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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE INTERVENTIVA VERSUS ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL LEONARDO LUIZ SELBACH Itajaí [SC], abril de 2006.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE …siaibib01.univali.br/pdf/Leonardo Luiz Selbach.pdf · versus argüição de descumprimento de preceito fundamental”; como objetivos:

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE INTERVENTIVA VERSUS ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL

LEONARDO LUIZ SELBACH

Itajaí [SC], abril de 2006.

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE INTERVENTIVA VERSUS ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL

LEONARDO LUIZ SELBACH

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Doutor Zenildo Bodnar

Itajaí [SC], abril de 2006.

AGRADECIMENTO

Agradeço pelo incentivo, compreensão,

dedicação e amor que sempre recebi

dos meus pais e irmãos.

Não basta que a Constituição outorgue garantias;

tem, por seu turno, de ser garantida.

[Jorge Miranda]

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí[SC], abril de 2006.

Leonardo Luiz Selbach Graduando

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Leonardo Luiz Selbach, sob o

título Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva versus Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental, foi submetida em 12 de abril de 2006

à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Dr. Zenildo Bodnar

(Orientador e Presidente da Banca), Dr. Paulo Márcio Cruz e MSc. Emerson de

Moraes Granado, e aprovada com a nota 10 (dez).

Itajaí [SC], abril de 2006.

Prof. Dr. Zenildo Bodnar Orientador e Presidente da Banca

Prof. MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

SUMÁRIO

RESUMO .......................................................................................... VIII

INTRODUÇÃO..................................................................................... 1

CAPÍTULO 1........................................................................................ 8

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE INTERVENTIVA ... 8 1.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS...............................................................................8 1.2 OBJETO DA AÇÃO DIRETA INTERVENTIVA ..............................................11 1.3 APLICAÇÃO DA AÇÃO DIRETA INTERVENTIVA........................................16 1.4 EFEITOS DA AÇÃO DIRETA INTERVENTIVA..............................................24

CAPÍTULO 2...................................................................................... 27

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL................................................................................ 27 2.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS.............................................................................27 2.2 OBJETO DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL...................................................................................................30 2.3 APLICAÇÃO DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL...................................................................................................37 2.4 EFEITOS DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL...................................................................................................44

CAPÍTULO 3...................................................................................... 47

PRECEITO FUNDAMENTAL E PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL .... 47 3.1 DEFINIÇÕES DE PRECEITO FUNDAMENTAL E PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL ..............................................................................................47 3.2 INTER-RELAÇÃO ENTRE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL E PRECEITO FUNDAMENTAL...................................................................................................62 3.3 ESPECTRO DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E DOS PRECEITOS FUNDAMENTAIS INTER-RELACIONADOS..................................66

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................... 69

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS........................................... 72

ANEXOS............................................................................................ 80

RESUMO

A pesquisa teve por objeto a “ação direta de inconstitucionalidade interventiva

versus argüição de descumprimento de preceito fundamental”; como objetivos:

institucional, a produção de monografia jurídica; geral, estabelecer um paralelo

entre o preceito fundamental e o princípio constitucional, a fim de visualizar (in)

adequação da argüição de descumprimento de preceito fundamental; específico,

conclusões sobre: a) a (in) existência de elo entre preceito fundamental e princípio

constitucional; b) seus efeitos; c) aplicações, para isso, será utilizado o método

indutivo, operacionalizado com as técnicas do referente, da categoria, dos

conceitos operacionais e da pesquisa de fontes documentais, relatando os

resultados dedutivamente, esperando produzir monografia jurídica que será

decomposta em: a) ação direta de inconstitucionalidade interventiva, a.1) seu

objeto; a.2) sua aplicação; a.3) seus efeitos; b) argüição de descumprimento de

preceito fundamental; b.1) seu objeto b.2) sua aplicação; b.3) seus efeitos; c)

preceito fundamental e princípio constitucional; c.1) definições; c.2) inter-relação;

c.3) espectro de aplicação, propondo-se, então, três hipóteses básicas da

pesquisa, concluindo que: a) no que foi demonstrado não há sustentação

doutrinária ou jurisprudencial quanto a aceitação do preceito fundamental como

princípio constitucional, pelo contrário, já que nem todos os princípios

constitucionais podem ser preceitos fundamentais; b) comprovou-se que a

hipótese de abangência dos direitos e garantias individuais e coletivas, art. 5, da

CRFB/88, foi considerado preceito fundamental de forma uníssona pelos

doutrinadores; c) o descumprimento de preceito fundamental pode, sim, ser

argüido em sede de ação direta interventiva, desde que os preceitos tenham

ligação com os princípios constitucionais, ou sensíveis.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho teve como objeto a “Ação Direta de

Inconstitucionalidade Interventiva versus Argüição de Descumprimento de

Preceito Fundamental” e, como objetivos: institucional, produzir uma monografia

jurídica para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI; geral, estabelecer um paralelo entre o preceito fundamental e

princípio constitucional; específico, verificar (in) adequação da ação de argüição

de descumprimento de preceito fundamental quanto a (in) existência de elo entre

preceito fundamental e princípio constitucional; verificar os efeitos das referidas

ações; verificar as aplicações das duas ações.

O controle de constitucionalidade se restringirá a ação direta

de inconstitucionalidade interventiva por descumprimento de princípio

constitucional e da ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental,

limitada, ainda, ao estudo de seus objetos.

Desta forma, não se circunscreve nesta pesquisa as demais

demandas de inconstitucionalidade, nem propriamente os efeitos dessas

declarações.

O método utilizado para encetar a investigação é método1

indutivo2, operacionalizado com as técnicas do referente3, da categoria4, dos

1 “Método é a forma lógico-comportamental na qual se baseia o Pesquisador para investigar, tratar

os dados colhidos e relatar os resultados” (PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 104).

2 O método indutivo consiste em “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-loas de modo a ter uma percepção ou conclusão geral” (PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 238).

3 “explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitado o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa” (PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 241).

4 “palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia” (PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 229).

2

conceitos operacionais5 e da pesquisa bibliográfica6 e do fichamento7. Para

relatar os resultados da pesquisa, empregar-se-a o método dedutivo8.

O controle de constitucionalidade9 no país se dá de forma

incidental10 e concentrada11, em que no primeiro caso, todos os órgão do Poder

Judiciário são aptos a declarar a inconstitucionalidade de determinada lei, norma

ou ato administrativo em face da Constituição, ao caso concreto. No segundo, o

controle é exercido privativamente pelo Supremo Tribunal Federal, que é o órgão

guardião da Constituição.

O Supremo Tribunal Federal ao exercer o controle de

constitucionalidade, pode conhecê-la por via de ação direta de

inconstitucionalidade, podendo ser classificada, como interventiva, genérica e

supridora de omissão12.

A ação interventiva possui dupla finalidade, pois pretende,

juridicamente, a declaração de inconstitucionalidade formal e material de lei ou

5 “definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal

definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas” (PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 229).

6 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais” (PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 240).

7 “Técnica que tem como principal utilidade otimizar a leitura na Pesquisa Científica, mediante a reunião de elementos selecionados pelo Pesquisador que registra e/ou resume e/ou reflete e/ou analisa de maneira sucinta, uma Obra, um Ensaio, uma Tese ou Dissertação, um Artigo ou uma aula, segundo Referente previamente estabelecido” (PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 233).

8 O método dedutivo consiste em "estabelecer uma formulação geral e, em seguida, buscar as partes do fenômeno de modo a sustentar a formulação geral" (PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 237).

9 Levando em consideração apenas o controle exercido pelo Poder Judiciário, já que pode haver controle de constitucionalidade pelo Poder Legislativo e Executivo, por exceções legais.

10 Este controle se caracteriza porque “qualquer pessoa pode suscitar a questão prejudicial de constitucionalidade, desde que tenha legítimo interesse econômico ou moral; qualquer juiz singular ou tribunal legalmente competente pode apreciar tal ação, porém o tribunal sempre por maioria absoluta de votos; a discussão da inconstitucionalidade é feita incidentalmente.” (FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional, p. 426).

11 Este controle se caracteriza “por seu teor sumamente enérgico, pela sua agressividade e radicalismo, pela natureza fulminante da ação direta” (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 307).

12 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 53-54.

3

ato normativo estadual, e politicamente, a decretação de intervenção federal no

Estado-membro ou Distrito Federal exercendo um controle direto, para fins

concretos13.

Note-se que a ação direta de inconstitucionalidade

interventiva, direciona seu fundamento para o art. 36, III da CRFB/8814, que por

sua vez leva ao art. 34, VII da CRFB/88, que prescreve lista taxativa de princípios

constitucionais15, denominados pela doutrina como sensíveis16.

Ao contrário, tem-se lacuna não soluta a respeito da ação de

argüição de descumprimento de preceitos fundamental17, que a CRFB/88 ao

incluí-lo apenas fez referência à legislação específica quanto ao seu

processamento18.

De se ver que a argüição de descumprimento de preceito

fundamental é mecanismo inovador na fiscalização da constitucionalidade, tendo,

13 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 601. 14 Alterado pela Emenda Constitucional n.º 45 de dezembro de 2004, que trouxe a seguinte

redação: “Art. 1º Os arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 36. III - de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal ".

15 O texto assim estabelece: “VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (Redação da alínea e dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)”.

16 Assim considerados “pois a sua inobservância pelos Estados-membros ou Distrito Federal no exercício de suas competências legislativas, administrativas ou tributárias, pode acarretar a sanção politicamente mais grave existente em um Estado Federal, a intervenção na autonomia política” (MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 600).

17 Entende prudente e razoável a discricionariedade que tem o STF ante ao preceito fundamental, pois definir significa limitar, impor fronteiras” (SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 334).

18 A Constituição assim o estabeleceu: “Art. 102, §1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei”. Esse se dará na forma da Lei 9.882/99.

4

porém, caráter subsidiário com relação a outras ações19, o que não se amolda à

natureza fundamental do preceito constitucional20.

Evidente fica que a ação direta interventiva, teve seu objeto

delimitado, fato esse que não ocorreu com a ação de argüição de

descumprimento de preceito fundamental, que a muito foi deixada de lado pelo

legislador.

O fato de o legislador não ter editado norma exigida pela

Constituição, foi suprimida nos idos de 1999. Lembre-se que se esperava norma

delimitadora da assertiva preceito fundamental, porém isso não ocorreu21.

O tema é importante e atual, eis que não há nenhuma

definição clara do que seja preceito fundamental22, assim, fazendo com que esse

instituto inovador não possa ter plena eficácia, limitando-o a discricionariedade de

órgão jurisdicional23, podendo acarretar potenciais danos aos que dela poderiam

se utilizar.

A Lei 9.882/99 concede ao STF a possibilidade, de forma

rápida, por ser possível a concessão de liminar, geral, por ter efeitos erga omnes

19 A ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental tem caráter subsidiário, por

imposição expressa do art. 4º, caput e §1º da Lei n.º 9.882/99, assim, “a argüição não serve de sucedâneo do habeas corpus, do habeas data, dos mandados de segurança individual e coletivo, do mandado de injunção, das ações popular e cível, das ações diretas de inconstitucionalidade genérica, interventiva e por omissão, bem como da ação declaratória de constitucionalidade. Disso promana a discricionariedade do Supremo Tribunal Federal na escolha das argüições que se afigurem cabíveis” (BULOS, Uadi Lâmego. Constituição federal anotada, p. 998).

20 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 336. 21 Como já citado, deu-se apenas o processamento dela, pois a Lei continua fazendo referência a

preceito fundamental, não o definindo. 22 “Advirta-se, por oportuno, que a expressão preceito fundamental, utilizada pelo legislador

constituinte originário no art. 102, §1º, do Textus, não significa o mesmo que princípio fundamental” (PEÑA DE MORAES, Humberto apud SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 337).

23 Como referendado pelo Min. Oscar Dias Corrêa: “Cabe exclusivamente ao STF conceituar o que é descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição, porque promulgado o texto é ele o único, soberano e definitivo intérprete, fixando quais são os preceitos fundamentais, obediente a um único parâmetro – a ordem jurídica nacional, no sentido mais amplo. Está na sua discricionariedade indicá-los” (CORRÊA, Oscar Dias apud SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 338).

5

e obrigatória, por ser vinculante, evitar ou fazer cessar condutas do poder público

que estejam colocando em risco os preceitos fundamentais da República24.

Note-se que a ação direita interventiva e a argüição de

descumprimento de preceito fundamental, têm em comum a possibilidade de

fazer cessar condutas lesivas do Estado, sobre os princípios constitucionais ou

sobre preceitos fundamentais.

O STF tem se posicionado no sentido que a argüição de

descumprimento de preceito fundamental veio a completar o sistema de controle

objetivo de constitucionalidade25.

Os preceitos fundamentais, uma vez definidos, podem

abarcar os princípios constitucionais, desta forma podendo ser aplicadas aos

casos que haveria a ocorrência de ação interventiva, mas poderia a argüição lhe

auxiliar, assim, necessária e fundamental pesquisa desta inter-relação e possível

substituição, além de subsidiariamente lhe auxiliar.

A pesquisa foi desenvolvida tendo como base as seguintes

hipóteses: a) preceito fundamental poderia ser entendido como princípio

constitucional; b) preceito fundamental teria por objeto o direito e as garantias

individuais ou coletivas; c) descumprimento de preceito fundamental poderia ser

argüido em ação direta de inconstitucionalidade interventiva por descumprimento

de princípio constitucional.

O produto se consubstanciará na forma de monografia

jurídica, que será decomposto em: a) ação direta de inconstitucionalidade

interventiva, a.1) seu objeto; a.2) sua aplicação; a.3) seus efeitos; b) ação de

argüição de descumprimento de preceito fundamental; b.1) seu objeto b.2) sua

aplicação; b.3) seus efeitos; c) preceito fundamental e princípio constitucional; c.1)

definições; c.2) inter-relação; c.3) espectro de aplicação.

24 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 615. 25 STF na ADPF 43 AgR/DF.

6

O trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro trata da

ação direta de inconstitucionalidade interventiva por descumprimento de princípio

constitucional, evidenciando seu conceito, além de uma breve digressão histórica.

Tratar-se-á, ainda, de seu objeto, de sua aplicabilidade e efeitos.

O segundo, trata da ação de argüição de descumprimento

de preceito fundamental, conceituando-a, situando-a evolutivamente na história,

apontando, para posterior contraposição, seu objeto, aplicabilidade e efeitos.

O terceiro e último capítulo, foram contrapostos a ação direta

de inconstitucionalidade interventiva por descumprimento de princípio

constitucional e a argüição de descumprimento de preceito fundamental, numa

análise, restritiva e conceitual, do princípio constitucional e preceito fundamental,

inter-relacionando-os e trazendo as suas aplicações.

Nas considerações finais apresentam-se breves sínteses de

cada capítulo e se demonstra se as hipóteses básicas da pesquisa foram ou não

confirmadas.

Incluiu-se, como anexo, com o fito de facilitar o manejo da

monografia, seções da CRFB/88, que foram suscitadas durante a explanação; a

Lei 9.882/99, que dispõe sobre a ADPF; a Mensagem 1.807/99, que expôs os

motivos presidenciais de veto a textos da Lei 9.882/99; além de parte do

Regimento Interno do STF, que trata da ação direta interventiva; bem como um

quadro comparativo entre as ações diretas de inconstitucionalidade genérica,

interventiva e a ADPF.

Ademais, há citação literal de doutrina estrangeira, a qual foi

traduzida livremente pelo autor, em notas de rodapé.

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva

É a demanda judicial decorrente de infração aos princípios constitucionais, que

culminará na intervenção federal do Estado-membro descumpridor dos referidos

princípios, que, de forma temporária, sanará a irregularidade, colimando, ao final,

para a manutenção do regime federativo.

Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

É a demanda judicial novel tendente a evitar ou reparar lesão a preceito

fundamental, ou de relevante controvérsia, decorrente de atos dos entes públicos.

Princípios

“São normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários

graus de concretização, consoante os condicionalismo fácticos e jurídicos”26.

Princípios Constitucionais

São as diretrizes básicas de proteção da forma federativa do Estado, que devem

ser seguidas pelos Estados-membros, a fim de se evitar a intervenção federal,

havendo, por conseguinte, uma enumeração restritiva de intervenção.

Preceitos Fundamentais

São os dispositivos mais elevados, axiologicamente, da CRFB/88, impregnados

do mais alto valor constitucional, com indissociável ligação às cláusulas pétreas,

que, com a devida aplicação protetiva, poderão fazer valer os ditames

constitucionais circunscritos ao seu apanágio inabalável.

26 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1147.

CAPÍTULO 1

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE INTERVENTIVA

1.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS

Este capítulo é subdividido em 3 seções, que tratam do

objeto da ação direta interventiva; da aplicação da ação direta interventiva e dos

efeitos da ação direta interventiva.

Analisar-se-á o controle de constitucionalidade27, a fim de

delinear parâmetros conceituais da ação direta de inconstitucionalidade

interventiva por descumprimento de princípio constitucional. Esse controle, que se

dá de diversas formas, como visto na introdução, possui nas ações diretas de

inconstitucionalidade as expressões mais vivas das atuais demandas, devido à

instabilidade do Poder Legislativo com vistas à superioridade da Constituição28.

O controle de constitucionalidade por ação ocorre, por

exemplo, em casos em que o Poder Legislativo ou Executivo produzem atos

contrários às normas e princípios constitucionais, a fim de defender a Supremacia

27 “O controle de constitucionalidade das leis é de origem jurisprudencial, devendo-se ao famoso

Magistrado norte-americano Marshall, da Corte Suprema da Nação, diante de um caso concreto (Marbury vs. Madison), a mais clara e completa construção a respeito (...) Marshall esclareceu que todas as leis de um sistema jurídico, no caso o direito norte-americano, devem ser conformes à Constituição e, assim, as leis que se chocarem com dispositivos do texto máximo não são leis. São normas estranhas ao direito e, pois, sem eficácia, não obrigando os particulares a obedecê-las” (CRETELLA JÚNIOR, José. Elementos de direito constitucional, p. 102). Sobre o Controle de Constitucionalidade, remete-se o leitor ao livro de SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 167-361.

28 “(...) a supremacia em pauta equivale à transplantação, para o Direito positivo, da noção remota de superioridade do Direito Natural sobre o Direito comum ou elaborado (...) expressa as regras eternas de Justiça (...) No instante em que o Estado aceita a superioridade da Constituição escrita sobre as demais leis, está aceitando, paralelamente, a projeção daquelas idéias do Direito Natural relativo, colocado em posição de superioridade, frente aos demais preceitos que não tenham o cunho estruturador, organizatório, como vimos, da sociedade” (RUSSOMANO, Rosah, Curso de direito constitucional, p. 41).

9

da Constituição Federal, além de sua rigidez e proteção dos direitos

fundamentais29.

O controle de constitucionalidade foi inserido no

ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição de 1891, adotando, para tanto, o

critério difuso. Destaque-se, no período, a modificação trazida pela Constituição

de 1934, que incluiu a ação direta de inconstitucionalidade interventiva30 no

ordenamento jurídico brasileiro.

Ressalte-se que a intervenção federal foi instituída pela

Constituição da República em 1891, em seu art. 6º, não detendo, até 1934,

qualidade de controle concentrado de constitucionalidade.

A intervenção, nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira

Filho31:

Consiste ela em assumir a União, por delegado seu, temporária e excepcionalmente, o exercício de competência pertencente a Estado-Membro. É uma invasão da esfera de competências constitucionalmente atribuída e reservada aos Estados-Membros a fim de assegurar o grau de unidade e de uniformidade indispensáveis à sobrevivência da Federação.

O instituto da intervenção federal é decorrente dos regimes

federativos, em que o governo federal, ou central, buscando manter a ordem

pública ou a unidade nacional, bem como assegurar a soberania nos casos

previstos na CRFB/88, por meio de agente escolhido como interventor, dirige

temporariamente o Estado-membro32.

29 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 598. Acrescente-se, por oportuno, citação de

Mirkine Guetzevitch: “sendo a Constituição escrita o resultado do exercício de um poder constituinte formal, a superioridade desta tem sua expressão no controle da constitucionalidade das lei” (GUETZEVITCH, Mirkine apud IVO DANTAS, Francisco. Direito constitucional e instituições políticas, p. 139).

30 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 52. 31 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988, p. 230. 32 SOARES, Orlando. Comentários à constituição da república federativa do brasil, p. 302.

10

A intervenção federal para Wolgran Junqueira Ferreira33 é:

Tida como uma garantia mútua, como instrumento de manutenção da integridade e da tranqüilidade pública, é considerada, também, capaz de manter a organização e a estrutura sólida do federalismo. Além de ser considerada como medida política, através da fiscalização mantém a vida ordenada e equilibrada das comunidades pertencentes à federação.

José Cretella Júnior34 concluiu que a:

Intervenção é o direito subjetivo público e, ao mesmo tempo, poder-dever reservado ao Centro, nas Federações, de tomar as medidas necessárias para integrar, na União, política e administrativamente, os órgãos estaduais, sempre que qualquer anomalia, nestes, possa ameaçar ou perturbar, em concreto, o sistema constitucional do Centro ou causar o mau funcionamento do Estado-membro, nos casos taxativamente enumerados na Constituição Federal.

Pode-se chegar ao conceito basilar de que a ação direta

interventiva é a demanda judicial decorrente de infração aos princípios

constitucionais, que, mediante representação do Procurador-Geral da República,

o STF requisitará ao Presidente da República a intervenção federal no Estado-

membro descumpridor dos referidos princípios, que, de forma temporária, sanará

a irregularidade, colimando, ao final, para a manutenção do regime federativo.

