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AO MEDIADORA COM COMUNICAO ALTERNATIVA NA PROMOO
DE INCLUSO DE ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
Liliana Maria Passerino (UFRGS)i
Maria Rosangela Bez (UFRGS)ii
ResumoO presente artigo apresenta um recorte de pesquisas do grupo TEIAS Tecnologia naEducao para Incluso e Aprendizagem em Sociedade no mbito do projeto SCALA Sistema de Comunicao Alternativa para Letramento de crianas com Autismo. Sodemonstrados exemplos de prticas inclusivas de atuao junto a sujeitos com Transtornodo Espectro Autista (TEA) no oralizados, no seu desenvolvimento scio-cognitivo. Oartigo aborda a mediao que embasa as prticas inclusivas e da comunicao e linguageme sua importncia neste processo. So discutidos os problemas de comunicao presentes noautismo e as possibilidades da comunicao alternativa como alternativa pedaggica. Nasequncia apresentado o Sistema SCALA e uma proposta metodolgica para o mesmo.Esta proposta fundamenta-se na elaborao de aes mediadoras a partir de contextos deao visando a uma reorganizao das relaes do sujeito com o mundo, e no apenas naampliao, complementao ou suplementao das funcionalidades de comunicao dosujeito com Transtorno do Espectro Autista. As prticas inclusivas com uso de aesmediadoras, realizadas em duas turmas de educao Infantil mostraram resultadospromissores nos processos inclusivos.
Palavras-chave: Transtorno do espectro autista, comunicao alternativa, incluso.
1 Introduo
O presente artigo apresenta um recorte das pesquisas do grupo TEIAS Tecnologia
na Educao para Incluso e Aprendizagem em Sociedade da UFRGS no mbito do projeto
SCALA Sistema de Comunicao Alternativa para Letramento de crianas com Autismo.
O texto discute a importncia da mediao e da comunicao para o desenvolvimento de
sujeitos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e apresenta uma proposta metodolgica
de interveno educativa e um recurso de tecnologia assistiva em comunicao alternativa
(SCALA) desenvolvido com a finalidade de promover a comunicao oral e a interao de
crianas com TEA na Educao Infantil.
2 Mediao
A mediao uma ao que se desenvolve entre trs elementos no mnimo, sendo
dois sujeitos e um objeto, na qual os sujeitos se focam em torno desse objeto com a
finalidade de executar alguma ao. Na perspectiva scio-histrica a mediao adquire um
papel importante no desenvolvimento humano, pois dentro de um contexto social inclui a
utilizao de ferramentas e signos e a combinao desses instrumentosiii, tambm chamados
de mediadores, possibilitando o desenvolvimento de processos cognitivos.
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Para Wertsch (1999), quando os interlocutores participam de um processo de
mediao, se estabelece um nvel intersubjetivo ao compartilhar uma definio de situaoiv
que o autor denomina de ao mediadora.
A ao mediadora um conceito proposto por Wertsch (1999) a partir dos estudos
scio-histricos derivados de Vygotsky (1998), especialmente no que ser refere
apropriao, de Bakhtin (1981) nos aspectos semiticos e discurso, e de Burke (1966)
contemplando as mltiplas perspectivas da ao humana. Para Wertsch (1999), a ao
humana toda ao na qual possvel encontrar cinco elementos: o Ato , que se refere ao
que efetivamente aconteceu, seja nos fatos ou no pensamento; a Cena que estabelece a
situao ou contexto no qual o ato se desenvolveu; o Agente que se refere a(s) pessoa(s)
que desenvolveu(ram) o ato; a Agncia, que so os meios ou instrumentos utilizados pelo(s)
agente(s) no ato; e o Propsito trata-se do objetivo implcito ou explcito do ato
desenvolvido por esse(s) agente(s).
Segundo Wertsch (1999) o ponto principal de tenso na proposta de Burke encontra-
se na dialtica entre agente e agncia. Esta tenso , na opinio do autor, um binmio
irredutvel para anlise do processo de mediao e constituiria o que o autor denomina de
ao mediada.
