ABOLIÇÃO NO BRASIL: A CONSTRUÇÃO DA LIBERDADE

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    Revista HISTEDBR On-line Artigo

    Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.36, p. 83-104, dez.2009 - ISSN: 1676-2584 83

    ABOLIO NO BRASIL: A CONSTRUO DA LIBERDADE

    Jaci Maria Ferraz de Menezes1

    UNEB

    Homens, o tempo chegado para a vossa ressurreio; assim para ressuscitaresdo abismo da escravido, para levantares a Sagrada Bandeira da Liberdade. Aliberdade consiste no estado feliz, o estado livre do abatimento: a liberdade adoura da vida, o descanso do homem com igual paralelo de uns para os outros;a Liberdade o repouso, a bem-aventurana do mundo .(...) A liberdade agradvel para todos; tempo, povo; o tempo h chegado2

    Papis Sediciosos da Conspirao dos Alfaiates Bahia 1798.

    RESUMOO texto analisa a longa transio para a liberdade e a igualdade no Brasil como umprocesso de aprendizagem, em que a sociedade brasileira e, em especial os escravos e seusaliados, na sua resistncia e luta permanentes, desmantelam a hegemonia e a pretensalegalidade da escravido, desvelando a sua iniqidade. Trabalha com os textos legais e odebate no parlamento brasileiro, alm de estatsticas e documentos de outros autores quecita. No momento em que as questes do Haiti e do Suriname esto na ordem do dia, otexto nos parece oportuno por colocar em debate a situao do Brasil.Palavras chave: Abolio da escravido, luta pela liberdade, construo de hegemonia econtra-hegemonia, legislao abolicionista.

    ABOLITION DE L'ESCLAVAGE: LA CONSTRUCTION DE LA LIBERT AUBRSIL.

    RSUM:L'article analyse la longue transition vers la libert et l'galit au Brsil comme unprocessus d'apprentissage, dans lequel la socit brsilienne, et surtout les esclaves et leursallies, dans leur lutte permanente et la rsistance, ont dmanteler l'hgmonie et laprtendue lgalit de l'esclavage, rvlant leur iniquit. Analyse des textes juridiques et le

    dbat au Parlement brsilien, ainsi que des statistiques et des documents provenant d'autresauteurs. Au moment o les problmes d'Hati et le Suriname sont au programme, le textesemble opportun de mettre la situation de le post-Abolicin en cours de discussion auBrsil.

    Mots-cls: Abolition de l'esclavage, lutte par la Libert, construction de hegmonie etcontra-hegmonie, la lgislation abolitionniste.

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    O estudo do perodo de lutas pela Abolio da Escravido no Brasil nos pareceparticularmente importante. Primeiro, porque comprova que a Abolio no foi umaddiva, mas uma conquista. O resultado de um longo processo de marchas e contra-marchas, tergiversaes, em que os negros e seus aliados tiveram que passar poraprendizados - o aprendizado da luta poltica, ao lado da participao em guerras deindependncia e de construo de naes - onde o preo da liberdade (sua e dos seusdescendentes) resultou, muitas vezes, no preo da vida.

    Segundo, porque na forma como se desenvolveu o processo da Abolio se gestoutambm a futura forma de incluso do negro na sociedade: ai se programa e, sobremaneira,se decide o novo pas que resulta da Independncia e do final da escravido. Na AmricaLatina, cada pas estuda, analisa a experincia de seu vizinho: cada faco em lutaaproveita ou no aquilo que o outro provou, ou procura fugir daquilo que a todos osescravistas atemoriza: a grande insurreio dos negros, ao modelo do Haiti.

    Assim, o longo processo no , em absoluto, espontneo, mas dirigido: tem noapenas uma lgica interna, mas vrias, contraditrias, conflitantes. Desvendar estas lgicase, dentre elas, a vencedora, a que foi de fato aplicada, este o nosso objetivo, para melhorentender os resultados deste momento e seus efeitos no momento seguinte - o ps abolio.

    Trabalhamos, portanto, neste texto, a transio para a liberdade no Brasil, colocadano quadro da Amrica Latina e mesmo da influncia do pensamento europeu.Utilizamos,para o trabalho, a literatura sobre o tema e documentao da poca leis,projetos de lei,debate parlamentar no Parlamento brasileiro, procurando captar o contraditrio, as marchase contramarchas de um processo que leva um perodo de mais de um sculo.

    I. AntecedentesA luta dos escravos pela reconquista da liberdade tem incio desde os primrdios do

    cativeiro. No resistisse cada escravo, individualmente, a sua captura, e no serianecessrio p-lo a ferros, separar os elementos de cada tribo ou etnia de modo a evitar aresistncia conjunta atravs da reduo ao estado de incomunicabilidade (dado quefalavam diferentes lnguas). A reduo imobilidade e a reduo ao silncio, ao lado daameaa integridade fsica com castigos devidamente planejados e hierarquizados, tinhamcomo finalidade evitar, controlar a reao ao aprisionamento e a fuga, individual oucoletiva, do negro prisioneiro.

    Logo no primeiro sculo de colonizao portuguesa do Brasil j se tem notcia da

    formao dos quilombos,3 lugares onde viviam os negros fugidos que passam a formarum novo agrupamento social, margem da sociedade colonial construda pelosportugueses, e dedicada caa, pesca e agricultura de subsistncia. Quilombos houve,como os dos Palmares, localizados na regio da Serra da Barriga no atual estado deAlagoas, num conjunto de aldeamentos onde viviam negros, ndios e mestios. Ospalmarinos resistiram represso por mais de sessenta anos - entre 1620 e 1680 - tanto dosportugueses como dos holandeses, no perodo em que estes dominaram a regio dePernambuco. Palmares teve um grande nmero de habitantes, que inclusive comerciavamcom moradores de pequenas vilas da regio. A sua represso e destruio final passammais pela necessidade de exemplar aos negros e pela segurana do Estado colonial e dainstituio escravocrata do que mesmo por ameaas do ponto de vista de alguma aoguerreira dos ex-escravos aquilombados.

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    Milhares de outros quilombos foram constitudos no s no perodo colonial e dedominao de Portugal, como tambm durante o Imprio, j aps a Independncia. A suarepresso era organizada institucionalmente, atravs da figura do Capito-do-Mato,encarregado da busca e apreenso de escravos fugidos, que deveria aprision-los ou

    execut-los em caso de resistncia. Existem relatos da destruio de quilombo na Regiodo Rio das Velhas do qual foram apresentados, como resultado da sua destruio, 3.900pares de orelhas de negros mortos. Entre os ltimos episdios de que encontramos menoest o registro feito de que feita em Petrpolis - a cidade imperial brasileira - uma feira decaridade para angariar recursos para o Fundo de Emancipao, na qual membros da famliaimperial vendiam produtos do Quilombo do Leblon (hoje bairro do Rio de Janeiro).4Nesta fase, o prprio Exrcito se recusava a reprimir os negros fugidos e os escravosabandonavam em massa as fazendas de caf em So Paulo, descendo em direo aCubato, imenso quilombo nas encostas de Santos, onde a Abolio j fora aclamada.5

    A inteno de apresentar aqui estes antecedentes foi apenas deixar claro que o

    desejo de liberdade dos negros fez parte do seu quotidiano desde o momento do seuaprisionamento.

    O que vamos analisar daqui para a frente, que, assim como a escravido modernaesteve vinculada ao mercantilismo, expanso da Europa Ocidental e forma de produoimplantada pelos europeus na Amrica quando da colonizao do chamado NovoMundo, a sua derrocada est tambm vinculada ao rompimento do sistema colonial e,mais ainda, de transformao do sistema produtivo mundial, no sentido da consolidao daforma mais moderna de capitalismo - o capitalismo industrial - e a novas formas decolonialismo.

    II - A Abolio - Um longo caminho

    O impacto das guerras napolenicas e, mais especificamente a invaso de Espanhae Portugal, ao fazer desaparecer as metrpoles coloniais, encontrou as colnias em estadode tenso, com questes internas no resolvidas, tendo vivido, em diferentes momentos,experincias de levantes, rebelies, insurreies e, at, de organizaes sociais paralelas.

