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Jornal Laboratório doCurso de ComunicaçãoSocial da L'niversidade

Federal de Santa Catarina.

Textos: Analú Zidko. Ar­

le v Reis Machado. CarlaCabral. Carlos Alberto Lo­

carelli. Dauro Veras. Deny­ris Laurinda Rodrigues. I1-ka Gols Schmidt. JoachimSchmitz. Karim Véras. Kar­

Ia Bastos. Luciene Guima­rães Abdo. Mara $chuster.Maria Alaivi Macarini. Ma­ria Cristina Yo s h i z a t o ,

Marques Edilberth Casara.Milene Co r r e a , Rozana

Maria De Moliner , Roselide Souza. Rute Enriconi,Sabrina Franzoni e SôniaBridi.

Diagramação: Analú Zid­ko , Arley Reis Machado.Denyris Laurindo Rodri­

gues. Ilka Goldschimidt ,

Joachim Schrn itz . Karl a

Bastos. Mara Schuster. Ro­sana Maria De Mo line r ,

Rute Enriconi e SabrinaFranzoni.

Fotografia: Analú Zid ko ,

Carla Cabral. Joachim Sch­mitz , Karin Véras, MariaAlauci Macar ini , MariaCristina Yoshizato , Mar­

ques Edilbert Casara. Luiz

Philippe de Arruda. Roselide Souza. Sabrina Fransonie Simone Dias.

Laboratório Fotográfico:Carla Cabral. Luiz Philippede Arruda. Rozana MariaDe Moliner e Joachim Sch­mitz.

Ilustrações: Frank e Frank­lim Cascaes

Edição, Coordenação e Suo

pervisão: Henrique Finco e

Ricardo Barreto

Pesquisa de textos e rotos:

Disciplina de "FotografiaComparada". Professor

Henrique Finco

Telefone (0482) 33-9215

Telex: (0482) 240 BR

Correspondência: CaixaPostal 472. Departamentode Comunicação e Expres­são. Curso de Jornalismo.

Florianópolis. Se.

Composição, Revisão, Aca­

bamento e Impressão: Em­

presa Editora 6 Estado.

Distribuição Gratuita.

Circulação Dirigida

DIÁRIO DE BORDO

Não tem?!Zero Documento é uma tentativa

de resgatar a memória de Florianó­

polis dos últimos 50 anos, o que nãofoi plenamene conseguido. Isto acon­

teceu nem tanto pelas limitações de

tempo e recursos, próprias de um

. curso de comunicação, como princi-palmente pela desorganização e pul­verização dos arquivospúblicos epri­vsdos, além da dificuldade de acesso

aos poucos existentes.

Alguns arquivos foram encontra­dos em depósitos abandonados; de •

outros conseguimos apenas saber quehaviam desaparecido. Contudo, em­

bora muitas estejam abandonadas ou

irremediavelmente perdidas, aindaexistem boas fontes de pesquisa, das

quais algumas foram utilizadas pornós.

Algumas dessas fontes são as pró­prias pessoas que vivencisrem este

período, no qual Florianópolis sofreuas maiores transformações desde seu

nascimento. A memória humana ten­de a privilegiar momentos que te-

nham um grande grau de afetividadepor quem os vivenciou e, assim, a

"realidade" nunca é a mesma paradiferentes protagonistas de um mes­

mo acontecimento. Por exemplo: em

alguns relatos, as pessoas afirmavam

que não havia o costume de ir à praia,como se faz hoje. Outras, recordamcom saudade de antigos balneários,como as praias de Coqueiros. Muitasdestas contradições, sabemos disto,podem ser creditadas a diferenças declasse social: para quem trabalhavana pesca e na roça - é bastante pro­vável - a praia representava um es­

paço de trabalho e não de lazer. O

que acontece ainda hoje.O tom dos textos elâborados por

nós muitas vezes é saudosista, como

foram ssudosistes muitos dos relatos

que colhemos. Temos consciência de

que no passado também existiam a

intolerância, a superstição, conflitos,doenças, etc. Mais ou menos como

hoje.Este aparente saudosismo talvez

Platonicamentemícios, greves, utilizam

aquele palco. Nas ruelas al­

guns sobrados resistem,outros deram lugar ao pro­gresso vertical.