Os referidos conceitos foram extraídos dos institutos da ação

direta de inconstitucionalidade interventiva e da intervenção federal, eis que a

intervenção federal é o produto da demanda judicial da ação direta interventiva,

não havendo, assim, incompatibilidade conceitual, devendo, no entanto,

acrescentar que a intervenção obtida pela referida ação é decorrente de demanda

judicial, enquanto a intervenção pura e simples é medida política apenas.

33 FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários à constituição de 1988, p. 441. 34 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à constituição de 1988, p. 2067. v. 4.

11

1.2 OBJETO DA AÇÃO DIRETA INTERVENTIVA

Uma vez superada a ambientação a essa modalidade de

ação direta de inconstitucionalidade, tratar-se-á do objeto da ação direta

interventiva, que foi definido pela CRFB/8835 de forma taxativa e exaustiva,

dispondo como causas de intervenção36:

- o descumprimento de ordem ou decisão judiciária (art. 35, IV, in fine, art. 36, II);

- a recusa à execução de lei federal (art. 36, III) 37; e

- a violação dos princípios constitucionais sensíveis (art. 35, IV, initio, e 36, III).

Confira-se, a respeito dessa taxatividade, ou discriminação

dos casos de intervenção, da CRFB/88, explanação de Pinto Ferreira38, em que:

Somente nas hipóteses consideradas na Lei Magna é que se permite a coação federal a fim de obrigar os Estados-Membros ao cumprimento dos seus deveres constitucionais. Tais medidas de coação federal se justificam a contento para manter a própria unidade nacional.

De se ver que os três objetos passíveis de dar origem a uma

ação direta interventiva tem grandes diferenças, devido aos seus pressupostos e

legitimados39.

35 O objeto da ação direta interventiva nas Constituições anteriores estavam inseridos nos

seguintes textos: a) Constituição de 1934, art. 12, I, II, III, IV, V, V, VI, VII; b) Constituição de 1937, art. 9º, a, b, c, d, e, 1, 2, 3, f; c) Constituição de 1946, art. 7º, I, II, III, IV, V, VI, VII, a, b, c, d, e, f, g; d) Constituição de 1967, art. 10, I, II, III, IV, V, a, b, c, VI, VII, a, b, c, d, e, f, g; e) Emenda Constitucional nº 1, de 1969, art. art. 10, I, II, III, IV, V, a, b, c, VI, VII, a, b, c, d, e, f, g.

36 Adotando a classificação proposta por Nagib Slaibi Filho: SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 355.

37 Nova redação do inciso dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004. 38 FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira, p. 309.

12

Comenta-se, em apertada síntese, os três objetos

ensejadores da referida ação, começando pelo descumprimento de ordem ou

decisão judicial.

A CRFB/88 ao dispor sobre o descumprimento de decisão

ou ordem judicial o fez de forma ampla e incisiva, abarcando toda e qualquer

ordem ou decisão proveniente da justiça40.

Registre-se, conforme apontado por Wolgran Junqueira

Ferreira41, que “a ordem ou decisão judiciária não são termos equivalente ou

sinônimos. Ordem judiciária é qualquer mandado, enquanto que, decisão

judiciária é a coisa julgada, com força mandamental executiva”.

O descumprimento de ordem ou decisão judicial, em última

análise, é, segundo anotação de Manoel Gonçalves Ferreira Filho42, um

descumprimento de “um dos princípios fundamentais do Estado de Direito é

exatamente o primado do Judiciário”.

Pinto Ferreira43 adverte:

A nossa lei básica exigiu entretanto que a intervenção seja precedida de requisição prévia do STF, com o elevado propósito de evitar abuso de autoridades judiciárias, quando estas indevidamente solicitarem intervenção em ordens ainda

39 Quanto a legitimidade, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 delinea os

diversos legitimados, caso a caso. Assim, no art. 36, I, no caso do art. 34, IV, dependerá a intervenção “de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário”, já no art. 36, II, no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, dependerá a intervenção “de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral”, ficando, então, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal, “de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República”. Quanto aos pressupostos, note-se que os artigos acima já trazem uma noção da diferença, eis que trazem termos dissonantes: requisição, solicitação, provimento, representação.

40 ACCIOLI, Wilson. Instituições de direito constitucional, p. 142. 41 FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários à constituição de 1988, p. 443-444. 42 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988, p. 234. 43 FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira, p. 314.

13

dependentes de recursos ou que não tenham transitado em julgado.

Não bastando o mero descumprimento para a hipótese de

intervenção, eis que a jurisprudência assinala pela reiteração injustificada deste

descumprimento44, pois não se pode deixar ao alvitre do Poder Executivo

Estadual o fornecimento dos meios necessários ao cumprimento de decisão ou

ordem judicial45.

Interessante acrescentar, sobre esse ponto, lição de Nagib

Slaibi Filho46:

(...) o Supremo Tribunal Federal já recebeu centenas de pedidos de intervenção nos Estados pelo inadimplemento de precatórios, e, mesmo assim, pela dimensão do problema, vem evitando, tanto quanto possa, de proceder ao julgamento dos requerimentos.

Concluindo, em nota de rodapé, Nagib Slaibi Filho47:

44 Exemplificando: “EMENTA: Constitucional. Intervenção federal. 1 – Em sede de pedido de

intervenção federal descabe examinar questão relativa à ordem interna do Tribunal de Justiça do Estado, versante sobre qual seria o órgão julgador competente para deferir o encaminhamento do requerimento interventivo. 2 – O Texto Constitucional não exige que a decisão judicial pendente de cumprimento esteja coberta pelo manto da res judicata. 3 – Comprovada a manifesta e reiterada situação de insubordinação a determinação judicial, carente de cumprimento por injustificável recusa do Sr. Governador do Estado em fornecer meios para tanto necessários, mister se faz deferir o pedido de intervenção (STJ. IF 13/PR. Rel.: Min. Bueno de Souza. Corte Especial. Decisão: 09/06/94. RSTJ, v. 63, p. 75. DJ 1º de 08/08/94,p. 19.544)” (In TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. A constituição na visão dos tribunais, p. 361. v. 1).

45 Exemplificando: “(...) A sobrevivência do Estado e da própria sociedade está na preservação das decisões legais emanadas de autoridades constituídas, sob pena de prevalência da anomia, onde só tem vez a força bruta, com garroteamento da lei e do Direito. Embora justo e ponderável o receio de se evitar confronto sangrento, sobretudo com os menos favorecidos, não se pode, indefinidamente, aguardar pela boa vontade do Executivo Estadual que, por lei, está encarregado de cumprir tais requisições judiciais. As questões levantadas nas informações não têm consistência e nada trazem de positivo para a solução do caso concreto. III – Pedido de intervenção deferido para o fim específico do cumprimento da ordem reitegratória (CF, arts. 34, VI, e 36, II, Lei 8.038/90, art, 19,I). (STJ. IF 15/PR. Rel.: Min. Adhemar Maciel. Corte Especial. Decisão: 14/10/93. DJ 1º de 29/11/93, p. 25.838)” (In TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. A constituição na visão dos tribunais, 1997, p. 360. v. 1).

46 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 354. 47 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 354.

14

Aí se encontram dois valores em contradição – o do credor de receber o crédito em cumprimento à decisão judicial e o do Poder Público de zelar pela execução orçamentária e assim de valores igualmente relevantes como a garantia dos direitos à saúde, à educação, à segurança.

Já a intervenção pela recusa de aplicação de lei federal só é

válida se não houver solução judiciária cabível48, não se restringindo “a ato

constituinte ou legislativo, mas, também, se estende a ato governamental ou

administrativo” 49.

Note-se que a inexecução de lei federal também se observa

no descumprimento de decisão ou ordem judicial, eis que o ente executivo tem

por lei a obrigação de cumprir o mandamento jurisdicional, assim, importante

transcrever Manoel Gonçalves Ferreira Filho50:

Todas as Constituições anteriores, salvo a de 1946, previam, como prevê a atual, a intervenção federal a fim de prover à execução de lei federal. Na Constituinte de 1946 a questão foi muito debatida. Prevaleceu o entendimento de que era desnecessária a previsão da intervenção para tal fim, já que o descumprimento de lei federal somente seria verificado através de decisão judicial, cuja desobediência, esta sim, daria lugar à intervenção. Alguns viam até, na previsão de intervenção federal para assegurar a execução de lei federal, mero pretexto para a ingerência federal na autonomia estadual (cf. José Duarte, A Constituição brasileira de 1946, cit., v. 1, p. 319). Prado Kelly, porém, observara, com justeza, que era preciso distinguir ‘quando a execução da lei ofende direito, encontrando solução no Poder Judiciário, e quando o governo estadual, no cumprimento da lei, cria prejuízos generalizados, que não se corrigem com uma decisão judiciária, em espécie’ (...).

Assim, mesmo que haja entendimento de que a previsão de

intervenção federal quando da inexecução de lei federal seja desnecessário,

48 FERREIRA FILHO, Manoel Golçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988, p. 234. 49 FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários à constituição de 1988, p. 443. 50 FERREIRA FILHO, Manoel Golçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988, p. 233-

234.

15

devido a existência da demanda para o caso de descumprimento de ordem ou

decisão judicial, vê-se que a CRFB/88 resguardou as duas possibilidades de

demanda, para, em vista do caso concreto, passaram a ser invocadas para

sanear a irregularidade.

Quanto ao objeto de intervenção federal decorrente da

violação de princípios constitucionais sensíveis, colaciona-se o entendimento de

Themistocles Brandão Cavalcanti51:

Somente a violação de alguns preceitos constitucionais, essenciais à exigência da federação, com todos os seus pressupostos ou o perigo de uma dissociação dos traços federativos ou da própria integridade da União, justificam essa penetração do Governo Federal, na vida dos Estados, com ou sem substituição dos seus órgãos próprios de governo.

De fato os princípios constitucionais são protegidos de forma

incontestável pela Constituição, dando ensejo, quando preenchido os requisitos

legais, a intervenção federal no Estado-membro, suprimindo o seu direito de

autonomia, para a mantença da unidade nacional.

Esses princípios foram assim enumerados pela CRFB/88,

em seu artigo 34, VII:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

51 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. A constituição federal comentada, p. 183.

16

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde52.

Ademais, o fundamento e objeto da ação tratada na

presente seção tem ligação nos princípios constitucionais, sendo, então,

necessário defini-los, delimita-los, o que será objeto, devido a sua relevância, de

seção de capítulo posterior.

1.3 APLICAÇÃO DA AÇÃO DIRETA INTERVENTIVA

A ação direta interventiva tem sua aplicação53 condicionada

ao seu objeto, dessa forma, restringe-se a pesquisa a ação direita interventiva,

que tenha por objeto cessar atentado aos princípios constitucionais.

A referida ação tem como único legitimado ativo o

Procurador-Geral da República54, que, mediante representação55, propõe a

presente ação diretamente ao Supremo Tribunal Federal.

Note-se que o Procurador-Geral da República, devido à

independência constitucionalmente reconhecida ao Ministério Público e suas

52 Alínea incluída pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996, com redação dada pela Emenda

Constitucional nº 29, de 2000. 53 Aplicação da ação direta interventiva deve ser entendida como “uso prático de algo” (HOUAISS,

Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Minidicionário houaiss da língua portuguesa, p. 52). 54 Tem-se que a falta de legitimidade, por ser condição da ação, dá-se o não conhecimento da

demanda, conforme de infere no julgado do Supremo Tribunal Federal, na Intervenção Federal 102/PA, Rel. Min. Néri da Silveira: “Intervenção federal. Requerentes: partido político e parlamentar federal. Alegação de que o Governador do Estado não adota providências, em certo município, para garantir a ordem e assegurar os direitos humanos. Alegação de enquadrar-se a espécie no art. 34, VI e VII, b, da Constituição Federal. Hipótese em que não houve representação do Procurador-Geral da República, negando o Tribunal de Justiça do Estado descumprimento de decisão judicial no Estado. Falta de legitimidade aos requerentes para suplicarem a intervenção, pelos fatos indicados. Pedido de que não se conhece” (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. A constituição na visão dos tribunais: Interpretação e Julgados Artigo por Artigo, p. 357. v. 1).

55 Segundo o art. 36, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

17

atribuições, atua discricionariamente na possibilidade de propor, ou não, a

representação56.

Colaciona-se, a respeito, as elucidativas palavras de Rui

Barbosa57:

A intervenção é uma providência legal, de utilidade pública, requerida, pela autoridade competente para a requerer, à autoridade competente para a conceder. Logo, se a autoridade requisitante não requisita o que a lei lhe permite requisitar, a autoridade, a quem dirige a requisição, não lha pode atender.

Uma vez reconhecida a lesividade do ato violador dos

princípios constitucionalmente assegurados, o Procurador-Geral da República, ao

intentar a ação, poderá pleitear a intervenção em qualquer órgão do poder

estadual, em qualquer dos graus. Assim, pode ser sujeito passivo da ação58:

(...) as Assembléias Legislativas (cf. RDA, 50:562), os Governadores dos Estados-membros (cf. RDA, 80:511) e o Poder Judiciário, colocação deferida em magistral voto do culto e saudoso Ministro do Supremo Tribunal Federal, Hennehmann Guimarães, proferido, quando, certa ocasião, foi solicitada a intervenção federal, no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (cf. RDA, 30:371).

Após a proposição da ação direta interventiva, o STF, se

conhecê-la, verificará, no mérito, a ocorrência de uma das violações aos

princípios constitucionais enumerados taxativamente na CRFB/88, sendo,

controvertida, ademais, a obrigatoriedade da imposição dessa intervenção59.

56 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 653. 57 RUI BARBOSA. Obras completas de Rui Barbosa: Art. 6º da Constituição e a Intervenção de

1920 na Bahia, p. 28. 58 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à constituição de 1988, p. 2066. v. 4. 59 Orlando Soares, em sua obra, externa ser a obrigatoriedade da intervenção federal, junto a

legitimidade desta, o cerne da problemática interventiva (SOARES, Orlando. Comentários à constituição da república federativa do brasil, p. 303). Suscita a mesma problemática Pinto Ferreira (FERREIRA, Pinto. Comentário à constituição brasileira, p. 307-308); Celso Ribeiro Bastos (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do brasil,

18

Sobre a controvérsia, colaciona-se lição de Paulino

Jacques60:

Outra controvérsia, por fim, suscitou-se: a de saber se a intervenção federal era um direito ou um dever da União. EPITÁCIO

PESSOA, como notamos, sustentava que era um dever, desde que fosse caso dela; enquanto RUI, um direito, cujo exercício dependia do exame do caso em face da Constituição e dos fatos alegados. VIVEIROS DE CASTRO encontrou um fórmula mista: a intervenção federal era um direito-dever, cuja realização ficava na dependência dos requisitos constitucionais. Com EPITÁCIO, ficaram CARLOS MAXIMILIANO (Comentários à Constituição Brasileira, vol. I, pág. 211) e TEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI (A Constituição Federal Comentada, vol. II, pág. 172); com RUI, permaneceram PONTES DE MIRANDA (Comentários à Constituição de 1946, vol. I, pág. 357); PEDRO CALMON (Curso de Direito Constitucional Brasileiro, pág. 77; Intervenção federal, págs. 38 e segs.); e com VIVEIROS, ERNESTO LEME (Intervenção federal, pág. 40 e segs.), entre outros.

Verifica-se que a importância sobre a obrigatoriedade, ou

não, da intervenção federal, veio com a intervenção federal na Bahia de 192061,

eis que a medida era questionada, nos dizeres de Rui Barbosa62:

Mas, se acontecer que a subversão da ordem e as alterações da paz resultem, exatamente, dos atos desse mesmo governo

p. 329. v. 3. Tomo II); Themistocles Brandão Cavalcanti (CAVALCANTI, Themistocles Brandão. A constituição federal comentada, p. 181-183).

60 JACQUES, Paulino. Curso de direito constitucional, p. 175. 61 Oportuno citar Waldemar Martins Ferreira: “No caso de inobservância dos princípios

constitucionais, entretanto, a iniciativa cabe antes ao Procurador-Geral da República. Mediante representação deste, o Supremo Tribunal Federal toma conhecimento do ato havido por inconstitucional. Declarada a insconstitucionalidade, a lei federal decreta a intervenção, se necessária. No maior número das vezes, o acórdão declaratório da inconstitucionalidade é bastante para invalidá-lo, tornando-o inexequível. Aconteceu isso recentemente, ao elaborarem-se sob o influxo da Constituição de 1946, as Constituições dos Estados federados. Excederam-se algumas adotando textos espúrios. Chamado a examilá-los no desempenho do seu altíssimo papel de guardião do regime, o Supremo Tribunal Federal proscreveu-os, por sua inconstitucionalidade; e eles se tornaram inanes, como se inexistissem” (FERREIRA, Waldemar Martins. História do direito constitucional brasileiro, p. 76).

62 RUI BARBOSA. Obras completas de Rui Barbosa: Art. 6º da Constituição e a Intervenção de 1920 na Bahia, p. 7.

19

requisitante? Se nesses atos ressair com evidência, com escândalo, com brutalidade a violação das leis? Se a desordem, que se alega, para obter a intervenção, constituir uma reação natural, necessária, inevitável das populações contra essa delinqüência compressora e provocadora do governo do Estado? Sim, se tudo isto se der, --- ainda assim há de intervir o governo da União, e não para eliminar as causas de desordem, convertendo à legalidade o governo estadual, mas para o sustentar nas ilegalidades, inconstitucionalidades, imoralidade, que determinaram a intranqüilidade, e aniquilaram a ordem?

Rui Barbosa63 fez a seguinte crítica a intervenção federal na

Bahia, baseando-se na inobservância do então presidente, Epitácio Pessoa, do

Texto Constitucional:

Quer dizer que a esse governo a norma constitucional ensancha a discrição necessária, para só intervir, quando, não somente estiver averiguada a existência de qualquer desses casos, mas a sua realidade e gravidade forem tais, que não tendam a resolver-se por si mesmos, e exijam absolutamente a interposição da medida extraordinária, para o restabelecimento da ordem legal.

A Constituição demonstra a sua discrição ao estabelecer

que a União “não intervirá”, enumerando, então, exceções. Assim, posiciona-se

Paulino Jacques64:

A melhor doutrina, em nosso entender, é a de VIVEIROS DE

CASTRO, porque se o presidente da República, em certos casos (art. 7º, itens I, II e III, da Constituição Federal, de 1946), intervém, ex officio (dever); noutros (itens IV e V), só o faz mediante requisição (direito); como ainda, em outros (itens VI e VII), depois de decretada a medida pelo Congresso (dever). Assim, a intervenção federal é, realmente, um direito-dever da União, como o entendia VIVEIROS DE CASTRO.

63 RUI BARBOSA. Obras completas de Rui Barbosa: Art. 6º da Constituição e a Intervenção de

1920 na Bahia, p. 21. 64 JACQUES, Paulino. Curso de direito constitucional, p. 175.

20

Themistocles Brandão Calvacanti65, após explanar sobre a

obrigatoriedade da intervenção, prega:

Não obstante, a obrigação de intervir não é necessária, ela pressupõe a existência de condições que exigem do poder federal a sua presença no Estado convulsionado ou puramente perturbado, pela desordem material ou mesmo constitucional. Nestes casos a União deve intervir como decorrência de um poder que lhe é atribuído expressamente pela Constituição.

Entende-se, então, que no caso da ação direta interventiva,

para assegurar a observância dos princípios constitucionais, tem a União o direito

de intervir, não havendo, então, obrigatoriedade, mesmo perante grave violação,

pois cabe ao Supremo Tribunal Federal verificar caso a caso, de forma concreta.

Ressalte-se, sobre a discricionariedade do Supremo Tribunal

Federal, a seguinte passagem de Nagib Slaibi Filho66:

A se transcender o caráter administrativo da representação para intervenção e lhe reconhecer o inegável caráter político, poderão a Suprema Corte e os Tribunais de Justiça apreciar, com maior elastério, os milhares de requerimentos que lhe são submetidos, evidentemente sem se descurar dos elementos fáticos que motivam a medida, bem como as garantias processuais inerentes a qualquer processo de decisão no Estado Democrático de Direito.

Ademais, ausente previsão constitucional que autorize o

Presidente da República a agir de ofício, evita-se, em última instância, a

manutenção de regimes arbitrários, já que podem pretender o auxílio federal para

sanar suas próprias violações.

Convém transcrever trecho da obra de Rui Barbosa67,

quanto à violação produzida pelo próprio Estado-membro solicitante da

intervenção, no caso da intervenção baiana, de 1920:

65 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. A constituição federal comentada, p. 183.

21

(...) não serão esses dilapidadores, esses peculatários, esses concussionários, esses malversadores desbragados, não será esses conselho de réus, organizado em administração, constituído em governo, não será essa gente a que, com oito anos de crimes, coroados pelo crime atual, imergiu a Bahia nessa intranqüilidade, nessa desordem, a cuja bulha desperta agora, estrovinhado, em mavórcios rigores, o presidente da república, vomitando batalhões e artilharias (...).

Dando continuidade ao processamento da ação direta

interventiva, superada a fase de representação do Procurador-Geral da

República, sendo recebida pelo presidente do STF, esse fará o juízo de

admissibilidade, podendo, de imediato, arquivar, decisão que cabe agravo

regimental, ou diligenciar no sentido de administrativamente remover as causas

do pedido68.

Paralelo a tentativa de resolução administrativa, o presidente

do STF, solicitará informações para a autoridade estadual e ouvirá o Procurador-

Geral da República, sendo o julgamento plenário realizado em sessão pública,

caso haja matéria que exija segredo judicial69, o qual apenas o resultado será em

sessão pública.

