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Ação Civil Pública
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Promotoria de Justiça Regional Ambiental com sede em Valença/BAEXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DAFAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE VALENÇA/BA
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por seu Promotor de
Justiça infra firmado, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, lastreado no Inquérito
Civil nº 597.0.82138/2012 ( autos em anexo), e com fundamento nos arts.129, inciso III, da
Constituição Federal, e 138, III, da Constituição Estadual, na Lei nº 7.347/85, no art.25, inciso
IV, alínea “a”, da Lei n.º 8.625/93, e no art.72, inciso IV, alínea “b”, da Lei Complementar
Estadual nº 11/96, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE
COM REQUERIMENTO LIMINAR
em face do MUNICÍPIO DE VALENÇA, pessoa jurídica de direito público interno,
inscrita no CNPJ sob o número 14,235.899/0001-36, com sede na Travessa General Labatut,
s/n, Centro, Valença/BA, pelas razões fáticas e jurídicas a seguir elencadas:
__________________________________________________________________________________________Promotoria de Justiça Regional Ambiental com sede em Valença/BA
Rua Luís Eduardo Magalhães, 258, Jardim Grimaldi, Valença/BA - CEP 45.400-000Telefax (75) 3641-2172/6511 – E-mail [email protected]
I – DOS FATOS
Instaurou-se, na Promotoria Regional Ambiental com sede em Valença/BA, o
Inquérito Civil tombado sob o número 597.0.82138/2012, para, em cumprimento a um
programa desenvolvido pela Gestão Estratégica do Parquet baiano, denominado “Município
Ecolegal”, averiguar a necessidade de regularização do Sistema Municipal de Meio Ambiente
de Valença, em especial a realização do licenciamento ambiental.
Durante este procedimento, a Câmara Temática de Sistema Municipal de Meio
Ambiente, do Ministério Público do Estado da Bahia, analisou extensa documentação
fornecida pela própria Administração do Município de Valença e apresentou o relatório
analítico de fls.222 a 271 dos aludidos autos.
O mencionado relatório analítico concluiu que o Município de Valença deveria, de
maneira imediata, adotar as providências aqui destacadas para regularizar o seu Sistema de
Meio Ambiente, colocando-o em conformidade com o ordenamento jurídico-constitucional
vigente:
“a. Comunicar através de ofício à Superintendência de Políticas e
Planejamento Ambiental – SPA / Secretaria Estadual de Meio Ambiente – SEMA
a sua não capacidade técnica e administrativa, para que o Estado exerça a
competência supletiva para o licenciamento dos empreendimentos e atividades
de impacto local (…);
e. Realizar concurso público para a investidura de servidores próprios
aos cargos de fiscalização e de sua estrutura técnica de licenciamento, caso
pretenda licenciar.
f. Realizar a fiscalização ambiental, para coibir ou evitar o dano
ambiental, de forma preventiva e repressiva e de maneira continuada, uma vez
que o município não pode se abster desta ação administrativa para proteção dos
seus recursos ambientais”.
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O trabalho da Câmara Temática não se resumiu em realizar um diagnóstico. Além de
apontar as correções necessárias a serem levadas a efeito pelos Municípios, elaborou diversos
documentos para guiá-los nesse processo de adequação.
Para tanto, expediu a nota técnica 001/2014 sobre a estruturação do Sistema Municipal
de Meio Ambiente e a nota técnica 001/2013, que versou sobre diretrizes básicas para a
elaboração ou revisão da Lei da Política Municipal de Meio Ambiente – PMMA. Outrossim,
elaborou ainda uma minuta de Lei de Referência para a Política Municipal de Meio Ambiente
e uma apostila que trata do “SISMUMA: O papel do Município e a importância do Conselho
de Meio Ambiente” (vide material do CD ROOM inserto na fl. 272 dos autos do Inquérito
Civil).
