32
FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS E DA SAÚDE DE JUIZ DE FORA CURSO: 5º MEDICINA DISCIPLINA: PSICOLOGIA PROFESSORA: LAURA BECHARA ABORDAGEM DO LUTO EM DIFERENTES CONTEXTOS Por Anmy Gil Ferreira Gabriela Morgana Guedes Cerqueira Leandro D’Ávila Martins Braga Lucas Cauneto Silveira Luiz Felippe Mokdeci Martins de Oliveira Raquel Franco Guedes Rita de Cássia Santana do Amaral Rodrigo Larcher Dias

Abordagem Do Luto Em Diferentes Contextos

Embed Size (px)

Citation preview

FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS E DA SAÚDE DE JUIZ DE FORA

CURSO: 5º MEDICINA

DISCIPLINA: PSICOLOGIA

PROFESSORA: LAURA BECHARA

ABORDAGEM DO LUTO EM DIFERENTES CONTEXTOS

Por

Anmy Gil Ferreira

Gabriela Morgana Guedes Cerqueira

Leandro D’Ávila Martins Braga

Lucas Cauneto Silveira

Luiz Felippe Mokdeci Martins de Oliveira

Raquel Franco Guedes

Rita de Cássia Santana do Amaral

Rodrigo Larcher Dias

03 de junho de 2013

1- INTRODUÇÃO

Ainda hoje a morte é vista como tabu cercada de mistérios e de crenças, e as

pessoas frequentemente não se encontram preparadas para lhe dar com o fim da

vida. A ocorrência de uma morte trágica e repentina tende a causar inúmeras

alterações na vida de uma pessoa, acarretando prejuízos e alterações

principalmente nos funcionamentos emocionais e cognitivos (Basso et al., 2011).

Nesse contexto se insere a experiência do luto que consiste na perda de algo

significativo que ocorre, por exemplo, no término de uma relação, de um projeto ou

de um sonho. É um processo dinâmico, individualizado e multidimensional (Fromm,

2011).

A morte, assim como o nascimento, faz parte do processo de vida do ser

humano, portanto, é algo extremamente natural do ponto de vista biológico.

Contudo, o homem caracteriza-se também pelos aspectos simbólicos, ou seja, pelo

significado ou pelos valores que ele imprime às coisas. Sendo assim, o significado

da morte varia no decorrer da história e entre as diferentes culturas humanas

(Combinato et al., 2006; Despret et al.,2011).

O medo da morte é a resposta psicológica mais comum diante da mesma,

sendo, portanto um sentimento universal e vital, pois ajuda o indivíduo a superar os

instintos destrutivos (Kovács, 1992). Esse medo está relacionado com a mutilação

do Ego e da identidade nova que se deve formar. A dor vivida na separação é a dor

narcísica, a dor na ferida do próprio ser. Esta se refere à forma como o sujeito situa-

se perante a perda. Ela revela um tipo de organização narcísica, que toma como

referência o sentido de onipotência do eu (Pinheiro et al., 2010).

É importante ainda comparar o afeto normal do luto à melancolia, segundo

Freud “o luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de

alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade

ou o ideal de alguém, e assim por diante. Em algumas pessoas, as mesmas

influências produzem melancolia em vez de luto; por conseguinte, suspeitamos de

que essas pessoas possuem uma disposição patológica.” (Pinheiro et al., 2010).

Para a efetivação do luto, os estudiosos Kubler-Ross e Bowlby propuseram

fases referentes a esse processo, possibilitando maior entendimento do assunto e

contribuindo assim para as estratégias terapêuticas frente ao enlutamento. É

interessante observar diferentes características envolvidas em determinados grupos

como profissionais de saúde, pacientes oncológicos, idoso, gestantes e familiares de

suicidas (Basso et al., 2011; Oliveira et al., 2008; Martins et al., 2010).

2- DESENVOLVIMENTO

2.1- O luto: as contribuições à Psicanálise

Na obra de Freud o enlutado mantém-se temporariamente num estado de

rebaixamento libidinal e sofrimento perante a morte ou a perda. O trabalho do luto

tem a função de elaboração e assimilação psíquica da perda, além de possibilitar a

separação com relação ao objeto perdido e o reinvestimento no outro (Pinheiro et

al., 2010).

O luto não é uma patologia, mas há um trabalho psíquico necessário, que o

mesmo realizará. Com a perda o objeto amado não existe mais, passando a exigir

que toda a libido seja retirada de suas ligações com aquele objeto. Essa exigência

provoca uma oposição, pois as pessoas não abandonam facilmente uma posição

libidinal, nem mesmo, quando já existe a possibilidade clara de um substituto. Essa

oposição pode ser tão intensa, que dá lugar a um desvio da realidade e a um apego

ao objeto por intermédio de uma psicose alucinatória carregada de desejo.

Normalmente, prevalece o respeito pela realidade, ainda que suas ordens não

possam ser obedecidas de imediato. São executadas pouco a pouco, prolongando-

se psiquicamente, nesse meio tempo, a existência do objeto perdido. Cada uma das

lembranças e expectativas isoladas, através das quais a libido está vinculada ao

objeto, é evocada, e o desligamento da libido se realiza em relação a cada uma

delas. É notável que esse penoso desprazer seja aceito por nós como algo natural.

Contudo, o fato é que, quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra vez livre

e desinibido (Freud, 1917, 249).

