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MARCOS CÉZAR KAIMEN AÇÃO RESCISÓRIA FRENTE À DIVERGÊNCIA ENTRE JULGAMENTOS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE CONCRETO E ABSTRATO. LONDRINA 2006

AÇÃO RESCISÓRIA FRENTE À DIVERGÊNCIA ENTRE ... · Ação rescisória frente à divergência entre julgamentos no ... Considerando a peculiaridade do dúplice enfoque que atualmente

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MARCOS CÉZAR KAIMEN

AÇÃO RESCISÓRIA FRENTE À DIVERGÊNCIA ENTRE JULGAMENTOS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

CONCRETO E ABSTRATO.

LONDRINA 2006

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1 MARCOS CÉZAR KAIMEN

AÇÃO RESCISÓRIA FRENTE À DIVERGÊNCIA ENTRE JULGAMENTOS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

CONCRETO E ABSTRATO.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Negocial, área de concentração: Direito Processual Civil. Orientadora: Professora Doutora Rozane da Rosa Cachapuz.

Londrina 2006

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2 MARCOS CÉZAR KAIMEN

AÇÃO RESCISÓRIA FRENTE À DIVERGÊNCIA ENTRE JULGAMENTOS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

CONCRETO E ABSTRATO.

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina - UEL, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. BANCA EXAMINADORA

____________________________________ Orientadora: Professora Doutora Rozane da Rosa Cachapuz

____________________________________ Professor Doutor Ivan Aparecido Ruiz ____________________________________ Professor Doutor Marcos Antônio Striquer Soares

Londrina, 30 de junho de 2006.

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Por meus pais ganhei vida e por ela me

apaixonei; De minha filha, por sua mãe, aprendi a amá-la.

A vocês: Ramón, Adelaide, Eduarda e Juliana.

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Só aos poucos é que o escuro é claro.

(João Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas)

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5 AGRADECIMENTOS

A minha orientadora Doutora Rozane da Rosa Cachapuz, pelo conhecimento

dividido, pela confiança que sempre demonstrou e, acima de tudo, pela amizade,

que só fez engrandecer as discussões e possibilitar a absolvição adequada dos

ensinamentos prestados.

Ao maior mentor que tive ao longo de minha ainda precoce formação jurídica, Doutor

Antônio Carlos de Andrade Vianna, advogado, amigo e companheiro, sempre

presente, tanto nos momentos de glória, como de tristeza.

Ao Doutor Marcos Antônio Striquer Soares, que, com paixão, criticou e ensinou,

impondo a esse trabalho a cor que seu conteúdo reflete.

Ao Doutor Maurício de Oliveira Carneiro, amigo, com quem tive a honra de dividir

não apenas as aulas desse curso de mestrado, como também o dia-a-dia da

aplicação de tudo que aprendemos juntos, nas difíceis batalhas judiciais; que

sempre com companheirismo contribuiu para a realização de mais essa conquista.

À Doutora Michelle Cristina Bazo, amiga desde as cadeiras da graduação, que, pelo

exemplo dado como pessoa e profissional, incentivou e encorajou a difícil

empreitada do curso de pós-graduação.

Aos meus estagiários Marlos, Rafael, Dayane e Paloma, alguns ainda comigo,

outros que por aqui passaram, pela dedicação redobrada durante esse memorável

período e pela paciência quando dos momentos de dificuldade.

Aos demais professores que tive, todos inesquecíveis, seja pelo sólido

conhecimento que transmitiram, seja pela amizade e admiração que plantaram.

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6 KAIMEN, Marcos Cezar. Ação rescisória frente à divergência entre julgamentos no controle de constitucionalidade concreto e abstrato. 2006. 120 p. Dissertação (Mestrado em Direito Negocial) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina.

RESUMO

A presente dissertação tem por objeto analisar criticamente o cabimento do ajuizamento de Ação Rescisória, constatada a divergência jurisprudencial entre decisões emanadas através do controle concentrado e difuso de constitucionalidade, especialmente quando uma norma, anteriormente aplicada no caso concreto, pelo controle difuso de constitucionalidade, é posteriormente retirada do ordenamento jurídico por meio de uma decisão de (in)constitucionalidade prolatada pelo exercício do controle concentrado realizado pelo Supremo Tribunal Federal. Dividido em três grandes blocos, a primeira parte trata exclusivamente da Ação Rescisória, detalhando, entre outros aspectos de menor relevância ao tema proposto, a natureza jurídica, as hipóteses de ajuizamento e a legitimidade para propô-la. Na segunda parte são apresentados os pormenores do controle de constitucionalidade, tanto pelo meio difuso como concentrado, sendo ainda analisadas a Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, a Ação Declaratória de Constitucionalidade e a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Finalmente, na terceira parte, a partir da conjugação de ambos os capítulos que a antecedem, com supedâneo na doutrina clássica nacional sobre o tema, a qual também é analisada, e com o recurso a algumas referências filosóficas, como a análise das teorias procedimentalistas e substancialistas da Constituição Federal, é apresentado descritiva e fundamentadamente o porquê do cabimento do ajuizamento de Ação Rescisória com as minúcias que o caso impõe, com a apresentação, também fundamentada, do porquê na inaplicabilidade da súmula 343 do Supremo Tribunal Federal quando a Ação Rescisória for ajuizada frente à declaração de (in)constitucionalidade de determinado preceito normativo. Palavras-chave: Ação Rescisória. Controle de Constitucionalidade. Controle Difuso. Controle Concentrado. Querela Nulitatis Insanabilis.

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7 KAIMEN, Marcos Cezar. Judgement actions in abstract and concrete constitutionality control judgement differences. 2006. 120 p. Dissertation (Máster Degree in Negotiating Law) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina.

ABSTRACT

The objective of this study is to make a critical analysis of the applicability of a Judgement Action on a jurisprudence difference, in decisions made through the concentrated and diffuse constitutionality control system, specially when a norm previously applied to a concrete case by a diffuse constitutionality control system is later dropped from the legal system by an (un)constitutional decisium rendered by the concentrated control exercised by the Supreme Court. The study is divided into three parts. The first part deals exclusively with the Judgement Action, detailing the juridical nature, and the legitimacy and legality of the hypotheses of the proposal, and other less relevant topics to the proposed theme. In the second part, specific information on the diffuse, as well as on the concentrated constitutionality control is given, together with the analysis of the Unconstitutionality of the Direct Action, the Unconstitutionality of the Direct Action by Omission, the Constitutionality Declaratory Action and of the Nom-Compliance of the Basic Precept Challenge. Finally, in the third part, the legality of the Judgement Action is discussed in detail, based on the contents of the preceding parts, the national classic doctrine on the theme. Also discussed is some philosophical references such as the Federal Constitution procedural and substantial theories is. In addiction, the applicability of Sumula (stare decisis) 343 of the Supreme Court on a Judgement Action filed on the basis of the (un)constitutionality of determined normative precept is also presented. Key Words: Judgement Action. Constitutionality Control. Diffuse Dontrol. Concentrated Control. Querela Nulitatis Insanabilis.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................. 10 2 DA AÇÃO RESCISÓRIA................................................................................. 12 2.1 Considerações Iniciais.................................................................................. 12 2.2 Conceito e Natureza Jurídica........................................................................ 14 2.3 Pressupostos................................................................................................. 17 2.4 Hipóteses de Admissibilidade........................................................................ 19 2.4.1 Sentença Dada por Prevaricação, Concussão ou Corrupção do Juiz........ 19 2.4.2 Sentença Proferida por Juiz Impedido ou Absolutamente Incompetente... 22 2.4.3 Sentença Resultar de Dolo da Parte Vencedora em Detrimento da Parte Vencida, ou de Colusão entre as Partes, a Fim de Fraudar a Lei.............. 24 2.4.4 Sentença que Ofenda à Coisa Julgada...................................................... 27 2.4.5 Sentença Proferida com Violação Literal de Dispositivo de Lei................. 28 2.4.6 Quando a Sentença Proferida se Fundar em Prova, cuja Falsidade Tenha Sido Apurada em Processo Criminal ou Seja Provada na Própria Ação Rescisória............................................ 30 2.4.7 Hipótese de, Posteriormente à Prolação da Sentença, o Autor Obter Documento Novo, cuja Existência Ignorava, ou de que não Pôde Fazer Uso, Capaz, por si só, de lhe Assegurar Pronunciamento Favorável........................................................................ 32 2.4.8 Fundamento para Invalidar Confissão, Desistência ou Transação, em que se Baseou a Sentença.................................................................. 34 2.4.8.1 Confissão................................................................................................. 34 2.4.8.2 Desistência.............................................................................................. 35 2.4.8.3 Transação................................................................................................ 36 2.4.9 Sentença Fundada em Erro de Fato, Resultante de Atos ou de Documentos da Causa..................................................................... 37 2.5 Legitimidade.................................................................................................. 38 2.6 Procedimento................................................................................................ 38 3 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE............................................. 44 3.1 Considerações Propedêuticas....................................................................... 44 3.2 Inconstitucionalidade das Normas................................................................. 47 3.2.1 Inconstitucionalidade Formal e/ou Material................................................ 48 3.2.2 Inconstitucionalidade Total ou Parcial........................................................ 50 3.2.3 Inconstitucionalidade por Ação ou Omissão.............................................. 51 3.3 Breve Abordagem Histórica no Direito Brasileiro.......................................... 51 3.4 Controle Preventivo....................................................................................... 53 3.5 Controle Repressivo...................................................................................... 54 3.5.1 Controle Repressivo Realizado pelo Poder Legislativo.............................. 56 3.5.2 Controle Repressivo Realizado pelo Poder Judiciário............................... 57 3.5.2.1 Controle repressivo por via concentrada................................................. 58 3.5.2.1.1 Ação direta de inconstitucionalidade.................................................... 61 3.5.2.1.2 Ação declaratória de constitucionalidade............................................. 66 3.5.2.1.3 Ação direta de inconstitucionalidade por omissão............................... 68 3.5.2.1.4 Argüição de descumprimento de preceito fundamental....................... 71

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3.5.2.2 Controle repressivo por via difusa.......................................................... 73 4 AÇÃO RESCISÓRIA FRENTE À DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL ENTRE DECISÕES PROLATADAS PELOS MEIOS CONCENTRADO E DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE...................................................... 76 4.1 Os Preceitos Constitucionais sob o Enfoque das Teorias Procedimentalista e Substancialista da Constituição Federal....................... 76 4.2 Ação Rescisória Frente à Divergência Jurisprudencial entre Decisões Prolatadas pelos Meios Concentrado e Difuso de Constitucionalidade sob a Ótica Procedimentalista – Sentença Nula e Sentença Inexistente...... 79 4.3 Ação Rescisória Frente à Divergência Jurisprudencial entre Decisões Prolatadas pelos Meios Concentrado e Difuso de Constitucionalidade sob a Ótica Procedimentalista – Coisa Julgada e Segurança Jurídica......... 87 4.4 Ação Rescisória e Divergência Jurisprudencial entre Decisões Prolatadas pelos Meios Concentrado e Difuso de Constitucionalidade sob a Ótica Substancialista e o Artigo 27 da Lei9868/1999.......................... 102 4.5 Da Inaplicabilidade da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal às Ações Rescisórias Ajuizadas Face à Violação de Preceito Constitucional... 104 5 CONCLUSÃO.................................................................................................. 109 REFERÊNCIAS................................................................................................... 113

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1 INTRODUÇÃO

O emprego do método dedutivo e parte do entendimento doutrinário

consagrado e consolidado sobre o tema do cabimento do ajuizamento de Ação

Rescisória quando da ocorrência de declaração de (in)constitucionalidade – seja

realmente de inconstitucionalidade ou mesmo de constitucionalidade. Ainda que a

partir da aplicação do efeito simétrico, previsto nos arts. 23 e 24 da Lei 9868/1999 –

de um determinando preceito normativo, anteriormente aplicado ao caso concreto,

em sentido oposto, como bastante a justificar a concessão de determinada tutela

jurisdicional pelo Estado, sendo sua maioria apresentada com características

genéricas, sem a efetiva preocupação com minúcias que certamente exigem análise

no caso concreto, o presente estudo tem por escopo, justamente, suprir essa

deficiência. Descreve sucintamente, porém com substancial conteúdo, os

pormenores de cada uma das hipóteses que ensejam ou ensejariam a

desconstituição da sentença tida, in caso, como nula.

São poucas as obras publicadas que abordam o tema com a

eloqüência que a realidade forense carece. Autores como Humberto Theodoro

Junior e Tereza Arruda Alvim Wambier são reiteradamente citados ao longo de todo

o texto justamente pelo lamentável descaso que a doutrina em geral o (tema) tem

tratado, o qual, diga-se de passagem, dos mais importantes e, como se verifica,

ainda divorciado da prática dos tribunais pátrios.

As turbulências de um país com modernidade tardia, como é o caso

do Brasil, brilhantemente advertido por Lênio Luiz Streck (2004), têm escancarado a

lamentável realidade de um Estado administrado, a todo custo, inclusive com a

despropositada edição de “leis”, em sentido lato, em absoluta desconformidade com

a Constituição Federal, as quais invariavelmente são declaradas (in)constitucionais

após atenderem às “exigências” de um momento, de determinado órgão público,

reflexamente atingindo a liberdade individual de cada um, afetando, inclusive,

questões particulares, discutidas sem a participação direta do Estado. É nesse

contexto que o tema proposto ganha entonação.

No desiderato do objetivo proposto, declinado no primeiro parágrafo

desta breve introdução - suprindo a deficiência doutrinária sobre o tema,

descrevendo os pormenores de cada uma das hipóteses que ensejam ou ensejariam

a desconstituição da sentença tida, in caso, como nula - o presente trabalho, em

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versando tema de ordem processual civil e constitucional concomitantemente, inicia,

justamente, com dois capítulos específicos. Trata o primeiro da análise da Ação

Rescisória e o segundo da análise do controle de constitucionalidade, sem a

preocupação, contudo, nesse primeiro contato, de relacioná-los, em exercício que

vem a ser desenvolvido apenas no quarto capítulo.

Considerando a peculiaridade do dúplice enfoque que atualmente

recai nos preceitos estatuídos na Constituição Federal, o quarto capítulo, como dito

anteriormente trata efetivamente do tema, é iniciado com o esclarecimento sob em

que consiste um ou outro dos tratamentos possíveis. São dedicadas noções das

teorias substancialistas e procedimentalistas da Constituição Federal e os preceitos

que encampa, com a nota do porquê desse estudo. A seguir, ainda nesse quarto

capítulo, são abordadas as posições doutrinárias sobre o cabimento ou não da Ação

Rescisória, as quais, criticamente, são, cada qual, analisadas separadamente.

Sem perder de vista a premência de uma noção jurisprudencial do

tema, considerando a relevância da existência de uma Súmula (Súmula 343) do

Supremo Tribunal Federal que afeta ou pode afetar a questão do cabimento da Ação

Rescisória, frente a decisões contraditórias, prolatadas pelos meios difusos e

concentrados

de constitucionalidade, em tópico próprio, no mesmo quarto

capítulo, sua aplicabilidade é cabalmente rechaçada, a partir da descrição

comentada do próprio entendimento Pretoriano.

Finalmente, as conclusões permitem a visualização unificada do

corpo do texto, contribuindo para a efetiva absorção do porquê de ser crível ou não o

cabimento do ajuizamento de Ação Rescisória, quando da ocorrência superveniente

da declaração de (in)constitucionalidade de preceito normativo anteriormente

aplicada de forma diversa no caso concreto.

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2 DA AÇÃO RESCISÓRIA 2.1 Considerações Iniciais

Para o adequado entendimento da Ação Rescisória, que servirá de

supedâneo para a compreensão do tema central – Ação Rescisória frente à

divergência entre julgamentos no controle de constitucionalidade concreto e

abstrato, que será abordado no terceiro capítulo, faz-se necessária uma breve

introdução acerca dos conceitos de ação, sentença e coisa julgada.

De significado consolidado na doutrina nacional e internacional,

“ação” pode ser admitida como instrumento à disposição do cidadão para que

recorra à tutela jurisdicional do Estado, tanto para garantir um direito, como para

restabelecer aquilo em que se sente lesado ou na iminência de sê-lo.

Nesse sentido, Liebman (1968, p. 34) oferece a sua concepção,

segundo a qual: “é direito subjetivo público dirigido contra o Estado por qualquer

cidadão com o objetivo de obter uma sentença de mérito capaz de compor um

conflito de interesse representado pela lide”. Para o jurista Cândido Rangel

Dinamarco (2002, p. 249): “a ação consiste no direito ao exercício da atividade

jurisdicional ou no poder de exigir esse exercício”.

No tocante à sentença, o termo admite um conceito estrito e outro

lato, importando para o presente trabalho a compreensão do último, pela sua

abrangência e pertinência, como se passa a esclarecer.

Com efeito, “sentença”, em sentido lato, deve ser encarada como o

ato pelo qual o magistrado, juiz, desembargador ou ministro, câmara ou turma,

encerram o processo, com ou sem a análise do mérito, tanto em primeiro e segundo

grau, como em grau de recurso especial ou extraordinário. Essa conceituação

decorre do próprio texto legal, especificamente do art. 162, §1º, do Código de

Processo Civil, segundo o qual: “sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao

processo, decidindo ou não o mérito da causa”1.

1 A título de esclarecimento, sentença, em sentido estrito, é ato que encerra a jurisdição de primeiro

grau, com ou sem a interposição de recurso. Em se tratando de ato que encerra a jurisdição de segundo grau ou de grau de recurso especial ou extraordinário, o ato que encerra as respectivas jurisdições se chama acórdão.

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Uma vez sentenciado o feito e esgotados os recursos cabíveis a

serem interpostos pela parte interessada, surge a figura da “coisa julgada” que

ocorrer apenas formalmente ou tanto formal como materialmente.

Quando se fala em coisa julgada formal, o que se pretende dizer é

única e exclusivamente que contra determinada sentença já não existe recurso a ser

interposto, seja porque a parte interessada já usufruiu todos aqueles cabíveis, seja

porque deixou transcorrer in albis os prazos previstos para sua respectiva

interposição.

Em se tratando única e exclusivamente de um aspecto atinente ao

procedimento em si, que não toca ao mérito, a coisa julgada formal não obsta a

interposição de nova ação versando sobre os mesmos fatos, envolvendo as mesmas

partes.

Também admitida como “preclusão máxima”, a coisa julgada formal

invariavelmente ocorre em processos judiciais, podendo ser encarada como um dos

pilares da segurança jurídica, por significar que, sempre acionada, o Poder Judiciário

irá entregar a tutela jurisdicional, ainda que para dizer que a parte não tem direito ao

pedido, ou mesmo que, da forma como pedido, o direito em conflito não pode ser

analisado.

Já quando se fala em coisa “julgada material” - e aqui relevante ao

tema da Ação Rescisória, o que se pretende identificar é a ocorrência da análise

definitiva do mérito dos pedidos levados à apreciação do Poder Judiciário. Isso

significa dizer que ocorrerá a coisa julgada material sempre que for definitivamente

julgado o mérito da lide pelo Poder Judiciário, ou seja, contra a decisão, pronunciada

pela autoridade(s) competente, não houver mais recursos a serem interpostos.

Ocorre que, excepcionalmente, o procedimento que envolveu a

análise do mérito da ação ou mesmo a decisão em si, já acobertada pelo instituto da

coisa julgada material e formal, pode conter algum vício ou ilegalidade que macula a

tutela jurisdicional prestada pelo Estado. Daí surge a preocupação do Legislador em

legalmente estatuir a Ação Rescisória, que se trata de uma ação autônoma, de

competência dos Tribunais, de caráter também excepcional (a exemplo do que

ocorre com os vícios da sentença), que se presta a propiciar a revisão de decisões

até então tidas por intocáveis. Clarificando o porquê do emprego da qualificação

“intocável”, as lições de Humberto Theodoro Júnior (2002, p. 612) caem como uma

luva:

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Na verdade, porém, não se trata nem de sentença nula nem de sentença anulável, mas de sentença que, embora válida e plenamente capaz, porque recoberta da coisa julgada, pode ser rescindida. Rescindir, em técnica jurídica, não pressupõe defeito invalidante. É simplesmente romper ou desconstituir ato jurídico, no exercício de faculdade assegurada pela lei ou pelo contrato (direito potestativo).

Dessa maneira, extinto o processo por sentença com julgamento do

mérito, acobertado pelo manto da coisa julgada, ou seja, não mais passível de

recurso de qualquer natureza, ela (sentença) somente poderá ser revista através da

Ação Rescisória. Atualmente a Ação Rescisória está disciplinada no Livro I, Capítulo

IV, arts. 485 a 495, do Código de Processo Civil de 1973.

2.2 Conceito e Natureza Jurídica

Como suscitado no tópico anterior, a sentença de mérito pode ser

atacada por recursos, ocorrendo a coisa julgada formal e material quando estes já

não são mais cabíveis. A partir daí, desde que presente um vício que qualifique a

sentença como rescindível, a Ação Rescisória é o meio hábil a propiciar sua revisão.

Nessa conjectura, pois, não se há de confundir Ação Rescisória com recurso,

justamente pela dependência, quando do emprego do primeiro, da verificação da

ocorrência da coisa julgada. Vicente Greco Filho (1999, p. 388) identifica a Ação

Rescisória como: “uma ação cuja finalidade é a impugnação de sentença já

transitada em julgado, como a última oportunidade de submeter ao Judiciário o

exame de uma decisão definitivamente consagrada”.

Humberto Theodoro Júnior, (2002, p. 591-592) a respeito da Ação

Rescisória, preleciona:

Ação que colima reparar a injustiça da sentença transitada em julgado, quando o seu grau de imperfeição é de tal grandeza que supere a necessidade de segurança tutelada pela res iudicata. A ação rescisória é tecnicamente ação, portanto. Visa a rescindir, a romper, a cindir a sentença como ato jurídico viciado. Trata-se da ação rescisória, que não se confunde com o recurso justamente por atacar uma decisão já sob o efeito da res iudicata. Estamos diante de uma ação contra a sentença, diante de um remédio com que se instaura outra relação jurídica processual, como ressalta Pontes de Miranda.

Como se verifica, a Ação Rescisória é uma ação específica, prevista

para desconstituir a coisa julgada e permitir a reapreciação da matéria anteriormente

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submetida ao Poder Judiciário, a qual foi julgada em desconformidade com

determinados preceitos legais, cuja violação autoriza seu ajuizamento. José Carlos

Barbosa Moreira (1999, p. 213) clarifica o tema:

O direito brasileiro, à semelhança de outros ordenamentos, conhece dois tipos de remédios utilizáveis contra decisões judiciais: os recursos e as ações autônomas de impugnação. Em nosso sistema, o traço distintivo consiste em que, através de recurso, se impugna a decisão no próprio processo em que foi proferida, ao passo que ao exercício de ação autônoma de impugnação dá sempre lugar à instauração de outro processo. A ação rescisória é o exemplo clássico dessa segunda espécie. A ação rescisória é ação por meio da qual se pede a desconstituição de sentença transitada em julgado, com eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada.

Na concepção de Teresa Arruda Alvim Wambier (2004, p. 359):

A ação rescisória, normalmente, serve para desconstituir uma sentença que mesmo eivada de nulidade transitou em julgado. Se não houvesse transitado em julgado, não haveria que se falar em ação rescisória. Pois como visto, o trânsito em julgado é pressuposto de cabimento da referida ação.

Luiz Eulálio de Bueno Vidigal (1976, p. 154) registra que:

A ação rescisória é o meio de que se dispõe, somente contra atos do Poder Judiciário, excluídos os atos administrativos, com a função de abrandar os efeitos da coisa julgada, corrigindo decisões, de modo a evitar graves injustiças decorrentes de vícios processuais. É o meio hábil com a função de abrandar os efeitos da coisa julgada, corrigindo decisões, de modo a evitar graves injustiças decorrentes de vícios processuais.

O jurista Coqueijo Costa (2002, p. 32) considera a Ação Rescisória

como sendo: “ação autônoma, na qual revela-se o direito constitucional à prestação

jurisdicional e almeja-se atacar a coisa julgada”.

Para Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery (2003, p. 829)

é: “ação autônoma de impugnação, de natureza constitutiva negativa quanto ao juízo

rescindendo, dando ensejo à instauração de outra relação processual distinta

daquela em que foi proferida a decisão rescindenda”.

Como observado por Ovídio Araújo Batista da Silva (2002, p. 325):

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[...] a ação rescisória não é recurso porque trata-se de uma ação autônoma que não só tem lugar, noutra relação processual, subseqüente àquela em que fora proferida a sentença a ser atacada, como pressupõe o encerramento definitivo dessa relação processual. A ação rescisória (art. 485 do CPC), em verdade, é uma forma de ataque a uma sentença já transitada em julgado, daí a razão fundamental de não se poder considerá-la um recurso. Como toda ação, a rescisória forma uma nova relação processual diversa daquela em que fora prolatada a sentença ou o acórdão que se busca rescindir.

Do pouco que se expôs até aqui, resta claro que a Ação Rescisória

não se confunde com recurso, justamente pela constatação de atacar diretamente

uma sentença, em sentido lato, já transitada em julgado. Trata-se de uma ação

autônoma que viabiliza novo julgamento, sendo marcada, ainda, como instrumento

que permite uma apreciação daquilo que foi anteriormente apreciado pelo Poder

Judiciário. Coqueijo Costa (2002, p. 26) esclarece que por meio da Ação Rescisória

“as partes voltam ao status quo ante, como se a decisão rescindenda não tivesse

existido, restabelecendo-se a relação processual”.

Nesse diapasão, vê-se que a Ação Rescisória apresenta natureza

jurídica constitutiva negativa, com sentença desconstitutiva, como esclarece José

Carlos Barbosa Moreira (1999, p. 122):

[...] a ação rescisória tem natureza jurídica de ação autônoma de impugnação ou ação impugnativa autônoma (constitutiva negativa), por meio da qual se pede a desconstituição de sentença transitada em julgado, com o eventual rejulgamento, a seguir, da matéria julgada.

Para Coqueijo Costa (2002, p. 32) é “ação constitutiva negativa e a

sentença, por isso, também o será quando julgar procedente; quando improcedente,

será meramente declaratória”. No mesmo sentido, Berenice Soubhie Nogueira Magri

(1999, p. 148) ensina que: “a decisão procedente será constitutiva negativa e terá

natureza de declaratória negativa, se improcedente”.

Para Luiz Rodrigues Wambier (2000, p. 751):

A ação rescisória tem a natureza jurídica de ação constitutiva negativa, que produz, portanto, uma sentença desconstitutiva quando julgada procedente. Na ação rescisória, podem-se formular dois pedidos: o da desconstituição da coisa julgada (juízo rescindens) e o do rejulgamento da causa, quando for o caso (juízo rescisorium). Diz-se que é uma ação desconstitutiva com base no primeiro pedido, este sim, necessariamente formulado.

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Acaso julgado procedente o pedido constante da Ação Rescisória,

ela será constitutiva negativa; se julgado improcedente o pedido, sua natureza será

declaratória negativa.

2.3 Pressupostos Como uma ação autônoma, a Ação Rescisória obrigatoriamente

deve preencher os pressupostos estatuídos genericamente no Código de Processo

Civil para as ações em geral. Porém, por sua característica peculiar, de instrumento

que serve para atacar uma decisão já transitada em julgada, para seu ajuizamento

outros pressupostos, ditos específicos, devem ser atendidos, sendo de ordem

objetiva - também chamado genérico de rescisão, e subjetiva - também chamado

específico de rescisão, restando o primeiro consubstanciado no caput do art. 485 do

Código de Processo Civil e o último nos incisos que se seguem a ele.

O chamado pressuposto objetivo, que, como dito, está previsto no

caput do art. 485 do Código de Processo Civil, é a exigência de uma sentença de

mérito, transitada em julgado, sem a qual não será recebida eventual Ação

Rescisória.

Com efeito, em se tratando de sentença que se pretende a revisão

de uma decisão sem trânsito em julgado, isso equivale a dizer se tratar de uma

sentença ainda passível de recurso. Nesse contexto, não fosse a expressa previsão

legal, ainda assim a Ação Rescisória não se justificaria, sendo eventual interessado

em seu ajuizamento, nessas circunstâncias, carecedor de ação.

Importa ainda destacar, em relação ao pressuposto específico

objetivo, que o dispositivo legal pertinente (art. 485 do Código de Processo Civil) faz

expressa referência à sentença de “mérito”, que deve, obrigatoriamente, fazer-se

presente a chamada e já esclarecida coisa julgada “material”, não bastando para o

ajuizamento da Ação Rescisória a ocorrência apenas da coisa julgada “formal”.

Como oportuno e anteriormente afirmado, em ocorrendo apenas a coisa julgada

“formal”, ou seja, tratando-se de sentença meramente terminativa, e o interessado

autorizado a ajuizar nova ação envolvendo o mesmo pedido e as mesmas partes.

Para Ovídio Araújo Batista da Silva (2002, p. 325), a coisa julgada

está definida “como a qualidade que torna indiscutível o efeito declaratório da

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sentença, uma vez exauridos os recursos com que os interessados poderiam atacá-

la”.

No tocante ao conceito de sentença de mérito, Maria Helena Diniz

(1998, p. 299-300) esclarece ser “aquela que extingue o processo, com julgamento

do mérito, acolhendo ou rejeitando a pretensão do autor”.

Aqui ganha entonação o que foi afirmado anteriormente acerca do

conceito de sentença, que, como dito, para adequada compreensão do tema, deve

ser encarada em seu sentido lato. Sob esse aspecto, ensina Vicente Greco Filho

(1999, p. 389) que “sentença é todo o ato terminativo de mérito, seja ele de juiz, seja

ele de tribunal, para fins de ação rescisória, mudando, apenas, a competência para

o processo e julgamento da ação”.

