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AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2006.70.01.004036-9/PR AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ADVOGADO : CARLOS EDUARDO LEVY e outro RÉU : IAP - INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ ADVOGADO : ERNESTO HAMANN RÉU : INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA : UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO : AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL RÉU : EPE - EMPRESA DE PESQUISA ENERGETICA ADVOGADO : GLÁUCIA MUNIZ DE ALMEIDA CABRAL :

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2006.70.01.004036-9/PRAUTOR

:

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALADVOGADO

:

CARLOS EDUARDO LEVY e outroRÉU

:

IAP - INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁADVOGADO

:

ERNESTO HAMANNRÉU

:

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS- IBAMA

:

UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

:

AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEELRÉU

:

EPE - EMPRESA DE PESQUISA ENERGETICAADVOGADO

:

GLÁUCIA MUNIZ DE ALMEIDA CABRAL

:

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FABRINI MUNIZ GALORÉU

:

CNEC ENGENHARIA S/A

:

RONALDO LUIS CRUSCO

:

MARCO ANTONIO VILLARINHO GOMESADVOGADO

:

EDIS MILARE e outro

:

LUCAS TAMER MILARERÉU

:

LINDSLEY DA SILVA RASCA RODRIGUESADVOGADO

:

GUILHERME DE SALLES GONCALVES

:

SACHA BRECKENFELD RECKAPENSO(S)

:

2007.70.01.000043-1

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SENTENÇA

*I. RELATÓRIO*

Trata-se de ação civil pública em matéria ambiental cumulada com ação deimprobidade administrativa, com pedido de liminar, ajuizada pelo*MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL* em face de *IAP - INSTITUTO AMBIENTAL DOPARANÁ, IBAMA - INSTITUTO BRASILEITO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOSNATURAIS RENOVÁVEIS, UNIÃO, ANEEL - AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIAELÉTRICA, EPE - EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA, CNEC ENGENHARIA S/A,RONALDO LUIS CRUSCO, MARCO ANTONIO VILLARINHO GOMES* e *LINDSLEY DASILVA RASCA RODRIGUES.*

Narra o MPF que a empresa CNEC - Engenharia S/A, autorizada pela ANEEL(registro nº 48500.002673/01-16), procedeu aos estudos de viabilidadetécnica e ambiental da Usina Hidrelétrica de Mauá, tendo para tantocontratado no ano de 2002 a empresa IGPLAN - Inteligência GeográficaLtda para a confecção de Estudo de impacto Ambiental (EIA/RIMA) eobtenção de licença prévia ambiental.

Informa que os trabalhos foram interrompidos e retomados em 2004, já sobo Novo Modelo do Setor Elétrico (Lei nº 10.848/2004), ocasião em que aIGPLAN passou a ter acompanhamento diuturno da CNEC por meio de umafuncionária e, em razão de desentendimentos entre as equipes técnicas,foi rescindido o contrato, passando a CNEC a assumir toda aresponsabilidade pela conclusão dos trabalhos. Informa que em exíguoprazo foi protocolado em 03.12.2004 o EIA/RIMA perante o órgão ambientalestadual, documento este que, a seu ver, padece de várias irregularidades.

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Alega o MPF que o empreendedor, CNEC Engenharia S/A, não obstante tenhase comprometido a utilizar-se dos dados primários produzidos pelaempresa IGPLAN, adulterou e omitiu dados constantes nos estudos destaúltima, o que fez com que as conclusões do EIA/RIMA protocolado peranteo IAP diferissem dos levantamentos já realizados. Menciona que foitotalmente suprimido o estudo antropológico acerca dos impactos sobrepopulações indígenas; que foram alteradas as conclusões sobre osimpactos na ictiofauna; que foram omitidas as referências àpossibilidade de extinção de espécies animais e vegetais; dentre outrasintervenções e alterações no conteúdo do trabalho, constatadas no cursode procedimento administrativo que tramitou junto ao MPF. Afirma aindaque tais falhas já eram apontadas por pesquisadores da UEL -Universidade Estadual de Londrina e UEM - Universidade Estadual deMaringá e pela ONG Liga Ambiental, e foram confirmadas pela equipetécnica do MPF.

Aduz que a Portaria IAP nº 070/2005 excepcionou exigência anteriormenteestabelecida pela Portaria IAP nº 120/2004, que condicionava olicenciamento de empreendimentos hidrelétricos no estado do Paraná àrealização de prévia Avaliação Ambiental Estratégica e ZoneamentoEconômico-Ecológico. Assim, o licenciamento da UHE Mauá, que tramitouperante o IAP, deixou de observar os cuidados necessários aempreendimentos desse porte. Por esta razão, entende que são nulas asaudiências públicas realizadas nos dias 05 e 06 de agosto de 2005, nosMunicípio de Telêmaco Borba e Ortigueira, eis que não foram precedidasda avaliação de estudos ambientais pelo órgão competente, tal qualpreceitua o artigo 10, inciso III, da Resolução CONAMA nº 237/97.

Defende que o EIA/RIMA apresentado pela CNEC Engenharia ao IAP, em razãode suas falhas e omissões, deveria ter sido rejeitado ou, ao menos,deveriam ter sido solicitadas complementações ao empreendedor. Nadaobstante, concedeu o IAP a Licença Ambiental Prévia nº 9589, em 07 dedezembro de 2005, com o estabelecimento de 70 condicionantes para arealização do empreendimento em questão.

Sustenta, ainda, que houve afronta ao disposto no artigo 6º, parágrafoúnico, da Resolução CONAMA 01/86 e no artigo 10, inciso I, da ResoluçãoCONAMA nº 237/97, em face da ausência de Termo de Referência válido eidôneo a orientar os estudos ambientais realizados, sendo que odocumento em questão, produzido pelo empreendedor, é desconhecido doIAP, eis que ausente tanto do EIA/RIMA quanto do processo delicenciamento ambiental nº 4.826.991-5/IAP. Defende que o Termo deReferência deve preceder todo o procedimento de licenciamento ambiental,por constituir um roteiro preliminar com a delimitação dos recortestemáticos a serem contemplados nos estudos e avaliações de impactos,servindo de orientação tanto para a equipe técnica quanto para o órgãoambiental.

Aponta o autor irregularidades decorrentes da inadequada definição daárea de influência do empreendimento, eis que não considerou impactos à

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jusante para o meio sócio-econômico. Alega que a equipe técnica do MPFconstatou que os estudos negam impactos sobre as populações indígenas dabacia do Rio Tibagi (sete áreas indígenas no total, sendo cinco Kaingange duas guarani), em especial sobre a reserva indígena de Mococa, situadaa aproximadamente 3 km à jusante do eixo da barragem. Aduz que da mesmaforma foram desconsiderados impactos à jusante sobre o meio físico esobre o meio biótico, e que há incongruências na delimitação da área deinfluência, eis que, ao mesmo tempo em que à jusante foramdesconsiderados Municípios com terras alagadas (área de influênciaindireta a jusante com aproximadamente 2,5 Km), a montante considerou naíntegra Municípios que não teriam áreas alagadas (área de influênciaindireta a montante com aproximadamente 200 Km).

No tocante ao aos impactos à jusante, argumenta que as populaçõeslocalizadas abaixo do barramento são severamente afetadas, citando comoexemplo os diagnósticos destes impactos na construção da UsinaHidrelétrica de Tucuruí, bem como mencionando os efeitos negativosdescritos pela equipe técnica do MPF. Informa que, conforme apurado emprocedimento administrativo, ao contratar a empresa IGPLAN oempreendedor CNEC já tinha definido, a seu livre arbítrio e antes dequalquer estudo, qual seria a área de influência do empreendimento, àrevelia dos possíveis impactos, que ainda não conhecia.

Prossegue argumentando que houve má-fé do empreendedor ao omitir doEIA/RIMA estudo antropológico sobre a afetação de áreas indígenas, bemcomo conivência do órgão ambiental em negar os impactos doempreendimento sobre as populações indígenas locais. Discorre acerca daexistência de impactos sobre tais populações, ressaltando mais uma vezque a aldeia indígena Mococa encontra-se localizada a apenas 3 Km ajusante do barramento, e afirmando que a negativa desses impactos colocaem risco a atividade de pesca do grupo Kaingang, essencial à suasubsistência, além de causar modificações nas matas à jusante,prejudicando o uso de plantas por essa população.

Invoca o disposto na Convenção 169 da OIT - Organização Internacional doTrabalho, bem como o artigo 216 da Constituição Federal. Discorre tambémsobre as conclusões dos levantamentos realizados pela assessoria técnicado MPF na área de antropologia, que reconhece que os indígenas da baciado Rio Tibagi formam uma unidade sociológica e cultural ampla einterligada, razão pela qual a afetação direta da área indígena Mococaimplicará também na afetação das demais comunidades indígenas ao longoda bacia, fato este também omitido no EIA/RIMA apresentado ao IAP.Informa que não foram ouvidas as comunidades indígenas durante oprocesso de licenciamento.

Noticia ainda outras irregularidades encontradas pela equipe técnica doMPF no EIA/RIMA da UHE Mauá, seja em razão da utilização pela CNEC dedados desatualizados, coletados pela COPEL no ano de 1998, seja em razãoda reunião de dados fragmentados coletados pela IGPLAN, que culminaramnum texto final desconexo e incoerente.

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Aventa, também, pretensas deficiências nos levantamentos de impactossobre a qualidade da água e o abastecimento dos municípios da Bacia doTibagi, asseverando, nesse passo, a inconsistência do EIA, por nãodefinir adequadamente a área de influência.

Com efeito, afirma que sobredito EIA, além de não avaliar os reflexos daconstrução da UHE Mauá no abastecimento dos municípios à jusante dabarragem - especialmente Londrina e Cambé -, teria omitido impactossobre o abastecimento à montante, inclusive no que concerne a municípiossituados dentro da área de inundação, tal como Telêmaco Borba quepassaria a captar água diretamente do reservatório de sobredita UHE,local este sujeito à influência da captação de água e ao lançamento deefluentes pela Indústria Klabin, impactos estes igualmente não avaliadosde maneira adequada.

Aduz que apesar de constatar o fenômeno da "eutrofização" - que, emsuma, consubstancia-se no crescimento excessivo de plantas aquáticas emvirtude do excesso de nutrientes no corpo d'água, podendo causarinterferências no uso desta -, o EIA não dimensiona todos os seusaspectos, sobretudo em razão de ter avaliado área geográfica assazdiminuta, e não a totalidade da bacia de contribuição, como seria derigor. Acrescenta, ainda, que a CNEC Engenharia não apresentou qualquermedida preventiva de mitigação ou controle do fenômeno em comento.

Entende que a deficiência atribuída ao EIA estende-se, igualmente, àdenominada "estratificação térmica" - fenômeno que interfere naqualidade da água -, bem como ao tratamento de resíduos sólidos e aosprováveis impactos sobre as águas subterrâneas. Explicita que apesar deexistirem vários aterros na área de influência do empreendimento, nãoforam esses devidamente abordados no EIA, haja vista a ausência deinformação acerca das respectivas localizações e reais condições deoperação e manutenção, bem como de possíveis interferências na qualidadeda água do futuro reservatório. Afirma, além disso, que o EIA teriadeixado de identificar uma área de deposição de sólidos, situada ao ladoda cidade de Telêmaco Borba.

Entende, assim, que as deficiências verificadas no EIA, anteriormenterelatadas, geraram a proposição de programas absolutamente falhos einsuficientes.

Relata a existência de contradições no EIA quanto ao impacto doreservatório sobre as águas subterrâneas, mais especificamente emrelação aos efeitos decorrentes da elevação do lençol freático.

Destaca a inexistência de qualquer medida ou programa de monitoramentovisando ao acompanhamento das alterações negativas que possam vir aocorrer, afigurando-se multicitado EIA omisso no que concerne àpropositura de ações voltadas ao controle das interferências queincidirão sobre a saúde pública e o saneamento para a população afetada.

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Aponta pretensas falhas no EIA no tocante ao diagnóstico e aoprognóstico ambientais da flora, por reputar não confiáveis asinformações prestadas a respeito no estudo, eis que embasados em dados elevantamentos que, além de incompletos, não são de domínio público.Indica, ainda, a ausência da descrição das metodologias utilizadas, aredundar na insuficiência dos levantamentos realizados, bem comoconsidera superficial o levantamento feito no EIA acerca dos impactossobre a flora da área indiretamente atingida pelo empreendimento.

Assevera que a área denominada "Médio Rio Tibagi" - local em que sepretende construir a UHE Mauá - vem sendo apontada como crucial para aconservação da biodiversidade da Mata Atlântica e considerada, pormuitos ambientalistas, como área de megabiodiversidade. Tanto que oMinistério do Meio Ambiente, após levantamentos realizados, considerou aárea do Médio Rio Tibagi de extrema importância biológica, prioritáriapara a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica e dos Campos Sulinos.

Sustenta que mesmo em relação à Área de Preservação Permanente - APP - oEIA afigurar-se-ia deveras superficial, por não atender às disposiçõesdo Decreto Federal nº 750, de 10 de fevereiro de 1993, tampouco àResolução Conama nº 02/1994, que o regulamentam.

Informa que o biólogo contratado pela IGPLAN, ao prestar depoimentoperante o MPF, denunciou terem sido perpetradas diversas alterações nasconclusões por ele lançadas no documento que entregara à sobreditaempresa, referente ao levantamento de impactos na vegetação. Taisalterações consistiriam em omissões de itens que influem na avaliaçãodos impactos descritos para a vegetação; na minimização desses impactos,ocasionando a generalização do estudo, ou seja, a exclusão dasespecificidades da bacia do Tibagi; na omissão de informações referentesa espécies vegetais novas, bem como às ameaçadas de extinção.

Alega que o EIA não teria avaliado a eficácia das medidas propostas comvistas à mitigação dos impactos sobre a vegetação, em afronta aodisposto no inciso III, do artigo 6º, da Resolução Conama nº 01/96.

Assim como em relação à flora, indica pretensas falhas no EIA no quepertine ao diagnóstico e ao prognóstico ambientais da fauna, o que sedeve à falta de apresentação das metodologias de trabalho adotadas, bemcomo de informação dos períodos em que foram realizadas as amostragens.Tais deficiências, segundo afirma, acentuam-se no que respeita aosgrupos de peixes e aves, tendo os biólogos responsáveis pelolevantamento de dados do EIA denunciado, quando dos depoimentosprestados perante o MPF, a adulteração dos resultados por elesobservados e entregues ao empreendedor.

Não bastasse isso, entende que a CNEC Engenharia, ao considerar de formaisolada o meio ambiente e os diversos grupos que o compõem, ignorou anecessária interdisciplinariedade a ser observada em hipóteses desse jaez.

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Vislumbra a existência de outras contradições no EIA, decorrentes, entreoutros motivos, da não avaliação de diversos pontos específicos do RioTibagi, o que evidenciaria a precariedade do estudo.

Tece considerações acerca de peculiaridades referentes às diversasespécies de peixes, não contempladas - ou, quando muito, abordadas deforma insatisfatória - no EIA, com destaque para possíveis impactosnegativos como a extinção de algumas espécies, bem como a interrupçãodos fluxos migratórios.

Reputa deficiente o EIA, ainda, no quanto toca ao levantamento deimpactos sobre o meio cultural material e imaterial, em desrespeito aosdireitos assegurados pelos artigos 215 e 216 da CF/88. Afirma que,consoante constatado por analista do MPF, perita em arqueologia, o EIAnão teria apresentado qualquer diagnóstico quanto aos aspectos dopatrimônio imaterial, tampouco medidas voltadas à mitigação de possíveisimpactos, sobretudo no que concerne aos grupos indígenas Guarani eKaingang e outros que os antecederam na região. Aponta, também,contradições existentes entre o EIA entregue ao IAP em 03/12/04 e o"Relatório Final do Projeto de Caracterização do Patrimônio Arqueológicodo EIA-RIMA da Usina Hidrelétrica Mauá", apresentado ao IPHAN em13/10/2003, nada obstante elaborados pela mesma consultora.

Insurge-se contra o que define como diagnóstico inconclusivo referenteao patrimônio cultural, devido a uma contextualização históricainconsistente e à precariedade da metodologia utilizada no levantamentode sítios arqueológicos, bem como à ausência de estudos da culturaimaterial.

Defende que a precariedade do EIA, nos termos anteriormente aduzidos,impede a realização, com segurança, de avaliação quanto à viabilidadeambiental do empreendimento em tela, alertando para o fato de queeventuais complementações de sobredito estudo deveriam constar de novoEIA/RIMA cuja submissão a nova discussão pública afigurar-se-iaimprescindível.

Sustenta que, em virtude das irregularidades apontadas, o EIA/RIMAapresentado pela CNEC Engenharia S/A não se consubstancia em instrumentoapto a receber a competente licença prévia atestando a viabilidadeambiental do empreendimento, ainda que se cogitasse da possibilidade deser complementado - hipótese essa veementemente rechaçada pelo MPF.

Afirma que o IAP, ao emitir licença prévia mesmo após ter sido alertadoacerca das falhas existentes no EIA/RIMA apresentado pela CNEC, em totaldesconformidade com os requisitos legais, assumiu todos os riscosinclusive por eventuais ato de improbidade administrativa e infraçãopenal ambiental.

Após discorrer sobre os objetivos, os requisitos e a relevância dos

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EIA/RIMA em geral, externa entendimento no sentido de que o EIA/RIMAapresentado pela CNEC há de ser declarado inexistente ou insuficiente, oque acarretaria, via de consequência, a nulidade plena da Licença Préviaconcedida no presente caso.

Nesse passo, alega que o licenciamento ambiental em questão encontra-seeivado de vícios desde o seu nascedouro, consubstanciados: a) naausência de submissão do Termo de Referência à avaliação e discussãopelo órgão licenciador, gerando EIA absolutamente imprestável aos fins aque se destina; b) na falta de adequada análise do EIA por parte do IAP,bem como de solicitação das necessárias complementações anteriormente àsaudiências públicas, tendo essas sido realizadas mesmo com base emdocumento inidôneo; c) na concessão de Licença Prévia sem que seprocedesse às complementações recomendadas pela comissão de licenciamento.

Com efeito, sustenta que em virtude das irregularidades constatadas, oEIA/RIMA da UHE de Mauá sequer comportaria complementações, devendo serrejeitado, razão pela qual as audiências públicas não poderiam ter sidorealizadas. Assim, tais audiências teriam ocorrido, no caso em testilha,em afronta aos princípios da publicidade e da participação, uma vezlastreadas em documento cuja inidoneidade era conhecida.

Menciona, além disso, que outras audiências deveriam ter sido realizadasem outros municípios que compõem a Bacia do Rio Tibagi, os quais serãoafetados caso a Usina de Mauá seja construída.

Argumenta, ainda nessa seara, que a omissão atinente aos impactos sobrepopulações indígenas no EIA/RIMA, cuja supressão intentou-se às vésperasdas audiências públicas, teria o condão de provocar, no mínimo, oadiamento destas, haja vista a ausência de consulta aos demais órgãosenvolvidos no processo - principalmente a FUNAI - acerca da questão.

Entende que vem a corroborar suas alegações o fato de o próprio ParecerTécnico 071/05-IAP-DIRAM/DLE ter arrolado, ainda que tardiamente,diversas medidas voltadas à complementação do estudo.

Conclui, nesse tópico, ao requerer a declaração de nulidade dasaudiências públicas realizadas nos dias 5 e 6 de agosto de 2005 nascidades de Telêmaco Borba e Ortigueira, que o IAP, além de violar os jámencionados princípios da publicidade e da participação, teria provocadoinversão tumultuária dos atos do processo administrativo, expondo arisco o meio ambiente, os ecossistemas e grupos sociais da bacia do Tibagi.

Outra irregularidade que aponta consubstancia-se na ausência de consultaà FUNAI, consoante já aludido, bem como ao IBAMA, em afronta ao quedispõem as Resoluções Conama nº 001/86 e nº 237/97 e SEMA nº 031/98, oque também teria o condão de eivar o procedimento administrativo,tornando-o nulo. Segundo afirma, a FUNAI, além de não ter recebido cópiado RIMA em tempo hábil para conhecimento e manifestação, não foiconvidada a participar das audiências públicas.

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Insurge-se contra o entendimento externado administrativamente pelo IAPao IBAMA, no sentido de que em se tratando de impacto indireto aconsulta à FUNAI na hipótese vertente afigurar-se-ia dispensável. Embasasua irresignação no fato de que, ainda que de impacto indireto setratasse - o que admite apenas a título de argumentação -, asconsequências por ele geradas poderiam ter maior importância esignificado que as decorrentes de um impacto direto.

Assevera a ocorrência de inversão tumultuária dos atos do processoadministrativo, haja vista o IAP ter submetido à discussão pública oEIA/RIMA antes de analisá-lo, vindo a sugerir complementações aosestudos do Parecer Técnico nº 071/05-IAP-DIRAM/DLE tão somente após arealização das audiências públicas.

Externa entendimento no sentido de ser inadmissível a transformação,pelo Presidente do IAP, das complementações (69 itens) sugeridas pelacomissão de licenciamento em meras condicionantes, eis que muitas dasmedidas estabelecidas consubstanciam-se em atividades que deveriam tersido realizadas na fase anterior do processo.

Destaca que a utilização de fatores que, em verdade, condicionam olicenciamento em si e não a atividade econômica constitui práticaincompatível com o sistema de proteção ambiental erigido a partir dopreceito inserido no artigo 225 da CF. Admite que apenas a atividadeeconômica (empreendimento potencialmente poluidor) pode sercondicionada, o mesmo não ocorrendo, em hipótese alguma, com o processoadministrativo de licenciamento, sob pena de comprometimento da sucessãológica de atos do sistema previsto nas Resoluções 001/86, 006/87 e237/97 do Conama, em total desrespeito ao devido processo ambiental.

Afirma que o estabelecimento de condicionantes que postergam arealização de estudos de impacto ambiental gera a sobreposição de fasesdistintas - a de levantamento de impactos e a de desenvolvimento doProjeto Básico Ambiental -, que deveriam ocorrer de forma sucessiva, bemcomo burla os prazos estabelecidos no artigo 15 da Resolução 237/97 doConama. Tencionando embasar tais assertivas, transcreve excertos deparecer elaborado por analista pericial em antropologia vinculada ao MPF.

Aduz que, em virtude da incapacidade técnica revelada pelo IAP,imprescindível afigura-se a atuação supletiva do IBAMA, devendo oprocesso de licenciamento ser reiniciado a partir da discussão do Termode Referência, atentando-se especialmente para a delimitação da área deinfluência do empreendimento. Fundamenta a assertiva no artigo 10 da Leinº 6.968/81. Entende que a regularização do procedimento em tela há deser feito através da presente ação, mediante controle judicial eacompanhamento do Ministério Público, devendo o IBAMA ser compelido peloJuízo a avocar o licenciamento ambiental. Cita precedentejurisprudencial em apoio a sua tese.

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Alega que a par das nulidades até então apontadas, constata-se /in casu/a má-fé do empreendedor CNEC Engenharia S.A., responsável pelaelaboração do EIA-RIMA objurgado, bem como o ato de improbidadeadministrativa praticado pelo Presidente do IAP, Sr. Lindsley da SilvaRasca Rodrigues, consubstanciado na assinatura de Licença PréviaAmbiental inválida.

No tocante à CNEC Engenharia S.A., entende pela necessidade de suspensãoliminar e posterior cancelamento de seu registro junto ao CadastroTécnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental, comlastro nos princípios da prevenção e da precaução, haja vista ter atuadocom má-fé na consecução do procedimento entelado. A uma, em virtude dautilização de forma parcial e tendenciosa dos estudos realizados pelaIGPLAN, empresa por ela inicialmente contratada, porém dispensada emmomento posterior - mencione-se que, segundo o MPF, excertos relevantesversando sobre impactos ambientais do empreendimento e constantes dosestudos da IGPLAN teriam sido suprimidos no EIA/RIMA apresentado pelaCNEC. A duas, em razão da produção de estudo assaz genérico que nãoatende às exigências técnicas previstas na normatização do Conama.

Tendo em vista a aventada invalidade dos estudos ambientais realizados,nos supracitados termos, reputa necessário o cancelamento da autorizaçãoobtida pela CNEC junto à ANEEL, com a conseqüente declaração de nulidadedo Despacho ANEEL nº 433.

Atribui ao presidente do IAP, Sr. Lindsley da Silva Rasca Rodrigues, aprática de improbidade administrativa, decorrente da concessão deLicença Prévia em desconformidade com o regramento aplicável à espécie ecom desprezo às conclusões obtidas pelas equipes técnicas no sentido danecessidade de se proceder a outros levantamentos. Assevera, nessesentido, que a atuação de supramencionada pessoa teria se dado demaneira consciente e voluntária, sendo que na hipótese vertente não lheassistiria outra alternativa, à vista da inidoneidade do EIA/RIMA, quenão a rejeição deste.

Argumenta que ainda que se considerasse válido o EIA/RIMA caberia aoadministrador, diante da discricionariedade de seu ato, motivá-lo, o queno caso em comento não se verificou.

Menciona, ainda, ser incompatível a atuação simultânea do Sr. Lindsleyda Silva Rasca Rodrigues como Presidente do IAP e Conselheiro Fiscal daCOPEL, tendo em vista a possibilidade de favorecimento desta quando daconcessão de licenças prévias por aquele órgão atestando a viabilidadeambiental de empreendimentos sujeitos a leilão. No caso específico dosautos, atenta para o fato de a COPEL ter se habilitado ao leilão.

Diz que os atos praticados pelo Presidente do IAP que culminaram com aexpedição da Licença Prévia nº 9589 feriram os princípios da legalidade,da probidade e da moralidade administrativa. Infere que uma vez previstona legislação de regência que o descumprimento de lei constitui ato de

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improbidade, o Presidente do IAP, ao descumprir a lei, teria praticadoato de improbidade, não havendo necessidade sequer de perquirir, nocaso, eventual enriquecimento indevido ou prejuízo material ao erário,haja vista tratar-se de matéria ambiental.

Considera imprescindível, nessa seara, a adoção de medidas preventivas,o que pode se perfectibilizar com o afastamento do agente causador dorisco, dentre outras sanções previstas no artigo 12 da Lei nº 8.429/92,não sendo admissível aguardar a efetiva ocorrência de danos ao meioambiente para, somente então, tomar alguma providência.

Informa que as condutas criminosas que atribui ao Presidente do IAP, nostermos da Lei nº 9.605/98, serão devidamente submetidas à apreciação doJuízo competente para julgar a matéria.

Faz menção a irregularidades verificadas em outro processo delicenciamento ambiental, qual seja, o da Linha de TransmissãoIvaiporã-Londrina II, em que é interessada a empresa UirapuruTransmissora de Energia Ltda., eis que o Presidente do IAP teriaconcedido a licença prévia ignorando orientações de sua equipe técnicano sentido da necessidade de realização de audiências públicas e sem quehouvesse um parecer ou avaliação autorizando-a. Afirma que naqueleprocedimento o acesso ao EIA/RIMA foi-lhe disponibilizado apenas depoisde já concedida a Licença Prévia, o que denotaria a má-fé por parte doórgão ambiental.

Lastreia a aventada necessidade de afastamento do Sr. Lindsey da SilvaRasca Rodrigues das funções públicas que exerce, ainda, na indevidacumulação dos cargos de Diretor-Presidente do IAP e de Secretário deEstado do Meio Ambiente desde 30/03/06.

Explicita que o afastamento ora pleiteado não é apenas o de naturezacautelar, previsto no artigo 20, da Lei nº 8.429/92, cujos requisitosencontram-se devidamente configurados, devendo também ser deferido emsede de antecipação parcial dos efeitos da tutela, nos termos do artigo273 do CPC, à vista da importância da função e da possibilidade de quema exerce adotar medidas que podem se tornar irreversíveis. Conclui,assim, que seja pelo artigo 20, da Lei nº 8.429/92, seja com base noartigo 273 do CPC, impõe-se o afastamento liminar do Sr. Lindsey daSilva Rasca Rodrigues das funções de Diretor-Presidente do IAP e deSecretário Estadual do Meio Ambiente.

Pleiteia, ainda, a condenação da CNEC ao pagamento de indenização pordanos materiais e morais, estes decorrentes do sofrimento imposto aoshabitantes dos municípios da Bacia do Rio Tibagi, especialmente aosgrupos indígenas, e aqueles representados por gastos suportados peloEstado e seus diversos órgãos na consecução das análises e avaliaçõesconcernentes ao processo em questão. Requer a intimação do Diretor-Geralda ANEEL para apresentar as planilhas de cálculo que embasaram asdeclarações por ele proferidas à imprensa no sentido de que as perdas

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decorrentes da retirada das Usinas Hidrelétricas Mauá e Dardanelos doleilão realizado em 17/12/05 podem chegar a R$ 190.000.000,00 (cento enoventa milhões de reais).

Justifica a competência deste Juízo para processar e julgar o presentefeito no fato de que perante este já tramita Ação Civil Pública (autosnº 1999.70.01.007514-6) na qual a ANAB - Associação Nacional deAtingidos por Barragens pretende seja a COPEL compelida a elaborar umúnico EIA/RIMA que considere a bacia hidrográfica do Rio Tibagi como"unidade de gestão territorial", nos termos da Lei nº 9.433/97, artigo1º, inciso V.

O MPF requereu a concessão de antecipação de tutela para:

/*_"a) suspender imediatamente o procedimento de licenciamento ambientalpela nulidade de todo o processo_*__, desde sua gênese: (i) ante àausência de Termo de Referência; (ii) pela inexistência de EIA/RIMA;(iii) pela nulidade das audiências públicas; (iv) pela ausência deconsulta aos órgãos co-legitimados; (v)pela nulidade da Licença Prévia,nos termos dos intens V, XXI, XXXIII, XXIV e XXV, respectivamente;//b) *_Suspender os efeitos da Licença Prévia irregularmenteconcedida_*__, determinando especialmente à União, ANEEL e EPE que seabstenham de incluir o empreendimento no leilão de energia marcado parao dia 10 de outubro de 2006, nos termos da Portaria MME nº 120, de26.05.06, alterada pela Portaria MME nº 178, de 13.07.06;//c) *_Determinar a atuação supletiva do IBAMA_*__, que deverá retomar oprocedimento de licenciamento desde sua gênese, com a discussão e novotermo de referência a orientar os estudos ambientais a serem refeitos,nos termo das razões expostas no item XXVI desta inicial;//d) *_Reconhecer que a bacia do Rio Tibagi é território kaingang eguarani, nos termos dos artigos 13 e 14 da Convenção 169 da OIT_*__,determinando-se ao IAP, IBAMA, EPE, ANEEL e União, que observem nosprocessos sob seus cuidados, que os estudos de impacto ambiental para aimplantação de empreendimentos hidrelétricos na bacia, deverãoconsiderar na área de influência para meio sócio-econômico e cultural,essa territorialidade, nos termos do item XII;//e) *_Suspender os registros no Cadastro Técnico Federal_*__ da empresaconsultora *CNEC - Engenharia S.A. (CTF nº 317796)* e dos consultores*Ronaldo Luís Crusco (CTF nº 315368)* e *Marco Antonio Villarinho Gomes(CTF sob nº 315976), *nos termos das razões expostas no item XXVIII;//f) *_Suspender o registro ativo junto à ANEEL de Nº 48500.002673/01-16e dos efeitos do Despacho nº 433/2005_*__, que autoriza a realização dosestudos de viabilidade da UHE Mauá pela CNEC Engenharia S.A; //[...]//2.1.2 *_a concessão de medida cautelar de produção antecipada deprova_*__, determinando a intimação do Diretor-Geral da Agência Nacionalde Energia Elétrica - ANEEL, Sr. Jerson Kelman, para que apresente asplanilhas de cálculo relativas à estimativa de prejuízos causados aoconsumidores com a produção do inexistente EIA/RIMA...;//[...] /

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/3.1.1 ...*_o afastamento imediato do réu_ */[Lindsley da Silva RascaRodrigues] /do exercício dos cargos de Secretário Estadual do MeioAmbiente e de Diretor-Presidente do Instituto Ambiental do Paraná - IAP,até o julgamento final da demanda; ou//3.1.2 *_o afastamento cautelar do réu_*__, nos termos do artigo 20,parágrafo único, da Lei 8.429/92, pelas razões dispostas no item XXXII,desta inicial.../

Já, em cognição exauriente, requereu a procedência da ação para:

/*a)* *_Declarar nulo do Termo de Referência da Usina Hidrelétrica deMauá_*__, pois não submetido à prévia apreciação do órgão ambiental, comgraves prejuízos para o resultado final dos estudos realizados, nostermos das alegações apresentadas no item VI; //*b) _Declarar inexistente o EIA/RIMA da UHE Mauá_*__, por não atenderàs disposições da Resolução Conama 01/86, nos termos das alegaçõesapresentadas no item XXI;//*c) _Declarar nulas as audiências públicas realizadas_*__ nos dias 05 e06 de agosto de 2005, nos municípios de Telêmaco Borba e Ortigueira,respectivamente, nos termos das alegações apresentadas nos itens XXIII eXXXIV;//*d) _Declarar nula a Licença Prévia nº 9589_*__, emitida em 07 dedezembro de 2005, pelo Instituto Ambiental do Paraná, pelos diversosmotivos elencados nesta inicial, mas, especialmente, pelo fato deprovocar inversão tumultuária dos atos do procedimento de licenciamentoambiental, com graves prejuízos para a gestão e controle ambientais, nostermos das alegações apresentadas no item XXV;//*e)* *_Declarar que a bacia do Rio Tibagi é território kaingang eguarani, nos termos dos artigos 13 e 14 da Convenção 169 da OIT_*__,devendo ser observado por todos os réus que os estudos de impactoambiental para a implantação de empreendimentos hidrelétricos na bacia,deverão considerar na definição da área de influência para meiosócio-econômico e cultural, essa territorialidade, nos termos do item XII;//*f) _Determinar ao IBAMA para que assuma o licenciamento ambiental daUHE Mauá_*__, por força do artigo 10 da Lei 6.938/81,*_em decorrência desua competência supletiva_, *nos termos da alegações apresentadas noitem XXVI;//*g)* *_Cancelar os registros no Cadastro Técnico Federal _*__da empresaconsultora *CNEC Engenharia S.A. (CTF nº 317796)* e dos consultorespessoas físicas *Ronaldo Luís Crusco (CTF nº 315368)* e *Marco AntonioVillarinho Gomes (CTF sob nº 315976),* nos termos das razões expostas noitem XXVIII;//*h) _Cancelar o registro ativo na ANEEL sob nº 48500.002673/01-16_*__,que autoriza a CNEC Engenharia S.A. a proceder aos estudos deviabilidade da UHE Mauá, nos termos das razões apresentadas no item XXIX;//*i) _Declarar nulo o Despacho ANEEL nº 433_*__, de 06 de abril de 2005,nos termos das razões apresentadas no item XXIX;//*j)_Condenar a CNEC Engenharia S.A ao pagamento de indenização pordanos patrimoniais_ *suportados pelos órgãos que participaram doprocesso e que deverão fazer a comprovação de sua participação e

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apresentar seus custos em sede de liquidação de sentença;//*k) _Condenar a CNEC Engenharia S.A. à indenização por danos morais ounão patrimoniais_*__, parte em favor das comunidades indígenas da Baciado Tibagi, parte em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos;///[...]/3.2.1 ... condenando o réu /[Lindsley da Silva Rasca Rodrigues] /naspenas cominadas no art.12, inciso III, da Lei 8.429/92, consistentes nadecretação://a) _da perda da função pública_;//b) _da suspensão dos direitos políticos_ de três a cinco anos; //c) _do pagamento de multa civil_ de até cem vezes o valor daremuneração percebida pelo réu;//d) _da proibição de contratar com o Poder Público_ ou receberbenefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ouindiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejasócio majoritário, pelo prazo de três anos./

Acompanharam a inicial cópia do Procedimento Administrativo MPF/PRM/LDAnº 1.25.005.000240/2006-33, composto por 1 volume, e do ProcedimentoAdministrativo nº MPF/PRM/LDA 1.25.005.000088/2005-16, composto por 5volumes e 19 anexos, acondicionados em Secretaria em autos apartados(certidão à fls. 206).

Às fls. 207, em cumprimento ao art. 2º da Lei 8437/92 e §7º do art. 17da Lei 8.429/92, foi determinada a intimação de alguns réus para semanifestarem sobre a inicial e o pedido de antecipação de tutela.

Manifestação da União às fls. 213/248, do IBAMA às fls. 254/262, daANEEL às fls. 317/332, do réu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues às fls.856/883, com a juntada dos documentos de fls. 884/1077, do IAP às fls.1405/1415, com a juntada dos documentos de fls. 1416/1497.

Às fls. 276/286, declinou-se da competência em favor do juízo de PontaGrossa.

Contra tal decisão o MPF interpôs agravo de instrumento (cópia às fls.290/308), tendo o TRF/4ª Região concedido efeito suspensivo (AI nº2006.04.00.030130-0/PR - fls. 367/370).

O MPF comparece às fls. 371/374 postulando a análise do pedido deliminar formulado na inicial e informando que há leilão designado para odia 10 de outubro, no qual se pretende ofertar o empreendimento UsinaHidrelétrica Mauá. Acostou documentos às fls. 375/446.

Em decisão de fls. 447/448 o pedido de exclusão do empreendimento UHE deMauá do leilão previsto para 10.10.06 foi considerado prejudicado,porquanto já havia sido deferido nos autos da Ação Civil Pública nº1999.70.01.007514-6.

O autor trouxe aos autos um abaixo-assinado referente à bacia do Rio

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Tibagi (fls. 450/671).

O MPF reiterou, em regime de plantão, pedido de antecipação de tutelacom vistas à exclusão do empreendimento UHE Mauá do leilão designadopara 10.10.06 (fls. 676/679), alegando temor de que a superior instânciadesse provimento aos recursos interpostos contra a decisão de primeirograu que deferiu sobredito pedido na Ação Civil Pública nº1999.70.01.007514-6.

Às fls. 689/707 foi deferido o pedido de antecipação de tutela,determinando a exclusão da Usina Hidrelétrica de Mauá do leilãodesignado para o dia 10.10.06 por fundamentos diversos dos que embasarama decisão, no mesmo sentido, proferida na Ação Civil Pública nº1999.70.01.007514-6.

Desta decisão, a União interpôs agravo (fls. 732/797), tendo o TRF/4ªRegião deferido o efeito suspensivo para sustar os efeitos da decisão defls. 689/707 (AI nº 2006.04.00.000086-5/PR - fls. 711/712 e fls.723/724). O MPF ingressou com pedido de reconsideração, mas o TRF/4ªRegião manteve a decisão que concedera efeito suspensivo ao agravo deinstrumento da União (fls. 799).

*CNEC, Ronaldo Luis Crusco e Marco Antonio Villarinho Gomes apresentam acontestação às fls. 1079/1349.*

Alegam, preliminarmente, que: (i) a atuação do Ministério PúblicoFederal é temerária e de retidão duvidosa, pois distorce, omite e dáinterpretação parcial a inúmeros fatos que envolvem a demanda; (ii) acompetência para o licenciamento é do IAP, nos termos do art. 10 da Lei6.938/81 e Resolução CONAMA 237/97, artigos 4o a 6o , pois inexisteimpacto direto a terra indígena e nem o Poder Judiciário e nem oMinistério Público podem substituir o administrador; (iii) existe umrelação entre a empresa IGPLAN, que iniciou a elaboração do EIA-RIMA, ea ONG Liga Ambiental, notória opositora do empreendimento, não havendoisenção nos depoimentos, que dão sustento à exordial, dos Srs. EuclidesGrando, Gislaine Cova Grando, Marcos Bornschein, Alexandre Uhlmann eFrancisco Lothar Lange face ao histórico de conflitos entre a empresaque representam e a CNEC; (iv) ilegitimidade passiva dos corréus RonaldoCrusco e Marco Antonio Villarinho, pois eram apenas os coordenadores naelaboração do EIA-RIMA e não praticaram qualquer ato eivado deilegalidade ou mesmo capaz de revelar eventual tentativa de fraudar oEIA-RIMA. Afirmam que, a responsabilidade civil, com base na Lei6938/81, art.14, par. 1o, somente ao empreendedor, que recolhe osbenefícios da atividade, é que pode ser imputada, sendo que RonaldoCrusco e Marco Antonio Villarinho não perceberam e nem irão perceberqualquer bônus com a viabilização do emprrendimento; (v) falta deinteresse processual (necessidade-utilidade), já que o Estado, por meiodo IAP, vem mantendo estrito controle ambiental sobre as futuras e aindaincertas intervenções no meio ambiente, através das condicionantesconstantes na Licença Prévia concedida, cujos atos administrativos no

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licenciamento ambiental gozam de presunção de legalidade e veracidade;(vi) inexiste conexão ou prevenção em face da Ação Civil Pública1999.70.01.007514-6.

No mérito, sustentam, que a CNEC observou todos os requisitos legais noque tange à elaboração do EIA-RIMA, pois: (a) houve adequação do prazopara elaboração do documento em razão da legítima rescisão do contratocom a IGPLAN; (b) foi adequada a participação da técnica da CNEC, Sra.Maria de Lourdes Küller ("Kiki"), no acompanhamento dos trabalhosrealizados pela IGPLAN (função preventiva e fiscalizatória), em virtudede expressa previsão contratual; (c) inexiste prova de qualqueradulteração ou interferência da CNEC nos trabalhos da IGPLAN; (d)inexiste prova de que os documentos registrados pelos técnicos da IGPLANem cartório, correspondam, de fato, aos que foram entregues à CNEC; (e)referidos registros não se prestam aos fins almejados, dado que talexpediente não lhes confere exatidão técnica e tampouco correspondem àverdade dos fatos discutidos na ação; (f) os técnicos da IGPLAN não sepreocuparam em discutir questões técnicas com a CNEC, bem como tomarammedidas com o nítido objetivo de induzir o entendimento de que haveriairregularidade na condução do EIA-RIMA; (g) a prática de registro emcartório, ao invés de conferir substância aos clamos do autor, apenasdescortina a má-fé que permeia os depoimentos reproduzidos na exordial;(h) os depoimentos constantes da inicial foram prestados por membros deuma organização comprometida com a inviabilização de empreendimentoshidrelétricos no rio Tibagi; (i) jamais existiu a obrigação da CNEC deproveitar, parcial ou integralmente, os textos produzidos pela IGPLAN,mormente se considerado for que a responsabilidade pelo conteúdoambiental é exclusivamente da CNEC.

Aduzem a regular elaboração e entrega do Termo de Referência ao IAP,pois: (a) o ofício "PRE/EPH/1095/02", da lavra da CNEC e datado de 25 dejunho de 2002, demonstra a regular apresentação do "Termo de Referênciapara EIA-RIMA das Usinas Hidrelétricas Telêmaco Borba e Mauá" ao entãoChefe do Departamento de Licenciamento Estratégico-DLE do IAP, Sr. PedroLuiz Fuentes, com a menção ao processo de licenciamento ambiental doempreendimento da UHE Mauá, sob o n. 4.826.940-0, que acusou seurecebimento, por meio do ofício n. 184/2002-DIRAM/DLE, de 29 de julho de2002, no entanto, de forma equivocada, pois foi denominado pelo órgãoambiental como "Termo de Referência para Avaliação AmbientalEstratégica", situação alertada pela CNEC, por meio mensagem eletrônicaao Sr. Pedro Fuentes Dias; (b) os dispositivos normativos aludidos peloautor foram plenamente atendidos, assim como houve a submissão do Termode Referência elaborado pelo empreendedor ao crivo do órgão ambiental eo atendimento das requisições adicionais formuladas neste âmbito; (c)não há qualquer irregularidade na elaboração do Termo de Referência peloempreendedor, desde que posteriormente submetido à apreciação do órgãoambiental, como foi feito; (d) a rigor, não existe qualquer previsãolegal determinando a obrigatoriedade de elaboração de Termo deReferência; (e) jamais chegou a ser elaborado um documento específicopela CNEC visando a produzir uma "Avaliação Ambiental Estratégica", pois

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tal documento não era exigível à época e, se hoje o é, incumbe ao PoderPúblico elaborá-lo, eis que integrante de políticas públicas de longoprazo; (f) as requisições ministeriais foram devidamente atendidas pelacorré CNEC.

Afirmam que definiram de forma adequada a área de influência, segundo asboas práticas para elaboração do estudo ambiental e que o autor tentatransferir a relevância dos impactos de montante (reservatório) de umausina hidrelétrica para o seu trecho de jusante, o que se mostradescabido frente à experiência do setor elétrico, que é unânime emafirmar que é o trecho de montante, ou o reservatório, o principal fatogerador de impactos de natureza ambiental. Aduzem que a CNEC adotou ocritério tecnicamente adequado de confinar área geográfica de maiorprobabilidade de ocorrência de impactos no trecho de jusante - o trechoaté o ribeirão Antas e, adicionalmente, definiu como necessárioavaliar-se outros aspectos do trecho de jusante que estariam sob riscoda ocorrência de impactos - como é o caso da comunidade indígena de Mococa.

Defendem que analisaram e delimitaram de forma adequada os impactosambientais produzidos pelo empreendimento, padecendo de erronia técnicao entendimento do parquet federal de que toda a Bacia Hidrográfica doRio Tibagi consiste na área de influência do empreendimento, pois nãoexiste na legislação ambiental a necessidade de uma prévia "avaliaçãoambiental integrada", ou outro documento de natureza semelhante,contemplando toda a bacia do Tibagi. Alegam que, mais recentemente, emalgumas bacias, a Empresa de Pesquisa Energética - EPE decidiu contratara chamada *Avaliação Ambiental Integrada, *com o objetivo de seevidenciar impactos cumulativos e sinérgicos de empreendimentoshidrelétricos. Salientam, contudo, que a "Avaliação AmbientalEstratégica-AAE" foi excetuada para o aproveitamento hidrelétrico Mauá,por meio da Portaria IAP 70, de 14 de abril de 2005, dado que este órgãoentendeu que tal exigência não se presta ao licenciamento em comento.Afirmam que a realização de um /plano /ou /estudo integrado / de umadeterminada bacia hidrográfica é obrigação do Poder Público e que, nostermos do art. 52 da Lei 9.433/97, a realização do Plano de Bacia, que,em verdade, muito se assemelha ao estudo completo/integrado pretendido,não impede a continuidade dos licenciamentos ambientais que se refiram autilização de potenciais hidráulicos.

Sustentam que o empreendimento não se insere em terras indígenas e nãogera impactos diretos e significativos sobre as populações indígenas daBacia do rio Tibagi. Afirmam que várias passagens do EIA-RIMAdemonstraram que as áreas indígenas estão situadas na */Área deInfluência Indireta /*//do empreendimento e que a Terra Indígena maispróxima - a de Mococa -, encontra-se a uma distância de 20,5 km, porestrada, a partir do local previsto para a barragem da UHE Mauá, sendoque as demais terras indígenas são ainda mais distantes que esta e,portanto, nessas os impactos indiretos porventura gerados são aindainferiores. Explanam que as terras indígenas localizadas nasproximidades do empreendimento não são demarcadas, o que as faz

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desprovidas de tutela jurídica prevista constitucionalmente, pois são"*exatamente as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios que sãodemarcadas pela União Federal". *Apesar disso, afirmam que o EIAdelimitou e identificou os impactos indiretos na comunidade indígena deMococa, em especial no trecho de ictiofauna (cf. pág. 746 do EIA).Aduzem que não houve interferência da CNEC do documento produzido pelaSra. Maria Fernanda Maranhão, mero diagnóstico das questões relacionadassomente às comunidades indígenas de Mococa e Queimados, cujo documentofoi entregue ao IAP, antes das audiências públicas, sem nenhumasolicitação de revisão por parte da CNEC, que também não impediu aconsultora Maria Fernanda Maranhão de comparecer às referidasaudiências. Observam que o texto final foi elaborado por técnicos dasCNEC. Bradam que jamais omitiram impactos a comunidades indígenas noEIA-RIMA, asseverando que os impactos aludidos como omitidos pelo autordecorrem de uma divergência entre os conceitos de área de influênciautilizados pelo MPF daqueles usados pela CNEC.

Aduzem que o empreendimento não ensejará mudanças sensíveis ousignificativas no regime hidrológico à jusante durante a sua fase deoperação, não causando impactos relacionados ao suprimento e qualidadeda água dos municípios situados na região. Afirmam que, mesmo durante afase de enchimento do reservatório, não haverá prejuízo no abastecimentodos municípios situados a jusante da UHE Mauá.

Quanto à questão da flora, afirmam que as alegações do biólogo AlexandreUhlmann (integrante da equipe da IGPLAN, responsável pelo levantamentode dados primários e secundários) de que a supressão da vegetaçãolevaria ao rompimento da conectividade entre os remanescentes florestaisde toda a bacia são impertinentes.

Defendem que os estudos da UHE Mauá utilizaram os procedimentosmetodológicos usuais e tecnicamente recomendáveis em estudos dessanatureza, com metodologias consagradas no setor, suficientes para estaetapa de EIA, com a elaboração de caracterizações e prognósticos deimpactos, que posteriormente deverão ser aprofundadas nas etapasseguintes do licenciamento, de forma concordante com os objetivosespecíficos dessas etapas- Licença de Instalação e Licença de Operação,não se podendo antecipar etapas do licenciamento.

Afirmam que a supressão de vegetação prevista para a implantação da UHEMauá, não encontra, atendidas as exigências cabíveis, vedação legal ounormativa, posto que o caráter de "utilidade pública" do empreendimentopermite tal excepcionalidade, nos termos do artigo 1º do Decreto 750/93(de constitucionalidade duvidosa) e do artigo 4º do Código Florestal.Aduzem que as informações do estudo cumpriram exigências da legislaçãoaplicável à espécie, vez que, para cada estágio, a classificação levouem conta a fisionomia, as espécies lenhosas ocorrentes, alturas dodossel, diâmetro basal, a presença de epífitas, trepadeiras, subosque eas espécies mais comuns que indicam cada estágio sucessional.

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Argumentam que a região onde se localiza o empreendimento não secaracteriza como área de megabiodiversidade, posto ter sofrido severasinterferências antrópicas pretéritas, tais como: (a) existência da PCHGetúlio Vargas, aproveitamento situado próximo ao local da UHE Mauá; (b)existência do complexo industrial Klabin e a instituição da "FazendaMonte Alegre", unidade de manejo Florestal "Klabin Florestal Paraná";(c) as áreas ainda preservadas na região decorrem de projetos dereflorestamento e manejo florestal empreendidos pela Klabin nestapropriedade ("Fazenda Monte Alegre"); (d) não ocorrência na região dosfatores caracterizadores da megabiodiversidade, quais sejam, /latitude/e as /condições climáticas/, principlamente altos índices depluviosididade; e (e) o próprio Ministério do Meio Ambiente, quandoinstado a tanto, entendeu por bem não incluir a região do Médio Tibaginas áreas destinadas à criação de unidades de conservação.

Refutaram a existência de irregularidades no diagnóstico de fauna doEIA, pois não houve adulteração dos resultados de avifauna e ictiofaunaapresentados pela empresa IGPLAN. Afirmam que os dados apresentados pelaIGPLAN detinham uma série de inconsistências não adequadas para arealização de um diagnóstico biológico real, dificultando a realizaçãode prognósticos eficazes sobre os impactos ambientais que poderão vir aocorrer na área em foco. Arrematam, neste ponto, que as complementaçõese alterações dos dados não corporificam "má-fé", mas, sim, eram medidasnecessárias para a excelência técnica e adequação do EIA-RIMA.

Averbam que não há omissões no EIA-RIMA, havendo má-fé do autor emomitir informações que lhe interessam. Anotam que inexiste ausência deinformação do EIA na análise da questão dos impactos sobre o meiocultural, havendo parecer favorável do órgão competente (IPHAN) sobre aquestão. Afirmam a regularidade dos estudos realizados e devidaaprovação, na proporção que se exige na fase inicial de licenciamentosambientais, cujos aprofundamentos devem se dar em fases posteriores doprocedimento licenciatório, o que de fato se observa da 55acondicionante da Licença Prévia.

Afirmam que também não impediu a consultora Maria Fernanda Maranhão decomparecer às referidas audiências. Aduzem a ausência de interesse doIBAMA ou FUNAI no projeto, que não se desenvolve sobre áreas indígenas,tendo havido manifestação do próprio IBAMA no sentido da competênciaexclusiva do Estado para o licenciamento.

Registram que foi regular a emissão da LP pelo IAP e correto oestabelecimento de condicionantes, não havendo afronta à legislação deregência. Apontam que a 70ª condicionante busca minimizar os impactosambientais previstos e diagnosticados no EIA, não havendo que se falarem mudança estrutural de projeto.

Sustentam que a concessão de licença prévia significa tão somente meracognição sumária das linhas gerais do empreendimento, cujascondicionantes atestam o comprometimento do órgão ambiental em garantir

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a higidez ambiental e em promover o desenvolvimento sustentável.

Defendem que o IAP possui total capacidade técnica e organizacional parao licenciamento em questão no estrito exercício da competência que lhe éatribuída pela legislação.

Afirmam que não existe má-fé dos empreendedores capaz de autorizar oabsurdo requerimento de cancelamento dos seus registros.

Registram que inexiste qualquer relação da CNEC no licenciamento dalinha de transmissão Ivaiporã-Londrina, de interesse da empresa UirapuruTransmissora de energia S/A.

Arrematam aduzindo que a CNEC não provocou qualquer dano ou prejuízo,mas, sim, que sofreu danos causados pelo autor pela indevidaobstaculização do licenciamento ambiental em prejuízo da sociedade e daCNEC. Pugnaram pela total improcedência da ação e pelo reconhecimento doautor como litigante de má-fé.

A CNEC também ingressou com pedido de impugnação ao valor da causa(autos nº 2007.70.01.000043-1, em apenso), rejeitada pela decisãoproferida em 25 de agosto de 2010, mantendo-se o valor da causa em R$113.590.000,00 (cento e treze milhões, quinhentos e noventa mil reais) -cópia às fls. 3246/3250.

Às fls. 1374 foi determinada a citação dos réus, à exceção da ré CNECENGENHARIA S/A que já apresentara contestação.

Pela deliberação judicial de fls. 1375/1394 foram apreciados osrequerimentos formulados em sede de antecipação de tutela, tendo-a sidodeferida parcialmente para que o IBAMA acompanhasse, a partir de suaintimação, o procedimento de licenciamento (art. 8o da Resolução CONAMA237/1997), podendo sugerir procedimentos ou alterações ao IAP, não sendonecessário, porém, que o IBAMA homologasse as licenças eventualmenteconcedidas pelo IAP. Determinou-se ao IBAMA, ainda, no âmbito deprodução antecipada de prova, apresentasse parecer técnico, no prazo de90 dias (prorrogáveis por motivo justo), sobre as irregularidadesapontadas pelo MPF no procedimento de licenciamento, apontandoinclusive, se necessárias, as correções e alterações que devem serefetuadas. Deferiu-se, outrossim, que, a partir da intimação, o réuLindsley da Silva Rasca Rodrigues não mais participasse, direta ouindiretamente, de qualquer atividade pertinente ao licenciamento daUsina Hidrelétrica Mauá, posto que seria também Conselheiro Fiscal daCOPEL, e a COPEL e a ELETROSUL seriam as vencedoras do leilão realizado,a fim de evitar o conflito de interesses.

Às fls. 1503/1507, Lindsley da Silva Rasca Rodrigues opôs embargos dedeclaração em face do despacho de fls. 1374.

O MPF, a CNEC, Ronaldo Luis Crusco e Marco Antonio Villarinho Gomes

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opuseram embargos de declaração em face da decisão de fls. 1375/1394(respectivamente, às fls. 1508/1519 e fls. 1529/1536).

Em cumprimento a determinação contida na decisão de fls. 1375/1394 o IAPprestou informações de fls. 1539/1540 e apresentou os documentos de fls.1541/1556.

A decisão de fls. 1570/1574 não recebeu os embargos de declaraçãoopostos por Lindsley da Silva Rasca Rodrigues e rejeitou os opostostanto pelo MPF quanto por CNEC, Ronaldo Luis Crusco e Marco AntonioVillarinho Gomes.

*A contestação do IAP foi encartada às fls. 1589/1613.*

Afirma que seus técnicos, que integraram a Portaria n. 070, de14.04.2005, e que foram incumbidos de analisar o EIA-RIMA da UHE Mauá,não entraram no mérito dos desentendimentos comerciais entre a equipetécnica da empreendedora CNEC e os técnicos das empresas contratadas,GEMPRE e IGPLAN. Aduz que somente após o ato de protocolização doEIA/RIMA da UHE Mauá junto ao IAP é que aquele se tornou público e,portanto, objeto das análises competentes.

Registra que as alegadas omissões nos estudos não passaramdespercebidas, pois o órgão estadual exigiu do empreendedor 70condicionantes e Avaliação ambiental Estratégica da Bacia do Tibagi paraa expedição da Licença de Instalação.

Averba que as audiências públicas realizadas em Telêmaco Borba eOrtigueira observaram os ditames legais, atendendo-se aos princípios dapublicidade e da participação pública que norteiam o licenciamentoambiental.

Afirma que a solicitação de esclarecimentos e complementações deveocorrer um única vez (cf. artigo 10, IV da Resolução CONAMA 237/97),após vencidas todas as etapas que antecedem a expedição da LicençaPrévia (cf. art. 7º, I Resolução 237/97).

Aduz que o empreendimento em questão não afetará diretamente ascomunidades indígenas, mas, mesmo assim, inseriu na LP, no item 1, oDetalhamento dos Requisitos de Licenciamento - "Aprofundar os EstudosEtho-ecológico e relacionar com os impactos a jusante". Sustenta que poressa razão não envolveu diretamente a FUNAI no procedimento de análisedo EIA-RIMA, embora todos os contatos tenham sido mantidos conformeOfícios n.775/2005/IAP/GP e 0440/2006/IAP/GP, este último referente àfutura Licença de Instalação.

Defende a inexistência por vício de incompetência da LP, em virtude deser o órgão ambiental competente para o licenciamento em questão, combase na Lei 6.938/81 e respectivo Decreto regulamentador n. 99.274.

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Sustenta que a Resolução SEMA/IAP n. 031, de 24 de agosto de 1998,dispõe em seus artigos 57 a 60, que o IAP deve estabelecer diretrizesgerais para elaboração do EIA/RIMA, de acordo com o contido na Resoluçãon. 01/86, e não no Termo de Referência, que não integra o procedimentoadministrativo de licenciamento consignado na Resolução SEMA 031/1998,não se submetendo à diretrizes gerais estabelecidas pelo IBAMA quanto alicenciamentos ambientais próprios da autarquia federal.

Anota que não foi omisso quando à delimitação da AID - Área deInfluência Direta e AII - Área de Influência Indireta, vez que exigiu doempreendedor a complementação dos estudos, novos referente aEtho-Ecológicos dentre outros. Diz que seus técnicos entendem que a ADA- Área Diretamente Afetada- é aquela sobre a qual incide alagamentos,com consequente supressão vegetal e necessidade de relocação depopulações, o que não se verifica com os índios, muito menos com suapesca. Afirma que o simples transitar não configura terra indígena.

Argumenta que a Convenção 169 da OIT limita a sugerir recomendações aoGoverno Federal sobre o conceito de território indígena, e que é alegislação federal que se aplica ao caso, notadamente o Estatuto doÍndio, Lei 6.001/73, e o Decreto Federal n. 1.775/96, que estabelecem odevido processo legal para a demarcação de Terras Indígenas.

Alega que seus técnicos têm grande experiência e já atuaram emaproximadamente 300 procedimentos sem qualquer contestação e que, porconsequência, estes são referência nacional em assuntos ambientais.Sustenta que, se tais técnicos chegaram à conclusão de que o EIA/RIMApoderia ser aceito, é porque o mesmo atendia as exigências técnicas elegais.

Quanto à alegada questão da perda/supressão de matas ciliares, quando daformação do lago, argumenta o IAP que a implantação de um empreendimentodo porte da UHE Mauá gera, inevitavelmente, perdas consideráveis devegetação, no entanto, em atenção à este fato, a legislação e o ÓrgãoAmbiental exigem, além da desapropriação das áreas necessárias para aformação dos lagos/reservatórios, áreas de segurança e áreas depreservação permanente, que vão variar entre 30 a 100 metros, dependendoda localização dos imóveis a serem desapropriados.

Frisa que os programas de medidas mitigadoras e compensatórias, queintegram o licenciamento, prevêem resgates de animais, coletas desementes e uma série de estudos sobre a recomposição das matas ciliares,no sentido de aproximá-las, ao máximo, da vegetação original do localimpactado.

Afirma que grande parte do conteúdo da Ação Civil Pública envolvetranscrições dos entendimentos dos Técnicos que integram a equipe doMPF, dos Técnicos das Universidades Estaduais e dos Técnicos queparticiparam da elaboração do EIA/RIMA, que alegaram que parte de seustrabalhos foi suprimida ou desconsiderada. No entanto, alega que o

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documento que foi alvo de análise pelo Instituto era o documento oficiale que todas as informações que chegaram ao Órgão foram levadas emconsideração, inclusive os subsídios colhidos nas Audiências Públicas.

Aduz que a equipe responsável pela análise do EIA/RIMA emitiu suasinferências em parecer próprio e que, em conjunto com todas asinformações das Audiências Públicas e demais subsídios, deu origem às 70exigências que integraram a Licença Prévia e que deverão ser atendidaspelo empreendedor (consórcio energético Cruzeiro do Sul - COPEL EELETROSUL) para a obtenção das demais licenças necessárias.