Na ao mediada, signos e instrumentos participam em conjunto com os sujeitos em
interao. O sujeito se apropria desses signos e os utiliza ativamente, primeiro de forma
controlada pelo sujeito mais experiente e depois autonomamente ao atingir a
autorregulao. Esse processo implica a transformao do instrumento em um conceito
(signo), que usado, inicialmente, para o autocontrole no incio do processo de
internalizao at chegar na autorregulao.
A ao mediada pode ser tanto interior como exterior e individual ou coletiva.
Porm, importante destacar que toda ao mediada tem uma dimenso psicolgica
individual e uma dimenso exterior instrumental ou objetiva, ambos os elementos se
tensionam e se inter-relacionam de forma no redutvel (WERTSCH, 1999). O resultado da
ao mediada um processo de apropriao no qual o sujeito passa a internalizar a ao
alterando seus estados mentais a partir do uso de instrumentos e signos. A apropriao se
relaciona com os processos psicolgicos e com a forma de mediao proposta (agente-
agncia) que pode restringir ou possibilitar o ato. Desta forma, a ao ganha caractersticas
qualitativamente diferentes a partir dos modos de mediao adotados e influncia no
processo de apropriao.
A apropriao acontece, segundo Tomasello (2003), numa cena de ateno
conjunta de carter tridico na qual participam dois agentes a partir de um contexto
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compartilhado atuando sobre objetos. As cenas de ateno conjunta aparecem cedo no
desenvolvimento humano, por volta dos nove meses de idade quando as crianas comeam
a perceber os outros como agentes intencionais, seres comuns que possuem objetivos e
fazem escolhas ativas entre os meios comportamentais disponveis para atingir aqueles
objetivos, o que inclui escolher ativamente ao que se ir prestar ateno na busca desses
objetivos (TOMASELLO, 2003, p.94).
justamente nestas cenas que se desenvolve o processo de mediao, no qual
aprendemos coisas atravs dos outros, dos artefatos e prticas culturais nas quais
participamos e dos problemas e situaes que enfrentamos. Esse processo de mediao
permite utilizar artefatos e prticas para alm do mundo fsico, adentrando no mundo
psicolgico das intenes, das crenas, das representaes mentais dos nossos pares. Para
esse processo ser bem-sucedido a linguagem adquire importncia fundamental, como
veremos no item a seguir.
3 Comunicao e Linguagem
Toda linguagem humana composta de um sistema de smbolos lingusticos
adquiridos em um longo processo ontolgico de aprendizagem cultural (TOMASELLO,
2003) com uma dupla funo: a comunicativa e a cognitiva (VYGOTSKY, 2001). A
primeira permite estabelecer o processo de comunicao pela escolha e combinao de
smbolos, enquanto que a segunda, permite a representao de crenas e intenes agindo
estados mentais prprios e dos outros (TOMASELLO, 2003). Para Luria (1986) esta ltima
funo a que transformaria a linguagem num instrumento de pensamento e generalizao
[...] a palavra nunca se refere a um objeto isolado, mas a todo um grupo ouclasse de objetos. Por essa razo, cada palavra uma generalizao latente,toda palavra j generaliza e, em termos psicolgicos, antes de tudo umageneralizao (VYGOTSKY, 1988, p. 9).
A comunicao trata-se, portanto, de um processo multidimensional complexo no
qual se evidencia o uso intencional de smbolos lingusticos entre agentes na construo
intersubjetiva e perspectivada de significados (TOMASELLO, 2003).
Nas pesquisas de Vigotsky (2001) a palavra assume a funo de signo mediador que
no incio o meio de formao do conceito e, finalmente, se transforma em seu smbolo,
[...] por um longo tempo, a palavra para a criana antes uma propriedade que um
smbolo do objeto: que a criana assimila a estrutura externa. Ela assimila a estrutura
externa: palavra-objeto, que j depois se torna estrutura simblica (VYGOTSKY, 2001,
p.145). Sua aquisio se concretiza pelo uso do smbolo em aes de mediao (tridicas)
por meio das quais os participantes negociam e constroem o significado de forma
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intersubjetiva, pois [...] o significado da palavra vem dado do processo de interao social
verbal com os adultos. As crianas no constroem seus prprios conceitos livremente. Os
encontram construdos no processo de compreenso da fala dos outros (WERTSCH,
1988, p. 121).
