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ABERTURA DO MERCADO DE DISTRIBUIÇÃO DE GÁS NATURAL CANALIZADO EM SÃO PAULO: PRESSUPOSTOS E PERSPECTIVAS Claudio Paiva de Paula 1

ABERTURA DO MERCADO DE DISTRIBUIÇÃO DE GÁS NATURAL ... · O Espaço Regulado da Distribuição de Gás Natural Canalizado em São Paulo 7 ... Avaliou-se em seguida a possibilidade

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ABERTURA DO MERCADO DE

DISTRIBUIÇÃO DE GÁS

NATURAL CANALIZADO EM

SÃO PAULO: PRESSUPOSTOS

E PERSPECTIVAS

Claudio Paiva de Paula

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ABERTURA DO MERCADO DE DISTRIBUIÇÃO DE GÁS NATURAL

CANALIZADO EM SÃO PAULO: PRESSUPOSTOS E

PERSPECTIVAS

Claudio Paiva de Paula

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Sumário

Resumo 4

1. Introdução 4

2. Serviços Concedidos de Distribuição de Gás em São Paulo 5

2.1 Expansões Programadas do Serviço de Gás Canalizado 6

2.2 Expansão COMGÁS 6

2.3 Gas Brasiliano 6

2.4 Gas Natural 7

3. O Espaço Regulado da Distribuição de Gás Natural Canalizado em São Paulo 7

3.1 Arcabouço Regulatório 7

3.2 Contratos de Concessão 8

4. O Incentivo da Concorrência na Indústria do Gás Natural 10

4.1 Monopólio Natural 10

4.2 Tendência Histórica 12

4.3 A Visão da ANP 12

5. Implantação da Concorrência na Indústria da Eletricidade 13

5.1 Desestatização do Setor Elétrico 13

5.2 O Equilíbrio das Operações 15

5.3 Mecanismos de Contratação de Energia e Combustíveis 15

6. Esboço de um Programa de Abertura do Mercado de Distribuição de Gás Canalizado 18

6.1 Antecedentes 18

6.2 Regulamentação de Órgãos Funcionais 19

6.3 Planejamento do Abastecimento 21

6.4 Etapas de Implantação 22

7. Final 23

8. Referências Bibliográficas 24

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Resumo

A apresentação inicia-se por uma análise do desempenho dos serviços de distribuição de gás

natural canalizado no Estado de São Paulo, avaliando-se a evolução da sua implantação.

Posteriormente desenvolveu-se um apanhado das principais variações da sustentação jurídica

desta implantação, partindo-se da existência de apenas uma empresa estatal, que detinha o

monopólio do serviço em nome do Estado, até sua concessão a três empresas privadas, que

cobrem a totalidade da área de São Paulo em regime de exclusividade.

Avaliou-se em seguida a possibilidade de se traçar paralelos entre as aberturas dos mercados

dos usuários dos setores elétrico e de gás natural. Finalmente desenvolvem-se exercícios

referentes a modelos de operação de mercados abertos de distribuição de gás canalizado,

examinando-se as possibilidades, dificuldades e as interações entre as esferas estaduais e

federais.

1. Introdução

O fornecimento de gás natural canalizado é uma atividade em constante evolução. Novas

modalidades de desempenho deste serviço são sempre agregadas, viabilizando-se aplicações

que contribuem para o desenvolvimento de seu mercado.

O conhecimento do efeito das ações de regulação e fiscalização na evolução da utilização do

gás natural no mercado energético paulista, bem como sua interação com o mercado nacional

constitui uma análise importante do potencial deste energético. Este conhecimento se impõe

em função de sua participação crescente na matriz energética nacional, tendência que se

observa em economias adiantadas e integradas, conseqüência dos benefícios ambientais,

econômicos e conservacionistas advindos com sua penetração no mercado.

A existência de dispositivos adequados no arcabouço regulatório, que propiciem o alargamento

das condições de atendimento ao mercado, com o surgimento da figura do consumidor livre, ao

lado da atividade de comercializadores de gás natural (commodity), disputando com as

concessionárias distribuidoras, são condicionantes importantes ao seu aperfeiçoamento.

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2. Serviços Concedidos de Distribuição de Gás em São Paulo

O Estado de São Paulo licitou e outorgou a três empresas a concessão para exploração da

distribuição de gás natural canalizado em sua área de jurisdição, sendo estes serviços regulados

por território de atuação. A Tabela 1 a seguir indica o desempenho das três empresas que

exercem a concessão pelo Estado: Companhia de Gás de São Paulo - COMGÁS, Gas Brasiliano

Distribuidora S.A. e Gas Natural São Paulo Sul S.A. A regulação e a fiscalização destes serviços

são exercidas em nome do Estado pela CSPE - Comissão de Serviços Públicos de Energia.

Tabela 1. Estado de São Paulo - Evolução do Sistema de Distribuição de Gás Natural

Canalizado

ANO CARACTERÍSTICAS

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2009(*)

REDE (km)

COMGÁS

Gas Natural

Gás Brasiliano

2.527 2.527 - -

2.712 2.712 - -

2.980 2.964 16 -

3.425 3.200 153 72

4.070 3.503 425 142

4.723 3.829 726 168

5.258 4.200 871 187

6.051 4.668 1.002 381

7.215 5.057 1.530 628

GAS DISTRIBUÍDO (MM m3)

COMGÁS

Gas Natural

Gás Brasiliano

1.356 1.356 - -

1.836 1.836 - -

2.467 2.467 - -

3.072 3.053 19 -

3.469 3.339 92 38

4.057 3.779 206 72

4.724 4.284 336 104

5.266 4.728 408 130

7.500 6.571 567 362

Consumidores de Cogeração

e Indústrias (und)

COMGÁS

Gas Natural

Gás Brasiliano

499 499 - -

539 539 - -

621 621 - -

723 689 34 -

886 767 93 26

1.016 840 141 35

1.121 906 175 40

1.213 975 197 41

1.565 1.145 296 124

Consumidores de GNC e

Comerciais (unidades)