Julgada procedente será a decisão comunicada ao ente

estadual e ao Presidente da República70, transitando em julgado, o presidente do

STF requisitará a execução da decisão71.

A execução da decisão será promovida, mediante

requisição, pelo presidente do STF ao Presidente da República, que mediante

Decreto presidencial, imporá a intervenção, sem a necessidade de apreciação do

66 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 354. 67 RUI BARBOSA. Obras completas de Rui Barbosa: Art. 6º da Constituição e a Intervenção de

1920 na Bahia, p. 11. 68 Art. 351, I e II, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 69 Arts. 352-353, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 70 Art. 354, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 71 Art. 340, II, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

22

Congresso Nacional72. Não havendo controle jurisdicional do Congresso Nacional

nessa modalidade interventiva, havendo apenas controle político73.

Note-se que a ação direta interventiva, repita-se, é um

mecanismo de controle de constitucionalidade concentrado, num controle direto,

para fins concretos, impossibilitando a concessão de medidas liminares74.

Há quem defenda75, entretanto, a possibilidade de

concessão de medidas cautelares em sede de ação direta interventiva, pois o

poder cautelar é inerente ao julgar, podendo, ainda, haver antecipação da tutela.

Deve-se, então, prevalecer o entendimento de que uma vez

preenchidos os requisitos legais da tutela antecipada e da tutela cautelar, podem

elas serem concedidas em sede de ação direta interventiva, eis que violações

gravíssimas podem, com o transcorrer do tempo, se consolidar de tal forma que a

sua supressão pode causar maior atentado, sendo imprescindível, e necessária, a

concessão dessas tutelas para se ver sanada, imediatamente, as ilegalidades.

Obtempera-se que a norma violadora dos princípios

constitucionais pode tê-lo feito em decorrência da inobservância de forma ou

matéria.

A violação formal pode ser resolvida pela simples declaração

da inconstitucionalidade, não sendo necessário, para tanto, a intervenção.

A intervenção federal será executada, quando não houver o

cumprimento espontâneo do que foi determinado, de se ver que, nesse caso,

pode ser nomeado um interventor, inclusive.

Sobre a necessidade de interventor, impõe-se transcrever

Rui Barbosa76:

72 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 654. 73 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do brasil, p. 328.

v. 3. Tomo II. 74 BULOS, Uadi Lâmego. Constituição federal anotada, p. 611. 75 Como por ex. SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 360.

23

O interventor é entidade criada pela jurisprudência. Nele não se toca, nem a ele se alude no texto constitucional. Criou-se a jurisprudência, o uso, a boa razão, estribando-se na consideração de que quem quer os fins, quer os meios, e de que, em se conferindo um poder, implicitamente se tem outorgado, a quem o recebe, os poderes de execução necessários ao uso eficaz daquele (...) se, em tais casos, não podendo o governo federal esperar o auxílio do estadual para o restabelecimento da ordem, só logrará prover com eficiência à restauração dela mediante um interventor, cuja presença no teatro dos acontecimentos lhe assegure ciência exata do mal e boa escolha dos remédios (...).

Ponto importante da ação direta interventiva é que ela tem

natureza administrativa ou de jurisdição voluntária, não sendo causa não pode ser

argüida por via de recurso extraordinário, conforme entendimento do Supremo

Tribunal Federal77:

III. Recurso extraordinário: descabimento: inexistência de causa no procedimento político-administrativo de requisição de intervenção estadual nos municípios para prover a execução de ordem ou decisão judicial (CF, art. 35, IV), ainda quando requerida a providência pela parte interessada. 1. O sistema constitucional não comporta se subordine a intervenção estadual nos municípios à iniciativa do interessado, que implicaria despir o Judiciário da prerrogativa de Poder de requisitar ex officio a medida necessária à imposição da autoridade de suas ordens ou decisões, a exemplo da que se outorgou claramente aos órgãos de cúpula do Judiciário da União, quando se cogite, sob o mesmo fundamento, de intervenção federal nos Estados. 2. Não se opõem os princípios a que, à parte interessada no cumprimento de ordem ou decisão judiciária, se faculte provocar o Tribunal competente a requisitar a intervenção estadual ou federal, conforme o caso: mas a iniciativa do interessado nesse caso não é exercício do direito de ação, sim, de petição (CF, art. 5º, XXXIV): não há jurisdição – e, logo, não há causa, pressuposto de cabimento de recurso extraordinário – onde não haja ação ou, pelo menos, requerimento de interessado, na jurisdição voluntária: dessa inércia que lhe é essencial, resulta

76 RUI BARBOSA. Obras completas de Rui Barbosa: Art. 6º da Constituição e a Intervenção de

1920 na Bahia, p. 33-34. 77 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 351-353.

24

que não há jurisdição, quando, embora provocado pelo interessado, a deliberação requerida ao órgão judiciário poderia ser tomada independentemente da iniciativa de terceiro: é o que sucede quando – embora facultada – a petição do interessado não é pressuposto da deliberação administrativa ou político-administrativa requerida ao órgão judiciário, que a poderia tomar de ofício (...).

Registrem-se, resumidamente, as diferenças existentes

entre a ação direta de inconstitucionalidade interventiva e a ação direta de

inconstitucionalidade genérica: quanto à previsão, a genérica está prevista no

artigo 102, I, a, e a interventiva no artigo 34, VII, todos da CRFB/88; quanto à

legitimidade, são legitimados para propor a ação genérica, os sujeitos constantes

no artigo 103, I a IX e a ação interventiva apenas é legitimado o Procurador-Geral

da República, conforme o art. 36, III; quanto a finalidade, possui a ação genérica

apenas um fim jurídico, a ação interventiva um fim jurídico e político; e, por fim,

quanto ao objeto, a ação genérica, visa declarar a inconstitucionalidade de lei ou

ato normativo estadual ou federal contrários à constituição federal, já a ação

interventiva visa declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual

contrário aos princípios sensíveis da Constituição Federal78.

1.4 EFEITOS DA AÇÃO DIRETA INTERVENTIVA

A declaração de inconstitucionalidade de uma lei, ato ou

decisão, segundo Hans Kelsen79, o inquina de anulação, não sendo caso de

nulidade, assim, por conseguinte, será tido como válida até a sua revogação,

sendo seus efeitos válidos até a sua declaração, sempre ex nunc, tendo, ainda, a

decisão um caráter constitutivo.

Pensamento diferente tem Francisco Campos80 afirmando

pela inexistência do ato, verbis:

78 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 652. 79 KELSEN, Hans apud FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional, p. 423. 80 CAMPOS, Francisco apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p.

55.

25

Um ato ou uma lei inconstitucional é um ato ou uma lei inexistente; uma lei inconstitucional é lei aparente, pois que, de fato ou na realidade, não o é. O ato ou lei inconstitucional nenhum efeito produz, pois que inexiste de direito ou é para o Direito como se nunca houvesse existido.

Procurando se isentar das controvérsias sobre o tema, mas

coaduno a atual tendência dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade

Pinto Ferreira81 conclui:

No direito norte-americano e no brasileiro, a lei e o ato declarados inconstitucionais não poderão servir de fundamento a direito de espécie alguma. Os efeitos de declaração de inconstitucionalidade retroagem e se protraem, e a lei nula ou inexistente não gera direito. Se a lei é nula (ou inexistente para alguns), e sua inconstitucionalidade se refere ao momento em que a lei entrou em vigor, e não ao momento que se proferiu a decisão, acórdão ou sentença de inconstitucionalidade, o efeito é ex tunc (v. RE 35.370, PR, rel. Min. Cunha Vasconcelos, j. 15-1-1960; ADIn 652-6, MA, 1992, rel, Min. Celso de Melo, DJ, 2 jan. 1993, p. 5615. A ementa do Recurso Extraordinário n. 35.370 é a seguinte: ‘Declarada a inconstitucionalidade de uma lei, ela alcança, inclusive, os atos do passado praticados com base nessa lei’).

Sendo a ação direta interventiva sui generis, eis que não é

mera ação declaratória de inconstitucionalidade, necessário se faz interpreta-la

especificamente, dessa forma, cabível, então, transcrever a lição de José Afonso

da Silva82:

A sentença já não é meramente declaratória, pois, então, já não cabe ao Senado a suspensão da execução do ato inconstitucional. No caso, a Constituição declara que o decreto (do Presidente da República ou do Governador do Estado, conforme o caso) se limitará a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade. Daí se vê que a decisão, além de decretar a inconstitucionalidade do ato, tem um efeito condenatório, que fundamenta o decreto de intervenção.

81 FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional, p. 423.

26

Continua José Afonso da Silva83:

Pelo texto constitucional, nota-se que a suspensão da execução do ato impugnado não é o objeto do decreto. O objeto do decreto é a intervenção, que não ocorrerá se o ato for suspenso. E isso é o que se dá na prática. Nisso tudo, parece inequívoco que a condenação na intervenção acaba transmudando em verdadeiro efeito constitutivo da sentença que faz coisa julgada material erga omnes.

Outro efeito da intervenção, como anota Celso Ribeiro

Bastos84, é o afastamento das autoridades estaduais dos seus cargos.

Percebe-se, então, que os efeitos da ação direta interventiva

são tanto jurídicos como políticos, sendo que a declaração de

inconstitucionalidade fará, com efeito constitutivo, que o ato deixe de ser aplicado,

e, por vezes, impondo o afastamento das autoridades estaduais de seus cargos,

além de, se for o caso, haver a nomeação de interventor.

Tratou-se, em poucas linhas, sobre a essência da ação

direta interventiva, passando-se, a seguir, para a ADPF, a fim de, no terceiro

capítulo, traçar um paralelo entre o objeto da ação direta interventiva, quanto ao

seu princípios constitucional e da ADPF, com o seu preceito constitucional.

82 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 57. 83 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 57. 84 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 320.

CAPÍTULO 2

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

2.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS

A argüição de descumprimento de preceito fundamental é

remédio jurídico processual novel, eis que não havia precedente nas constituições

pretéritas, aparecendo na atual constituição no artigo 102, no parágrafo único85.

O instituto foi haurido do recurso constitucional do direito

alemão (Versfassungsbeschwerde), que objetiva a tutela de direitos fundamentais

e de certas situações subjetivas lesadas por um ato de autoridade pública86.

A sua inclusão no sistema jurídico pátrio gerou controvérsias

acerca de sua aplicabilidade, chegando-se ao entendimento de que era norma

constitucional de eficácia limitada, eis que dependia da edição de lei87.

85 Sendo posteriormente transformado em § 1º pela Emenda Constitucional nº 3, de 17.03.93. 86 BULOS, Uadi Lâmmego. Constituição federal anotada, p. 995. Seguindo entendimento de José

Afonso da Silva (In Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 559-560). Há autores que fazem referência também ao recurso de amparo espanhol, devido aos estudos de Zeno Veloso (In Controle de constitucionalidade. Belém: Cejup, 1999. p. 327-331). Além desses, ainda há autores que citam a ocorrência de pontos semelhantes como o ”writ of certionari, dos americanos, da popularklage, da Baviera, da auto-remisssão, dos italianos, do beschwerde, dos austríacos, da ação popular de inconstitucionalidade, dos venezuelanos” (BULOS, Uadi Lâmego. Constituição federal anotada, p. 995).

87 Entendimento exarado no Agravo Regimental de Petição nº 1.140-7, j. 02.05.1996, Tribunal Pleno, DJU 31.05.1996, verbis: “(...). 1. O § 1º do art 102 da CF de 1988 é bastante claro, ao dispor: a argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo STF, na forma da lei’. 2. Vale dizer, enquanto não houver lei, estabelecendo a forma pela qual será apreciada a argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente da Constituição, o STF não pode apreciá-la. 3. Até porque sua função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, caput). E é esta que exige Lei para que sua missão seja exercida em casos como esse. Em outras palavras: trata-se de competência cujo exercício ainda depende de Lei. 4. Também não compete ao STF elaborar Lei a respeito, pois essa é missão do Poder Legislativo (arts. 48 e seguintes da CF). 5. E nem se trata aqui de Mandado de Injunção, mediante o qual se pretenda compelir o Congresso Nacional a elaborar a Lei de que trata o § 1º do art. 102, se é que se pode sustentar o cabimento dessa espécie de ação, com base no art. 5º, LXXI, visando a tal resultado, não estando, porém, sub judice, no feito, essa questão. 6. Não

28

A promulgação da Lei exigida para a ação só ocorreu em 3

de dezembro de 1999, numa demora inquietante para um instituto deste quilate.

E, mesmo com o agigantado lapso temporal, a Lei 9.882/99 está tendo a sua

constitucionalidade questionada pela ADIN nº 2.231/8, proposta pelo Conselho

Federal da OAB88.

O anteprojeto89 da referida norma foi elaborado por uma

comissão de juristas presidida por Celso Ribeiro Bastos, e tendo como integrantes

incide, no caso, o disposto no art. 4º da LICC (...) É que não se trata de lei existente e omissa, mas, sim, de lei inexistente. 7. Igualmente não se aplica à hipótese a 2ª parte do art. 126 do CPC’ (...)” (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO, A constituição na visão dos tribunais, p. 781-782. v. 2).

88 Questiona-se a íntegra da Lei Federal nº 9882, de 03 de dezembro de 1999 e em especial o artigo 1 º, parágrafo único; art. 5º, § 3º; art. 10, caput e § 3º e art. 11. Houve, ainda, pedido liminar, que foi apreciado e resultou na seguinte decisão: ‘Depois do voto do Senhor Ministro Néri da Silveira, Relator, deferindo, em parte, a medida liminar, com relação ao inciso I do parágrafo único do artigo 1 º da Lei nº 9882, de 03 de dezembro de 1999, para excluir, de sua aplicação, controvérsia constitucional concretamente já posta em juízo, bem como deferindo, na totalidade, a liminar, para suspender o § 3º do artigo 5º da mesma lei, sendo em ambos os casos o deferimento com eficácia ex nunc e até final julgamento da ação direta (...). Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Moreira Alves. Plenário, 05.12.2001’. Além disso, vê-se que a referida ação está, desde 02.08.2004, conclusa para o Ministro Sepúlveda Pertence, em decorrência da aposentadoria do relator Néri da Silveira, em 24.04.2002 (STF, na ADIN 2.231/8).

89 O anteprojeto foi de iniciativa do Professor Gilmar Ferreira Mendes, que, com o Professor Celso Ribeiro Bastos, procuravam incluir, no ordenamento jurídico brasileiro, um instrumento capaz de combater a chamada “guerra de liminares”. Encontraram a saída pela argüição de descumprimento de preceito fundamental, já prevista na Constituição Federal, sem, porém, aplicabilidade. Através da Portaria 572, publicada no DOU de de julho de 1997, foi ‘instituida a comissão destinada a elaborar estudos e anteprojeto de lei que disciplinasse a argüição de descumprimento de preceito fundamental’. Durante os estudos já estava em trâmite no Congresso Nacional um projeto com a mesma destinação, sob o n. 2.872, de autoria da deputada Sandra Starling, sendo, posteriormente, apresentado, pelo deputado Prisco Viana, substitutivo, o qual foi aprovado e sancionado. Guardando entre os projetos grandes semelhanças’ (MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p.1-2). Note-se que o objetivo dos estudiosos ao criarem a referida Lei, foi de encontro aos anseios dos doutrinadores, que esperavam outra ação para a defesa dos cidadãos, chegando o Pós-Doutor em Direto Dimitri Dimoulis a argumentar, logicamente, sobre “um instituto “que não deu certo”’ (Para um aprofundamento sobre os problemas levantados ver: DIMOULIS, Dimitri. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: problemas de concretização e limitação. In Revista dos Tribunais 832, de fevereiro de 2005. São Paulo: RT, 2005. p. 11-36). Convém registrar duas críticas: a) de Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Seu objetivo real, disfarçado embora, é introduzir uma forma de avocatória, concentrando nas mãos do Supremo Tribunal Federal questões de inconstitucionalidade, suscitadas incidentalmente perante outras instâncias” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves apud IVO DANTAS, Francisco. A argüição de descumprimento de preceito fundamental: a CF e a Lei 9.882/99, p. 154), e de Daniel Sarmento: “(...) é nítido que o objetivo central da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), nos moldes em que disciplinada pela Lei n. 9.882/99, traduz-se na defesa da governabilidade e não dos direitos do cidadão (...) o instituto foi criado visando muito mais na tutela da governabilidade e de interesses estatais (combate à ‘indústria das liminares’), do que a proteção do cidadão em face do Poder Público” (SARMENTO, Daniel, Apontamentos sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental, p. 96 e 99).

29

Gilmar Ferreira Mendes, Arnoldo Wald, Ives Gandra Martins e Oscar Dias Corrêa,

num elevado nível jurídico, que, “em termos de técnica legislativa deixou muito a

desejar”, principalmente após os vetos90, que a tornaram “confusa e obscura”91.

Depreende-se, até o presente momento, que há indefinição

conceitual do instituto, limitando-se os doutrinadores a declinar o texto

constitucional, o que se mostra insatisfatório, porém compreensivo ante a

jovialidade do instituto, podendo-se, de forma simplória, defini-la como sendo a

demanda judicial novel tendente a evitar ou reparar lesão a preceito fundamental,

ou de relevante controvérsia, decorrente de atos dos entes público.

Seu regime jurídico é misto, eis que se reveste de caráter

autônomo quando proposta na forma admitida pelo caput do art. 1º da Lei

9.882/99, tendo, de outra banda, caráter incidental, quando da utilização do inciso

I do parágrafo único do referido artigo92.

O que não se pode perder de vista são as alterações, ou

vantagens, que a referida ação traz para o controle de constitucionalidade

brasileiro, segundo Gilmar Ferreira Mendes93:

Em primeiro lugar, porque permite a antecipação de decisões sobre controvérsias constitucionais relevantes, evitando que elas

Argumenta-se, de outro lado, que a ação não é com a antiga avocatória, eis que “o juiz de direito não é mais afastado da sua posição de julgador, como era anteriormente. O que ocorre é, tão-somente, a prolação de uma decisão pontual pelo Excelso Pretório sobre uma questão constitucional fundamental, que vincula os demais órgãos públicos. Não há julgamento da causa ou usurpação da competência do juiz natural pois tal mecanismo somente serve para conferir mais unidade ao sistema, tornando una a interpretação daquilo que é fundamental” (BASTOS, Celso Ribeiro; VARGAS, Alexis Galiás de Souza. Argüição de descumrpimento de preceito fundamental, p. 76).

90 Ao inciso II do parágrafo único do art. 1º, ao inciso II do art. 2º, ao § 2º do art. 2º, ao § 4º do art. 5º, aos §§ 1º e 2º do art. 8º, e ao art. 9º. Sobre os defeitos de técnica legislativa Manoel Gonçalves Ferreira Filho diz que “provavelmente serão elas admitidas como válidas pelo Supremo Tribunal Federal, pois lhe aumentam o poder ou lhe reduzem a carga” (apud IVO DANTAS, Francisco. A argüição de descumprimento de preceito fundamental: a CF e a Lei 9.882/99, p. 155).

91 SARMENTO, Daniel, Apontamentos sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental, p. 95-96.

92 BULOS, Uadi Lâmmego. Constituição federal anotada, p. 997. 93 MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p.5-6.

30

venham a ter um desfecho definitivo após longos anos, quando muitas situações já se consolidaram ao arrepio da ‘interpretação autêntica’ do Supremo Tribunal Federal. Em segundo lugar, porque poderá ser utilizado para – de forma definitiva e com eficácia geral – solver controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito pré-constitucional em face da nova Constituição que, até o momento, somente poderia ser veiculada mediante a utilização do recurso extraordinário. Em terceiro, porque as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nesses processos, haja vista a eficácia erga omnes e o efeito vinculante, fornecerão a diretriz segura para o juízo sobre a legitimidade ou a ilegitimidade de atos de teor idêntico, editados pelas diversas entidades municipais.

Transcreve-se, sobre a importância da argüição no sistema

de controle de constitucionalidade brasileiro, José Cretella Júnior94: “nascendo a

Constituição pela vontade dos representantes do povo, o descumprimento de

qualquer preceito constitucional constitui atividade contrária à vontade popular,

infração que necessita de correção imediata, pela gravidade de que se reveste”.

2.2 OBJETO DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

O objeto da Argüição de Descumprimento de Preceito

Fundamental foi devidamente delineado pela Lei 9.882/99, verbis: “(...) terá por

objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do poder

público”.

De se ver que há a necessidade de separar as argüições

que visam evitar e as que visam reparar lesão, encontrando-se, assim, dois

objetos da referida ação no caput do artigo 1º da Lei 9.882/9995.

94 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à constituição de 1988, p. 3105. v. 6. 95 MORAES, Alexandre de, Comentários à Lei 9.882/99: Argüição de Descumprimento de Preceito

Fundamental, p 19. Para o referido autor apenas há estas espécies de argüições de descumprimento de preceito fundamental, a preventiva e repressiva. Mesmo entendimento de: BULOS, Uadi Lâmego. Constituição federal anotada, p. 997, já para Roberto Mendes Mandelli Júnior a classificação em argüição preventiva e argüição repressiva é quanto ao momento de lesão ao preceito fundamental, podendo, ainda, haver a classificação quanto ao controle de constitucionalidade abstrato ou concreto que proporciona. Declinando, ainda, que a segunda

31

Infere-se que os termos preceito fundamental e poder

público são amplíssimos, fazendo com que a ação em comento seja singular,

compreendendo todas as esferas federativas, “sobre atos (normativos ou não) do

Poder Público”96.

