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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE HISTÓRIA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO II ABORDAGENS DA HISTÓRIA AMBIENTAL NO VALE DO TAQUARI, RIO GRANDE DO SUL Marcos Rogério Kreutz Lajeado, junho de 2009

ABORDAGENS DA HISTÓRIA AMBIENTAL NO VALE DO … · ... por horticultores que se estabeleceram no ... com o objetivo de enfatizar e determinar o espaço da ... que necessitamos fazer

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  • CENTRO UNIVERSITRIO UNIVATES

    CURSO DE HISTRIA

    TRABALHO DE CONCLUSO DE CURSO II

    ABORDAGENS DA HISTRIA AMBIENTAL NO VALE DO TAQUARI,

    RIO GRANDE DO SUL

    Marcos Rogrio Kreutz

    Lajeado, junho de 2009

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    CENTRO UNIVERSITRIO UNIVATES

    CURSO DE HISTRIA

    TRABALHO DE CONCLUSO DE CURSO II

    ABORDAGENS DA HISTRIA AMBIENTAL NO VALE DO TAQUARI,

    RIO GRANDE DO SUL

    Marcos Rogrio Kreutz

    Monografia apresentada na disciplina de Trabalho

    de Concluso de Curso II, como exigncia parcial

    para obteno do ttulo de licenciado em Histria.

    Orientadora: Profa. Dra. Neli T. G. Machado

    Lajeado, junho de 2009

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    Agradecimentos

    Agradeo Professora Neli T. G. Machado pela oportunidade de realizar o

    trabalho sob sua orientao e participar ativamente do Setor de Arqueologia.

    Agradeo em especial minha esposa Elizete pelo amor, carinho, apoio e pelo

    auxlio durante a realizao da pesquisa. Aos familiares, principalmente minha me, Ivonne

    Kreutz, e minha sogra, Olga Azevedo, que sempre demonstraram apoio incondicional.

    Aos amigos e colegas Jones Fiegenbaum, Patrcia Schneider, Fernanda Schneider,

    Diego Antnio Gheno, Sidnei Wolf, Antnio Marcos de vila, Letcia Zanon e Clara D.

    Darde pelas conversas sobre Arqueologia e pelo auxlio em muitas tarefas.

    E principalmente a Deus.

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    Resumo

    Ao longo da trajetria humana, o homem buscou lugares para viver, gerenciar e manipular,

    observando determinadas caractersticas ambientais, como: relevo, clima, hidrografia e

    vegetao, para satisfazer suas necessidades de subsistncia. Esta relao homem/ambiente

    no foi diferente no Vale do Taquari/RS. Inicialmente a regio foi ocupada por grupos de

    caadores-coletores, cerca de 10.000 anos AP (Antes do Presente) e, mais tarde, no incio da

    Era Crist, por horticultores que se estabeleceram na regio. J no perodo colonial, o Vale

    recebeu imigrantes europeus e africanos, que se fixaram tanto nas plancies, mais ao sul,

    quanto no planalto, mais ao norte. O objetivo deste estudo visa reconstituir o cenrio da

    ocupao humana, bem como os processos de apropriao do ambiente pelos grupos, e

    consequentemente o impacto ambiental, ocorrido no territrio da atual regio geopoltica Vale

    do Taquari/RS. A reconstruo do ambiente pretrito dar-se- a partir de pressupostos da

    Histria Ambiental, visto que ela insere a sociedade na natureza. Anlises preliminares

    apontam que as reas mais atingidas pela ao do homem na regio foco do estudo, foram s

    plancies que esto localizadas prximas aos rios e arroios, utilizadas principalmente para a

    horticultura e agricultura.

    PALAVRAS-CHAVE: Vale do Taquari. Homem. Ambiente. Histria Ambiental

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    Lista de Figuras

    FIGURA 01 Rio Grande do Sul e Vale do Taquari................................................... 09

    FIGURA 02 Paisagem tpica do Planalto das Araucrias.......................................... 11

    FIGURA 03 Paisagem tpica da Depresso Central Gacha..................................... 13

    FIGURA 04 rea do Stio RS-T 114......................................................................... 31

    FIGURA 05 O stio arqueolgico RS-T 114 est localizado na margem direita do

    Rio Forqueta. O local oferecia todos os recursos necessrios para a

    fixao do grupo horticultor.

    34

    FIGURA 06 Assoreamento do Arroio Forquetinha................................................... 46

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    Lista de Quadros

    QUADRO 01 Fauna identificada ................................................................................ 24

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    Lista de Abreviaturas

    RS Rio Grande do Sul ................................................................................... 01

    EUA Estados Unidos da Amrica..................................................................... 05

    dC Depois de Cristo ...................................................................................... 06

    UTM Universal Transversal de Mercator. 08

    N Norte .............................................. 08

    E Leste................................................ 08

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica ...................................... 08

    BDR Banco de Dados Regional ....................................................................... 08

    MCN Museu de Cincias Naturais ... 09

    Fm Formao.................................................................................................. 12

    DNAEE Departamento Nacional de guas e Energia Eltrica ............................ 17

    Cfa Clima subtropical ou virginiano . 17

    Cfbl Clima temperado ou de faias .......... 18

    AP Antes do Presente ................................................................................... 21

    RS-T Denominao para o stio arqueolgico no Vale do Taquari/RS............ 23

    n .Nmero.................................................................................................... 23

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    LACIFID Laboratrio de Cristais Inicos Filmes Finos e Datao........................ 23

    USP Universidade de So Paulo ................................................................... 23

    TL Tcnica de Termoluminiscncia............................................................. 23

    NF Nmero de fragmentos .......................................................................... 24

    aC Antes de Cristo ....................................................................................... 27

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    Sumrio

    1 INTRODUO............................................................................................................. 01

    2 NOES BSICAS DA HISTRIA AMBIENTAL ............................................... 03

    3 O VALE DO TAQUARI/RS........................................................................................ 08

    3.1 A delimitao da rea ................................................................................... 08

    3.2 Localizao ................................................................................................... 08

    3.3 O relevo do Vale do Taquari/RS ................................................................. 10

    3.4 Vegetao ..................................................................................................... 14

    3.5. Hidrografia .................................................................................................. 17

    3.6 Clima ............................................................................................................ 18

    3.7 Fauna ............................................................................................................. 18

    4 DE UM AMBIENTE INSPITO A UM AMBIENTE IDEAL: A ADAPTAO

    DO HOMEM NO VALE DO TAQUARI/RS ........................................................

    20

    5 OS ATORES ENVOLVIDOS..................................................................................... 26

    5.1 Os caadores-coletores ................................................................................ 26

    5.2 Os horticultores ............................................................................................ 29

    5.3 A colonizao europia e a vinda de africanos .......................................... 35

    5.3.1 A imigrao aoriana ................................................................................ 37

    5.3.2 Os imigrantes africanos ............................................................................. 40

    5.3.3 Os imigrantes alemes .............................................................................. 41

    5.3.4 Os imigrantes italianos .............................................................................. 43

    5.3.5 O processo de expanso da imigrao e o impacto ambiental .............. 44

    6 CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 48

    7 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 51

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    1 Introduo

    Ao longo da trajetria humana, o homem buscou lugares para viver,

    gerenciar e manipular, observando determinadas caractersticas ambientais, como:

    relevo, clima, hidrografia e vegetao, para satisfazer suas necessidades de subsistncia.

    Esta relao homem/ambiente no foi diferente no Vale do Taquari/RS. Inicialmente a

    regio foi ocupada por grupos de caadores-coletores e, mais tarde, por horticultores

    que se estabeleceram no Vale. Esta afirmao comprovada por vasta cultura material

    encontrada em stios arqueolgicos. J no perodo colonial, o Vale do Taquari/RS

    recebeu imigrantes europeus e africanos, que se fixaram tanto nas plancies, mais ao sul,

    quanto no planalto, mais ao norte. Embora o ambiente se modifique naturalmente, a

    ao antrpica poder alterar e/ou acelerar este processo. Sendo assim, pode-se afirmar

    que todos esses grupos mudaram a fisionomia do Vale, estabelecendo suas culturas e,

    por conseqncia, alterando a paisagem encontrada por eles.

    Estudos em Histria Ambiental tm apresentado as conseqncias da

    relao do homem com o ambiente desde a pr-histria, passando pela colonizao at

    os dias atuais. Como exemplo, cita-se o caso das florestas. Na pr-histria, era

    necessrio desmatar uma rea para o plantio de subsistncia; durante a colonizao,

    alm da rea para plantio, os imigrantes europeus necessitavam de grande quantidade de

    madeira para a construo, energia, entre outras; na atualidade (2009), a necessidade de

    ampliao de reas de plantio faz com que inclusive a mata ciliar seja suprida, a

    indstria madeireira, por exemplo, alm de eliminar grandes reas de floresta nativa,

    promove a alterao no ecossistema local por meio do reflorestamento indevido.

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    A presente pesquisa, Abordagens da Histria Ambiental no Vale do

    Taquari, Rio Grande do Sul, visa reconstituir1 o cenrio da ocupao humana, bem

    como os processos de apropriao do ambiente pelos grupos, e consequentemente o

    impacto ambiental, ocorrido no territrio da atual regio geopoltica Vale do

    Taquari/RS, desde a sua chegada at a vinda dos imigrantes europeus, no sculo XIX.

    A hiptese que a regio Vale do Taquari/RS, tenha sido um atrativo para

    grupos humanos, pela sua localizao e pela disponibilidade de recursos naturais.

    Entretanto, ao levantar esta hiptese, ressalta-se o principal problema de pesquisa: como

    os fatores de ordem ambiental influenciaram na escolha do local, na permanncia nele,

    bem como na concepo das caractersticas socioeconmicas e culturais dos grupos que

    aqui se instalaram.

    Importante destacar que os aspectos culturais so desenhados pela adaptao

    e modificao ambiental de determinado grupo humano. A noo de cultura, neste caso,

    ampla, pois engloba todas as transformaes do mundo natural proporcionadas pelo

    homem, seja na agricultura, na horticultura, na linguagem, nos costumes, nas crenas,

    nos valores, entre outros. Da mesma forma, pode-se afirmar que a noo de contexto

    scio-histrico-natural2 contempla a cultura, pois inexiste sociedade humana sem ela.