    Em alguns pases da Amrica, a Abolio da escravido foi lavada a efeito emconcomitncia luta por independncia. Em outros, como Estados Unidos e Brasil, no.Nestes dois pases, o perodo ureo (em termos quantitativos) da escravido se d aps a

    Independncia, tendo os mesmos desenvolvido modelos diferentes de reproduo doescravo: nos EEUU, aps 1800 (o fim do trfico se d em 1807, 31 anos aps aIndependncia) o modelo de Criao de Escravos faz dele o maior pais escravista domundo, ultrapassando o Brasil, que detinha este ttulo pelo menos at 1791.6

    Um dos primeiros atos em direo ao final da escravido se d em Portugal,durante o mandato do Marques de Pombal como primeiro ministro. Consideradoilustrado, responsvel, dentre muitas outras coisas, pela reforma da educao e aintroduo do ensino de cincias, no controle da ao dos jesutas no Reino (que culminoucom a expulso dos mesmos inclusive do Brasil), baixou uma srie de atos sobre ofuncionamento das misses entre os indgenas, particularmente no Par e Maranho,provncias do Brasil que nesta ocasio formavam um Estado. Estes atos extinguiam atutela sobre os indgenas e proibiam a sua separao das demais povoaes e a sua

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    escravizao, em 1755. Extinguem tambm a escravido negra em Portugal e ilhas doAtlntico.7

    No entanto, na Ilha de So Domingos, Haiti, que acontece o primeiro ato do fimda escravido na Amrica. No conjunto dos atos decorrentes da Revoluo Francesa sedecreta em 1894 o final da escravido em todas as colnias francesas. O ato, que emancipae coloca sob o regime de aprendizado 491.000 escravos de Guadalupe e So Domingos(uma vez que, naquele momento Martinica e Caiena estavam fora do domnio francs), por sua vez anulado por Napoleo, em 1802. A revogao provoca a grande reao dosescravos na ilha de So Domingos, que levaram independncia total da ilha e emancipao de todos os escravos, com a criao da Repblica do Haiti. A partir da, oHaiti passa a ser exemplo a ser imitado por abolicionistas e participa das lutas deindependncia ao lado das futuras naes latino-americanas, condicionando o seu apoio Abolio da escravido. Haiti passou a ser tambm exemplo a ser evitado, eternofantasma assustando e servindo de justificativa para a ferocidade utilizada durante todo o

    sculo XIX na represso aos movimentos de liberao dos escravos.Analisando a evoluo do pensamento abolicionista e o desenrolar dos fatos na

    Amrica, Herbert Klein8e Hebe Clementi9mostram que:

    1. Existe um movimento abolicionista na Europa que influencia na aoconcreta de cada pais; entretanto, as presses internas, as lutas pela independncia e asrebelies dos escravos acabam por ser os elementos de presso mais eficazes ateconseguir chegar abolio.

    2. A prpria extino do trfico, a sada da Inglaterra dele e a sua transformaoem Guardi dos mares se d a partir de um processo de luta: criada, na Inglaterra,em 1787, uma sociedade pela abolio do trfico, que deflagra uma campanha de

    opinio pblica.10O movimento segue, dentro da Inglaterra, etapas para a supresso dotrfico: 1788: limite de escravos por barco, transportados de acordo com a suatonelagem; medio do espao destinado a cada escravo transportado; 1807-1808: fimdo trfico. S aps a derrota de Napoleo que, no congresso de Viena, a Inglaterracoloca em pauta o final do trfico. A partir de 1820, a Inglaterra passa a patrulhar osmares.

    Existiram, assim, duas fases: uma que se concentra na extino do trfico, paraestancar a fonte de fornecimento de escravos; a segunda, voltada para o final daescravido. Esta, por sua vez, experimenta vrios modelos distintos, que se sucedem:

    a) Reconhecimento, ao escravo, do direito a sua prpria compra, com

    reconhecimento de direito de formar peclio para este fim.b) Liberdade de Ventres: a escravido deixa de se transmitir por nascimento.

    Pretendia-se extinguir a escravido por no nascerem escravos.

    c) c)Liberdade concedida sob a condio de prestao de servios do ex-escravoao seu ex-senhor por tempo determinado. O liberto tinha a sua residncia fixada porigual tempo, no tendo liberdade de deslocamento.

    d) Liberdade condicionada a indenizao ao proprietrio pelo Estado. Socriados Fundos de Emancipao, formados por peclio de escravos sob o regime deaprendizado ou por recursos pblicos advindos dos impostos pagos por escravos.

    e) Criam-se juntas para decidir sobre as prioridades para a ordem de libertaopelos Fundos.

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    f) Progressividade na aquisio da igualdade de direitos. Ao liberto no eramgarantidos todos os direitos de cidadania, por exemplo, o voto. Ao nascido livre, sim.

    g) Libertao incondicional e sem estabelecimento de indenizao.

    Utilizando uma ou outra forma ou combinando vrias delas, as diversas naes doincio abolio do trabalho escravo e a sua substituio pelo trabalho livre. Num espaode tempo que, considerando tambm o perodo de extino do trfico, durou 120 anos, emque ficam registradas as marchas e contramarchas nas atitudes com relao escravido eas protelaes e burlas na aplicao dos dispositivos legais, advindas dos prpriosgovernos dos diversos pases.

    III - Brasil, o ltimo.

    Maior nao escravista at 1791, o Brasil foi superado apenas pelos Estados Unidosna medida em que este consegue desenvolver, com xito, um modelo de reproduo deescravos ao tempo em que dificultava a manumisso individual dos escravos. Os EEUU,apesar de terem recebido, ao longo do trfico, menor nmero de escravos que o Brasil,tinha, no 7 censo em 1850 3.638.808 homens de cor, na sua maioria escravos.11O Brasil,que recebeu entre 4 e 5 milhes de escravos ao longo do trfico, intensificou a importaonos ltimos 70 anos do mesmo. Nos primeiros 250 anos importou 1.895.500 escravos,enquanto que nos ltimos 70 anos teria recebido 2.113.900 escravos.12

    Estruturado em articulao com o Estado, e justificado ideolgica e religiosamente,o sistema escravocrata ganhou uma tal solidez que o seu desmonte se fez difcil edemorado. Foi necessrio desarmar pea por pea a engrenagem para que a escravidoacabasse. Ela o ltimo elo da cadeia a se desfazer, no processo de transio poltica que

    vai da Transmigrao da Famlia Real Portuguesa at a Repblica.13

    O Brasil se transforma de colnia em pas independente, mas com um regime

    diferente dos seus vizinhos: Estado unitrio, uma monarquia constitucional sob umaconstituio outorgada, com um poder executivo forte e um parlamento consentido elimitado. A escravido mantida. O governo imperial assina com a Inglaterra, em 1826,um tratado para o final do trfico de escravos que no levado a efeito. Em 1831, comodecorrncia dos acordos assinados em 1826 com a Inglaterra para o reconhecimento daIndependncia, aprovada a Lei Evaristo de Morais, que declara livres todos os negrosque sejam ingressados no territrio nacional. No entanto, sua aplicao foifreqentemente burlada, a ponto de que o aumento da represso por parte da Inglaterra e a

    reao brasileira mesma causam conflitos entre as duas naes.As mudanas no campo poltico se implantam sem que a discusso sobre a

    escravido seja enfrentada at mesmo em movimentos separatistas que ocorrem nasdiversas provncias brasileiras, com poucas excees: a Cabanagem, no Par, em 1835, ea Balaiada, no Maranho, em 1838, que tm carter de sublevao popular, comparticipao de negros e mulatos, inclusive de escravos aquilombados. A Confederao doEquador, em Pernambuco, se defende da acusao de anti-escravista, dizendo: muitonos honraria, porm temos a compreenso de que a Abolio deve ser Gradual.14

    A discusso sobre o final do trfico ser conduzida, por um lado, pelas presses daInglaterra e, do outro, pelas presses internas, inclusive pelo medo que se implanta entre

    os proprietrios pelos levantes dos negros, em especial na Bahia.

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    IV - As etapas do processo abolicionista no Brasil.

    O processo abolicionista no Brasil, desenvolvido ao longo de mais de um sculo,

    passou por etapas e fases que vo se sucedendo ao influxo das contradies e conflitosentre os proprietrios e seus representantes e os diversos atores a favor da extino daescravido, que procuramos analisar a seguir, a partir da documentao e da literaturapertinente. So as seguintes:

    1 - Primeira Etapa - A concluso do trfico. As presses internacionais.

    A histria dos tratados com a Inglaterra para o final do trfico e o patrulhamento dacosta brasileira pelos navios da Armada Britnica bastante longa. Tem incio ainda sob a

    Regncia do Prncipe D. Joo, depois da chegada da famlia real portuguesa no Brasil,fugindo da invaso francesa.15 Antes mesmo da Independncia so editados onze atoscontra o trfico, assinados pelo Prncipe Regente D. Joo e obedecendo s determinaesresultantes das presses da Inglaterra. Estes foram: 1- Tratado de 26 de fevereiro de 1810;2- Alvar de 17 de novembro de 1813. Carta De Lei de 08 de junho de 1815. 4 - Carta DeLei de 08 de junho de 1815. 5 - Deciso de 28 de novembro de 1816. 6 - Deciso de 17 defevereiro de 1817. 7 - Carta De Lei de 08 de novembro de 1817. 8 - Carta De Lei de 09 dedezembro de 1817. 9 - Alvar de 26 de janeiro de 1818. 10 - Decreto de 18 de agosto de1818. 11 - Decreto de 09 de outubro de 1819. 16 Logo aps a Independncia, em dezembrode 1822, baixada a primeira Resoluo a respeito do Trfico, remetendo-se ainda aosTratados com a Inglaterra. No entanto, somente a partir de 1826 surgem Atos legais do

    Imprio do Brasil (a Comisso s reaparece em 1828). So eles: 1 - Carta De Lei de 23 denovembro de 1826. 2 - Carta De Lei de 12 agosto de 1827. 3 - LEI de 07 de novembro de1831. Declara Livres todos os escravos vindos de fora do Imprio.

    A rigor, a deveria ter acabado o trfico. No entanto ele segue at meados da dcadade 50. At a encontramos notcias de contrabando de escravos; aparecem em leis deoramento , previso de recursos para o combate ao contrabando.17e18

    Nas dcadas de 30 e 40 do sc XIX travou-se um intenso conflito entre Brasil eInglaterra, a ponto da instalao de um bloqueio do porto do Rio de Janeiro e orompimento das relaes entre os dois pases. difcil acreditar nas reais intenes decombate ao trfico a partir da Lei de 1831, quando se encontram promulgadas duas

    medidas opostas com relao sua represso: em outubro de 1831 o Congresso, ao aprovaro Oramento para o perodo 34/35, autoriza o ministrio da Marinha a gastar 100.000$000em embarcaes para o combate ao trfico; no entanto, no mesmo ano outra lei mandasuspender estes gastos.