Acerca do termo ‘poder público’, convém colacionar

entendimento de Eduardo Rocha Dias97, em que:

(...) afasta-se, a princípio, a possibilidade de se alegar descumprimento de preceito fundamental face a entidades privadas, como seria hipótese de uma política discriminatória de recrutamento de pessoal quanto a sexo, raça ou orientação sexual adotada por alguma empresa privada. A atitude lesiva deve decorrer, portanto, de ato do poder público, o que por si só constitui uma limitação às virtualidades do instituto.

Daniel Sarmento98 complementa dizendo que o termo ato do

poder público:

(...) pode ser utilizada não apenas como o objetivo de censurar atos normativos, mas também atos administrativos e até mesmo atos jurisdicionais, agora sujeitos também ao crivo do controle concentrado de constitucionalidade (...) deve ser compreendida em seu sentido mais lato, e alcança também, no nosso entendimento, ao atos de particulares que agem investidos de

classificação é adotada pelos seguintes autores: “André Ramos Tavares, Tratado da argüição de descumprimento de preceito fundamental, (Lei 9.868/99 e Lei 9.882/99), p. 281 e ss.; e Juliano Taveira Bernardes, Argüição de descumprimento de preceito fundamental, Revista Jurídica Virtual da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, n.º 8, jan. 2000. Também, Daniel Sarmento, Apontamentos sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental, p. 87, e Walter Claudius Rothenburg, Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p. 203 a 208, in André Ramos Tavares e Walter Claudius Rothenburg (Orgs.), Argüição de descumprimento de preceito fundamental: análise à luz da Lei 9.882/99” (MANDELLI JÚNIOR, Roberto Mendes. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: Instrumentos de Proteção dos Direitos Fundamentais e da Constituição, p. 103).

96 BASTOS, Celso Ribeiro; VARGAS, Alexis Galiás de Souza. Argüição de descumrpimento de preceito fundamental, p. 69 e 71.

97 DIAS, Eduardo Rocha apud IVO DANTAS, Francisco. A argüição de descumprimento de preceito fundamental: a CF e a Lei 9.882/99, p. 161.

98 SARMENTO, Daniel. Apontamentos sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental, p. 101.

32

autoridade pública, como os praticados por empresas concessionárias e permissionárias de serviço público.

Advirta-se que o veto, ato político do Poder Executivo não é

considerado ato do Poder Público99, nem os atos normativos secundários100.

A Lei traz no seu artigo 1º, parágrafo único, inciso I o terceiro

objeto, ou hipótese de cabimento, que seria a decorrente de “relevante

controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou

municipal, incluídos os anteriores à Constituição”.

Evidencia-se forte crítica sobre a possibilidade de aferição

de atos anteriores à Constituição, eis que estaria em oposição ao entendimento

cinqüentenário do STF101, além de outros considerarem inconstitucional todo o

texto do parágrafo único102.

99 Entendimento fixado no julgamento da Questão de Ordem, da 1ª Argüição de Descumprimento

de Preceito Fundamental, Relator Néri da Silveira: “(..) Não é, assim, enquadrável, em princípio, o veto, devidamente fundamentado, pendente de deliberação política do Poder Legislativo - que pode, sempre, mantê-lo ou recusá-lo, - no conceito de "ato do Poder Público", para os fins do art. 1º, da Lei nº 9882/1999. (...)” (STF, ADPF-QO 1ª, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 03.02.2000, DJU 07.11.2003, p. 82).

100 “O STF firmou jurisprudência no sentido de admitir como objeto impugnável por um controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, por meio da ação direta de inconstitucionalidade, somente os atos normativos primários – que retiram fundamento de validade diretamente da própria Constituição os regulamentados autônomos, manifestamente ausentes de fundamento legal, por invadirem esfera reservada à lei” (MANDELLI JÚNIOR, Roberto Mendes. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: Instrumentos de Proteção dos Direitos Fundamentais e da Constituição, p. 126). Indica-se, sobre a posição tradicionalista do STF, o artigo de REIS, Palhares Moreira. A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental e as Posições Tradicionalistas do Supremo Tribunal Federal, In Revista Jurídica Consulex n. º 145, de janeiro de 2003. p. 46-49.

101 Entendimento fixado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2, Relator Min. Paulo Brossard: “Constituição. Lei anterior que a contrarie. Revogação. Inconstitucionalidade superveniente impossibilidade. A lei ou é constitucional ou não é lei (...) A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. Reafirmação da jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária. Ação direta que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido” (STF, ADI 2, Rel. Min. Paulo Brossard, j. 06.02.1992, DJU 21.11.1997).

102 MORAES, Alexandre de. Comentários à lei 9.882/99: Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p 21-22. Devida a ampliação irregular das competências do STF, que somente poderiam ser realizadas mediante emenda constitucional e não, no caso, por lei ordinária.

33

Há, ainda, os que entendem perfeitamente aplicável e se

firmam nos argumentos de J. J. Gomes Canotilho103, de que a fiscalização de

normas ordinárias anteriores à Constituição traz maior segurança jurídica e

certeza para o ordenamento jurídico vigente.

Ainda sobre a problematização da aferição ou não dos atos

anteriores à Constituição, impõe-se transcrever o entendimento diametralmente

oposto ao do STF, quanto no julgamento da ADI n.º 2, do voto do Min. Sepúlveda

Pertence104:

(...) que o debate sobre a inconstitucionalidade ou revogação do direito pré-constitucional em face do direito constitucional superveniente está imantado por uma opção político-constitucional e pragmática, que, diante da inequívoca razoabilidade das orientações, faz prevalecer uma das duas posições ou, ainda, permite desenvolver fórmulas de compromisso, com vistas na preservação de competência da jurisdição ordinária para conhecer de questões nos sistemas de controle concentrado.

Assim, como a posição firmada pelo STF é da

impossibilidade do exame dos atos anteriores à Constituição, não se pode, por lei

ordinária, querer dar essa incumbência, eis que o agravamento de situações

contrárias as leis seria maior, ante a complexidade do sistema constitucional

brasileiro, havendo, por certo, irreparável dano à instituição que a Lei 9.882/99

visa proteger, bem com ao cidadão, que poderá ver seu direito adquirido

suprimido ante as volições políticas do órgão máximo constitucional.

103 CANOTILHO, J. J. Gomes apud MANDELLI JÚNIOR, Roberto Mendes. Argüição de

descumprimento de preceito fundamental: Instrumentos de Proteção dos Direitos Fundamentais e da Constituição. p. 130. A respeito, ver artigo que traz exemplos sobre as possibilidades de argüição de descumprimento fundamental diante do direito anterior: COLARES, Patrick Menezes; MAUÉS, Antônio G. Moreira. A argüição de descumprimento de preceito fundamental e o direito anterior à constituição de 1988, In Revista de Direito Constitucional e Internacional n.º 51: RT, abril-junho de 2005. p. 9-24.

104 SEPÚLVEDA PERTENCE apud MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: parâmetro de controle e objeto, p. 138.

34

Obtempera-se, ainda, da existência da classificação

defendida por Daniel Sarmento105, em que existiria:

A argüição autônoma constitui típica hipótese de processo objetivo, vocacionada ao controle abstrato de constitucionalidade, à semelhança da ADI, da Ação Declaratória de Constitucionalidade e da ADIN por Omissão. Ela deve ser utilizada exatamente nas hipóteses em que estas outras ações constitucionais não forem cabíveis, ou não se revelaram idôneas para afastar ou impedir a lesão à preceito fundamental da Constituição, consoante o disposto no art. 4º, § 1º, da Lei n.º 9.882/99. Já a argüição Incidental, cuja existência infere-se da leitura de diversos dispositivos esparramados assistematicamente pelo corpo da lei, como o art. 5º, § 3º, e o 6º, § 1º, representa um mecanismo destinado a provocar a apreciação do Supremo Tribunal Federal sobre controvérsia constitucional relevante, que esteja sendo discutida em processo submetido a qualquer juízo ou tribunal, quando inexistir outro meio idôneo para sanar a lesividade ao preceito fundamental (...) aqui a decisão vinculará não apenas o julgamento do caso concreto que a provocou, mas também a todos os outros em que a mesma questão estiver sendo discutida, a teor do disposto no art. 10, caput e § 3º da Lei n.º 9.882/99.

A argüição autônoma é a única aceita de forma majoritária

pela doutrina106, sendo a argüição incidental rechaçada pelos que aduzem haver

inconstitucionalidade no texto do parágrafo único do art. 1º da Lei 9.882/99107.

Note-se, então, o surgimento de duas correntes, sendo a

primeira encabeçada pelos elaboradores da Lei 9.882/99, que não suscitam

eventuais vícios de inconstitucionalidade da lei, e, de outro lado, há os que tem

demonstrado potenciais pontos de inconstitucionalidade, além de incongruência

105 SARMENTO, Daniel. Apontamentos sobre a argüição de descumprimento de preceito

fundamental, p. 97. 106 Há doutrinadores, como Sérgio Resende de Barros, que propugnam pela inconstitucionalidade

de todo o texto da Lei 9.882/99, “porque nela uma simples argüição – cujo caráter é incidental e cuja legitimação ativa é, por isso, aberta – é transformada em uma verdadeira ação direta – de caráter principal, com legitimação ativa restrita” (BARROS, Sérgio Resende de. O nó górdio do sistema misto, p. 195).

107 Como MORAES, Alexandre de. Comentários à lei 9.882/99: Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p 21-22.

35

com a sua norma reguladora e o modelo do controle de constitucionalidade

brasileiro108.

Ocorre, no entanto, que não há a possibilidade de se falar na

inexistência de uma argüição incidental, já que, juntamente com a argüição

autônoma, ela foi criada pelo legislador e recebida, até com certa alegria, pelos

doutrinadores e estudiosos do sistema concentrado, conforme Bruno Noura de

Moraes Rêgo109:

Quando este autor [Mauro Cappeletti] examina a evolução do controle concentrado no continente europeu, deixa assentado que uma das desvantagens do controle concentrado, tal como inicialmente vivenciado, residia no fato de que muitas questões relativas aos direitos fundamentais não chegavam ao conhecimento das cortes constitucionais porque os órgãos com legitimidade para provocar o controle não tinham interesse em discutir direitos fundamentais. Ou seja, diversas leis inconstitucionais lesivas aos direitos individuais fugiram do controle de constitucionalidade. Este fato, por si só, ajuda a compreender porque foram criadas outras formas (amparo e queixa constitucional, por exemplo) de provocar as cortes constitucionais para examinar eventuais violações a direitos fundamentais. Esses instrumentos, portanto, parecem funcionar ora como meios destinados a manter as cortes constitucionais atentas para garantir direitos fundamentais, ora como mecanismos de atenuar a desvantagem de o controle concentrado, diferentemente do difuso, não ter sido inicialmente criado para garantir os direitos fundamentais.

O Brasil como consabido adota o sistema misto de controle

de constitucionalidade, não havendo, porém, semelhança entre o controle difuso e

a argüição incidental110, até porque o objetivo dos seus criadores era que fosse

108 RÊGO, Bruno Noura de Moraes. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p 24. 109 RÊGO, Bruno Noura de Moraes. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p 27-

31. 110 Devido aos legitimados ativos, órgão de conhecimento, efeito da decisão, posteriormente

tratados na seção aplicação da argüição de descumrpeimento de preceito fundamental.

36

processada como um incidente de constitucionalidade, vendo, parte da doutrina,

como na forma do recurso insculpido no art. 97 da CRFB/88111.

Demonstra-se, no entanto, que a argüição incidental não

pode, nem é assemelhada ao recurso do art. 97 da CRFB/88, conforme aduz

Bruno Noura de Moraes Rêgo112:

(...) nota-se de modo cristalino o quão diferente revela-se o julgamento subjetivamente complexo da ADPF incidental: - pelo artigo 97 a questão constitucional não sai do âmbito do tribunal, enquanto na ADPF incidental a questão constitucional sai do órgão jurisdicional (juiz ou tribunal competente pela Constituição para julgar matéria constitucional) e é alcançada ao STF; há, portanto, supressão de instâncias (isto é, o órgão jurisdicional inferior deixa de julgar a matéria constitucional); - pelo artigo 97 quem delibera sobre o envio da questão constitucional ao plenário (ou órgão especial) é o órgão fracionário do mesmo tribunal; já na ADPF incidental quem formula o pedido são os legitimados para propor ADIn (art. 103, CF) e o STF decidirá se julgará ou não a ADPF incidental, dependendo da relevância da questão constitucional; - pelo artigo 97 não há que se falar de processo objetivo, pois há processo, partes, contraditório, ampla defesa, lide, interesses contrapostos, etc. (o máximo que se pode falar é que haveria, talvez, um controle abstrato – exame da prejudicial de constitucionalidade – dentro do controle concreto, mas isso não seria argumento capaz de transformar um processo subjetivo de partes contrapostas em processo objetivo, no qual o que se busca é a defesa da Constituição, e não a defesa de interesses individuais), e a ADPF incidental recebeu regramento próprio de processo objetivo.

111 RÊGO, Bruno Noura de Moraes. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p 33.

Segundo Celso Ribeiro Bastos e Alexis Galiás de Souza Vargas: “A regulamentação do art. 102, § 1º, da Lei Maior vem a preencher uma lacuna que se fazia sentir no ordenamento jurídico pátrio, pois cria uma ponte entre o sistema difuso e o concentrado, uma vez que a decisão proferida incidirá sobre os diversos processos em curso. Com isso, permite-se antecipar o deslinde de uma questão jurídica que percorreria a via crucis do sistema difuso até chegar ao Supremo Tribunal Federal, para então, após decisão definitiva ser a mesma comunicada ao Senado Federal, que poderá suspender a eficácia da lei impugnada, para só então cessarem os efeitos da lei ou ato normativo inconstitucional” (BASTOS, Celso Ribeiro; VARGAS, Alexis Galiás de Souza. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p. 70-71).

112 RÊGO, Bruno Noura de Moraes. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p 41-42.

37

Pelo esposado, chega-se a conclusão de que a argüição

incidental está inserta no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro,

não, havendo, ao que tudo indica, sua inclusão somente no controle difuso ou no

concentrado, mas, sim, o permeamento de dos referidos institutos, predominando,

como quisto pelos seus criadores, o controle concentrado, sendo, em última

análise, enfraquecedor da supremacia da Constituição, pois inverte a lógica do

controle brasileiro, além de criar precedente de alteração do sistema de controle

de constitucionalidade por mera ação do legislador ordinário113.

2.3 APLICAÇÃO DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

A argüição de descumprimento de preceito fundamental tem

a sua aplicação114 limitada ao seu objeto, devendo-se abordá-la, para uma melhor

compreensão de seu processamento, de forma unitária, fazendo, no entanto,

quanto necessário, os devidos apontamentos de processamento distinto da

incidental.

A argüição, independentemente da modalidade, apenas

possui os legitimados ativos constantes no art. 103 da CF115, suprimindo-se,

assim, a possibilidade de argüição por todos os cidadãos, devido ao veto

presidencial do inciso II do art. 2º da Lei 9.882/99116.

113 RÊGO, Bruno Noura de Moraes. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p 62. 114 Aplicação da argüição de descumprimento de preceito fundamental deve ser entendida como

“uso prático de algo” (HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Minidicionário houaiss da língua portuguesa, p. 52).

115 Conforme estabelece o art. 2º, inciso I, da Lei 9.882/99, quais sejam: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara de Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa, o Governador de Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o partido político com representação no Congresso Nacional e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

116 Previa a possibilidade de ação por “qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público”, sendo, no entretanto, vetada pelo Presidente da República, pelas seguintes razões: “(...) A admissão de um acesso individual e irrestrito é incompatível com o controle concentrado de legitimidade dos atos estatais – modalidade em que se insere o instituto regulado pelo projeto de lei sob exame. A inexistência de qualquer requisito específico a ser ostentado pelo proponente da argüição e a generalidade do objeto da impugnação fazem presumir a elevação excessiva do número de feitos a reclamar apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, sem a correlata exigência de relevância social e consistência jurídica das argüições propostas. Dúvida não há de que a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal consubstancia um objetivo

38

A restrição dos legitimados ativos foi no sentido inverso às

tendências doutrinárias117, já que se esperava limitar o número de ações no STF

pela aplicação do princípio da subsidiariedade118, que, após o veto presidencial,

está sendo objeto de debate, a fim de ganhar maior plasticidade119, para, enfim,

não esvaziar o objetivo da norma regulamentadora da argüição.

Seguindo nessa esteira, e mirando aos objetivos da ADPF,

comenta Daniel Sarmento120:

De fato, a partir do momento que se concebe a ADPF, mesmo incidental, como instrumento destinado primacialmente à garantia da ordem jurídica, fica claro que a existência de recurso no caso concreto não é suficiente para sanar a lesividade ao preceito fundamental violado. Isto porque, os efeitos do recurso restringem-se ao caso concreto, e portanto, não satisfazem o objetivo do instituto, que é o de reparar ou evitar lesão à ordem jurídica globalmente considerada, que se propaga através de casos idênticos àquele que foi objeto do processo que ensejou a argüição.

Vê-se, ainda, a possibilidade do cidadão de provocar o

Procurador-Geral da República para propor ADPF, tendo em vista o direito

ou princípio implícito da ordem constitucional, para cuja máxima eficácia devem zelar os demais poderes e as normas infraconstitucionais (...) Impõe-se, portanto, seja vetada a disposição em comento” (Mensagem de Veto n. 1.807/99).

117 BASTOS, Celso Ribeiro; VARGAS, Alexis Galiás de Souza. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p. 71.

118 IVO DANTAS, Francisco. A argüição de descumprimento de preceito fundamental: a CF e a Lei 9.882/99, p. 175. Aponta-se, a respeito, entendimento do STF: “Como se sabe, o princípio da subsidiariedade – que rege a instauração do processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental – acha-se consagrado no art. 4, § 1º, da Lei 9.882/99, que condiciona o ajuizamento dessa especial ação de índole constitucional à ausência de qualquer outro meio processual apto a sanar, de modo eficaz, a situação de lesividade indicada pelo autor. É por essa razão que o legislador, estabeleceu, no art. 4, 1º, da Lei 9.882/99, que não será admitida a argüição de descumprimento de preceito fundamental, ‘quando houver outro meio eficaz de sanar a lesividade’ (STF, DJU 20.9.2000, p. 33, ADPF (MC) 6-8-RJ, Rel. Min. Celso de Mello)” (In BARROSO, Luís Roberto. A constituição da república federativa do brasil anotada, p. 557).

119 Sobre a possibilidade de superação do principio da subsidiariedade ver: MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de Descumrpimento de Preceito Fundamental: Demonstração de inexistência de outro meio eficaz, Revista Jurídica Virtual da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, n.º 13, jun. 2000. p. 1-3.

120 SARMENTO, Daniel. Apontamentos sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental, p. 113.

39

constitucional de petição (art, 5, XXIV, alínea a, CRFB/88), não havendo, no

entanto, qualquer remédio, caso a sua insurgência não seja levada à diante, eis

que a previsão de representação ao STF (art. 2º, § 2º, da Lei 9.882/99) também

foi objeto de veto presidencial121.

As argüições não possuem legitimados passivos, devido ao

critério objetivo que assume, considerando-se, entretanto, as entidades

praticantes do ato, num sentido meramente formal122.

A argüição, assim como o Mandado de Segurança, deve ser

proposta com todos os documentos probatórios123, a chamada prova pré-

constituída, contendo a inicial a indicação do preceito fundamental propugnado

como violado, o ato questionado, a sua prova, o pedido, e, para aqueles que

acreditam na constitucionalidade do inciso I, do parágrafo único do art. 1º da Lei,

a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação

do preceito fundamental que se considera violado124.

Acerca da relevância da questão constitucional, pondera

Walter Claudius Rothenburg125:

A transbordante pauta do Supremo Tribunal Federal tem levado à discussão de mecanismos de filtragem das questões a serem examinadas pelo Supremo Tribunal Federal (...) A Lei 9.882/99 prevê expressamente, como condição de admissibilidade da argüição de descumprimento de preceito fundamental, que seja

121 SARMENTO, Daniel. Apontamentos sobre a argüição de descumprimento de preceito

fundamental, p. 114-115. 122 SARMENTO, Daniel. Apontamentos sobre a argüição de descumprimento de preceito

fundamental, p. 115. Há quem considere a existência de partes no sentido estrito, já que “quando se sabe que o descumprimento de preceito fundamental sempre se dará num caso concreto. Tanto assim que o legislador determina que a ADPF poderá ser usada desde que não haja outro meio eficaz para sanar a lesividade e quando garante, ainda que sem dizê-lo expressamente, a observância do contraditório e da ampla defesa [art. 5º, § 2º e art. 6º, § 1º, da Lei 9.882/99], princípios consoante dito antes, próprios do processo subjetivo” (RÊGO, Bruno Noura de Moraes. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p 68).

123 BASTOS, Celso Ribeiro; VARGAS, Alexis Galiás de Souza. Argüição de descumrpimento de preceito fundamental, p. 72.

124 Art. 3 e incisos da Lei 9.882, de 3 de dezembro de 1999. 125 ROTHENBURG, Walter Claudius. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p.

208-209.

40

“relevante o fundamento da controvérsia constitucional (art.1º, parágrafo único, inciso I) (...) hipotecar um voto de confiança à argüição e reconhecer a validade da condição em seus devidos termos, com o que haverá três possibilidades: considerar a relevância do fundamento da controvérsia constitucional como específica modalidade incidental da argüição (alternativa preferida por quem sustente que o inciso I do parágrafo único do art. 1º refere-se apenas à argüição incidental) [André Ramos Tavares]; considerar essa condição como peculiar à modalidade direta de argüição; considerar como atinente a qualquer das modalidades.