    Com relao a estudos sobre apropriao e alterao do ambiente na regio

    geopoltica Vale do Taquari/RS, verifica-se uma carncia em pesquisas. O trabalho

    justifica-se pelo ineditismo da mesma, posto que h poucas publicaes semelhantes na

    regio.

    A reconstruo do ambiente pretrito dar-se- a partir de pressupostos da

    Histria Ambiental, visto que ela insere a sociedade na natureza. A Histria Ambiental

    traz subsdios para o entendimento da transformao da paisagem, entre elas, as

    1 importante enfatizar que devido impossibilidade de reconstruo plena como a palavra possa

    sugerir, entende-se a palavra reconstruo como um ensaio, uma tentativa de recuperar o contexto em que cada grupo estava inserido. 2 Contexto scio-histrico-natural - independente de escolas tericas, partiu-se do princpio de que o

    homem um ser simblico, ou seja, para ele todas as coisas so signos, possuem significado. Segundo

    Thompson (1995, p. 366), as formas simblicas no subsistem no vcuo, elas so produzidas,

    transmitidas e recebidas em condies sociais e histricas especficas. Sendo assim, para a compreenso

    e interpretao dos dados coletados, preciso considerar o contexto scio-histrico. Para a realizao

    deste estudo, apropriou-se do contexto scio-histrico de Thompson e acrescentou-se a palavra natural,

    com o objetivo de enfatizar e determinar o espao da natureza como um dos fatores determinantes de sua

    cultura.

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    mudanas climticas globais, reduo da biodiversidade e fragmentao das paisagens

    (Oliveira, 2006).

    A compreenso dos processos que contribuem para a transformao da

    paisagem a Histria Ambiental apia-se em dois pilares, a cultura e o territrio. A

    cultura trata das formas de apreenso de recursos naturais pelas sociedades ao longo do

    tempo e no presente contexto pode ser entendida como a transmisso da informao e

    do conhecimento em conjuno a padres de relaes materiais com o ambiente

    (Oliveira, 2006, p. 2).

    Segundo (Oliveira, 2006, p. 2), o territrio comporta inmeras dimenses,

    como simblica, jurdica, territorial e se refere ao espao geogrfico sobre o qual um

    grupo encontra e estabelece suas condies de sobrevivncia.

    Considerando o exposto, este trabalho est dividido em seis captulos. Aps

    a abordagem dos aspectos pertinentes ao de um trabalho cientfico no qual so

    delineados os objetivos, metodologia, justificativa, hipteses e problemas sobre o estudo

    proposto, apresenta-se as noes da Histria Ambiental. Estas compem o segundo

    captulo, denominado Noes bsicas da Histria Ambiental.

    A descrio fsica da regio tratada no terceiro captulo, em que so

    abordados aspectos como o relevo, o clima, a vegetao, a fauna e a hidrografia. Com

    base nos pressupostos tericos, o quarto captulo, De um ambiente inspito a um

    ambiente ideal: a adaptao do homem no Vale do Taquari/RS, descreve-se o cenrio

    do Vale, desde o perodo Pleistoceno at os dias atuais.

    No quinto captulo so apresentadas as ocupaes humanas, Os atores

    envolvidos. No sexto e ltimo captulo, faze-se as consideraes finais sobre a ocupao

    pretrita e a relao com o ambiente, cumprindo assim com os objetivos traados para

    este estudo.

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    2 Noes bsicas da Histria Ambiental

    O homem percebe que existem inmeros problemas ambientais, mas nem

    todos entendem quo antigos e determinantes eles so para o destino de nossa

    sociedade, nem quo radicais devem ser as reformas que necessitamos fazer para que

    nossa sociedade sobreviva crise com uma qualidade de vida aceitvel (Fernandez,

    2005, p. 3).

    A partir da dcada de 70, frente crise de recursos naturais, problemas de

    energia e alimentao, alm dos altos nveis de poluio e degradao do ambiente, o

    homem comeou a se dar conta da problemtica ambiental e como isso afetaria a sua

    vida (Sachs, 2000).

    Segundo Leff (2002, p. 109), a questo ambiental conduziu o homem a uma

    nova modalidade de estudo. Para ele,

    A problemtica ambiental prope a necessidade de internalizar um saber

    ambiental emergente em todo um conjunto de disciplinas, tanto das cincias

    naturais como sociais, para construir um conhecimento capaz de captar a

    multicausualidade e as relaes de interdependncia dos processos de ordem

    natural e social que determinam as mudanas socioambientais, bem como

    para construir um saber e uma racionalidade social orientados para os

    objetivos de um desenvolvimento sustentvel, eqitativo e duradouro.

    Concordando com Leff, Drummond (1991) acredita que as cincias naturais

    e sociais devem andar no mesmo compasso. Entretanto, esta relao entre histria social

    e natural recente, pois no sculo XIX a histria social admitia que a idade do planeta

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    tinha apenas pouco mais de seis mil anos. Isso porque ela estava baseada e ancorada nos

    defensores do Antigo Testamento. Com o advento da histria natural, baseado em

    pesquisas de Darwin, Wallace e Lyell que estudavam conjuntamente a geologia, a vida

    animal e vegetal, houve a necessidade de redimensionar a idade do planeta, a um tempo

    bem anterior a seis mil anos. Segundo Drummond (1991, p. 179), o tempo das culturas

    humanas est contido num tempo geolgico ou natural muito mais amplo e que a meu

    ver no pode ser ignorado pelas cincias sociais.

    Para Worster, os movimentos sociais ambientalistas e as crises ambientais

    desafiaram as cincias sociais para ir alm deste marco humanista. No era mais

    possvel pensar na sociedade humana sem ancoragem no mundo natural (Worster apud

    Drummond, 1991, p.180). nesse ajuste dos ponteiros do tempo natural e social, na

    interdisciplinaridade das cincias, na efervescncia da crise ambiental, que surge a

    Histria Ambiental. Para Drummond (1991, p.180), a histria ambiental, conforme

    praticada hoje em dia em alguns pases como os EUA, Frana e Inglaterra, resulta de

    um projeto reformista de alguns historiadores. uma reao a essa presso de ajustar os

    ponteiros dos dois tempos, o geolgico (ou natural) e o social.

    Para alguns grupos sociais, a natureza mais do que um mero meio de

    subsistncia, e est ligada ao sistema de crenas e de conhecimento, de modo que ela

    um recurso sociocultural. na natureza que esto inscritas as mais bsicas noes de

    autodeterminao, de articulao social, de vivncia e crenas religiosas (Martins,

    2007).

    A originalidade da Histria Ambiental est em colocar a sociedade na

    natureza, enquanto que as outras cincias fazem ao contrrio, mencionam a natureza,

    mas o foco a sociedade. Alm disso, a outra originalidade est no equilbrio com a

    interao, a influncia mtua entre sociedade e natureza (Drummond, 1991, p. 184).

    Segundo Fernandez (2005, p. 5), o homem j conseguiu extinguir

    considervel parte das espcies de grande porte que encontrou em todos os cantos do

    planeta Terra. Os povos que hoje dizemos que coexistem em harmonia com a natureza

    coexistem apenas com as espcies difceis de extinguir, porque as fceis j foram

    exterminadas h muito tempo.

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    Para o autor, a Histria Ambiental revela o que poucos sabiam sobre a

    maior construo das Amricas at o final do sculo XIX, localizada em pleno deserto

    do Novo Mxico, nos Estados Unidos. So os pueblos de Chaco Canyon, que foram

    erguidos em torno do ano 900 d.C., por um povo conhecido por Anasazi. A construo

    com cinco andares e 650 habitaes podia alojar cerca de 3.000 pessoas. Os Anasazi

    consumiram 200 mil troncos de rvore de cinco metros cada um. Esse pueblo era apenas

    um de vrios. Quando os espanhis chegaram, no encontraram mais os Anasazi, exceto

    referncias a eles na cultura dos ndios Navajos. Surge a pergunta: Por que fazer aquelas

    construes no meio do deserto e depois abandon-las? E de onde teria vindo a madeira

    usada na construo dos pueblos?

    A resposta veio do trabalho dos paleobotnicos que estudaram a vegetao

    passada do Chaco Canyon. A madeira tinha vindo dali mesmo. Quando os

    pueblos foram construdos, eram cercados no por um deserto nu, mas por

    uma gloriosa floresta de rvores decduas e de pinheiros. Os Anasazi

    formaram por sculos uma grande e rica civilizao, com vrias dezenas de

    milhares de pessoas. Com a expanso dessa civilizao, as florestas foram sendo gradualmente desmatadas para agricultura e a fim de fornecer lenha

    para combustvel e madeira para construo (Fernandez, 2005, p.11).

    Os estudos apontam que os Anasazi tiveram que ir cada vez mais longe, que

    lutaram para salvar a agricultura da eroso do solo exposto pela remoo da floresta,

    fazendo canais de irrigao. Ao fim de 300 anos da civilizao Anasazi, os pueblos

    estavam no meio de um deserto criado por eles mesmos. Como conseqncia tiveram de

    abandonar o local.

    Esse exemplo nos faz um alerta: preciso dar-se conta que o planeta tem

    existncia independente das sociedades e conduzido por movimentos naturais. A

    trajetria do planeta Terra independente e a natureza no existe em razo dos seres

    humanos. Entretanto, a partir dos trs ou quatro milhes de anos, desde que os primeiros

    homindeos comearam a percorrer o continente africano, a histria do planeta no

    dissocivel da histria humana (Martins, 2007).

    O homem interage com as foras da natureza provocando impactos sobre os

    ambientes, a ao humana pode agravar a situao ambiental e potencializar as

    catstrofes, bem como contribuir decisivamente para a desorganizao dos biomas. E a

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    combinao entre fatores naturais e humanos pode destruir ou moldar novas paisagens

    que existem no planeta (Martins, 2007, p. 23).

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    3 O Vale do Taquari/RS

    O Vale do Taquari/RS est inserido em trs unidades geomorfolgicas,

    sendo assim necessrio fazer a caracterizao fisionmica de cada unidade. Alm

    disso, tambm so descritos a vegetao, hidrografia, clima e fauna.