Quanto aos pressupostos subjetivos da Ação Rescisória – também

chamados específicos de rescisão, eles estão declinados ao longo dos nove incisos

do art. 485 do Código de Processo Civil, os quais podem ser indicados

individualmente ou em conjunto, fazendo-se presente sempre que verificado que a

sentença rescindenda foi proferida: (i) por prevaricação, concussão ou corrupção do

juiz; (ii) por juiz impedido ou absolutamente incapaz; (iii) por resultar de dolo da parte

vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de

fraudar a lei; (iv) por ofender a coisa julgada; (v) por violar literal disposição de lei;

(vi) por ser fundada em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo

criminal, ou seja, provada na própria ação rescisória; (vii) porque, depois da

sentença, o autor obteve documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não

pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; (viii)

por haver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se

baseou a sentença; (ix) por estar fundada em erro de fato, resultante de atos ou de

documentos da causa. Quanto à mencionada possibilidade de cumulação de mais

de um pressuposto subjetivo, José Carlos Barbosa Moreira (1999, p. 180-181)

preleciona: “ser possível conjugar dois ou mais fundamentos arrolados no art. 485,

do CPC”.

Cada um dos pressupostos específicos da Ação Rescisória será

individualmente analisado no tópico que se segue.

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2.4 Hipóteses de Admissibilidade

Como referido no tópico anterior, a Ação Rescisória, para seu

ajuizamento e respectivo recebimento, deve preencher, além dos pressupostos

gerais, atinentes às ações comuns, pressupostos específicos, os quais são o

subjetivo, descrito no caput do art. 485 do Código de Processo Civil, e os objetivos,

descritos ao longo dos nove incisos que se seguem ao caput.

Também foi esclarecido anteriormente que a Ação Rescisória tem

caráter excepcional, principalmente por atacar a coisa julgada material, a sentença

de mérito com trânsito em julgado. Logo, como decorrência dessa característica, o

rol previsto ao longo dos nove incisos do art. 485 do Código de Processo Civil é

taxativo, não admitindo interpretação extensiva, mesmo que por analogia.

Mais uma vez aqui ganha relevância a descrição dos nove incisos

que permitem o ajuizamento da Ação Rescisória, quanto aos pressupostos

específicos, quais sejam: (i) se verificar que a sentença foi dada por prevaricação,

concussão ou corrupção do juiz; (ii) se proferida a sentença por juiz impedido ou

absolutamente incapaz; (iii) se a sentença resultar de dolo da parte vencedora em

detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; (iv)

se a sentença ofender a coisa julgada; (v) se a sentença violar literal disposição de

lei; (vi) se a sentença se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em

processo criminal, ou seja, provada na própria ação rescisória; (vii) se depois da

sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não

pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; (viii) se

houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se

baseou a sentença; (ix) se a sentença estiver fundada em erro de fato, resultante de

atos ou de documentos da causa.

2.4.1 Sentença Dada por Prevaricação, Concussão ou Corrupção do Juiz.

Inovando em relação ao Código de Processo Civil que o antecedeu,

que limitava a hipótese aos casos da verificação de juiz peitado - corrompido por

suborno, o Código de Processo Civil, em vigor, traz referência ao longo do inciso I,

do art. 485, a prevaricação, concussão e corrupção, todos termos jurídicos que

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identificam tipos penais, previstos, respectivamente, nos arts. 319, 316 e 317 do

Código Penal, e que apresentam a seguinte redação, verbis:

Prevaricação - Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal; Concussão - Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida; Corrupção passiva - Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes, de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.

Longe de pretender aqui uma polêmica abordagem aprofundada no

âmbito do direito penal, por respeito ao tema, trata-se o primeiro de crime próprio,

unissubjetivo, plurissubsistente e material, enquanto os últimos são crimes próprios,

unissubjetivos, plurissubsistentes e formais. Isso significa dizer que todos devem ser

praticados por pessoas com qualidades próprias, no caso serem funcionários

públicos, que podem praticá-los sozinhos, de várias formas, sendo que na primeira

hipótese (prevaricação) é necessário para a configuração do delito um resultado,

enquanto para os últimos (concussão e corrupção passiva) eventual resultado não é

necessário para a consumação do delito.

Nada obstante o inciso em apreço se referir a “juiz”, a interpretação

mais adequada é aquela que admite o termo em seu sentido lato, alcançando

também os desembargadores e os ministros, e nem por isso se estará falando em

interpretação extensiva. Com efeito, o termo juiz foi empregado como sinônimo de

julgador e não no sentido próprio em termo técnico-jurídico. É importante lembrar

que as leis, em geral, são elaboradas por pessoas sem formação jurídica, daí

decorrendo imperfeições facilmente corrigíveis, como é o caso. Não fosse essa a

interpretação, injustificadamente se estaria prejudicando aqueles que tiveram seu

processo julgado em grau de recurso, violando fatalmente o princípio da isonomia

constitucionalmente assegurado a todos.

Note-se que, malgrado se trate de tipos penais, é irrelevante para a

decisão pela procedência de pedido de rescisão que o magistrado tenha sido

processado e condenado em processo criminal, como bem esclarecer Moacyr

Amaral Santos (1985, p. 450) ao afirmar que: “Para que a rescisória seja

favoravelmente acolhida não é necessário que o juiz tenha sido previamente

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condenado no juízo criminal. Permite-se que a prova do vício seja feita no curso da

própria rescisória”. Não fosse assim e eventual Ação Rescisória, frente ao prazo

decadencial para seu ajuizamento, de dois anos, mais bem abordado a seguir, teria

seu ajuizamento frustrado, em decorrência do trâmite de uma ação penal que

invariavelmente supera o referido prazo.

Ocorre que, excepcionalmente, como dito frente ao tempo de

tramitação de uma ação penal, o magistrado acusado pode ter contra si uma

sentença condenatória na esfera criminal. Nessa hipótese, o julgador da Ação

Rescisória não poderá julgar improcedente o pedido dela constante, estando

vinculado à decisão anteriormente prolatada, condenando o magistrado, como bem

adverte José Carlos Barbosa Moreira (1999, p. 121-122):

Caso o processo penal já se haja encerrado antes de pedir-se a rescisão, a sentença no crime, transita em julgado, vincula em certa medida o órgão julgador da rescisória. Se condenou o magistrado pelo delito, não pode o tribunal civil rejeitar o pedido de rescisão afirmando a inexistência da infração criminal.

Outra situação, porém, exige maior reflexão do julgador da Ação

Rescisória, sendo o caso de absolvição do magistrado na esfera penal. Sobre esse

aspecto José Carlos Barbosa Moreira (1999, p. 107) sustenta que o julgador da

Rescisória não “deve, também, ater-se rigidamente ao princípio da tipicidade dos

delitos, como ocorre no campo do Direito Penal. Para a rescisão prosperar basta

que o comportamento do juiz corresponda a um desses tipos penais”. Vicente Greco

Filho (1999, p. 393) corrobora esse entendimento ao afirmar que “para a

procedência da ação é indispensável que se demonstre que o comportamento do

juiz corresponde a um desses tipos penais”.

Em sintonia com as citações anteriores, aprofundando-as, ainda que

o magistrado seja absolvido na esfera criminal, verificado que o magistrado praticou

uma conduta subsumível a um dos tipos penais, o julgador da Ação Rescisória teria

a obrigação de julgar procedente o pedido. Um exemplo clarificará o raciocínio: o

magistrado X, em decorrência de ter um filho com leucemia, que depende de um

transplante em menos de 30 dias para que sobreviva, somente podendo ser

realizado em determinando hospital, em troca da concessão da vaga em tempo

hábil, julga improcedente pedido urgente de concessão de cautelar ajuizado por um

paciente que se vê prejudicado pelo atendimento realizado pelo mesmo hospital, em

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seu (hospital) proveito. Em tese, o magistrado teria praticado o crime de

prevaricação, porém, na esfera penal, poderia vir a ser absolvido pela

“inexigibilidade de uma conduta adversa” que se trata de uma causa excludente de

culpabilidade. Nesse caso, houve a absolvição do magistrado na esfera penal, no

mérito, e, ainda assim, em decorrência da sentença rescindenda haver sido

prolatada na condição de prática de prevaricação pelo magistrado, ou seja,

presentes os elementos do tipo, o pedido de rescisão deve ser julgado procedente.

Obviamente cada caso deverá ser analisado individualmente, porém,

como salientado pelos citados juristas, o rigor de eventual condenação no âmbito

penal deve ser mitigado em sede de Ação Rescisória, onde a relevância diz respeito

ao efeito externo da conduta do magistrado, ou seja, se a decisão foi prolatada nas

condições “objetivas” previstas nos tipos penais estatuídos nos arts. 316, 317 e 319

do Código Penal, mister se faz a decisão pela procedência do pedido de rescisão. O

fundamento para essa mitigação é bem esposada por Pontes de Miranda (1998, p.

204):

[...] o homem, em que o Estado depositou a confiança de julgar, traiu-o, traindo a sua função, ele, que no seu papel, deve ser indiferente aos grandes e aos pequenos e, até, acostumar-se a ver que o ato de justiça exige dupla coragem, a de ferir a grandes, que estão em falta, e a pequenos, que também as cometem.

Finalmente importa frisar que a prova da prática (circunstância)

delituosa, pelo magistrado, quando da prolação da sentença, pode ser produzida

exclusivamente no âmbito da Ação Rescisória, ainda que não venha a surtir efeitos

criminais para o magistrado. Qualquer que seja a infração cometida pelo magistrado

quando da prolação da sentença, terá lugar a Ação Rescisória.

2.4.2 Sentença Proferida por Juiz Impedido ou Absolutamente Incompetente

Aqui tem lugar uma análise que exige rigor terminológico. A Lei

expressamente fala em “juiz impedido ou absolutamente incompetente”, que são

pressupostos processuais de validade, por conseguinte, o inciso em comento, não

permitindo interpretação no sentido de alcançar a suspeição ou a incompetência

relativa.

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Com efeito, tanto a suspeição (art. 135 do Código de Processo Civil),

quanto a incompetência relativa (art. 111, segunda parte, Código de Processo Civil),

devem ser argüidas nos próprios autos, processados antes da prolação definitiva da

sentença de mérito, sendo sanados pela inércia do interessado ou acaso suscitado o

incidente e julgado pela autoridade competente. Nesse sentido Luiz Rodrigues

Wambier (2000, p. 756) ensina que:

A incompetência relativa e a suspeição ficam fora porque, havendo

suspeição ou incompetência relativa, não haverá nulidade, já que, quando o juízo é relativamente incompetente e as partes se calam, o juiz não pode alegar a incompetência relativa de ofício. Esse vício se sana. Ocorre o fenômeno da prorrogação de competência. Então, aquele vício não foi grave o suficiente para macular o processo e para, por conseguinte, macular a própria sentença.

No mesmo sentido, Vicente Greco Filho (1999, p. 393) disciplina

que:

O juiz impedido está proibido de exercer a jurisdição, daí a razão da rescindibilidade, ao passo que aos casos de suspeição geram apenas uma dúvida quanto à parcialidade, o que deve ser resolvido no processo anterior por meio dos recursos próprios. O mesmo vale para a incompetência relativa, a qual, aliás, se prorroga se não tiver sido alegada por meio da exceção e, se o foi, ficou definitivamente decidida.

Nada obstante tratar exclusivamente da questão do impedimento e

da suspeição, José Maria Rosa Tesheiner (2000, p. 57) corrobora os

posicionamentos referidos, observando que:

O art. 485 do CPC aponta como um dos fundamentos de ação rescisória o fato de haver a sentença sido proferida por juiz impedido, o que deixa claro que, no caso de suspeição, não cabe a rescisória. Assim é porque, se a parte não recusa o juiz suspeito, no prazo legal, ocorre preclusão o que significa que o vício não autorizará a decretação da nulidade do processo, nele próprio e, como maior razão, em qualquer outro processo.

Nesse patamar, os comentários de Pontes de Miranda (1998, p.205)

põem uma pá de cal sobre o assunto, quando sustenta que:

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[...] impedimento é conceito de lei de direito processual - de direito judiciário material; não de processo. As regras jurídicas a propósito de impedimento escapam às regras sobre suspeição, posto que se possa alegar o impedimento com o procedimento da execução de suspeição (arts. 134-138).

Como se verifica, a hipótese do inciso II, do art. 485 do Código de

Processo Civil, admite a Ação Rescisória exclusivamente desde que seja constatada

decisão anteriormente prolatada, dita rescindenda, por juiz “absolutamente”

incompetente ou “impedido”, lembrando que aqui, quando se refere a “juiz”, o termo

deve ser interpretado lato senso, ou seja, alcançando também desembargadores e

ministros. Acaso se trata de hipótese de incompetência relativa ou suspeição, a

inércia do interessado ou a decisão de eventual incidente sanam a irregularidade.

2.4.3 Sentença Resultar de Dolo da Parte Vencedora em Detrimento da Parte Vencida, ou de Colusão entre as Partes, a fim de Fraudar a Lei

Como se verifica, o inciso em apreço apresenta duas hipóteses, dois

pressupostos subjetivos que ensejam o ajuizamento de Ação Rescisória, sendo (i) o

“dolo” da parte vencedora ou a (ii) colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei.

Para efeito de análise e boa compreensão desse inciso, cada qual será analisado

separadamente, porém sem expressa divisão.

No tocante ao “dolo” da parte “vencedora em detrimento da parte

vencida”, importa registrar que aqui não tem lugar o consolidado, no âmbito penal,

“dolo eventual”, que seria um risco que alguém assume de produzir determinado

resultado, sendo indiferente a sua ocorrência.

Para que se cogite o cabimento de Ação Rescisória, sob esse

fundamento, é imperioso que o vencedor tenha agido com dolo direito, ou seja, que

tenha consciência e voluntariedade quando da prática lesiva a seu oponente.

A prática dolosa, para efeito de cabimento e ajuizamento de Ação

Rescisória, deve estar intimamente relacionada à obrigação de proceder com

lealdade e boa-fé, como componente de uma lide, de qualquer das partes, como

bem acentua José Carlos Barbosa Moreira (1999, p. 126), verbis:

Ocorre dolo quando a parte vencedora seja qual for, faltando ao dever de legalidade e boa-fé, haja impedido ou dificultado a autuação processual do adversário, ou influenciado o juízo do magistrado, em ordem de afastá-lo da verdade.

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No mesmo sentido, Vicente Greco Filho (1999, p. 394) esclarece

que:

O dolo é o engano voluntariamente causado que tenha levado prejuízo à parte contrária. A conduta do vencedor deve violar os deveres de lealdade e boa-fé, não bastando que haja apenas a utilização, ainda que excessiva, dos meios processuais. É preciso que a parte vencida seja enganada, como, por exemplo, o uso de subterfúgio para evitar a citação pessoal.

Como se verifica, o dolo deve obrigatoriamente estar voltado a um

“agir” desleal em prejuízo da parte contrária, o qual é defeso, como legalmente

estatuído ao longo do art. 14, inciso II, do Código de Processo Civil. A prova do dolo

da parte vencedora deverá ser produzida no bojo da Ação Rescisória, e sua

demonstração é quase inviável, considerando envolver o dolo um grau intocável de

subjetividade. Sua prova é quase impossível.

Outro ponto de suma relevância, quanto ao dolo como condição ou

pressuposto subjetivo para o ajuizamento de eventual Ação Rescisória, consiste no

fato da conduta consciente e voluntária de deslealdade e má-fé da parte vencedora

dever, obrigatoriamente, estar umbilicalmente relacionado ao deslinde da causa.

Humberto Theodoro Júnior (2002, p. 597) denomina essa relação entre a conduta

dolosa e lesiva como nexo causal, ao afirmar que “torna-se indispensável, para êxito

da rescisória, na espécie em exame, que ocorra nexo de causalidade entre o dolo

(violação da lealdade e da boa-fé) e o resultado a que chegou a sentença”.

Em outras palavras, acaso a parte vencedora aja com deslealdade e

má-fé, porém esse agir não influenciou na decisão de mérito que se pretende a

rescisão, a Ação Rescisória não terá cabimento.

Como dito, a Ação Rescisória tem lugar desde que a deslealdade e

a má-fé, dolosamente praticada, seja a ponto de dificultar a atuação da parte

contrária ou interferir da persecução racional do magistrado indevidamente.

Ausentes o dolo de agir com deslealdade e má-fé ou a relação entre

esse “agir” e a tutela jurisdicional prestada, como dito, a Ação Rescisória não terá

lugar, lembrando que a indigitada conduta não precisa ser obrigatoriamente

praticada de forma direta pela parte, tendo lugar a Ação Rescisória ainda que tenha

sido praticada por representante legal ou advogado. Bueno Vidigal (1976, p. 39)

destaca bem esse aspecto ao afirmar que “o dolo da parte vencedora, invocável

para rescindir a sentença, abrange, também, o dolo do representante legal e,

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naturalmente, o de seu advogado, ainda quando sem o assentimento ou a ciência do

litigante“.

Abordados alguns aspectos, tidos como de maior relevância acerca

do dolo que enseja o ajuizamento de Ação Rescisória, quanto à “colusão entre as

partes, a fim de fraudar a lei”, urge esclarecer que por colusão não se deve admitir

simulação ou simulacro desprovido de fraude, como, aliás, o próprio sentido

semântico de colusão exige a presença da fraude.

Com efeito, a exemplo do que ocorre em relação à previsão do

cabimento de Ação Rescisória frente à verificação de prática dolosa pela parte

vencedora, capaz de influenciar a decisão de mérito da causa, que decorre

indiretamente do art. 14, inciso II, do Código de Processo Civil, a hipótese ora em

apreço encontra supedâneo no próprio ordenamento jurídico, especificamente no

art. 129 do mesmo Código de Processo Civil, que assim dispõe: “[...] convencendo-

se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo

para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá

sentença que obste aos objetivos das partes”.

Note-se que aí existe referência a duas hipóteses distintas: (i)

praticar ato simulado e (ii) conseguir fim proibido por lei. Logo, vê-se que, já em

termos legais, ambos não se confundem, sendo que apenas na hipótese de fraude,

de obtenção de fim proibido por lei, tem lugar o ajuizamento de Ação Rescisória pela

parte interessada. Nesse sentido, ensina José Carlos Barbosa Moreira (1999, p.

126) que:

À cláusula grifada corresponde o caso ao processo fraudulento, que se distingue ao processo simulado: enquanto neste as partes não têm, verdadeiramente, a intenção de aproveitar-se do resultado do pleito, nem, pois, real interesse na produção dos respectivos efeitos jurídicos, a não ser como simulacro para prejudicar terceiros, naquele, ao contrário, o resultado é verdadeiramente querido, e as partes valem-se do processo justamente porque ele se lhes apresenta como o único meio utilizável para atingir um fim vedado pela lei.

Nesse diapasão, verificando-se que o inciso em apreço faz expressa

referência a “fraude”, a qual, como demonstrado, em termos legais, não se confunde

com simulação, apenas naquela hipótese terá lugar o ajuizamento de Ação

Rescisória, como, aliás, o próprio significado da palavra “colusão”.

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2.4.4 Sentença que Ofenda à Coisa Julgada

Como dito anteriormente, coisa julgada é uma qualidade que recai

sobre as sentenças que não mais estão sujeitas a recursos (art. 467 do Código de

Processo Civil), tratando-se de sentenças já transitadas em julgado, podendo ser

identificada como coisa julgada formal e coisa julgada material, importando para

efeito de análise deste inciso a última, ainda que, invariavelmente ocorrendo a

última, faça-se presente a primeira.

A título de rememoração, a coisa julgada material se fará presente

sempre que houver um pronunciamento da autoridade sobre o mérito da causa, já

não mais sujeita a recurso de qualquer natureza. Intimamente relacionada com o

princípio da segurança jurídica, a coisa julgada encontra proteção no próprio texto

legal, especificamente no inciso XXXVI, do art. 5º, segundo o qual a lei não poderá

prejudicá-la.

Nesse contexto, a previsão da Ação Rescisória, como instrumento

apto a propiciar a rescisão de sentença, em sentido lato, posteriormente prolatada

em processo já submetido à apreciação de mérito pelo Poder Judiciário, decorre não

do fato de eventualmente essa decisão vir a confirmar ou denegar a anterior, mas do

fato de sobre a primeira prolatada recair o manto da coisa julgada, que, como

constitucionalmente assegurada, nem mesmo a lei poderia afastar.

É evidente o dissenso aparente ao se afirmar que cabe Ação

Rescisória para rescindir sentença com trânsito em julgado, ou seja, acobertada pela

coisa julgada, uma vez que essa sentença não poderia ter afrontado a coisa julgada,

porém, como dito, esse “dissenso” é apenas aparente, tendo em vista que se tratam

de dois momentos distintos, sendo que o segundo jamais poderia, em termos legais

e constitucionais, ter existido.

Curiosamente, a partir dessa constatação, referida no parágrafo

anterior, faz-se presente o fundamento apto a solucionar uma questão que, apesar

de rara, não é impossível, a qual é bem observada por Vicente Greco Filho (1999, p.

394):

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Problema interessante que se apresenta é o da validade da sentença proferida com ofensa à coisa julgada e que não foi rescindida porque se passaram os dois anos de decadência da ação rescisória. Não rescindida, a despeito de ofender a coisa julgada a segunda sentença terá eficácia como título autônomo, mesmo que seja contraditória com a primeira sentença. Portanto, será executada sem que o juiz da execução possa evitar a sua eficácia, porque o trânsito em julgado da segunda impede que se discuta a sua validade.

Com o respeito devido ao posicionamento apresentado pelo citado

jurista, a resposta esposada e por ele desenvolvida não se apresenta como a mais

adequada, ainda que corroborada por autores do porte de Humberto Theodoro

Júnior (2002, p. 598), para quem: “havendo conflito entre duas coisas julgadas,

prevalecerá a que se formou por último, enquanto não se der sua rescisão para

restabelecer a primeira”.

Em que pese os juristas considerarem a realidade friamente, ou

seja, rente a uma nova sentença, a qual não foi rescindida no prazo legal, a anterior

resta derrogada, deve-se ter em mente que, nada obstante a nova sentença existir

no mundo fático, ela é ilegal desde o seu surgimento, a teor do inserto no art. 471 do

Código de Processo Civil. Logo, a despeito de existente, por ser ilegal ela não deve

ser aplicada ou respeitada, a exemplo do que ocorre em relação aos agentes

públicos que não estão obrigados a cumprirem uma ordem ilegal. Em se tratando de

uma sentença ilegal, o Poder Judiciário, como órgão público, não está obrigado a

cumpri-la, reportando essa decisão ao campo das decisões absolutamente nulas.

Retomando o tema, o importante aqui é destacar que, em se

tratando de sentença proferida em lugar a outra anteriormente proferida, acobertada

pelo manto da coisa julgada formal e material, terá lugar a Ação Rescisória desde a

sua publicação, como decisão definitiva.

2.4.5 Sentença Proferida com Violação Literal de Dispositivo de Lei

De vital relevância ao estudo em apreço, este inciso V, do art. 485,

do Código de Processo Civil, é justamente o pressuposto subjetivo que autoriza o

ajuizamento de Ação Rescisória, em dois anos a contar da publicação da decisão

que reconheceu e declarou a (in)constitucionalidade de determinado preceito

normativo pelo meio concentrado de constitucionalidade, em decisão divergente da

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anteriormente prolatada pelo meio difuso de controle de constitucionalidade no caso

concreto.

Sem apresentar maiores dificuldades, com supedâneo nesse inciso,

é autorizado - desde que atendidos os demais pressupostos e requisitos – a todos

aqueles que eventualmente foram “vítimas” de uma sentença que viole expressa

previsão legal o ajuizamento de Ação Rescisória.

Como se verifica, o inciso em comento faz referência à violação

literal de dispositivo de lei, o que afasta por completo o emprego da Ação Rescisória

quando a letra da lei, dita violada, apresentar interpretação variada e controvertida

nos Tribunais, como, aliás, já consolidado na Súmula 343 do Supremo Tribunal

Federal, a qual será separadamente analisada ao longo do último capítulo.

Com efeito, para se falar em violação “literal”, o dispositivo de lei

deve consentir com apenas uma interpretação. Do contrário, jamais se poderá referir

à violação “literal”, apenas interpretativa. Nelson Nery Júnior (2003, p. 830)

corrobora esse entendimento, verbis:

A sentença que dá à lei interpretação divergente da que lhe tenha sido dada pela doutrina ou jurisprudência, não pode ser objeto de Ação Rescisória (Supremo Tribunal Federal 343). Somente a ofensa literal é que autoriza o pedido de rescisão. Lei tem aqui sentido amplo, seja de caráter material ou processual, em qualquer nível (federal, estadual, municipal e distrital), abrangendo a Constituição Federal, Med. Prov., DLEg,etc. [...] Decisão que viole a jurisprudência, bem como súmula de tribunal, não enseja ação rescisória. A ação rescisória é cabível quando a sentença de mérito viole cláusulas gerais, tais como a função social do contrato (CC421), boa-fé objetiva (CC 422).

Ainda quanto à literalidade da violação de dispositivo de lei, Luiz

Rodrigues Wambier (2000, p. 761) acompanha o entendimento apresentado, quando

observa que:

[...] a violação precisa ser literal, o que significa dizer que se há violação de uma lei que tem sido objeto de mais de uma interpretação aceitável, essa sentença não pode ser objeto de ação rescisória. Se se trata de uma lei cuja interpretação era controvertida, no âmbito dos tribunais, à época da prolação da decisão, não pode se intentar rescisória. Deve tratar-se, portanto, de uma lei que dê origem a uma interpretação só, ou pelo menos a uma interpretação predominantemente aceita, segundo o que tem prevalecido.

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Outro ponto relevante, e aqui imprescindível máxima cautela, diz

respeito à abrangência do inciso em comento. Vale dizer: a própria sentença deve

violar literalmente dispositivo de lei ou essa violação pode ocorrer durante o

processo? Como seria o caso em eventual cerceamento de defesa no âmbito da

justiça do trabalho? Outro ponto: a violação literal do dispositivo de lei alcança

normas processuais ou se limita às normas materiais?

Como se verifica do próprio inciso, a lei não apresenta qualquer

restrição, além do fato da previsão da rescindibilidade de sentenças, nesse contexto,

decorrer do mínimo de justiça e devido processo legal. Logo, nesse contexto, a

melhor resposta seria aquela que permite o ajuizamento da Ação Rescisória mesmo

que a violação literal do dispositivo de lei ocorra durante o processo ou diga respeito

a normas processuais, o que importa dizer que o inciso em apreço toca tanto o erro

in procedendo quanto o erro em judicando.

Finalmente, aqui quando se fala “lei” - em tema que será abordado

novamente, também mais adiante - deve-se admitir todo e qualquer preceito

normativo, desde Portarias a Emendas Constitucionais, sendo crível o ajuizamento

de Ação Rescisória, com base nesse fundamento, desde que a violação tenha

relevância ao deslinde do feito, ao julgamento do mérito. Em não interferindo na

decisão de mérito, não terá lugar a Ação Rescisória com base nesse pressuposto

subjetivo.

2.4.6 Quando a Sentença Proferida se Fundar em Prova, cuja Falsidade tenha sido Apurada em Processo Criminal ou seja Provada na Própria Ação Rescisória

Aqui, importa empeçar retomando duas características marcantes da

Ação Rescisória, as quais estão intimamente relacionadas, referidas no início deste

capítulo: (i) seu caráter extraordinário, decorrente do fato de corporificar instrumento

apto a interferir na segurança jurídica, por viabilizar o julgamento de julgamento

anterior, ferindo de morte a coisa julgada formal e material; (ii) o fato de, em se

tratando de uma ação extraordinária, os pressupostos ou hipóteses para seu

ajuizamento não admitirem interpretação extensiva ou analógica.

Com base nessas duas notas, o primeiro ponto que merece atenção

consiste na exigência legal da produção da prova da falsidade da “prova” em

processo criminal ou na própria Ação Rescisória, não sendo permitida sua apuração

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em sede de processo civil, como bem esclarece José Carlos Barbosa Moreira (1999,

p. 135):

[...] a declaração de falsidade na sentença civil, seja através de ação declaratória ou de incidente de falsidade no curso de um processo, não constitui fundamento para a rescindibilidade da sentença, embora represente inegável elemento de convicção, ou, a prova da falsidade pode ser feita na própria rescisória ou ter sido declarada em processo criminal ou civil, desde que a declaração de falsidade tenha sido reconhecida por sentença entre as mesmas partes e acobertada pela autoridade da coisa julgada, o que pode ocorrer em ação declaratória autônoma.

Sob outro aspecto, a exemplo do que foi dito em relação ao

pressuposto subjetivo previsto no inciso III, do art. 485, do Código de Processo Civil,

especificamente quanto à necessidade de se demonstrar o liame entre a sentença e

a conduta dolosa, naquela ocasião, aqui se faz necessário, para efeito de decisão

pela procedência do pedido de rescisão, sob o fundamento em comento, que exista

e seja demonstrado o liame ou nexo causal entre a prova falsa e a decisão prolatada

pela autoridade encarregada.

Acaso existam outras provas que corroborem ou confirmem o teor

daquela prova dita falsa, basta justificar a mantença da decisão rescindenda, e não

terá lugar a Ação Rescisória, como bem preleciona Nelson Nery Júnior (2003, p.

830) ao afirmar que “quando a sentença rescindenda puder subsistir por outro

motivo, mesmo com a verificação de que se fundou em prova falsa (material ou

ideológica), não há ensejo para a sua rescisão”.

Por outro aspecto, sobre o tema, Pontes de Miranda (1998, p. 236)

traz uma observação que merece consideração, ao afirmar que “às vezes, a

falsidade da prova pode atingir o fundamento apenas da decisão de um dos pedidos.

Então, a rescisão é parcial. O que foi julgado, sem se apoiar em prova falsa, fica

incólume à eficácia da sentença rescindente”.