Refuta a inexistência ou insuficiência do EIA/RIMA e aduz que ascomplementações são uma melhor saída à simples rejeição do estudo, comorequer o Autor. Salienta que entendimentos antagônicos são comuns àqualquer empreendimento, mas o que deve preponderar é adiscricionariedade da Administração.

No tocante às audiências públicas, anota que a parte autora distorce osfatos e que foram realizadas conforme preconiza a Resolução n° 09/87 doCONAMA e que, somente depois de vencidas todas as etapas é que a LicençaPrévia foi expedida, tendo, inclusive, a parte autora participado deambas as Audiências, onde teceu as considerações que achou oportunas,sem, no entanto, impugná-las, tendo, por consequência, corroborado comsua eficácia legal e administrativa.

Acerca da ausência de consultas à FUNAI e ao IBAMA, alega o IAP que seustécnicos procederam a vistorias técnicas que lhes permitiram averiguar anão interferência direta do Empreendimento em relação às comunidadesindígenas. Afirma, ainda, que o IBAMA considerou ser da competência doIAP o licenciamento ambiental da UHE, podendo aquele instituto (IBAMA),caso constatasse problemas no EIA/RIMA, vir a acompanhar e auxiliar oIAP na tarefa.

Salienta que o parecer técnico do IBAMA irá confirmar que não ocorreramfalhas no licenciamento do IAP e que as solicitações de complementação,feitas no estrito cumprimento legal, não implicam na negativa da LicençaPrévia à UHE sendo apenas medidas para reforçar a convicção e paraatender sugestões advindas de terceiros ao longo do procedimento delicenciamento.

Sobre a compensação ambiental, o IAP afirma que segundo a Resoluçãon°371, de 05 de abril de 2006, não será exigido o desembolso dacompensação ambiental antes da emissão da Licença de Instalação, sendoque a fixação do montante da mesma e a celebração do termo decompromisso correspondente deverão ocorrer no momento da emissão daLicença de Instalação, ou seja, existe um momento pertinente para exigiras medidas compensatórias.

Pugnou pela improcedência.

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O IBAMA interpôs agravo retido contra a decisão que lhe determinouacompanhar o procedimento de licenciamento versado na demanda (fls.1632/1636).

Às fls. 1640/1672, Lindsley da Silva Rasca Rodrigues interpôs agravo deinstrumento contra a decisão de fls. 1375/1394, e o TRF/4ª negou efeitosuspensivo e provimento ao recurso (AI - 2007.04.00.016086-1/PR - fls.2006 e fls. 2376/2380).

Às fls. 1674/1694, a CNEC, Ronaldo Luis Crusco e Marco AntonioVillarinho Gomes interpuseram agravo de instrumento contra a decisão defls. 1570/1574, que rejeitou os embargos de declaração por eles opostos,tendo o TRF/4ª negado o efeito suspensivo e provimento ao recurso (AI2007.04.00.014685-2/PR - fls. 1761/1764 e fls. 2439/2451).

O MPF também interpôs agravo de instrumento contra a decisão de fls.1375/1394, com pedido de retratação (fls. 1767/1827), mas o TRF/4ª negouefeito suspensivo e provimento ao recurso (AI 2007.04.00.016481-7/PR -fls. 1840/1852 e fls. 2466/2500).

*A União apresentou a contestação de fls. 1695/1732.*

Defende que a competência para o licenciamento da UHE Mauá é do IAP.Afirma que a competência dos integrantes do SISNAMA para realizar olicenciamento ambiental tem como fundamento o "impacto ambiental" doempreendimento ou atividade e que em nenhum momento a legislaçãoambiental brasileira atrela a competência para realização dolicenciamento ambiental à dominialidade do bem afetado ou à existênciade supostos vícios de procedimento de licenciamento ambiental,viabilizando a transferir a competência para outro órgão integrante doSistema Nacional do Meio Ambiente.

Diz que a competência supletiva do IBAMA deve ser exercida em duassituações: se o órgão estadual ambiental for inepto ou se o órgãopermanecer inerte ou omisso, e não quando o órgão ambiental, noexercício de suas competências, atue, mesmo na hipótese em que essaatuação venha sendo questionada.

Insiste que não cabe ao IBAMA assumir o licenciamento ambiental, sob ofundamento de que o órgão estadual, supostamente, não atuou de acordocom os procedimentos legais. Incumbe ao órgão estadual de meio ambienterever seus atos, adequando-os, conforme a legalidade, se este for o caso.

Refuta o argumento do MPF de que houve suposta influência direta doempreendimento sobre área indígena, já que as terras apontadas pelo/parquet/ (cinco áreas Kaingang - Mococa, Queimadas, Apucarana, SãoJerônimo e Barão de Antonina e duas áreas Guarani - Pinhalzinho eLaranjinha, englobando um total de três etnias: Kaingang, Guarani eXetá) não se encontram na área de influência direta do empreendimento.Sustenta que pela simples razão de não haver impactos diretos e,

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tampouco, o empreendimento se localizar dentro das terras indígenas, nãocabe a recomendação para transferência de competência para o IBAMA.

Averba que o EIA/RIMA demonstra que a terra indígena mais próxima doempreendimento é a de Mococa, que se encontra a 20,5Km, por estrada, apartir do local previsto para a barragem da UHE Mauá, sendo que asdemais terras são ainda mais distantes. Aduz estar a situação de acordocom o que dispõe a Lei n° 6.938/81 e o Decreto n° 99.274.

Anota que a área indígena foi devidamente demarcada pelo decreto federals/n°, de 23 de maio de 1996, homologando a demarcação administrativa daTerra Indígena de Tibagi/Mococa, e que conforme o perímetro demarcado, econfrontando esta área com o local de instalação da UHE, percebe-se que,além da já mencionada distância entre ambos, na estrada que aparta oempreendimento da terra indígena existem, no percurso, três comunidadesrurais, quais sejam: Palmital, Sapé e Natingui, como também se avizinhade um imóvel em que há um assentamento do INCRA. Desse modo, afirmarestar clara a existência de um impacto na cultura e nos usos e costumesdaqueles indígenas, o qual advém da proximidade com a população quehabita as comunidades rurais e o referido assentamento, fato que nãoserá agravado pela implantação do empreendimento.

Defende que os impactos sobre a terra indígena indiretos não deslocam acompetência do licenciamento ambiental para o âmbito federal. E issoporque a tutela constitucional ao índio não se estende aos atos e fatosque ocorrem fora da localidade da área demarcada para sua preservação.

Considera inquestionável a validade da Licença Prévia n° 9589/2005,concedida pelo IAP e aduz que não há impedimentos, do ponto de vista dolicenciamento ambiental, para este empreendimento hidrelétricoparticipar do leilão, tendo sido os requisitos estabelecidos devidamenteatendidos, incluindo a obtenção da Licença Prévia junto ao IAP, órgãocompetente para avaliar a viabilidade ambiental do empreendimento.

Teceu considerações sobre os principais aspectos socioambientaisidentificados no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e ProgramasSocioambientais estabelecidos no processo de licenciamento ambiental,compreendendo: (i) Diagnóstico Socioambiental; (ii) Avaliação de ImpactoAmbiental; (iii) Programas Socioambientais.

Destacou os prejuízos que terá o setor elétrico na hipótese derecebimento do pedido de antecipação liminar da tutela na Ação CivilPública. Afirma que estudos prévios da COPEL embasam a viabilidade doempreendimento e que a bacia hidrográfica do Rio Tibagi tem sido objetode freqüentes estudos para que a ANEEL possa cumprir o seu papel deórgão competente para a análise e para que a sua decisão se faça sobre omelhor estudo apresentado e pela melhor tarifa dada no leilão, para quea concessão recaia sobre os melhores potenciais hidrelétricos detectadosao longo do processo.

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Discorreu sobre as razões para que se proceder à expansão do setorelétrico brasileiro, tendo em vista a necessidade de expansão eampliação da oferta de energia elétrica desde os "apagões", considerandoque as sobras de energia elétrica ainda existentes são consequência daretração do mercado durante o apagão, mas o Operador Nacional do SistemaElétrico - NOS, indicou que não estão previstos riscos no suprimento deenergia elética até 2008, mas desde que os empreendimentos constantesdos planos energéticos estejam concluídos dentro dos prazos previstos.

Defende a representatividade da UHE Mauá para o sistema interligadonacional e que o empreendimento representa uma fatia não dispensável domontante total de energia a ser licitado, necessário para que o setorpossa colocar esse montante à disposição do sistema elétrico integradoaté 2009/2010. Diz que a UHE Mauá faz parte do Plano decenal de Expansãoda Energia Elétrica 2006-2015, emitida pelo Ministério de Minas eEnergia, e visa garantir o equilíbrio da oferta e demanda de energiaelétrica no Sistema Interligado Nacional a partir do ano de 2011.

Cita dados de energia elétrica a ser gerada pela UHE Mauá: 2,5% dademanda do subsistema sul, 2,5% do total da oferta de energia dosubsistema sul, 5% da capacidade instalada do Estado do Paraná.Argumenta ser de suma importância a UHE para aumentar a oferta deenergia elétrica necessária para garantir o equilíbrio entre a oferta edemanda, minimizando os efeitos das secas. Pede que sejam mantidas todasas etapas para os leilões previamente estabelecidas, de forma a nãocomprometer a estabilidade do setor e provocar um desequilíbrioeconômico e social, o que acarretaria prejuízo para todos.

Averba que o MPF teria tentado invadir o mérito administrativo quandopretendeu fosse declarado nulo o despacho da ANEEL n°433, o qual anuiucom o aceite dos estudos de viabilidade, sob o fundamento da inadequaçãodos estudos de viabilidade técnica.

Discorre acerca do iter procedimental para aquisição da Licença Prévia ediz que a ANEEL vem se conduzindo dentro dos limites e comandos legais,não havendo motivo para anulação dos seus atos legais e legítimos peloPoder Judiciário. Diz que o deferimento da providência jurisdicionalpleiteada pelo MPF representaria uma afronta direta ao princípio daseparação de poderes, visto que o Judiciário estaria, assim,imiscuindo-se em questão de conteúdo eminentemente discricionário daAdministração Pública. Mesmo quando invocado, o Poder Judiciário nãopoderá violar o mérito do ato administrativo, vez que este foi praticadodentro de critérios de razoabilidade, sob pena de invadir a liberdadeconferida pela lei à Administração para decidir segundo uma estimativada situação e critérios de conveniência e oportunidade.

Pediu pela total improcedência da ação, com a condenação da parte autoranas cominações legais.

*Lindslay da Silva Rasca Rodrigues apresentou a contestação de fls.

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1734/1759.*Inicialmente alega a ilegitimidade do Ministério Público Federal parademandar a Ação de Improbidade Administrativa. Sustenta que de acordocom a Lei Federal n°75/93, o MPF tem competência para atuar nos mesmosfeitos em que for competente para julgamento a Justiça Federal,Especializada ou comum. Nos demais casos, em interpretação residual,caberá a legitimidade ativa ao Ministério Público Estadual.

Quanto ao mérito discorre acerca da natureza da licença prévia, alegandonão consistir em autorização para construção da UHE, sendo, em verdade,procedimento preliminar, em que um projeto é submetido a Estudo deImpacto Ambiental e levado à apreciação do órgão ambiental competente,para que seja ou não aprovada a localização de determinadoempreendimento e que sejam impostas as condicionantes que devem seratendidas no seu projeto definitivo.

Afirma que, no presente caso, a concessão da licença prévia nãosignificou total concordância do IAP com o empreendimento, autorizandosua instalação imediata e sem qualquer correção. Significou, sim, aautorização prévia do Projeto, mas resguardadas as 70 condicionantesimpostas pelo IAP para o Projeto definitivo.

Alega que, existindo licença prévia, o projeto poderá ser leiloado entreos interessados na construção da usina, mas que, no entanto, ainstalação do empreendimento estará sujeita à concessão da Licença deInstalação à Empresa arrematante, a qual somente será deferida pelo IAPse forem atendidas todas as 70 condicionantes descritas na LicençaPrévia. E ainda, ressalta que o início da operação da UHE ainda estarácondicionado a uma inspeção final do IAP e à concessão de Licença deOperação, se atendidas as condicionantes e respeitado, na íntegra, oprojeto definitivo.

Argumenta que o IAP e o Sr. Lindsley jamais foram comunicados, durante oprocesso de licenciamento prévio, de supostas manipulações eadulterações no EIA/RIMA elaborado pelos interessados na aprovação doprojeto da UHE, isso porque ambos estavam unicamente comprometidos com aanálise técnica, científica, administrativa e jurídica dos diversosestudos que lhe são apresentados, jamais com a concessão descontroladade licenças.

Refuta o argumento do autor de falta de publicidade dizendo que foi dadaampla publicidade ao procedimento, conforme determina a Resolução n°06 ea Resolução n°237, desde a sua abertura até a concessão da LicençaPrévia, sendo, inclusive, objeto de publicação no Diário Oficial do Estado.

Explica ter sido designada uma Comissão Multidisciplinar para avaliaçãodo EIA/RIMA e do projeto da UHE Mauá, a qual desenvolveu trabalhosamplamente transparentes, ouvindo pareceres técnicos de uma série deórgãos, dentre eles a MINEROPAR, a SUDERHSA, Municípios afetos aoempreendimento e Universidades Estaduais (UEL e UEM).

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Lembra a realização das audiências públicas, antecedidas das devidaspublicações, através das quais a população e o MPF foram convocados paraparticipar dos eventos, opinar a respeito dos estudos, dirimir dúvidas.

Consigna que a FUNAI e o IBAMA não participaram das referidas audiênciasjustamente pelo fato de que a competência para o licenciamento, no caso,pertence ao IAP e por inexistir afetação direta das áreas indígenas(consoante parecer proferido pelo Escritório de Advocacia Milaré Advogados).

Sustenta que o IAP não tem obrigação legal de emitir termo de referênciajá que, em se tratando de licenciamento de competência estadual, asResoluções 237/97 e 01/86 do CONAMA são substituídas por legislaçãoprocedimental estadual (SEMA/IAP 031/98 que impõe ao IAP apenasestabelecer diretrizes gerais para elaboração do EIA/RIMA, dispensando aconfecção de Termo de Referência), de acordo com a repartição decompetências do art. 24 da CF.

Quanto à afetação de terras indígenas, alega que o IAP levou emconsideração não só os estudos apresentados pelo EIA/RIMA, como tambémdiversos estudos antropológicos, realizando, inclusive, vistoriastécnicas, aéreas e terrestres, que possibilitaram concluir pela nãointerferência direta do empreendimento em relação às comunidades indígenas.

Reafirma que as complementações sugeridas pela Comissão Multidisciplinarnão implicavam a reprovação do projeto, mas sim a concessão de LicençaPrévia sob a condição de atendimento de 70 complementações expressamentedescritas no termo de Licença Prévia, ou seja, o empreendimento não foiaprovado para imediata intervenção física nas áreas atingidas pela UHEde Mauá, apenas seu projeto foi previamente licenciado e sujeito acomplementações

Diz não ter razão o autor quando afirma que o ato de concessão delicença não teria sido devidamente motivado, já que a motivação existiuno processo administrativo referente ao licenciamento, contando,inclusive, com parecer técnico da Diretoria de Recursos Ambientais.Sustenta que a presença do motivo decorre do EIA/RIMA apresentado e detodas as avaliações e consultas técnicas, pareceres e audiênciaspúblicas realizadas pelo IAP, que indicaram a necessidade de concessãode Licença Prévia com todas as 70 condicionantes, em exato atendimentoao disposto no art. 8° da Resolução 237/97 do CONAMA.

Nega que, ao excepcionar 4 empreendimentos hidrelétricos abordados naPortaria n°120/2004IAPGP, teria atuado de forma política, sem respaldotécnico, dispensando-os de Estudos de Avaliação Estratégica de BaciaHidrográfica porque diz que tão logo após a expedição da LP, foi exigidoda EPE a realização do supra citado estudo também como condicionante da LP.

Afirma não ter procedência a afirmação do autor de que o IAP e o Sr.Lindsley teriam sido coniventes com supostas deficiências do EIA/RIMA em

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relação ao estudo da área de influência da UHE Mauá justamente porque oórgão ambiental estadual analisou cautelosamente as avaliaçõesconstantes do EIA/RIMA, conduzindo estudos diversos para avaliar a suaprocedência e realizando vistorias na região, acompanhadas, inclusive,por técnicos da FUNAI. Além disso, afirma ter o IAP realizado reuniõestécnicas não exigidas na legislação, para ouvir técnicos da sociedadecivil e demais instituições públicas, sem deixar de lado as audiênciaspúblicas, em que foi oportunizada a intervenção popular.

Refuta a existência de improbidade, haja vista a ausência de dolo oumá-fé objetiva. Alega que a mera existência de ilegalidade não justificaa condenação ás penas do art. 12, III da Lei de ImprobidadeAdministrativa e que a reprovação da conduta do Sr. Lindsley, em sede deimprobidade, deve estar condicionada a comprovação do agir doloso,desonesto ou de má-fé, em violação aos Princípios da Administração Pública.

Afirma que no presente caso, não foi demonstrado qualquer indício dedolo ou má-fé na atuação do réu, enquanto presidente do IAP, sejaprocesso de licenciamento em exame, seja no licenciamento da Linha deTransmissão Ivaiporã-Londrina, seja em geral, na sua atuação.

Quanto ao licenciamento da UHE Mauá, afirma que sua atuação se revestiude boa-fé e da diligência exigida do administrador público, já que foramrigorosamente seguidos todos os procedimentos legais exigidos para aprática desse ato administrativo, inexistindo qualquer vicio acontaminar a lisura do processo, tendo, inclusive, ido além do queexigia a Resolução 237/97 do CONAMA.

Diz, ainda, que equivoca-se o MPF ao afirmar que a cumulação do cargo deconselheiro da COPEL, com o de presidente do IAP gerariaincompatibilidade de requerido para assinar a licença prévia da UHE jáque a concessão da Licença Prévia não apresentou qualquer benefício àCOPEL porque essa não era titular do projeto e porque, ainda queinteressada fosse, teria que se submeter à concorrência em Leilão, comum número ilimitado de empresas, sem garantia de vitória.

Aduz que o licenciamento assinado pelo Sr. Lindsley não apresentavaqualquer benefício à COPEL ou garantias de sagrar vitoriosa no Leilão daUHE, o que afastaria qualquer tipo de incompatibilidade. Por fim, afirmaque a atuação do requerido, como conselheiro da COPEL, foi sempremarcada por críticas e sugestões à política ambiental da empresa e quenunca levantou, debateu ou deliberou sobre o empreendimento da Usina deMauá, tendo como prova a simples consulta ao arquivo de atas da Comissãode Valores Imobiliários, sob n°1431-1 e, em sendo assim, alega não terque falar em favorecimento da COPEL ou de qualquer outra empresa, porparte do réu, no processo de licenciamento da Usina.

Pugna pelo reconhecimento da ilegitimidade ativa do MPF para propor Açãode Improbidade Administrativa contra o réu e seja julgada improcedente aAção, uma vez que inexiste, sob qualquer ótica, ato de improbidade

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administrativa do requerido, quer no Licenciamento da UHE Mauá, quer noLicenciamento da linha de transmissão Ivaipora-Londrina.

O TRF/4ª negou seguimento ao agravo de instrumento interposto pela União(cópia às fls. 732/797), contra a decisão de fls. 689/707, que haviadeterminado à ANEEL a exclusão do empreendimento da UHE Mauá do leilãodo dia 10.10.2006, pela perda de objeto (fls. 1831/1832).

Em cumprimento à determinação contida no subitem "g" de fls. 1393 aANEEL apresentou documentos (fls. 1834/1838, repetidos às fls. 1854/1858).

*O IBAMA apresentou a contestação de fls. 1861/1880.*Discorre acerca da competência supletiva do IBAMA, e inicia sua defesadizendo que o Tribunal já reconheceu a competência do IAP para conduziro licenciamento da usina em questão (cita trecho da decisão).

Afirma que, reconhecida a competência do IAP, não pode permanecer sequera determinação para que o IBAMA acompanhe o procedimento junto ao IAP,já que tal acompanhamento carece de qualquer fundamento jurídico, hajavista inexistir qualquer previsão legal nesse sentido. Aduz que uma vezreconhecida a competência do IAP, não pode o IBAMA arvorar-se em"corregedor" do órgão estadual, posto que inexiste qualquer hierarquiaentre eles.

Sustenta que a competência dos integrantes do SISNAMA para realizar olicenciamento ambiental tem como fundamento o "impacto ambiental" doempreendimento ou atividade e que, em nenhum momento, a legislaçãoambiental brasileira atrela a competência para a realização dolicenciamento ambiental à dominialidade do bem afetado e quanto aoDireito Ambiental, o licenciamento ambiental ganha matriz específica emrazão do bem jurídico envolvido, qual seja, o meio ambiente.

Defende que não basta que a atividade licenciada atinja ou se localizeem bem da União para que fique caracterizada a competência do IBAMA paraefetuar o licenciamento ambiental. O licenciamento dá-se em razão daabrangência do impacto ao meio ambiente e não em virtude da titularidadedo bem atingido.

Assevera que o licenciamento ambiental é procedimento de controle préviodas atividades potencialmente causadoras de impacto sobre o meioambiente, sendo que os atos dele decorrentes não implicam na liberaçãoou na vulneração da necessária concessão outorgada pelo poder públicopara exploração de bens da sua titularidade.

Argumenta que na determinação de competências para a realização delicenciamento ambiental, deve prevalecer o critério do alcance o"impacto ambiental direto", intrínseco ao direito ambiental segundo osditames constitucionais e não o critério da titularidade do bem.

Para refutar o argumento do MPF de que há impactos indiretos em reservas

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indígenas, diz que os impactos indiretos de um empreendimento podem serinfinitos, e até mesmo insignificantes diante dos impactos diretos, eque, dessa forma, não se deve determinar a competência para licenciar deacordo com os impactos indiretos, sobretudo em se tratando de umempreendimento hidrelétrico.

Diz que o simples acompanhamento do processo de licenciamento, por partedo IBAMA, já configura interferência de outro nível de competência.Afirma ser certo que existem indícios de irregularidade no EIA/RIMA, maso acompanhamento do IBAMA não será capaz de elidi-los, somente o próprioIAP ou o Poder Judiciário poderão reverter eventuais vícios existentes.

Alega que, até mesmo a determinação da apresentação de parecer técnico arespeito dos vícios elencados na inicial, merece reforma, porque o IBAMAé autarquia federal, e, como tal, tem sua competência prevista em lei,dispondo de recursos escassos para o desempenho de suas funções.Continua dizendo que tarefa de tal magnitude deve ser atribuída aeventual perícia a ser realizada no curso do processo judicial, ou,ainda, à análise dos pontos já destacados pelo MPF. Salienta que aatribuição de tal atividade ao IBAMA acabaria por prejudicar odesempenho de suas funções normais, e, em última análise, prejudica asociedade e o meio ambiente como um todo.

Quanto ao pedido de suspensão do registro no Cadastro Técnico Federal daempresa CNEC e dos consultores Ronaldo Luís Crusco e Marco AntônioVillarinho Gomes, o IBAMA diz que seu sistema funciona por meio desenhas, fornecidas automaticamente apenas às empresas cadastradas e quenenhum servidor do IBAMA tem acesso a essas senhas. Afirma que asuperintendência do IBAMA no PR nunca suspendeu um CTF, já que, emprincípio, não há meios de proceder essa suspensão, mas a sede do IBAMA,em Brasília, poderia tentar encontrar um meio para que o sistema aceiteo comando. Continua dizendo que, caso a empresa cancele o Cadastro, elasomente poderá refazê-lo com autorização do IBAMA; essa autorização sedá on-line, no momento do cadastramento. Seria possível, então, o IBAMAinserir um bloqueio no sistema, para aquele CNPJ e CPF, capaz de impedirnovo cadastramento. Assevera que, caso seja o entendimento deste juízo,pelo deferimento da suspensão dos CTFs, o IBAMA requer que a ordem sejadirigida à CNEC e aos consultores, para que cancelem seus cadastros,após o que, o IBAMA poderá impedir um novo cadastramento e, assim, darefetividade à ordem judicial.

*A ANEEL ofertou a contestação das fls. 1889/1902.*

Alega que o art. 2° da Lei 9.427 incumbiu a ANEEL de regular efiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização deenergia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes dogoverno federal, e que, o art 28 dessa mesma lei afirma que a realizaçãode estudos de viabilidade, anteprojetos ou projetos de aproveitamento depotenciais hidráulicos deverá ser informada à ANEEL para fins de registro.

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Diz que, diante da atribuição conferida pela Lei n° 9.427 a ANEEL deregular a produção de energia elétrica, bem como pela obrigação impostapor esta lei de que fossem registrados junto a esse órgão regulador osestudos de viabilidade, anteprojetos ou projetos de aproveitamentos depotenciais hidráulicos, foram editadas pela ANEEL as Resoluções n°393(que estabelece os procedimentos gerais para Registro e Aprovação dosEstudos de Inventário Hidrelétrico de bacias hidrográficas) e n° 395(que estabelece os procedimentos gerais para Registro e Aprovação deEstudos de Viabilidade e Projeto Básico de empreendimento de geraçãohidrelétrica, assim como a Autorização para Exploração de centraishidrelétricas de até 30W.

Averba que a Resolução n° 393/98 estabeleceu os procedimentos paraRegistro e Aprovação dos Estudos de Inventário Hidrelétrico conceituandoo estudo de inventário hidrelétrico como a etapa dos estudos deengenharia em que se define o potencial hidrelétrico de uma baciahidrográfica, mediante o estudo de divisão de quedas e a definição deaproveitamento ótimo (§ 3° do art. 5° da Lei n° 9.074/95), que pode sercompreendido como aquele que propicia o máximo de aproveitamento dopotencial hidráulico ao menor custo de implantação, respeitadas ascondicionantes sócio-ambientais e outros usos da água.

Menciona que o estudo de inventário é a definição inicial dos eventuaisaproveitamentos hidrelétricos existentes numa determinada baciahidrográfica e que este estudo consiste num levantamento preliminarsobre os possíveis potenciais hidráulicos numa bacia hidrográfica, queprecisará ser aprofundado e detalhado, em fase posterior, quando darealização do estudo de viabilidade.

Segue dizendo que após definidos os aproveitamentos hidrelétricos noestudo de inventário, poderão ser elaborados, pelos interessados, osestudos de viabilidade. Explica que os estudos de viabilidade consistemna etapa em que se define a concepção global do aproveitamento,considerando a divisão de queda selecionada na etapa anterior, bem comoos estudos de inventário, visando sua otimizaçãotécnico-econômica-ambiental e compreende o dimensionamento doaproveitamento das obras de infra-estrutura local e regional,necessárias à sua implantação, assim como do reservatório, da área deinfluência, dos outros usos da água e das ações sócio-ambientaiscorrespondentes.

Destaca que, no caso da UHE Mauá, o registro ativo na ANEEL e o despachon° 433/2005, que visa o MPF suspender, refere-se tão somente ao aceitedos estudos de viabilidade realizados, cuja consequência é não maisaceitar pedidos de estudos de viabilidade daquele empreendimento poroutras empresas.

Salienta que para implantação do empreendimento hidrelétrico,paralelamente à elaboração dos mencionados estudos de engenharia, oagente deve articular-se com o órgão ambiental competente para dar

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início ao procedimento de licenciamento e obter as licenças ambientaisnecessárias à sua consecução.

Assevera que para a licitação de aproveitamento hidrelétrico, énecessária a obtenção de licença ambiental prévia (exigência introduzidapela Lei n° 10.848, regulamentada pelo Decreto n° 5.163) e da reserva dedisponibilidade hídrica (art. 7° da Lei n° 9.984, que criou a AgênciaNacional de Águas).

Reitera que o aproveitamento hidrelétrico, ainda que tenha registroativo na ANEEL e estudos de viabilidade aprovados, somente será licitadoquando o mesmo tiver a licença ambiental prévia expedida e a reserva dedisponibilidade hídrica concedida pelos órgãos competentes.

Enfatiza que a comercialização de energia for intermédio dos Leilões foiinstituída pela Lei n° 10.848/04, que instaurou um marco no setorelétrico brasileiro e trouxe, entre outras a obrigatoriedade de quetodas as distribuidoras devem suprir sua demanda por meio de compra deenergia em Leilões, no Ambiente de Contratação Regulada. Afirma que noambiente de contratação regulada, a licitação se dá na modalidadeleilão, realizado pena ANEEL, que pode delegar a terceira entidade, eque, atualmente, os leilões vêm sendo realizados pela Câmara deComercialização de Energia Elétrica - CCEE, entidade que substituiu o MAE.

Discorre sobre os valores de custos para a geração de energia, dizendoque esta não pode ser armazenada, sendo que, para não haver desperdício,e, conforme já salientado, a Lei n° 9.648/98 conferiu ao OperadorNacional do Sistema Elétrico - ONS - as funções de coordenar e controlara operação dos sistemas eletroenergéticos interligados, constituindo suaatribuição o planejamento e a programação da operação e o despachocentralizado da geração, com vistas à otimização desses sistemas, sendoassim, a ONS define o percentual da capacidade instalada a ser gerado detodas as usinas despachadas centralizadamente pelo ONS em um determinadoperíodo; o fluxo de potência nas linhas de transmissão e a carga a seratendida.

Alega a autarquia que, a decisão proferida na Suspensão Liminar n°2005.04.01.056295-1, proposta pela União, deixou clara qualquerdiscussão a esse respeito, quando determinou a competência do IAP para oprocesso de licenciamento em questão.

Assevera que o prejuízo a ser causado à oferta de energia elétrica noPaís, caso a UHE Mauá não participe do certame, uma vez que a LicençaPrévia foi concedida pelo órgão ambiental competente - tendo em vistaque o mesmo está apto a ser licitado, é evidente. Salienta que oempreendimento já deveria ter sido incluído no Leilão de Energia Novarealizado em 17.12.2005, ressaltando o atraso já causado à necessáriageração de energia hidráulica.

Diz que a necessidade de aumento da oferta de energia elétrica no país é

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evidente e que em 2001 o país enfrentou uma crise de racionamento deenergia elétrica, revelando que a construção de usinas é absolutamentenecessária para que tais crises não mais aconteçam no Brasil. Destacaque a própria Região Sul passou por períodos de seca, o que tornounecessário o acionamento de usinas termelétricas para poder suprir ademanda de energia elétrica nessa região. Afirma que, em razão dasdificuldades que estão ocorrendo para a construção de UsinasHidrelétricas, há previsões de possíveis crises de fornecimento deenergia para o ano de 2010, o que mostra a necessidade de que adiscussão trazida nestes autos seja feita de forma séria, consciente ecom argumentos técnicos, tendo-se em mente a necessidade de geração deenergia elétrica para o País.

Afirma que, diante da exclusão das UHEs Mauá e Dardanelos do leilãorealizado em 17.12.2005, o Diretor Geral da ANEEL estimou que o prejuízocausado aos consumidores seria da ordem de R$ 190.000.000,00 (cento enoventa milhões de reais) e que, no intuito de fornecer comprovaçãomatemática da assertiva do Diretor Geral, foi elaborado o Ofícion°919/2006 - SCG/ANEEL, da Superintendência de Concessões de Geração daANEEL, em que se verificou o fato de que, na verdade, o prejuízo causadoaos consumidores é ainda um pouco maior do que a estimativa efetuada eque apenas a exclusão da UHE Mauá do leilão já implica um aumento docusto de produção de energia elétrica da ordem de mais de R$120.000.000,00 (cento e vinte milhões de reais), sendo que este aumentoserá totalmente repassado às tarifas a serem cobradas dos consumidores,porque, como não foi possível licitar a energia elétrica a ser geradapela usina hidrelétrica de Mauá, foi necessária sua substituição porenergia gerada por termelétricas, mediante assinatura de contratos decompra e venda com prazo de 15 anos de duração.

Arremata afirmando que, tanto em termos de expansão da oferta emodicidade tarifária, bem como em se tratando de proteção aomeio-ambiente, mostra-se imprescindível a imediata operação da UHE Mauá.Pugnou pela improcedência.

Às fls. 1903/1904 foi proferido despacho: a) mantendo as decisões defls. 1375/1394 e 1570/1574 por seus próprios fundamentos; b)determinando à Secretaria que diligenciasse acerca do cumprimento daprecatória expedida para citação da ré Empresa de Pesquisa Energética -EPE; c) dando vista ao MPF para se manifestar acerca das contestaçõesapresentadas, do agravo retido interposto pelo IBAMA às fls. 1632/1636,bem como da petição e documentos apresentados pela ANEEL às fls. 1834/1838.

O IBAMA compareceu às fls. 1907 requerendo dilação de prazo, por mais 9(nove) meses, para cumprimento da determinação exarada no item "5",subitem "c", da decisão de fls. 1375/1394.

*A Empresa de Pesquisa Energética - EPE ofertou a contestação das fls.1910/1929.*

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Discorre sobre sua missão institucional, esclarecendo que é empresapública, criada pela Lei 10.847/04, vinculada ao Ministério das Minas eEnergia, com a finalidade de prestar serviços na área de estudos epesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético,tais como energia elétrica, petróleo, gás natural e seus derivados,carvão mineral, fontes energéticas renováveis e eficiência energética,dentre outras.

Diz que a Portaria n° 328/2005, publicada pelo MME, em seu artigo 4°, I,estabelece que caberá à EPE cadastrar e habilitar os empreendimentos degeração, para fins de participação nos leilões de energia proveniente denovos empreendimentos hidrelétricos, incluindo Pequena CentraisHidrelétricas - PCH e que em seu artigo 6° estão especificados osrequisitos para Habilitação Técnica do empreendimento novo pela EPEDiz que a Portaria n° 328/2005, publicada pelo MME, em seu artigo 4°, I,estabelece que caberá à EPE cadastrar e habilitar os empreendimentos degeração, para fins de participação nos leilões de energia proveniente denovos empreendimentos hidrelétricos, incluindo Pequena CentraisHidrelétricas - PCH e que em seu artigo 6° estão especificados osrequisitos para Habilitação Técnica do empreendimento novo pela EPE.

Alega que a EPE, de acordo com as atribuições fixadas pela legislaçãocitada, verificando a existência de Licença Ambiental habilitoutecnicamente o empreendimento denominado UHE Mauá, entendendo a empresapública, no que tange à sua competência com relação aos procedimentospara o leilão, que esta encerrou-se no momento em que a HabilitaçãoTécnica foi emitida.

Esclarece que a habilitação técnica visava permitir que a energia a serproduzida pelo referido empreendimento fosse oferecida no leilão decompra de energia proveniente de novos empreendimentos de geração, comdiretrizes aprovadas em ato normativo específico expedido pelo PoderConcedente, não gerando quaisquer outros direitos ou obrigações emrelação às fases subseqüentes do processo de leilão de energia.

Ressalta o disposto na Portaria MME n° 328/2005, quanto à finalidade dahabilitação técnica e conclui que o objetivo da habilitação técnica foidevidamente atendido, não havendo nenhum vício a sua realização.

Aduz que a licença prévia ambiental para aproveitamento hidrelétrico deMauá foi emitida pelo órgão competente e dentro dos prazosestabelecidos, e, em sendo assim, uma vez que preencheu todos osrequisitos técnicos, inclusive apresentando Licença Ambiental Prévia,válida, eficaz e aprovada pelos órgãos competentes, não tinha a EPEoutra alternativa, à luz dos comandos normativos que regem a suaatuação, a não ser proceder a habilitação técnica da UHE Mauá, nãohavendo qualquer obstáculo de cunho legal a motivar a exclusão de talempreendimento do leilão regido pelo Edital n° 004/2006 - ANEEL,realizado em 10/10/2006.

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Alega carência da ação em razão da ilegitimidade passiva ad causam daEPE, o que se daria por conta da inexistência de causa de pedir próximaou remota que possa ser imputada à EPE ou objeto mediato e imediato quepudesse ser imputado à EPE a justificar sua inclusão ou permanência nopólo passivo da demanda, por isso, requer a extinção do feito, semresolução de mérito. Pede pela exclusão da EPE do pólo passivo dademanda e diz que, se tanto, deveria ser apenas assistente no presentefeito.

Quanto ao mérito ressalta que a EPE, no procedimento administrativo decadastramento e emissão de habilitação técnica, não emite nenhum juízode valor sobre o mérito do licenciamento ambiental do empreendimento eque há a simples verificação de cumprimento de requisitos. Frisa que,uma vez que preencheu todos os requisitos técnicos, inclusiveapresentando Licença Ambiental Prévia, válida, eficaz e aprovada pelosórgãos competentes, não tinha a EPE outra alternativa, à luz doscomandos normativos que regem a sua atuação, a não ser proceder ahabilitação técnica da UHE Mauá, não havendo qualquer obstáculo de cunholegal a motivar a exclusão de tal empreendimento do leilão regido peloEdital n° 004/2006 - ANEEL, realizado em 10/10/2006.

Requer a extinção do processo sem julgamento de mérito, em razão dapreliminar alegada e ao final, em respeito ao princípio daeventualidade, pugna pelo integral julgamento de improcedência do pedidoe conseqüente condenação do autor aos ônus de sucumbência.

O MPF acostou documento ("Relatório sobre as Transgressões aos DireitosHumanos Sociais, Econômicos e Ambientais na Bacia do Tibagi - O caso daUsina Hidrelétrica de Mauá) - (fls. 1959/1999).

CNEC, Ronaldo Luis Crusco e Marco Antonio Villarinho Gomesmanifestaram-se sobre os documentos apresentados pelo MPF às fls.1959/1999 (fls. 2013/2022).

O MPF apresentou contraminuta ao agravo retido de fls. 1633/1636,interposto pelo IBAMA (fls. 2023/2027), e impugnou as contestaçõesapresentadas (fls. 2028/2072), acostando documentos (fls. 2074/2164).

Às fls. 2165 foi proferido despacho (a) determinando a intimação daspartes para especificação de provas, bem como para manifestação quanto àpossibilidade de conciliação e sobre os documentos juntados pelo MPFapós a inicial; (b) mantendo a decisão objeto de agravo de instrumentointerposto pelo IBAMA às fls. 1632/1636; (c) deferindo a prorrogação doprazo até 15 de janeiro de 2008 para o IBAMA apresentar parecer técnico.

O MPF informou que o réu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues vinhadescumprindo a decisão de fls. 1375/1394 (fls. 2167/2168).

Às fls. 2171, foi determinado o cumprimento das determinações exaradasàs fls. 2165, bem como a intimação do réu Lindsley da Silva Rasca

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Rodrigues para se manifestar sobre as alegações tecidas pelo MPF às fls.2167/2168.

O IAP especificou provas às fls. 2191/2192, ocasião em que requereumaior prazo para se manifestar sobre os documentos acostados aos autospelo MPF.

Os réus CNEC, Ronaldo Luís Crusco e Marco Antonio Villarinho Gomesespecificaram provas (fls. 2194) e manifestaram-se sobre os documentosaté então acostados aos autos pelo MPF (fls. 2195/2268).

Às fls. 2274/2278, o réu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues rechaçou asalegações exaradas pelo MPF às fls. 2167/2168 no sentido de que estariadescumprindo decisão proferida nestes autos, bem como especificou provas.

O MPF manifestou-se às fls. 2328, apresentando documentos às fls. 2329/2331.

Às fls. 2332/2333, o réu Lindsley requereu esclarecimentos se a decisãoliminar de afastá-lo do procedimento de licenciamento da UsinaHidrelétrica de Mauá implicaria a proibição de realizar atos comosobrevoar a localidade, falar à imprensa sobre o assunto ou participar,como cidadão, das reuniões públicas sobre o tema.

Às fls. 2345/2346, o IBAMA requereu a concessão de novo prazo paraapresentar o parecer técnico, sob a alegação de que foi intimado dadilação anteriormente deferida (até 15/01/08) tão somente em 11/01/08.Na mesma ocasião, manifestou-se acerca da especificação de provas, nadarequerendo nessa seara.

A ANEEL manifestou-se acerca da especificação de provas, nada requerendoa respeito, bem como informou a impossibilidade de conciliação napresente lide (fls. 2373/2374).

O réu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues peticionou às fls. 2385/2389,requerendo a juntada da Licença de Instalação do empreendimento objetoda presente ação (fls. 2390), bem como a extinção do feito em relação asi e a imediata cassação da liminar que o impede de participar deeventos ligados ao licenciamento da Usina Mauá.

Em despacho de fls. 2391/2393 foram prestados os esclarecimentossolicitados pelo réu Lindslay às fls. 2332/2333, bem como afastados osargumentos por ele tecidos às fls. 2385/2389, restando mantida a liminaranteriormente concedida. Na mesma ocasião, determinou-se a intimação doIBAMA para apresentar o parecer técnico nos termos já determinados àsfls. 1375/1394, item "5", subitem "c").

Às fls. 2397/2398, a União opôs embargos de declaração em face dadecisão de fls. 2391/2393 , os quais foram rejeitados pela deliberaçãode fls. 2403/2404.

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Em cumprimento ao item "5" de fls. 2391/2393, a**União manifestou-se àsfls. 2399/2402, requerendo o julgamento antecipado da lide,**bem como aconcessão do prazo elastecido requerido pelo IAP às fls. 2191/2192 parase manifestar sobre os documentos acostados aos autos pelo MPF.

O IAP manifestou-se sobre os documentos trazidos pelo MPF no curso dofeito, bem como requereu a dilação de prazo para se manifestar sobre osque instruíram a inicial (fls. 2415/2418). Às fls. 2427/2437, o IAPmanifestou-se acerca dos documentos que instruíram a inicial.

Às fls. 2461/2464, a FUNAI colacionou aos autos cópias de mapas da baciado Rio Tibagi, na região de localização da UHE Mauá, com a indicaçãoaproximada para as terras indígenas. Ressaltou sobre a possibilidade deexistência de grupos indígenas em áreas ainda não trabalhadas pela FUNAI.

A EPE manifestou-se acerca da especificação de provas, dizendo que nãoter mais provas a produzir. (fls. 2501 - cópia fax e fls. 2504 - original).

O IBAMA apresentou laudo técnico (informação técnica nº 67/2008 -COHID/CGENE/DILIC/IBAMA) às fls. 2506/2509.

O MPF manifestou-se, às fls. 2514/2535, a respeito do parecerapresentado pelo IBAMA das fls. 2506/2509, requerendo o julgamentoantecipado da lide. Apresentou novos documentos às fls. 2536/2619.

Às fls. 2624/2633, houve comunicação de decisão proferida pelo JuízoFederal de Ponta Grossa.

*Quanto à especificação de provas*: (i) o MPF requereu o julgamentoantecipado da lide (fls. 2535); (ii) o IAP requereu a produção de provasdocumentais, salientando a possibilidade de acordo (fls. 2191/2192);(iii) IBAMA nada requereu nessa seara (fls. 2345/2346); (iv) a UNIÃOrequereu o julgamento antecipado da lide (fls. 2399/2402); (v) a ANEELnada requereu a respeito, bem como informou a impossibilidade deconciliação na presente lide (fls. 2373/2374); (vi) a EPE afirmou nãoter mais provas a produzir (fls. 2504); (vii, viii e ix) a CNEC, RONALDOLUIS CRUSCO e MARCO ANTONIO VILLARINHO GOMES pugnaram pela juntada dedocumentos que oportunamente possam se mostrar necessários, não seopondo à designação de audiência de conciliação (fls. 2194); e (x)LINDSLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES requereu a juntada de novos documentose prova testemunhal, consistente nos depoimentos de técnicos, servidoresdo IAP e outros profissionais que acompanharam o procedimento para aconcessão da licença prévia nº 9589/05 (fls. 2278).

Às fls. 2648, foi proferida decisão que deferiu o pedido de produção deprova testemunhal requerida pelo réu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues,unicamente em relação aos procedimentos do réu durante o licenciamentoambiental, para fins de configuração ou não da suposta improbidade

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administrativa.

Às fls. 2655/2657, a CNEC Engenharia S/A requereu que este Juízorequisitasse os autos de Ação Civil Pública 2006.70.09.002728-4, daSubseção Judiciária de Ponta Grossa, para julgamento em conjunto com apresente demanda e as demais ações que aqui tramitam e versam sobre omesmo tema.

Às fls. 2664/2676, o réu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues apresentou orol de testemunhas a serem ouvidas na audiência designada às fls. 2648.

Às fls. 2678/2679, foi proferida decisão (a) indeferindo o pedidoformulado pela CNEC às fls. 2655/2657 (requisição dos autos da ACP nº2006.70.09.00.002728-4 que tramitam em Ponta Grossa), porémfacultando-lhe pleitear o que entender de direito nos referidos autos;(b) postergando a análise das preliminares arguidas em contestação pelaCNEC para a sentença; (c) determinando ao réu Lindsley Rodrigues queindicasse apenas três testemunhas por fato a serem ouvidas em audiência.

Às fls. 2683/2691, foi trasladada decisão do agravo de instrumento nº2006.04.00.030130-0/PR, interposto pelo MPF contra a decisão quedeclinou da competência para a Justiça Federal de Ponta Grossa/PR, tendorestado fixada a competência da JF de Londrina. Às fls. 2693/2695, foiencartada cópia da decisão proferida no recurso especial, ao qual foinegado seguimento, interposto por CNEC Engenharia contra o acórdão quedeu provimento ao AI nº 2006.04.00.030130-0/PR.

Às fls. 2700, a Secretaria certificou o ajuizamento da Medida CautelarInominada nº 2009.70.01.000179-1, por dependência ao presente feito, bemcomo juntou cópia de decisão proferida naquele feito (fls. 2701/2723).

Às fls. 2725/2726, o réu Lindsley Rodrigues indicou as três testemunhasa serem ouvidas, com os respectivos endereços, e requereu a expedição decarta precatória para a oitiva pelo fato de não residirem neste foro.

Realizada a audiência neste Juízo (fls. 2731/2735), a conciliação restouinfrutífera, sendo oportunizado para todas as partes se manifestaremsobre o Contrato de Constituição do Consórcio Energético Cruzeiro doSul, juntado às fls. 2736/2748. Às fls. 2768, foi certificado o decursode prazo sem manifestação das partes quanto ao documento juntado às fls.2736/2748.

Às fls. 2769/2834, foi juntada a Carta Precatória para oitiva dastestemunhas arroladas pelo réu Lindsley Rodrigues em Curitiba (termo àsfls. 2781/2785 e transcrição às fls. 2808/2834).

Às fls. 2836, foi proferida decisão que determinou a intimação daspartes para apresentarem alegações finais.

Apresentaram alegações finais: (i) MPF - fls. 2837/2861; (ii) IAP - fls.

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2866/2877; (iii) Lindsley da Silva Rasca Rodrigues - fls. 2891/2901;(iv, v e vi) CNEC Engenharia S/A, Ronaldo Luis Crusco e Marco AntonioVillarinho Gomes - fls. 2903/2993; (vii) IBAMA - fls. 3032/3040; (viii)União Federal - fls. 3054/3059; (ix) EPE - fls. 3061/3101 (cópia/fax) efls. 3103/3133 (original).Apesar de regularmente intimada (fls. 3031-vº.), a ANEEL deixoutranscorrer /in albis /o prazo para apresentar alegações finais (fls.3134 - vº).

Às fls. 2997/3027, os réus CNEC Engenharia S/A, Ronaldo Luis Crusco eMarco Antonio Villarinho Gomes juntaram documento novo, consubstanciadoem Laudo de Exame Documentoscópico produzido na Ação Indenizatória nº1175/2005, em trâmite na 8ª Vara Cível de Curitiba/Pr, movida por CNECcontra Euclides Selvino Grando Junior, Gislaine Cova Grando e MarcosRicardo Bornschein, que versa sobre a responsabilização dos nominadostécnicos da IGPLAN por quebra de sigilo contratual e por indevidaalegação de adulteração e falsidade do estudo ambiental elaborado pela CNEC.

As partes manifestaram-se sobre o documento de fls. 2997/3027,apresentado pelos réus CNEC Engenharia S/A, Ronaldo Luis Crusco e MarcoAntonio Villarinho Gomes: UNIÃO - fls. 3136/3137; MPF - fls. 3140/3144;LINDSLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES - fls. 3150/3151; IBAMA manifestou-seàs fls. 3156 sobre o despacho de fls. 3134.

A ANEEL anotou ciência, às fls. 3145/verso, quanto ao despacho de fls.3134. O IAP e a EPE deixaram transcorrer /in albis/ o prazo para semanifestarem sobre o despacho de fls. 3134.

Às fls. 3164/3169, a CNEC, Ronaldo Luis Crusco e Marco AntonioVillarinho Gomes requereram o julgamento simultâneo da presente ação comas demais ainda não decididas e referentes à UHE Mauá.

O MPF manifestou-se às fls. 3172/3218 e apresentou novos documentos defls. 3181/3244.

Às fls. 3246/3250, foi trasladada cópia da decisão proferida nos autosde impugnação ao valor da causa nº 2007.70.01.000043-1, em apenso.

A EPE reiterou as alegações finais anteriormente apresentadas às fls.3254/3259.

Os réus manifestaram-se sobre os documentos de fls.3181/3244apresentados pelo MPF: CNEC Engenharia S/A, Ronaldo Luis Crusco e MarcoAntonio Villarinho Gomes - fls. 3318/3325; ANEEEL - fls. 3279, vº; IBAMA- fls. 3286/3291; Lindsley da Silva Rasca Rodrigues - fls. 3293/3301/IAP - fls. 3314/3316; UNIÂO - fls. 3338.Às fls. 3341, o julgamento foi convertido em diligência, para o fim de oMPF regularizar alguns documentos anteriormente apresentados e procederà juntada de novos documentos trazidos por Lindsley da Silva Rasca

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Rodrigues (fls. 3351/3372).

O MPF manifestou-se sobre os documentos de fls. 3351/3372 e regularizouos anteriormente apresentados (fls.3375/3414).

Os demais réus manifestaram-se sobre novos documentos trazidos porLindsley da Silva Rasca Rodrigues: EPE - fls. 3417/427 (cópia) e fls.3445/3455 (original); CNEC Engenharia S/A - fls. 3429/3430 (cópia) efls. 3469/3470 (original); IAP - fls. 3432/3443; IBAMA - fls. 3458/3459;ANEEEL - fls. 3472/3479; e União - fls. 3485.

Às fls. 3461/3463, o corréu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues rebateu asalegações do MPF de que o estudo apresentado pela LATEC seriaimprestável, em virtude de freqüentes questionamentos pelo Grupo deEstudos Multidisciplinar da Usina Hidrelétrica Mauá (GEM - Mauá),requerendo sua admissibilidade como prova.

Estes autos foram incluídos nas metas de julgamento do Conselho Nacionalde Justiça, cf. etiquetas apostas na capa, e registrados para sentençaem *25.07.2011*.

_Registro que, nesta data, também estão sendo julgadas as ações civispúblicas - autos nº 2007.70.01.002261-0 e nº 2007.70.01.007916-3, a açãopopular - autos nº 2008.70.01.001967-5, e a ação cautelar - autos nº2009.70.01.000179-1_.

*É o relatório. Decido.*

*II. FUNDAMENTAÇÃO*

De pronto, ajuizo que a presente ação civil pública ambiental, cumuladacom ação de improbidade administrativa, foi distribuída, em 10.08.2006,pelo Ministério Público Federal, contando, até o momento, com dozevolumes e mais 01 apenso, referente à impugnação ao valor da causa. OMPF apresentou documentos que foram acondicionados em VIII caixas (cf.certidão de fls. 206), assim como a ré CNEC também apresentou VIIIvolumes de documentos apartados (certidão de fls 1359).

Oportunamente, observo que o feito foi processado com observância docontraditório e da ampla defesa, inexistindo situação que possa levarprejuízo ao princípio do devido processo legal. Os pressupostos deconstituição e desenvolvimento válido e regular da relação processual sefazem presentes, uma vez considerada a efetividade processual queprivilegia o substrato material.

Passo, doravante, ao exame das matérias, não necessariamente na ordemarticulada na inicial.

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*II.A. PRELIMINARES*

*II.A.1. (IN)COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO DA 1ª VARA FEDERAL DE LONDRINA*

No conflito positivo de competência nº 2008.04.00.046156-7/PR, suscitadopelo Juízo de Ponta Grossa, o TRF da 4ª Região decidiu da maneira que segue:

/*DECISÃO: *Vistos, etc. É este o teor do parecer do MPF, a fls. 34/6,verbis: "Trata-se de conflito positivo de competência suscitado peloJuízo da 2ª Vara Federal de Ponta Grossa/PR, tendo em vista as decisõesproferidas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região nos autos doAgravo de Instrumento nº 2006.04.00.009561-3 e do Agravo de Instrumentonº 2006.04.00.030130-0, através das quais foi reconhecida,simultaneamente, a competência do Juízo ora suscitante e do Juízo da 1ªVara Federal de Londrina, para apreciar ações civis públicas que versamsobre questões atinentes à construção da Usina Hidrelétrica de Mauá, naBacia do Rio Tibagi. 2. FUNDAMENTAÇÃO: Não merece provimento o conflitode competência suscitado. Para a correta solução da controvérsia, faz-senecessária a análise do objeto de três demandas coletivas que, emboraajuizadas em momentos distintos, versam sobre a construção da UsinaHidrelétrica de Mauá. Tem-se, em primeiro lugar, a Ação Civil Pública nº1999.70.01.007514-6, proposta pela Associação Nacional dos Atingidos porBarragens - ANAB, contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis - IBAMA, a Companhia Paranaense de Energia- COPEL, a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL e a União(assistente simples dos réus), com o objetivo de ver elaborado estudo deimpacto ambiental que considerasse a Bacia Hidrográfica do Rio Tibagicomo Unidade Territorial, propiciando, assim, a análise global dasconseqüências trazidas pela implantação de barragens nos cursos d'águaque a compõe: Tal ação foi julgada parcialmente procedente pelo Juízo da1ª Vara Federal da Subseção de Londrina/PR e encontra-se, atualmente, noTribunal Regional Federal da 4ª Região aguardando o julgamento dosapelos interpostos contra a sentença. Já a Ação Civil Pública nº 2006.70.09.002728-4, ajuizada pela Liga Ambiental, em 16 de junho de 2006,contra o Instituto Ambiental do Paraná - IAP, CNEC Engenharia S/A eInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis- IBAMA, foi proposta com o objetivo de ver declarada a nulidade daLicença Prévia nº 9.589, ante a falta de demonstração da Viabilidadeambiental do projeto destinado à implantação da Usina Hidrelétrica deMauá. Nesta demanda, determinou-se a remessa dos autos à 1ª Vara Federalde Londrina, face à existência de conexão com o feito nº1999.70.01.007514-6. Ocorre que o Tribunal Regional Federal da 4ªRegião, em sede de agravo de instrumento (processo nº2097.04.00.009561-3), restabeleceu a competência da vara de origem (2ªVara Federal de Ponta Grossa), entendendo que deveria ser afastada aconexão entre os processos, por já haver sido proferida sentença na açãonº 1999,70.01.007514-6. Por fim, na Ação Civil Pública nº2006.70.01.004036-9, movida pelo Ministério Público Federal, em face doInstituto Ambiental do Paraná - IAP, do Instituto Brasileiro do Meio

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Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, da União Federal,da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, da Empresa de PesquisaEnergética - EPE, da CNEC Engenharia S/A e outros, buscou-se, emsíntese, obstar a instalação da Usina Hidrelétrica de Mauá, em virtudede inúmeras irregularidades verificadas nos procedimentos destinados aolicenciamento da obra. A competência para o julgamento desta demanda,ajuizada em 14 de agosto de 2006, perante o Juízo da 1ª Vara Federal deLondrina, foi declinada em favor do Juízo da 2ª Vara Federal de PontaGrossa, com base na existência de prevenção. Todavia, o TribunalRegional Federal da 4ª Região, por ocasião do julgamento do Agravo deInstrumento nº 200.6.04.00,030130-0, fixou a competência da SubseçãoJudiciária de Londrina, tendo em vista a relação de continência entre osprocessos de nº 2006.70.09.002728-4 e nº 2006.70.01.004036-9, bem comoem virtude do Juízo da 1ª Vara Federal de Londrina ter conhecido, emprimeiro lugar, da Ação Civil Pública nº 1999.70.01.007514-6. Delineadosos contornos da situação em debate, aflora, como primeira conclusão, aimpossibilidade de se considerar a anterioridade da Ação Civil Públicanº 1999.70.01.007514-6 como critério para a fixação da competência, umavez que tal demanda encontra-se julgada, conforme se afere pela sentençajuntada nestes autos (fls. 09/21, versos), proferida em 19 de setembrode 2007. Assim, em atenção ao disposto na Súmula nº 235 do SuperiorTribunal de Justiça, não haveria utilidade em remeter os feitos nº2006.70.09.002728-4 e nº 2006.70.01.004036-9 à ia Vara Federal. deLondrina, para julgamento conjunto, pois já sentenciado o feito nº1999.70.01.007514-6. Sob este prisma, ausente a prevenção do juízosuscitado, como ensinam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery,ao comentarem a norma inscrita no art. 1052, do Código de ProcessoCivil: 'As ações devem receber julgamento conjunto, como o advérbiosimultaneamente está a indicar. O termo final para a reunião, portanto,é o momento imediatamente antecedente à prolação da sentença de mérito.Proferida a sentença, não é mais possível ordenar-se a reunião de açõesconexas'. (NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código deProcesso Civil Comentado e Legislação Processual Civil em Vigor. 7ª ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 505.) Logo, adefinição do juízo competente deve levar em consideração apenas aspeculiaridades relacionadas à Ação Civil Pública nº 2006.70.09.002728-4e à Ação Civil Pública nº 2006.70.01.004036-9 (as cópias das decisõesque apreciaram os pedidos de medida liminar formulados em ambos osfeitos seguem em anexo), posto que ainda não julgadas, Neste contexto,importa analisar se há relação de conexão ou continência entre asreferidas demandas, capaz de provocar a reunião dos feitos parajulgamento conjunto. O objeto da demanda autuada sob o nº2006.70.09.002728-4 cinge-se ao pedido visando à declaração de nulidadeda Licença Prévia nº 9.589, expedida pelo Instituto Ambiental do Paraná-IAP, face à ilegitimidade do órgão estadual para licenciarempreendimento que atingirá diretamente área ocupada por comunidadeindígena. Ademais, impugnou-se o estudo apresentado com vistas ademonstrar a viabilidade ambiental da Usina Hidrelétrica de Mauá. NaAção Civil Pública nº 2006.70.01.004036-9 postulou-se, entre outrosrequerimentos, a declaração de nulidade da Licença Prévia nº 9.589 - por

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provocar inversão tumultuária dos atos do procedimento de licenciamentoambiental -, bem como do EIA/RIMA antecedente à implantação da UsinaHidrelétrica de Mauá - por não atender às disposições contidas naResolução do CONAMA nº 01/86. Comparando-se os pedidos veiculados nasreferidas demandas (processos de nº 2006.70.09.002728-4 e nº2006.70.01.004036-9), é possível vislumbrar a existência de conexãoentre elas, em razão da evidente identidade de objeto. Ademais, importaainda destacar, por oportuno, que apesar dos requerimentos formulados nofeito nº 2006.70.01.004036-9 abrangerem os pleitos aduzidos na demandanº 2006.70.09.002728-4, em evidente relação de continência, o caso nãose enquadra na hipótese disciplinada no art. 104, do Código de ProcessoCivil, pois não há identidade quanto às partes e à causa de pedir.Assim, definida a existência de conexão entre a Ação Civil Pública nº2006.70.09.002728-4 e a Ação Civil Pública nº 2006.70.01.004036-9,imperioso fixar o juízo competente para o julgamentos dos feitos.Tratando-se, na hipótese, de demandas propostas perante juízos quepossuem competência territorial distinta, a prevenção é definida pelaanterioridade da citação válida, nos termos do art. 219, do Código deProcesso Civil, conforme destaca Luiz Guilherme Marinoni: 'Já se osjuízes envolvidos tiverem competência territorial diversa, o critério dedeterminação da prevenção deixa de ser o primeiro despacho, passando aimportar a primeira citação válida; assim, se correm duas causas conexasem duas comarcas distintas, a reunião de ambas ocorrerá perante o juizdo processo em que ocorreu a primeira citação válida'. (grifei)(MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 3ª ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 55) Em consulta aosistema de informações processuais disponível no site do TribunalRegional Federal da 4ª Região, depreende-se que Ação Civil, Pública nº2006.70.01.004036-9, em trâmite na 1ª Vara Federal de Londrina, foidistribuída em 14 de agosto de 2006, determinando-se a citação dos réusem 26 de janeiro de 2007 (despacho exarado em 25 de janeiro de 2007). Nadata de 21 de março de 2007, com a juntada de mandado de citação eintimação devidamente cumprido, deu-se, nos autos da referida açãocoletiva, a primeira citação válida, conforme se constata pelosdocumentos anexados à presente manifestação. Por outro lado, a AçãoCivil Pública nº 2006.70.09.002728-4, ajuizada perante a 2ª Vara Federalda Subseção Judiciária de Ponta Grossa, foi distribuída em 19 de junhode 2006. Em 09 de abril de 2007, a ré CNEC Engenharia S/A apresentoucontestação, muito embora ainda não tivesse sido citada. Em razão disso,o juiz da causa determinou a citação dos demais réus, na data de 24 deabril de 2008 (despacho proferido em 23 de abril de 2008), providênciaque começou a se efetivar com a juntada da primeira carta precatória decitação cumprida, em 11 de junho de 2008, como bem demonstra adocumentação em anexo. Tendo em vista as informações referidas,constata-se a prevenção do Juízo da 1ª Vara Federal de Londrina, porquecorresponde ao local onde efetuada a primeira citação válida. Ademais,mesmo considerando-se que a Ação Civil Pública nº 2006.70.09.002728-4 seangularizou com a apresentação espontânea de contestação pela ré CNECEngenharia S/A, a citação efetivada na Ação Civil Pública nº2006.70.01.004036-9 é anterior, não sendo possível afastar a competência

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da 1ª Vara Federal de Londrina para o julgamento conjunto, em virtude daconexão, das demandas coletivas autuadas sob o nº 2006.70.09.002728-4 enº 2006.70.01.004036-9. 3. CONCLUSÃO: Por essas razões, o MINISTÉRIOPÚBLICO FEDERAL opina pelo desprovimento do conflito positivo decompetência." Por esses motivos, com fulcro no art. 120, § único, doCPC, julgo improcedente o presente conflito de competência. Intime-se.Dil. legais. (TRF4, CC 2008.04.00.046156-7, Segunda Seção, RelatorCarlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 16/07/2009)/

Já no agravo de instrumento nº 2006.04.00.030130-0/PR, interposto peloMPF contra a decisão deste Juízo que declinou da competência para aJustiça Federal de Ponta Grossa/PR, o TRF/4ª averbou:

[...]/A controvérsia cinge-se a discussão sobre o foro competente para asações civis públicas relativas a danos ambientais que ultrapassam oslimites territoriais de comarcas e seções judiciárias.//É incontroverso que, em 1999, foi ajuizada a ação civil pública nº1999.70.01.007514-6 junto à 1ª Vara Federal de Londrina, na qual /"aautora ANAB - Associação Nacional dos Atingidos por Barragens defende anecessidade de elaboração de _um único EIA/RIMA_ - ou seja, um estudointegrado - _para todos os sete pontos de aproveitamento hidrelétrico doRio Tibagi_, sendo que a Bacia do Rio Tibagi estende-se por grande partedo território paranaense e, portanto, por várias Subseções Judiciáriasdo Paraná.", /conforme relata o Juízo de primeiro grau(fl.24).//Já na ação civil pública que deu origem ao presente recurso, o objetoda ação envolve, consoante decisão recorrida(fl.27), /"exclusivamente oEIA/RIMA elaborado _especificamente_ para a Usina Hidrelétrica de Mauá",/cujo território de instalação estaria fora dos limites da SubseçãoJudiciária de Londrina.//No entanto, a decisão agravada reconhece que /"A UHE Mauá é apenas _um_dos _sete_ aproveitamentos hidrelétricos de referida baciahidrográfica"(fl.27) /, bem como que a ação civil pública nº1999.70.01.007514-6 envolve questões afetas a toda a bacia do Rio Tibagi.//Diante da exposição supra, é inegável a continência entre as açõesreferidas. Porém, o Juízo recorrido alega que, por ser tratar decompetência absoluta, não poderia ser aplicado o instituto da prevenção. //Em matéria ambiental, a jurisprudência consolidou seu entendimento nosentido de que, em se tratando de ação civil pública, a competência doJuiz Federal *é funcional e territorial*, logo, todos os Juízos da baciado Rio Tibagi, no presente caso, seriam competentes, em tese, paraconhecer e julgar todas as demandas insurgentes, nos termos que seguem:/

/PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICOFEDERAL. REPARAÇÃO DE DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. INTERESSE DAUNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.//I - A competência para processar e julgar a ação civil pública é a doforo do local em que ocorreu o dano, ressalvada a competência da Justiça

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Federal, nos termos do art. 109, I da Constituição.//II - A competência funcional estabelecida nos artigos 2º e 21 da Lei7.347, de 24/07/85, cede espaço à competência da Justiça Federal, quandoa União, suas autarquias ou empresas públicas federais tiverem interessena relação processual, considerando-se, ainda, que o Juiz Federal tambémtem competência territorial e funcional sobre o local de qualquerdano.(grifo nosso)//III - Agravo provido.//Origem: TRF - PRIMEIRA REGIÃO / Classe: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO -200301000101637 / Processo: 200301000101637 UF: TO Órgão Julgador: SEXTATURMA / Data da decisão: 22/9/2003 Documento: TRF100159342 / Fonte DJDATA: 24/11/2003 PAGINA: 79 / Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZAPRUDENTE /

/Assim sendo, faz-se necessário consultar a doutrina, visando buscar asolução para a fixação da competência, neste processo. //O ilustre Juiz Álvaro Luiz Valery Mirra aborda o tema com o seguinteenfoque:/

//"Pode ocorrer, de outra parte, como já aludido, que o dano ambientalultrapasse os limites territoriais de uma determinada comarca ou seçãojudiciária, para atingir uma ou mais comarcas ou seções judiciáriasvizinhas, contíguas ou não, desbordando até, eventualmente, doterritório do Estado.//Nessas situações, de degradações ambientais que se manifestamconcretamente em territórios de mais de uma comarca ou seção,respeitada, evidentemente, a Justiça competente, os juízes de todosesses foros apresentam-se em princípio como competentes em caráterconcorrente para as ações de responsabilidade civil, já que,inegavelmente, são juízos do foro do local do dano, ou, pelo menos, departe dele./**/*Havendo a propositura de uma única ação civil pública deresponsabilidade pelos danos ocasionados em toda a extensão das diversascomarcas ou seções judiciárias, ou de várias ações civis públicasconexas, uma para cada parcela de dano manifestada em cada uma dascomarcas ou seções judiciárias afetadas, com necessidade de reunião dasações, a competência para o julgamento daquela única ou de todas elas,pelas normas do Código de Processo Civil - aplicáveis à ação civilpública por força do disposto no art. 19 da Lei nº 7.347/85 -fixar-se-ia, normalmente, pela prevenção, tendo em vista o critériocronológico, ou seja, considerando-se prevento o juiz de um dos foros dolocal do dano que primeiro conhecesse da demanda(art.219, caput, doCPC)." (Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente -Álvaro Luiz Valery Mirra, Editora Juarez de Oliveira, 2002, pág.173)(grifo nosso)*

/Portanto, na esteira do entendimento doutrinário, cujos fundamentosacolho, há de ser aplicada a prevenção no presente caso, fixando acompetência da Subseção Judiciária de Londrina, dada a existência de

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continência entre as ações e o fato do Juízo recorrido haver conhecido,em primeiro lugar, da ação civil pública nº 1999.70.01.007514-6, a qualé mais abrangente e anterior ao ajuizamento da presente demanda. //É razoável supor que, se fosse adotada a decisão agravada, ter-se-iauma duplicidade de Juízos competentes, sendo um Juízo competente(Subseção Judiciária de Londrina) para julgar uma ação, cujo objetoenvolve toda a bacia hidrográfica do Rio Tibagi e outro Juízocompetente(Subseção Judiciária de Ponta Grossa), apenas, para julgar umaação envolvendo somente uma das áreas afetadas pela construção da UHEMauá, cujo local integra a referida bacia hidrográfica. Tal raciocínionão pode ser aceito, dada a possibilidade de prolação de decisõescontraditórias sobre questões que envolvam a mesma bacia hidrográfica.//Não se pode olvidar que o legislador ao editar o art. 2º da Lei nº7.347/85, o qual rege que: /"As ações previstas nesta lei serãopropostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terácompetência funcional para processar e julgar a causa.", /teve porescopo /".privilegiar o local da ocorrência do dano para a determinaçãodo foro competente,..., em razão da maior facilidade de obtenção deprovas - por intermédio de testemunhas e perícias, sobretudo -necessárias à comprovação do dano ambiental efetivo ou potencial, domaior envolvimento da população diretamente atingida pela degradaçãocombatida e daqueles que a representam, a propiciar pronta e eficazreação, e da maior facilidade de verificação da adequação das medidaspreventivas e reparatórias a serem adotadas; tudo a evidenciar que ojuízo do foro do local do dano é, efetivamente, o mais habilitado ajulgar a demanda."(Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao MeioAmbiente - Álvaro Luiz Valery Mirra, Editora Juarez de Oliveira, 2002,pág. 168)/Ora, a instrução probatória, desta demanda, abrange questões atinentesa toda a bacia hidrográfica do Rio Tibagi, o que reforça o entendimentode que a competência deva permanecer na Subseção Judiciária de Londrina,já que, de acordo com a visão do MPF, grande parte das mais gravesdeficiências e omissões apontadas no EIA/RIMA referem-se a áreas àjusante da barragem e, ainda, três populosas áreas indígenas estão sobjurisdição da subseção de Londrina.//Ante o exposto, reconheço a verossimilhança do direito alegado, bemcomo o /periculum in mora /consubstanciado, este, na possibilidade deenvio imediato do processo para outro Juízo, sendo que há previsão derealização de leilão marcado para o próximo dia 10 de outubro, para oqual está o empreendimento UHE Mauá habilitado, e não há, até o momento,apreciação da liminar requerida em primeiro grau, razão pela qual defiroo efeito suspensivo postulado./

Às fls. 2693/2695, foi encartada cópia da decisão proferida no RecursoEspecial nº 987632/PR, interposto por CNEC Engenharia contra o acórdãoque deu provimento ao AI nº 2006.04.00.030130-0/PR, ao qual foi negadoseguimento pelo Superior Tribunal de Justiça.