    No final da dcada de 1840, aps a subida ao poder do Prncipe - logo aclamadoImperador - e cumprido o programa de unificao do pas, so retomadas as presses e osdebates sobre o final do trfico. Finalmente, aps crises no relacionamento do Brasil com aInglaterra, com os navios destas invadindo as guas territoriais brasileiras para aprisionarnavios negreiros, em 1850 aprovada a Lei Eusbio de Queiroz, para o combate ao trficoclandestino. As medidas de represso ao trfico instaladas de a at 1860 so de carter

    econmico, criando-se taxas sobre os escravos, sobre sua transmisso, sua consignao; asua venda taxada pelo mesmo critrio das casas de moda. Gastos com a represso s

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    vo reaparecer em 1851, sendo consignadas verbas para tanto no oramento do Imprio at1862 (sendo que a partir de 60 aparece associada com uma despesa secreta). O controlemais eficaz da posse do escravo - via imposto - s vai se dar, no entanto, em 1867,quando a Lei n 1507 aumenta significativamente o valor da taxa anual sobre o escravo, em

    especial nas cidades, estabelecendo inclusive um escalonamento de acordo com tamanhodestas.

    2 - Segunda Etapa - Da Represso ao Trfico Lei do Ventre Livre. (1850 a1871).

    A partir de 1850, com a eficcia crescente da represso ao trfico, h uma queda nodebate sobre a questo servil, sobre a necessidade de extinguir a escravido. Era comoque o Brasil, aceitando sua vocao agrcola, aceitasse tambm uma vocaoescravocrata. Neste sentido seus interesses se identificaram com os interesses dosescravistas norteamericanos.19 A prpria sociedade parece aceitar-se como escravista,vendo a escravido como natural. No se registram debates sobre o assunto - o que nosignifica que os escravos tambm aceitassem escravido. Na Bahia, por exemplo, desde1832, Junta de Alforria, depois Sociedade Protetora dos Desvalidos, comea a se organizarpara a compra de alforrias. Este era um movimento subterrneo, uma vez que aos escravosera vedado neste momento, formar peclio.20

    Com o final do trfico os escravos se tornam extremamente caros e h um interesseem cuid-los melhor. Aparecem manuais de instruo de como fazer para que duremmais. Instala-se uma crise de mo de obra que faz com que as zonas de expanso daagricultura, mais que tudo So Paulo, buscassem um intenso processo de atrao de mo deobra, voltando-se para o trabalhador livre nacional - que no entanto se recusava a qualquer

    tipo de trabalho compulsrio, sob as normas/pautas a que se submetiam os escravos - epara o trfico interno, com compra dos escravos dos estados no Norte e Nordeste do pas.Tem incio a idia da atrao de imigrantes, inicialmente sob a forma de colnias depovoamento. Este modelo no d certo. Os fazendeiros acusavam os imigrantes, europeus,de serem preguiosos e desordeiros - a ral da Europa - e de no respeitarem os termosdos acordos. Paga a dvida que tinham com os fazendeiros, os colonos migravam para ascidades.

    Por isso investem, neste momento, fortemente, no trfico interno. Cresce o nmerode escravos envolvidos no plantio do caf, mormente nas provncias do Rio de Janeiro,Minas Gerais e So Paulo, mostrando a presena forte destas provncias na manuteno da

    escravido, contra a idia passada de que estes teriam sido, por mais modernos, osinteressados no final da escravido, contra os interesses dos plantadores do Nordesteaucareiro.21

    A vitria dos no-escravistas na Guerra de Secesso norte-americana e aparticipao do Brasil na Guerra do Paraguai, - quando, para a formao do seu Exrcito,tem que recorrer ao negro, que volta da guerra to vitorioso e heri como o branco - alemda convivncia com os exrcitos argentino e uruguaio formados de homens negros livres e,mesmo, com o exrcito paraguaio, a cujos negros Solano Lopes libertou,22 deixa nomnimo delicada a situao do Brasil. bom lembrar que na rendio, o Conde DEu,genro do Imperador, impe ao Paraguai a declarao (unilateral) de extino da escravido.

    Durante a Guerra se reinicia o debate sobre a extino da escravido. Comea naAcademia, em particular nas Faculdades de Direito de Recife e So Paulo, onde atuavam

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    Lus Gama, Jos Bonifcio, Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa e, mais que todos, CastroAlves. Lus Gama, por exemplo, busca uma ao legal, pelo reconhecimento da liberdadedos escravos entrados depois de 1831 e pela presuno de liberdade daqueles queparticiparam da Guerra do Paraguai; os demais, Jos Bonifcio frente, comeam o debate

    pblico, fundando um jornal, O Abolicionista. Os versos de Castro Alves eramdeclamados e aplaudidos no Recife, em Salvador e em So Paulo, provocando comoo.

    O Imperador, de forma secreta, consulta o Conselho de Estado sobre apossibilidade e a oportunidade da dar incio a reforma do elemento servil, opinando oConselho que deveria ser deixada para depois da Guerra. O outro fato que desencadeia odebate a derrubada do gabinete liberal, pelo Imperador, o que leva um grupo de polticosliberais a lanar manifestos solicitando reformas urgentes, nos quais a questo da abolio colocada em pauta, junto com pedidos de maior federalismo. Em 1870 lanado oManifesto Republicano que nada diz sobre a escravido. Um decreto de 15 de setembro de1869 probe a venda de escravos debaixo de prego e em exposio pblica. Comeramos

    a ter vergonha da escravido.

    23

    Finda a Guerra, o prprio governo leva a debate a Lei de Ventre Livre que no s a

    declara livres os filhos de escrava que nascem da em diante, como prev e regulamentaoutras formas de libertao. A idia que nela est contida e que vai ser a tnica da emdiante a gradualidade do processo, o respeito propriedade escrava (na medida em queprev a indenizao), a idia de emancipao como caminho, e, mais que tudo, o controledo Estado sobre o processo, no s de libertao, como de integrao do liberto nasociedade. flagrante a preocupao com a segurana do trabalho (no deve faltar mo deobra), bem como com a segurana fsica dos cidados face a uma possvel ameaarepresentada pelo liberto. O projeto da Lei do Ventre Livre sofre enorme oposio, dentroe fora do Parlamento, por estar extinguindo a idia da hereditariedade da condio de

    escravo. Enxergava-se um atentado ao direito de propriedade.Por sua vez, a Lei no prev uma educao das crianas livres; preocupa-se com

    sua criao e manuteno at os 8 anos de idade, sendo que a partir da e at os 21 anos, ojovem deveria, como retribuio, prestar servios ao senhor de sua me, que tinha o direito,inclusive de castig-lo. Alis, a nica recomendao educativa de que o castigo no sejademasiado rigoroso, pois com isso o senhor poderia perder o direito aos servios do menor24.

    Apesar de seus defeitos e de estar longe de atender aos interesses dos escravos, aaplicao da Lei foi protelada e burlada. Os diversos autores falam em demora naregulamentao e na execuo da nova matrcula de escravos que, ao registrar a idade,permitia verificar a existncia de escravos em situao ilegal, cuja entrada no pas se haviadado depois de 1831; a estes, lhes aumentavam a idade. Com relao ao registro dosrecm-nascidos, os registravam como anteriores lei, mantendo-os como escravos.

    Com relao ao Fundo de Emancipao criado, a sua formao foi demorada, maspior ainda foi sua eficcia. O repasse de recursos s provncias e aos municpios se fez deforma to lenta e as dvidas quanto aos critrios para classificao dos que deveriam serlibertos foram tantas que Andr Rebouas, em 1874, registrava a existncia de umaquantia, imobilizada no Fundo, suficiente para libertar 4.000 escravos. Em 1884 RuiBarbosa cita que, at aquele momento, apenas 17.000 escravos haviam sido libertados peloFundo, enquanto que 70.000 por iniciativa prpria ou de particular.

    Por fim, cabe lembrar que nenhum dos ingnuos chegou a liberdade pelomecanismo da Lei do Ventre Livre: quando da Abolio final, em 1888, tinham apenas de

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    16 para 17 anos os mais velhos. Calcula-se que formavam um contingente de 500.000pessoas, as quais, somadas aos mais de 700.000 escravos libertados, do a dimensonumrica dos efeitos da chamada Lei urea. A instituio desmoronava, em 1888, pormatingia ainda a muita gente.