O que se verifica dessa passagem transcrita e referida é que, em

algumas hipóteses, a prova dita falsa pode atingir apenas passagem da sentença2

rescindenda, ensejando a rescisão de apenas parte da sentença rescindente,

autorizando a execução da parte que permanece intacta.

2 Mais adiante, em outro tópico, será abordado brevemente o tema dos capítulos de sentença.

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Em suma, terá cabimento o ajuizamento de Ação Rescisória com

supedâneo neste inciso VI, do art. 485, do Código de Processo Civil, sempre que

puder ser provado, no bojo dessa própria ação, ou no bojo de ação penal, a

falsidade de prova anteriormente empregada, em caráter de imprescindibilidade, por

ocasião do julgamento constante da sentença anteriormente prolatada, dita

rescindenda, podendo recair esse vício apenas sob parte da decisão, hipótese em

que a sentença rescindente, ou seja, a sentença prolatada na Ação Rescisória, não

atingirá a passagem imaculada da sentença rescindenda.

A falsidade da prova pode ser tanto material ou ideológica, podendo

recair tanto sob o aspecto formal da prova quanto sob seu conteúdo. Independente

da hipótese, desde que provada sua falsidade em processo penal ou na própria

Ação Rescisória, terá lugar o pedido de rescisão, desde que atendidos os demais

requisitos legais.

2.4.7 Hipótese de, Posteriormente à Prolação da Sentença, o Autor Obter Documento Novo, cuja Existência Ignorava, ou de que não Pôde Fazer Uso, Capaz, por si só, de lhe Assegurar Pronunciamento Favorável

Como ocorrido em relação aos incisos anteriores, o ora em apreço

não dispensa esclarecimentos, especialmente no tocante às expressões (i) autor, (ii)

documento novo e (iii) capaz por só de assegurar pronunciamento favorável.

Em relação à expressão “autor”, o legislador aí não se referiu ao

autor da ação encerrada com a prolação da sentença rescindenda, mas sim o autor

da Ação Rescisória. Logo, estão também relacionados, conforme o caso, o

sucessor, o Ministério Público ou mesmo até o próprio réu daquela ação anterior,

entre outros, desde que atendam às condições da ação.

Por “documento novo” deve ser entendido um documento que já

existia à época do processo encerrado com a sentença rescindenda, porém o autor

da Ação Rescisória ignorava sua existência ou dele não podia fazer uso. José

Carlos Barbosa Moreira (1999, p. 136) corrobora essa interpretação:

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Por documento novo não se deve entender aqui o constituído posteriormente. O adjetivo novo expressa o fato de só agora ser ele utilizado, não a ocasião em que veio a formar-se. Ao contrário: em princípio, para admitir-se a rescisória, é preciso que o documento já existisse ao tempo do processo em que se proferiu a sentença. Documento cuja existência a parte ignorava e, obviamente, documento que existia; documento de que ela não pôde fazer uso é, também, documento que, noutras circunstâncias, poderia ter sido utilizado, e portanto, existia. .

Na mesma linha, Nelson Nery Júnior (2003, p. 831) manifesta seu

entendimento:

Documento novo. Por documento novo deve entender-se aquele que já existia quando da prolação da sentença, mas cuja existência era ignorada pelo autor da rescisória, ou que dele não pôde fazer uso. O documento novo deve ser de tal ordem que, sozinho, seja capaz de alterar o resultado da sentença rescindenda, favorecendo, o autor da rescisória, sob pena de não ser idôneo para o decreto da rescisão.

Surge então a terceira peculiaridade do pressuposto subjetivo em

comento, já anteriormente referido: tratar-se de documento capaz por si só de

assegurar pronunciamento favorável. Sobre esse aspecto, Humberto Theodoro

Júnior (2002, p. 600) esclarece que “sua existência por si só, deve ser causa

suficiente para assegurar ao autor da rescisória um pronunciamento diverso daquele

contido na sentença impugnada e que naturalmente lhe seja favorável”.

Nessa conjectura, conclui-se que existem dois pressupostos

permissivos de Rescisória nesse inciso, quais sejam: (i) ignorância da existência do

documento antes da sentença ou impossibilidade de sua utilização em tempo hábil;

(ii) relevância do documento para motivar, por si só, conclusão diversa daquela a

que chegou julgador responsável pela sentença rescindenda.

Outro aspecto importante, bem observado por Humberto Theodoro

Júnior (2002, p. 600), diz respeito ao fato de ser defeso ao autor da Ação Rescisória,

valendo-se desse inciso, inovar a causa petendi da ação anterior. São as palavras

do referido doutrinador: “não é lícito, portanto, ao vencido, a pretexto de exibição de

documento novo, inovar a causa petendi em que se baseou a sentença”.

Finalmente, a título de esclarecimento, por “documento” devem ser

admitidos, também, os modernos meios de armazenamento de informação, e não

apenas os tradicionais modelos escritos.

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Em suma, facilitando a compreensão desse inciso, para efeito de

ajuizamento de Ação Rescisória a partir deste fundamento, o autor (da Ação

Rescisória) deverá demonstrar que detém um documento, já existente à época da

primeira ação, encerrada por meio da sentença rescindenda, o qual desconhecia

anteriormente ou dele não pôde utilizá-lo, por fato alheio a sua vontade, o qual deve

ser capaz, por si só, de motivar uma decisão de mérito diferente daquela

anteriormente prolatada, ainda que parcialmente.

2.4.8 Fundamento para Invalidar Confissão, Desistência ou Transação, em que se Baseou a Sentença

O inciso XIII, do art. 485, do Código de Processo Civil, assim como o

inciso anterior, exige esclarecimentos propriamente semânticos, dependendo sua

adequada compreensão, também, do entendimento acerca do conceito jurídico de

“confissão, desistência e transação”, somado ao entendimento acerca do instituto do

“reconhecimento jurídico do pedido”. Nesse desiderato, pois, cada qual será

analisado separadamente a seguir.

2.4.8.1 Confissão

Como bem esclarece José Carlos Barbosa Moreira (2005, p. 141), o

termo “confissão” foi equivocadamente empregado neste inciso, sendo que a

intenção do legislador foi, em verdade, de referir a “reconhecimento jurídico do

pedido”, tratando-se de hipótese diversas, verbis:

A primeira observação necessária é a de que, ao falar de “confissão”, não tinha em vista o Código luso, aí, o meio de prova designado, com propriedade, por esse nomen iuris, e disciplinado nos arts. 560 e seguintes. O instituto a que aludiam tanto o art. 306 quanto o art. 771,4°, era na verdade o do reconhecimento do pedido do autor, contemplado nos arts. 292 e seguintes, sob a denominação imprópria de "confissão" , como causa de extinção da instância.

Com efeito, a confissão, por si só, não equivale ao reconhecimento

jurídico do pedido. Em decorrência do ordenamento jurídico pátrio não favorecer

determinada prova em detrimento de outras, pode ocorrer da parte confessar

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determinando direto, e o magistrado decidir contrariamente a esse ato, o que não

ocorre em relação ao reconhecimento jurídicos do pedido.

A previsão da hipótese em apreço, assim como ocorrido em outros

dois incisos deste art. 485, do Código de Processo Civil, já abordados, encontra

respaldo em outra norma do mesmo codex, especificamente o art. 352, inciso lI, que

assegura o cabimento da Ação Rescisória, para o caso, desde que a “confissão”

haja sido admitida como bastante a justificar a sentença rescindenda. Note-se que

aqui a confissão é empregada como sinônimo de reconhecimento jurídico do pedido.

Em havendo o julgador responsável pela prolação da sentença rescindenda se

valido de outras provas, o erro por ocasião da confissão não será bastante para

justificar o ajuizamento de Ação Rescisória.

2.4.8.2 Desistência

Com efeito, ao prescrever a “desistência” como hipótese de

ajuizamento de Ação Rescisória, desde que exista fundamento para sua invalidação,

o legislador pôs em xeque o disposto no art. 267, inciso VIII, do Código de Processo

Civil, que prevê a referida confissão enquanto for caso de extinção do feito “sem”

julgamento de mérito. Assim, considerando se tratar de pressuposto objetivo da

Ação Rescisória a existência de uma sentença de mérito, a análise do referido inciso

impõe uma interpretação peculiar do termo “desistência” contida nesse inciso.

Acerca dessa problemática, José Carlos Barbosa Moreira (2005, p. 142-143)

discorre-a justificando nos seguintes termos:

No que tange à desistência, cumpre notar que, no texto português, o vocábulo compreendia assim a "desistência do pedido" , extintiva do "direito que se pretendia fazer valer" (art. 300, 1a alínea), como a "desistência da instância" , que em regra só fazia "cessar o processo" (art. 300, 2a alínea). Ora, aqui também o Código de 1973 adota terminologia diversificada: conforme o art. 267, n° VIII, extingue-se o processo sem julgamento de mérito "quando o autor desistir da ação", ao passo que, de acordo com o art. 269, n° V, ocorre a extinção com julgamento de mérito" quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação". A primeira dessas figuras corresponde à "desistência da instância", e a segunda à "desistência do pedido", no diploma luso de 1939. No dispositivo sob exame, necessariamente deve tratar-se de sentença de mérito, nos termos do caput: logo, não é possível supor que a lei se refira à hipótese do art. 267, no VIII. Por "desistência", aí, há de se entender-se, pois, "renúncia " o caso é unicamente, do art. 269, n° V.

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Como se verifica, o indigitado autor não se limitou a identificar a

causa do equívoco, como também apresentou a solução, a qual deve ser

inteiramente aceita, tendo em vista se tratarem de argumentos inquestionáveis.

Retomando o que afirmado por José Carlos Barbosa Moreira (2005,

p. 142-143), acima transcrito, para efeito da análise desta passagem do inciso VIII

do art. 485 do Código de Processo Civil, referente “à desistência” como causa a

justificar o ajuizamento da Ação Rescisória, desde que exista fundamento para sua

invalidação, o melhor seria admiti-Ia (desistência) como “reconhecimento jurídico do

pedido”, tendo em vista o disposto no inciso V do art. 269 do Código de Processo

Civil, segundo o qual, nesse caso, haverá extinção do feito com julgamento de

mérito, restando aí entendido o pressuposto objetivo constante do caput do já

mencionado art. 485 do Código de Processo Civil.

2.4.8.3 Transação

Diferentemente do que foi ocorrido quanto “à confissão” e a

“desistência”, aqui o legislador agiu bem em consignar o termo “transação”, porém

deve-se ter em mente que, para efeito de ajuizamento de Ação Rescisória,

imprescindível o atendimento, também, dos pressupostos objetivos - além daqueles

atinentes a toda e qualquer ação, razão pela qual, não é toda e qualquer “transação”

fundada em erro que justifique sua invalidação que ensejará a ação em comento,

mas apenas aquelas que dizerem respeito a uma sentença de mérito propriamente

dita, nada obstante constar do art. 584, inciso III, do Código de Processo Civil, a

sentença homologatória de transação como título executivo judicial.

Dessa maneira, para identificação da transação como instituto a

justificar o ajuizamento de Ação Rescisória, o primeiro passo é reportar ao disposto

no inciso III do art. 269 do Código de Processo Civil, que a identifica como causa de

extinção do feito com julgamento do mérito.

Note-se que o referido art. 269, inciso III, do Código de Processo

Civil, emprega a expressão “quando as partes transigirem”, o que, somado ao já

bastante referido pressuposto objetivo constante do caput do art. 485 do Código de

Processo Civil, equivale a dizer que a simples homologação da transação, acaso

anteriormente viciada, não justifica o ajuizamento da Ação Rescisória. Para efeito de

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Ação Rescisória, é necessário que exista análise de mérito na própria sentença

rescindenda, em si considerada.

Entre as hipóteses de transação viciada que justificariam posterior

ajuizamento de Ação Rescisória, pode ser mencionada aquela ocorrida quando a

transação for alegada em sede de defesa pela parte requerida, consoante previsto

no art. 326 do Código de Processo Civil.

O importante aqui - frise-se - é identificar caso a caso a existência de

análise de mérito na sentença rescindenda. Acaso essa análise se faça presente,

terá lugar a Ação Rescisória; acaso se trate de mera homologação de transação,

não terá lugar a Ação Rescisória.

Aqui também a resposta a eventual questão envolvendo a Ação

Rescisória e a Ação Anulatória. Em se tratando de “transação” que ensejou uma

análise de mérito, terá lugar a Ação Rescisória. Na hipótese de se tratar de mera

homologação de transação anteriormente realizada, terá lugar a Ação Anulatória.

2.4.9 Sentença Fundada em Erro de Fato, Resultante de Atos ou de

Documentos da Causa

Importado do direito italiano, a interpretação do inciso em apreço

exige que o referido “erro” decorra de um ato do juiz, que reconheça como existente

algo inexistente, ou o contrário, de forma significativa quando da prolação da

sentença rescindenda. Esse erro pode decorrer tanto de atos do processo como dos

documentos dele constantes.

Outro ponto relevante ao entendimento desse inciso toca a

necessidade de verificação se houve ou não controvérsia nos autos envolvendo o

fato, supostamente em erro. Acaso o magistrado julgador haja se pronunciado sobre

a controvérsia, optando por um ou outro entendimento, não terá lugar a Ação

Rescisória, frente ao princípio do livre convencimento do julgador (GRECO FILHO,

1999, p.396).

Finalmente, para efeito de ajuizamento de Ação Rescisória é

imperioso que o fato dito em “erro” tenha influenciado decisivamente da decisão de

mérito, sendo que, do contrário, a exemplo do que discorrido em relação a outros

incisos, não terá lugar o ajuizamento da ação objetivando a sentença rescindente.

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2.5 Legitimidade

Quanto à legitimidade para ajuizar a Ação Rescisória, o art. 487 do

Código de Processo Civil é bastante claro ao estatuir que poderão fazê-lo: (i) quem

foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular; (ii) o terceiro

juridicamente interessado; (iii) Ministério Público, se não foi ouvido no processo, em

que lhe era obrigatória a intervenção ou quando a sentença é o efeito da colusão

das partes, a fim de fraudar a lei.

Em relação ao terceiro legitimado, Vicente Greco Filho (1999, p.

391) esclarece que " é também terceiro juridicamente interessado para a rescisória

aquele que deveria ter sido parte em processo primitivo e não foi, com violação das

regras de litisconsórcio necessário, como no recurso de terceiro prejudicado, para

obter a desconstituição da sentença” (1999, p. 391)

2.6 Procedimento

Nos termos do art. 488 do Código de Processo Civil, a petição inicial

da Ação Rescisória deverá ser elaborada atendendo a todos os requisitos

insculpidos ao longo do art. 282 do mesmo codex, ou seja: indicar (i) o juiz ou

tribunal, a que é dirigida; (ii) os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e

residência do autor e do réu; (iii) o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; (iv) o

pedido, com suas especificações; (v) o valor da causa; (vi) as provas com que o

autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; (vii) o requerimento para

citação do réu.

Nada obstante não constar expressamente do art. 488 do Código de

Processo Civil, a peça inicial da Ação Rescisória deverá ser instruída com todos os

documentos indispensáveis à propositura de uma ação, conforme preceitua o art.

283 do mesmo codex. Os documentos indispensáveis para a propositura de uma Ação

Rescisória são: (i) certidão do trânsito em julgado da decisão rescindenda, (ii)

instrumento de mandato na própria decisão rescindenda e, quando devido, (iii)

comprovante do depósito prévio equivalente a 5% (cinco por cento) sobre o valor da

causa.

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Acaso o autor da Ação Rescisória pretenda o rejulgamento da edido

deverá constar expressamente da petição inicial, como Nelson Nery Júnior (1999, p.

819) ao sustentar que "o pedido de cumulação - novo julgamento - deve vir expresso

na petição inicial, sob pena de inépcia, não se admitindo pedido implícito".

Nesta esteira, atendidos esses requisitos, restarão indiretamente

também atendidos prima oculi (em análise superficial), os pressupostos objetivos e

subjetivos da Ação Rescisória.

Em relação ao procedimento em si, a exemplo do que ocorre em

qualquer ação, imprescindível o ajuizamento da petição inicial, que, como dito,

deverá atender não apenas ao disposto no art. 282 do Código de Processo Civil,

como também o disposto em seu artigo subseqüente (art. 283).

Retomando o disposto no art. 488 do Código de Processo Civil, são

impostas duas providências específicas ao autor da Ação Rescisória: (i) cumular ao

pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento da causa; (ii) depositar a

importância de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, a título de multa, caso a

ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível ou improcedente.

Quanto ao primeiro requisito, esclarece o citado art. 488 que o autor

da Rescisória deve cumular iudicium rescindens e o iudicium rescissorium, ou seja,

deve cumular o pedido de rescisão e o pedido de nova sentença em substituição à

primeira. Segundo Humbero Theodoro Júnior (2005, p. 652):

Muito se discutiu, no regime do código anterior, sobre a possibilidade de cumulação do judicium rescindens com o judicium rescissorium. O novo estatuto pôs fim à controvérsia, criando não apenas a faculdade, mas instituindo a obrigatoriedade de cumular o autor, em sua petição incial, as duas pretensões, isto é, a de rescisão da sentença e a de nova solução para a causa, em seu mérito, sempre que for o caso.

Aliás, na prática, existem apenas três hipóteses em que a

cumulação não poderá ocorrer: (i) no caso do art. 485, inciso IV, do Código de

Processo Civil - ofensa à coisa julgada, onde a Ação Rescisória apenas

desconstituirá a sentença impugnada; (ii) nos casos do art. 485, inciso I, do Código

de Processo Civil - juiz peitado; (iii) do art. 485, inciso lI, do Código de Processo Civil

- juiz impedido ou absolutamente incompetente - porque nestes dois últimos toda a

instrução do processo será anulada e o feito terá de ser renovado em primeira

instância.

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Nesse mesmo sentido, merecem destaque os comentários do

jurista Nelson Nery Júnior (1999, p. 947):

Juízo rescindendo e juízo rescisório. Sob pena de inépcia da petição inicial da ação rescisória, o autor deve cumular os dois juízos no pedido deduzido na vestibular. O pedido de rescisão (iudicium rescindens) é sempre obrigatório e imprescindível; o pedido de rejulgamento da lide (iudicium rescissorium) pode ou não ter pertinência, dependendo do caso concreto. Quando o fundamento da rescisória for, por exemplo, ofensa à coisa julgada anterior (CPC 485, IV), não há juizo recisório porque a lide já fora anteriormente julgada, sendo desnecessário e indevido pedir-se seu rejulgamento. Os dois pedidos devem vir expressos na petição inicial, não se admitindo pedido implícito.

Já o segundo requisito institui multa em favor do réu para o caso de

a ação ser julgada inadmissível ou improcedente por unanimidade. Essa multa tem

por finalidade desestimular a Ação Rescisória sem fundamento, e será revertido em

favor do réu, sem prejuízo do pagamento das despesas processuais e honorários

advocatícios.

Verificada a situação acima, consta da redação do art. 494 do

Código de Processo Civil que:

Art. 494. Julgando procedente a ação, o tribunal rescindirá a sentença, proferirá, se for o caso, novo julgamento e determinará a restituição do depósito; declarando inadmissível ou improcedente a ação, a importãncia do depósito reverterá a favor do réu, sem prejuízo do disposto no art. 20 (CAHALI, 2003, p. 857-858).

Contudo, de acordo com o parágrafo único do art. 488, do Código de

Processo Civil, esse depósito prévio, exigido a título de multa, não cabe para as

ações propostas pela União, Estado, Município e pelo Ministério Público, com a

ressalva que esse benefício não se estende aos órgãos da administração indireta

dessas entidades públicas, inclusive as respectivas autarquias.

Saliente-se, ainda, que, aos beneficiários da assistência judiciária, o

depósito prévio também não será exigido, para não inviabilizar o pleno acesso à

jurisdição, constitucionalmente assegurado àqueles cujas disponibilidades

econômicas são nulas ou escassas.

A ausência do depósito prévio, estabelecido no art. 488, inciso lI, do

Código de Processo Civil, acarreta à petição inicial da Ação Rescisória o seu

indeferimento. Aliás, o art. 490 do Código de processo Civil determina o

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indeferimento da petição inicial pela falta de depósito de 5%, bem como nos casos

comuns previstos no art. 295 do Código de processo Civil.

Para o tema em questão, Nelson Nery Júnior (1999, p. 947) registra

que:

Análise da petição inicial da rescisória. O relator fará a análise da petição inicial de acordo com as prescrições do CPC 282, 488 e 490. A petição deve vir acompanhada com os documentos indispensáveis (CPC 283), dentre eles a sentença ou o acórdão rescindendo, a certidão do trânsito em julgado respectiva (CPC 485), o documento comprobatório do depósito (CPC 488 II), quando devido (CPC 488, par. único), o instrumento do mandato (CPC 37). Caso haja falha insanável, a petição inicial deverá ser liminarmente indefirida. Sendo a falha suprível, o realtor deve dar ao autor a oportunidade de emendar a exordial (CPC 284). Somente depois dessa providência é que poderá haver o indeferimento da petição inicial da ação rescisória, sob pena de cerceamento de defesa em detrimento do autor.

Verificado que a petição inicial da Ação Rescisória deve satisfazer

às exigências comuns a todo pedido inaugural de processo (art. 282 do Código de

Processo Civil), destaca-se que ela deverá ser endereçada ao Tribunal, tendo em

vista tratar-se de procedimento de competência originária deste. Em outras palavras,

a competência para o ajuizamento da Ação Rescisória será da instância superior à

que julgou a sentença (ou acórdão) rescindenda, ou seja, será encaminhada ao

próprio tribunal que proferiu o acórdão rescindendo ou ao tribunal de 2° grau de

jurisdição no caso de sentença de juiz de 1° grau.

Posteriormente, verificando o relator que a petição inicial está em

ordem ou que já foram sanadas as irregularidades eventualmente encontradas, de

acordo com o art. 491 do Código de Processo Civil, mandará citar o réu(s),

assinalando o prazo de quinze a trinta dias para responder à petição inicial. Esta

resposta poderá ser oferecida amplamente, tanto por meio de contestação, exceção,

como reconvenção.

Já na segunda parte do art. 491 do Código de Processo Civil, existe

a determinação expressa de que, findo o prazo para apresentar defesa, com ou sem

resposta, o feito prosseguirá com observância do rito ordinário, com as providências

preliminares e o julgamento antecipado da lide (arts. 323 a 331 do Código de

Processo Civil), conforme o estado do processo. Por conseguinte, o relator estaria

em posição equivalente ao juiz de 1° grau.

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Adiante, o art. 492 do Código de Processo Civil impõe que se houver

a necessidade de prova, o relator delegará a competência ao juiz de direito da

comarca onde deva ser produzida, marcando prazo de 45 a 90 dias para a

conclusão da diligência e retorno dos autos ao tribunal. Entretanto, a prova

documental deve ser produzida perante o próprio órgão julgador da Ação Rescisória.

Concluída a instrução, será aberta vista, sucessivamente, ao autor e

ao réu, pelo prazo de 10 dias, para as razões finais e, em seguida, os autos subirão

ao relator para o julgamento (art. 493 do Código de Processo Civil).

Apesar da omissão do Código de Processo Civil, intervém na Ação

Rescisória, obrigatoriamente, o Ministério Público, visto que a natureza da lide tem

por objeto a desconstituição da coisa julgada e envolve interesse público. Portanto,

encerrado o prazo para as razões finais, deve ser ouvido primeiro o Ministério

Público, com fundamento no art. 82, inciso III, do Código de Processo Civil, para

depois subirem os autos para o relator. Sobre esse aspecto, Nelson Nery Júnior

(1999, p. 948) comenta que: "intervenção do MP. Depois da fase de razões finais,

deverá manifestar-se o MP (CPC 83). É obrigatória sua intervenção por tratar-se de

causa de interesse público pela natureza da lide (CPC 82 III), evidenciado pela

fiscalização da validade decisão judicial e pela proteção da coisa julgada".

Sobre a questão, José carlos Barbosa Moreira 1999, p. 198) registra

que:

Nada dispõe a respeito o diploma em vigor. No capítulo dedicado a esta matéria. Ao nosso ver, entretanto, há interesse público, evidenciado pela natureza da lide, (art. 82, n° III): discute-se, com efeito, a validade de decisão transitada em julgado. Portanto, continua necessária, através do órgão indicado na legislação pertinente, a audiência do Ministério Público, na qualidade de custos legis, ainda quando não fosse bastante para impô-la a matéria objeto do processo anterior.

Convém destacar que a propositura da Ação Rescisória não

suspende a execução da sentença rescindenda, execução essa que é definitiva (art.

489 do Código de Processo Civil), nada obstante a jurisprudência já vir admitindo

pedido liminar e de antecipação de tutela, visando justamente a referida suspensão.

Por fim, o art. 495 do Código de Processo Civil estabelece o direito

de propô-la no prazo de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão que

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se pretende rescindir, tratando-se de prazo decadencial. Conveniente, sobre o tema,

os comentários de Nelson Nery Júnior (1999, p. 949):

: Decadência do direito à rescisão. Como a rescisória é ação desconstitutiva com prazo de exercício previsto em lei, tal prazo é de decadência. Não se interrompe nem se suspende. O autor deverá ajuizála até o último dia do prazo, devendo no despacho inicial ser determinada a citação e efetivada na forma co CPC 219. Aplica-se a rescisória o CPC 220.

O biênio rescisório, pois, possui natureza decadencial. Apesar da

leitura da norma sugerir uma idéia de prescrição, esta se refere, efetivamente, ao

próprio direito à rescisão da sentença viciada. Inaplicáveis, portanto, os casos de

suspensão e de interrupção de prescrição previstos na lei processual.

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3 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

3.1 Considerações Propedêuticas

O controle de constitucionalidade, nos modelos ocidentais, para sua

concretização e eficácia exige, entre outros aspectos, a figura de uma Constituição

rígida, voltada à defesa de direitos e garantias individuais e sociais, a qual deve ser

admitida como conjunto de normas de hierarquia superior, suficiente a fundamentar

e justificar o ordenamento jurídico dela decorrente (supremacia da constituição).

Como se dessume do conceito de Direito Constitucional apresentado

por Jorge Miranda (1996, p. 138), com a Constituição são estabelecidas garantias

para defesa da ideologia dominante e dos institutos constitucionais considerados

fundamentais. Destarte, em meio a sistemas e formas de governo embasados na

concentração de poderes, surgiram as primeiras Constituições, as quais passaram a

representar significativo instrumento de defesa da igualdade de condições e

oportunidades a todos, da própria proteção indiscriminada devido pelo Estado,

sendo sob essa conjectura, justamente, que foi elaborado o modelo de Constituição

atinente ao Estado Democrático de Direito, como resultante da idéia de repartição

dos poderes, e, como dito anteriormente, garantindo o reconhecimento dos direitos e

garantias fundamentais ao cidadão, individual ou coletivamente considerado, contra

abusos cometidos pelos titulares de poderes políticos.

Nesse diapasão, pois, a idéia de superioridade hierárquica das

normas estatuídas na Constituição de um país é impreterível, impondo que toda a

norma infraconstitucional a ela esteja amoldada, sob pena de desfigurar os próprios

pilares que o (Estado) justificam, decorrendo daí a relevância do controle de

constitucionalidade como meio a garantir sua própria condição de existência.

Clarificando, sempre que uma norma inferior (infraconstitucional) contrariar uma

norma superior (constitucional), ela deve ser expungida do respectivo ordenamento

jurídico, evidenciando a importância do controle de constitucionalidade e de sua

análise. Nas palavras de Oswaldo Luiz Palu (2001, p.41):

A Constituição tem preeminência na ordem jurídica, deve haurir um meio ou modo de garantia contra investidas dos poderes constituídos, sendo o texto fundamental ocupante, na hierarquia das normas, do seu escalão mais elevado.

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Foi antevendo essa característica do ordenamento jurídico dos

Estados Democráticos de Direito, que dependem de “escalonamento” de normas e

da relevância de sua afirmação, que Georges Burdeau (1966, p. 76) preconizou a

distinção existente entre leis ordinárias e leis constitucionais.

Como se verifica, até aqui se falou de Constituição rígida e

supremacia das normas constitucionais (hierarquia ou escalonamento das normas)

como “condições” para o efetivo e concreto desempenho do controle de

constitucionalidade. Nada obstante, malgrado realmente o serem, o mais adequado

é identificar estas ditas “condições” enquanto pressupostos mesmos do controle de

constitucionalidade, como bem advertido por J. J. Gomes Canotilho (1983, p. 882),

verbis:

Ao falar-se do valor normativo da constituição aludiu-se à constituição como lex superior, quer porque ela é fonte de produção normativa (norma normarum) quer porque lhe é reconhecido um valor normativo hierarquicamente superior (superlegalidade material) que faz dela um parâmetro obrigatório de todos os actos estaduais. A idéia de superlegalidade formal (a constituição como norma primária de produção jurídica) justifica a tendencial rigidez das leis fundamentais, traduzida na consagração, para as leis de revisão, de exigências processuais, formais e materiais, “agravadas” ou “reforçadas” relativamente às leis ordinárias. Por sua vez, a parametricidade material das normas constitucionais conduz à exigência da conformidade substancial de todos os actos do Estado e dos poderes públicos com as normas e princípios hierarquicamente superiores da constituição. Da conjugação destas duas dimensões – superlagelidade material e superlegalidade formal da constituição – deriva o princípio fundamental da constituição dos actos normativos: os actos normativos só estarão conformes com a constituição quando não violem o sistema formal, constitucionalmente estabelecido, da produção desses actos, e quando não contrariem, positiva ou negativamente, os parâmetros materiais, plasmados nas regras ou princípios constitucionais.