Trata-se, destarte, de matéria preclusa.

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*II.A.2. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE RONALDO LUIS CRUSCO e MARCO ANTONIOVILLARINHO GOMES*

A legitimidade das partes, como condição da ação que é, deve seranalisada in "/status assertionis/", ou seja, considerando-se comohipoteticamente verdadeira a descrição da relação material lançada napeça vestibular. Partindo-se dessa afirmação *é que se verifica alegitimidade*, *presente quando as partes no feito correspondem àspartes envolvidas no direito discutido*.

No caso dos autos, a parte autora direciona a pretensão deduzida em facede *Ronaldo Luis Crusco, *Coordenador-Geral do EIA/RIMA, e *MarcoAntonio Villarinho Gomes*, Coordenador de Planejamento do EIA/RIMA,especialmente no que se refere ao *pedido de cancelamento de seusregistros no Cadastro Técnico Federal*.

Os fundamentos que justificam tal pedido são as supostas adulterações eomissões dolosas de informações e conclusões do EIA-RIMA, por partedesses consultores técnicos, daí a existência da hipotética *relaçãojurídico-material decorrente de atos ilícitos*.

Ou seja, o pedido de cancelamento dos registros desses consultores noCadastro Técnico Federal, por si só, permite concluir pela existência depertinência subjetiva que autoriza o direcionamento da ação em facedeles. _A (in)existência da relação jurídica (ilícita) é mérito_ e nãopreliminar (condição da ação), por isso, aqui não cabe qualquer incursãosobre a (in)existência de má-fé dos consultores, a efetiva participaçãocom a delimitação da conduta deles nos supostos atos e omissõesirregulares, bem como sobre regras de distribuição do ônus da prova.

Cândido Rangel Dinamarco bem esclarece a questão, asseverando que:

/Legitimidade ad causam é qualidade para estar em juízo, como demandanteou demandado, em relação a determinado conflito trazido ao exame dojuiz. Ela depende sempre de uma necessária relação entre o sujeito e acausa e traduz-se na relevância que o resultado desta virá a ter sobresua esfera de direitos, seja para favorecê-la ou para restringi-la.Sempre que a procedência de uma demanda seja apta a melhorar opatrimônio ou a vida do autor, ele será parte legítima; sempre que elafor apta a atuar sobre a vida ou patrimônio do réu, também esse seráparte legítima. Daí conceituar-se essa condição da ação como relação delegítima adequação entre o sujeito e a causa. (*Instituições de DireitoProcessual Civil*. 6 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 313.Vol. II)/

A não inclusão no pólo passivo de outros responsáveis, que eventualmentetenham participado nas supostas adulterações e omissões no EIA-RIMA, nãoimpõe o reconhecimento da predita condição da ação, pois apenas

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significa que o autor elegeu os maiores responsáveis dentro dahierarquia de comando do projeto que, na sua perspectiva, atuaram maisincisivamente nas supostas fraudes. No entanto, revela-se totalmentedescabido o requerimento da parte autora, em sua réplica, de intimaçãode outro engenheiro, Léo Polatti Jr., haja vista a estabilização da demanda.

Noutra quadra, dispõe a Resolução CONAMA 237/97, em seu art. 11 eparágrafo único, que "/os estudos necessários ao processo delicenciamento deverão ser realizados por profissionais legalmentehabilitados, às expensas do empreendedor/" e que o "/empreendedor e osprofissionais que subscrevem os estudos previstos no caput deste artigoserão responsáveis pelas informações apresentadas, sujeitando-se àssanções administrativas, civis e penais/".Obviamente, a pretensão de cancelamento dos registros no CadastroTécnico Federal da empreendedora e de seus consultores,**tratando-se deaplicação de penalidade administrativa, está baseada na responsabilidadesubjetiva, pois demandará a comprovação de uma atuação dolosa da empresae seus técnicos em falsear o EIA-RIMA, *sem prejuízo da aplicação doregime de responsabilidade objetiva em relação à empreendedora CNEC,caso venha a ser reconhecido algum dano ambiental*.

Nesse aspecto, cito e perfilho da doutrina do i. defensor da CNEC:

/Não há que se cogitar de responsabilidade objetiva dos profissionaisque, por falha humana ou técnica, tenham colaborado no desencadeamentodo evento danoso, mesmo porque isso implicaria em investigação de/conduta culposa/, circunstância que se não afeiçoa com o fundamento daresponsabilidade objetiva, que a matéria ambiental./ (Milaré. Edis.*Direito do Ambiente*. 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 438) //

Por esses fundamentos, rejeito a preliminar de ilegitimidade de partedos réus Ronaldo Luis Crusco e Marco Antonio Villarinho Gomes.

*II.A.3. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA EPE*

A EPE alega carência da ação em razão da ilegitimidade passiva /adcausam/, em virtude da inexistência de causa de pedir próxima ou remota,ou de objeto mediato e imediato, que lhe possam ser imputados, não sejustificando sua inclusão ou permanência no pólo passivo da demanda.

No entanto, depreende-se da petição inicial que a parte autora endereça,a todas as demandadas, pretensão de cunho declaratório, consistente noreconhecimento de que "/a bacia do Rio Tibagi é território kaingang eguarani, nos termos dos artigos 13 e 14 da Convenção 169 da OIT,*_devendo ser observado por todos os réus_*__ que os estudos de impactoambiental para a implantação de empreendimentos hidrelétricos na bacia,deverão considerar na definição da área de influência para meiosócio-econômico e cultural, essa territorialidade, nos termos do itemXII/" (cf. item 2.2.1, "e" - fls. 193/194) - destaquei.

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Destarte, assiste razão ao MPF, em sua réplica (fls. 2039), de quepersiste o pleito cominatório em face da EPE para abster-se de registrarempreendimentos que não considerem essa territorialidade na definição deárea de influência para o meio sócio-econômico e cultural.

Ademais, verifica-se na nova ação civil pública ajuizada pelo MPF, autoseletrônicos nº 5000063-51.2011.404.7001, na qual se discutem supostasdeficiências em relação à metodologia adotada na Avaliação AmbientalIntegrada da Bacia do Rio Tibagi, que os problemas de divergência acercado critério a ser considerado na avaliação dos impactos nas terrasindígenas também vieram à tona, conforme se observa abaixo do excerto dadecisão liminar que lá proferi:

/[...]//Outra questão que merece destaque, neste juízo de cognição sumária, é aquestão indígena, haja vista seu histórico de ocupação e potencial deconflito na Bacia do Tibagi. Dessa forma, se a AAI da Bacia do Tibaginão dimensionar adequadamente os impactos sobre as populações indígenas,haverá multiplicação dos conflitos nos futuros empreendimentos quevierem a ser instalados e, por consequência, a judicialização destesconflitos, a exemplo do que ocorre com a UHE Mauá, cujo enfrentamentopelo MPF vem se dando na ACP 2006.70.01.004036-9 e demais ações conexas./

/A Presidência da Funai externou a sua preocupação, por meio do Ofícionº 010/CGGAM/PRES-Funai (Ofício 22 - evento1): "3. **/*No que tange aAvaliação Ambiental Integrada, AAI, _o que nos causa certa preocupação éque em algumas delas, a abordagem indígena resume-se a apresentação dedados secundários ou uma simples descrição do grupo indígena_.Salienta-se, ainda, que um dos objetivos da AAI seria considerar osefeitos cumulativos e sinérgicos sobre os recursos naturais e sobre apopulação humana*/".- (destaquei)./

/Por sua vez, a EPE afirmou no Ofício 181/EPE/2010, de 18 de março de2010 (ofício 23 - evento1) que, /salvo os aproveitamentos hidrelétricosdenominados São Jerônimo e Mauá, nenhum outro sítio passível de locaçãode barramento identificado nos estudos oferece interferência diretasobre TI/.//[...]/

Dessa forma, afasto a preliminar de ilegitimidade passiva da EPE.

*II.A.4. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL - NECESSIDADE*

De acordo com o princípio constitucional da inafastabilidade dajurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CF, "a lei não excluirá daapreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Destarte,para que o Judiciário possa intervir é necessário haja alguma lesão ou,ao menos, ameaça de lesão a um direito.

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Em termos processuais, para propor ou contestar ação é necessário terinteresse e legitimidade, nos termos do artigo 3º do Código de ProcessoCivil.

O interesse processual é formado pela necessidade de se socorrer doJudiciário para reparar uma ilegalidade e pela adequação da viaprocessual eleita, o que conduz à utilidade do provimento jurisdiconal.

A CF, em seu art. 129, III, afirma ser função institucional doMinistério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública,para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e deoutros interesses difusos e coletivos. No mesmo sentido, a lei 7.347/85,em seu artigo 1º, afirma que a ação civil pública é instrumento adequadopara a proteção do meio ambiente, dos bens e direitos de valorartístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e outrosinteresses difusos (incisos I, III e IV), tendo como um dos legitimadoso Ministério Público (art. 5º, I).

No caso dos autos, há a necessidade de intervenção judicial paraeventual correção de rumos do licenciamento ambiental da UHE Mauá, poiscomo se pronunciou o TRF da 4ª Região, no AI nº 2007.04.00.014685-2/PR:"/É indubitável que paira sobre a conduta do IAP uma sombra deinidoneidade, o que deve ser devidamente esclarecido ao longo do processo."/

Sem adentrar em divergências doutrinárias acerca da natureza jurídica dalicença ambiental, mesmo que se entenda tratar-se de ato administrativodiscricionário, há um aprofundamento da sindicabilidade do atodiscricionário pelo controlador judicial, orientado pelos princípiosconstitucionais, não se aceitando a cômoda alegação de conveniência eoportunidade e de impossibilidade de análise do mérito do atoadministrativo.

Nessa tarefa, o Poder Judiciário não invade competência do PoderExecutivo, posto ser sua missão institucional verificar a conformidadecom a lei e com a Constituição Federal dos atos ou omissões daAdministração Pública, bem como dos órgãos e entidades que estejamparticipando ou concorrendo para tais ações ou omissões, razão pela qualnão há ofensa ao princípio da separação dos Poderes,**como também alegaa União em sua contestação (item 2.5 - fls. 1727).

Assim o fazendo, conforme leciona Juarez Freitas (*Discricionariedadeadministrativa e o direito fundamental à boa administração*/./ 2ª ed.São Paulo: Malheiros, 2009, p. 45): /"Mutatis mutandis, o controlador,em sentido lato, assume o autêntico papel de 'administrador negativo' emanalogia com a figura do 'legislador negativo'"./

Quanto à alegada presunção de legitimidade dos atos administrativos, nalição de Celso Antonio Bandeira de Mello (*Curso de DireitoAdministrativo*. 17ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 2004, p. 383):

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/"[...] milita em favor deles uma presunção /juris tantum /delegitimidade; salvo expressa disposição legal, dita presunção ditapresunção só existe até serem questionados em juízo"/.

Outrossim, os variados matizes de pretensões buscados pelo MPF não seesgotam em providências que tencionam a anulação do licenciamento da UHEMauá, mas também buscam a responsabilização por danos patrimoniais emorais da empreendedora CNEC, além da aplicação de penalidadesadministrativas a esta empresa e seus funcionários, os corréus RonaldoLuis Crusco e Marco Antonio Villarinho Gomes, assim como veicula pedidosde conteúdo declaratório e de responsabilização por improbidadeadministrativa do corréu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues, todos elesnecessitando de intervenção judicial.

Destarte, por esses fundamentos, rejeito a preliminar de falta deinteresse processual, arguida pela CNEC.

A alegação da EPE, às fls. 3116-3117, de que teria havido perda doobjeto da demanda, em virtude da emissão da Licença de Instalação, emmarço de 2008, e por conta do avançado estágio das obras de instalação,confunde-se com o mérito e lá será analisado.

*II.A.5. ILEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM" DO MPF PARA VEICULAR PEDIDO DERESPONSABILIZAÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA *

Essa preliminar foi rechaçada pela decisão de fls. 1375/1394 econfirmada pelo TRF da 4ª Região no AI nº 2007.04.00.016086-1/PR (D.E.13.09.2007), aviado contra essa decisão, conforme ementa abaixo transcrita:

/ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. JUSTIÇA FEDERAL. AÇÕES CONEXAS.PETIÇÃO INICIAL. RECEBIMENTO.//- O Ministério Público Federal possui legitimidade para atuar emdemandas de competência da Justiça Federal (art. 37, I, da LeiComplementar nº 75/93).//- Sendo a causa de pedir comum às duas ações, estas são conexas, o queimpõe o seu julgamento conjunto.//-A prestação de informações prevista no art. 17, § 7º, da Lei n.º8.249/92 está preordenada a evitar o trâmite de ações destituídas de ummínimo de fundamento ou temerárias. A existência ou não de ato deimprobidade a ser punido será verificada após o regular trâmiteprocessual. Apenas se comprovada efetivamente a inexistência de ato deimprobidade, da improcedência da ação ou ainda a inadequação da viaeleita é que poderia ser rejeitada a ação, caso os elementos trazidosnas informações preliminares pudessem formar convencimento do juiz nessesentido./

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Trata-se, também, de matéria preclusa, razão pela qual rejeito o argumento.

*II.B. MÉRITO*

*II.B.1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL *

*II.B.1.1 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO /vs./ MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTEEQUILIBRADO*

De arranque, registre-se que a controvérsia travada nos autos não seresolve em termos de "tudo ou nada". Isso porque há vários interessesconstitucionalmente protegidos em tensão, inclusive os referentes aoabastecimento de energia elétrica, abastecimento de água, proteção aospovos indígenas e, de forma geral, proteção ao meio-ambiente e aoconsumidor.

Dessa forma, na lição de Canotilho:

/O facto de a constituição constituir um sistema aberto de princípiosinsinua já que podem existir /fenômenos de tensão /entre os váriosprincípios estruturantes ou entre os restantes princípiosconstitucionais gerais e especiais. Considerar a constituição como umaordem ou sistema de ordenação totalmente fechado e harmonizantesignifica esquecer, desde logo, que ela é, muitas vezes, o resultado deum /compromisso/entre vários actores sociais, transportadores deideiais, aspirações e interesses substancialmente diferenciados e atéantagônicos ou contraditórios. O /consenso fundamental/quanto aprincípios e normas positiva-constitucionalmente plasmados não podeapagar, como é óbvio, o pluralismo e antagonismo de idéias subjacentesao pacto fundador.//A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifíciosde outros originaria a criação de princípios reciprocamenteincompatíveis, com a conseqüente destruição da tendencial unidadeaxiológico-normativa da lei fundamental. Daí o reconhecimento demomentos de /tensão/ou /antagonismo entre os vários princípios e anecessidade, atrás exposta, de aceitar que os princípios não obedecem,em caso de conflito, a uma <>, antes podem ser objecto de ponderação econcordância prática, consoante o seu <> e as circunstâncias doscaso."(CANOTILHO, José Joaquim Gomes. /Direito Constitucional e Teoriada Constituição/. Coimbra: Livraria Alemeida, 2003, p. 1182).

Na ACO 876-MC-Agr/Ba, que envolvia o caso da transposição do RioFrancisco, o *Min. Gilmar Mendes *afirmou, com base nos ensinamentos deAlexy, que se tratava de uma colisão complexa de princípiosconstitucionais, /in verbis:/

/Veja que temos múltiplos princípios. Na verdade, se fôssemos falar de

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colisão, haveria, aqui, um caso típico de colisão complexa. Estamosapenas a simplificar quando colocamos a questão do meio ambiente, de umlado, e a questão do interesse público na realização das obras, deoutro. [...]//A propósito das colisões complexas, convém ressaltar os esclarecimentosdo Prof. Robert Alexy, oferecidos em palestra na sede da Escola Superiorda Magistratura Federal (ESMAFE), em 7.12.1998:/

/"Deixam-se distinguir quatro tipos de colisões de direitos fundamentaisidênticos.(...) No segundo tipo, trata-se do mesmo direito fundamental,uma vez como direito de defesa liberal de um e, outra, como direito deproteção do outro. Um tal caso existe, por exemplo, quando é atirado emum detentor de um refém para salvar a vida de seu refém. Nisto, contudo,deve ser acentuado que com a colisão entre direito à vida, de um lado,do detentor do refém, e, de outro, do refém, somente é compreendida umaparte do problema total. É freqüentemente possível salvar a vida dorefém pelo fato de simplesmente atender às exigências do detentor dorefém. Vem, então, como terceiro elemento da colisão total uma'obrigação de proteção...diante da totalidade dos cidadãos' em jogo, quepede do Estado não fazer nada que possa dar estímulo a outras tomadas dereféns. O objeto imediato desse dever de proteção é um bem coletivo: asegurança pública. Isso torna claro que muitas colisões são complexas,porém é necessário identificar claramente os elementos fundamentais dosquais elas são compostas." (ALEXY, Robert. "Colisões de DireitosFundamentais no Estado de Direito Democrático". In Revista de DireitoAdministrativo 2178, jul/set 1999. p. 67 (69)]/

Entendo que, no caso dos autos, estamos diante de colisões entre benscoletivos ou direitos fundamentais difusos, relacionados ao direitointergeracional ao meio ambiente equilibrado e ao desenvolvimento embases sustentáveis, que se erigem em direito fundamental de terceirageração/dimensão, expressamente acolhido pelo art. 225, /in fine/, daConstituição Federal de 1988.

Diante desses /hard cases/, em decorrência da variada dimensão fática ejurídica que os envolve e da complexidade das questões postas em mesa, adoutrina criou técnicas de ponderação de interesses constitucionais,visando a diminuir ou a conciliar as antinomias, uma vez que oscritérios tradicionais de resolução de antinomias de regras(hierárquico, especialidade e temporal) não se mostram suficientes paraa resolução de conflitos de princípios constitucionais.

Assim, dentre outros princípios regedores, destacam-se os daproporcionalidade, razoabilidade e, com apoio em J.J. Gomes Canotilho, oda "salvaguarda do núcleo essencial", "segundo o qual não é legítima aregra de solução que, a pretexto de harmonizar a convivência entredireitos fundamentais, opera a eliminação de um deles, ou lhe retira asua substância elementar" (apud ZAVASCKI, Teori Albino. /Antecipação deTutela/. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 64).

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Como se pressente, é ponto nodular deste julgamento um intricadoprocesso de ponderação de prós e contras, mediante avaliações naaplicação de princípios constitucionais, nos pontos em que colidem, queé parte integrante da multiplicidade do sistema constitucional fundadono princípio da unidade.

Antes de iniciarmos a jornada de enfrentamento das matérias, abroparênteses para deliberar sobre a admissibilidade e a utilização dealgumas provas que instruíram a inicial, assim como outras produzidas nodecorrer da instrução processual, e que foram objetos de impugnações.

*II.B.1.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE ALGUMAS PROVAS***Inicialmente, imperioso relembrar que em nosso ordenamento jurídico vigeo princípio da persuasão racional ou do livre convencimento motivado(art. 131 do CPC) e todos os meios legais, bem como os moralmentelegítimos, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda aação ou a defesa (art. 332, CPC), sendo inadmissíveis as provas obtidaspor meios ilícitos (art. 5, LVI, CF).Ademais, o juiz é o destinatário da prova e, com base no princípio daaquisição processual, também identificado como princípio da comunhão,toda prova produzida nos autos incorpora-se ao processo,independentemente de quem a requereu ou produziu, servindo a qualquerdas partes, e aos interesse da justiça na investigação da verdade.

Pois bem.

No tocante às informações técnicas elaboradas pelo setor técnico do MPF,embora já se tenha entendido não serem suficientes para a manutenção daliminar, ínsita ao juízo de cognição sumária (/v. /AI nº2006.04.00.000086-5), em sede de cognição exauriente, são válidas, masdevem ser analisadas dentro do contexto probatório amealhado no cadernoprocessual, sob o crivo do contraditório.

Com relação aos depoimentos prestados ao MPF pelos funcionários daIGPLAN, Srs. Francisco Lothar Lange Jr, Euclides Selvino "Tom" GrandoJr., Gislane Cova Grando, Marcos Ricardo Bornschein e Alexandre Ulhmann,que embasam a inicial, deve-se tomá-los com reservas, haja vista aparticipação dessas pessoas na ONG Liga Ambiental (doc. 08 da CNEC),conforme se verá no tópico seguinte.

O mesmo se diga em relação aos documentos registrados em cartório pelostécnicos da IGPLAN (diagnóstico sobre o meio biótico versando sobre abacia, registrado no 2º Ofício Distribuidor de Títulos e Documentos deCuritiba sob o nº 930385, datado de 26 de outubro de 2004, o diagnósticodo meio biótico da AID, registrado no mesmo 2º Ofício, sob o nº 931600,datado de 02 de dezembro de 2004, e o documento de impactos, medida eprogramas ambientais, sob o nº 9316001 de 30 de novembro de 2004 - /v./nota de roda pé nº 13//- fls. 10), haja vista que, como será analisado

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no item a seguir, à essa altura, a relação das empresas já estavacompletamente deteriorada, o que pode ter conduzido os técnicos daIGPLAN a exagerarem "na tinta" para prejudicar a CNEC.

No tocante ao laudo de exame documentoscópico, realizado nos autos daação ordinária de reparação por danos morais, autos nº1175/2005,ajuizada pela CNEC Engenharia em face de Euclides Selvino Grando Jr(autor da ação popular nº 2008.70.01.001967-5) e outros, em trâmiteperante a 8ª Vara Cível da Comarca de Curitiba, cópia às fls. 2997/3027,utilizada como prova emprestada, teço as considerações a seguir.Embora o MPF tenha impugnado tal perícia, alegando a inidoneidade doperito que subscreve o laudo, em virtude de seu envolvimento em crimesde falsas perícias, assim como ausência de conhecimentos técnicos naárea do conhecimento envolvida, a prova em si é moralmente legítima elícita, e as constatações estritamente objetivas, extraídas do cotejodos documentos periciados (/documentos registrados pelos técnicos daIGPLAN no 2º Cartório de Registro de Títulos e Documentos de Curitiba eo EIA-RIMA apresentado pela CNEC ao IAP/), podem auxiliar o Juízo aopalmilhar essas informações, ressaltanto-se que não há adstrição aolaudo (art. 436 do CPC), que pode ser acolhido ou rejeitado total ouparcialmente.

Com relação às testemunhas ouvidas no Juízo Deprecado, conforme termo dedepoimento de fls. 2808/2834, considerando que aquele juízo entendeu quecaberia a este decidir sobre a forma que esses depoimentos seriamtomados e sobre a contradita arguida, passo a deliberar a respeito.

A Sra. Noeme Moreira de Oliveira e o Sr. Ademar Cabeças Filho sãofuncionários do IAP e participaram do licenciamento da UHE Mauá.Conforme se infere das fls. 2808/v. e fls. 2818, verifica-se que foramcompromissadas e não foram contraditadas, não se vislumbrando motivosque não permitam tomar seus depoimentos como testemunhas.

Já a testemunha Francisco Lothar Paulo Lange Jr. foi contraditada pelaCNEC, pelo MPF e pela EPE, conforme se infere das fls. 2822/2823.

Não deixa de ser, no mínimo, curioso o fato do Sr. Francisco LotharPaulo Lange Jr., que prestou um dos depoimentos que embasa essa açãocivil pública, ter sido contraditado pelo próprio MPF. A peculiaridadedesta testemunha, posteriormente, ter ido trabalhar com o corréu daação, Lindisley da Silva Rasca Rodrigues, na Secretaria do Meio Ambientedo Estado do Paraná, deve ser debitada às vicissitudes da política.

No entanto, não vislumbro suspeição da testemunha por esses fatos.Ademais, como se infere das alegações finais das partes, tanto MPF (fls.2841), quanto a CNEC (fls. 2926/2927 e fls. 2934/2935) citam seudepoimento em prol de suas alegações, o que demonstra a imparcialidadedo depoimento dessa testemunha, que não foi influenciado por qualquer forma.

Por sua vez, as recomendações do /parquet /federal são instrumentos

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jurídicos previstos expressamente na LC 75/93 (art. 6º, XX), queregulamenta as atribuições do Ministério Público Federal, dando-sepublicidade ao destinatário do reclamo legal sobre determinada matéria,visando sanar irregularidade encontrada.

Dessa forma, as recomendações expedidas pela parte autora, no decorrerda instrução processual, que foram acolhidas pelos órgãos públicos epelo empreendedor, servem como meios de prova, já que a adoção dessasrecomendações, que poderiam não ser incorporadas por não possuíremcaráter cogente, refletem a concordância desses entes públicos e doempreendedor com o entendimento do /parquet/ federal.

Registre-se, ainda, considerando a referência pelo MPF, às fls. 3177,sobre a existência da ação penal nº 0000046-85.2007.8.16.0013, emtrâmite perante a 8ª Vara Criminal da Comarca de Curitiba, em que oscorréus Ronaldo Luis Crusco e Marco Antonio Villarinho Gomes foramdenunciados juntamente com outras pessoas, o que prescreve o artigo 935do Código Civil brasileiro:/A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendoquestionar mais sobre existência do fato, ou sobre quem seja o seuautor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal./

Tenho para mim que, se já tivesse sido definida a existência do fato(adulterações no EIA-RIMA) e a autoria (de Ronaldo Luis Crusco e MarcoAntonio Villarinho), nos termos do artigo 935 do C.C., não haveria maisa possibilidade de se discutir essas questões nesta ação civil pública,entendo-se como civil, tudo o que não for criminal, englobando, também,a esfera administrativa, trabalhista, militar, tributária e deimprobidade administrativa.

No entanto, verifica-se do extrato do andamento processual (fls. 3244)que a ação penal ainda está no começo, tendo em vista que a denúncia foioferecida em 21.07.2010. Dessa forma, em que pesem os potenciaisreflexos da indigitada ação penal nesta ação civil, considerando que asuspensão do curso do processo, de acordo com o artigo 110 do CPC, é umafaculdade do Juiz, cabendo a ele conduzir o processo dentro do princípioda razoabilidade e da razoável duração do processo, entendo serimpertinente se aguardar o desfecho daquela ação penal, bem comoextrair-se qualquer ilação a esse respeito, até mesmo em homenagem aoprincípio da presunção da inocência que vigora em matéria penal.

Por fim, quanto à INFORMAÇÃO TÉCNICA N. 67/98 do IBAMA (fls. 2507/2509),que foi impugnada pela CNEC, por este órgão ambiental não ter feitoanálises /in loco/, limitando-se a comentar os documentos apresentadospelo MPF (it. 189 de suas alegações finais), entendo que a impugnaçãonão prospera, pois a liminar que determinou ao IBAMA a elaboração deparecer técnico, não exigiu tal providência, /in verbis/:.../Por outro lado, o juiz deve providenciar a produção de provasnecessárias ao deslinde da lide, podendo requerer o auxílio de órgãos e

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entidades publicas, sendo dever de todos colaborar com o PoderJudiciário, a fim de formar o convencimento do juízo. Tendo em vista asgraves irregularidades denunciadas pelo MPF no procedimento delicenciamento ambiental (embora com base em análise técnica unilateral),o interesse nacional e federal envolvido, bem como a necessidade desubsídios técnicos ao juízo, há que se solicitar o auxílio dos órgãos ouentidades especializados em âmbito federal, a saber, a FUNAI, no quetange aos índios, e o IBAMA, no que tange ao meio-ambiente, sem prejuízoda permanência (ainda que assente de forma provisória) da competência doIAP para o referido licenciamento. As provas devem ser produzidas deforma a que não restem inúteis pelo decorrer do tempo, até porque osdados obtidos poderão ser utilizados para eventual correção de rumo.Eventualmente, num futuro desejável, poderia se chegar a umaconciliação, ou pelo menos a uma minimização dos conflitos hoje existentes.//Extraio, das considerações acima, alguns norteamentos, que adoto _emsede provisória_://- a Bacia do Rio Tibagi deve ser considerada como um todo, inclusivepara instrução probatória e para a visualização dos riscos de dano aomeio ambiente e aos indígenas;//- o IAP deve se responsabilizar pelo licenciamento dos aproveitamentoshidrelétricos da Bacia do Rio Tibagi, sem prejuízo de possível atuaçãosupletiva do IBAMA;//- há necessidade de uma maior análise das irregularidades alegadas peloMPF, com auxílio de órgãos federais especializados em meio-ambiente(IBAMA) e na população indígena (FUNAI);//[...]//*_c) a determinação de atuação supletiva do IBAMA, devendo retomar oprocedimento de licenciamento desde sua gênese, sob pena de multa;_*__/__/*_Quanto a esse ponto, defiro parcialmente o pedido de tutelaantecipada, unicamente para que o IBAMA acompanhe, a partir de suaintimação, o procedimento de licenciamento (art. 8º da Resolução CONAMA237/1997), podendo sugerir procedimentos ou alterações ao IAP, não sendonecessário, porém, que o IBAMA homologue as licenças eventualmenteconcedidas pelo IAP._*__/__/*_O IBAMA deverá também, no âmbito de produção antecipada de prova, quedetermino desde já, apresentar parecer técnico, no prazo de 90 dias(prorrogáveis por motivo justo), sobre as irregularidades apontadas peloMPF no procedimento de licenciamento, apontando inclusive, senecessárias, as correções e alterações que devem ser efetuadas_*__./ -(fragmento da decisão de fls. 1375/1394, com nosso destaque).

Percebe-se que, em virtude da miríade de fundamentos de dissenso e, porconsequência, da extensão do /thema probandum/, serão utilizados o maiornúmero de elementos de prova juridicamente possíveis, a fim de subsidiaro convencimento do Juízo na busca da verdade "processual" ou daverossimilhança do que foi sustentado pelas partes.

Nesse sentido, atual é o ensinamento de CALAMANDREI sobre o tema: "/Todoo sistema probatório civil está preordenado, não só a consentir, senãodiretamente a impor ao juiz que se contente, ao julgar a respeito dos

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fatos, com o sub-rogado da verdade que é a verossimilitude. [...] Mesmopara o juiz mais escrupuloso e atento, vale o limite fatal derelatividade próprio da natureza humana: o que enxergamos, só é o quenos parece que enxergamos. Não verdade, senão verossimilitude: é dizer,aparência (que pode ser também ilusão) da verdade" /(apud MONTENEGROFILHO, Misael/./ Curso de Direito Processual Civil. Vol.1 São Paulo:Atlas, 2005, p. 460).

*II.B.1.3 DA CONTEXTUALIZAÇÃO DOS FATOS, DA RELAÇÃO COMERCIAL DA CNECCOM A IGPLAN E DESTA COM A ONG LIGA AMBIENTAL (itens I , II e III dapetição inicial )*

Com relação aos prazos para elaboração dos trabalhos que, na visão daparte autora, foram muito exíguos e insuficientes para a elaboração doEIA-RIMA, observo que a narrativa autoral não guarda perfeitaconsonância com o substrato fático dos acontecimentos, *segundo oselementos constantes dos autos*.

De acordo com o MPF, o contrato original entre a CNEC e a IGPLAN se deuno ano de 2002 e "logo depois" foi interrompido, sendo retomado em julhode 2004, já no bojo do Novo Modelo do Setor Energético, com oestabelecimento de prazo exíguo de 03 meses para a conclusão dostrabalhos, visto que se pretendia a inclusão do empreendimento no leilãoinicialmente previsto para o mês de fevereiro de 2005.

Analisando os documentos trazidos pela CNEC, observa-se que o primeirocontrato da CNEC com a IGPLAN e GEMPRE foi firmado em 01.06.2002 (doc. 7da CNEC), sendo o prazo de validade, prevista na cláusula 5ª, de*01.06.2002 a 31.05.2003*.

Na proposta comercial 005-02/03, subscrita pela IGPLAN, em 05.03.2002(doc. 13 da CNEC), verifica-se a afirmação da empresa de que "/o prazoideal é de um ano, no sentido de se obter sazonalidade dos dados. Noentanto, como medida prática usual, podemos atender com resultadosrazoáveis num prazo de até 4 meses para os trabalhos de campo, com mais2 meses para a integração dos dados e composição dos relatórios/".

A CNEC informou que os trabalhos seriam paralisados, "*/_por força dascircunstâncias_/*/__/__", a partir de janeiro de 2003, com possibilidadede retomada a partir de abril de 2003, como se lê da correspondênciaPRE/EPH/1906/02, recebida pelo Sr. Francisco Lothar Lange Jr, em20.11.02 (doc. 14 da CNEC).

Já em sua contestação, a CNEC afirma, à fls. 1138, que a paralisaçãodeu-se por "*/_impossibilidade financeira momentânea_/*/__/__", por issoo Sr. Francisco Lothar Paulo Longe Jr. teria incorrido em falsotestemunho ao afirmar ( cf. excerto de seu depoimento transcrito à fls.18) que a paralisação ocorreu por "*/_questões de ordem

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política_/*/__/__". No entanto, a missiva da CNEC não explicita quais"circunstâncias" eram aquelas, de maneira deu margens à interpretação doSr. Francisco Lothar.

Seja como for, verifica-se que o prazo de *sete (07) meses, *quetranscorreu entre a assinatura e a paralisação dos trabalhos, foiprevisto no contrato e na anexa "proposta comercial", para a conclusãodos trabalhos, portanto, não há que se falar em prazo exíguo impostopela corré CNEC, posto que *a IGPLAN assentiu com esse cronograma*.

Após essa paralisação, IGPLAN e CNEC acordaram na retomada dostrabalhos, em *14.06.2004*, conforme se infere das "Notas de Reunião",que integrou, como anexo, o "2º Termo Aditivo ao Contrato de Prestaçõesde Serviços CNEC 068/02" (docs. 15 e 16 da CNEC).

De acordo com o "2º Termo Aditivo ao Contrato de Prestações de ServiçosCNEC 068/02", cláusula 3ª, *a IGPLAN acusou o recebimento da quantia deR$ 338.004,51 do valor contratado e novamente assentiu com os prazospara entrega dos trabalhos, *conforme**"Notas de Reunião", a saber:"Diagnósticos dos Meios Físico, Biótico e Sócio-Econômico" - 30.07.2004;"Resultados do Temático de Arqueologia", "Resultados das Campanhas deCampo e/ou Levantamentos Adicionais ao Diagnóstico Ambiental" e "Análise Integrada das Variáveis Ambientais Consideradas" - 30.08.2004;versões definitivas do EIA-RIMA - 30.09.2004.Em *05.10.2004, *conforme se infere do documento "Termo de Entrega deProdutos Parciais" (doc. 09 da CNEC), devidamente assinado pelo Sr.Francisco Lothar Paulo Lange Jr., a IGPLAN entregou os estudos por elarealizados até aquela data, que compunham a "*_totalidade dos materiaise/ou documentos elaborados pela equipe técnica da IGPLAN_"*, os quais,como avençado pelas partes, seriam apreciados pela corré CNEC.

Após analisar os produtos entregues pela IGPLAN, a CNEC, em*21.10.2004*, dirigiu um ofício à IGPLAN apontando erronias e omissõesconstantes do EIA-RIMA, tendo afirmado nesse documento que "/o materialnão possui condições de ser apresentado ao órgão ambiental...tendo emvista estar incompleto e conter uma quantidade excessiva de nãoconformidades que afetam, de modo negativo, a sua qualidade /". Em 03anexos a CNEC teceu comentários ao material técnico produzido pelaIGPLAN (doc. 17 da CNEC)

Destarte, a afirmação da parte autora de que somente em *22.11.2004*,nas dependências da CNEC em São Paulo (cf. ata de fls. 653/654, vol. IVdo PA 1.25.005.000088/2005-16), a IGPLAN tomou conhecimento de que nãoseriam aproveitados todos os estudos não confere a cronologia dos fatos,segundo os documentos encartados aos autos.

Ademais, também não procede a afirmação de que apenas *11 dias *apósessa reunião, ou seja, em*03.12.2004, *protocolizou-se "um completoEIA-RIMA" perante órgão ambiental, pois, desde *05.10.2004*, quando aCNEC recebeu o "Termo de Entrega de Produtos Parciais" (doc. 09 da CNEC,

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vol V), já tinha ciência, em sua visão, da insuficiência dos estudos epassou a complementar os trabalhos faltantes por meio de outrosprofissionais. Destarte, do início da complementação dos trabalhos até oprocolo no IAP do EIA-RIMA, não transcorreu apenas 11 dias, maspraticamente *dois (02) meses*.

Com relação ao acompanhamento da Sra. Maria de Lourdes Küller ("Kiki"),quando da retomada dos trabalhos pela IGPLAN, a partir de 14.06.2004,impende observar que o contrato inicial previa, em sua cláusula 6.8, odireito da CNEC "/exercer a mais ampla e completa fiscalização dosprodutos ou serviços, objeto do contrato/".

É inegável que a presença da Sra. Maria de Lourdes Küller ("Kiki"),durante os meses de *agosto a setembro de 2004*, junto à IGPLANcontribuiu para a deterioração do relacionamento dos técnicos da IGPLANe CNEC, que deve ter piorado com a descoberta pela CNEC da participaçãodesses técnicos na ONG Liga Ambiental (doc. 08 da CNEC), conhecida porsua postura intransigente de defesa ao meio ambiente e que tem porpolítica de atuação a "judicialização" de licenciamentos ambientais(doc.05 da CNEC). Vale lembrar que a ONG Liga Ambiental também contestajudicialmente o licenciamento da UHE Mauá, por meio da ação civilpública nº 2007.70.01.002261-0, em trâmite neste Juízo.

Vejamos o relato de FRANCISCO LOTHAR PAULO LANGE JUNIOR, proprietário daempresa IGPLAN, sobre essas questões:

/*TESTEMUNHA: *Não, a Kiki, eu não sei se você conhece a Kiki, a Sandra,....a Kiki ela é um... como se diz, um tanque de guerra, né. Ela vem,ela tem uma presença muito grande, é uma pessoa assim de muitacompetência, né, tem uma experiência muito grande, e obviamente ela...ela... com essa... com esse tipo de estilo dela, ela criou muitoconflito, de cara, rapidamente, com a equipe. E ficou muito difíciltentar coordenar esses conflitos, né. Enquanto eu... porque a equipetambém tinha, digamos assim, um gênio forte, uma postura de pessoas bemfortes, então...//*JUIZ:* Assim, só interromper o senhor, mas que tipo de conflitoassim... o que gerava esses conflitos?//*TESTEMUNHA*: O principal fator de... de... geração desses conflitosfoi o modus operandi da Kiki. A forma como ela questionava o trabalhodas pessoas, tanto nos aspectos técnicos, nos três aspectos que eucoloquei, né, e essa forma muitas vezes ofendia as pessoas. E as pessoasficavam então, não querendo mais colaborar, e aí para extremos/ (fl. 2826)/[...]//*TESTEMUNHA:* Bom, a história é um pouco mais complexa. Na verdade, ostrabalhos iniciaram em 2002, depois houve interrupção do trabalho porquestões mais políticas, o Brasil estava mudando de presidente, e haviauma certa desconfiança, né, na época, com relação ao novo presidente,que é o atual inclusive, né, e esses trabalhos foram interrompidos. Edemos isso de, as duas partes sem qualquer tipo de problema, os

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trabalhos estavam indo muito bem inclusive, a relação entre CNEC eIGPlan era a melhor possível. Posteriormente, houve um contato do CNEC,eu já não sei se já eram 2 anos interrompidos os trabalhos, tanto que...que tinha uma profissional que estava grávida, no primeiro trabalho eficou grávida no segundo trabalho, já tá com outro filho, então, ascoisas... e ainda tinha gente do exterior, o CNEC nos solicitou queretomássemos o trabalho. E explicando que: "olha, só que nós estamos comum problema sério, que o prazo é muito curto". Daí eu, bom, vamos...arrebanhamos toda a equipe original porque ficaria muito complexo mudara equipe ou introduzir novos membros, quando teríamos que fazercomplementações, porque o estudo parou... parou numa fase assim,bastante difícil, que era uma fase de quase conclusão, mas não deconclusão. E posteriormente é... nossa preocupação era manter a mesmaequipe, e as mesmas relações construídas com tanto esforço, na faseinicial. Obviamente que, esse... esse período que foi de 2 ou 3 meses,entre a equipe conseguir começar trabalhar e buscarem-se os dados,muitos dados já não estavam mais em poder das pessoas, tinham-seperdidos os computadores, arquivos, enfim, aquela complexidade de 40pessoas, reunir 40 pessoas, e isso fez com que houvesse, digamos, umaperda de tempo, que deixou provavelmente o cliente muito preocupado como andamento dos trabalhos, né. E isso fez então que, houvesse então, oencaminhamento da interventora, da Kiki, que era a coordenadoraauxiliar, né, pra que esse processo fosse... o processo fosse acelerado.Só que daí as coisas começaram a sair um pouco do controle, né.//*MPF:* Sim. O senhor relatou que a... surgiram esses problemas tal. Maso fato da rescisão mesmo, o ato de rescindir, se deveu a que fato exato?Não exato, mas tipo, foi justamente por desencontro de... relacionamento?//*TESTEMUNHA*: Sim, é, desencontro de relacionamento, desgaste...desgaste com a equipe técnica, dificuldade na manutenção do cumprimentodos prazos, que segundo o CNEC, havia uma... uma... pressão no caso daANEEL, no sentido que esse trabalho fosse efetivado rapidamente, é...desentendimentos técnicos também com relação à conteúdo, né, "ah, issoaqui está incompleto, aquilo falta isso", aquela coisa assim, né, masprincipalmente, entendo... creio que foi no entendimento... noentendimento assim de que questões poderiam estar sendo consideradas enão foram consideradas, deveriam ser acrescidas e não foram acrescidas.E dentro do tempo, aumentou a pressão, a equipe perdeu confiança na...no cliente, e aí eu tive que fazer... tentar fazer uma gestão de equipee de cliente ao mesmo tempo, né.//*MPF:* Sim.//*TESTEMUNHA*: Muito difícil, inclusive.//*MPF:* Hum-hum. Tá. A rescisão, o senhor sabe em que época foi? Sabeinformar?//*TESTEMUNHA:* Olha, eu não consigo deixar de esquecer o dia que issoaconteceu, mas a decisão de fato, ela...//*MPF*: Não, não o dia, o fato em si...//*TESTEMUNHA*: O fato foi provavelmente dezem... é... 2005, 2004. Achoque foi... puxa vida, não me lembro nem o ano, mas foi final do ano,dezembro eu creio, outubro, novembro, dezembro. Depois eu vou...//*MPF:* A rescisão?/

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/*TESTEMUNHA*: Contratual?//*MPF*: A rescisão contratual. Quando que a IGPlan deixou de prestarserviços à CNEC?//*TESTEMUNHA*: Pois é, puxa vida...//*JUIZ*: Aqui uma anotação que foi no dia 5 de outubro de 2004.//*MPF*: Tá. Porque eu não tenho. Obrigada.//*TESTEMUNHA*: É, eu também não tenho. Tenho no escritório.//*JUIZ*: Esse é o que veio do processo.//*MPF*: Tá. 5 de outubro. Em que altura estavam os trabalhos?(incompreensível). Pela IGPlan, dentro daquela... do que ela se propôs,na programação dela, em que altura que estava esse trabalho... aelaboração desse trabalho, e qual era a previsão, dentro do que erapossível pra IGPlan, do que ela faltava fazer na visão dela, quantotempo faltaria pra ela fazer?//*TESTEMUNHA:* Nós pedimos... nós tínhamos pedido mais 2 meses, né, ouseja, dezembro. Né, ou alguma coisa próxima a isso, né. Eu não seiprecisar, com certeza, correndo em erro de meses, mas era em tornodisso. Os trabalhos eles estavam, digamos assim, algumas áreas estavamconcluídos, né, em outras áreas ele precisavam fazer uma revisão decampo porque houve uma pequena mudança de projeto assim, tipo, pouco...poucas semanas antes da... do prazo de conclusão, uma mudança bastantesignificativa, e isso fez com que eu alterasse algumas... algunsprocedimentos técnicos com urgência, né. E a gente não conseguiu dar,digamos, a devida... tinha muitos mapas para serem feitos, a gente nãoconseguiu efetivar tudo isso. então, eu diria que o trabalho estava 90%concluído, faltando o fechamento, digamos de... a conclusão de algumasáreas temáticas ainda, certo?//*MPF*: Mas o senhor acompanhou esses... aí tudo bem. O senhoracompanhou esses trabalhos, o senhor tinha conhecimento do que foi...desses trabalhos, o que foi colocado em papel?//*TESTEMUNHA*: Sim, eu acompanhei tudo. Eu era o coordenador, euescrevi, reescrevi, mudei erros de português, nossa...//*MPF*: Certo, mas o conteúdo o senhor tinha conhecimento pleno?//*TESTEMUNHA*: Sim, tenho, pleno. Do conteúdo até a... até a época daentrega dos trabalhos, né.//*MPF*: Certo. Daí houve a rescisão...//*TESTEMUNHA*: Sim.//*MPF:* E a IGPlan, claro, saiu, e quem deu continuidade a isso foi a CNEC?//*TESTEMUNHA*: Foi, exatamente.//*MPF*: Isso?//*TESTEMUNHA:* Exatamente. Exclusivamente.//*MPF*: Diante de... o senhor teve... tomou conhecimento, chegou a ler otrabalho apresentado junto do... do EIA/RIMA, apresentado ao IAP?//*TESTEMUNHA:* Não, eu nunca... nunca mais tive contato com o projeto emsi.//*MPF*: Com o trabalho, o senhor...//*TESTEMUNHA*: Com o trabalho nunca mais. Eu me ausentei do processo,não acompanhei, eventualmente houve uma reaproximação do CNEC, a gente,digamos, de um sentido mais de tentar neutralizar alguns problemas derelacionamento, empresa... a empresa, né, então a gente participou de

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algumas reuniões, mas no IAP, a leitura do produto final, nunca mais eufiz esse tipo de coisa /(fls.2828/2829).

Voltaremos a analisar a questão contratual entre CNEC e IGPLAN, quandoformos investigar as alegadas adulterações e supressões dos trabalhosdos técnicos da IGPLAN do texto final do EIA/RIMA (*item II.B.1.14*).

*II.B.1.4 DA (IN)EXISTÊNCIA DE TERMO DE REFERÊNCIA E SUA (IN)VALIDADE(itens V e VI da petição inicial)*

Segundo a parte autora, houve afronta ao disposto no artigo 6º,parágrafo único, da Resolução CONAMA 01/86 e no artigo 10, inciso I, daResolução CONAMA nº 237/97, em face da ausência de Termo de Referênciaválido e idôneo a orientar os estudos ambientais realizados, pois estedocumento, supostamente produzido pelo empreendedor, seria desconhecidodo IAP, eis que ausente tanto do EIA/RIMA quanto do processo delicenciamento ambiental nº 4.826.991-5/IAP.

Assim dispõem os dispositivos invocados:

/Resolução CONAMA 01/86 //Art. 6º - O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, asseguintes atividades técnicas: //Parágrafo Único - Ao determinar a execução do estudo de impactoambiental, o órgão estadual competente; ou o IBAMA ou, quando couber, oMunicípio fornecerá as instruções adicionais que se fizerem necessárias,pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área. ////Resolução CONAMA nº 237/97//Artigo 10 - O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá asseguintes etapas: //I - Definição pelo órgão ambiental competente, com a participação doempreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais, necessáriosao início do processo de licenciamento correspondente à licença a serrequerida;/

Os dispositivos em questão não fazem menção a um "termo de referência",mas à definição pelo órgão ambiental competente, com a participação doempreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais necessáriospara analisar a viabilidade ambiental do projeto, devendo o órgãoambiental competente fornecer informações adicionais que se fizeremnecessárias.

Dessa forma, verifica-se a necessidade da elaboração de um guiapreliminar para elaboração dos estudos, considerados pelo órgãoambiental licenciador, como essenciais para avaliação da viabilidadeambiental de um empreendimento.

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Indagada a esse respeito, a testemunha Noeme Moreira de Oliveira afirmou(fls. 2810 e vº):

/*Juiz*: Na inicial cita um Termo de Referência, que segundo oMinistério Público Federal ele não existiu, ele... aliás ele fazreferência a um Termo de Referência, mas que não seria aquele adequadopara o licenciamento e que possibilitaria a realização dessas audiênciaspúblicas como informação ampla do público para a sua participação. Euquestiono, então, a senhora se existiu este Termo de Referência? E seeste Termo de Referência é aquele que a inicial cita, que seria relativoa... ele não seria adequado ao licenciamento?//*TESTEMUNHA*: É o seguinte, posso explicar bem isso: por exemplo, oIBAMA tem o hábito de realizar ou elaborar, né, um Termo de Referênciapraticamente completo. O IAP, seguindo 01/86 do CONAMA, coloca comodiretrizes, tá. Qualquer consultor sabe o que é um Termo de Referência,que ele tem que cumprir com a 01/86. E não é o nosso trabalho ficarsubsidiando consultor. Então a gente só dá algumas... como é que euposso co... algumas variáveis ali dentro, que ele tem que cumprir. Entãono entendimento, talvez, do doutor Akira, na época, aquilo pra ele nãoseria adequado conforme o IBAMA costuma fazer, tá. Mas nós colocamosalgumas variáveis ali, que eles têm que cumprir, tá. Elaborar, tem queconter o meio físico, o meio bióticos, o antrópico, alguns documentosque eles têm que apresentar a nós. O IAP, naquele momento, não fez um...o que se habitua chamar, na área, de um Termo de Referência. A gente,geralmente, faz algumas diretrizes básicas. Tá? Talvez, no entendimentodele não fosse. Aí é uma questão de conceito.//*JUIZ*: Porque a inicial diz o seguinte: que em reunião realizada nodia 4 de agosto de 2005, na sede da Procuradoria da República emLondrina, que foi às vésperas dessas Audiências que foram realizadas emTelêmaco Borba e Ortigueira, com a presença de analistas periciais doMPF e dos senhores José Rubel Ernesto Rama e Ademar Cabeças Filho,servidores do IAP e membros da comissão técnica designada pela portaria70, para análise do EIA, da usina hidrelétrica de Mauá, estes afirmarama não existência de termo de referência.//*TESTEMUNHA*: Não na concepção como eu acabei de explicar, tá. Queseria esse mais detalhado, entendeu? Então é uma... foi simplificado, tá.//*JUIZ*: Desculpa, o IAP então, designa esse documento que a senhorafala que seria mais simplificado como...//*TESTEMUNHA*: Hum-hum. Como fosse diretrizes, não com essa...//*JUIZ*: Mas tem um nome específico? //*TESTEMUNHA*: A gente encaminha como diretrizes para elaboração doEIA/RIMA. É bem mais simplificado. Não na conceituação que o doutorAkira estava tentando colocar, realmente não existiu, tá.//*JUIZ*: Está ok./ (fragmento de fls.

Neste aspecto, impende observar que o parecer técnico do IBAMA,realizado em cumprimento à decisão liminar proferida nos autos,(INFORMAÇÃO TÉCNICA N. 67/98 - COHID/CGENE/DILIC/IBAMA - fls.2507/2509), teceu as seguintes considerações sobre esse tópico:

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/Termo de Referência (TR)/

/*_Apesar de constar como uma etapa processual da Instrução Normativa n.184/2008 do Ibama, de acordo com a legislação vigente, não háobrigatoriedade de elaboração de Termo de Referência_*__. Entretanto,por razoabilidade, é praxe elaborar-se um guia/roteiro para elaboraçãodos estudos considerados, pelo órgão licenciador, como essenciais paraavaliação da viabilidade ambiental de um empreendimento. Uma vez que seelabore tal documento, seu seguimento depende da aprovação final dolicenciador./ -//[...]/*_Dentro dos procedimentos estabelecidos na IN Ibama n. 184/2008, umEIA pode, por não atender ao estabelecido em TR, ser readequado_*__/__.- destaquei.

Compulsando os documentos trazidos pela ré CNEC, verifica-se queefetivamente houve a elaboração e entrega do Termo de Referência ao IAP,conforme se aquilata do ofício "PRE/EPH/1095/02" (doc. 18 da CNEC),datado de 25 de junho de 2002, denominado "Termo de Referência paraEIA-RIMA das Usinas Hidrelétricas Telêmaco Borba e Mauá" ao então Chefedo Departamento de Licenciamento Estratégico-DLE do IAP, Sr. Pedro LuizFuentes, com a menção ao processo de licenciamento ambiental doempreendimento da UHE Mauá, sob o n. 4.826.940-0.