Águas calmas, morros

verdejantes, dunas doura­das tocam o coração doMorro da Lagoa. O esgototoca o estômago lá em bai­xo. Os rostos calejados de

sol, os barcos soltando a

tinta. A pesca não fez os

homens ricos. O turismo,alguns.

não signifique apenas uma idealiza­ção do passado. Provavelmente ele

representa a recusa da necessidadede existir a miséria, a violência e a

feiúra que estão entre nós e, de certa

forma, também em nós. Na verdade,vale a pena buscar o paraíso e ele

pode ser encontrado exatamente aquionde vivemos, ou em qualquer outra

parte do mundo. Muitos afirmam quepara isto basta deixar de existir a ex�ploração do homem pelo homem. Ebastante provável que seja assim.

Carlos A. Locatelli

A ilha da fantasia. É isso

que todos vêm buscar aqui.Andar sobre o mar, pelaponte, vista só em postaise na televisão. Experimen­tar a decepção. Por ela jánão se passa mais. O esque­leto negro, que se impõeentre dois pedaços de ter­

ra, com um mar nem Sem­

pre azul molhando suas

pernas, não suporta maiso peso dos anos e dos auto­

móveis.

Como as famílias em­

purradas para os morros,o mar foi forçado a ser reti­

rar, levando junto o Mira­

mar, o cais do Mercado.Saíram os barcos, vieramos ônibus. Com eles a fic­

ção arquitetônica da rodo­viária.

Mas a velha figueira estálá - ainda bem. Pelo me­

nos as moças têm esperan­ças de casar - dando trêsvoltas - e os aposentados,camelôs, prostitutas e va­

gabundos sem teto. Os ga­lhos cresceram, quase to­

cando as escadas da Cate­

dral, que já não é o prédiomais alto, nem lugar de la­

mentações. Diretas já, co-

E muita gente parada na

Felipe. Essa não é a terrada pressa. Ainda mais queum curió está dobrando e

deu cobra no primeiro prê­mio da Federal.

Dha da fantasiaMar, rendeira, tradiçãoPaz, natureza, corrupçãoA ilha do tudo já teve ... ainda tem ...

...porém transformados:Artesão virou artesanato industrial,a renda um barato individualTuristas são a fonte de renda, darenda, ou sei láMares poluídos são ofertados a Ie­manjáFortes construídos não serviram pa­ra a defesa,mas hoje são ruínas de rara belezaEscritores e artistas ora apadrinha­doshoje são senhores e soldadosPermanece o "senadinho", a Câ­mara e o "morro"Permanecem as contradições queacentuam o nome do povo:"Prioridade aos pequenos", en­

quanto os grandes desfazem a rede:pois peixe artesanal, já não tem no

PantanalA ilha outrora esquecida,hoje é notícia de jornal:Patinha, AIDS e muito "rolo" po­licialAqui não se conta mentira,o colóquio é a própria fantasiaVivemos numa ilhaQuem pode fugir do mar?Ele vai, ele vem

tem histórias pra contar...

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o SÍMBOLO QUE UNEFOTOS: ARQUIVO/ZERO

ão etn 1922. d construç

Iníc\O a

Hercílio Luz,nossamusaaosõê anos

outubro de 1924, 12 dias

após ter inaugurado simbo­licamente uma réplica de 18metros, em madeira, da

ponte que depois levaria seu

nome, o governador mor­

reu.

Era vontade de HercílioLuz que a ponte, com inau­

guração prevista para 7 desetembro de 192�, fossechamada Ponte da Indepen­dência. Mas o CongressoRepresentativo do Estadoaprovou a mudança do no­

me para Hercílio Luz, como

forma de homenagear seu

idealizador, até então aindavivo.

Mesmo com a morte do

governador, os trabalh?s de

construção não foram inter­

rompidos. A �ontagem 1astorres foi terminada em finsde 1924 e a estrutura do vãocentral pronta em agosto de1925. Em janeiro de 1936 o

assoalho já estava colocado,mas a inauguração da pontefoi retardada para 13 demaio, por não se acharem

prontas as ruas de acesso

que o governo estava cons­

truindo tanto do lado dailha co�o do continente.

