ABICALIL Arranjos-Cooperacao 2013

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  • Educ. Soc., Campinas, v. 34, n. 124, p. 803-828, jul.-set. 2013Disponvel em

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    SISTEMA NACIONAL DE EDUCAO: OS ARRANJOS NA COOPERAO, PARCERIA E COBIA

    SOBRE O FUNDO PBLICO NA EDUCAO BSICA

    C A A*

    RESUMO: O presente artigo objetiva explicitar novas formas de disputa pelo fundo pblico ampliado para a educao nacional, na oportunidade de dese-nho institucional do Sistema Nacional de Educao em formatao a partir do Plano Nacional de Educao, suas diretrizes, metas e estratgias para a dcada. Descrevem-se as recm-criadas estruturas de gesto interfederativa, normas complementares emanadas do Conselho Nacional de Educao e aes ins-titucionais do Ministrio da Educao nesse novo contexto. Destacando nar-rativas dos prprios atores sociais do chamado terceiro setor, apresenta suas estratgias para conformar um arcabouo jurdico normativo que permita atuar diretamente sobre os recursos federais do Fundo de Manuteno e Desenvol-vimento da Educao Bsica e Valorizao do Magistrio (Fundeb) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE), valendo-se da oferta de assessorias gesto pblica municipal por meio dos Arranjos de Desenvolvi-mento da Educao.

    Palavras-chave: Cooperao interfederativa em educao. Gesto empresarial de fundo pblico na educao bsica. Municipalizao e privatiza-o da gesto educacional.

    National System of Education: the arrangements in cooperation, partnership and the greed over public funds in basic education

    ABSTRACT: The present article aims at clarifying the new forms of dispute over public funds extended to national education, due to an institutional de-sign of the National System of Education being foulated based on the National Education Plan, its guidelines, goals and strategies for the decade. It describes the newly created Intergovernmental management structures, complementary regulations emanating from the National Council of Education and institu-tional measures of the Ministry of Education in this new context. Highlighting narratives of the very social actors in the so called third sector, it presents their

    * Liderana do Governo no Congresso Nacional. Braslia (DF) Brasil. Contato com o autor:

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    strategies to conform to a normative legal structure that allows direct actions over federal funds from the National Fund for Maintenance and Development of Basic Education and Education Professionals Valorization (Fundeb) and the National Fund for Education Development (FNDE), taking advantage of the possibility of o ering municipal public education management consultancy by means of the Arrangements for the Development of Education.

    Key words: Intergovernmental cooperation in Education. Organizational gover-nance of Basic Education public funds. Municipalization and priva-tization of educational management.

    Systme national dducation: les dispositions en coopration, partenariat et avidit sur

    le fond public dans lenseignement de base

    RSUM: Le prsent article vise expliciter de nouvelles formes de confl it par le fond public agrandi pour lducation nationale, dans loccasion du projet institutionnel du Systme National dducation en formation partir du Plan National dducation, de leurs directives, dobjectifs et des stra-tgies pendant la dcennie. Il sagit de dcrire les nouvelles structures de gestion dadministration fdrale, les normes complmentaires manes du Conseil National dducation et les actions institutionnelles du Ministre de lducation Nationale dans ce nouveau contexte. En dtachant des rcits des acteurs sociaux eux-mmes du troisime secteur, il prsente leurs stratgies pour former un plan juridique normatif qui permet dagir directement sur les ressources fdrales du Fond de Mantient et Dveloppement de ldu-cation Basique et la Valorisation de lEnseignement (Fundeb) et du Fond National de Dveloppement de lducation (FNDE), en souligant lo re de consulting la gestion publique municipale travers les Dispositions de Dveloppement de lEducation.

    Mots-cls: Coopration inter fderative dans lducation. Gestion dentreprise de fond public dans lducation basique. Municipalisation et privati-sation de la gestion scolaire.

    E ntranhado no federalismo de cooperao (ARAUJO, 2010), o Sistema Nacio-nal de Educao (SNE) situa-se num indito estgio de conformao desde sua proclamao no Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. A partir do Plano Nacional de Educao (PNE), em debate no Congresso Nacional, ao mesmo tempo em que se expandem o direito pblico subjetivo e a obrigatoriedade na edu-cao bsica (ABCALIL, 2010), h a incluso da Unio na responsabilidade solidria para fazer frente s obrigaes do Estado brasileiro diante do direito pblico subje-tivo ampliado. Segundo a Emenda Constitucional (EC) n. 59/2009:

    Art. 211 [...].

    4. Na organizao de seus sistemas de ensino, a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios defi niro formas de colaborao, de modo a assegurar a universalizao do ensino obrigatrio. (BRASIL, 1988; grifo nosso)

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    Essa considerao inicial no desprovida de signifi cao importante para dar segmento e consequncia s disposies alteradas anteriormente na ampliao do fi nanciamento compartilhado da educao bsica e da abertura para a regula-mentao em lei complementar especfi ca da cooperao federativa prevista no artigo 23 da Constituio Federal, na redao dada pela EC n. 53/2006:

    Art. 23 competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni-cpios:

    V promover o acesso cultura, educao e cincia;

    Pargrafo nico Leis complementares fi xaro as normas para a cooperao entre a Unio e os Estados, o Distrito Federal e os Municpios, tendo em vista o equilbrio do desenvolvi-mento e o bem-estar em mbito nacional. (BRASIL, 1988)

    H quem trate como mera minudncia nominalista ou apego tradio lega-lista. Porm, mesmo quem sustenta a tese de que o SNE est dado a partir da concep-o de princpios e ordenamentos constitucionais e de diretrizes e bases da educao nacional em lei sugere uma repartio das tarefas operacionais (por exemplo: trans-porte, alimentao escolar e manuteno de prdios como competncias municipais; contratao de profi ssionais da educao bsica como competncia dos estados; e formao inicial e continuada realizada pela colaborao entre os estados e a Unio) e aposta nessa oportunidade para estabelecer uma nova pactuao das responsabili-dades (SAVIANI, 2011a), que, para Saviani, prescinde de lei complementar e, para este autor, a reivindica, tendo em vista a ocorrncia real da organizao e manuten-o de redes pblicas e compromissos de manuteno e desenvolvimento de ensino j existentes nos trs mbitos.

    luz do novo ordenamento constitucional, o SNE derivao do PNE, con-forme se pode ler:

    Art. 214. A lei estabelecer o plano nacional de educao, de durao decenal, com o ob-jetivo de articular o Sistema Nacional de Educao em regime de colaborao e defi nir diretrizes, objetivos, metas e estratgias de implementao para assegurar a manuteno e desenvolvimento do ensino em seus diversos nveis, etapas e modalidades, por meio de aes integradas dos poderes pblicos das diferentes esferas federativas que conduzam a:

    I erradicao do analfabetismo;

    II universalizao do atendimento escolar;

    III melhoria da qualidade do ensino;

    IV formao para o trabalho;

    V promoo humanstica, cientfi ca e tecnolgica do Pas.

    VI estabelecimento de meta de aplicao de recursos pblicos em educao como propor-o do produto interno bruto. (BRASIL, 1988)

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    H, pois, um imperativo constitucional, com propsitos descritos nos incisos I a VI, cujo mtodo supe aes integradas dos poderes pblicos das diferentes esfe-ras administrativas e cujo processo resultante da colaborao em torno de um pla-no nacional defi nido por diretrizes, objetivos, metas e estratgias de implementao para assegurar o direito educao e seus desdobramentos nos planos estaduais, distrital e municipais consentneos. Impossvel, assim, dissociar o Plano de sua ca-pacidade de articular o Sistema.