Verifica-se que o Sr. Pedro Luiz Fuentes acusou seu recebimento, pormeio do ofício n. 184/2002-DIRAM/DLE, de 29 de julho de 2002 (doc. 19 daCNEC), no entanto, o órgão ambiental denominou referido documento como"Termo de Referência para Avaliação Ambiental Estratégica". Paraprevenir eventual prejuízo devido ao erro do órgão ambiental, a CNECalertou o Sr. Pedro Fuentes Dias, por meio mensagem eletrônica (doc. 20da CNEC), de modo que a empreendedora não pode ser prejudicada pelo errode nomenclatura do órgão ambiental.

Ademais, de acordo com os documentos trazidos pela CNEC, observa-se queesta empresa instou o IAP, no ano de 2001, a se pronunciar sobre asmedidas e providências necessárias para iniciar o licenciamento, tendoeste órgão estadual respondido, por meio do ofício n.299/2001-IAP-DIRAM/DLE (doc. 21 da CNEC), discriminando uma série deprovidências que deveriam ser atendidas, relacionadas à forma deapresentação do RIMA, da equipe multidisciplinar e demais documentosnecessários, segundo as peculiaridades do projeto e as característicasambientais da área, de maneira que houve orientação prévia por parte doórgão ambiental, de acordo com a Resolução CONAMA 01/86.

Destarte, não se verifica nulidade no Termo de Referência da UHE Mauá,sendo improcedente o pedido veiculado no item 2.2.1, "a" da inicial.

*II.B.1.5 DA (IN)ADEQUADA DA DELIMITAÇÃO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DO

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EMPREENDIMENTO (itens VII, VIII e XIII da petição inicial)*

Para o autor da ação, ocorreram diversas irregularidades decorrentes dainadequada definição da área de influência do empreendimento. Entreoutro fatos, não foram considerados impactos à jusante para o meiosócio-econômico, bem como foram negados impactos sobre as populaçõesindígenas da bacia do Rio Tibagi (sete áreas indígenas no total, sendocinco Kaingang e duas guaranis), em especial sobre a reserva indígena deMococa, situada a aproximadamente 3 km à jusante do eixo da barragem,vício que o MPF reputa, como um dos mais graves do EIA/RIMA (fls. 2038)e que permeia boa parte da argumentação da inicial.

A CNEC afirma que confinou a área geográfica de maior probabilidade deocorrência de impactos no trecho de jusante, que seria até o Ribeirãodas Antas. Adicionalmente, definiu como necessário avaliar outrosaspectos do trecho de jusante que estariam sob risco da ocorrência deimpactos, como é o caso da comunidade indígena de Mococa. Ademais,sustenta que o autor tenta transferir a relevância dos impactos demontante (reservatório) de uma usina hidrelétrica para o seu trecho dejusante, o que se mostra descabido frente à experiência do setorelétrico, que é unânime em afirmar que o trecho de montante, ou oreservatório, é o principal fato gerador de impactos ambientais.

A IT nº 183/05 (fls. 268/269 do PRM/LDA 1.25.005.000088/2005-16) dáconta de que, nas audiências públicas, /a delimitação das áreas deinfluência foi um dos itens de maior questionamentos pelosparticipantes, incluindo representantes do grupo indígena Kaingang, quedemonstraram sentimentos de ansiedade e revolta pela expectativa deimpactos sobre seus modo de vida e sobrevivência/.

A Resolução CONAMA n. 001/86, no art. 6º, dispõe:

/Artigo 6º - O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, asseguintes atividades técnicas: //I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completadescrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal comoexistem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes daimplantação do projeto, considerando: //a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando osrecursos minerais, a topografia, os tipos e aptidões do solo, os corposd'água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as correntesatmosféricas; //b) o meio biológico e os ecossistemas naturais - a fauna e a flora,destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valorcientífico e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas depreservação permanente; //c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água ea sócio-economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos,históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre asociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura

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desses recursos. /

Analisando o EIA-RIMA, verifica-se que a CNEC manifestou-se sobre asterras indígenas e sobre a Reserva Indígena Mococa da seguinte forma(com nossos destaques):

/_Presentes há pelo menos 2000 anos na bacia do rio Tibagi, os índiosKaingang são a etnia predominante na bacia, distribuídos atualmente emcinco terras indígenas: Barão de Antonina, São Jerônimo, Apucarana,Queimados e Mococa*, todas fora da Área de Influência Indireta*,considerada nos estudos do empreendimento proposto. Mococa e Queimadassão as mais próximas da Área de Influência Indireta_, conformevisualizado na Figura 1.4.5. Nestas terras indígenas (que englobam3.950,37 há) vivem aproximadamente 1.250 índios que ainda preservamparte de sua cultura /(excerto da pg. 31 do EIA, doc.4 da CNEC, Vol. I)

/*8.4.12 Interferência com a Reserva indígena de Mococa*//_A reserva indígena de Mococa, cujo limite se encontra a cerca de 3 kmem linha reta, a jusante da barragem projetada da UHE Mauá, não seráafetada pela formação do reservatório, e nos estudos efetuados não foramdetectadas quaisquer atividades dos indígenas na área a ser inundadapelo futuro reservatório_. Essa terra indígena possui uma área de 849há, e está situada no município de Ortigueira.//Algumas interferências sobre o modo de vida dessa comunidade podemocorrer, tais como a eventual redução do potencial de pesca em função daalteração da disponibilidade de peixes no trecho de jusante, e o aumentodo tráfego de veículos e pessoas na região.//Trata-se de um impacto de ocorrência incerta, porém, facilmentecontrolável pela adoção de medidas de comunicação, e de relacionamentocom a população e de adequação da mão-de-obra /(item 8.4.12, página 746,vol. IV).

Por sua vez, a equipe técnica do MPF, na IF nº 183/05, assim se pronunciou:

/Conforme o EIA da CNEC (Vol. I, p. 124), os habitantes da aldeiaindígena Mococa, distante aproximadamente a 3 km do barramento, em linhareta, não teriam suas atividades atuais *diretamente afetadas pelahidrelétrica. *No entanto, a esse respeito cabe fazer uma reflexão maisdilatada, tendo em vista a manifestação de revolta dos Kaingang naAudiência Pública de Ortigueira (08/08/2005), bem como outros trechos doEIA que analisam os impactos previstos com a construção da UHE Mauá.//No caso em tela, o EIA informa que as atividades dos índios não serãoafetadas diretamente pela UHE Mauá. Ocorre que, nas sucintas explicaçõesdo impacto "Interferência com a Reserva Indígena de Mococa" (EIA, Vol.IV, p. 746-747), a CNEC refere-se à possível redução do potencial depesca dos índios a partir da operação da usina. Visto que a atividade depesca dos Kaingang não foi devidamente investigada e caracterizada, nãohá como determinar, a priori, que essa "interferência" seja muito oupouco significativa do ponto de vista do grupo afetado, mesmoreconhecendo o impacto como indireto./

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/Por outro lado, a mera expectativa de ocorrência desse impacto, por simesma, denuncia cabalmente a insuficiência dos limites estabelecidos noEIA/RIMA para ás Áreas de Influência, pois a Reserva Indígena de Mococasitua-se abaixo do ribeirão das Antas, suposto limite de jusante para aAID e AII do meio sócio-econômico. O reconhecimento de que a UHE Mauáinterferirá sobre atividades humanas além da AID/AII equivale,obviamente, a assumir que houve um erro na delimitação dessas áreas"/(PRM/LDA 1.25.005.000088/2005-16, fls. 272/273).

De acordo com Luiz Fernando Villares (*Direito e Povos Indígenas*.Curitiba: Juruá, 2009, p. 221): /Coloca-se como a grande questão nomovimento indígena e nos movimentos sociais indigenistas e ambientais aspolíticas governamentais e os investimentos privados em obras deinfra-estrutura que causam impacto direto ou indireto nos povosindígenas e em suas terras por todo o Brasil. O modelo elétrico calcadona construção de usinas e pequenas centrais hidrelétricas, que sepropugna ser a melhor matriz energética devido a seus baixos impactosambientais, é hoje o principal foco de cobrança e revolta dos povosindígenas. Alegam, com certa razão, que as comunidades não são ouvidasna elaboração das políticas públicas, que os empreendimentos não sãoconstruídos fora das terras indígenas, mas em rios que as cruzam, masque não é levado aos processos de licenciamento ambiental um estudo dosimpactos causados nas populações indígenas que dependem do rio para viver/.

A ausência de investigação sobre possíveis impactos às ReservasIndígenas de Queimadas e Mococa não passou despercebida pela análise daMINEROPAR, em seu parecer técnico encaminhado ao IAP (doc. 28 da CNEC):

/Na questão do Patrimônio Arqueológico no RIMA é apresentado extensotrabalho de catalogação dos vestígios arqueológicos encontradosprocurando sua correlação com as Tradições Arqueológicas Umbu e Humaitá(caçadores - coletores) ou Tradição Itararé e Tupiguarani (ceramistas ehorticultores). Contudo, *as Reservas Indígenas Kaingangs* de Queimadose Mococa que estão em áreas praticamente contíguas ao futuroreservatório não são analisadas quanto ao impacto que sofrerão em suacultura, costumes, e mobilidade, sendo consideradas apenas como nãoafetadas pelo empreendimento. /- negrito no original.

A primeira questão que chama a atenção do Juízo é a economia de dadosacerca dos indígenas, em que pese a CNEC sustentar em sua contestaçãoque a questão indígena foi amplamente abordada no EIA-RIMA. Nesseaspecto, como bem pontuado na Nota Antropológica nº 15/2007, "o que seconstata é que, sem incluir os anexos, o EIA tem 819 páginas e Vvolumes, e não há nenhum tópico ou sequer uma página dedicadaexclusivamente aos indígenas. No RIMA constata-se o mesmo, ou seja, emsuas 252 páginas não há nenhum item ou página é dedicada aos indígenas"(fls. 2586/2587).

Ainda que a CNEC alegue ter trabalhado a questão indígena em diversasoutras áreas do EIA-RIMA, sob variados tópicos, seria razoável que

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houvesse um capítulo específico destinado às populações indígenas,especialmente no RIMA, com linguagem simples e acessível, tendo em vistaa vulnerabilidade destes grupos.

A afirmação de que a Terra Indígena de Mococa, a mais próxima doempreendimento, encontra-se a uma distância do barramento de 20,5 km porestrada, que, desde o início dos questionamentos judiciais, vem sendoentoada como um mantra, não é relevante, pois o rio corre pelo seu leitoe, no entendimento deste Juízo, o dado que realmente interessa é adistância em linha reta.

Nessa perspectiva, a Terra Indígena de Mococa encontra-se a 4 km (ou 3km) de distância da barragem. Dessa forma, a meu ver, não se podeaceitar como razoável, o confinamento da área de influência geográfica àjusante do barramento, até o trecho até o Ribeirão das Antas (2,5km dabarragem), quando, um pouco mais abaixo, descendo 1,5 ou 0,5 Km (3 ou 4Km da barragem), encontra-se a Terra Indígena de Mococa.

Não convence a afirmação da CNEC de que apenas "algumas interferênciassobre o modo de vida dessa comunidade podem ocorrer, tais como aeventual redução do potencial de pesca em função da alteração dadisponibilidade de peixes no trecho de jusante, e o aumento do tráfegode veículos e pessoas na região", tratando-se "de um impacto deocorrência incerta" (item 8.4.12, página 746, vol. IV).

Com efeito, à luz do princípio da precaução, na mera expectativa deocorrência de impacto, referida área indígena deveria ter sido incluída,ao menos, na área de influência indireta do projeto (a pg. 31 do EIA,doc.4 da CNEC, Vol. I, menciona que todas a TI´s estão fora da área deinfluência indireta do projeto), pois essa é a finalidade do estudo deimpacto ambiental, avaliar possíveis impactos.

Registre-se que os aspectos levantados pela CNEC (itens 544 /usque/547), no documento intitulado "Complementação das questões indígenas noâmbito da UHE Mauá - Processo de Licenciamento Ambiental da UHE Mauá(doc. 27 da CNEC), no sentido de haver uma forte integração da populaçãoindígena na região, com características agropecuárias marcantes,inclusive existindo assentamento do INCRA (doc. 25 da CNEC), não sãosuficientes para excluir determinada comunidade indígena da área deinfluência.

Isso porque, como sustenta Luiz Fernando Villares (*Direito e PovosIndígenas*. Curitiba: Juruá, 2009, p. 17), a /experiência traz que osimples contato de grupos étnicos não faz um absorver o outro, numaintegração necessária, mas proporciona uma mudança cultural, que nãotira do índio sua identidade. Ela lhes foi roubada muitas vezes por umaintegração forçada, violenta, uma política levada pela sociedade, pelaigreja e pelo Estado para transformar o índio em indivíduo pobre quehabita e coloniza o meio rural. A perda da identidade indígena, sobqualquer aspecto, não pode ser admitida pelo direito./

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Outrossim, como registrou, em seu voto condutor, o Ministro Carlos AiresBrito, Relator da Pet. 3.388/RR, que discutia a demarcação da TerraIndígena Raposa Serra do Sol, é fato histórico:

/que Estados e Municípios costumam ver as áreas indígenas comodesvantajosa mutilação de seus territórios, subtração do seu patrimônioe sério obstáculo à expansão do setor primário, extrativista vegetal eminerário de sua economia. Donde a expedição, por eles (Estados eMunicípios), dos títulos de legitimação fundiária a que se referiu oministro Maurício Correia no bojo da ADIN 1.512, favorecedores denão-índios. Tanto quanto a práxis das alianças políticas de taisunidades federadas com agropecuaristas de porte, isolada ouconjugadamente com madeireiras e empresas de mineração, sempre que sepõe em debate a causa do indigenato. Pelo que, entregues a si mesmos,Estados e Municípios, tanto pela sua classe dirigente quanto pelos seusestratos econômicos, tendem a discriminar bem mais do que proteger aspopulações indígenas. Populações cada vez mais empurradas para zonasermas ou regiões inóspitas do País, num processo de espremeduratopográfica somente rediscutido com a devida seriedade jurídica apartir, justamente, da Assembléia Constituiente de 1987/1988./

Ademais, ao contrário do que sustenta a CNEC, na Terra Indígena Mococa enas demais, os impactos não se manifestam apenas de forma indireta. Comefeito, no documento intitulado "Elaboração de Estudos Sócio-Ambientaisnas Terras Indígenas de Queimadas e Mococa em atendimento ao Termo deReferência FUNAI - Ofício n. 235/CMAM/CGPIM/2006", elaborado peloConsórcio Energético Cruzeiro do Sul em atendimento à condicionante nº 1da Licença Prévia, verifica-se a existência do tópico "/5 Impactos daUHE Mauá sobre as Terras Indígenas de Queimadas e Mococa/", demonstrandoque vários dos impactos manifestam-se de forma direta, ainda na fase deimplantação, de ocorrência certa, de grande importância e de naturezanegativa e irreversível (fls. 2536/2561).

Noutra quadra, ainda que a CNEC sustente que o trecho de montante, ou oreservatório, é o principal fator gerador de impactos ambientais, parecehaver uma desproporcional discrepância entre a grande extensão doslimites da AII a montante do barramento (200km) em comparação com ostímidos limites de jusante (2,5km).

A propósito, a informação do MPF, às fls. 3377/3378, acerca da diferençados números de famílias atingidas (100 no EIA/RIMA e 436 na últimaatualização do cadastro socioeconômico de janeiro de 2011) revela quehouve falhas, /v.g./, nos levantamentos de impactos sobre populaçõeslocais e o meio-físico (apicultores, garimpeiros, pescadores eempregados de mineração), devido ao subdimensionamento de impactos àjusante para o meio sócio-econômico.

Para fechar esse tópico, impende observar que o IBAMA, em sua INFORMAÇÃOTÉCNICA N. 67/98, às fls. 2507/2509, assim se manifestou sobre o assunto

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(com nosso destaque):

/*Área de influência */

/Apesar de não haver metodologia consagrada sobre definição de área deinfluência, nem consenso sobre como fazê-la, usualmente esses limitessão obtidos a partir de resultados verificados em campo, ou seja, dadosprimários. O atendimento ao TR permite que se melhor trace os limitesdas áreas: diretamente afetada (ADA), de influência direta (AID), deinfluência indireta (AII) e de abrangência regional (AAR). *_Uma vez queesses limites estejam equivocados, pode ocorrer super ousubdimensionamento de impactos_*__./

/*_De acordo com o documento apresentado pelo MPF, considerou-se comoAII apenas a área adjacente à Área de Preservação Permanente do futurolago, o que não abrange a Terra Indígena (TI) Mococoa, situada a 3 km dausina, a jusante. Em um TR elaborado pelo Ibama, essa área, bem comoqualquer outra relativa a comunidades que se utilizem de cursos d'águaimpactados para realização de suas atividades diárias ou não, estariaincluída para elaboração de um diagnóstico, minimamente para a Área deInfluência Indireta, ao qual caberia comprovar a existência ou não deimpacto no local_*__./

A CNEC impugnou a IT 67/2008 do IBAMA, mas como já fundamentado, talimpugnação não prospera, pois a liminar que determinou ao IBAMA aelaboração de parecer técnico, não exigiu esta providência.

Verifica-se, destarte, que as alegações da parte autora e de seu corpotécnico encontraram respaldo no parecer do órgão ambiental federal. Portodos esses fundamentos, restou comprovado que houve inadequadadelimitação da área de influência do empreendimento.

Vale registrar que a questão da incorreta delimitação da área deinfluência vai se espraiar também sobre vários outros aspectos doestudo, como afirmou o IBAMA nas considerações finais da IF 67/2008(fls. 2509): */_Uma questão central é o pleito da inadequada delimitaçãodas áreas de influência que engloba todos os estudos a serem realizadospara elaboração de um EIA_/*/__. Possíveis subamostragens - apontadaspara fauna, flora, grupos populacionais, meio físico - podem ter levadoa diagnóstico e proposição de medidas mitigadoras/compensatóriasequivocadas e, conseqüentemente, em uma avaliação imprecisa /- destaquei.

*II.B.1.6 DOS IMPACTOS SOBRE POPULAÇÕES INDÍGENAS (itens XI e XII dapetição inicial)*

A CNEC afirma padecer de erronia técnica o entendimento do /parquet/federal de que toda a bacia hidrográfica do Rio Tibagi compreende a áreade influência do projeto, razão pela qual não foram consideradas asdemais populações indígenas da Bacia do Rio Tibagi.

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A Resolução CONAMA n. 001/86, no art. 5º considera que:

/O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, emespecial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacionaldo Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais://[...]//III - Definir os limites da área geográfica a ser direta ouindiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência doprojeto, considerando, em todos os casos, a *bacia hidrográfica na qualse localiza*".//[...]/

Segundo Paulo Affonso Lemme Machado: /A definição da área geográfica aser estudada não fica ao arbítrio do órgão público ambiental, doproponente do projeto ou da equipe multidisciplinar. A possibilidade dese registrarem impactos significativos, que vai delimitar a área chamadade influência do projeto. A resolução, contudo, apontou uma referênciageográfica inarredável do estudo*: _a bacia hidrográfica na qual sesituará o projeto_*__ /(*Direito Ambiental Brasileiro*. 11ª ed. SãoPaulo: Malheiros, 2003, pg. 216 - destaquei).

Entendo que, aqui, não se está a tratar de Avaliação Ambiental Integrada(AAI) e/ou Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), excetuada para a UHEMauá, como afirma a CNEC.

De fato, há a necessidade de Avaliação Ambiental Integrada para aconstrução de qualquer Usina Hidrelétrica na Bacia do Rio Tibagi,exceção feita à UHE de Mauá, em virtude do "fato consumado", conformereconheceu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao confirmar asentença proferida nos autos da ACP 1999.70.01.007514-6, cuja ementa doacórdão ficou assim redigida:

/AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO TIBAGI.USINA HIDRELÉTRICA. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL. AVALIAÇÃO AMBIENTALINTEGRADA. NECESIDADE. 1. "a gestão hídrica depende de planejamentoinstitucionalizado, não podendo o uso das águas ser condicionado apenasa planos setoriais e, o que é pior, à decisão de cada caso concreto, semvinculação com o planejamento do uso dos recursos hídricos da bacia. OPlano visa, entre outras coisas, a evitar ou a coibir casuísmos" (ÉdisMilaré. Direito do ambiente. 6. ed., RT, 2009, p. 499). 2. Compete aoPoder Judiciário verificar a conformidade com a lei e com a ConstituiçãoFederal dos atos ou omissões da Administração Pública, bem como dosórgãos e entidades que estejam participando ou concorrendo para taisações ou omissões, inclusive no âmbito de licenciamento ambiental. Ojuízo não está determinando se tal ou qual empreendimento deve ou nãoser executado. 3. Necessidade da realização de Avaliação AmbientalIntegrada da Bacia do Rio Tibagi como pré-requisito para a concessão de

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licença ambiental para construção de qualquer Usina Hidrelétrica nessaBacia Hidrográfica, exceção feita a UHE de Mauá. 4. Apelações da Copel,da ANEEL e da União parcialmente providas para afastar as exigênciaspostas na sentença apenas para a UHE de Mauá. Apelação do MinistérioPúblico Federal parcialmente provida para que, à exceção da UHE de Mauá,os órgãos ambientais não efetuem o licenciamento sem a realização préviada Avaliação Ambiental Integrada. (TRF4, AC 1999.70.01.007514-6,Terceira Turma, Relator Des. Federal Fernando Quadros da Silva, D.E.03/05/2011)/

Portanto, apenas se deve encontrar uma interpretação para o dispositivoem análise (inciso III do art. 5º da Resolução CONAMA n. 001/86), combase em critérios razoáveis para o recorte geográfico, sobretudolevando-se em consideração a existência de outras Terras Indígenas naBacia Hidrográfica do Rio Tibagi.

De acordo com o ofício nº 539/DAF da FUNAI (fls.2461/2463) são 08 áreasindígenas localizadas na Bacia do rio Tibagi, na região da localizaçãoda UHE Mauá, com as seguintes indicações da distâncias aproximadas apartir da barragem:

/TI Tibagy/Mococa: 4km;//TI Queimadas: 12 km;//TI São Jerônimo: 31 Km//TI Apucarana: 33 Km;//TI Barão de Antonina: 42 km;//TI Pinhalzinho: 81 Km;//TI Yvyporã-Laranjinha: 82km;//TI Laranjinha: 88 km/

Para o MPF, todas as áreas indígenas localizadas na Bacia do rio Tibagi,cinco áreas Kaingang - Mococa, Queimadas, Apucarana, São Jerônimo eBarão de Antonina - e três áreas Guarani - Pinhalzinho, Laranjinha eYvyporã-Laranjinha (/em 19.04.2007 houve a declaração de possepermanente do grupo indígena Nhandewa Guarani sobre a TerraYvyporã-Laranjinha, com edição da portaria nº796, do Ministério daJustiça - v. /nota de roda pé nº 01 - fls. 3173/v.), englobando um totalde três etnias (Kaingang, Guarani e Xetá), serão afetadas pelaconstrução da UHE Mauá, em virtude da interdependência dessas terrasindígenas, por força da existência fática de uma unidade sociológica nabacia do Tibagi.

Isso porque o /parquet/ federal trabalha com o conceito de "impactoglobal", elaborado pelo Instituto de Pesquisas Antropológicas do Rio deJaneiro - IPARJ, que compreende "*/_que esses tipos de empreendimentocausam danos globais, isto é, influência em geral deletéria, em todos ossetores da vida de um povo indígena, desde sua população e as condiçõesmateriais de sua sobrevivência, até as suas concepções de vida e visõesde mundo. Por sua vez, esses danos raramente são exclusivos a um númeropopulacional, mas atingem a um povo como um todo, a uma etnia, a uma

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cultura integrada. Assim, considera-se irrelevante a classificação usualque divide os tipos de impacto em direto e indireto_/*/__/__" [nota deroda pé n. 50 (fls. 59) - destaques da parte autora].

Além disso, o MPF argumenta que o conceito de territorialidade indígenanão é desconhecida da lei, tendo em vista que está positivado naConvenção OIT nº 169, que ingressou no ordenamento jurídico nacional pormeio do Decreto Legislativo nº 143, de 20 de junho de 2002.

Já a CNEC, a União e o IAP divergem do entendimento do MPF acerca danorma federal que trata do assunto, por entender que a existência de umasuposta territorialidade indígena, por si só, não confere proteção legalaos indígenas, pois somente as terras demarcadas pela União Federal sãoas tradicionalmente ocupadas pelos índios, nos termos da ConstituiçãoFederal (art. 231) e do Decreto 1.775, de 08 de janeiro de 1996, quedisciplina o processo administrativo de demarcação de terras indígenas,e da Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio).

Isto remarcado, impõe-se dirimir qual o conceito de terras indígenas osestudos de impacto ambiental, para a implantação de empreendimentoshidrelétricos na Bacia do Rio Tibagi, devem considerar na definição daárea de influência para meio sócio-econômico e cultural.

Pois bem.

A Constituição de 1988 significou um enorme avanço em matéria dedireitos humanos, uma vez que entre os princípios fundamentais daConstituição Federal está o da prevalência dos direitos humanos nasrelações internacionais, tendo sido prevista a formação de um tribunalinternacional de direitos humanos pelo Brasil, no art. 7º do ADCT, bemcomo deu especial atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana,assegurando não só a abertura ao sistema internacional de proteção detais direitos, como também a prevalência destes na ordem interna.

A questão dos direitos fundamentais ou dos "direitos humanos", termomais utilizado em instrumentos internacionais, não é mais uma questãoafeta ao âmbito doméstico dos Estados, e o princípio da soberania dosEstados sofre cada vez mais com a internacionalização dos direitos humanos.A temática dos direitos humanos está definitivamente inserida na agendainternacional contemporânea, constituindo uma das questões de maiorrelevo no mundo globalizado. O Brasil, com a redemocratização e oretorno ao Estado de Direito, se insere no sistema internacional einteramericano de proteção dos direitos humanos, ao aderir e ratificaros tratados internacionais e regionais.

Entre outros instrumentos internacionais, o Estado brasileiro aderiu àConvenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992, e apromulgou pelo Decreto 678, de 06.11.1992, bem como reconheceu, por meiodo Decreto Legislativo n. 89, de 03 de dezembro de 1998, a competênciada jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os

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casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana deDireitos Humanos, para fatos ocorridos a partir do seu reconhecimento.

Especificamente, com relação aos direitos fundamentais e a qualidade devida dos povos indígenas, destaca-se a Convenção OIT nº 169, de 07 dejunho de 1989, aprovada pelo Congresso Nacional, de acordo com aatribuição que lhe confere a CF, art. 49, inciso I, por meio do DecretoLegislativo nº143, de 20 de junho de 2002, e promulgada pela Presidênciada República, no uso da atribuição conferida pelo texto constitucional,art. 84, IV da CF, por meio do Decreto Nº 5.051, de 19 de abril de 2004.

Aqui, vale uma correção na argumentação do MPF, quanto à data da entradaem vigor deste tratado internacional no ordenamento jurídico interno,pois, no Brasil, a praxe republicana de incorporação interna de tratadosinternacionais exige a aprovação do tratado pelo Congresso (fase dodecreto legislativo) e a posterior promulgação do mesmo pelo PoderExecutivo (fase do decreto executivo). Com efeito, em que pese ascríticas dos internacionalistas, a posição consolidada do STF na matériaorienta-se no sentido de ser necessária a incorporação interna dasnormas convencionais internacionais através do ato do Poder Legislativoe ato subsequente do Poder Executivo.

Na ADI n. 1.480-DF, que envolvia a Convenção n. 158 da OIT (DJ18-05-2001), o Min. Relator, Celso de Mello, averbou:

/É na Constituição da República - e não na controvérsia doutrinária queantagoniza monistas e dualistas - que se deve buscar a solução normativapara a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema dedireito positivo interno brasileiro. O exame da vigente ConstituiçãoFederal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e asua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotadopelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugaçãode duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve,definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordosou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República,que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF,art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - dacompetência para promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental deincorporação dos tratados internacionais - superadas as fases prévias dacelebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional eda ratificação pelo Chefe de Estado - conclui-se com a expedição, peloPresidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitosbásicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratadointernacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) aexecutoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então,a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno./

Sendo assim, somente com a promulgação do Decreto Nº 5.051, *de 19 deabril de 2004*, é que a Convenção nº 169 da OIT tornou-se eficaz eaplicável na esfera doméstica do Estado brasileiro. Dessa forma, quando

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do protocolo do EIA-RIMA no IAP (*03.12.2004*), referida Convençãoestava em pleno vigor na ordem doméstica interna, não como normainternacional, como sustenta o IAP, mas sim como direito nacional,produzido pelos órgãos internos.

A Convenção nº 169 da OIT estabelece em seus artigos 13 e 14 o que segue:

/PARTE II - TERRAS//Artigo 13//1.Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os governosdeverão respeitar a importância especial que para as culturas e valoresespirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras outerritórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizamde alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação.//2.A utilização do termo "terras" nos Artigos 15 e 16 deverá incluir oconceito de territórios, o que abrange a totalidade do habitat dasregiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma./

/Artigo 14//1.Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos depropriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Alémdisso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas parasalvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que nãoestejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais,tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais ede subsistência.Nesse particular, deverá ser dada especial atenção àsituação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes.//2.Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias paradeterminar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente egarantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse.//3.Deverão ser instituídos procedimentos adequados no âmbito do sistemajurídico nacional para solucionar as reivindicações de terras formuladaspelos povos interessados./

No tocante à hierarquia normativa, a Convenção da OrganizaçãoInternacional do Trabalho nº 169 é um tratado internacional de direitoshumanos e, nessa medida, assume um papel de destaque no ordenamentojurídico interno. Com a inclusão do §3º ao art. 5º da ConstituiçãoFederal, somente após a aprovação pelas duas casas do CongressoNacional, em votação em dois turnos e com pelo menos três quintos dosvotos, é que os tratados e convenções internacionais sobre direitoshumanos, *posteriores a EC n. 45/2004*, passam a ter /status/ de emendaconstitucional.

No entanto, sem adentrar em controvérsias doutrinárias acerca do /status/hierárquico das normas internacionais de direitos humanos, imperiosoregistrar que o STF, a partir de 2008, reconheceu que os tratadosinternacionais e convenções de direitos humanos, *anteriores à EC n.45/2004*, possuem força supralegal, isto é, seriam infraconstitucionais,porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos

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normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo desupralegalidade. Em outras palavras, os tratados sobre direitos humanosnão podem afrontar a supremacia da Constituição, mas têm lugar especialreservado no ordenamento jurídico, acima das demais espécies normativasinfraconstitucionais.

A decisão foi tomada na conclusão do julgamento dos RecursosExtraordinários (RE) 349.703 e 466.343 e do Habeas Corpus (HC) 87585, emque se discutia a prisão civil de alienante fiduciário infiel em face daConvenção Americana de Direitos Humanos de 1969, Pacto de San José daCosta Rica. De acordo com o voto do Min. Gilmar Mendes:

/[...] parece mais consistente a interpretação que atribui acaracterística de /supralegalidade/aos tratados e convenções de direitoshumanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobredireitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seucaráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais,também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outrostermos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar asupremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado noordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seriasubestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dosdireitos da pessoa humana. /De outro norte, torna-se imprescindível a observância da *interpretaçãointernacional* dos direitos protegidos, notadamente da CorteInteramericana de Direitos Humanos, cuja jurisdição o Brasil reconheceu,mediante um diálogo e uma fertilização cruzada com a jurisprudênciadesse Tribunal internacional na matéria.

Para tanto, é necessário que se realize um *controle deconvencionalidade *dos atos normativos internos em face dessas normasinternacionais, notadamente da Convenção Americana de Direitos Humanos,levando-se em consideração a interpretação dada pela Corte de San José,intérprete última deste tratado internacional de direitos humanos.

No "Caso Almonacid/vs/. Chile", sentença de 26 setembro de 2006, a CorteInteramericana de Direitos Humanos afirmou (tradução livre):

/§ 124. [...] quando um Estado ratifica um tratado internacional como aConvenção Americana, seus juízes, como parte do aparato do Estado,também estão submetidos a ela, o que os obriga a velar para que osefeitos das disposições da Convenção não se vejam diminuídas pelaaplicação de leis contrárias a seu objeto e fim, e que desde o iníciocarecem de efeitos jurídicos. Em outras palavras, o Poder Judiciáriodeve exercer uma espécie de "controle de convencionalidade" entre asnormas jurídicas internas que aplicam nos casos concretos e a ConvençãoAmericana sobre Direitos Humanos. Nesta tarefa, o Poder Judiciário deveter em conta não somente o tratado, mas também a interpretação feitapela Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana./(Disponível em: ).//

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Com relação à Convenção OIT nº 169, Christian Courtis ressalta: /que osórgãos interamericanos não têm competência para resolver controvérsiasbaseadas em violações da Convenção 169, uma vez que a base de suacompetência é fundamentalmente a dos instrumentos regionais de direitoshumanos. Não obstante, os órgãos regionais de direitos humanosutilizaram a Convenção 169 da OIT como norma interpretativa, destinada aespecificar as obrigações dos Estados estabelecidas por outras normasinternacionais (como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e aDeclaração Americana sobre Direitos e Deveres do Homem) quanto à suaaplicação aos povos e comunidades indígenas ou à seus membros. Assim,por exemplo, interpretam o direito de propriedade ou o direito ao devidoprocesso, quando estão em jogo os direitos de povos e comunidadesindígenas, à luz do estabelecido na Convenção 169./ (Anotações sobre aaplicação da Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas por tribunais daAmérica Latina. *Revista Internacional de Direitos Humanos, SUR,* SãoPaulo, n. 10, p. 53-80, 2009).

Assim, por exemplo, no caso Yakye Axa /vs/. Paraguay, sentença de 17junho 2005, a Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou quepara efeito de interpretação do alcance do direito de propriedade e dosdireitos à vida e ao devido processo e à proteção judicial, quando setrata de povos indígenas, deve-se apelar para a Convenção OIT nº 169 (§130).

Nesta caso, o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos asseverou(tradução livre):

/§ 131 ... a estreita relação que os indígenas mantêm com a terra deveser reconhecida e compreendida como a base fundamental de sua cultura,sua vida espiritual, sua integridade, sua sobrevivência econômica e suapreservação e transmissão para as gerações futuras.//[...]//§135 A cultura dos integrantes das comunidades indígenas corresponde auma forma de vida particular de ser, ver e atuar no mundo, constituído apartir de sua estreita relação com seus territórios tradicionais e osrecursos que ali se encontram, não somente por estes serem seu principalmeio de subsistência, mas porque constituem um elemento integrante desua cosmovisão, religiosidade e, por fim, de sua identidade cultural./

/§136 *_O citado anteriormente tem relação com o expresso no artigo 13da Convenção nº. 169 da OIT, no sentido de que os Estados deverão"respeitar a importância especial que tem para as culturas e valoresespirituais dos povos interessados a sua relação com as terras outerritórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizamde alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessarelação"_*_._/__ (Disponível em :) - destaque nosso.

Impende observar que a Convenção OIT nº 169 guarda perfeitacompatibilidade com a Constituição Federal de 1988, que dedicou ocapítulo VIII exclusivamente ao índios, no título VIII, dedicado à

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"Ordem Social", /in verbis/ (com nosso destaque):

/*CAPÍTULO VIII *//*DOS ÍNDIOS*/

/Art. 231. _São reconhecidos aos índios sua organização social,costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobreas terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,proteger e fazer respeitar todos os seus bens_.//§ 1º - _São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eleshabitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividadesprodutivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientaisnecessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física ecultural, segundo seus usos, costumes e tradições_.//§ 2º - _As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se asua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas dosolo, dos rios e dos lagos nelas existentes_.//§ 3º - _O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciaisenergéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terrasindígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional,ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participaçãonos resultados da lavra, na forma da lei_.//§ 4º - _As terras de que trata este artigo são inalienáveis eindisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis_.//§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo,"ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemiaque ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País,após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese,o retorno imediato logo que cesse o risco.//§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atosque tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a quese refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo,dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interessepúblico da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando anulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União,salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação deboa fé.//§ 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e§ 4º./

/Art. 232. _Os índios, suas comunidades e organizações são parteslegítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos einteresses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo_./

Além disso, outros dispositivos da Constituição são dedicados ao temados índios brasileiros, /v.g/:

/Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitosculturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará eincentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais./

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/§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes doprocesso civilizatório nacional.//§ 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de altasignificação para os diferentes segmentos étnicos nacionais./

/Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de naturezamaterial e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadoresde referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes gruposformadores da sociedade brasileira[...]/

Discorrendo sobre o significado do substantivo "índios" na ConstituiçãoFederal e sobre o "falso antagonismo entre a questão indígena e odesenvolvimento", o Ministro Carlos Aires Brito, na Pet. 3.388/RR, averbou:

/*O significado do substantivo índios*//51. Diga-se em continuidade que o substantivo plural "índios" foirecolhido pela Constituição com o mesmo sentido que a palavra tem emnossa linguagem coloquial. Logo, o termo traduz o coletivo de índio,assim entendido o "Indígena da América" (Enciclopédia e DicionárioKoogan e Houaiss da língua portuguesa, Edições Delta, 1994. Saltando àevidência que indígena da América não pode ser senão o "nativo", o"aborígene", o "autóctone", na acepção de primitivo habitante desse oudaquele País americano. Isso por diferenciação com os principaiscontingentes humanos advindos de outros países ou continentes, ora paraatuar como agentes colonizadores, ora para servir de mão-de-obraescrava, como, no caso do Brasil, os portugueses e os africanos,respectivamente,//52. Acrescente-se que, versado assim por modo invariavelmente plural, osubstantivo "índios" é usado *para exprimir a diferenciação dos nossosaborígenes por numerosas etnias*. Compreendendo-se por etnia todo"Grupamento humano homogêneo quanto aos caracteres lingüísticos,somáticos e culturais" (conforme Dicionário Escolar da LínguaPortuguesa, Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro, ano de1983). No caso brasileiro, etnias aborígenes que se estruturam,geograficamente, sob a forma de aldeias, e mais abrangentemente,vilarejos. Aldeias e vilarejos em cujo interior se constroem suashabitações (por vezes chamadas de "ocas") e se relacionam tribos,comunidades, populações. Não sendo por outra razão que o art.231 fala de"línguas" indígenas (esse primeiro traço de identidade da cada etnia) eo art. 232 saca de expressões como "os índios e suas comunidades eorganizações". Isso de parelha com o fraseado "ouvidas as comunidadesafetadas", constante do §3º do art. 231, revelador do propósitoconstitucional de retratar uma diversidade aborígine que antes de serinterétnica é, sobretudo, intraética"/.

//[...]/*O falso antagonismo entre a questão indígena e o desenvolvimento*//75. O que estamos a descrever não é senão a própria base filosófica damais firme opção constitucional em favor dos índios, traduzida no

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macro-entendimento de que é direito fundamental de cada um deles e decada etnia autóctone://I-omissis//II-omissis//III- ter a chance de demonstrar que o seu tradicional habitat oraseváltico ora em lavrados ou campos gerais é formador de um patrimônioimaterial que lhes dá uma consciência nativa de mundo e de vida que é deser aproveitada como um componente da mais atualizada idéia dedesenvolvimento, *que é o desenvolvimento como um crescer humanizado.*Se se prefere, o desenvolvimento não enquanto categoria econômica oumaterial, servida pelos mais avançados padrões de ciência, tecnologia eorganização racional do trabalho e da produção, como também permeado devalores que são a resultante de uma estrutura de personalidade ou modopessoal-indígena de ser mais obsequioso: a) da idéia de propriedade comobem mais coletivo que individual; b) do não-enriquecimento pessoal àcusta do empobrecimento alheio (inestimável componente ético de que avida social brasileira tanto carece); c) de uma vida pessoal e familiarcom simplicidade ou sem ostentação material e completamente avessa aodesvario consumista dos grandes centros urbanos; d) de um tiponão-predatoriamente competitivo de ocupação de espaços de trabalho, desorte a desaguar na convergência de ações do mais coletivizado proveitoe de uma vida social sem narsísicos desequilíbrios; e) da maximização depotencialidades sensórias que passam a responder pelo conhecimentodireto das coisas presentes e pela premonição daquelas que a naturezaainda mantém em estado de germinação; f) de uma postura como quereligiosa de respeito, agradecimento e louvor ao meio ambiente de que seretira o próprio sustento material e demais condições de sobrevivênciatelúrica, a significar a mais fina sintonia com a nossa monumentalbiodiversidade e mantença de um tipo de equilíbrio ecológico que hoje aConstituição brasileira rotula de "bem de uso comum do povo e essencialà saída qualidade de vida" (art. 22, caput), além de condição para tododesenvolvimento que mereça o qualificativo de *_sustentado_*__/__(destaques no original).

Noutra quadra, o legislador constituinte, ao dispor "/que sãoreconhecidos aos índios os direitos originários sobre as terras quetradicionalmente ocupam/" (CF, art. 231, /caput/), não deixou margens dedúvidas de que reconhece que os direitos territoriais indígenas sãopreexistentes ao próprio Estado brasileiro, de modo que a ConstituiçãoFederal de 1988 não atribuiu o direito, mas, simplesmente, reconhece odireito anterior à própria formação do Estado brasileiro, sendo o atoadministrativo de demarcação meramente declaratório dessa situaçãojurídica preexistente.

Nesse sentido, o Ministro Carlos Aires Brito, no julgamento da Pet.3.388/RR, asseverou:

/*O conteúdo positivo do ato de demarcação das terras indígenas *//78. [...] no ponto, o ato de demarcação passa a se revestir de caráter*meramente declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente.*

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Situação que a nossa Lei Fundamental retratou como formadora de umindissociável laço entre cada etnia indígena e suas terrascongenitamente possuídas; ou seja, *possuídas como parte elementar dapersonalidade mesma do grupo e de cada um dos seus humanos componentes.*O que termina por fazer desse tipo tradicional de posse fundiária umheterodoxo instituto de Direito Constitucional, e não uma ortodoxafigura de Direito Civil. Visto que terra indígena, no imagináriocoletivo aborígene, deixa de ser um mero objeto de direito para ganhar adimensão de verdadeiro ente ou ser que resume em si toda ancestralidade,toda coetaneidade e toda posteridade de um etnia. É o que Boaventura deSouza Santos chama de "hermenêutica diatópica", para dar conta do modocaracterizadamente cultural de interpretação dos direitos fundamentais.Metodologia intrepretativa que, no caso dos indígenas, sedimentada naprópria Constituição, nos orienta para fazer dos referidos "usos,costumes e tradições" o engate lógico para a definição da semântica daposse indígena, da semântica da permanência, da semântica da habitação,da semântica da produção, e assim avante; /

No mesmo sentido, confira-se:

/ADMINISTRATIVO. TERRAS INDÍGENAS. IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO PELAFUNAI. PRETENSÃO DE EXPLORAÇÃO DE MADEIRA E FORMAÇÃO DE PASTAGENS.IMPOSSIBILIDADE. 1. Delimitada a área da propriedade do impetrante comointegrante da Terra Indígena Kayabi, compete à FUNAI zelar pela suaintegridade, apesar de não ter sido ainda demarcada, eis que *"_ademarcação não é constitutiva. Aquilo que constitui o direito indígenasobre as suas terras é a própria presença indígena e a vinculação dosíndios à terra, cujo reconhecimento foi efetuado pela ConstituiçãoBrasileira"_.* 2. Inexistência, pois, de ilegalidade do atoadministrativo impugnado, que apenas informou ao órgão ambiental doEstado acerca da localização do imóvel rural dentro de área identificadacomo indígena. 3. Sentença que se confirma. 4. Apelaçãodesprovida.(TRF1ª, AMS 200136000080043, Rel. Desembargador FededralDaniel Paes Ribeiro, DJ DATA:19/04/2004 PAGINA:58)/ - destaquei.

Verifica-se, destarte, que a Convenção OIT nº 169 está em perfeitaharmonia com a Constituição Federal no que se refere ao indigenato, poiso conceito de "terras" ou de "territórios", previstos neste tratadointernacional de direitos humanos, revela o seu caráter sócio-cultural,não político-federativo, da mesma forma que na Constituição Federal o"/substantivo 'terras', 11 vezes referido ao conjunto das etniasindígenas, é termo que assume compostura nitidamente sócio-cultural/"(excerto do voto Ministro Carlos Aires Brito na Pet. 3.388/RR).

Assim, terras ou territórios indígenas, reconhecidos e compreendidoscomo a base fundamental de sua cultura, sua vida espiritual, suaintegridade, sua sobrevivência econômica e sua preservação e transmissãopara as gerações futuras, abrange a totalidade do habitat das regiões

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que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma,mesmo que, por variados fatores, ainda não tenham sido demarcadas,porquanto a demarcação é ato estatal meramente declaratório de umasituação jurídica ativa preexistente.

Dessa forma, aplainado o terreno com a constatação de que o ordenamentojurídico, por meio de uma interpretação sistemática e dialógica daConvenção OIT nº169 com a Constituição da República, reconhece ahipótese normativa da pretensão da parte autora - previsão deterras/território indígena(s), de caráter sócio-cultural, nos termos dosartigos 13 e 14 da Convenção 169 da OIT -, importa agora analisar aconcreção do suporte fático - a existência fática da territorialidadeindígena decorrente de uma unidade sociológica na bacia do Tibagi entreas comunidades indígenas.

Para tanto, além da documentação que instruiu a inicial, o MPFapresentou, como já referido no item *II.B.1.5*, o documento intitulado"Elaboração de Estudos Sócio-Ambientais nas Terras Indígenas deQueimadas e Mococa em atendimento ao Termo de Referência FUNAI - Ofícion. 235/CMAM/CGPIM/2006", elaborado pelo Consórcio Energético Cruzeiro doSul em atendimento à condicionante nº 1 da Licença Prévia, em cujo item"/5 Impactos da UHE Mauá sobre as Terras Indígenas de Queimadas eMococa/", demonstra que vários dos impactos manifestam-se, nessas duascomunidades indígenas, de forma direta, ainda na fase de implantação, deocorrência certa, de grande importância e de natureza negativa eirreversível (fls. 2536/2561).

O Ofício n. 070/CGPIMA/DAS, de 29.02.2008, enviado pela FUNAI ao IAP,apontou várias irregularidades nesse documento (fls. 2562/2567), esugeriu que os aprofundamentos dos estudos ocorressem antes da emissãoda licença de instalação que, no entanto, foi expedida em 18.03.2008(fls. 2568/2569), com a condicionante "2.1", no sentido de que oempreendedor deveria "implementar e executar todos os programas erecomendações técnicas propostos pela FUNAI".

Nesse documento, a FUNAI aponta a falta de consenso dos pesquisadoressobre qual conceito nortearia os trabalhos de análise nas TI´s Mococa eQueimada, ou seja, se o impacto global ou impactos diretos/indiretos, oque conflitaria com a própria proposta apresentada pela LATEC de "/Planode Trabalho para as condicionantes indígenas do aproveitamentohidrelétrico de Mauá/", cujo "objetivo do trabalho será levantar os*possíveis impactos globais *(IPARJ, 1988)" - fls. 2563.

Registre-se que o IAP respondeu ao Ofício MPF/GAB/JAO n. 87/2008, pormeio do Ofício n. 145/2008/IAP/GP (fls. 2594), em*20.03.2008*, que"quanto aos estudos e propostas oriundos da FUNAI, relativas à análisedo Estudo Socioambiental apresentado pelo Consórcio Energético Cruzeirodo Sul e já encaminhadas a este IAP, também estão sendo consideradospelo IAP e exigidas em futura Licença de Instalação".

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A divergência teórica entre os pesquisadores evoluiu para um consenso,com a incorporação do conceito de impactos globais, no PARECER n.018/CMAM/CGPIMA da FUNAI, disponível no sítio eletrônico do ConsórcioEnergético Cruzeiro do Sul(http://cecs.wxlab.com.br/upload/tiny_mce/arquivos/comunidades_indigenas/arquivo_230.pdf),encaminhado por meio do Ofício n. 504/DAS/CGPIMA/09, de *30.09.2009,*que analisou o documento intitulado "Matriz de Impactos das terrasindígenas da Bacia do Tibagi - UHE Mauá", elaborado pela LATEC -Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento, empresa contratada peloConsórcio Energético Cruzeiro do Sul, em relação às medidas decompensação e mitigação para os povos indígenas afetados pela construçãoe operação da UHE Mauá.

Esse estudo da FUNAI visou a complementar os "Estudos Sócio-Ambientaisnas Terras Indígenas de Queimadas e Mococa", solicitados através doOfício n. 070/CGPIMA/DAS, de *29.02.2008.* A análise foi precedida dereunião, em 02.09.2009, na sede da FUNAI, que contou com a participaçãodo empreendedor CECS, da empresa LATEC, servidores das UnidadesDescentralizadas da Funai de Londrina e Guarapuava e do CGPIMA, parasanar alguns questionamentos levantados em uma análise prévia domaterial apresentado pelo empreendedor.

Desse estudo, transcrevemos os itens 6 a 8:

/6. No que tange as complementações dos estudos, a divergência teóricaapresentada inicialmente foi equacionada na medida em que o objetivo dotrabalho foi considerado, qual seja:/

/"O objetivo do trabalho será levantar os possíveis impactos globais(IPARJ, 1988) que poderão ocorrer, se a Usina de Mauá for construída naBacia do Rio Tibagi, nas proximidades dos municípios de Telêmaco Borba ede Ortigueira, PR, cujo processo de licenciamento ambiental está emandamento" (Estudos Sócio-Ambientais nas Terras Indígenas de Queimadas eMococa, p. 3)/

/7. Ressalte-se que a noção de impacto global acaba por ser aalternativa mais adequada para análise dos impactos nas terrasindígenas, uma vez que as categorias de impacto direto/indiretoutilizado na análise dos meios físico/biótico não podem ser utilizadascomo única vertente de análise. De acordo com o próprio /Plano Diretorde Meio Ambiente Do Setor Elétrico 1991/1993 - /Volume 2 - diretrizes eprogramas setoriais (1990):/

/O impacto sobre os povos indígenas não se restringe a danos físicosconcretos às áreas indígenas, podendo ocorrer mesmo no caso de meraproximidade física do empreendimento. Conseqüentemente, a classificaçãoatual de impactos diretos e indiretos, em uso no Setor, deve serreavaliada no tocante à sua aplicação no caso de interferências comopovos indígenas, buscando-se a flexibilidade que permita absorver

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condições diferenciadas resultantes das análises caso a caso./

/8. Assim, com a avaliação dos impactos da UHE Mauá a partir da noção deimpactos globais, pode-se perceber quais as conseqüências da UHE e suasrelações com a dinâmica étnica dos Kaingang foram contempladas, sendopropostas, assim, medidas mitigadoras às terras indígenas deApucaraninha, Barão de Antonina e São Jerônimo que inicialmente nãoforam previstas, embora tennham sido consideradas na elaboração do Termode Referência./

Destarte, verifica-se o reconhecimento, em âmbito administrativo, deimpactos sobre cinco áreas indígenas da etnia predominantementeKaingang: *Queimadas, Mococa, Apucaraninha, Barão de Antonina *e *SãoJerônimo*.

Às fls. 3172/3180, o MPF requereu a juntada de documentos, consistentesem recomendações ao IAP, FUNAI, Consórcio Cruzeiro do Sul e IBAMA (fls.3181/3209), considerando a unidade sociológica existente entre as cincoáreas indígenas, acima citadas, e outras três áreas de etnia Guarani -Pinhalzinho, Laranjinha e Yvyporã-Laranjinha, para que houvesse aextensão da matriz de impactos e proposições em relação a essas últimas.

Em resposta, por meio do Ofício CECS - 0546/2010, de 17.08.2010 (fls.3217), o Consórcio Cruzeiro do Sul informou que estava: "/incluindo asTerras Indígenas de Laranjinha, Yvyporã e Pinhalzinho no processo deelaboração, discussão e implementação do Projeto Básico Ambiental da UHEMauá. Esta decisão considerou os critérios sociológicos e deterritorialidade definidores da área de influência da UHE Mauá aplicadospara a inclusão das Terras Indígenas de Apucaraninha, Barão de Antoninae São Jerônimo"/.

Transcrevemos abaixo excerto do RELATÓRIO ANTROPOLÓGICO Nº 01/2010 doConsórcio Cruzeiro do Sul :/*Territorialidade, parentesco e impactos da UHE Mauá*:/

/Considerando as especificidades do contexto multi-étnico desde acriação das aldeias aqui consideradas, seria necessário um estudo maisaprofundado sobre a territorialidade e o parentesco interaldeão dosGuarani Ñandeva e Kaingang em questão, no entanto, é mister notar aimportância da mobilidade interaldeã na dinâmica social de famíliasGuarani em vários outros contextos.//Os continuados esforços empregados pelo Império ao longo da históriados aldeamentos e das políticas indigenistas de Estado da SPI e Funaisempre se voltaram no sentido de promover a sedentarização destes povosindígenas, algo que gerou as delimitações territoriais atuais econtribuiu para o aumento da freqüência de casamentos interétnicos,porém não foi capaz de inviabilizar as relações interaldeãs.//_Como se buscou demonstrar ao longo deste estudo, através da análise dabibliografia referente à história de criação destas Terras Indígenas eda elaboração do quadro genealógico, as relações sociais e políticas

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entre as famílias indígenas das quatro TI aqui consideradas são intensasa ponto de se tornar pertinente a afirmação da existência de umaterritorialidade indígena interétnica nas bacias dos rios Tibagi,Laranjinha e Cinzas_.//Os potenciais impactos gerados pela construção e operação da UsinaHidrelétrica Mauá poderão, desta forma, atingir as famílias indígenashabitantes das referidas TI's, considerando que a mobilidade territorialdestas ocorre, via de regra, a partir das relações de parentesco quedeterminada família possui com habitantes de outras áreas. Em caso deimpactos negativos que alterem o cotidiano de famílias, por exemplo, deSão Jerônimo, há grande probabilidade destas migrarem para as TI'sLaranjinha, Ywy Porã ou Pinhalzinho. No caso de eventuais impactospositivos oriundos da implementação dos Projetos Básicos Ambientais, damesma forma, poderá haver migrações das TI's Laranjinha, Ywy Porã ouPinhalzinho para São Jerônimo.//_Desta forma, entende-se que os critérios sociológicos e deterritorialidade definidores da Área de Influência do Empreendimentoaplicados para inclusão das TI"s Apucaraninha, Barão de Antonina e SãoJerônimo, deverão ser estendidos também às Terras Indígenas Laranjinha,Ywy Porã e Pinhalzinho, de modo à incluir tais comunidade no processo deelaboração, discussão e implementação dos Programas Básicos Ambientaisda Usina Hidrelétrica Mauá. Tal medida inclusive servirá como forma deevitar a promoção da mobilidade interaldeã relacionada aos impactos doempreendimento, considerando, no entanto, as diferentes posições quecada uma das oito Terras Indígenas de alguma forma impactadas ocupamrelativamente ao número e intensidade dos potenciais impactos_. - /(fls.3238/3239 - destaquei)

Dessa forma, restou demonstrado à saciedade a existência fática de umaunidade sociológica entre as 08 (oito) áreas indígenas localizadas naBacia do rio Tibagi, cinco áreas Kaingang - Mococa, Queimadas,Apucarana, São Jerônimo e Baraão de Antonina - e três áreas Guarani -Pinhalzinho, Laranjinha e Yvyporã-Laranjinha, e que serão afetadas pelaconstrução da UHE Mauá, em virtude da interdependência dessas terrasindígenas.

Destarte, na forma pretendida na inicial (pedido 2.2.1, "e" da inicial),RECONHEÇO e *DECLARO *"*/_que a bacia do Rio Tibagi é territóriokaingang e guarani, nos termos dos artigos 13 e 14 da Convenção 169 daOIT_/*/__, devendo ser observado por todos os réus que os estudos deimpacto ambiental para a implantação de empreendimentos hidrelétricos nabacia, deverão considerar na definição da área de influência para meiosócio-econômico e cultural, essa territorialidade"./

*II.B.1.7 DA QUALIDADE DA ÁGUA (item XIV da inicial)*

Sustenta a parte autora a existência de deficiências nos levantamentosde impactos sobre a qualidade da água e o abastecimento dos municípiosda Bacia do Tibagi, asseverando, nesse passo, a inconsistência do EIA,

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por não definir adequadamente a área de influência. Afirma, ainda, quesobredito EIA, além de não avaliar os reflexos da construção da UHE Mauáno abastecimento dos municípios à jusante da barragem - especialmenteLondrina e Cambé -, teria omitido impactos sobre o abastecimento àmontante, inclusive no que concerne a municípios situados dentro da áreade inundação, tal como Telêmaco Borba que passaria a captar águadiretamente do reservatório de sobredita UHE. Defende que o EIA, apesarde constatar o fenômeno da "eutrofização", não dimensiona todos os seusaspectos, sobretudo em razão de ter avaliado área geográfica assazdiminuta, e não a totalidade da bacia de contribuição como seria derigor. Acrescenta, ainda, que a CNEC Engenharia não apresentou qualquermedida preventiva de mitigação ou controle do fenômeno em comento.Entende que a deficiência atribuída ao EIA estende-se, igualmente, àdenominada "estratificação térmica". Aduz que as deficiênciasverificadas no EIA, anteriormente relatadas, geraram a proposição deprogramas absolutamente falhos e insuficientes.

Já a CNEC sustenta que o empreendimento não ensejará mudanças sensíveisou significativas no regime hidrológico à jusante durante a sua fase deoperação, não causando impactos relacionados ao suprimento e qualidadeda água dos municípios situados na região. Afirma que, mesmo durante afase de enchimento do reservatório, não haverá prejuízo no abastecimentodos municípios situados a jusante da UHE Mauá.Sobre essa questão, a IT 67/2008 do IBAMA afirmou o que segue (fls. 2508):

/*Qualidade da água*/

/*_Entende-se como obrigatória a identificação dos pontos de captação deágua (incluindo vazão e qualidade de água captada), que sejam impactadosdireta ou indiretamente por um empreendimento, para que se melhoravaliem as medidas apresentadas para mitigar/compensar essesimpactos._*__/__/Fontes poluidoras como aterros, lixões, pontos de lançamento deefluente (tratado ou não); informação sobre o número de residênciasatendidas por redes de água e esgoto; e demais usos da água também devemcompor um Estudo Ambiental. A correta identificação e caracterizaçãodesses itens permite melhor caracterização do cenário atual da região emelhor modelagem matemática da água (considerando, p. ex., ramificaçãodo reservatório, tempo de residência da água). Esses dados são de granderelevância, visto que uma das principais alterações provocadas pelaconstrução de uma UHE é a formação do reservatório, que transforma oregime do rio de lótico para lêntico, fator que amplia a possibilidadede eutrofização da água (piora na qualidade). *_Sem saber quais asfontes poluidoras, não é possível definir as medidas mitigadoras_*__. /- destaquei

Aqui, novamente o tema da incorreta//definição da área de influênciaparece ter reflexos nos levantamentos de impactos sobre a qualidade daágua e o abastecimento dos municípios da Bacia do Tibagi, pois o órgãoambiental federal reconhece que "/sem saber quais as fontes poluidoras,

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não é possível definir as medidas mitigadoras/".

Na mesma informação técnica, o IBAMA afirmou que: /Em um TR elaboradopelo Ibama, essa área /(TI Mococa, situada a 3 km da usina, a jusante)/,*_bem como qualquer outra relativa a comunidades que se utilizem decursos d'água impactados para realização de suas atividades diárias ounão, estaria incluída para elaboração de um diagnóstico, minimamentepara a Área de Influência Indireta, ao qual caberia comprovar aexistência ou não de impacto no local_*__./

Importa relembrar que a área de influência geográfica foi confinada àjusante do barramento, até o trecho do Ribeirão das Antas (2,5km dabarragem), enquanto que a região de Londrina e Cambé está a 160 km àjusante (mapa de fls. 2462).

Nesse aspecto, verifica-se que, conforme alegado pelo MPF (fls. 2529),nos estudos elaborados pela LATEC e apresentados pelo empreendedor ematendimento aos requisitos da Licença Prévia, não houve redifinição daárea de influência pelo IAP, exceto para o atendimento da 1ªcondicionante da LP nº 9589 em função do Termo de Referência da FUNAI,na qual a área de influência se estendeu até a reserva indígena de Mococa.