DIA DE FESTAFazia frio, ventava e cho­

via no dia em que a HercílioLuz foi inaugurada. Mas,apesar do mau tempo, 50

do Estado para Lages. To­das essas dificuldades evi­denciavam a necessidade decriação de uma ligação mais

rápida e menos difícil com

o continente.

O INÍCIOPara dar início à obra,

Hercílio Luz conseguiu doisempréstimos de cinco m�­lhões de dólares de banquei­ros americanos, dívida estasaldada apenas em 1979.Como o empréstimo demo­rou, o início da construçãomarcado para meados de1919 foi atrasado para no­

vembro de 22, comprome­tendo-se a construtora Byg­ton & Sundstron a entregara obra em 24 meses.

Nas fundações da ponteforam feitos 11.250 metroscúbicos de concreto e em­

pregadas 29 mil barricas decimento, sendo que dentroda água foi utilizado um �i�oespecial de aço para resistirà ação corrosiva da água sal­gada. Todo o serviço de fun­

dações, inclusive pilastrasde ancoragem e pedestaisestava terminado a 20 de ju­nho de 1924.

MORRE HERCÍLIO LUZTanto empenho para ver

construída a ponte, não sus­

tentou Hercílio Luz até a

sua inauguração. Em 20 de

Textos: Roseli de Souza

A L:2 de janeiro de 1982a ponte Hercílio Luz, cartão

postal de Florianópolis, era

fechada por questões de se­

gurança e para trabalho de

conservação. Hoje, após 5anos, o governo anuncia sua

reabertura, nos próximos 40dias, para pedestres, carro­

ças e motocicletas. AI�unstécnicos e populares aindadesconfiam da fortaleza deseus pilares e temem seu

tombamento. No entanto,mais do que o peso de sua

estrutura suas vigas carre­

gam 60 anos de his�ória.História essa que precisa ser

resgatada. Sempre.'.

A Hercílio Luz fOI mau­

gurada no dia 13 de maiode 1926, mas sua história co­

meça muito antes, n�m.aépoca em que par!l se atingira capital era preCISO enfr��­tar o mar, nem sempre dOCIIe calmo. O hiato existenteentre o continente e a ilha

prejudicava seu co�ércio �expansão. Os 40 mil habi­tantes viviam dependentesdo horário de oito lanchas

que funcionavam �a� qua.troda madrugada ate a noite,transportando tudo. Devidoa essa dependência pensou­se até em transferir a capital

Vista' do continente de onde partiam as

barcas que muitos custaram a abandonar

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o SÍMBOLO QUE UNE

Elo de Ligação e musa, durante anos

mil pessoas estavam presen- Hercílio Luz, algumas delas

tes, numa das maiores festas envoltas num mar de misté­

já vividas pela capital. rio e humor. Um desses ca-

A cobrança do pedágio, sos fala a respeito de uma

prática dispensada no dia da procissão, a primeira queinauguração, variava de atravessava a ponte. De re­

acordo com as categorias ta- pente o balanço era tanto,beladas. Pedestres pagavam que assustados, os fiéis dei­um tostão, carrinho de mão xaram a santa no meio daou bicicleta 500 réis, cami- ponte. Os suicídios tambémnhão 3 mil réis e automóveis foram tantos, que hoje nem

20 tostões. O pedágio foi co- se sabe o número. Históriasbrado até o governo de Ne- de acidentes também nãoreu Ramos, tendo maior ar- faltam. Contam os mais an­

recadação em 1930, durante tigos, que na década de 40,uma passeata integralista. O num dia chuvoso e de fortefacismo hein? ventania, um jipe desgover-

Entre os anos de 1967 e nou-se despencou numa

1969 a ponte Hercílio Luz prainha (hoje aterrada). Oteve seu piso de madeira corpo de um dos passageirossubstituído por asfalto. No ficou caído sobre a buzina,tempo da ponte com piso de que tocou durante muitosmadeira era comum aconte- minutos despertando a

cerem incidentes. Não raro atenção de todos.uma das tábuas levantava, UNICA NO MUNDOfurando pneus e atravan- Pela forma e materiaiscando o trânsito. Quando utilizados na sua constru­