O luto normal consiste na perda consciente do objeto, enquanto no luto

patológico essa perda fica radicalmente inconsciente. Vivenciar a dor é uma

condição indispensável para o início do processo de luto, quando isto não ocorre o

luto pode complicar-se ou tornar-se patológico. O luto só é resolvido quando a

pessoa perdida não é esquecida, mas sim internalizada e tornada parte da pessoa

que sofreu a perda. Trata-se de um processo geralmente longo e trabalhoso, de

transição psicossocial, que busca a aquisição de uma nova identidade, no qual um

conjunto de concepções sobre o mundo, não fazem mais sentido e, portanto, devem

ser atualizadas para se adequarem à nova realidade (Domingos et al., 2003).

A imagem do ser perdido não deve se apagar; pelo contrário, ela deve

dominar até o momento em que – graças ao luto – a pessoa enlutada consiga fazer

com que coexistam o amor pelo desaparecido e um mesmo amor por um novo

eleito. Quando essa coexistência do antigo e do novo se instala no inconsciente,

podemos estar seguros de que o essencial do luto começou (Ireland, 2011; Nasio,

1997, p.168).

Neste contexto é importante distinguir o luto da melancolia. No luto prevalece

uma inibição da atividade do eu, uma “perda ‘temporária’ da capacidade de adotar

um novo objeto de amor. Já na melancolia, a perda do objeto toma outro destino. O

objeto perdido é o próprio motivo da condição trágica do sujeito, na medida em que

a ambivalência passa a assumir seu caráter violento na relação com o objeto,

retratando uma forma de reação à perda cujo destino é o empobrecimento subjetivo

(Pinheiro et al., 2010).

Segundo Freud (1917, p.249):

Também vale a pena notar que, embora o luto envolva graves

afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida,

jamais nos ocorre considerá-lo como sendo uma condição patológica e

submetê-lo a tratamento médico. Confiamos em que seja superado

após certo lapso de tempo, e julgamos inútil ou mesmo prejudicial

qualquer interferência em relação a ele. Os traços mentais distintivos

da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação

de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a

inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos

sentimentos de autoestima a ponto de encontrar expressão em auto-

recriminação e auto-envelhecimento, culminando numa expectativa

delirante de punição. Esse quadro torna-se um pouco mais inteligível

quando consideramos que, com uma única exceção, os mesmos traços

são encontrados no luto. A perturbação da autoestima está ausente no

luto; afora isso, porém, as características são as mesmas. O luto

profundo, a reação à perda de alguém que se ama, encerra o mesmo

estado de espírito penoso, a mesma perda de interesse pelo mundo

externo — na medida em que este não evoca esse alguém —, a

mesma perda da capacidade de adotar um novo objeto de amor (o que

significaria substituí-lo) e o mesmo afastamento de toda e qualquer

atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre ele. É fácil

constatar que essa inibição e circunscrição do ego é expressão de uma

exclusiva devoção ao luto, devoção que nada deixa a outros propósitos

ou a outros interesses. E, realmente, só porque sabemos explicá-la tão

bem é que essa atitude não nos parece patológica.

A melancolia pode constituir reação à perda de um objeto amado, o qual não

tenha realmente morrido, mas tenha sido perdido enquanto objeto de amor; ela

ainda é assinalada por um determinante que se acha ausente no luto normal ou que,

se estiver presente, transforma este em luto patológico. Em algumas situações

sentimos a necessidade de sustentar a crença de que uma perda dessa natureza

ocorreu; não vendo claramente o que foi perdido. Mesmo que o paciente esteja

consciente da perda que deu origem à sua melancolia, ele sabe quem ele perdeu,

mas não o que perdeu nesse alguém. Isso sugeriria que a melancolia está de

alguma forma relacionada a uma perda objetal retirada da consciência, em

contraposição ao luto, no qual nada existe de inconsciente a respeito da perda. As

causas da melancolia vão além da perda por morte, incluindo também situações de

desconsideração, desprezo ou desapontamento, que podem gerar sentimentos

opostos de amor e ódio, ou reforçar uma ambivalência já existente (Freud, 1917,

p.249).

No luto, verifica-se que a inibição e a perda de interesse são explicadas pelo

próprio trabalho do luto no qual o ego é absorvido. Na melancolia, a perda

desconhecida resulta em um trabalho interno semelhante. A diferença consiste em

que no melancólico a inibição é enigmática porque não podemos ver o que é que o

está absorvendo tão completamente. Na melancolia há ainda uma diminuição da

auto-estima, com o empobrecimento do ego em grande escala, o que está ausente

no luto. Neste, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio

ego. O paciente possui um ego desprovido de valor, incapaz de qualquer realização

e moralmente desprezível. Encontra-se degradado e sente compaixão por seus

próprios parentes por estarem ligados a uma pessoa tão desprezível. Não acredita

que tenha mudado e se refere ao passado, declarando que ele nunca foi melhor.

Esse sentimento de inferioridade, principalmente moral, é acompanhado pela insônia

e pela recusa a se alimentar, e ainda por uma superação do instinto que obriga todo

ser humano a se apegar à vida. Ele ainda se encontra desinteressado e incapaz de

amor e de realização quanto afirma, descrevendo-se como mesquinho, egoísta,

desonesto e carente de independência, alguém cujo único objetivo tem sido ocultar

as fraquezas de sua própria natureza. Trata-se do efeito do trabalho interno que lhe

consome o ego (Freud, 1917, p.249).

