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ACASADO - Gandra Martins · Um dos grandes problemas na época era a falta de uma legislação específica. já ql:e os alunos eram trata-dos pela fiscalização como fundonários,

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Emerson Ferreira(emcas~):"Min~:r:

:intenção é ajudar(a-família."

Emerson Ferreira (nofórum): "O ambiente étotalmente diferente daescola. Aqui não temessa de não fazer oudeixar para depois."

A segunda reportagem dasérie sobre cinco décadas

dedicadas aos jovenssileiros aborda a evoluçãodo estágio como motor da/ualificação e inclusão dosestudantes no mercado de

trabalho.

As histórias do estágio no Brasil e do CIEE se confun-dem. Há meio século, quando a instituição filantró-pica de assistência social foi criada por um grupo de

empresários, executivos e educadores, o estágio foi instituídocomo a principal ferramenta para fonnar profissionais de qua-lidade e, paralelamente, impulsionar a conquista do primeiroemprego - quase sempre uma etapa difícil na vida dos jovens.Até o momento maís de 13 milhões de estudantes de todo opaís foram encaminhados para vivenciar a prática profissionalem empresas e órgãos públicos, transformando o CIEE na casado estagiário.Essa oportunidade leva o jovem a conhecer a realidade da

carreira escolhida, interagir com profissionais gabaritados, re-passar os conhecimentos teóricos captados nas aulas e desen-volver habilidades valorizadas no mundo do trabalho. Já para asempresas, constitui um mecanismo eficaz para qualificar novostalentos. contando com incentivos, como isenção de encargostrabalhistas e previdenciários. pois c estágio é uma atividadepedagógica. não laboral, regida por lei específica. Com o passar

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do tempo, o estágio também ganhou um importantepapel social. Graças à remuneração proporcionadapela bolsa-auxflio obrigatória, muitos jovens em si-tuação de vulnerabilidade social conseguiram darcontinuidade aos estudos, ajudar no orçamento fa-miliar, escolher e se especializar em uma carreira,e inserindo-se com mais qualidade no mercado detrabalho e na própria sociedade.O estagiário Emerson Ferreira de Araújo, 16 anos,

está trilhando esse caminho para atingir o sucessoprofissional. Estudante do ensino médio e moradordo Jardim Ana Estela, em Carapiculba, municípioda região metropolitana de São Paulo, ele perdeu opai recentemente e viu a famflia - a mãe Evanilde eo irmão de 14 anos - em maus lençóis, com o orça-mento bem apertado. Após uma ação social promo-vida pelo CIEE na região, Emerson resolveu fazer, in10co, a prova para estágio no Tribunal de Justiça doEstado de São Paulo (TJ-SP). Foi assim que conquis-tou seu primeiro estágio, no Fórum de Carapiculba,com jornada de 4 horas/dia, o que possibilita conci-liar o estágio com os estudos. "Estou achando muitoproveitoso para o meu futuro': diz o jovem, que coma bolsa-auxílio aumentou a renda familiar em 50%."Minha intenção é ajudar a farnflia': salienta.

AMBIENTE DIFERENCIADO. O sonho de Emersoné seguir a carreira militar e graduar-se para alcançarpatentes mais altas. "Convivendo agora com a áreajurídica, quem sabe eu não pego gosto pelo direitô:brinca. O jovem estudante do terceiro ano do ensinomédio ainda está debutando no estágio. Mesmo assim,com menos de um mês de capacitação prática, já sen-te a diferença. "O ambiente é totalmente diferente daescola. Aqui não tem essa de não fazer ou deixar paradepois. A gente se sente com mais responsabilidade:'A dona de casa Evanilde está orgulhosa do primo-

gênito. "Quando ele disse que tinha passado na provafiquei muito contente. É uma realização para mim. Seique ele tem muito futuro porque é um bom filhô: co-memora. Segundo ela. a bolsa-auxílio vai ajudar a fa-mília. "Mas o estudo é mais importante que o dinhei-ro:' Antes do estágio, Emerson chegou a trabalhar emum supermercado, mas estava ficando puxado: porcausa da carga horária e do trabalho pesado, ele atécogitou parar de estudar. "Mas não deixei. Preferi queele saísse do trabalho. Mas agora é diferente, ele tem achance de estudar e estagiar': conta.Emerson sente-se seguro fazendo estágio. Sabe

dos seus deveres e dos direitos conquistados pe-

los estudantes após a aprovação da Lei do Estágio(11.788/2008). Ele terá direito a um mês de recessoremunerado a cada ano estagiado. Ma.sjá está cien~te de que só permanecerá como estagiário do TJ-SPpelo tempo máximo de dois anos, período máximode estágio estabelecido pela lei na mesma empresa ouórgão público - norma que, na visão de empresas eespecialistas, mereceria uma revisão, visto cortar boasoportunidades de construção de carreira numa orga-nização em que o jovem protagonize bom desempe-nho e integração com o quadro funcio:tal. De autoriado senador Osmar Dias (PDT-PR), a nova lei ampliousua abrangência, autori7"mdo a contratação de estu-dantes por profissionais liberais autônomos, desdeque devidamente registrados em seus conselhos defiscalização. Teve também um grande mérito em pre-servar o caráter pedagógico da modalidade.