COMGÁS

Gas Natural

Gás Brasiliano

6.947 6.947 - -

7.103 7.103 - -

7.327 7.327 - -

7.844 7.812 32 -

8.361 8.064 263 34

8.898 8.388 440 70

9.214 8.519 597 98

9.429 8.667 637 125

13.539 11.158 1.187 1.194

Consumidores Residenciais

(1000 unid)

COMGÁS

Gas Natural

Gás Brasiliano

298,4 298,4 - -

321,3 321,3 - -

337,4 337,4 - -

370,7 370,0 0,7 -

409,2 402,3 6,9 -

445,3 431,6 13,7 -

489,4 469,2 18,6 1,6

523,2 500,4 20,6 2,2

630,6 566,3 52,4 11,9

(*) Metas das Revisões Tarifárias de 2004 e 2005. Fonte: CSPE

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2.1 Expansões Programadas do Serviço de Gás Canalizado

Os Contratos de Concessão celebrados contém metas para realização nos primeiros 10 (dez)

anos da concessão, além de disposições relacionadas à qualidade dos serviços de distribuição.

Apesar de mandatórias, as metas resguardam o princípio da manutenção do equilíbrio

econômico-financeiro da concessão, dentro do ambiente concorrencial do mercado de

combustíveis - óleo combustível, diesel, eletricidade e outros. Estas ações convivem com o

objetivo perseguido pelo Estado, que é o incentivo da oferta de gás natural a um maior número

de consumidores.

2.2 Expansão COMGÁS

O plano atual de expansão da COMGÁS foi referendado pela Revisão Tarifária transcorrida em

2004. O plano propõe um crescimento paulatino do volume anual de gás natural distribuído no

qüinqüênio 2005/2009, chegando em 2009 a montantes superiores aos valores de 2005 em 96

%, além de metas para atendimento da indústria, do comércio e do setor residencial. O

crescimento da empresa estará focado em expansão geográfica, novas ações comerciais e em

desenvolvimento de novas aplicações e mercados. A COMGÁS detém extensa rede formada

desde o início de século passado.

2.3 Gas Brasiliano

O processo de Revisão Tarifária da Gas Brasiliano também decorrido em 2004 propôs um

crescimento de 403 % no montante a ser distribuído no qüinqüênio 2005/2009. Empresa

“Greenfield”, isto é, formadora de seu próprio mercado, pretende colocar especial ênfase nos

segmentos industriais alimentícios, vidreiro, têxtil e de papel e celulose, de maneira a ocupar

uma posição mais significativa no mercado, após um início relativamente lento.

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2.4 Gas Natural

A concessionária Gas Natural Sul também participou de um processo de revisão tarifária no

início de 2005, quando então apresentou seu projeto de crescimento para o qüinqüênio

2005/2009. Este planejamento abordou metas de crescimento na indústria, comércio, setor

residencial e geração de energia elétrica, perfazendo um crescimento geral para o período

2005/2009 de 162 %. Também uma empresa “Greenfield”, adotou a estratégia de crescimento

através do desenvolvimento da infra-estrutura de novos sistemas de distribuição de gás natural.

Destaca-se por colocar uma maior ênfase no segmento residencial, porém sem descuidar dos

demais.

Fig. 1 - Concessões de Distribuição de Gás Canalizado no Estado de São Paulo

3. O Espaço Regulado da Distribuição de Gás Natural

Canalizado em São Paulo

3.1 Arcabouço Regulatório

A regulação da indústria brasileira de gás natural baseia-se em dois marcos principais: a

Constituição Federal e a Lei Federal no 9.478 de 06 de agosto de 1997 - a Lei do Petróleo. A

convivência harmônica dos vários agentes da cadeia de produção, transporte e distribuição do

gás natural é assegurada por um conjunto de portarias, decretos, resoluções e normas

apoiados nestes instrumentos, que incentivam o livre desempenho da indústria e de cada

participante em particular, mantendo lucratividades compatíveis aos investimentos realizados e

modicidade tarifaria, além de buscar proporcionar a oferta de gás natural a um maior número de

consumidores.

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O artigo 25 da Constituição Federal merece destaque, uma vez que garante aos Estados e

somente a eles a competência de explorar os serviços locais de gás canalizado. A Lei do

Petróleo, por outro lado, estabelece os princípios básicos que norteiam as atividades dos

agentes das indústrias do petróleo e gás natural; este diploma legal estabeleceu que o

monopólio do petróleo e gás natural não mais seria exercido pela empresa Petrobrás, voltando

à União, que o repassaria a ANP, criada pela mesma Lei. Em seu Artigo 8º, a Lei estabelece que

a ANP deve “promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas

integrantes das indústrias do petróleo e gás natural”.

A ANP é, portanto, responsável pela regulação das atividades de produção, importação e

transporte de gás natural, exercida através do processo de publicação de Portarias,

regulamentado pelos princípios e diretrizes estabelecidos na Lei 9.478. Às agências estaduais é

atribuído o poder de atuar no segmento da Distribuição, incentivando a competitividade, a

eficiência e a modicidade das tarifas, corrigindo imperfeições de mercado e assegurando o

equilíbrio econômico-financeiro das concessões. Este preceito está contido no parágrafo único

do artigo 122 da Constituição do Estado de São Paulo, que determina a competência do Estado

na exploração direta, ou mediante concessão, na forma da lei, dos serviços de gás canalizado

em seu território, incluído o fornecimento direto a partir de gasodutos de transporte, de

maneira a atender as necessidades dos setores industrial, domiciliar, comercial, automotivo e

outros (texto da Emenda Constitucional nº 6, de 18 de dezembro 1.998).

No Estado de São Paulo a Lei Estadual Complementar nº 833, de 17 de outubro de 1997 criou a

Comissão de Serviços Públicos de Energia - CSPE objetivando a manutenção da prestação do

serviço de suprimento de gás natural em níveis adequados aos usuários e fornecedores. A

agência atua através de portarias e regulamentos editados e por editar, com o objetivo de

incentivar competitividade, eficácia, eficiência e equilíbrio econômico-financeiro dos Contratos

de Concessão de distribuição de gás natural no Estado.