Freud dedicou seus estudos a definir a catexia como sendo um processo pelo

qual a energia libidinal disponível na psiquê é vinculada à representação mental de

um objeto. Uma vez que a libido foi catexizada, ela perde sua mobilidade original e

não pode ser alternada para novos objetos. Vale ressaltar que uma ou duas coisas

podem estar diretamente relacionadas com esse processo. Por um lado, uma forte

fixação no objeto amado pode estar presente; por outro, em contradição a isso, a

catexia objetal pode encontrar alguma resistência. Essa contradição parece estar

relacionada com a escolha objetal, a qual é efetuada numa base narcísica e ao se

defrontar com obstáculos, pode retroceder para o narcisismo (Freud, 1917, p.249).

2.2- A dor do amor e a dor psíquica

A dor do luto não é uma dor de separação, mas sim uma dor de ligação, ou

seja, o que dói não é separar-se, mas apegar-se mais do nunca ao objeto perdido.

Ocorre o superinvestimento do vínculo psíquico com o objeto (Nasio, 1997).

A dor psíquica é uma lesão do laço íntimo com o outro, uma dissociação

brutal daquilo que é naturalmente chamado a viver junto. Ocorre a cada vez que

ocorre um deslocamento maciço e súbito de energia. Assim o desinvestimento do eu

dói e o desinvestimento da imagem também dói. Existem diferentes estados

simultâneos da vivência da dor pelo eu: a) o eu que sofre a comoção; b) o eu que

observa a sua comoção; c) o eu que sente a dor, expressão consciente da comoção;

d) o eu que reage à comoção (Nasio, 1997).

Nesse contexto existem três mecanismos de ameaça ao sofrimento. O

primeiro se refere ao próprio corpo, destinado à decadência e à dissolução, o

segundo se relaciona com o mundo exterior, que dispõe de forças invencíveis capaz

de perseguir e aniquilar o enlutado. A terceira ameaça provém das relações com os

seres humanos, o sofrimento causado por esta ameaça é mais duro para o enlutado

do que para qualquer outro (Nasio, 1997).

A perda do objeto amado é usada por Freud para distinguir a dor psíquica da

dor da angústia. Enquanto a dor é a reação à perda efetiva da pessoa amada, a

angústia é a reação à ameaça de uma perda eventual, ou seja, é o pressentimento

de uma dor futura. Soma-se a isso uma concepção de saudade como sendo uma

lembrança triste e complacente de uma alegria e de uma dor passada (Nasio, 1997).

Outra questão importante se refere à perda de um membro do corpo,

ocasionando o fenômeno do “membro fantasma”. A pessoa amada é para o eu tão

essencial quanto uma perna ou um braço. Seu desaparecimento é tão revoltante

que o eu ressuscita o amado sobre a forma de um fantasma (Nasio, 1997).

O luto, o abandono, a humilhação e a mutilação são as quatro circunstâncias

que, se forem súbitas, desencadearão a dor psíquica ou a dor de amar (Nasio,

1997).

2.3- Luto Antecipatório

A forma com que a morte ocorre influencia diretamente no enlutado, seja na

intensidade ou na duração dos sintomas. Quando ocorre uma perda devido a

alguma doença degenerativa, ou uma morte natural e esperada, as pessoas

possuem um tempo maior para se prepararem e até se conformam mais

rapidamente com a partida do ente querido. O luto antecipatório é bastante

encontrado nesses casos, pois as pessoas passam a ter sintomas de raiva,

depressão, ajustes de papéis familiares e, de acordo com alguns estudiosos, são

facilitadores da vivência do luto. Já, com perdas súbitas, o processo de elaboração

do luto se torna mais complexo, pois tem o elemento surpresa, sem sinais, sem

indício algum (Basso et al., 2011).

Pacientes terminais sob o estigma da “sentença de morte” vivem o caos da

sua própria fragilidade e o contato com o seu fim. No caso das enfermidades graves

em que há um envolvimento com os cuidados do enlutado, há uma concepção do

processo antecipatório, ocorrendo o luto quando o ser ainda vive em virtude da

debilidade física e psíquica. O sentimento ambíguo, de temor e vontade de que a

morte venha aliviar o sofrimento é comum neste estado. Em alguns casos, a energia

psíquica é voltada para o doente durante longo período que pode causar um vazio

para seus familiares quando surge sua ausência. Parte destes sentimentos é

consciente, outros, mais dolorosos, permanecem inconscientes (Kovács, 1992; Tada

et al., 2007).

Analisando todo contexto, cada elemento que participa do luto precisa ser

ouvido e respeitado. Cada um destes possui pensamentos, sentimentos, valores,

princípios e crenças e se deve ter o cuidado para que isto não influa no tratamento

do doente afim deste não sofrer outro choque num momento tão crítico (Fonseca,

2004).

2.4- A Elaboração do Luto

2.4.1- Fases do luto segundo Elizabeth K ü bler-Ross

Para a efetivação do luto, Elizabeth Kübler-Ross, referência no assunto,

propôs cinco estágios: a negação e o isolamento, a raiva, a barganha, a depressão e

a aceitação. No primeiro estágio, a negação e o isolamento servem como um

mecanismo de defesa temporário, que alivia o impacto da notícia, uma recusa a

confrontar-se com a situação. Ocorre em quem é informado abruptamente a respeito

da morte; embora considerado o primeiro estágio, pode aparecer em outros

momentos (Basso et al., 2011).

A raiva, segundo estágio, é o momento em que as pessoas externalizam a

revolta que estão sentindo. Neste caso, tornam-se por vezes agressivos. Há também

a procura de culpados e questionamentos, tal como: “Por que ele?”, com o intuito de

aliviar o imenso sofrimento e revolta pela perda (Basso et al., 2011).