Como se verá adiante, ainda nesse capítulo, o controle de

constitucionalidade no Brasil pode ocorrer em dois momentos distintos, os quais,

inclusive, entre outros, (controle de constitucionalidade) servem-lhe como critério de

classificação, consubstanciados: (i) no chamado controle preventivo e (ii) no

chamado controle repressivo.

Em havendo o referido controle de constitucionalidade preventivo,

realizado pelas Comissões de Constituição e Justiça e pelo Chefe do Poder

Executivo antes ou durante o processo legislativo, no Brasil recai – não apenas por

este fundamento - sobre os preceitos normativos editados e publicados, uma

presunção de constitucionalidade, a qual somente pode ser afastada mediante a

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utilização de meios constitucionalmente previstos, que são: (i) a Ação Direta de

Inconstitucionalidade por Ação ou Omissão, (ii) a Ação Declaratória de

Constitucionalidade, (iii) a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental,

(iv) o controle difuso de constitucionalidade, todas analisadas nos próximos tópicos.

Em suma, quando se fala de controle de constitucionalidade, a

preocupação deve estar voltada à verificação da compatibilidade de determinado

preceito normativo com a Constituição. Segundo Michel Temer (1997, p. 40):

Controlar a constitucionalidade do ato normativo significa impedir a subsistência da eficácia da norma contrária à Constituição. Também significa a conferência de eficácia plena a todos os preceitos constitucionais em face da previsão do controle da inconstitucionalidade por omissão.

Sempre que uma norma contrariar preceito ou ordem contidos na

Constituição, tal norma é inconstitucional, como ensina Regina Maria Macedo Nery

Ferrari (2004, p. 56):

Assim, a Constituição, considerada lei suprema do Estado, orienta todas as manifestações normativas, de tal forma que podemos dizer que a lei ordinária é determinada, em seu conteúdo e seus efeitos, pela norma constitucional de que deriva.

Especificamente no tocante à exigência de uma Constituição rígida,

para efeito da efetivação do controle de constitucionalidade, quando imbuído da

pretensão de assegurar a realização do Estado Democrático de Direito, esta é uma

condição intimamente relacionada à previsão, mesma em seu bojo, dos

instrumentos que permitem sua (controle de constitucionalidade) concretização. Do

contrário, acaso a norma superior - aqui admitida como sinônimo de Constituição -

não fosse rígida, e os meios para seu controle estariam sujeitos igualmente a

alterações, mitigando não só sua relevância, como a própria finalidade de sua

previsão. Michel Temer (1997, p. 41), sem se preocupar com pormenores, soube

distintamente registrar essa necessidade de uma Constituição rígida ao afirmar que:

É nas constituições mais rígidas que se verifica a superioridade da norma magna em relação àquela produzida pelo órgão constituído. O fundamento do controle, nestas, é o de que nenhum ato normativo – que necessariamente dela decorre – pode modificá-la.

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A título de argumentação, quando da sistematização do

ordenamento jurídico pátrio, o legislador se preocupou em estabelecer diferentes

meios de elaboração e alteração das variadas normas, nas variadas escalas

hierárquicas onde estatuídas, preconizando meios menos árduos para as alterações,

quanto mais distantes das normas previstas na Constituição Federal.

Essa característica de maior ou menor dificuldade de se alterar

determinado preceito normativo é o que permite a distinção entre Constituições

rígidas e flexíveis, como bem observado por Jorge Miranda (1996, p. 37), verbis:

Na verdade, o critério desta distinção – para o seu grande autor, James Bryce, a distinção principal a fazer entre todas as Constituições – está na posição ocupada pela constituição perante as chamadas leis ordinárias. Se ela se coloca acima destas, num plano hierárquico superior, e encerra características próprias, considera-se rígida; ao invés, se se encontra ao nível das restantes leis, sem um poder ou uma forma que a suportem em especial, é flexível. Apenas as constituições flexíveis são ilimitadas, porque ultrapassam as leis e prevalecem sobre as estatuições.

Importa ainda destacar que eventual inconstitucionalidade de

determinado preceito normativo pode tocar tanto o modo de sua elaboração quanto

seu conteúdo, como mais bem esclarecido em tópico próprio neste capítulo em

apreço.

Finalmente, também de suma relevância destacar que, nada

obstante a previsão do controle de constitucionalidade pelo meio difuso, que em tese

permite a análise da constitucionalidade de determinado preceito normativo por

magistrados de primeiro e segundo grau, a competência para “ditar” definitivamente

a inconstitucionalidade de determinado preceito normativo é do Supremo Tribunal

Federal. Ressalta-se que, em respeito ao princípio da simetria, em se tratando de

normas analisadas à luz da Constituição de um Estado, a competência de sua

declaração é do respectivo Tribunal de Justiça.

3.2 Inconstitucionalidade das Normas

Como anteriormente suscitado por ocasião das considerações

propedêuticas, principalmente em decorrência do controle de constitucionalidade

preventivo e de eventual caráter de rigidez de uma Constituição Federal, recai sobre

todo preceito normativo em vigor presunção de constitucionalidade.

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Ocorre que, como seria exemplo a Lei 10628/2002, recentemente

declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que previa foro

privilegiado para ex-agentes políticos, quando criminalmente processados para os

processos envolvendo acusação da prática de improbidade administrativa, existem

inúmeras leis que são elaboradas em desconformidade com os ditames

constitucionais, ora quanto aos aspectos formais exigidos para sua elaboração, ora

em relação ao conteúdo mesmo que representam e impõem, justificando a

preocupação do Constituinte em consignar no próprio texto constitucional os meios

para o controle de constitucionalidade dos preceitos normativos em geral. Segundo

Oswaldo Luiz Palu (2001, p. 71):

É a mácula da norma, uma contradição intrínseca que a faz inválida; a inconstitucionalidade, contradição interna da norma com o parâmetro, é premissa da conseqüência da inconstitucionalidade (= sanção), que poderá ser a inexistência, a nulidade, a anulabilidade, a mera irregularidade etc., dependendo do sistema adotado em cada país.

Além dos aspectos formal e material referidos no parágrafo anterior,

atinentes, em regra, a um “agir” do legislador, eventual inconstitucionalidade de

determinando preceito normativo pode atingir todo seu conteúdo, ou apenas parte

dele, aqui se falando em inconstitucionalidade total ou parcial.

Uma terceira possibilidade que toca a questão da

inconstitucionalidade de determinado preceito normativo decorre de sua análise

como uma ação ou omissão praticada em desconformidade com a Constituição, a

qual deve desencadear efeitos externos que afetam o indivíduo, a coletividade ou o

próprio Estado.

A partir dessas notas, são três os possíveis ângulos de análise de

inconstitucionalidade de determinado preceito normativo: (i) inconstitucionalidade

formal e/ou material; (ii) inconstitucionalidade total ou parcial; (iii)

inconstitucionalidade por ação ou omissão.

3.2.1 Inconstitucionalidade Formal e/ou Material

A verificação da inconstitucionalidade formal de determinado

preceito normativo exige o (re)conhecimento estar constitucionalmente previsto o

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procedimento de sua elaboração, o qual, uma vez desrespeitado - ou seja, em não

sendo seguidas as diretrizes constitucionalmente impostas, enseja sua ocorrência.

A inconstitucionalidade formal resulta da inobservância do processo

de elaboração de uma lei, ou seja, segundo conceituação de Luís Roberto Barroso

(1996, p. 235), consiste no desrespeito ao procedimento estabelecido na

Constituição para a criação da espécie normativa.

Alexandre de Moraes (2003, p. 235) identifica a inconstitucionalidade

formal de determinado preceito normativo a acentuado como “A inobservância das

normas constitucionais de processo legislativo, portanto, terá como conseqüência a

inconstitucionalidade formal da lei ou ato normativo produzido”.

Pode ocorrer, ainda, como seria exemplo a edição de medidas

provisórias sem atendimento à “urgência e relevância” imprescindíveis, que seja

editado um preceito normativo desvinculado dos requisitos ou condições impostos

na Constituição Federal para o caso. Nessa hipótese, a inconstitucionalidade em

comento seria igualmente tida como formal.

Também aceita pela doutrina sob a denominação de

“inconstitucionalidade orgânica”, essa modalidade de inconstitucionalidade formal

ocorre sempre que determinado preceito normativo é elaborado por agente ou órgão

incompetente.

Em qualquer das hipóteses, a idéia de inconstitucionalidade formal

está intimamente ligada aos aspectos extrínsecos ao ato, daí a diferenciando da

chamada inconstitucionalidade material, que toca ao próprio conteúdo do preceito

normativo, o qual deve se amoldar às disposições constitucionais que o justificam.

Trata-se, nas palavras de Luis Roberto Barroso (1996, p. 235), de

um confronto de matéria, de substância. Vale frisar que, para fins de avaliação da

constitucionalidade de determinada matéria, todos os dispositivos constitucionais

são úteis, inclusive o preâmbulo: toda constituição tem sentido normativo e, portanto,

é parâmetro para aferição de constitucionalidade.

Ainda, nas palavras de Palu (2001, p. 83), a inconstitucionalidade

material diz com o conteúdo do ato normativo, sendo malferida a norma

constitucional de fundo. Assim, havendo contradição entre o conteúdo da norma e o

conteúdo da Constituição, manifestar-se-á inconstitucionalidade material.

Comumente confundido com a inconstitucionalidade formal atinente

ao não atendimento aos requisitos impostos para sua edição, como ocorre no

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exemplo dado quanto à edição de medidas provisórias não urgentes e/ou relevantes,

a inconstitucionalidade será dita material, não apenas quando seu conteúdo se

chocar expressamente com o conteúdo normativo da Constituição Federal, mas

também sempre que houver um desvirtuamento entre o motivo constitucionalmente

previsto para sua edição e os efeitos concretamente atingidos pela sua aplicação. A

ocorrência dessa modalidade de inconstitucionalidade material depende, em regra,

da verificação se houve, pelo constituinte, a outorga de poderes para que o

legislador regulamente ou complete o texto constitucional.

3.2.2 Inconstitucionalidade Total ou Parcial

A análise da inconstitucionalidade de determinado preceito

normativo sob essa ótica - ser total ou parcial - não impõe maiores dificuldades,

merecendo destaque – ou maiores esclarecimentos – a verificação da hipótese de

dependência entre a parte tida como inconstitucional e as demais previstas no

preceito normativo. Sobre esse aspecto, leciona Oswaldo Luiz Palu (2001, p. 83)

que:

Ocorre às vezes que a inconstitucionalidade parcial transmuda-se em inconstitucionalidade total. Suponha-se o caso de um ato normativo que, em conseqüência da declaração de inconstitucionalidade parcial de seu texto, deixe o restante sem qualquer significado. No mesmo sentido, se uma norma, que faz parte de uma regulamentação geral sobre determinado assunto, dando-lhe substrato jurídico, for declarada inconstitucional, os demais também serão nulificados (critério da interdependência).

Quanto ao conceito em si, a inconstitucionalidade será dita total

quando atingir todo o preceito normativo, como ocorre, regra geral, quando

verificada a ocorrência de inconstitucionalidade formal. Nesse caso, atingido todo o

ato, dificilmente será o caso de se aproveitar parte dele, visto que a

inconstitucionalidade ocorreu mesmo em momento anterior a sua edição mesmo.

A inconstitucionalidade parcial, por seu turno, em regra é também

material, ocorrendo sempre que parte do preceito normativo for incompatível com o

texto constitucional, e não atinja, mesmo que indiretamente, o restante da imposição

legalmente estatuída que represente como um todo.

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3.2.3 Inconstitucionalidade por Ação ou Omissão

O terceiro e último critério empregado neste trabalho, para efeito de

classificação dos modos de ocorrência da inconstitucionalidade de determinado

preceito normativo, depende da verificação se o ato praticado pelo agente

responsável era autorizado ou proibido.

A Constituição Federal preconiza, ao longo de todo seu corpo de

texto, condutas e diretrizes permissivas e proibitivas, as quais não podem ser

desconsideradas ao talante de seu(s) “representante(s)”.

Sempre que houver a realização ou elaboração de determinado ato,

quando proibido pela interpretação devida aos preceitos estatuídos na Constituição

Federal, a inconstitucionalidade decorrente será admitida como “por ação”. Do

contrário, acaso a Constituição Federal determine a realização ou elaboração de

determinado ato e o sujeito submetido ao dever de seu atendimento não o fizer, a

inconstitucionalidade decorrente será admitida como “por omissão”.

O fundamento para a constatação da inconstitucionalidade de

determinando ato, por ação, decorre, como bem assinalaram Enrique Aftalión,

Fernando Olano e José Vilanova (1964), da imposição da compatibilidade vertical,

que exige das normas ditas “inferiores”, que não são as constitucionais, estas

chamadas superiores, que não contrariem as últimas, ou que delas decorram.

Sobre a inconstitucionalidade por omissão, J.J. Gomes Canotilho

(1994) esclarece a exigência da relevância da omissão legislativa objeto de análise,

ou seja, somente acaso presente uma exigência recíproca constitucionalmente

estatuída é crível o ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por

Omissão, não bastando, por conseguinte, o que ele chama de um simples dever

geral do legislador.

A caracterização da relevância que justificaria o ajuizamento de uma

Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão depende da previsão

constitucional de uma norma imperativa concreta e acabada dirigida ao legislador.

3.3 Breve Abordagem Histórica no Direito Brasileiro

Com a promulgação da Constituição republicana de 1891 foi extinto

o Poder Moderador e estabelecida a divisão das funções do Estado apenas entre os

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órgãos do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Essa

Constituição, que substituiu a primeira promulgada no Brasil, no ano de 1824, sob

influência da Constituição norte-americana que previa a Judicial Review, atribuiu ao

Supremo Tribunal Federal a competência para analisar eventuais divergências entre

as normas infraconstitucionais e as normas que estatuía, consoante o que dispunha

no art. 59, §1º, alínea “b”3. Com a promulgação da Constituição de 1891 e

posteriormente da Lei nº. 221, de 18 de novembro de 1894, foi inaugurado um novo

período na história constitucional brasileira. Nesse momento histórico ainda não era

previsto o controle de constitucionalidade concentrado.

A Constituição de 1934 trouxe inovações significativas quanto ao

controle de constitucionalidade, prevendo pela primeira vez a idéia de controle

concentrado ao atribuir ao Procurador-Geral da República a incumbência de

provocar o Supremo Tribunal Federal para declarar a inconstitucionalidade de lei

estadual.

Outra inovação trazida pela Constituição de 1934 foi a previsão da

comunicação pelo Supremo Tribunal Federal ao Senado de eventual decisão de

inconstitucionalidade, o qual poderia retirar a norma afetada do ordenamento jurídico

vigente, evitando assim uma gama de processos idênticos. Essa previsão ainda vige

na Constituição de 1988.

Em 1937 foi promulgada a quarta Constituição brasileira, que trouxe,

para o controle de constitucionalidade, nas palavras de Celso Bastos (1999, p. 402),

um certo retrocesso, ao possibilitar ao Presidente da República apresentar ao

Parlamento lei que foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, e,

caso este órgão entendesse por maioria de 2/3 de votos que a lei deveria viger, a

declaração de inconstitucionalidade proferida pelo judiciário perderia o efeito. O

Brasil vivia a ditadura Vargas, o momento histórico conhecido como Estado Novo.

A Constituição de 1946 manteve as disposições anteriormente

previstas na Constituição de 1934, inclusive o esboço do que hoje é conhecido como

controle de constitucionalidade concentrado, em relação às normas editadas pelos

Estados, o qual redundou, através da Emenda Constitucional nº. 16, do ano de

“Art. 59. (...) § 1º - Das sentenças das justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: (...) b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.

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1965, na expressa previsão do controle concentrado, de legitimidade do Procurador-

Geral da República, inclusive em face de leis federais.

Em 1967 foi promulgada nova Constituição que manteve o que foi

estatuído na que a antecedeu, modificando o controle de constitucionalidade pelo

meio difuso, transferindo a prerrogativa de suspender lei ou ato declarado

inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal do Senado para o Presidente da

República.

Finalmente, a Constituição cidadã, promulgada em 05 de outubro de

1988, em vigor, com todas as dezenas de emendas que já sofreu, atualmente traça

de forma satisfatória as linhas mínimas ao exercício do controle de

constitucionalidade, consubstanciadas no já referido e a seguir abordado controle

preventivo e nas (i) Ação Diretas de Inconstitucionalidade por ação e omissão; (ii)

Ação Declaratória de Constitucionalidade; (iii) Argüição de Descumprimento de

Preceito Fundamental e (iv) na previsão do controle difuso de constitucionalidade,

atinentes ao controle repressivo.

3.4 Controle Preventivo

Como já referido em três ocasiões distintas ao longo do presente

trabalho, o controle de constitucionalidade pode ocorrer tanto preventivamente -

antes ou durante a elaboração da lei, quanto após sua edição, através do controle

repressivo.

Conhecido como controle de constitucionalidade atípico, em

decorrência de atacar norma “em tese”, o controle de constitucionalidade preventivo

é exercido pelas Comissões de Constituição e Justiça, órgão do Poder Legislativo, e

pelo Chefe do Poder Executivo.

No tocante ao controle de constitucionalidade exercido pelo Poder

Legislativo, através das Comissões de Constituição e Justiça, sua previsão consta

do art. 58, §2º, inciso I, da Constituição Federal, segundo o qual:

Art. 58.(...) §2º às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: I – discutir e votar projeto de lei que dispensar, no forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa; (...)

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Seu procedimento prevê que compete às Comissões de Constituição

e Justiça a análise do projeto de lei frente ao corpo normativo da Constituição

Federal, que ao final elaborará e encaminhará um parecer fundamentado das

conclusões obtidas. Em caso do pronunciamento pela inconstitucionalidade do

projeto, o interessado poderá apresentar recurso ao Plenário, que decidirá

definitivamente a questão.

O controle preventivo de constitucionalidade realizado pelo Poder

Executivo ocorre por ocasião do Chefe do Poder Executivo sancionar ou vetar o

projeto de lei que lhe é encaminhado pelo Congresso Nacional, em se tratando de

leis federais ou nacionais, objetos do tema.

Consoante o disposto no art. 66 da Constituição Federal, o

Presidente da República, recebendo o projeto de lei e aquiescendo com a

constitucionalidade de seu conteúdo, reconhecendo atender ao interesse público, o

(projeto) sancionará. Do contrário, acaso reconhecendo se tratar de projeto de lei

inconstitucional ou que atenta ao interesse público, o vetará, podendo se tratar de

veto total ou parcial, o qual será submetido à apreciação do Congresso Nacional que

poderá “derrubá-lo”, por maioria absoluta dos Deputados e Senadores, quando

então será devolvido ao Presidente da República que se verá compelido a promulgar

a lei.

A previsão do controle preventivo de constitucionalidade - e as

nuanças dos respectivos procedimentos - visa resguardar a harmonia e

independência das funções do Estado, permitindo uma atuação comprometida,

porém autônoma.

3.5 Controle Repressivo

Comumente se diz que o controle de constitucionalidade repressivo

no Brasil é “misto”, porém, sobre essa afirmação, alguns breves comentários são

impreteríveis, principalmente quanto aos critérios empregados para se chegar a esta

conclusão.

A relevância da questão decorre da afirmação de Regina Maria

Macedo Nery Ferrari (2004, p. 84) que categoricamente consignou discordar dessa

assertiva - o controle de constitucionalidade repressivo no Brasil ser “misto” - ao

afirmar que:

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Merece registro a posição de Anhaia Mello, que apresenta como outra forma de controle a forma brasileira, por ele denominada mista, explicando que assim o considera porque os constituintes de 46 e 67 em matéria de controle o entregaram ao Judiciário, de forma difusa, e sob de forma concentrada em determinados casos, mas submetem, a posteriori, a matéria de inconstitucionalidade ao Senado, órgão político, ao qual cabe a suspensão de eficácia de lei dada como inconstitucional. Entretanto, não concordamos com tal opinião, pois a participação do Senado não chega a caracterizar um sistema misto, já que quem decide é o Poder Judiciário. O Senado, por sua vez, não tem competência para decidir sobre a inconstitucionalidade, intervindo após sua declaração, no sentido de tornar os seus efeitos mais amplos, o que será mais aprofundadamente analisado no decorrer deste trabalho.

Com efeito, constata-se da passagem acima transcrita, da já referida

obra, de autoria da jurista Regina Maria Macedo Nery Ferrari, que, para efeito de

discordar de adotar o Brasil o controle repressivo “misto” de constitucionalidade, foi

analisado o tema exclusivamente sob a luz do controle repressivo ”judiciário”, sem

se considerar o controle repressivo exclusivamente “legislativo”.

Nessa esteira, conquanto se concorde com sua (Regina Maria

Macedo Nery Ferrari) conclusão, quanto ao raciocínio empregado, desde que

analisado exclusivamente o controle de constitucionalidade repressivo judicial, o que

não é o caso, é preciso se ater à realidade que existe em relação ao controle de

constitucionalidade repressivo legislativo, independente do judiciário, que

peremptoriamente inviabiliza o entendimento em apreço, malgrado as premissas

empregadas –“desconsiderado o contexto amplo” - permitirem sua confirmação.

Nada obstante ser crível, como dito, o acolhimento da tese

sustentada pela já referida jurista Regina Maria Macedo Nery Ferrari, a melhor

doutrina é aquela que identifica o controle repressivo “judiciário” como misto, tendo

em vista que, apesar do Supremo Tribunal Federal, em qualquer dos modelos de

controle de constitucionalidade judiciário - tanto o concentrado como o difuso - ser o

órgão responsável pela declaração de inconstitucionalidade de determinado preceito

normativo, especialmente no controle difuso, a norma rechaçada pelo Supremo

Tribunal Federal permanece intacta no ordenamento jurídico. Pode ser aplicada

,inclusive, a casos idênticos àquele que ensejou a declaração de

inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Lênio Luiz Streck (2002, p.

361) abordou o tema e, sem se preocupar com os “porquês”, pronunciou-se pelo

acolhimento desse entendimento:

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A Constituição de 1988 manteve a fórmula do controle misto de constitucionalidade (concreto direito, abstrato e incidental, concreto), agregando apenas a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, inspirada no constitucionalismo português e iugoslavo (de antes da desintegração da federação). Assim, a modalidade do controle difuso com remessa ao Senado foi mantida no texto, atravessando, pois, as Constituições de 1934, 1946, 1967 e 1969 (2002, p. 361).

O controle de constitucionalidade repressivo ocorre após a

promulgação da lei – “aí” incluídas as medidas provisórias, pela autoridade

competente, podendo ser realizado excepcionalmente pelo Poder Legislativo e

invariavelmente pelo Poder Judiciário, através das já referidas: (i) Ação Diretas de

Inconstitucionalidade por ação e omissão; (ii) Ação Declaratória de

Constitucionalidade; (iii) Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental e

(iv) na previsão do controle difuso de constitucionalidade.

Às três primeiras modalidades de controle de constitucionalidade,

referidas no parágrafo anterior, dá-se o nome genérico de controle concentrado de

constitucionalidade; à última modalidade acima referida dá-se o nome genérico de

controle difuso de constitucionalidade.

3.5.1 Controle Repressivo Realizado pelo Poder Legislativo

Especificamente quanto ao controle de constitucionalidade

repressivo exercido pelo Poder Legislativo, a primeira hipótese para seu exercício

está prevista constitucionalmente no inciso V, do art. 49, segundo o qual:

Art. 49. É de competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

Trata-se aqui de previsão de inconstitucionalidade na modalidade

formal, por ação, que pode tanto ser total quanto parcial. Autoriza o Congresso

Nacional a sustar eventual decreto presidencial, bem como lei delegada, previstas

respectivamente nos arts. 84, inciso IV, e 68, ambos da Constituição Federal. A

sustação obrigatoriamente deve ocorrer através de decreto legislativo.

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O controle repressivo de constitucionalidade, exercido pelo Poder

Legislativo, afeta diretamente, ainda, além do decreto presidencial e das leis

delegadas, a edição de Medidas Provisórias pelo Poder Executivo.

Nos termos do art. 62 da Constituição Federal, compete a uma

comissão mista de Deputados e Senadores examinar as Medidas Provisórias e

sobre elas emitir parecer antes de serem apreciadas. Acaso a comissão

encarregada entenda pela inconstitucionalidade da medida, ou mesmo assim não

decidindo, o Congresso Nacional poderá rejeitá-las (Medidas Provisórias),

expungindo-a do ordenamento jurídico pátrio.

Nada obstante não se tratar a medida provisória de lei propriamente

dita, o Supremo Tribunal Federal já consolidou entendimento pelo cabimento do

ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade contra esta espécie de ato

normativo, como consta do julgamento da ADI 2005-MC, não existindo, por

conseguinte, nessa conjectura, óbice para que se reconheça, in caso, modalidade

de controle repressivo de constitucionalidade realizado pelo Poder Legislativo.

3.5.2 Controle Repressivo Realizado pelo Poder Judiciário

O controle repressivo judiciário no Brasil, desde o advento da

Constituição Federal de 1934, e especialmente após a edição da Emenda

Constitucional nº. 16 de 1965, que alterou a redação originária da Constituição

Federal de 1946, adotou dois modelos genéricos de controle de constitucionalidade:

(i) o controle de constitucionalidade judiciário concentrado, aqui apenas chamado

controle concentrado, e (ii) o controle de constitucionalidade judiciário difuso, aqui

apenas chamado de controle de constitucionalidade difuso.

A Constituição Federal de 1988, quanto ao controle de

constitucionalidade, não apenas manteve as disposições das Constituições

anteriores, mas também inovou, principalmente após as emendas que sofreu, com a

previsão da Ação Declaratória de Constitucionalidade e da Ação de Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental. Outra inovação foi a previsão da Ação

Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. Na Constituição em vigor, o tema do

controle de constitucionalidade judiciário está previsto nos arts. 97, 102 e 103.

A origem histórica de ambos os modelos de controle de

constitucionalidade previstos atualmente na Constituição Federal pátria – (i) controle

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concentrado de constitucionalidade e (ii) controle difuso de constitucionalidade -

remonta a períodos e ordenamentos distintos. O controle concentrado foi previsto

pela primeira vez pela Constituição austríaca de 1920, e foi adotado com

predominância por alguns países da Europa continental do ocidente, como Itália,

Alemanha e Espanha. O controle difuso reporta suas origens à Constituição dos

Estados Unidos da América havendo sido seguida pelas demais ex-colônias

britânicas (Canadá, Austrália e Índia) e pelos países sul-americanos (CAPELLETTI,

1984).

As notas características e distintivas de - e entre - ambas as formas

de controle de constitucionalidade concentrado e difuso estão intimamente

relacionadas ao procedimento previsto para cada um. Em linhas gerais, o controle

concentrado de constitucionalidade ataca a lei ou preceito normativo em tese, sem a

obrigatoriedade de sua referência a um caso concreto ou a demonstração efetiva de

prejuízo da parte legítima a sua propositura, devendo ser ajuizada a respectiva ação

diretamente perante o Supremo Tribunal Federal. O controle difuso de

constitucionalidade ataca a lei ou preceito normativo aplicada ao caso concreto,

devendo representar um prejuízo concreto ou iminente à parte legitimada para sua

propositura, podendo ser pleiteado já em sede de primeiro grau, quando o

magistrado se limitará a reconhecer a inconstitucionalidade, se for o caso,

competindo ao respectivo Tribunal de Justiça ad quem a declaração desta condição.

Eventual declaração de (in)constitucionalidade pelo meio concentrado tem efeito

vinculante e erga omnes, enquanto eventual declaração de (in)constitucionalidade

pelo meio difuso faz coisa julgada inter partes, competindo ao Senado, se assim

entender, em previsão desprovida de coercibilidade (art. 52, inciso X, da

Constituição Federal), suspender a execução do preceito normativo rechaçado pelo

Supremo Tribunal Federal.

3.5.2.1 Controle repressivo por via concentrada

Como já referido - e repetido - neste trabalho, o controle de

constitucionalidade judiciário concentrado foi definitivamente instituído como uma

realidade no ordenamento jurídico brasileiro com a edição da Emenda Constitucional

nº. 16, de 26 de novembro de 1965, que alterou o art. 101, inciso I, alínea “k”, da

Constituição Federal de 1946, sendo mantido, com algumas significativas alterações

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na atual Constituição em vigor, especialmente pela previsão da (i) Ação Direta de

Inconstitucionalidade por ação e por Omissão; (ii) Ação Declaratória de

Constitucionalidade; (iii) Ação de Argüição de Descumprimento de Preceito

Fundamental, que após sua regulamentação, decorrente da edição da Lei

9882/1999, passou a prever novas hipóteses de reconhecimento e declaração de

inconstitucionalidade.

Gilmar Ferreira Mendes (1999, p. 80), em relação às inovações

trazidas pela Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, quanto ao controle

concentrado de inconstitucionalidade, registrou que antes de sua promulgação:

O controle direito continuava a ser algo incidental e episódico dentro do sistema difuso. A Constituição de 1988 alterou, de maneira radical, essa situação, conferindo ênfase não mais ao sistema difuso ou incidente, mas ao modelo concentrado, uma vez que as questões constitucionais passam a ser veiculadas, fundamentalmente, mediante ação direta de inconstitucionalidade, perante o Supremo Tribunal Federal.

Entre as inúmeras inovações advindas da promulgação da

Constituição Federal de 1988, as quais serão todas abordadas individualmente nos

próximos tópicos, importa aqui destacar a referente à ampliação do rol dos

“legitimados” ativos para a propositura das ações, objetivando a análise da

(in)constitucionalidade de determinado preceito normativo.