3.2 Contratos de Concessão

O Estado de São Paulo, que detém a competência de explorar os serviços locais de gás

canalizado, tomou em 1996 a iniciativa de privatizá-los conforme a Lei Estadual nº 9.361, de 05

de julho de 1996, que instituiu o Programa Estadual de Desestatização sobre a Reestruturação

Societária e Patrimonial do Setor Energético e a Lei Complementar nº 833 que criou a CSPE,

dentre outras. O processo iniciou-se pela volta da concessão de toda área estadual exercida

pela COMGÁS ao Estado, sua privatização e a posterior outorga segundo três áreas:

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• Grande São Paulo, Campinas e entorno do Vale do Paraíba - Conforme Decreto Estadual

nº 43.888, de 10 de março de 1999;

• Noroeste e Sudoeste - Decreto Estadual nº 44.201, de 24 de agosto de 1999;

• Sul do Estado - Decreto Estadual nº 44.674, de 31 de janeiro de 2000.

Resumindo, a reestruturação do setor de gás canalizado iniciou-se com a privatização da

Comgás, cujo Contrato de Concessão foi celebrado em abril de 1999. Prosseguiu em seguida

com as licitações pela CSPE das áreas Noroeste e Sul do Estado de São Paulo, cujos Contratos

de Concessão foram celebrados, respectivamente, com a Gas Brasiliano Distribuidora Ltda., em

10/12/99, e com a Gas Natural São Paulo Sul S.A., em 31/05/2000.

Os Contratos de Concessão prevêem metas a serem realizadas pelas respectivas

Concessionárias nos primeiros 10 (dez) anos de concessão, além de projetos que estabeleçam

critérios de atendimento comercial, de segurança e de qualidade na exploração dos serviços de

distribuição de gás canalizado.

Os Contratos assinados com todas as concessionárias têm prazo de vigência de 30 anos,

podendo eventualmente ser prorrogados. Foi-lhes assegurada exclusividade territorial nos

serviços de distribuição de gás natural canalizado conforme a seguinte divisão: (ver Figura 2)

• Segmentos Residencial e Comercial: durante todo o período da concessão;

• Demais segmentos: no mínimo 12 nos.

Transcorridos os períodos de vigência da exclusividade, viabiliza-se a figura do usuário livre, isto

é, o consumidor que poderá adquirir os serviços de comercialização de gás canalizado, tanto

das concessionárias aqui referenciadas, como de outros fornecedores, conforme

regulamentação que será publicada pela CSPE na época oportuna. A conexão à rede da

concessionária manter-se-á preservada.

Os contratos estabelecidos contém um arcabouço regulatório que visa assegurar a convivência

harmônica entre os vários agentes da cadeia, incentivando o desempenho da indústria e de

cada participante em particular e mantendo a modicidade tarifaria concomitante a lucratividades

compatíveis aos investimentos realizados. Dentre eles pode-se destacar a obrigação de se

implantar novas instalações e ampliar/modificar as existentes, de modo a garantir o

atendimento da atual e futura demanda de seu mercado, observando-se sempre, no entanto, o

equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Se o investimento mostrar-se gravoso aos planos

da concessionária, assegura-se a participação financeira de terceiros de maneira a restabelecer-

se o equilíbrio almejado.

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Também os direitos e obrigações dos usuários dos serviços de distribuição de gás canalizados

são assegurados nos contratos. Destacam-se entre os direitos: receber o serviço adequado, as

informações necessárias à defesa de seus interesses, a liberdade de escolha do serviço e a

comunicação de irregularidades/ilícitos no serviço. Dentre os deveres, destacam-se: preservar

os bens sob os quais o serviço lhe é assegurado e pagar pontualmente as faturas emitidas pela

concessionária.

A CSPE ainda considera que está entre suas atribuições disciplinar a expansão de redes de

atendimento a unidades de transformação do gás natural em GNC e GNL e que tem a

competência para garantir exclusividade às concessionárias na operação e manutenção destas

redes de distribuição durante o período da concessão. A relevância desta atribuição da CSPE

decorre da necessidade de se garantir a consistência dos planos de expansão das redes de

distribuição, evitando-se sobrepor mercados ou a redução da viabilidade de novos

empreendimentos devido a distorções no atendimento a segmentos em crescimento.

Figura 2 - Contratos de Concessão - Períodos de Exclusividade

4. O Incentivo da Concorrência na Indústria do Gás Natural

4.1 Monopólio Natural

Os Contratos celebrados com as empresas concessionárias lhes asseguram a exclusividade da

prestação dos serviços de distribuição de gás natural canalizado no universo territorial a elas

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outorgado. A existência do Monopólio Natural justifica-se pela viabilização de serviços que só

funcionariam em escalas de produção mais avantajadas, possibilidade de redução dos custos

dos serviços, redução do escopo da prestação, dentre outros.

Permeia nestas justificativas o dilema da busca do equilíbrio entre os benefícios alcançados em

contraposição às ineficiências decorrentes de organizações exclusivas. De fato, este tipo de

organização pode inibir o surgimento de novos fornecedores, além de não ajudar na busca de

redução sistemática de custos, sempre presente na organização de livre concorrência.

De qualquer forma, pode-se alinhar como princípio básico da regulação o desenvolvimento

saudável da estrutura de serviços monopolizados, tornando realidade o crescimento das

eficiências produtiva e alocativa, ao lado da maximização do bem-estar social.

O monopólio natural pode ser classificado de duas formas: permanente ou temporário. No

primeiro caso, a principal característica está na condição de que o custo médio de longo prazo

(CMdLP) se apresentar decrescente em função da variação da demanda e, mais, este custo se

apresentar sempre abaixo do custo marginal de longo prazo (CMgLP). Em contraposição, na

condição de monopólio temporário, o custo médio (CMdLP) apresenta inicialmente a tendência

usual de declínio, passando após para uma condição constante.