Já a barganha, percebida no terceiro estágio de reação à perda, é uma

tentativa, de negociar ou adiar os temores diante da situação; as pessoas buscam

firmar acordos com figuras que segundo suas crenças teriam poder de intervenção

sobre a situação de perda. Geralmente esses acordos e promessas são

direcionados a Deus e mesmo aos profissionais de saúde que a acompanham

(Basso et al., 2011).

A depressão, quarto estágio, é divida em preparatória e reativa. A depressão

reativa ocorre quando surgem outras perdas devido à perda por morte, por exemplo,

a perda de um emprego e, consequentemente, um prejuízo financeiro, como

também a perda de papéis do âmbito familiar. Já a depressão preparatória é o

momento em que a aceitação está mais próxima, é quando as pessoas ficam

quietas, repensando e processando o que a vida fez com elas e o que elas fizeram

da vida delas (Basso et al., 2011).

Por fim, o último estágio de reação à perda é o de aceitação. Quando se

chega a esse estágio, as pessoas encontram-se mais serenas frente ao fato de

morrer. É o momento em que conseguem expressar de forma mais clara

sentimentos, emoções, frustrações e dificuldades que as circundam. Quanto mais

negarem, mais dificilmente chegarão a este último estágio. Cabe ressaltar que,

esses estágios não são um roteiro a ser seguido e que podem sofrer alterações de

acordo com cada perspectiva pessoal (Basso et al., 2011).

2.4.2- Fases do luto segundo John Bowlby

Bowlby, conhecido por articular os pressupostos da etologia e da psicanálise

em sua teoria do vínculo, observou quatro fases do luto: o entorpecimento, o anseio,

a desorganização e o desespero e a reorganização (Basso et al., 2011).

A primeira fase de choque e entorpecimento tem a duração de algumas horas

ou semanas e pode vir acompanhada de manifestações de desespero ou de raiva.

Na fase de choque, o indivíduo parece alheio, desligado e tenso. Expressões

emocionais, ataques de pânico e raiva são atitudes comuns neste período. Faz-se

importante a companhia de outras pessoas ao enlutado (Basso et al., 2011).

A segunda fase de desejo e busca da figura perdida pode permanecer por

longo período. Há a expressão do desejo da presença e busca da figura perdida. A

raiva pode se manifestar quando há percepção de que houve efetivamente a perda,

provocando desespero, inquietação, insônia e preocupação. Contudo, o enlutado

pode ter a ilusão da volta do objeto amado, presente em algum sinal ou ruído,

retomando a uma busca inútil e a posterior frustração. Quando a raiva persiste é

sinal de que a perda não foi aceita pelo enlutado e muitas vezes ela é transferida

para outras pessoas que estão oferecendo apoio a ele, por meio de agressões,

acusações e ingratidão, pois isto vai contra sua percepção e confirma a realidade da

perda. Geralmente amigos e parentes evitam falar sobre a morte do na presença do

enlutado e oferecem estímulos a ele (Basso et al., 2011).

Já a terceira fase de desorganização e desespero se caracteriza por atitudes

contrárias ao comportamento do enlutado diante da morte. Podem ocorrer também

ações, como desfazer de todos os pertences do mesmo e manter aqueles que sejam

atribuídas recordações felizes ou proteger estes na certeza de que manterá a

pessoa amada. Conciliar estes desejos tão opostos é tarefa das últimas fases do

luto (Basso et al., 2011).

Por fim, a quarta fase é a de reorganização, na qual inicia-se o processo de

aceitação da perda e necessidade de retomar a atividade da vida. A vontade de

viver leva muitas pessoas a buscar novas habilidades nunca desenvolvidas,

favorecendo a dissipação da tristeza, tornando menos presente e dolorosa a

lembrança da perda (Basso et al., 2011).

Em algumas fases, existe a identificação do enlutado com as atividades do

morto, presente em ações, atividades e projetos que ele aplicava. Durante o período

da elaboração do luto, podem se desencadear distúrbios na alimentação ou sono e

quadros sintomáticos de enfermidades graves e a depressão reativa (Basso et al.,

2011).

O tempo de luto é variável e alguns casos podem nunca terminar, levando a

um esgotamento total do enlutado e a quadros somáticos de doenças graves que

podem configurar uma depressão reativa (Basso et al., 2011).

Face aos estágios de reação à perda e fases do luto compostas por Kubler-

Ross e Bowlby, é imprescindível observar as diferentes visões que os autores

fizeram acerca das etapas que um indivíduo passa diante da perda iminente e após

a perda de um ente querido (Basso et al., 2011).

2.5- A vivência do luto pelos profissionais de saúde

Para os profissionais de saúde a morte é a maior vilã do seu trabalho, uma

vez que, de maneira geral, são educados para cuidar somente da vida. Quando

assistem o paciente em iminência, desenvolvem uma série de sentimentos como o

pesar, frustração, derrota, tristeza, dor, injustiça, medo, raiva e até mesmo alívio

(Costa et al., 2005).

A manifestação destes sentimentos é mais intensa nos profissionais que

trabalham em CTIs pediátricos. A sensação de impotência pode provocar sofrimento

nos mesmos, os quais fazem questionamentos sobre o que poderiam ou o que

deixaram de fazer para recuperar ou manter a vida da criança/adolescente que

estava sob seus cuidados. Junto a essas questões eles, ainda, vivem o conflito entre

a vida e a morte (Costa et al., 2005).