    Igualmente, imperativo resguardar o conceito de SNE com as caractersticas intrnsecas ao seu carter ontolgico, essencialmente pblico e unitrio, considera-da a variedade de seus elementos e a sua unidade coerente e operante (SAVIANI, 2011b). Este mesmo autor (2011a) relaciona quatro grandes campos de obstculos efetivao do sistema nacional, redimensionados, agora, pelas deliberaes da Con-ferncia Nacional de Educao (Conae) e pela tramitao do Projeto de Lei da Cma-ra (PLC) n. 103/2012 (PNE), no Senado Federal.

    Alm disso, ainda que concordemos que o objeto central da disputa para a implantao do SNE esteja menos na forma de organizao e mais na concepo de educao (GRACINDO, 2010), sem reduzir o debate ao nominalismo ou ao positi-vismo jurdico, impe-se a ateno em relao ao vigor do movimento social e ao rigor da lei na formulao da poltica. Vale considerar que tal a centralidade dessa disputa conceitual que o prprio Conselho de Desenvolvimento Econmico e Social da Presidncia da Repblica (CDES) listou-a entre os principais desafi os que o Brasil ter de enfrentar (SPELLER, 2010), notadamente, na considerao dos dados educa-cionais e fi scais relacionados pelo Observatrio da Equidade.

    Ganham destaque, por outro lado, as formulaes de avano na composio de instncias interfederativas de deciso, formulao e deciso operacional (ABRCIO, 2010) mais visvel como pleito e inovao no nvel da educao bsica (MARTINS, 2011) e de controle, acompanhamento e participao democrtica. No entanto, alm das medidas de coordenao federativa, necessrio ser avanar na normatizao das responsabilidades compartilhadas entre os entes federados e em perspectiva os ordenadores do fi nanciamento e da democratizao da gesto da educao no PNE (DOURADO; AMARAL, 2011). Assim, possvel perceber passos marcantes da trajetria mais recente que confi rmam a oportunidade fecunda desse momen-to histrico: no fi carmos trancados nos fatos, mas (a)diante deles. Por essa razo, entre outras, no concebvel a formulao do PNE em lei que no faa qualquer meno ao SNE. Quando muito, o texto do PLC n. 103/2012, no Senado Federal, menciona que a consecuo das metas e a implementao das estratgias devero ser efetivadas em regime de colaborao entre a Unio, os estados, o Distrito Federal e os municpios, no elidindo a adoo de medidas adicionais em mbito local ou de instrumentos jurdicos que formalizem a cooperao entre os entes federados,

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    podendo ser complementados por mecanismos nacionais e locais de coordenao e colaborao recproca (CONAE, 2010a, art. 7, 1).

    inadequado pensar que o imperativo constitucional do sistema nacional possa ser atendido por esse dispositivo to impreciso. Menos inteligvel ainda considerar que o prprio Projeto de Lei (PL) institui o Frum Nacional de Educa-o (FNE) e as Conaes, com atribuies especfi cas sobre o PNE. Essas constataes levaram apresentao de emendas ao PL, com muitas feies distintas, sobre a instituio, ou caracterizao mais consistente do SNE.

    Evidentemente, uma lei de plano plurianual no a lei do sistema nacional. Menos ainda se esta lei for equivalente regulao da cooperao federativa para as-segurar a consecuo dos princpios, das diretrizes e das metas concernentes ao pblica articulada para a garantia de direitos universais. Os substitutivos sucessivos do PL do PNE, por sua vez, trouxeram verses distintas dessa tenso.

    Merece destaque, antes, a Comisso Intergovernamental para o Financiamen-to da Educao Bsica de Qualidade, no mbito do Fundo de Manuteno e De-senvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profi ssionais da Educao (Fundeb) (ABRCIO, 2010). Alm da novidade por sua conformao interfederati-va, est a sua competncia sobre os recursos complementares da parcela da Unio destinada a programas direcionados melhoria da qualidade (BRASIL, 2007).

    Art. 7. Parcela da complementao da Unio, a ser fi xada anualmente pela Comisso Intergovernamental de Financiamento para a Educao Bsica de Qualidade instituda na forma da Seo II do Captulo III desta Lei, limitada a at 10% (dez por cento) de seu valor anual, poder ser distribuda para os Fundos por meio de programas direcionados para a melhoria da qualidade da educao bsica, na forma do regulamento.

    Considerada a complementao adicional da Unio para o ano de 2012, atravs da Portaria do MEC n. 344, de 24 de abril de 2013, essa parcela alcanou a maior parte do montante que foi distribudo (R$ 1,3 bilho), cumprindo a Resoluo n. 7, de 26 de abril de 2012, daquela Comisso Intergovernamental. A mesma destinao est pre-vista em R$ 1,07 bilho para 2013. Esses recursos so transferncias diretas da Unio, adicionais aos que os estados e municpios j dispem para a manuteno e desenvol-vimento da educao bsica pblica, cuja destinao legal est considerada na LDB:

    Art. 70. Considerar-se-o como de manuteno e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas consecuo dos objetivos bsicos das instituies educacionais de todos os nveis, compreendendo as que se destinam a:

    I - remunerao e aperfeioamento do pessoal docente e demais profi ssionais da educao;

    II - aquisio, manuteno, construo e conservao de instalaes e equipamentos neces-srios ao ensino;

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    III uso e manuteno de bens e servios vinculados ao ensino;

    IV - levantamentos estatsticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e expanso do ensino;

    V - realizao de atividades-meio necessrias ao funcionamento dos sistemas de ensino;

    VI - concesso de bolsas de estudo a alunos de escolas pblicas e privadas;

    VII - amortizao e custeio de operaes de crdito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo;

    VIII - aquisio de material didtico-escolar e manuteno de programas de transporte esco-lar. (BRASIL, 1996; grifos nossos)

    A Comisso Intergovernamental deveria observar as condicionalidades exigi-das em lei para proferir os critrios de repartio dos recursos adicionais da transfe-rncia da Unio, a saber:

    Art. 13. No exerccio de suas atribuies, compete Comisso Intergovernamental de Financiamento para a Educao Bsica de Qualidade: [...]

    III - fi xar anualmente a parcela da complementao da Unio a ser distribuda para os Fundos, por meio de programas direcionados para a melhoria da qualidade da educao bsica, bem como respectivos critrios de distribuio, observado o disposto no art. 7 desta Lei;

    Pargrafo nico. Para a distribuio da parcela de recursos da complementao a que se refere o caput deste artigo aos Fundos de mbito estadual benefi cirios da complementa-o nos termos do art. 4 desta Lei, levar-se- em considerao:

    I - a apresentao de projetos em regime de colaborao por Estado e respectivos Municpios ou por consrcios municipais;

    II - o desempenho do sistema de ensino no que se refere ao esforo de habilitao dos professores e aprendizagem dos educandos e melhoria do fl uxo escolar;

    III - o esforo fi scal dos entes federados;

    IV - a vigncia de plano estadual ou municipal de educao aprovado por lei. (BRASIL, 2007; grifos nossos)

    Desconsiderando as condicionalidades legais, a Comisso Intergovernamen-tal abre mo de uma de suas mais relevantes competncias, tendo em vista o papel da coordenao de uma poltica educacional to fundamental como a de fi nancia-mento. Entre as razes recentemente alegadas durante a realizao do Frum de Avaliao do Financiamento da Educao Bsica Nacional, entre 2 e 3 de julho de 2013, registrava-se a difi culdade dos entes federativos que alegavam recursos in-sufi cientes para cumprimento da Lei do Piso Salarial Profi ssional Nacional com-provarem efetivamente tal condio mediante as disposies da Portaria do MEC n. 213, de 2 de fevereiro de 2011.