Uma das principais atividades da agência de regulação consiste então no estabelecimento de

um preço ideal que leve em consideração os pressupostos da regulação, que garanta as

eficiências alocativas e distributivas e o bem-estar do usuário/consumidor. Este preço ideal do

serviço relaciona-se com o modo de atuação do agente econômico, devendo a agência de

regulação zelar para que seja estabelecido com o pressuposto da manutenção do interesse

público, como também da eficiência econômica.

Na ação de precificação, a agência deve exercer sua ação coercitiva na direção de que:

1. Custo marginal linear deverá ser função somente do preço e da quantidade fornecida;

2. Custo marginal não-linear deverá conter uma taxa fixa, independente do nível de

consumo.

A análise pode ser desenvolvida ainda segundo um abordagem estática ou dinâmica,

correlacionada ao comportamento das agências de regulação. Na abordagem estática do

ambiente de regulação, a ênfase da ação da agência direciona-se ao universo dos reguladores,

concentrando-se na determinação da estrutura tarifária que maximize o bem-estar do usuário

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final. Esta ação ainda se complementa pelo ato de fiscalização do atendimento da demanda

correspondente.

No ambiente dinâmico a característica mais representativa é a atuação conjunta entre a

estrutura de regulação e os agentes econômicos que prestam os serviços. Neste ambiente, as

alterações da demanda normalmente estão correlacionadas com variações no entorno do

consumidor, como mudanças em suas preferências ou na sua renda, como também nas

variações nas demandas de bens complementares, ocasionadas por reduções de preço ou

introdução de novos produtos. No ambiente dinâmico deve-se também se avaliar a influência

das alterações na oferta, que poderá ocorrer como conseqüência de inovações tecnológicas,

como também pelo surgimento de novos produtos provenientes de mercados não regulados.

4.2 Tendência Histórica

De maneira geral, o desenvolvimento da indústria do gás natural caminhou pela integração das

atividades de seu transporte e distribuição. Nesta configuração costumavam aflorar cartéis e

monopólios regionais, com estatais ou grupos empresariais garantindo suas operações através

de pressões econômicas e subtrações de oferta.

Esta forma de organização do mercado começou a mudar a partir das crises políticas e

institucionais da indústria do petróleo da década de 70/80 e do esforço de desregulamentação

do mercado norte-americano de gás natural.

A liberação do acesso aos ativos de transporte tem relação com a tendência de aumento da

competição para melhoria do serviço de abastecimento de gás natural, modificando o caráter

monopolista da oferta. Em verdade deve-se assegurar que transportadores e distribuidores não

privilegiem entidades de suas organizações ou cartéis relacionados e atendam todos os

solicitantes de acesso através de práticas comerciais sadias. Para garantir este critério de

planejamento deve-se compartimentalizar os tramos desta cadeia de negócios, operando cada

um com critérios de desempenho independentes, porém voltados a uma coordenação

impessoal de aumento da eficiência global da operação.

4.3 A Visão da ANP

No site da Agência Nacional do Petróleo existem resultados de estudos internos por ela

conduzidos na direção da concepção de uma nova organização da indústria do gás natural. Os

estudos objetivaram o desenho de estruturas de regulação e apresentam-se como duas

propostas alternativas: modelo Concorrencial ou modelo Cooperativo.

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No modelo Concorrencial assegurar-se-iam monopólios naturais nas atividades de transporte e

distribuição e incentivar-se-ia a competição aberta nos segmentos de comercialização e

produção de gás natural. Passaria a existir a figura do transportador independente, com

concessões exclusivas para atuação, além de se assegurar mecanismos transparentes para a

permissão de acessos de terceiros às capacidades ociosas dos dutos. Haveria ainda uma

regulamentação dos despachos e uma recomendação para que os Estados se

comprometessem a seguir regras comuns de incentivo à concorrência.

O modelo Cooperativo divide sua implantação em duas fases. Na primeira mantém-se a

integração vertical do setor, incentivando-se o desenvolvimento nesta organização - esta fase

confunde-se com o período de exclusividade assegurada das distribuidoras. Na segunda fase

incentivar-se-ia a competição com a liberalização da entrada de novos agentes, garantindo-se

concorrência mais fluida.

5. Implantação da Concorrência na Indústria da Eletricidade

5.1 Desestatização do Setor Elétrico

O Governo Federal em meados de 1997 tomou a iniciativa de reorganizar o Setor Elétrico,

propondo medidas para aumentar a competição na Indústria da Eletricidade. A essência das

modificações repousa na dinamização da figura dos Consumidores Livres de Energia, que

recebem sua eletricidade de quem lhes oferece melhores condições comerciais de aquisição,

induzindo-se a livre concorrência e ganhos de produtividade do lado da oferta. Para assegurar

seu crescimento facilitou-se a instalação dos PIE’s - Produtores Independentes de Energia

Elétrica, necessários para que se efetive a concorrência do lado da oferta.

A estrutura proposta foi híbrida, com abertura do mercado na geração e manutenção do

monopólio nas atividades de transmissão e distribuição de energia elétrica. A legislação

proposta adotou abordagens específicas a estes segmentos, de maneira a se manter a

consistência da intervenção na indústria da eletricidade.

As novas medidas adotadas estavam consubstanciadas na Lei Federal nº 9.648 de 28 de maio

de 1998. Pelo então novo modelo de comercialização de energia elétrica as empresas

geradoras vendem sua produção através de contratos bilaterais, podendo ainda vender saldos

no MAE - Mercado Atacadista de Energia, organização privada que centraliza a liquidação dos

contratos de curto, médio e longo prazo, também à época chamado de mercado Spot.

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O mecanismo de comercialização de energia é independente do mecanismo de despacho

operacional do Sistema Elétrico, isto é, o ONS - Operador Nacional do Sistema - acionará as

usinas de forma a otimizar a operação hidrotérmica interligada. As transações de médio e longo

prazo entre compradores e vendedores, através de contratos bilaterais, registrados no MAE,

asseguram o relacionamento formal entre as partes e permitem uma menor exposição aos

riscos inerentes à comercialização de sobras no curto prazo.