Para Tomasello (2003) ao comunicar uma reorganizao de representaes sociais,
culturais e mentais so efetivadas para construo e partilha de significados. Essa
intersubjetividade acontece quando os interlocutores compartilham algum aspecto de suas
definies de situao, podendo existir diferentes nveis de intersubjetividade dependendo
do nvel de compartilhamento entre os sujeitos (WERTSCH, 1988, 1999).
Contudo, Tomasello (2003) alerta que, alm da intersubjetividade, os smbolos
lingusticos tambm apresentam perspectivao, pois a compreenso de um smbolo
comunicativo requer a compreenso das intenes comunicativas dos outros, de forma que
cada smbolo incorpora uma perspectiva particular sobre um objeto ou evento. A capacidade
dos seres humanos de adotar diferentes perspectivas para o mesmo smbolo ou de tratar
objetos diferentes como se fossem os mesmos, para algum propsito comunicativo, somente
possvel porque todas essas perspectivas esto incorporadas ao smbolo. Esta natureza
perspectiva dos smbolos lingusticos abre um leque infinito de possibilidades de manipular
a ateno dos outros com implicaes na natureza da representao cognitiva
(TOMASELLO, 2003).
Por esse motivo, quando uma criana aprende um smbolo lingustico, esta ao no
se restringe internalizao do smbolo, mas, tambm, a internalizao das perspectivas e
do processo histrico de construo social do mesmo.
3.1 O Autismo e seus problemas de Comunicao
O autismo est inserido na categoria dos Transtornos do Espectro Autista (APA,
2013). Em relao rea de Linguagem e Comunicao, o autismo apresenta diversas
limitaes comunicativas evidenciadas na ausncia de intercmbios corporais expressivos,
na falta de intercmbios coloquiais ou falas no ajustadas ao contexto, repetitivas ou
ecollicas. Muitos estudos desenvolvidos nas ltimas dcadas confirmam estas dificuldades,
em relao aos gestos (PEETERS, 1998) assim como dificuldades em utilizar marcadores
pragmticos de tempo e espao (BRUNER; FELDMAN, 1993); expresses envolvendo
estados mentais (BARON-COHEN, 1988); expresses e gestos inadequados (LOVELAND;
et. al, 1990), e diminuio na complexidade e nmero de declaraes do tipo se ento
(TAGER-FLUSBERG; SULLIVAN, 1995), entre outros.
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Contrariando autores que afirmam em funo do estereotipo, que algumas crianas
com autismo no so capazes de se comunicar, Passerino (2005) verifica a presena da
inteno comunicativa, mesmo que essa possa ocorrer atravs de uma forma alternativa de
comunicao.
[...] a ecolalia em algumas oportunidades mostrou-se funcional, seja parasolicitao ajuda, fala dirigida ao mediador, ou imitao do modelo, o queimplica que estudos mais aprofundados sobre o papel da ecolalia nodesenvolvimento dos sujeitos podem auxiliar na compreenso dos processosde desenvolvimento da linguagem e da interao social, contribuindo, destaforma, para o desenvolvimento do sujeito (PASSERINO, 2005, p.301).
No que se refere a histrias ou narrativas, a maior dificuldade dos sujeitos com
autismo centra-se em acompanhar uma narrativa com diferentes personagens, construindo a
semntica do personagem, sua forma de pensar e se colocando no lugar do mesmo
(HOBSON, 1993, JORDAN; POWELL, 1995). No presente estudo apresenta-se pesquisa
realizada em duas turmas inclusivas de educao infantil com o Sistema SCALA que
utilizaram aes mediadoras de contao de histrias com o recurso tecnolgico no mdulo
narrativas visuais.