    3- Terceira Etapa: Abolio da Escravido: Uma Campanha Popular

    Aps 1871, houve um grande refluxo do movimento anti-escravista. Era como ocaminho da emancipao gradual satisfizera a todos e que se confiasse no mesmo. Apenasem 1879, no incio da sesso parlamentar, o tema volta a ser discutido levado por umdeputado baiano, professor da Faculdade de Medicina da Bahia e abolicionista, Dr.Jernimo Sodr. A tnica do discurso a denncia da lei de 1871 como uma reformavergonhosa e mutilada . A sociedade brasileira estaria vivendo sobre um vulco e aosliberais caberia ir alm do trabalho dos conservadores e declarar nao que todos osbrasileiros se eram cidados, deviam ser livres. Conclui seu discurso com um apelo para aextino total e rpida da escravatura.25

    Nesta terceira fase, em que se caracteriza o movimento popular pela Abolio, soadotadas trs vias: a) a via parlamentar, legal; b) a Campanha Popular, propriamente dita,atravs da edio de jornais, da criao de Sociedades Abolicionistas, revivendo uma,congregando outras, da agitao atravs da promoo de Encontros, Conferncias Pblicas,Congressos, eventos, Quermesses, no s com a finalidade de manter vivo o debate sobre aAbolio como para angariar fundos e realizar libertaes de escravos; e c)a ao direta,atravs do incentivo fuga dos escravos e mesmo, a libertao de bairros inteiros, cidadesinteiras, provncias inteiras, tanto por alforria paga, como gratuita. Estas trs fases, por suavez, comportam duas concepes para a extino do instituto da escravido: o

    emancipacionismo e o abolicionismo, como analisaremos a seguir:A - O Emancipacionismo.

    Em 1880 Joaquim Nabuco apresenta um projeto de extino da escravido. So osseguintes os pontos principais do projeto: Cessao imediata da compra e venda de cativose em conseqncia, fim do trfico interprovincial; As associaes organizadas paraemancipar escravos receberiam terras, para o estabelecimento de colnias de libertos;Proibio da separao das mes de seus filhos, para serem alugadas como amas-de-leite,como criadas ou outro fim; Libertao imediata dos escravos mais velhos, doentes, cegosou comprovadamente nascidos na frica (veja-se que, mesmo que fossem recm-nascidosao chegar aqui, as vtimas do trfico ilegal, ingressados a partir de 31, j estariam, naquela

    data, com pelo menos 50); Os irmos mais velhos dos ingnuos seriam libertados emdois anos; Proibia-se o uso de ferros, correntes, bem como qualquer forma de castigocorporal; O ensino primrio seria estabelecido, para os escravos, em todas as vilas ecidades, com os proprietrios sendo obrigados a enviar todos seus escravos e ingnuos paraas escolas, a fim de que adquirissem um conhecimento de leitura, escrita e de princpiosde moralidade. Nabuco faz um pedido de urgncia para conseguir a discusso de seuprojeto ainda no ano de 80 mas o mesmo rejeitado e h uma intensa reao em contrrioao projeto. Tampouco conseguiu inserir alguns artigos antiescravistas na lei de oramento.Derrotado, o movimento anti-escravista toma a via da propaganda.

    Ainda em setembro de 1880, Nabuco cria a Sociedade Brasileira contra a

    Escravido. A Sociedade lana um Manifesto de grande repercusso e busca divulg-lo,inclusive fora do pas, em busca de apoio. Em 1 de novembro, cria-se o jornal

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    Abolicionista , tambm para efeito de propaganda. Outros jornais e SociedadesAbolicionistas vo sendo criadas, no s no Rio de Janeiro como em todo o Pas.Assumem a liderana da Campanha, ao lado de Nabuco, Jos do Patrocnio, atravs daGazeta da Tarde; Andr Rebouas, Joo Clapp, e outros. Tem incio um perodo de intensa

    agitao popular do tema e a atividade se vai espalhando por outras cidades e provncias.No debate as diversas alas do movimento se vo demarcando, desde a de Nabuco,

    mais voltado a influir no Parlamento e at no exterior, enquanto que Patrocnio e Ferreirade Menezes se dirigiam s camadas mdias. J Andr Rebouas, negro, engenheiro eprofessor da Escola Politcnica, se torna o idelogo do movimento; dirige-se aosestudantes, produo de material de fundamentao, sendo de grande influncia as suasproposies de sistemas alternativos ao escravismo inclusive na Corte, junto ao Imperador.Em 1883 criada a Confederao Abolicionista, que pretende unificar a ao das demaisassociaes.26e27

    O movimento social fora do Parlamento cresce cada vez mais. Em novembro de

    1882 h uma grande revolta de escravos em So Paulo. Inicia-se um movimento pelaemancipao nas provncias do Norte e Nordeste do Brasil. No Cear, os jangadeirosfecham o porto, em greve, impedindo a continuao do trfico de escravos para o Sul, em1880; conflitos freqentes se davam diante de tentativas de exportar escravos para o Sul,ate que, em 1883, tem incio um programa sistemtico de libertao no Cear, com apresena de Jos do Patrocnio, culminando em 25 de maro de 1884 com a declarao deque no Cear no havia mais escravos. Processos semelhantes se passam no Amazonas,em vrias cidades do Rio Grande do Sul e tentado, mas sem xito, na cidade do Rio deJaneiro, onde se faz uma grande comemorao dos acontecimentos do Cear. Nestemomento o abolicionismo tem grande prestgio, tendo Patrocnio sido eleito vereador dacidade do Rio de Janeiro.

    A discusso no Parlamento fica interrompida at 1884. Em 1881 aprovada aReforma Eleitoral que consegue, ao propor e conseguir a eleio direta, reduzir o nmerode votantes no Brasil de 1.100.000 a 171.000 - prodgio liberal de Rui Barbosa em favor dovoto de qualidade. Por conta desta, e da reao conservadora contra o movimentoabolicionista, no s Nabuco perde a cadeira no Parlamento, como os escravistasconquistam grande maioria.

    Em 1884 o Gabinete Liberal, sob o comando do Senador Dantas, retoma o tema daemancipao gradual, num projeto que, segundo consta, foi elaborado por Ruy Barbosa.Segundo o parecer do prprio Ruy, pretendia-se a extino gradual da escravido atravsde 5 maneiras: a idade do escravo; por omisso de matrcula; atravs do fundo deemancipao; por transgresso do domiclio legal do escravo. Era o projeto para a Extinodo Elemento Servil, que acaba conhecido como a Lei dos Sexagenrios.

    Neste aspecto, em vista da chamada gradualidade, estabelece que o escravo de 60anos e mais adquire ipso facto a liberdade. Esta providncia, aliada liberdade dosnascituros existente na Lei do Ventre Livre e a desvalorizao do escravo segundo seaproxime desta idade limite, pretendia-se que deveria dar conta da extino da escravidoem um prazo que seus autores esperavam de 13 ou 14 anos. Para tanto, manda fazer novamatrcula dos escravos, tendo como base a matrcula decorrente da Lei do Ventre Livre;estabelece um valor a cada escravo, decrescente segundo a idade registrada, com mais umpercentual de desvalorizao anual de 5%.

    Prope como medida complementar o aumento do Fundo de Emancipao, pelacriao de novos impostos a ele destinados visando a compra de alforrias. Estabelece o

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    domiclio do escravo, de modo a impedir sua venda de uma Provncia para a outra e cria,por outro lado, uma legislao do trabalho, que prev um domiclio fixo para o liberto noinferior a 5 anos, ao lado de medidas em duas direes: controle policial da liberdade de ire vir do liberto, durante este perodo; e proteo ao trabalhador, em termos da criao de

    juntas de trabalho, para fixar valor do salrio e obrigar o comprimento do contrato, no spelo patro como tambm e, principalmente, pelo liberto (operrio industrial ou rural).

    Por fim, nas Disposies Diversas, previa (pargrafos 14 e 15), a criao deColnias Agrcolas para os libertos que no pudessem empregar em estabelecimentos ecasas particulares, onde tambm podiam ser admitidos ingnuos, prevendo a gradualconverso do foreiro ou rendeiro do Estado em proprietrio dos lotes de terras queutilizassem a ttulo de arrendamento.

    O projeto, e em especial a no previso de indenizao para os proprietrios dossexagenrios libertados, encontra grande oposio no Parlamento, acabando por provocar adissoluo da legislatura e a convocao de novas eleies, em que os abolicionistas so

    derrotados.B - O Abolicionismo.

    A posterior votao da Lei Saraiva-Cotegipe Lei dos Sexagenrios, que sepretendia sucessora do projeto de 1884 mas que rechaada pelos abolicionistas radicais,marca a virada e a radicalizao final do processo abolicionista. A partir da, os fatos sesucedem, e os que eram meramente emancipacionistas se tornam abolicionistas. J sediscute claramente a abolio sem indenizao da propriedade escrava; os escravos fogemem massa abandonando as fazendas (principalmente em So Paulo), descendo a Serra doMar em direo ao quilombo do Jabaquara, em Santos, com apoio de vastos setores dapopulao; o Exrcito passa a se recusar a perseguir negros fugidos; os trabalhadores da

    estrada de ferro - negros livres ou imigrantes italianos - escondem e transportam negrosfugidos. Fala-se em desagregao do sistema escravocrata.

    Reprova-se , no projeto aprovado, a clusula de servios dos escravos maiores de60 anos, o que comove a opinio pblica. De outro lado, aumentam as manumisses ecidades e bairros inteiros so libertados com recursos levantados em quermesses, festas,etc. Antnio Prado, cafeicultor paulista da zona de expanso, adere campanhaabolicionista em favor de uma maior entrada de imigrantes e sua utilizao massiva emsubstituio mo de obra escrava.