Continua o referido autor, justificando a opção pela

aplicabilidade da relevância em ambas as argüições, pela ampliação da margem

de apreciação do STF126.

A ampliação da margem de apreciação do STF é honrosa

quando se lembra do assoberbamento da instituição, não se pode, contudo,

esquecer de sua função precípua que é a guarda da Constituição, e, levando em

consideração a ADPF, a guarda dos preceitos fundamentais contra atos

governamentais, que malgradam a população pelas indefinições políticas e má

gerência governamental, tendo o cidadão no Poder Judiciário, e no seu mais alto

órgão, a sua única possibilidade de se ver defendido.

Assim, quanto maior a ampliação dessas margens, maior

será a dificuldade dos legitimados em utilizarem essa via, devendo, então, o STF

primar por apreciações mais objetivas, deixando de lado a discricionariedade127, o

que, para um órgão eminentemente político, será difícil.

126 Podendo, então, o STF “avaliar se o preceito constitucional violado deve mesmo ser tido como

fundamental (apreciação do parâmetro), cabendo-lhe-á considerar se há relevância no fundamento da controvérsia constitucional (apreciação quanto à relevância) e, ainda, se não há “qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade” (apreciação quanto à subsidiariedade)” (ROTHENBURG, Walter Claudius. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p. 210-211).

127 “É certo que a ADPF, mesmo incidental, colima primariamente a proteção da ordem jurídica, e não a tutela de direitos subjetivos das partes. Porém, isto não significa que o STF tenha discricionariedade para admitir ou não a ADPF, nem muito menos possa fazê-lo sem fundamentação, como ocorre no writ of certiorari do direito norte-americano. Do contrário, haveria uma exagerada e desnecessária politização no julgamento da ação, e violar-se-ia, ademais, o princípio da motivação das decisões judiciais, inscrito no art. 93, IX, da Lei Maior, que representa, como afiançou José Carlos Barbosa Moreira, uma garantia indeclinável do

41

Seguindo-se no processamento da argüição, após a sua

propositura subirá ao relator, que verificará o preenchimento dos requisitos legais,

momento em que poderá indeferí-la de plano128, cabendo, contudo, agravo

regimental, no prazo de cinco dias129.

Note-se que na redação da Lei 9.882/99130, quanto ao

indeferimento liminar da petição inicial, verifica-se que esta poderá ocorrer

quando “não for caso de argüição de descumprimento de preceito fundamental,

quando faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou quando for inepta”,

sendo que a referência da ineptidão da inicial não encerra todas as possibilidades

de indeferimento da inicial constantes no Código de Processo Civil131.

Ademais, vê-se que a intenção do legislador era suprimir a

possibilidade de emenda da inicial constante no CPC132, pecando, entretanto, na

minúcia da questão dela ser inepta, deixando de prever as demais causas, e,

mesmo que o fizesse, assim como fez com o referido artigo, seria de todo

desnecessário.

O Relator poderá, ainda, liminarmente, ad referendum do

Tribunal Pleno, conceder medida liminar, nos casos de extrema urgência; perigo

de lesão grave ou no período de recesso133.

A possibilidade de concessão de medidas liminares vem da

simples enunciação do cabimento da argüição, conforme Walter Claudius

Rothenburg 134:

Estado de Direito” (SARMENTO, Daniel. Apontamentos sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental, p. 100).

128 Art. 4º, caput, da Lei 9.882/99. 129 Art. 4º, § 2º, da Lei 9.882/99. 130 Art. 4º, caput, da Lei 9.882/99. 131 Art. 295, do Código de Processo Civil. 132 Art. 284, do Código de Processo Civil. 133 Art. 5º, § 1º, da Lei 9.882/99. 134 ROTHENBURG, Walter Claudius. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p.

231.

42

(...) Essa possibilidade [tutela jurisdicional liminar e/ou cautelar] já está ínsita ao princípio da inafastabilidade do controle judicial (art. 5, XXXV, da Constituição, que alude à “lesão ou ameaça a direito”) e encontra uma valiosa ilustração na previsão de cautelar em ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, p): se até o controle concentrado abstrato tradicional de constitucionalidade admite a tutela imediata, com muito maior razão a nova modalidade de controle concentrado (e eventualmente concreto).

A concessão da medida será objeto de apreciação do STF,

que por maioria absoluta, necessitando, para tanto, atualmente do voto de oito

Ministros, a referendará, caso concedida in limine pelo Relator.

Um dos efeitos da decisão, em sede de medida liminar, está

sendo objeto de angustiantes debates, eis que o texto regulamentador135 prevê a

possibilidade de suspensão do andamento dos processos que tramitam perante

todos os demais órgãos do judiciário, bem como “eficácia contra todos e efeito

vinculante"136.

Thomas da Rosa de Bustamante137 escreve:

(...) a argüição de descumprimento de preceito fundamental não é um incidente processual, mas sim, ação autônoma. (...) Não pode, portanto, intervir em outras ações que tenham sido ajuizadas, limitando a jurisdição de todos os tribunais que não o Supremo Tribunal Federal às matérias infra-constitucionais (...) Não creio que seja possível a concessão de medida liminar deste teor, por uma simples razão: a manutenção do controle difuso de controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Ora, a possibilidade de suspensão de todos os efeitos com base numa medida liminar é absurda, pois pretende atribuir efeito vinculante a uma decisão que sequer é definitiva. O texto do art. 5º, §3º, da lei aludida,

135 Art. 5º, § 3º, da Lei 9.882/99, verbis: “A liminar poderá consistir na determinação de que juízes

e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada”.

136 IVO DANTAS, Francisco. A argüição de descumprimento de preceito fundamental: a CF e a Lei 9.882/99, p. 178.

137 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa apud IVO DANTAS, Francisco. A argüição de descumprimento de preceito fundamental: a CF e a Lei 9.882/99, p. 179.

43

fecha o ciclo de intérpretes da Constituição, permitindo que o Supremo Tribunal Federal, através de medida liminar (!), simplesmente passe por cima de uma competência que tem fincas na própria Carta Magna.

Obtempera-se, efetivamente, que a referida decisão liminar

não pode produzir efeito tão grave, a ponto de congelar todos os processos em

curso, como nos planos econômicos impostos no Brasil, que se esperava a

manutenção do preço, do poder econômico, gerando, entretanto, crise, recessão

e endividamento geral, demonstrando que nem sempre a solução mais simples se

mostra a mais correta e/ou aplicável.

A simplicidade do raciocínio para a edição desse efeito é

decorrente da ordinária espera dos jurisdicionados pela posição firmada pelo STF

em determinada ação, havendo, porém, sustentação jurisprudencial138, da

aplicação dessa suspensão.

O Relator, após análise do pedido liminar, solicitará, no

prazo de dez dias, as informações às autoridades responsáveis pela prática do

ato questionado139.

Sendo facultado, ainda, ouvir as partes, requisitar

informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos, e, a inovação do

legislador na previsão de nova modalidade de instrução do processo140, convocar

pessoas com experiência e autoridade na matéria para prestarem declarações,

em audiência pública141.

138 Exemplificando: “(...) Cláusula da subsidiariedade ou do exaurimento das instâncias.

Inexistência de outro meio eficaz para sanar lesão a preceito fundamental de forma ampla, geral e imediata. Caráter objetivo do instituto a revelar como meio eficaz aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante. Compreensão do princípio no contexto da ordem constitucional global. Atenuação do significado literal do princípio da subsidiariedade quando o prosseguimento de ações nas vias ordinárias não se mostra apto para afastar a lesão a preceito fundamental. 8. Plausibilidade da medida cautelar solicitada” (STF, ADPF 33, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 29.10.1993, DJU 06.08.2004).

139 Art. 6º, caput, da Lei 9.882/99. 140 BASTOS, Celso Ribeiro; VARGAS, Alexis Galiás de Souza. Argüição de descumprimento de

preceito fundamental, p. 72. 141 Art. 7º, caput, da Lei 9.882/99.

44

Após o prazo das informações, aporá seu relatório e pedirá

dia para o julgamento142, sendo, posteriormente, dado vista ao Ministério Público,

caso ele não haja formulado a argüição143.

Devendo haver, para a instalação da sessão e decisão da

ADPF, pelo menos dois terços dos Ministros do STF144.

2.4 EFEITOS DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

A decisão final, em ADPF, importará na comunicação às

autoridades ou órgãos responsáveis pelo ato questionado, sendo fixado “as

condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental” 145.

Ponto importante é o da eficácia contra todos da ADPF,

mesmo a incidental, eis que fora criada como de controle concentrado, tendo a

decisão força obrigatória geral, determinando, por meio de um efeito negativo

cassatório do ato declarado descumpridor de preceito fundamental, a sua não

aplicação pelos órgão e agentes do governo146.

Possui, ainda, efeito vinculante, ante a lição de Alexandre de

Moraes147, aos demais órgãos do Poder Público, com a seguinte aplicação:

Em relação ao legislador, os efeitos vinculantes atuam a fim de impedir que editem novas normas com idêntico conteúdo ao daquela anteriormente declarada inconstitucional, por desrespeitar

142 Art. 7º, parágrafo único, da Lei 9.882/99. 143 Art. 6º, § 1º , da Lei 9.882/99. Novamente há evidente desnecessidade da inclusão desse artigo

na Lei, eis que a CF, no parágrafo 1, do art. 103, expressamente traz a obrigatoriedade da participação do Procurador-Geral da República nos feitos de competência do STF (MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 666).

144 Art. 8º, da Lei 9.882/99. 145 Art. 10, caput, da Lei 9.882/99. Francisco Ivo Dantas Cavalcanti faz crítica a essa

determinação, por entender ferir o princípio do juiz natural (IVO DANTAS, Francisco. A argüição de descumprimento de preceito fundamental: a CF e a Lei 9.882/99, p. 181).

146 MANDELLI JÚNIOR, Roberto Mendes. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: Instrumentos de Proteção dos Direitos Fundamentais e da Constituição, p. 172.

147 MORAES, Alexandre de. Comentários à lei 9.882/99: Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 33.

45

um preceito constitucional; ou ainda, normas que convalidem os efeitos da norma declarada inconstitucional por desrespeito ao preceito fundamental ou anulem os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal. Em relação a todos os juízos e tribunais, restará afastado o controle difuso de constitucionalidade, uma vez que estarão vinculados não só à decisão do Supremo Tribunal Federal, mas também à interpretação constitucional que lhe foi dada à norma, nas hipóteses de interpretação conforme a Constituição e declaração parcial de nulidade sem redução de texto. Finalmente, as autoridades administrativas não poderão aplicar a norma declarada incompatível com o preceito fundamental previsto na Constituição Federal, ou no caso de improcedência da ação, deixar de respeitar as normas declaradas constitucionais e compatíveis com os preceitos fundamentais e deverão pautar suas condutas pela interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal.

Saliente-se, a respeito do efeito vinculante, que a vinculação

decorre da fundamentação da decisão148, cabendo, no caso de sua

inobservância, reclamação ao STF, na forma de seu regimento interno149.

Os efeitos da decisão, no entanto, é limitada temporalmente

ao passado, pela coisa julgada, e para o futuro, pela atividade legislativa150,

sendo, atualmente, concedido ao STF a possibilidade de manipular os efeitos da

decisão de argüição151, modificando, ao que tudo indica, o clássico

posicionamento do STF, que considera nula a lei declarada inconstitucional152.

148 BASTOS, Celso Ribeiro; VARGAS, Alexis Galiás de Souza. Argüição de descumprimento de

preceito fundamental, p. 74. 149 Processada conforme o estatuído nos arts. 156 a 162, do Regimento Interno do STF. 150 ROTHENBURG, Walter Claudius. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p.

229. 151 Art. 11, da Lei 9.882/99. Essa manipulação pelo STF, pela lição de Alexandre de Moraes, pode

ocorrer “seja em relação à sua amplitude, seja em relação aos seus efeitos temporais, desde que presentes os dois requisitos constitucionais: requisito formal e requisito material.” (MORAES, Alexandre de. Comentários à lei 9.882/99: Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, p. 35). Não sendo admitida por Elival da Silva Ramos, eis que o legislador ordinário não poderia discipliná-la, apenas via emenda constitucional (RAMOS, Elival da Silva. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: Delineamento do Instituto, p. 125).

152 IVO DANTAS, Francisco. A argüição de descumprimento de preceito fundamental: a CF e a Lei 9.882/99, p. 179, verbis: “Lei declarada inconstitucional é lei nula, tal como já sentenciava, de há muito, o então Ministro do Supremo Tribunal Federal Themístocles Cavalcanti [Recurso Extraordinário n. 61.410]”.

46

Tendo como último efeito a impossibilidade de reforma, por

expressa disposição legal153, não significando a imutabilidade da decisão, eis que

por via de nova ação, com novos argumentos jurídicos, poderá haver a mudança

do entendimento do STF, como ocorre nas modificações sumulares154.

Abordou-se a ADPF de forma pontual ao conteúdo da ação

direta interventiva, sobrelevando as suas semelhanças aos objetos limitadores,

princípio constitucional e preceito fundamental, o que se fará no capítulo seguinte.

153 Art. 12, da Lei 9.882/99. 154 IVO DANTAS, Francisco. A argüição de descumprimento de preceito fundamental: a CF e a Lei

9.882/99, p. 186-187.

CAPÍTULO 3

PRECEITO FUNDAMENTAL E PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL

3.1 DEFINIÇÕES DE PRECEITO FUNDAMENTAL E PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL

Com o presente capítulo pretende-se definir os termos

preceito fundamental e princípio constitucional, respectivamente empregados pela

ADPF e pela ação direta interventiva, constantes na CRFB/88.

A missão de se conseguir definir os referidos termos será

um tanto árdua, como primacialmente advertiu Rui Barbosa155:

Não é que não tenham seu valor as notas e glosas dos exegetas, os comentos dos explicadores e as lições dos tratadistas, contanto que haja suco no que dizem. Mas, por mais que valerem, não valerão, senão enquanto não extrapassarem a missão árdua, que os glosadores, comentadores e explanadores toca, de esclarecer os textos, dar relevo ao seu conteúdo, e verter neles a luz da boa doutrina, investigando a expressão dos obscuros, e respeitando a evidência dos claros.

A CRFB/88 ao enumerar taxativamente, no art. 34, VII, quais

os princípios considerados constitucionais, restringiu a amplitude dessa

expressão.

Note-se que os princípios são os alicerces de uma

sociedade, podendo ela ser destruída ou construída, apenas com o extirpação

dos primevos princípios e inserção de novos156.

155 RUI BARBOSA. Obras completas de Rui Barbosa: Art. 6º da Constituição e a Intervenção de

1920 na Bahia, p. 62-63. 156 PONTES DE MIRANDA. Democracia, liberdade, igualdade: Os três caminhos, p. 33.

48

Impõe-se, a respeito, transcrever Pontes de Miranda157:

“Tudo que fez a civilização, de que hoje desfrutamos, se deve a princípios, a

fórmulas ditas abstratas. Tudo isso repousa em alguma coisa mais do que aço,

eletricidade, cimento e óleo: repousa em livros (...)”.

Convém lembrar que há princípios não escritos, que de

nenhuma forma deturpam a homogeneidade do direito constitucional, que é

uno158.

Havendo, assim, várias conceituações para os princípios,

segundo Humberto Quiroga Lavié159:

Los principios pueden también tener varias conceptuaciones. Tenemos, en primer lugar, los principios de derecho público invocados en el próprio texto de la Constitución (...) También están los principios implícitos en la normativa constitucional, inferidos de su texto por la doctrina o por la jurisprudencia (...) Por último, están los principios generales del derecho (...)160.

Tendo em vista as conceituações supra apresentadas,

necessário faz-se apresentar a distinção entre princípios constitucionais

fundamentais e princípios gerais de Direito, ou de Direito Constitucional, para

tanto colaciona-se José Afonso da Silva161:

Vimos já que os primeiros [princípios constitucionais fundamentais] integram o Direito Constitucional positivo, traduzindo-se em normas fundamentais, normas-síntese ou normas-matriz, “que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte”, normas que contêm as decisões políticas fundamentais que o constituinte acolheu no

157 PONTES DE MIRANDA. Democracia, liberdade, igualdade: Os três caminhos, p. 33. 158 PONTES DE MIRANDA. Comentários à constituição de 1967, p. 292. Tomo I. 159 LAVIÉ, Humberto Quiroga. Lecciones de derecho constitucional, p. 191-192. 160 Tradução livre: “Os princípios podem também ter várias conceituações. Temos, em primeiro

lugar, os princípios de direito público invocados no próprio texto da Constituição (...) Também estão os princípios implícitos na norma constitucional, inferindo o seu texto pela doutrina e pela jurisprudência (...) Por último, estão os princípios gerais do direito”.

161 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 99.

49

documento constitucional. Os princípios gerais foram temas de uma teoria geral do Direito Constitucional, por envolver conceitos gerais, relações, objetos, que podem ter seu estudo destacado da dogmática jurídico-constitucional.

Dessa forma, deve-se interpretar as regras jurídicas gerais

da Constituição de acordo com o que elas visam proteger162, no caso da ação

direta interventiva, à base da estrutura e organização da União163.

Infere-se, ainda, que o termo princípio constitucional

empregado pela CRFB/88, não é isento de críticas, pois consideram-no

inadequado.

Pinto Ferreira164 traz alguns termos do direito comparado:

Gurvitch os chama de “princípios constitucionais”, são fórmulas básicas de interpretação teórica do constitucionalismo, os quais Thomas M. Cooley denomina “princípios gerais do direito constitucional” (the general principles of constitutional law), que correspondem aos “princípios constitucionais” (constitutional principles) de Laski, às “leis fundamentais” (fundamental laws) de Munro, aos “princípios fundamentais” (principes fondamentaux) de Barthélemy-Duez, ou aos “principes généraux du droit constitucionel” de Esmein, que juntamente com Laski e Munro, lhes consagrou análise magistral.

Em outra linha, e com certa razão, encontra-se José Cretella

Júnior165, que faz uma lógica distinção do termo empregado pela constituinte e o

termo empregado pela filosofia166, pugnando pela incoerência técnica, devendo,

então, o termo ser desconsiderado, ou substituído por regra ou norma167.

162 PONTES DE MIRANDA. Comentários à constituição de 1967, p. 293. Tomo I. 163 FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira, p. 317. v. 2. 164 FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira, p. 317. v. 2. 165 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à constituição de 1988, p. 2080. v. 4. 166 “proposição mandamental que está na base dos sistemas, informando-os” (CRETELLA

JÚNIOR, José. Comentários à constituição de 1988, p. 2080. v. 4). 167 “As normas são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja,

reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses

50

Mesmo havendo inobservância da constituinte do emprego

do termo correto, de fato ele pode, com a devida lucidez, ser considerado como

princípio constitucional político-ideológico168, eis que visa, em última análise, a

proteção do sistema Federativo169, contendo rol de outros princípios

constitucionais.

Tem-se, por primeiro princípio, que a forma republicana, no

conceito de Lincoln170, “é o governo do povo, pelo povo e para o povo”.

Já para Madison171, “o governo republicano é ‘aquele em

que todos os poderes procedem direta ou indiretamente do povo, cujos

administradores não gozam senão de poder temporário, a arbítrio do povo ou

enquanto bem procederem”.

Aponta-se, acerca do ponto mais evidente para se aferir

sobre a existência da república, a lição de Rui Barbosa172:

O que discrimina a forma republicana, com ou sem o epíteto adicional de federativa, não é a coexistência dos três poderes, indispensáveis em todos os governos constitucionais, com a república, ou a monarquia. É, sim, a condição de que, sobre existirem os três poderes constitucionais, o legislativo, o executivo

por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigações de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem“ (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 95).

168 Segundo a classificação proposta por: CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos de direito constitucional, p. 114.

169 Impõe-se, a respeito, transcrever Themistocles Brandão Cavalcanti: “Parece, no entretanto, que os princípios constitucionais enumerados são os únicos que justificam a intervenção, o que não exclui a obrigação dos Estados obedecerem a todos os princípios firmados pela Constituição federal e que devem ser considerados essenciais à estrutura e funcionamento do regime. A enumeração feita é restritiva da intervenção mas não exclui a apreciação judicial e invalidade dos preceitos que, por qualquer forma, colidam com os fundamentos do sistema (...)” (CAVALCANTI, Themistocles Brandão. A constituição federal comentada. p. 192).

170 LINCOLN apud JACQUES, Paulino. Curso de direito constitucional, p. 166. 171 MADISON apud FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira

de 1988, p. 235. v. 1. 172 RUI BARBOSA. Obras completas de Rui Barbosa: Art. 6º da Constituição e a Intervenção de

1920 na Bahia, p. 43.

51

e o judiciário, os dois primeiros derivem, realmente, de eleição popular.

Cabendo, ainda, o comentário de Celso Ribeiro Bastos173:

A organização política do Estado brasileiro é a republicana. É o sistema de governo que surge a partir do momento da ruptura da forma anterior, que era a monárquica. Trata-se de governo não hereditário, eleito por determinado período de tempo. Ocorre que, além de o Brasil ser uma República, também é uma Federação – forma de governo pela qual vários Estados se reúnem numa só nação, sem perderem a sua autonomia. Essa forma contrapõe-se ao Estado unitário.

O sistema representativo é o qual os poderes públicos são

exercidos mediante delegação dos eleitores, já que não poderiam, de forma

conjunta, administrar um governo, devido ao seu grande contingente, e, mesmo

que possível, poderia ocorrer graves inconvenientes e má gestão174.