A situação de vida ou morte gera sofrimento nos profissionais de saúde,

principalmente pelo caráter humano desse trabalho, em que o envolvimento afetivo

com as pessoas assistidas é inevitável. Esses profissionais necessitam e devem se

envolver emocionalmente com o paciente e outras pessoas, pois o envolvimento é

vital na relação terapêutica, uma vez que promove empatia e permite que o

profissional conheça melhor o paciente e atenda às suas necessidades, sem

prejudicar sua atuação em determinados momentos (Costa et al., 2005).

O luto não vivido e o sofrimento dos profissionais de saúde estão interligados,

pois o convívio desgastante e pouco prazeroso com o ambiente de trabalho propicia

a instalação da Síndrome de Burnout, termo usado para definir o desgaste e o

sofrimento do profissional com as atividades de trabalho (Costa et al., 2005).

A síndrome aparece como uma reação à tensão emocional crônica gerada a

partir do contato direto e excessivo com outras pessoas em sofrimento, já que cuidar

exige tensão emocional e atenção constantes, além de grandes responsabilidades

profissionais a cada gesto no trabalho. A relação afetiva dos trabalhadores com os

pacientes pode se desgastar e os colocar em burnout. A perda de energia e a fadiga

podem se manifestar por alterações psíquicas e físicas ou a combinação delas com

a apresentação de respostas negativas para a atividade laboral, como depressão,

autoestima baixa, retraimento pessoal, queda na produtividade e incapacidade de

suportar pressões (Costa et al., 2005).

2.6- O luto no contexto dos pacientes oncológicos

A situação de morte iminente, porém não realizada, talvez seja uma das

crises mais angustiantes pelas quais uma família possa passar. O problema maior

encontra-se na frustração decorrente da impotência vivenciada perante o “o que

fazer?” e o “quando vai ser?”. O tempo prolongado dessas situações geralmente

acaba sendo o principal inimigo, pois vai debilitando gradativamente a resistência

dos envolvidos. Tais situações são definidas como “perdas ambíguas”, onde o que

ocorre é uma indefinição da situação, ou excessiva demora na sua definição (Silva,

2003).

Outro fenômeno marcante nos casos de famílias enlutadas pela morte ou

iminência de morte de um de seus membros é a incorporação de diferentes papéis

diante do fato. Assim, existem os inconformados, os apáticos, os desesperados,

sendo comum, porém, a existência de um papel bem determinado: o forte. Em

praticamente todas as famílias destaca-se nesse momento, um ou mais membros

que reagirão à situação de uma forma altamente prática, eficiente e racional,

cuidando de tudo para que os outros membros da família possam vivenciar sua dor.

Muitas vezes o terapeuta pode “se utilizar” dessa pessoa para poder “entrar” no

contexto da família enlutada, contando com seu auxílio para trabalhar junto aos

outros familiares. Entretanto esta “força” precisa ser entendida como algo

momentâneo, e não se deve acreditar que o indivíduo que incorporou esse papel

não necessite de auxílio para a elaboração de seu luto (Silva, 2003).

2.7- As repercussões do luto no idoso

O idoso deve ser acompanhado e deve-lhe ser permitido tempo para

reorganizar-se emocionalmente. Na fase inicial do luto ele pode ter necessidade de

ajuda para atividades básicas da vida diária, sendo necessário que algum parente

ou amigo próximo assuma muito dos papéis e responsabilidades do enlutado,

deixando-o livre para vivenciar o luto (Oliveira et al., 2008).

No idoso em processo de luto podem ocorrer alguns distúrbios, como os do

sono e da alimentação, ou ainda manifestações somáticas, sendo comum dispneia,

desconforto torácico, adinamia, insônia, passividade, alucinações e ansiedade

(Oliveira et al., 2008).

Um idoso pode conviver por tempo prolongado com seu cônjuge portador de

doença crônica e incapacitante, tornando o luto antecipatório uma realidade na

velhice. Durante essa fase podem aparecer sentimentos ambivalentes no cuidador

como o desejo de que o outro sobreviva e ao mesmo tempo o da morte para acabar

com o sofrimento. Isto desperta o sentimento de culpa, pois de qualquer forma se

está desejando algo que não é bom para aquele que se ama e que está sofrendo.

Devemos considerar o impacto da morte de um filho no idoso como capaz de

despertar o sentimento de culpa por estar sobrevivendo ao filho, agravado pela

dificuldade em trabalhar emocionalmente a morte (Oliveira et al., 2008).

A perda de um filho parece produzir uma grave ferida narcísica. Esta

afirmação pode ser interpretada de duas formas: a primeira é como o

reconhecimento de que o investimento libidinal causada no outro é reflexo do

investimento em si mesmo, através do outro; a segunda é o entendimento ao

reconhecer que essa libido do Ego projetada no objeto necessita ser reapropriada a

ele. A ferida narcísica representa o reconhecimento de que uma parte de si,

investida no outro através da libido objetal, perdeu-se com a morte do objeto

(Oliveira et al., 2008).

2.8- O luto na perda gestacional

Pelo menos 15% das gestações que se sabe terminam em perda, sendo que

a maioria delas ocorre nos primeiros três meses de gravidez. Alguns estudos foram

dedicados a verificar a saúde psíquica das mulheres vítimas de perdas gestacionais,

já que a perda na gestação contraria o que se espera sobre o andamento do ciclo de

vida. O risco de aparecerem sintomas depressivos, ansiedade ou pânico é

relativamente grande, principalmente alguns meses após a perda. Além disso, a

história prévia de perda e quanto mais cedo for essa experiência é maior este risco,

bem como quanto maior for a idade gestacional (Carvalho et al., 2007).