Um estudo desenvolvido por Cihak (2007), envolvendo trs crianas com autismo
entre 7 e 9 anos, para identificar a compreenso simblica de imagens, mostrou que
possvel utilizar a comunicao funcional com sucesso. Nesse estudo, as crianas no-
oralizadas no utilizavam nenhum tipo de comunicao visual/simblica. A comunicao
funcional no recente no autismo, iniciada com o trabalho de Bondy e Frost (1994) que no
incio da dcada de 90 props um sistema denominado Imagem Comunicao Exchange
System (PECS) de Comunicao Alternativa (CA) com uma metodologia associada que
visa a ensinar habilidades de comunicao funcional para indivduos com autismo por meio
de uma organizao hierrquica, princpios bsicos de comportamento, tais como
modelagem, reforamento diferencial e transferncia controle de estmulo por meio atrasado
estratgias de perguntas (CIHAK, 2007).
Para Bosa (2006) mesmo crianas com autismo sem dificuldades de linguagem
evidentes podem se beneficiar de sistemas de apoio comunicao, pois a maioria das
crianas com autismo apresenta dificuldades de compreenso tanto na semntica com na
pragmtica da linguagem, especialmente com conceitos abstratos ou complexos, que
envolvem pontos de vista perspectivados. Nesses casos, assim como naqueles no h fala, o
uso de sistemas de CA pode promover e desenvolver processos que facilitam a comunicao
e promovem o desenvolvimento scio-cognitivo dos sujeitos (PASSERINO, 2011).
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4 Comunicao Alternativa
A Comunicao Alternativa (CA) uma Tecnologia Assistiva para apoio ao
desenvolvimento de comunicao para pessoas com dficit nesse quesito. A CA abrange
tcnicas, processos e ferramentas que auxiliam a comunicao, com apoio, complementao
ou substituio da fala, e fundamenta-se em estratgias e tcnicas comunicativas para
promoo da autonomia dos sujeitos.
Especificamente no autismo, no qual os problemas de comunicao se apresentam
especialmente na prxis e, em menor medida, no nvel sinttico, morfossinttico, fonolgico
ou fontico, a relevncia do uso de um sistema de CA baseia-se em processos de
compreenso e produo de sentidos (PASSERINO, 2011). Diversos estudos sobre uso de
CA e autismo podem ser encontrados no Brasil (WALTER, 1998, ORR, 2006, BEZ;
PASSERINO, 2009, PASSERINO; BEZ; VICARI, 2013).
5 Sistema SCALA: Construo Coletiva de Prticas Inclusivas
O SCALAv foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa TEIASvi a partir da
metodologia de Design Centrado em Contextos de uso (DCC) visando a apoiar processos
inclusivos e de desenvolvimento da linguagem e comunicao de sujeitos com TEA,
embasado epistemologicamente na teoria scio-histrica. O Sistema SCALA contempla
alm do aplicativo de software, uma proposta metodolgica de interveno educativa para o
processo de incluso e desenvolvimento da comunicao de crianas com TEA. Essa
proposta metodolgica parte das premissas sobre mediao e ao mediadoras discutidas no
presente artigo, e permite que os professores utilizem os mdulos disponveis no SCALA
como instrumento de mediao. Desta forma, o Mdulo Prancha (figura 1a) e Mdulo
Histria (figura 1b e 1c) foram inseridos em contextos educativos cotidianos, em propostas
que implicavam a participao vrios sujeitos para construir cenas de ateno conjunta
como as discutidas anteriormente.
O SCALA trata-se de um sistema de comunicao alternativa que possui mais de
4000 imagens (pictogramasvii) divididos em 7 categorias. O sistema possibilita importar
imagens, editar sons, salvar, exportar pranchas e histrias, mudar layout, assim como
visualizar/reproduzir as produes realizadas. Especificamente no Mdulo Narrativas
Visuais a edio possibilita a sua rotao, inverso, aumento e diminuio de tamanho,
sobreposio e excluso de cada imagem, insero de cenrios e a possibilidade de narrar a
histria para posterior reproduo sonorizada com um sintetizador de voz.
Este sistema foi utilizado em duas turmas de Educao Infantil com alunos com
TEA includos. As professoras das turmas foram acompanhadas ao longo de um ano letivo,
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e participaram de um processo de formao cujo intuito, no s de mostrar a ferramenta,
mas tambm de oferecer uma formao continuada em aspectos relacionados ao Autismo e
aos processos de mediao. A formao no formal foi acompanhada de discusses dos
casos, planejamento conjunto e posterior acompanhamento e observao das prticas
educativas propostas. Assim, cada professora elaborou em conjunto com as pesquisadoras
um perfil scio-histrico de seus alunos com TEA e dos contextos culturais (educacionais)
nos quais eles se encontravam em processo de incluso.