    3.1 A delimitao da rea

    O foco de estudo est concentrado na regio geopoltica denominada

    Vale do Taquari, localizada no centro leste do estado do Rio Grande do Sul, entre as

    seguintes coordenadas UTM, Zona 22, N 6.695.000, E 350.000 e N 6.830.000, E

    450.000 (Folha SH. 22-V-D).

    3.2 Localizao

    O Vale do Taquari/RS est localizado no centro leste do estado do Rio

    Grande do Sul (FIGURA 01), a uma distncia mdia de 150 km da capital Porto Alegre.

    Segundo IBGE apud BDR (2009), a populao do Vale do Taquari em 2007, era de

    316.298 habitantes, representando 2,99% da populao do Estado.

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    A relao dos municpios se faz necessria, pois ao longo deste estudo,

    muitos deles estaro presentes, cabendo aqui a sua contextualizao no Estado do Rio

    Grande do Sul e principalmente no Vale do Taquari/RS, o qual, politicamente, abrange

    36 municpios: Arroio do Meio, Anta Gorda, Arvorezinha, Bom Retiro, Canudos do

    Vale, Capito, Coqueiro Baixo, Colinas, Cruzeiro do Sul, Dois Lajeados, Doutor

    Ricardo, Encantado, Estrela, Fazenda Vilanova, Forquetinha, Ilpolis, Imigrante,

    Lajeado, Marques de Souza, Muum, Nova Brscia, Paverama, Poo das Antas, Pouso

    Novo, Progresso, Putinga, Relvado, Roca Sales, Santa Clara do Sul, Srio, Taba,

    Taquari, Teutnia, Travesseiro, Vespasiano Corra e Westflia. Esses municpios

    ocupam 4.821,4 km de rea, que representa 1,71% da rea total do estado (BDR, 2009).

    FIGURA 01 - Rio Grande do Sul e Vale do Taquari

    Fonte - MCN (2005)

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    3.3 O relevo do Vale do Taquari/RS

    Pelas observaes feitas, associadas aos estudos realizados no Projeto

    RADAMBRASIL3 e na avaliao da Magna Engenharia

    4, constatou-se que o Vale do

    Taquari/RS localiza-se em uma regio denominada Domnio Morfoestrutural das Bacias

    e Coberturas Sedimentares, que abrange rochas da Bacia do Paran. A transio entre a

    depresso e a rea planltica feita por escarpamentos pronunciados em alguns trechos,

    enquanto em outros simples, sem quebra de topografia.

    Segundo Justus; Machado e Franco (1986, p. 321),

    (...)um domnio morfoestrutural pode ser decomposto em vrias regies

    geomorfolgicas que se constituem no segundo txon da classificao

    geomorfolgica e que se caracterizam por uma compartimentao

    reconhecida regionalmente, sendo muitas vezes identificadas, correlacionadas

    com aspectos fitoecolgicos e pedolgicos bastante evidentes.

    No Domnio Morfoestrutural das Bacias e Coberturas Sedimentares, no

    Vale do Taquari/RS, so observadas duas regies geomorfolgicas, a Depresso Central

    Gacha e o Planalto das Araucrias.

    As formas de relevo da Regio Geomorfolgica Planalto das Araucrias,

    segundo Justus; Machado e Franco (1986, p. 329),

    (...) foram esculpidas especialmente em rochas efusivas cidas da Formao Serra Geral, que ocorrem, normalmente, capeando as rochas efusivas bsicas

    que correspondem, geralmente, aos relevos mais conservados dessa regio

    geomorfolgica. Em reas mais restritas, os modelados de dissecao do

    relevo se desenvolveram em rochas efusivas bsicas, geralmente resultando

    em formas de relevo mais dissecadas. Outras vezes, posicionadas nas partes

    basais das vertentes escarpadas que ocorrem nas bordas da Regio

    Geomorfolgica Planalto das Araucrias, as formas de relevo desenvolvem-

    se em arenitos da Formao Botucatu e em siltitos, siltitos arenosos com

    intercalaes de arenitos finos da Formao Rosrio do Sul.

    3 O Projeto RADAMBRASIL foi responsvel pelo mapeamento e levantamento dos recursos naturais do

    territrio nacional, realizado em 1986. Entre os autores participantes citam-se: Almeida, Franco, Justus,

    Ker, Machado, Neto e Teixeira. 4 Magna Engenharia realizou, em 1997, a avaliao quali-quantitativa das disponibilidades e demandas de

    gua na Bacia Hidrogrfica do Sistema Taquari-Antas.

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    Com caractersticas heterogneas, a Regio Geomorfolgica Planalto das

    Araucrias varia entre formas de relevo amplas e aplanadas at o nvel mais profundo de

    entalhamento (FIGURA 02). Na regio so identificadas quatro unidades

    geomorfolgicas, Patamares da Serra Geral, Serra Geral, Planalto dos Campos Gerais e

    Planalto Dissecado Rio Iguau-Rio Uruguai. Essas unidades apresentam

    compartimentos bastante individualizados por grandes diferenciaes quanto ao tipo de

    modelado, de formao superficial e de comportamento da drenagem (Justus; Machado

    e Franco, 1986, p. 321).

    FIGURA 02 - Paisagem tpica do Planalto das Araucrias

    Fonte: MCN (2006)

    No Vale do Taquari/RS so observadas as Unidades Geomorfolgicas

    Patamares da Serra Geral e Serra Geral. Segundo Justus; Machado e Franco (1986, p.

    336), a Unidade Patamares da Serra Geral

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    (...) representa testemunhos do recuo da linha da escarpa, a qual desenvolveu-

    se nas seqncias vulcnicas e sedimentares de cobertura da Provncia do

    Paran. De modo geral, estende-se sobre as rochas efusivas bsicas da

    Formao Serra Geral. Nas reas de maior entalhamento da drenagem, como

    nas de contato com regies geomorfolgicas topograficamente mais

    rebaixadas, observa-se o afloramento de arenitos da Formao Botucatu.

    Conforme Magna (1997, p. 41), a Unidade engloba formas em colinas com

    pequeno aprofundamento dos vales fluviais, formas de relevo que apresentam forte

    controle estrutural e, localizadamente, ocorrem formas planares.

    Como a Unidade Patamares da Serra Geral est em contato com a Unidade

    Geomorfolgica Depresso Rio Jacu, por meio de ressaltos topogrficos, compatvel

    a denominao patamares, pois, segundo Justus; Machado e Franco (1986), se observa

    formas mais rebaixadas e contnuas, ainda que seccionadas pelos cursos fluviais.

    A Unidade Geomorfolgica Serra Geral desenvolve-se, segundo Magna

    (1997, p. 41), sobre rochas vulcnicas bsicas em especial e mais restritamente em

    rochas cidas da Fm. Serra Geral, onde o entalhamento da drenagem foi capaz de

    seccionar as vrias seqncias de derrames, expondo as rochas basais e arenticas da

    Fm. Botucatu.

    Para Justus; Machado e Franco (1986), nesta unidade, que foi constituda

    por profunda e intensa dissecao com acentuado controle estrutural, comum observar

    as ocorrncias de sulcos estruturais de diversas orientaes e cursos fluviais e eles

    adaptados, bem como cristais simtricos dissecados pela rea e eventualmente a

    presena de relevos residuais isolados.

    Quando relacionada com a rede de drenagem do rio Taquari-Antas, segundo

    Magna (1997, p. 41),

    (...) observa-se expressivo recuo das vertentes dos vales fluviais, os quais apresentam-se alojados e encaixados em meio a amplas reas planas e

    representadas por modelados de acumulao, resultantes da convergncia de

    leques coluviais de espraiamento, de concentrao de enxurradas. Situam-se

    em reas mais rebaixadas topograficamente, em contato com a Unidade

    Geomorfolgica Patamares da Serra Geral.

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    A ocorrncia da Unidade Geomorfolgica Serra Geral, no Vale do

    Taquari/RS, pode ser observada na parte norte do Vale.

    A segunda regio do Domnio Morfoestrutural das Bacias e Coberturas

    Sedimentares, a Regio Geomorfolgica Depresso Central Gacha, constitui-se numa

    rea baixa, interplantica onde os processos erosivos esculpiram em rochas

    sedimentares paleozicas, trissicas e jurssicas da Bacia do Paran colinas alongadas,

    conhecidas regionalmente como coxilhas (Justus; Machado e Franco, 1986, p. 347),

    (FIGURA 03).

    FIGURA 03 - Paisagem tpica da Depresso Central Fonte: MCN (2006)

    No Vale do Taquari/RS, a regio geomorfolgica observada na poro sul,

    onde se identificou a Unidade Geomorfolgica Depresso Rio Jacu.

    A Unidade Depresso Rio Jacu tem um relevo homogneo, sem muitas

    variaes altimtricas, onde prevalecem as formas alongadas de topo convexo,

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    conhecidas como coxilhas. Ao lado dessas formas, a regio delineada com vastas

    superfcies planas, rampeadas, recobertas por colvios, com dissecao incipiente e

    mapeadas como Superfcies Pediplanadas (Justus; Machado e Franco, 1986).

    Resultante da evoluo da drenagem e do modelado de dissecao, os vales

    dos rios normalmente so largos e de fundo plano, encaixados nas cabeceiras. Essa

    evoluo, conforme Magna (1997, p. 40), tem acontecido desde a instalao da

    drenagem no perodo Tercirio Inferior em etapas sucessveis e descontnuas,

    intercaladas com fases de degradao lateral, resultante da alternncia de perodo de

    maior ou menor umidade e temperatura.

    A Unidade Geomorfolgica Depresso do Rio Jacu se apresenta na poro

    sul do Vale do Taquari/RS. A unidade recebe este nome devido ao fato de o Rio Jacu,

    principal curso de gua da regio, ordenar a rea de drenagem de padro subdendrtico

    (Justus; Machado e Franco, 1986).

    3.4 Vegetao

    Para Bruxel e Jasper (2005, p. 71) a regio pode ser considerada uma rea

    extremamente representativa da flora rio-grandense, uma vez que apresentava

    originalmente uma riqussima cobertura vegetal, inserida, na sua maior parte, na

    Formao da Floresta Estacional Decidual.