Os objetivos enunciados pela ELETROBRÁS ao conduzir a elaboração do novo modelo de

liberalização do Setor Elétrico Brasileiro foram: busca da capitalização do setor e redução dos

custos de geração e distribuição. No novo modelo a criação de um mercado aberto de

comercialização de eletricidade seguiria as seguintes condicionantes:

• Assegurar um sistema eficiente de transações de eletricidade;

• Assegurar a existência de um mercado onde geradores possam vender sua energia e

ter seus investimentos remunerados, mesmo sem a existência de um contrato formal

de longo prazo;

• Ampliar a competição no varejo;

• Fornecer sinais firmes e precisos do valor da eletricidade aos geradores e

consumidores;

• Ordenar, sob o critério da rentabilidade, as prioridades nos investimentos em novas

unidades de geração.

Surgiram então novos atores na figura dos Comercializadores de Energia, que têm, segundo o

modelo, livre trânsito entre os agentes produtores e consumidores, isto é, entre Geradoras,

Distribuidoras, Produtores Independentes e Consumidores Livres. Esta liberdade de

comercialização pode dinamizar as transações e induzir pressões para reduções dos preços. A

Figura 3 ilustra a formulação das modificações.

Figura 3 - A Concepção do Novo Modelo de Organização do setor elétrico

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5.2 O Equilíbrio das Operações

Os contratos bilaterais são elementos chaves para ancorar o funcionamento do modelo de

comercialização. Asseguram, através da formalização do relacionamento entre as partes, uma

menor exposição aos riscos inerentes a um mercado Spot, em outras palavras, permitem uma

diluição dos riscos e oportunidades de ganhos aos Comercializadores, Produtores

Independentes e Geradoras. Como são instrumentos financeiros de alocação de riscos,

garantem o recebimento de um montante de energia a um determinado preço; sendo

negociáveis, permitem a transferência a terceiros de fornecimentos momentaneamente

indesejados, como também, oportunidade de ganhos em condições de escassez.

A existência de Comercializadores induz à prática da livre competição. De fato, estas empresas

terão a faculdade de poder comprar energia diretamente de Distribuidoras e Geradoras,

vendendo posteriormente a seus clientes. Grandes consumidores poderão ainda adquirir esta

energia diretamente, ou através do mercado Spot; neste segmento do mercado encontrar-se-

iam ofertas de energia não vendidas através de contratos de longo prazo. O consumidor cativo

que já esteja sendo atendido por uma distribuidora terá a faculdade de desistir dos seus

serviços e buscar quem lhe possa atender em melhores condições de preço e qualidade. A

recíproca, no entanto, não será verdadeira, isto é, uma distribuidora não poderá abandonar seus

clientes.

As empresas de distribuição lidarão então com dois tipos de clientes: os cativos e os livres.

Pelos cativos escoar-se-ão a potência e energia compreendidas nos contratos bilaterais de

aquisição de energia (“PPA”); nos demais comercializar-se-ão quilowatts gerados nas empresas

com disponibilidade de atendimento e adquiridos no mercado “Spot”, ou ainda, quantidades

adicionais provenientes de contratos bilaterais.

5.3 Mecanismos de Contratação de Energia e Combustíveis

5.3.1 Setor Elétrico

A indústria da eletricidade organizou-se então pelo incentivo à competição. Os vários modelos

de organização do sistema elétrico consolidaram-se no atualmente em operação,

regulamentado pelas Leis Federais nos 10.847 e 10.848, ambas de 15 de março de 2004, que

extinguiu o antigo MAE e criou a CCEE - Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, além

de preconizar, dentre outras providências, a existência de dois mercados: ACR - Ambiente de

Contratação Regulado e ACL - Ambiente de Contratação Livre. No primeiro ambiente as

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Geradoras e Distribuidoras se organizam de maneira a transacionar blocos de energia através

de leilões fechados conduzidos pela CCEE sob supervisão da ANEEL, contratando-se

fornecimentos de longo e médio prazo. No ambiente livre os PIE´s, Consumidores Livres e

Comercializadores negociam livremente os fornecimentos, sempre, porém, com registro dos

contratos de fornecimento na CCEE. As Geradoras e Distribuidoras também vendem no CCEE

sobras de contratos e adquirem montantes de energia para atender imprevistos nas previsões,

ou clientes que decidiram alterar seu regime de contratação.

Os empreendimentos termoelétricos de geração autorizados a operar no sistema são obrigados

a comprovar a contratação de fornecimento firme de seu combustível - a ANEEL demanda que

sejam apresentados contratos de fornecimento tanto do combustível principal, como do

alternativo, se existente, ao ONS. Adicionalmente, informam ao ONS o regime de

funcionamento da usina: Firme ou Merchant (nesta último a venda será exclusiva ao CCEE -

operação sem contrato de longo prazo).

5.3.2 Setor Gás Natural

As centrais de geração termoelétrica a gás contratam sua ligação e seu fornecimento junto às

distribuidoras da área onde estão localizadas. Além da Petrobrás, as distribuidoras teriam a

faculdade de, pelo menos numa abordagem ideal, poder contratar seu suprimento de outro

supridor, como, por exemplo, o caso da BG pela COMGÁS.

Um aparente paradoxo ocorre com essa obrigatoriedade de contratação firme de combustível

pelas centrais de geração, pois se sabe que a usina só é despachada em casos de elevação do

Custo Marginal de Operação do sistema hidrotérmico, ou em necessidades específicas do

sistema de transmissão adjacente, eventos de difícil previsibilidade.

A distribuidora, por outro lado, tem um regime de contratação também singular, pois tem um

contrato de fornecimento de gás importado com a Petrobrás, ou outro fornecedor e um

complementar de gás nacional, também com a Petrobrás. A importação pelo GASBOL, principal

adutor dos mercados da região sul, centro oeste e sudeste, está na iminência de atingir sua

capacidade máxima, 30 milhões m3/dia.