Aparece uma desvalorização da autoimagem, por parte da mulher, pelo

sentimento de que seu corpo não pôde funcionar adequadamente durante a

gestação ou pela crença de que não é capaz de desempenhar seu papel biológico e

conjugal (Carvalho et al., 2007).

O abortamento representa a perda de uma gestação, de um bebê ou futuro

filho, da maternidade, de parte de si mesma e de sua auto-estima. Essas situações

são peculiares, na medida em que se trata de um enlutamento, não por alguém

consciente e objetivamente conhecido, mas por um bebê imaginário, que já vinha

formando vínculos antes mesmo de nascer. Além disso, esta situação pode afetar os

sentimentos dos pais com relação a possíveis novas gestações. Por todos estes

fatores, muitas mulheres expressam um forte desejo de obter informações a respeito

das razões do fracasso de sua gestação, como uma forma, talvez, de buscar

explicações e certo alívio (Carvalho et al., 2007).

Frequentemente, a equipe estimula as mães a verem seus filhos ou até que

os toquem, no momento do nascimento. Raramente elas se negam a isso. De uma

forma geral, ter o contato com o bebê pode auxiliar no processo de luto. O contato

ajuda a mulher a acreditar que tudo que está vivendo é real, o que facilita uma futura

aceitação. Porém nem sempre este é o melhor momento para uma despedida, pois

como elas mesmas mencionam tudo acontece muito rápido e as dores físicas do

parto fazem com que percam um pouco a noção do que se passa. Assim, às vezes,

é necessário mais um contato, para que elas possam se despedir. Este espaço, em

geral, é proporcionado pelo profissional da Psicologia, quando elas podem estar

novamente com o bebê falecido, verbalizar suas dúvidas e desejos, o que pode ser

crucial para o desenvolvimento mais saudável do luto (Carvalho et al., 2007).

2.9- A elaboração do luto nos casos de suicídio

O suicídio é atualmente uma das três principais causas de morte entre os

jovens e adultos de 15 a 34 anos, embora a maioria dos casos aconteça entre

pessoas de mais de 60 anos. Ainda conforme informações da OMS, a média de

suicídios aumentou 60% nos últimos 50 anos, em particular nos países em

desenvolvimento. Cada suicídio ou tentativa provoca uma devastação emocional

entre parentes e amigos, causando um impacto que pode perdurar por vários anos

(Martins et al., 2010).

Conforme a revisão da literatura pode-se constatar que a questão do suicídio

ainda é um tema controverso. Principalmente na família, ao se analisar o suicídio,

observam-se os seguintes aspectos: o suicídio é enxergado de uma maneira ainda

rodeada de mitos, trazendo aos sobreviventes, uma série de sentimentos ligados à

ansiedade e angústia. Além disso, verifica-se também que os familiares, para

superar a perda e construir um sentido para o ato suicida, utilizam uma série de

estratégias (Martins et al., 2010).

No que se refere aos mitos acerca do suicídio, em termos gerais, observa-se

que as famílias, na ausência de uma compreensão sobre os eventos que levam o

sujeito ao suicídio, buscam explicações variadas: atribuir como causa o uso do

álcool, a fraqueza da pessoa ou a presença de doenças mentais. É importante

ressaltar que o alcoolismo e a depressão são fatores de risco, mas não representam

motivos determinantes para o ato suicida. Em relação aos sentimentos vivenciados,

o discurso dos familiares contém sinais de que não houve uma elaboração

adequada do luto. Seja por vergonha do ato, seja pela restrição social devida à

representação negativa do suicídio, os familiares mostram ter sentimentos de culpa

por não terem conseguido evitar sentimentos de angústia e ansiedade, por não

compreenderem o ato, por sensação de desamparo, ou ainda por revolta em não

admitir que o suicida teria motivos para cometê-lo (Martins et al., 2010).

O impacto do suicídio na família é tão devastador que ela tenta se reorganizar

Para superar, para admiti-lo ou para negá-lo. Para tanto, ela utiliza uma série de

estratégias que contribuíram ou não para a reconstrução da instituição após a perda

do ente. As principais estratégias utilizadas são as de enfrentamento. As mais

comuns são a religiosidade e o suporte social. Alguns familiares, no entanto,

mostram não ter superado o evento, utilizando estratégias de fuga e negação

(Martins et al., 2010).

Cerca de um milhão de pessoas morrem por ano em decorrência do suicídio.

Diante desse panorama aponta-se para a importância de programas de prevenção e

de apoio aos familiares, principalmente porque o tema é sempre tratado com

cuidado, reserva ou até mesmo é negado, uma vez que as famílias tendem a se

silenciar e a se envergonhar diante do fato (Martins et al., 2010).

Aspecto importante a ser observado é que a família tenta explicar o ato

suicida como decorrente de algum problema (psicopatológico, social) que justifique

seu ato, principalmente pelo fato de que o comportamento suicida vem de encontro

à falta de sentido decorrente dos sentimentos de fracasso, impotência e culpa

vividos pelo grupo no qual o sujeito está inserido (Martins et al., 2010).

O ato suicida representa para as famílias “a ponta de um iceberg”, pois existe

uma grande dificuldade na crença das motivações e atitudes, que não podem ser

explicadas apenas pelo racional, e nas quais existe um pensamento inconsciente,

que pode vir à tona após a morte do suicida. Tal linha de pensamento vai contra o

raciocínio lógico que impulsiona os familiares a procurar e encontrar motivações

para o suicídio, e geralmente essas motivações são julgadas insuficientes para

justificá-las (Martins et al., 2010).