ônibus ou carros estraga- ção, a ponte Hercílio Luzvam em cima dela era pre- pode ser considerada a úni­ciso caminhar, vendo nas ca no mundo. De acordo'frestas do madeirame o com o projeto de Robinson

mar, às vezes encrespado e e Steinmann a ponte, de 818

ameaçador., metros de comprimento e

VELHAS HISTORIAS 340 metros de vão pênsil,Muitas são as histórias re- pode suportar com seguran­

lacionadas com a ponte ça uma carga conjunta equi-

valente a um trem puxandovagões de trinta toneladas,quatro pedestres por metro

quadrado e um encanamen­

to de água com peso máxi- .

mo de 650 quilos por metrocorrente.

A princípio ela foi cons­

truída para ser usada duran­te 30 anos, mas já dura 60.Mas é preciso lembrar, queé necessário um trabalho deconservação constante, uma

vez que ela está situada num

local muito úmido, sujeitoa corrosão de seus metais.No entanto, a preocupaçãocom a segurança da pontevem desde o momento desua criação e intensificou-sea partir do governo Ivo Sil­veira, época em que trêsdas cinco pontes similares a

ela caíram. Atualmente

apenas a Hercílio Luz e a

St. Mary Bridge, em West

Virginia - EUA, ainda nãocaíram. Mas na ponte ame­

ricana, o tráfego está proi­bido desde 68, quando a si­milar sobre o rio Ohio caiu.Foi nessa época que o go­verno do Estado iniciou os

contatos para a construçãoda Colombo Salles, inaugurada em 75.

Poucas verbas comprometem.a restauração da ponte

Desde sua inauguração a

ponte Hercílio Luz é alvo deum trabalho de conservaçãosistemático. Na década de 80,

a corrosão já se tornara um

seríssimo problema, o quedeterminou uma inspeçãomais aprofundada. O órgãoescolhido para a inspeção foio Instituto de Pesquisas Tec­nológicas de São Paulo que,diante dos diversos proble­mas constatados, recomen­

dou em seu laudo final "a re­

cuperação e interdição da

ponte devido ao perigo imi­nente de colapso por pesopróprio". Obedecendo as

orientações, a Hercílio Luz éinterditada no dia 22 de janei­ro de 1982, absorvendo nessa

época 43,8% do tráfego diá­rio, ou seja, 27 mil veículos/dia.

A escolha da empresa paraelaboração do projeto finalde recuperação da ponte re­

caiu sobre a USIMEC, com

assessoramento da firmaamericana Steinmann, Boyg­ton, Gronquist & Birdsall,sucessora do EngenheiroSteinmann, autor do projetoda Hercílio Luz. Durante a

inspeção americana ficouconstatado o rompimento dabarra do olhal, o que repre­sentava um perigo bastante

grave. Imediatamente foi ela­borado um projeto para re-

forço do elo .devolvendo a se­

gurança e diminuindo a ten­são nas barras de sustenta­

ção.

Segundo José Mauro Pe­

reimo, fiscal de obras da pon­te, os serviços prosseguiramnormalmente até abril de 83,quando o projeto previa a re­

cuperação do vão pênsil. Masa falta de recursos, devido àsenchentes daquele ano, pro­vocou a parafisação dos tra­

balhos. Situação essa queperdura até hoje. O fiscal es­

clarece ainda que "todos os

serviços realizados na pontenestes cinco anos, estão rela­cionados apenas com a sua

conservação. O projeto derestauração foi inviabilizadodevido à falta de recursos.

Uma restauração exigiria 13milhões de dólares".

Esse trabalho de conserva­

ção realizado por 17 homensdo DER, consiste em três

operações conjugadas: jatea­menta (jatos de areia que re­

tiram a corrosão), pintura e

substituição de peças e ele­mentos danificados. Atual­mente o DER realiza traba­lhos de troca de madeirameda passarela e recuperação doasfalto, dando os últimos re­

toques", para a reabertura davelha Hercílio para pedes­tres, motos e carroças.

