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Acções de Guerrilha e Contra-Guerrilha Guerrilha e contraguerrilha ACÇÕES O confronto armado entre Portugal e os movimentos de libertação de Angola, Guiné e Moçambique desenrolou-se no quadro que as doutrinas militares e políticas ocidentais classificam de actos violentos da «luta subversiva», nelas incluindo não apenas as suas acções militares típicas, mas também operações tácticas de grande envergadura em ambiente de guerrilha. Embora de um lado se encontrasse um exército regular e do outro de guerrilheiros, na prática ambos os contendores acabaram por realizar o mesmo tipo de acções. Pode, no entanto, dizer-se que a actividade militar destes últimos tentou atingir os seus objectivos principalmente através da interdição de vias de comunicação, ataques a aquartelamentos e emboscadas. Utilizou com frequência e intensidade minas de todos os tipos, e as emboscadas foram principalmente dirigidas contra colunas de viaturas ou patrulhas apeadas. Para o final da guerra, levou a cabo ataques de maior envergadura, como foram os assaltos coordenados às posições de Guidage e Guilege, uma no Norte e outra no Sul da Guiné. As acções militares da contraguerrilha efectuadas pelas forças portuguesas, embora se considerasse que podiam resumir-se a adoptar táctica semelhante à da guerrilha, foram sobretudo condicionadas pela maior ou menor capacidade de resistência dos militares ao terreno e ao clima. Por isso, as operações mais vulgares foram quase sempre de curta duração, raramente excedendo os quatro dias e levadas a efeito por unidades de tipo pelotão/grupo de combate de 30 homens ou, mais raramente, por uma companhia reduzida (três grupos de combate), que actuava dentro de uma área à sua responsabilidade, a zona de acção (ZA). Por norma, estas operações constavam de um plano de actividade operacional (PAO), e podiam ser dos seguintes tipos: - Defesa de pontos sensíveis; - Protecção de itinerários; - Patrulhamentos (nomadização); - Batida (com eventual apoio numa acção de cerco); - Limpeza de povoação; - Golpe de mão; - Emboscada;

Acções de guerrilha e contra-guerrilha

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Acções de Guerrilha e Contra-Guerrilha

Guerrilha e contraguerrilha

ACÇÕES O confronto armado entre Portugal e os movimentos de libertação de Angola, Guiné e Moçambique desenrolou-se no quadro que as doutrinas militares e políticas ocidentais classificam de actos violentos da «luta subversiva», nelas incluindo não apenas as suas acções militares típicas, mas também operações tácticas de grande envergadura em ambiente de guerrilha. Embora de um lado se encontrasse um exército regular e do outro de guerrilheiros, na prática ambos os contendores acabaram por realizar o mesmo tipo de acções. Pode, no entanto, dizer-se que a actividade militar destes últimos tentou atingir os seus objectivos principalmente através da interdição de vias de comunicação, ataques a aquartelamentos e emboscadas. Utilizou com frequência e intensidade minas de todos os tipos, e as emboscadas foram principalmente dirigidas contra colunas de viaturas ou patrulhas apeadas. Para o final da guerra, levou a cabo ataques de maior envergadura, como foram os assaltos coordenados às posições de Guidage e Guilege, uma no Norte e outra no Sul da Guiné. As acções militares da contraguerrilha efectuadas pelas forças portuguesas, embora se considerasse que podiam resumir-se a adoptar táctica semelhante à da guerrilha, foram sobretudo condicionadas pela maior ou menor capacidade de resistência dos militares ao terreno e ao clima. Por isso, as operações mais vulgares foram quase sempre de curta duração, raramente excedendo os quatro dias e levadas a efeito por unidades de tipo pelotão/grupo de combate de 30 homens ou, mais raramente, por uma companhia reduzida (três grupos de combate), que actuava dentro de uma área à sua responsabilidade, a zona de acção (ZA). Por norma, estas operações constavam de um plano de actividade operacional (PAO), e podiam ser dos seguintes tipos: - Defesa de pontos sensíveis; - Protecção de itinerários; - Patrulhamentos (nomadização); - Batida (com eventual apoio numa acção de cerco); - Limpeza de povoação; - Golpe de mão; - Emboscada;

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- Interdição de fronteira.