Enquanto a Constituição de 1946, com a alteração decorrente da

Emenda Constitucional nº. 16/1965, previa exclusivamente como parte legítima para

ajuizar a ação objetivando a análise da (in)constitucionalidade de determinado

preceito normativo o Procurador-Geral da República, a Constituição em vigor, ao

longo do art. 103, prevê como parte legítima, além da indigitada autoridade pública -

Procurador-Geral da República – também: (i) o Presidente da República; (ii) a Mesa

do Senado Federal; (iii) a Mesa da Câmara dos Deputados; (iv) a Mesa de

Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (v) o

Governador de Estado ou do Distrito Federal; (vi) o Conselho Federal da Ordem dos

Advogados do Brasil; (vii) partido político com representação no Congresso

Nacional; (viii) confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, com

a ressalva, em relação a este último, aos Governadores dos Estados, ao

Governador do Distrito Federal e às Mesas da Assembléia, não poderem discutir

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matérias que lhes sejam estranhas, devendo, quando da propositura da ação,

demonstrarem o “interesse temático”4, sob pena de indeferimento da inicial.

No tópico anterior foram apresentados, de forma genérica, alguns

traços característicos do modelo concentrado de constitucionalidade, no ímpeto de

antecipadamente oferecer alguns critérios para distingui-lo do modelo difuso de

controle de constitucionalidade. Ocorre que, nada obstante o controle concentrado

de constitucionalidade (i) atacar uma norma em tese, (ii) estar submetido a

procedimento próprio – aí incluído a concentração de atos no controle concentrado

perante o Supremo Tribunal Federal - e (iii) os efeitos da sentença proferida pelo

controle concentrado se prestarem para distingui-lo do meio difuso, existem, além

dessas mencionadas características próprias, outras que merecem registro.

Como acentua Teori Albino Zavascki (2001, p. 42-45), o processo no

controle concentrado de constitucionalidade tem natureza objetiva, onde não figuram

partes, senão “entes legitimados para atuarem institucionalmente”, tendo como

finalidade tutelar a ordem jurídica independente de lesão concreta a bem jurídico

individualmente considerado. Busca invariavelmente a preservação do sistema de

direito.

Outras características do processo atinente ao controle concentrado

de constitucionalidade, ainda a partir de Teori Albino Zavascki (2001), com

supedâneo no posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal sobre tema5,

são: (i) não admitir assistência ou litisconsórcio, exceto entre os constitucionalmente

legitimados para a propositura da ação; (ii) não estar sujeito a prazo decadencial ou

prescricional; (iii) em atenção ao princípio iura novit curia (o Tribunal deve conhecer

os direitos), não estar o Supremo Tribunal Federal vinculado - enquanto delimitação

– aos fundamentos expendidos pela parte autora da ação; (iv) a obrigatoriedade do

preceito normativo objeto de submissão à apreciação pretoriana estar em vigor

4 O conceito de interesse temático será expendido no tópico 3.5.2.1.1., a seguir. 5 STF, ADIn 1.2544, Ministro Celso Mello, RTJ 170:801; STF ADIn 1.286, Ministro Ilmar Galvão; RTJ

164:895; STF, ADIn 807, Ministro Moreira Alves, RTJ 151:3; STF, Sumula 360; ADIn 1.247, Ministro Celso Mello, RTJ 168:754; STF, ADIn 259, Ministro Moreira Alves, RTJ 144:690; STF ADIn 1.896, Ministro Sydney Sanches, RTJ 169:926; STF, ADIn 709, Ministro Paulo Brossard, RTJ 154:401; STF ADIn 539, Ministro Moreira Alves, RTJ 152:739; STF ADIn 870, Ministro Moreira Alves; STF ADIn 871, Ministro Francisco Rezek; STF ADIn 898, Ministro Moreira Alves; STF ADIn 535, Ministro Nery; STF ADIn 943, Ministro Moreira Alves; STF ADIn 1203, Ministro Celso Melo; STF ADIn 1280, Ministro Moreira Alves; STF ADIn 534, Ministro Celso Melo; STF ADIn 1659, Ministro Moreira Alves; STF ADIn 293, Ministro Celso Melo; STF Representação 1016, Ministro Moreira Alves.

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quando do ajuizamento da ação, condição sine qua non se poderá cogitar interesse

de agir. Outra particularidade consiste em não ser atribuído ao autor da ação dela

desistir antes do pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal.

Como já referido, o controle concentrado de constitucionalidade

pode ser realizado através de três instrumentos constitucionalmente previstos: (i) a

Ação Direta de Inconstitucionalidade por Ação ou Omissão, que serão analisadas

separadamente; (ii) Ação Declaratória de Constitucionalidade, acrescida ao bojo da

Constituição a partir da Emenda Constitucional nº. 03, de 17 de março de 1993; (iii)

Ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que após sua

regulamentação por meio da lei 9882, de 3 de dezembro de 1999, passou a prever

hipótese de declaração de inconstitucionalidade.

Os dois primeiros instrumentos que se prestam a efetivar o controle

concentrado de (in)constitucionalidade, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por

Ação ou Omissão e a Ação Declaratória de Constitucionalidade, estão

regulamentados pela Lei 9868, de 10 de novembro de 1999, a qual será analisada,

em seus pontos pertinentes ao tema, no capítulo que se segue, principalmente no

tocante à natureza dúplice que emprega às ações, também aceita como “efeito

espelho”.

3.5.2.1.1 Ação direta de inconstitucionalidade

Como bem advertido por Lênio Luiz Streck (2002, p. 426), a Ação

Direta de Inconstitucionalidade, além de poder ocorrer frente a uma “ação” ou

“omissão” estatal - aqui posto como representatividade do Poder Público – pode,

igualmente, compreender outras duas modalidades, ainda mais abrangentes: (i)

Ação Direta de Inconstitucionalidade “genérica” e (ii) Ação Direta de

Inconstitucionalidade “interventiva”.

A distinção, entre ambas, consiste em que, na hipótese da primeira -

Ação Direta de Inconstitucionalidade “genérica”, o objetivo é o restabelecimento do

sistema jurídico, com a expulsão do ordenamento jurídico de preceito normativo

incompatível, formal ou materialmente, com os ditames constitucionais, ao passo

que na segunda hipótese - Ação Direta de Inconstitucionalidade “interventiva”, seu

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ajuizamento destina-se a viabilizar, em ternos legais, a intervenção da União nos

Estados Membros6.

Outra distinção entre ambas as modalidades de Ação Direta de

Inconstitucionalidade em comento decorre da legitimidade para a hipótese de Ação

Direta de Inconstitucionalidade Interventiva, a qual é do Procurador-Geral da

República, não alcançando todos aqueles elencados no art. 103 da Constituição

Federal.

Como aqui importa a análise da divergência jurisprudencial entre

decisões proferidas pelos controles concentrado e difuso de constitucionalidade,

para se proceder a verificação do cabimento, ou não, do ajuizamento de Ação

Rescisória por quem prejudicado pelo pronunciamento judicial contraditório, não

será abordada a Ação Direta de Inconstitucionalidade “interventiva”, limitando-se as

linhas que se seguem à análise da aqui chamada Ação Direta de

inconstitucionalidade “genérica”.

Nada obstante haver sido dedicada algumas linhas à distinção entre

a chamada Ação Direta de Inconstitucionalidade genérica e a Ação Direta de

Inconstitucionalidade Interventiva, com uma breve referência, no primeiro parágrafo

deste tópico, à divisão entre Ação Direta de Inconstitucionalidade por “ação” e Ação

Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, a distinção entre as duas últimas

modalidades referidas importa na necessidade de serem cada qual estudadas

separadamente. Assim, para efeito da compreensão deste tópico, aqui será

abordada exclusivamente a Ação Direta de Inconstitucionalidade por “ação”, a qual

será exprimida apenas como Ação Direta de Inconstitucionalidade. A Ação Direta de

Inconstitucionalidade por Omissão será abordada em tópico próprio, após a análise

que se segue a este, da Ação Declaratória de Constitucionalidade.

Traçadas as linhas diretrizes à compreensão deste tópico, o primeiro

ponto que merece destaque é aquele referente à legitimidade para propor a ação em

apreço, a qual, como já registrado, está prevista no art. 103 da Constituição Federal,

e é atribuída “concorrentemente” (i) ao Presidente da República, (ii) à Mesa do

Senado Federal, (iii) à Mesa da Câmara dos Deputados, (iv) ao Procurador-Geral da

República; (v) à Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do

6 Aqui importa reportar ao já referido princípio da simetria. Sempre que se falar em União/Estado,

deve-se ler também Estados/Municípios.

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Distrito Federal; (vi) ao Governador de Estado ou do Distrito Federal; (vii) ao

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; (viii) a partido político com

representação no Congresso Nacional; (ix) à confederação sindical ou entidade de

classe de âmbito nacional.

A relevância desta retomada da apreciação da legitimidade para o

ajuizamento de ações da natureza da ora em comento consiste em que, malgrado

se tratar de legitimidade teoricamente “concorrente”, em relação aos Governadores

dos Estados, ao Governador do Distrito federal, às Mesas da Assembléia e à

confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, o Supremo Tribunal

Federal consolidou o entendimento ser necessário, quando do ajuizamento de ação

visando a declaração de (in)constitucionalidade por esses legitimados, a

demonstração da “relação ou vínculo de pertinência temática”.

Essa chamada “relação ou vínculo de pertinência temática” exigida

pelo Supremo Tribunal Federal para efeito de apreciação do pedido, quando

formulado pelos legitimados referidos no parágrafo anterior - também chamados

“excepcionados” - consiste na obrigatoriedade de se elaborar a ação inicial com a

demonstração da “relação ou vínculo de pertinência” entre o conteúdo da norma

afrontada e o interesse concreto que representam.

Outro aspecto vital à compreensão da Ação Direta de

Inconstitucionalidade - que também vale para a Ação Declaratória de

Constitucionalidade, à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, à Ação de

Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental e ao controle difuso - é o

detalhamento de quais preceitos normativos estão sujeitos a questionamento

perante o Supremo Tribunal Federal – ou dos magistrados no caso do exercício do

controle difuso - através do controle de constitucionalidade.

Sem despenderem maiores discussões, todos os atos normativos,

ou seja, todos os atos dotados de sentido material, editados após a promulgação da

Constituição Federal em vigor, em data de 05 de outubro de 1988, podem ser

submetidos a apreciação do Supremo Tribunal Federal – ou dos magistrados no

caso do controle difuso, deixando margem a dúvidas os atos normativos editados

antes de 1988. Instado a se pronunciar, o Supremo Tribunal Federal, já no ano de

1992, quando do julgamento da ADIn nº. 2, pronunciou-se pelo não cabimento do

controle de constitucionalidade quando o questionamento recair sobre preceito

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normativo anterior à promulgação da Constituição em vigor, em decisão que vem

sendo reiteradamente aplicada7, o fazendo nos seguintes termos, verbis:

EMENTA: CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE. REVOGAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. 2. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária. 3. Ação direta de que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido.

Realmente, não se há que falar em inconstitucionalidade de preceito

normativo inconstitucional editado em data anterior ao da promulgação da

Constituição Federal, na medida em que, em se tratando de preceito normativo não

amoldado aos ditames constitucionais, o que ocorre, in caso, é sua não receptação.

Ainda em relação aos preceitos normativos passíveis de controle de

constitucionalidade concentrado, importa destacar que não é necessário que se

aguarde o início de sua vigência para que se instaure o competente processo

perante o Supremo Tribunal Federal, o qual pode ser ajuizado por parte legitimada

para tanto desde sua promulgação e publicação, independente da vacatio legis.

Em relação ao procedimento, as Ações Diretas de

Inconstitucionalidade - assim como os demais instrumentos para o exercício do

controle concentrado de constitucionalidade – apresentam rito próprio, uma vez que

dispensam lides, tratando-se de forma de controle do próprio ordenamento jurídico,

versado exclusivamente sobre aspectos formais e materiais do preceito normativo

atacado. As demais peculiaridades foram anteriormente expendidas.

Finalmente, em relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade, ela

comporta pedido de concessão de liminar, o qual, para sua apreciação, exige o

pronunciamento da maioria absoluta dos ministros, a exemplo do que ocorre quando

7 STF: ADIn 2347, Ilmar Galvão, ADIn 121 – AgR, Marco Aurélio, ADIn 518, Sepúlveda Pertence,

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da análise do mérito da ação. Acaso o relator entenda necessário, poderá ouvir o

Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República antes da apreciação

do pedido. Em se tratando da análise do mérito da ADIn sob apreciação, o quorum

será o mesmo, de no mínimo oito ministros, dependendo de maioria absoluta, e a

oitiva do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República será

obrigatória (STRECK, 2002, p. 428).

Aqui, ao se falar do cabimento de cautelar em Ação Direta de

Inconstitucionalidade, imprescindível uma antecipação do que será dito no capítulo

subseqüente, quando da análise do art. 27 da Lei 9868, de 10 de novembro de

1999. Isso a teor do disposto no art. 11, §1º, da indigitada lei.

Com efeito, além do que será sustentado a seguir, no próximo

capítulo, quando da abordagem do art. 27 da Lei 9868/1999, serão considerados,

para efeito de compreensão, valoração de legalidade e do alcance do mencionado

dispositivo, premissas de ordem filosófica, prematuras nesse capítulo, as quais,

contudo, mutatis mutandis, devem ser consideradas, quando de sua leitura,

complementação desta passagem.

No tocante à concessão de liminar, reza o referido art. 11, §1º, da

Lei 9868/1999, que a decisão terá efeito erga omnes e ex nunc, salvo se o Supremo

Tribunal Federal - exemplo do que disposto no art. 27 da mesma lei, em relação ao

mérito, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, decidir diferentemente,

concedendo efeito ex tunc. Isso equivale a dizer que, excepcionalmente, o Supremo

Tribunal Federal poderá, em sede de concessão de liminar, declarar suspenso os

efeitos de determinado preceito normativo desde sua edição, como se ele jamais

tivesse existido. Frise-se: essa “denotação”, como extensão de conceito, voltará a

ser apreciada no próximo capítulo.

Em havendo ou não decisão pelo retrocesso da inaplicabilidade do

preceito normativo submetido à apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, na

hipótese de concedido o pedido liminar, o preceito normativo anteriormente

revogado por este, acaso existente, voltará a ser aplicável, ou seja, ocorrerá efeito

represtinatório, salvo se existir expressa disposição em contrário do próprio Pretório

Excelso – art. 11, §2º, Lei 9868/1999.

ADIn 7, Celso de Mello.

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Contra a decisão pela procedência ou improcedência do pedido de

declaração de inconstitucionalidade de determinado preceito normativo, elaborado

para apreciação através do controle concentrado de constitucionalidade, não existe

a previsão legal de qualquer recurso cabível.

O julgamento, com a decisão pela declaração da

inconstitucionalidade pode ser parcial.

Finalmente, a decisão pela improcedência do pedido de mérito gera

o imediato efeito contrário, ou seja, acaso julgado improcedente pedido de

declaração de inconstitucionalidade, a decisão deve ser interpretada como

declaratória de constitucionalidade do dispositivo, como discorrido no próximo

capítulo. Esse chamado efeito reflexo ou efeito espelho não se aplica em relação ao

deferimento ou indeferimento de pedidos liminares (KAIMEN, 2006).

3.5.2.1.2 Ação declaratória de constitucionalidade

Suscetível de análises paralelas, a Ação Declaratória de

Constitucionalidade e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por “ação” atualmente

podem ser consideradas ambivalentes, principalmente após a edição da Emenda

Constitucional nº. 45/2004, que identificou a legitimidade ativa para ambas,

anteriormente distinta, afastando a polêmica que assombrava a doutrina pátria,

como bem ilustra esse trecho extraído de trabalho desenvolvido por Rogério Cruze

Tucci (2002, p. 149):

[...] a restrição imposta pela Emenda nº. 3 à legitimação ad causam exsurge como inegável cerceamento ao acesso à Justiça. Tal aspecto, com efeito, constitui um verdadeiro retrocesso à socialização da legitimação para agir que plasma todo o texto da Constituição de 1988. E, por outro lado, afronta, a toda evidência, o regramento da igualdade de todos perante a lei, ou da isonomia, insculpida no art. 5º, I da Constituição Federal, e dirigida, indistintamente, a todos os poderes do Estado.

Havendo sido instituída no ordenamento jurídico pátrio a partir da

Emenda Constitucional nº. 3, de 17 de março de 1993, que alterou a alínea “a”, do

inciso I, do art. 102 da Constituição Federal, a Ação Declaratória de

Constitucionalidade atualmente se encaixa nos moldes descritos acerca da Ação

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Direta de Inconstitucionalidade, no tópico anterior, não existindo nenhuma diferença

de ordem prática que enseje distinção.

Justamente essa constatação permite a verificação “genérica” não

recair o já referido efeito reflexo quando da negativa ou concessão de pedido liminar,

elaborado no bojo de ação ajuizada para efeito de controle de constitucionalidade.

Antes, porém, de se examinar a proposta, importa registrar que a

Ação Declaratória de Constitucionalidade foi constitucionalmente instituída visando

coibir a exacerbação do número de processos submetidos a apreciação pelo

Supremo Tribunal Federal. Estes ajuizados com pedidos de declaração de

inconstitucionalidade pelo meio difuso - o descongestionando, limitando sua atuação

àquilo que efetivamente for necessário, o que serve para contribuir no sentido da

uniformização jurisprudencial, com a diminuição do número de decisões

contraditórias, propiciando um campo mais próspero para o desenvolvimento

harmônico, em respeito ao princípio da segurança jurídica, que definitivamente é

imprescindível ao próprio desenvolvimento social.

Tecido esse esclarecimento, retomando a proposta assumida dois

parágrafos acima, em se tratando de ações idênticas - a Ação Declaratória de

Constitucionalidade e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por “ação”, de efeitos

positivos e negativos opostos, porém contraditórios idênticos - sempre tendo em

consideração ser o “efeito” aqui referido a decisão de mérito proferida pela

procedência ou improcedência do pedido, eventual negativa quanto ao pedido

liminar pleiteado em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade, equivaleria à

aberração de indiretamente haver sido suspensa a constitucionalidade do preceito

normativo, objeto de discussão.

Dessa maneira, considerando que o propósito da Ação Declaratória

de Constitucionalidade, por sua própria “razão de ser”, é justamente o contrário, o de

contribuir à efetiva viabilização do princípio da segurança jurídica, em se admitindo a

hipótese do efeito reflexo quando da negativa de pedido liminar formulado em seu

bojo - que fatalmente poderia ocorrer, não seria crível a previsão do pedido cautelar

formulado em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade.

Note-se que aqui se referiu a “verificação genérica” não recair o já

referido efeito reflexo quando da negativa da concessão de pedido liminar elaborado

no bojo de ação ajuizada para efeito de controle de constitucionalidade, e não

“específica”, a qual toca, linhas gerais, a questão de eventual pedido liminar poder

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ser indeferido por questões independentes do próprio aspecto formal da elaboração

da norma e de seu conteúdo.

Sob outro aspecto, independente de haver ou não sido alterado o

projeto inicial, o que se verifica consiste na atual conjuntura constitucional - e

legalmente estatuído - permitir sejam atingidas as finalidades de sua (Ação

Declaratória de Constitucionalidade) edição. O que, contudo, deve ser atentado, é

quanto ao modo de sua utilização, principalmente pela administração pública, a fim

de se evitar que, através de “negociações” intra-Poderes, sejam tolhidos direitos e

garantias individuais. Em não se crendo que a Ação Declaratória tenha o condão de

efetivar a segurança jurídica, e igualmente deverá ser rechaçada a Ação Direta de

Inconstitucionalidade, que como dito, na atual conjectura jurisdicional, ocupa

patamar idêntico a ela (Ação Declaratória de Constitucionalidade), sendo ambas

submetidas a idêntico procedimento.

Frise-se que as características e peculiaridades já descritas quanto à

Ação Direta de Inconstitucionalidade igualmente se aplicam à Ação Declaratória de

Constitucionalidade. Após o advento da Emenda Constitucional nº. 45/2004, não se

há cogitar mais diferenças significativas que justifiquem o enaltecimento de uma, em

detrimento na outra.

3.5.2.1.3 Ação direta de inconstitucionalidade por omissão

Com efeito, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão é

tratada neste estudo exclusivamente a fim de possibilitar uma visão globalizada do

controle de constitucionalidade, não tocando diretamente ao tema, visto que, no

caso concreto, jamais ensejará decisões controvertidas que darão causa ao

ajuizamento, ou não, de Ação Rescisória por parte legítima prejudicada.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão juntamente com

o “sofistico” Mandado de Injunção foram instituídas como forma de suprimir a inércia

do Poder Público, em realizar os direitos e garantias fundamentais insculpidas no

bojo da Constituição Federal de 1988.

Prevista no art. 103, §2º, da Constituição Federal em vigor, a Ação

Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, a exemplo do que ocorre quanto aos

demais instrumentos do controle concentrado de constitucionalidade, é voltada à

defesa do próprio sistema jurídico, tendo como finalidade suprimir eventual omissão

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do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário, em prejuízo dos

“súditos” do Estado. Daí a opção, linhas acima, de se fazer referência ao “Poder

Público”. Como se verifica da própria redação do indigitado §2º8, aí não existe

referência exclusiva a omissão legislativa.

Para efeito do cabimento do ajuizamento da ação em comento, é

necessário que a omissão seja corroborada por uma lacuna temporal que ultrapasse

o habitualmente vivido pelo poder, órgão ou autoridade atacada para a tramitação

normal de seus trabalhos. Do contrário, a falta de sua demonstração poderá ensejar

a improcedência do pedido, por se tratar a omissão alegada de “lacuna técnica”.

Como preleciona Sálvio de Figueiredo Teixeira (1993, p. 354), só

tem lugar o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

quando a omissão recair sobre uma “ordem”, como determinação indeclinável, da

Constituição dirigida à administração pública – entendida enquanto a plenitude das

funções do Estado -, não sendo admitida quando vinculada a um simples dever

geral, normalmente prevista enquanto norma de natureza programática.

Sobre esse aspecto – ou requisito – referido no parágrafo anterior,

Alexandre de Moraes (2005, p. 686) esclarece que:

As hipóteses de ajuizamento da presente ação não decorrem de qualquer espécie de omissão do Poder Público, mas em relação às normas constitucionais de eficácia limitada, de princípio institutivo e de caráter impositivo, em que a constituição investe o Legislador na obrigação de expedir comandos normativos. Além disso, as normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade, por dependerem de atuação normativa ulterior para garantir sua aplicabilidade.

Note-se aqui que o doutrinador referido procedeu a um corte não

previsto na Constituição ao se referir exclusivamente ao “Legislador”. Com efeito - e

como dito anteriormente, a omissão pode recair sob qualquer órgão ou autoridade

do Poder Público.

Constitucionalmente prevista, imbuída da tarefa de socorrer os

“súditos” do Estado contra as imperfeições decorrentes do “não” agir do Poder

Público, consubstanciadas na prolongada inércia em não preencher as lacunas da

8 § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma

constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

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lei, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão pode ser total ou absoluta,

bem como relativa ou parcial. Em qualquer das hipóteses tem lugar o controle de

constitucionalidade concentrado através da Ação Direta de Inconstitucionalidade por

Omissão.

Em relação à legitimidade para proporem a Ação Direta de

Inconstitucionalidade por Omissão, podem ajuizá-la os mesmos legitimados para

fazê-lo na Ação Direta de Inconstitucionalidade por “ação” e na Ação Declaratória de

Constitucionalidade, enumerados no art. 103 da Constituição Federal.

O procedimento empregado quanto à Ação Direta de

Inconstitucionalidade por Omissão é o mesmo empregado em relação à Ação Direta

de Inconstitucionalidade por “ação”, divergindo, porém, na circunstância de não

comportar pedido liminar, e quanto aos efeitos da sentença.

Como eventual sentença proferida no bojo de Ação Direta de

Inconstitucionalidade, por “ação” irá retirar ou confirmar determinado preceito

normativo do - e no - ordenamento jurídico pátrio. A decisão a ser proferida em sede

de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão visa exclusivamente “alertar” o

Poder Público quanto à omissão que vem praticando e, nada obstante existir a

previsão do prazo de 30 (trinta) dias para a supressão da inconstitucionalidade,

trata-se de decisão desprovida de coercibilidade, servindo exclusivamente para

assegurar futura responsabilização do Estado.

Diante do atual contexto interpretativo do instrumento da Ação Direta

de Inconstitucionalidade por Omissão, Clémerson Cléve (1995, p. 237) apresenta a

solução que entende mais acertada:

Assim, a decisão judicial, sobre dar ciência ao poder omisso para providenciar o suprimento da omissão, poderia: (i) permitir a aplicação direta, pelos juízes e tribunais, e desde que contando com normatividade suficiente para isso, do dispositivo constitucional demandante de complementação; (ii) afastar os riscos jurídicos causados pela falta da norma regulamentadora; (iii) autorizar a deflagração de mecanismos políticos de suprimento da omissão inconstitucional.

Com razão, acaso não seja efetivamente acolhida uma interpretação

mais eficiente para o §2º do art. 103 da Constituição Federal, e a Ação Direta de

Inconstitucionalidade por Omissão redundará em um instrumento nas mãos do

Estado que o utilizará como pretexto, durante seu processamento, para não atender

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aos ditames constitucionais em proveito dos cidadãos, especialmente os direitos e

garantias individuais, que, nos termos do §1º do art. 5º, “deveriam” ser de aplicação

imediata.

3.5.2.1.4 Argüição de descumprimento de preceito fundamental

Disciplinada pela Lei 9882, de 3 de dezembro de 1999, a Argüição

de Descumprimento de Preceito Fundamental prevista no §1º, do art. 102, da

Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº. 3, de 17 de

março de 1993, tem por escopo questionar preceitos normativos não acobertados

pelos demais instrumentos aptos a viabilizar o controle concentrado de

constitucionalidade, com a ressalva preconizada pelo Ministro Celso de Mello (STF:

ADPF n.17) verbis:

[...] a mera possibilidade de utilização de outros meios processuais, no entanto, não basta, só por si, para justificar a inovação do princípio em questão, pois, para que esse postulado possa legitimamente incidir, revelar-se-á essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se aptos a sanar, de modo eficaz e real, a situação de neutralidade que se busca neutralizar com o ajuizamento da ação constitucional de descumprimento de preceito fundamental.

Nos termos do art. 1º da Lei 9882/1999, a hipótese

constitucionalmente prevista, como fundamento da Ação de Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental, foi confirmada, tendo lugar sua

propositura, sempre que houver lesão ou risco de lesão a preceito fundamental

decorrente de ato do Poder Público.

Ocorre que, ao longo do mesmo art. 1º da Lei 9882/1999,

especificamente no parágrafo único, entendeu por bem o legislador em também

estatuir uma nova hipótese de ajuizamento da Ação de Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental, em face também de atos normativos

municipais, quando relevante o fundamento da controvérsia. Ao assim preconizar -

em se tratando a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental de

instrumento de controle concentrado de constitucionalidade, a exemplo da Ação

Direta de Inconstitucionalidade por “ação” e da Ação Declaratória de

Constitucionalidade - o legislador editou uma norma inconstitucional, além de atribuir

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reflexamente discricionariedade ao Supremo Tribunal Federal, que poderá decidir ao

seu talante o significado da expressão normativa “relevante” constante da redação

do dispositivo em apreço.

Não se diga que a expressão “preceito normativo” por si já era

bastante a atribuir a refutada discricionariedade ao Supremo Tribunal Federal, na

medida em que, a par de posições contrárias (SILVA, 2000, p. 530), a mais

adequada compreensão de preceito fundamental seria apenas aqueles previstos no

Título I, arts. 1º a 4º, da Constituição Federal.

Tanto é assim que o parágrafo único assegurou seu (Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental) ajuizamento genérico contra lei ou ato

normativo federal, estadual e municipal, inclusive os anteriores à Constituição. Não

fosse esse o melhor entendimento e não se justificaria a previsão dessa passagem,

salvo para instituir a inconstitucionalidade anteriormente mencionada.

O procedimento previsto para Ação de Argüição de Descumprimento

de Preceito Fundamental é o mesmo previsto para a Ação Direta de

Inconstitucionalidade por “ação”, comportando pedido liminar.

Assim, como ocorre em relação à Ação Direta de

Inconstitucionalidade por “ação” e à Ação Declaratória de Constitucionalidade, a

decisão de mérito proferida quando da apreciação de pedido formulado em sede de

Ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental terá em regra efeito

ex tunc, podendo, por maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal

(art. 97, Constituição Federal), ter mitigado esse efeito, que pode ser determinada na

decisão, inclusive atingindo efeito ex nunc.

No tocante aos requisitos da petição inicial, Celso Ribeiro Bastos

(1999, p. 415) ensina que:

A petição inicial deverá conter: a) a indicação do preceito fundamental que se considera violado; b) a indicação do ato questionado; c) a prova da violação do preceito fundamental; d) o pedido com sus especificações; e) se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado (1999, p. 415).

Ainda com Celso Ribeiro Bastos (1999, p. 416), ao final, julgado o

mérito, a decisão será publicada, e, em sendo julgado procedente o pedido, constará

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da sentença a descrição das condições e do modo de interpretação e aplicação do

preceito desrespeitado.

3.5.2.2 Controle repressivo por via difusa

O controle de constitucionalidade por via difusa, de exceção, de

defesa ou in concreto, tem por objeto garantir a aplicação dos direitos

constitucionalmente garantidos, dependentes ou não de regulamentação

infraconstitucional, podendo atacar qualquer espécie de ato normativo, inclusive

aqueles emanados do Poder Executivo ou Judiciário. E instrumento para o último,

entre outros, a Ação Rescisória que se discute o cabimento neste trabalho.

Em versando o controle difuso de constitucionalidade

invariavelmente sobre questão de ordem pública, pode ser suscitado tanto pelas

partes, pelo Ministério Público, quanto pelo magistrado de ofício. Deve

obrigatoriamente estar vinculado ao objeto da lide, tratando-se, por conseguinte, de

verdadeira questão prejudicial à análise de mérito.