    Se consideradas as estatsticas comumente utilizadas para expressar o compro-metimento de cada ente federado na manuteno e desenvolvimento da educao

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    bsica, o Distrito Federal, os estados e municpios somados dispem de quatro vezes mais recursos dedicados educao bsica do que a Unio, consideradas as receitas de impostos e do Salrio Educao.

    Mantida essa proporo nas destinaes na soma dos incisos IV, V e VIII do artigo 70 da LDB, tratar-se-ia de uma cifra prxima de R$ 4 bilhes anuais agregados potencialmente ao complemento da Unio. No h informaes seguras estratifi ca-das para sua confi rmao. Isso demandaria uma pesquisa nacional mais acurada.

    O fato que tais volumes de recursos potencializam um mercado de R$ 5 bilhes anuais em consultorias, mobilizao social, eventos, seminrios, fruns, pro-gramas de formao continuada, de gesto de pessoas, de assessorias pedaggicas e de planejamento, de ofi cinas didticas, de organizao curricular, de materiais complementares para os chamados currculos estruturados e de suporte pedaggico para preparao de exames massivos, entre outras atividades.

    Tais insumos so realizados por contrataes pulverizadas entre os 5.570 muni-cpios, os 26 estados e o Distrito Federal para provimento de suas respectivas redes de ensino ofi ciais. O risco de descontinuidade contratual e o fracionamento dos volumes resultam em difi culdades operacionais e de segurana de resultados fi nanceiros dos fornecedores. Tais incidncias ainda enfrentam a salutar alternncia nas administra-es derivadas dos processos eleitorais a cada quatro anos, por deciso popular, e dos ajustes poltico-administrativos no interior de um mesmo perodo de mandato.

    Para a organizao dos fornecedores, essa dinmica derivada do exerccio po-pular do voto risco adicional no seu negcio especializado em prover insumos educacionais.

    A apropriao desses valores adicionais permanece, assim, em disputa pul-verizada entre os entes federativos e includa no rol dos nove estados que recebem complementao federal para cumprimento dos valores mnimos correspondentes s matrculas de cada etapa e modalidade da educao bsica. Por outro lado, entes federativos dos outros 17 fundos estaduais e do Distrito Federal no alcanados pela complementao federal questionam a repartio desses recursos para programas de qualidade.

    Por diversas vezes, os entes federados so motivados pela imensa gama de fornecedores de tecnologias educacionais (certifi cadas ou no), anualmente dispos-tas venda de assessorias diversas, somadas agora s sofi sticadas metodologias e processos de gesto e acompanhamento do Plano de Ao Articulada (PAR), entre inmeras outras ofertas.

    J sabido que o mercado editorial brasileiro, para alm das isenes tribu-trias, tem no Programa Nacional do Livro Didtico seu principal mantenedor. As

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    compras governamentais centralizadas, com a democratizao dos processos de es-colha pelas escolas aps o crivo avaliativo de uma comisso nacional, proveem uma associao do controle pblico com o volume, a economia de escala na aquisio, na logstica, na distribuio e, obviamente, na garantia de mercado com baixssi-mo risco. Igualmente, no elimina a conformao do mercado marginal passvel da compra direta pelas administraes de redes pblicas Brasil a dentro.

    Tambm notria a percepo da fragilidade das estruturas de administrao em boa parte dos municpios e estados brasileiros; por essa razo mesma, a tarefa da Unio (e dos estados em relao aos municpios) em assegurar a funo redistributiva e supletiva quanto ao fi nanciamento da educao bsica e prestar a assistncia tcni-ca. Essa percepo considerada na Constituio Federal e na prpria Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional tambm se alargou no interior do chamado Terceiro Setor, com motivaes e formas de atuao distintas junto s escolas pblicas isolada-mente, em redes pblicas inteiras, em mais de uma rede pblica, muitas vezes.

    A ocorrncia da sistemtica do PAR, a instituio do Plano de Desenvolvimento da Educao e o correspondente Compromisso Todos pela Educao coincidiram com a edio dos grandes investimentos pblicos e consrcios privados em torno do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC). O alto impacto desses empreendi-mentos, o fortalecimento do controle social, as condicionantes ambientais, sociais, demogrfi cas e culturais, as aes mitigadoras condicionantes e o acompanhamento dos rgos de controle interno e externo levam a outro patamar de considerao das interaes entre as atribuies e capacidades pblicas na oferta direta de educao, as demandas do mercado de trabalho, a rede de proteo social, as obrigaes dos empreendedores e a (in)capacidade da gesto local de corresponder, em tempo, vazo dessas respostas.

    As disputas de signifi cado da qualidade e da efi cincia das polticas educa-cionais ganham novo status, novos atores, novos alcances. O ordenamento e as limi-taes da administrao pblica, entretanto, permanecem praticamente intocados, como a Lei n. 8.666 de 1993 (Licitaes Pblicas), a Lei Complementar n. 101 de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) e a Emenda Constitucional n. 19 de 1998.

    Uma atualizao importante da estrutura pblica na tentativa de reverso do estrangulamento das capacidades pblicas, pulverizadas na chamada autonomia fe-derativa, diz respeito ao esforo associativo entre os entes federativos: os consrcios pblicos, regulados na forma da Lei n. 11.107 de 2005 e no Decreto n. 6017 de 2007.

    O Brasil uma Federao extremamente desigual. Segundo o Observatrio dos Consrcios Pblicos e Federalismo: 81% dos municpios tm no Fundo de Parti-cipao dos Municpios (FPM) mais de 50% de suas receitas; 25% do PIB se concen-tram em apenas cinco grandes municpios; 70% dos municpios tm menos de 20 mil

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    habitantes, renem 18% da populao nacional, com menos de 20% de seus oramen-tos constitudos por receitas prprias e baixa capacidade de gesto. Esse conjunto de caractersticas resulta em precariedade agravada dos servios pblicos.

    Esse diagnstico, que no recente, j havia motivado a conformao de es-truturas de articulao territorial e administrativa diversas, por convnios, acordos, associaes com fi nalidades especfi cas, consrcios, parcerias, prticas informais. O avano do controle sobre as fi nanas pblicas foi determinando aperfeioamentos. Alguns desses modos de ao cooperativa ganharam personalidade jurdica de di-reito privado, submetido ao cdigo civil, gerando, por vezes, suspeio sobre desvio de fi nalidades para recursos pblicos. No havia norma federal que oferecesse se-gurana jurdica, tributria e fi scal para tais conformaes. Somente em 2007, esse patamar foi alcanado depois de dois anos de debate para regulamentao e em vista dos avanos nas pactuaes polticas em curso.

    Autarquias e sociedade civil no participam de consrcios pblicos. Apenas entes federativos. Podem ser conformados por municpios, por municpios e esta-dos, e, somente neste caso, facultada a participao da Unio. Trata-se de um novo protagonismo dos estados, reforando as disposies constitucionais sobre suas competncias de coordenao poltica e ao supletiva, assim como da Unio e dos estados no ordenamento territorial e na conformao de regies de desenvolvimen-to. Em ambos os casos, com enorme capacidade indutora e de participao.