2.10- A importância do velório no processo do luto

O choque é a primeira resposta à morte de uma pessoa. Ele constitui-se em

uma reação imediata, sendo seguida por uma fase controlada, na qual o enlutado se

encontra cercado de parentes e amigos. É nesse momento que todos os arranjos

precisam ser feitos: velório, capela, sepultamento e pertences pessoais. (Carvalho et

al., 2007)

Na mente de cada um, as imagens dos mortos vão ser contrapostas às

recordações dos momentos agradáveis passados com a pessoa em vida, ajudando

a restaurar o que a psicologia chama de princípio da realidade. As imagens do

velório, do funeral e do enterro são importantes no processo do luto de pessoas com

dificuldades de aceitar a perda do ente querido. A dificuldade do luto para aqueles

que não puderam ter uma imagem de seus entes queridos mortos é muito maior

(Carvalho et al., 2007).

Estudos mostram que, para dissipar a dor psíquica de uma perda, é

necessário que ela seja dita, vivida, sentida, refletida e elaborada, mas nunca

negada. Outro aspecto que também ajuda no processo do luto são os rituais

fúnebres, porque, a recuperação é centrada na aceitação, e o velório permite que as

pessoas se despeçam e que o enlutado seja considerado como tal (Gesteira et al.,

2006).

2.11- Estratégias terapêuticas para a vivência do luto

Os principais objetivos terapêuticos sugerem algumas estratégias essenciais

para ajudar o enlutado a produzir uma resposta saudável, utilizando mecanismos e

comportamentos que possam ser aprendidos ou modificados. Enfatiza-se que as

estratégias não exigem, necessariamente, uma ordem específica, pois isso tende a

variar de acordo com cada paciente (Basso et al., 2011).

A resolução de problemas é usada para avaliar como e o que o enlutado está

priorizando. Nesse momento, busca-se a melhora na habilidade de resolver os

problemas, intensificando o que está funcional e diminuindo a complexidade dos

mesmos. É importante que o paciente consiga verificar a existência de distorções

cognitivas que impossibilitam a busca e a tentativa de alternativas saudáveis. Ainda,

é fundamental a construção de estratégias e recursos que podem facilitar e auxiliar

no enfrentamento da situação problemática: “Será que não haveria outras formas de

lidar com essa situação”; “Que empecilhos podemos encontrar?”; “Haveria algum

recurso disponível que pudesse nos auxiliar nesse momento?” (Basso et al., 2011).

O automonitoramento consiste no aumento da capacidade de cognição, com

intuito de o paciente perceber como pensa e passa a ter sentimentos e

comportamentos devido às crenças. Recomenda- se que, diante de uma situação

aversiva, o paciente identifique o que está fazendo, pensando, sentindo. É o pensar

sobre o pensamento: “Desde quando ele faleceu, as pessoas não me procuraram

mais”. Se esse pensamento fosse verdade, como me sentiria?”(Basso et al., 2011).

O treino de habilidades sociais se caracteriza em aumentar e ensinar novas

habilidades cognitivas como o automonitoramento, habilidades verbais e,

principalmente, comportamentais, para que o enlutado consiga perceber e lidar

melhor com o ambiente. Neste caso, recomenda-se que possam ser listadas

algumas situações em que o paciente apresenta dificuldades para resolver. Na

maioria das vezes, os pacientes enlutados encontram-se deprimidos e tendem a

antecipar sentimentos negativos, bem como avaliam erroneamente o grau de

dificuldade. Diante das situações listadas e por meio de um ensaio comportamental,

avalia-se como o paciente se comportaria em determinada situação, e juntos,

paciente e terapeuta, treinam uma resposta adaptativa: “Já que treinamos em

sessão, o que você acha de tentar aplicar nas situações que, num primeiro

momento, você consideraria embaraçosas?”; “O que aconteceria se você tentasse?”

(Basso et al., 2011).

As estratégias de Coping definem-se pelo conjunto das estratégias utilizadas

pelas pessoas para adaptarem-se a circunstâncias adversas, ou seja, uma resposta

cognitiva e comportamental ao estresse, com objetivo de suavizar características

aversivas. É preciso que os pacientes busquem novas estratégias de enfrentamento,

frente às anteriormente internalizadas. Indica-se o levantamento de outros eventos

adversos na vida dos enlutados e quais estratégias foram úteis para amenizar os

sintomas gerados: “Quando você se encontrou numa situação difícil, como você

lidou com ela?”; “Se uma pessoa amiga estivesse na mesma situação na qual você

se encontra, que conselho daria a ela?” (Basso et al., 2011).

A reestruturação cognitiva consiste numa colaboração entre paciente e

terapeuta, identifica-se pensamentos irracionais e catastróficos, exame das

evidências favoráveis e contrárias aos pensamentos distorcidos, a fim de avaliar e

perceber outros pensamentos mais adaptativos. Nesse momento, pode ser usado o

modelo ABC em que A se refere à situação, B à pensamento e C à consequência, e

tem como finalidade auxiliar o paciente a identificar a situação perturbadora e o

pensamento automático: “O que aconteceu para eu me sentir assim?”; “O que

passou pela minha cabeça?”. Identificado esse pensamento, o segundo passo é

avaliar a veracidade desse pensamento: “Que evidências eu tenho para comprovar

esse pensamento?”; “Esse pensamento é realista?”. Num último momento, orienta-

se o paciente a desafiar e substituir o pensamento por afirmações mais racionais:

“Qual vantagem tenho em manter esse pensamento irracional?”; “Qual seria o

pensamento saudável nessa situação?” (Basso et al., 2011).

