. A primeira apresenta-se dilatada e com conteúdo ecogênico noseu interior, caracterizando trombose mesentérica (seta negra). A segunda apresenta-secom fluxo presente (seta branca). A veia esplênica mostra fluxo presente (ponta de setanegra).

Fig. 14.3 — Ultra-sonografia. Veia porta com calibre aumentado, apresentando-se semfluxo (seta negra). Observar fluxo passando acima da veia porta (seta negra tortuosa) queao estudo Doppler apresentou-se com padrão arterial de pulsatilidade (artéria hepática).

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Fig. 14.5 — Ultra-sonografia (Doppler). Ramo esquerdo da veia porta sem fluxo no seuinterior (seta negra). Correndo paralelamente aos ramos portais sem fluxo, podemos ob-servar os ramos arteriais com fluxo preservado (setas tortuosas).

Fig. 14.6 — Tomografia computadorizada. Corte no nível da artéria e veia mesentéricasuperiores. A veia mesentérica superior está parcialmente ocluída por trombo (seta negra).A artéria mesentérica superior (ponta de seta branca) tem aspecto normal.

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Fig. 14.7 — Tomografia computadorizada. Fase portal tardia. Corte no nível do fígado. Espleno-megalia (ponta de seta branca). Há áreas hipodensas no fígado (setas brancas) em todos os se-tores da glândula. Algumas dessas áreas têm bordas irregulares, sem evidências de captaçãoanômala do contraste. As veias hepáticas estão contrastadas. Não houve contrastação da veiaporta.

so, tromboses venosas mesentéricas podem ocorrer

em pacientes com hipercoagulabilidade causada

por policitemia vera, doença falciforme, tromboci-

tose; deficiências de antitrombina III, proteína C ou

proteína S, ou estados de hipercoagulabilidade cau-

sados por carcinomatose, gestação e uso de anti-

concepcionais orais.

Tromboses venosas mesentéricas proximais iso-

ladas normalmente não levam à isquemia intesti-

nal grave devido à extensa rede colateral entre as

veias mesentéricas e a circulação sistêmica.

Trombose parcial ou completa do sistema porta

costuma ter as mesmas causas que levam à trom-

bose das veias mesentéricas. Não havendo uma re-

canalização espontânea, o paciente pode evoluir

para um quadro de insuficiência hepática fulmi-

nante e para transplante hepático.

No caso discutido, pode-se afirmar que o diag-

nóstico de trombose venosa foi acidental: a doen-

te foi encaminhada para exame ultra-sonográfico

do abdome para estudo e definição de icterícia tipo

colestática. O achado da trombose venosa ocorreu

por ter sido o exame realizado por médico treina-

do no uso do Doppler.

CONDUTA ADOTADA

A conduta foi expectante com tratamento de

suporte. Após dez dias, uma tomografia computa-

dorizada efetuada como controle mostrou abscessos

hepáticos no lobo direito do fígado, que foram dre-

nados. Durante a drenagem, a exploração dos ór-

gãos abdominais não mostrou outras alterações.

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Paciente de 34 anos, sexo feminino, branca,

casada, natural de Santiago do Chile e proceden-

te de São Paulo

Queixa e duração: dor abdominal há um dia.

História pregressa da moléstia atual: estava

bem e há um dia começou a sentir dor em cólica

por todo o abdome, muito forte, acompanhada por

parada na eliminação de gases e fezes. Relata dois

episódios de vômitos nas últimas horas.

Interrogatório complementar: nega qualquer

sintoma relacionado ao aparelho digestivo e aos

demais aparelhos. Não apresentava antecedentes

mórbidos, a não ser cirurgia gástrica por úlcera

duodenal (sic) há quatro anos em Santiago.

Exame físico: paciente em regular estado ge-

ral, desidratada, corada, eupneica, acianótica,

anictérica.

Exame abdominal: cicatriz de incisão mediana

xifoumbilical, bem como distensão simétrica ++.

Há dor difusa à palpação e ausência de sinais de

irritação peritoneal. A percussão é timpânica difu-

sa e os ruídos hidroáreos são aumentados em fre-

qüência e timbre.

Toque retal: ausência de fezes em ampola retal.

Exames laboratoriais: hemograma, hemossedi-

mentação, uréia, creatinina, sódio, potássio, amilase

e urina tipo I estão dentro dos limites da normali-

dade (Figs. 15.1 e 15.2).

DISCUSSÃO CLÍNICA,LABORATORIAL E DAS IMAGENS

Paciente jovem, do sexo feminino, sem antece-

dentes mórbidos significativos, com quadro agudo de

dor abdominal, com sintomas e sinais muito suges-

tivos de abdome agudo obstrutivo. Os exames labo-

ratoriais, sem anormalidades, sugerem tratar-se de

obstrução intestinal não-complicada. O exame

radiológico simples do abdome apresenta dados ca-

racterísticos de obstrução de intestino delgado distal.

DIAGNÓSTICO

O conjunto dos dados clínicos, laboratoriais e

radiológicos permite fazer o diagnóstico sindrômi-

co de abdome agudo obstrutivo, diagnóstico ana-

tômico de obstrução completa de íleo e deixa dú-

vidas em relação ao diagnóstico etiológico, uma vez

que não há antecedentes que permitam pensar nas

causas mais habituais de obstrução de delgado, tais

como aderências, hérnias ou neoplasias.