Defesa de pontos sensíveis

Defesa de pontos sensíveis A primeira missão das unidades era assegurar a defesa de determinados pontos sensíveis: povoações, instalações de importância política, administrativa, económica e militar, pontes e nós de comunicações. A força que recebia a missão de defender um ponto sensível devia estabelecer medidas de segurança, para evitar ser surpreendida e articular-se de modo a resistir a um ataque, as quais incluíam postos de sentinela ou de vigia, a medida mais vulgar; iluminação nocturna, dependente da potência dos geradores; obstáculos, redes de arame, campos de minas e armadilhas e um sistema de alarme. Estas medidas genéricas aplicavam-se, com adaptações, na defesa de uma povoação e de postos militares isolados. Os postos de sentinela estavam muitas vezes protegidos com sacos de terra e redes de arame, o que conferia alguma protecção quando conjugados com minas e armadilhas e com um sistema de alarme, mesmo improvisado com latas penduradas.

A Guerra dos Itinerários

A guerra dos itinerários As acções de contraguerrilha exigem movimentos constantes às forças regulares para executar operações, abastecer as unidades e as populações, assegurar a actividade económica e exercer o poder efectivo. A utilização das vias de comunicação era, por isso, vital para essas forças e, sabendo-o, a

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guerrilha procurou negá-Ia, ou, no mínimo, dificultá-Ia tanto quanto possível. A dificuldade das tropas regulares em garantir o trânsito num dado itinerário resultava da facilidade com que a guerrilha neles podia levar a efeito emboscadas e acções de flagelação e da vulnerabilidade das colunas, nomeadamente quando os terrenos que percorriam eram cobertos por vegetação, muito ravinados e com mau piso. A melhoria da segurança na utilização dos itinerários conseguia-se através do estabelecimento de uma defesa fixa em alguns pontos vitais - pontes, vaus, desfiladeiros - da vigilância móvel realizada por patrulhas e, principalmente, pelas escoltas fornecidas às colunas. Para estas escoltas, era conveniente dispor de viaturas blindadas, situação pouco frequente dada a sua escassez, que foi minimizada improvisando protecções contra o efeito das minas, o que deu origem a que surgissem os «rebenta-minas». Para escoltar comboios e proteger caminhos-de-ferro, os princípios eram os mesmos, embora a sua execução fosse mais difícil, pois tratava-se de infra-estruturas complexas e vulneráveis, que obrigavam a grande rigidez de movimentos. A escolta era, neste caso, constituída por um ou mais vagões blindados, ou devidamente protegidos, transportando uma subunidade com armas pesadas.

Patrulhamento

Patrulhamento Patrulhamento O patrulhamento foi a mais comum de todas as operações realizadas pelas forças portuguesas durante a guerra. Com essas acções procurava-se obter notícias sobre o inimigo, o terreno e a população e criar instabilidade entre os guerrilheiros, obrigando-os a deslocar-se para outras zonas, além de permitir manter o contacto com populações ainda não completamente organizadas pelos guerrilheiros e facilitar a acção psicossocial. Às operações de patrulhas apeadas, que duravam vários dias e se realizavam afastadas dos estacionamentos normais e sem informações sobre a localização ou os movimentos do inimigo, deu-se o nome de nomadização. Sendo uma operação em que o objectivo estava mal definido, caracterizada por grande incerteza, muito cansativa e rotineira, era difícil às tropas manterem elevado grau de prontidão e de alerta. O cansaço após vários dias no mato, carregando pesos consideráveis de rações e água, e o desgaste psicológico provocaram desatenções causadoras de baixas porventura evitáveis noutras circunstâncias.

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Batida e Limpeza

Batida e limpeza A limpeza de uma zona, realizada por meio de batida e cerco, tinha por finalidade expulsar, aprisionar e aniquilar os guerrilheiros e destruir as suas instalações, meios de vida e de combate. Na batida, parte da força percorria uma zona à procura do contacto com os guerrilheiros, enquanto outra montava o cerco, impedindo que dela saíssem ou recebessem reforços. Se possível, utilizavam-se forças especiais para as acções de batida e unidades tipo caçadores para o cerco. A batida podia ser conjugada com assaltos a objectivos definidos, efectuados sempre que possível com a utilização de helicópteros, ou até, embora raramente, por lançamento de pára-quedas. O cerco, por sua vez, podia ser conjugado com emboscadas e com o patrulhamento apeado ou motorizado, neste caso com o recurso a unidades de reconhecimento, quando elas existiam. Quer a batida quer o cerco podiam ser apoiados, ou a sua acção reforçada, pelo emprego da artilharia ou pela aviação. As operações de limpeza de uma área constituíam, por vezes, acções tácticas de envergadura, com o emprego de unidades de vários tipos, incluindo as unidades a cavalo, particularmente eficazes no Leste de Angola e, em regra, realizavam-se sazonalmente - quase sempre nas épocas secas. Caso particular deste tipo de operações era a limpeza de uma povoação, que se executava quando se dispunha de informações que indicavam a presença de guerrilheiros em dada localidade, tendo por finalidade capturá-los ou aniquilá-los, apreender ou destruir o seu material e intimidar populações, de modo a evitar que estas apoiassem muito activamente a guerrilha ou reagissem contra as forças portuguesas. De modo geral, a operação consistia no estabelecimento de um cerco e de actuação no interior da povoação, revestindo-se quase sempre de grande delicadeza pelo facto de se poderem encontrar elementos da população misturados com combatentes. Não era fácil distinguir uns dos outros e, depois de desencadeada uma acção de fogo, era difícil manter o controlo da situação. A luta no interior da povoação apresentava também grandes riscos para os atacantes, que podiam ser surpreendidos, isolados e atacados a cada esquina. As operações de limpeza provocaram, por vezes, situações dramáticas, como as de Wyriamu.