O perfil scio-histrico foi elaborado a partir de quatro eixos norteadores:
comunicao, interao, identificao do sujeito e potencialidades/necessidades. E os
contextos culturais foram compostos por oito elementos constitutivos: atores (pessoas e
instituies); espaos (fsicos e simblicos); regras, normas, crenas compartilhadas;
organizao social; organizao espacial; organizao temporal; e semitica. A partir da
anlise conjunta do perfil e respectivo contexto foi possvel elaborar um conjunto de Aes
Mediadoras disparadoras de prticas inclusivas.
5.1 Estudo de Caso Aluno A
Para o caso do Aluno (A) estabeleceu-se o seguinte perfil inicial: menino de 4 anos,
com comunicao gestual, sem linguagem expressiva, utiliza do gesto de apontar ou segurar
mo da pessoa para obter o que deseja. Sua oralidade limita-se a balbucios, raramente
alguma palavra pequena repetida diversas vezes. Aprecia objetos circulares (bolas, rodas),
jogos de montagem e msica. Interage somente para satisfazer seus desejos. Apresenta
comportamento afetivo, porm reage de forma agressiva quando quer chamar a ateno e
em alguns momentos retirado da sala para se acalmar. O contexto da sala de aula do Aluno
(A) de uma turma com 12 alunos, uma professora e uma auxiliar (atores). O contexto
fsico uma sala com banheiro integrado, trs estantes com brinquedos e materiais para as
atividades. Como espao simblico, a sala organiza-se no espao central composto pelas
mesas e cadeiras que o espao de trabalho e um espao cantinho da rodinha numa
lateral da sala. A turma possui regras e combinaes que incentivam responsabilidade e
organizao na sala de aula e todos os alunos participam. A organizao espacial da sala
ocorre conforme combinaes realizadas na rodinha, ora trabalham colaborativamente com
toda turma, ora em pequenos grupos. J a organizao semitica, est representada num
gradil para mochilas com chamada em forma de foto, um gradil para atividades, alfabeto
com figuras correspondentes as letras disposto na parte superior da parede, e de maneira
oposta o numeral com figuras quantificando-as.
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A proposta da prtica inclusiva teve como foco a construo de uma histria
colaborativa utilizando o SCALA. Cabe salientar que a turma j havia construdo uma
histria colaborativa anteriormente em papel e, portanto a ao mediadora foi facilitada pelo
conhecimento prvio da estratgia de ensino. Para a efetivao da prtica, um notebook foi
acoplado televiso da sala, a turma foi organizada num semicrculo, todos sentados e
orientados para a televiso. Inicialmente as professoras explicaram a atividade relembrando
a histria que haviam contado oralmente antes.
O aluno com TEA participou inserindo a primeira imagem para a reconstruo da
histria, agora em forma de pictograma. Todos os alunos, um a um complementaram a
histria com os pictogramas. Quando um aluno estava no computador os demais
observavam a tela e auxiliavam oralmente. Concluda a elaborao da histria a turma
assistiu e analisou o resultado. Durante o desenrolar da atividade os alunos demonstraram
satisfao e entusiasmo. Todos participaram de forma efetiva. O aluno com TEA mostrou-
se, por momentos agitado, buscou as professoras e procurou o computador em diversas
etapas, mesmo no sendo a sua vez. Apontou e balbuciou algumas letras durante a atividade
coletiva. Na apresentao da produo final todos estavam interessados, inclusive ele,
apresentando expresses de surpresa e encanto com sua produo (figura 2). Para
complementar a histria os alunos elaboraram uma narrao que foi digitada pela professora
(quadro 1).