CONDUTA ADOTADA

Com o diagnóstico de abdome agudo obstruti-

vo, foi realizada uma laparotomia exploradora. O

Caso 4

Gaspar de Jesus Lopes FilhoJosé Roberto Ferraro

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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Fig. 15.2 — Radiografia em anteroposte-rior, posição ortostática. Há longos níveisde líquido no andar superior do abdome(setas negras). O gás contrasta caracterís-ticas das alças do intestino delgado como calibre muito aumentado (setas brancastortuosas). O restante do abdome temaspecto homogêneo, de densidade eleva-da (pontas de setas negras), por repleçãolíquida dos segmentos distendidos. Ausên-cia de gás nos colos e no reto.

Fig. 15.1 — Radiografia em anteroposte-rior, em decúbito dorsal. Observam-sealças com conteúdo gasoso apenas naporção superior do abdome (setas ne-gras). Localiza-se no estômago e alças dodelgado. O grande “vazio” do restantedo abdome (pontas de setas negras) re-presenta alças intestinais repletas de líqui-do, praticamente sem conteúdo gasoso.

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achado intra-operatório inicial confirmou a presen-

ça de uma obstrução completa de íleo, causada por

uma massa resultante da aderência de algumas al-

ças do íleo entre si. Na revisão da cavidade abdo-

minal, notou-se a presença de gastrectomia parcial

prévia, com reconstituição do trânsito intestinal à

Billroth II. Optou-se pela ressecção dessa massa,

em virtude da dificuldade em desfazer as aderên-

cias entre elas. Após a ressecção, foi realizada uma

enteroenteroanastomose término-terminal em plano

único extramucoso e, a seguir, procedeu-se ao fe-

chamento da parede abdominal por planos.

Ainda na sala operatória, foi efetuada a aber-

tura da peça de ressecção cirúrgica, em que se ve-

rificou a presença de uma compressa cirúrgica na

luz do intestino delgado e a ausência de qualquer

outro tipo de lesão anatomopatológica. O exame

histopatológico da peça operatória também afas-

tou a possibilidade de outras lesões anatomopato-

lógicas.

Na evolução pós-operatória, a paciente não

apresentou intercorrências e recebeu alta hospitalar

em boas condições no quinto dia pós-operatório. No

pós-operatório tardio, após um ano da operação, a

paciente não apresentava qualquer intercorrência.

A análise retrospectiva desse caso mostra tra-

tar-se de uma situação inusitada, de uma obstru-

ção intestinal causada pela impactação intralumi-

nar de uma compressa cirúrgica na luz do intesti-

no delgado. Parece provável que a gastrectomia

parcial, realizada quatro anos antes, tenha tido

como complicação pós-operatória precoce uma fís-

tula do coto duodenal. Através desta fístula essa

compressa, deixada inadvertidamente junto ao coto

duodenal durante a cirurgia inicial, ganhou a luz

duodenal. Ali permaneceu, excluída do trânsito ali-

mentar, durante anos, até que mais recentemente

houvesse a migração para as alças de delgado mais

distais, onde ocorreu a impactação que gerou o

quadro clínico atual.

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Paciente com 77 anos de idade, sexo masculi-

no, natural e procedente de São Paulo.

Queixa e duração: dor abdominal localizada no

quadrante inferior esquerdo e que piora com a de-

ambulação. História pregressa da moléstia atual:

estava bem e há dois dias começou a sentir dores

contínuas de média intensidade na metade esquer-

da do abdome. A dor se irradiava para a raiz da

coxa. Nega febre e qualquer outro sintoma.

Sabe ser hipertenso. Tem cardiopatia com fibri-

lação atrial. Está em uso de medicação anti-hiper-

tensiva e anticoagulante. Apendicectomia há cerca

de 15 anos.

Exame físico: apresenta-se ligeiramente hipo-

corado, afebril e eupnéico. Ausculta cardiopulmo-

nar evidenciando ritmo cardíaco irregular em dois

tempos, bulhas normofonéticas sem sopros. Mur-

múrio vesicular universal sem ruídos adventícios.

Abdome flácido, doloroso à palpação profunda

na região do quadrante inferior esquerdo. Ruídos

hidroaéreos presentes.

Apresenta dor à flexão/extensão da coxa esquerda.

Hipótese diagnóstica na entrada: diverticulite

não-complicada.

Exames de admissão

Hematócrito: 10%; hemoglobinemia: 9mg/dl;

microcitose e hipocromia. Série branca normal.

Urina tipo I: normal.

EXAMES DE IMAGEM

O exame ultra-sonográfico do abdome não re-velou alterações.

O retroperitônio não pôde ser avaliado por in-terposição gasosa. Não havia sinais de dilatação pi-elocalicial (Figs. 16.1 a 16.4).

DISCUSSÃO CLÍNICA,LABORATORIAL E DAS IMAGENS

Os achados clínicos e tomográficos induziram àpesquisa de lesão no músculo psoas, primária ou se-cundária a processo de vizinhança. Tal processo devizinhança revelou-se inexistente, e o fato de o doen-te receber medicação anticoagulante levou à conclusãoda presença de hematoma de causa primária. Proces-so semelhante ocorreu no músculo ilíaco esquerdo.

DIAGNÓSTICO

Hematoma do músculo psoas. Hematoma domúsculo ilíaco.

CONDUTA ADOTADA

Expectante. Tratamento da dor. Após 30 dias,nova tomografia computadorizada mostrou aspectonormal de ambos os músculos.