O regime democrático liga-se ao sistema representativo, eis

que aqui o poder emana do povo, sendo, então, pelo sistema representativo,

exercido por delegados em seu nome, a chamada soberania popular175, numa

democracia indireta176.

O povo exercerá a democracia direta através, das

excludentes do sistema representativo, do plebiscito e referendum177. A iniciativa

popular também é uma excludente do sistema representativo178, sendo, porém,

173 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do brasil, p. 342-

343. v. 3. Tomo II. 174 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à constituição de 1988, p. 2081. v. 4. 175 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à constituição de 1988, p. 2081. v. 4. 176 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do brasil, p. 343-

344. v. 3. Tomo II. 177 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do brasil, p. 343-

344. v. 3. Tomo II. 178 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à constituição de 1988, p. 2081. v. 4.

52

uma forma de democracia indireta179, pois, em que pese a proposta de projeto de

lei ter sido apresentada diretamente à Câmara de Deputados, é essa casa

representativa que irá votá-la.

Os direitos da pessoa humana também podem ser causa de

intervenção, conforme previsão constitucional180, sendo tratados, pela doutrina,

como ‘direitos humanos’181, presentes basicamente no art. 5º da CRFB/88182.

Os direitos humanos são, na definição proposta por Antônio

Enrique Pérez Luño183, “un conjunto de facultades e instituciones que, en cada

momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la libertad y la

igualdad humanas, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los

ordenamientos jurídicos a nivel nacional e internacional” 184.

Note-se que a expressão direitos humanos185 é mais

empregada em declarações e tratados internacionais, pois há objeção ao

179 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do brasil, p. 344.

v. 3. Tomo II. 180 Art. 34, VII, b, da CRFB/88. 181 FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira, p. 351. v. 2. 182 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988, p. 235.

v. 1. 183 LUÑO, Antônio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constitucion, p. 48. 184 Tradução livre: “um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico,

concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humana, das quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível nacional e internacional”.

185 “Para algunos, los derechos humanos suponen una constante histórica cuyas raíces se remontan a las instituciones y el pensamiento del mundo clásico. Otros, por el contrario, sostienen que la ideia de los derechos humanos nace com la afirmación cristiana de la dignidad moral del hombre en cuanto persona. Frente a estos últimos, a su vez, hay quien afirma que el cristianismo no supuso un mensaje de libertad, sino más bien una aceptación conformista del hecho de la esclavitud humana. Sin embargo, lo más frecuente es considerar que <<la primera aparición de la ideia de derecho del hombre [...] tuvo lugar durante la lucha de los pueblos contra el régimem feudal y la formación de las relaciones burguesas>>. Unas veces se considera que los derechos humanos son el fruto de la afirmación de los ideales iusnaturalistas; en tanto que en otras se considera que los términos << derechos naturales>> y <<derechos humanos>> son categorías que no se implican necesariamente, o, incluso, entre las que antes de una continuidad existe una alternativa. De outra parte, es muy corriente sostener que los derechos humanos son el producto de la progresiva afirmación de la individualidad. (...) Las controvérsias no se agotan aqui; buena prueba de ello nos ofrece el esfuerzo doctrinal encaminado a poner en discusión la raíz individualista de los derechos humanos, en aras de la reafirmación de su significado social (...) La significacíon heterogénea de la expresión <<derechos humanos>> en la teoría y en la praxis há contribuido a hacer de este concepto un paradigma de equivocidad. A ello se aúna la falta de precisión de la mayor parte de definiciones que suelen proponerse sobre

53

emprego deste termo, por não haver direito que não seja humano ou do

homem186.

Uadi Lâmmego Bulos187 enfrenta essa questão terminológica

da declaração de direitos e garantias fundamentais da CRFB/88, aduzindo:

Acreditamos, pois, que direitos fundamentais do homem é o nome útil para designar o complexo de princípios informadores de todo o ordenamento jurídico, que, no Brasil, vêm arrolados ao longo do art. 5 da Constituição Federal. Mas existem outras terminologias, expostas, sumariamente, a seguir. Direitos naturais seria, segundo alguns, a melhor terminologia para auferirmos as declarações de direitos. Esse termo exteriorizaria, segundo seus adeptos, o caráter inalienável e imanente dos direitos ínsitos à natureza humana (...) A fim de designar os direitos puramente individuais, particulares e disponíveis, certos autores preferem essa terminologia. O conteúdo dessa expressão revela a doutrina do século XVIII, a qual remonta às concepções de direitos civis e de liberdades civis, que conferiam ao indivíduo a prerrogativa de usar, gozar e dispor de um determinado direito. (...) - Liberdades fundamentais. Terminologia usada em sentido restrito para exprimir alguns direitos fundamentais. (...) A expressão liberdades públicas, aceita pelos autores franceses e usada indiscriminadamente entre nós, é limitada porque abarca, unicamente, os direitos individuais clássicos e os direitos políticos, deixando de fora os direitos: coletivos, difusos, individuais homogêneos, sociais e econômicos.

Complementando, Antonio Enrique Pérez Luño188, quanto a

inaplicabilidade da expressão direitos públicos subjetivos, tem-se que:

los derechos humanos, lo que hace muy difícil determinar su alcance (...) Es evidente que sobre ideas tales como la del perfeccionamiento de la persona humana, el progreso social, o el desarrollo de la civilización, existe las más diversas y controvertidas opiniones que dependen de la perspectiva ideológica desde la que se las interprete. De ahí que, si puede existir un acuerdo inicial sobre la fórmula general de estas definiciones, tal acuerdo se desvanece en cuanto es preciso concretar el sentido de los valores a los que se remiten, o en cuanto se pasa de su enunciado verbal a su aplicación. Por ello, en lo que respecta a su resultado, esta definición es tan vaga como las precedentes. En todo caso, ninguna de ellas permite elaborar una noción de los derechos humanos com límites precisos y significativos”. (LUÑO, Antônio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constitucion, p. 23-25).

186 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 180. 187 BULOS, Uadi Lâmmego. Constituição federal anotada, p. 105-106.

54

(...) la categoria de los derechos públicos subjetivos, entendidos como autolimitación estatal en benefício de determinadas esferas de interés privado, pierde su sentido al hallarse superada por la propia dinámica ecómico-social de nuestro tiempo, en el que el disfrute de cualquier derecho fundamental exige una política jurídica activa (y en la mayor parte de las ocasiones también econômica) por parte de los poderes públicos189.

Não obstante o termo empregado pelo constituinte o que se

deve ter em vista é a sua aplicabilidade, sendo que os direitos humanos passíveis

de intervenção são apenas os constantes no art. 5º, o que restringe aos direitos

individuais190 e coletivos191.

Importante colacionar a elucidativa explanação de Reinhold

Zippelius192 sobre gênese desses direitos individuais:

As raízes da moderna concepção dos direitos de liberdade individuais dirigidos contra o Estado residem em direitos individuais específicos face ao poder real. Na Idade Média, o soberano confirmava no acto de juramento de sucessão ou no acto de coroação as jura et libertates dos vassalos que, em jeito de contraprestação, lhe renovavam o preito de vassalagem. Os conflitos entre vassalos e soberano foram resolvidos, não raras

188 LUÑO, Antônio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constitucion, p. 34. 189 Tradução livre: “(...) a categoria dos direitos públicos subjetivos, entendidos como autolimitação

estatal em benefício de determinadas esferas de interesse privado, perdendo seu sentido de haver superada pela própria dinâmica economica-social do nosso tempo, em que o disfrute de qualquer direito fundamental exige uma política jurídica ativa (e na maior parte das ocasiões também econômica) por parte dos poderes públicos”.

190 “Sendo de origem constitucional, tais direitos [individuais] não poderão ser suprimidos pelo Estado, nem mesmo por via legislativa. Portanto, ainda que o interesse público prevaleça sobre o interesse particular, isso nunca poderá se dar em prejuízo dos direitos individuais previstos na Constituição” (SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público, p. 47).

191 “A classificação que decorre do nosso Direito Constitucional é aquela que os agrupa com base no critério de seu conteúdo, que, ao mesmo tempo, se refere à natureza do bem protegido e do objeto de tutela. De acordo com esse cirtério, teremos: (a) direitos fundamentais do homem-indivíduo, que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado; por isso são reconhecidos como direitos individuais, como é de tradição do Direito Constitucional brasileiro (art. 5º), e ainda por liberdades civis e liberdades-autonomia (França); (b) direitos fundamentais do homem-membro de uma coletividade, que a Constituição adotou como direito-coletivo (art. 5º)” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 186-187).

192 ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do estado, p. 420.

55

vezes, acordando, para o futuro, um certo modus vivendi que incluía também a consagração de certas liberdades num diploma, como p. ex., na famosa Magna Carta Libertatum. Portanto, o desenvolvimento dos direitos fundamentais iniciou-se segundo este modelo: o rei detém determinados direitos de soberania, os estamentos gozam de determinadas liberdades consagradas em cartas de liberdade. Esta concepção dissolvia, de certa forma, o domínio num feixe de direitos singulares aos quais se contrapunham, por sua vez, direitos de liberdade também singulares.

Impõe-se, para que se evidenciem os desdobramentos de

sua gênese e da sua atual importância, as palavras de Konrad Hesse193:

Como direitos do homem e do cidadão, os direitos fundamentais são, uma vez, direitos de defesa contra os poderes estatais (...) Em uma ordem liberal constitucional são necessários tais direitos de defesa, porque também a democracia é domínio de pessoas sobre pessoas, que está sujeita às tentações do abuso de poder, e porque poderes estatais, também no estado de direito, podem fazer injustiça.

Vislumbra-se, contudo, que há doutrinadores, como Ferreira

Filho, que vêem como desnecessária a referência da alínea b, do art. 34, VII, da

CRFB/88, sobre os direitos da pessoa humana, eis que seriam objeto de

intervenção para ‘execução da lei federal’, disposto no art. 34, VI, da CRFB/88194.

De se ver, no entanto, que não merece guarida tal assertiva,

pois a sua inserção no sistema jurídico pátrio, como princípio explícito

desencadeador da ação direta interventiva, traz maior possibilidade de ação do

que a decorrente da ‘execução da lei federal’, que muitos estudiosos195 não

entendem ser passível de ação direta interventiva, ficando, então, a sociedade à

mercê da intervenção política, e não jurídica, o que, em muitos casos, e não

raros, não ocorre.

193 HESSE, Konrad. Elementros de direito constitucional da república federal da alemanha, p. 235. 194 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988, p. 235.

v. 1.

56

Ademais, convém colacionar outra crítica doutrinária, surgida

em 1989, que, ainda hoje, mostra-se atual196:

Quantos direitos da pessoa humana são violados diariamente no Brasil? Não é apenas a tortura que se viola a pessoa humana. O próprio salário mínimo é uma violência à pessoa humana. A promessa de inflação zero que depois se transforma em inflação de dois dígitos atenta contra os direitos da pessoa humana. Os excessivos gastos dos governantes pelos meios de comunicação, com dinheiro do povo, constitui atentado aos direitos da pessoa humana, pois ela está sendo furtada em seus salários para pagamento de impostos que não são destinados à obras públicas e sim para promoção pessoal dos governantes.

A autonomia municipal também deve ser respeitada, não se

podendo, contudo, ser confundida com soberania ou autarquia, conforme

preleciona José Cretella Júnior197:

Soberania é a faculdade de autodeterminação do Estado, faculdade que emana internamente, do povo, e que em seu nome se exerce; é o direito que tem o agrupamento humano de estruturar seu direito positivo no mais alto grau (Carta Magna), sem interferência externa, sem participação de qualquer potência estrangeira. É o poder que tem o Estado de elaborar a sua Lei Maior, sua constituição (...) A soberania pertence aos Estados, aos países; a autonomia refere-se aos Municípios e aos Estados-membros da Federação; autonomia é o direito de autolegislar; autarquia é a faculdade de auto-administrar. Autarquia não é faculdade de autolegislar.

Há, ainda, a prestação de contas da administração pública,

direta e indireta, bem como o controle da aplicação do mínimo exigido da receita

resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências,

195 Como p. ex.: MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 600. 196 FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários à constituição de 1988, p. 444. 197 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à constituição de 1988, p. 2083. v. 4.

57

na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de

saúde198.

Trata-se de uma advertência ou lembrete aos Estados-

membros, para que dotem seu orçamento, e apliquem-no, da forma inserta na

CRFB/88, e normas gerais sobre orçamento199.

Assim, em linhas gerais, procurou-se declinar o conteúdo

dos princípios constitucionais passíveis de ação direta interventiva, o que será

retomado, oportunamente, para comparação com o termo preceito fundamental

da argüição de descumprimento de preceito fundamental, interessando, no

momento, definir o que se entende por princípios constitucionais, ante a ação

direta interventiva.

Define-se, então, os princípios constitucionais, ou

sensíveis200, presentes no art. 34, VII, da CRFB/88, como sendo as diretrizes

básicas201 de proteção da forma federativa do Estado, que devem ser seguidas

pelos Estados-membros, a fim de se evitar a intervenção federal, havendo, por

conseguinte, uma enumeração restritiva de intervenção202.

Superada a definição de princípios constitucionais, ante a

ação direta interventiva, convém tratar do preceito fundamental, o qual se originou

na CRFB/88, já no seu texto primacial, sendo, posteriormente, incluído na Lei

9.882/99, sem que houvesse, por parte do legislador, uma definição legal do que

seria considerado preceito fundamental.

198 Alínea e incluída pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996, com redação dada pela Emenda

Constitucional nº 29, de 2000. 199 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988, p. 236.

v. 1. 200 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 600. 201 Na acepção do termo princípio como ‘diretriz fundamental de um sistema’ (BANDEIRA DE

MELLO, Osvaldo Aranha apud SLAIBI FILHO, Nagib. Anotações à constituição brasileira de 1988: Aspectos fundamentais, p. 107).

202 Enumeração cerrada conforme: CAVALCANTI, Themistocles Brandão. A constituição federal comentada, p. 192.

58

Essa ausência normativa foi determinante para o surgimento

da controvérsia do que se considera preceito fundamental, havendo, no entanto,

quem dissesse que não cabia ao legislador ordinário essa definição, como Zeno

Veloso203:

Não nos parecia que o legislador ordinário pudesse indicar os preceitos fundamentais decorrentes da Constituição, cujo descumprimento possibilitaria a argüição. Significaria dar prerrogativa ao Congresso Nacional de eleger, dentre os princípios, quais os que são fundamentais, vale dizer, essenciais, preponderantes, superiores. Ora, isto é atribuição do constituinte ordinário, ou do STF, guardião principal e intérprete máximo do Texto Magno.

De se ver, inicialmente, que o termo ‘preceitos fundamentais’

conduzem a idéia de uma elevada afronta aos valores constitucionais204.

Havendo, até o presente momento, uma gama de itens considerados

fundamentais, por diversos doutrinadores.

A começar por Celso Ribeiro Bastos e Aléxis Galiás de

Souza Vargas205, que propugnam como insertos nos preceitos fundamentais, a

“soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político, a forma federativa de Estado, o

voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e

garantias individuais (CF/88, arts. 1º e 60, § 4º)”.

Para Uadi Lâmmego Bulos206, podem ser considerados

preceitos fundamentais o conteúdo do art. 1º, bem como outros, a seguir listados:

203 VELOSO, Zeno apud MANDELLI JÚNIOR, Roberto Mendes. Argüição de descumprimento de

preceito fundamental: Instrumentos de Proteção dos Direitos Fundamentais e da Constituição, p. 116.

204 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 335. 205 BASTOS, Celso Ribeiro; VARGAS, Alexis Galiás de Souza. Argüição de descumprimento de

preceito fundamental, p. 75. 206 BULOS, Uadi Lâmmego. Constituição federal anotada, p. 1002.

59

Princípio republicano (art. 1º, caput), princípio federativo (art. 1º, caput), princípio do Estado democrático (art. 1º, caput), princípio da separação de Poderes (art. 2º), princípio presidencialista (art. 76), princípio da legalidade (art. 5º, II), princípio da liberdade (art. 5º, IV, VI, IX, XIII, XIV, XV, XVI, XVII etc), princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV), princípio da autonomia das entidades federadas (arts. 1º e 18), princípio do juiz e do promotor natural (art. 5º, XXXVII e LIII), princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV), princípio do contraditório (art. 5º, LV), princípio da publicidade dos atos processuais (art. 5º, LX, e 93, IX), princípio da legalidade administrativa (art. 37, caput), princípio da impessoalidade (art. 37, caput), princípio da moralidade (art. 37, caput), princípio da publicidade (art. 37, caput), princípio da ocupação de cargos através de concurso públicos (art. 37, II), princípio da prestação de contas (arts. 70, parágrafo único, 34, VII, d, e 35, III), princípio da independência funcional da magistratura (arts. 95 e 96), princípio da capacidade contributiva (art. 145, III), princípio da defesa do consumidor (art. 170, IV), princípio da autonomia universitária (art. 207) etc.

Infere-se que Daniel Sarmento207, após explanar sobre os

potenciais preceitos fundamentais, conclui, “sem sombra de dúvidas”, que as

cláusulas pétreas, bem como os arts. 1º ao 5º, são por ele abarcados.

Clèmerson Merlin Clève208 afirma que, com certeza, apenas

as cláusulas pétreas podem ser consideradas preceitos fundamentais.

Assim como Gilmar Ferreira Mendes209, que considera de

inegável qualidade de preceitos fundamentais os “direitos e garantias individuais

(art. 5º, entre outros)”.

Walter Claudius Rothenburg210, fazendo referência aos

estudos de André Ramos Tavares, indica como preceitos fundamentais, além das

207 SARMENTO, Daniel. Apontamentos sobre a argüição de descumprimento de preceito

fundamental, p. 101. 208 CLÈVE, Clèmerson Merlin apud IVO DANTAS, Francisco. A argüição de descumprimento de

preceito fundamental: a CF e a Lei 9.882/99, p. 157. 209 MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: Parâmetro

de Controle e Objeto, p.128. 210 ROTHENBURG, Walter Claudius. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p.

213.

60

cláusulas pétreas, por serem “limites materiais expressos ao poder de reforma

constitucional (art. 60, § 4º); os ‘princípios sensíveis’, cuja violação autoriza a

intervenção federal ou estadual (art. 34, VII); acrescentamos ainda os já referidos

princípios fundamentais, traduzidos em fundamentos (art. 1º), objetivos (art. 3º) e

princípios retores das relações internacionais (art. 4º).

Note-se, que de forma unânime, os doutrinadores elegeram

as cláusulas pétreas como inclusas no termo preceitos fundamentais da

CRFB/88, havendo, no entanto, controvérsia sobre os demais princípios, que

serão, como aponta a doutrina e jurisprudência, definidos pelo STF.

Esse posicionamento já foi defendido por dois ex-Ministros,

ante citação de Bruno Noura de Moraes Rêgo211:

Afirmou Oscar Dias Corrêa: “Cabe exclusivamente e soberanamente ao STF conceituar o que é descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição, porque promulgado o texto constitucional é ele o único, soberano e definitivo intérprete, fixando quais são os preceitos fundamentais, obediente a um único parâmetro – a ordem jurídica nacional, no sentido mais amplo. Está na sua discrição indicá-la. Parece-nos, porém, que, desde logo, podem ser indicados, porque pelo próprio texto, não são objeto de emenda, deliberação e, menos ainda, abolição: a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação de poderes; os direitos e garantias individuais. Desta forma, tudo o que diga respeito a essas questões vitais para o regime podem ser tidas como preceitos fundamentais. Além disso, admita-se: os princípios do “Estado democrático”, vale dizer – soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais; os direitos políticos, a prevalência das normas relativas à organização político-administrativa; a distribuição de competências entre a união, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios; entre Legislativo, executivo e Judiciário; a discriminação de rendas; as garantias de ordem econômica e financeira, nos princípios básicos; enfim todos os preceitos que, assegurando a estabilidade e a continuidade da ordem jurídica democrática, devam ser

211 RÊGO, Bruno Noura de Moraes. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p 64-

65.

61

cumpridos”. Disse o ministro Néri da Silveira: “Quanto ao Supremo Tribunal Federal, prevê a nova constituição, ainda, no art. 103, parágrafo único: ‘A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.’ Cuida-se, aí de ação originária, perante a Corte Suprema. O processo respectivo reserva-se à lei discipliná-lo. Parece, entretanto, procedente admitir que à lei ordinária não caberá definir o rol dos preceitos fundamentais da Constituição. Ao Supremo Tribunal Federal, que deterá a Competência precípua de guardar a Constituição (art. 103), a ele, incumbirá, por certo, dizer, em cada caso, se trata de descumprimento a preceito fundamental da Carta Magna o que vier a alegar-se, na aludida via. No confronto, entretanto, com os dois institutos anteriores – mandado de injunção e ação de inconstitucionalidade por omissão – bem de ver, é que, na espécie, não se trata de falta de regra a implementar a eficácia de norma constitucional ou a tornar viável o exercício de direitos, garantias e prerrogativas previstos na Constituição, mas preceito fundamental desta é que está sendo descumprido.

Vê-se que o posicionamento do STF já é no sentido de se

preservarem as cláusulas pétreas, existindo, então, certa hierarquia, ante aos

demais princípios da CRFB/88.