    Segundo Teixeira e Neto (1986), a vegetao do Vale do Taquari/RS

    enquadra-se nas regies Fitoecolgicas da Floresta Estacional Decidual e Regio de

    Floresta Ombrofila Mista.

    Apesar dos estudos j realizados, at hoje persiste uma dvida quanto

    verdadeira natureza, Decidual ou Semidecidual, da vegetao que cobre a maior parte

    do Vale do Taquari, a qual foi gerada principalmente pela mescla destes dois grupos

    fitossociolgicos (Rempel, 2000, p.19).

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    A Regio Fitoecolgica Floresta Estacional Decidual situa-se na vertente sul

    do Planalto das Araucrias, Serra Geral e Patamares, recobrindo basaltos do

    Juracretceo. Recobre tambm parte da Depresso Central Gacha, ao sul da Serra

    Geral, estendendo-se pelas plancies dos rios e terraos aluviais dos rios desta regio

    (Teixeira e Neto, 1986).

    A composio da Regio da Floresta Estacional Decidual representada por

    dois estratos arbreos distintos. O primeiro estrato, o emergente, aberto e decduo,

    com altura entre 25 e 35m. O segundo estrato, dominado e contnuo, apresenta espcies

    cuja altura no superior a 20m (Teixeira e Neto, 1986).

    Conforme Teixeira e Neto (1986, p. 580), duas espcies correspondem a

    cerca de 50% dos indivduos do estrato dominado. Para o autor, notadamente nos vales

    dos rios Taquari-Antas e Ca, os relictos observados mostram, no estrato dominado, um

    acentuado predomnio da espcie Pachystroma longifolium (mata-olho), associada

    batinga.

    As espcies do estrato emergente da Floresta Estacional Decidual so de

    origem tropical, apresentando dois perodos fisiolgicos. Um hidrfito, quando os

    elementos arbreos esto com folhas, de alta transpirao. O outro, xerfito, quando os

    elementos arbreos no esto com folhas e sem transpirao.

    Segundo Teixeira e Neto (1986, p. 581), as variaes nos gradientes

    ecolgicos fundamentais permitiram a individualizao de trs unidades fitosionmicas

    distintas: formao Aluvial, formao Submontana e formao Montana.

    A primeira unidade, a Formao Aluvial, reveste os terraos aluviais longo

    dos rios da Depresso Central Gacha, como os do Rio Taquari. Nesta formao, uma

    grande parte j foi suprimida, dando lugar s culturas cclicas e pastagens. A segunda

    formao, Floresta Submontana, ocorre na vertente sul da Serra Geral, estendendo-se

    sobre a borda do Planalto das Araucrias, nas reas de relevo ondulado. Situada em

    cotas altimtricas entre 30 e 40m, ocupando formas de relevo que variam de suavemente

    ondulado a dissecado. A terceira formao, a Floresta Montana, reveste reas de relevo

    dissecado da Serra Geral, em cotas superiores a 400 m, correspondentes s partes

    elevadas das escarpas formadas pelo vale dos rios Taquari-Antas.

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    A Floresta Montana limita-se nas cotas superiores com a Floresta Ombrfila

    Mista, apresentando formas de relevo conservado e dissecado.

    Quanto Regio Fitoecolgica Floresta Ombrfila Mista, esta ocupa grande

    parte do Planalto das Araucrias, em altitudes que variam entre 500 a 1.800m acima do

    nvel do mar. A formao recobre basaltos e efusivas cidas associadas do Juracretceo.

    A espcie Araucaria angustifolia, o pinheiro, a mais comum da Regio da

    Floresta Ombrfila Mista, pela sua importncia fitogeogrfica e comercial. Esta espcie

    apesar de ser estudada, tambm foi muito cortada para fins industriais. A partir de 1874

    uma intensa ao antrpica descaracterizou os limites originais da vegetao florestal

    que a ocupava (Teixeira e Neto, 1986).

    A regio fitoecolgica apresenta-se dividida em trs formaes,

    determinadas por limites altimtricos, a Floresta Submontana, at 400m, a Floresta

    Montana, de 400 m at 1000 m, e a Floresta Alto-Montana, acima de 1000m. No Vale

    do Taquari/RS observam-se a primeira e a segunda formao. Na formao da floresta

    so encontradas espcies como: no estrato emergente, Aracucaria angustifolia

    (pinheiro), e no estrato dominante, a Cryptocaria aschersoniana (canela-fogo) e a

    Cabralea canjerana (canjerana). J no estrato dominado, a formao composta por

    Alibertia concolor (guamirim) e Ilex paraguariensis (erva-mate) e, no estrato dos

    arbustos, ocorrem o Psychotira suterella (caf-do-mato) e a Geonoma schottiana

    (ourica), entre outros (Teixeira e Neto, 1986).

    Para os autores, a Floresta Montana ocorre em reas de relevo aplainado

    como dissecado. Em uma das reas de limite ao sul, a formao Montana limita-se com

    as Regies da Floresta Estacional, na Serra Geral, em altitudes que variam de 400 a

    800m,

    (...) formando uma linha extremamente sinuosa que acompanha as bordas

    superiores dos vales, formados pela rica rede hidrogrfica que drena dos

    planaltos citados para a Depresso Central Gacha. Em toda rea limtrofe houve uma maior ou menor interpenetrao de espcies tpicas de cada

    floresta, sempre com exceo da Araucria angustifolia (pinheiro), que

    raramente encontrada em altitudes inferiores a 400m acima do nvel do mar

    (Teixeira e Neto, 1986, p. 587).

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    Os autores mencionam que espcies como a Parapiptadenia rgida (angico-

    vermelho), a Myrocarpus frondosus (cabriva) e a Cabralea canjerana (canjerana), so

    elementos da Floresta Estacional que mais se destacaram por sua penetrao na Floresta

    Ombrfila Mista, formao Montana.

    3.5 Hidrografia

    Segundo Eckhardt et al (2007), no Vale do Taquari/RS, observa-se uma

    ampla e densa rede hidrogrfica, que corresponde a 2,35% da rea total da regio, foco

    do estudo.

    A Bacia Hidrogrfica do Rio Taquari, conforme classificao do

    Departamento Nacional de guas e Energia Eltrica DNAEE, considerada como

    mediana, pois ocupa 13,08m por hectare. H uma predominncia de arroios com a

    largura de 10m, entretanto, o Rio Taquari, principal rio da bacia, com uma extenso de

    156.547,16m e 41,77 km, e os demais rios de terceira ordem correspondem a 64,55%,

    considerando a rea coberta por lmina de gua (Eckhardt et al, 2007).

    Conforme estudos realizados por Justus; Machado e Franco (1986, p.335), o

    Rio Taquari

    (...) nasce nas superfcies elevadas da Unidade Geomorfolgica Planalto dos

    Campos Gerais, em cotas altimtricas por vezes superiores a 1.000 m. A

    confluncia dos rios Taquari e Jacu d-se em reas de relevos aplanados, em

    altitudes inferiores a 50 m, na Unidade Geomorfolgica Depresso do Rio

    Jacu. O acentuado desnvel altimtrico entre a nascente e foz constitui um

    dos fatores responsveis pela intensa dissecao que se observa na Unidade Geomorfolgica Serra Geral. O rio Taquari nasce no extremo leste do

    Planalto dos Campos Gerais com a denominao de rio das Antas. Com

    traado de direo geral E-W, apresenta vale em V profundo. Descreve no

    seu curso sinuosidades de ngulos bem fechados. Apresenta-se adaptado s

    linhas estruturais do sistema de diaclasamento existente na rea, assim como

    seus tributrios. Estes apresentam os cursos com certo paralelismo e so de

    pequenas extenses; os da margem direita tm direo geral N-S; os da

    margem esquerda, SE-NW. A partir da confluncia com o rio Carreiro, nas

    imediaes de Bento Gonalves, passa a denominar-se rio Taquari,

    apresentando seu curso fluvial com uma orientao geral NE-SW, iniciada a

    montante, logo aps a confluncia com o rio Lajeado Grande.

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    Os principais afluentes do Rio Taquari so, na margem direita, os rios

    Guapor, Forqueta e Taquari-Mirim. J na margem esquerda, so os arroios Boa Vista e

    Estrela. O Rio Taquari desemboca no Rio Jacu, na cidade de Triunfo (Bruxel e Jasper,

    2005).

    3.6 Clima

    O Vale do Taquari/RS apresenta dois tipos climticos mais gerais, o clima

    subtropical ou virginiano (Cfa), significando clima temperado moderado chuvoso, e o

    clima temperado ou de faias (Cfbl) (Magna, 1997).

    Segundo a subdiviso elaborada por Moreno (1961), baseada na isoterma

    anual de 18 C e na morfologia regional, prevalecem climas com vrias nuances:

    - Clima Cfbl a: com temperatura mdia anual inferior a 18C, temperatura

    mdia do ms mais quente inferior a 22C, pertence regio morfoclimtica

    denominada planalto basltico superior, com altitudes acima de 600 m;

    - Clima Cfa 1b: com temperatura mdia anual inferior a 18C, temperatura

    mdia do ms mais quente superior a 22C, pertence regio morfoclimtica

    denominada periferia do bordo erodido do planalto basltico;

    - Clima Cfa 2b: com temperatura mdia anual superior a 18C, temperatura

    mdia do ms mais quente superior a 22C, pertence regio morfoclimtica

    denominada peneplancie sedimentar perifrica, com altitudes inferiores a 400m.

    3.7 Fauna

    Segundo Rambo (2000), a fauna do Planalto das Araucrias e da Depresso

    Central Gacha muito variada. O autor enumera diversas espcies, entretanto,

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    selecionam-se para o presente estudo as principais, as quais habitam os matos, capes,

    campos, vrzeas e as guas. Entre elas citam-se Ozotocerus bezoarticus (veado-

    campeiro), Allouata guariba (bugio), Dasyprocta azarae (cutia), Tapirus terrestris

    (anta), Dasypus novemcintus (tatu-galinha), Myocastor coypus (rato-do-banhado),

    Tayassu pecari (porco-do-mato) e Cuniculus paca (paca). Entre as aves destacam-se

    Ortalis motmot (aracu), Aramides saracura (saracura), Crypturellus obsoletus

    (inamb), Amazonetta brasiliensis (mareca-do-p-vermelho) e Ramphastos dicolorus

    (tucano-do-bico-verde). Nas guas dos rios e lagos da regio so comuns peixes como o

    Astyanax spp (lambari), Leporinus obtusidens (piava), Pimelodus maculatus (pintado),

    Salminus maxillosus (dourado), Rhamdia spp (jundi), Hypostomus commeroni

    (cascudo) e Gymnogeophagus gymnogenys (car).