A INCRVEL HISTRIA DA TURMA QUE VIROU PIRATA. ERA UMA VEZ UMA MELECA QUE SEENLOUQUECEU E COMIA AS PESSOAS... E AT AS CANETAS. UM DIA, ELA ENCONTROU UMA ARANHAGIGANTE E UM RATO MAIS GIGANTE AINDA; E, NESSE MOMENTO ELA SE EXPLODIU DE SUSTO EMELECOU TODO MUNDO. E TODOS ENGOLIRAM UM POUCO DE GOSMA. S O CARTEIRO, QUE SECHAMAVA JORGE AMADO, QUE NO ENGOLIU A GOSMA. ELE ERA MUITO SABIDO. COMO ELE NOTINHA ENGULIDO A GOSMA DO MAL, ELE TROUXE UMA GUA MILAGROSA PRA TODOS OSENGOSMENTADOS TOMAREM. AI ELES CONSEGUIRAM CUSPIR AQUELA GOSMA NOJENTA E FICARAMCURADOS. O CARTEIRO RESOLVEU DAR UM PRESENTINHO PRA TODOS: UM BA DE PIRATA CHEIO DECOISAS GOSTOSAS E DE BRINQUEDOS... MAS, DE REPENTE, DE DENTRO DO BA APARECEU UMA GUAVIVA BEM MALUCA. QUANDO ELA TOCAVA NA GENTE, A GENTE SE QUEIMAVA... MAS S UMPOUQUINHO... E DE DENTRO DELA APARECEU UM MAPA.... QUE ERA DE UM TESOURO... DO PIRATAENCANTADO!!! TODOS DA TURMA FORAM PRO FUNDO DO MAR ATRS DO TESOURO... AT AS PROFES.QUANDO O TESOURO FOI ENCONTRADO, FOI LEVADO PRO BARCO E A TURMA TODA VIROU UMATURMA DE PIRATAS QUE VIVEU FELIZ PRA SEMPRE VIAJANDO PELOS MARES... FIM.
Quadro 1 Narrativa criada pela turma de alunos
5.2 Estudo de Caso Aluno B
Para o caso do Aluno (B) estabeleceu-se o seguinte perfil inicial: Menino com 4
anos, sua comunicao gestual, apontando o que deseja. A comunicao oral rara e
restringe-se a uma slaba do nome da professora ou da auxiliar e da expresso no qu,
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associado ao balano da mo em frente testa, que utiliza para negao. Tem diversas
estereotipias como balano das mos, corre-corre pela sala, dentre outros. As interaes
quando acontecem so por insistncia de outra pessoa, em geral da professora e nunca dele.
Frequentemente puxa o cabelo dos colegas, nas brincadeiras, prefere brincar sozinho. Tem
grande facilidade para montar quebra-cabeas. Quando contrariado, grita e corre pela sala,
s vezes joga objetos no cho e nas professoras. Quando tentado que direcione o olhar, ele
fecha os olhos em protesto.
O contexto da sala de aula composto de uma turma de 12 alunos, uma professora e
uma auxiliar. A turma tem dois alunos com TEA, embora o caso acompanhado seja somente
do aluno B. O contexto fsico de uma sala com banheiro integrado, com mesas agrupadas
apropriadas para crianas pequenas, rodeadas por cadeiras, trs estantes com brinquedos e
materiais para as atividades. Temporalmente a sala tem uma rotina fixa composta na
chegada da entrega das agendas e lanches e a colocao das mochilas no gradil.
Posteriormente a hora do brinquedo livre, depois a rodinha, atividade dirigida, brincadeiras
externas a sala de aula, higiene, lanche, aula extraclasse (msica, informtica, etc.),
brincadeiras dirigidas, msicas, hora do conto, rodinha de encerramento e sada.
A proposta de ao mediadora com o SCALA para a produo de narrativa no se
desenvolveu somente na sala de aula, teve incio no laboratrio de informtica da escola,
com projeo multimdia do SCALA e na sala de aula com uso de material impresso e com
o uso do SCALA na verso para tablet.
No laboratrio o trabalho foi conduzido pela professora, os alunos escolheram as
imagens para a histria, a participao do aluno com TEA se deteve em auxiliar a
professora com uso do mouse para coloc-las na tela. Cada imagem era relacionada com a
letra inicial da palavra. Aps, a criao da histria, a turma retornou para a sala de aula com
o material impresso das figuras escolhidas, para construo individual das suas histrias
(figura 3). O Aluno B mostrou-se bastante agitado e com dificuldade em se concentrar e
participar da atividade, sua histria utilizou somente uma imagem.