    A necessidade premente de ao pblica comum no territrio e sua percepo so decisivas para a execuo de polticas pblicas em diferentes reas: sade, infra-estrutura, meio ambiente, planejamento, transporte, informtica, educao, turismo, desenvolvimento econmico, desenvolvimento regional, instituio de regies me-tropolitanas (somam 36, hoje), tratamento de resduos slidos, saneamento, bacias hidrogrfi cas, regies de fronteira. Inevitavelmente, as conformaes associativas e suas fi nalidades dependem de uma deciso por opo.

    Num consrcio pblico, cada ente federativo aprova em lei prpria sua par-ticipao, segundo fi nalidades, compromissos, competncias, recursos disponveis, processos de gesto, de controle e de deciso defi nidos em comum. A formalizao de entidade de direito pblico e natureza autrquica tem sido prevalente em funo das presses tributrias, fi scais, da lei de licitaes, especialmente. Nesse modelo, considerado como de administrao indireta com normas especfi cas, submete-se ao controle externo dos Tribunais de Contas da Unio e dos Estados e ao acompanha-mento continuado dos rgos do Ministrio Pblico (ver guia de consrcios pblicos em: www.caixa.gov.br)

    Alm dessas observncias, a organizao dos consrcios prev a realizao de assembleias gerais, secretaria executiva com responsabilidades pblicas e cveis,

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    grupos de trabalho temticos, de acordo com suas fi nalidades defi nidas, controle so-cial, conselho consultivo e obrigatoriedade de acesso funcional por concurso pblico, ainda que o regime de contratao seja pela Consolidao das Leis do Trabalho.

    O Observatrio estima o funcionamento pleno de 688 consrcios pblicos no ano de 2013.

    No momento em que as pesquisas sobre fi nanciamento da educao indicam a franca expanso dos investimentos pblicos em todos os nveis, o vigor das trans-ferncias constitucionais, legais e voluntrias, e a previso de duplicar a proporo do PIB no dispndio pblico, a disputa de instituies privadas por acesso ao fundo pblico e a defesa determinada de seus interesses levam necessria considerao das suas novas estratgias de interveno. A melhor distribuio da renda nacional e a promoo de grandes contingentes populacionais chamada classe mdia poten-cializam um mercado consumidor de servios educacionais e a presso por formas subsidiadas de oferta e/ou pela intermediao e controle das aes de cooperao por transferncia voluntria, ou adio de recursos complementares.

    Talvez essa constatao possa oferecer mais luzes para certa compreenso do atalho silencioso do empresariado para a defi nio e regulamentao do regime de colaborao (ARAUJO, 2012) no seu comentrio Resoluo n. 1, de 23 de janeiro de 2012.

    A emblemtica publicao do livro Regime de Colaborao e associativismo ter-ritorial brasileiro arranjos de desenvolvimento da educao (ABRCIO; RAMOS, 2012) d voz a argumentos de diversos agentes envolvidos no debate federativo e na ao de organizaes privadas de assessoramento educacional em escala regional e microrregional, notadamente, em ateno aos municpios em variadas regies bra-sileiras. Para melhor compreenso da ao programtica de alguns desses agentes e instituies, destacamos alguns registros de sua prpria autoria.

    Competentemente, Fernando Luiz Abrcio, um dos coordenadores da publi-cao citada, j no primeiro artigo, considera:

    O fenmeno do associativismo territorial muito importante nas federaes, envol-vendo, necessariamente, a aliana formal ou informal entre governos que estejam em territrios contguos, associativismo territorial para a coordenao intergovernamental, podendo ter tambm a participao vertical de outros entes federativos. (ABRCIO, 2012, p. 22 e 23)

    No resta dvida de que o recurso aliana entre governos para a ao coorde-nada uma soluo importante para a consecuo de polticas pblicas de alcance universal, particularmente quando envolve competncias concorrentes dos entes fe-derativos no exerccio do dever pblico e na garantia de direitos civis. No caso da

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    educao, como j visto, um imperativo constitucional. No obstante tal imperati-vo, o autor menciona destacadamente fatores de relevncia objetiva.

    Sua relevncia se deve a trs aspectos. O primeiro est relacionado soluo de questes envolvendo espaos geogrfi cos que vo alm de uma nica jurisdio. Exemplos: pro-blemas vinculados aos recursos hdricos ou aos transportes metropolitanos. Outra funo do associativismo territorial dividir tarefas diferentes entre governos locais vizinhos, de modo que a unio sirva para somar esforos em prol de um objetivo comum ou para distribuir atividades entre os que tm mais condies de exerc-las em um determinado territrio, cabendo aos demais pactuantes contribuir com auxlio fi nanceiro, como ocorre em certos consrcios de Sade, que oferecem servios de maior complexidade. Exemplos: compra de merenda ou de nibus escolares. A unio em torno de projetos de desenvolvi-mento regional mais um dos aspectos que realam a importncia do associativismo ter-ritorial, pois dessa forma pode-se alavancar atividades e setores que tero efeito agregado para todos os governos locais envolvidos no arranjo. (Idem, ibid., p. 23)

    Em que pese a reiterao do termo arranjo, o autor menciona as formas de associativismo defi nidas em normatizao nacional e em atuao institucional e tipifi cadas na administrao pblica.

    No caso brasileiro, h algumas formas de associativismo territorial. Exemplos: arranjos produtivos locais, Comits de Bacia, Regies Metropolitanas ou pactos metropolitanos, os Territrios da Cidadania, Regies Integradas de Desenvolvimento, e, sobretudo, na maioria dos casos, consrcios, sejam administrativos ou de direito privado, sejam os recm-criados Consrcios Pblicos. (p. 23)

    objetivamente sobre a ltima tipologia que o autor discorre acerca dos pro-cessos e condicionalidades que levam consolidao de uma ao institucional coo-perativa, coordenada, sustentada em pactuao formal, com estruturas de funciona-mento e controle tpicos da administrao pblica:

    Antes de focar nesse novo modelo, vale citar quais so os fatores que levam ao sucesso do associativismo territorial. De maneira geral, preciso que haja, em primeiro lugar, mecanismos que reduzam a desconfi ana poltica entre os municpios, dando estabili-dade institucional parceria. Em segundo, muito importante o apoio dos governos federal e estadual, em virtude da fragilidade gerencial e da falta de recursos dos mu-nicpios. Igualmente essencial a orientao dos arranjos territoriais para uma gesto em rede e direcionada a resultados, criando, de um lado, mecanismos para articular projetos conjuntos e, de outro, para administrar conforme metas e indicadores previa-mente defi nidos. Este ltimo ponto pe em evidncia que o sucesso das formas de con-sorciamento intergovernamental depende de um modelo institucional bem gerido, capaz de ser inovador na forma e no contedo das polticas. Em suma: a criao do associativismo depende de um modelo administrativo. (ABRUCIO, op. cit., p. 24, grifo nosso)

    precisamente nesse ltimo aspecto destacado no artigo que se explicita a intencionalidade dos chamados Arranjos de Desenvolvimento da Educao (ADE), conforme argumenta o prprio autor no trecho a seguir:

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    Segundo parecer de Mozart Neves Ramos (2011) entregue ao Conselho Nacional de Educao (CNE), o objetivo central de um ADE desenvolver uma metodologia para apoiar municpios a alavancar aes e indicadores educacionais, visando melhoria da qualidade da Educao no mbito local e promovendo o fortalecimento do Regime de Colaborao. (Idem, ibid., p. 27; grifo nosso)

    O conselheiro Mozart Neves Ramos, portanto, tem a exata noo dos limites de sua proposio dentro dos marcos legais vigentes para a ao pblica. Tambm denota claramente a constatao de que a forma associativa prpria a de consr-cio pblico, conforme menciona no artigo Arranjos de Desenvolvimento da Educa-o, na mesma publicao: Uma das maneiras que melhor representa o estgio de amadurecimento da Federao brasileira o consrcio pblico intermunicipal, que, por isso, conta com captulo prprio neste livro (ver Associativismo territorial para a coordenao intergovernamental) (RAMOS, 2012, p. 17).