Os contratos de suprimento de gás importado pelo GASBOL com as distribuidoras têm um

prazo médio de 20 anos, até 2019, uma vez que o suprimento iniciou-se em julho de 1999. Os

contratos de suprimento por gás nacional, por outro lado, têm prazos variáveis - o da COMGÁS,

por exemplo, está quase terminado e os da maioria das distribuidoras do nordeste já expiraram,

porém todas continuam sendo abastecidas.

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Além do crescimento da produção nacional, duas alternativas materializam-se para o futuro:

expansão do GASBOL e a entrada do GNL - gás natural liquefeito importado. As distribuidoras

certamente terão então de conviver com esse novo reforço para seu suprimento a médio prazo,

que teria condições de modular melhor cargas variáveis e interruptíveis das termoelétricas,

afinal tem preço inferior ao diesel. O GNL certamente agregará maior confiabilidade ao sistema

de transporte e diversificará as fontes de suprimento de gás importado.

A Petrobrás pretende alterar as condições de contratação do suprimento de gás nacional e dos

novos montantes importados e de GNL, em vista do cenário de escassez de oferta - estas

novas ofertas tornar-se-ão a parcela principal do suprimento nos anos vindouros. Sua intenção

será praticar preços superiores aos atuais, pois alega que os preços internacionais de gás

natural têm seguido uma trajetória firme ascendente desde 2002 (de US$ 2/MM Btu para US$

6/MM Btu em 2006), ao lado do aumento nos preços de tubos de aço e nos investimento em

E&P das novas províncias de gás e petróleo (gás associado).

Pretende seguir nestas negociações uma contratação segundo uma grade em que os contratos

serão divididos duas vertentes: curto e longo prazo. Para cada uma destas vertentes serão

oferecidas três modalidades de contrato: firme, interruptível e preferencial.

Na modalidade firme o atendimento seria preferencialmente por gás, podendo, porém, ser

substituído por combustível alternativo; os preços da vertente curto prazo seguiriam a variação

do OC - Óleo Combustível, migrando para a variação do GNL a partir de 2009. A modalidade

preferencial foi formatada para os usuários de GNL, principalmente geradoras, que podem

interromper o fornecimento - a entrega do combustível será obrigatória e os preços de

comercialização seguiriam as variações de preço do mercado americano (Henry Hub). Na

modalidade interruptível, em cada vertente seriam praticados descontos em relação ao firme

correspondente.

São tendências e esboços de políticas de negócio que terão que ser debatidas com os

usuários; o caminho de audiências públicas parece ser o mais adequado para este debate.

Salienta-se que modificações no contrato atual de importação pelo GASBOL não estão sendo

cogitadas.

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6. Esboço de um Programa de Abertura do Mercado de

Distribuição de Gás Canalizado

6.1 Antecedentes

Um novo modelo de organização das relações entre os agentes que operam o sistema de

distribuição de gás natural canalizado deverá ter como princípio a busca de uma melhora da

eficiência de sua operação. Nesta ação buscar-se-á eliminar eventuais restrições que costumam

limitar a ocupação do potencial que o sistema oferece, além de garantir sua operação tranqüila

e eficaz, consolidando os potenciais das ofertas e demandas de gás natural, bem como a

consistência entre seus fluxos.

Os setores de distribuição de gás natural canalizado e de energia elétrica guardam semelhanças

em suas regras operacionais, uma vez que atendem usuários através de redes, abastecendo-os

em tempo real. A diferença mais significativa reside na obrigatoriedade do atendimento, uma

vez que para o gás existe a necessidade de se preservar o equilíbrio econômico-financeiro dos

contratos das concessionárias - esta dispensa de obrigatoriedade no atendimento decorre, em

princípio, da faculdade do usuário poder recorrer a outros combustíveis, caso não possa contar

com o gás natural canalizado. Admite-se, portanto, que seria pertinente uma modelagem de

abertura de mercado de distribuição semelhante à do setor elétrico.

O esboço da abertura certamente leva em consideração os vários textos da nova legislação de

organização do setor de distribuição do gás natural em debate na Câmara e Senado Federal.

Apesar de regularem aspectos mais voltados a transporte de gás natural, que escapa da esfera

estadual, sua influência na regulação da distribuição é relevante.

Várias propostas devem ser consideradas, como a modalidade de expansão da rede de

gasodutos (autorização ou concessão), criação ou não de um operador de transporte de gás

natural, dimensionamento e licitação da expansão das redes de transporte, regulamentação das

atividades de transportador e carregador, bem como desenho das estruturas de regulação

destas atividades, o papel da ANP, dentre outras. Para facilitar o desenvolvimento do exercício,

mantém-se a organização de atividades da mesma maneira como está hoje, isto é,

distribuidoras estaduais de gás natural canalizado, poucos fornecedores da “commodity” e

gasodutos de transporte operados pela TBG. O livre acesso deverá ser assegurado pela ANP,

de forma a viabilizar o ator produtor independente e a competição da livre concorrência.

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A Figura 4 a seguir indica um dos vários estudos internos da ANP referentes às relações entre

as estruturas de um modelo de abertura para a Indústria do Gás - no exemplo, as transações

analisadas se situam na área de suprimento, isto é, entrega do gás às distribuidoras. Apesar de

compreender estruturas a montante do ambiente da distribuição, constitui certamente uma

referência para estruturas semelhantes na área de fornecimento.

Figura 4 - Concepção da ANP para a Indústria do Gás a Nível Nacional - Suprimento

6.2 Regulamentação de Órgãos Funcionais

O modelo que se imagina adequado para a estrutura de distribuição de gás natural poderia ser

composto de maneira equivalente ao existente no setor elétrico, que funciona há mais de 9

anos. Deve-se observar, por outro lado, certo cuidado ao se estabelecer o paralelismo entre as

composições dos dois setores, uma vez que a regulação exercida pela ANEEL abarca desde a

área da produção até a entrega da eletricidade ao consumidor final, seguindo legislação federal.