Adverte-se que inexiste, no ponto de vista jurídico-formal,

hierarquia entre as normas da Constituição212, havendo, apenas, uma hierarquia

axiológica213, que nos permite dissociar os preceitos fundamentais dos princípios

212 SARMENTO, Daniel. Apontamentos sobre a argüição de descumprimento de preceito

fundamental, p. 100. 213 “A solução está no reconhecimento de uma necessária hierarquização axiológica desses

princípios, como regra de aplicação harmoniosa. Embora todos os dispositivos constitucionais tenham a mesma hierarquia normativa, obviamente não terão a mesma hierarquia axiológica. Essa desigualdade decorre do fato, muitas vezes esquecido, de que a Constituição não é apenas um diploma legal a mais, no ordenamento jurídico do País, embora seja o de maior importância; mas é também, e sobretudo, um documento político, impregnado de valores metajurídicos, de distintos níveis e diversas abrangências, de modo que os princípios normativos, que os exprimem positivamente, carregam suas características políticas e têm, por isso, diferentes cargas de eficácia. Exemplificando, suscintamente, essa hierarquia axiológica, podemos afirmar que os princípios que definem liberdades preferem aos que as condicionam ou restringem; e os que atribuem poderes ao Estado, cedem aos que reservam poderes aos indivíduos, e os que reforçam a ordem espontânea têm preferência sobre os que a excepcionam” (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo apud SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 337-338).

62

fundamentais, ou das garantias ou direitos, ocorrendo, então, uma natural

limitação214.

Podendo-se, então, definir os preceitos fundamentais como

sendo os dispositivos mais elevados, axiologicamente, da CRFB/88, impregnados

do mais alto valor constitucional, com indissociável ligação às cláusulas pétreas,

que, com a devida aplicação protetiva, poderão fazer valer os ditames

constitucionais circunscritos ao seu apanágio inabalável.

Ressalte-se que os termos utilizados pelas ações em

comento não devem ser confundidos com os utilizados pela doutrina na

classificação dos princípios constantes na CRFB/88.

Dessa forma, o termo preceitos fundamentais não pode ser

confundido com os princípios constitucionais fundamentais215, ou princípios

fundamentais216, ou qualquer outro termo utilizado pela doutrina na classificação

principiológica, eis que o termo foi inserido na CRFB/88 sem qualquer relação

nominativa com os demais termos, tanto que a doutrina, como anteriormente

esposado, traz alguns princípios que poderia ser abarcados pelo termo preceitos

fundamentais, já que como asseverou o STF217, ele é quem decidirá sobre o

conteúdo dos preceitos fundamentais. O termo princípios constitucionais, de outra

banda, utilizado na Ação Direta Interventiva, é cognominado pela doutrina como

princípios sensíveis218, evitando, assim, os conflitos conceituais.

3.2 INTER-RELAÇÃO ENTRE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL E PRECEITO FUNDAMENTAL

O preceito fundamental não pode ser entendido como

princípio constitucional, como anteriormente abordado, porém, de se ver que os

214 ROSAS, Roberto. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p. 121. 215 Segundo a classificação proposta por: CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos de direito

constitucional, p. 115. 216 Título I da CRFB/88. 217 RÊGO, Bruno Noura de Moraes. Argüição de descumprimento de preceito fundamental, p 64-

65. 218 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 600.

63

dois tem afinidades, que, guardadas as finalidades das ações que eles culminam,

podem se inter-relacionar, auxiliando, assim, o seu estudo, bem como as suas

aplicações.

Compulsando-se nas explicações primevas, verifica-se a

existência de pontos comuns entre o princípio constitucional, passível de manejar

a ação direta interventiva, e o preceito fundamental, da ADPF.

Os pontos em referência são os decorrentes da

convergência das suas definições, já que o princípio constitucional, em comento,

apresenta rol exaustivo de possibilidades, o preceito fundamental, ao contrário,

não apresenta nenhuma possibilidade de se manipular a ADPF, havendo,

inclusive, dúvidas sobre a sua aplicabilidade, eis que poucas foram as ações que

tiveram curso desde a edição de sua norma regulamentadora219.

Seguindo-se o entendimento dos doutrinadores, sobre a

admissão irrestrita das cláusulas pétreas, e de seus desdobramentos, como

preceitos fundamentais, vê-se, de forma explícita, a proteção ao sistema

federativo de Estado220, relacionando-se diretamente a ação direta interventiva.

A proteção da referida forma estatal vai ao encontro dos

anseios da ação direta interventiva, em todos os seus enunciados, eis que

procura, ao final da demanda, manter a Federação.

A Federação brasileira pode ser caracterizada, tendo em

vista alguns elementos, apresentados por Michel Temer221:

a) Descentralização política ou repartição constitucional de competências. Está traçada, basicamente, nos arts. 21 e 25, §1º, da Constituição. O primeiro enumera expressamente as competências da União; o segundo dispositivo indica as dos Estados. É preciso fazer, aqui, distinção entre essas competências: as da União são chamadas expressas e

219 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 346. 220 Art. 60, §4º, I, da CRFB/88. 221 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional, p. 65-69.

64

enumeradas (sobre as acharem expressamente descritas, vêm enumeradas no Texto); as dos Estados são denominadas residuais ou remanescentes. Constituem o resíduo, o remanescente daqueles negócios que não foram conferidos expressamente à União ou ao Município (art. 30, incisos I a IX). Mas os Estados não possuem apenas competências residuais, e nem a União apenas expressas (...) b) Participação da vontade dos Estados (ordens jurídicas parciais) na vontade nacional (ordem jurídica central) (...) o nosso bicameralismo é do tipo federal, ou seja, ambas as Casas participam do processo de elaboração de lei, mas o Senado tem a função moderadora, visando a manter o equilíbrio federativo. É a adoção desse bicameralismo (federativo) que permite a parificação dos Estados no concerto federal. Isto porque, apesar de a Câmara dos Deputados abrigar representantes do povo brasileiro, não há dúvida de que os deputados oriundos de um Estado tenderão a emitir opiniões que favoreçam seus Estados de origem. É no Senado, em face da paritariedade da representação, que se moderará a atividade legislativa da Câmara dos Deputados quando, nesta, a legislação tiver o objetivo de beneficiar determinadas regiões em detrimento do todo nacional. É no Senado que se promove o equilíbrio dos interesses federativos. Acha-se presente, portanto, a segunda nota tipificadora da Federação: participação da vontade dos Estados na vontade nacional. c) Possibilidade de autoconstituição. Os Estados brasileiros têm a possibilidade de autoconstituição, como expresso no art. 25 da CF. Ao se constituírem obedecerão aos princípios estabelecidos na Constituição Nacional. Significa: o constituinte estadual há de obedecer àquela principiologia. Não se trata de mera cópia dos dispositivos constitucionais.

Outro ponto convergente é com relação à democracia222,

elevada à princípio sensível, tem a sua materialização na possibilidade de

manutenção do voto direto, secreto, universal e periódico223, inserto nas cláusulas

pétreas.

Note-se, ainda, que o conjunto de disposições protegidas,

tanto das cláusulas pétreas como dos princípios sensíveis, fazem referência aos

222 Art. 34, VII, a, da CRFB/88. 223 Art. 60, §4º, II, da CRFB/88.

65

artigos constantes no título I da CRFB/88, visualizáveis na discriminação proposta

por José Afonso da Silva224:

(a) princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa225 do Brasil, soberania, Estado Democrático226 de Direito (art. 1º); (b) princípios relativos à forma de governo e à organização dos poderes: República227 e separação dos poderes228 (arts. 1º e 2º); (c) princípios relativos à organização da sociedade: princípio da livre organização social229, princípio de convivência justa e princípio da solidariedade (art. 3º, I); (d) princípios relativos ao regime político: princípio da cidadania230, princípio da dignidade da pessoa231, princípio do pluralismo, princípio da soberania popular232, princípio da representação política233 e princípio da participação popular direta234 (art. 1º, parágrafo único); (e) princípios relativos à prestação positiva do Estado: princípio da independência235 e do desenvolvimento nacional236 (art. 3º, II), princípio da justiça social (art. 3º, III) e princípio da não discriminação237 (art. 3º, IV); (f) princípios relativos à comunidade internacional: da independência nacional238, do respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana239, da autodeterminação dos povos, da não-intervenção,

224 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 98-99. 225 Art. 60, §4º, I, da CRFB/88. 226 Art. 34,VII, a, da CRFB/88. 227 Art. 34,VII, a, da CRFB/88. 228 Art. 60, §4º, III, da CRFB/88. 229 Art. 60, §4º, IV e art. 34, VII, b, da CRFB/88, exemplificademente, em decorrência do direito de

associação (art. 5º, XVII, XVIII, XIX, XX e XXI). 230 Art. 60, §4º, II, da CRFB/88. 231 Art. 60, §4º, IV e art. 34, VII, b, da CRFB/88 (Por ser reafirmado no art. 5º, incisos III, X, XLI,

XLIII, XLIX, conforme anteviu SLAIBI FILHO, Nagib. Anotações à constituição de 1988: aspectos fundamentais, p. 116).

232 Art. 60, §4º, II, da CRFB/88. 233 Art. 34, VII, a, da CRFB/88. 234 Art. 60, §4º, II e art. 34, VII, a, da CRFB/88. 235 Art. 60, §4º, III e art. 34, VII, c, da CRFB/88. 236 Art. 34, VII, e, da CRFB/88. 237 Art. 60, §4º, IV e art. 34, VII, b, da CRFB/88. 238 Art. 60, §4º, III e art. 34, VII, c, da CRFB/88. 239 Art. 60, §4º, IV e art. 34, VII, b, da CRFB/88.

66

da igualdade dos Estados, da solução pacífica dos conflitos e da defesa da paz, do repúdio ao terrorismo e ao racismo240, da cooperação entre os povos e o da integração da América Latina (art. 4º).

Vê-se, ademais, que a proteção dos direitos e garantias

individuais241, ou dos direitos da pessoa humana242, nos remetem ao art. 5º da

CRFB/88, que, por sua vez, faz relação com vários dispositivos constitucionais243.

Infere-se, após essa apertada comparação, que não há

delimitação clara entre os dispositivos ensejadores das duas ações, fazendo,

então, com que exista, sim, uma inter-relação entre elas, sob o aspecto

principiológico.

3.3 ESPECTRO DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E DOS PRECEITOS FUNDAMENTAIS INTER-RELACIONADOS

Com vista a inter-relação dos termos preceito fundamental e

princípio constitucional, questiona-se da possibilidade de aplicação das ações

condizentes aos termos de forma mais simplificada.

Ao se analisar o conteúdo textual das cláusulas pétreas,

desconsiderando a possibilidade de extensão para outros preceitos fundamentais

apontados pela doutrina, ao dos princípios sensíveis, nota-se uma

incompatibilidade na obrigação de prestação de contas dos Estados-membros,

bem como a necessidade de observância da aplicação mínima de recursos na

educação e saúde pelos Estados-membros.

A referida incompatibilidade induz a impossibilidade de

utilização da ADPF para os dois dispositivos, de modo extensivo.

240 Art. 60, §4º, IV e art. 34, VII, b, da CRFB/88 (art. 5º, III, XLI, XLIII, XLIX, da CFRB/88). 241 Art. 60, §4º, IV, da CRFB/88. 242 Art. 34, VII, b, da CRFB/88. 243 Exemplificando, a defesa do consumidor está inserida no art. 5º, XXXII, porém tem o seu

desdobramento no art. 207, da CRFB/88.

67

Quanto aos demais dispositivos, em que pese não haver

precisa correspondência legislativa, há a possibilidade de utilização, devido ao

seu conteúdo implícito, além de seus desdobramentos normativos.

Adverte-se, no entanto, que a proteção dos direitos

fundamentais do homem pode se dar nas duas ações, não havendo vedação

específica, devendo, contudo, ater-se as peculiaridades de cada ação, quanto ao

fim desejado, já que a ADPF requer a superação do quase intransponível

princípio da subsidiariedade, o que não acontece com a ação direta interventiva,

que, por sua vez, devido a intervenção estatal, pode surtir mais efeitos práticos do

que no manejo da ADPF.

Obtempera-se que o espectro de aplicação dos dois termos

é ampliativo e indissociável as suas ações, devendo o operador jurídico, tendo em

vista o que se pretende com as ações, restringir o termo, bem como o preceito ou

princípio, ao caso prático, de forma pormenorizada, a fim de suceder as barreiras

aplicativas das referidas ações, para, ao final, ver o seu direito inalienável244

assegurado, mantido ou restabelecido.

Conclui-se que as duas ações, bem como seus dispositivos

protetivos, colimam um objetivo comum, observado o intento de cada uma, de

obediência à Constituição, entregando ao Judiciário um poder manifestamente

244 “A ideia de direitos “inalienáveis” do Homem, que não podem ser transferidos para a disposição

do poder do Estado, nasceu do mundo conceitual da teoria contratualista (§15 II). A teoria de Locke acerca da origem da sociedade deu uma formulação clássica à idéia de direitos humanos inatos e inalienáveis. Locke (Two Treatises of Government) partiu da hipótese de um estado natural do Homem, que seria um estado de total liberdade e igualdade (II §4). A sociedade funda-se pela necessidade de proteger a vida, a liberdade e apropriedade dos indivíduos (II §123). Nasce de uma união voluntária (II §§ 95, 119). O poder do Estado é a totalidade das faculdades que os indivíduos transferem para a comunidade para que esta os proteja. O indivíduo, porém, não pode conceder à sociedade a disposição sobre bens dos quais nem ele próprio pode dispor. Uma vez que o poder do Estado não é outra coisa “que o poder reunido de todos os membros da sociedade, ao qual renunciaram em favor da pessoa ou da assembléia que é o legislador, então, não pode ser maior do que o poder que os indivíduos possuíam por natureza antes de entrarem na sociedade, e ao qual renunciaram em favor da comunidade. Ninguém pode transferir para outrem um poder maior do que aquele que possui sobre si próprio, ninguém tem um poder absoluto e arbitrário, nem sobre si próprio nem sobre outrem, que lhe permita destruir a sua própria vida ou privar outrem da sua vida e da sua propriedade“ (ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do estado, p. 436).

68

político de zelo a esse fim, assegurando, quando premido a se manifestar, o

exercício de direitos, liberdades, prerrogativas e competências245.

Dessa forma, traçou-se um paralelo entre as duas ações, e

seus respectivos objetos, que, como se viu, podem se inter-relacionar, alargando

o espectro aplicativo das duas ações, resguardando, quando manejadas, a

Constituição.

245 SILVEIRA, Néri da apud RÊGO, Bruno Noura de Moraes. Argüição de descumprimento de

preceito fundamental, p. 65.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz da

legislação, da doutrina e da jurisprudência nacional, a Ação Direta de

Inconstitucionalidade Interventiva versus Argüição de Descumprimento de

Preceito Fundamental.

Abordou-se, num primeiro momento, a Ação Direta de

Inconstitucionalidade Interventiva, trazendo, para tanto, a sua evolução histórica,

conceito, aplicação e efeitos.

Conforme se observou no primeiro capítulo, chegou-se ao

conceito de que a referida ação é uma demanda judicial decorrente de infração

aos princípios sensíveis, por parte de um Estado–membro, que será despojado do

seu direito de se autogovernar, até que a União sane a irregularidade,

sustentando, assim, o regime federativo.

A ação possui legitimado ativo único, Procurador-Geral da

República, bem como um trâmite diferenciado da intervenção política, eis que,

aqui, não há manifestação do Congresso Nacional sobre a medida interventiva,

que será imposta diretamente pelo Presidente da República.

Demonstrou-se que o seu objeto é taxativo, sendo, pela

doutrina, restringido aos princípios constitucionais, ou sensíveis, dispostos no art.

34, VII, da CRFB/88.

Vê-se, da mesma forma, que a sua aplicação é restritiva

pelo seu objeto, fazendo com que haja, ainda, mais obstáculos para sua

efetividade, tendendo o STF a atenuá-la, ou não lhe aplicar, ante a sua gravidade,

tanto no seara jurídica quanto política.

Ponderou-se, no entanto, que mesmo que a medida

represente a fulminação da autogovernabilidade do Estado-membro, ela gera a

garantia e manutenção do regime federativo, sacratíssimo para a sociedade, pois

70

é o único que culmina no onírico das liberdades regionais que acentuam o

desenvolvimento marginal.

O segundo capítulo foi destinado a tratar da Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental, com nota doutrinária, legal e

jurisprudencial acerca de sua inclusão no mundo jurídico, objeto e aplicação.

Evidenciou que a ADPF foi inserida no texto original da

CFRB/88, de forma aberta, em que o constituinte criou uma modalidade de ação,

sem, contudo, definir os seus principais contornos, que foram subjugados para a

normatização ordinária, o que gerou controvérsias sobre a sua delimitação, e,

principalmente, sobre a ampliação da competência do STF, chegando, inclusive, a

tramitar demanda direta de inconstitucionalidade, a qual, até o presente momento,

não foi julgada.

Ressalte-se que a referida ação foi, por diversos

doutrinadores, dividida em argüição autônoma e incidental, sendo, ainda, por

alguns, defendido a sua possibilidade de postulação por todos os lesados, numa

aproximação ao recurso de amparo espanhol.

Seu objeto é apenas a defesa aos preceitos fundamentais

decorrentes da CRFB/88, o que dão conta de uma gama amplíssima de

dispositivos, havendo, então, debates doutrinários sobre o que se entende por

preceito fundamental, bem como o seu conteúdo.

Aplica-se a ADPF sempre que houve lesão ou ameaça de

lesão por ato do poder público aos preceitos fundamentais decorrentes da

CRFB/88, o que, devido ao princípio da subsidiariedade, não está sendo levada à

diante. Note-se o referido princípio veio para limitar as demandas, ante a

inexatidão terminológica do preceito fundamental, gerando, entretanto, uma

barreira intransponível, como se infere nas parcas ações ajuizadas e nas

notabilíssimas ainda em tramite, o que ocasiona um esvaziamento de sua

aplicabilidade e efetividade.

No terceiro e último capítulo, estudou-se, numa

contraposição, e numa análise pormenorizada, o preceito fundamental e o

71

princípio constitucional, estabelecendo as suas definições, inter-relações e

aplicações.

Declinou-se, preludialmente, as diversas concepções

atinentes aos princípios e as termos empregados pelos constituintes para se

referirem aos direitos fundamentais do homem, ou direitos humanos, como

empregado nos tratados internacionais.

Definiu-se os princípios constitucionais como sendo os

ditames estruturais protetivos da forma federativa de Estado, enumerados de

forma exaustiva. Já os preceitos fundamentais são as disposições supremas, num

contexto valorativo, enaltecidas constitucionalmente, manifestadas, prima facie,

pelas cláusulas pétreas.

Evidenciou, conforme a referida distinção de definições, que

os preceitos fundamentais não podem ser confundidos com os preceitos

constitucionais, não havendo sustentação doutrinária ou jurisprudencial para

tanto. Adverte-se, ainda, que nem todos os princípios constitucionais podem ser

tidos como preceitos fundamentais.

Vislumbrou-se que os dois termos estão inter-relacionados

quanto aos princípios que os abarcam, como do respeitável direitos e garantias

individuais e coletivas, art. 5, da CRFB/88, ou direitos humanos, que, com seus

desdobramentos normativos, podem inquinar várias disposições relacionadas

como protegidas.

Extraiu-se, ainda, que o espectro de aplicação dos referidos

termos pode ser realizado por qualquer ação, apenas se observando a finalidade

do argüente, assim, o descumprimento de preceito fundamental pode, com a

devida cautela, ser argüido em sede ação direta interventiva, desde que os

preceitos tenham ligação com os princípios constitucionais, ou sensíveis.

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ANEXOS

Presidência da República

Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

PREÂMBULO

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

TÍTULO I

Dos Princípios Fundamentais

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

81

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I - independência nacional;

II - prevalência dos direitos humanos;

III - autodeterminação dos povos;

IV - não-intervenção;

V - igualdade entre os Estados;

VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X - concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

TÍTULO II

Dos Direitos e Garantias Fundamentais

CAPÍTULO I

DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

82

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (Vide Lei nº 9.296, de 1996)

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

83

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;

XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

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a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;

XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

XXX - é garantido o direito de herança;

XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do "de cujus";

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (Regulamento)

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

85

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

86

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;

LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei;

LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;

LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;

LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;

87

LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;

LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;

LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

LXXII - conceder-se-á "habeas-data":

a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença;

LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:

a) o registro civil de nascimento;

88

b) a certidão de óbito;

LXXVII - são gratuitas as ações de "habeas-corpus" e "habeas-data", e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

.........................................................................................................................

CAPÍTULO VI

DA INTERVENÇÃO

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

I - manter a integridade nacional;

II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;

III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;

IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;

V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:

a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;

b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;

89

VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000).

.........................................................................................................................

Subseção II

Da Emenda à Constituição

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

90

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

§ 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

.........................................................................................................................

Seção II

DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual;

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente- Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão

91

diplomática de caráter permanente;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)

d) o "habeas-corpus", sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o "habeas-data" contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;

e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território;

f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;

g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;

h) a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão do "exequatur" às cartas rogatórias, que podem ser conferidas pelo regimento interno a seu Presidente; (Revogado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

i) o "habeas-corpus", quando o coator ou o paciente for tribunal, autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância;

i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 22, de 1999)

j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;

l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais;

n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;

o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal;

p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;

92

q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;

r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

II - julgar, em recurso ordinário:

a) o "habeas-corpus", o mandado de segurança, o "habeas-data" e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;

b) o crime político;

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Parágrafo único. A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.

§ 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (Transformado em § 1º pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93)

§ 2.º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo. (Incluído em § 1º pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93)

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

93

§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Art. 103. Podem propor a ação de inconstitucionalidade:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembléia Legislativa;

V - o Governador de Estado;

IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

§ 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.

§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.