Este órgão de execução ministerial também se preocupou em discutir e proporcionar
ao Município de Valença as condições para que observasse as correções apontadas nas
conclusões dos relatórios analíticos da Câmara Temática.
Nesse sentido, este órgão do Parquet designou audiência extrajudicial e, na
oportunidade, propôs Termo de Ajustamento de Conduta ao ora Acionado para que
promovesse a regularização do seu Sistema Municipal de Meio Ambiente, nos termos
apontados pelo citado relatório analítico apresentado pela Câmara Temática de Sistema
Municipal de Meio Ambiente (vejam-se o ofício de fl. 275 e a ata de audiência extrajudicial
de fl. 277 do expediente tombado sob o número 597.0.82138/2012). No entanto, o Réu
apresentou resposta ao Ministério Público, afirmando que, não obstante tenha apenas uma
única bióloga para exercício da atividade de licenciamento ambiental, informou, sem assinalar
prazo, que contratará outros técnicos concursados para exercício desta atividade (vide fls. 334
a 380 dos autos do expediente anexo).
De outro lado, como se prova da consulta realizada no sítio eletrônico da Secretaria
Estadual de Meio Ambiente do Estado da Bahia, o Município de Valença continua apto ao
licenciamento ambiental, no nível 3, sendo sua a obrigação conceder licença ambiental para
empreendimentos e atividades de tal porte (não obstante a deficiência apontada na sua equipe
técnica) visto que o Estado somente poderia exercê-la com a declaração espontânea do
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Município-Acionado de sua incapacidade de fazê-lo e com a consequente ciência do ente
estadual do teor desta declaração. É o que evidencia a documentação de fl. 281 dos autos do
Inquérito Civil de número 597.0.82138/2012.
Referida situação foi objeto, inclusive, de uma Moção de Preocupação e Solicitação de
Providências apresentada ao Ministério Público pelo próprio Conselho Municipal de Defesa
do Meio Ambiente, que questiona a capacidade técnica do Município de Valença exercer a
atividade de licenciamento ambiental, contando, em seu quadro de funcionários, com apenas
uma única bióloga (vide fls. 381 a 383 dos autos do expediente ministerial).
Não se olvidam as dificuldades econômicas por que passam os entes públicos na atual
conjuntura do país, o que certamente dificulta a contratação, pelo Município-Acionado, de
técnicos concursados para exercício da atividade de licenciamento ambiental. Neste caso, é
perfeitamente possível que, até que se forme uma equipe interdisciplinar, como exige a lei,
que o Município declare sua incapacidade técnica para exercício da atividade, invocando o
ente estadual a atuar supletivamente neste setor, na forma prevista no ordenamento jurídico
vigente, conforme será demonstrado no tópico seguinte. O que não se pode admitir é que o
Réu, agindo contrariamente às regras jurídicas que tratam da matéria, declare-se capaz para
exercer a atividade de licenciamento com apenas uma bióloga no seu quadro de servidores.
Assim, alternativa não restou ao Ministério Público senão ingressar com a presente
ação visando resguardar o meio ambiente. Busca-se junto ao Poder Judiciário a determinação
para que o Município de Valença, ora acionado, proceda a adequação do seu Sistema
Municipal de Meio Ambiente, suspendendo até lá as ações de licenciamento e autorização
ambiental.
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II – DO DIREITO
A – DOS REQUISITOS MÍNIMOS PARA O EXERCÍCIO DAS ATIVIDADES
DE LICENCIAMENTO E AUTORIZAÇÃO AMBIENTAL
Prescreve a Constituição Federal que é dever do Poder Público e da coletividade
defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado (art.225) e o licenciamento
ambiental mostra-se um importantíssimo instrumento para atingir tal objetivo.
É por meio dele que o Poder Público imporá condições e limites para o exercício de
atividades potencial ou efetivamente poluidoras, desde a concepção até o funcionamento do
empreendimento.