O setor gás canalizado, conforme colocado em itens anteriores, contrapõe regulamentações

estruturalmente consolidadas aplicadas em esferas diversas - a área de atuação dos Estados

corresponde ao território em que atuam os serviços de distribuição do setor. Nestas esferas

diferenciadas suas estruturas funcionam de maneira diversa e independente, podendo existir,

no entanto, organizações que traspassarão estas estruturas e atuariam em todas elas, como os

comercializadores independentes - em verdade a operacionalidade destes comercializadores

está relacionada à legislação estadual correspondente outorgada em cada Estado.

No modelo proposto as estruturas estaduais poderão conter os seguintes componentes:

distribuidora, consumidor livre, consumidor cativo, carregador, transportador, supridor/produtor

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da “commodity” e comercializador independente. Estes componentes ainda não estão

suficientemente regulamentados para operar de maneira harmoniosa e garantirem uma sinergia

para a fundação de um modelo de mercado aberto, apesar de parte deles já existirem.

Como a indústria da distribuição do gás canalizado ainda tem um porte significativamente mais

reduzido quando comparado ao da indústria da eletricidade, as estruturas da câmara de

liquidação de contratos e do operador de transporte de gás natural terão sua implantação

conduzida a uma velocidade mais reduzida. Não se descarta uma operação futura independente

do despacho físico e da câmara de liquidação de contratos, com rateio de perdas e ganhos.

O operador de transporte de gás natural, por outro lado, será uma organização necessária a

médio prazo, uma vez que propiciará independência à transferência de blocos de gás, como

também auditará eventuais ociosidades da rede de transporte operante em livre acesso. Dentre

suas atribuições poder-se-ia assinalar a de planejar e programar o despachos de blocos de gás,

contratar/administrar os serviços de transporte dutoviário, propor expansões e modificações de

gestão da rede aos órgãos reguladores e divulgar os parâmetros de desempenho do setor.

Deverá operar em consonância com a Câmara de Liquidação de Contratos.

A Tabela 2 a seguir correlaciona os componentes dos dois setores energéticos.

Tabela 2. Paralelo entre Indústrias de Energia

Setor Elétrico Setor Gás Natural

Contrato Bilateral Contratos de Suprimento e Fornecimento

Geradoras Produtores

Produtor Independente Produtores

Distribuidoras Distribuidoras

Comercializador Comercializador Independente (com autonomia nacional)

Comercializador Comercializador Independente (com autonomia estadual)

Empresas de Transmissão Transportadora

Consumidor Cativo Consumidor Cativo

Consumidor Livre Consumidor Livre

CCEE Câmara de Liquidação de Contratos

ONS Operador de Transporte de Gás Natural

Planejamento Indicativo Dimensionamento da Expansão das Redes

ANEEL ANP e Agências Estaduais

- sem correspondência - Carregador (ver Resoluções ANP 2005 nos 27, 28 e 29)

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O funcionamento harmonioso do modelo pressupõe a operacionalidade de um número

adequado de agentes independentes na oferta e no transporte do gás. Também se deve

acrescentar que esta aplicação de um modelo de abertura semelhante ao setor elétrico

pressupõe arcabouços legais estaduais que prevêem a figura do usuário livre; atualmente só

nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro seria factível esta implantação.

Em São Paulo a CSPE permanecerá em seu papel de reguladora e fiscalizadora do mercado de

distribuição de gás natural canalizado.

6.3 Planejamento do Abastecimento

O planejamento do abastecimento do mercado de São Paulo deverá ser conduzido sob vários

horizontes. O planejamento de longo prazo, em princípio de 15 anos, deverá ser conduzido a

nível nacional, com a Secretaria de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo atuando em

conjunto com o CNPE - Conselho Nacional de Política Energética; o de médio prazo, 10 anos,

deverá também ser conduzido a nível nacional, através da Secretaria em conjunto com a ANP,

CNPE e CSPE. Para intervalos de tempo maiores que 5 e inferiores a 10 anos, as projeções

deverão ser conduzidas no âmbito da Secretaria de Saneamento e Energia do estado de São

Paulo, em consonância com os órgãos já assinalados.

As análises e determinações nos horizontes de planejamento qüinqüenais deverão ser

desenvolvidas pelas estruturas previstas no novo modelo, sob supervisão da CSPE. A agência,

através de seus Conselhos Deliberativos terá condições de avaliar as condições de

atendimento do mercado e a consistência das ofertas colocadas pelos produtores,

carregadores e comercializadores independentes.

A administração do abastecimento da Câmara de Liquidação de Contratos será conduzida em

dois ambientes: o de contratação regulada e o de contratação livre. O funcionamento do

sistema de distribuição de gás canalizado será lastreado em contratos de suprimento e

fornecimento, instrumentos que sistematizam as transações, diminuem exposições de risco e

diluem potenciais de realização de lucros entre os vários componentes da cadeia, além de

alavancar recursos para novos investimentos.

Estes instrumentos seriam arquivados na Câmara, que divulgaria os volumes transacionados a

todos os seus integrantes, podendo ou não informar preços e outras condições comerciais.

Adicionalmente esta Câmara poderia adotar sistemáticas de arbitragem para o mercado livre,

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evitando que eventuais disputas cheguem à Justiça - a dinâmica das transações do mercado

livre certamente será incompatível com os longos prazos da Justiça.

Os contratos de suprimento e fornecimento transacionados na Câmara então assegurariam o

recebimento de gás a um preço determinado e permitiriam mecanismos de hedge,

movimentações entre os agentes, com transferência de excessos de contratações a terceiros,

como ainda alavancamentos de cotações para viabilização de novos blocos de oferta, até

mesmo de GNL regaseificado. Conclui-se que a implantação da Câmara de Liquidação de

Contratos deverá ser adiantada em relação aos demais órgãos do novo modelo, mantendo-se,

porém, consistência com o funcionamento do despacho centralizado nos gasodutos de

transporte e distribuição.

Uma vez que se projeta a entrada de novos produtores, carregadores e comercializadores no

sistema de abastecimento de gás natural, avaliar-se-á o momento adequado para se implantar

um sistema de leilões de blocos de abastecimento de gás, de forma a se inibir o “self dealing”

e promover a livre concorrência na oferta.