O pedido de declaração de inconstitucionalidade pelo meio difuso de

determinado preceito normativo deve estar relacionado ao objeto da lide, devendo

ser apreciado antes da análise do mérito em discussão, com ele não se

confundindo, diferentemente do que ocorre no controle concentrado de

constitucionalidade.

O art. 481 do Código de Processo Civil prevê que, em havendo

pronunciamento do Órgão Especial do Tribunal a que foi submetida a questão, seus

membros não mais a (questão) discutirão, aplicando a decisão anteriormente

prolatada ao caso objeto de apreciação.

O referido dispositivo, contudo, não pode ser admitido como

constitucional, considerando que equivaleria a usurpação de atribuição exclusiva do

Supremo Tribunal Federal, nada obstante a decisão ainda vir a ser submetida a sua

apreciação através de Recurso Extraordinário ou Habeas Corpus.

Nessa linha de análise, essa previsão de efeito erga omnes

territorial, decorrente de apreciação de pedido de declaração de

inconstitucionalidade pelo meio incidental, é incompatível com a sistemática

constitucional, que expressamente distingue entre o critério concentrado e difuso de

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controle de constitucionalidade, somente admitindo efeito vinculante na hipótese da

primeira manifestação, ou seja, quando refutada norma em tese.

Quanto ao procedimento, pedido de reconhecimento e declaração

de inconstitucionalidade de determinado preceito normativo, pela via de exceção,

deve ser elaborado, preliminarmente, tanto em sede de ação inicial, quanto em sede

de defesa, competindo ao juiz, acaso acolha os fundamentos empregados pela parte

interessada, apenas deixar de aplicar a norma ao caso concreto, sendo atribuição do

Tribunal ad quem a respectiva declaração pleiteada.

Igualmente, por ocasião do recurso de apelação, a parte que se

sentir prejudicada pela decisão do juiz deverá explanar seus fundamentos em sede

de preliminar, uma vez que a análise do mérito depende da anterior análise da

questão, que, como dito, trata-se de questão prejudicial.

Após o pronunciamento do Tribunal competente sobre a questão da

inconstitucionalidade do preceito normativo que lhe é submetido, o recurso

competente é o Extraordinário, previsto constitucionalmente no art. 102, inciso III,

para o qual será procedido juízo de admissibilidade pelo próprio Tribunal recorrido.

No caso de negado seguimento ao recurso, compete à parte interpor Agravo de

Instrumento, o qual será apreciado pelo Supremo Tribunal Federal. Em se tratando

de matéria penal, considerando ser eventual inconstitucionalidade questão de ordem

pública, é admitida a substituição do Recurso Extraordinário pelo Habeas Corpus,

desde que atendidos os demais requisitos exigidos para o conhecimento desse

remédio constitucional.

Uma vez declarada a inconstitucionalidade de determinado preceito

normativo pelo Supremo Tribunal Federal pelo meio difuso de controle de

constitucionalidade, a decisão surtirá efeito inter partes, devendo ser a decisão

encaminhada para o Senado Federal (art. 178 do Regimento Interno do Supremo

Tribunal Federal) que deverá, se assim entender, suspender no todo ou em parte a

execução da norma. Em respeito ao princípio da tripartição dos poderes, o Senado

Federal não está compelido a agir nos moldes previstos no inciso X do art. 52 da

Constituição Federal. Acaso o Senado entenda por suspender a execução da

norma, essa decisão terá invariavelmente efeito ex nunc.

Especificamente no tocante a esse efeito da declaração incidental de

inconstitucionalidade – a comunicação ao Senado, é bastante ilustrativo do evoluir

da interpretação e aplicação dessa imposição o posicionamento adotado por Carlos

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Alberto Lúcio Bittencourt (1949, p. 145-146), ainda na década de 40 do século

passado, quando ele assim se pronunciou: Se o Senado não agir, nem por isso ficará afetada a decisão, a qual continuará a produzir todos os seus efeitos regulares, que, de fato, independem da colaboração de qualquer dos poderes. (...) Dizer que o Senado “suspende a execução” da lei inconstitucional é, positivamente, impropriedade técnica, uma vez que o ato, sendo “inexistente” ou “ineficaz”, não pode ter suspensa a sua execução.

Como se verifica, a interpretação atual e anteriormente referida, do dever de

informar ao Senado por imposição regimental e constitucional, sempre que

declarada incidentalmente a inconstitucionalidade de determinando preceito

normativo, nem sempre foi admitida nos moldes atuais aqui descritos.

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4 AÇÃO RESCISÓRIA FRENTE À DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL ENTRE DECISÕES PROLATADAS PELOS MEIOS CONCENTRADO E DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

4.1 Os Preceitos Constitucionalistas sob o Enfoque das Teorias Procedimentalista e Substancialista da Constituição Federal

De cunho notadamente filosófico, a dicotomia “procedimentalismo”

vs. “substancialismo” está enraizada na noção de igualdade, de Estado Democrático

de Direito e das nuances decorrentes das novas perspectivas que o segundo

possibilitou ao entendimento do primeiro. Tratam-se (procedimentalismo e

substancialismo) de construções filosóficas voltadas à satisfação do primado da

plenitude pessoal e social no contexto do Estado Democrático de Direito, e, em

respeito ao tema proposto, sua análise, neste trabalho, está principalmente voltada

ao contexto constitucional desse modelo de organização estatal e aos ditames que

ostenta.

Por se tratarem de construções filosóficas (procedimentalismo e

substancialismo), considerando ter a presente pesquisa cunho científico, desde já se

adverte que as linhas que se seguem se limitam a descrever ambos os enfoques

sem a preocupação em questionar ou enfrentar a validade ou autenticidade das

conclusões apresentadas. Elas serão postos justamente como “conclusões”, sem os

pormenores que eventual trabalho, exclusivamente dedicado ao procedimentalismo

e ao substancialismo, certamente deveria se ater. É útil também destacar que o

corte, em respeito ao tema, impõe como limite a ordem normativa.

Sob a ótica da interpretação procedimentalista da Constituição de

um país no contexto de um Estado Democrático de Direito, a coluna de sustentação

consiste na preocupação com a legitimidade do próprio direito, existindo oposição

cabal ao reconhecimento da igualdade dos “súditos” na simples realização objetiva

dos direitos e garantias constitucionalmente previstas, sem a preocupação de

garantir, ao mesmo tempo, a participação direta de todos na própria elaboração da

norma.

A exigência dessa previsão e garantia constitucional da direta

participação dos súditos do Estado, na elaboração das normas jurídicas a que são

submetidos, como premissa de legitimidade do próprio direito, decorre do fato das

normas e procedimentos jurídicos estarem vinculados a critérios legalmente

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estatuídos. Logo, se os súditos não participam dessa elaboração legislativa, o

atendimento aos mandamentos jamais será legítimo, reportando eventual submissão

aos moldes adotados até a Reforma Protestante, quando a obediência decorria de

imposição natural, da conformidade devida ao comportamento do líder.

Outro fundamento vital a justificar uma interpretação

procedimentalista da Constituição Federal, no Estado Democrático de Direito,

consiste em que, se a legitimidade depende da própria participação na elaboração

da norma, somente essa efetiva participação permitiria eventual alteração

contextual. Ou seja, a criação de novos direitos permitiria a realização da igualdade,

que, sob a égide de um tratamento de igual oportunidade para todos, simplesmente

por estarem previstos os direitos e garantias fundamentais, revistir-se-iam, em

verdade, em uma estagnação frente ao próprio quadro capitalista que inviabiliza

materialmente sua (igualdade) realização. Nessa conjectura, a partir de uma

interpretação procedimentalista da Constituição Federal, o que existe é uma

transferência para a esfera da autonomia do interlocutor – do súdito – a

concretização dos ideais pessoais e sociais constitucionalmente preconizados, não

dependendo o súdito de uma distribuição de direitos ou benefícios pelo Estado.

Jürgem Habermas (1996, p. 352-359), a respeito do tema, sustenta

que o modelo procedimentalista de interpretação da Constituição Federal permitiria

aos súditos do Estado o efetivo controle do Poder Político, com uma participação

direta no Estado Democrático de Direito, e, com isso, na realização dos interesses

pessoais e sociais de forma satisfatória. Acaso não exista essa participação direta,

do contrário, a referida mera distribuição de direitos e benefícios pelo Estado, com a

conformação dos súditos, e a igualdade e a legitimidade jamais de realizariam.

Ainda com supedâneo nos ensinamentos oferecidos por

(HABERMAS, 1996b, p. 99), clarificando o sentido da interpretação

procedimentalista de uma Constituição em um Estado Democrático de Direito, ganha

entonação sua resposta quando questionado sobre o papel da Corte Suprema neste

modelo, verbis:

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[...] entender a si mesma como protetora de um processo legislativo democrático, isto é, como protetora de um processo de criação democrática do direito, e não como guardiã de uma suposta ordem suprapositiva de valores substanciais. A função da Corte é velar para que se respeitem os procedimentos democráticos para uma formação de opinião e de vontade política de tipo inclusivo, ou seja, em que todos possam intervir, sem assumir ela mesma o papel de legislador político. (tradução nossa).

Finalmente, o fundamento maior da interpretação procedimentalista

consiste em que a igualdade, frente a variedade de culturas e perspectivas ideais

em determinado Estado, jamais será obtida a partir de uma imposição igualitária

como pretende eventual interpretação substancialista, visto que, nessa hipótese, não

existirá igualdade, pela inevitável ofensa à identidade coletiva e forma cultural

individualizada de vida. Ao contrário dessa perspectiva, uma interpretação

procedimentalista permite a realização do indivíduo no contexto social e cultural em

que vive. Corroborando essas palavras, ainda em (HABERMAS, 1996a p. 130-132):

As garantias do direito só são eficazes se cada indivíduo, dentro de seu próprio ambiente cultural, tem a possibilidade de regenerar essa força. E isto ocorre não apenas da delimitação frente ao estranho, mas do intercâmbio com ele. (tradução nossa).

Do pouco trilhado até aqui, onde, como dito, não existe a

preocupação em se aprofundar o tema, porque tangente ao estudo proposto, o

procedimentalismo, em linhas gerais, significa um modelo de interpretação que, em

respeito à diferenças culturais, flagrantes nas sociedades modernas, afasta a

imposição de direitos e garantias genéricas em respeito mesmo à igualdade,

sustentando que, em respeito, também, à legitimidade do direito, deve se ater o

trabalho de interpretação à garantia da participação dos súditos do Estado na

elaboração mesma das normas.

Isso significa que - especificamente no tocante ao tema proposto

neste trabalho, quando se marcar um tópico – um corte de análise, de aqui por

diante, como procedido sob o enfoque procedimentalista, estar-se-á afastando, por

completo, a idéia de realização de justiça a todo custo, de realização de justiça a

partir da aplicação direta de princípios ou normas constitucionais materiais, a qual

poderia, de alguma forma, interferir na própria elaboração da sentença, admitida

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como norma individual e concreta, delimitando a análise aos moldes procedimentais

previstos genericamente. 9

No tocante à ótica substancialista, esta consiste na idéia que esse

modelo permite um tratamento justo para todos. Ronald Dworkin (1997, p. 340),

representante dessa corrente, sustenta que “a vida de uma pessoa individual e a de

sua comunidade, são integrantes e o êxito de cada vida individual é um aspecto do

bem da comunidade como um todo e dela depende”.

A corrente substancialista pretende justificar o acerto nesse modelo

de interpretação, ainda, com base em outros fundamentos, como seriam exemplos

valores comunitários ou garantias individuais Porém, aqui, o tema não será

aprofundado à análise indistinta de ambos, tendo em vista que exigiria um estudo

concomitante das perspectivas liberal e comunitária de democracia, fugindo

demasiadamente do tema.

O que importa registrar, quanto ao enfoque substancialista de

interpretação constitucional, é que os direitos e garantias sociais e individuais,

constitucionalmente previstos, representam, como princípios ou normas, nesta

perspectiva, os valores e fundamentos da comunidade a que é dirigida, devendo, por

conseguinte, serem aplicados sempre que outra norma infraconstitucional não bastar

à obtenção da justiça. Daí porque, abaixo, quando da análise da constitucionalidade

do art. 27 da Lei 9868/1999, haverá referência preambular ao enfoque

substancialista, antecipando-se desde já que a única possibilidade para seu

(constitucionalidade) reconhecimento é a aplicação direta dos princípios e normas

constitucionais.

4.2 Ação Rescisória frente à Divergência Jurisprudencial entre Decisões Prolatadas pelos Meios Concentrado e Difuso de Constitucionalidade sob a Ótica Procedimentalista – Sentença Nula e Sentença Inexistente

9 Obviamente aqui não se está pretendendo a identificação de procedimento com procedimentalismo.

Como sustentando até aqui, o último versa sob aspecto filosófico, ao passo que o primeiro, como costurado no texto, apenas deve ser compreendido como uma forma de realização e legitimação do próprio direito. O que se pretende com a referência ao limite de análise no próprio procedimento é afirmar a linha filosófica empregada quando de sua apresentação.

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80

Como sublinhado no tópico anterior, os preceitos constantes da

Constituição Federal, ou a própria Constituição, o papel que desempenham no

quadro jurídico-político-social, podem ser encarados – aplicados – sob uma dupla

perspectiva: uma dita substancialista, seguida no Brasil por autores como Paulo

Bonavides e Eros Grau, outra dita procedimentalista, encabeçada, como

demonstrada, por Jürgen Habermas.

Em linhas gerais, a primeira corrente, dita substancialista, pode ser

identificada como sendo aquela que sustenta competir aos preceitos constitucionais

– à própria Constituição – interferirem decisiva e diretamente nas opções jurídico-

políticas, impondo seu respeito e sua imediata aplicação como um conjunto de

valores consensuais e imprescindíveis, decorrentes do contrato social (STRECK,

2002).

Já a corrente procedimentalista, apesar de não ser absolutamente

antagônica à corrente substancialista, como também referido anteriormente, por sua

vez, defende servir os preceitos constitucionais ou a própria Constituição apenas

como diretrizes a garantirem a efetiva participação individual - coletivamente - no

Estado Democrático de Direito, reportando a definição do sentido de cada um dos

valores ali estatuídos a um dado momento histórico identificável mediante o

pronunciamento da maioria.

Nessa conjectura, está o porquê da opção em se dividir a análise do

cabimento da Ação Rescisória frente à divergência jurisprudencial entre decisões

prolatadas pelos meios concentrado e difuso de constitucionalidade em tópicos

especificados, como: “sob a ótica procedimentalista e sob a ótica substancialista”.

Como se verá adiante, sob a ótica substancialista, a análise do

cabimento da Ação Rescisória, na perspectiva desse trabalho, afasta-se da análise

infraconstitucional, indo buscar suas matizes na possibilidade de se atribuir, ou não,

prerrogativas políticas ao Supremo Tribunal Federal, relegando a questão sob o foco

processual para um segundo instante, obviamente sem deixar, contudo, de dedicar

sua devida apreciação.

A indigitada opção não significa, como pode transparecer, que por

ocasião desse tópico e do tópico que se segue - ação rescisória frente à divergência

jurisprudencial entre decisões prolatadas pelos meios concentrado e difuso de

constitucionalidade sob a ótica procedimentalista – coisa julgada e segurança

jurídica - serão desconsiderados os preceitos constitucionais atinentes ao tema. Do

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81

contrário, eles serão analisados, com a ressalva que o serão sob a ótica

procedimentalista.

Acaso fosse realizada a análise do cabimento da Ação Rescisória

frente à divergência jurisprudencial entre decisões prolatadas pelos meios

concentrado e difuso de constitucionalidade apenas sob um ou outro enfoque –

“procedimentalista” ou “substancialista” – e, invariavelmente, qualquer que fosse a

opção adotada, o estudo restaria indevida e injustificadamente limitado, amputado

da grandeza que lhe é peculiar.

Nessa perspectiva, a título de esclarecimento, especialmente no

próximo tópico, quando se abordar o tema em confronto com os institutos da coisa

julgada e da segurança jurídica, a análise será realizada também sob a ótica

procedimentalista, ou seja, admitindo e empregando os referidos direitos

constitucionais pétreos no quadro de seu atual entendimento jurídico-político, sem a

preocupação de se viabilizar sua imediata e indeclinável aplicação sob a visão

substancialista.

Feitos esses breves esclarecimentos, importa destacar que a

relevância desse tópico apartado, que trata do cabimento da Ação Rescisória na

hipótese suscitada no título, versando sobre sua possibilidade a partir da análise da

distinção entre sentença nula e sentença inexistente, decorre da tese particular

desenvolvida por Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Medina (2003) no

bojo da obra O dogma da coisa julgada – hipóteses de relativização, que

identificaram, entre as sentenças inexistentes, toda aquela prolatada em processo

maculado pela falta de alguma das condições da ação.

Com efeito, comumente eventual sentença ou acórdão prolatado no

caso concreto com fundamento em preceito constitucional posteriormente tido por

inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no – “pelo” - meio concentrado, ou

vice-versa, era admitido como decisão nula, sem maiores discussões sobre essa

característica.

Nesse sentido, dizer que a parte da Lei que foi utilizada para

embasar a sentença ou acórdão foi considerada inconstitucional pelo STF em

julgamento de ADIn, significa dizer que aquela lei nunca integrou o ordenamento

jurídico brasileiro, senão por mera aparência, portanto aquela sentença ou acórdão

atinge, ou melhor, macula profundamente o princípio da legalidade que se encontra

consagrado na Constituição Federal, em seu art. 5º, II, sem falar no princípio da

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motivação das decisões judiciais, tendo em vista que tal decisão não estaria

embasada em nenhum texto, uma vez que a lei foi expurgada do ordenamento

jurídico, e feriria diretamente o Texto Constitucional.

Portanto essa sentença seria absolutamente nula, podendo ser

rescindida nos termos do art. 485, V, afastando a súmula 343 do STF.

Ocorre que, pela perspectiva dos insignes juristas em destaque

nesse tópico, Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Medina, que identificaram

a ocorrência de inexistência de sentença, quando prolatada em processo instaurado

com a falta de alguma das condições da ação, na realidade, o locutor se deparará

com “uma” insólita perspectiva que impossibilita a utilização da Ação Rescisória.

Essa hipótese seria aquela em que alguém tem seu direito no caso concreto

concedido, sob o fundamento de um preceito constitucional posteriormente

declarado inconstitucional pelo meio concentrado, ou vice-versa, sempre sob a ótica

daquele que perdeu a ação.

Nesse caso, longe da discussão envolvendo persistir ou não entre

as condições da ação a possibilidade jurídica do pedido, ou haver essa condição

sido agasalhada pela condição interesse de agir, deve-se se ater que, nesse

contexto, a norma que justificou a procedência ou improcedência do pedido foi

retirada do ordenamento jurídico como se nunca tivesse existido, o que torna o autor

ou o réu, conforme o caso, carecedor de ação, justamente por impossibilidade

jurídica do pedido – ou falta de interesse de agir quando de seu recurso ao Poder

Judiciário. Logo, nessa hipótese, a partir da refinada doutrina citada, o prejudicado

não disporia da Ação Rescisória, visto que se estaria diante de uma sentença,

enquanto decisão meritória, inexistente.

Exemplificando, pode ser mencionado o seguinte caso hipotético: X,

pessoa física, ajuíza uma ação ordinária frente a também pessoa física Y, exigindo o

cumprimento de determinada obrigação com fundamento legal no preceito normativo

N. Superadas as fases do processo, o juiz de primeiro grau julga procedente o

pedido do autor, em decisão que transita em julgada sem a interposição de recurso

algum. Um ano depois, o Supremo Tribunal Federal, pelo controle concentrado,

declara a inconstitucionalidade do preceito normativo N, atribuindo à decisão efeito

ex tunc. Adotando a tese dos insignes juristas Tereza Arruda Alvim Wambier e José

Miguel Medina, o então sucumbente, pessoa física Y, não teria direito a ajuizar a

respectiva Ação Rescisória, visto que, neste ensejo, tratar-se-ia a sentença anterior

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de sentença inexistente, considerando que, quando do ajuizamento daquela primeira

ação, o autor carecia de possibilidade jurídica do pedido – o preceito normativo N

seria tido como inexistente à época dos fatos.

Tereza Arruda Alvim Wambier (2004, p. 507 e segs.) em sua obra

Nulidades do Processo e da Sentença apresenta sua tese nos seguintes termos:

Tendo sido movida uma ação, estando ausentes uma (ou mais) de suas condições, terá sido exercido direito de petição, e não direito de ação. Ora, inexistindo ação, o mesmo se poderá dizer do processo e, por conseguinte, da sentença. (...) Se,num determinado caso, faltam as condições da ação, ou mesmo só uma delas, haverá carência de ação, devendo o juiz abster-se quanto a um juízo sobre o mérito e limitar-se a declarar inadmissível a demanda.

A ação é admitida, segundo Liebman (2002), como direito ao

processo e ao julgamento de mérito. Logo, parece autorizado concluir-se que quem

não tem esse direito, por não estarem satisfeitas as condições da ação, não terá

exercido, propriamente, o direito de ação, mas um outro direito, ligado à genérica

garantia constitucional, o direito de petição.

Os requisitos para a existência da ação são estabelecidos pelo

direito processual. Já os requisitos para a procedência da ação (fondatezza)

dependem do direito material.

Diz Liebman (2002), ainda, que as condições da ação são requisitos

constitutivos dela. Somente se existem, pode considerar-se existente a ação.

No tocante ao tema mesmo da legalidade do ajuizamento da Ação

Rescisória na hipótese aventada neste trabalho, a mesma jurista Tereza Arruda

Alvin Wambier (2004, P. 412) apresenta suas conclusões:

Também no caso da rescisória com o objetivo de desconstituir a coisa julgada que se forma sobre a lei posteriormente tida como inconstitucional em ação declaratória de inconstitucionalidade – situação que será analisada adiante – o prazo somente se poderá começar a contar a partir do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade. Isto, segundo pensamos, se não se tratar de decisão que atente pedido formulado com base em lei inconstitucional: aqui se estará diante de falta de condição da ação, ou seja, de falta de possibilidade jurídica do pedido,. Ausente(s) condição(ões) da ação, não há sentença sob o ponto de vista jurídico, e, portanto, não há trânsito em julgado.

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Sem embargo, não se discute aqui serem, ou não, as sentenças

admitidas como inexistentes suscetíveis de rescisão, visto que, obviamente, não o

são, afinal, se algo não existe, não há como atacá-lo. O que se pretende com esse

tópico próprio é, além de apresentar a tese dos insignes juristas Tereza Arruda Alvim

Wambier e José Miguel Medina, desenvolvida na já citada e referida obra O dogma

da Coisa Julgada, demonstrar se tratar o raciocínio ali desenvolvido, quando de

eventual e posterior declaração de inconstitucionalidade pelo meio concentrado de

norma anteriormente aplicada de forma contrária no caso concreto, de silogismo

erístico, principalmente frente à dissonância que apresenta quando confrontado à

realidade lógico-temporal.

Com efeito, no raciocínio segundo o qual, prolatada sentença em

processo desenvolvido em favor de parte carecedora de ação, a decisão deve ser

admitida como inexistente. Não merece comentário, afinal brilhante, como, aliás,

peculiar dos insignes juristas que o desenvolveram, contudo, pretender identificar

sentença como inexistente quando prolatada com supedâneo em norma

posteriormente declarada inconstitucional pelo controle concentrado de

constitucionalidade, em decisão dotada de efeito ex tunc, não parece crível, quando

confrontado ao mínimo de lógica que qualquer raciocínio científico impõe.

O ponto principal que se choca diretamente ao raciocínio

desenvolvido pelos nobres juristas Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel

Medina consiste em que, quando do ajuizamento da ação, pelo autor, ou da

interposição da competente defesa, pelo réu, estabelecida(s) pela sentença, o

preceito normativo posteriormente expungido do ordenamento jurídico estava em

vigor e era válido, não se cogitando, pois, à época de julgamento, “impossibilidade

jurídica do pedido”. Nessa conjectura, justamente sob essa perspectiva, consiste

não apenas o mínimo a rechaçar o raciocínio dos insignes juristas, como também a

justificar o cabimento da Ação Rescisória, in caso, nos mesmos moldes que serão

descritos no próximo tópico atinente à segurança jurídica e coisa julgada, ou mesmo

ainda nos moldes narrados no último tópico deste capítulo.

O foco central da discussão proposta gira em torno da existência

jurídica e fática de eventual sentença. Pode ocorrer que determinada sentença tenha

validade fática, surta efeitos, contudo não detenha validade como existência jurídica.

É o quer ocorre, por exemplo, quando se prolata sentença em favor de alguém que

ajuizou determinada ação sem ter legitimidade para tanto. A sentença pode vir a

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apresentar validade fática, surtir efeitos, acaso passe despercebido o equívoco,

contudo jamais deterá validade jurídica, visto que o processo não poderia ter

prosseguido até um pronunciamento de mérito.

Ocorre que, na hipótese em apreço, quando da prolação de uma

sentença em um processo, com base em preceito normativo posteriormente

declarado inconstitucional pelo controle concentrado de constitucionalidade, por

ocasião da sentença a norma estava em vigor e detinha validade, razão pelo qual

não se há cogitar existência ou inexistência jurídica. Aquela decisão, quando

prolatada com fundamento em preceito normativo válido e vigente, preencheu in

totum os requisitos que lhe eram pertinentes nesse aspecto.

Nesse diapasão, apesar de retroativos os efeitos da decisão, eles

são retroativos exclusivamente a partir da prolação de decisão no sentido da

(in)constitucionalidade de determinado preceito normativo, sendo este, inclusive, o

fundamento que justifica o ajuizamento da Ação Rescisória com fulcro no inciso V,

do art. 485, do Código de Processo Civil, em prazo contado a partir da publicação do

posicionamento do Pretório Excelso pelo controle concentrado.

Não bastando, acaso admitida como inexistente determinado

preceito normativo, quando declarada sua inconstitucionalidade ou julgado

improcedente pedido de declaração de sua (preceito normativo) constitucionalidade,

seriam inúmeras as hipóteses que ensejariam um agir da esfera penal. Nessa

esdrúxula suposição de se admitir como inexistente o preceito normativo declarado

(in)constitucional pelo controle concentrado – o que justificaria a tese da carência de

ação - e não se poderia sustentar questões como norma mais benéfica/maléfica, in

dubio pro reo, entre outras, e, invariavelmente, acaso não acobertada eventual

conduta “posteriormente” tida como criminosa pelo prazo prescricional previsto no

art. 109 do Código Penal, e agentes que em determinado tempo agiram legalmente

poderiam vir a ser incriminados.

Ao contrário do que traz implícito o nobre entendimento em comento,

eventual sentença declaratória de (in)constitucionalidade prolatada pelo meio

concentrado de constitucionalidade não tem efeitos reflexos automáticos, tanto que

exigem uma atuação do interessado, o qual deve ser realizado através da Ação

Rescisória, Ação Declaratória ou através da Revisão Criminal.

Finalmente, sobre o despropósito do ensinamento dos insignes

juristas, Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria (2002, p. 148)

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apresentam contribuição inestimável, ao consignarem a observância dos requisitos

formais e processuais mínimos a ensejarem a “existência” de uma sentença, ainda

que nula, verbis:

Uma decisão judicial que viole diretamente a Constituição, ao contrário do que sustentam alguns, não é inexistente. Não há na hipótese de inconstitucionalidade mera aparência de ato. Sendo desconforme à Constituição, o ato existe se reúne condições mínimas de identificabilidade das características de um ato judicial, o que significa dizer, que seja prolatado por um juiz investido de jurisdição, observados aos requisitos formais e processuais mínimos. Não lhe faltando elementos materiais para existir como sentença, o ato judicial existe. Mas, contrapondo-se a exigência absoluta da ordem constitucional, falta-lhe condição para valer, isto é, falta-lhe aptidão ou idoneidade para gerar os efeitos para os quais foi praticado. Assim, embora existente, a exemplo do que se dá com a lei inconstitucional, o ato judicial é nulo, estando sujeito em regra geral, aos princípios aplicáveis a quaisquer outros actos jurídicos inconstitucionais. Com efeito, entendemos que a coisa julgada inconstitucional submete-se ao mesmo regime de inconstitucionalidade aplicável aos atos do Poder Legislativo.

Sendo assim, em se tratando de caso em que efetivamente o

interessado se depara com uma sentença inexistente, a Ação Rescisória (ou

Revisão Criminal, conforme o caso) não seria admitida, sendo crível, inclusive, se

cogitar de sentença inexistente quando prolatada em processo em que a parte

vitoriosa era carecedor de ação. Não se pode admitir, porém, sob nenhum aspecto,

a pretensão de se identificar como carente de ação - seja por impossibilidade

jurídica do pedido, seja por falta de interesse de agir, uma pessoa, na acepção

“lata”, juridicamente estatuída, que venha a ganhar uma demanda judicial, com

fulcro em preceito normativo posteriormente declarado inconstitucional.

Como dito anteriormente - e frisado neste parágrafo, por ocasião da

sentença prolatada em favor da parte, o preceito normativo era válido e vigente,

ainda que posteriormente declarado (in)constitucional, ocasião em que, ainda que

atribuído o efeito ex tunc (retroativo) à decisão, ela somente passará a ser assim

reconhecida com a publicação do respectivo acórdão. Eventual decisão de

(in)constitucionalidade de dado preceito normativo não surte efeitos reflexos

automáticos, sempre dependendo quanto a relações jurídicas pretéritas de

manifestação da parte interessada, além do fato de atender aos requisitos legais

para a constatação de sua existência.

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4.3 Ação Rescisória frente à Divergência Jurisprudencial entre Decisões Prolatadas pelos Meios Concentrado e Difuso de Constitucionalidade sob a Ótica Procedimentalista – Coisa Julgada e Segurança Jurídica

Importa, a essa altura, enfatizar o corte proposto no presente

trabalho, que trata, exclusivamente, do cabimento da Ação Rescisória frente à

divergência jurisprudencial pelos meios concentrado e difuso de controle de

constitucionalidade.