    Ex-Secretrio da Agricultura de So Paulo, ele assume a mesma pasta no Gabinetede Cotegipe e consegue que um tero dos recursos advindos do novo imposto geral

    previsto na Lei de 1884 seja dirigido para o financiamento da vinda dos imigrantes, e queoutro tero seja utilizado para a libertao em bloco de escravos de uma s propriedadecujos proprietrios concordassem em transformar a mo de obra escrava em mo de obralivre e assalariada. Antnio Prado passa, assim, a trabalhar para o convencimento de que amo de obra livre mais rentvel que a mo de obra escrava.

    Cada incidente novo era agitado pela imprensa abolicionista e repercutia noParlamento, como o incidente que resultou na abolio da pena de aoites - a partir damorte de dois escravos condenados a 300 aoites cada um, - o que se considera, no semrazo, como sendo o prprio final da escravido, uma vez que acabava com o instrumentomaior de coero para o trabalho compulsrio, que era o medo ao castigo fsico.

    Por fim caberia dar nfase no papel de Antnio Bento e seu grupo Os caifazes,que, ligado Irmandade de N. Sra. do Rosrio de So Paulo e atuando no que se chamou

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    ao direta, se destaca no perodo de maior represso as fugas e formao de quilombos(em especial o de Jabaquara, em Santos, S.P.), deflagrado pelo Gabinete conservador doBaro de Cotegipe, deflagrado a partir da aprovao da Lei de 1885, com mortes erepresso a movimentos de rua.28

    V - O final - Como apreender o clima?

    As propostas de extino da escravido, mesmo aquelas feitas pelos abolicionistasradicais, tinham em vista uma estratgia gradual de extino para, no jogo da negociaopoltica, avanar conquistas em troca de prestao temporria de servios. Ao mesmo, duascorrentes de opinio corriam em paralelo: os que propugnavam um conjunto demodificaes modernizadoras da sociedade brasileira e outra conservadora, que pretendia amanuteno do status quo. O que interessante que parecem estar a monarquia (e seus

    interesses) descolada momentaneamente dos conservadores e passageiramente aliada dosabolicionistas. Os abolicionistas tanto eram liberais como conservadores, monarquistas erepublicanos. Lembrar ainda que o manifesto republicano, lanado em 1870, era totalmenteomisso sobre a questo da abolio da escravatura.

    Neste processo, influram fortemente as doutrinas liberais do final do sculo, omodelo norte-americano e ingls e as vicissitudes da democracia na Frana. Monarcailustrado, D. Pedro II, amigo dos romnticos franceses, era fortemente influenciado pelaspresses da opinio pblica internacional. Nabuco tinha como uma das linhas de suaatuao o contato com Sociedades Abolicionistas da Frana e Inglaterra, tentando econseguindo, por fim, o apoio do Vaticano. Veja-se que a Igreja brasileira no s omissa

    durante toda a Campanha Abolicionista como escravista e mantm escravos.Vai-se formando uma opinio pblica interna, a partir dos movimentos populares

    em torno da libertao, da retirada em massa dos escravos das fazendas do Sul ordeira epacificamente, e do grande debate pblico que se arma. Tudo isto solapa a possibilidadede esticar por mais tempo a instituio, que desaba pedao por pedao. Aps a entrada emvigor da Lei dos Sexagenrios, vrios projetos no Parlamento retomam o tema da extinoda escravido, como conseqncia do prprio crescendo do movimento popular, propondoe aprovando medidas que apressam o seu final.

    Em 1885, projeto de Joo Penido pe em discusso a Lei de 1835 de represso aoscrimes dos escravos. Em 1886, o Senador Dantas (Bahia) prope a libertao dos escravos

    para da a 5 anos - portanto, para 1991. Face grande repercusso alcanada pela morte dedois escravos aps aplicao de aoites no Rio de Janeiro, reinicia-se a discusso sobre aaplicao destas penas especiais para os escravos. Dois projetos a respeito soapresentados, at que, em outubro de 1886, aprovada lei que extingue os efeitos do artigo60 do Cdigo Penal e a pena de aoites.

    Em 1887 o clima j era to diverso que o prprio Dantas apresenta outro projeto,encurtando o prazo previsto no projeto do ano anterior. Toma como prazo dezembro de1889 - tendo como marco o ano do Centenrio da Declarao dos Direitos do Homem. Oprojeto retoma as Disposies Gerais de seu projeto de 1884, inspirao de AndrRebouas, prevendo o estabelecimento de Colnias Agrcolas para os libertos e osingnuos, que seriam futuros donos das glebas de terra que cultivassem. No ano de 1887 sedo grandes conflitos, mormente em So Paulo. O ministro Cotegipe, atravs do seu chefede polcia, reprime duramente a chamada ao direta dos abolicionistas, chegando a

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    quase suspender as garantias constitucionais na provncia visando frear o movimento edestruir o reduto de Cubato. Ainda em 1887 mais dois projetos so apresentados: o doSenador Taunay, que antecipa para 25 de dezembro de 1889 o final da escravido, masvinculando os escravos a mais um ano de servios; o segundo, de Floriano Godoy,

    extingue a escravido na data da lei, mas com previso de servios por mais 3 anos - o quesignificaria levar a escravido ate 1890.

    O ano de 1888 comea com uma grande expectativa em torno do tema. A princesaRegente, no bojo de uma crise, substitura o Gabinete do Baro de Cotegipe, chamando aJoo Alfredo, tambm conservador, para substitu-lo. Segundo Evaristo de Morais, haveriaum acordo de Joo Alfredo e Antnio Prado para a extino da escravido. Antnio Prado chamado para ser o Ministro da Agricultura e a ele solicitado que apresente um projetopara a Abolio. Tambm do lado liberal, havia expectativa forte para aquele ano, com adiscusso do projeto Dantas acima referido e com a presena de Nabuco, reeleito, noParlamento.29

    A iniciativa da ao parte do trono. A extino da escravatura includa comopauta para o Parlamento na fala do trono apresentada em 03 de maio de 1888, na aberturados trabalhos parlamentares . So os seguintes os termos:

    .................................................................................................................................

    A extino do elemento servil, pelo influxo do sentimento nacional e dasliberalidades particulares, em honra do Brasil, adiantou-se pacificamente de tal modo, que hoje aspirao aclamada por todas as classes, com admirveis exemplos de abnegao daparte dos proprietrios.

    Quando o prprio interesse privado vem espontaneamente colaborar para que oBrasil se desfaa da infeliz herana, que as necessidades da lavoura haviam mantido,

    Confio que no hesitareis em apagar do direito ptrio a nica excepo que nele figura emantagonismo com o esprito cristo e liberal das nossas instituies.30(Senado Federal - AAbolio no Parlamento: 65 anos de lutas. Braslia, 1988).

    A Fala enuncia um completo programa para a extino da escravido, com todos osseus ingredientes: imigrao, crdito agrcola, incentivo industrializao, mas tambm amanuteno da ordem na transformao do trabalho. Quanto Reforma da Educao, nose enuncia nenhum programa amplo, massivo, de escolarizao da populao, nem seestabelece qualquer liame entre ele e a extino da escravido.

    Em funo da Fala do Trono, Antnio Prado chamado a elaborar o projeto deextino da escravido. No projeto havia um segundo artigo em que pretendia que os

    libertos permaneceriam em companhia de seus senhores por dois anos, trabalhandomediante mdica retribuio. Previa tambm medidas de represso mendicidade e vadiagem. Entretanto, ainda segundo Moraes, a presso da opinio pblica era tal quesequer se deu publicidade aos termos do projeto, que foi novamente redigido por FerreiraViana, que lhe teria dado a forma final.31

    O projeto apresentado no dia 8 e aprovado no dia 13 de maio. Durante a suatramitao a Cmara permaneceu sitiada pela populao do Rio de Janeiro. A tramitaofoi feita em regime de urgncia, levando 3 dias na Cmara e dois no Senado. Na Cmara, conduzida pessoalmente por Joaquim Nabuco, que, do Partido Liberal, apia a iniciativado Partido Conservador e do Trono, colocando a proposta como de interesse nacional,acima dos partidos:

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    duro para o partido liberal, Sr. Presidente, eclypsar-se neste momento em que sepassa uma verdadeira apotheose nacional. Mas, como eu disse, a culpa somente delle, aculpa somente nossa. Fomos ns que no acreditamos que a Abolio imediata pudesseser feita, embora hoje todos a achem fcil. No o acreditvamos ainda o ano passado!Faltou-nos f na idia e as idias querem que se tenha f nelas. Hoje, que a abolioimediata e incondicional apresentada pelo governo, todos dizem que ele no podia terapresentado outro projeto. a mesma do ovo de Colombo! Porque no a fizemos ns?Porque no a propusemos, sino porque estvamos divididos no nosso prprio partido?Quando se olha para a situao passada, excepto o ministrio abolicionista, o que resta detantos governos liberais? (...)

    Ns somos uma minoria nesta Cmara, no podemos subir ao poder pela escadadas reformas liberais porque no temos votos para faz-las; para derrotar o gabineteteramos, portanto, que unir-nos a alguma conjurao que surgisse no seio do prpriopartido conservador. Teramos que ser os aliados do escravismo e entraramos, porconseqncia, em combate com o mesmo vcio da impopularidade que hoje caracteriza opartido republicano, somente porque teve a fraqueza de aceitar, em vez de repelir, o

    concurso da escravido desvairada.Hoje, Sr. Presidente, a situao uma, no dia em que se fizer a abolio a situao

    ser outra: - uma raa nova vai entrar para a comunho brasileira.

    quando se entra na vida civil que se escolhe um partido. Isto aconteceu a cadaum de ns quase... E agora que a raa negra vai escolher o seu partido, vai dar o seucorao, se mostrssemos indiferena pela sua sorte ou preocupao exclusivamente de nsmesmos, eu tenho medo, Sr. Presidente, que a raa negra, que no fundo o povo brasileiro,se filiasse ao partido conservador acreditando que foi ele e no o partido liberal senoquem mais concorreu, quem maior alegria teve na sua liberdade.