Sabemos que as atividades humanas dificilmente se desenvolvem sem a utilização de
recursos naturais e o escopo do licenciamento não é apenas adequá-las aos padrões ambientais
aceitos, mas também procurar evitar, diminuir ou compensar os seus impactos negativos.
A edição da Lei Complementar n.º 140/11 trouxe novos contornos e segurança jurídica
ao fixar normas para a cooperação entre os entes federativos, nos termos do art.23 da
Constituição Federal, especialmente para as questões relacionadas ao licenciamento
ambiental.
Foram definidas as atuações dos diversos entes federativos, sepulcrando as dúvidas
que existiam decorrentes da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) e da
Resolução nº 237/97 do CONAMA, principalmente no tocante ao reconhecimento de
atribuições municipais.
A LC nº 140/11 previu os empreendimentos e atividades que serão licenciados pela
União (art.7º, XIV), Estados (art.8º, inc.XIV e XV) e Municípios (art.9º, XIV), sendo
atribuídos aos últimos aqueles:
a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local,
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conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio
Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da
atividade; ou
b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município,
exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs)
No Estado da Bahia encontra-se em vigor a Resolução nº 4.327/13, do Conselho
Estadual de Meio Ambiente – CEPRAM, que dentre outros assuntos, dispõe sobre as
atividades de impacto local de competência dos Municípios (vide fls. 283 a 332 do expediente
ministerial anexo).
Para que o Município exerça as ações administrativas de licenciamento ambiental, nos
termos do art.4º da citada Resolução, deverá:
I – Possuir legislação própria que disponha sobre a política de meio
ambiente e sobre a polícia ambiental administrativa, que discipline as normas e
procedimentos do licenciamento e da fiscalização de empreendimentos ou
atividades de impacto local;
II – Ter implementado e estar em funcionamento o Conselho Municipal
de Meio Ambiente;
III – Possuir em sua estrutura administrativa órgão responsável com
capacidade administrativa e técnica interdisciplinar para o licenciamento,
controle e fiscalização das infrações ambientais das atividades e
empreendimentos e para a implementação das políticas de planejamento
territoriais;
Primeiramente, ao se exigir que o Município tenha legislação própria (inciso I), nada
mais foi feito senão observar o princípio da legalidade.
Ao tratar deste princípio, Maria Sylvia Zanella di Pietro claramente expôs que ele “(...)
nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos
direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também
os limites de atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais
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direitos em benefício da coletividade.” (Direito Administrativo, 17ª edição, Ed. Atlas, pg.67).
Nesse sentido, já havendo legislação própria que regulamenta a Política de Meio
Ambiente do Município-Acionado, o relatório analítico da Câmara Temática apenas apontou a
necessidade de cumpri-la e executá-la fielmente (vide fl. 269 dos autos do IC).
Também havendo Conselho Municipal de Meio Ambiente em Valença, o relatório
analítico citado indicou tão somente a necessidade de mantê-lo em funcionamento regular,
assegurando o seu caráter consultivo, normativo, recursal e deliberativo (neste último caso,
com destaque especial para apreciação dos processos de licenciamento ambiental).
Quanto à estrutura administrativa exigida no art.4º, inc. III, da Resolução CEPRAM n.º
4.327/13, o Município de Valença apresenta para o licenciamento uma única bióloga e, à
época da prestação das informações requisitadas pelo Ministério Público, para a fiscalização,
apenas um servidor. Somando-se aos bens e equipamentos informados, o relatório analítico
concluiu que o órgão ambiental não se caracteriza como capacitado.
O próprio inciso III fala em “equipe técnica interdisciplinar” para o licenciamento.