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CIEE, participação ativa na elaboração de leisque defi1em direitos e deveres dos estagiários.

o ESTÁGIO E A LEI. Mas nem sempre foi assim.O conceito do estágio evoluiu muito durante cincodécadas. Nos primeiros anos de CIEE. não existiamleis específicas que regulassem a atividade e as em-presas ainda olhavam com ar descordiado para osbeneficios do estágio. Foi nesse momento que sedestacou o trabalho continuo c incansável do primei-ro presidente executivo do CIEE, Victório d'AchillePa!mieri, para divulgar e conquistar adesões à inicia-tiva pioneira. José Augusto Minarelli, vice-presidentedo Conselho de Administração do elE£, foi um dosprimeiros funcionários da instituição, contratado em1965 como responsável pela área técnica de estágio."Eu atendia os candidatos, entrevistava e encaminha-

Osmar Dias:relator da Lei do

Estágio.

"£ fundamclltalque a gente tenha umaorgalliznção que sepreocupe com osjovens,com a colocação deles nomercado de trabalho ecom" aprimoramento desuas vocações para que,efetivamente. tenhamcltallces muito maioresde se redlizar como serh"mmlO."

Alencar Surti,presidente do Sebrae. em 2012.

"O ClEE. dedicadoa assist~ncia sociale àpreparação dojOlltm para o mercadode trabalho. está emconsonância com omemento atual doBrasil e com as polfticaspúblicas voltadaspri'Jritariamcnte para ainfâl"ia e a juvenfllde."

Michel Temer,vice-presidente da Republlca

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va para as poucas vagas existentes. Depois passei a visitar asempresas para solicitar oportuni::lades de estágio, colabo-rando com o trabalho missionár:o do professor Palmieri:'Hoje. presidente da consultoria Lens&Minarelli, continuaum firme defensor do valor do estágio.Um dos grandes problemas na época era a falta de

uma legislação específica. já ql:e os alunos eram trata-dos pela fiscalização como fundonários, o que exigia ocumprimento de leis trabalhistas. A base dessa posturaera a Portaria 1.002/67. do Ministério do Trabalho e daPrevidência Social, que instituiu unas empresas a cate~goria de estagiário", sem citar a isenção de encargos. Nosanos seguintes, o CIEE acompanhou de perto o processoda criaçào de uma legislação que defendesse o estágio eincentivasse a abertura de mais oportunidac.es de capaci-taçào prática aos estudantes.A primeira Lei do Estágio (n° 6.494/77) normatizava a

contratação de alunos do segundo grau. supletivo e nívelsuperior para "propiciar experilncia prática na linha deformação, devendo o estudante, para esse fim. estar emcondições de estagiar. segundo o dispositivo na regula-mentação da presente Lei': Com a nova segurança jurídica.diminuiu muito o receio da criacão de vínculo trabalhistaentre a empresa concedente e o estudante.

SEM ViNCULOS TRABALHISTAS. O Decreto 87.497/82.ao regulamentar a Lei, definiu o papel dos agentes de in-tegração. que deveriam "prestar serviços administrativosde cadastramento de estudantes, campos e oportunidadesde estágios curriculares. bem C0:110 de execução do paga.

Estimulo legal: não há incidênciade encargos trabalhistas e previdenciários

na contratação de estagiários.

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mento de bolsas e outros solicitados pela instituição deensino; coparticipar. com a instituição de ensino. noesforço de captação de recursos para viabilizar estágioscurriculares~ Em 1994, a Lei 8.859 estende aos alunosde ensino especial o direito de realizar estágios. Doisanos depois, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação,ao mencionar o estágio nas dispo,ições gerais, reafir-ma: '0 estágio (...) não estabelece vinculo empregatí-cio, podendo o estagiário receber bolsa de estágio':Nos anos 2000, com vários projetos de modificação

da legislação circulando pelo Congresso Nacional, oCIEE teve participação efetiva na defesa dos direitosdos estagiários, participando de audiências públicasque possibilitaram chegar ao formato da atual lei,aprovada em setembro de 2008, assegurando a legiti-midade da capacitação prática.Sem o estágio, cerca dos 500 mil jovens por ano se-

riam prejudicados - número médio atual de contratosativos -, pois o acesso ao mercado de trabalho se torna-ria muito mais diflcil, atingindo até mesmo a preparaçãode jovens com deficiência para a inclusão profissionale social. A Associação Santo Inácio para Integração doTrabalho, instituição filantrópica que capacita pessoascom deficiência para o mercado de trabalho. seria uma

"Existe uma visãoincorreta, 110 campo dotrabalho, de achar queo estagiário del'e teros mesmos direitos dotrabalhador. Esses gruposnão estão percebeI/do aimportâl/cia de prepararaqueles que serão osfuturos traballllldoresda nação."