Com efeito, nos moldes comprometidos, o que se analisa é a

possibilidade ou cabimento, em termos legais e constitucionais, do ajuizamento de

Ação Rescisória no caso do Supremo Tribunal Federal, através de Ação Direta de

Inconstitucionalidade ou Ação Declaratória de Constitucionalidade, prolatar decisão

que contraria tutela jurisdicional anteriormente concedida em favor de qualquer das

partes, com fundamento em norma anteriormente admitida em sentido oposto, no

caso concreto – controle difuso.

Logo, nessa esteira, quatro são as possibilidades que impõem

análise individualizada, especialmente no tocante ao tema objeto de discussão: (i) o

Supremo Tribunal Federal, em sede de ADIn, afasta integralmente o fundamento

legal empregado como bastante a justificar a tutela jurisdicional em favor de uma

das partes; (ii) o Supremo Tribunal Federal, em sede de ADIn, afasta parcialmente o

fundamento legal empregado como bastante a justificar a tutela jurisdicional em

favor de uma das partes; (iii) o Supremo Tribunal Federal, em sede de ADC,

confirma integralmente a constitucionalidade do fundamento legal anteriormente

refutado, no caso concreto, em decisão bastante a justificar a tutela jurisdicional em

favor de uma das partes; (iv) o Supremo Tribunal Federal, em sede de ADC,

confirma parcialmente a constitucionalidade do fundamento legal anteriormente

refutado, no caso concreto, em decisão bastante a justificar a tutela jurisdicional em

favor de uma das partes, contudo, antes de proceder a análise, a fim de afastar

divagações inoportunas, alguns aspectos acerca do já discorrido tema do controle

concentrado de constitucionalidade merecem rememoração.

Como discorrido no capítulo anterior, o controle concentrado de

constitucionalidade, quanto às chamadas Ação Direta de Inconstitucionalidade

(ADIn) por violação ou omissão e Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC),

que merecem atenção neste trabalho, está regulamentado na Lei 9868, de 10 de

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novembro de 1999, que além de veicular essas próprias indigitadas ações, versa

também sobre os processos cautelares que lhe são atinentes.

Localizado o tema, merece atenção neste tópico o chamado “efeito

espelho” ou “efeito simétrico” que eventual improcedência em sede de ADIn ou ADC

traz ínsito à própria decisão, que significa, em sucinta abordagem, que sempre uma

Ação Direta de Inconstitucionalidade por violação ou omissão e/ou Ação Declaratória

de Constitucionalidade tem seu pedido julgado improcedente, concomitantemente o

contrário é reconhecido e declarado, como se uma outra se fizesse substituir. Vale

dizer: acaso julgado improcedente pedido de reconhecimento e declaração de

inconstitucionalidade de determinado preceito normativo em sede de ADIn, a

decisão deve ser interpretada como declaratória de constitucionalidade deste

preceito com mesmos efeitos, acaso houvesse sido ajuizada uma ADC, o mesmo

valendo em relação à última, ou seja, julgada improcedente eventual Ação

Declaratória de Constitucionalidade e o preceito normativo deve ser admitido como

inconstitucional com efeitos, em regra, ex tunc e erga omnes.

Essas breves anotações vêm de encontro à inevitável pergunta: se

existe o chamado efeito simétrico, por que discorrer acerca das hipóteses do (i)

Supremo Tribunal Federal, em sede de ADIn, afastar integralmente o fundamento

legal empregado como bastante a justificar a tutela jurisdicional em favor de uma

das partes; (ii) do Supremo Tribunal Federal, em sede de ADIn, afastar parcialmente

o fundamento legal empregado como bastante a justificar a tutela jurisdicional em

favor de uma das partes; (iii) do Supremo Tribunal Federal, em sede de ADC,

confirmar integralmente a constitucionalidade do fundamento legal anteriormente

refutado, no caso concreto, em decisão bastante a justificar a tutela jurisdicional em

favor de uma das partes; (iv) do Supremo Tribunal Federal, em sede de ADC,

confirmar parcialmente a constitucionalidade do fundamento legal anteriormente

refutado, no caso concreto, em decisão bastante a justificar a tutela jurisdicional em

favor de uma das partes, se “obviamente” os efeitos são equivalentes? A resposta,

sim, parece óbvia: em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, acaso julgado

procedente o pedido, a Lei 9868/99 atribui ao Supremo Tribunal Federal a

prerrogativa de restringir ou delimitar o dies quo dos efeitos da decisão, ao passo

que em sede de Ação Declaratória, acaso julgado procedente o pedido, não é crível,

consoante disposto no art. 27 da referida lei.

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Nesse diapasão, a importância de separar a análise deste tópico em

quatro partes consiste, justamente, no dever de consignar que sempre deve existir a

atenção redobrada quanto à possibilidade do Supremo Tribunal Federal mitigar os

efeitos da decisão:

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado (art. 27, Lei 9868/99).

Como não poderia ser diferente, aqui surge outra indagação que não

é crível passe em branco, sem o mínimo de abordagem, mesmo que visivelmente

desviado do tema proposto: quando o Supremo Tribunal Federal julga improcedente

pedido de reconhecimento e declaração de constitucionalidade de determinado

preceito normativo, pelo meio concentrado, através de Ação Declaratória de

Constitucionalidade, em decorrência do efeito simétrico pode ser restringido os

efeitos dessa decisão? Ou somente é permitido em sede de Ação Direta de

Inconstitucionalidade? A resposta a essa indagação decorre da análise conjunta dos

arts. 23, 24 e 27 da já citada Lei 9869, 10 de novembro de 1999.

Os arts. 23 e 24 acima referidos dispõem, justamente, sobre o

chamado efeito simétrico ou efeito espelho, que, como dito anteriormente, atribui a

eventual decisão pela improcedência do pedido em sede de ADIn ou ADC, o efeito

diretamente oposto, convertendo, automaticamente, em termos legais, uma Ação

Direta de Inconstitucionalidade em Ação Declaratória de Constitucionalidade, e vice-

versa. Logo, atentando ao fato de que o art. 27 faz referência ao contexto “declarar a

inconstitucionalidade” e não a “decisão prolatada em sede de Ação Direta de

Inconstitucionalidade”, obviamente ele está se referindo tanto a hipótese de ser

julgada procedente pedido formulado em sede de Ação Direta de

Inconstitucionalidade, quanto à hipótese de ser julgado improcedente pedido

formulado em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade, o que, em poucas

palavras, significa afirmar que, em qualquer dos casos, o Supremo Tribunal Federal

detém a prerrogativa de delimitar os efeitos temporais de sua decisão, desde que

atendidos aos demais requisitos legais.

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Assim, tecidos os impreteríveis esclarecimentos, considerando que

somente quando reconhecida e declarada a inconstitucionalidade de determinado

preceito normativo, seja em sede de ADIn, seja em sede de ADC, o Supremo

Tribunal Federal poderá restringir os efeitos de sua decisão, atendidos os demais

requisitos legais, mais um corte é proposto nesse tópico. Aqui, para efeitos da

análise do cabimento de ação rescisória frente à divergência jurisprudencial entre

decisões prolatadas pelos meios concentrado e difuso de constitucionalidade sob a

ótica procedimentalista – coisa julgada e segurança jurídica, será considerado o

caso do Supremo Tribunal Federal prolatar decisão com efeitos ex tunc e erga

omnes, sendo que a hipótese do art. 27 da Lei 9868/99 será ventilada no próximo

tópico, juntamente com uma abordagem acerca da constitucionalidade mesma no

referido dispositivo que permite a delimitação temporal dos efeitos de decisão pela

inconstitucionalidade de determinado preceito normativo, sob a ótica substancialista,

já esclarecida linhas acima.

Para empeçar a empreitada proposta, em seus pontos curiais, urge

uma breve pincelada acerca dos institutos da coisa julgada e da segurança jurídica,

permitindo, com isso, uma análise dinâmica e ininterrupta dos raciocínios

empreendidos nas linhas que se seguem. Nesse desiderato, contudo, importante

observar que o tema da coisa julgada abrange deveras aspectos que não serão

sequer referidos, servindo de alerta no sentido que eventual diligência exaustiva do

tema da coisa julgada, especificamente, importa em outras análises além das notas

a seguir perfilhadas.

O enquadramento normativo do instituto da coisa julgada, como

adverte Carlos Valder do Nascimento (2002, p. 8), remonta ao plano das leis

ordinárias, que prevêem regras infralegais no sentido que, por determinação do

comando superior não pode contrariar o que já foi decidido pelo Poder Judiciário,

cuja sentença enfrentou o mérito, assim passando em julgado.

Com essa observação, afiançada por juristas do peso de Anselmo

Gonçalves da Silva e Eduardo Espíndola, como, inclusive, citado pelo próprio autor

na referida obra, o que Carlos Valder do Nascimento buscou destacar foi justamente

o aspecto do dever constitucional de respeito à coisa julgada não ser uma carta em

branco que inviabiliza sua relativização, mas sim, e apenas, um preceito dirigido ao

próprio Estado, impossibilitando um atuar posterior em desproveito de seus súditos.

Nas palavras do insigne processualista:

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Conquanto tenha sido prestigiado pelo legislador constituinte, não se pode dizer que a matéria em questão tem a sua inserção na Constituição da República, porque esta não regula matéria de natureza estritamente instrumental. O dispositivo que nela se contém é, todavia, no sentido de proteger a coisa julgada na seara infraconstitucional, impedindo que a legislação ordinária pudesse alterar a substância daquilo que foi decidido, restringindo ou ampliando o seu objeto.

Discorrido brevemente sobre seu enquadramento normativo, a idéia

de coisa julgada está ligada à de Jurisdição. Essa conexão é tida como regra geral,

embora seja concebida não só na decisão jurisdicional.

A expressão coisa julgada deriva da expressão latina res iudicata,

que significa um bem julgado. Pode ser definida como principal característica ou

qualidade que se acrescenta aos efeitos do comando contido na parte decisória da

sentença. A imutabilidade desse comando consiste na coisa julgada. Com efeito, o

resultado final do processo de conhecimento geralmente atribui um bem jurídico a

alguém.

Quando o processo de conhecimento atingir o bem julgado, atribui-

se titularidade a ser imutável por causa da coisa julgada material, no sentido de que

a coisa julgada impede o próprio Judiciário de se manifestar acerca do que foi

decidido. Pode ser dito que essa seja a função negativa da coisa julgada.

Na concepção de Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel

Garcia Medina (2003, p. 21):

A coisa julgada é instituto cuja função é a de estender ou projetar os efeitos da sentença indefinidamente para o futuro. Com isso pretende-se zelar pela segurança extrínseca das relações jurídicas, de certo modo em complementação ao instituto da preclusão, cuja função primordial é garantir a segurança intrínseca do processo, pois que assegura a irreversibilidade das situações jurídicas cristalizadas endoprocessualmente. Esta segurança extrínseca das relações jurídicas gerada pela coisa julgada material traduz-se na impossibilidade de que haja outra decisão sobre a mesma pretensão.

A importância da coisa julgada, medida pela ampla proteção legal,

consta do ordenamento jurídico, onde prescreve que as sentenças que extinguem o

processo, com julgamento de mérito, têm o condão de produzir a coisa julgada

material e impedir a repropositura da mesma demanda.

As sentenças que extinguem o processo sem julgamento de mérito

são aptas apenas a produzir o que os doutrinadores têm denominado de “coisa

julgada formal”, mas não impedem o reajuizamento da demanda.

Page 93: AÇÃO RESCISÓRIA FRENTE À DIVERGÊNCIA ENTRE ... · Ação rescisória frente à divergência entre julgamentos no ... Considerando a peculiaridade do dúplice enfoque que atualmente

92

A sentença faz coisa julgada entre as partes que compõem a lide,

não beneficiando, nem prejudicando terceiros, com a observação de que, nas

causas relativas ao estado de pessoa, por exemplo, se houverem sido citados no

processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz

coisa julgada em relação a terceiros.

A coisa julgada material é a eficácia, a força que torna imutável e

indiscutível a sentença não mais sujeita a qualquer recurso ordinário ou

extraordinário. Isso implica dizer que a coisa julgada material tem alguma relação

com a coisa julgada formal. Para a constatação da primeira, mister que ocorra a

segunda, ou seja, a preclusão de todos os recursos.

Em suma: a coisa julgada formal ocorre quando não mais se pode

discutir no processo o que se decidiu, sendo a coisa julgada material a que impede

discutir-se noutro processo, o que se decidiu. Com isso a coisa julgada formal não

afeta o mérito, limitando-se a extinguir o processo ou a relação jurídica instrumental

em razão de algum defeito processual, no campo formal ou instrumental.

Conceituando coisa julgada formal, J. Frederico Marques (1963, p.

41) preleciona: “A coisa julgada consiste na preclusão máxima de fé que fala a

doutrina, visto que impede qualquer reexame de sentença como ato processual,

tornando-a imutável dentro do processo”.

Um dos efeitos da coisa julgada é a imperatividade, que se traduz na

submissão das partes ao que ficou definido na sentença, afetando o direito material

das partes envolvidas. Todavia, não se pode perder de vista que a coisa julgada, a

despeito de ser imperativo, no sentido de que não mais permite resistência a

respeito do assunto por nenhuma das partes, em concepção do vencedor ela é,

antes de tudo, um direito; enquanto que para o vencido um dever.

Acerca da imutabilidade, ensina Pontes de Miranda (1998, p. 150) “A

coisa julgada torna imutável a sentença, no seu conteúdo, que pode ser limitado no

tempo e no espaço”.

Tem-se, assim, que o direito reconhecido pela sentença pertence ao

vencedor, podendo ele, evidentemente, desde que disponível o direito, usufruí-lo, ou

não. Isso parque não se pode obrigar alguém, a não ser que se trate de direito

fundamental, usufruir do seu direito.

Ainda sobre a imperatividade, que traduz a imposição, a ordem a

respeito que conste na sentença, segue Pontes de Miranda (1998, p. 150):

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Não pode mais haver controvérsia a respeito do que consta na sentença, de modo que nenhuma ação pode ser proposta para outra solução, ou para outra soluções. Contra res iudicata somente pode ocorrer que haja algum pressuposto para a propositura da ação rescisória.

O ordenamento jurídico brasileiro autoriza o julgamento parcial da

lide. Justifica-se a expressão parcialmente com a possibilidade de a sentença, no

caso de pedidos cumulados, decidir sobre um pedido e declarar que os demais são

insuscetíveis de decisão naquele processo. Assim, haverá a decisão total de uma

lide, pois as demais foram decididas.

Decidindo a lide, a sentença acolhe ou rejeita o pedido do autor, no

todo ou em parte. É o pedido dos autos o objeto do processo e sobre o qual deverá

o juiz pronunciar-se, sendo-lhe vedado ir além ou fora do pedido.

Merece referência, ainda, as chamadas condições de ação, as quais

restam identificadas na possibilidade jurídica do pedido, na constatação do interesse

processual e na verificação da legitimidade da parte interessada.

A relação entre condição da ação e o mérito decorre do fato de

ambos os institutos terem raízes no mesmo objeto, ou seja, a situação de direito

material apresentada em juízo. A possibilidade jurídica do pedido, conceituado como

a admissibilidade em abstrato do provimento pedido é relacionada ao mesmo objeto,

ou seja, a situação jurídica de direito material.

O pedido resulta de uma análise superficial do mérito, a fim de se

verificar a mera plausibilidade jurídica do pedido feito. Constatada essa

possibilidade, os institutos da ação, o mérito e as condições da ação não permitem a

re-propositura da demanda, salvo se for alterado o elemento que padecia do vício

ensejador da decretação de carência.

Conforme a concepção de Tereza Arruda Alvim Wambier e José

Miguel Garcia Medina (2003, p. 22):

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A atividade judicial, obviamente, tende a representar aquilo preconcebido pelo direito material. Mas nada impede que a decisão judicial seja proferida erroneamente, tendo em vista o direito que deveria ser aplicado ou os fatos sobre os quais deveriam incidir o direito. Há violação à ordem jurídica tanto quando se aplica o direito de modo equivocado, quanto quando se concebe erroneamente um fato sobre o qual incidiria a lei correta.

Para a teoria substantiva, aquilo que foi decidido pelo juiz sempre

coincide com o direito material, de modo que a sentença proferida revela o direito

substantivo existente.

Quando se declara que o autor careceu do direito de ação, por

ilegalidade ativa ou passiva, é que o direito material invocado não lhe pertence, que

o pedido não lhe diz respeito.

A coisa julgada e a autoridade de coisa julgada não se identificam

nem com a sentença transitada em julgado, nem com o particular atributo à

imutabilidade de que ela se reveste, mas com a situação jurídica que passa a existir

após o trânsito em julgado.

Com a concepção de Pontes de Miranda (1998, p. 144):

Nem sempre se sabe se a decisão passou em julgado. Porque nem sempre se sabe se a instância superior vai conhecer, ou não, do recurso interposto, inclusive se esse recurso é recurso extraordinário. Tal incerteza é ineliminável, porque depende do conhecimento jurídico do interessado, que examina o cabimento do recurso, do conhecimento jurídico dos juízes, e nem sempre a aplicação coincide com a incidência da regra jurídica.

Se o titular do direito não é obrigado à propositura da ação, e nem

mesmo, ainda que venha a propô-la, a pedir condenação, sendo-lhe reconhecida à

possibilidade de restringir o querer à mera declaração judicial, ele tem a faculdade

de decidir entre exigir, ou não, que o vencedor cumpra o julgado.

Tendo em vista a finalidade da jurisdição que é regular o caso

concreto, incertas restariam as relações sociais, com a possibilidade de perpetuação

nos litígios, se as decisões jurisdicionais não adquirissem a “definitividade”. Essa é a

razão pela qual a lei criou um instituto da coisa julgada, que, inclusive, é prevista

constitucionalmente.

Justamente nesse contexto, insere-se a idéia de “segurança

jurídica”, como bem observa Elody Nassar (2004, p. 18): ”Em nome da segurança

jurídica, consolidaram-se institutos desenvolvidos historicamente, com destaque

para a preservação dos direitos adquiridos e da coisa julgada” (2004, p. 18).

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Finalmente, sobre a segurança jurídica, importa destacar, ainda,

com intenção de mera referência, que essa “idéia” está relacionada não apenas ao

instituto da coisa julgada, como também aos institutos da prescrição e da

decadência.

Situado o contexto de apreensão deste tópico, as quatro hipóteses

anteriormente elencadas - (i) Supremo Tribunal Federal, em sede de ADIn, afastar

integralmente o fundamento legal empregado como bastante a justificar a tutela

jurisdicional em favor de uma das partes; (ii) do Supremo Tribunal Federal, em sede

de ADIn, afastar parcialmente o fundamento legal empregado como bastante a

justificar a tutela jurisdicional em favor de uma das partes; (iii) do Supremo Tribunal

Federal, em sede de ADC, confirmar integralmente a constitucionalidade do

fundamento legal anteriormente refutado, no caso concreto, em decisão bastante a

justificar a tutela jurisdicional em favor de uma das partes; (iv) do Supremo Tribunal

Federal, em sede de ADC, confirmar parcialmente a constitucionalidade do

fundamento legal anteriormente refutado, no caso concreto, em decisão bastante a

justificar a tutela jurisdicional em favor de uma das partes – serão cada qual

analisadas conjunta ou separadamente.

Quando o Supremo Tribunal Federal, em sede de ADIn, afastar

integralmente o fundamento legal empregado como bastante a justificar a tutela

jurisdicional em favor de uma das partes, respeitado o corte anteriormente proposto,

em decisão com efeito erga omnes e ex tunc, as partes se depararão com uma

sentença nula – e não inexistente como pretende os insignes juristas Tereza Arruda

Alvim Wambier e José Miguel Medina, sujeita a rescisão nos moldes previstos no

inciso V do art. 485 do Código de Processo Civil, desde que atendidas algumas

premissas, sob três hipóteses distintas: (i) admitir-se a sentença enquanto ato

normativo; (ii) existir uma lei anterior, ainda válida e vigente no ordenamento jurídico,

que frente à “lei” tida como inconstitucional dita o oposto da norma nela insculpida;

(iii) adotar como causa de pedir a própria falta de fundamentação que passa a pairar

sobre a sentença anteriormente prolatada.

Em qualquer dos casos acima, assim como para os demais, deve-se

ter em mente a presença de uma nulidade ipse iure, os princípios da razoabilidade e

da proporcionalidade, e principalmente o princípio da constitucionalidade, que impõe

sejam todos e quaisquer atos normativos conforme a Constituição Federal - ainda

que sob uma ótica procedimentalista, sendo, inclusive, este o enfoque que se dedica

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esta análise. Rememorando, o contraste entre “procedimentalistas” e

“substancialistas” está relacionado a um legítimo agir do Poder Judiciário em

questões políticas, e não a aspectos processuais práticos subseqüentes à decisão,

como se aborda quanto à pertinência da Ação Rescisória e seu cabimento em

atendimento a princípios como os acima referidos.

Para o cabimento da primeira hipótese apresentada, a expressão

“lei”, contida no inciso V do art. 485 do Código de Processo Civil, deve ser admitida

em sentido amplo, compreendendo qualquer preceito normativo, preconizado em

qualquer instrumento introdutor de normas jurídicas, primário ou secundário, seja a

própria Constituição, a lei complementar, ordinária ou delegada, o decreto-lei, o

decreto-legislativo, a resolução e decreto emanado do executivo, ou o ato normativo

baixado por órgão do Poder Judiciário (MOREIRA, 1999, p. 132).

Atendida essa condição, a causa de pedir deve narrar, justamente, a

circunstância da sentença anteriormente emanada contrariar a norma estatuída na

decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal em sede se ADIn ou ADC.

Pode parecer um tanto forçoso esse raciocínio, contudo, é imperioso

que se tenha em mente que, para o recebimento da peça inicial, independente da

trazer ínsita uma nulidade absoluta, as condições da ação devem ser verificadas

pelo magistrado encarregado. Logo, em se tratando a pretensão de uma Ação

Rescisória, é imprescindível o atendimento das condições específicas da ação que

ela comporta, compreendidas como possibilidade jurídica do pedido, que seriam

justamente qualquer ou todas as circunstâncias peculiares descritas nos incisos

prescritos no art. 485 do Código de Processo Civil.

A simples referência à decisão do Supremo Tribunal Federal, pela

inconstitucionalidade do preceito anteriormente aplicado, sem a preocupação em

situar a órbita ou os motivos da irresignação - descrição da causa de pedir

adequada, não se prestam ou deveriam prestar a justificar o recebimento da inicial,

mesmo frente a atual “política” jurisdicional de mitigação das exigências

instrumentais e substanciais do processo civil, no que comumente chamado de

excesso de formalismo. Com efeito, ainda que a “relativização” (NASCIMENTO;

DINAMARCO, 2002, p. 33 e segs.) da coisa julgada seja uma realidade viva na

doutrina e na jurisprudência pátria, é impreterível que ela não se sirva a deformar a

sistemática processual, que, como dito, impõe outras exigências, entre elas a

referente ao dever de verificação da ocorrência das condições da ação.

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Nessa conjectura, em suma, a Ação Rescisória tem lugar, ao se

admitir a sentença como preceito normativo, desde que narrados ao longo da peça

inicial os fundamentos - descritos na obra clássica Teoria do ordenamento jurídico,

de Norberto Bobbio – de sua aplicabilidade, seja descrita a decisão do Supremo

Tribunal Federal, e o pedido verse, no mérito, exclusivamente sobre a declaração de

nulidade do decisum guerreado, e, por conseguinte, a declaração da rescisão da

sentença.

Nos moldes da segunda opção descrita - existir uma “lei” anterior,

ainda válida e vigente no ordenamento jurídico, que frente à lei tida como

inconstitucional dita o oposto da norma nela insculpida, a causa de pedir, por seu

turno, deve descrever o fato na norma anteriormente aplicada haver sido expungida

do ordenamento jurídico, fazendo prevalecer a norma que permanece, e aplicável ao

caso, ainda que genericamente, a qual, nesse contexto, será justamente aquela

apresentada como violentada, a justificar o cabimento do ajuizamento da Ação

Rescisória. Ainda nessa hipótese, o pedido deve se limitar à declaração de nulidade

do decisum guerreado, e, por conseguinte, à declaração da rescisão da sentença.

A terceira condição que autoriza a viabilidade do ajuizamento da

Ação Rescisória, no caso de posterior declaração, pelo meio concentrado, da

inconstitucionalidade do preceito normativo anteriormente aplicado ao caso

concreto, é, certamente, o mais utilizado pelos Tribunais pátrios, consistindo na

constatação e afirmação da própria falta de fundamentação que passa a pairar sobre

a sentença anteriormente prolatada.

Como cediço, a obrigatoriedade da fundamentação de toda e

qualquer decisão judicial – e atualmente administrativa, inclusive, está prevista na

própria Constituição Federal, ao longo do inciso IX do art. 93 da Constituição

Federal, que, com alteração dada pela Emenda Constitucional nº. 45, de 30 de

dezembro de 2004, assim dispõe:

XI - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei admitir a presença, em determinado atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

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Dessa maneira, em havendo o Pretório Excelso, com “efeitos” erga

omnes e ex tunc, retirado do ordenamento jurídico determinado preceito normativo,

a decisão anteriormente prolatada passa a estar desprovida de fundamentação,

justificando o ajuizamento da Ação Rescisória, no moldes do inciso V do art. 485 do

Código de Processo Civil, na constatação da exigência do inciso IX do art. 93 da

Constituição Federal. Assim, o interessado deverá narrar, ao longo da causa de

pedir constante da Ação Rescisória a ser ajuizada, o fato da decisão anterior não

respeitar o dever de estar legalmente fundamentada. Também nessa circunstância o

pedido deve se limitar à declaração de nulidade do decisum guerreado, e, por

conseguinte, a declaração da rescisão da sentença.

Como se verifica, seja por um ou outro dos fundamentos jurídicos

apresentados, lembrando que “fundamento jurídico” diz respeito a fatos, ele passa a

ocorrer a partir da publicação da decisão do Supremo Tribunal Federal no sentido da

inconstitucionalidade da norma anteriormente aplicada. Logo, o prazo para a

interposição da Ação Rescisória também passa a contar desta data, e não daquela

em que a decisão anterior transitou em julgado.

Aqui, uma vez abordada a questão do dies quo para a contagem do

prazo decadencial que assombra o ajuizamento da Ação Rescisória, de 2 (dois)

anos, merece análise o entendimento manifestado por Humberto Theodoro Júnior e

Juliana Cordeiro de Faria (NASCIMENTO; THEODORO JÚNIOR; FARIA, 2002)

sobre a legalidade de eventual recebimento e análise de Ação Rescisória, ainda que

ajuizada depois do prazo previsto no art. 495 do Código de Processo Civil.

Sustentam os juristas que, em se tratando de nulidade absoluta, o

que se discute, in caso, na Ação Rescisória a ser ajuizada, nada impede que seja

proposta depois do prazo decadencial de 2 (dois) anos, visto que essa modalidade

de nulidade pode ser argüida em qualquer momento e grau de jurisdição. São suas

palavras:

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A admissibilidade da ação rescisória para a impugnação da coisa julgada inconstitucional expressada nos julgados supra, porém, não significa a sua submissão indistinta ao mesmo regime da coisa julgada ilegal, de modo que, ultrapassado o prazo de dois anos para o manejo daquela ação, impossível o seu desfazimento. Do contrário seria equiparar a inconstitucionalidade à ilegalidade, o que é não só inconstitucional como avilta o sistema de valores da Constituição [...] [...] Deste modo a admissão da ação rescisória não significa a sujeição da declaração de inconstitucionalidade da coisa julgada ao prazo decadencial de dois anos, a exemplo do que se dá com a coisa julgada que contempla alguma nulidade absoluta, como é o exemplo, do processo em que há vício de citação. (NASCIMENTO; THEODORO; FARIA, 2002, p. 151-152).

Concluindo, ensinam os já citados juristas:

A decisão judicial transitada em julgado desconforme a Constituição padece do vício da inconstitucionalidade que, nos mais diversos ordenamentos jurídicos, lhe impõe a nulidade. Ou seja, a coisa julgada inconstitucional é nula e, como tal não se sujeita a prazos prescricionais ou decadenciais. Ora, no sistema de nulidades, os atos judiciais nulos independem de rescisória para a eliminação do vício respectivo. Destarte, pode “a qualquer tempo ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução”. (NASCIMENTO; THEODORO; FARIA, 2002, p. 152).

Ao que parece, sem relevar o respeito e a admiração devidos aos

nobres juristas, houve uma precipitação quando da apresentação da conclusão.

Impende a princípio, dedicando diligência analítica ao tema em

comento, qual seja, a tese apresentada por Humberto Theodoro Júnior e Juliana

Cordeiro Faria, marcar dois momentos distintos no procedimento imposto ao

processo civil: (i) aquele atinente ao recebimento da ação e análise da viabilidade de

seu processamento; (ii) aquele atinente à análise do mérito propriamente dito, acaso

superado o primeiro momento.

O que se verifica da proposta científica dos renomados juristas é

uma confusão entre esses dois momentos, consubstanciado na constatação do

atropelo praticado por eles com relação ao primeiro momento - aquele atinente ao

recebimento da ação e análise da viabilidade de seu processamento.

Com efeito, em momento anterior à apuração do mérito

propriamente dito da causa, é imposto ao magistrado que verifique, além da

presença das condições da ação e dos pressupostos processuais a autorizar seu

recebimento, a suposta ocorrência da decadência, como estatuído no art. 295, inciso

IV, do Código de Processo Civil, o qual prevê que, acaso constatada, a petição

inicial será indeferida, e a ação extinta com julgamento do mérito, a teor do inserto

no art. 269, inciso IV, do indigitado codex.