    Sinto-me bastante fatigado, Sr. Presidente, mas creio ter dito bastante a favor da

    poltica abolicionista do gabinete, para ter o direito de exigir que este execute a lei com alealdade que nos deve a ns que o auxiliamos, com a deve a si mesmo. (...) Pois bem, nomodo de apressar a passagem do projeto nas duas Cmaras e depois no modo de executar aLei que S. Exa. poder fixar para sempre no seu nome essa glria que hoje adeja em tornodele.32

    Como se v, Nabuco reconhecia a impotncia do Partido Liberal em passar suaspolticas, e mais, como esta conscincia fizera com que os liberais se auto-limitassem naspropostas. Ele prope o apoio iniciativa do Gabinete ao qual fazia oposio, em vista daproposta inesperada de uma abolio imediata e incondicional, deixando para a legislaoposterior as garantias de qualidade de vida do ex-escravo.

    possvel perceber, pelo tom do discurso, que havia resistncias no PartidoLiberal em apoiar a iniciativa do Partido Conservador, o que poderia dificultar ou atretardar a aprovao da medida. A estratgia de Nabuco, por ele explicitada no final de seudiscurso : 1. apoiar a iniciativa, aprovando a lei proposta; 2. faz-lo no menor espao detempo possvel, de modo a no dar lugar a novas protelaes, criando o clima da urgnciacom o apoio da imprensa e das manifestaes populares (segundo o testemunho deEvaristo de Moraes, a Cmara esteve sitiada pela multido durante toda a tramitao doprojeto); 3. seguir sustentando o ministrio, para que se realizasse o mais breve possvel aexecuo da Lei aprovada. E, a partir da, Nabuco assume a liderana do processo dentroda Cmara, de modo a remover todos os impedimentos, inclusive os regimentais, fazendocom que a Lei fosse aprovada em 2 dias, subindo de imediato ao Senado, onde tambm o

    foi em igual prazo.

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    No Senado, dois discursos merecem destaque: um do Baro de Cotegipe, exprimeiro ministro conservador que comandou a represso s fugas dos escravos em S.Paulo. O outro, do Senador Dantas, abolicionista liberal cujo projeto de Abolio ficaprejudicado pelo projeto. Cotegipe chama a ateno para os prejuzos e dificuldades que

    viro:... a extino da escravido, que ora vem neste projeto, no mais do que o

    reconhecimento de um fato j existente. Tem a grande razo, que reconheo, de acabar comesta anarchia, no havendo mais pretextos para tais movimentos, e para ataques contra apropriedade e contra a ordem pblica. Eis como considero a vantagem do projeto (...)

    (...) tenho algum conhecimento das circunstncias da nossa lavoura, especialmente dasprovncias que citei em princpio; e afiano que a crise ser medonha; escaparo donaufrgio muitos, uns que j esto munidos de salva-vidas; outros, que no meio donaufrgio, apanharem alguma tbua, em que se salvem; outros, finalmente, que lucraro,quando o navio vier dar costa. Mas a crise h de ser grande (...)

    Se esta a minha convico a respeito dos proprietrios ou, na phrase de um amigo... asorte dos lavradores...; si esta a sua sorte, pergunto (e agora entro em cheio no mar dacaridade e da philantropia) qual a sorte dos libertados, quais os preparativos para queaquelles que abandonarem as fazendas tenham ocupao honesta? Qual a sorte dos500.000 ingnuos, que esto sendo alimentados, vestidos e tratados pelos respectivosproprietrios em suas fazendas? Acompanharo as mes e os pais? Mas, os que no ostiverem, seguiro a mesma sorte? Os proprietrios continuaro a sustentar maior nmero deingnuos de que de escravos?33

    O Senador Dantas, abolicionista, regozija-se com o projeto: Nada derecriminaes, nada de retaliaes. Procura ressaltar a importncia da medida para ofuturo do Brasil:

    O desaparecimento de 600.000 criaturas escravas no produzir a nossa runa, antesaumentar a nossa prosperidade e o engrandecimento do Brazil, graas ao trabalho livre, aotrabalho nobilitado, o que no s levantar os crditos da nossa ptria, como attrahir parans o estrangeiro, que encontrar no solo fecundo e ubrrimo deste pas certas einexcedveis vantagens. 34

    Aprovada a lei, dois projetos so depois apresentados: ambos prevem aindenizao dos ex-proprietrios dos escravos e medidas de controle do trabalho. O doDeputado Coelho Rodrigues pretende a autorizao da utilizao do saldo do Fundo deEmancipao pelo governo para a fundao de asilos de menores e invlidos e aoestabelecimento de colnias agrcolas ou fabris. Tambm o Baro de Cotegipe, cogita daaplicao do Fundo de Emancipao, mas para fim exclusivo da indenizao dos ex-proprietrios, em seu projeto apresentado em junho de 1888.35 Os projeto no foramaprovados.

    VI - Reflexes finais: o Aprendizado da luta.

    Este texto pretende ter demonstrado haver um processo de aprendizagem ao longodo processo de luta pela liberdade civil no Brasil, que afinal demorou mais de um sculo.Os negros - escravos, libertos, livres participaram do processo; a luta por liberdadeformou lideranas e conquistou aliados at obter a hegemonia da reforma do trabalho no

    Brasil.

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    Na nossa opinio, os abolicionistas tinham projetos para a Abolio e o Ps-Abolio que no se excluam uns aos outros. Havia vrios projetos para acabar aescravido em andamento: O primeiro deles, do escravo: libertao j, atravs da fuga, darebeldia, da insurreio, do trabalho rduo para conseguir economizar trocados para chegar

    a alforria; neste caminho, o aprendizado das caixas comuns, as juntas de alforria, e otraado de estratgias: primeiro, a compra de sua mulher, para que os filhos nascessemlivres; depois, juntos trabalhavam para a compra do marido. O segundo projeto era doabolicionista radical, como os caifazes, que trabalhavam na ao direta, no incentivo afuga; dos abolicionistas engajados na campanha popular, na denncia, na propaganda, nadiscusso, na formao de uma opinio pblica contraria a escravido, no angariar fundos,na libertao de cidades, de bairros, de provncias.

    Havia tambm o projeto do emancipacionismo, que pregava um caminho dagradualidade, da auto compra da liberdade. J o projeto do proprietrio, conservador, quehavia investido dinheiro na compra do escravo, era pela mxima protelao: considerava a

    abolio a desorganizao do trabalho, o socialismo, um assalto sua propriedade e instituio da escravido - de que, alis no tinha culpa, j a havia herdado, no foi elequem criou. Pretendia a indenizao dos escravos libertados.

    Por fim, o projeto do governo, que segue, mais ou menos, a filosofia de D. Joo VI:Meu filho, faamos antes que outros faam. Os projetos transformados em lei so deiniciativa do governo em momentos em que os conservadores estavam no poder, contraporm aproveitando em parte o projeto dos liberais abolicionistas. Sempre menos do que opouco pedido, negociando sempre para baixo, at que se encontra a sada - a forma detransformar o trabalho, de capital, em insumo; a consolidao do capitalismo, do trabalhoassalariado, a imigrao barateadora e garantidora de mo de obra, a modernizaoconservadora, a manuteno do latifndio.

    Ao fazer a cronologia final dos projetos que tramitaram no parlamento, ficademonstrado que mesmo os abolicionistas mais radicais no tinham em mira uma abolioimediata e sem indenizao como se deu em 1888 (apesar de incompleta, vez quedesacompanhada de outras medidas de integrao do ex-escravo). Assim, todos os projetosmais ou menos previam a extino em 1890/94. Retomava-se uma idia de que no sepoderia comemorar os 100 anos da Revoluo Francesa e em especial da Declarao dosDireitos dos Homens existindo escravido no Brasil; ou por outra, que era impossvelchegar ao sculo 20 mantendo uma instituio to poucocivilizada.

    Portanto, a abolio no Brasil gradual, violentamente gradual. violentamentegradual pela enorme extenso de tempo que demora, pela longa espera, pela dvida de sechegar, quando e para quem, pelos compromissos que cria, pela dureza da represso deoutros caminhos que no este para os escravos e seus aliados. violenta no debate. Assim,embora no chegue a assumir caracterstica de guerra civil, violento no quotidiano dasubmisso ao dono, no trabalho compulsrio, na coero diria, na espera sem esperanaou pelo menos, na esperana sem horizonte.