IvesGandrada Silva Martins,

jur1s1a, em 2llO7.

"O CIEE é umexemplo de il/stituiçdo emque se pode col/fiar: sdoverdadeiros ap6stolos."Luiz Antonio Medeiros,

St\lOfintendente regional doMinistério do Trabalho e EmJWlJgO.

.0 estágio é aoportunidade 'lue oestudante tem de conhecerI/a prática ComofUl/cionaa profissdo que escolIreu aoingressar na universidade.e entender as dil1crsaspossibilidades 'lue a carreiralhe permite, escolhendo oscamÍflhos com osquais maisse idelltifiea.

Oscar Clarke,em 2011, JWesldente

da HP8lasIl.

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Elisabeti Gonsales CamposSilva, da AssociaçãoSanto Inácio: "O estágioé fundamental para avalorizacão da autoestima."

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"O índice dedesemprego dos jovens ésempre muito maior doque o do pa(s: é precisotomar atitudes como oCIEE vem tomando nosúltimos SOanos. Pois, ojuturo começa hoje e sechama ju~'cl1tude".

Geraldo Alckmin,governador de São Paulo

"O estágio é adlave do mercado detrabalho. O jovem jácomeça a se sentir útilf a ter orgulho de siMesmo, pois já ganhauma remuneração ao sec.perfeiçoar naquilo queestá sendo ensinado nasescolas."

Romeu Tuma,ex-senador, em 2008.

delas. Loc<lli7.•1da em São Bernardo do Campo/SE abreoportunidade para que jov~ns com deficiência intelec-tual estagiem nas escolas públicas do município, nasáreas de auxiliar de limpeza, ajudante geral e auxiliar decozinha. com a possibilidade de inclusão no mercado detrabalho. Atualmente 140 jovens são beneficiados. "Oestágio é fundamental para a valorização da autoestimadeles': diz Elisabeti Gonsalcs Campos Silva, gerente téc-nica administrativa da associaçào. Segundo ela, desde oinício da parceria com o CIEE, mais de 200 jovens já fo-ram inseridos no mercado <letrabalho.Na empresa 3M do Brasil-localizada em Sumaré/SP

e que, em várias oportunidades, recebeu o troféu comouma das Melhores Empresls para Estagiar - , abrir asportas para os 110VOS talentos ainda na graduação signi~fica formar profissionais com qualidade. "O programade estágio da 3M contribui para o desenvolvimento depessoas e equipes engajada:; e produtivas, construindocompetências fundamentais para seu futuro profissio-nal", diz André Scatolin, diletor de Recursos Humanosda multinacional norte-americana. Segundo ele, com-por () time com estagiários contribui para o incremen-to e oxigenação da organiz~ção. "E a oportunidade deconhecer talentos que podem se tornar futuros líderesem nossa empresa." Para a incorporadora Cyre1a, queinveste em estágio por todo () Brasil, o estágio é funda-mental para a formação de engenheiros que vão atuarna construçào de empreendimentos, o que auxilia naredução da grande carência de profissionais com essaqualificação no Brasil. "Além de ser o ponto de partida

na carreira, proporciona uma consi.derável oportunidade de crescimentona empresa", revela Aline Ferreira,gerente de desenvolvimento organi.zacional da Cyrela. Nesses 50 anos deatividades, mais de 250 mil empresas,órgãos públicos e entidades do tercei.ro setor contrataram estagiários porintermédio do CIEE. Atualmente 25mil organizações estão conveniadascom a Casa do Estagiário.Entre as instituições de ensino. o

estágio também é visto de modo posi.tivo. Um dos maiores conglomeradoseducacionais do pais, a Universidade

André Scatolin: "O estágio da 3Mcontribui para o desenvolvimentode pessoas e equipes engajadas eprodutivas. "

Anhanguera é uma das grandes par.ceiras do treinamento prático. "O es.tágio é muito importante para a qua-lificaÇào do aluno e imprescindlvelpara sua formação profissional': afir.ma o professor Gilberto Selber, reitorda Universidade Anhanguera de SãoPaulo. "-a no trabalho de campo queo estudante coloca em prática seusconhecimentos teóricos para que eleesteja preparado para os desafios en-frentados no mercado." Para o reitor,a parceria com o CIEE tem sido fun-damentai para identificar os camposde estágio e intermediar o ingressodo aluno no mercado de trabalho.O CIEE possui atualmente convêniocom cerca de 20 mil instituições edu.cacionais por todo o país. 11

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