Caso 5

George Rosas○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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Fig. 16.1 — TC de abdome sem contraste mostrando a musculatura do psoas(seta preta) e do ilíaco (ponta de seta preta) esquerdos com dimensões aumen-tadas.

Fig. 16.2 — TC de abdome com contraste em um nível próximo ao da figuraanterior mostrando a musculatura do psoas (seta preta) e do ilíaco (ponta de setapreta) esquerdos aumentados e com densidade homogênea. Nota-se tambémdeslocamento medial do ureter esquerdo (asterisco).

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Fig. 16.3 — TC de abdome com contraste em um nível inferior, mostrando aumento pre-dominante do músculo ilíaco esquerdo (ponta de seta preta). Nota-se a musculatura con-tralateral com aspecto normal (seta preta).

Fig. 16.4 — TC de abdome no nível da bexiga (asterisco), mostrando extensão inferi-or do hematoma do ilíaco (ponta de seta preta). Musculatura contralateral com aspectonormal.

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TRM, branca, 31 anos, casada, secretária, na-tural e procedente de São Paulo.

Queixa e duração: dor em região baixa do ab-dome há um dia, de início súbito e de grande in-tensidade.

História pregressa da moléstia atual: pacienterefere atraso menstrual de quatro semanas, comdiagnóstico de gravidez por teste em urina há trêssemanas. Estava apresentando náuseas e vômitostodos os dias pela manhã. Há um dia, após episó-dio de vômito, começou a apresentar dor forte naregião baixa do abdome, que está se intensifican-do, e agora sente dor generalizada por todo abdo-me. Refere dificuldade para respirar, para se mo-vimentar e sente o abdome distendido. Refere quehá cerca de 12 horas observou discreto sangramen-to pela vagina.

Interrogatório complementar: geral: nega febre,adinamia, emagrecimento. Ap neurológico: referevertigem ao ficar em pé. Ap cardiocirculatório:nega palpitação, dispnéia, tosse. Ap gastrointestinal:refere parada de eliminação de gases e fezes há umdia. Ap geniturinário: refere dificuldade de iniciarmicção. Nega disúria. Nega corrimento vaginal. Apesquelético: sem alterações.

Antecedentes pessoais: refere ser portadora deendometriose, tendo sido submetida a duas video-laparoscopias para tratamento de endometrioma deovário, nos últimos três anos. Foi medicada com

análogo de LHRH por seis meses para controle deendometriose, após o que conseguiu engravidar es-pontaneamente.

Antecedentes menstruais: menarca aos 13 anos.Ciclos de 4/28 dias. Nos últimos cinco anos comdismenorréia engravescente.

Antecedentes sexuais: coitarca com 19 anos.Três parceiros até hoje. Parceiro fixo há oito anos.Usou método anticoncepcional oral até cinco anosatrás, após o que vem tentando engravidar.

Antecedente obstétrico: primigesta.Antecedentes familiares: pais vivos com saúde.

Tia materna com câncer de mama aos 73 anos.Gestação atual: planejada e desejada. DUM há

oito semanas. Iniciou pré-natal há três semanas.Nega uso de medicamentos no início da gravidez.

EXAME FÍSICO GERAL

BEG, fácies de dor.Descorada ++/++++, anictérica, acianótica.PA = 8cmHg × 5cmHg, P = 96bpm, fino.Cabeça e pescoço: sem gânglios palpáveis. Ti-

reóide de volume normal e regular.Coração: BRNF.Pulmão: MV presente e normal.Abdome: plano, sem abaulamentos ou retrações.Rígido, DB+. Não há tumor palpável.

Caso 6

Rosiane Mattar○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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RHA ausentes.Ap urinário: sinal de Giordano negativo.Membros inferiores: sem alterações.

EXAME OBSTÉTRICO

Mamas: simétricas, sem abaulamentos ou re-trações. Mamilos protrusos.

Mamas flácidas. Não há nódulo palpável.Não há gânglios axilares ou subclaviculares

palpáveis.Expressão negativa.Abdome: rígido. Não se palpa útero aumentado.Órgãos genitais externos: períneo íntegro. Não

há alterações de pele e mucosa.Exame especular: paredes vaginais róseas, ru-

gosidades normais, sem lesões visíveis. Colo uteri-no epitelizado, com discreto sangramento pelo ca-nal cervical.

Toque vaginal: paredes vaginais sem altera-ções. Colo uterino amolecido, impérvio. Abaula-mento do fundo-de-saco de Douglas, com dor in-tensa ao toque. Útero e anexos de difícil delimita-ção pela dor e resistência ao exame.

Hipótese diagnóstica: gravidez ectópica rota.

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

Abortamento.

Neoplasia trofoblástica gestacional.Tumor de ovário complicado.

EXAMES LABORATORIAIS

Tipagem sangüínea: A+.Hematológico: Hb: 9,6; Htc: 29; leuco:

12.100 sem desvios; plaquetas: 247 mil.β-hCG na urina: positivo.

EXAMES DE IMAGEM

Realizada ultra-sonografia, onde foram obser-vados aumento do volume uterino e imagem císticano seu interior (pseudo-saco gestacional). Na regiãoanexial esquerda, foi observada massa delimitandocavidade cística (saco gestacional) de contornos ir-regulares e embrião no seu interior. Na endocérvi-ce, foi evidenciado líquido, correspondendo ao san-gramento relatado (Figs. 17.1 e 17.2).