Corrobora essa assertiva, o PARECER 27/2009 - COHID/CGENE/DILIC/IBAMA,elaborado por força de liminar concedida nos autos da ação cautelar2009.70.01.000179-1, em que o Juízo solicitou informações sobre aLicença de Instalação (fls. 760/766 dos autos da ação cautelar), em queo IBAMA informou (com nosso destaque):

/...//O LATEC apresentou em 09/02/2007 "Termo de referência para atendimentoàs condicionantes da Licença Prévia para a Usina Hidrelétrica de Mauá",anexo 04 da Ação Cautelar Inominada nº 2009.70.000179-1/PR, no qualexpõe a metodologia e o cronograma para a realização dos estudoscomplementares solicitados na LP.//No item 1.2 do documento, encontra-se a delimitação da área do estudo aser realizado, descrita da seguinte forma "*Considerando-se a jusantecomo sendo área entre a barragem e a alça do rio Tibagi até a foz do rioRibeirão das Antas*, a metodologia proposta pretende utilizar os dadoscoletados nas áreas de influencia direta e indireta durante a elaboraçãodo EIA/RIMA e durante a fase de complementação, para discutir possíveisimpactos relacionados a esta porção do rio Tibagi. *Os possíveisimpactos serão avaliados considerando as áreas do conhecimentosolicitadas como complementação do EIA/RIMA e contidas na Licença Prévia*" //*_Entendemos que esses estudos foram solicitados para verificar anecessidade de alterar ou não as áreas de influência do empreendimento.Coube ao órgão licenciador (IAP) avaliar conclusivamente quanto a essaquestão. Ressalte-se que, dentre os documentos apresentados,verificou-se que houve uma redefinição dessas áreas, de modo a englobaras Terras Indívegenas Mococa e Queimadas._*__/__/[...]/

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/*3. Riscos à qualidade da água e ao abastecimento da região*//A implantação de um barramento transforma o ambiente lótico em lêntico,o que pode levar a eutrofização do lago formado, e conseqüente alteraçãona qualidade da água a montante e a jusante do barramento. Este processodepende das condições originais da água do rio e da eficácia dosprogramas visando a sua mitigação.//Embora a qualidade da água do rio Tibagi seja considerada como deClasse 2, o mesmo recebe numerosos lançamentos de efluentes. Na regiãodo empreendimento, há o despejo das cidades de Telêmaco Borba,Ortigueira e da fábrica da Klabin.//Em Telêmaco Borba, cuja captação atual da água localiza-se em área serinundada pelo empreendimento, pode haver problemas na qualidade doabastecimento. Neste caso, o impacto pode ser minimizado ou mitigado pormeio da correta aplicação das medidas de controle que devem estarinseridas em programas ambientais.//Quanto à floração de cianobactérias, a magnitude desse impacto dependedo tipo de crescimento dessa população, se tóxica ou não, e da suaintensidade. Como se trata de aumento de biomassa, acompanhada ou nãopor eliminação de toxinas, pode haver comprometimento da água captadapor cidades localizadas na área alagada e a jusante do empreendimento.Neste caso, recomenda-se o monitoramento periódico das cianobactérias ea adoção de medidas necessárias para o seu controle.//*_Questões relacionadas à qualidade da água também se refletem sobreoutros meios. No parecer sobre ictiofauna (anexo 19), apontam-sedeficiências tanto no inventário quanto no monitoramento da ictiofauna,ressaltando que um é, em verdade, conseqüência do outro._*__ *_Falhas nametodologia e na malha de amostragem (conforme apontadas nos anexos 19 e20) podem contribuir para definições equivocadas ou insuficientes dosimpactos ambientais e, obrigatoriamente, de medidas mitigadoras e/oucompensatórias afetas não somente ao componente biótico de um rio e seusafluentes, mas também àqueles que têm na pesca uma fonte de renda e/ouprotéica_*_._/__/[...]//*4. Da Licença de Instalação*//*[...]*//De modo geral, as condicionantes presentes na LI são pertinentes à faseem que se encontra o projeto. O diagnóstico e a conseqüente definição daárea de influência subsidiam a elaboração dos programas ambientais eproposição da medidas mitigadoras e compensatórias. *_Assim, se houverequívocos, a eficácia de um programa pode ficar aquém do necessário paramitigar ou compensar impactos._*__/__/[...]//*III. CONCLUSÃO*//*[...]*//*_Destacamos que, embora os procedimentos burocráticos para emissão daLI tenham seguido, de uma forma geral, o rito usual de um licenciamentoambiental, conforme os documentos analisados para elaboração desteParecer Técnico e da Informação Técnica nº67/2008 permitem concluir quese, porventura, existiram vícios e falhas decorridos da fase de anterior(LP), os mesmos foram transpostos para a etapa seguinte (LI)._*__/__

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/*_Dessa forma, apesar de entendermos como pertinentes à fase atual ascondicionantes da LI, à exceção das observações feitas no item 4 - asmedidas mitigadoras e compensatórias propostas nos programas ambientaispodem ter sido elaboradas e consequentemente avaliadas de forma sub ousuperdimensionadas. Assim, se houver equívocos, a eficácia de umprograma pode ficar aquém do necessário para mitigar ou compensarimpactos. Entretanto, devido à dinâmica inerente ao licenciamentoambiental, esses equívocos podem ser retificados, sendo de competênciado órgão licenciador (IAP) fazê-lo. _*__/__

Noutra quadra, imperioso consignar que a questão dos impactosrelacionados ao suprimento e qualidade da água para a região deLondrina, em decorrência da construção da UHE Mauá, também está sendodiscutida, de forma específica e pormenorizadamente, nos autos da ACP nº2008.70.01.005915-6, proposta pela ONG MAE - Meio Ambiente equilibrado,na qual o Juízo reconheceu, em sede de cognição sumária, ao apreciar opedido liminar, a falta de medidas preventiva de mitigação ou controledo fenômeno de eutrofização, bem como a notória existência de minas decarvão, a exigir cuidados em virtude do risco de contaminação, /in verbis:/

/No que tange à Usina Hidrelétrica de Mauá, houve a concessão de licençade instalação, pelo que presente o perigo de dano irreparável ou dedifícil reparação. E, justamente em face da concessão de tal licença, háque se presumir (não obstante as diversas pendências judiciais) que aconstrução tem viabilidade sob o aspecto ambiental, de uma forma geral./

/Por outro lado, não se pode afastar a possibilidade de que haja impactoda Usina na qualidade dos recursos hídricos para abastecimento públicodo município de Londrina/PR, considerando os pareceres e documentosapresentados na inicial, inclusive da SANEPAR, incidindo ainda, naespécie, o princípio da precaução./

/E, embora conste dos autos a grande possibilidade de eutrofização doreservatório da UHE, em 70%, com a proliferação de algas e a geração detoxinas, não consta a existência de qualquer medida preventiva demitigação ou controle, pelo menos ao que se depreende do contido nalicença de instalação e das manifestações das rés pessoas jurídicas dedireito público. Menciono ainda o fato notório de que há minas de carvãoque serão alagadas pela UHE Mauá, o que também certamente demandacuidados, em face de eventual contaminação./

/Por outro lado, resta evidente que o abastecimento de energia elétricanão pode prejudicar, seja em quantidade, seja em qualidade, oabastecimento de água da cidade de Londrina/PR (conforme limitado pelainicial), posto que a água é bem essencial à vida humana, estandoportanto em jogo direitos fundamentais individuais e coletivo dapopulação de Londrina/PR./

/Desta forma, e sempre considerando o princípio da precaução, tendo emvista inclusive a possibilidade de dano irreparável ou de difícil

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reparação ao abastecimento de água do município de Londrina/PR, *concedoem parte a liminar* unicamente para determinar aos réus, como obrigaçãode fazer, que sejam tomadas as providências necessárias, inclusive apromoção de estudos complementares, para que a construção da UsinaHidrelétrica de Mauá não diminua a qualidade da água utilizada pelapopulação de Londrina/PR, sob pena de imposição de multa diária a seroportunamente estipulada, sem prejuízo de outras medidas punitivas e/oucompensatórias. Os referidos estudos devem ser apresentados no prazo de90 (noventa) dias, prorrogáveis por justo motivo, e as demaisprovidências devem ser tomadas durante eventuais instalação e operaçãoda Usina **/*(fragmento da decisão de fls. 270/273 dos autos da ACP nº2008.70.01.005915-6).*

Com relação ao trabalho apresentado pelo corréu Lindsley da Silva RascaRodrigues, às fls. 3351/3372, "Aplicação da modelagem matemática paraprevisão de possíveis impactos na qualidade da água do Rio Tibagi após aconstrução da UHE Mauá", observa-se que teve como área de estudo 122 kmdo Rio Tibagi, situado entre o local próximo ao canal de fuga da UHEMauá, na cidade Curiúva, e a captação de água da Companhia de Saneamentodo Paraná - SANEPAR no Rio Tigabi em Londrina.

O corréu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues, com base nesse estudo,afirma que as condicionantes da Licença de Instalação nº 6496 foramsuficientes para mitigar os impactos na qualidade da água, porquantoreferido estudo concluiu que a construção da UHE Mauá não afetará aqualidade da água no local de captação do Rio Tibagi (captação SANEPARem Londrina) e serão mantidas as condições de depuração nos 122 km ajusante do canal de fuga da UHE, trecho objeto do estudo.

No entanto, submetido tal estudo à análise da professora Dra. MariaJosefa Santos Yabe, representante da Universidade Estadual de Londrina,e do corpo técnico do MPF, Laudo Técnico nº008/2010-4ªCCR - fls.3404/3410, observa-se que muitas das irregularidades narradas nainicial, algumas reconhecidas nos autos da ACP nº 2008.70.01.005915-6,em juízo de cognição sumária, /v.g. /a questão das minas de carvão e aausência de medidas de mitigação e controle do fenômeno da eutrofização,ainda persistem e são preocupantes. Vejamos:

/*3.6. Quesito 6 - O estudo complementar ao EIA/RIMA ora em análiseconsiderou as influências de minas de carvão desativadas, localizadas naárea a ser alagada para construção do reservatório da UHE Mauá,acarretariam ao abastecimento de água de Londrina e região? Acontaminação da água por sulfato liberado pelas minas de carvão é pontorelevante a ser considerado para analisar a influência em comento? Apartir dos dados colhidos pelo estudo analisado, é possível concluiralgo nesse sentido?*//*Resposta 1:* No relatório intitulado "Previsão de possíveis impactosna qualidade da água do Rio Tibagi após a construção da UHE Mauá", julhode 2009, não se encontrou quaisquer referências a possíveis influênciasde minas de carvão desativadas, nem os parâmetros inorgânicos relativos

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ao elemento Enxofre (sulfato e sulfeto) foi analisado.//*Resposta 2: *Com base no contido no relatório acima nominado nada podese afirmar - ou até mesmo inferir - sobre contaminação da água porsulfato liberado por minas de carvão desativadas/pilhas de rejeito. Emtese, tal fato deve ser considerado na análise de qualidade da água doreservatório da UHE Mauá e também daquela que será liberada para jusante.//[...]/

/*3.7 Quesito 7 - O estudo em análise considerou a existência dedepósitos/aterros de resíduos sólidos nas áreas próximas ao reservatórioda UHE Mauá e seu impacto sobre a qualidade da água?*//*Resposta:* No relatório intitulado "Previsão de possíveis impactos naqualidade da água do Rio Tibagi após a construção da UHE Mauá", julho de2009, não se encontrou quaisquer referências a existência dedepósitos/aterros de resíduos sólidos em áreas próximas ao futuroreservatório da UHE Mauá (rio Tibagi)/

/*3.8 Quesito 8 - Considerando que o EIA/Rima aponta a probalidade de70% (setenta por cento) de eutrofização das águas do reservatório da UHEMauá, a distância entre a área do reservatório e aquela de captação paraabastecimento de Londrina e região é suficiente para a depuração da água?*//*Resposta:* Liminarmente, observa-se que a IT 191/05 (p. 12) assinalaque a análise do Estudo de Autodepuração (EIA - Vol. III - Anexo A- p.432 a 454) não permitiu aos técnicos da 4ª CCR compreender como o modeloempregado (modelo matemático da CEPIS - 1990) tenha chegado ao resultadoindicado (probabilidade de aproximadamente 70 % do reservatóriotornar-se eutrófico).//Secundariamente, com base na análise exclusiva do documento do Latec,os resultados devem ser tomados como indicadores qualitativos para asduas condições simuladas (Cenários Natural e Influenciados) e não devemser usados em processo decisório.//Nenhum dos cenários simulados considera novos barramentos com formaçãode reservatórios, nem a montante da UHE Mauá, nem no trecho de 122 km ajusante. Igualmente não considera a possível implantação deaproveitamentos nos principais cursos d'água que afluem a esse estirãofluvial do rio Tibagi.//[...]//*3.9 Quesito 9 - Os programas apresentados pelo Consórcio paramitigação dos impactos ambientais sobre a qualidade da a´gua sãosuficientes?*//*Resposta:* No relatório intitulado "Previsão de possíveis impactos naqualidade da água do Rio Tibagi após a construção da UHE Mauá", julho de2009, não se encontrou quaisquer referências a programas para mitigaçãodos impactos ambientais sobre a qualidade da água do Rio Tibagi /(fls.3409/3410)

Impende salientar que, nos autos da ACP nº 2008.70.01.005915-6, houve aimposição de obrigação de fazer, para que sejam tomadas as providênciasnecessárias para que a construção da Usina Hidrelétrica de Mauá nãodiminua a qualidade da água utilizada pela população de Londrina/PR, sob

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pena de imposição de multa diária a ser oportunamente estipulada, semprejuízo de outras medidas punitivas e/ou compensatórias, inclusivemediante a promoção de estudos complementares, os quais vêm sendoelaborados no bojo dos autos daquela ACP e serão submetidas à análisejudicial no momento oportuno.

Já no que importa para o deslinde da presente demanda, a meu ver, asprovas produzidas nos autos são suficientes e comprovam que háinconsistências no EIA-RIMA, no tocante aos levantamentos de impactossobre a qualidade da água e o abastecimento dos municípios da Bacia doTibagi.

É importante repisar, no entanto, cf. PARECER 27/2009 -COHID/CGENE/DILIC/IBAMA (fls. 760/766 da ação cautelar2009.70.01.000179-1), acima transcrito, que /se houver equívocos, aeficácia de um programa pode ficar aquém do necessário para mitigar oucompensar impactos. *_Entretanto, devido à dinâmica inerente aolicenciamento ambiental, esses equívocos podem ser retificados, sendo decompetência do órgão licenciador (IAP) fazê-lo_ */(destaquei).Voltaremos a tratar dessa questão no item *II.B.1.12.*

*II.B.1.8 DOS DIAGNÓSTICOS E PROGNÓSTICOS AMBIENTAIS DE FLORA e FAUNA(itens XV e XVIII da petição inicial)*

O MPF apontou pretensas falhas no EIA no tocante ao diagnóstico e aoprognóstico ambientais da fauna e flora, por reputar não confiáveis asinformações prestadas a respeito no estudo, eis que embasados em dados elevantamentos que, além de incompletos, não são de domínio público, bemcomo não consta a informação dos períodos em que foram realizadas asamostragens. Indica, ainda, a ausência da descrição das metodologiasutilizadas, a redundar na insuficiência dos levantamentos realizados,bem como considera superficial o levantamento feito no EIA acerca dosimpactos sobre a fauna e flora da área indiretamente atingida peloempreendimento. Afirma, ainda, que, ao se considerar de forma isolada omeio ambiente e os diversos grupos que o compõem, ignorou a necessáriainterdisciplinariedade a ser observada em hipóteses desse jaez.

Já a CNEC defende que os estudos da UHE Mauá utilizaram os procedimentosmetodológicos usuais e tecnicamente recomendáveis em estudos dessanatureza, com metodologias consagradas no setor, suficientes para estaetapa de EIA, com a elaboração de caracterizações e prognósticos deimpactos, que posteriormente deverão ser aprofundadas nas etapasseguintes do licenciamento, de forma concordante com os objetivosespecíficos dessas etapas- Licença de Instalação e Licença de Operação,não se podendo antecipar etapas do licenciamento. Refuta a existência deirregularidades no diagnóstico de fauna do EIA, pois não houveadulteração dos resultados de avifauna e ictiofauna apresentados pelaempresa IGPLAN. Afirma que os dados apresentados pela IGPLAN detinham

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uma série de inconsistências não adequadas para a realização de umdiagnóstico biológico real, dificultando a realização de prognósticoseficazes sobre os impactos ambientais que poderão vir a ocorrer na áreaem foco. Arremata, neste ponto, que as complementações e alterações dosdados não corporificam "má-fé", mas, sim, eram medidas necessárias paraa excelência técnica e adequação do EIA-RIMA.

A CNEC afirmou, ainda, (itens 776 a 783 da contestação) que o estudoflorístico foi realizado através de observações de campo em percursospor toda a área de influência direta (AID) e que, para o estudofitossociológico, 5 locais foram amostrados, tendo pontos alocadosperpendicularmente à margem do rio, e tendo critério de inclusão dosindivíduos a serem medidos o PAP (perímetro à altura do peito) maior que15 cm. Defende, ainda, que, tradicionalmente, para a AII de umempreendimento hidrelétrico, pelas grandes extensões que normalmenteapresentam, trabalham com escalas de mapeamento mais generalizadas, comoa utilizada no EIA (1:250.000), utilizando-se de dados secundários erecursos de fotointerpretação de imagens de satélite, o que permiteconferir atualidade e confiabilidade às informações geradas de satélite.

Quanto ao assunto, novamente, socorro-me da IT 67/2008 do IBAMA, quediscorreu da seguinte forma sobre o tema (fls. 2508):

/*_No caso de elaboração de EIA, vê-se como imprescindível acaracterização das ADA/AID e AII com amostragens (levantamento primário)que permitam estabelecer comparações de perda e insubstituibilidadeentre essas áreas._*__/__/Para nortear os estudos de fauna em todas as suas fases (levantamento,monitoramento, salvamento, resgate e destinação), o Ibama faz uso daInstrução Normativa 146/2007, a fim de que a elaboração da metodologiapara essas atividades se ajuste às características da região. *_Astécnicas utilizadas são aquelas usualmente consagradas pela literatura;porém, nada impede que outros métodos sejam utilizados,_*__ desde queaprovados pelo Instituto.//Para flora, componente de direta interface com a fauna, também seaplica a necessidade de caracterizar as tipologias vegetacionaisimpactadas nas mesmas áreas de influência, preferencialmente que asamostragens para fauna e flora sejam nos mesmos pontos. A fim depermitir uma melhor caracterização de impactos e proposição de medidasmitigatórias/compensatórias, esse diagnóstico, feito a partir de umlevantamento florístico e fitossociológico na área, deve considerar, p.ex., a avaliação de conectividade entre as áreas impactadas e aquelaspróximas e que possam servir de destino (fuga) para a fauna; áreasidentificadas como prioritárias para conservação; existência de Ucs;entre outros itens específicos para a região estudada.//Quanto a não apresentação de inventário florestal, ressalte-se que esteestudo insere-se, no licenciamento ambiental federal, na fase que sesegue à LP, ou seja, para obtenção de Licença de Instalação. Para a fasede LP, o estudo de impacto ambiental deveria ter apresentado odiagnóstico florístico e fitossociológico./

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/*_O que se destaca para a fase de levantamento de campo é que umasubamostragem pode induzir, em análises, a subestimar riqueza da região,o que, possivelmente, terá como conseqüência negativas para conservaçãodas espécies existentes na área. _*__/__

De acordo com o IBAMA, é imprescindível a caracterização da ADA/AID e*também da AII* *com amostragens (levantamento primário)* que permitamestabelecer comparações de perda e insubstituibilidade entre essas áreas.

Nesse senda, salva melhor juízo, a afirmação da CNEC de que a utilizaçãode dados secundários para AII permite conferir atualidade econfiabilidade às informações geradas de satélite, não procede. Emboraafirme que isso se deva às grandes extensões que normalmente apresentama AII de empreendimentos hidrelétricos, impende relembrar que, para aUHE Mauá, o confinamento da área de influência geográfica à jusante dobarramento foi somente até o trecho do Ribeirão das Antas (2,5km dabarragem). Sob esse aspecto, destarte, entendo que há procedência nosargumentos da parte autora.

As partes, ainda, controvertem-se sobre a metodologia no EIA doslevantamentos florísticos e fitossociológicos. Em sua contestação, aCNEC explicitou ter utilizado o "método dos quadrantes", no entanto, ostécnicos do MPF, na IT nº 212/07, juntada na íntegra às fls. 3383/3398,insistem que nada garante que os dados apresentados no EIA representem aárea estudada.

No entanto, valho-me da IT 67/2008 do IBAMA, suso transcrita, segundo aqual, para essa caracterização, as técnicas utilizadas são aquelasusualmente consagradas pela literatura, porém, nada impede que outrosmétodos sejam utilizados, razão pela qual a divergência de metodologianão implica em irregularidade do estudo. Com relação à apresentação deinventário florestal, o IBAMA afirmou que este estudo insere-se, nolicenciamento ambiental federal, na fase que se segue à LP, ou seja,para obtenção de Licença de Instalação.

Vale repisar, contudo, que a questão da incorreta definição da área deinfluência vai se espraiar sobre vários outros aspectos, dentre eles,inclusive, a fauna e flora, como afirmou o IBAMA nas consideraçõesfinais da IF 67/2008, oportunidade em que também registrou: /destaca-seque as considerações feitas nesta IT foram elaboradas a partir dodocumento apresentado pelo MPF, *_ao qual avalia-se que há argumentostecnicamente procedentes_*__/__ (fls. 2509).

Registre-se que as questões envolvendo as alegações de adulteração eomissões dolosas de dados no EIA-RIMA serão analisadas em tópicoseparado *(no item I.B.1.14).*

*II.B.1.9 DA MEGABIODIVERSIDADE DO RIO TIBAGI (itens XVI e XVII dapetição inicial)*

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O MPF assevera que a área denominada "Médio Rio Tibagi" - local em quese pretende construir a UHE Mauá - vem sendo apontada como crucial paraa conservação da biodiversidade da Mata Atlântica e considerada, pormuitos ambientalistas, como área de megabiodiversidade. Tanto que oMinistério do Meio Ambiente, após levantamentos realizados, considerou aárea do Médio Rio Tibagi de extrema importância biológica, prioritáriapara a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica e dos CamposSulino, com recomendação para a criação de unidade de conservação.

Já a CNEC defendeu que a região onde se localiza o empreendimento não secaracteriza como área de megabiodiversidade, posto ter sofrido severasinterferências antrópicas pretéritas, tais como: (a) existência da PCHGetúlio Vargas, aproveitamento situado próximo ao local da UHE Mauá; (b)existência do complexo industrial Klabin e a instituição da "FazendaMonte Alegre", unidade de manejo Florestal "Klabin Florestal Paraná";(c) as áreas ainda preservadas na região decorrem de projetos dereflorestamento e manejo florestal empreendidos pela Klabin nestapropriedade ("Fazenda Monte Alegre"); (d) não ocorrência na região dosfatores caracterizadores da megabiodiversidade, quais sejam, /latitude/e as /condições climáticas/, principlamente altos índices depluviosididade; e (e) o próprio Ministério do Meio Ambiente, quandoinstado a tanto, entendeu por bem não incluir a região do Médio Tibaginas áreas destinadas à criação de unidades de conservação.

Pois bem.

De acordo com informações extraídas do sítio eletrônico do Ministério doMeio Ambiente:

/Entre 1997 e 2000, o PROBIO (O Projeto de Conservação e UtilizaçãoSustentável da Diversidade Biológica Brasileira) realizou uma amplaconsulta para a definição de áreas prioritárias para conservação naAmazônia, Caatinga, Cerrado e Pantanal, Mata Atlântica e Campos Sulinos,e na Zona Costeira e Marinha. // //Os insumos, metodologia de discussão e critérios de definição de áreasvariaram ligeiramente entre as avaliações para cada bioma. De maneirageral, a definição das áreas mais relevantes foi baseada nas informaçõesdisponíveis sobre biodiversidade e pressão antrópica, e na experiênciados pesquisadores participantes dos seminários de cada bioma. O grau deprioridade de cada uma foi definido por sua riqueza biológica,importância para as comunidades tradicionais e povos indígenas e suavulnerabilidade. // //No final do processo, foram escolhidas 900 áreas que foram reconhecidaspelo Decreto no. 5092, de 21 de maio de 2004 e instituídas pela Portariano 126 de 27 de maio de 2004 do Ministério do Meio Ambiente. A portariadetermina que essa lista - deverá ser revista periodicamente, em prazonão superior a dez anos, à luz do avanço do conhecimento e das condições

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ambientais, pela Comissão Nacional de Biodiversidade "CONABIO"./(Disponível em:< http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=72&idMenu=3812>)

Dessa forma, as Áreas Prioritárias para Conservação, UtilizaçãoSustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade foramreconhecidas pelo Decreto nº 5.092, de 21 de maio de 2004 e pelaPortaria MMA nº 126, de 27 de maio de 2004, que dispõem:

/*DECRETO nº 5.092, de 21 de maio de 2004*/

/Art. 1o As áreas prioritárias para a conservação, utilizaçãosustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade, no âmbito dasatribuições do Ministério do Meio Ambiente, serão instituídas porportaria ministerial./

/Art. 2o Para fins do disposto no art. 1o, a avaliação e identificaçãode áreas e ações prioritárias para a conservação, utilização sustentávele repartição da biodiversidade far-se-á considerando-se os seguintesconjuntos de biomas://I - Amazônia;//II - Cerrado e Pantanal;//III - Caatinga;//IV - Mata Atlântica e Campos Sulinos; e//V - Zona Costeira e Marinha./

/Art. 3o A portaria a que se refere o art. 1o deste Decreto deveráfundamentar-se nas áreas identificadas no "Projeto de Conservação eUtilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira - PROBIO" eserão discriminadas em mapa das áreas prioritárias para conservação eutilização sustentável da diversidade biológica brasileira./

/Art. 4o As áreas a serem instituídas pela portaria ministerial, a quese refere o art. 1o deste Decreto, serão consideradas para fins deinstituição de unidades de conservação, no âmbito do Sistema Nacional deUnidades de Conservação da Natureza - SNUC, pesquisa e inventário dabiodiversidade, utilização, recuperação de áreas degradadas e deespécies sobreexplotadas ou ameaçadas de extinção e repartição debenefícios derivados do acesso a recursos genéticos e ao conhecimentotradicional associado.//Art. 5o O disposto neste Decreto não implica restrição adicional àlegislação vigente./

/Art. 6o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação./

/*PORTARIA MMA Nº 126, DE 27 DE MAIO DE 2004*/

/Art. 1º Ficam reconhecidas como áreas prioritárias para a conservação,

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utilização sustentável e repartição de benefícios da biodiversidadebrasileira as áreas referenciadas no § 2º desta Portaria, doravantedenominadas Áreas Prioritárias para a Conservação, UtilizaçãoSustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira ouÁreas Prioritárias para a Biodiversidade, para efeito da formulação eimplementação de políticas públicas, programas, projetos e atividadessob a responsabilidade do Governo Federal voltados à://I - conservação in situ da biodiversidade;//II - utilização sustentável de componentes da biodiversidade;//III - repartição de benefícios derivados do acesso a recursos genéticose ao//conhecimento tradicional associado;//IV - pesquisa e inventários sobre a biodiversidade;//V - recuperação de áreas degradadas e de espécies sobreexploradas ouameaças de extinção; e//VI - valorização econômica da biodiversidade.//§ 1º A lista de Áreas Prioritárias para a Conservação, UtilizaçãoSustentável e//Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira, referida nocaput deste artigo, deverá ser revista periodicamente, em prazo nãosuperior a dez anos, à luz do avanço do conhecimento e das condiçõesambientais, pela Comissão Nacional de Biodiversidade- CONABIO, queencaminhará, se for o caso, minuta de portaria de revisão ao Ministro doMeio Ambiente.//§ 2º As descrições das áreas de que trata o caput deste artigo estãodiscriminadas no "Mapa das Áreas Prioritárias para a Conservação,Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da BiodiversidadeBrasileira", publicado pelo Ministério do Meio Ambiente em novembro de2003 e reeditado em maio de 2004, e serão disponibilizadas no sítioeletrônico do Ministério do Meio Ambiente e do Instituto Brasileiro doMeio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, bem como nassedes do órgão central do IBAMA e de suas unidades descentralizadas.//§ 3o A não inclusão de espaços territoriais na lista de ÁreasPrioritárias para a//Biodiversidade não significa ausência ou falta de importância dabiodiversidade./

/Art. 2º As ações identificadas no art. 1o desta Portaria serãoimplementadas pelos órgãos e entidades responsáveis por elaborar eimplementar políticas e programas relacionados com a biodiversidade,consideradas as seguintes classes de priorização://I - extremamente alta;//II - muito alta; e//III - alta.//Parágrafo único. Os órgãos e entidades de que trata este artigo deverãoproceder aos estudos complementares para classificar as áreasrelacionadas como insuficientemente conhecidas nas categorias definidasnos incisos I, II e III deste artigo ou para propor sua//exclusão à Comissão Nacional de Biodiversidade-CONABIO./

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/Art. 3º O disposto nesta Portaria não enseja restrição adicional àlegislação vigente./

/Art. 4º Esta Portaria entra em vigor na data de publicação.// MARINA SILVA/

Às fls. 1274/1275, a CNEC alega que, de fato, em 2002, o Ministério doMeio Ambiente determinou a realização de estudos para a criação deunidades de conservação federais na área da Floresta com a Araucária enos campos naturais associados, que englobam a área do Alto e MédioTibagi. Os técnicos do MMA estudaram as regiões indicadas pelasportarias do MMA, visando identificar quais áreas eram mais adequadaspara a criação das unidades de conservação, no estado do Paraná, tendoculminado com a definição de cinco áreas, detentoras de uma área totalde 97.743 ha, a saber:

/Parque Nacional dos Campos Gerais (Ponto Grossa, Castro e Carambeí);//Reserva Biológica Araucárias (Municípios de Imbiutuva, Teixeira Soares,Ipiranga);//Reserva Biológica Perobas (Cianorte, Tuneiras do Oeste);//Refúgio da Vida Silvestre do Rio Tibagi (Ponta Grossa, Ipiranga,Imbituva, Teixeira Soares);//Refúgio da Vida Silvestre dos Campos de Palmas (Palmas, Água Doce eGeneral Carneiro) - extremo sul do Estado (Criadas pelos DecretosFederais, sem numeração, de 23 de marco de 2006)/Contudo, afirma a CNEC que apenas três dessas áreas localizam-se naBacia do Tibagi: /(i) /Parque Nacional dos Campos Gerais; /(ii)/ ReservaBiológica das Araucárias; e /(iii)/ Refúgio da Vida Silvestre do RioTibagi, *todas elas situadas na região do Alto Tibagi. *Dessa forma,conclui que o Ministério do Meio Ambiente não incluiu a área do "MédioTibagi" nas áreas destinadas à criação de unidades de conservação.

Esses argumentos não foram impugnados pela parte autora, razão pela qualresta infirmada a pretensão autoral nesse quesito. Registre-se, nostermos do §3º do art. 1º da Portaria MMA nº 126, de 27 de maio de 2004,que "a não inclusão de espaços territoriais na lista de ÁreasPrioritárias para a Biodiversidade não significa ausência ou falta deimportância da biodiversidade", cuja lista deve ser revista,periodicamente, em prazo não superior a dez anos (§1º do art. 1º), noentanto, o Ministério do Meio Ambiente ainda não reconheceu o "MédioTibagi" como área de "megabiodiversidade".

*II.B.1.10 DAS DEFICIÊNCIAS DO LEVANTAMENTO DE IMPACTOS SOBRE O MEIOCULTURAL (item XIX da exordial)*

Neste aspecto, a parte autora reputa deficiente o EIA no levantamento deimpactos sobre o meio cultural material e imaterial, em desrespeito aos

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direitos assegurados pelos artigos 215 e 216 da CF/88.

No entanto, houve parecer favorável do IPHAN (Ofício nº036/05/GEOARQ/DEPAM/IPHAN), conforme a própria perita do MPF reconheceu(fls. 113).

Ademais, o IBAMA, na IT nº 67/2008, manifestou-se pela regularidade dolevantamento. Confira-se:

/*Levantamento de impactos sobre o meio cultural*/

/As questões afetas ao levantamento do patrimônio cultural são decompetência do IPHAN. Consta na página 111 do documento avaliado nestaIT, que o IPHAN se manifestou de forma favorável Ofício nº036/05/GEOARQ/DEPAM/IPHAN /(fls. 2508)

Destarte, não se infirmou a presunção de regularidade do EIA-RIMA nesteaspecto.

*II.B.1.11 DO ESTABELECIMENTO DE CONDICIONANTES NO LICENCIAMENTO e DACOMPENSAÇÃO AMBIENTAL (itens IV e XXV da petição inicial)*

No tocante a este aspecto, insurgiu-se a parte autora em relação àconcessão pelo IAP da Licença Ambiental Prévia nº 9589, em 07 dedezembro de 2005, com o estabelecimento de 70 condicionantes para arealização do empreendimento em questão. Para o MPF é inadmissível atransformação, pelo Presidente do IAP, das complementações (69 itens)sugeridas pela comissão de licenciamento em meras condicionantes, eisque muitas das medidas estabelecidas consubstanciavam-se em atividadesque deveriam ter sido realizadas na fase anterior do processo.

Já a CNEC defende a regularidade da emissão da LP pelo IAP e correto oestabelecimento de condicionantes, não havendo afronta à legislação deregência. Sustenta que a concessão de licença prévia significa tãosomente mera cognição sumária das linhas gerais do empreendimento, cujascondicionantes atestam o comprometimento do órgão ambiental em garantira higidez ambiental e em promover o desenvolvimento sustentável.

Com efeito, o estabelecimento de condicionantes, que, registre-se, cabeao órgão ambiental licenciador, sem qualquer ingerência do empreendedor,faz parte da dinâmica do procedimento de licenciamento ambiental, quenão é estanque.

Logicamente, considerando que cada licenciamento constitui uma situaçãoespecífica, em licenciamentos mais complexos, como é o caso dainstalação de uma hidrelétrica, espera-se um número maior decondicionantes ambientais, tendo em vista sua melhor adequação, ematenção aos dispositivos legais e norteadores do Direito Ambiental,principalmente o princípio da precaução.

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Dispõe a Resolução CONAMA 237, de 19 de dezembro de 1997:

/*Artigo 10 *- O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá asseguintes etapas://I - Definição pelo órgão ambiental competente, com a participação doempreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais, necessáriosao início do processo de licenciamento correspondente à licença a serrequerida;//II - Requerimento da licença ambiental pelo empreendedor, acompanhadodos documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se adevida publicidade; //III - Análise pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMA,dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados e arealização de vistorias técnicas, quando necessárias;//*_IV - Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgãoambiental competente integrante do SISNAMA, uma única vez, emdecorrência da análise dos documentos, projetos e estudos ambientaisapresentados, quando couber, podendo haver a reiteração da mesmasolicitação caso os esclarecimentos e complementações não tenham sidosatisfatórios_*__;//V - Audiência Pública, quando couber, de acordo com a regulamentaçãopertinente; //*_VI - Solicitação de esclarecimentos e complementações, pelo órgãoambiental competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber,podendo haver reiteração da solicitação quando os esclarecimentos ecomplementações não tenham sido satisfatórios_*__;//VII - Emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecerjurídico;//VIII - Deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se adevida publicidade.//§1o - No procedimento de licenciamento ambiental deverá constar,obrigatoriamente, a certidão da Prefeitura Municipal, declarando que olocal e o tipo de empreendimento ou atividade estão em conformidade coma legislação aplicável ao uso e ocupação do solo e, quando for o caso, aautorização para supressão de vegetação e a outorga para o uso da água,emitidas pelos órgãos competentes.//*_§2o - No caso de empreendimentos e atividades sujeitos ao estudo deimpacto ambiental - EIA, se verificada a necessidade de novacomplementação em decorrência de esclarecimentos já prestados, conformeincisos IV e VI, o órgão ambiental competente, mediante decisão motivadae com a participação do empreendedor, poderá formular novo pedido decomplementação._*__/__

O TRF da 4ª Região, na APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.71.01.003801-8/RS, daRelatoria do Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz(D.E. 05.11.2009), já analisou questão semelhante, conforme excertosabaixo transcritos, cujos fundamentos adoto como razões de decidir:

//...

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/_Nulidade do licenciamento ambiental prévio_ //Argüi o Ministério Público que o EIA realizado não contemplou todas asinformações arroladas nos arts. 5º e 6º da Resolução CONAMA nº 001/86,acarretando a nulidade do estudo e da Licença Prévia emitida.//A nulidade afirmada, no entanto, não se verifica.//Os arts. 5º e 6º da Resolução CONAMA nº 001/86, de fato, contém umasérie de parâmetros que devem nortear a realização do Estudo de ImpactoAmbiental, como as alternativas de localização do projeto, os impactosna implantação e operação da atividade, a delimitação da área impactadapelo empreendimento e a consideração dos projetos governamentaisprevistos ou implementados.//Para isto, a norma estabelece que o EIA deverá ser integrado pelasatividades de diagnóstico ambiental da área de influência do projeto,contendo o levantamento dos recursos ambientais antes do empreendimento(meios físico, biológico, sócio-econômico); de análise dos impactosambientais do projeto e suas alternativas, com a projeção das prováveisalterações relevantes; das medidas mitigadoras dos impactos negativos; eda elaboração de programa de acompanhamento e monitoramento de taisimpactos.//*_Tratando-se de estudo ambiental necessário à concessão da LicençaAmbiental apenas Prévia, entretanto, não se exige que tais estudos sejamexaurientes, infensos a modificações, detalhamentos e complementaçõesmesmo posteriores à concessão da licença._*__/__/*_A mutabilidade do EIA é intrínseca à sua natureza, dado que se tratade um estudo prospectivo e projetivo das alterações ambientais a seremcausadas, no futuro, pelo empreendimento. A própria norma reconhece anecessidade de um estudo probabilístico, ao determinar a necessidade de"projeção das prováveis alterações" ambientais a serem causadas(Resolução CONAMA nº 001/86, art. 6º)._*__/__/*_Assim, pretender a definitividade de um estudo cujo ethos é avirtualidade de alterações ambientais futuras, em face de obras aindanão empreendidas, não condiz com o espírito da norma. A interpretaçãodefendida na inicial que, à hipótese de incidência "alterações ecomplementações do EIA", liga a conseqüência jurídica "nulidade do EIA"revela-se, nestes termos, a menos indicada. A definitividade pretendidaé mesmo um contra-senso normativo, na medida em que se está, na fase dalicença prévia, apenas tentando projetar, embora da forma mais detalhadae abrangente possível, as alterações ambientais a serem causadas porobra futura, e a forma de evitá-las, mitigá-las ou compensá-las._*__/__/A própria Constituição Federal, no artigo 225, § 1º, inciso IV, dispõeque incumbe ao Poder Público exigir o EIA que deve ser prévio, dequalquer modo, à instalação da obra, como se constata:///Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade devida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-loe preservá- lo para as presentes e futuras gerações.//§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao PoderPúblico://(...)//IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade

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potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente,estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (Regulamento)//(...)/Sabe-se que o licenciamento ambiental é ato uno, de caráter complexo,em cujas etapas intervém vários agentes, e deverá ser precedido deEstudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, sempre queconstatada a existência, ainda que potencial, de significativo impactoambiental (MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. São Paulo: RT, 2001. p. 360).//*_O procedimento administrativo de licenciamento ambiental, dada aamplitude da tutela constitucional do meio ambiente, prevê apossibilidade de a Administração Pública, através de seu órgãoambiental, solicitar do empreendedor esclarecimentos e complementaçõesdos estudos ambientais que deram início ao licenciamento doempreendimento, podendo mesmo haver a reiteração das solicitações decomplementação dos estudos sempre que os esclarecimentos não foremsatisfatórios (Resolução CONAMA nº 237/97, art. 10, IV)_*__.//Há, também, possibilidade de serem solicitados esclarecimentos ecomplementações pelo órgão ambiental, decorrentes das audiênciaspúblicas, de acordo com o disposto no art. 10, VI, da mesma ResoluçãoCONAMA nº 237/97.//*_A oportunidade de a Administração exigir complementações doempreendedor é igualmente prevista no mesmo artigo 10, § 2º, daResolução CONAMA 237/97, que preconiza que "No caso de empreendimentos eatividades sujeitos ao estudo de impacto ambiental - EIA, se verificadaa necessidade de nova complementação em decorrência dos esclarecimentosjá prestados, conforme os incisos IV e VI, o órgão ambiental competente,mediante decisão motivada e com a participação do empreendedor, poderáformular novo pedido de complementação"._*__/__/*_A previsão normativa de sucessivos pedidos de complementação do EIA,portanto, evidencia o caráter dinâmico dos estudos ambientais e daslicenças ambientais concedidas pela Administração Pública. A exigênciade complementações e de incorporação de novas condicionantes ambientaisé ínsita à natureza do estudo ambiental e do licenciamento ambiental_*__.//Assim, vê-se que o procedimento de licenciamento ambiental comportadiversas etapas e diversas possibilidades de complementações esaneamentos dos EIA's inicialmente apresentados, sem que taisdeficiências e esclarecimentos impliquem, necessariamente, a invalidadedos estudos ambientais prévios.//*_Não exige a legislação ambiental, como se vê, que o EIA, documentoinicial do licenciamento ambiental, represente estudo definitivo,infenso a revisões. Ao contrário, espera-se mesmo que, de seu exame,surjam novas indagações a serem respondidas para que seja possível olicenciamento ambiental. Novos questionamentos sobre o EIA inicialmenteapresentado surgem como decorrência do seu exame pelo órgão ambiental epelos demais participantes do licenciamento ambiental._*__/__/*_De fato, a legislação pertinente em nenhum momento determina queeventuais pedidos de complementação e solicitação de esclarecimentosdevam acarretar a invalidade do EIA prévio e a necessidade de suareelaboração completa. É lícito, portanto, concluir que a existência decomplementações nos EIA's previamente apresentados para o licenciamento

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ambiental não traz como conseqüência jurídica a sua nulidade e anecessidade de sua completa reelaboração, fazendo tábula rasa do quantojá empreendido nos estudos ambientais._*__/__/*[...]*/*//*//Destarte, verifica-se que, em princípio, o estabelecimento dascondicionantes é inerente à dinâmica do procedimento de licenciamentoambiental, cujo número estabelecido pelo órgão ambiental licenciadorpode variar dependendo da complexidade do empreendimento, e, no caso dosautos, muitas das condicionantes estabelecidas na Licença Prévia sãoínsitas às fases posteriores ao EIA-RIMA.

Outrossim, da leitura do Parecer Técnico nº071/05-IAPDIRAM/DLE (fls.916/938), observa-se que as complementações sugeridas ao EIA-RIMA, pelaComissão Multidisciplinar, salvo melhor juízo, são as própriascondicionantes da Licença Prévia, não faltando, destarte, motivaçãoneste ato administrativo.

No entanto, como já ressaltado (*item II.B.1.5*), a questão dos impactosindígenas merecia melhor atenção e cuidado por parte da empreendedoraCNEC, que deveria ter aprofundado os estudos no próprio EIA-RIMA. Ainserção da 1ª condicionante na LP pelo IAP - aprofundamento do EstudoEtho-Ecológico, relacionando-os com impactos à jusante, se deve aosquestionamentos do MPF sobre essa questão, cf. se infere da conclusão"5" do Parecer Técnico nº071/05-IAPDIRAM/DLE (fls. 938). Essascircunstâncias repercutirão, como se verá no item *II.B.1.15*, naresponsabilidade civil da empreendedora.

Quanto à questão da compensação ambiental, levantada pela parte autoraàs fls. 2064/v., impende observar o que dispõe a legislação de regência(Lei 9.985/2000):

/Art. 36.**Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos designificativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambientalcompetente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivorelatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação emanutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, deacordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei//§ 1_o_ O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor paraesta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totaisprevistos para a implantação do empreendimento, sendo o percentualfixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impactoambiental causado pelo empreendimento./

Ocorre que o STF julgou parcialmente procedente a ADI nº 3.378, comredução de texto, declarando a inconstitucionalidade das expressões "nãopode ser inferior a 0,5% dos custos totais previstos na implantação deempreendimento" e "o percentual", constantes do §1º, do art. 36, da Leinº 9.985, de 2000, conforme ementa abaixo transcrita:

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/EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 36 E SEUS §§ 1º, 2ºE 3º DA LEI Nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. CONSTITUCIONALIDADE DACOMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVOIMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 1º DO ART. 36.//1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 daLei nº 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sidoa própria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com asunidades de conservação da natureza. De igual forma, não há violação aoprincípio da separação dos Poderes, por não se tratar de delegação doPoder Legislativo para o Executivo impor deveres aos administrados. 2.Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordocom a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório -EIA/RIMA.//3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípiousuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhadada responsabilidade social pelos custos ambientais derivados daatividade econômica.//4. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensaçãoambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservaçãodo meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outromeio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medidaamplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meioambiente ecologicamente garantido em sua higidez. *5.Inconstitucionalidade da expressão "não pode ser inferior a meio porcento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento",no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000. O valor dacompensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente aoimpacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e aampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custosdo empreendimento.* 6. Ação parcialmente procedente.(STF, Plenário, DJ20.06.2008)/ - destaquei.

Entendo que, se ainda vigorasse a tarifação mínima do percentual, deacordo com a redação original do §1º do art. 36 da Lei nº 9.985/00,poderia se cogitar da obrigação do órgão licenciador exigir o montanteda compensação ambiental quando da emissão da Licença Prévia, já queeste seria previamente estabelecido pela lei. Entretanto, diante dojulgamento da ADI nº 3.378, este não é mais o caso.

Ademais, o art. 5º da Resolução CONAMA nº 371, de 5 de abril de 2006,afirma que "o percentual estabelecido para a compensação ambiental denovos empreendimentos deverá ser definido no processo de licenciamento,*_quando da emissão da Licença Prévia, ou quando esta não for exigível,da Licença de Instalação_*__". O § 1º estabelece que "*_Não será exigidoo desembolso da compensação ambiental antes da emissão da Licença deInstalação"_*__.

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Por sua vez, o §2º deixa claro que "A fixação do montante da compensaçãoambiental e a celebração do termo de compromisso correspondente deverãoocorrer *_no momento da emissão da Licença de Instalação_*__." Portanto,não procede o argumento do /parquet /federal de que o percentual paracompensação ambiental deve ocorrer na emissão da LP.

Por tais razões, não prosperam esses argumentos.

*II.B.1.12 DAS NULIDADES DAS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS, DA AUSÊNCIA DECONSULTA À FUNAI E AO IBAMA, DA (IN)EXISTÊNCIA DE EIA-RIMA, DA NULIDADEDO DESPACHO ANEEL Nº 433, DA NULIDADE DA LICENÇA PRÉVIA Nº 9589 E DOSVÍCIOS DO LICENCIAMENTO (itens XX, XXI, XXII, XXIII, XXIV e XXIX dainicial)*

Sustenta a parte autora a nulidade das audiências públicas realizadas,nos dias 05 e 06 de agosto de 2005, nos Município de Telêmaco Borba eOrtigueira, eis que não foram precedidas da avaliação de estudosambientais pelo órgão competente, tal qual preceitua o artigo 10, incisoIII, da Resolução CONAMA nº 237/97, tendo em vista que a Portaria IAP nº070/2005 excepcionou a exigência anteriormente estabelecida pelaPortaria IAP nº 120/2004, a qual condicionava o licenciamento deempreendimentos hidrelétricos no estado do Paraná à realização de préviaAvaliação Ambiental Estratégica e Zoneamento Econômico-Ecológico.Defende também que as audiências são nulas em virtude dasirregularidades constatadas no EIA/RIMA da UHE de Mauá, que acabou porafrontar aos princípios da publicidade e da participação, uma vezlastreadas em documento de conhecida inidoneidade. Menciona, além disso,que outras audiências deveriam ter sido realizadas em outros municípiosque compõem a Bacia do Rio Tibagi, os quais serão afetados caso a Usinade Mauá seja construída. Argumenta, ainda nessa seara, que a omissãoatinente aos impactos sobre populações indígenas no EIA/RIMA, cujasupressão intentou-se às vésperas das audiências públicas, teria ocondão de provocar, no mínimo, o adiamento destas, haja vista a ausênciade consulta aos demais órgãos envolvidos no processo - principalmente aFUNAI - acerca da questão.

Ademais, defende o MPF o entendimento de que o EIA/RIMA apresentado pelaCNEC, em virtude de uma série de vícios, deve ser declarado inexistenteou insuficiente, acarretando a nulidade plena da Licença Prévia.

Já o IAP alega que seus técnicos procederam a vistorias técnicas quelhes permitiram averiguar a não interferência direta do empreendimentoem relação às comunidades indígenas. Afirma, ainda, que o IBAMAconsiderou ser da competência do IAP o licenciamento ambiental da UHE.No mesmo sentido orienta-se a defesa da CNEC.

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Sustenta, ainda, o IAP que a realização das audiências públicas foramantecedidas das devidas publicações, pelas quais a população e o MPFforam convocados a participar, opinar sobre os estudos, dirimir dúvidasetc. Consigna que a FUNAI e o IBAMA não participaram das referidasaudiências justamente pelo fato de que a competência para olicenciamento, no caso, pertence ao IAP e por inexistir afetação diretadas áreas indígenas (consoante parecer proferido pelo Escritório deAdvocacia Milaré Advogados). Defendem os réus a regularidade do EIA/RIMAe da Licença Prévia.

Com relação à consulta dos órgãos interessados, dispõe os §§1º e 2º doart. 11 da *RESOLUÇÃO CONAMA Nº 001, de 23 de janeiro de 1986*

/§ 1º - Os órgãos públicos que /_manifestarem interesse//_/, _ou tiveremrelação direta com o projeto_, receberão cópia do RIMA, paraconhecimento e manifestação. //§ 2º - Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental eapresentação do RIMA, o estadual competente ou o IBAMA ou, quando coubero Município, determinará o prazo para recebimento dos comentários aserem feitos pelos órgãos públicos e demais interessados e, sempre quejulgar necessário, promoverá a realização de audiência pública parainformação sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussão do RIMA,/

A servidora do IAP, Sra. Noeme Moreira de Oliveira, ouvida em Juízo, sobo crivo do contraditório, afirmou que houve contatos com o IBAMA e FUNAI(fls. 2813/2814):

/*Procuradora da CNEC*: Se recorda de ter entrado em contato com aFUNAI, com o IBAMA, remetendo cópia dos estudos, para queespecificamente eles analisassem os impactos na áreas indígenas?//*TESTEMUNHA*: Foi mandado ao IBAMA e inclusive veio um técnico daFUNAI, lá de Guarapuava, e inclusive bem numa época que eles estavaminclusive de greve, tá, e esse técnico, agora no momento não lembro onome dele, mas nos acompanhou, tá, numa vistoria nas áreas indígenas.Até a gente discutiu essa questão do... do assentamento nessa área.//*Procuradora da CNEC*: Em algum momento, esse técnico se opôs ou fezqualquer tipo de observação a respeito de eventuais impactos que nãoestavam sendo considerados?//*TESTEMUNHA*: Não, não. Não se opuseram. Não, não. Em nenhum momento./[...]/*MPF*: Pelas informações que eu tenho, tanto a FUNAI e o IBAMA nãoparticiparam diretamente desse processo justamente por esseposicionamento, né, e que o Ministério Público Federal tem umentendimento diverso.//*TESTEMUNHA*: Tem.//*MPF*: E é aí que eu pergunto a senhora, porque que a FUNAI não recebeuesse material, esse EIA/RIMA? Ta, ainda que o entendimento seja, que nãohaveria um envolvi... um comprometimento direto nas áreas indígenas,porque que não foi encaminhado esse material para a FUNAI e para o IBAMAem tempo hábil? E por que... só um pouquinho, deixa eu complementar, e

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porque que eles não foram convidados a participar das audiências públicas?//*TESTEMUNHA:* O IBAMA foi, mas muitas vezes eles nos convida e a gentenão participa, tá. //*MPF:* A questão é o convite. Se a pessoa vai ou não...... Porque queeles não foram convidados?//*TESTEMUNHA*: Não, não, foi. É... a FUNAI... a FUNAI, à posteriori,depois que houve toda a pressão da doutora Luciana e tudo mais, nósavocamos, entende, a FUNAI, inclusive para essa vistoria, aí foientregue depois o estudo de impacto ambiental, tá, na época do processopor nós não entendermos essa questão. Era a competência, aí entra aquestão da competência, né, como eles não seriam diretamente afetados,nós não encaminhamos à FUNAI. Mas pro IBAMA foi, a tempo hábil.//*MPF*: Certo.//*JUIZ:* Houve resposta do IBAMA ou não?//*TESTEMUNHA*: Não./

O documento de fls. 1489, Ofício nº 775/2005/IAP/GP, demonstra que o IAPencaminhou o EIA-RIMA à FUNAI, posteriormente às audiências públicas,que se realizaram nos dias 05 e 06 de agosto de 2005. Já o Ofício0440/2006/IAP/GP (fls. 1490) refere-se à condicionante das TerrasIndígenas de Queimadas e Mococa, no contexto da Licença de Instalação.

Sobre o assunto, o IBAMA, em sua informação técnica nº 67/2008, externou(fls. 2509):

/*Ausência de consulta à Funai e ao IBAMA.*/

/De acordo com a Resolução Conama nº237, art. 5º, parágrafo único, "Oórgão ambiental estadual ou do Distrito Federal fará o licenciamento deque trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelosórgãos ambientais dos Municípios em que se localizar a atividade ouempreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãoscompetentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,envolvidos no procedimento de //licenciamento./

/Nesse caso, entendemos que a consulta ao Ibama não se fez necessária,apenas aos municípios atingidos e órgãos federais como IPHAN e FUNAI.*_Ademais, o órgão licenciador pode rever seus atos, corrigindo-os senecessário -_*__ /destaquei.

Insta salientar que, anteriormente, o mesmo IBAMA, por meio do Ofícionº487/2005 - DILIQ/IBAMA, de *24.08.2005* (doc. 42 da CNEC), e domemorando nº 285/2006-DILIC, de *03.06.2006* (fls.261/262), em respostaà recomendação nº001/2005 do MPF-PR, em que lhe recomendava e ao IAP asuspensão das audiências marcadas e a transferência do licenciamento doórgão estadual para o federal, à época, sustentou inexistir afetaçãodireta das áreas indígenas e negou a legitimidade para a condução dolicenciamento em questão. A mesma informação foi reiterada pelo IBAMA,no memorando nº 225/2007 - DILIC, de *05.04.2007* (fls. 1881/1882).

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Logo, apesar do reconhecimento nessa sentença, ao término da instruçãoprocessual, de impactos diretos nas terras indígenas (*itens II.B.1.5 eII.B.1.6) *e, como se verá no item a seguir *(II.B.1.13*), dacompetência originária do IBAMA para o licenciamento, depreende-se que aausência de consulta à FUNAI e ao IBAMA decorre do entendimento das rés,*respaldado pelo posicionamento externado por pelo menos três vezes pelopróprio IBAMA,* sobre a não ocorrência de afetação direta das áreasindígenas.

Registre-se que não socorre à pretensão ministerial, a alegação de que oIBAMA, nos autos da ACP 1999.70.01.007514-6 (fls. 2056/v.), reconheceusua competência para o licenciamento da UHE Mauá, tendo em vista que,naquela época (1998), conforme se depreende dos documentos das fls.2096/2164, estava se discutindo um "estudo de impacto ambientalintegrado" de quatro aproveitamentos hidrelétricos do Rio Tibagi - UHCebolão, UH São Jerônimo, UH Mauá e UH Jataizinho, cuja área deabrangência é muito maior.

Quanto às audiências públicas, a RESOLUÇÃO/CONAMA/N.º 009, de 03 dedezembro de 1987, estabelece:

/Art. 1º - A Audiência Pública referida na RESOLUÇÃO/conama/N.º 001/86,tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto emanálise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dospresentes as críticas e sugestões a respeito.//Art. 2º - Sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado porentidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 (cinqüenta) ou maiscidadãos, o Órgão de Meio Ambiente promoverá a realização de audiênciapública.//§ 1º - O Órgão de Meio Ambiente, a partir da data do recebimento doRIMA, fixará em edital e anunciará pela imprensa local a abertura doprazo que será no mínimo de 45 dias para solicitação de audiência pública. //§ 2º - No caso de haver solicitação de audiência pública e na hipótesedo Órgão Estadual não realizá-la, a licença concedida não terá validade.//§ 3º - Após este prazo, a convocação será feita pelo Órgão Licenciador,através de correspondência registrada aos solicitantes e da divulgaçãoem órgãos da imprensa local.//§ 4º - A audiência pública deverá ocorrer em local acessível aosinteressados.//§ 5º - Em função da 1ocalização geográfica dos solicitantes, e dacomplexidade do tema, poderá haver mais de uma audiência pública sobre omesmo projeto de respectivo Relatório de Impacto Ambiental - RIMA.//Art. 3º - A audiência pública será dirigida pelo representante do Órgãolicenciador que, após a exposição objetiva do projeto e do seurespectivo RIMA, abrirá as discussões com os interessados presentes. //Art 4º - Ao final de cada audiência pública será lavrara uma ata suscinta//Parágrafo Único -Serão anexadas à ata, todos os documentos escritos eassinados que forem entregues ao presidente dos trabalhos durante a seção.//Art. 5º - A ata da(s) audiência(s) pública(s) e seus anexos, servirão

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de base, juntamente com o RIMA, para a análise e parecer final dolicenciador quanto à aprovação ou não do projeto.//Art. 6º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação./

Já a Resolução CONAMA 237, de 19 de dezembro de 1997, afirma, em seu art3º, que: /A licença ambiental para empreendimentos e atividadesconsideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativadegradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental erespectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), aoqual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiênciaspúblicas, quando couber, de acordo com a regulamentação./

Por sua vez, o art. 10 da mesma resolução dispõe que procedimento delicenciamento ambiental obedecerá as seguintes etapas: /V - AudiênciaPública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente; VI -Solicitação de esclarecimentos e complementações, pelo órgão ambientalcompetente, decorrentes de audiências públicas, quando couber, podendohaver reiteração da solicitação quando os esclarecimentos ecomplementações não tenham sido satisfatórios./

Ainda que não com a antecedência recomendada ao caso, o trabalho daantropóloga Maria Fernanda Maranhão foi protocolado junto ao órgãoambiental em 01.08.2005, 04 dias antes da realização das audiênciaspúblicas, propiciando as críticas e discussões sobre o tema.

Em que pese o reconhecimento de inconsistências na área de influência doprojeto, exigir que fossem realizadas audiências públicas em todos osmunicípios que compõem a Bacia do Tibagi não é razoável, tendo em vistaque inviabilizaria o instituto da audiência pública.

Quanto à ausência de convite da CNEC aos técnicos da IGPLAN paraparticiparem das audiências públicas, depois de todo o desgastecomercial e da rescisão contratual, não seria de se esperar que talgentileza fosse observada, no entanto, não há comprovação de que aparticipação deles tenha sido interditada pela CNEC.

Outrossim, Paulo Affonso Lemme Machado (op. cit. p. 242) leciona que:"/A Resolução 9/87 não prevê a exposição da equipe multidisciplinar,como também do proponente do projeto ou do empreendedor. Contudo, nãoestando formalmente proibidos de intervir, a exposição da equipe e aintervenção na discussão do segundo não poderão ser interditadas/".

Destarte, à mingua de previsão legal, a corré CNEC não tinha obrigaçãolegal de convidar os técnicos da IGPLAN.

Assim, as etapas procedimentais para a realização das audiênciaspúblicas, de acordo com a legislação de regência, foram observadas, nãohavendo irregularidades nesse aspecto, cumprindo com sua finalidade deexpor o conteúdo em análise e recebendo críticas e sugestões por partedos vários atores da sociedade civil que se fizeram presentes, conforme

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se aquilata do documento nº 37 da CNEC - anexos 7 /usque /11.

A alegação de que as audiências públicas também seriam nulas, pois nãofoi realizada previamente a Avaliação Ambiental Estratégica e ZoneamentoEconômico-Ecológico, porquanto a Portaria IAP nº 070/2005 excepcionou aexigência anteriormente estabelecida pela Portaria IAP nº 120/2004, quecondicionava o licenciamento de empreendimentos hidrelétricos àrealização de tal estudo, também não prospera.

Nesse sentido, imperioso registrar que nos autos da ação civil públicanº 2007.70.01.005425-7/PR, ajuizada pela LIGA AMBIENTAL em face de IAP -Instituto Ambiental do Paraná, CNEC Engenharia S/A e outros, a exigênciade tal estudo foi afastada na sentença proferida pelo magistrado que meantecedeu, Dr. Alexei Alves Ribeiro, conforme fundamentos, abaixotranscritos, que ora encampo:

/"[...]//No que tange ao pedido referente a Avaliação Ambiental Estratégica daBacia do Rio Tibagi, não há interesse processual que legitime adiscussão, posto que a necessidade de Avaliação Ambiental Integrada estásendo debatida em outros autos. A solução a ser adotada será aquela doprimeiro feito, não havendo lógica que questões idênticas ou similaressejam debatidas em mais de uma ação coletiva./

/Em se tratando de ação coletiva, em tese todos os legitimados para aação podem ser considerados terceiros interessados e intervir noprocesso original. Há que se lembrar, ainda, que em todas as ações estápresente o Ministério Público Federal, o qual, no caso de eventualinércia do autor, deve velar pelos interesses que se pretende protegerna ação civil pública. Ademais, são os titulares de tais interesses osverdadeiros autores das ações coletivas, apenas representados peloMinistério Público Federal ou outro legitimado para a ação coletiva./

/Supor que duas, três, quatro ações civis públicas possam serinterpostas quanto ao mesmo tema levaria a uma grave insegurançajurídica, sem perspectiva de proteção adicional aos interesses que sepretende defender./

/E, embora conceitualmente Avaliação Ambiental Integrada e AvaliaçãoAmbiental Estratégica não sejam exatamente a mesma coisa, na prática háque se falar em apenas uma avaliação ambiental da Bacia do Rio Tibagi,envolvendo tanto o aspecto estratégico como a integração e a influênciarecíproca entre as usinas previstas./

/Como já assinalei por ocasião do indeferimento do pedido de tutelaantecipada,/

//"No âmbito dos autos nr. 1999.70.01.007514-6, condicionei a licença deinstalação das usinas hidrelétricas previstas para o Rio Tibagi(inclusive a Usina Mauá) à realização de Avaliação Ambiental Integrada,

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pelos fundamentos lá expostos. Essa decisão está sendo debatida nosrespectivos autos. De qualquer forma, é meu entendimento que eventuaisprejuízos causados aos diversos interesses prestigiadosconstitucionalmente (meio ambiente, abastecimento de água e energiaelétrica, navegação, pesca, turismo, lazer, entre outros) envolvidos nainstalação de usinas hidrelétricas no Rio Tibagi podem e devem serverificados e debatidos no âmbito do licenciamento ambiental específicoe da Avaliação Ambiental Integrada, que em verdade detêm carátersócio-ambiental, considerado o meio-ambiente por uma perspectiva ampla,envolvendo os aspectos sociais possivelmente atingidos pela construçãode usinas hidrelétricas."