6.4 Etapas de Implantação

Como já colocado anteriormente, o modelo em análise formula ações sobre transações que se

desenvolvem no ambiente do Estado de São Paulo, isto é, nas redes de distribuição de gás

natural. Acredita-se que pelo porte do mercado e das empresas distribuidoras nele implantadas

torna-se factível o estabelecimento do modelo, que apresenta a Câmara de Liquidação de

Contratos e o Operador de Transporte de Gás Natural como suas externalidades mais

significativas.

A primeira vista poder-se-ia questionar se esta organização não deveria estar contida na

legislação em debate no Parlamento, conhecida como nova Lei do Gás. Certamente o conteúdo

da nova Lei que discipline algumas das ações aqui desenvolvidas deverá ser adotado. As ações

que são de atribuição exclusiva dos Estados, no entanto, deverão manter-se na sua esfera de

autonomia, conforme expressa a Constituição Federal. Existe nesta esfera espaço suficiente

para se montar um modelo independente de abertura do mercado, que organize de maneira

eficaz e eficiente as estruturas nela existentes e por construir.

A formulação deste modelo deveria num primeiro instante ser conduzida por grupo decisório

composto pela Secretaria de Saneamento e Energia e a CSPE, buscando consistência entre

experiências e políticas de governo com as demandas do mercado. A avaliação das tendências

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levantadas e dos esboços de políticas de negócio, no entanto, deveria ser debatida com

empreendedores, clientes e usuários - o caminho de audiências públicas parece ser o mais

adequado para este debate, antes das propostas de alteração da legislação. A implantação dos

dispositivos do modelo deverá ser paulatina e contínua, avaliando-se que até a próxima revisão

tarifária já estejam formuladas.

A Câmara seria inaugurada com os contratos do ambiente de contratação regulada existentes e

em processamento. Em seguida poder-se-ia introduzir o ambiente de contratação livre, com a

homologação dos primeiros consumidores livres.

A consolidação do ambiente de contratação livre será importante para a implantação do novo

modelo. Nesta linha de raciocínio, deve-se incentivar o lançamento de novas ofertas de gás que

tenham sinergia com estes novos consumidores - ofertas corretamente induzidas podem

alavancar fluxos majoritários significativos. Complementarmente, podem-se ainda lançar

incentivos em direção à formação de novos consumidores livres, que podem também

pressionar a viabilização destas ofertas majoritárias.

De fato, o leque de ofertas de gás importado ficou afunilado após as mudanças regulatórias

ocorridas na Bolívia, além da forte presença da Petrobrás. Acredita-se que o aumento da oferta

de gás nacional, inclusive com novos produtores, possa viabilizar o funcionamento da câmara.

Os demais componentes do modelo entram à medida que a câmara torna-se mais operacional,

sempre se avaliando a relação custo/benefício de cada novo membro. O operador de transporte

de gás natural está incluído neste mecanismo.

7. Final

O atual exercício desenvolvido mostra a aplicação de uma das tendências de mudança da

indústria do gás natural em mercados desenvolvidos ao ambiente brasileiro, em São Paulo mais

especificamente. Este mercado, a médio prazo demandará novas modalidades de fornecimento

de maneira a se adaptar às novas ofertas que se delineiam e a abertura do mercado de

distribuição de gás canalizado constitui certamente uma das soluções.

O modelo desenvolvido foi inspirado no existente do setor elétrico, que mudou as transações

desta indústria, além de ter permitido a entrada de montante significativo de investimentos

privados. Esta modalidade de contratação e expansão espalhou-se por variados países e

diversos tipos de economias.

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No caso do setor de distribuição de gás canalizado em São Paulo o modelo que preconiza a

implantação de uma Câmara de Liquidação de Contratos e despacho centralizado por um

Operador de Transporte de Gás Natural pode tornar-se um sistema eficiente de transações de

suprimentos/fornecimentos de gás natural a distribuidoras, consumidores livres e

comercializadores. Tem condições de assegurar o funcionamento de um mercado em que os

produtores e carregadores poderão vender seu gás mesmo sem a formalização de um contrato

de longo prazo e, ao incentivar a competição, fornecerá sinais do valor do gás para todos

agentes, podendo ordenar as prioridades nos investimentos de realização das ofertas de

suprimento.

É importante salientar que a eficácia deste modelo depende da existência de uma pluralidade

de ofertas de suprimentos e/ou fornecimentos a consumidores livres, como também condições

efetivas e razoáveis de acesso a gasodutos existentes, em construção, ou previstos. Modelos

sem estes condicionantes constituir-se-ão apenas exercícios ou estudos teóricos de

organização do setor.

Pode-se concluir que eventuais limitações regulatórias à implantação da abertura do mercado

de distribuição de gás seriam de menor porte face os benefícios que este modelo poderá

agregar. A figura do consumidor livre industrial certamente surgirá ao fim do período de

exclusividade dos Contratos de Concessão vigentes e demandará condições mais vantajosas

de fornecimento. Em sentido oposto o surgimento de novos produtores e carregadores de gás

natural virá de encontro à demanda de fornecimentos mais sofisticados.

Acredita-se que o modelo proposto seja capaz de satisfazer estas demandas, notadamente as

provenientes do segmento geração termoelétrica a gás natural, que envolvem montantes

significativos de energia num mercado de predominância da hidroeletricidade.

8. Referências Bibliográficas

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Distribuição ao Segmento Interruptível”. In: V Congresso Brasileiro de Regulação. ABAR -

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Crescimento”. In: RIO OIL&GAS 2006. IBP - Rio de Janeiro, 2006.

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Paulo”. In: Rio Oil & Gas 2006. IBP - Rio de Janeiro, 2006.

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LAUREANO, F. et CAMPOS, A.F. - “A Indústria de Gás Natural no Brasil e os Impasses no

Segmento de Transporte”. In: X Congresso Brasileiro de Energia. PPE/COPPE/UFRJ - Rio de

Janeiro, 2004.