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Nessa esteira, a questão da Ação Rescisória versar sobre nulidade

absoluta, ou não, sequer pode ser apreciado pelo magistrado encarregado, cuja

atuação se encerra com a verificação da ocorrência do prazo decadencial.

Não se pretende negar que eventual nulidade absoluta posse ser

argüida em qualquer tempo e grau de jurisdição, porém a sistemática processual

não pode se submeter a seu total desvirtuamento em nome do “princípio da

constitucionalidade” ou da necessidade de obtenção de justiça. Ilustrativamente,

outros meios existem para seu respeito e sua consecução, respectivamente, qual

seja, o ajuizamento de Ação Declaratória ou Querela Nulitatis Insanabilis, como

preferem alguns, a qual não está sujeita a prazo decadencial e também visa à

desconstituição dos efeitos de sentença nula.

Como se denota da proposta até aqui encartada, tudo o que dito

encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro. Cada uma das soluções

apresentadas se subsumem a previsão legal válida, vigente e aplicável, razão pela

qual, qualquer que seja a opção adotada, o dever de respeito ao princípio da

segurança jurídica e da coisa julgada resta estabelecido, visto que a própria

legislação pertinente autoriza seu respectivo emprego.

Discorrido sobre a primeira hipótese a ensejar o ajuizamento de

Ação Rescisória, quando declarada a inconstitucionalidade de determinado preceito

normativo, nos moldes propostos, a segunda hipótese não apresenta maior

dificuldade, qual seja: o Supremo Tribunal Federal, em sede de ADIn, afastar

parcialmente o fundamento legal empregado como bastante a justificar a tutela

jurisdicional em favor de uma das partes.

Para melhor compreensão deste tópico é necessária uma breve

incursão ao conceito de “capítulos de sentença”, brilhantemente desenvolvido por

Cândido Rangel Dinamarco, a partir da doutrina italiana, na obra que apresenta

como título o próprio tema proposto.

O trabalho em se referir ao conceito de capítulo de sentença importa

para clarificar a possibilidade da ocorrência de sentenças que versem sobre mais de

um ponto concomitantemente. Assim permitem a verificação de parte onde incidem

os efeitos de eventual declaração posterior de inconstitucionalidade do fundamento

que lhe foi empregado, e em outras partes não. Nesse desiderato, ensina o

professor Cândido Rangem Dinamarco (2002, p. 34) que:

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A configuração dos capítulos de sentença segundo o modo-de-ser do direito brasileiro corresponde substancialmente à que fora proposta por Enrico Tullio Liebman em seu famoso ensaio. Cada capítulo do decisório, quer todos de mérito, quer heterogêneos, é uma unidade elementar autônoma, no sentido que cada um deles expressa uma deliberação específica; cada uma dessas deliberações é distinta das contidas nos demais capítulos e resulta da verificação de pressupostos próprios, que não se confundem com os pressupostos das outras. Nesse plano, a autonomia dos diversos capítulos da sentença revela apenas uma distinção funcional entre eles sem que necessariamente todos sejam portadores de aptidão a constituir objetos de julgados separados, em processos distintos e mediante mais de uma sentença: a autonomia absoluta só se dá entre os capítulos de mérito, não porém em relação ao que contém julgamento da pretensão ao julgamento deste (capítulo que aprecia preliminares – supra, n. 7). Na teoria dos capítulos de sentença autonomia não é sinônimo de independência, havendo capítulos que comportariam julgamento em outro processo e também, em alguns casos, capítulo que não comportaria (o que rejeita preliminares).

Como se dessume da breve passagem transcrita, as sentenças

podem ser divididas em capítulos, os quais, em determinados casos, apresentam

fundamentos meritórios distintos. Assim, pode ocorrer que determinado fundamento

legal, empregado em determinado capítulo da sentença, venha a ser posteriormente

declarado inconstitucional pelo controle concentrado de constitucionalidade,

ensejando o ajuizamento da Ação Rescisória apenas contra parte do decisum.

Sempre que isso ocorrer, tudo o que dito em relação à hipótese do

Supremo Tribunal Federal, em sede de ADIn, afastar integralmente o fundamento

legal empregado como bastante a justificar a tutela jurisdicional em favor de uma

das partes, aplica-se indistintamente, com a ressalva de que o pedido de rescisão se

limitará à parte da sentença refutada pelo Pretório Excelso.

Com as devidas adaptações, o mesmo se diga das demais duas

hipóteses: o Supremo Tribunal Federal, em sede de ADC, confirmar integralmente a

constitucionalidade do fundamento legal anteriormente refutado, no caso concreto,

em decisão bastante a justificar a tutela jurisdicional em favor de uma das partes; o

Supremo Tribunal Federal, em sede de ADC, confirmar parcialmente a

constitucionalidade do fundamento legal anteriormente refutado, no caso concreto,

em decisão bastante a justificar a tutela jurisdicional em favor de uma das partes,

com a ressalva de que, nesses casos, não se cogitará eventual “restrição” dos

efeitos da declaração pelo próprio Supremo Tribunal Federal, nos moldes previstos

no art. 27 da Lei 9868/1999, sobre o qual se discorrerá no próximo tópico ao se

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analisar a Ação Rescisória e a divergência jurisprudencial entre decisões prolatadas

pelos meios concentrado e difuso de constitucionalidade sob a ótica substancialista.

4.4 Ação Rescisória e Divergência Jurisprudencial entre Decisões Prolatadas pelos meios Concentrado e Difuso de Constitucionalidade sob a Ótica Substancialista e o Artigo 27 da Lei 9868/1999

Tema bastante controvertido, o cabimento de Ação Rescisória,

frente à divergência jurisprudencial entre decisões prolatadas pelos meios

concentrado e difuso de constitucionalidade, analisado à luz da ótica substancialista,

está intimamente relacionado à previsão estatuída no art. 27 da Lei 9868/1999, que

autoriza ao Supremo Tribunal Federal restringir os efeitos da decisão de

inconstitucionalidade, desde que por maioria de dois terços de seus membros, e

tendo em vista razões de segurança jurídica “ou” excepcional interesse social.

Para efeito de constitucionalidade do referido art. 27 da Lei

9868/199910, o aspecto atinente à “segurança jurídica” deve ser lido como

intimamente relacionado ao excepcional interesse social, sendo que, do contrário, o

referido dispositivo violaria ostensivamente o princípio da tripartição de Poderes.

A inconstitucionalidade resultaria da circunstância de, em estando a

decisão por eventual restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade

embasada exclusivamente na chamada segurança jurídica, sem qualquer referência

a um agir positivo, na direção da realização de um direito social constitucionalmente

estatuído, o Supremo Tribunal Federal estaria, em verdade, legislando, na medida

em que estaria criando uma norma com vigência e validade determinada no tempo,

consubstanciado exatamente no limite que não foi alcançado pela própria

declaração.

Do contrário, acaso o Supremo Tribunal Federal restrinja os efeitos

da declaração de inconstitucionalidade de certo preceito normativo, sob o

fundamento de garantir a consecução de determinado direito social, ou de garantir

àqueles que já o obtiveram não venham a ser prejudicados, sob a ótica

substancialista o atuar do Poder Judiciário estaria legitimado e, por conseguinte,

10 Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou nato normativo, e tendo em vista razões de

segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

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103

“constitucionalizado”, tendo em vista que, sob a égide dessa corrente, como dito

anteriormente em capítulo próprio, esse “atuar” seria uma atribuição e um dever

dessa função do Estado.

Clarificando o que dito no parágrafo anterior, o fundamento a

justificar a constitucionalidade deste “agir-legislando” do Poder Judiciário resultaria

do próprio contexto do Estado Democrático de Direito, e da aplicação mesmo das

disposições constitucionais e da própria Constituição Federal.

Nesse diapasão, a ótica em que deve analisar a questão da

constitucionalidade do art. 27 da Lei 9868/1999 não seria mais aquela em que o

Supremo Tribunal Federal estaria legislando, mas no sentido do Supremo Tribunal

Federal estar garantindo a aplicação ou aplicabilidade de direitos

constitucionalmente previstos e garantidos a todos os cidadãos em geral.

Assim, em estando, nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal

aplicando o que a própria Constituição Federal impõe, não se poderia falar em um

“agir-legislando” do Poder Judiciário, tendo em vista que a norma que dá supedâneo

à decisão do órgão de cúpula já existe no ordenamento jurídico, estando prevista

expressamente na própria Constituição.

Didaticamente esclarecendo, exemplificando a hipótese, certamente

o raciocínio fica mais claro: determinada norma X prevê que todas as famílias de

baixa renda poderão freqüentar escolas particulares, acaso o Município não

disponha de vagas públicas para todos. Passados três anos o Supremo Tribunal

Federal declara a inconstitucionalidade desse preceito normativo, com efeito ex

nunc, a teor do inserto no art. 27 da Lei 9868/1999. Nesse caso o Poder Judiciário

não estaria legislando, tendo em vista que o fundamento para a validade da norma

refutada durante o período não alcançado pelo efeito da decisão não seria ela

própria, mas o preceito constitucional que garante a todos o acesso a educação.

Logo, o Supremo Tribunal Federal não estaria legislando ao assim decidir, e, por

conseguinte, não restaria violada a tripartição de Poderes do Estado.

Como se nota, para efeito de constitucionalidade do art. 27 da Lei

9868/1999, ela somente se justifica à luz da teoria substancialista, jamais da teoria

procedimentalista da Constituição Federal.

Retomando o que dito anteriormente, sob a égide da teoria

procedimentalista, o art. 27 da Lei 9868/1999 seria sempre inconstitucional, como se

dessume a partir da constatação que, invariavelmente, in caso, o Supremo Tribunal

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Federal estaria legislando, criando uma norma que nunca existiu ou poderia existir

durante o tempo de sua validade e vigência não foi alcançado pela declaração.

Nesse contexto, para que seja legal o ajuizamento de Ação

Rescisória frente à divergência jurisprudencial pelo meio concentrado e difuso de

constitucionalidade no tocante ao período não atingido pela declaração, o

interessado deve pleitear, incidenter tantum, o reconhecimento e a declaração de

inconstitucionalidade do art. 27 da Lei 9868/1999, crível somente a partir da

aplicação da teoria procedimentalista, jamais substancialista, desde que

efetivamente a decisão esteja embasada na soma da segurança jurídica e do

atendimento a um “excepcional interesse social”.

4.5 Da Inaplicabilidade da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal às Ações Rescisórias Ajuizadas face a Violação de Preceito Constitucional

Com o advento da Emenda Constitucional nº. 45, de 30 de

dezembro de 2004, a Constituição Federal foi acrescida do art. 103-A que atribuiu

efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário de todas as Súmulas

editadas pelo órgão de cúpula, o qual apresenta o caput nos seguintes termos,

verbis:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços de seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (D. O. U. - Diário Oficial da União. 31.12. 2004).

O referido dispositivo foi introduzido ao corpo constitucional na

intenção de estabelecer a segurança jurídica, garantindo tratamentos iguais a todos

que recorrem ao Poder Judiciário, bem como para atribuir maior celeridade à

atividade jurisdicional desempenhada pelo Estado.

Com relação às súmulas anteriores à edição da Emenda

Constitucional nº. 45/2004, o art. 8º do próprio corpo de texto estipulou que elas

somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação, por dois terços dos

membros do Supremo Tribunal Federal, e após sua publicação na imprensa oficial, o

que poderia desacreditar a necessidade deste tópico apartado. Contudo, ainda

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assim, o presente tópico é relevante, na medida em que o Supremo Tribunal Federal

vem repisando seu posicionamento no sentido da inaplicabilidade da Súmula 343,

quando eventual Ação Rescisória venha a ser ajuizada frente à violação de preceito

constante da Constituição, quando o dispositivo anteriormente aplicado venha a ser

declarado inconstitucional.

Elaborada com a redação descrita a seguir, a Súmula 343 do

Supremo Tribunal Federal decorre de decisão prolatada em sessão plenária na data

de 13 de dezembro de 1963, apresentando como precedentes os julgamentos do

Recurso Extraordinário nº. 41407, publicado no Diário de Justiça de 30/09/1959, do

Recurso Extraordinário nº. 50046, publicado no Diário de Justiça de 14/06/1963, o

dos Embargos interpostos na Ação Rescisória nº. 602, publicada do Diário de

Justiça de 09/07/1964, verbis: “Não cabe Ação Rescisória por ofensa a literal

disposição de lei, quando a decisão prescindenda se tiver baseado em texto legal de

interpretação controvertida nos tribunais”.

O posicionamento pacificado na Suprema Corte, afastando a

aplicação da Súmula 343 quando de posterior declaração de inconstitucionalidade

de preceito normativo anteriormente aplicado ao caso concreto, tem sua origem na

decisão proclamada pelo Tribunal Pleno no julgamento do Recurso Extraordinário nº.

89.108-1, oriundo do Estado de Goiás, publicada no Diário de Justiça em 19 de

dezembro de 1980, a qual apresenta a seguinte ementa:

AÇÃO RESCISÓRIA. PRESSUPOSTOS - Decisão que admite a constitucionalidade de lei estadual (lei nº. 7.250, de 21.11.68 – art. 67 -, do Estado do Goiás, que estabeleceu a feitura de lista tríplice, dentre os aprovados no concurso público, para provimento de serventias de justiça), ofende preceito constitucional (art. 97, §1º da CF), sendo passível, em conseqüência, de revisão através de ação rescisória, proposta com fulcro no art. 485, V, do CPC. - Inaplicabilidade, à espécie, do enunciado nº 343 da súmula do STF, seja pela inexistência de dissídio de julgados até o pronunciamento da inconstitucionalidade do dispositivo de lei estadual sob exame, quer porque o aresto discrepante, proferido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (RE nº. 71.583), foi posteriormente absolvido por decisão contrária do Plenário desse mesmo Tribunal (RE nº. 73.700). Recurso Extraordinário conhecido e provido.

Ainda que a ementa deixe transparecer que o tema em apreço não

foi abordado, o teor dos votos dos respectivos Ministros do Supremo Tribunal

Federal que participaram do julgamento não deixa pairar dúvidas nesse desiderato.

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O excelentíssimo Ministro Cunha Peixoto, à época do julgamento,

nos moldes do corte proposto neste trabalho, assim se pronunciou:

As conseqüências da decretação de inconstitucionalidade de uma lei não recolhem o total consenso dos doutos e dos Tribunais, pois alguns sustentam sua nulidade ab initio e outros a partir do ato declaratório de invalidade. O Corpus Júris Secundum, reportando-se ao direito norte-americano, assim compendia a diretriz ali dominante: “em sentido amplo, uma lei inconstitucional é nula, em qualquer tempo, e a sua invalidade deve ser reconhecida e proclamada para todos os efeitos ou quanto a qualquer estado de fato. Não é lei ou não é uma lei; é algo nulo, não se reveste de força, não possui efeito ou é totalmente inoperante. Falando de modo geral, a decisão, pelo tribunal competente, de que a lei é inconstitucional tem por efeito tornar essa lei nula e nenhuma; o ato legislativo do ponto de vista jurídico, é tão inoperante como se não tivesse sido emanado ou como se a sua promulgação não houvesse ocorrido. É considerado invalido e nulo, desde a data da promulgação e não somente a partir da data em que é, judicialmente, declarado inconstitucional. Exposta a opinião dominante, aponta o mesmo repositório os termos em que se colocamos que têm ponto de vista diverso: “por outro lado, tem sido sustentado que essa regra geral não é universalmente verdadeira; que existem muitas exceções ou que certas exceções têm sido reconhecidas a esse respeito; que essa teoria tem sido temperada por diversas outras considerações; que uma visão realista vem corroendo essa doutrina; que asserções tão amplas devem ser recebidas com reservas e que, mesmo uma lei inconstitucional, é um fato eficaz, ao menos, antes da determinação da constitucionalidade, podendo ter conseqüências que não é lícito ignorar. Tem sido sustentado, por isso, que a lei inconstitucional não é nula mas somente anulável ou que é inexecutável em vez de nula, ou nula no sentido de que é inexecutável, porém, não no sentido que é anulada ou abolida; que a lei inconstitucional permanece inoperante enquanto a decisão que a declara invalida é mantida e que, enquanto essa decisão continua de pé, a lei dorme, porém não está morta”. [...] Ora, um ato ou uma lei inconstitucional é inexistente e, assim, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, ao denegar a segurança, aplicou um dispositivo de lei inexistente, podendo a decisão ser desconstituída por meio de ação rescisória. [...] A invocação das lições contidas no RE 73.809 aparece, não só como subsídio doutrinário, mas, ainda, pelo valor moral que contêm as decisões do Supremo Tribunal Federal. Nada mais. Por esses motivos, conheço do recurso com fundamento na letra “c” e lhe dou provimento, para julgar procedente a ação rescisória, invertendo o ônus de sucumbência.

Excelentíssimo Ministro Soarez Muñoz, ao longo de seu voto,

apresentou contribuição relevante ao tema, verbis:

Na espécie, o texto legal controvertido não é de lei ordinária, mas da própria Constituição. Entendo, por isso, que não é aplicável a súmula 343. A inconstitucionalidade é o maior vício que uma lei pode conter. O efeito de declaração de inconstitucionalidade é “ex tunc.”

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Excelentíssimo Ministro Moreira Alves assim se posicionou, verbis:

E não há que invocar-se, no caso, o disposto na súmula 343, (“Não cabe ação rescisória por ofensa literal a disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseada em texto de legal de interpretação controvertida nos tribunais”), uma vez que ela deflui de julgados que dizem respeito, apenas, a leis ordinárias. E, por se tratar de súmula, ela está vinculada ao âmbito dos julgados de que é síntese, não podendo – extravasar dele por via de interpretação extensiva. Aliás, ainda que fosse isso possível, não me animaria a essa extensão, pois entendo que a súmula 343 nada mais é do que a repercussão, na esfera da ação rescisória da súmula 400 – que não se aplica a texto constitucional – no âmbito de recurso extraordinário, como se infere do art. 119, III, “a” na Emenda Constitucional nº 1/69, o correspondente, no plano constitucional, à negativa de vigência de lei é a contrariedade à constituição; e, em assim sendo, se a legislação ordinária (no caso o Código de Processo Civil) se limita a aludir como pressuposto da rescisória a violação literal de disposição de lei, impõem-se que se distinga a lei ordinária (para a qual é necessária a negativa de vigência) e a lei constitucional (para a qual basta a contrariedade).

Excelentíssimo Ministro Carlos Thompson, sem se desvirtuar dos

entendimentos transcritos, assim proclama:

Certo o ilustre patrono dos recorridos, nos alentados e brilhantes memoriais que nos ofereceu, funda-se na súmula 343 para repelir a rescisória. Penso que não lhe assiste razão. E isto porque o acórdão recorrido, em sua própria ementa, funda-se na Súmula 343 para repelir a rescisória. Considero que não tem ele aplicação, como não o tem o verbete 400, quando se trata de fazer aplicação de texto constitucional, como aqui sucedeu.

Excelentíssimo Ministro Djaci Falcão comunga do entendimento de

seus então colegas, verbis: “A declaração de inconstitucionalidade tem, como

sabemos, efeito ex tunc e, no caso, o recorrente exercitou o seu direito, consoante

esclareceram o eminente Relator e os votos que o acompanharam em tempo hábil”.

Dedicando a devida atenção aos notáveis votos transcritos, que

redundaram no afastamento da aplicabilidade da súmula 343 na hipótese de

ajuizamento de Ação Rescisória com fundamento em posterior declaração de

inconstitucionalidade de preceito normativo posteriormente rechaçado pelo controle

concentrado de constitucionalidade, dois aspectos merecem atenção: (i) o

reconhecimento ser o preceito normativo anteriormente aplicado admitido como

inexistente e, por conseguinte, como nula a decisão emanada sob seu fundamento;

(ii) os limites de aplicação da súmula às discussões envolvendo preceitos infra-

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legais, jamais inconstitucionais, em decorrência dos precedentes que justificaram

sua edição.

O primeiro dos fundamentos desenvolvidos pelos Ministros, os quais

seguem empregados até os dias de hoje, dispensa esclarecimentos, porém há

ressalva que, para sua aplicação, deve ser considerada que a declaração de

inconstitucionalidade foi prolatada em decisão com efeitos ex tunc, ou seja, sem a

aplicação da restrição estatuída no art. 27 da Lei 9868/1999, a qual foi esclarecida

no tópico anterior.

Já o segundo fundamento decorre da obrigatoriedade, sempre da

pretensão de se aplicar uma súmula, de se verificar o porquê de sua edição, os

fundamentos que lhe dão supedâneo.

Em relação à Súmula 343, como bem ressaltou o Ministro Moreira

Alves, as decisões que a precederam e justificaram versavam exclusivamente sobre

interpretação controvertida de normas infralegais, não existindo qualquer referência

a normas constitucionais. Nessa conjectura, eventual interpretação extensiva

desfiguraria a própria súmula, retirando a substância que a justifica.

Com relação à referência que os juristas dedicam à Súmula 40011,

ela se presta a demonstrar que não existe razoabilidade no próprio trabalho de

extensão interpretativa do conteúdo da Súmula 343, no sentido de albergar normas

de índole constitucional.

Resta claro, de tudo o exposto, que nos termos do trabalho em

comento, sempre que se pretender o ajuizamento de uma Ação Rescisória frente à

divergência jurisprudencial pelos meios concentrado e difuso de constitucionalidade,

não se aplica a Súmula 343, não existindo óbice, pois, ao exercício de seu direito

constitucionalmente assegurado, pelo interessado, ainda que venha a ser

confirmada nos moldes previstos no art. 8º da Emenda Constitucional nº. 45/2004.

11 Súmula 400: Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não

autoriza recurso extraordinário pela letra “a” do art. 101, III, da Constituição Federal.

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5 CONCLUSÃO

1. As decisões prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede

de Recurso Extraordinário ou originariamente nos processos de sua competência

exclusiva, pelo controle difuso de constitucionalidade, acerca da validade de

determinados preceitos normativos frente à Constituição Federal, têm o condão

exclusivo de fazer coisas julgadas inter partes. Acaso proclamadas pelo plenário do

indigitado órgão de cúpula, ensejam a imediata comunicação ao Senado Federal

(art. 52, X, da Constituição Federal) para que decida sobre a retirada, ou não, desse

preceito normativo do ordenamento jurídico, em ato desprovido de coercitibilidade

quanto a seu eventual atendimento ou mesmo apreciação pelo Poder Legislativo,

em decorrência do princípio da tripartição de Poderes.

2. As sentenças prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal, no

desempenho do controle concentrado de constitucionalidade, especialmente em

sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de

Constitucionalidade, em regra têm efeitos ex tunc e erga omnes. Admitem,

excepcionalmente, a restrição temporal dos efeitos da decisão desde que declarada

a inconstitucionalidade de determinado preceito normativo, desde que por maioria de

dois terços de seus membros, e tendo em vista razões de segurança jurídica “ou”

excepcional interesse social (art. 27 da Lei 9868/1999).

3. Eventual declaração de inconstitucionalidade de determinado

preceito normativo pode ocorrer tanto por meio de decisão pela procedência do

pedido constante de Ação Direta de Inconstitucionalidade, quanto de decisão pela

improcedência de pedido formulado em sede de Ação Declaratória de

Constitucionalidade, por aplicação do que se chama de “efeito simétrico” ou “efeito

espelho”, que tem o condão de travestir uma em outra (Ação Direta de

Inconstitucionalidade em Ação Declaratória de Constitucionalidade, e vice-versa) a

partir do teor do acórdão (arts. 23 e 24 da Lei 9868/1999).

4. Para a verificação da constitucionalidade do art. 27 da Lei

9868/1999, que autoriza a restrição temporal dos efeitos da decisão de declaração

de inconstitucionalidade, é necessário que se verifique concomitantemente a

ocorrência dos três requisitos: por maioria de dois terços de seus membros, e tendo

em vista razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, ou seja,

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especialmente quanto à “segurança jurídica” e o “excepcional interesse público”,

nada obstante o dispositivo apresentar redação com o emprego da conjunção “ou”,

para efeito de constitucionalidade de sua aplicação é necessário que ambas se

façam presentes ou, do contrário, acaso não se verifique a ocorrência do último, o

Poder Judiciário estaria legislando, ao acrescentar ao ordenamento jurídico, por

meio da sentença, uma norma inconstitucional a admitindo como válida, com

vigência determinada pelo período não alcançado propositadamente pelos efeitos

mitigados na decisão.

5. Para efeito do reconhecimento da constitucionalidade do art. 27

da Lei 9868/1999, além da imprescindibilidade da verificação da ocorrência

concomitante dos três requisitos previstos no próprio dispositivo, é necessário que

sua análise ocorra a partir do enfoque da teoria substancialista da Constituição

Federal e de seus preceitos, não tendo lugar sua análise a partir do enfoque da

teoria procedimentalista de interpretação da Constituição Federal e de seus

preceitos.

6. Em linhas gerais, a primeira corrente, dita substancialista, pode

ser identificada como sendo aquela que sustenta competir aos preceitos

constitucionais – à própria Constituição – interferirem decisiva e diretamente nas

opções políticas, impondo seu respeito e sua imediata aplicação como um conjunto

de valores consensuais e imprescindíveis, decorrentes do contrato social. A corrente

procedimentalista, apesar de não ser absolutamente antagônica à corrente

substancialista, por sua vez, defende servir os preceitos constitucionais ou a própria

Constituição apenas como diretrizes a garantirem a efetiva participação individual –

em coletividade - no Estado Democrático de Direito, reportando a definição do

sentido de cada um dos valores ali estatuídos a um dado momento histórico,

identificável mediante o pronunciamento da maioria, a partir de eventual ou

corriqueira decisão política.

7. Para efeito de apuração da constitucionalidade do art. 27 da Lei

9868/1999, acaso verificado a ocorrência concomitante dos três requisitos

estatuídos no indigitado dispositivo - por maioria de dois terços de seus membros, e

tendo em vista razões de segurança jurídica “ou” excepcional interesse social, sob a

ótica substancialista, o fundamento de validade legal para a decisão por admitir

como válida, com vigência determinada pelo período não alcançado

propositadamente pelos efeitos mitigados na decisão, do preceito normativo, não

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será o próprio acórdão do Supremo Tribunal Federal, mas os preceitos

constitucionais que exigem sua imediata aplicação, ainda que desprovidos de

regulamentação específica. O mesmo não ocorrendo sob a ótica procedimentalista,

que não admite seja crível essa auto-aplicabilidade das diretrizes sociais constantes

da Constituição Federal.

8. Quando se fala em posterior declaração de inconstitucionalidade

de determinando preceito normativo, anteriormente aplicado ao caso concreto, não

se pode cogitar sentença inexistente, desde que haja sido editada com o

atendimento de todos os requisitos formais exigidos em lei (relatório, fundamentação

e dispositivo), tendo em vista que, quando da prolação da sentença, a norma era

válida e vigente. In caso, a sentença será nula frente à realidade superveniente da

retirada do ordenamento jurídico do preceito normativo anteriormente aplicado, com

efeitos erga omnes e ex tunc.

9. Admitida a decisão pela (in)constitucionalidade de determinado

preceito normativo, prolatada pelo controle concentrado de constitucionalidade, em

desconformidade com sua aplicação pelo meio difuso de constitucionalidade,

anteriormente, com efeitos erga omnes e ex tunc, a Ação Rescisória se mostra o

meio hábil à revisão da sentença prolatada no caso concreto, desde que ajuizado no

prazo decadencial de 2 (dois) anos contados a partir da publicação da decisão que

refutou a norma in tese, pelo Supremo Tribunal Federal. Tendo em vista que, apesar

de nula a decisão, os requisitos para o recebimento da ação são anteriores à própria

análise de mérito, não se podendo cogitar que “nulidades absolutas” podem ser

argüidas em qualquer tempo e grau de jurisdição, sob pena de deformação do

sistema processual civil, sendo outro meio à regularização do feito para o

afastamento da nulidade constatada, o ajuizamento de Ação Declaratória,

comumente tratada como Querela Nulitatis Insanabilis, a qual não está sujeita a

prazo decadencial.

10. O fundamento para o ajuizamento da Ação Rescisória está

previsto no inciso V do art. 485 do Código de Processo Civil – violar literal disposição

de lei -, e pode apresentar como causa de pedir três situações distintas: (i) admitir-se

a sentença enquanto ato normativo; (ii) existir uma lei anterior, ainda válida e vigente

no ordenamento jurídico, que frente à “lei” tida como inconstitucional dita o oposto da

norma nela insculpida; (iii) adotar como causa de pedir a própria falta de

fundamentação que passa a pairar sobre a sentença anteriormente prolatada.

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11. A Ação Rescisória pode ser ajuizada contra parte da sentença,

desde que atingida pela declaração de (in)constitucionalidade superveniente, por

decisão do Supremo Tribunal federal no exercício do controle concentrado de

constitucionalidade, respeitados os capítulos da sentença.

12. A Súmula 343, do Supremo Tribunal Federal, que afasta o

cabimento de Ação Rescisória ajuizada com fundamento em violação de disposição

literal de lei “quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de

interpretação controvertida nos tribunais” não aplica nas hipóteses de ajuizamento

da Ação Rescisória quando a ofensa for ao texto constitucional. Nessa hipótese a

Súmula não tem aplicação tendo em vista dois fundamentos manifestados pelo

próprio Pretório Excelso: (i) o reconhecimento ser o preceito normativo anteriormente

aplicado admitido como inexistente e, por conseguinte, como nula a decisão

emanada sob seu fundamento; (ii) estar limitada a aplicação da Súmula às

discussões envolvendo preceitos infralegais, jamais inconstitucionais, em

decorrência dos precedentes que justificaram sua edição.

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