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O golpe de mão

O golpe de mão O golpe de mão é uma operação ofensiva realizada de surpresa contra uma força ou instalação inimiga e consiste no deslocamento efectuado em segredo até às proximidades do objectivo e no ataque fulminante para aniquilar forças lá instaladas, destruir as instalações, quartéis, depósitos de armas e acampamentos ou colher informações através de prisioneiros, documentos e equipamentos. Os golpes de mão eram decididos com base em informações obtidas através de prisioneiros, de fotografias aéreas ou por qualquer outro meio. As maiores probabilidades de sucesso do golpe de mão obtinham-se lançando forças especiais de helicóptero ou de pára-quedas nas proximidades do objectivo. Para além do grupo de assalto, quando os efectivos eram suficientes, constituía-se também um grupo de cerco, que assegurava a detenção e a cobertura, apoiava a recolha e servia de reserva.

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A Emboscada

A Emboscada A emboscada é uma operação realizada de surpresa sobre elementos adversos em movimento, para os aniquilar ou impedir de atingir determinados pontos, colher informações, fazer prisioneiros, apreender armas e documentos, causar danos e criar a instabilidade. Consiste na instalação dissimulada de dispositivo adequado em local escolhido, que se designa por zona de morte, onde se detém e se ataca o inimigo. Manter o silêncio, a dissimulação, a camuflagem, a imobilidade, a atenção permanente durante longas horas, por vezes dias, em condições climatéricas muito difíceis, com calor ou chuva, de dia ou de noite, sujeito à acção de insectos, com fome e sede, exigia grande disciplina e espírito de sacrifício por parte dos combatentes que montavam uma emboscada. A sua realização frequente com resultados infrutíferos conduzia ao desleixo das tropas, tornando-as vulneráveis a golpes de mão e a contra-emboscadas. Habitualmente, as emboscadas eram montadas em locais de passagem obrigatória ou provável, como desfiladeiros e passagens a vau de rios, ou junto a lavras e a fontes. O dispositivo do grupo de combate resumia-se a uma equipa de vigilância de dois homens, uma de detenção, com metralhadora ou lança-granadas, e um grupo de assalto.

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Operações de Interdição de fronteira

Operações de interdição de fronteira Os movimentos de libertação contaram com o apoio directo dos países limítrofes e as forças militares portuguesas procuraram impedir que os meios e os reforços disponibilizados chegassem às bases da guerrilha, no interior dos territórios. A primeira medida tomada pelos comandos militares portugueses foi colocar unidades junto às fronteiras com a missão de evitar as infiltrações de guerrilheiros e assim tentar isolá-los do apoio exterior. Esta operação era particularmente difícil de executar com eficácia nas extensas fronteiras sem obstáculos físicos nem separação de grupos étnicos do Leste de Angola, do Norte e do Leste da Guiné e até no Norte de Moçambique, onde o rio Rovuma não isola a «nação maconde», que se encontrava nas duas margens. A missão de interdição da fronteira era atribuída normalmente aos batalhões em quadrícula. No início da guerra foram instalados postos militares com a missão de vigiar as fronteiras, mas face à impossibilidade de estes postos com pequenos efectivos garantirem a sua segurança, passaram a ser guarnecidos por novas companhias ou foram abandonados. Uma solução que teve êxito na limitação das infiltrações de guerrilheiros vindos do exterior foi a realização de operações específicas para este efeito, conjugando emboscadas com a perseguição por pisteiros e terminando com assaltos de helicóptero realizados por forças especiais. Em Angola, com a disponibilidade de helicópteros SA330 (Puma), foi criada uma unidade de contra-infiltração designada primeiro por Centro Especial de Contra-Infiltração (CECI) e depois por Unidade Táctica de Contra-Infiltração, cuja missão era detectar e intersectar de grupos de guerrilheiros que se dirigiam para as suas centrais, quartéis ou bases, com reforços e reabastecimentos. Este método foi utilizado também em Moçambique (Tete), neste caso com a utilização de pisteiros rodesianos. A este tipo de operação chamava-se salto de gafanhoto. Em Moçambique, na sequência da Operação Nó Górdio foi planeada a Operação Fronteira, com centro em Nangade, que previa a construção de uma estrada alcatroada ao longo do rio Rovuma, com desmatagem das bermas, colocação de campos de minas, patruIhamento constante, electrificação de uma rede de protecção e instalação de meios de vigilância. Em Angola, também foi pensada e começou mesmo a ser estudada a chamada «barragem da fronteira norte», que não vingou perante os incomportáveis encargos e a duvidosa eficácia.