CONCLUSÃO

O ultra-som e o β-hCG confirmaram a hipóte-se de gravidez tubária rota, provavelmente devidaa alterações anatômicas e funcionais das tubas de-correntes das aderências próprias de endometrioseanterior.

Fig. 17.1 — Ultra-sonografia pélvi-ca. Corte longitudinal do útero. Nacavidade endometrial, é demons-trado um pseudo-saco gestacional(seta branca). Há conteúdo líqui-do anecóico (ponta de seta bran-ca) na endocérvice (sangue). Abexiga apresentava repleção par-cial (seta preta).

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Fig. 17.2 — Ultra-sonografia pélvica. Corte longitudinal lateralizado para a es-querda, mostrando massa anexial (pontas de setas brancas) envolvendo cavida-de cística de contornos irregulares e embrião (seta branca) no seu interior. O úteroé demonstrado (seta preta).

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Doente do sexo feminino, com 28 anos de ida-de, natural e procedente de São Paulo.

Queixa e duração; história pregressa da moléstiaatual: queixa-se de dor forte na fossa ilíaca direita, hátrês dias. O início da dor foi insidioso. A dor é “emtorção”, diferente de uma cólica menstrual usual, mascom picos de elevação da intensidade que duramalguns minutos. Acentuação da dor há seis horas,quando decidiu procurar socorro médico. A dor, en-tão, tornou-se contínua. Relata redução do volumemenstrual no último ciclo, há 20 dias. Nega tontu-ras ou desmaios. Não há náuseas ou vômitos. O in-testino está funcionando normalmente. Nega febre.

Já foi operada, há quatro anos, por gestaçãoectópica na tuba esquerda e conta que a dor eradiferente da atual. Hábito intestinal normal. Estáalimentando-se bem apesar da dor. Não há outrosantecedentes dignos de nota.

Exame físico: doente hígida em bom estadogeral. Mucosas coradas, hidratada. Fácies de so-frimento. Dificuldade na deambulação, por dor abdo-minal, mas chegou andando ao hospital, em atitudede flexão. Dor e resistência à palpação da fossa ilí-aca direita, com sinas sugestivos de descompressãodolorosa local. Ausculta abdominal normal.

O toque vaginal bimanual revelou presença demassa dolorosa e empastada na região anexial direita.

EXAMES DE LABORATÓRIO

Hematológico e exame de urina tipo I normais.Provas de gestação negativas.

EXAMES DE IMAGEM

Foi efetuado exame ultra-sonográfico por viapélvica. Após análise dos achados, decidiu-se efetuaruma radiografia sem contraste (Figs. 18.1 a 18.3).

DISCUSSÃO CLÍNICA,LABORATORIAL E DAS IMAGENS

O diagnóstico clínico foi de massa anexial comtorção: o tipo de dor era sugestivo de episódios detorção. A piora da dor, bem como a alteração dotipo de dor (intermitente para continuada), foi su-gestiva de processo em evolução, com sofrimentovascular. O achado ultra-sonográfico, se bem queinespecífico quanto à natureza da massa, foi reve-lador e confirmou o toque vaginal: presença demassa anexial.

O exame radiológico fechou o diagnóstico deteratoma.

DIAGNÓSTICO

Teratoma do ovário direito.

CONDUTA ADOTADA

Laparotomia com ressecção da massa.

Caso 7

Samuel Reibscheid○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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Fig. 18.2 — Ultra-sonografia pélvica. Presen-ça de massa na região anexial direita, bem de-limitada. A ecogenicidade é heterogênea, comzonas de densidade elevada (seta branca) edensidade de líquido, com poucos ecos no in-terior (ponta de seta negra). O útero tinha osparâmetros sônicos normais.

Fig. 18.1 — Detalhe de radiografia do abdome em anteroposterior,mostrando a região de bacia. Há massa de aspecto heterogêneo na re-gião média, projetando-se para o lado direito. Demonstram-se lesõesdentiformes com densidade cálcica (setas brancas); as pontas de setabrancas mostram lesão com densidade de gordura e há porção muito he-terogênea (seta negra) representando entremeado de gordura com com-ponentes de densidade mais elevada ou, como diferencial, a ampola retalcom conteúdo.

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Fig. 18.3 — Radiografia da massa após exérese por laparotomia. A massa tumoral estásobre compressa cirúrgica e suas bordas são delimitadas contra o ar circundante (setascurvas). As lesões cálcicas (setas brancas) apontam dentes do tipo molar. As pontas de setabrancas indicam zonas de gordura-sebo entremeadas com tufos de cabelo. O restante damassa tem densidade radiológica de líquido.

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Page 236: Abdome Agudo - Clínica e Imagem

. 221 .© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

A

Abdome agudo, 49anatomia do, por imagem, 3-25casos de, 191-219

caso 1, 193caso 2, 197caso 3, 199caso 4, 205caso 5, 209caso 6, 213caso 7, 217

classificação, 49Abdome agudo em ginecologia, 173-190

conceito e incidência, 173diagnóstico

clínico, 176diferencial, 188laboratorial e exames complementares, 176

diagnóstico por imagem, 177hemorrágicas, 177

alterações uterinas pós-cirúrgicas, 180cisto funcional, 177endometrioma, 180

inflamatórias, 180doença inflamatória pélvica, 180

vasculares, 182miomas uterinos, 186torção ovariana, 182

etiopatogenia, 174fisiopatologia, 175prognóstico, 189quadro clínico, 175tratamento, 188