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"A mesma praça, o

mesmo banco, as mesmas

flores, o mesmo jardim.Tudo é igual?" Praça XVde Novembro. Jardim Oli­veira Belo. Palco ondepersonagens vivos se apre­sent�vam, em espaços de­terminados. Cada um sa­

bia seu lugar. Entre os co­

l6quios, contava-se os ca­

sos e é!C�sos, raros da paca­ta cidade. A elite cabia o

centro .da praça, rígida­mente policiada. Aosbrancos de classe baixa e

aos negros restava a calça­da em tomo. Mas nem s6por altos funcionários e

sua parentela era visitada'

a frondosa figueira. Tam­bém os comerciários, os

'serventes das repartições,a classe 'de choferes; os fo-tógrafos, as empregadasdomésticas, os negros esti­veiros .. " e os marinhei­ros: "Num indo e vindo in­finitos"

E pensar que até '1911muitos namorados tive­ram que pular o muro. Oumelhor, pular as gradesque haviam em tomo dapraça, fechada às 21 ho­ras. E não era por falta deaviso. Uma sineta tocava

quando iam ser fechadosos quatro portões. Comonão em por falta de avisoque as moças de família,também ap6s esta data,mantinham a virgindadepara casar na igrejã. Poissaudosos namoros inicia­ram na-salda do cinema ou

da missa, rumo ao footingda época. La estão os ban­cosdá praça que não dei­xam ,os padres mentir.

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Então, os garotos de ternoe gravata esperavam as ga­rotas passarem. E elas vi­nham, com seus melhoresvestidos e chapéus, flertar

aqueles que já faziam par­te do seu círculo social.Pois todas as 'boas famí­lias' se conheciam e se da­vam bem. Itinerário desorrisos, acenos e insinua­

ções que durava aproxi­madamente até às 22 ho­ras.

No mesmo horário, ao

redor da praça, as empre­gadas das 'boas famílias'também vinham fazer seu

lazer. Dos morros desciamos negros que se juntavamaos brancos e brancas declasse baixa, além dos ma­

rinheiros residentes ou

vindos do além-mar. Seuitinerário exigia maior an-

. dança pois era feito na

parte externa do jardim.Quando cansavam de an­

dar, se sentavam nos ban­cos vagos da praça. Ti­nham vergonha de se mis-

-

O CORAÇAO DA CIDADE

Fotógrafos lambe-lambe, década de 30

turar à elite?Continuidadade

- "Mas a praça era

uma grande família", afir­mam os mais antigos. De

fato, os moços eram maiseducados, as moças maiscaseiras e os idosos mais

respeitados. Também a

igreja era mais freqüenta­da. Não havia tanto rou­

bo, tanto assalto: A vidaera tranqüila. Contudo, a

família que existia na pra­ça, na vida, não existia: Asmulheres mais ricas pode­riam ser professoras. Asmais pobres varredoras.

Os brancos pobres, alfaia­tes. Os negros, talvez, en­

graxates. Os marinheiros

poderiam exibir seus tra­

jes.E pensar que dos anos

40 a 60 o 'footing' conti­nuou quase o mesmo. Osmeninos, sem apresentarcansaço, continuaram es­

perando as meninas ao

longo do Palácio e no cen-

t'OTO: PEDRO DOS SANTOS

tro da praça. Aquela queabriga bustos do poetamaior (Cruz e Sousa), do

pintor maior (Victor Mei­relles), de Arthur Boiteuxe Jerônimo Coelho. Nãoé de se estranhar que tam­

bém nela esteja o monu­

mento lembrando a guerraque liquidou nossos her­manos paraguaios: "Amesma praça". Da mesma

maneira, as meninas con- Hoje, como ontem

tinuaram desfilando, indoaté a atual Lojas Arapuã(antes Confeitaria do Chi­

quinho) e voltando em se­

guida. Na disputa das

atenções, quem, levavavantagem sobre as estu­dantes do Coração de Je­sus eram os estudantes doCatarinense. Coisas quesó a Figueira sabe expli­car. Naquela época, a par­te superior da praça -

próximo ao monumentodos nossos hermanos -

começou a ser invadidapela 'malandragem' dasclasses mais baixas. As novas figuras

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SENADINHO DO POVO

Café acompanhado de história

_D_:'_:_:_:I_dscs_:_m�_d_�_',_:_:_:E_ã'_�_:'_',_jrn-11 ti��!�s�o����r��:Cu��1�i�ti�.� I lferente, tipo assim ... uma

personalidade exótico-fami­liar. Quem ali chega, tem a

desculpa do cafezinho parafazer amizades e colocar os

papos em dia. Seus freqüen­tadores pertencem a todas as

classes, desde o funcionário

público até o advogado, queali vão diariamente, transfor­mando assim, o bar num am­

biente de família que é a tra­

dição e marca da casa.\

Situado na esquina da mais

florianopolitana das ruas,.aFelipe Schmidt, o Ponto Chieé a referência tanto para cata­

rinenses como para turistas.