    Selecionou-se os aspectos fsicos descritos anteriormente (o relevo, a

    vegetao, a hidrografia, o clima e a fauna), como ponto de partida para verificar se a

    regio foi um atrativo devido s suas qualidades ambientais, posto que no ocorreram

    alteraes profundas nestes aspectos (exceto antrpicas), e em que medida as

    caractersticas socioeconmicas e culturais dos grupos estudados interferiram nessa

    escolha e permanncia no local.

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    4 De um ambiente inspito a um ambiente ideal: a adaptao do homem no Vale do Taquari/RS

    As pesquisas sobre as origens da presena humana no Vale do Taquari/RS

    podem assumir um importante papel na visualizao de modelos de apropriao de

    recursos naturais na regio, posto que o perodo abordado recobre em mdia um perodo

    de 10.000 anos de lutas constantes referentes sobrevivncia de grupos humanos na

    regio. Corresponde transio climtica entre o Pleistoceno e o Holoceno estgio de

    clima atual (2008). Esses grupos tiveram a necessidade, durante milnios, de mltiplas

    adaptaes a um ambiente que se modificava constantemente (Suguio, 1999).

    Convm imaginar a insero do Vale do Taquari/RS nos quadros

    climatolgicos, geomorfolgicos, faunsticos e florsticos, o paleoambiente5, numa

    regio compreendida dentro de uma caracterstica peculiar, pois, conforme Milder

    (2000, p. 119), os modelos existentes at agora para o Sul do Brasil e mesmo em escala

    continental so extremamente amplos e, na sua maior parte, so dedutivos, no

    respeitando as caractersticas peculiares de cada regio compartimentada. O estudo de

    Milder (2000) est voltado ao Mesoclima, ou seja, estudo de clima de reas

    relativamente pequenas entre 10 a 100 km de largura (Ayoade, 2007), mesmo assim, a

    base deste estudo.

    Conforme Milder (2000, p. 118), a glaciao de Wrm

    5 Paleo designa tudo que antigo (Gayrard-Valy, 1984). Neste trabalho, trata-se do estudo do ambiente

    pr-histrico para reconstruir o cenrio regional.

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    (...) iniciou-se em 70.000 AP e teve constantes fluxos e refluxos at a

    transio do Pleistoceno para o Holoceno, em um marco cronolgico ainda

    no estabelecido para a Amrica do Sul, pois existem variaes em cada regio estudada, demonstrando que as alteraes climticas no so

    uniformes.

    Entre 22 e 14 mil anos AP, o fenmeno glacial alcanou sua maior extenso

    em cobertura do planeta e baixas temperaturas. A deglaciao situou-se entre 10 e 14

    mil anos AP e o Holoceno interglacial entre zero e 10 mil anos AP. As dataes a partir

    de radiocarbono auxiliam e permitem a reconstituio desses fenmenos (Milder, 2000).

    H cerca de 18.000 anos AP a glaciao atingiu seu perodo mximo. Para

    se ter uma idia a cobertura de gelo na Antrtida era aproximadamente duas vezes a da

    atual extenso: isso se deve ao menor degelo durante os veres (Milder, 2000, p. 121).

    Segundo o autor (2000), a Terra passou por condies generalizadas de

    aridez durante a ltima glaciao, porm as precipitaes atmosfricas variaram de

    acordo com cada regio, como as de latitudes mdias, afetadas pela equatorialidade e

    setores de baixa presso.

    Para AbSber (1957), o clima semi-rido, durante o Quaternrio, teria

    ocupado mais de 50% do territrio. No momento em que o clima semi-rido avanava,

    as matas eram observadas em refgios, em locais midos. A partir de 12.000 anos atrs,

    na medida em que a temperatura comeava a aumentar, esses refgios comearam a

    formar florestas.

    Com o incio do aquecimento e o derretimento das grandes coberturas de

    gelo, as alteraes climticas foram profundas. Entre 6 e 7 mil anos AP, toda a

    cobertura de gelo desapareceu. A principal fase de deglaciao iniciou-se entre 13 e 14

    mil anos AP (Milder, 2000).

    Parolin (2001) menciona o panorama geral de Thomas e Thorp (1996), que

    traam as mudanas ambientais ocorridas nos trpicos, entre final do Pleistoceno e

    durante o Holoceno (Idades AP condies provveis):

    - 13.000 AP 12.000 AP: iniciando frio nas terras altas, e seco na maioria

    das terras baixas;

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    - 12.500 AP 11.000 AP: rpido aquecimento com clima instvel, fortes

    chuvas prolongadas na frica tropical e nvel alto dos lagos;

    - 11.000 AP 10.500 AP: intervalo frio e seco em muitas reas, baixo nvel

    dos lagos;

    - 10.500 AP 8000 AP: segundo perodo mido com altos nveis dos lagos

    e nas descargas, estabelecimento das florestas;

    - 7.800 AP 7.000 AP: reduo dos nveis dos lagos e nas descargas dos

    rios no oeste e leste da frica e no Brasil;

    - 7.000 AP 5.500 AP: aumento da umidade e modesto crescimento do

    nvel dos lagos;

    - 5.500 AP 4.200 AP: declnio da umidade em algumas reas dos trpicos

    midos (Amaznia, 5.500 AP, 4.800 AP);

    - 4.200 AP 3.400 AP: fase seca do Holoceno Mdio;

    - 3.400 AP 3.100 AP: aumento da umidade nos trpicos florestados,

    crescimento da descarga e menor oscilao da umidade;

    - 3.100 AP 2.400 AP: possivelmente mais seco acompanhado por

    desflorestamento e ocupao humana. O quadro permanece at o momento, incio do

    sculo XXI.

    De acordo com Bigarella e Becker (1975), nas pocas frias do Quaternrio,

    a Amrica do Sul era atingida por ventos secos, provocando condies de semi-aridez e

    at aridez sobre a maior parte do territrio. Isso ocorreu porque o anticiclone do

    Atlntico Sul teria se localizado mais ao norte, acima do Trpico de Capricrnio em

    latitudes tropicais, e durante o perodo glacial, as clulas de alta presso tanto do

    Atlntico Sul como do Pacfico Sul, deslocaram-se para o Norte at a latitude de 10 S.

    Considerando o panorama geral de Thomas e Thorp (1996), de que o

    perodo entre 3.100 AP a 2.400 AP possivelmente apresentava um clima mais seco,

    acompanhado por desflorestamento e ocupao humana, que segundo os autores,

    continua at o incio do sculo XXI, talvez seja possvel entender o Vale - no perodo

    entre o Pleistoceno e o Holoceno como um lugar privilegiado de contraste com o

    modelo florstico, faunstico e climtico dominante nas mais diversas regies do Rio

    Grande do Sul da poca.

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    Ao afirmar que o Vale (era) um lugar privilegiado, considera-se a

    existncia de condies geomorfolgicas que inserem o Vale do Taquari/RS na orla

    meridional do planalto, que ocasionou a proteo de certos elementos da vegetao que

    poderiam ser caracterizados como discordantes. Refere-se possibilidade de ter havido

    na regio, em virtude dos vales encaixados nos rios que formam o complexo

    hidrogrfico, vegetao do tipo subtropical. A existncia dessa formao s poderia

    ocorrer naqueles vales protegidos dos efeitos da seca e do vento, em alturas mais

    prximas dos 400m de altitude, na medida em que as encostas abruptas pudessem

    condensar um mnimo de umidade e se realizasse em virtude deste efeito a precipitao

    (Kern, 1997).

    Quando os primeiros horticultores chegaram ao Vale do Taquari/RS, cerca

    de no mnimo 1.600 atrs6, a regio era semelhante atual. Este fato comprova-se pelas

    pesquisas realizadas no stio arqueolgico RS-T 114. Durante as escavaes realizadas

    em julho/2005, foram encontrados 188 vestgios arqueofaunsticos (QUADRO 01).

    Dentre os fragmentos identificados, a maior incidncia foi de mamferos (n = 152),

    seguida de rpteis (n = 20), peixes (n = 09), aves (n = 03) e anfbios (n = 01). Trs

    fragmentos no foram classificados devido ao seu estado de conservao.

    6 Artefatos cermicos e sedimentos foram enviados ao Laboratrio de Cristais Inicos Filmes Finos e

    Datao LACIFID, do Instituto de Fsica da Universidade de So Paulo USP, coordenado pelo

    Professor Dr. Shigueo Watanabe. A tcnica empregada pelo Laboratrio para anlise das amostras foi a

    Datao por Termoluminescncia TL. Os resultados das dataes apontaram que a amostra de nmero

    7, do Setor 1 trincheira, disposto a uma profundidade de 3,73m da plancie a mais antiga, com 1410

    115 anos.

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    Classe Ordem Famlia Espcie Nome popular NF

    Mammalia

    Carnivora Hominidae Homo sp. Humano 01

    Carnivora - - Carnvoro 04

    Artiodactyla

    Cervidae Ozotocerus bezoarticus Veado-campeiro 30

    Cervidae - Cervdeo 05

    Tapiridae Tapirus terrestris Anta 01

    Tayassuidae Tayassu pecari Porco-do-mato 01

    - - - 08

    Edentata Dasypodidae Dasypus novemcinctus Tatu-galinha 06

    Primates Cebidae Allouata guariba Bugio-ruivo 02

    Rodentia

    Agoutidae Cuniculus paca Paca 06

    Capromydae Myocastor coypus Rato-do-banhado 01

    Dasyproctidae Dasyprocta azarae Cutia 01

    - - - 86

    Reptilia

    Testudines

    Emydidae Trachemis sp. Tigre-dgua 06

    Chelidae Phrynops sp. Cgado 04

    - - - 10

    Amphibia Anura - - - 01

    Pisces Siluriforme Loricariidae - - 08

    - - - 01

    Aves

    Falconiforme

    - - - 01

    - - Ave mdia 01

    - - - 01

    Fragmentos no identificados 03

    QUADRO 01 - Fauna identificada

    Legenda - NF nmero de fragmentos.