    No artigo Implementando Arranjos de Desenvolvimento da Educao, no mesmo livro, Tereza Perez, Roberta Panico e Paola Gongra avanam na descrio dos processos e percepes que levaram formulao sistemtica desses Arranjos, e intencionalidades para infl uenciar polticas pblicas de alcance nacional.

    Um ADE uma modalidade de trabalho em rede, na qual um grupo de municpios com proximidade geogrfi ca e necessidades semelhantes busca trocar experincias para solucionar conjuntamente difi culdades daquele territrio na rea da Educao, promo-vendo e fortalecendo a cultura do planejamento integrado e colaborativo.

    A adequao de nossas prticas de formao intermunicpios proposta dos Arranjos e oportunidade representada pelo PAR nos levou em 2009, juntamente com a Fundao Vale, a iniciar uma cooperao com o movimento Todos Pela Educao e o Ministrio da Educao (MEC). O trabalho comeou com a defi nio dos municpios que constitui-riam os territrios de atuao. Em seguida, analisamos as notas atribudas ao PAR de cada municpio e os indicadores educacionais, de modo a evidenciar onde estavam as maiores fragilidades do territrio.

    Visitamos os municpios para apresentar a anlise dos dados educacionais aos prefei-tos e secretrios municipais de Educao, e os convidamos para uma reunio com os demais representantes dos municpios, na qual elaboramos um plano para atuao con-junta que tinha o PAR como eixo estruturante. (PEREZ; PANICO; GONGRA, 2012, p. 87-88)

    No qualquer acaso a autoria das iniciativas e a trajetria percorrida sob a legitimao de uma poltica organizada nacionalmente, na perspectiva de forta-lecimento da cooperao federativa, num contexto de maior comprometimento da Unio e de maior disponibilidade de recursos para a assistncia tcnica e fi nanceira, atravs do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE), associada ampliao dos recursos diretamente transferidos para a manuteno e desenvolvi-mento da educao bsica e valorizao do magistrio pela via do Fundeb. As au-toras contabilizavam 105 municpios entre os estados do Par (16), Maranho (20),

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    Tocantins (12), Sergipe (5), Minas Gerais (32) e Paran (20), ano de 2012, como Ar-ranjos Comunidade Educativa Cedac (idem, ibid.; grifo nosso).

    Obviamente que tamanha diversidade de situaes implica contratos dis-persos, inmeros entraves de mobilidade e de contratao de pessoas, contatos e agendamentos, cobertura de despesas e reunies e eventos que incluam pessoal da organizao privada e dos agentes pblicos e servidores. Para alm das assessorias tcnicas, a disseminao de valores e, por eles, dos fi ns da educao tambm latente na transcrio a seguir:

    Acreditamos que a organizao dos municpios em ADEs seja um passo signifi cativo para a melhoria da Educao no Pas. Se os encontros com os tcnicos das secretarias ocorrem bimestralmente e duram dois dias e meio, com um perodo exclusivo para o debate com os secretrios de Educao, o mesmo ocorre com o grupo de gestores es-colares. Na semana do encontro, aproveitamos uma das noites para exibir um fi lme do circuito comercial, com a inteno de ampliar o universo cultural e discutir as relaes interpessoais que envolvem atitudes e valores em torno da trama da narrativa. Esse momento tem sido essencial para criar a cultura de grupo e possibilitar a anlise das atitudes tomadas pelas personagens do fi lme e sua correlao com o tratamento dado aos alunos, ao espao, diversidade, cultura e ao meio ambiente, entre tantos outros temas. Ao trazer uma histria aparentemente externa, a inteno ampliar o olhar para a realidade local. Trata-se de uma forma de analisar e de estar consciente do signifi cado de muitas das nossas aes, sejam elas no mbito profi ssional, sejam no pessoal.

    Como se pode conferir, as narrativas at aqui, do ponto de vista da organiza-o da oferta de educao pblica bsica, no trouxe a interao com redes estaduais ou federal existentes nesses mesmos territrios. As interaes se do explicitamente com redes municipais, reduzindo bastante a considerao territorial conforme suge-rida pela Constituio Federal e sustentada nas argumentaes do prprio Abrcio (2012) no primeiro artigo. No por acaso que os chamados ADEs passam a ser substitutos dos entes federativos municipais na reclamao do dilogo com estados e a Unio, como se l na sequncia: [...] estados e o MEC dialogarem com os munic-pios por intermdio de ADEs, certamente haver maior interlocuo e compreenso das necessidades territoriais diante das diversidades culturais, sociais, econmicas, ambientais e educacionais.

    Em outra perspectiva de abordagem, Eliane Baltazar Godoi e Eliana A. M. M. Breyer, do ADE Noroeste Paulista (Votuporanga), dando consequncia metodolo-gia em curso na regio, anotam:

    Ficou claro, porm, que para avanar na elaborao do planejamento estratgico e na realizao das projees de trabalho, ser necessrio buscar novos parceiros. Quanto organizao dos trabalhos do ADE, fi cou estabelecida a realizao de quatro fruns anuais para discusses e troca de experincias educacionais, acompanhados da entrega de relatrios municipais individuais de acompanhamento do PAR, nos quais devero

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    ser apontados os indicadores em que ocorreram avanos das aes propostas. (GODOI; BREYER, 2012, p. 99-100)

    Para ilustrar a gama de objetivos estratgicos e a lista de parcerias, visando al-canar a consecuo das aes, vale considerar as que selecionamos para esse artigo:

    Buscar parceiros fi nanciadores em sistema de cooperao mtua: Unesco, Unicef, Pe-trobrs, Instituto Ayrton Senna, Fundao Ita Social, governo federal, para atender s necessidades de construo de centros de estudo, contratao de equipes (monito-res e educadores), aquisio de laboratrios de cincias, material pedaggico voltado para a prtica de esportes, lazer e artes, aquisio de livros para bibliotecas escolares e adequao de espaos para atividades de esportes, cincias, lazer e artes nas escolas municipais.

    Buscar parceiros capacitadores em sistema de cooperao mtua: Fundao Lemmam, Fundao Maria Ceclia Vidigal, Fundao Educacional de Votuporanga/Unifev, Insti-tuto Federal de Educao, Cincias e Tecnologia de So Paulo/IFSP, Universidade Ca-milo Castelo Branco/Unicastelo, Fundao Educacional de Fernandpolis, Fundao Educacional de Santa F do Sul.