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Acções de interdição de fronteira A interdição de fronteiras foi ainda conduzida por meios aéreos e navais quer em operações autónomas de vigilância e patrulhamento, quer conjugadas com operações de forças terrestres, ou em seu apoio. Nos rios da Guiné e no rio Zaire, em Angola, a Marinha executou grande número de missões de patrulhamento através de lanchas de fiscalização e de acções de fuzileiros em botes. A Força Aérea realizou igualmente, com frequência, operações de vigilância sobre as zonas fronteiriças, que permitiam observar o aparecimento de novos trilhos ou a utilização mais intensa de antigas pistas. Também acções especiais e irregulares foram efectuadas para interditar a passagem das fronteiras por guerrilheiros ou para minimizar as suas consequências, as quais, realizadas «do lado de lá» dessas mesmas fronteiras, procuravam criar instabilidade e obter informações.

Acções de fronteira - ataque a Buba

ACÇÕES DE FRONTEIRA Ataque a Buba Adaptação dos planos de ataque do PAIGC ao quartel de Buba, na Guiné, em 10 de Outubro de 1969, feita a partir de documentos do capitão cubano Pedro Peralta, que foi capturado por pára-quedistas na Operação Jove: «A partir do dia 2 de Outubro, um grupo de exploração fez o reconhecimento para obter todos os dados do quartel e fazer um croquis com as áreas à volta, escolher a colocação

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possível para a infantaria e artilharia e instalar os 82 (morteiros) e os GRAD (Iançadores de foguetes). À nossa chegada, o trabalho desse croquis estava mal, pois tinha sido feito de noite. Discutimos com Nino e ele ordenou nova exploração. Depois de ela ter sido feita, reunimo-nos para analisar a situação do quartel e a sua possível defesa. Os portugueses deviam ter 400 e picos homens e, pela situação do aquartelamento, era a seguinte a sua forma de defesa: pela parte da frente estavam as auto-metralhadoras, uma delas com a possibilidade de cobrir o embarcadouro, que está a 50 metros do quartel. À retaguarda deviam ter um sector para bater todo o rio, no caso de tentativa nossa de o atravessar. Existiam ainda duas peças de artilharia no lado do quartel que dá para a povoação. Depois de termos analisado todos os sectores de tiro, decidimos fazer o ataque principal com dois bigrupos reforçados com RPG-7 e metralhadora, na direcção da ponta do quartel, onde termina a pista de aviação. Este seria o golpe principal. O secundário seria com o resto dos dois bigrupos, que entrariam por onde se encontra a povoação. O plano foi apresentado ao Nino e ele concordou, depois de ver o terreno. Discutimos como se devia avançar e ficou estabelecido como se segue: Os combatentes com RPG-7 em primeira linha, com apoio da metralhadora, varreriam todos os postos de resistência. A terminar este ataque, a infantaria, que se encontrava perto do quartel, avançaria com as AK em tiro a tiro. Este ataque jogaria com o tiro da artilharia. Como meios de comunicações, os responsáveis dos bigrupos teriam rádios "Boqui¬toqui" (walkie-talkie), que estavam bons e comunicavam na perfeição. Também se precisou a hora em que os bigrupos estariam em posição.» Fonte: http://www.guerracolonial.org/

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AL. QUEIROZ CPOR/RJ C. ART. tu78

Publicado no C.N.O.R.

Conselho Nacional dos Oficiais da Reserva do Brasil