    Fonte - Setor de Arqueologia MCN UNIVATES

    O grupo que ali estava, caava animais os quais fazem parte da fauna do

    atual territrio do Vale, portanto a afirmao de o ambiente era semelhante ao atual

    procedente.

    Outro fato que corrobora a afirmao com relao flora. Os Guarani

    derrubavam a floresta para construo de suas aldeias e para o cultivo de vegetais para a

    alimentao. Uma das espcies mais conhecida a Ilex Paraguariensis (erva-mate ou

    ca em tupi-guarani), usada desde pocas pr-colombianas, sendo hoje a bebida

    estimulante provavelmente mais usada no sul da Amrica do Sul (Backes e Irgang,

    2002, p. 60).

    Mais tarde os imigrantes e seus descendentes descreveram a regio, segundo

    Ahlert e Gedoz (2001), um dos principais idealizadores e implementadores do processo

    de colonizao privada no Vale do Taquari/RS foi Antnio Fialho de Vargas, fundador

    da Colnia de Conventos, hoje municpio de Lajeado.

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    No relatrio de setembro de 1859, enviado ao governo provincial, Fialho de

    Vargas apresenta uma srie de aspectos do Vale. O relatrio diz:

    As terras so da melhor qualidade para a agricultura, produzindo feijo de

    100 a 160 alqueires por um de planta; milho, de 180 a 200, e os mais ervais

    na devida proporo; possui tambm a colnia excelentes e abundantes

    madeiras de lei para construo, e faz frente leste ao Rio Taquari e fundo a

    Oeste na Serra Geral, sendo regada ao lado Norte pelo Rio Forqueta e no

    interior por dois fortes arroios: Forquetinha e da Antas que se prestam a

    quaisquer maquinismos tocados por gua (Schierholt, 1992, p. 67).

    Como se v, a qualidade das terras e os recursos naturais que a regio

    oferecia, principalmente no sul e no centro do Vale do Taquari/RS, eram valorizados,

    pois dela poderiam ser extradas inmeras vantagens econmicas. Porm, algumas

    dificuldades se apresentavam como as cachoeiras do Rio Taquari. Schierholt (1992, p.

    67) cita relatrio, no qual Fialho de Vargas diz:

    palpitante a necessidade de que se ressente a Colnia de uma estrada de rodagem pela margem direita do Rio Taquari, na longitude de 3 lguas, at a

    barra do Arroio Castelhano, porque havendo nesta distncia 11 cachoeiras,

    no se presta o rio navegao, seno em certo tempo do ano, e isto

    desanima os produtores, que s vezes, na melhor quadra da exportao se

    vem privados de mandar seus gneros ao mercado por falta de via terrestre.

    Mesmo que a natureza apresentasse obstculos e limitaes, a abundncia

    de recursos naturais fez da regio um local apropriado para satisfer as necessidades dos

    grupos que a colonizaram. Sendo assim, o Vale experimentou a passagem de vrios

    grupos humanos. Alguns s de passagem, outros se instalaram para se estabelecerem,

    entretanto, com a vinda de outros povos com uma cultura diferente e que imps o seu

    poderio, deixaram o local. No quinto captulo faz-se a descrio dos grupos que

    elegeram o Vale como referncia.

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    5 Os atores envolvidos

    5.1 Os caadores-coletores

    Os primeiros habitantes, os caadores-coletores, do Rio Grande do Sul

    ocuparam todo o territrio, desde o Rio Uruguai at o Oceano Atlntico. Entende-se

    como caadores-coletores (Jacobus, 2006, 149),

    (...) as populaes com padro de alimentao predominantemente de caa e

    coleta, que compreende a caa de rpteis, aves e mamferos de qualquer

    tamanho e ambiente, a pesca de peixes, a coleta de moluscos, de insetos e

    suas larvas, de crustceos, de mel de abelhas silvestres, de ovos e de vegetais

    e seus produtos. Dependendo do ambiente e do padro cultural, um grupo de

    caadores-coletores ir acentuar uma ou mais destas atividades, no

    necessariamente realizando todas as aqui enumeradas. Na maioria dessas

    sociedades a coleta de vegetais e pequenos animais e seus produtos contribui em cerca de oitenta por cento da alimentao, atividade esta desenvolvida por

    mulheres e jovens. Pode ocorrer o plantio de vegetais teis como alimento,

    medicamento, atrativo para a caa e fonte de matria-prima para diversos

    fins, no domesticados, no ambiente explorado.

    Os caadores-coletores utilizavam o ambiente sem grandes transformaes.

    As tcnicas e o trabalho se uniam com aquilo que a natureza oferecia, com a qual se

    relacionavam sem outra mediao (Santos, 2006).

    Grupos de caadores-coletores escolhiam da natureza as partes ou os

    aspectos considerados fundamentais ao exerccio da vida, valorizando, diferentemente,

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    segundo os lugares e as culturas, essas condies naturais que constituam a base

    material da existncia do grupo (Santos, 2006, p. 235).

    Segundo Milder (1999, p. 10), grupos de caadores-coletores da maioria dos

    continentes possuem caractersticas comuns, o que muda so as variantes locais, as

    adaptaes de cada grupo. Desta forma os grupos humanos que penetraram nosso

    territrio ainda na Transio do Pleistoceno para o Holoceno possuam caractersticas

    gerais de grupos caadores-coletores.

    As datas registram que o homem colonizou o estado h mais de 10.000

    anos, atravessando o Rio Uruguai. Conforme Schmitz (2006, p. 16), a pesquisa sobre

    os povoadores mais antigos foi realizada por Eurico Th. Miller (1976), no sudoeste do

    Rio Grande do Sul, na margem do rio Uruguai e seus afluentes, onde encontrou

    acampamentos datados desde 10.700 a 6.600 a.C.

    Esses grupos encontraram um ambiente que ainda estava em mudana. Os

    primeiros grupos de caadores-pescadores-coletores tiveram de se adaptar ao mosaico

    de paisagens, ou seja, serra, campo e litoral. Viveram em aterros no campo, fizeram

    abrigos amontoando conchas no litoral e construram casas subterrneas no planalto

    (Kern, 1998). A temperatura mdia era mais baixa e as precipitaes eram inferiores.

    Como conseqncia, os rios teriam pouca gua e a paisagem se caracterizava como

    rida (Schmitz, 2006).

    Caadores-coletores eram nmades, e, por serem nmades e portadores de

    rudimentares artefatos, no desenvolveram a agricultura. Eles aproveitaram e

    administraram de forma correta o que o ambiente oferecia nas quatro estaes do ano

    (Milder, 1999).

    Os grupos eram formados por poucos indivduos, pois a caa e a coleta

    raramente forneciam alimento suficiente para um grande nmero de pessoas. Os grupos

    precisavam estar prontos para deslocar-se quando e para onde se deslocasse o

    suprimento de comida (Braidwood, 1988, p. 128).

    A alimentao est relacionada com o tempo e o lugar. Os alimentos

    existem no tempo e no espao, mas nem sempre no mesmo espao e no mesmo tempo.

    Desta forma justifica-se plenamente o estilo nmade (Milder, 1999, p. 13).

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    Milder (1999, p. 12) afirma que os caadores-coletores manipulavam com

    eficincia o seu meio, o que conduzia a uma diviso simples do trabalho,

    Entre os caadores, essa diviso de trabalho consiste simplesmente em que os

    homens se dediquem caa, (pelo menos o gnero de caa que leve maiores

    distncias do acampamento) e as mulheres coleta de alimentos, pesca,

    apreenso de pequenos animais que podem ser caados nos arredores do

    acampamento, alm disso, cuidam dos filhos. A dieta, observada tanto

    arqueolgica como etnograficamente, atinge um padro de 70 a 80% de

    consumo vegetal e o restante complementado pela caa (com exceo dos

    habitantes do circulo rtico).

    Como essas sociedades eram portadoras de limitada tecnologia, a

    produtividade do trabalho muito baixa. Apenas satisfaz as necessidades do grupo. A

    baixa produtividade e a escassez podem estar ligadas s poucas condies de

    armazenagem e estocagem de alimentos por longo tempo (Braidwood, 1988).

    Os primeiros caadores-coletores se estabeleceram nas plancies sul-

    sudoeste e zonas contguas encosta do planalto, em reas com vegetao no muito

    fechada, nas bordas das florestas que margeiam as zonas de campo do alto do plat sul-

    brasileiro e zona do pampa gacho, bem como regies ao abrigo da fiambria da floresta

    subtropical com ou sem araucria (Hoeltz, 1997, p. 20).

    Com o aumento gradual da temperatura, o litoral gacho comeou a ser

    colonizado. Essas populaes habitaram a costa desde o municpio de So Jos do Norte

    at Torres. Sua alimentao baseava-se principalmente na captura de moluscos,

    crustceos e peixes do mar (Schmitz, 2006).

    Os caadores-coletores no tinham um territrio nico de residncia,

    exploram uma srie de reas separadas, ocupando o ambiente at o esgotamento.

    Quando alcanavam esse estgio, o retorno investido deixa de compensar o

    investimento feito na busca das subsistncias, e o grupo se mudava para outro local

    completamente diferente (Binford, 1983), deixando que a natureza se recuperasse.

    Remanescentes dos ndios Kaingang vivem no Rio Grande do Sul. Este

    povo, caador, coletor e horticultor, que tambm conhecido como construtor das casas

    subterrneas, j esteve aqui em torno de 2.000 AP. Distribudo mais ao norte e noroeste,

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    ocupou o planalto e o litoral norte. Alm do cultivo de algumas plantas como o milho, a

    coleta era importante complemento alimentar. O pinho constitua-se rica fonte de

    alimentao, pois durante o perodo de coleta, incio do outono, os indgenas

    desfrutavam desse alimento sem terem que gastar muita energia, posto que o mesmo

    estava disponvel na natureza. As protenas necessrias eram completadas com a caa de

    animais, que tambm na poca era mais abundantes, pois algumas espcies de animais

    tambm se alimentavam do pinho e se tornavam alvo fcil (Schmitz e Becker, 2006).