Como muito bem explicado na nota técnica nº 001/2014, da Câmara Temática de Sistema
Municipal de Meio Ambiente:
De tal modo, o Órgão Ambiental, de acordo com a sua demanda de
licenciamento, deve atentar que uma equipe multidisciplinar deve possuir
profissionais habilitados para o meio físico (abiótico), para o meio biológico
(biótico) e para o meio socioeconômico, bem como que os técnicos devem ser de
nível superior e não podem exercer atribuições que sejam privativas de outra
habilitação profissional, de tal forma que esta equipe tenha conhecimento e
habilitação equiparada para avaliar os estudos ambientais apresentados pelo
empreendedor, como mencionado no art.11 da Res. CONAMA 237/97 (vide
material do CD ROOM anexo).
Insta salientar que, como a norma jurídica que rege matéria exige que a equipe técnica
responsável pela atividade de licenciamento ambiental seja “interdisciplinar”, deve-se concluir
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que não basta apenas a incorporação ao quadro de servidores do Município de profissionais de
uma única área de conhecimento relacionada ao meio ambiente, mas sim de diversas
modalidades, a exemplo de engenharia, biologia, arquitetura, urbanismo, agronomia, direito,
sociologia, etc.
Neste caso, em observância ao princípio da razoabilidade, deve-se considerar que uma
equipe técnica, para atender as regras vigentes, deve ser composta por profissionais com
formação de nível superior ou de pós-graduação em áreas diversas de conhecimento
relacionadas à questão ambiental, para que se garanta a interdisciplinaridade e conhecimento
técnico exigidos pela norma jurídica ora sob análise.
Importante também frisar que tanto as atividades de licenciamento, quanto as de
fiscalização ambiental devem ser realizadas por servidores públicos concursados, como exige
a Constituição Federal vigente. Isso porque tais atividades são típicas do Poder Público, do
exercício do poder de polícia, devendo os atos que delas decorrem ser praticados por
servidores legalmente investidos nos seus cargos.
A respeito do assunto, o Supremo Tribunal Federal, na ADI 2310 MC, cujo relator foi
o Ministro Marco Aurélio, já firmou o entendimento que os agentes públicos responsáveis
pelo Poder de Polícia devem estar investidos em cargos públicos efetivos, já que “hão de
estar as decisões desses órgãos imunes a aspectos políticos, devendo fazer-se presente,
sempre o contorno técnico. (...) Prescindir, no caso, da ocupação de cargos públicos, com os
direitos e garantias a eles inerentes, é adotar flexibilidade incompatível com a natureza dos
serviços a serem prestados, igualizando os servidores das agências a prestadores de serviços
subalternos, dos quais não se exige, até mesmo, escolaridade maior, como são serventes,
artífices, mecanógrafos, entre outros. Atente-se para a espécie. Está-se diante de atividade na
qual o poder de fiscalização, o poder de polícia fazem-se com envergadura ímpar, exigindo,
por isso mesmo, que aquele que a desempenhe sinta-se seguro, atue sem receios outros, e isso
pressupõe a ocupação de cargo público, a estabilidade prevista no artigo 41 da Constituição
Federal”.
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Vê-se, portanto, que o Município de Valença não está apto ao exercício das atividades
de licenciamento ambiental, eis que seu órgão ambiental não é tecnicamente capaz, tal como
exigido pelo ordenamento jurídico-constitucional para o exercício desta importante função.
Em conformidade com o art.15, da LC nº 140/11 o art.10, da Resolução CEPRAM nº
4.327/13 estabelece que a não capacidade municipal caracterizada pela inexistência e/ou
inaptidão de órgão ambiental capacitado ou de Conselho Municipal de Meio Ambiental, dará
ensejo à instauração da competência supletiva do Estado para o desempenho das ações
administrativas de licenciamento e da autorização ambiental.
Diante de tal quadro, o Município-Acionado deverá suspender imediatamente as ações
de licenciamento e comunicar o Estado da Bahia (art.10, §1º, da Resolução CEPRAM nº
4.327/13). Como já exposto, mesmo demonstrado que o Município de Valença não apresenta
capacidade para exercer as atividades de licenciamento e autorização ambiental, ainda não
houve a comunicação ao ente responsável para fins de atuação supletiva.
B) DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO
A Lei Maior determina, em seu art.37, §6º, que as pessoas jurídicas de direito público
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.
Ainda no texto constitucional, o art.225, §3º, disciplina que “as condutas e atividades
consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a
sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados”.
Assim, com base na Constituição, entende-se que a responsabilidade do Estado é
objetiva, na medida em que seus agentes, agindo nessa qualidade, responderão pelos danos
causados, independentemente da existência de dolo ou culpa, além do que um mesmo fato
danoso causado ao meio ambiente pode ensejar a responsabilização nas esferas cível, penal e
administrativa.
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A Lei Federal nº 6.938/81, em seu art.14, §1º, também previu a responsabilidade
objetiva daquele que causa dano ao meio ambiente, adotando, portanto a teoria do risco
integral. De acordo com essa teoria, o dever de reparar os prejuízos surge independentemente
da prova de culpa do agente, bastando a demonstração da existência do dano e do nexo causal
entre ele e a atividade exercida.
Nesta ordem de ideias, Juarez Freitas em obra coletiva1 entende que: “a
responsabilidade do Estado será objetiva caso (i) a sua conduta ilícita (na produção de atos ou
fatos jurídicos) faça deflagrar, no mundo fenomênico, uma situação causadora de lesão ao
patrimônio de terceiros; e, ainda, (ii) se o comportamento estatal comissivo ilícito causar dano
patrimonial a terceiros”.
Considerando a legislação acima citada e a situação do Município, pode-se considerar
que o ente federativo, no momento em que assumiu a responsabilidade de desenvolver a
atividade de licenciamento ambiental, para a qual não possui a infraestrutura adequada e
necessária, concedendo licenças ambientais para empreendimentos localizados em seu
território, assumiu os riscos da atividade, devendo, portanto, ser responsabilizado por tal
conduta.
Reforce-se que o Município, ao agir comissivamente de forma contrária às normas de
proteção ambiental, notadamente no que se refere aos princípios da prevenção e da precaução,
concedendo licenças de forma equivocada, se tornou corresponsável pelos danos ambientais
que possam ser causados pela atividade licenciada.
Outro aspecto que merece destaque é o fato de que o Município tem o dever de realizar
a atividade de fiscalização e monitoramento ambiental, isto é, o Estado está obrigado a exercer
o poder de polícia em relação a um determinado bem jurídico, no caso em tela o meio
ambiente.
A esse respeito, a Política Nacional de Meio Ambiente traz uma série de dispositivos
1FREITAS, Juarez (org.). Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo:Malheiros, 2006, p.79.
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em que esse dever de fiscalizar do Estado se materializa, tais como o art.2º, caput e inciso III,
o art.6º, caput e inciso VI e o art.11, §§1º e 2º.
Da análise, portanto, de tais dispositivos, vê-se que há um dever do Estado, por meio
de seus órgãos e agentes, de fiscalizar o exercício de atividades que envolvam a utilização dos
recursos ambientais, de modo que o município não cumprindo este dever pode e deve ser
responsabilizado.
C) DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
É sabido que a principal atitude a ser tomada por todos nós, de uma forma geral, é agir
preventivamente para evitar ou prevenir o dano ambiental quando pode ser antevisto. O
mesmo deve ocorrer quando há incerteza científica no desenvolvimento de certas atividades,
atitude que congrega o princípio da precaução.
A Declaração do Rio de Janeiro trouxe, em seu princípio 15, que “de modo a proteger
o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de
acordo com suas capacidades. Quando houver ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a
ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar
medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.
Paulo Affonso Leme Machado traz a acertada afirmação do italiano Sérgio Marchisiso
de que “o princípio da precaução emergiu nos últimos anos como um instrumento de política
ambiental baseado na inversão do ônus da prova: para não adotar medida preventiva ou
corretiva é necessário demonstrar que certa atividade não danifica seriamente o ambiente e
que essa atividade não causa dano irreversível” (Direito Ambiental Brasileiro, 21ª ed.,
Malheiros, p.117).