cirúrgico, 188clínico, 188

Abdome agudo em obstetrícia, 151-171causas de abdome agudo

não-relacionadas à gravidez, 162apendicite aguda, 162colecistite aguda, 162complicações de úlcera péptica, 164infecções do trato urinário, 166litíase e obstrução renal, 164oclusão do intestino delgado, 164pancreatite, 163

relacionadas à gravidez, 167

descolamento prematuro da placenta, 168gravidez ectópica rota, 167ruptura uterina, 170toxemia gravídica, 168

causas relacionadas ao útero e aos anexos, 166classificação, 152

causas extratocoginecológicas, 158apendicite aguda, 158colecistite aguda, 160litíase renal, 161oclusão intestinal, 159pancreatite aguda, 160pielonefrite aguda, 161rotura de fígado, 161úlcera gastroduodenal perfurada, 159

causas ginecológicas, 157mioma uterino, 158tumor de ovário complicado, 157

causas obstétricas, 152abortamento, 152descolamento prematuro da placenta, 155gravidez ectópica, 153infecção puerperal, 156neoplasia trofoblástica gestacional, 154rotura uterina, 156

diagnóstico por imagem, 162Abdome agudo hemorrágico, 129-150

diagnóstico por imagem, 141hematoma do músculo psoas, 144ruptura

de aneurismas, 147espontânea do baço, 143espontânea do fígado, 141espontânea do rim, 144

em afecções do aparelho digestivo e do baço, 137ruptura espontânea

do fígado, 137do baço, 138

tumores do trato gastrointestinal como fontes desangramento, 140

exames laboratoriais, 132fatores de risco, 131

anticoagulantes, 132arteriosclerose e hipertensão arterial, 131coagulopatias, 131

hematoma retroperitoneal espontâneo, 140

Índice Remissivo

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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hemoperitônio espontâneo idiopático, 141outros métodos diagnósticos, 133quadro clínico, 130vascular, 133

ruptura de aneurismada artéria esplênica, 135da artéria hepática, 136da artéria mesentérica superior, 137das artérias viscerais abdominais, 135de aorta abdominal, 133

Abdome agudo inflamatório, 44, 51-77abdome agudo vascular, 45colangite, 45conceito, 51diagnóstico clínico, 53

apendicite aguda, 53colecistite aguda, 53diverticulite dos colos, 55pancreatite aguda, 54

diagnóstico diferencial, 72apendicite aguda, 72colecistite aguda, 72diverticulite do sigmóide, 72pancreatite aguda, 72

diagnóstico laboratorial, 55diagnóstico por imagem, 56

apendicite aguda, 56diagnóstico diferencial, 61radiologia convencional, 56tomografia computadorizada, 58ultra-sonografia, 60

colecistite aguda, 65colangiopancreatografia por ressonância

magnética, 67complicações, 67radiologia convencional, 65tomografia computadorizada, 65ultra-sonografia, 65

diverticulite aguda, 62diagnóstico diferencial, 64radiologia convencional, 62tomografia computadorizada, 62ultra-sonografia, 64

pancreatite aguda, 67radiologia convencional, 67ressonância magnética, 71tomografia computadorizada, 67ultra-sonografia, 71

etiopatogenia, 51fisiopatologia, 51pancreatite aguda, 44quadro clínico, 52tratamento e elementos de prognóstico, 73

específico, 75apendicite aguda, 75

colecistite aguda, 75diverticulite do sigmóide, 76pancreatite aguda, 76

genérico, 73analgesia, 73antibioticoterapia, 75correção de distúrbios eletrolíticos, 73reposição volêmica, 73tratamento de falências orgânicas, 73tratamento do íleo adinâmico, 73

Abdome agudo obstrutivo, 111-128conceito, 111diagnóstico

clínico, 114diferencial, 125laboratorial, 114por imagem, 115

radiografia contrastada do abdome, 122radiografia simples do abdome, 115tomografia computadorizada, 124ultra-sonografia, 124

elementos de prognósticos, 127etiopatogenia, 112fisiopatologia, 112

íleo paralítico, 113obstrução

com estrangulamento, 113em alça fechada, 113intestinal mecânica simples, 112

incidência, 112quadro clínico, 114tratamento, 125

cirúrgico, 126clínico, 125

Abdome agudo perfurativo, 79-93conceito e incidência, 79diagnóstico

laboratorial, 80radiológico, 81

estudos gastrointestinais contrastados, 84pneumorretroperitônio, 88radiografia simples do abdome, 81tomografia computadorizada, 86ultra-sonografia, 86

diagnóstico diferencial e etiológico, 89perfuração(ões)

do intestino delgado, 90do intestino grosso, 91esofágica, 89gástrica e duodenal, 90

quadro clínico, 79tratamento, 92

Abdome agudo vascular, 95-110circulação intestinal, 95isquemia aguda, 96

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definição, 96diagnóstico por imagem, 97

angiografia, 100radiografia contrastada, 99radiografia simples, 98ressonância magnética, 104tomografia computadorizada helicoidal, 100ultra-sonografia, 99

etiologia, 96exames complementares, 97fisiopatologia, 96quadro clínico, 97tratamento e prognóstico, 106

colite isquêmica, 107reperfusão intestinal, 108transplante intestinal, 109

Abdome, semiologia clínica do, 27-40anamnese, 27antecedentes pessoais e familiares, 27exame clínico do abdome, 28

ausculta, 40características da parede anterior do abdome, 28divisão topográfica do abdome, 29inspeção, 29

alterações da pele, 34contrações peristálticas vicíveis, 31edema de parede, 33retrações, 32sistema venoso, 33

palpação, 34consistência, 34diâmetro, 35fenômenos acústicos, 36forma, 35mobilidade, 35

percussão, 37ascite, 38

propedêutica do abdome, 29interrogatório complementar, 27terapêutica em uso, 27

Abortamento, 152aborto séptico, 153perfuração uterina, 152

Aborto séptico, 153Abscesso

pericecal, 59pericólico, 64perivesicular, 67tubovariano, 182

Acalasia, 89Ácido araquidônico, 132Afibrinogenemia congênita, 131Agitação peristáltica de Kussmaul, 32Alça de Wahll, 31