    Outra narrativa, presente no livro organizado por Abrucio e Ramos, apre-sentada por Cybele Amado de Oliveira e Cristina Meirelles, do Instituto Chapada de Educao e Pesquisa, sediado no estado da Bahia. O percurso apresenta as iniciati-vas de assessoria articulada entre voluntrios que levaram formao do Instituto e o alcance de suas aes de assessoramento de grande amplitude sobre as redes mu-nicipais de ensino na regio de abrangncia. Fundamentalmente, o Instituto exer-ce atividades de mobilizao social, de planejamento, de formao continuada, de organizao e controle curricular, de avaliao e monitoramento, como se pode ler a seguir:

    Responsveis pelo projeto e parceiros iniciam o debate sobre a necessidade de instituciona-lizao do trabalho. Um grupo de voluntrios (representantes das secretarias de Educao, associaes e coordenadores) inicia a elaborao do estatuto; com o foco e os objetivos do que seria o Icep surgiram novas estratgias construdas e consolidadas pelo ADE Chapada e Semirido:

    ofi cinas pedaggicas para supervisores e diretores pedaggicos alocados nas secreta-rias para formar equipe tcnica qualifi cada (diretores pedaggicos e supervisores tc-nicos) e garantir a sustentabilidade da formao continuada em todos os municpios;

    ofi cinas pedaggicas para coordenadores pedaggicos do grupo 2005 de primeira a quarta sries (atuais primeiro ao quinto anos), e introduo formao de coordena-dores de quinta a

    oitava sries (atuais sexto ao nono anos) com foco na leitura e na escrita;

    ampliao da equipe de formadores com o objetivo de instruir formadores regionais;

    seminrios internos (grupo de diretores pedaggicos e de supervisores tcnicos) com o tema Da sala de aula s polticas pblicas;

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    grupos quinzenais de anlise e refl exo da prtica com professores, coordenadores e diretores pedaggicos e escolares;

    organizao dos planos de ao pelos coordenadores e diretores e de projetos didti-cos e institucionais;

    organizao de Conselhos de Classe para acompanhamento e alimentao do proces-so de ensino e aprendizagem;

    jornadas pedaggicas ministradas pelos coordenadores pedaggicos municipais. (OLIVEIRA; MEIRELLES, 2012, p. 117-118)

    Importante matria com detalhamentos sobre os percursos feitos pela meto-dologia patenteada como ADE pode ser acessada em: . Nela, pode-se ver um quadro ilustrati-vo dos procedimentos mais caractersticos da conformao de um ADE. Ressalto, tambm, as consideraes reiteradas de especialistas entrevistados sobre a oportu-nidade dada pelo PAR, as limitaes estruturais de administraes municipais, os ganhos de escala para os parceiros e a intencionalidade de contornar as regras da ao pblica para assegurar certa qualidade da educao pblica municipal. Por exemplo, na matria citada:

    De acordo com Cesar Callegari, membro do Conselho Nacional de Educao, o mode-lo tem origem nos Arranjos Produtivos Locais, formulados h mais de dez anos, para processos de cooperao entre empresas de determinada cadeia produtiva e o poder pblico. Mais recentemente, essa ideia voltou a se apresentar como soluo por dois lados: pelo setor pblico e por empresas. No caso da educao, os arranjos tm foco em desenvolvimento no lugar de produo, explica.

    Um de seus parceiros em programas de assessoria educacional a redes muni-cipais, encarregado de superar descontinuidades e assegurar escala no servio con-tratado, completa:

    O especialista em gesto de polticas pblicas municipais Sinoel Batista, que trabalha no Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada (Ibsa), est encarregado de colaborar para identifi car uma estrutura que garanta perenidade aos arranjos.

    A instncia que melhor atende a estruturao dos ADEs o consrcio pblico. Apre-sentei a sugesto e esta passou a ser a ferramenta para estruturar os arranjos, afi rma Batista. At o momento, nenhuma das quatro experincias acompanhadas pelo TPE ins-tituiu consrcio pblico e h chances de que o arranjo do noroeste de So Paulo se torne o primeiro a faz-lo.

    Este mesmo especialista avana na informao sobre a estratgia em curso para alcanar a transferncia de recursos pblicos federais diretamente a essas estru-turas, como se constitussem um ente federativo em substituio aos municpios ou uma antecipao informal de consrcios:

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    Outro conceito que fornece elementos para entender os arranjos como poltica pblica o do associativismo territorial. O desenho da metodologia de implementao e estrutura de funcionamento do ADE no est fi nalizado, mas h a preocupao de torn-lo uma ferramenta de gesto pblica reconhecida pelo MEC.

    A institucionalizao contribui para orientar os municpios a defi nir como ser feito o ADE, alm de explicitar o conceito e o contexto poltico-estratgico no qual se insere.

    o prximo trecho, atribudo ao prprio Callegari, que empresta razo com-pleta ao atalho empresarial no citado artigo de Araujo (2012), como se l:

    Investigamos as possibilidades de aproveitamento de recursos do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profi ssionais da Educao (Fundeb). Estamos em fase de estudos, para elaborar orientaes, afi rma Callegari.

    Mais explcita, igualmente, a narrativa de Cruz (2012, p. 147) no artigo Con-tribuio para o fortalecimento do Regime de Colaborao, na coletnea de textos organizada por Abrucio e Ramos (2012) mencionada anteriormente:

    Entretanto, a experincia vem mostrando que essas unidades da Federao representam a fatia mais frgil da confi gurao geopoltica e administrativa brasileira, em funo de limitaes oramentrias, ausncia de quadros tcnicos, graves problemas de desconti-nuidade poltica, entre outros fatores. Criar mecanismos que promovam a cooperao entre eles pode representar um passo decisivo para vencer essas limitaes e estabelecer condies para assegurar a oferta de uma educao de qualidade nas duas primeiras etapas da Educao Bsica.

    Assim, foi reconhecendo a fragilidade desse ente federativo e a necessidade de fortale-c-lo em funo do papel estratgico que exerce na oferta educacional que institutos e fundaes de empresas vm promovendo, cada vez mais, um nmero maior de aes no campo da Educao em parceria com os municpios. Os investimentos hoje, segundo os ltimos nmeros do Grupo de Institutos e Fundaes de Empresas (Gife), giram em torno de dois bilhes de reais. Esse trabalho de corresponsabilidade social dos institu-tos e fundaes com os municpios tambm vem promovendo e provocando um maior envolvimento da sociedade com o desafi o da educao de qualidade.

    [...] Os ADEs seriam, assim, instrumentos indutores de cooperao e colaborao entre municpios, articulados com os estados e a Unio, e contando, quando necessrio, com a contribuio transversal dos institutos e fundaes [...].

    A riqueza de detalhes da narrativa, entretanto, faz merecer uma transcrio mais completa do artigo, tendo em vista a revelao clara da ao estratgica e ar-ticulada em diversos ambientes institucionais e o xito dos empreendimentos para forjar uma nova institucionalidade que transponha os limites da administrao p-blica, as exigncias da conformao de consrcios, o abandono da articulao com os estados e a reduo do territrio administrao de redes municipais de ensino, ter-ceirizando tarefas prprias da conduo de sistemas s assessorias estratgicas com escala, estabilidade contratual e oramento disponvel. Uma privatizao por dentro

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    da rede, no concorrente com ela, num atalho de regras fl exveis de nova combina-o institucional, para alm da Resoluo do Conselho Nacional de Educao.