§ 4.º A ação declaratória de constitucionalidade poderá ser proposta pelo Presidente da República, pela Mesa do Senado Federal, pela Mesa da Câmara dos Deputados ou pelo Procurador-Geral da República. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (Revogado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

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.........................................................................................................................

Brasília, 5 de outubro de 1988.

Presidência da República

Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI No 9.882, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1999.Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1o do art. 102 da Constituição Federal.

Mensagem de Veto nº 1.807

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;

II – (VETADO)

Art. 2o Podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade;

II - (VETADO)

§ 1o Na hipótese do inciso II, faculta-se ao interessado, mediante representação, solicitar a propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabimento do seu ingresso em juízo.

§ 2o (VETADO)

Art. 3o A petição inicial deverá conter:

I - a indicação do preceito fundamental que se considera violado;

II - a indicação do ato questionado;

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III - a prova da violação do preceito fundamental;

IV - o pedido, com suas especificações;

V - se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.

Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de instrumento de mandato, se for o caso, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação.

Art. 4o A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de argüição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.

§ 1o Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

§ 2o Da decisão de indeferimento da petição inicial caberá agravo, no prazo de cinco dias.

Art. 5o O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental.

§ 1o Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno.

§ 2o O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de cinco dias.

§ 3o A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.

§ 4o (VETADO)

Art. 6o Apreciado o pedido de liminar, o relator solicitará as informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias.

§ 1o Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

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§ 2o Poderão ser autorizadas, a critério do relator, sustentação oral e juntada de memoriais, por requerimento dos interessados no processo.

Art. 7o Decorrido o prazo das informações, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os ministros, e pedirá dia para julgamento.

Parágrafo único. O Ministério Público, nas argüições que não houver formulado, terá vista do processo, por cinco dias, após o decurso do prazo para informações.

Art. 8o A decisão sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental somente será tomada se presentes na sessão pelo menos dois terços dos Ministros.

§ 1o (VETADO)

§ 2o (VETADO)

Art. 9o (VETADO)

Art. 10. Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental.

§ 1o O presidente do Tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.

§ 2o Dentro do prazo de dez dias contado a partir do trânsito em julgado da decisão, sua parte dispositiva será publicada em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União.

§ 3o A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público.

Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Art. 12. A decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em argüição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória.

Art. 13. Caberá reclamação contra o descumprimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na forma do seu Regimento Interno.

Art. 14. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 3 de dezembro de 1999; 178o da Independência e 1 11o da República.

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FERNANDO HENRIQUE CARDOSO José Carlos Dias

Presidência da República

Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

MENSAGEM Nº 1.807, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1999.

Senhor Presidente do Senado Federal,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do parágrafo 1o do artigo 66 da Constituição Federal, decidi vetar, parcialmente, o Projeto de Lei no 17, de 1999 (no 2.872/97 na Câmara dos Deputados), que "Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1o do art. 102 da Constituição Federal".

Decidi vetar os dispositivos a seguir transcritos:

Inciso II do parágrafo único do art. 1o, § 4o do art. 5o e art. 9o

"Art. 1o ...............................................................................

Parágrafo único. ...................................................................

...........................................................................................

II - em face de interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas Casas, ou regimento comum do Congresso Nacional, no processo legislativo de elaboração das normas previstas no art. 59 da Constituição Federal."

"Art. 5o................................................................................

...........................................................................................

§ 4o Se necessário para evitar lesão à ordem constitucional ou dano irreparável ao processo de produção da norma jurídica, o Supremo Tribunal Federal poderá, na forma do caput, ordenar a suspensão do ato impugnado ou do processo legislativo a que se refira, ou ainda da promulgação ou publicação do ato legislativo dele decorrente."

"Art. 9o Julgando procedente a argüição, o Tribunal cassará o ato ou decisão exorbitante e, conforme o caso, anulará os atos processuais legislativos subseqüentes, suspenderá os

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efeitos do ato ou da norma jurídica decorrente do processo legislativo impugnado, ou determinará medida adequada à preservação do preceito fundamental decorrente da Constituição."

Razões dos vetos

Impõe-se o veto das disposições acima referidas por inconstitucionalidade.

Não se faculta ao Egrégio Supremo Tribunal Federal a intervenção ilimitada e genérica em questões afetas à "interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas casas, ou regimento comum do Congresso Nacional" prevista no inciso II do parágrafo único do art. 1o. Tais questões constituem antes matéria interna corporis do Congresso Nacional. A intervenção autorizada ao Supremo Tribunal Federal no âmbito das normas constantes de regimentos internos do Poder Legislativo restringe-se àquelas em que se reproduzem normas constitucionais. Essa orientação restou assentada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança no 22503-DF, Relator para o Acórdão Ministro Maurício Corrêa, DJ 06.06.97, p. 24872. Do mesmo modo, no julgamento do Mandado de Segurança no-22183-DF, Relator Ministro Marco Aurélio, o Supremo Tribunal Federal assentou: "3. Decisão fundada, exclusivamente, em norma regimental referente à composição da Mesa e indicação de candidaturas para seus cargos (art. 8o). 3.1 O fundamento regimental, por ser matéria interna corporis, só pode encontrar solução no âmbito do Poder Legislativo, não ficando sujeito à apreciação do Poder Judiciário. 3.2 Inexistência de fundamento constitucional (art. 58, § 1o), caso em que a questão poderia ser submetida ao Judiciário" (DJ 12-12-97, p. 65569). Dito isso, impõe-se o veto da referida disposição por transcender o âmbito constitucionalmente autorizado de intervenção do Supremo Tribunal Federal em matéria interna corporis do Congresso Nacional. No que toca à intervenção constitucionalmente adequada do Supremo Tribunal Federal, seria oportuno considerar a colmatação de eventual lacuna relativa a sua admissão, em se tratando da estrita fiscalização da observância das normas constitucionais relativas a processo legislativo.

A seu turno, impõe-se o veto do § 4o do art. 5o pelas mesmas razões aduzidas para vetar-se o inciso II do parágrafo único do art. 1o, consubstanciadas, fundamentalmente, em intervenção excessiva da jurisdição constitucional no processo legislativo, nos termos da mencionada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

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O art. 9o, de modo análogo, confere ao Supremo Tribunal Federal intervenção excessiva em questão interna corporis do Poder Legislativo, tal como asseverado no veto oposto ao inciso II do parágrafo único do art. 1o. Com efeito, a disposição encontra-se vinculada à admissão da ampla intervenção do Supremo Tribunal Federal nos processos legislativos in genere. Assim, opostos vetos às disposições insertas no inciso II do parágrafo único do art. 1o e ao § 4o do art. 5o, torna-se imperativo seja vetado também o art. 9o.

Inciso II do art. 2o

"Art. 2o..............................................................................

.........................................................................................

II - qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público.

.........................................................................................."

Razões do veto

A disposição insere um mecanismo de acesso direto, irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal sob a alegação de descumprimento de preceito fundamental por "qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público". A admissão de um acesso individual e irrestrito é incompatível com o controle concentrado de legitimidade dos atos estatais – modalidade em que se insere o instituto regulado pelo projeto de lei sob exame. A inexistência de qualquer requisito específico a ser ostentado pelo proponente da argüição e a generalidade do objeto da impugnação fazem presumir a elevação excessiva do número de feitos a reclamar apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, sem a correlata exigência de relevância social e consistência jurídica das argüições propostas. Dúvida não há de que a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal consubstancia um objetivo ou princípio implícito da ordem constitucional, para cuja máxima eficácia devem zelar os demais poderes e as normas infraconstitucionais. De resto, o amplo rol de entes legitimados para a promoção do controle abstrato de normas inscrito no art. 103 da Constituição Federal assegura a veiculação e a seleção qualificada das questões constitucionais de maior relevância e consistência, atuando como verdadeiros agentes de representação social e de assistência à cidadania. Cabe igualmente ao Procurador-Geral da República, em sua função precípua de Advogado da Constituição, a formalização das questões constitucionais carentes de decisão e socialmente relevantes. Afigura-se correto supor, portanto, que a existência de uma pluralidade

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de entes social e juridicamente legitimados para a promoção de controle de constitucionalidade – sem prejuízo do acesso individual ao controle difuso – torna desnecessário e pouco eficiente admitir-se o excesso de feitos a processar e julgar certamente decorrentes de um acesso irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal. Na medida em que se multiplicam os feitos a examinar sem que se assegure sua relevância e transcendência social, o comprometimento adicional da capacidade funcional do Supremo Tribunal Federal constitui inequívoca ofensa ao interesse público. Impõe-se, portanto, seja vetada a disposição em comento.

Parágrafo 2o do art. 2o

"Art. 2o ..............................................................................

..........................................................................................

§ 2o Contra o indeferimento do pedido, caberá representação ao Supremo Tribunal Federal, no prazo de cinco dias, que será processada e julgada na forma estabelecida no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal."

Razões do veto

A exigência de um juízo favorável do Procurador-Geral da República acerca da relevância e da consistência da fundamentação da representação (prevista no § 1o do art. 2o) constitui um mecanismo adequado para assegurar a legitimidade da argüição de descumprimento de preceito fundamental. A legitimidade da exigência reside não só na necessidade de resguardar a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal – por meio da indagação substancial acerca da relevância e da consistência das questões a serem apreciadas – bem como em razão da inexistência de um direito subjetivo a essa prestação jurisdicional. Com efeito, ao apreciar o Mandado de Segurança no 23565-DF (Relator Ministro Celso de Mello), asseverou ainda o Supremo Tribunal Federal: "Em suma: a eventual pretensão de terceiro, em não sofrer os efeitos derivados de norma legal ou de emenda à Constituição, ainda em fase de elaboração, e alegadamente ofensiva de qualquer das cláusulas constitucionais, não se eleva, por si só, à condição de direito líquido e certo para fins do processo mandamental e de ativação da jurisdição do Estado, especialmente – tal como no caso ocorre – se a tutela jurisdicional é invocada para paralisar o curso regular de processo de reforma da Carta Política instaurado perante órgão competente". Por outro lado, a existência de amplo rol de entes social e juridicamente legitimados para a promoção do controle abstrato de normas assegura a adequada

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veiculação das questões constitucionais de fundamentação relevante e consistente, sem prejuízo do amplo acesso individual ao controle difuso de constitucionalidade. Nessa medida, inexistindo direito subjetivo a um acesso imediato ao Supremo Tribunal Federal ao mesmo tempo em que se asseguram outras e amplas vias para o processo e julgamento das controvérsias constitucionais pertinentes, a admissão de um recurso ao Supremo Tribunal Federal na hipótese de indeferimento da representação desqualifica o necessário exame de relevância e consistência pelo Procurador-Geral da República e cria, em verdade, procedimento adicional e desnecessário a demandar processamento e julgamento específico. Impõe-se, destarte, o veto da disposição por contrariar o interesse público.

Parágrafos 1o e 2o do art. 8o

"Art. 8o...........................................................................

§ 1o Considerar-se-á procedente ou improcedente a argüição se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos dois terços dos Ministros.

§ 2o Se não for alcançada a maioria necessária ao julgamento da argüição, estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar-se sessão plenária na qual se atinja o quorum mínimo de votos."

Razões do veto

O § 1o do art. 8o exige, para o exame da argüição de descumprimento de preceito fundamental, quorum superior inclusive àquele necessário para o exame do mérito de ação direta de inconstitucionalidade. Tal disposição constituirá, portanto, restrição desproporcional à celeridade, à capacidade decisória e a eficiência na prestação jurisdicional pelo Supremo Tribunal Federal. A isso, acrescente-se a consideração de que o escopo fundamental do projeto de lei sob exame reside em ampliar a eficácia e o alcance do sistema de controle de constitucionalidade, o que certamente resta frustrado diante do excessivo quorum exigido pelo dispositivo ora vetado. A fidelidade à Constituição Federal impõe o veto da disposição por interesse público, resguardando-se, ainda uma vez, a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal e a presteza nas suas decisões.

Opõe-se ao § 2o do art. 8o veto decorrente do veto oposto ao § 1o do art. 8o, de cujo conteúdo normativo o § 2o encontra-se inequivocamente dependente e de cujos vícios comunga.

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Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar em parte o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Brasília, 3 de dezembro de 1999.

REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Atualizado com a introdução das Emendas Regimentais n. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15.

DISPOSIÇÃO INICIAL

Art. 1° Este Regimento estabelece a composição e a competência dos órgãos do

Supremo Tribunal Federal, regula o processo e o julgamento dos feitos que lhe

são atribuídos pela Constituição da República e a disciplina dos seus serviços.

CF/88: art. 101 a art. 103 – art. 96, I, a, b, e e f.

RISTF: art. 7°, III (competência do Pleno) – art. 31, I (atualização do RISTF).

.........................................................................................................................

Título V

DOS PROCESSOS SOBRE COMPETÊNCIA

Capítulo I

DA RECLAMAÇÃO

CF/88: art. 102, I, l.

RISTF: art. 5°, I (julgado no Pleno), g (ação), art. 6, II, d (AgR), art. 8°, I (ED e incidentes) – art. 56, X e XI (não se altera a classe) – art. 57 e art. 59, II, (sujeito a preparo: Tabela B, VII, de custas) e § 3° c/c art. 107 (prazo para preparo) – art. 61, § 1°, II, in fine (isenção de preparo) – art. 62 e parágrafo único do art. 63 (assistência judiciária) – art. 64 (sujeito a preparo: Tabela C de custas) – art. 65 (deserção) – art. 68 (redistribuição) – art. 70 (distribuição) – art. 71 e art. 72 (Relator: ED, AgR e incidentes) – art. 83, § 1°, I e III (independem de pauta).

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Art. 156. Caberá reclamação do Procurador-Geral da República, ou do interessado na causa, para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões.

Norma aplicada: art. 13, caput (legitimidade para propor: Procurador-Geral da República e parte interessada) da Lei n. 8.038/90.

Parágrafo único. A reclamação será instruída com prova documental.

RISTF: art. 113 (conforme leis processuais) – art. 114 (requisição do Relator) – art. 116 a art. 118 (comprovação de fidelidade).

CPC: art. 364 a art. 389 (prova documental) – art. 396 a art. 399 (da produção de provas).

CPP: art. 231 a art. 238 (dos documentos).

Lei n. 8.038/90: parágrafo único do art. 13 (instrução da inicial).

Art. 157. O Relator requisitará informações da autoridade, a quem for imputada a prática do ato impugnado, que as prestará no prazo de cinco dias.

Norma aplicada: art. 14, I (prazo: 10 dias) da Lei n. 8.038/90.

RISTF: art. 21, I e II (atribuições do Relator).

Art. 158. O Relator poderá determinar a suspensão do curso do processo em que se tenha verificado o ato reclamado, ou a remessa dos respectivos autos ao Tribunal.

RISTF: art. 8°, I (Pleno: cautelar e AgR) – art. 21, V (atribuições ad referendum) – art. 71 e art. 72 (Relator: ED, AgR e incidentes) – art. 305 (decisão irrecorrível) – art. 317 (AgR cabível).

Lei n. 8.038/90: art. 14, II (suspensão do processo).

Art. 159. Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante.

Lei n. 8.038/90: art. 15 (impugnação pelo interessado).

Art. 160. Decorrido o prazo para informações, dar-se-á vista ao Procurador-Geral, quando a reclamação não tenha sido por ele formulada.

Norma aplicada: art. 16 (vista ao Procurador-Geral da República: 5 dias) da Lei n. 8.038/90.

RISTF: art. 52, XIV (vista obrigatória).

Art. 161¹. Julgando procedente a reclamação, o Plenário ou a Turma poderá:

¹ Atualizado com a introdução da Emenda Regimental n. 9/01.

RISTF: art. 122 a art. 140 e art. 143 a art. 146 (sessão de julgamento).

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Lei n. 8.038/90: art. 17 (efeitos da decisão de procedência).

I – avocar o conhecimento do processo em que se verifique usurpação de sua competência;

CPP: art. 117 (avocação pelo STF).

II – ordenar que lhe sejam remetidos, com urgência, os autos do recurso para ele interposto;

III – cassar decisão exorbitante de seu julgado, ou determinar medida adequada à observância de sua jurisdição.

Lei n. 8.038/90: art. 17 (decisão exorbitante).

Parágrafo único¹. O Relator poderá julgar a reclamação quando a matéria for objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal.

¹Atualizado com a introdução da Emenda Regimental n. 13/04.

Art. 162¹. O Presidente do Tribunal ou da Turma determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.

¹Atualizado com a introdução da Emenda Regimental n. 9/01.

RISTF: art. 337 a art. 339 (cabíveis ED) – art. 340 (execução).

Lei n. 8.038/90: art. 18 (execução).

.........................................................................................................................

Capítulo IV

DA INTERVENÇÃO FEDERAL NOS ESTADOS

CF/88: art. 34 a art. 36.

Lei n. 8.038/90: art. 19, caput e I, e art. 21.

Art. 350. A requisição de intervenção federal, prevista no art. 112, § 1°, a, b e c, da Constituição, será promovida:

Atual dispositivo da CF/88: art. 34, IV (requisição pelo STF: coação ao Poder Judiciário) – art. 34, VI, in fine (prover execução de decisão judicial) – art. 34, VII (assegurar princípios constitucionais).

Lei n. 8.038/90: art. 19, caput (requisito).

I – de ofício, ou mediante pedido do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, no caso do inciso IV do art. 102 da Constituição, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário;

Atual dispositivo da CF/88: art. 34, IV, c/c art. 36, I.

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Lei n. 8.038/90: art. 19, I.

II – de ofício, ou mediante pedido do Presidente de Tribunal de Justiça do Estado ou de Tribunal Federal, quando se tratar de prover a execução de ordem ou decisão judiciária, com ressalva, conforme a matéria, da competência do Tribunal Superior Eleitoral e do disposto no inciso seguinte;

Atual dispositivo da CF/88: art. 34, VI, in fine (prover execução de decisão judicial), c/c art. 36, II.

III – de ofício, ou mediante pedido da parte interessada, quando se tratar de prover a execução de ordem ou decisão do Supremo Tribunal Federal;

CF/88: art. 34, VI, in fine (prover execução de decisão judicial), c/c art. 36, II.

IV – mediante representação do Procurador-Geral, no caso do inciso VII do art. 102 da Constituição, assim como no do inciso VI, quando se tratar de prover a execução de lei federal.

Atual dispositivo da CF/88: art. 34, VII (assegurar observância de princípios constitucionais), c/c art. 36, III.

Atual competência do STJ: art. 36, VI da CF/88.

LC n. 75/93: art. 6°, IV (iniciativa do Ministério Público).

Art. 351. O Presidente, ao receber o pedido:

RISTF: art. 13, XVI (competência do Presidente do STF) – art. 55, XV, e art. 56, VI (classe).

Lei n. 8.038/90: art. 20, caput.

I – tomará as providências oficiais que lhe parecerem adequadas para remover, administrativamente, a causa do pedido;

RISTF: art. 340, I.

Lei n. 8.038/90: art. 20, I (providências para remover causa).

II – mandará arquivá-lo, se for manifestamente infundado, cabendo do seu despacho agravo regimental.

Lei n. 8.038/90: art. 20, II (arquivar liminarmente).

Art. 352. Realizada a gestão prevista no inciso I do artigo anterior, solicitadas informações à autoridade estadual e ouvido o Procurador-Geral, o pedido será relatado pelo Presidente, em sessão plenária pública ou secreta.

Norma aplicada: art. 5°, LX (publicidade processual) – art. 93, IX (sessão reservada), da CF/88.

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Lei n. 8.038/90: art. 21 e parágrafo único (processo e julgamento).

RISTF: art. 5°, VII (julgamento pelo Pleno) – art. 13, XVI (competência do Presidente do STF).

Art. 353. O julgamento, se não tiver sido público, será proclamado em sessão pública.

RISTF: art. 122 a art. 140 (das sessões) – art. 143 a art. 146 (do Pleno).

Art. 354. Julgado procedente o pedido, o Presidente do Supremo Tribunal Federal imediatamente comunicará a decisão aos órgãos do Poder Público interessados e requisitará a intervenção2 ao Presidente da República.

Atual dispositivo da CF/88: art. 36, I, II e III.

RISTF: art. 340, II (execução: competência do Presidente do STF).

.........................................................................................................................

Art. 369. Revogam-se o Regimento Interno aprovado a 18 de junho de 1970, as Emendas Regimentais que lhe alteraram a redação, e as Emendas Regimentais números 6, de 9 de março de 1978, 7, de 23 de agosto de 1978, e 8, de 7 de junho de 1979, bem assim as demais disposições em contrário.

Sala das Sessões, em 15 de outubro de 1980. (*) DJ de 27-10-80.

Antonio Neder, Presidente; Xavier de Albuquerque, Vice-Presidente; Djaci

Falcão; Thompson Flores; Leitão de Abreu; Cordeiro Guerra; Moreira

Alves; Cunha Peixoto; Soares Muñoz; Decio Miranda e Rafael Mayer.

QUADRO COMPARATIVO Critério ADIn ADPF ADInterv.

Parâmetro Qualquer preceito constitucional

Apenas preceito fundamental decorrente da Constituição

Princípios sensíveis (CR, art. 34, VII)

Objeto Atos normativos federais ou estaduais posteriores à Constituição

Qualquer ato do Poder Público

Qualquer ato do Poder Público

Legitimação ativa

Múltipla (art. 103) Múltipla (art. 103) Exclusiva do Chefe do Ministério Público

Admissibili-dade

Não exige relevância Exige relevância Não exige relevância

Fonte: ROTHENBURG, Walter Claudius, Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, In

TAVARES, André Ramos; _______ (Org.). Argüição de descumprimento de preceito fundamental: análise à

luz da Lei nº 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001. p. 235.