    As pesquisas com populaes caadoras-coletoras no Vale do Taquari/RS

    esto em um estgio inicial, pouco se sabe sobre estas populao na regio. Entretanto,

    a paisagem local e a grande oferta de recursos naturais que a regio oferecia so indcios

    que estas terras foram ocupadas por estes grupos, pois sabe-se que os mesmos

    utilizavam artefatos rudimentares, extraiam as necessidades de subsistncia da natureza

    e, portanto, tinham uma dependncia muito grande destes recursos.

    5.2 Os horticultores

    A relao do homem com o ambiente esteve e est sempre presente. De

    alguma forma o homem modificou-o. Soffiati (2005, p. 32) assim discorre sobre o

    assunto:

    As mais antigas sociedades sapiens viviam da coleta, da pesca e da caa.

    Nelas, havia apenas a diviso sexual e tcnica de trabalho. A atividade

    econmica que as sustentava exigia-lhes um modo de vida nmade ou

    seminmade. Valendo-se de tecnologia rudimentar, tais sociedades

    desenvolveram reduzida capacidade de transformar a natureza no-humana.

    Quando algumas aprenderam a domesticar plantas e animais, produzindo a

    agricultura e o pastoreio, as novas tcnicas e tecnologias exigiram a

    converso de ecossistemas nativos em antrpicos, acarretando, em alguns casos, desequilbrios ambientais e at mesmo crises localizadas.

    As tcnicas e tecnologias transformam o contexto socioambiental, ou seja, a

    relao do homem com a natureza. Conforme o autor, a produo agrcola interferiu no

    ambiente. nesse contexto que o povo Guarani entra em cena, grupo que, por meio de

    tcnicas rudimentares, produzia alguns vegetais para a sua subsistncia.

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    O povoamento efetivo e incisivo do Estado e principalmente do Vale do

    Taquari/RS, deu-se quando grupos horticultores7 da Tradio Ceramista Tupiguarani

    comearam sua expanso8 do Amazonas para o Paraguai, Uruguai, norte de Argentina e

    diversas regies do Brasil.

    A colonizao do estado, segundo Schmitz (2006), por horticultores da

    Tradio Tupiguarani teria iniciado na inflexo do Rio Uruguai, no noroeste do Rio

    Grande do Sul. Quanto ao incio da ocupao, a data permanece uma incgnita, porm

    considera-se que foi anterior h 2.000 anos AP, conforme pesquisas realizadas por

    Milder e Soares (2002) no stio arqueolgico Rpke, s margens do Rio Jacu, no

    municpio de Ibarama/RS. Milder e Soares (2002, p. 155) afirmam: acreditamos que a

    ocupao Guarani no stio deve ter alcanado sua maior relevncia entre os anos 2200 e

    3500 antes do presente.

    A paisagem contempornea da regio pode sugerir evidncia para um

    estudo das apropriaes ambientais dos horticultores Guarani no Vale do Taquari/RS. O

    processo de ocupao territorial ocorrido no perodo posterior chegada dos imigrantes

    europeus e africanos no Vale do Taquari/RS parece confirmar uma variante ambiental

    percebido pelos antigos horticultores: a paisagem de vrzea (FIGURA 04) associada

    com a presena de grandes ou intermedirios complexos hidrogrficos.

    7 Entende-se como grupos horticultores aquelas populaes com padro de alimentao

    predominantemente baseado no cultivo de vegetais domesticados, sem a utilizao do arado e adubo, pois

    o uso desses itens caracteriza grupos agricultores. Os horticultores necessariamente caam e coletam, pois

    somente os vegetais domesticados no forneceriam as protenas essenciais sobrevivncia do organismo

    (Jacobus, 2006, p. 149 e 150).

    8 Noelli (1996) prefere usar o termo expanso e no migrao, como comum. Migrao quando um

    determinado grupo deixa um local, se retira, rumando para outro.

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    FIGURA 04 rea do Stio RS-T 114

    Fonte: Elaborado pelo autor, a partir do MCN (2007)

    Percebe-se no Vale do Taquari/RS a permanncia deste modelo, na medida

    em que as plancies dos rios da regio, como o Taquari, o Forqueta, o Forquetinha, entre

    outros, esto tomadas por atividades agrcolas, retomando o modelo de ocupao

    clssica Guarani, que se baseava na prtica de horticultura nos terraos fluviais

    (Fiegenbaum, 2006).

    Quanto ao perodo, supe-se que os horticultores do Vale do Taquari/RS

    sejam contemporneos aos horticultores do Vale do Jacu/RS. Em agosto de 2007 o

    Laboratrio de Cristais Inicos Filmes Finos e Datao - LACIFID da Universidade de

    So Paulo USP analisou por Tcnica de Termoluminescncia TL amostras de

    cermica e conclui que a mais antiga tem 1410 anos, com margem de erro de 8%

    (Machado, 2007).

    Geomorfologicamente, a ocupao Guarani desenvolveu-se numa rea de

    baixa altitude (parte baixa do Vale do Taquari/RS) e de transio (a orla imediatamente

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    inferior do planalto, exemplificada pelo rio Forqueta na direo de Marques de

    Souza/RS). Sendo assim, os horticultores Guarani tinham sua disposio um

    importante fator para desenvolver pioneiramente suas faculdades de grupo plantador do

    mato (Schmitz, 2006) no Vale do Taquari/RS pr-colonial. De fato, este dado elementar

    tem a possibilidade de abalar as estruturas do pensamento historiogrfico regional,

    calcado na perspectiva do progresso personalizado na figura do imigrante europeu do

    sculo XIX. A agricultura aparece nessas narrativas como fator conceitual intrnseco das

    populaes europias, por meio da expresso fator de desenvolvimento. Todavia, por

    meio das pesquisas j realizadas, constatou-se que foram os Guarani pr-coloniais que

    escolheram as reas de plantao (vrzeas principalmente) e fixaram a eleio desta rea

    como propcia para o cultivo de alimentos.

    As estratgias de subsistncia e os equipamentos eram praticamente iguais

    aos dos demais integrantes da famlia Tupi-Guarani, alm de outras assimilaes de

    outros grupos culturais com que travaram contatos (Noelli, 1993).

    Segundo Noelli (1993), havia algumas regras a serem observadas, como, por

    exemplo, uma aldeia no poderia ocupar novas terras sem preparao prvia, pois o

    grupo se apropriava de vegetais que encontrava e os levava consigo. Alm disso, a nova

    aldeia deveria ficar prxima das aldeias aliadas. Portanto, a expanso se dava por

    anexao contnua e paulatina de reas adjacentes.

    Uma comunidade Guarani de trs ou quatro centenas de indivduos

    necessitava de espao econmico de subsistncia e de coleta de matrias-primas num

    raio de aproximadamente 45km. Em algumas regies ricas em recursos naturais, apenas

    alguns quilmetros separavam uma aldeia da outra (Maestri, 1994).

    Algumas reas eram rejeitadas pelos Guarani, pois estes grupos evitavam e

    no se interessaram em progredir nas regies secas; evitavam tambm regies

    acidentadas, ou muito altas (Prous, 1992). A escolha dos Guarani era por ambientes que

    apresentavam clima sem estao seca, tipo Cfa (mido mesotrmico subtropical com

    veres calorosos), com temperatura mdia mais fria entre 10-21 C, pluviosidade mdia

    entre 1.200 e 2.020mm (Brochado, 1984). A regio do planalto apresentava veres

    frescos e os invernos frios, condies que no atraram populaes Guarani, pois o

    clima no era propcio para o plantio das espcies vegetais dos trpicos (Kern, 1997).

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    So raros os stios Guarani encontrados fora de reas florestadas. Os ltimos

    stios meridionais de ocupao acompanhavam as derradeiras matas ciliares prximas

    da regio de Buenos Aires. Os locais colonizados possuem aspectos similares de flora

    e fauna, sendo que nas faixas mais meridionais acabam prevalecendo as representaes

    pampeanas. Isto , pode-se dizer que os Guarani avanaram para o sul at as ltimas

    ilhas com caractersticas tropicais e subtropicais de fauna e flora (Noelli, 1993, 152).

    Segundo Noelli (1993, p. 80) os stios poderiam ser constitudos,

    (...) por uma ou vrias estruturas de habitao, obedecendo a forma da casa aos padres de organizao social Guarani. Cada habitao abrigava uma

    famlia extensa numerosa e, devido forma impositora como os Guarani se

    relacionavam com as populaes dos territrios que colonizavam, no

    deveriam ser comuns habitaes isoladas.

    Relatos dos primeiros cronistas, aps o contato europeu, descrevem que os

    assentamentos maiores ocupavam as vrzeas (FIGURA 05) e outros ambientes

    favorveis subsistncia, como reas de transio entre duas comunidades ecolgicas

    adjacentes, floresta e campo. J as aldeias menos populosas instalavam-se nos vales

    mais encaixados, reas de pouca caa (Noelli, 1993).

    As habitaes dos grupos instalados no Rio Grande do Sul tinham as

    mesmas tcnicas de construo e revestimentos de suas casas. Portanto, o tipo de

    revestimento necessitava de atividades de manejo, pois uma casa com planta baixa entre

    300 a 500m deveria ter a cobertura equivalente ao dobro da rea da planta. Sendo

    assim, o volume natural de folhas de palmeiras ou talos de gramneas possivelmente

    no suportaria uma coleta que no fosse racional ou planejada com antecipao,

    principalmente considerando-se que as aldeias seriam construdas por mais de uma

    casa. O plantio de palmeiras seria muito importante, pois alm de proporcionar

    matria-prima para suas habitaes, oferecia alimento, seus frutos comestveis (Noelli,

    1993, p. 94).

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    FIGURA 05: O stio arqueolgico RS-T 114 est localizado na margem direita do Rio Forqueta. O local

    oferecia todos os recursos necessrios para a fixao do grupo horticultor.