Há anos ele tem sido palcode acontecimentos que cons­

troem o dia-a-dia da Ilha.Entre um cafezinho e ou­

tro, as fofocas giram em torno

de assuntos como mulheres,negócios, família, até a troca

de favores profissionais, mas

o alvo mesmo é a política ofi­

cial, quase sempre contestada

pelos freqüentadores.

SENADOO que caracteriza o bar, é

a presença assídua dos "Sena­

dores", pessoas comuns quecompõem .o "Senadinho",fundado há mais de dez anos

pelos freqüentadores do Ca­

fé, que em meio às conversas

do cotidiano, sentiram a ne­

cessidade de se organizar. O

primeiro a perceber isso, foiLázaro Bartolomeu, do Jor­nal Radar, que ao ver o pes­soal diariamente reunido

. Década de 40 ...

após o meio-dia, brincavachamando-os de "senado­

res", pois pareciam o próprio"Senado Romano".

O atual presidente do "Se­nadinho", é Edy Tremei, ad­

vogado e membro da Acade­mia Catarinense de Letras.Para receber o diploma de Se­nador, é preciso passar poralguns critérios estabelecidos

pelo próprio grupo, como a

freqüência ao bar, a repre­sentatividade na sociedade, e

o mais importante: é proibidaa entrada de "corruptos", ao

clube. Figueiredo foi o pri­meiro a receber o diploma.No mesmo dia em que o ex­

presidente visitava o PontoChie em novembro de 79,para' receber o diploma, foivaiado por estudantes e po­pulares descontentes com a

atuação de seu governo. Oepisódio repercutiu em todo

país, colaborando para a po­pularidade do bar.

O Senador n� 2, foi Esperi­dião Amin, que durante seu

mandato de prefeito de Flo­rianópolis, instalou na esqui­na do Ponto Chie, bancos demadeira, assim como um de­senho no chão, de um mosai­co, onde está gravado as ini­ciais do Corpo Consultivo doSenatus Populusque, Roma­

norum, ou ainda Florianopo­litano. A sigla SPQF, foi in­

terpretada pelo povo floria­nopolitano, como "SoluçãoPara Qualquer Fofoca".

Várias pessoas procuram o

auxílio do "Senadinho" pararesolver problemas, como o

de internações em hospitais,facilitadas pela influência doscerca de 80 "Senadores". As­sim, por meio desse grupo,são prestados serviços de as­

sistência à comunidade e pro­movidas também homena­gens a figuras históricas, alémde lançamentos e exposiçõesde livros no próprio calçadãoem frente.

A Maçonaria evidente­mente também se faz repre­sentar no Senadinho, sendo

� que de vinte a trinta dostl membros são maçons. Como

� sempre ela está presente nos

'" acontecimentos que fazem a00(

� história da nossa sociedade.:l Um exemplo disso, é a crença� de muitos florianopolitanos� de que ela contribuiu decisi­... vamente para construção da

ponte Hercílio Luz.

Edy Tremei

TRADIÇÃONos seus 39 anos, o Ponto

Chie, já pertenceu a cinco

proprietários. Esse fato con­

tribuiu para sua descaracte­

rização, pois nenhum dos do­nos deu continuidade ao tra­

balho desenvolvido 'anterior­mente. Walter José da Luz,proprietário do Ponto no pe­ríodo de 1968 a 1983, diplo­mado também senador, revo­

lucionou a antiga "Confeita­ria, Café e Bar", transfor­mando-a de simples venda decafezinho em um completosistema de auto-serviço, in­troduzido em Florianópolispor ele. Na época as mudan­

ças executadas causaram im­pacto na sociedade, já que"mexer no Pont Chie era me­

xer em Florianópolis" foi nes­

se período que houve a insta­lação da primeira arquiban­cada para assistir o Carnavalna cidade. Em frente ao Pon­to Chie, é claro.