Aps esta etapa, os alunos puderam tambm manipular os tablets com o programa
SCALA, e explorar efetivamente o programa de acordo com seus interesses. Como o uso do
tablet j era conhecido do aluno B, este interagiu muito bem com o dispositivo mvel e
tornou-se centro de ateno dos colegas. Primeiro demonstrou que estava satisfeito em ver
os colegas ao seu redor vendo-o interagir, mas quando teve que dividir com os colegas o
dispositivo ficou agitado. Enquanto os colegas interagiam com a tecnologia demonstrou
interesse por breves momentos no que estavam fazendo.
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6 Tecendo Algumas Consideraes
Ambos os exemplos apresentados, mostraram-se produtivos e permitiram observar
momentos de comunicao e interao dos sujeitos. Atravs das atividades realizadas no
contexto escolar, nessas turmas de Educao Infantil e das experincias com o uso do
SCALA, observou-se que a sua utilizao proporcionou a interao e atuou como facilitador
da comunicao entre os sujeitos de todo o grupo. Percebemos, ainda, que o uso da
tecnologia favoreceu a interao dos indivduos com TEA, o que sugere que estes possam
efetivamente estabelecer relaes e se integrar cada vez mais ao ambiente escolar. Inclusive
no relato dos prprios colegas e das professoras o SCALA deu vez e voz ao aluno com
TEA. Desta forma pode-se dizer que o sistema Scala mostrou-se efetivo para o apoio a
processos inclusivos.
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WERTSCH, J. La Mente en Accin. Buenos Aires: Aique, 1999.
Figuras
Fig. 1: a) mdulo prancha Fig. 1: b) mdulo narrativas visuais Fig. 1: c) narrativas visuais modo edio
Figura 2: Histria criada pelos alunos com uso do SCALA no mdulo narrativas visuais
Figura 3: Histrias produzidas pelos alunos, com baixa tecnologia, usando SCALA.
Didtica e Prtica de Ensino na relao com a Escola
EdUECE- Livro 100726
i Doutora em Informtica na Educao (UFRGS). Professora do Programa de Ps-Graduao emEducao (PPGEDU/UFRGS) e do Programa de Ps-Graduao em Informtica na Educao(PPGIE/UFRGS). E-mail: [email protected] Mestre em Educao (PPGEDU/UFRGS). Doutoranda em Informtica na Educao (PPGIE/UFRGS).iii Para Vygotsky (1998) existem dois tipos de instrumentos de mediao: os instrumentos e os signos. Adiferena entre ambos que nos instrumentos h ao do homem sobre o objeto exterior. O instrumento o elemento inserido entre o homem e sua ao, a fim de que possa transformar seu meio, mediado pelacomunicao. Por outro lado, os signos esto sempre ligados soluo de um problema psicolgico,portanto so instrumentos psicolgicos, interpretveis e podem referir-se a elementos ausentes, do espaoe tempo, como por exemplo, lembrar, relatar, escolher. Assim, os signos so estmulos impregnados designificado que estabelecem as atividades mediadas num contexto histrico-cultural, com interao socialatravs da internalizao.iv Uma definio de situao a forma como se representam e significam objetos e eventos numasituao (WERTSCH, 1999).v Disponvel em http://scala.ufrgs.br/Scalaweb o sistema est disponvel em duas verses, web eaplicativo para android, com dois mdulos prancha de comunicao e narrativas visuais, em trs idiomas(portugus, ingls e espanhol). Para mais informaes visite o projeto em http://scala.ufrgs.brvi Grupo TEIAS - Tecnologia na Educao para Incluso e Aprendizagem em Sociedade http://www.ufrgs.br/teiasvii Os pictogramas pertencem em sua maioria ao Portal Aragons de Comunicao Alternativa ARASAAC (http://www.catedu.es/arasaac/) e algumas foram desenvolvidas pela equipe do GrupoTEIAS.
Didtica e Prtica de Ensino na relao com a Escola
EdUECE- Livro 100727