    Fonte: MCN (2007)

    Pode-se assegurar que a escolha do local para o assentamento estava

    intimamente ligada oferta de recursos naturais da regio, principalmente para a

    manufatura de instrumentos lticos, pois, ao longo do Rio Forqueta, so abundantes os

    bancos de seixos (cascalheiras). Da mesma forma, as vrzeas so periodicamente

    inundveis, colaborando para a acumulao de sedimentos argilosos ou areno-argilosos,

    ideal para a produo da cermica. Igualmente, a flora oferecia inmeras possibilidades

    de subsistncia do grupo horticultores Guarani, j que os recursos vegetais serviam

    desde alimentao, uso medicinal at para construes de embarcaes e de abrigos.

    Quando do reconhecimento de uma nova rea, os Guarani promoviam um

    manejo ambiental com o intuito de coletar, introduzir espcies novas e aumentar o

    nmero de vegetais dos seus interesses. O exemplo mais claro do manejo do ambiente

    a introduo das culturas, em sua maioria, vindas da Floresta Amaznica (Noelli, 1993).

    Neste contexto o Vale do Taquari/RS, especialmente as regies inseridas

    nas Unidades Geomorfolgicas Patamares da Serra Geral e Depresso Rio Jacu, foram

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    locais de grandes concentraes de grupos horticultores da Tradio Ceramista

    Tupiguarani, os Guarani, pois apresentavam caractersticas ideais para o

    estabelecimento de suas aldeias.

    5.3 A colonizao europia e a vinda de africanos

    Com a vinda do europeu, o Vale do Taquari experimentou mais uma

    transformao em seu ambiente. A colonizao europia foi vista como uma das

    principais causas do desenvolvimento socioeconmico do Rio Grande do Sul (Correa e

    Bublitz, 2006).

    A ocupao do estado um tanto tardia se comparado com o restante do

    Brasil. Para Pesavento (2002, p. 7), o Rio Grande do Sul

    Foi descoberto no incio do sc. XVI, a partir de expedies litorneas de

    explorao e comrcio de pau-brasil, tpicas da fase pr-colonizadora, que chegaram at o litoral do extremo sul do Brasil [...] a regio permaneceu

    inexplorada por mais de um sculo, enquanto que no restante da Amrica

    portuguesa se desenvolviam os engenhos de acar.

    Somente no sculo XVII o territrio gacho, que na poca pertencia a Coroa

    Espanhola, recebeu os primeiros colonizadores. Jesutas espanhis construram suas

    redues com o intuito de catequizar indgenas a uma nova ordem, a religio catlica

    (Pesavento, 2002). Nestes aldeamentos os sacerdotes ensinavam aos ndios tcnicas de

    trabalho e ministravam a catequese (Souza, 2000).

    Os jesutas atravessaram o rio Uruguai, e seguindo seus afluentes como o

    Ibicu, Iju e Piratini adentraram no futuro territrio do Rio Grande do Sul. Com os

    jesutas veio o gado bovino, cavalar e muar os quais se adaptaram e desenvolveram

    muito bem nestas regies (Souza, 2000).

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    No h registro de nenhuma reduo no Vale do Taquari, apenas a

    passagem de alguns sacerdotes vindos do norte do Estado. Os jesutas espanhis no

    tiveram tempo de organiz-las, pois com a vinda dos bandeirantes, e conseqentemente

    o aprisionamento de indgenas, estas tornaram inviveis na regio.

    No incio do sculo XVII, os bandeirantes paulistas chegaram ao estado em

    busca de escravos indgenas para serem levados principalmente a So Paulo. Encontram

    certa facilidade, pois os ndios estavam aldeados nas redues jesuticas (Souza, 2000).

    Segundo Relly; Machado e Schneider (2008), a passagem dos bandeirantes

    pelo Vale foi marcante principalmente no municpio de Colinas. Contando com a ajuda

    de ndios locais, o bandeirante Raposo Tavares teria apreendido centenas de indgenas e

    levados para a regio Sudeste do Brasil.

    So poucas fontes sobre a apropriao ambiental dos jesutas ou

    bandeirantes. A descrio da paisagem e a relao natureza/homem esto ligadas ao

    contexto indgena da poca. Segundo relatos nas Cartas nuas, certos integrantes da

    Companhia de Jesus padre Montoya, por exemplo - empreenderam fazer descries da

    abundncia de fauna, flora e recursos hdricos do que hoje se constitui o Rio Grande do

    Sul. Estes escritos se constituem numa fonte de informao a respeito da interao

    destes novos agentes (bandeirantes, jesutas, aventureiros, etc.) com o ambiente do

    Brasil meridional.

    Em meados do sculo XVIII, os primeiros colonos europeus, portugueses

    insulares, em sua maioria aorianos, se fixaram em reas do territrio meridional

    (Correa e Bublitz, 2006).

    Em 1750 foi assinado entre Portugal e Espanha o Tratado de Madri que

    devolvia a Colnia de Sacramento para Espanha. O tratado estabelecia que os Sete

    Povos9, o oeste dos atuais estados de Santa Catarina e Paran, alm do Mato Grosso e

    do Amazonas fossem territrios portugueses (Flores, 1988).

    Segundo Correa e Bublitz (2006, p. 48), com o Tratado fez-se necessria

    uma reorganizao espacial da parte sul da Amrica portuguesa. Para isso, a

    9 Os Sete Povos das Misses aldeamentos fundados pela Companhia de Jesus no RS.

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    experincia aoriana j desenvolvida na frica e no norte do Brasil foi retomada para a

    fronteira meridional Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

    Para a colonizao dos Sete Povos, o governo portugus desejava mandar

    imigrantes aorianos em troca de ndios que deveriam deixar a regio. Segundo Flores

    (1988), em 1752 foram trazidos imigrantes aorianos que inicialmente foram instalados

    s margens do rio Pardo, do rio Taquari, junto vila de Rio Grande e em Porto Alegre.

    Segundo Carvalho (2002, p.49) as primeiras sesmarias da regio do Vale

    do Taquari foram concedidas a partir de 1754 a portugueses. Os primeiros - trazidos

    pela Coroa Portuguesa - se instalaram em Taquari em 1760, cujo comandante da

    capitania era Coronel Incio Eli de Madureira. Eram 14 casais, mas apenas sete

    ficaram s margens do Rio Taquari, os outros, foram para Santo Amaro.

    5.3.1 A imigrao aoriana

    A vinda dos aorianos inaugurou uma nova fase do aproveitamento do solo

    sul-riograndense, atravs de sua ocupao com pequenas propriedades agrcolas. E,

    uma das principais culturas produzidas foi o trigo e que atravs deste, a partir de 1770,

    conseguiram prosperar, adquirindo um ou poucos escravos e requerendo sesmarias"

    (Carvalho, 2002, p. 52).

    A Coroa Portuguesa, com a poltica de povoamento, segundo Ahlert e

    Gedoz (2001), implementou a concesso de sesmarias, com o que surgiu no Rio

    Grande do Sul a propriedade privada, fato que tambm ocorreu no territrio de Taquari,

    pela primeira vez em 1754. As reas atingidas eram ao longo do Rio Taquari, em

    direo ao norte, nos atuais territrios municipais de Bom Retiro do Sul, Estrela e

    Lajeado. Estas sesmarias mais tarde se transformaram em fazendas.

    No incio do imprio, o Vale do Taquari/RS caracterizava-se como uma

    regio com a presena de fazendas extrativas escravistas e de pequenas glebas de

    colonos de origem aoriana e portuguesa. Eram especializadas na extrao de madeira e

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    erva-mate, alm da produo de subsistncia dos escravos e empregados, essas

    fazendas alcanaram um desenvolvimento menos expressivo e de tipo distinto daquelas

    vinculadas aos produtos do latifndio agroexportador escravista do nordeste e do

    sudeste (Ahlert e Gedoz, 2001, p.54).

    At 1850, o povoamento foi significativo apenas na parte sul do Vale do

    Taquari, posteriormente, segundo Ahlert e Gedoz (2001, p. 50),

    (...) estabeleceu-se na regio um expressivo setor de negcios imobilirios

    privados, mediante a transferncia de terras dos antigos proprietrios para

    empreendedores, que organizavam o loteamento e a venda de terras para os

    colonos, sob a superviso dos governos provinciais. O estabelecimento de

    colonos, como pequenos proprietrios na regio primeiro de alemes ou

    filho de colonos dessa origem desde 1853, e, depois, de italianos, no incio

    dos anos 80 veio a modificar profundamente seu panorama demogrfico,

    determinando, com isso, a ocupao de sua parte norte, at ento habitada por

    posseiros e ndios. As propriedades coloniais na regio dedicaram-se

    produo de subsistncia (lavoura e criao), mas desde cedo geraram excedentes, face necessidade de pagar dvidas com a compra de terras.

    De acordo com os autores, as primeiras fazendas que se estabeleceram na

    regio situada mais ao centro do Vale, na primeira metade do sculo XIX, foram: Boa

    Vista (hoje municpio de Estrela), Conventos Velho (Carneiros ou Lajeado), Demanda e

    So Gabriel (Cruzeiro do Sul), So Caetano (Arroio do Meio), Santo Antnio e Beija-

    Flor (Colinas).

    A escolha do local para a construo dos estabelecimentos necessrios para

    viver e trabalhar foi tambm uma preocupao dos primeiros imigrantes, que abriram

    clareiras e construram prximo aos rios. A fertilidade da regio tambm era destacada.

    Schierholt (1992, p. 45, 46) transcreve trechos do Livro de Atas da Cmara de

    Vereadores de Taquari de 1852,

    (...) na distncia de doze lguas, contadas do porto desta vila, comeam os

    terrenos devolutos na margem esquerda, acima da Fazenda Beija-Flor, e na

    direita, acima da Fazenda de Francisco Silvestre; estes terrenos so mui

    propcios para colnias agrcolas (...) ser um terreno de superior qualidade

    para agricultura; ainda h j a comodidade muito importante de campo para

    criar animais vacuns e cavalares, em nmero de 500 para cima, com as

    vantagens de limitar-se pelos rios Taquari e Forqueta e no ter pelos fundos seno terrenos devolutos at cima da Serra. (...) Outro lugar, rodeado de