Cabe, então, ao suposto poluidor demonstrar que aquela atividade que lhe é creditada
não é impactante ou não causa qualquer impactação ao meio ambiente.
Na seara processual, o art.333 do CPC dispõe que o ônus da prova incumbe ao autor,
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quanto a fato constitutivo de seu direito, e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor. Nada impede, porém, que a própria lei
determine uma mudança quanto ao ônus da prova, de forma taxativa ou mediante ato judicial.
Em se tratando de direitos transindividuais, vale lembrar que o CDC (Lei nº 8.078/90)
e a LACP (Lei nº 7.347/85) criaram um sistema próprio para regular os conflitos meta
individuais e devem ser interpretadas sempre conjuntamente.
O art.6º do CDC, por exemplo, dispõe que são direitos básicos do consumidor a
facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor,
no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências (inc.VIII).
O art.117 da Lei nº 8.078/90 (CDC) acrescentou à Lei n° 7.347/85 o seguinte
dispositivo, renumerando-se os seguintes: "Art.21. Aplicam-se à defesa dos direitos e
interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da
lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor".
O citado Título trata “Da Defesa do Consumidor em Juízo” e abrange os artigos 81 a
104 da Lei nº 8.078/90. No entanto, mesmo estando a regra da inversão do ônus da prova no
art.6º, VIII, como é ela de cunho eminentemente processual, deve ser também aplicada ao
direito ambiental.
Clóvis Eduardo Malinverni da Silveira, ao tratar do tema, corretamente argumentou
que “o referido título III concentra diversas disposições processuais de defesa do consumidor
em um só corpo. Contudo, outras disposições processuais não foram inseridas neste título III,
e sim em seções distintas: foi o método utilizado pelo legislador na busca de clareza,
objetividade e didática. O art.117 do CDC não fez referência ao título III com o intuito de
excluir as disposições esparsas, mas sim de evidenciar a questão da defesa processual do
consumidor em juízo” (Aspectos Processuais do Direito Ambiental, organizadores José
Rubens Morato Leite e Marcelo Buzaglo Dantas, 3ª ed., Forense Universitária, p.33).
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Nas demandas coletivas ambientais, o mesmo autor elenca as várias perspectivas da
hipossuficiência, podendo ser ela econômica, informativa e técnica. Todas são aplicadas aos
fatos ora em apuração, pois a Administração Municipal de Valença é a única que gere as suas
receitas e que detém (ou, ao menos, deveria deter) as informações detalhadas sobre as
atividades e empreendimentos desenvolvidos na cidade, inclusive sobre suas condições
técnicas.
A verossimilhança, por sua vez, também é facilmente verificada pela legislação de
regência e documentos juntados ao inquérito civil, que fartamente demonstram o desrespeito
aos termos das leis.
Dessa forma, visando restabelecer a isonomia de condições entre as partes em litígio,
reequilibrar a relação jurídica para suprir as suas desigualdades, cabe determinar a inversão do
ônus da prova tornando equivalentes as possibilidades de cada interessado em fazer valer seus
direitos.
A despeito de entendimentos diversos quanto ao momento processual de tal decisão,
defende-se que ela seja tomada logo no início do processo, a fim de se evitar qualquer
alegação posterior de prejuízo por parte do Acionado.
III – DAS LIMINARES
Preceituam os arts.798 e 799 do Código de Processo Civil que poderá o juiz
determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de
que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil
reparação. Para tanto poderá o juiz autorizar ou vedar a prática de determinados atos.
A Lei nº 7.347/85, em seu art.12, também prevê a possibilidade da concessão de
liminares nas demandas coletivas.
No presente feito, devem ser determinadas medidas que impeçam a continuidade das
ações de licenciamento e autorização ambiental pelo Município de Valença, ora acionado. Isso
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porque, principalmente pela falta de equipe técnica multidisciplinar capacitada, é
potencialmente maior a degradação ambiental pelo desenvolvimento de atividades e
empreendimentos.