    Observe-se o passo a passo:

    No Projeto de Lei n. 8.035/2010, relativo ao novo PNE e em tramitao no Congresso Na-cional, foi incorporado o modelo de ADE como mecanismo efi caz para o fortalecimento do Regime de Colaborao, conforme as Emendas ao Substitutivo descritas a seguir:

    Emenda ao Substitutivo n. 74: prope acrescentar 5 ao art. 6 do Substitutivo com a previso de que o fortalecimento do Regime de Colaborao horizontal entre muni-cpios, articulado com o Regime de Colaborao vertical envolvendo estados e Unio, pode ser implementado mediante Arranjos de Desenvolvimento da Educao. Apro-vada, na forma do inciso XI do art. 2 por sua importncia. Regime de Colaborao deve fi gurar como diretriz.

    Emenda ao Substitutivo n. 95: acrescenta dois pargrafos. No primeiro, prev a cria-o de instncia permanente de negociao e cooperao entre os entes federados; no segundo, prev a possibilidade de organizao das polticas por meio de ADEs, ou seja, de cooperao entre municpios. A emenda acatada, nos termos da redao adotada no novo Substitutivo. salutar prever a existncia legal desse espao interinstitucional. A institucionalizao dos Arranjos merece ser incentivada. (CRUZ, op. cit., p. 149)

    Sua concluso no poderia ser mais entusiasmada. Com a perspectiva sucessi-vamente vitoriosa na associao de instrumentos normativos que alcanam a forma de lei, os sinais apontam para a conformao tipifi cada de conglomerados mais es-pecializados capazes de dar vazo nova escala em projeto e em disputa, reduzindo seus riscos, claro. No difcil de perceber pelo que segue:

    Isso representa uma mudana de cultura, que exige no apenas tempo para se conso-lidar, mas tambm disciplina e organizao permanentes. Isso, por sua vez, vai exigir dos institutos e fundaes uma reorganizao na forma de atuao, no sentido de uma maior articulao e cooperao, evitando as indesejveis sobreposies. Assim, um dos desafi os a necessidade de criar uma estrutura, possivelmente um instituto especfi co ou conselho, capaz de articular institutos e fundaes no processo de estruturao e implementao, quando requerido, dos ADEs locais. O processo de articulao e de co-operao poderia ser implementado mediante o aval das vrias instituies apoiadoras dos Arranjos, que, a priori, poderiam ser identifi cadas em trs grupos distintos:

    Grupo 1: Todos pela Educao, Comunidade Educativa Cedac, Instituto Chapada, Ins-tituto Mind Group e Fundao Getlio Vargas de So Paulo, entre outras, cujo papel seria mais de mobilizao, fomento de estudos, formao in loco e desenvolvimento do modelo.

    Grupo 2: Fundao Vale, Instituto Natura, Fundao Lemann, Instituto Gerdau, Ins-tituto Votorantim, Mindlab e Fundao Ita Social, entre outras, cujo papel seria o da corresponsabilidade social na gesto e no fi nanciamento.

    Grupo 3: instituies internacionais, como a Unesco, que poderiam contribuir como observadores externos do processo de implantao e de funcionamento dos Arranjos. (Idem, ibid., p. 150)

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    Aqui se identifi cam muitssimo bem as intencionalidades por trs das pala-vras da Portaria n. 1.238, de 11 de outubro de 2012 e suas sucedneas. Na viso da articulista, vislumbram-se as concluses do Grupo de Trabalho no mbito da Secre-taria de Articulao com os Sistemas de Ensino do Ministrio da Educao:

    Naturalmente, todo esse trabalho deve ser conduzido com a estreita participao e cola-borao da Unio Nacional dos Dirigentes Municipais de Educao (Undime), do Conse-lho Nacional dos Secretrios de Educao (Consed), do Conselho Nacional de Educao (CNE) e do Ministrio da Educao (MEC). No entanto, preciso que o prprio MEC, como responsvel direto pelas macropolticas de educao no Pas, se organize interna-mente em termos de uma Portaria, por exemplo, capaz de defi nir a responsabilidade de suas secretarias internas, mais precisamente a Secretaria de Educao Bsica (SEB) e a Secretaria de Articulao com os Sistemas de Ensino (Sase), de forma que os ADEs sejam tratados, de fato, como uma poltica pblica articulada de Estado, em consonncia com a homologao do Parecer e Resoluo do CNE feitos pelo prprio MEC.

    H quem, entretanto, vislumbre coincidir essas teses dos Arranjos de Desen-volvimento da Educao com os Programas de Desenvolvimento Regional Susten-tvel, derivados de empreendimentos de grande impacto promovidos por investi-mentos pblicos diretos e incentivados por Fundos de Desenvolvimento Regional com recursos oramentrios, concesso de fi nanciamento em condies especiais a empreendimentos privados e, mesmo, parcerias pblico-privadas. Cabe, nesse caso, advertir que, diferentemente dessa compreenso aparentemente ingnua, h distin-es constitucionais e institucionais das iniciativas bem conhecidas e no delegveis. Numa rpida visita auxiliar Constituio Federal, para alm do que comumente tratamos em artigos sobre cooperao federativa, organizao da educao nacional e Sistema Nacional de Educao, ganham relevo os seguintes ordenamentos:

    Art. 43. Para efeitos administrativos, a Unio poder articular sua ao em um mesmo complexo geoeconmico e social, visando a seu desenvolvimento e reduo das desi-gualdades regionais.

    1 - Lei complementar dispor sobre:

    I - as condies para integrao de regies em desenvolvimento;

    II - a composio dos organismos regionais que executaro, na forma da lei, os planos regionais, integrantes dos planos nacionais de desenvolvimento econmico e social, apro-vados juntamente com estes. (BRASIL, 1988)

    No mbito dos estados-membros, o texto constitucional claro tambm:

    Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituies e leis que adotarem, observados os princpios desta Constituio. [...].

    3 - Os Estados podero, mediante lei complementar, instituir regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e microrregies, constitudas por agrupamentos de municpios

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    limtrofes, para integrar a organizao, o planejamento e a execuo de funes pblicas de interesse comum. (Idem, ibid.)

    A reconhecida fragilidade dos municpios, entretanto, merece ser mirada com maior ateno. Diferentemente da Unio e dos estados, que tm a obrigao de man-ter suas prprias instituies de educao bsica e superior, de maneira distinta, as competncias municipais apresentam a manuteno de programas, abrindo leituras para uma gama de possibilidades de organizao da oferta educacional pblica na educao infantil e no ensino fundamental. A Emenda Constitucional n. 53, de 2006, ocupou-se de inserir a cooperao da Unio, mas no alterou a distino entre manter programas e manter instituies de ensino. O texto reconhece sub-repticiamente que h municpios em condies to precrias que no alcanariam a conformao de uma rede prpria, obrigatoriamente, em consonncia com o princpio da coordenao e da cooperao federativas e da colaborao entre sistemas de ensino. Se h autoridades que no perceberam, toda a narrativa analtica feita nesse artigo pretendeu apontar a ao estratgica em curso na disputa pelo fundo pblico ampliado, pelo controle da administrao, dos fi ns educacionais e do contedo da qualidade segundo os prop-sitos de quem mobiliza, assessora, planeja, avalia, forma, subsidia, detm os meios de produo e instrumentaliza a poltica pblica para a efi cincia econmica.

    Art. 30. Compete aos Municpios:

    VI - manter, com a cooperao tcnica e fi nanceira da Unio e do Estado, programas de educao infantil e de ensino fundamental;

    VII - prestar, com a cooperao tcnica e fi nanceira da Unio e do Estado, servios de aten-dimento sade da populao; [...]. (BRASIL, 1988)

    Uma carona dos ADEs no Plano Nacional de Educao tenta, tambm, supe-rar uma difi culdade processual. A iniciativa da lei do Poder Executivo.

    Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecero:

    4 - Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituio sero elaborados em consonncia com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Na-cional. (Idem, ibid.)

    Alguns contornos do SNE a ser criado em lei, at dois anos depois da sano do PNE, esto delineados e merecero ateno para compatibilizar suas atribuies com organismos j existentes, instncias normativas de controle e acompanhamen-to j implementadas, formas de colaborao j regulamentadas e outras em debate legislativo concomitante (ABICALIL, 2013). O fato que no h uma relao direta e simples entre a atribuio dos sistemas e nveis de ensino, ou de vnculo da rede pblica com um sistema municipal e da rede privada com o sistema estadual, ou

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    de alguma modalidade de oferta com um ente federativo especfi co. H, sim, uma interpenetrao que guarda vnculos cruzados com o ente que mantm redes em cada nvel de ensino e a rede privada, de acordo com a etapa e nvel de educao que estes ofertam, com sistemas diferentes. O relatrio do PNE no vincula fruns e conferncias estaduais, distritais e municipais aos planos e aos sistemas nesses n-veis, por exemplo. A vinculao sempre com o PNE, o que pode representar mais uma fragmentao.

    A seleo de atenes que indicada aqui guarda direta relao com os temas atinentes aos contornos apontados para o Sistema Nacional de Educao, a coope-rao federativa e a colaborao entre sistemas de ensino, no somente por suas ementas ofi ciais, mas, sobretudo, por seus contedos. Assim, a preservao de con-dies essenciais de afi rmao do SNE deve levar em conta os fi os em movimento nesse tecido. O aprofundamento da fragmentao e da disperso no desejvel. O cenrio da deciso poltica ainda est enredado por iniciativas fragmentadas que interferiro intensamente na sua composio, no apenas nas matrias concorrentes, cuja seleo temtica procuramos apresentar.

    Alm de tratar competncias comuns, aponta para a considerao das con-dicionalidades para o exerccio das autonomias e da complementaridade em cada mbito federativo interdependente. Com a nova redao constitucional, a educao bsica (especialmente, no mbito obrigatrio) competncia comum das trs esferas da administrao, ultrapassando os limites administrativos das redes. Assim sendo, mais do que a diviso de competncias, trata-se da normatizao das condicionali-dades operativas que determinem as formas e critrios da cooperao em cada uma. Ademais, o princpio de complementaridade supe a clareza na defi nio de normas operacionais bsicas vinculantes j presentes no Sistema nico de Sade (SUS) e no Sistema nico de Assistncia Social (Suas) , a partir das quais se estabelecem o exerccio da autonomia relativa, por um lado, e da cooperao federativa, por outro. Acredito que seja prprio falar da hierarquizao das atribuies e competncias (para alm das legislativas) j previstas na Constituio e na Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB), colocando luzes sobre os signifi cados operacionais diferentes para as tarefas distributivas e supletivas no que tange ao fi nanciamento (e Unio, particularmente) e s aes de assistncia tcnica e fi nanceira da Unio e dos esta-dos, diante das condies de realizao do direito educao em meio diversidade e desigualdade presentes entre os diversos entes federados.

    A disputa fi nal em torno da redao da Meta 20 no PLC n. 103 de 2012 (PNE), em tramitao no Senado Federal, espelha limpidamente as dimenses signifi cadas dessa nova forma de capturar polticas e espaos pblicos. Tambm est associado a essas brechas o conjunto de oportunidades a serem viabilizadas com os recursos derivados da explorao de petrleo e gs, para alm dos royalties e dos rendimentos

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    do fundo social, como se apresentam nesse momento. S a parcela transferida pela Unio, na pior das hipteses, decuplicaria. Alm destes, haver os recursos adicio-nais aos vinculados constitucionalmente sob a administrao de estados e muni-cpios. Ainda esto presentes os constrangimentos da Lei de Licitaes e de Res-ponsabilidade Fiscal, como afi rmamos inicialmente. Adicionam-se as disposies do artigo 213 da Constituio Federal, admitindo a transferncia direta para instituies privadas sem fi nalidade lucrativa e sem limites de reverso pblica, no caso de cur-sos de extenso oferecidos por instituies de ensino superior, agora contempladas no Pronatec.

    As disposies da reforma administrativa recepcionadas pela Emenda Consti-tucional n. 19, de 1998, tambm favorecem variadas formas de organizao da pres-tao de servio pblico de maneira indireta, por meio de fundaes, autarquias, empresas de terceirizao, organizaes sociais, organizaes de interesse pblico. Por outro lado, h a presso dos rgos de controle como os Tribunais de Conta, enveredando por considerao da efi cincia do servio educacional como critrio de anlise das contas pblicas e, sua volta, o alargado mercado de consultorias e as-sessorias educacionais como jamais visto. Isso resultado do crescimento econmi-co, com repartio da renda, aumento da massa salarial dos trabalhadores, reduo de juros bsicos, liberao de recursos oramentrios anteriormente despendidos com a dvida pblica para polticas pblicas de desenvolvimento social sustentvel. Tais pautas tornam ainda mais presentes e atuais as abordagens em torno da confor-mao do Sistema Nacional de Educao.

    Como a organizao da educao nacional no se deu meramente por n-veis ou etapas, nem automaticamente pela administrao direta de redes pblicas ou da vinculao normativa das instituies privadas, alguma ordem reclamada para no se submeter simples concorrncia de competncias luz da considera-o da educao como direito universal e da educao bsica como direito pblico subjetivo.

    Se entendido assim, o passo para a construo de um sistema nacional deve considerar, no caso brasileiro, alm de quem faz o qu: sob quais condies faz; com que mediaes de complementaridade e assistncia; com que reciprocidade normativa; com que transitoriedades; sob qual regramento; e por deliberao de que rgo, instncia ou ente? Vale lembrar que, tambm, se aplica no Brasil o prin-cpio da subsidiariedade, muito bem exemplifi cado pelo Programa Universidade para Todos (Prouni), Programa Nacional de Acesso ao Ensino Tcnico e Emprego (Pronatec), Programa Nacional de Educao do Campo (Pronacampo), Certifi ca-o das Entidades Benefi centes da Assistncia Social (Cebas), Poltica Nacional de Formao (PNF), e variadas aes coordenadas e fi nanciadas por diversos rgos pblicos, nas trs esferas de governo.

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    H ebulio sufi ciente para forjar novas estruturas e relaes institucionais democrticas. Se dvidas houve, as ruas o disseram bem recentemente.

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    a partir do exerccio de 2009, o percentual da Desvinculao das Receitas da Unio incidente sobre os recursos destinados manuteno e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituio Federal, d nova redao aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangncia dos programas suplementares para todas as etapas da edu-cao bsica, e d nova redao ao 4 do art. 211 e ao 3 do art. 212 e ao caput do art. 214, com a insero neste dispositivo de inciso VI. Dirio Ofi cial da Unio, Braslia, DF, 12 nov. 2009. Disponvel em: . Acesso em: jun. 2012.

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    Educao Fundeb, de que trata o art. 60 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias; altera a Lei n. 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis n. 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de maro de 2004; e d outras providncias. Dirio Ofi cial da Unio, Braslia, DF, 21 jun. 2007. Disponvel em: . Acesso em: jun. 2012.

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