Alteraçõesda pele, 34uterinas pós-cirúrgicas, 180

Amilasemia, 56Analgesia, 73Anatomia do abdome por imagem, 3-25

cavidade peritoneal, 11baço, 18caminhos do gás pelos ligamentos, 15colo, 19estômago, 18fígado, 18inserções peritoneais posteriores, 11intestino delgado, 19vesícula biliar, 18

conteúdo gasoso do tubo digestivo, 24espaços retroperitoneais, 4

pilares do diafragma, 11psoas, 9quadrado lombar, 9

pelve, 19músculo

elevador do ânus, 19grande glúteo, 19obturador interno, 19piriforme, 19

vísceras pélvicas, 24rotina de análise da radiografia do abdome, 25

Aneurisma, ruptura deaorta abdominal, 133artéria(s)

esplênica, 135hepática, 136mesentérica superior, 137viscerais abdominais, 135

Angiografia, 100Angiossarcoma, 137Anticoagulantes, 132Aorta abdominal, ruptura de aneurisma de, 133Apendagite, 64Apêndice distendido, 57Apendicectomia, 159Apendicite aguda, 56, 158

diagnósticoclínico, 53diferencial, 61

radiologia convencional, 56tomografia computadorizada, 58

complicações, 59sinais tomográficos, 59

tratamento específico, 75ultra-sonografia, 60

Apendicolito calcificado, 59Apoplexia abdominal, 129

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Arritmia cardíaca, 97Artéria(s)

esplênica, ruptura de aneurisma da, 135hepática, ruptura de aneurisma da, 136mesentérica superior, ruptura de aneurisma da, 137viscerais abdominais, ruptura de aneurisma das, 135

Arteriosclerose, 131Árvore biliar, 52Ascite, 38

decúbito dorsal, 39decúbitos laterais, 39inspeção, 38palpação, 38percussão, 39posição

de Trendelenburg, 39em pé, 39

sensação de onda, 39sinal de Bard, 39

Atresia cervical, 187Ausculta do abdome, 40

B

Baço, 18ruptura espontânea do, 138

Bard, sinal de, 39Barro biliar, 163Blumberg, sinal de, 53Boerhaave, síndrome de, 89Bolsa

de Hartmann, 65de Morison, 11

Borborigmos, 37Broncoaspiração, 73

C

Cálculo(s)apendicular, 57biliares, 160ureteral, 165

Cápsula de Glisson, 176Carcinoma

colônico perfurado, 64ductal, 65hepatocelular, 137

Cavidade peritoneal, 11baço, 18caminhos do gás pelos ligamentos, 15colo, 19

estômago, 18fígado, 18inserções peritoneais posteriores, 11intestino delgado, 19vesícula biliar, 18

Cérvix uterina, 168Chlamydia trachomatis, 188Choque hipovolêmico, 168Cicatriz umbilical, 38Circulação intestinal, 95Cirurgia de Graham-Steele, 90Cisto(s)

dermóides, 180funcional, 177hemorrágico, 179teca-luteínicos, 154

Clindamicina, 188Coagulopatias, 131Colangiopancreatografia por ressonância magnética, 67Colangite, 45Colecistectomia, 160Colecistite aguda, 65, 160, 162

colangiopancreatografia por ressonânciamagnética, 67

complicações, 67diagnóstico

clínico, 53diferencial, 72

radiologia convencional, 65tomografia computadorizada, 65tratamento específico, 75ultra-sonografia, 65

Cólica biliar, 160Colite isquêmica, 107Colo, 19Colonoscopia, 159Contrações peristálticas vicíveis, 31Contraste endorretal, 62Coriocarcinoma, 138, 155Crohn, doença de, 56Culdocentese, 133Cullen, sinal de, 131

D

Descolamento prematuro da placenta, 155, 168Diafragma, pilares do, 11Dispositivo intra-uterino, 174Distensão abdominal, 44, 153Distúrbios eletrolíticos, correção de, 73Diverticulite

aguda, 62diagnóstico diferencial, 64

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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do sigmóide, 52radiologia convencional, 62tomografia computadorizada, 62

do intestino delgado, 64sinais tomográficos, 62

ultra-sonografia, 64de Meckel, 72do sigmóide

diagnóstico diferencial, 72tratamento específico, 76

dos colos, diagnóstico clínico, 55Divertículo do ceco, 55Doença(s)

cardiovasculares, 132de Crohn, 56de Hodgkin, 139de Von Willebrand, 131inflamatória pélvica, 180neoplásicas, 138

Dor abdominal, causas não-cirúrgicas de, 74Douglas, fundo-de-saco de, 153Duodenite, 65Duodeno, 9