A prevenção e recaída caracterizam-se por psicoeducar o enlutado quanto ao

seu funcionamento, suas dificuldades e também sua autoeficácia. No decorrer do

processo psicoterapêutico, foi lhe orientado a utilizar estratégias e habilidades para

lidar de maneira eficaz com o problema percebido. Ao se deparar com outras

situações, terá recursos para enfrentar possíveis problemas: “Que situações são

consideradas como situação de risco?”; “Que estratégicas disponíveis me

auxiliariam neste momento?” (Basso et al., 2011).

2.12- Morte Interdita

Ao longo dos séculos percebeu-se uma revolução em relação ao modo de se

pensar sobre a morte a ao comportamento frente à mesma; os sentimentos

tradicionais foram substituídos. A morte tornou-se vergonhosa e objeto de interdição,

tendo substituído o sexo como principal interdito, no século XX. O excessivo apego à

vida, característico de nossa civilização industrial, parece ter criado um horror à ideia

de morrer. A sociedade tradicional reprimia o sexo e encarava a morte naturalmente.

Agora o sexo é apresentado às crianças cada vez mais cedo, mas se oculta o que

diz respeito à morte (Ariès, 2003).

Uma mudança importante, em relação ao passado se refere ao deslocamento

do lugar de morrer. Já não se morre em casa, mas sim no hospital, o que contribui

para outro aspecto: a morte como fenômeno técnico. Na verdade ocorre uma parada

dos cuidados por decisão do médico. Os ritos dos funerais, de certa forma, também

se modificaram, os quais são mais discretos e rápidos, além de se evitar qualquer

forma de emoção exagerada. (Ariès, 2003).

Acredita-se que modernidade está ameaçando até mesmo a visita ao túmulo.

Recorre-se cada vez mais à cremação, como se houvesse uma ânsia por fazer

desaparecer e esquecer tudo o que pode restar do corpo. As manifestações do luto

são condenadas e desaparecem; não se usam mais roupas escuras e não se adota

mais uma aparência diferente daquela de outros dias. A dor demasiada inspira

repugnância e não pena. O luto é solitário e envergonhado (Ariès, 2003).

3- CONCLUSÃO

Face ao exposto, conclui-se que o processo de morte e as repercussões

desse episódio estressor na vida de uma pessoa é um evento provedor de

sofrimento e de grandes alterações psicológicas, fisiológicas, comportamentais, bem

como alterações no contexto em que o enlutado está inserido. Contanto as

dificuldades que irão surgir poderão incapacitar e desorganizar a vida das pessoas

enlutadas a tal ponto de não conseguirem suprir sentimentos desagradáveis. Frente

ao estabelecimento de um luto patológico, é aconselhável que o enlutado recorra ao

auxílio de um profissional de saúde, como, por exemplo, um psicólogo que deve

priorizar o acolhimento e a escuta do mesmo.

REFERÊNCIAS

1- Philippe Ariès. História da morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro; 2003.

2- Basso LA, Wainer R. Lutos e perdas repentinas: contribuições das terapias cognitivo-comportamental. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas 2011; 7: 35-43.

3- Carvalho FT, Meyer L. Perda gestacional tardia: aspectos a serem enfrentados por mulheres e conduta profissional frente a essas situações. Boletim de Psicologia 2007; 57: 33-48.

4- Combinato DS, Queiroz MS. Morte: uma visão psicossocial. Estudos de Psicologia 2006; 11: 209-16.

5- Costa JC, Lima RAG. Luto da equipe: revelações dos profissionais de enfermagem sobre o cuidado à criança/adolescente no processo de morte e morrer. Rev Latino Am Enfermagem 2005; 13: 151-7.

6- Despret V. Acabando com o luto, pensando com os mortos. Fractal: Revista de Psicologia 2011; 23: 73-82.

7- Domingos B, Maluf MR. Experiência de perdas e de luto em escolares de 13 a 18 anos. Psicologia: Reflexão e Crítica 2003; 16: 577-89.

8- Fonseca JP. Luto antecipatório. Campinas – SP Editor Livro Pleno; 2004.

9- Freud S. A História do Movimento Psicanalítico, Artigos Sobre Metapsicologia e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago; 1996.

10-Fromm E. A complexidade e a simplicidade da experiência do luto. Acta Paul Enferm 2011; 24: 7-8.

11-Gesteira SMA, Barbosa VL, Endo PC. O luto no processo de abordo provocado. Acta Paul Enfem 2006; 19: 462-7.

12-Ireland VE. A dor do luto e seu acolhimento psicanalítico. Estud Psiq 2011; 35: 151 – 66.

13-Kovács MJ. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1992.

14-Martins SA, Leão MF. Análise dos fatores envolvidos no processo de luto das famílias nos casos de suicídio. Revista Mineira de Ciências da Saúde 2010; 2: 123-35.

15-Nasio JD. O Livro da Dor e do Amor. 1st ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed; 1997.

16-Oliveira JBA, Lopes RGC. O processo de luto no idoso pela morte de cônjuge e filho. Psicologia em Estudo 2008; 13: 217-21.

17-Pinheiro MTS, Quintella RR, Vertzman JS. Distinção teórico-clínica entre depressão, luto e melancolia. Psic Clin 2010; 22: 147-68.

18-Silva ALP. O acompanhamento psicológico a familiares de pacientes oncológicos terminais no cotidiano hospitalar. Interação em Psicologia 2003; 7: 27-35.

19-Tada INC, Kovacs MJ. Conversando sobre a morte e o morrer na área da deficiência. Psicologia Ciência e Profissão 2007; 27: 120-31.