    Os abolicionistas tinham, tambm, projetos para a educao dos escravos e doslibertos. O primeiro deles, que j citamos, Joaquim Nabuco, que em seu projeto de 1880pretendia a educao dos escravos. Andr Rebouas prope a criao, em cada EngenhoCentral, de uma escola primria; Patrocnio, enquanto Vereador do Rio de Janeiro,apresentou projeto para educao dos libertos, proposto por Andr Rebouas. Ruy Barbosa

    apresenta o Parecer/Projeto de Reforma da Educao brasileira, em 1882; embora o projetos se limitasse ao Municpio Neutro, uma vez que o ensino primrio estava a cargo das

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    Provncias, era um projeto amplo, levando em conta as ltimas discusses em pedagogia,em que defendia a interveno do Estado em Educao, obrigatoriedade, dentre outrascoisas. S que ele no se referia educao dos escravos. Refere-se sempre aos livres,quando faz suas estatsticas; apenas chama a ateno de que o nmero dos livres tende

    sempre a aumentar. No vincula o seu projeto a extino da escravido: seu projeto, queprev inclusive a educao obrigatria, faz apelo civilizao. Ruy Barbosa tem emvista um Projeto Civilizatrio, via educao, para a Sociedade brasileira, desde o seuposicionamento com relao ao voto de qualidade na Reforma Eleitoral, em que defende aexcluso do analfabeto da cidadania ativa.

    A anlise deste material - discursos parlamentares, projetos de lei, etc. - nospermitiu enxergar o papel do parlamento no final da escravido. Escolhida a viaparlamentar para realizar a extino do escravismo, a ao abolicionista se torna cada vezmais eficaz na medida em que capaz de usar o Parlamento como caixa de ressonncia,discutindo fatos acontecidos, e atuando sobre a opinio pblica de tal modo que esta fosse

    radicalmente modificada a ponto de gerar um movimento social de libertao dos escravosque influsse at nos seus proprietrios - temerosos de perd-los por fuga ou rebelioaberta. Esta forma de atuao provoca, por fim, uma onda de solidariedade pblica quefacilita as fugas, que ajuda a esconder escravos fugidos, que faz com que os juzes baixemos preos das avaliaes dos escravos para alforria. O Abolicionismo consegue obter ahegemonia no processo, ou seja, a adeso voluntria sua direo.

    Assim, a Abolio no foi resultante de uma ddiva da realeza ou de um sentimentohumanitrio que chega ao parlamento. Pergunta: que teria feito com que os proprietrios deescravos no tivessem defendido o escravismo com armas na mo. Assim, se conclui quea Abolio o golpe final em uma instituio j decadente. S premidos pelo movimentopopular e pela quase insurreio dos escravos de S. Paulo que aceita a Abolio.

    O projeto dos abolicionistas para o ps-abolio passava pela Reforma daEconomia (a Democracia Rural de Andr Rebouas), por um Projeto de Lei de Terras,defendido por Ruy Barbosa,36ou por um projeto de construo da nacionalidade e de umpovo, como queria Joaquim Nabuco, que no o conseguiram aprovar. O fato que a suaao pela via parlamentar estava limitada pela sua capacidade de serem votados e, a partirda Reforma Eleitoral de 188237, passam a ser sempre minoria - o que reconhecido porJoaquim Nabuco no seu discurso do acima transcrito.

    Teriam infludo na apresentao do projeto da Lei urea na Fala do Trono: a) aconverso de Antonio Prado convenincia do trabalho livre; b) o crescimento domovimento popular, particularmente em Rio e So Paulo, mais prximos Corte e,portanto, repercutindo mais na opinio pblica. Antonio Prado e Joo Alfredo, naapresentao do projeto, assim o justificavam: As condies do pas eram de tal ordemque nenhum governo seria capaz de resistir exigncia da libertao dos escravos.

    Concordamos que, na formao de sua contra-hegemonia, o abolicionismounificou os grupos mais diversos e deu expresso aos interesses mais variados. Aconvivncia de amplos setores da sociedade permitiu s camadas populares e aos escravosse mobilizarem na luta contra a escravido. Foi essa mobilizao que levou a aprovaoda Lei urea , como diz Emlia Viotti. Para ela, esta foi, como bem registrou um

    jornalista do tempo, uma vitria do povo e, poderamos acrescentar, uma conquista dosnegros livres e escravos. Ela entende que a histria fixou apenas a ao parlamentar e as

    leis abolicionistas - da, o esquecimento da ao popular.

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    No entanto, o ps-abolio no correspondeu s expectativas dos abolicionistas.Diversos autores se referem a uma queda na qualidade de vida dos ex-escravos, o que podeser reforado pela presena de fortes movimentos sociais na Bahia nas duas primeirasdcadas do sculo XX dirigidos a uma luta contra a carestia. A sociedade brasileira

    reverteu para as regras que haviam sido ameaadas pela experincia abolicionista emilhes de brasileiros, descendentes dos escravos continuaram vivendo de formasemelhante aquela em que viviam sob a escravatura, dado indigncia a que foramlanados. A abolio da escravatura no criou as condies para que os antigos escravospudessem alcanar a igualdade, a cidadania plena.

    REFERNCIAS

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    AZEVEDO, Clia Marinho de - Onda negra, medo branco - o negro no imaginrio daselites. Sec. XIX. - So Paulo, Brasiliense.

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    NOVAES, Fernando - Estrutura e dinmica do antigo sistema colonial. Brasiliense, SoPaulo, 1986.

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    SODR, Nelson Werneck, - As razes da Independncia - Civilizao Brasileira, Rio deJaneiro, 1978.

    VALCRCEL, Daniel - La Rebelin de Tupac Amaru. Mxico/Buenos Aires, Fondo deCuLtura Econmica, s/d.

    ANEXO - A LEGISLAO ABOLICIONISTA. QUADRO RESUMO

    1. Lei Eusbio de Queiroz, de 7 de Nov. de 1831: Declara livres todos os escravos vindosde fora do Imprio e impe penas aos importadores de escravos. Os escravos achados seroreexportados.Os importadores incorrem em pena do Cdigo Criminal (crime comum), a

    ttulo de reduzir a escravido pessoa livre. Caracteriza o importador e estabelece multas epenalidades.Veda a qualquer homem negro, livre ou liberto desembarcar no Brasil, sobpena de reexportao. O produto das multas seria aplicado para as Casas de Expostos daProvncia onde se deu a apreenso da mercadoria.

    2. Lei 531, de 4 de Set. de 1851: Estabelece medidas para a represso do Trfico deAfricanos. Tipifica o crime como de pirataria. Caracteriza como criminosos todos os quede alguma forma concorram para ele. Aumenta a participao nos prmios pela captura.Aumenta o controle sobre os servios dos Africanos Livres, que no podem mais sercedidos a particulares. Estabelece como justia competente a Auditoria da Marinha, emprimeira Instncia, e o Conselho de Estado (rgo consultivo do Imperador) em segunda.

    3. Lei 2040, do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871: Declara de condio livre osfilhos de mulher escrava que nascem a partir desta data, liberta os escravos da Nao e

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    outros, e providencia sobre a criao e tratamento daqueles filhos menores e sobre alibertao anual de escravos. Forma de criar: at os 8 anos de idade, em poder e autoridadedo senhor da escrava; a partir da, o senhor tem como opo receber indenizao e entregarao Estado, ou usar os servios do menor at 21 anos; o excesso de castigos faz cessar

    servios. Ao governamental optativa. O Governo poder entregar a associaesparticulares os ingnuos cedidos ou abandonados pelos senhores; estas associaes terodireito aos servios dos menores at os 21 anos, desde quando: criem e tratem dos mesmos,lhes constituam peclio e consigam colocao ao fim dos servios. O Governo poderretirar os menores e coloc-los em rgos pblicos criados para este fim. Legaliza formade emancipao por alforria. Cria Fundo de Emancipao e estabelece a periodicidadeanual para a libertao por este Fundo. Reconhece o direito do escravo a constituir peclioe estabelece juntas de alforria para fiscalizao. Reconhece ao escravo direito a alforria pordiversas formas. Derroga a anulao de alforrias. Reconhece famlia escrava, que no podeser dividida. Declara Libertos: Os escravos da Nao; escravos dados em usufruto Coroa;das heranas vagas; abandonados por seus senhores. Todos os libertos ficam, durante 5

    anos, sob Inspeo do Governo. So obrigados a contratar servios, sob pena de seremconstrangidos a trabalhar em estabelecimentos pblicos, se vadios. Cria Matrcula Geraldos Escravos. Senhores so obrigados a registrar nominalmente cada escravo, declarandosua idade, filiao, origem, valor, sob pena de aquela pessoa ser declarada livre. Escravoscuja idade expressasse sua entrada no pas depois de 1831 era considerado livre.

    4. Lei 3270, Lei dos Sexagenrios, de 28 de Set. de 1885: Regula a extino gradual doelemento servil. Manda fazer nova matrcula de escravos; toma como base a de 1873, emespecial no que diz respeito a declarao da idade. Escravos cuja idade fora aumentadapara fugir aos efeitos da lei anterior seriam agora beneficiados com limite de idade paraescravido fixado. Estabelece tabela decrescente de valor do escravo, segundo a idade.

    Escravo mais velho, menor valor. Mulheres valem 25% menos que os homens. AmpliaFundo de Emancipao, criando taxa adicional de 5% sobre todos os impostos - exceto ode exportao. A taxa era destinada para: 1/3 - emancipar os escravos mais velhos; 1/3 -incentivar os proprietrios interessados a implantar o trabalho livre, pagando 50% do valorde todos os seus escravos. 1/3 - subvencionar a colonizao por imigrantes. Os escravosmatriculados perdem anualmente valor, numa tabela progressiva, at o limite de 12% em13 anos. So libertos os escravos de 60 anos de idade, completos antes e depois da Lei. Noentanto, os mesmos so obrigados a prestar 3 anos de servios. Dispositivo no se aplicaaos de mais de 65 anos. Senhor obrigado a manter e cuidar destes. Os libertos so ficadosdomiciliarmente por 5 anos, a contar da libertao. So estabelecidas medidas de controledo trabalho e punio da vadiagem.