E

Ehlers-Danlos, síndrome de, 131Endometriomas, 180Enema opaco, 62Enfisema, 38Esofagectomia, 89Espaço(s)

de Traube, 38pararrenal, 9retroperitoneais, 4

pilares do diafragma, 11psoas, 9quadrado lombar, 9

subfrênicos, 15Estômago, 18Estudos gastrointestinais contrastados, 84Esvaziamento molar, 154Exame clínico do abdome, 28

ausculta, 40características da parede anterior do, 28divisão topográfica do, 29inspeção, 29

alterações da pele, 34contrações peristálticas vicíveis, 31edema de parede, 33retrações, 32sistema venoso, 33

palpação, 34consistência, 34diâmetro, 35fenômenos acústicos, 36

borborigmos, 37gargarejo, 37ruído de patinhação, 36ruído hidroaéreo ou vascolejo, 36

forma, 35mobilidade, 35

de decúbito, 36espontânea, 36manual, 35respiratória, 35

percussão, 37ascite, 38

decúbito dorsal, 39decúbitos laterais, 39inspeção, 38palpação, 38percussão, 39posição de Trendelenburg, 39posição em pé, 39sensação de onda, 39sinal de Bard, 39

propedêutica do, 29

F

Falências orgânicas, tratamento de, 73Febre

do Mediterrâneo, 49tifóide, 34

Fecalito, 53Fenômeno(s)

acústicos do abdome, 36borborigmos, 37gargarejo, 37ruído

de patinhação, 36hidroaéreo ou vascolejo, 36

de Litten, 38Fígado, 18

rotura de, 161ruptura espontânea do, 137

Fitz-Hugh-Curtis, síndrome de, 176Fluido perivesicular, 65Forame

ciático, 19de Winslow, 13

Fossa isquiorretal, 19Fundo-de-saco de Douglas, 153

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G

Gargarejo, 37Gary-Turney, sinal de, 131Gás carbônico, 62Gastrectomia total, 13Gentamicina, 188Glisson, cápsula de, 176Gordura

isquiorretal, 19pararrenal, 6subperitoneal, 19

Goteira parietocólica, 11Graham-Steele, cirurgia de, 90Gravidez

causas de abdome agudonão-relacionadas à, 162

apendicite aguda, 162colecistite aguda, 162complicações de úlcera péptica, 164infecções do trato urinário, 166litíase e obstrução renal, 164oclusão do intestino delgado, 164pancreatite, 163

relacionadas à, 167descolamento prematuro da placenta, 168gravidez ectópica rota, 167ruptura uterina, 170toxemia gravídica, 168

ectópica, 153abdominal, 154ovariana, 154tubária, 153

H

Hartmann, bolsa de, 65Helicobacter pylori, 159Hematoma(s)

do músculo psoas, 144intraparenquimatosos, 143retroperitoneal espontâneo, 140

Hematossalpinge, 167Hemiabdome, 21Hemoperitônio espontâneo idiopático, 141Hemorragia intratumoral, 157Hiperêmese gravídica, 154Hipertensão arterial, 131Hipertonia uterina, 155Hipertrigliceridemia familiar, 160Hipovolemia, 130Histerectomia total, 153Histerômetro, 152Hodgkin, doença de, 139

I

Ileíte terminal aguda, 56Íleo

adinâmico, 57tratamento do, 73

paralítico, 113Infecção(ões)

do trato urinário, 166puerperal, 156

Inflamação periapendicular, 59Inspeção do abdome, 29

alterações da pele, 34contrações peristálticas vicíveis, 31edema de parede, 33retrações, 32sistema venoso, 33

Intestinodelgado, 19

oclusão do, 164perfuração do, 90

grosso, perfuração do, 91Irritação peritoneal, 157, 162Isoperistaltismo, 31Isquemia

aguda, 96definição, 96diagnóstico por imagem, 97

angiografia, 100radiografia contrastada, 99radiografia simples, 98ressonância magnética, 104tomografia computadorizada helicoidal, 100ultra-sonografia, 99

etiologia, 96exames complementares, 97fisiopatologia, 96quadro clínico, 97tratamento e prognóstico, 106

intestinal, 45

K

Kaposi, sarcoma de, 90Kussmaul, agitação peristáltica de, 32

L

Laffont, sinal de, 153Laparotomia, 174

exploradora, 153

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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Lapinsky, sinal de, 53Lavado peritoneal diagnóstico, 133Leiomiomas uterinos, 158Leucocitose, 158Ligamento frenocólico, 13Linfadenite mesentérica, 56Litíase

biliar, 160e obstrução renal, 164renal, 161vesicular, 54

Litten, fenômeno de, 38Lobo de Riedel, 18Lúpus eritematoso disseminado, 131

M

Máculas, 34Malária, 138Marfan, síndrome de, 131Massa periapendicular, 57Maturidade fetal, 152McBurney, ponto de, 53, 151, 158Meckel, diverticulite de, 72Melanoma, 138Mesentério, 11Mesocolo, 11Metaplasia mielóide, 139Meteorismo, 31Metronidazol, 188Mioma(s)