/E, posteriormente:/

//"Indefiro o pedido de reconsideração de fls. 658-660, posto que ofundamentação do juízo foi que a necessidade de Avaliação AmbientalIntegrada antes da Licença de Instalação de Usinas Hidrelétricasprevistas para o Rio Tibagi já está sendo debatida em outros autos, oque independe da prevalência desta ou daquela posição".

/No mérito, a autora objetiva a anulação do processo de licenciamentoambiental da usina hidrelétrica de Mauá e a condenação do IAP àobrigação de não conceder a licença ambiental prévia relativa à usinahidrelétrica de Mauá enquanto não for realizada a Avaliação AmbientalEstratégica da Bacia do Tibagi e não houver sido aprovado o ZoneamentoEcológico-Econômico do Estado do Paraná./

/Embora no que tange ao pedido de não concessão da licença prévia tenhahavido a perda de objeto da lide, a inicial também contém pedido deanulação do processo de licenciamento ambiental, pelo que deve haverpronunciamento de mérito. Além disso, às fls. 88-92, antes da citaçãodos réus, a autora solicitou o arquivamento do processo de licenciamentoda UHE Mauá e, conseqüentemente, que se tornasse sem efeito a respectivalicença prévia./

/Por ocasião da decisão que indeferiu o pedido de antecipação de tutela,o juízo assinalou que:/

//"2. Resolução nr. 003/04-SEMA. Em sede de apreciação provisória,entendo que o fato de a outorga prévia ser emitida mais de seis mesesapós a CNEC ter formulado o pedido de licença prévia junto ao IAP,embora a Resolução preveja que a outorga prévia será apresentada juntocom a solicitação de licença prévia (parágrafo 2o. do art. 3o. daResolução), por si só não é causa de nulidade ou anulação do procedimento.

//Considerando ser a outorga prévia "ato administrativo com finalidadede declarar a disponibilidade de água para os usos requeridos, que nãoconfere direito de uso de recursos hídricos e se destina a reservar arazão passível de outorga, possibilitando, aos investidores, oplanejamento de empreendimentos que necessitem desses recursos",

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parece-me que a sua apresentação durante o procedimento de licenciamentoambiental, e não havendo prova de prejuízo, é suficiente para os fins doart. 3o., caput, da referida Resolução, que determina que a outorgaprévia deverá constar obrigatoriamente do procedimento.

/**/*3. Portaria nr. 120/2004 do IAP. Embora a Portaria 120 do IAP tenhacondicionado o licenciamento ambiental de usinas hidrelétricas àrealização de uma avaliação ambiental estratégica e à execução doZoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Paraná, a Portaria 70/2005,ato administrativo de mesmo nível, excepcionalizou a exigência daPortaria 120, o que, em tese, é legítimo."*/*Ratifico o acima exposto, nos termos da decisão antes proferida.*/

/*Como acima assinalado, nos casos previstos na Portaria 70/2005 (fls.84-85) não há impedimento para o licenciamento ambiental de usinashidrelétricas, ao menos com base na Portaria 120/2004. Havia umaauto-limitação imposta pelo Estado do Paraná, a qual foiexcepcionalizada no que tange à Usina de Mauá, entre outras Usinas.*/

/*A Lei nr. 8.171, de 17 de janeiro de 1991, art. 19, não veda ainstalação de novas hidrelétricas antes do zoneamento agroecológico, masapenas estipula que esse deverá ser realizado e que permitiráestabelecer critérios para disciplinamento e ordenamento da ocupaçãoespacial pelas diversas atividades produtivas, bem como para ainstalação de novas hidrelétricas.*/

/*Ou seja, uma vez efetuado o zoneamento, os critérios estabelecidosdeverão ser observados, o que não significa que, na ausência das normasgerais a serem estipuladas no zoneamento, estejam proibidas atividadesprodutivas ou novas hidrelétricas. Na ausência de tais normas, ainstalação de hidrelétricas ou o exercício de atividades produtivas emgeral não está vedado aprioristicamente.*/

/*Ademais, eventual nulidade ou anulação depende da prova de prejuízo,devendo-se, no caso, aplicar-se o princípio da proporcionalidade a fimde assegurar que todos os interesses prestigiados constitucionalmentesejam preservados, na medida do possível.*/

/*No caso, como é necessário o licenciamento ambiental, os impactossócio-ambientais vinculados devem ser apreciados no âmbito dolicenciamento.*//[...]"/

O MPF opôs embargos de declaração contra essa sentença, que foramjulgados parcialmente procedentes para incorporar alguns fundamentos,dos quais destaco:

/[...]//No que tange à alegação de que a Portaria nr. 70/2005 não poderiamodificar a Portaria nr. 120/004 em face do princípio da vedação ao

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retrocesso, pois aquela representaria um retrocesso em termos dedireitos fundamentais, a ausência de prejuízo concreto aos direitosfundamentais, pelo menos em decorrência da Portaria nr. 70/2005, podeser deduzida dos seguintes trechos da sentença:/

//"A Lei nr. 8.171, de 17 de janeiro de 1991, art. 19, não veda ainstalação de novas hidrelétricas antes do zoneamento agroecológico, masapenas estipula que esse deverá ser realizado e que permitiráestabelecer critérios para disciplinamento e ordenamento da ocupaçãoespacial pelas diversas atividades produtivas, bem como para ainstalação de novas hidrelétricas.

//Ou seja, uma vez efetuado o zoneamento, os critérios estabelecidosdeverão ser observados, o que não significa que, na ausência das normasgerais a serem estipuladas no zoneamento, estejam proibidas atividadesprodutivas ou novas hidrelétricas. Na ausência de tais normas, ainstalação de hidrelétricas ou o exercício de atividades produtivas emgeral não está vedado aprioristicamente.

//Ademais, eventual nulidade ou anulação depende da prova de prejuízo,devendo-se, no caso, aplicar-se o princípio da proporcionalidade a fimde assegurar que todos os interesses prestigiados constitucionalmentesejam preservados, na medida do possível.

//No caso, como é necessário o licenciamento ambiental, os impactossócio-ambientais vinculados devem ser apreciados no âmbito dolicenciamento."

/Ou seja, a Portaria nr. 70/2005, por si só, não representa umretrocesso quanto a direitos fundamentais, posto que os impactossócio-ambientais e eventuais prejuízos devem ser apurados e sopesados nodecorrer do licenciamento ambiental.//[...]/

Noutra quadra, em que pese o reconhecimento de deficiências no EIA/RIMA,em virtude da incorreta definição da área de influência do projeto,especialmente no tocante aos impactos sobre as populações indígenas esobre os levantamentos de impactos sobre a qualidade da água e oabastecimento dos municípios da Bacia do Tibagi, *não é o caso de sedeclarar a nulidade das audiências públicas, da Licença Prévia, dodespacho ANEEL nº433 e nem a inexistência do EIA/RIMA. *

Vale lembrar que o parecer técnico da MINEROPAR (doc. 28 da CNEC),apesar de registrar que as Reservas Indígenas Kaingangs de Queimados eMococa não foram analisadas quanto ao impacto, concluiu, ao final, que:/"Uma vez atendidas as solicitações apontadas, em comum acordo comvários profissionais envolvidos na avaliação dos Estudos de ImpactoAmbiental e Relatório de Impacto Ambiental da UHE Mauá, o requerido pode(deve) ser atendido, isto é a licença prévia pode (deve) ser atendida"./

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A questão dos limites da área de influência do projeto pode serreadequada. No caso dos autos, por conta dos questionamentos do MPF,houve a redefinição, conforme já exposto, *no item II.B.1.7*, somentepara o atendimento da 1ª condicionante da LP 9589 em função do Termo deReferência da FUNAI, na qual a área de influência se estendeu até areserva indígena de Mococa. Outros estudos posteriores criticaram,aprofundaram e estenderam a análise dos impactos a outras comunidadesindígenas, como fundamentado no item *II.B.1.6.*

Sobre o assunto, a informação técnica nº 67/2008 do IBAMA (fls. 2508)averbou:

/Destaca-se que os limites definidos no EIA não são imutáveis. Ao longode um licenciamento ambiental, devido à dinâmica inerente ao processo,pode-se concluir por alterações que incluam ou excluamáreas/estruturas/grupos populacionais. Entretanto, ressalta-se que, seessas alterações se refletem no diagnóstico (do Estudo), esse deve serreavaliado. *_Essas alterações não significam, necessariamente, umanecessidade de reinício de processo_*__.- /destaquei

Da mesma forma, com relação à questão da qualidade da água, o IBAMAmanifestou-se no PARECER 27/2009 (fls. 760/766 da ação cautelar2009.70.01.000179-1), já referido, da seguinte maneira: "/se houverequívocos, a eficácia de um programa pode ficar aquém do necessário paramitigar ou compensar impactos. *_Entretanto, devido à dinâmica inerenteao licenciamento ambiental, esses equívocos podem ser retificados, sendode competência do órgão licenciador (IAP) fazê-lo_*/*_._*__

No ponto, novamente, invoco como razões de decidir os fundamentosadotados pelo TRF da 4ª Região, na Apelação Cível nº2006.71.01.003801-8/RS, da Relatoria do Desembargador Federal CarlosEduardo Thompson Flores Lenz (DE 05.11.2009), /in verbis:/

/*_A constatação de deficiências no estudo ambiental prévio determinaque, caso procedentes e relevantes tais incompletudes, os estudosdeverão ser acrescidos, complementados ou esclarecidos, no bojo dolicenciamento ambiental e não completamente reelaborados,desconsiderando-se in totum o EIA inicialmente trazido ao órgãoambiental._*__/__/*_Admitir a conclusão contrária é admitir que haverá, no curso dolicenciamento ambiental, diversas reelaborações completas dos EIA's enulidade das licenças já concedidas, uma para cada oportunidade deesclarecimentos e saneamento de deficiências, o que comprometeria, deforma definitiva, a necessária efetividade da atuação administrativa nolicenciamento ambiental_*__/__/Deve a legislação ambiental ser interpretada conforme os fins a que sedestina: compatibilizar a proteção ao meio ambiente com a execução deobras necessárias ao desenvolvimento econômico e social do País,colocando-se o poder de polícia do Estado como filtro a condicionar emesmo restringir, caso necessário, a alteração material do ambiente./

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/[...]//2. Improcedente a apelação.- /destaquei.

Não foi outra a opinião do IBAMA, na mesma informação técnica nº 67/2008(fls. 2509):

/*Inexistência do EIA/RIMA e da Nulidade das Audiências Públicas*/

/Dentro dos procedimentos estabelecidos na IN Ibama nº 184/2008, um EIApode, por não atender ao estabelecido em TR, ser readequado. Após oaceite desse Estudo, uma avaliação do conteúdo (mérito) pode concluirpela necessidade de complementações, antes de sua publicidade,disponibilização para a sociedade e realização de Audiências Públicas.Nessas, surgindo fato novo que assim justifique, novamentecomplementações podem ser requisitadas.//As audiências Públicas são instrumentos previstos em lei e, apóscomplementações (se assim houver necessidade) podem ser novamenterealizadas.//*_Nesse sentido, considera-se que os Estudos Ambientais podem e devemser complementados quando necessário, ao invés de simplesmentedesconsiderar o esforço amostral e análises (do e para o EIA) járealizados_. */(destaque nosso)

O próprio MPF, ao rebater as críticas da CNEC de fls. 3181/3244, aosnovos documentos apresentados pelo /parquet/,// às fls. 3181/3244,reconhece que o empreendedor /realizou diversos trabalhos dediagnósticos a fim de sanar os vícios e superar as deficiências doEIA/RIMA /(fls. 3381), o que corrobora a possibilidade de readequaçãodos estudos ambientais.

Dessa forma, considerando a possibilidade de complementação ereadequação dos estudos e do licenciamento, a fim de assegurar que todosos interesses prestigiados constitucionalmente sejam preservados, namedida do possível, forte no princípio da proporcionalidade, entendo nãoser o caso de declaração de nulidade dos atos vindicados pelo /parquet./

Ainda que assim não fosse, o Juízo não pode deixar de levar emconsideração, nos termos do art. 462 do CPC, a realidade fática quecerca o empreendimento da Usina Hidrelétrica de Mauá, na medida em que,como é notório, as obras estão praticamente concluídas.

Nesse sentido, /mutatis mutandis/, como destacado pelo DesembargadorFederal Fernando Quadros, relator no julgamento dos recursos interpostoscontra a sentença proferida na ACP nº 1999.70.01.007514-6, que discute anecessidade de Avaliação Ambiental Integrada para os licenciamentos deempreendimentos na Bacia do Tibagi:/[...] existe um fato incontornável que inviabiliza a determinação deprévia realização da AAI, antes da concessão da licença prévia, qualseja, *_o estágio atual das obras da usina de Mauá, especialmente porconta de diversas decisões judiciais que viabilizaram a continuidade do

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empreendimento_*__, sem a elaboração da AAI./

/Com isso, a despeito da correção da sentença apelada, não há maissentido em condicionar a expedição das demais licenças - instalação eoperação - à elaboração da AAI, *_haja vista não haver maispossibilidade de desfazer a obra já quase concluída_*__. Na verdade, aobrigatoriedade de elaboração da AAI - e sua consideração por eventualEIA - só terá efeito prático para as novas usinas a serem instaladas. -destaquei./

Dessa forma, verifica-se a irreversibilidade da situação fática quecerca o empreendimento, considerando que se trata de importante obrapública do governo federal para o desenvolvimento econômico e social daregião, na medida em que as intervenções no meio ambiente que sepretendiam evitar ou mitigar com o provimento jurisdicional são, em boaparte, fisicamente impossíveis.

Ademais, em que pesem as deficiências reconhecidas pelo Juízo, o MPF vemativamente acompanhando e fiscalizando as demais etapas dolicenciamento, bem como exigindo o cumprimento das condicionantes,expedindo recomendações e firmando termos de ajustamento de conduta comos órgãos públicos e empreendedor, a fim de sanar os vícios e corrigiros rumos do licenciamento.

Nesse sentido, vale relembrar que foi por recomendação do MPF, por meiodo Ofício CECS - 0546/2010, de 17.08.2010 (fls. 3217), que o ConsórcioCruzeiro do Sul incluiu /"as Terras Indígenas de Laranjinha, Yvyporã ePinhalzinho no processo de elaboração, discussão e implementação doProjeto Básico Ambiental da UHE Mauá. Esta decisão considerou oscritérios sociológicos e de territorialidade definidores da área deinfluência da UHE Mauá aplicados para a inclusão das Terras Indígenas deApucaraninha, Barão de Antonina e São Jerônimo"/. Assim como também foifirmado Termo de Ajustamento de Conduta, entre o MPF, o IAP, a KLABIN, oCECS, a COPEL, a ELETROSUL e o IBAMA visando a implementação de umProjeto de Remoção, Depósito Adequador e Recuperação Ambiental de Áreade Rejeitos de Carvão (fls. 3411/3414).

Nessa senda, no atual estágio das obras do empreendimento, não semostraria razoável e nem produtivo anular o licenciamento da UHE deMauá, porquanto nenhum efeito prático adviria desta anulação, no tocanteàs intervenções que se pretendia evitar ou minorar, mas que já foramrealizadas no meio ambiente. Pelo contrário, a medida seriacontraproducente, pois somente contribuiria para o atraso da necessáriageração de energia elétrica.

Nesse sentido, guardadas as peculiaridades de cada caso, confira-se:

/PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. INDÍGENA. USINAHIDRELÉTRICA. VÍCIOS NO PROCESSO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL. OMISSÃO DO

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COMPONENTE INDÍGENA. IRREVERSIBILIDADE DA SITUAÇÃO FÁTICA. OBRACONCLUÍDA. RESERVATÓRIO CHEIO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AOS ENVOLVIDOS. ÁREAESTRANHA ÀS TERRAS INDÍGENAS.//1. Resta evidenciado que ocorreu o enchimento do reservatório da UHEMonjolinho, por força da suspensão de liminar em ato da Presidência doE. Tribunal Regional Federal da Quarta Região.//2. Considerando a história do licenciamento ambiental em questão,pontuado por equívocos, que acabaram consolidados, sendo irreversível asituação de fato e considerando ainda as diversas tentativas de acordo eo TAC firmado perante o MPE, não se mostra produtivo ou prudente anularo acordo ou o que de consensual já foi construído, acordo que pode seraperfeiçoado, retificado, ratificado (inclusive com a presença do MPF),e no qual não diviso potencialidade danosa. .(TRF/4ª, AI Nº2009.04.00.025754-3/RS, Rel. Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, D.E.10.12.2009)/

Destarte, não merecem trânsito os pedidos de: (i) declaração deinexistência do EIA/RIMA da UHE Mauá; (ii) nulidade das audiênciaspúblicas; (iii) nulidade da Licença Prévia nº 9589; e (iv) nulidade doDespacho ANEEL nº 433, de 06 de abril de 2005, que anuiu com o aceiteaos Estudos de Viabilidade da UHE Mauá (pedidos do item 2.2.1, "b", "c","d" e "i" da inicial).

*II.B.1.13 DA INCAPACIDADE TÉCNICA DO IAP E DA ATIVIDADE SUPLETIVA E/OUORIGINÁRIA DO IBAMA (item XXVI da inicial)*

Em virtude da alegada incapacidade técnica do IAP, pretende a parteautora que o IBAMA assuma o licenciamento ambiental da UHE Mauá, pordecorrência de sua competência supletiva, desde sua gênese, com adiscussão e novo termo de referência a orientar os estudos ambientais aserem refeitos.

Esta questão foi decidida pelo Dr. Alexei Alves Ribeiro, por meio dadecisão de fls. 1375/1394, abaixo transcrita nos pontos que interessam,determinando-se a *atuação supletiva* do IBAMA, *a partir de suaintimação*, para que o órgão ambiental federal acompanhe o procedimentode licenciamento:

/[...]//4. Trata-se, nos presentes autos, de demanda que exige acompatibilização entre vários interesses constitucionalmente protegidos,como o desenvolvimento econômico do país, a proteção ao meio ambiente ea proteção aos povos indígenas.//Na análise dos recursos interpostos contra as liminares proferidas nopresente processo, e nos que lhe seriam conexos, entendeu-se, porexemplo, não serem suficientes as "alegações do setor técnico do

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Ministério Público Federal" (AI 2006.04.00.000086-5) para a manutençãoda liminar. Na mesma decisão, porém, afirmou-se que o "eventualacolhimento das alegações constantes na petição do Ministério Público[...] pode culminar na anulação de eventual leilão no futuro".Privilegiou-se o interesse público no sentido da oferta de energia, nãose vislumbrando prejuízo imediato ao meio-ambiente.//Na suspensão de execução de liminar 2005.04.01.056295-1 entendeu oTribunal Regional Federal da 4a Região pela competência do IAP para acondução do licenciamento da UHE de Mauá, pois o local da barragem daUHE Mauá estaria a alguns quilômetros (4,6 km em linha reta) de áreaindígena. Não se excluiu, porém, a atuação do IBAMA em caráter supletivo.//Em decisão anterior na mesma suspensão recomendou-se cautela no debate,devendo-se conciliar o desenvolvimento econômico do país e a proteção aomeio-ambiente. Afirmou-se que _"no que se refere à necessidade daelaboração de um EIA/RIMA integrado, dada a inequívoca magnitude dosimpactos socioambientais ocasionados pela construção contínua dehidrelétricas ao longo dos rios nacionais, é certo que objetivará aferiros danos a serem suportados por toda a região de influência da Bacia, enão apenas para cada Hidrelétrica isoladamente considerada, visto que,como é sabido, em termos de meio ambiente e ecologia o todo não é asimples soma das partes."_ Julgou-se que em se tratando de licençasprévias, não haveria comprometimento à elaboração de uma futuraAvaliação Ambiental Integrada. Reconheceu-se a premente necessidade deexpansão do parque energético nacional, a fim de garantir oabastecimento nacional de energia elétrica a contar de 2010. Tal decisãofoi posteriormente retificada _apenas no que tange à competência para olicenciamento da UHE de Mauá_.//No agravo de instrumento 2006.04.00.034097-4 considerou-se que acompetência do IAP para o licenciamento, firmada na suspensão2005.04.01.056295-1, deve ser observada até o trânsito em julgado dadecisão de mérito na ação principal (autos de ACP 1999.70.01.007514-6).//No agravo de instrumento 2006.04.00.030130-0, ao manter-seprovisoriamente a competência da Justiça Federal de Londrina emdetrimento da Justiça Federal de Ponta Grossa, afirmou-se que a UHE Mauáé apenas um dos sete aproveitamentos hidrelétricos de referida baciahidrográfica e que não seria possível aceitar a prolação de decisõescontraditórias sobre questões que envolvam a mesma bacia hidrográfica.Menciona-se ainda a existência de três populosas áreas indígenas, e anecessidade de instrução probatória em relação a toda a baciahidrográfica do Rio Tibagi [...].//Ressalto o interesse nacional (inclusive federal) que envolve a Baciado Rio Tibagi. Por um lado temos, conforme a própria União, o risco aoatendimento à demanda da sociedade por energia elétrica, a necessidadede garantir o desenvolvimento nacional, e que a exploração dos serviçose instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético doscursos d'água competem à União, diretamente ou mediante autorização,concessão ou permissão, em articulação com os Estados onde se situam ospotenciais hidroenergéticos (art. 21 da CF). Por outro lado, temos aproteção ao meio-ambiente, que incumbe ao Poder Público (nesse inclusosa União, os Estados e os Municípios), e a proteção às comunidades

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indígenas, que é responsabilidade da União. E, ainda quando os recursoshídricos, incluídos os potenciais energéticos, não estejam exatamente emterras indígenas (se estiverem será necessária autorização do CongressoNacional - art. 231 da CF), mas estejam próximos, é requisito dosprincípios da proporcionalidade e da razoabilidade a oitiva dascomunidades indígenas possivelmente afetadas, ou pelo menos de órgão queas possa representar. E não vejo como excluir a possibilidade deinfluência nas áreas indígenas sem estudos mais aprofundados; veja-seque a UHE Mauá, por exemplo, estaria a apenas 4,6 km de populaçãoindígena, em linha reta (segundo o MPF, há aldeia a 3 km do eixo dabarragem).//E, nos termos dos artigos 10 e 11 da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981://"/Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento deestabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais,considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes,sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de préviolicenciamento de órgão estadual competente, integrante do SistemaNacional do Meio Ambiente - SISNAMA, *e do Instituto Brasileiro do MeioAmbiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo*,sem prejuízo de outras licenças exigíveis. (Redação dada pela Lei nº7.804, de 1989)//§ 1º - Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectivaconcessão serão publicados no jornal oficial do Estado, bem como em umperiódico regional ou local de grande circulação.//§ 2º *Nos casos e prazos previstos em resolução do CONAMA, olicenciamento de que trata este artigo dependerá de homologação doIBAMA*. (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)//§ 3º O órgão estadual do meio ambiente e *o IBAMA, esta em carátersupletivo*, poderão, se necessário e sem prejuízo das penalidadespecuniárias cabíveis, determinar a redução das atividades geradoras depoluição, para manter as emissões gasosas, os efluentes líquidos e osresíduos sólidos dentro das condições e limites estipulados nolicenciamento concedido. (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)//§ 4º Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e RecursosNaturais Renováveis - IBAMA o licenciamento previsto no caput desteartigo, no caso de atividades e obras com significativo impactoambiental, de âmbito nacional ou regional. (Redação dada pela Lei nº7.804, de 1989)//Art. 11. Compete ao IBAMA propor ao CONAMA normas e padrões paraimplantação, acompanhamento e fiscalização do licenciamento previsto noartigo anterior, além das que forem oriundas do próprio CONAMA. (Redaçãodada pela Lei nº 7.804, de 1989)//§ 1º *A fiscalização e o controle da aplicação de critérios, normas epadrões de qualidade ambiental serão exercidos pelo IBAMA, em carátersupletivo* da atuação do órgão estadual e municipal competentes.(Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)//§ 2º - Inclui-se na competência da fiscalização e controle a análisede projetos de entidades, públicas ou privadas, objetivando apreservação ou a recuperação de recursos ambientais, afetados porprocessos de exploração predatórios ou poluidores.

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/O dispositivo legal traz a previsão da atuação supletiva do IBAMA. Comoa lei não pode ser modificada por ato de menor hierarquia, as normasinfralegais pertinentes devem ser utilizadas com cautela, sob pena deinterpretar-se a lei a partir do ato infralegal. Entendo que deve serdeferida, no caso, a atuação do IBAMA, nos termos dos dispositivosacima, embora não seja necessária a sua homologação para olicenciamento. Ressalte-se que o entendimento deste juiz, em sede deantecipação de tutela, está condicionado pelas decisões anteriores doTribunal Regional Federal da 4a Região.//Por outro lado, o juiz deve providenciar a produção de provasnecessárias ao deslinde da lide, podendo requerer o auxílio de órgãos eentidades publicas, sendo dever de todos colaborar com o PoderJudiciário, a fim de formar o convencimento do juízo. Tendo em vista asgraves irregularidades denunciadas pelo MPF no procedimento delicenciamento ambiental (embora com base em análise técnica unilateral),o interesse nacional e federal envolvido, bem como a necessidade desubsídios técnicos ao juízo, há que se solicitar o auxílio dos órgãos ouentidades especializados em âmbito federal, a saber, a FUNAI, no quetange aos índios, e o IBAMA, no que tange ao meio-ambiente, sem prejuízoda permanência (ainda que assente de forma provisória) da competência doIAP para o referido licenciamento. As provas devem ser produzidas deforma a que não restem inúteis pelo decorrer do tempo, até porque osdados obtidos poderão ser utilizados para eventual correção de rumo.Eventualmente, num futuro desejável, poderia se chegar a umaconciliação, ou pelo menos a uma minimização dos conflitos hoje existentes.//Extraio, das considerações acima, alguns norteamentos, que adoto _emsede provisória_://- a Bacia do Rio Tibagi deve ser considerada como um todo, inclusivepara instrução probatória e para a visualização dos riscos de dano aomeio ambiente e aos indígenas;//- o IAP deve se responsabilizar pelo licenciamento dos aproveitamentoshidrelétricos da Bacia do Rio Tibagi, sem prejuízo de possível atuaçãosupletiva do IBAMA;//- há necessidade de uma maior análise das irregularidades alegadas peloMPF, com auxílio de órgãos federais especializados em meio-ambiente(IBAMA) e na população indígena (FUNAI);//- não havendo risco atual de dano, porque ainda se está em fasepreliminar e ainda serão efetuados estudos e medidas de controleambiental, não se justifica a "paralisação dos futuros empreendimentos",em sacrifício "às necessidades emergentes do setor energético nacional"(agravo na SEL 2005.04.01.056294-0).//5. Passo a analisar os requerimentos do MPF./[...]/c) a determinação de atuação supletiva do IBAMA, devendo retomar oprocedimento de licenciamento desde sua gênese, sob pena de multa;//Quanto a esse ponto, defiro parcialmente o pedido de tutela antecipada,unicamente para que o IBAMA acompanhe, a partir de sua intimação, oprocedimento de licenciamento (art. 8o da Resolução CONAMA 237/1997),podendo sugerir procedimentos ou alterações ao IAP, não sendonecessário, porém, que o IBAMA homologue as licenças eventualmente

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concedidas pelo IAP.//O IBAMA deverá também, no âmbito de produção antecipada de prova, quedetermino desde já, apresentar parecer técnico, no prazo de 90 dias(prorrogáveis por motivo justo), sobre as irregularidades apontadas peloMPF no procedimento de licenciamento, apontando inclusive, senecessárias, as correções e alterações que devem ser efetuadas.//Considerando, a respeito de avaliação integrada da Bacia do Rio Tibagi,que o Tribunal, a meu ver (vide por exemplo AI 2006.04.00.001931-0, quepor sua vez menciona decisão do eminente Des. Federal Nylson Paim deAbreu em suspensão de execução de liminar), deixou claro que essaAvaliação Ambiental Integrada será necessária na fase posterior à dalicença prévia, para fins de avaliação do dano ambiental, determino aintimação do IAP para que informe, no prazo de 30 (trinta) dias, sobre oestágio do licenciamento, considerando que o licenciamento inclui nãoapenas a licença prévia (LP) mas também a licença de instalação (LI) e alicença de operação (LO), e se será providenciada a mencionada AvaliaçãoAmbiental Integrada./ *(fragmento da decisão de fls. 1375/1394)*

Já na decisão de fls. 1570/1574, referido magistrado assinalou (comnosso destaque):

/O juízo adotou, em sede provisória e no presente processo, algunsnorteamentos, entre os quais que "*_o IAP deve se responsabilizar pelolicenciamento dos aproveitamentos hidrelétricos da Bacia do Rio Tibagi,sem prejuízo de possível atuação supletiva do IBAMA_*__". Essenorteamento se baseou num caso específico - Usina Hidrelétrica Mauá -, etem como destinação o caso dos presentes autos, que também envolveunicamente o licenciamento da UHE Mauá, pelo que o norteamento deve servisto e interpretado unicamente com referência a tal licenciamento, e àscircunstâncias fáticas a ele pertinentes. *_Na decisão definitiva dopresente processo, e/ou em outros processos, as condições fáticas ejurídicas poderão ser reavaliadas, inclusive a localização das áreasindígenas e suas conseqüências._*__/__/O juízo determinou exatamente como se daria a atuação supletiva doIBAMA (item 5, "c" da decisão), e com que fundamento (artigos 10 e 11 daLei 6.938, tendo destacado em negrito os trechos pertinentes da lei)./

/Ressalto que a atuação supletiva do IBAMA não se limita aos casos emque inexista o órgão ambiental, mas também é possível no caso deomissões do mesmo, inclusive na "fiscalização e o controle da aplicaçãode critérios, normas e padrões de qualidade ambiental"./

/A atuação supletiva do IBAMA consistirá, nos termos da decisãoembargada, que "[...] o IBAMA acompanhe, a partir de sua intimação, oprocedimento de licenciamento (art. 8o da Resolução CONAMA 237/1997),podendo sugerir procedimentos ou alterações ao IAP, não sendonecessário, porém, que o IBAMA homologue as licenças eventualmenteconcedidas pelo IAP." **/*(fragmento da decisão de fls. 1570/1574).*

A decisão de fls. 1375/1394 referiu que, no Agravo de Instrumento nº

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2006.04.00.034097-4, ficou determinada que a competência do IAP para olicenciamento, firmada na suspensão 2005.04.01.056295-1, deve serobservada até o trânsito em julgado da decisão de mérito na açãoprincipal (autos de ACP 1999.70.01.007514-6).

Referida determinação foi confirmada pelo TRF da 4ª Região, no AI2007.04.00.014685-2/PR, interposto pela CNEC (fls. 1761/1764 e fls.2439/2451), e no AI 2007.04.00.016481-7/PR, interposto pelo MPF (fls.1840/1852 e fls. 2466/2500), contra as decisões de fls. 1375/1394 e fls.1570/1574.

As irregularidades reconhecidas no EIA-RIMA, conforme fundamentado emitens anteriores, e que, conforme afirmado reiteradas vezes pelo IBAMA,são passíveis de correção pelo IAP, corroboram a correção dadeterminação judicial para a atuação supletiva do órgão ambientalfederal. A atuação supletiva do IBAMA, por força das decisões acimareferidas, deve perdurar até o trânsito em julgado da decisão de méritoda ACP 1999.70.01.007514-6.

Nada obstante, ao término da instrução, como sinalizado pelo Juízo nadecisão de fls. 1570/1574, as condições fáticas e jurídicas foramreavaliadas no tocante às áreas indígenas e suas consequências.

Restou demonstrado, à saciedade, conforme fundamentado nos *itensII.B.1.5 e II.B.1.6 *dessa sentença, a ocorrência de impactos diretos emoito terras indígenas, bem como a existência fática de umaterritorialidade indígena, nos termos dos artigos 13 e 14 da Convençãonº 169 da OIT, decorrente de uma unidade sociológica na Bacia do Tibagientre as comunidades indígenas, o que atrai, no entendimento desteJuízo, a competência originária do IBAMA para o licenciamento (art. 4º,I da Resolução CONAMA 237/97), como bem observou a parte autora às fls.2061.

Por outro lado, ainda que se entenda que o empreendimento da UHE Mauáencontra-se fora das terras indígenas e que a comunidade indígenaMococa, mais próxima da barragem (3 ou 4 km à jusante), situa-se na Áreade Influência Indireta do empreendimento, considerando as peculiaridadesdo caso e as relevâncias desses impactos, acima referidas, deve haver odeslocamento da competência para o órgão ambiental federal.

Nesse sentido, é o escólio de Luiz Fernando Villares (*Direito e PovosIndígenas*. Curitiba: Juruá, 2009, p. 226): /Atualmente, os casos maisdelicados, por ainda contarem com certa indefinição e derivados da faltade uma lei que expressamente os regule, são os empreendimentos eatividades potencialmente impactantes às comunidades indígenas e suasterras localizados fora das terras indígenas. Como regra geral, definidapela Lei 6.938/81, o processo de licenciamento deve correr no órgãoambiental estadual competente, integrante do Sisnama (art.10).*_Contudo, deslocada fica essa competência para o órgão federalcompetente, atualmente o Ibama, quando as atividades e seus impactos

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tiverem determinadas características_*__ /(destaquei).

Dessa forma, é de se manter a competência supletiva**do IBAMA, nosmoldes das decisões de fls. 1375/1394 e fls. 1570/1574, até o trânsitoem julgado da decisão da ACP 1999.70.01.007514-6. A partir daí, o IBAMAdeve assumir a condução do licenciamento, sem a necessidade derefazimento de atos, sobretudo porque o licenciamento ambiental não seesgota com a Licença de Operação (art. 18 da Resolução CONAMA 237/97).

Procede, assim, o pedido veiculado no item 2.2.1, "f" da inicial, paraque o IBAMA assuma o licenciamento ambiental da UHE Mauá, após otrânsito em julgado da decisão de mérito da ACP 1999.70.01.007514-6.

*II.B.1.14 DA ALEGADA MÁ-FÉ DO EMPREENDEDOR E DOS RESPONSÁVEIS TÉCNICOSRONALDO LUIS CRUSCO E MARCO ANTONIO VILLARINHO GOMES, DO CANCELAMENTODOS REGISTROS NA ANEEL E DA CONIVÊNCIA DO IAP (itens III, IX, X, XXVII,XXVIII e XXIX da petição inicial)*

De acordo com o MPF, a CNEC Engenharia S/A, não obstante tenha secomprometido a utilizar-se dos dados primários produzidos pela empresaIGPLAN, adulterou e omitiu dados constantes nos estudos desta última, oque fez com que as conclusões do EIA/RIMA, protocolado perante o IAP,diferissem dos levantamentos já realizados. Afirma que vários trabalhosforam depositados em cartório e que, segundo seus autores, tiveram suasconclusões adulteradas ou suprimidas do texto final do EIA/RIMA.Menciona que foi totalmente suprimido o estudo antropológico acerca dosimpactos sobre populações indígenas; que foram alteradas as conclusõessobre os impactos na ictiofauna; que foram omitidas as referências àpossibilidade de extinção de espécies animais e vegetais; dentre outrasintervenções e alterações no conteúdo do trabalho, constatadas no cursode procedimento administrativo que tramitou junto ao MPF. Afirma que, aocontratar a IGPLAN, o empreendedor já tinha definido qual seria a áreade influência do empreendimento, tendo-o feito à revelia dos possíveisimpactos, já que ainda não os conhecia.

Já a CNEC afirma que existe uma relação entre a empresa IGPLAN, queiniciou a elaboração do EIA-RIMA, e a ONG Liga Ambiental, notóriaopositora do empreendimento, não havendo isenção nos depoimentos, quedão sustento à exordial, dos Srs. Euclides Grando, Gislaine Cova Grando,Marcos Bornschein, Alexandre Uhlmann e Francisco Lothar Lange em face dohistórico de conflitos entre a empresa que representam e a CNEC. Aduzque não houve interferência da CNEC no documento produzido pela Sra.Maria Fernanda Maranhão, que seria apenas um diagnóstico das questõesrelacionadas somente às comunidades indígenas de Mococa e Queimadas.Sustenta que tal documento foi entregue ao IAP, antes das audiênciaspúblicas, sem nenhuma solicitação de revisão por parte da CNEC e que

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também não impediu a consultora Maria Fernanda Maranhão de comparecer àsreferidas audiências. Observa que o texto final foi elaborado portécnicos da CNEC e que jamais omitiu impactos a comunidades indígenas noEIA-RIMA, asseverando que os impactos aludidos como omitidos pelo autordecorrem de uma divergência entre os conceitos de área de influênciautilizados pelo MPF daqueles usados pela CNEC.

Destarte, impende analisar se as divergências entre as partes decorremde uma deliberada intenção da empreendedora e de seus responsáveistécnicos, Ronaldo Luis Crusco e Marco Antonio Villarinho Gomes, deomitir e diminuir impactos a fim de facilitar o licenciamento ambientalou decorrem de discrepâncias nos critérios de interpretação dos fatos edas normas de regência.

Para tanto, como antecipado no item *II.B.1.3*, mister voltarmos àanálise da relação contratual entre CNEC e IGPLAN. No contratoentabulado entre as partes, havia a previsão, em sua cláusula 6.6 -denominada "Da propriedade patrimonial" - de "que os trabalhos prestadose os documentos fornecidos pelas Contratadas à Contratante, em funçãodeste contrato, pertencem à Contratante, podendo utilizá-los como lheaprouver, inclusive para subsidiar atividades de consultoria deterceiros que venha a contratar" (doc. 7 da CNEC). A mesma disposiçãofoi prevista nas "Notas de Reunião", item 7 (doc. 15 da CNEC).

No entanto, imperioso observar que as questões postas em mesa nãoenvolvem relações meramente comerciais e/ou de propriedade intelectual,haja vista todas as implicações sócio-ambientais que circundam o negóciojurídico entabulado pela CNEC e IGPLAN e que, portanto, recebem osinfluxos de vários outros ramos do direito - constitucional, civil,penal, ambiental, administrativo etc.

Como se sabe, o Estudo de Impacto Ambiental, requisito obrigatório nolicenciamento ambiental para empreendimentos e atividades causadoras designificativa degradação ambiental (art. 225, §1º, IV, da CF; art. 3ºResolução CONAMA 237/97), é um dos instrumentos da Política Nacional doMeio Ambiente (art. 9º, III da L. 6.938/81) e tem por objetivo arealização de análise técnica e científica das consequências daimplantação de determinado empreendimento para o meio ambiente, mediantea declaração de um juízo de valor favorável ou não ao projeto.

A Resolução CONAMA nº 01/86 exigia que o estudo de impacto ambientalfosse "realizado por equipe multidisciplinar habilitada, não dependentedireta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsáveltecnicamente pelos resultados apresentados".

Atualmente, de acordo com o art.11, cabeça, da Resolução CONAMA nº237/97, "os estudos necessários ao processo de licenciamento deverão serrealizados por profissionais legalmente habilitados, às expensas doempreendedor", não se exigindo mais, o que é objeto de críticas peladoutrina, que a equipe técnica seja independente do proponente do

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projeto. Já o parágrafo único desse artigo 11 afirma que "o empreendedore os profissionais que subscrevem os estudos previstos no caput desteartigo serão responsáveis pelas informações apresentadas, sujeitando-seàs sanções administrativas, civis e penais".

Assiste razão à CNEC quando afirma que o trabalho dos profissionaiscontratados pela IGPLAN não se confunde com o EIA-RIMA (it. 335 - fls.1150), porque este é um documento público e, portanto, depende daintervenção inicial do órgão ambiental licenciador.

O depoimento do proprietário da empresa IGPLAN, FRANCISCO LOTHAR PAULOLANGE JUNIOR, corrobora essa assertiva (fls. 2831, vº/2832):

/*Procuradora da CNEC:* Então, pela CNEC, até pela questão apontada peladoutora, com relação à fraude, né. O senhor disse que o produto finaldos estudos elaborados pela equipe, porque a equipe ela foi registradoem cartório, né?//TESTEMUNHA: Sim.//*Procuradora da CNEC:* Esse produto final, ele pode ser considerado oEIA/RIMA?//TESTEMUNHA: Não, não, não ainda, não.//Procuradora da CNEC: Não?//TESTEMUNHA: Não porque havia ainda ausência de algumas informaçõesimportantes, alguns aspectos da conclusão, os mapas não estavamatualizados frente ao novo eixo projetado, né, porque houve uma mudançade local de projeto, né, e então, os mapas que foram finalizados, nemtodos ainda tinham a correta projeção, no caso, da barragem, no seudesenho final. E mudando a barragem, você tinha uma alteração bastantesignificativa em termos de cobertura florestal, geologia, geomorfologia,e aspectos desse tipo, né.//*Procuradora da CNEC*: Ok. Como produto contratual, esse produto, elefoi registrado em algum órgão, foi protocolado em algum órgão públicoque tivesse analisado a questão ambientalmente, esses estudos foramprotocolados oficialmente em algum local?//*TESTEMUNHA:* Não, não. Eles garantiram toda uma cláusula de sigilo queexistia entre a CNEC e a IGPlan.//*Procuradora da CNEC*: Certo. Houve em algum... em algum momento, houvecompromisso da CNEC, de se utilizar desse produto que foi por elarecebido na sua integralidade, como foi entregue? Uma vez que era depropriedade dela?//TESTEMUNHA: _Não_./

Nesse sentido, também, é o escólio de Paulo Affonso Lemme Machado:/O Estudo de Impacto Ambiental é um procedimento público. Dessa formanão é possível entender-se como tal um estudo privado efetuado por umaequipe multidisciplinar sob encomenda do proponente do projeto, uma vezque é imprescindível a intervenção inicial do órgão público ambientaldesde o início do procedimento (arts. 5º, parágrafo único, 6º, parágrafoúnico, e 11, parágrafo único, todos da Resolução 1/86-CONAMA, eResolução 6/86-CONAMA, modelos 1 e 2) /(*Direito Ambiental Brasileiro*.

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11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 209).

No entanto, há de ser ressalvada a afirmação da empreendedora CNEC deque era faculdade contratual a utilização ou não no EIA-RIMA dostrabalhos elaborados pelos profissionais da IGPLAN (it. 337 - /fls./1150). Com efeito, as disposições do contrato firmado pela CNEC eIGPLAN, quanto à propriedade de dados e a possibilidade de suautilização ou não, devem ser interpretadas à luz dos limites da funçãosocial do contrato e dos princípios da probidade e boa-fé (artigos 421 e422 do CC).

A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil,constitui cláusula geral, que impõe, dadas as circunstâncias do casoconcreto, a relativização do antes considerado absoluto princípio do/pacta sunt servanda/, o que não elimina o princípio da autonomiacontratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quandopresentes interesses metaindividuais, como no caso do meio ambiente, ouinteresse individual relativo à dignidade da pessoa humana.

No mesmo sentido manifestam-se Nelson Nery Junior e Rosa Maria AndradeNery, o que fazem nos seguintes termos:

/"A cláusula geral da função social do contrato é decorrência lógica doprincípio constitucional dos valores da solidariedade e da construção deuma sociedade mais justa (CF, art. 3º, I). A doutrina a vê, também, comodecorrente ora da função social da propriedade (...), ora do fundamentoda república do valor social da livre iniciativa (CF, art. 1º, IV). Asvárias vertentes constitucionais estão interligadas, de modo que não sepode conceber o contrato apenas do ponto de vista econômico,olvidando-se de sua função social. A cláusula geral da função social docontrato tem magnitude constitucional e não apenas civilística" (CódigoCivil Comentado. 4ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 411)./

Mais adiante, os mesmos autores explicitam um pouco mais o próprioconteúdo da função social do contrato:

/"O contrato estará conformado à sua função social quando as partes sepautarem pelos valores da solidariedade (CF, art. 3º, I) e da justiçasocial (CF, art. 170, caput), da livre iniciativa, for respeitada adignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), não se ferirem valoresambientais(CDC, art. 51. XIV) etc. Haverá desatendimento da funçãoquando: a) a prestação de umas das partes for exagerada oudesproporcional, extrapolando a álea normal do contrato; b) quandohouver vantagem exagerada para uma das partes; c) quando quebrar-se abase objetiva ou subjetiva do contrato etc. A boa-fé objetiva, cláusulageral prevista no Código Civil, art. 422, decorre da função social docontrato, de modo que tudo o que disser sobre a boa-fé objetiva poderáser considerado como integrante, também, da cláusula geral da funçãosocial do contrato" (Idem. ibidem, p. 411)/

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Assim, em princípio, o empreendedor não pode, *sem dar qualquerjustificativa*, com relação a dados preliminares coletados, sob suaencomenda, pela equipe multidisciplinar e que sejam efetivamenteverdadeiros, suprimi-los ou alterá-los, mitigando ou escondendopossíveis impactos ambientais, com o objetivo de facilitar olicenciamento, sob pena dos responsáveis por essas condutas incorreremem tipos penais, previstos nos artigos 66 e 68 da Lei 9605/98.

Nesse sentido, leciona Paulo Affonso Lemme Machado:

/[...]//O estudo será, portanto, realizado por um conglomerado deespecialistas. Tratando-se o estudo de documento acessível ao público,evidentemente deve ele primar pela veracidade. A obrigação de estar deacordo com a verdade faz parte do "princípio da moralidade", um dosprincípios fundamentais da estrutura administrativa (art. 37, caput, daCF).//*As opiniões apresentadas pelos especialistas ou "técnicos habilitados"devem constar integralmente no EPIA, e isso representa "obrigação derelevante interesse ambiental", conforme art. 68 da Lei 9.605/98.Ninguém tem o direito de censurar as opiniões, propostas ouconsiderações apresentadas no estudo. A sonegação, ocultação ouinutilização do seu conteúdo pelo empreendedor, ou por qualquer outrapessoa, é causa de nulidade do estudo, que deverá ser refeito. Essescomportamentos tipificam o crime do art. 68 da Lei 9.605/98*:[...] /(OP.Cit., p. 231) - destaquei.

Por outro lado, como sustenta Antonio Inagê de Assis de Oliveira:

/*A responsabilidade técnica referida na Resolução CONAMA 237/97 nãoabrange os pareceres, as opiniões, ainda que discutíveis tecnicamente,mas apenas os erros derivados de imperícia, negligência ou imprudência,ou o dolo de introduzir dados ou informações incorretas para justificarconclusões distorcidas.* O fato de a Resolução 237/97 haver imputadotambém ao empreendedor a co-responsabilidade pelos estudos reforça oponto de vista de que a punição visa a coibir sejam introduzidos nosestudos de impacto ambiental dados inexatos ou manipulados com aintenção de facilitar o licenciamento do empreendimento. /(apudCAVALCANTI, Renata Neme. A efetividade dos instrumentos jurídicos para aproteção ambiental: o caso do licenciamento. *Revista Brasileira deDireito Ambiental*, ano 7, vol. 25, jan/mar. 2011) - destaquei.

Dessa forma, a meu ver, o empreendedor pode, *discordando e refutandotecnicamente os dados coletados pela equipe contratada*, deixar deutilizá-los no EIA-RIMA, pois, sendo o responsável pelo conteúdo doestudo ambiental, ele deve primar pela qualidade técnica,resguardando-se contra dados equivocados ou divorciados da realidadefática que cerca o empreendimento, bem como tendenciosos à nãorealização do projeto.

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O próprio MPF afirma isso em suas alegações finais: /"... a empresaconsultora, CNEC, não poderia simplesmente, ao seu alvedrio, descartar,maquiar e/ou minimizar os efeitos negativos apontados pelosprofissionais da IGPLAN, sem ao menos refutar o posicionamento com oqual não concordava, por meio de estudo realizado por outro profissionalhabilitado para tanto/" (fls. 2890).

Ora, no caso dos autos, verifica-se que a empreendedora refutoutecnicamente os trabalhos da IGPLAN. Após analisar os produtos entreguespela IGPLAN, a CNEC, em 21.10.2004, dirigiu um ofício à IGPLAN apontandoerronias e omissões constantes do EIA-RIMA, tendo afirmado nessedocumento que "/o material não possui condições de ser apresentado aoórgão ambiental...tendo em vista estar incompleto e conter umaquantidade excessiva de não conformidades que afetam, de modo negativo,a sua qualidade/ ". Em 03 anexos a CNEC teceu comentários ao materialtécnico produzido pela IGPLAN, informando as razões do seu nãoaproveitamento (doc. 17 da CNEC), tendo ela própria complementado osestudos, por meio de seus técnicos.

Noutra quadra, os demais elementos de provas coligidos neste cadernoprocessual não permitem, com a segurança exigida pelas circunstâncias docaso, divisar onde se encerram as divergências de opiniões técnicas eonde se inicia uma atuação dolosa.

Vale lembrar, consoante consignado nos itens *II.B.1.2 *e *II.B.1.3*,que tanto os depoimentos prestados ao MPF pelos funcionários da IGPLAN,como os documentos registrados por eles em cartório, devem ser tomadoscom certas reservas, haja vista a simultânea participação dessas pessoasna ONG Liga Ambiental, bem como a deterioração da relação comercialentre a CNEC e a IGPLAN, o que pode ter conduzido os técnicos dessaúltima a exagerarem "na tinta" para prejudicar a CNEC.Analisando o laudo de exame documentoscópico, realizado nos autos daação ordinária de reparação por danos morais, autos nº 1175/2005,ajuizada pela CNEC Engenharia em face de Euclides Selvino Grando Jr(autor da ação popular nº 2008.70.01.001967-5) e outros, em trâmiteperante a 8ª Vara Cível da Comarca de Curitiba, cópia às fls. 2999/3027,verifico que o perito apresentou as seguintes respostas aosquestionamentos das partes:

/Quesitos de fls. 912/914/

/1. [...]/

/2- Os textos cuja autoria os réus/reconvintes assumem (o registro emtabelionato de notas) estão transcritos na sua totalidade no EIA/RIMA deMauá?//Resposta: Não/

/3- Em caso negativo, quais os trechos dos textos cuja autoria osréus/reconvintes assumem não constam no EIA/RIMA da UHE Mauá?/

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/*_Respostas_*__: Vários são os textos semelhantes constantes noprotocolo 9331600 e no EIA, senão vejamos alguns://Fls. 298 dos autos "Cupânia vernalis e Peschiera australis, dandosuporte aos os argumentos que sustentam a idéia de heterogeneidadeambiental da região" Nakajima et al. (1996) descreveram a estrutura deum trecho de floresta ao longo do rio Tibagi, mais especificamente nafazenda Monte Alegre. Os seus resultados apontaram para uma granderiqueza florística influenciada principalmente pela diversidade deformas de vegetação amostrada. As espécies mais importantes dolevantamento foram Actinostemon concolor, ingá marginata, nectandramegapotamica, Urera bacífera, camponesia, xanthocarpa, Cabralea Canjerana"//O mesmo texto consta no EIA/RIMA/ apresentado pela CNEC, junto ao IAP,fls. 266/267.//4. Todos os 16 impáctos ambientais à fauna aquática (peixes) descritospelos réus/reconvintes nos textos registrado em cartório aparecem noEIA/RIMA de Mauá?//Respostas: Não/

/5- Os seguintes impactos ambientais à fauna aquática aparecem nostextos registrados em cartório? E no EIA/RIMA?//a - Redução de espécies herbívoras pela retirada de vegetação na área aser inundada///b -Expoxição do solo na área do canteiro de obras;//c- Stress por detonação nas áreas de empréstimo e na região do desvio;//d- Pesca clandestina por funcionário engajados no empreendimento;//e- Obstrução do fluxo de peixes pela instalação do rio e instalação deensecadeiras;//f- Instabilidade e Ambientes aquáticos pela oscilação do nível do rioabaixo da barragem;//g- Oscilações dos parâmetros físico-químicos da água;//h- Confinamento de peixes nas turbinas durante as operações de manutenção;//i- Obstrução da migração de peixes ao longo do Rio Tibagi;//j- Submersão de ambientes de corredeira a montante da barragem;//k- Aumento da pressão, estratificação térmica e escassez de luz nofundo do reservatório;//l- Decomposição da matéria orgânica submergida pelo enchimento doreservatório;//m- Oscilação do nível do reservatório com instabilização de comunidadeslitorâneas;//n- Desorientação de cardumes e capturas em massa por pescadores"oportunistas"//o- Modificação da relação entre áreas aquáticas e de vegetação///p- Competição por áreas não atingidas do reservatório./

/*_Resposta_*__: Da maneira com que se apresenta a relação acimaelencada dos ites "a" à "p", a mesma não se faz presente no EIA/RIMA. Noentanto, no Eia-RIMA teoricamente os itens se encontram abordados edistribuídos em tópicos inseridos no capítulo 8.2 (impactos do meiofísico) e 8.3 (impactos sobre o meio biótico)/

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/6- No texto registrado em tabelionato de notas (doc. 09) apresenta umalista de espécies de peixes ocorrentes na região e na bacia do Tibagi eseu status de conservação?//*_Resposta_*__: Sim, tal como se vê nos documentos encartados nas fls.565/578 dos autos/

/7 - O EIA?RIMA de Mauá apresenta essa lista na íntegra ou foi modificada?//*_Resposta_*__: A lista do EIA junto ao IAP, está encartada nas fls.292 à 303 e 528 à 538 e a lista registrada em cartório, apresentadapelos requeridos, acha-se em correspondência com às fls. 573 a 577 dosautos. A lista constante nos documentos protocolados junto ao 2ªCartório de Registro de Títulos e Documentos, não se apresenta naíntegra daquela constante do EIA protocolado no IAP. Aquela que compõe oEIA é muito mais detalhada e apresenta muitas outras espécies de peixes,não relacionadas naquelas dos autos, registrada no Cartório do 2ºRegistro de Títulos e Documentos./

/8- As modificações descritas abaixo podem ser constatadas comparando-seo texto registrado em cartório e aquele do EIA/RIMA de Mauá?//Uma espécie foi acrescentada no quadro 7.2.8 do EIA/RIMA, a qual nãoconsta dos estudos originais (doc. 09) A espécie de peixe adicional é aHypostomuss myersi, um tipo de cascudo endêmico do rio Iguaçu//O quadro 7.2.8. do EIA/RIMA mistura espécies de três famílias distintas.//O mesmo quadro indica ainda a coleta da corvina Plagioscionsquamosissimus, e afluentes do médio Tibagi, registro absolutamenteinusitado e duvidos, uma vez que a espécie é conhecida por restringir-seà área represa pelo reservatório de Capivara, no baixo Tibagi//*_Resposta_*__: No Eia/RIMA não existe o item 7.2.8/

/9. No EIA/RIMA constam as listas de espécies ameaçadas e migradoras eas ponderações sobre a probabilidade de extinção que constam nosrelatórios registrados em cartório?//*_Resposta_*__: No EIA/RIMA constam as listas de espécies ameaçadas deextinção (fls. 532 a 538), espécies migradoras (fls. 532)/

/10 - As medidas mitigatórias sugeridas nos relatórios registrados emcartório e mencionadas abaixo constam do EIA/RIMA?//a Instalação de sistemas de tranposição de peixes (dada a importânciadessa questão o estudo original desenvolveu seis páginas de ponderações)//b. Conservação do Tibagi a montante do reservatório;//c.Proibição e fiscalização da pesca;//Resgates de peixes durante o enchimento do reservatório ( a serrealizado na área a jusante);//Retirada na área de inundação;//Resgate de peixes confinados durante o enchiomento do reservatório (aser realizado na área a jusante);//Estabilização dos níveis do reservatório e rio;//Resgate de peixes nas turbinas;//O Programa de monitoramento de Populações Ictícias ( que no estudooriginal conta com objteviso, área de abrangência, atividades previstas,

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prazo de implementação, período de execução e resultados esperados)//*_Resposta_*__: Não. Especificamente da maneira como se apresenta acimaem intens específicos a EIA/RIMA, não o faz; No entanto, a maioriadessas medidas constam no EIA, distribuídas nos programas ambientaiscontidos no capítulo 09, fls. 751 à 778. Sendo que, inclusive o item "h"é praticamente inviável do ponto de vista técnico/

/11) Na página 532 do EIA/RIMA, no item "Espécies ameaçadas deExtinção", há a cópia inadvertida do trecho contido no microfilme(930385) que preservou uma indicação de fotografia que não existenaquele documento "6.2.X"? O mesmo ocorre na página 527 do EIA/RIMA,onde o estudo depositado no IAP indica um mapa "anexo X" também inexisteno documento?//*_Resposta_:* Sim, no documento de fls. 532 do EIA/RIMA, no item"Espécies ameaçadas de Extinção", realmente existe a indicação "6.2.X",e não existe a fotografia acerca do assunto. Essa indicação estáinsculpida no documento de fls. 573 dos autos (registrado no 2º Cartóriode Registro de Títulos e Documentos) e refere-se a uma fotografia.//No documento de fls. 527 do EIA/RIMA, no texto do 2º Parágrafo existe aseguinte menção "Os três trechos investigados durante as campanhasencontram-se destacados no mapa (anexo X), também esse mapa inexiste noreferido documento"//[...]//Quesitos de fls 922/923//1.[...]//2.[...]//3.O texto de autoria do réu/reconvinte produzido para o EIA/RIMA doprojeto da UHE Mauá e registrado em tabelionato de notas está transcritona sua totalidade no EIA/RIMA do projeto da UHE Mauá protocolado no IAP?//Resposta: Não//4.[...]//5. O texto sob o tópico "6.2.2.3" Ornitofauna do EIA/RIMA do projeto daUHE Mauá - protocolado no IAP (pg. 314 em diante) é o texto de autoriado réu/reconvinte registrado em Tabelionato de Notas?//*_Resposta: _*__O tópico sobre Ornitofauna está insculpido no item6.2.2.3 do RIA/RIMA, fls. 314. O tópico sobre Ornitofauna estáinsculpido no item 7.2.2.4 (fls. 345 dos autos) texto de autoria doréu/reconvinte registrado em tabeliontado de notas do 2º Cartório deRegistro de Títulos e Documentos de Curitiba. Os textos não são idênticos.//*_6._*__ Caso a resposta do quesito "5" seja negativa, existem mençõesno texto sob o tópico "6.2.2.3 Ornitofauna" do EIA/RIMA do projeto daUHE Mauá protocolado no IAP (pg. 314 em diante), que façam alusãoexplícita ou inferida ao texto de autoria do réu/reconvinte, registradono tabelionato de notas?//*_Resposta:_*__ Sim. Na fls. 314 tópico "6.2.2.3 Ornitofauna", doEIA/RIMA do projeto da UHE Mauá protocolado no IAP, vê-se num dosparágrafos o seguinte texto "A avifauna da bacia do rio Tibagi, é bemconhecida quando comparada com outra regiões do Brasil e da América doSul. A região tem sido objeto de estudo desde longa data (STRUBE, 1993)e recentemente vários trabalhos ornitológicos têm sido produzidos na

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região (e.g. RODRIGUES et al. 1981; SCHERER-NETO, ANJOS e GRAF 1993;BORNSCCHEIN, REINERT e BÓÇON, 1996)//[...]/

Ao palmilhar essas informações, depreende-se que, em alguns casos, ostextos dos documentos protocolados em cartório pelos técnicos da IGPLANnão são semelhantes ao do EIA-RIMA (*quesitos de fls. 912/914 - nº2, 4 e8; quesitos de fls 922/923 - nºs 3 e 5*), em outros são semelhantes(*quesitos de fls. 912/914 - nº3, 6 e 9*), em alguns casos asinformações encontram-se abordadas e distribuídas em outros tópicosinseridos no EIA (*quesitos de fls. 912/914 - nº5 e 10; quesitos de fls922/923 - nº 6 *) e, ainda, houve caso em que no EIA-RIMA as informaçõesestavam mais completas do que o documento registrado em cartório(*quesitos de fls. 912/914 - nº7).*

Por sua vez, FRANCISCO LOTHAR PAULO LANGE JUNIOR, proprietário daempresa IGPLAN (fls. 2822/2834) afirmou em juízo (com nosso destaque):

/*JUIZ*: Tá. E basicamente, o que que o senhor afirmou no MinistérioPúblico?//*TESTEMUNHA*: *_Olha, é mais ou menos o que eu to colocando aqui, né,de forma genérica, ele me perguntou com relação a questões da...justamente da... dos dados dos trabalhos que foram efetivados, porqueque houve... não aceitou-se uma parte, aceitaram-se outras, a questão dagestão dos meu... da minha equipe, como minha equipe entendia asquestões, alguns profissionais entendiam que seus trabalhos não poderiamser modificados em nada, que na verdade já tinha sido... na verdade,criado uma situação de certo conflito entre alguns profissionais, né, aprópria IGPlan e a própria CNEC, e isso tirou muito da boa vontade deajustes que poderiam ser feitos, à época, né._*__/__/*JUIZ:* Existiu uma pessoa, aqui só tem o... o apelido, imagino, é Kiki?//TESTEMUNHA: Sim.//*JUIZ*: Quem foi a pessoa?//*TESTEMUNHA:* A Kiki foi a... digamos, não lembro a...//*JUIZ*: Sabe o nome dela ou não?//*TESTEMUNHA*: Eu... eu... olha, eu não me lembro.//*JUIZ*: Tá.//*TESTEMUNHA*: Eu sei, eu sabia, mas não me lembro. A Kiki foi uma,digamos, uma espécie de coordenadora auxiliar, que eu... não sei se esseé o cargo exatamente, que a CNEC dispôs a IGPlan à época, para auxiliarna construção dos trabalhos. No fechamento dos trabalhos. Então, frentea certas dificuldades, justamente com prazo e também com relação àqualidade de certos temas, a Kiki veio fazer essa supervisão, né. Econversando com cada um dos profissionais, no sentido de que algumasquestões fossem sanadas, né, de forma genérica.//*JUIZ*: Só que o senhor fala assim: "em termos de prazo e qualidade".//TESTEMUNHA: Isto.//*JUIZ*: Mas eu queria que o senhor fosse mais específico assim, équalidade ou condução no sentido de resultado? É isso que eu...//*TESTEMUNHA*: É, condução no sentido dos resultados também, obviamente