    5. - LEI 3353, Lei urea, de 13 de maio de 1888: Declara extinta a escravido no Brasil.

    Notas:

    1Jaci Maria Ferraz de Menezes doutora em Cincias da Educao e professora Titular Plena de Histria ePoltica da Educao da Universidade do Estado da Bahia UNEB, Brasil. Leciona no Programa de ps-graduao em Educao e Contemporaneidade. [email protected] Papis Sediciosos da Revoluo dos Alfaiates. In Dias Tavares, Lus Henrique - Histria da Sediointentada na Bahia em 1798 (a Conspirao dos Alfaiates). Pioneira/MEC, So Paulo/Braslia, 1975.

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    3Valeria a pena fazer uma discusso, ainda que breve, da utilizao do vocbulo - quilombo - na Argentina,4Ver Morais, Evaristo - A escravido africana no Brasil. Braslia, 2a. Ed. Universidade de Braslia/INL.1986.5Ver relato detalhado em Robert Conrad, Os ltimos dias da escravido no Brasil.6Para uma discusso dos dois modelos de aquisio de mo de obra escrava na Amrica, ver MORNER,Magnus - Comprar o criar - Fuentes alternativas de suministro de esclavos en las sociedades plantacionistasdel Nuevo Mundo in Revista de Histria de Amrica, n 91 - Enero-Junio de 1981, Mxico.7Ver Perdigo Malheiro, A escravido no Brasil. Ensaio Jurdico e Social. Parte II, Cap. VII, VIII e IX. MEC

    / Vozes, Rio de Janeiro, Braslia, 1976. A lei no significou, entretanto, a extino da escravido dosindgenas, apenas a destruio do modelo jesutico. Ainda durante o final do sculo XVIII e parte do sc.XIX, houve escravido dos indgenas no Brasil, assim como guerras de extermnio contra vrias tribosindgenas, no que Perdigo Malheiro chama de terror.8Klein, Herbert - A escravido na Amrica Latina.9

    Clementi, Hebe - La abolicin de la esclavitud en Amrica Latina. La Pleyade, Buenos Aires, 1977.10Hebe, Clementi - No texto citado, se refere ao de um negro, nascido no Benin, que raptado aos 11anos e vendido como escravo nos EEUU; que compra a sua liberdade e vai viver na Inglaterra, aderindo aomovimento abolicionista. Em 1789, publica um livro, Interessante narrao da vida de Oloudah Equiano ouGustavus Vassa, um sucesso de pblico, com 5 edies em 5 anos; e, em 1790, apresenta ao Parlamentouma petio para a supresso do trfico.11Ver Barbosa, Ruy - Parecer sobre o projeto n 48-A. in Senado Federal - A Abolio no Parlamento: 65anos de lutas. Braslia, 1988.12Herbert, Klein - in IBGE, obra citada. Sobre os nmeros acima apresentados, o autor chama a ateno parao fato de que no foi possvel estimar o nmero de escravos entrados diretamente na Bahia, atravs docomrcio direto com a Costa da frica.13

    Segundo Perdigo Malheiro, o projeto de Constituio previa a liberdade dos indgenas e a aboliogradual da escravido dos negros. Ver obra citada. Tambm encontramos em Primitivo Moacyr projetos paraa obra educacional durante o Imprio no contemplados na Constituio outorgada, como por exemplo acriao de universidades no Brasil.14 A respeito, ver Nelson Werneck Sodr, As raes da Independncia - Civilizao Brasileira, Rio deJaneiro, 1978.15Para a anlise da sucesso dos atos legais, desde o combate ao trfego at a Lei urea, nos baseamos nacoletnea de legislao sobre a escravido no Brasil, publicada sob o ttulo Documentao Jurdica sobre oNegro no Brasil - 1808 a 1888 - pelo Governo do Estado da Bahia.16 Em 1820 e 1821, so estabelecidos os ordenados dos Intrpretes da Comisso Mista, dos empregadosportugueses da Comisso, do Juiz e dos rbitros da mesma. Se cria um lugar de meirinho para a mesma.

    17Segundo Ruy Barbosa, por clculos do Visconde do Rio Branco e Eusbio de Queiroz, entraram no Brasil,no perodo de 1831 a 1852 cerca de 500.000 escravos. Ver Parecer sobre o Projeto 48 a - in SenadoFederal, Abolio, 65 Anos de Luta.18 A respeito dos Africanos Livres, ver Florence, Afonso Bandeira, Nem escravos nem Libertos: osAfricanos Livres na Bahia. in Cadernos do Ceas, n 121, maio/junho de 1989.19 In Clementi, Hebe - Obra citada. Ver correspondncia entre o Brasil e o presidente dos EEUU antes daGuerra de Secesso.20Ver a respeito, Jlio Santana Braga, Sociedade Protetora dos Desvalidos - Uma Irmandade de Cor. Ianam,Salvador, Bahia, 1987.21Ver a respeito, Conrad, Robert - Os ltimos anos da escravido no Brasil.22

    Clementi, Hebe, obra citada.23Moraes, Evaristo de - Da Monarchia para a Republica (1870 -1889). Rio de Janeiro, Athena Editora, s.d.

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    24Em comparao com a lei argentina, por exemplo, a lei brasileira menos favorvel ao ingnuo; alm deestabelecer um perodo maior de servio do ingnuo ao senhor - 21 anos tanto para os homens como para asmulheres - no se preocupa com a formao de um peclio para o futuro cidado (exceo feita, na lei, aos

    menores entregues a associaes particulares para o seu cuidado, que podiam vender seus servios para a suamanuteno, desde que reservasse parte do valor para formao de um peclio ao menor, tendo tambm quepreocupar-se com uma futura colocao, quando completasse os 21 anos), nem com a posse de um peclio.25Ver a respeito, Conrad, Robert - Os ltimos anos da escravatura no Brasil - pg. 167 e nota 2 do captulo5. Tambm Evaristo de Moraes, obra citada, se refere a Jernimo Jos Ferreira e seu discurso comodeflagrador da Terceira e ltima fase da luta pela Abolio. Idem Emlia Viotti da Costa.26Evaristo de Moraes registra como importantes para a causa do abolicionismo: 1. A adeso da magistraturaque, a partir de certo momento, julga favoravelmente o reconhecimento da ilegalidade da escravido demilhares de pessoas, em Pernambuco, S. Paulo e Bahia; 2. A adeso do Club Militar que, em 1887, dirigecarta Princesa expressando sua repugnncia em perseguir escravos fugidos.27 Veja-se que, de maneira mais ou menos simultnea, Ruy Barbosa interfere em trs atos/projetosextremamente importantes e, a nosso ver, concatenados entre si: em 1879, depois aprovada em 1881, aReforma Eleitoral, que institui a Eleio Direta; em 1882, o parecer/projeto sobre a Reforma do EnsinoPrimrio e Instituies Complementares, arquivado; e em 1884, ademais de uma possvel autoria do projeto,ele escolhido relator da comisso de anlise do projeto, elaborado depois de decidida a dissoluo daCmara, justamente por causa do projeto. Pretendemos analisar, na parte trs deste captulo, de formaarticulada, os trs documentos, que consideramos e fundamental importncia no s para entender RuyBarbosa enquanto abolicionista, mas como representante de uma vertente do abolicionismo e mesmo comorepresentante de uma frao do Partido Liberal (alis considerada radical, ligado ao Senador Dantas) e, porfim, dada importncia de Ruy Barbosa, posteriormente, com a Repblica - quando chega a 1 Vice-Presidente durante o Governo Provisrio, conjuntamente com a Pasta de Ministro da Fazenda de Deodoro daFonseca.28A respeito, ver Evaristo de Moraes, obra citada.29Ver a respeito, Lus Anselmo da Fonseca - A Escravido, o Clero e o Abolicionismo.30Ver BRASIL, SENADO FEDERAL - A Abolio no Parlamento: 65 anos de lutas. Braslia, 1988, captulosobre o debate da Lei urea.31Moraes, Evaristo - Escravido Africana no Brasil, pg. 126.32Ver tambm BRASIL, SENADO FEDERAL - A Abolio no Parlamento: 65 anos de lutas. Braslia, 1988,captulo sobre o debate da Lei urea.33Idem, Ibidem.34Idem, Ibidem.35Estas so as nicas referncias ao destino do Fundo de Emancipao encontradas. Que ter acontecido comele aps a Abolio?36Ver Conrad, Robert, obra citada.37

    Em 1882 estabelecida a eleio direta, mas a exigncia do saber ler e escrever para a qualificao doeleitor exclui da cidadania ativa grandes massas da populao brasileira. O nmero de eleitores diminuidrasticamente: de 1.800.000 pessoas (eleitorado primrio na eleio indireta) para 400.000 eleitores diretos,deixando de votar os pobres e analfabetos.

    Artigo recebido em: 09/02/10

    Aprovado para publicao em: 13/04/10