submucosos, 187uterino, 155, 158, 186

Mobilidade, 35de decúbito, 36espontânea, 36manual, 35respiratória, 35

Mola hidatiforme com complicação de cistoteca-luteínico, 155

Mononucleose, 138Morfina, 19Morison, bolsa de, 11Murphy, sinal de, 66Músculo

elevador do ânus, 19grande glúteo, 19obturador interno, 19piriforme, 19

N

Náusea, 52Neisseria gonorrhoeae, 188Neoplasia trofoblástica gestacional, 154

maligna com perfuração uterina, 155mola hidatiforme com complicação de cisto

teca-luteínico, 155Nervo ciático, 19

O

Obstetrícia, abdome agudo em, 151-171causas de abdome agudo

não-relacionadas à gravidez, 162apendicite aguda, 162colecistite aguda, 162complicações de úlcera péptica, 164infecções do trato urinário, 166litíase e obstrução renal, 164oclusão do intestino delgado, 164pancreatite, 163

relacionadas à gravidez, 167descolamento prematuro da placenta, 168gravidez ectópica rota, 167ruptura uterina, 170toxemia gravídica, 168

causas relacionadas ao útero e aos anexos, 166classificação, 152

causasextratocoginecológicas, 158ginecológicas, 157obstétricas, 152

diagnóstico por imagem, 162Obstrução

aguda renal, 165com estrangulamento, 113em alça fechada, 113intestinal mecânica simples, 112renal, 164

Oclusão do intestino delgado, 164Ooforectomia, 154

P

Palpação do abdome, 34consistência, 34diâmetro, 35fenômenos acústicos, 36

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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borborigmos, 37gargarejo, 37ruído de patinhação, 36ruído hidroaéreo ou vascolejo, 36

forma, 35mobilidade, 35

de decúbito, 36espontânea, 36manual, 35respiratória, 35

Pancreatite aguda, 44, 67, 160diagnóstico

clínico, 54diferencial, 72

radiologia convencional, 67ressonância magnética, 71tomografia computadorizada, 67tratamento específico, 76ultra-sonografia, 71

Pápulas, 34Pelve, 19

músculoelevador do ânus, 19grande glúteo, 19obturador interno, 19piriforme, 19

vísceras pélvicas, 24Penicilina cristalina, 188Percussão do abdome, 37

ascite, 38decúbito(s)

dorsal, 39laterais, 39

inspeção, 38palpação, 38percussão, 39posição

de Trendelenburg, 39em pé, 39

sensação de onda, 39sinal de Bard, 39

Perfuração(ões)do apêndice, 158do intestino

delgado, 90grosso, 91

do tumor e tumor de ovário hemorrágico, 158esofágica, 89gástrica e duodenal, 90uterina, 152

neoplasia trofoblástica gestacional maligna com, 155Peritonismo, 175Petéquias, 34Pielonefrite, 166

aguda, 161

Pinça de Winter, 152Placas de urticária, 34Placenta

descolamento prematuro da, 155prévia, 170

Plasmodium vivax, 139Pneumatose cistóide, 15Pneumoperitônio, 37Pneumorretroperitônio, 88, 90Pneumotórax, 38Ponto de McBurney, 53, 151, 158Posição de Trendelenburg, 39Proteólise, 160Proust, sinal de, 176Pseudo-aneurismas da artéria esplênica, 149Psoas, 9Punção abdominal, 133

R

Radiografia convencional, 41exame completo do abdome, 42técnica, 41

Regurgitação, 73Reperfusão intestinal, 108Reposição volêmica, 73Ressonância magnética, exame por, 44

abdome agudo inflamatório, 44abdome agudo vascular, 45colangite, 45pancreatite aguda, 44

Reto, 24Riedel, lobo de, 18Rigidez abdominal, 160Rigler, sinal de, 81Rotura

de fígado, 161uterina, 156

Rowsing, sinal de, 53Ruído

de patinhação, 36hidroaéreo ou vascolejo, 36

Rupturade aneurisma(s), 147

da artéria(s)esplênica, 135hepática, 136mesentérica superior, 137viscerais abdominais, 135

de aorta abdominal, 133espontânea

do baço, 138do fígado, 137

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do rim, 144uterina, 170

S

Salmonella tiphy, 79Salpingite, 57Salpingostomia, 189Sarcoma

de Kaposi, 90uterino, 175

Semiologia clínica do abdome, 27-40Sinal

da barra cecal, 59da ponta de seta, 59de Bard, 39de Blumberg, 53de Cullen, 131de Gary-Turney, 131de Laffont, 153de Lapinsky, 53de Murphy, 66de Proust, 176de Rigler, 81de Rowsing, 53do ligamento falciforme, 81

Síndromede Boerhaave, 89de Ehlers-Danlos, 131de Fitz-Hugh-Curtis, 176de Marfan, 131HELLP, 137

Sistema venoso, 33

T

Tomografia computadorizada, exame por, 43Toque retal, 55Toracotomia, 89Torção do tumor de ovário, 157

Toxemia, 154gravídica, 168

Transplante intestinal, 109Traube, espaço de, 38Trendelenburg, posição de, 39Tuberculose, 138Tubo digestivo, conteúdo gasoso do, 24Tumor(es)

de ovário complicado, 157com fator obstrutivo ao parto, 157perfuração do tumor e tumor de ovário

hemorrágico, 158torção do tumor de ovário, 157

do trato gastrointestinal como fontes desangramento, 140

U

Úlceragastroduodenal perfurada, 159péptica, 72, 159

complicações de, 164Ultra-sonografia, exame pela, 42

V

Vesícula biliar, 18Videolaparoscopia, 75, 133Vísceras pélvicas, 24Vômitos, 52

incoercíveis, 73Von Willebrand, doença de, 131

W

Wahll, alça de, 31Winslow, forame de, 13Winter, pinça de, 152

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