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havia ....//*JUIZ*: Havia pressão pra que o... o EIA/RIMA favorecesse a empresa ounão?//TESTEMUNHA: *_Eu não creio que houvesse uma... uma... uma pressão praque o EIA/RIMA favorecesse diretamente a empresa. Mas haviamentendimentos de que certas colocações ou certos fatos ou certosentendimentos, de certa forma de incompreender a questão ambientalfossem vistos de outra forma, né. Como é uma questão muito subjetiva,muitas vezes você pode induzir ou não, o entendimento técnico de certosfatores que ocorrem na natureza, de forma... que isso venha causar maisou menos impacto. Então, que houve muito uma discussão bastante quanto asemântica, a forma de apresentar esses dados, de forma que, nãonecessariamente isso diminuísse a dimensão do impacto, mas que fossevista de uma forma mais completa._*__/__/*Procuradora do CNEC:* Excelência, só pra complementar pra não perder ofio, o senhor me autorizaria?//*JUIZ*: Muito não, doutora, mas sim.//*Procuradora do CNEC:* É pelo CNEC. Só pra complementar a pergunta.Então, o senhor... o senhor pode afirmar que esse desajuste entre aequipe e o pessoal da CNEC, tenha se dado num âmbito eminentementetécnico? Divergências técnicas entre um trabalho, entre um entendimento,se o senhor pode afirmar isso ou não?//*TESTEMUNHA*: Sim, veja bem, com certeza, grande parte dosdesentendimentos e dos debates foram em função da... da... do aspectotécnico, mas muitos também foram em função da visão, da compree... dadireção com que cada um, como um técnico, um biólogo, por exemplo,entendiam um evento, e como um, por exemplo, um arquiteto ou alguém quetenha uma responsabilidade institucional ouvia, perante o impacto quepoderia causar frente a um processo de licenciamento. Entende?_*Essasóticas diferentes, esses entendimentos diferentes que tem um cunho,acabam tendo um cunho ideológico, foram um dos... foram também, foramtambém não somente, né, mas foram alguns dos elementos tratados nessasdiscussões*. _/__(fls.2824/2825)./[...]//*JUIZ*: Pela leitura da inicial, eu selecionei vários trechos aqui emque há transcrição do seu depoimento no Ministério Público.//TESTEMUNHA: Sim.//*JUIZ*: A impressão que me fica, é que no... a origem dessesdesentendimentos da Kiki com a equipe da IGPlan, não eram só em relaçãoa sua... digamos assim, falta de habilidade no tratamento com a equipe,não, era por interferência, pela leitura que... pode ser que oMinistério Público, no momento de elaborar a inicial, destacouexatamente aqueles pontos em que isso está muito ressaltado, e poderiadar a impressão de que todo o seu depoimento foi conduzido nessesentido. Mas pelo que está na inicial, eu não tenho a transcrição do seudepoimento no Ministério Público, só pela inicial, a origem dessesdesentendimentos é pela interferência dela no resultado, porque emvários momentos se fala na alteração de conteúdo. É prazo e conteúdo.Então, é isso que eu volto a questionar o senhor pra saber se... atéporque o seu depoimento existe no processo, não está aqui na carta

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precatória, mas existe no processo, se o senhor confirma então que nãohavia nenhuma interferência dela ou tentativa de interferência dela, namudança do rumo, em termos de conclusão, do trabalho feito pela IGPlan?//TESTEMUNHA: *_Sim, quando se fala em mudança e intervenção, mudança deconteúdo de certas áreas ou certos textos ou status, com certeza, né,havia... aí que eu coloquei a percepção ideológica diferenciada, né, dogrupo, da pessoa ou dos técnicos que se escreveram determinada matéria,e do entendimento dela. Então, por exemplo, um parágrafo... oentendimento dela: esse parágrafo não deve ser escrito dessa forma, ouesse resultado não deve constar dessa forma._*__/__/*JUIZ:* Mas ela dizia por quê?//TESTEMUNHA: *_Ela dava o entendimento e dizia, dizia porquê. Porquestões às vezes de compreensão. Isso pode dar a levar que, a pessoaque esteja lendo pense isso ou pense aquilo, e o técnico respondia: "masé justamente isso que eu quero que o leitor entenda". Então é realmenteaí que cria... criava-se um embate, uma possível situação, sem contorno,sem a possibilidade de contornar._*__/__/*JUIZ*: E essa orientação que ela dava pra eventual modificação notexto, era para favorecer a empresa ou não tinha esse interesse?//TESTEMUNHA: *_Eu di... eu diria que, nos momentos, né, que essasquestões eram levantadas, eu não diria que era para favorecer a empresa,eu não sei o interesse da empresa, mas eu diria que talvez, em algumassituações, pudesse amenizar determinados impactos, ou determinadasinformações, né. Quando a nossa orientação era justamente no sentidocontrário, esse documento é justamente pra externar muito claramente,todos os processos que acontecem, de forma a que... a que venham a..._*__/__/*JUIZ*: Quem faz a avaliação ter um... uma compreensão total, né?//*TESTEMUNHA*: É, porque quem assina, né, ele tem a responsabilidadedaquilo que ele escreveu, né. Então, se você modifica aquilo que apessoa escreveu, aquela informação, aquele dado, ou aquele entendimento,isso aí pode causar um problema não só pra quem assina o documento...essa palavra, em português, às vezes, você muda uma vírgula, muda umponto ou muda uma palavra, e o contexto dela deixa de existir. Entãoesses pontos, esses pequenos detalhes, foram detalhes de muitos atritosque houveram em termos de conteúdo, da tentativa de mudança de conteúdo.//*JUIZ:* O senhor participou das audiências públicas?//*TESTEMUNHA*: Não, nenhuma.//*JUIZ*: Nenhuma.//*Procuradora da CNEC*: É... vou voltar um pouquinho pra trás,Excelência. Se esses atritos geraram alguma modificação efetiva? Se emrazão desses atritos a equipe modificava ou não? Ou mantinham a suaposição?//*TESTEMUNHA*: Em algumas situações, conforme o entendimento do técnico,esses atritos surtiam efeito, algumas coisas... tanto que em 4 áreas, ostécnicos assinavam os textos devidamente ajustados, sem problema nenhum,né. Em outras áreas, os técnicos entenderam que, referente a mudançasolicitada, aquilo, digamos, iria contra ética da forma como...//*Procuradora da CNEC*: Divergência técnica.//TESTEMUNHA: *_Divergência técnica e divergência ideológica também,né._*__/__

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/*Procuradora da CNEC*: Ideológica também.//TESTEMUNHA: E da forma de apresentação da informação.//Procuradora da CNEC: Certo.//*JUIZ:* Eu queria que o senhor definisse o que é ideológico? Eu nãoconsigo entender o ideológico.//TESTEMUNHA: *_Pois é. Ideológico é, por exemplo, como nós poderíamos...é... é... vamos dizer assim: "nós temos uma grande área florestal, né,de importância única na região", né. É... isso pode ser um depoimento deum técnico, né. Entendimento do outro, pode ser o seguinte: "não, existeuma área florestal significativa, mas que existem outras também naregião, e podem substituí-la". Entende? Essa percepção, um poucodiferente, da importância daquele mesmo... daquele mesmo objeto, frentea uma outra situação, uma situação mais ampla, daí se discute: "não, masamplitude é do empreendimento, não é amplitude do Estado do Paraná". Eaí a coisa fica... e aí gera-se um impasse._*__/__/*JUIZ:* Isso não seria assim, na sua avaliação como técnico, né,trabalho da empresa? Apresentado o EIA/RIMA, aí seria colocado tal comoa equipe fez a avaliação. E depois, obviamente, que a empresa que acontratou, porque isso certamente ela será questionada no momento dolicenciamento, quer dizer, olha, tem essa informação, mas existem essascompensações, ou existe essa abordagem que se poderia dar o problema?//TESTEMUNHA: *_É, houve muita preocupação, no próprio corpo do EIA/RIMA,em tentar... em tentar muitas vezes assim, reduzir ou acertar um poucomais as palavras, etc., etc. Quando isso, na verdade, não tinhaimportância, ou seja, é um aspecto... cuidados com os aspectos queirrelevantes que geraram desgaste, e que mais a frente, durante a defesanuma audiência pública do projeto, essa questão... essa mesma questão,ela podia ser minimizada através de uma outra informação. Olha, nóstemos uma área de mil hectares que vai ser degradada, vai acontecerisso, vai acontecer aquilo, né, poxa mas, nós estamos aqui empenhados emconstituir outra área de mil hectares, né, tá, tá, tá, tá. Então,essa... essa... diria assim que houve um problema de visão, né. De visãoestratégica_*__. /(fls.2826/2827, vº)

No tocante à definição da área de influência e aos impactos nas terrasindígenas, vale lembrar que no EIA as TI´s Mococa, Barão de Antonina,São Jerônimo, Apucarana e Queimados estão fora da área de influênciaindireta do projeto (pg. 31 do EIA, doc.4 da CNEC, Vol. I), embora noRIMA tenha constado que na TI Mococa: /Algumas interferências sobre omodo de vida dessa comunidade podem ocorrer, tais como a eventualredução do potencial de pesca em função da alteração da disponibilidadede peixes no trecho de jusante, e o aumento do tráfego de veículos epessoas na região. Trata-se de um impacto de ocorrência incerta, porém,facilmente controlável pela adoção de medidas de comunicação, e derelacionamento com a população e de adequação da mão-de-obra/ (item8.4.12, página 746, vol. IV).

O trabalho antropológico da Sra. Maria Fernanda Maranhão, protocolado noIAP, no dia 01.08.2005, foi encaminhado à Sra Noemi Moreira Oliveira,tendo em vista a solicitação deste órgão ambiental, diante dos

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questionamentos do MPF.

Nesse estudo, intitulado "Diagnóstico das Populações Indígenas referenteao EIA/RIMA da Mauá", referida antropóloga afirma que devido à:/proximidade da TI Mococa, em relação ao eixo da barragem e demaisestruturas de produção, *considerou-se relevante incluir esta comunidadeindígena na Área de Influência Indireta - AII da UHE Mauá*.[...]Conseqüentemente a TI Queimadas também foi incluída, neste diagnóstico,uma vez que ambas estão culturalmente e historicamente relacionadas/. Daleitura desse documento, observa-se que não houve um aprofundamentosobre quais impactos essas populações indígenas sofreriam, como aprópria antropóloga afirma às fls. 439 do PA 1.25.0065.000088/2005-16.

A Sra. Maria Fernanda Maranhão afirmou que, apesar do consultor da CNEC,Marco Antonio Villarinho, ter solicitado um resumo de três páginas dessetrabalho, por exigências do IAP, ele não se opôs à entrega integraldesse trabalho, o que ela efetivamente fez diretamente ao IAP, no dia01.08.2005 (cf. excerto da inicial - fls. 48).

No entanto, dessa circunstância, por si só, não se extrai a ilação deque houve "induzimento" por parte do Sr. Marco Antonio Villarinho paraque a antropóloga assinasse um documento adredemente produzido pelaCNEC, com o objetivo de minimizar impactos. Primeiro, porque aapresentação do resumo, segundo informado por Marco Antonio Villarinho àSra. Maria Fernanda Maranhão, seria exigência do IAP, não tendo sidoproduzida prova em sentido contrário nesse aspecto, e, segundo, porqueesse estudo, embora inserisse as TI´s Mococa e Queimadas na Área deInfluência Indireta, era um diagnóstico preliminar e, ainda que com maisprofundidade do que no EIA-RIMA, também não definia os impactos nessasterras indígenas.

O teor do e-mail/resposta enviado pela Sra. Maria Fernanda Maranhão àCNEC (doc.11 da CNEC), de 04.08.2005, em virtude das manifestações doSr. Euclides "Tom" Grando, no sentido da existência de uma "MANOBRAARRISCADA PARA SALAVAR EIA/RIMA DE MAUÁ", em que dizia que "/Após terrejeitado os estudos da antropóloga do Museu Paranaense que mencionavaimpactos que ocorreriam nas aldeias indígenas da bacia, nesta quarta equinta a CENEC tentou fazer com a que a profissional assinasse um'resumo' escrito por técnicos da empresa e que admitiriam os impactossobre as populações indígenas, sem discuti-los com profundidade"/ (doc.10 da CNEC), não transparece tenha havido induzimento e nem tenha ficadoqualquer rusga entre a antropóloga e a CNEC, vejamos:

/Prezado Sr. Kalil Farran/

/Lamentável a matéria divulgada por Tom Grando. //Evidentemente que eu não estava a par desta matéria e nem autorizei ouso do meu nome.//Em conversa com Marco Villarinho me foi recomendado que entregasse aoIAP um resumo do diagnóstico antropológico sobre as populações indígenas

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situadas em área de influência indireta da UHE Mauá, emprendimento emfase de licencimamento. Entretanto, achei mais conveniente entregar orelatório completo por mim elaborado, o qual expressa melhor a realidadedas referidas populações indígenas. Após comunicar ao Marco Villarinhoassinei o relatório e protocolei no IAP/

/Atenciosamente/

/Maria Fernanda Campelo Maranhão//Antropóloga/

No entendimento da área técnica do MPF, a inserção dessas terrasindígenas, Mococa e Queimadas, na Área de Influência Indireta doprojeto, conduziria ao deslocamento da competência do órgão licenciadorestadual para o federal. Nesse sentido, foi o relato da servidora doIAP, Sra. Noemi Moreira Oliveira:

/*Procuradora da CNEC*: A senhora fez a seguinte afirmação:"interferência com a reserva indígena de Mococa. A jusante da barragemprojetada à reserva indígena de Mococa, com cerca de 3 quilômetros emlinha reta, não será atingida pela formação do reservatório, e nemhaverá supressão, desmate na reserva situada no município de Ortigueira,numa área de 894 hectares". Da vistoria que a senhora realizou então, aconstatação pelo que se extrai dessa informação, é que não haveriaimpactos?//*TESTEMUNHA*: *_Diretamente não. Nenhuma árvore será retirada dareserva, nem a água irá cobrir terras da TI._*__/__/*Procuradora da CNEC*: Certo. Além dessa reserva indígena, havia maisalguma outra reserva indígena que pudesse, eventualmente, na vistoriaque a senhora fez, sofrer algum tipo de impacto?//*TESTEMUNHA*: Nenhuma das duas... Não. Inclusive essa de Ortigueira, équestão até interessante, que houve... que dentro dessa área tem umassentamento do INCRA, quer dizer, de repente colocaram assentamentomisturando Sem-Terra com os índios, tá. Mas nenhum momento eles serãoafetados. Tá. Diretamente não.//*Procuradora da cnec*: Também existe uma afirmação da senhora aqui, quea análise que foi feita, com relação ao EIA/RIMA, ela não foi análise sódos estudos, né, a senhora se lembra de ter utilizado mais algunselementos pra chegar a conclusão final do parecer? Que a senhoramenciona aqui, que a análise da comissão técnica concedente ao estudo,embasou-se nas leituras dos documentos apresentados, entregues por ONGs,Universidades, vistoria técnica terrestre na área projetada pra serinundada, área de influência direta e indireta, dois dias foi parcialpor causa das chuvas, enfim, além então dos estudos apresentados, foramlevados em consideração, outros estudos, outros documentos? //*TESTEMUNHA:* Sim, sim. //*Procuradora da CNEC*: Algum em especial que a senhora se lembre,eventualmente que tenha sido também utilizado e ponderado pra que oparecer pudesse ser fundamentado?//*TESTEMUNHA:* Sim, sim. É de praxe, em todo estudo de impacto

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ambiental, a gente também procurar outros estudos que tenham, né, pragente ter uma base, uma segurança técnica, tá, pra poder emitir o parecer.//*JUIZ*: Alguns desses estudos, das universidades, das ONGs, apontavamalgum impacto nessa terra indígena?//*TESTEMUNHA*: *_Eles... eles questionaram muito essa questão da... dasáreas de influência. Tá. E inclusive a antropóloga do Ministério PúblicoFederal, a Luciana, o nome dela é Luciana, ela sempre bateu nessaquestão porque tá dentro, porque vai atingir, então ela não aceitavaessa questão de... por estar dentro da área indireta também, que nãoseria competência do IAP, que queria encaminhar isso ao IBAMA eobviamente, né, teria que passar pelo Congresso Nacional. Só que ela...na nossa compreensão, a partir do momento que não afeta diretamente, dápra tocar a obra sim_*__.//*JUIZ:* Hum-hum. Mas assim, houve discussão entre técnicos sobre aexistência ou não do impacto?//*TESTEMUNHA:* Teve, teve, teve.//*JUIZ*: Porque aí. A observação que a senhora faz, aí é um problema decompetência?//*TESTEMUNHA*: *_De competência_*__.//*JUIZ*: Mas a minha preocupação, pelo menos na minha pergunta agora, énão em relação à competência, mas efetivamente uma discussão sobre aexistência ou não do impacto, sobre essa terra indígena Mococa?//*TESTEMUNHA*: *_Ela está numa área de influência indireta. Entendeu?Quer dizer, diretamente a água, nem a supressão vai afetar a vida dosíndios._*__/__/*JUIZ*: Que tipo de impacto indireto ocorreria?//*TESTEMUNHA*: *_Indireto, pela movimentação no caso, de caminhões, deoperários, né, mas pra tudo isso tem condicionantes. Tá, que aí vai terum volume de caminhões por ali, e mesmo de operários transitando próximaà área indígena_*__.//*JUIZ:* Mas após a implantação do empreendimento não teria?//*TESTEMUNHA*: Cessa-se tudo.//*JUIZ*: E assim, havia divergência...//*TESTEMUNHA*: Teve, teve.//*JUIZ*: ...dos demais em relação ao momento posterior ao empreendimento?//*TESTEMUNHA*: Não.//*JUIZ*: Se teria impacto ou não?//*TESTEMUNHA*: Não./

Já o Sr. FRANCISCO LOTHAR PAULO LANGE JUNIOR, proprietário da empresaIGPLAN, indagado se os trabalhos de seus funcionários concluíram pelaafetação direta nessas terras indígenas, respondeu (fls. 2831 e vº):

/*JUIZ*: Na conclusão do trabalho feito pela IGPlan, havia que as TIsteriam atingidas, né, teriam assim, o impacto seria direto. O senhor serecorda dessa conclusão ou não?//*TESTEMUNHA*: *_Não, na verdade, tecnicamente, as áreas indígenas... aárea indígena, a terra indígena, usando o termo mais correto, próxima,fica a 3 mil metros da barragem projetada, em torno de, porque depoishouve pequenas modificações de local de barragem, né. Tecnicamente, ela

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fica na área de influência indireta do empreendimento. A nossaorientação à época, técnica, foi de que incluísse, mesmo estando fora daárea de influência direta do empreendimento, ou seja, até a área físicanão iria sofrer impacto direto, não ia ser inundada, não ia acontecernada, mas como a questão indígena, muitas vezes transcende a áreaespecífica da terra indígena, o nosso entendimento foi colocar umamedida de cautela, que introduzisse, mantivesse o estudo antropológicojunto ao EIA/RIMA, porque..._*__/__/*JUIZ:* Mas concluindo pelo impacto direto?//*TESTEMUNHA_: Não, não. Sempre trabalhando pela questão do impactoindireto. Né, tecnicamente._*__/__/*JUIZ:* Eu tenho uma transcrição de um depoimento do senhor, na inicialdizendo o seguinte: "questionado sobre a definição da área deinfluência, o senhor Francisco Lothar Paulo Lange Junior, engenheiroagrônomo e proprietário da empresa IGPlan, esclareceu em seu depoimentoque, normalmente a questão da definição da área de influência se dá deforma diferenciada para o meio físico, biótico e sócio econômico, dadasas suas peculiaridades. Que no caso do meio socioeconômico, um doscritérios é a divisão político-territorial em municípios. Que as TIsQueimadas e Mococa, se encontram no município de Ortigueira, podendoportanto, por esse critério, ser considerada dentro da área deinfluência direta, que isso foi discutido no início dos trabalhos tendosido descartada essa hipótese pelo empreendedor."//*TESTEMUNHA*: Correto. É correto. Por isso que esse de cuidar com aspalavras na afirmativa que eu dei, eu coloquei tecnicamente, né, porquea definição de uma área de influência direta, normalmente ela estáassociada a área de impacto direto do empreendimento. Socialmente, elapode ser ampliada, né. Da questão indígena, propriamente dita, como nãohavia impacto físico na área, o entendimento é: bom, ela não está dentroda área de influência direta, supondo disso, cartográfico ou físico. Maso nosso entendimento é justamente, que eu to vendo de colocar de formabem clara, é que considerando esse caráter de... de... eu esqueci apalavra certa de... de andança de... não, não é nômades, é... bom, temuma palavra que os antropólogos gostam de usar, perambulação, né. Então,o que acontece, a gente pesquisou, eu fiquei até, eu pessoalmente fiqueinessa aldeia Mococa, né, terra indígena de Mococa, fiquei 2 ou 3 dias,questionando os índios, se ele... acompanhando a nossa antropóloga, seos índios tinham o hábito de subir o rio, né, pra saber se qual o... derepente, existem representações que a gente não conhece muito bem, masque para os índios é importante, de repente, existe uma pedra lá, bem nolugar onde vai ser a barragem, que o pai do índio "x" gosta de ir lá,uma vez por ano, né, olhar o céu. Então, são coisas assim, muito de... eque são representações que nós, às vezes, não compreendemos, mas queextrapola a área, a terra indígena. E nesse sentido, o nossoentendimento foi que socialmente falando, culturalmente falando, a...essa área indígena deveria ser considerada sob ponto de vista cultural,uma área de impacto direto. *_Uma vez que ela tá muito próxima, né.Certo? Foi nesse sentido. É claro que, em natureza, meio ambiente,aspectos sociais, as coisas não são... não é ciência muito exata. E comoa gente trabalha em cima de estudos anteriores, como se consideram, a

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gente acaba, digamos assim, "olha, tecnicamente é assim, mas...", porquese tivesse sobre influência direta mesmo, uma área, uma parte delainundada, o que aconteceria, o processo sairia fora da ossada do IAP,né, ele iria ao Congresso Nacional e tudo mais, né. Como esse tipo decoisa não aconteceu, mas devia haver uma atenção especial sobre oaspecto social e cultural, foi que nós fizemos esse tipo de colocação_*__./

Observa-se dos excertos dos depoimentos acima transcritos e dos própriosquestionamentos do magistrado que presidiu o ato deprecado, que asquestões debatidas nos autos são de extrema dificuldade de apreensão ede uma recognição objetiva, pois envolvem a compreensão subjetiva de seencarar determinada intervenção na natureza e que se refletem nasdiscussões dos aspectos técnicos do projeto, cujas divergências, como jáassinalado, não constituem má-fé.

Ainda que no entendimento do Juízo tenha havido irregularidades emvirtude da falta razoabilidade nos critérios adotados pela empreendedorana delimitação da área de influência do empreendimento, cada qual daspartes envolvidas defendia a sua "visão de mundo", que foram acirradaspela deterioração da relação comercial entre as partes, em virtude dadescoberta da CNEC de que os técnicos da IGPLAN eram integrantes da ONGLiga Ambiental, pairando sérias dúvidas no espírito do julgador sobre aconfiguração da má-fé.

Noutra quadra, como já salientado, o próprio IBAMA, *por pelo menos trêsvezes *(em 24.08.2005 - doc. 42 da CNEC; em 03.06.2006 fls. 261/262; eem 05.04.2007 - fls. 1881/1882), não reconheceu a legitimidade para olicenciamento em virtude da não ocorrência de afetação das áreasindígenas, embasando o posicionamento sustentado pela CNEC e pelo IAP,em que pese, novamente, o entendimento diverso do Juízo exarado nestasentença (*itens II.B.1.5, II.B.1.6 e II.B.1.13*).

Soma-se a essas circunstâncias o fato de que as alegações de simulaçãoda existência de Termo de Referência e de exiguidade dos prazos paraelaboração do EIA/RIMA (*itens* *II.B.1.3 e II.B.1.4)*, que compõem omosaico dos fundamentos da inicial reveladores de uma atuação pontuadapela má-fé da CNEC e de seus consultores, Ronaldo Luiz Crusco e MarcoAntonio Villarinho, foram repelidas nesta sentença.

Por todos esses fundamentos e considerando que a má-fé não pode serpresumida, só podendo resultar caracterizada ante a existência de provasincontestes e estremes de dúvidas, entendo que a parte autora não sedesincumbiu do ônus da prova nesse aspecto, razão pela qual não procedeo pedido de cancelamento dos registros no Cadastro Técnico Federal daempresa consultora CNEC Engenharia S.A. (CTF nº 317796) e dosconsultores pessoas físicas Ronaldo Luís Crusco (CTF nº 315368) e MarcoAntonio Villarinho Gomes (CTF sob nº 315976) (pedido do item 2.2.1, "g",da inicial).

Por consequência, em que pese o reconhecimento de deficiências no

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EIA-RIMA, também não há que se falar em conivência do IAP, ao menos, coma má-fé da empreendedora.

*II.B.1.15 DA INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E MORAIS (item XXXIIIda petição inicial)*

Pretende a parte autora seja a corré CNEC condenada a reparar os danospatrimoniais e morais causados pela sua conduta. Afirma que restaevidente o prejuízo causado ao Estado e aos seus diversos órgãos que dealguma forma participaram do processo: /(i) /de planejamento e expansãodo setor elétrico - ANEEL, a União, por meio do Ministério de Minas eEnergia - MME; /(ii)/ de avaliação dos estudos ambientais -universidades estaduais, órgãos ambientais, instituições como IBAMA,IAP, Mineropar, entre outras; /(iii)/ o próprio Ministério PúblicoEstadual e Federal; /(iv)/ os Municípios - poderes locais executivo elegislativo, entre outros.

Sustenta que os prejuízos causados vão desde o deslocamento de pessoas einvestimento de recursos nas análises e avaliações realizadas, até aprópria movimentação da máquina do Estado na projeção de crescimento dopaís e necessidade de energia, interferindo diretamente sobre aspróprias perspectivas econômicas do Brasil. Afirma que as perdas dosconsumidores, segundo o Diretor-Geral da ANEEL, Sr. Jéferson Kelman, coma retirada da UHE Mauá do leilão realizado em 17.12.2005, podem chegar aR$190 milhões.

Aduz, ainda, que devem ser considerados os danos não patrimoniaiscoletivos, dado o sofrimento imposto aos habitantes dos municípios daBacia do Rio Tibagi, especialmente aos grupos indígenas, que percebem osimpactos de maneira bastante peculiar e desde as fases mais embrionáriasdo processo, que é por eles compreendido com grande esforço de intelecção.Já a CNEC defende que não provocou qualquer dano ou prejuízo, mas, sim,que sofreu danos causados pelo autor pela indevida obstaculização dolicenciamento ambiental em prejuízo da sociedade e da CNEC. Afirma que aimposição de condenação serviria tão somente para alertar, não só aCNEC, mas todos os eventuais empreendedores, que há grandes riscos embuscar o licenciamento ambiental nesta localidade.

Pois bem.

Restou constatada, ao longo dessa sentença, a existência de deficiênciasno EIA/RIMA, em virtude da incorreta definição da área de influência doprojeto, especialmente no tocante aos impactos sobre as populaçõesindígenas e sobre os levantamentos de impactos sobre a qualidade da águae o abastecimento dos municípios da Bacia do Tibagi.

A despeito de não ter sido declarada a nulidade da Licença Prévia e ainexistência de EIA-RIMA, conforme fundamentado no item *II.B.1.12*,

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entendo que, se dessas irregularidades do estudo de impacto ambiental,sobretudo em decorrência da maneira conturbada que se desenrolou olicenciamento ambiental da UHE Mauá, pontuado por polêmicas, tiveremresultado a ocorrência de danos materiais ou morais, estes deverão serindenizados.

A Constituição dispõe no art. 225, § 3º, da CF, que "/as condutas eatividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão osinfratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais eadministrativas, independentemente da obrigação de reparar os danoscausados/." A par da previsão constitucional, a reparação do danoambiental encontra respaldo na Lei 7.347/85, artigo 1º, inciso I:"/Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, asações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: l -ao meio ambiente"/.

Como é cediço, trata-se de responsabilidade objetiva, conforme previsãodo §1º do art. 14 da Lei 6.938/81, que afirma: "/Sem obstar a aplicaçãodas penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar osdanos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por suaatividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidadepara propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danoscausados ao meio ambiente/."

Na lição de Paulo Affonso Leme Machado (op. cit. 327/328):/A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar oambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômiodano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja odever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa, temincidência na indenização ou na reparação dos "danos causados ao meioambiente e aos terceiros afetados por sua atividade" (art. 14, §1º daLei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercidapelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ouseja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente eo homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civilobjetiva ambiental. Só depois é que se entrará na fase doestabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano.É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação domeio ambiente./

Adota-se, assim, a teoria do risco integral, pela qual basta a conexãoentre o dano e a atividade do empreendedor, para haver aresponsabilização deste pelos prejuízos ambientais. Não se admiteexcludentes de responsabilidade, como o caso fortuito ou força maior.Também não tem relevância se a atividade é lícita ou se foi licenciadapelo Poder Público.

Dessa forma, havendo a relação de causalidade entre o dano e a ação ouomissão do agente, tem este a obrigação de indenizar, ainda que a sua

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conduta não seja culposa ou ilícita, sendo indiferente se o dano foi ounão voluntário.

Nesse sentido, ainda que a parte autora não tenha conseguido provar queas irregularidades no EIA-RIMA decorreram de uma atuação dolosa,caracterizada pela má-fé, mesmo que estas deficiências sejam decorrentesapenas de divergência de interpretação, entendo que, caracterizado odano, há o dever de indenizar.

O argumento da CNEC de que eventual imposição de condenação serviria tãosomente para alertar, não só a CNEC, mas todos os eventuaisempreendedores, de que há grandes riscos em buscar o licenciamentoambiental nesta localidade, é metafísico e impertinente para o desenlacejurídico da questão.

Com relação aos danos materiais que, a rigor não são ambientais/,/ damaneira como foi deduzido o pedido, entendo que não assiste razão àparte autora, porquanto ela pleiteia um dano patrimonial supostamenteadvindo dos prejuízos ao Estado e aos seus diversos órgãos decorrentesda não realização do empreendimento, o que não é o caso dos autos.

As pessoas que foram deslocadas por força da construção da UHE Mauá,salvo melhor juízo, estão sendo indenizadas, consoante pode seraquilatado dos depoimentos prestados nos autos da ACP 2007.70.007916-3.Os recursos despendidos nas análises e avaliações realizadas pelosdiversos órgãos envolvidos, como as universidades estaduais, IBAMA, IAP,MINEROPAR, inclusive o próprio Ministério Público, são inerentes àspróprias missões institucionais destes órgãos, não havendo amparo legalpara tal ressarcimento.

Outrossim, as empresas relacionadas diretamente com o empreendimento,/v.g. /COPEL e ELETROSUL, que compõem o Consórcio Energético Cruzeiro doSul - CECS,// que se sentirem lesadas, em decorrência de gastos com afeitura de estudos complementares, bem como na elaboração e execução demedidas mitigadoras e compensatórias, com a finalidade de corrigir ecomplementar as irregularidades e inconsistências do EIA-RIMA, deverãoacionar diretamente a corré CNEC Engenharia S/A para se veremressarcidas destes gastos, pois não há comprovação nos autos de queesses custos serão repassados e suportados pelos consumidores de energia.

Noutra quadra, com relação aos danos extrapatrimoniais coletivos, adoutrina admite como possível a indenização de dano moral ambiental,especificamente quanto aos danos coletivos ou difusos, estendendo oconceito de dor à coletividade. O dano moral coletivo tem cunhosubjetivo e tem por objeto a dor ou sofrimento impostos a umacoletividade ou grupo social.

A propósito, leciona José Rubens Morato Leite:

/A dor, em sua acepção coletiva, é ligada a um valor equiparado ao

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sentimento moral individual, mas não propriamente este, posto queconcernente a um bem ambiental, indivisível, de interesse comum,solidário e relativo a um direito fundamental de toda a coletividade.//Trata-se de uma lesão que traz desvalorização imaterial ao meioambiente ecologicamente equilibrado e concomitantemente a outros valoresinter-relacionados como a saúde e a qualidade de vida. A dor, referidaao dano extrapatrimonial ambiental, é predominantemente objetiva, poisse procura proteger o bem ambiental em si (interesse objetivo) e não ointeresse particular subjetivo. Outrossim, refere-se, concomitantemente,a um interesse comum de uma personalidade em sua caracterização coletiva.//Atualmente, ainda que de forma bastante discreta, vem sendo admitida apossibilidade de configuração de um dano moral afeto à coletividade comoum todo ou mesmo a um grupo de indivíduos determinados ou determináveis/(*Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial*. 2ª ed.Ver. Ampl. E atual. São Paulo: RT, 2003, pg. 294/295)

Cumpre mencionar que esta foi uma das conclusões do 6º CongressoInternacional de Direito Ambiental, consignada na Carta de São Paulo:"/O Direito brasileiro admite e sanciona o dano moral ambiental difuso,com base no sistema constitucional e no art. 1º, da Lei n. 7347, a eleaplicando a tutela inibitória e ressarcitória, inclusive como forma deprevenção em relação a degradadores potenciais"./

Outro não é o entendimento da Juíza Federal Gysele Maria Segala da Cruz,em obra coletiva organizada pela Escola da Magistratura do TribunalRegional Federal da 4ª Região - EMAGIS:

/Em conclusão, apesar dos entendimentos contrários, a possibilidade deindenização por danos morais difusos e coletivos é decorrente dainterpretação sistemática da Constituição, considerando-se não apenas osdispositivos relativos à indenização por danos morais, masprincipalmente toda a atenção dispensada ao meio ambiente. Os objetivosde prevenção, reparação e educação do direito ambiental justificam apossibilidade de condenação ao ressarcimento de danos morais coletivosou difusos causados ao meio ambiente, tendo esta a finalidade primordialde ser um instrumento de desestímulo a futuras reiterações de atosilícitos e conseqüente degradação à natureza /(O dano moral ambientaldifuso e coletivo na Constituição Federal. In:VAZ, Paulo Afonso Brum;SCHÄFER, Jairo Gilberto (Org.). *Curso Modular de DireitoConstitucional*. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, pg. 262)

Na jurisprudência, julgados a basto podem ser arrolados:

/AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL. MATA ATLÂNTICA. REPARAÇÃO ECOMPENSAÇÃO AMBIENTAL. 1. A responsabilidade civil por danos ao meioambiente tem previsão no Texto Constitucional (art. 225, § 3º),dispondo, por sua vez, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente no6.938/81 a responsabilidade civil objetiva do infrator das normasambientais (art. 14, § 1o), contexto que dispensa a investigação do

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elemento subjetivo da culpa ou dolo, sendo suficiente, para a atribuiçãodo dever de indenizar, a demonstração do dano e do nexo de causalidadeentre a lesão e a ação ou omissão do responsável. 2. Dos elementosprobatórios reunidos nos autos, restou amplamente demonstrado que oincêndio noticiado na petição inicial, de grandes proporções e quedegradou extensa área de Mata Atlântica (200.000 m2),constitucionalmente tutelada (art. 225, § 4º, da CF/88) e inseridadentro de Área de Proteção Ambiental da Região Serrana de Petrópolis(Decreto nº 527/92), teve início em terreno de propriedade do réu, emvirtude de queimada, promovida por seus prepostos para a limpeza daárea, conduta que, além de constituir crime contra a flora (art. 41 daLei nº 9.605/1998), incide na hipótese do art. 27 da Lei nº 4.771/65(Código Florestal). *_3. "Deve o poluidor ser condenado, como ensinaGuilherme Couto de Castro, simultaneamente na recomposição do ambiente,sob pena cominatória, e também em verba a título punitivo, tambémchamada educativa, didática ou por dano moral coletivo_*__" (TRF2, AC2002.02.01.031054-3, Quinta Turma Especializada, Juiz Federal convocadoLuiz Paulo S. Araújo Filho, data de julg.: 24.06.2009). 4. Apelação doMPF provida e apelação de Ítalo improvida (TRF2, AC 200351060012157,QUINTA TURMA ESPECIALIZADA, Relator Desembargador Federal LUIZ PAULO S.ARAUJO FILHO, publicado em 06/05/2011)//DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DOMEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA.POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85.INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. CONDENAÇÃO PARA RECOMPOR O DANO AMBIENTALCAUSADO E AO PAGAMENTO DE UMA INDENIZAÇÃO PELOS DANOS ECOLÓGICOS . 1.Cuida-se de apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e porJAIME VERAS SILVA FILHO, contra a sentença do Juízo da 18ª Vara da SeçãoJudiciária do Ceará, que, em ação civil pública, condenou o Réu arecompor o dano ambiental causado, inclusive mediante o replantio, àssuas próprias expensas, de cinquenta coqueiros sadios e aferidos peloIBAMA na área desta ação (art. 3º, Lei nº 7.347/85), no prazo de trintadias, a contar da efetiva intimação para o cumprimento da obrigação defazer, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 500,00(quinhentos reais). O Douto magistrado a quo impôs a condenação doreplantio, mas afastou o outro pedido formulado pelo MPF no sentido de,cumulativamente à obrigação de recompor o dano ambiental, condenar o réuao pagamento de uma indenização pelos danos ecológicos causados.Entendeu o juiz sentenciante que não seria possível, em sede de açãocivil pública, cumular obrigação de fazer ou não fazer com a de pagar,diante da inteligência do art. 3º da Lei nº 7.347/85. 2. "A exegese doart. 3º da Lei 7.347/85 ("A ação civil poderá ter por objeto acondenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou nãofazer"), a conjunção "ou" deve ser considerada com o sentido de adição(permitindo, com a cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio

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ambiente) e não o de alternativa excludente (o que tornaria a ação civilpública instrumento inadequado a seus fins)." (REsp 625.249/PR, Rel.Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 31/08/2006). 3. É possível acondenação cumulativa em obrigação de fazer ou não fazer e de pagar,sobretudo porque, em matéria ambiental, tal cumulação mostra-se aindamais premente, em virtude do dano moral provocado à coletividadeatingida pela devastação ecológica, tendo esse tipo de dano naturezapeculiar, sendo de difícil reparação e mensuração, pelo que a condenaçãoem dinheiro, se não consegue corresponder exatamente aos recursosnaturais destruídos, no mínimo, desempenha um caráter educativo deintimidação à prática de ações similares. Portanto, a exegese dada pelojuízo é limitativa e não merece prevalecer, sob pena de se deturpar atémesmo o instituto da ação civil pública, que comporta não apenascondenação em prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e nãofazer), como também de pagar quantia, através de indenização dos danosinsuscetíveis de recomposição "in natura". *_4. A natureza do danoambiental, porque diz respeito a um interesse difuso intangível, exige,além da reparação material - se possível de restituição à situaçãoanterior - a reparação moral coletiva, porque não se atinge uma únicaesfera jurídica, mas um direito compartilhado transindividualmente portodos os cidadãos. Por isso é que é plenamente possível a condenação emindenização por dano moral coletivo, até porque existe previsãonormativa expressa sobre a possibilidade de dano extrapatrimonial emrelação a coletividades, consoante se depreende da parte final do artigo1º da Lei nº 7.347/85._*__ 5. O fato de o Município de Barroquinha/CEhaver obtido cessão, pela Secretaria do Patrimônio da União, parausufruir do domínio útil da área onde ocorreu o indevido desmatamento,por óbvio, não lhe permitia fazer intervenções desastrosas na vegetaçãoda região, sem que os órgãos ambientais competentes fossem acionadospara se manifestar, procedendo, antes, a estudos prévios de impactoambiental, até porque a localidade está inserida na Área de PreservaçãoAmbiental do Delta do Parnaíba, região em que são proibidas asatividades de implementação de projeto de urbanização. Além disso, nãose admitiria que o próprio poder público, no caso representado pelaPrefeitura de Barroquinha, na pessoa do seu Prefeito, ora réu, pudesseignorar a lei e, sob essa alegação, descumpri-la. Tanto isso não seriaadmissível que o réu sequer invoca esse argumento. Em terceiro lugar, asimples "destinação social" do empreendimento que seria e não foiconstruído no local devastado, alegada pelo réu, já que a área seriausada para a construção de um Complexo Esportivo de uso comum dapopulação local, de qualquer forma não teria o condão de desconstituir odano ambiental causado, nem tampouco tornaria lícita a condutapraticada, porque imprescindíveis as licenças ambientais para aempreitada. 6. Afigura-se razoável se fixar uma multa no valor de 500(quinhentas) UFIR's - Unidades Fiscais de Referência, com fulcro no art.14, I, da Lei nº 6.938/1981, tento em vista que o Réu ainda foicondenado a reparar o dano ambiental provocado. Precedente desteTribunal: (TRF-5ª R. - AC 411197/CE - 1ª T. - Rel. Des. Fed. José Mariade Oliveira Lucena - DJe 29.05.2009) 7. Apelação do MPF provida, para ofim de ser o Réu condenado a pagar uma indenização pelo dano ambiental

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causado, no valor de 500 (quinhentas) UFIR's. Apelação do Réu improvida.Mantida a sentença recorrida em todos os seus demais termos. (TRF-5ª R.- AC 200081000160205 - 2ª T. - Rel. Des. Fed. Desembargador FederalFrancisco Barros Dias - DJe 15/09/2009)/

/*Ementa:* AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO SONORA. OBRIGAÇÃO DE FAZER.PERDA DE OBJETO. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. Trata-se de ação civilpública aforada pelo Ministério Público objetivando que a ré se abstenhade utilizar o jingle de anúncio de seu produto, o qual seria gerador depoluição sonora no meio ambiente, o que ensejaria danos morais difusos àcoletividade. Com relação à obrigação de fazer, a ação perdeu seu objetopor fato superveniente, decorrente de criação de lei nova regulando aquestão. *_No entanto, em relação aos danos morais, prospera a pretensãodo Ministério Público, pois restou amplamente comprovado que, durante operíodo em que a legislação anterior estava em vigor, a requerida adescumpria, causando poluição sonora e, por conseguinte, danos moraisdifusos à coletividade_*__. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº70005093406, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 19/02/2004)/

Com relação à ocorrência do dano moral coletivo às comunidadesindígenas, entendo que restou comprovado, pois compartilho doentendimento da parte autora de que os grupos indígenas percebem osimpactos na natureza de maneira bastante peculiar, que são por elescompreendidos com grande esforço de intelecção, haja vista que o meioambiente, de onde retiram seus recursos para sobrevivência, constitui-seem elemento integrante de sua cosmovisão, religiosidade e de suaidentidade cultural.

Nesse sentido, impende relembrar que nas audiências públicas, /adelimitação das áreas de influência foi um dos itens de maiorquestionamentos pelos participantes, incluindo *_representantes do grupoindígena Kaingang, que demonstraram sentimentos de ansiedade e revoltapela expectativa de impactos sobre seus modo de vida esobrevivência_*__/__ (IT nº 183/05, PRM/LDA nº 1.25.005.000088/2005-16 -/fls./ 268/269) - destaquei.

Ademais, a moderna doutrina ambiental consagra a teoria das presunçõesfáticas quanto à ocorrência do dano moral ambiental. Annelise MonteiroSteigleder (*Responsabilidade Civil Ambiental*. As dimensões do danoambiental no direito brasileiro. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2011, pg. 148), muito bem preceitua o tema: "/A respeito dosofrimento, e especialmente a sua prova, entendemos que são inexigíveispara a configuração do dano extrapatrimonial, já que as vítimas sãoindetermináveis. Haverá situações em que se perceberá uma certa comoção,mas esse elemento não deve ter um peso decisivo para a configuração dodever de indenizar, já que a revolta da comunidade quanto ao danodepende do seu grau de informação e de sua capacidade de mobilização.Por isso, os valores imateriais associados ao bem ambiental degradado

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devem ser analisados de forma abstrata, examinando-se aspectos como aperda de bem-estar proporcionada pelo bem ambiental, seu valor deexistência, e a perda da chance das gerações futuras conhecerem o bem/".

No julgamento do Resp 1057274/RS (DJe 26/02/2010), a Ministra ElianaCalmon destacou que: /O dano extrapatrimonial coletivo prescinde dacomprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis deapreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interessesdifusos e coletivos/.

No tocante ao nexo causal, a falta de razoabilidade da CNEC com a nãoinclusão da Terra Indígena de Mococa, sequer, na Área de InfluênciaIndireta, em flagrante ofensa ao princípio da precaução, conformefundamentado no item *II.B.1.5*, denota a existência da causalidadeentre sua conduta e o dano moral ocasionado ao grupo indígena Kaingang.

Outrossim, embora a CNEC, em várias oportunidades de sua defesa, tenhainvocado a correção dos critérios adotados, com base na experiência dosetor elétrico, a mesma experiência não foi utilizada quando a matériaenvolvia a questão indígena, porquanto não foi adotado o critério dosetor elétrico dos "impactos globais" (IPARJ/ELETROBRÁS, 1988 -*"Estudos e Fundamentos para a produção de Diretrizes do relacionamentodo Setor Elétrico com os Povos indígenas: Relatório Final*), cf.alertado na Nota Técnica nº06/2005 e reafirmado na Nota Antropológica nº15/2007 (fls. 2524).

No mesmo sentido, vale relembrar o teor do já citado PARECER nº018/CMAM/CGPIMA da FUNAI, que visou a complementar os "EstudosSócio-Ambientais nas Terras Indígenas de Queimadas e Mococa, em que se lê:

/"7. Ressalte-se que a noção de impacto global acaba por ser aalternativa mais adequada para análise dos impactos nas terrasindígenas, uma vez que as categorias de impacto direto/indiretoutilizado na análise dos meios físico/biótico não podem ser utilizadascomo única vertente de análise. *_De acordo com o próprio Plano Diretorde Meio Ambiente Do Setor Elétrico 1991/1993 - Volume 2 - diretrizes eprogramas setoriais (1990)_*__: O impacto sobre os povos indígenas nãose restringe a danos físicos concretos às áreas indígenas, podendoocorrer mesmo no caso de mera proximidade física do empreendimento.Conseqüentemente, a classificação atual de impactos direitos eindiretos, em uso no Setor, deve ser reavaliada no tocante à suaaplicação no caso de interferências como povos indígenas, buscando-se aflexibilidade que permita absorver condições diferenciadas resultantesdas análises caso a caso - destaquei./

Dessa forma, também restou evidenciado o nexo causal da conduta omissivada CNEC com o dano moral às demais comunidades indígenas localizadas naBacia do Tibagi, com a não adoção do critério dos impactos globais,incorporado pelo próprio Setor Elétrico. Por não ser novidade a noção deimpacto global no Setor Elétrico, o Consórcio Energético Cruzeiro do

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SUL, composto pela ELETROBRÁS e COPEL, atendeu prontamente arecomendação do MPF, cf. Ofício CECS - 0546/2010, de 17.08.2010 (fls. 3217).

Importa observar que tanto a empreendedora CNEC, quanto o IAP, foramalertados sobre a necessidade de se corrigir os estudos ambientais noque se refere à questão indígena. No entanto, a CNEC persistiu no seuentendimento, em desrespeito ao princípio da precaução, tendo o IAP,devido às cobranças do MPF, incluído a 1ª condicionante da LP 9589, emfunção do Termo de Referência da FUNAI, na qual a área de influência seestendeu até a reserva indígena de Mococa. No entanto, outros estudosdemonstraram que os impactos se espraiaram por todas as comunidadesindígenas da Bacia do Tibagi.

Imperioso ressaltar que o fato do Juízo não entender pela nulidade daLicença Prévia e nem pela inexistência do EIA-RIMA, tendo em vista apossibilidade de correção e complementação dos estudos, em nada altera aresponsabilidade da empreendedora CNEC.

Com efeito, se os problemas envolvendo a falta de investigação dosimpactos em todas as comunidades indígenas existentes na Bacia do Tigabiestão sendo equacionados, no bojo do licenciamento, isso se deve àincansável e combativa postura do Ministério Público Federal deLondrina, não apagando a injusta lesão à esfera moral das comunidadesindígenas da Bacia do Tibagi, envolvidas nesse conturbado licenciamentoambiental da UHE Mauá.

Em conclusão, as seguintes circunstâncias devem ser sopesadas na fixaçãodo /quantum /indenizatório: (i) as irregularidades do EIA-RIMA comrelação aos impactos que atingem cinco áreas indígenas da etniapredominantemente Kaingang (Queimadas, Mococa, Apucaraninha, Barão deAntonina e São Jerônimo) e outras três áreas de etnia Guarani(Pinhalzinho, Laranjinha e Yvyporã-Laranjinha), todas localizadas naBacia do Tibagi; (ii) o caráter repressivo-preventivo que informa aresponsabilização pelo dano moral coletivo, cuja previsão não apenasobjetiva compensar a coletividade, como tem por fim punir aquele que,prévia e várias vezes alertado pelo Ministério Público Federal, violouinteresse metaindividual; (iii) a magnitude do empreendimento da UHEMauá e os vultosos valores envolvidos em sua construção e na produção daenergia; (iv) a notória capacidade econômica da empreendedora CNEC, queaté pouco tempo, salvo engano, pertencia ao Grupo Camargo Correa.

Mais um parâmetro a subsidiar o arbitramento será a indenização pagapela COPEL, no valor de R$ 14 milhões, para os índios Kaingang daReserva de Apucaraninha, em virtude dos impactos ambientais causadospela construção da hidrelétrica Apucaraninha (cf. notícia do ValorEconômico - fls. 295 da ACP nº 2007.70.01.002261-0).Logo, sopesando-se todas as circunstâncias que envolvem o caso, e forteno princípio da precaução, entendo que o valor justo para compor ogravame perpetrado contra as oito comunidades indígenas da Bacia doTibagi, corresponde a *R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais),*

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devendo a metade deste valor ser revertida às comunidades indígenasnominadas, cujos montantes deverão ser acordados pela FUNAI e MPF, deacordo com o grau de percepção dos impactos advindos da UHE Mauá porcada uma delas, e o restante deverá reverter em favor do Fundo de Defesade Direitos Difusos, nos termos previstos nas Leis n. 7.797/89 e 7.347/85.

O valor deverá ser corrigido pelos índices da Tabela de CorreçãoMonetária do Conselho da Justiça Federal, a partir desta data, eacrescidos de juros de mora de 1% ao mês (art. 406 do novo Código Civile do enunciado nº 20, do CJF: /"A taxa de juros moratórios a que serefere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código tributário Nacional,ou seja, 1% (um por cento) ao mês")/, desde a data da protocolização doEIA-RIMA no IAP (*03.12.2004*), até a data do efetivo pagamento, nostermos das Súmulas 54 e 362 do STJ.

*II.B.2 AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (itens XXX,XXXI e XXXII da petição inicial)*

*II.B.2.1 DO FORO COMPETENTE*

Antes de adentrar nas questões suscitadas pelas partes, impendesalientar a notícia que aportou nos autos, no decorrer da instrução, deque o Sr. Lindsley da Silva Rasca Rodrigues elegeu-se deputado estadualna Assembléia Legislativa do Paraná.

A assunção de tal cargo eletivo não altera a competência deste Juízo deprimeiro grau para julgar a ação por improbidade administrativa. Como sesabe, a Lei 10.628, de 24.12.2002, acresceu os §§ 1º e 2º ao art. 84 doCPP. O § 1º tentou ressuscitar a regra da prevalência do foro porprerrogativa de função. Já o §2º ampliou o foro por prerrogativacriminal ao âmbito da ação de improbidade administrativa.

Contudo, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente a AçãoDireta de Inconstitucionalidade 2.797, "para declarar ainconstitucionalidade da Lei nº 10.628, de 24 de dezembro de 2002, queacresceu os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do Código de Processo Penal" (Rel.Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26.9.2005, p. 36).

Nesse sentido, confira-se:

/*ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DEINSTRUMENTO.IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA.PRERROGATIVA DEFORO. ART. 84 DO CPP (ALTERADO PELA LEI 10.628/02). DEPUTADOESTADUAL.AFASTAMENTO DO CARGO (ART. 20 DA LEI 8.429/92. PROVIMENTOPARCIAL DO RECURSO ESPECIAL. *1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal

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julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.797, "paradeclarar a inconstitucionalidade da Lei nº 10.628, de 24 de dezembro de2002, que acresceu os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do Código de ProcessoPenal" (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26.9.2005, p. 36). 2.Portanto, em face do efeito vinculante da referida decisão, não há falarem negativa de vigência do art. 84 e parágrafos do Código de ProcessoPenal, tampouco da incompetência do juízo de primeiro grau de jurisdiçãopara processar e julgar ação deimprobidade administrativaajuizada contraos ora recorrentes. 3. O afastamento da função pública é medidaexcepcional, e que apenas se justifica quando haja efetivamente riscosde que a permanência no cargo da autoridade submetida à investigaçãoimplique obstrução da instrução processual. Excepcionalidadenão-configurada. 4. Recurso especial parcialmente provido (STJ, RESP604832, Rel. DENISE ARRUDA, 1a Turma, DJ DATA:21/11/2005 PG:00128)./

/*ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DEINSTRUMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA. PRERROGATIVA DEFORO. ART. 84 DO CPP (ALTERADO PELA LEI 10.628/02). DEPUTADO ESTADUAL.AFASTAMENTO DO CARGO (ART. 20 DA LEI 8.429/92. RECURSO ESPECIALPARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PROVIDO PARCIALMENTE*. 1. Aausência de prequestionamento do dispositivo legal tido como violadotorna inadmissível o recurso especial. Incidência das Súmulas 282 e356/STF. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente aAção Direta de Inconstitucionalidade 2.797, "para declarar ainconstitucionalidade da Lei nº 10.628, de 24 de dezembro de 2002, queacresceu os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do Código de Processo Penal" (Rel.Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26.9.2005, p. 36). 3. Portanto, em facedo efeito vinculante da referida decisão, não há falar em negativa devigência do art. 84 e parágrafos do Código de Processo Penal, tampoucoda incompetência do juízo de primeiro grau de jurisdição para processare julgar ação de improbidade administrativa ajuizada contra os orarecorrentes. 4. O afastamento da função pública é medida excepcional, eque apenas se justifica quando haja efetivamente riscos de que apermanência no cargo da autoridade submetida à investigação impliqueobstrução da instrução processual. Excepcionalidade não-configurada. 5.Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, providoparcialmente provido (STJ, RESP 604834, Rel. DENISE ARRUDA, 1a Turma, DJDATA: 21/11/2005 PG:00129)./

Destarte, aqui é o juízo natural para julgar o réu Lindsley da SilvaRasca Rodrigues.

*II.B.2.2 DA PRÁTICA DE ATO(S) DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PORLINDSLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES*

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A parte autora atribui ao ex-Diretor-Presidente do IAP, Sr. Lindsley daSilva Rasca Rodrigues, a prática de improbidade administrativa,decorrente da concessão de Licença Prévia em desconformidade com oregramento aplicável à espécie e com desprezo às conclusões obtidaspelas equipes técnicas no sentido da necessidade de se proceder a outroslevantamentos. Assevera, nesse sentido, que a atuação de supramencionadapessoa teria se dado de maneira consciente e voluntária, sendo que nahipótese vertente não lhe assistiria outra alternativa, à vista dainidoneidade do EIA/RIMA, que não a rejeição deste. Argumenta que aindaque se considerasse válido o EIA/RIMA caberia ao administrador, dianteda discricionariedade de seu ato, motivá-lo, o que no caso em comentonão se verificou.

Menciona, ainda, ser incompatível a atuação simultânea do Sr. Lindsleyda Silva Rasca Rodrigues como Presidente do IAP e Conselheiro Fiscal daCOPEL, tendo em vista a possibilidade de favorecimento desta quando daconcessão de licenças prévias por aquele órgão atestando a viabilidadeambiental de empreendimentos sujeitos a leilão.

Diz que os atos praticados pelo Presidente do IAP que culminaram com aexpedição da Licença Prévia nº 9589 feriram os princípios da legalidade,da probidade e da moralidade administrativa. Infere que uma vez previstona legislação de regência que o descumprimento de lei constitui ato deimprobidade, o Presidente do IAP, ao descumprir a lei, teria praticadoato de improbidade, não havendo necessidade sequer de perquirir, nocaso, eventual enriquecimento indevido ou prejuízo material ao erário,haja vista tratar-se de matéria ambiental.

Faz menção a irregularidades verificadas em outro processo delicenciamento ambiental, qual seja, o da Linha de TransmissãoIvaiporã-Londrina II, em que é interessada a empresa UirapuruTransmissora de Energia Ltda., eis que o Presidente do IAP teriaconcedido a licença prévia ignorando orientações de sua equipe técnicano sentido da necessidade de realização de audiências públicas e sem quehouvesse um parecer ou avaliação autorizando-a. Afirma que naqueleprocedimento o acesso ao EIA/RIMA foi-lhe disponibilizado apenas depoisde já concedida a Licença Prévia, o que denotaria a má-fé por parte doórgão ambiental.

Já o réu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues afirma não ter procedência aafirmação do autor de que ele e o IAP teriam sido coniventes comsupostas deficiências do EIA/RIMA em relação ao estudo da área deinfluência da UHE Mauá justamente porque o órgão ambiental estadualanalisou cautelosamente as avaliações constantes do EIA/RIMA, conduzindoestudos diversos para avaliar a sua procedência e realizando vistoriasna região, acompanhadas, inclusive, por técnicos da FUNAI. Além disso,afirma ter o IAP realizado reuniões técnicas não exigidas na legislação,para ouvir técnicos da sociedade civil e demais instituições públicas,sem deixar de lado as audiências públicas, em que foi oportunizada aintervenção popular.

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Refuta a existência de improbidade, haja vista a ausência de dolo oumá-fé objetiva. Alega que a mera existência de ilegalidade não justificaa condenação às penas do art. 12, III da Lei de ImprobidadeAdministrativa e que a reprovação da conduta do Sr. Lindsley, em sede deimprobidade, deve estar condicionada a comprovação do agir doloso,desonesto ou de má-fé, em violação aos Princípios da Administração Pública.

Afirma que, no presente caso, não foi demonstrado qualquer indício dedolo ou má-fé na atuação do réu, enquanto presidente do IAP, seja noprocesso de licenciamento em exame, seja no licenciamento da Linha deTransmissão Ivaiporã-Londrina, seja em geral, na sua atuação. Quanto aolicenciamento da UHE Mauá, afirma que sua atuação se revestiu de boa-fée da diligência exigida do administrador público, já que foramrigorosamente seguidos todos os procedimentos legais exigidos para aprática desse ato administrativo, inexistindo qualquer vício acontaminar a lisura do processo, tendo, inclusive, ido além do queexigia a Resolução 237/97 do CONAMA.

Diz, ainda, que equivoca-se o MPF ao afirmar que a cumulação do cargo deconselheiro da COPEL, com o de presidente do IAP gerariaincompatibilidade de requerido para assinar a licença prévia da UHE jáque a concessão da Licença Prévia não apresentou qualquer benefício àCOPEL porque essa não era titular do projeto e porque, ainda queinteressada fosse, teria que se submeter à concorrência em Leilão, comum número ilimitado de empresas, sem garantia de vitória.Aduz que o licenciamento assinado pelo Sr. Lindsley não apresentavaqualquer benefício à COPEL ou garantias de sagrar-se vitoriosa no Leilãoda UHE Mauá, o que afastaria qualquer tipo de incompatibilidade. Porfim, afirma que a atuação do requerido, como conselheiro da COPEL, foisempre marcada por críticas e sugestões à política ambiental da empresae que nunca levantou, debateu ou deliberou sobre o empreendimento daUsina de Mauá, tendo como prova a simples consulta ao arquivo de atas daComissão de Valores Imobiliários, sob n°1431-1 e, em sendo assim, aleganão ter que falar em favorecimento da COPEL ou de qualquer outraempresa, por parte do réu, no processo de licenciamento da Usina.

Muito bem.

O MPF se utiliza de três frentes de argumentação para embasar a suapretensão à responsabilização por improbidade administrativa doex-presidente do IAP, Lindsley da Silva Rasca Rodrigues, que podem seralinhavadas da seguinte forma: (a) ilegalidades no licenciamento da UHEMauá; (b) irregularidades no licenciamento ambiental da Linha deTransmissão Ivaiporã-Londrina II; (c) incompatibilidade de sua atuaçãosimultânea como Presidente do Instituto Ambiental do Paraná - IAP e comoConselhiero da Cia Paranaense de Energia Elétrica - COPEL, concedendoLicença Prévia atestando a viabilidade ambiental de empreendimentosujeito a Leilão, em que aquela empresa foi habilitada.