Ressaltando a presença do periculum in mora, vale colacionar trecho da nota técnica nº
002/2012, quando afirma que “o instrumento do Licenciamento Ambiental visa preservar de
riscos potenciais ou efetivos a qualidade do meio e a saúde da população, riscos estes oriundos
de qualquer empreendimento ou intervenção que altere desfavoravelmente as condições do
ambiente” (fls.88).
Ademais, deve haver a comunicação formal pelo Acionado ao Estado, por meio da
Superintendência de Política e Planejamento Ambiental – SPA, na forma do art.15, II, da LC
nº 140/11 e art.10, §1º, da Resolução CEPRAM nº 4327/13, a fim de que exerça a sua atuação
supletiva.
A plausibilidade do direito, conforme exposto no item anterior, é evidenciado pelo
descumprimento da Lei Complementar nº 140/11 e da Resolução CEPRAM nº 4.327/13, bem
como da situação atual que se encontra o Sistema Municipal de Meio Ambiente de Valença,
demonstrada no relatório analítico de fls.222 a 271.
Ante a evidência de que lesões ambientais estejam sendo praticadas, não pode
permanecer inerte o Poder Judiciário, mormente considerando-se que, neste tema, o que se
pretende é a preservação ambiental e pelo fato de que os danos são, de uma maneira geral,
irreversíveis.
Tal medida deve vir acompanhada de uma penalidade cominatória caso não seja
observada, sendo então requerida a fixação de uma multa diária de R$1.000,00 (hum mil
reais), sem prejuízo da responsabilização pelo delito de desobediência.
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IV – DOS PEDIDOS:
Em face ao exposto, provada a necessidade de preservação do meio ambiente, e
juntando o inquérito civil nº 597.0.82138/2012, contendo XXX folhas, requer-se a Vossa
Excelência:
a) a deferimento da liminar, nos termos do item III da presente inicial, determinando-
se ao Município-Acionado que suspenda imediatamente a atividade de licenciamento e
autorização ambiental por ele exercida, e que, no prazo máximo de 48 H (quarenta e oito
horas), cientifique o Estado da Bahia, para que exerça atuação supletiva na matéria, nos
termos da legislação vigente;
b) a citação do Réu para, querendo, contestar a presente ação, no prazo legal, arcando,
caso contrário, com a declaração da revelia;
c) a produção de todos os meios de prova permitidos em Direito, especialmente prova
documental, pericial e testemunhal, cujo rol será apresentado dentro do prazo legal;
d) ao final do processo, seja condenado o Acionado a promover a regularização do seu
Sistema Municipal de Meio Ambiente, provendo a sua Secretaria Municipal de Meio
Ambiente com equipe técnica multidisciplinar, mediante concurso público, para atender as
demandas das ações administrativas de licenciamento e de fiscalização;
e) seja cominada multa diária em valor não inferior a R$ 1.000,00 (um mil reais), a ser
revertida em favor do Fundo Estadual de Recursos para o Meio Ambiente, em caso de
descumprimento de quaisquer das obrigações impostas ao Acionado por esse Juízo, em caráter
liminar ou definitivo; e
__________________________________________________________________________________________Promotoria de Justiça Regional Ambiental com sede em Valença/BA
Rua Luís Eduardo Magalhães, 258, Jardim Grimaldi, Valença/BA - CEP 45.400-000Telefax (75) 3641-2172/6511 – E-mail [email protected]
e) dispensa de pagamento das custas processuais iniciais, uma vez que se trata de ação
proposta pelo Ministério Público.
Dá-se à causa o valor estimado de R$ 1.000,00 (um mil reais).
De Mata de São João para Valença/BA, 22 de setembro de 2015.
Oto Almeida Oliveira JúniorPromotor de Justiça – 2.o Substituto
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