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No tocante à primeira frente de argumentação - ilegalidades nolicenciamento da UHE Mauá- importa relembrar, nos termos dafundamentação, as considerações do Juízo no sentido de que: (i) nãohouve nulidade no que tange ao Termo de Referência da UHE Mauá; (ii) oestabelecimento de condicionantes faz parte da dinâmica do procedimentode licenciamento ambiental e as complementações sugeridas ao EIA-RIMA,pela Comissão Multidisciplinar, salvo melhor juízo, são as própriascondicionantes da Licença Prévia, não faltando, destarte, motivaçãoneste ato administrativo; (iii) a despeito das inconsistênciasdetectadas, não se trata**de inexistência do EIA/RIMA e de nulidade daLicença Prévia; (iv) nos autos da ação civil pública nº2007.70.01.005425-7/PR, foi reconhecida a legitimidade da Portaria70/2005, que excepcionou a exigência da Portaria 120/2004, a qual exigiaa Avaliação Ambiental Estratégica e Zoneamento Econômico-Ecológico; (v)não restou demonstrado que as irregularidades no EIA-RIMA decorrem demá-fé da CNEC e de seus consultores, Ronaldo Luiz Crusco e Marco AntonioVillarinho, de maneira que também não há que se falar em conivência doIAP com má-fé da empreendedora.

Destarte, salvo melhor juízo, por esta primeira linha de argumentação, apretensão da parte autora à responsabilização de Lindsley da Silva RascaRodrigues pela prática de ato de improbidade administrativa não prospera.

Quanto à segunda frente de fundamentos que, segundo a parte autora,seriam argumentos de reforço - irregularidades no licenciamentoambiental da Linha de Transmissão Ivaiporã-Londrina II-, entendo nãoguardarem relação com o licenciamento ambiental da UHE Mauá, razão pelaqual não podem ser considerados nestes autos. Se, no licenciamentoambiental da Linha de Transmissão Ivaiporã-Londrina II, foram praticadosatos que possam caracterizar a prática de improbidade administrativa,deve(ria) a parte autora intentar ação civil pública específica paraesta finalidade.

Resta analisar a terceira frente de argumentação, consistente na atuaçãosimultânea do Sr. Lindsley da Silva Rasca Rodrigues comoDiretor-Presidente do IAP e Conselheiro da COPEL, tendo em vista apossibilidade de favorecimento desta quando da concessão de LicençaPrévia por aquele órgão atestando a viabilidade ambiental deempreendimentos sujeitos a leilão, em que a COPEL foi habilitada.

A CF de 1988 inaugurou um novo capítulo na história brasileira, com aintenção de deixar o passado autoritário e de abuso dos direitosfundamentais para trás, refletindo também na relação da AdministraçãoPública com os administradores públicos, mediante a introdução docapítulo da "Administração Pública" (Capítulo VII, do Título III), quetrouxe, além de regras, verdadeiros princípios norteadores da atuaçãoadministrativa.

O /caput /do art. 37 diz que a administração pública direta e indiretade qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

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Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,moralidade, publicidade e eficiência (este último acrescentado pela EC19/1998). O art. 37, § 5º, da CF, estabelece serem imprescritíveis asações de ressarcimento por atos de improbidade.

Já O § 4º do art. 37, da CF/1988 dispõe que: /Os atos de improbidadeadministrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda dafunção pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento aoerário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penalcabível./

Visando conferir eficácia à norma constitucional, foi editada a Lei8.429/1992, da qual destacamos os artigos abaixo:

/Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público,servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacionalde qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dosMunicípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio públicoou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ouconcorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receitaanual, serão punidos na forma desta lei./

/(...)./

/Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todoaquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, poreleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma deinvestidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidadesmencionadas no artigo anterior.//(...)./

/Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia sãoobrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade,impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhesão afetos./

/(...)//Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importandoenriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonialindevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ouatividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente://I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ouqualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título decomissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse,direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ouomissão decorrente das atribuições do agente público;//II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar aaquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contrataçãode serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior aovalor de mercado;/

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/III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar aalienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento deserviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;//IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou àdisposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei,bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiroscontratados por essas entidades;//V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ouindireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, delenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualqueroutra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;//VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ouindireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação emobras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso,medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos aqualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;//VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo,emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor sejadesproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;//VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ouassessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interessesuscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrentedas atribuições do agente público, durante a atividade;//IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ouaplicação de verba pública de qualquer natureza;//X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ouindiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração aque esteja obrigado;//XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas,verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidadesmencionadas no art. 1° desta lei;//XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valoresintegrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1°desta lei./

/Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão aoerário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perdapatrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bensou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente://I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação aopatrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas,verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidadesmencionadas no art. 1º desta lei;//II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privadautilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervopatrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem aobservância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;//III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao entedespersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens,

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rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidadesmencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidadeslegais e regulamentares aplicáveis à espécie;//IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bemintegrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1ºdesta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preçoinferior ao de mercado;//V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ouserviço por preço superior ao de mercado;//VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais eregulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;//VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância dasformalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;//VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-loindevidamente;//IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas emlei ou regulamento;//X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem comono que diz respeito à conservação do patrimônio público;//XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normaspertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;//XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueçailicitamente;//XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular,veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, depropriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas noart. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregadosou terceiros contratados por essas entidades.//XIV - celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto aprestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observaras formalidades previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)//XV - celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente eprévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstasna lei. (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)/

/Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contraos princípios da administração pública qualquer ação ou omissão queviole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdadeàs instituições, e notadamente://I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diversodaquele previsto, na regra de competência;//II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;//III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão dasatribuições e que deva permanecer em segredo;//IV - negar publicidade aos atos oficiais;//V - frustrar a licitude de concurso público;//VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;//VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antesda respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômicacapaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço./

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/Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativasprevistas na legislação específica, está o responsável pelo ato deimprobidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadasisolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redaçãodada pela Lei nº 12.120, de 2009)./

/I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidosilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quandohouver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos deoito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor doacréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público oureceber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ouindiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejasócio majoritário, pelo prazo de dez anos;/

/II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dosbens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer estacircunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticosde cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valordo dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receberbenefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ouindiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejasócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;/

/III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, sehouver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos detrês a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor daremuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o PoderPúblico ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica daqual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos./

/Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levaráem conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonialobtido pelo agente./

/[...]/

/Art. 18. A sentença que julgar procedente ação civil de reparação dedano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente determinará opagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoajurídica prejudicada pelo ilícito./

/[...]/

/Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticossó se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.//Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competentepoderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo,

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emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizernecessária à instrução processual./

/Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe://I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto àpena de ressarcimento; (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).//II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle internoou pelo Tribunal ou Conselho de Contas.//[...]//Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstasnesta lei podem ser propostas://I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo emcomissão ou de função de confiança;//II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica parafaltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, noscasos de exercício de cargo efetivo ou emprego./

Registre-se, inicialmente, que não há que se falar em prescrição quantoàs sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/1992, vez que a ação foiproposta quando o réu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues ainda ocupava ocargo de Diretor-Presidente do IAP.

Adiante.

A doutrina que se dedica ao estudo da improbidade administrativa, maisespecificamente da Lei 8.429/1992, que regulamentou o §4º do art. 37 daCF, vem associando o conceito de moralidade administrativa ao deprobidade. Para alguns autores, o princípio da probidade administrativaestá contido no princípio da moralidade administrativa, enquanto paraoutros a probidade administrativa seria mais abrangente do que a moralidade.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

/Não é fácil estabelecer a distinção entre /moralidade administrativa /e/probidade administrativa/. A rigor, pode-se dizer que são expressõesque significam a mesma coisa, tendo em vista que ambas se relacionam coma idéia de /honestidade/na Administração Pública. Quando se exigeprobidade ou moralidade administrativa, isso significa que não basta alegalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com observânciada lei; é preciso também a observância de princípios éticos, delealdade, de boa-fé, de regras que assegurem a boa administração e adisciplina interna na Administração Pública //[...]//A inclusão do princípio da moralidade administrativa na Constituiçãofoi um reflexo da preocupação com a ética na Administração Pública e como combate à corrupção e à impunidade no setor público. Até então, aimprobidade administrativa constituía infração prevista e definidaapenas para os agentes políticos. Para os demais, punia-se apenas oenriquecimento ilícito no exercício do cargo. Com a inserção doprincípio da moralidade na Constituição, a exigência de moralidade

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estendeu-se a toda a Administração Pública, e a improbidade ganhouabrangência maior, porque passou a ser prevista e sancionada com rigorpara todas as categorias de servidores públicos e a abranger outras quenão apenas o enriquecimento ilícito /(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.*Direito Administrativo*. 22a ed. São Paulo: Atlas, 2009 p. 801-804.).

De fato, moralidade e probidade são conceitos imbricados, que envolvemnoções de honestidade, lealdade, imparcialidade, transparência,diligência, eficiência etc. A probidade administrativa é o maisimportante conteúdo do princípio da moralidade pública, daí o modoparticularmente severo com que a Constituição reage à violação daprobidade administrativa.

Ademais, a moralidade administrativa apresenta uma relação decontinência com o princípio da juridicidade, o qual abrange todas asregras e princípios norteadores da atividade estatal. Violado oprincípio da moralidade administrativa, maculado estará o princípio dajuridicidade, o que reforça a utilização deste como parâmetro para aidentificação dos atos de improbidade.

Com o fim de prevenir condutas incompatíveis com o padrão ético almejadopela Constituição Federal de 1988 pela administração pública, torna-senecessária a previsão de meios que resguardem a imparcialidade do agentepúblico, evitando que sua conduta seja direcionada por propósitos outrosque não o bem comum.

Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves lecionam que:

/Para preservar a pureza dos fins da atividade estatal, são comumenteeditados determinados comandos, embasados em razões de ordem pessoal oupatrimonial, que desaconselham ou impedem a atuação do agente em certassituações fáticas. Tais preceitos, apesar da ausência de unicidadeterminológica, podem ser denominados de incompatibilidades, queassumiriam a forma de impedimentos ou suspeições.//*As incompatibilidades podem erigir-se como fatores impeditivos aopróprio exercício da função pública, o que torna imperativo que o agentedeixe de exercer todas as atividades consideradas incompatíveis com tal*/*munus/. Em situações outras, a incompatibilidade resultará decircunstâncias supervenientes, impedindo que o agente desempenhe suasatividades quando tiver algum interesse na solução da questão ou mesmoquando possua determinado vínculo com terceiros que tenham interesse nosatos a serem praticados. Nesses casos, a incompatibilidade poderá ser deordem absoluta ou relativa./*///À incompatibilidade de ordem absoluta denominamos impedimento, sendonormalmente considerada um vício insanável do ato, havendo a presunçãoiuris et de iure de que, em situações tais, o agente agirá comparcialidade. A incompatibilidade relativa, por sua vez, é denominada desuspeição, caracterizando-se como um vício sanável do ato, o queocorrerá se não for oportunamente alegada, existindo uma presunção iuristantum de que o agente atuará com parcialidade./

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/Com a previsão de incompatibilidades, evita-se que o agente falte paracom o dever de imparcialidade a que está obrigado, sendo ele afastadodas situações em que consoante as regras de experiência, istonormalmente ocorreria. Acaso seja prevista a incompatibilidade e, apesardisso, persista o agente em atuar nas situações que lhe são vedadas,incidirá a figura do art. 11, caput, da Lei n. 8429/1992, que consideraimprobidade administrativa a violação do dever de imparcialidade. Emcasos tais, restará ao agente a possibilidade de produção de provasaptas a demonstrar que não atuara de forma parcial, o que somente seráadmissível em não se tratando de presunção iuris et de iure /(GARCIA,Emerson; ALVES, Rogério Pacheco*.//Improbidade Administrativa*/, 5ª./Edição, RJ, Lumen Juris, 2010, pg. 148/149)//- destaque nosso.

Referidos autores citam como exemplos de incompatibilidades absolutas: oart. 9º, III, da Lei n. 8666/93, segundo o qual não poderá participar,direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviçoe do fornecimento de bens a eles necessários**servidor ou dirigente deórgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação; o art. 18da Lei 9.784/99, que diz ser impedido de atuar em processoadministrativo o servidor ou autoridade que tenha interesse direto ouindireto na matéria; o art. 252 do CPP e o art. 134 do CPC, que prevêemcasos de impedimento aplicáveis aos juízes, membros do MinistérioPúblico, serventuários, etc. São citados como exemplos deincompatibilidades relativas: o art. 20 da Lei 9.784/99, que prevêsuspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ouinimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivoscônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau; o art. 253do CPP e o art 135 do CPC que prevêem casos de suspeição aplicáveis aosjuízes, membros do Ministério Público, serventuários, etc.

Essas incompatibilidades, impedimentos ou suspeições, que se aplicam aojulgador em âmbito judicial e visam a garantir a sua imparcialidade,também se aplicam, e se avolumam, tendo em vista o princípios regedoresda atividade administrativa, ao administrador público, porquanto, nestaseara, é possível divisar inúmeros casos em que a atuação do agente podefavorecer ou prejudicar determinadas pessoas, obrigando-o à observânciado requisito da imparcialidade, moralidade e impessoalidade.

Para Fabio Osório Medina (*Teoria da Improbidade Administrativa. *Mágestão pública, corrupção, ineficiência. 2ª ed. São Paulo: RT, 2010, p.386):

/O agente público não pode servir a dois senhores antagônicos. Quantorealiza tais atividades, pode cometer improbidade (art. 9º, VIII),porque emerge uma suspeita de deslealdade funcional, com ou semresultados concretos em desfavor do erário. O regime deincompatibilidade, que se situa no coração dos modelos republicanos,está disciplinado em lei ou diretamente na Constituição, como ocorre comalgumas categorias de agentes políticos. *_Mas, sempre é bom recordar,existem incompatibilidades explícitas e implícitas e, além disso, a

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improbidade administrativa exige que haja interesses concretamenteincompatíveis._*__/__/Nem toda violação de incompatibilidade gera improbidade administrativa,porque se assim fosse, a improbidade administrativa se confundiria com ailegalidade. Há graus de incompatibilidades a serem sopesados eavaliados. O legislador regula a matéria abstratamente, mas existemincompatibilidade de interesses, se comparadas com outrasincompatibilidade funcionais tidas como polêmicas ou tênues. *_Aviolação dessas normas de incompatibilidade deve gerar uma forteaparência de corrupção pública, um "cheiro" de desonestidade funcionalno "ar". O grave conflito de interesse, concretamente perceptível, induzà improbidade administrativa"_*/*__*__- destaquei.

De acordo com o ofício CODR-C/0752/2006/DGC da COPEL, de 12 de maio de2006, encaminhado ao MPF (fls. 06 do PA 1.25.005.000240/2006-33), ocorréu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues foi eleito Conselheiro deAdministração da COPEL na 48ª Assembleia Geral Ordinária de Acionistas,em *30.04.2003*, para o mandato *2003-2005*, bem como foi eleitoConselheiro Fiscal da Companhia, na 50ª Assembleia Geral Ordinária deAcionistas, para o mandato *2005-2006*.

Destarte, desde o protocolo do EIA-RIMA no IAP, em *03.12.2004*,passando pelo credenciamento da COPEL para o leilão nº 002/2005- ANEELpara a concessão da UHE Mauá, edital de *24.11.2005 *(fls. 957/959 do PA1.25.005.00088/2005-16, Vol. V), passando pela concessão da LicençaPrévia nº 9589, de *07.12.2005 *(fls. 1487/1488), até o seu afastamentopela deliberação judicial de fls. 1375/1394, de *16.02.2007*, o réuLindsley da Silva Rasca Rodrigues esteve a frente do referidolicenciamento ambiental, como Diretor-Presidente do órgão publicoambiental - IAP, e ocupando cargos no Conselho de Administração e Fiscalda COPEL GERAÇÃO SA, *pessoa jurídica de direito privado*, sociedade porações (fls. 2736).

Como é cediço, a COPEL constitui uma sociedade de economia mista,prestadora de serviço público, cuja personalidade jurídica é de direitoprivado, tendo suas ações negociadas em bolsas de valores. Oportuna alição de HELY LOPES MEIRELLES:

/"[...] As sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de DireitoPrivado, com participação do Poder Público e de particulares no seucapital e na sua administração, para a realização de atividade econômicaou serviço público outorgado pelo Estado. Revestem a forma das empresasparticulares, admitem lucro e regem-se pelas normas das sociedadesmercantis, com as adaptações impostas pelas leis que autorizem suacriação e funcionamento". (in DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO, 33aed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 370)/

Em juízo, o réu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues afirmou que a"/licença prévia foi emitida em dezembro de 2005, sendo que o consórcioCopel/Eletrosul foi formado no final de 2006, e que pelas atas juntadas

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do Conselho de Administração da Copel a discussão a respeito doempreendimento UHE Mauá só iniciou após a concessão da Licença Prévia/"(fls. 2733).

No entanto, o Contrato de Constituição do Consórcio Energético Cruzeirodo Sul (fls. 2736/2748) depõe em sentido contrário ao afirmado pelo réu,pois registra em seu CONSIDERANDO "c" (fls. 2737): /que os artigos 1º e4º, da Lei Estadual nº 14.896, de 09.11.2005, autorizou a *COPEL GER *aconstituir Consórcio e/ou Sociedade de Propósito Específico com*ELETROSUL, *bem como a inclusão de empresa privada na referidaparceria, mediante aprovação da Assembléia Legislativa do Estado doParaná"/.

Logo, verifica-se que antes mesmo da concessão da Licença Prévia nº 9589*(_07.12.2005_), *a**Lei Estadual nº 14.896 (*_09.11.2005_), *publicadano Diário Oficial nº7099, em *10.11.2005*, já**havia autorizado a COPELa constituir**o consórcio com a ELETROSUL, com o objeto de participar deleilão de concessões dos novos empreendimentos de geração de energiaelétrica localizados no Estado do Paraná, dentre eles a UHE Mauá.

Portanto, se a lei que autorizou a COPEL a formar o consórcio com aELETROSUL é de *novembro de 2005*, é inegável que a discussão a respeitodo empreendimento UHE Mauá iniciou-se bem antes da concessão da LicençaPrévia.

Ademais, é notório ser antigo o interesse da COPEL no empreendimento daUHE Mauá, conforme se infere da documentação do licenciamento ambientalconjunto da UH Jataizinho, UH São Jerônimo, UH Cebolão e da UH Mauá, queremonta ao final da década de 1990 (fls. 2105/2164).

Noutra quadra, o réu afirma que a concessão da Licença Prévia nãoapresentou qualquer benefício à COPEL, pois ela não era a titular doprojeto e porque, ainda que fosse interessada, teria que se submeter àconcorrência em Leilão, com um número ilimitado de empresas, semgarantia de vitória.

De fato, no entanto, a simples possibilidade de utilização deinformações privilegiadas do licenciamento ambiental, ainda que nãoassegurassem a vitória à COPEL, poderiam lhe conferir uma situação devantagem frente aos demais concorrentes.

Nesse sentido, a simulação de rebaixamento do nível da cota da UHE Mauáque, segundo o réu, permitiu reduzir a área de alagamento em 7,5 metros,com resultado surpreendente do ponto de vista ambiental, conduzindo-o ainserir a 70ª condicionante na LP, *foi realizada pela própria COPEL*,cf. se infere dos ofícios de fls. 947/949, datados de 10 e 11 de outubrode 2005 e 11 de novembro de 2005, o que reforça a alegação depossibilidade de favorecimento à COPEL.

Com efeito, como bem pontuado pela parte autora (fls. 2068/v.), os

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custos ambientais são um dos pontos principais a serem considerados nosleilões dos novos empreendimentos hidrelétricos, de maneira que há clarapossibilidade de favorecimento ou promiscuidade no trânsito de informações.

Dessa forma, a própria simulação de rebaixamento do nível da cota da UHEMauá, realizada pela COPEL, permitiu a esta empresa o acesso, comantecedência, a um nível de detalhamento técnico-financeiro doempreendimento, que nenhuma outra empresa teve, o que pode ter conferidouma situação de vantagem frente às demais empresas interessadas emparticipar do Leilão da UHE Mauá.

Difícil acreditar que, nessa situação, não há uma promiscuidade claraentre o público e o privado. No caso dos autos, o conflito deinteresses, em virtude da incompatibilidade das funções, é inegável.Coincidência ou não, o fato é que, em *10.10.2006*, a UHE Mauá foiarrematada pelo Consórcio Energético Cruzeiro do Sul, formado pela COPEL(51%) e ELETROSUL (49%).

Preciso na percepção dos elementos formadores da cultura brasileira,Sérgio Buarque de Holanda, em /Raízes de Brasil /(26ª ed. São Paulo:Companhia das Letras, 2007, pg. 141) afirma que: /O Estado / /não é umaampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certosagrupamentos, de certas vontades particularistas de que a família é omelhor exemplo./

Para Holanda a contribuição brasileira para a civilização será de"cordialidade", que é desvirtuada do seu sentido original (do latim/cordiale/, que vem do coração) e é vista como um problema nacional, umacaracterística do brasileiro entendida como a excessiva aproximação nasrelações pessoais, como forma de burlar os pressupostos distintos quevigoram na esfera pública e privada, daí a invasão do Estado pelafamília, do nepotismo, da corrupção, do favorecimento ou promiscuidadeno trânsito de informações etc.

Digno de registro, é a previsão do Regulamento do Instituto Ambiental doParaná, aprovado pelo Decreto Estadual nº1502/92, segundo o qual, deacordo com o seu artigo 14, inciso XX, compete ao Diretor-Presidente doIAP */"exercer outras funções compatíveis com a posição"/*//.

Nessa senda, em virtude da incompatibilidade das funções, o ex-DiretorPresidente do IAP deveria ter reconhecido de ofício o seu impedimento,afastando-se do licenciamento ambiental e designado um substituto, comoprevê o regulamento acima citado, Decreto Estadual nº1502/92, em seusartigos 10 e 14, XIV:

/Art. 10 - O Diretor-Presidente do IAP será substituído, em suasausências e impedimentos, pelo diretor Administrativo-Financeiro./

/Art. 14 - Ao Diretor-Presidente do IAP, além das atribuições constantesdo art. 43 da Lei n.º 8.485/87 e do art. 11 deste Regulamento, compete:/

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/XIV - designar substitutos de diretores em suas ausências e impedimento;/

Não procedendo dessa forma e permanecendo à frente do licenciamentoambiental da UH Mauá, violou o dever de impessoalidade e gerou uma forteaparência de quebra da igualdade, atentando contra os princípios damoralidade, imparcialidade, honestidade e lealdade às instituições.

Como bem observou o Ministro relator, Carlos Aires Britto, em seu votovencedor na ADPF 130, julgada em 30.04.2009, "/todo agente público estásob permanente vigília da cidadania (é direito do cidadão saber dascoisas do Poder, ponto por ponto), *exposto que fica, além do mais, aossaneadores efeitos da parábola da mulher de Cezar: não basta serhonesta, tem que parecer honesta*. E quando o agente estatal não primapor todas as aparências de legalidade e legitimidade no seu atuaroficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de comportamentoantijurídico"/ - destaquei.

Dessa forma, ainda que se entenda que a incompatibilidade, no caso, é denatureza relativa, gerando uma presunção /iuris tantum/ de um procederparcial por parte do agente público e admitindo prova em sentidocontrário, observa-se que o réu não conseguiu demonstrar que não atuarade forma parcial, não comprovando a existência de fato impeditivo,modificativo ou extintivo do direito da parte autora, nos termos do art.333, II do CPC.

Registre-se que, a meu ver, o conflito de interesses, em virtude dacumulação dos cargos na espécie, não implica em desvio de finalidade dolicenciamento ambiental em si e nem da Licença Prévia concedida, comoalegado pela Liga Ambiental na ACP nº 2007.70.01.002261-0, porquanto nãohá que se falar em facilitação do licenciamento para a COPEL, eis que aempreendedora para a elaboração do EIA-RIMA era a CNEC.

Contudo, esse conflito de interesses vai se exteriorizar e gerarconsequências a partir de fatos supervenientes, consistentes nocredenciamento da COPEL para o leilão da ANEEL para a concessão da UHEMauá e na autorização à esta empresa para constituir**o consórcio com aELETROSUL a fim de participar desse leilão e de outros leilões deconcessões de empreendimentos de geração de energia elétrica localizadosno Estado do Paraná, porquanto tem potencial para comprometer aigualdade entre todos os interessados que acorrerem à licitação daANEEL, já que a concessionária de energia, na qual um dos seusconselheiros também é o Diretor-Presidente do órgão ambientallicenciador, pode se beneficiar dessa situação com o favorecimento notrânsito de informações.Prosseguindo, os atos de improbidade administrativa estão descritos emtrês seções do Capítulo II da Lei 8.429/1992, estando reunidos em trêsgrupos distintos, conforme o ato importe em enriquecimento ilícito (art.9º), cause prejuízo ao erário (art.10) ou tão somente viole osprincípios da administração pública (art. 11).

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Importante se destacar é o caráter exemplificativo do rol estabelecidopelos artigos citados. Essa premissa pode ser aferida, primeiro, pelaexpressão "notadamente" nos /caputs /dos artigos citados e, segundo,pela redação dos próprios artigos, especialmente a do art. 11 quetipificou o atentado aos princípios da administração como ato deimprobidade.

Dessa maneira, é perfeitamente possível a identificação de outros atosde improbidade administrativa, pela abertura proposta pelos /caputs/desses artigos. Mesmo que o agente não se enquadre exatamente nasespécies dos artigos 9º e 10, poderá ser punido pelas sanções queprevistas para o art. 11.

Segundo Emerson Garcia: /[...] no caput dos dispositivos tipificadoresda improbidade, tem-se a utilização de conceitos jurídicosindeterminados, apresentando-se como instrumento adequado aoenquadramento do infindável número de ilícitos passíveis de serempraticados, os quais são frutos inevitáveis da criatividade e do poderde improvisação humanos/ (GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco*.Improbidade Administrativa*, 5ª. Edição, RJ, Lumen Juris, 2010, pg.293/294).

Destarte, outros atos não relacionados nos incisos dos artigos 9º, 10 e11 podem ser enquadrados como de ímprobos, desde que lesivos àadministração pública. A propósito do tema, trago a colação osfundamentos do voto condutor, do Min. José Delgado, no julgamento doRECURSO ESPECIAL Nº 695.718 - SP (DE 12/09/2005), em que consignou:

/No trato da questão, colho a doutrina de Wallace Paiva Martins Júnior("Probidade Administrativa", Ed. Saraiva, 2ª ed., 2002, págs. 259 a 267):/

/*"Atentado aos princípios da Administração Pública*//O art. 11 é a grande novidade do sistema repressivo da improbidadeadministrativa, dirigido contra o comportamento omissivo ou comissivoviolador dos princípios que regem a Administração Pública e dos deveresimpostos aos agentes públicos em geral, arrolados exemplificativamente(honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade), e aos quais élícito acrescer finalidade, impessoalidade, razoabilidade,proporcionalidade, igualdade, boa-fé etc., enfim, tudo o que componhapara as noções de moralidade e probidade administrativa, como já visto.//Desse modo, se o agente público não enriqueceu ilicitamente nem causouprejuízo ao erário, ações ou omissões que atentem contra os princípiosda Administração Pública (não somente os do art. 37 da CF, mas osinerentes ao sistema, exemplificativamente arrolados no art. 11, caput,da Lei Federal n. 8.429/92) são censuradas, porquanto revelam o desvioético de conduta, a inabilitação moral do agente público para oexercício de função pública. Trata-se, como define Ruy Alberto Gatto, denorma residual ou de encerramento.//A violação de princípio é o mais grave atentado cometido contra a

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Administração Pública, porque é a completa e subversiva maneira frontalde ofender as bases orgânicas do complexo administrativo. Grandeutilidade fornece a conceituação do atentado contra os princípios daAdministração Pública como espécie de improbidade administrativa, namedida em que inaugura a perspectiva de punição do agente público pelasimples violação de um princípio, para assegurar a primazia dos valoresontológicos da Administração Pública, que a experiência mostra tantas etantas vezes ofendidos à míngua de qualquer sanção. A inobservância dosprincípios acarreta agora responsabilidade, pois o art. 11 censura'condutas que não implicam necessariamente locupletamento de caráterfinanceiro ou material', conforme pronuncia Odete Medauar, observado oart. 21, I, da lei. Para alguns, a simples violação dos deveres ínsitosa todo agente público 'tem implícitos a vantagem individual e o prejuízoao patrimônio público', opinião aceita com reserva, porque neste últimocaso o dano nem sempre é patrimonial, mas sobretudo moral.//A proteção aos princípios da Administração Pública instituída na LeiFederal n. 8.429/92 enfatiza com força e vigor a tutela sistemática damoralidade administrativa e dos demais princípios explícitos ouimplícitos da Administração Pública. A tutela específica do art. 11 édirigida às bases axiológicas e éticas da Administração, realçando oaspecto da proteção de valores imateriais integrantes de seu acervo coma censura do dano moral. Entretanto, essa tutela específica não permiteresumir que o art. 11 da Lei Federal n. 8.429/92 protege exclusivamenteos valores morais da Administração Pública. Havendo lesão patrimonial,também nessa hipótese dar-se-á, além das outras cominações previstas noart. 12, III, o ressarcimento integral do dano, mostrando que os valorespatrimoniais estão protegidos nessa espécie, se bem sejam dispensáveispara a caracterização dessa modalidade de improbidade administrativa.Sem embargo, já se decidiu pelo ressarcimento do dano em 'empréstimo dedinheiro público sem base em qualquer lei, sem apoio na leiorçamentária', pois 'é ato ilegal, lesivo e, por desvio de finalidade dedinheiro, caracterizável como administrativamente imoral', em hipóteseem que o Prefeito autorizou o ato para pagamento de fiança criminal deseu secretário'. Entretanto, a preponderância dada aos valores morais daAdministração Pública torna muito mais efetiva e adequada a tutela daprobidade administrativa, de modo que se conforta com a matriz do art.11 violação a qualquer dos princípios do art. 37 da Constituição Federal(repetidos no art. 4º e no próprio art. 11 como deveres dos agentespúblicos), censurando atos que, embora não necessitem produzir efeitofinanceiro negativo no patrimônio público, impliquem ilegalidade,desonestidade, incompetência, nulidades absolutas, pessoalidade, faltade publicidade e, é claro, imoralidade. Vale dizer, o art. 11instrumentaliza o art. 4º e, por sua vez, o art. 37 da ConstituiçãoFederal. Ainda se inserem nesse art. 11, pois a sua violação representaatentado contra os princípios da Administração Pública, a ofensa aprincípios como a razoabilidade, proporcionalidade, além de outros quetambém constituem deveres de boa administração dos agentes públicos(igualdade, boa-fé, lealdade). Daí, qualquer ação ou omissão que violeesses deveres implicará ato de improbidade administrativa, pois a LeiFederal n. 8.429/92 visa a garantir a eficácia social desses princípios,

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agora transformados em deveres inerentes ao exercício de cargos,empregos e funções pelos agentes públicos, censurando atos quedemonstrem má administração (o contrário deuma Administração Públicaproba e honesta) e o desvio ético denunciante da inabilitação moral noexercício de funções públicas. Realçando os valores morais econsiderando os patrimoniais da Administração Pública, a violação dosprincípios e deveres administrativos terá como corolário acaracterização da improbidade administrativa.//*A enumeração legal dos princípios constantes é mera exemplificação.Traduzem de forma bem ampla a preocupação com a violação ao princípio damoralidade administrativa. Os cogitados no art. 11 são, em verdade,também deveres do agente público de observância indeclinável,consistindo em conceitos de significação fornecida pela éticaadministrativa. Em essência, transcendem a noção de legalidade constantedo art. 11, caminhando para o campo da moralidade administrativa:honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições, de modo a evitara dispensa de tratamento diferenciado através de perseguições efavorecimentos e exigir a fiel e estrita observância de todas as regraséticas inerentes à Administração Pública. Imparcialidade, honestidade elealdade prendem-se, necessariamente, aos conceitos de moralidade eprobidade. O art. 11 censura condutas consideradas imorais ou ilegais,dispensando a relevância da produção de resultado nocivo na órbita dasrelações da Administração Pública. O resultado poderá até ser lícito,porém, se imoral, consistirá o ato em violação dos princípios e,portanto, improbidade administrativa.*//*Cabe referir, por oportuno, que se inserem nesse preceito inclusive astentativas de enriquecimento ilícito ou de causação de prejuízo aoerário (se não subsumidas a alguma figura prevista nas respectivasespécies, como a do art. 9º, V) e os mais freqüentes atos ilícitos eimorais praticados pelos agentes públicos, bem como o exercício deinfluência, ou o seu tráfico, para o fornecimento de vantagens lícitas,mas cujo processo de obtenção é tisnado pela imoralidade comportamental,ou ainda o abuso do poder sob qualquer de suas formas, a contaminação doato administrativo por vícios em seus requisitos, na forma do art. 2º daLei Federal n. 4.717/65 e da Lei Federal n. 9.784/99, porque o art. 11da Lei Federal n. 8.429/92 é norma residual que abrange qualquerviolação aos princípios da Administração Pública que não caracterizemenriquecimento ilícito ou lesão ao erário. O rol de atentados contraaqueles princípios exposto nos incisos I a VI do art. 11 éexemplificativo, como nas hipóteses dos arts. 9º e 10, de modo que todae qualquer ação ou omissão atentatória caracterizará a improbidade deque se trata como a contratação de pessoal por tempo determinado, semconcurso público ou procedimento administrativo exigidos em lei, e suaprorrogação, à margem da comprovação de necessidade temporária deexcepcional interesse público, caracteriza improbidade administrativa daespécie do art. 11 da Lei n. 8.429/92.*//Luiz Fabião Guasque observa que ela decorre da 'inobservância de umdever jurídico criado pela Constituição, e independe da vontade dequalquer pessoa', ao passo que Cláudio Ari Mello exige o dolo nocomportamento do agente e Carlos Alberto Ortiz entende 'implícita a

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culpa em sentido lato na violação dos deveres decorrentes dessesprincípios'. Não se comunga a tese de que, em razão da explícitaadmissão do dolo e da culpa no art. 10, a lei tenha exigido o dolo nosarts. 9º e 11 e tornado impunível o ato culposo nessas espécies deimprobidade administrativa. Efetivamente, não. O art. 11 preocupa-se coma intensidade do elemento volitivo do agente, pune condutas dolosas eculposas (aqui entendida a culpa grave). De outra parte, deve-seconsiderar, ainda, que é mister a ocorrência de grave e inequívocaviolação aos princípios e deveres administrativos, notadamentelegalidade e moralidade, que revele a falta de ética e não merasirregularidades que não configurem dano aos princípios e deveresadministrativos. Na linha de entendimento de que mera irregularidade ouilegalidade, por si só, não constituem improbidade administrativa,colhem-se algumas decisões. A essa conclusão chegaram o SuperiorTribunal de Justiça (na contratação de servidores públicos sem submissãoao prévio//concurso público) e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (emcaso de//servidor público que, apesar de registrada sua freqüência, em verdade,não prestou seus serviços, reconhecida como infração funcional) emhipóteses que, contudo, são bem expressivas da nota de desonestidade quese acresce à irregularidade ou à ilegalidade para a caracterização daimprobidade administrativa. Tais decisões, data venia, extirpam doâmbito da Lei Federal n. 8.429/92 a figura do atentado aos princípios daAdministração Pública (art. 11), quando esse não é o escopo doordenamento, pois, para a caracterização dessa espécie de improbidade,dispensa o prejuízo material, na medida em que censurado é o prejuízomoral (art. 21, I). Por isso, a violação ao princípio da legalidadecaracteriza improbidade administrativa quando o caso concreto demonstrenítida intenção de violação do ordenamento jurídico e grave ofensa aosdeveres éticos, com conotação do desvio de poder, como no caso decontratação de pessoal temporário à míngua do processo legal e dosrequisitos excepcionais, e sua prorrogação"/ - sem destaque no original/.///Neste ponto, cabe observar que cumpre ao magistrado definir o mandamentoadequado à solução da controvérsia, não havendo ofensa à teoria dasubstanciação no caso de se considerar aplicável dispositivo legaldiverso do invocado pelas partes, tendo em vista o princípio /jura novitcuria/. Por oportuno, traz-se à colação precedente do Superior Tribunalde Justiça:

/AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. VIOLAÇÃO DOS DEVERESDE MORALIDADE E IMPESSOABILIDADE. CONTRATAÇÃO MEDIANTE CARTA-CONVITEPELO MUNICÍPIO DE EMPRESAS AS QUAIS FAZIAM PARTE O VICE-PREFEITO E OIRMÃO DO PREFEITO, PESSOAS IMPEDIDAS DE LICITAR. LESÃO À MORALIDADE

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ADMINISTRATIVA QUE PRESCINDE DA EFETIVA LESÃO AO ERÁRIO. SANÇÕESPOLÍTICO-ADMINISTRATIVAS COMPATÍVEIS COM A INFRAÇÃO. PRINCÍPIO DARAZOABILIDADE.//1. A Ação de Improbidade Administrativa. Explicitação do cânone do art.37, § 4º da Constituição Federal. A Ação de Improbidade tem como escopoimpor sanções aos agentes públicos que pratiquem atos de improbidade noscasos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) quecausem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra osprincípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendidaa lesão à moralidade administrativa.//2. Preliminar de julgamento extra-petita. Os recorrentes foramdemandados em Ação de Improbidade, sede em que vários fatos foraminvocados como incidentes na citada Lei 8.429/92.//Assim os réus defenderam-se dos fatos, competindo ao juízo aqualificação jurídica dos mesmos.//Aliás, é cediço que a qualificação jurídica dos fatos é dever de ofíciodo Juízo, por isso iura novit curia.//Consectariamente, essa qualificação não integra a causa petendi e o seuajuste na decisão à luz da demanda inicial não significa violação daregra da congruência, consubstanciada nos artigos 128 e 460 do CPC.Nesse sentido é lição de Barbosa Moreira, in O Novo Processo CivilBrasileiro, 1995, p. 20-21.//Deveras, as multifárias ações administrativas que se enquadram no noveldiploma, transmudam o pedido de adequação das mesmas, aos fatosprevistos, como nítida ação fungível, podendo o juízo, ao decidir, imporsanção aliud porém minus. (...)//(REsp 439280/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em01/04/2003, DJ 16/06/2003 p. 265)/

Considerando que a atuação simultânea do Sr. Lindsley da Silva RascaRodrigues como Diretor-Presidente do IAP e Conselheiro da COPEL, emvirtude do perceptível conflito de interesses, violou o dever deimpessoalidade e gerou uma forte aparência de quebra da igualdade, com apossibilidade de conferir uma situação de vantagem à COPEL frente aosdemais concorrentes, incide à hipótese o art. 11, cabeça, da Lei8.429/92, que dispõe: /Constitui ato de improbidade administrativa queatenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ouomissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade,e lealdade às instituições, e notadamente:[...]. /Deixo de aplicar oinciso VIII do art. 9º, por não ter sido alegado e comprovado que o Sr.Lindsley da Silva Rasca Rodrigues tenha se enriquecido ilicitamente.

Quanto ao elemento volitivo da conduta do agente, havia julgados da 2ªTurma do STJ, no que tange à hipótese do art. 11 da Lei de Improbidade,reconhecendo a existência de improbidade administrativaindependentemente de dolo ou culpa. Confira-se: /A lesão a princípiosadministrativos contida no art. 11 da Lei nº 8.429/92 não exige dolo ouculpa na conduta do agente, nem prova da lesão ao erário público. Basta

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a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restarconfigurado o ato de improbidade/ (STJ, Segunda Turma, REsp 826678 / GO,Rel. Min. Castro Meira, J. 05.10.2006, DJ 23.10.2006). No mesmo sentido:STJ, Segunda Turma, REsp 287728 / SP, Rel. Min. Eliana Calmon, J.02.09.2004, DJ 29.11.2004; STJ, Segunda Turma, REsp 617851 / MG, Rel.Min. Eliana Calmon, J. 06.12.2005, DJ 19.12.2005. E ainda: /O ato deimprobidade é constatado de forma objetiva, independentemente de dolo oude culpa e é punido em outra esfera, diferentemente da via penal, da viacivil ou da via administrativa. (...) Diante das Leis de Improbidade ede Responsabilidade Fiscal, inexiste espaço para o administrador'desorganizado' e 'despreparado/ (STJ, Segunda Turma, REsp 708170/MG,Rel. Min. Eliana Calmon, J. 6.12.2005, DJ 19.12.2005).

No entanto, a jurisprudência mais recente do STJ passou a exigir apresença do dolo para o enquadramento da conduta no tipo do artigo 11.Confira-se:

/ADMINISTRATIVO - AÇÃO DE IMPROBIDADE - CONTRATAÇÃO DE ESCRITÓRIO DEADVOCACIA - AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO - VIOLAÇÃO DO ART. 11DA LEI 8.429/92 - EXIGÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO) - NOTÓRIAESPECIALIZAÇÃO - SÚMULA 7/STJ. 1. Na configuração de violação ao artigo11 da LIA, firmou o STJ entendimento que só se configura o tipo sob aforma dolosa (Precedentes de ambas as turmas) 2. Acórdão que bem abordoua questão de falta de apreciação do elemento subjetivo pela sentença. 3.Na verificação de serviços de notória especialização, quando édispensada licitação (Lei 8.666/93) é indispensável a avaliação dascircunstâncias fáticas de cada caso. Incidência da Súmula 7/STJ. 4.Recurso especial não conhecido (STJ, RESP 201000855128 2ª T., Min.Eliana Calmon, DJE DATA:04/02/2011)./

/PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADEADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO. PRESENÇADO ELEMENTO SUBJETIVO. MÁ-FÉ (DOLO). APLICAÇÃO DAS PENALIDADES.PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 1. O caráter sancionador da Lei 8.429/92é aplicável aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem osdeveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade àsinstituições e notadamente: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) atentem contraos princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida nessetópico a lesão à moralidade administrativa. 2. A exegese das regrasinsertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das sançõese restrições impostas ao agente público, deve ser realizada cum granusalis, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar deímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correçãoadministrativa, posto ausente a má-fé do administrador público,

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preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além do que olegislador pretendeu. 3. A má-fé, consoante cediço, é premissa do atoilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade,quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais daAdministração Pública, coadjuvados pela má-intenção do administrador. 4.Destarte, o elemento subjetivo é essencial à caracterização daimprobidade administrativa, à luz da natureza sancionatória da Lei deImprobidade Administrativa, o que afasta, dentro do nosso ordenamentojurídico, a responsabilidade objetiva. Precedentes: REsp 654.721/MT,Primeira Turma, julgado em 23/06/2009, DJe 01/07/2009; Resp 717.375/PR,Segunda Turma, DJ 08/05/06; REsp 658.415/RS, Segunda Turma, DJ de3.8.2006; REsp 604.151/RS, Primeira Turma, DJ de 08/06/2006. 5. Tata-sede de ação de improbidade proposta em face do ora recorrente, sob aalegação de que o réu, enquanto Prefeito Municipal de Caracaraí/RR,utilizava-se dos serviços de servidores públicos municipais para finsparticulares em sua residência. Desta sorte, a ocorrência de dano aopatrimônio público e a presença do elemento subjetivo na conduta doagente público (má-fé), restaram assentados pelo tribunal local à luz docontexto fático encartado nos autos, configurando-se, desta maneira,como ímprobo o ato praticado 6. As sanções do art. 12 da Lei 8.429/92não são necessariamente cumulativas, cabendo ao magistrado a suadosimetria; aliás, como deixa entrever o parágrafo único do mesmodispositivo. 7. O espectro sancionatório da lei induz interpretação quedeve conduzir à dosimetria relacionada à exemplariedade e à correlaçãoda sanção, critérios que compõem a razoabilidade da punição, sempreprestigiada pela jurisprudência do E. STJ. Precedentes: RESP 664856/PR,desta relatoria, DJ de 02.05.2006; RESP 507574/MG, Relator MinistroTeori Zavascki, DJ de 08.05.2006; RESP 513.576/MG, Relator p/ acórdãoMinistro Teori Zavascki, DJ de 06.03.2006; RESP 291.747, RelatorMinistro Humberto Gomes de Barros, DJ de 18/03/2002; RESP 300.184/SP,Relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 03.11.2003 e RESP 505.068/PR,desta relatoria, DJ de 29.09.2003. 8. Destarte, revela-se necessária aobservância da lesividade e reprovabilidade da conduta do agente, doelemento volitivo da conduta e da consecução do interesse público, paraefetivar a dosimetria da sanção por ato de improbidade, adequando-a afinalidade da norma. 9. In casu, a desproporcionalidade das penas deperda da função pública e suspensão de direitos políticos por 8 (oito)anos, aplicadas ao condenado, é manifesta, mercê de evidente adesobediência ao princípio da razoabilidade, circunstância que, por sisó, viola o disposto no art. 12, parágrafo único da Lei 8.429/92,verificável independentemente da análise de fatos e provas constantesdos autos. 10. Recurso especial parcialmente provido, para que sejamexcluídas da condenação do ora recorrente as penas de perda da funçãopública e suspensão de direitos políticos por 8 (oito) anos, nos termosda fundamentação (STJ, RESP 200901457225, 12ª T., Min. Luiz Fux, DJEDATA: DJE DATA:15/12/2010)./

A doutrina também entende necessária uma atuação dolosa para aresponsabilização do réu, de acordo com o /caput/ do art. 11 da Lei8.429/92. Nessa senda: "/Havendo vontade livre e consciente de praticar

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o ato que viole os princípios regentes da atividade estatal, dir-se-áque o ato é doloso; o mesmo ocorrendo quando o agente, prevendo apossibilidade de violá-los, assuma tal risco com a prática do ato/"./[...] Ante o teor da Lei 8.429/1992, constata-se que apenas os atos queacarretem lesão ao erário (art.10) admitem a forma culposa, pois somenteaqui tem-se a previsão de sancionamento para tal elemento volitivo. Nashipótese de enriquecimento ilícito (art.9º) e violação aos princíposadministrativos (art. 11), o ato deve ser doloso. /(GARCIA, Emerson;ALVES, Rogério Pacheco*. Improbidade Administrativa*, 5ª. Edição, RJ,Lumen Juris, 2010, pg. 363).

No caso dos autos, a atuação concomitante do réu Lindsley da Silva RascaRodrigues, em funções incompatíveis, como Diretor-Presidente do IAP eConselheiro (de Administração e Fiscal) da COPEL, em que pese oregulamento do IAP autorizar somente o exercício de outras funçõescompatíveis com a posição e determinar a designação de substituto para ocaso de impedimento, foi livre e consciente.

Destarte, a prova dos autos é no sentido da participação direta,voluntária e consciente do réu, que atentou contra os princípios daimpessoalidade, moralidade, imparcialidade, honestidade e lealdade àsinstituições.

Diante do exposto, resta caracterizada a improbidade administrativa doréu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues.

*II.B.2.3 DAS PENAS PELOS ATOS DE IMPROBIDADE ATRIBUÍDOS AO RÉU*

De início, saliento que por estarem previstas no § 4º do art. 37 da CFtão somente as penas de suspensão dos direitos políticos, a perda dafunção pública e o ressarcimento ao erário as demais penalidadesestabelecidas no art. 12 da Lei 8.429/92 (pagamento de multa civil eproibição de contratar ou receber incentivos do Poder Público) não sãoinconstitucionais.O STJ já teve a oportunidade de se manifestar sobre aconstitucionalidade do acréscimo de sanções feito pela lei ordinária eque não foram previstas no § 4º do art. 37 da CF:/"[...] V- O dispostono art. 12 da Lei n.º 8.429/92 se coaduna com a ordem constitucionalvigente, mais precisamente com o art. 37, § 4º, da atual ConstituiçãoFederal, sendo cabível a aplicação de sanções outras que não asprevistas no referido dispositivo constitucional"/ (STJ, 1a T., Resp.440.178-SP, rel. Min. Francisco Falcão, j. em 08.06.2004, DJU de16.08.2004, p. 135).

Registre-se que "/As sanções civis impostas pelo art. 12 da Lei8.429/1992 aos atos de improbidade administrativa estão em sintonia comos princípios constitucionais que regem a administração pública/." (RE598.588-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-2-2010,Segunda Turma,DJE de 26-2-2010.)

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Ainda, cabe dizer que a fixação da sanção no caso concreto independe daefetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena deressarcimento (art. 21, inciso I).

A Lei 8.429/1992 comina abstratamente as sanções aplicáveis aos atos deimprobidade, consoante sejam caracterizados pelo enriquecimento ilícito(art. 9º), pela lesão ao erário (art. 10) ou pela violação aosprincípios da Administração Pública (art. 11). A cada uma das espéciesforam atribuídas penalidades próprias.

Assim, nos termos do artigo 12 da Lei 8.429/82, independentemente dassanções penais, civis e administrativas, previstas na legislaçãoespecífica, o responsável por ato de improbidade está sujeito àsseguintes cominações:

/I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidosilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quandohouver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos deoito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor doacréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público oureceber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ouindiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejasócio majoritário, pelo prazo de dez anos;//II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dosbens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer estacircunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticosde cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valordo dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receberbenefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ouindiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejasócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;//*III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, sehouver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos detrês a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor daremuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o PoderPúblico ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica daqual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos*.//Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levaráem conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonialobtido pelo agente. /- destaquei.

Ao elencar as penalidades aplicadas nos casos de comprovada improbidadeadministrativa, o artigo 12 da Lei nº 8.429/1992 não o faz,necessariamente, de forma cumulativa, como tem decidido o STJ: REsp nº300.184/SP, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de 03/11/2003; REsp nº505.068/PR, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 29/09/2003; REsp nº 513.576/MG,Rel. p/ acórdão Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 06/03/2006. Assim,deve o magistrado explicitar as razões pelas quais cumulou as sanções,

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sempre norteado pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

De acordo com o que o foi exposto, a conduta do réu foi enquadrada noart. 11, /caput/, da Lei 8.429/1992, posto que praticou ato deimprobidade que atentou contra os princípios da administração pública,violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, elealdade às instituições, devendo a condenação do réu pautar-se pelasdisposições contidas no art. 12, III, da Lei 8.429/1992, supra transcrito.

Deste modo, atendendo-se aos princípios da razoabilidade e daproporcionalidade e observando os parâmetros estabelecidos pelo incisoIII da Lei n.º 8.429/1992, fixo as penas para o réu Lindsley da SilvaRasca Rodrigues, estabelecendo uma relação de adequação entre a suaconduta e a penalização.

Individualização das sanções:

a) *a perda da função pública* que o réu esteja ocupando por ocasião dotrânsito em julgado desta sentença, ainda que ela não tenha relaçãodireta com aquela que exercia por ocasião da prática do ato de improbidade.

Essa sanção tem por finalidade excluir da Administração aquele quepraticou conduta incompatível com o exercício da função pública, o queocorre no caso em análise.

Exerce "função pública" (expressão utilizada pelo art. 12, III, da Lei8.429/1992 e pelo art. 37, § 4º, da CF), segundo o art. 2º, da Lei8.429/1992, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou semremuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualqueroutra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou funçãonas entidades mencionadas no artigo 1º de citada legislação. Enfim,qualquer que seja o vínculo que o réu ocupe, por ocasião do trânsito emjulgado da sentença, inclusive mandato eletivo, deverá ser imediatamenterompido por força do art. 12, III, da Lei 8.429/1992 e art. 37, § 4º, da CF.

Assim, "/é irrelevante que o ilícito, /verbi gratia/, tenha sidopraticado em detrimento de um ente municipal e o agente, por ocasião daaplicação da sanção, mantenha uma relação funcional com a administraçãoestadual, pois a dissolução deverá abranger todos os vínculos mantidoscom o Poder Público, designativo que abrange os sujeitos passivos dosatos de improbidade/" (EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES. Op.cit.,p. 578).

Por outro lado, tratando-se "/de agente público que, por ocasião daprolação da sentença condenatória, esteja na inatividade, haverá de sercancelado o vínculo de ordem previdenciária existente com o PoderPúblico, o qual nada mais é do que a continuidade do vínculo existentepor ocasião da prática dos atos de improbidade, tendo ocorridounicamente a modificação da situação jurídica de ativo para inativo/"

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(Idem. ibidem., p. 579).

Assim, caso o réu esteja, por época do trânsito em julgado, aposentado,ainda que o vínculo mantido com a Administração não guarde relação com ocargo que ocupava na ocasião da prática do ato de improbidade, deveráser cassada sua aposentadoria.

b) *a sanção civil-política da suspensão dos direitos políticos*, nostermos do art. 37, § 4º, c.c o art. 15, V, da CF, é cabível, pois guardaproporcionalidade com os atos e função do réu. Aliás, essa sanção é aque melhor tem adequação nas condutas de improbidade, que atinge a todose gera efeitos indiretos a cada um, além de constituir uma forma deexclusão da vida pública por determinado período, proporcionandoreflexão sobre a conduta praticada em cotejo com as questões políticas esociais do País. *Devem os direitos políticos do réu ser suspensos peloperíodo de 5 anos.*

c)**cabível, igualmente, a condenação do réu ao pagamento em favor daUNIÃO de *multa civil* *no valor de 50 vezes o valor da suaremuneração*, a ser devidamente corrigido pelos índices da Tabela deCorreção Monetária do Conselho da Justiça Federal a partir desta data eacrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir da data docredenciamento da COPEL para o leilão nº 002/2005- ANEEL para aconcessão da UHE Mauá (*24.11.2005).*

A multa civil em questão mostra-se razoável, na medida em que puneadequadamente o agente público do órgão licenciador ambiental, queexerce função incompatível com a sua posição e que tem potencial deinfluir no resultado de leilões para a concessão de novosempreendimentos de geração de energia elétrica, podendo beneficiarempresa concessionária de energia na qual exerce cargo de direção.

d) deve, ainda, o réu ser condenado à *proibição de contratar com oPoder Público* federal, estadual ou municipal ou deles receberbenefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ouindiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejasócio majoritário, *pelo prazo de 3 anos. *O impedimento de contratarcom o Poder Público ou dele receber incentivos fiscais, igualmentemostra-se proporcional, e tem por finalidade tutelar a AdministraçãoPública, que já fora atingida por conduta ilícita do réu.

De acordo com o artigo 20 da Lei n.º 8.429/1992, as sanções de perda dafunção pública e a suspensão dos direitos só se efetivam com o trânsitoem julgado desta sentença.

*II.B.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS*

A CNEC alegou que a atuação do órgão ministerial foi pautada porexpedientes temerários e de retidão duvidosa e requereu a condenação da

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parte autora nas penas de litigante de má-fé. Contudo, no presente caso,inexiste nos autos qualquer elemento que possa sugerir dolo processualapto a induzir à má-fé da parte autora.

*III. DISPOSITIVO*Ante o exposto, e do mais que dos autos consta, nos termos dafundamentação, rejeito as preliminares arguidas e, no mérito, julgoparcialmente procedentes os pedidos, extinguindo o processo comresolução de mérito, forte no art. 269, I do CPC, para o fim de:

*III.1) *DECLARAR *_que a bacia do Rio Tibagi é território kaingang eguarani, nos termos dos artigos 13 e 14 da Convenção 169 da OIT_*__,devendo ser observado por todos os réus que os estudos de impactoambiental para a implantação de empreendimentos hidrelétricos na bacia,deverão considerar essa territorialidade na definição da área deinfluência para meio sócio-econômico e cultural;

*III.2) *DETERMINAR ao IBAMA*_que assuma o licenciamento ambiental daUHE Mauá_*__, após o trânsito em julgado da decisão de mérito da ACP1999.70.01.007514-6, *_devendo manter sua competência supletiva até lá_*__;

*III.3) *CONDENAR a empreendedora CNEC ao pagamento de danos moraiscoletivos no valor de *R$* *40.000.000,00 (quarenta milhões de reais)*,corrigido pelos índices da Tabela de Correção Monetária do Conselho daJustiça Federal a partir desta data e acrescidos de juros de mora de 1%ao mês a partir da data da protocolização do EIA-RIMA no IAP(*03.12.2004*), devendo a metade deste valor ser revertida às oitocomunidades indígenas impactadas (Mococa, Queimadas, Apucaraninha, Barãode Antonina, São Jerônimo, Pinhalzinho, Laranjinha eYvyporã-Laranjinha), cujos montantes deverão ser acordados pela FUNAI eMPF, de acordo com o grau de percepção dos impactos advindos da UHE Mauápor cada uma delas, e o restante deverá reverter em favor do Fundo deDefesa de Direitos Difusos, nos termos previstos nas Leis n. 7.797/89 e7.347/85;

*III.4) *CONDENAR o corréu Lindsley da Silva Rasca Rodrigues nas penascominadas no art.12, inciso III, da Lei 8.429/92, consistentes na(o):

(i) *perda da função pública* que esteja exercendo por ocasião dotrânsito em julgado desta sentença, inclusive mandato eletivo, emqualquer dos Poderes da União, Estados, ou Municípios, ficandoigualmente condenado a perder sua aposentadoria decorrente de vínculocom o Poder Público (União, Estados ou Municípios) caso esteja nessacondição por ocasião do trânsito em julgado desta sentença;

(ii) *suspensão dos direitos políticos por 5 anos*;(iii) pagamento em favor da UNIÃO de *multa civil* *no valor de 50 vezeso valor da sua remuneração*, a ser devidamente corrigido pelos índicesda Tabela de Correção Monetária do Conselho da Justiça Federal a partir

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desta data e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir da datado credenciamento da COPEL para o leilão nº 002/2005- ANEEL para aconcessão da UHE Mauá (*24.11.2005);*

(iv) *proibição de contratar com o Poder Público* federal, estadual oumunicipal ou deles receber benefícios ou incentivos fiscais oucreditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoajurídica da qual seja sócio majoritário, *pelo prazo de 3 anos.*

Pois bem. Diante da parcial procedência do pedido resta configurado ofundamento da demanda. O /periculum in mora /decorre do risco de futurosestudos ambientais não considerarem a territorialidade indígena,reconhecida nesta sentença, na definição da área de influência para meiosócio-econômico e cultural, a exemplo do que vem ocorrendo com aproblemática instaurada nos autos da ACP nº 5000063-51.2011.404.7001,cf. fundamentado no item II.A.3, bem como do fato de que o licenciamentoambiental deve ser conduzido pelo órgão ambiental competente para tanto.

Sendo assim, em cognição exauriente, *ANTECIPO PARCIALMENTE OS EFEITOSDA SENTENÇA, *com fundamento no artigo 461, §3º, do CPC c/c o artigo 12,/caput/, da Lei nº 7.347/85, para: [i] que seja observado por todos osréus que os estudos de impacto ambiental para a implantação deempreendimentos hidrelétricos na bacia, deverão considerar que a baciado Rio Tibagi é território kaingang e guarani, nos termos dos artigos 13e 14 da Convenção 169 da OIT e que essa territorialidade deve serobservada na definição da área de influência para meio sócio-econômico ecultural; [ii] determinar ao IBAMA**que assuma a condução dolicenciamento ambiental da UHE Mauá, imediatamente após o trânsito emjulgado da decisão de mérito da ACP 1999.70.01.007514-6, ou seja,independentemente do trânsito em julgado desta ACP.

Para ambas as hipóteses, em caso de descumprimento, incidirá multadiária de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), sem prejuízo das demaispenalidades e providências cabíveis, sendo que, no segundo caso, a multaincidirá a partir do trânsito em julgado da ACP 1999.70.01.007514-6.

Sucumbência recíproca em igual proporção.Custas /pro rata/, das quais a parte autora e os entes públicos réus sãoisentos (art. 4º da Lei nº 9.289/96 e art. 18 da Lei nº 7.347/85).

*_Encaminhe-se cópia desta sentença ao Ministério Público do Paraná, ematenção ao ofício de fls. 3481._*__

*Após o trânsito em julgado:*

a) expeçam-se ofícios ao Tribunal de Contas da União, àControladoria-Geral da União, ao Tribunal de Contas do Estado do Paranáe ao Município de Curitiba/PR, onde reside o réu, dando-lhes ciência dasentença para fins de informá-los da proibição do réu de contratar com oPoder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou

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creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoajurídica da qual seja sócio majoritário, pelo período fixado nesta sentença;

b) voltem conclusos para cumprimento do disposto no art. 3º da Resoluçãonº 44, de 20 de novembro de 2007, do Conselho Nacional de Justiça, quedispõe sobre a criação do Cadastro Nacional de Condenados por Ato deImprobidade Administrativa no âmbito do Poder Judiciário Nacional.

Sem reexame necessário, na espécie.

Informo às partes que na eventual subida do processo ao TRF4 ospresentes autos serão digitalizados, passando a tramitar no meioeletrônico (sistema e-Proc) por força do disposto no art. 1º, § 4º, daResolução nº 49, de 14 de julho de 2010, motivo pelo qual seráobrigatório o cadastramento dos advogados na forma do art. 5º da Lei nº11.419/2006.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Londrina, 10 de outubro de 2011.

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Roberto Lima SantosJuiz Federal Substituto

------------------------------------------------------------------------Documento eletrônico assinado por *Roberto Lima Santos, Juiz FederalSubstituto*, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 dedezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de2010. A conferência da *autenticidade do documento* está disponível noendereço eletrônico http://www.jfpr.jus.br/gedpro/verifica/verifica.php,mediante o preenchimento do código verificador *5444105v46* e, sesolicitado, do código CRC *735A6980*.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ROBERTO LIMA SANTOS:2457Nº de Série do Certificado: 275F61B4E9558C40Data e Hora: 10/10/2011 13:54:31

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