IRRITADOO bar jasofreu profundas

mudanças em relação a seu

espaço físico. Inicialmente

ocupava uma área de 120 me­

tros quadrados e era decora­do com espelhos por todaparte. O proprietário Walter,irritado pelo fato de seus

clientes usarem gratuitamen­te o espelho, arrancou-os dáparede, renovando a decora­

ção. Hoje, o espaço do barestá reduzido: a aparêncianão é a mesma, mas perma­necem os fregueses.

Pimpão, como é conhecidopelos membros do Senadi­nho, é freguês antigo. Hámais de dez anos ele vem to­

dos os dias cumprir sua roti­na. "Aqui trocamos idéias. Euma escola onde se aprende

o de tudo", embora o que mais::

� gostam de fazer sejam críti�as� ao governo. "Metemos muitoo pau no governo, pois não so­

� mos seus brinquedos", escla-rece o Pimpão .

O advogado Luis Prado,nos seus dez anos de casa, no­

ta que muitas pessoas deixa­ram de freqüentar diariamen­te o bar pela falta de dinheiroe tempo. Coisas da tão atualsituação econômica do país.Para Luís, os políticos de an­

tigamente. eram melhores,"os de hoje pensam que tem

poderes absolutos".

Segundo outro freqüenta­dor, o delegado Bagé, como

é conhecido, dois tipos de ter­mômetros fazem.parte da his-tória do Ponto Chico Um de­les é o barômetro, "quandocerta parte da cidade está nu­

blada, é sinal de chuva na cer­

ta". O outro, talvez até maiseficiente, é usado pelos políti­cos que vêm ao bar para me­

dir sua popularidade.

O QUE FICOU PARA TRÁSOutra tradição dos fregue­

ses do Ponto Chie, era o fa­moso "Clube do Palitinho",onde quem perdia o jogo pa­gava uma rodada de cafezi­nho. Nos jantares realizados

pelos Senadores, a presençade uma das garçonetes do barcom o famoso café Améliaera indispensável.

Muitas pessoas importan­tes, ao visitarem Florianópo­lis não deixavam de dar uma

passada pelo Ponto Chico Oex-presidente Costa e Silva

quando da sua vinda à Ilh�,não fugiu à regra. Como dizo velho Pimpão: "O PontoChie é que nem sonrisal, está

sempre borbulhando", e es­

tas são palavras de quem en­

tende de assunto.

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DESTERRO JÁ ERA

Destino:da pescaao turismoNos últimos-50 anos

ocorreram•

as maiores

mudançasTina Yoshizato e Paula Remísio

Nos últimos 50 anos, Flo­

rianópolis sofreu grandestransformações, particular­mente no período de 68 a 74,quando os setores que maismudaram foram os relaciona­dos aos transportes, habita­

ção e comunicação, segundoinformações do sociólogo daUniversidade Federal de San­ta Catarina o professor Nereudo Vale Pereira. Florianópo­lis perdeu muito de seu pro­vincianismo. Esse período deinquietações transformou o

modelo familiar que era decinco a oito filhos até 68, a

partir daí a média caiu paraum ou dois filhos por casal.

Esta fase é caracterizada

por um processo de seculari­

zação, onde a sociedade flo­

rianopolitana deixou de utili­zar valores espirituais e reli­

giosos como seus principaiscondutores para adotar parâ­metros materiais e temporais.Este processo tomou maiorênfase a partir de 1962, com

a instalação da UFSC, sendo. que epl1974 houve uma esta­

bilização: os reflexos destemomento de modernização,que ainda não cessou, fize­ram de Florianópolis uma so­

ciedade angustiante, aflitiva e

desorganizada. A cidade pas­sou a ter um caráter mais uni­versal, moderno e a Univer­sidade Federal desempenhouum fundamental papel neste

quadro, devido à grande inje­ção de recursos' para o paga­mento de funcionários, trans­

formando ti mercado imobi­liário e de .serviços, além deter atraído para a Ilha muitos

Família Amantino dos Santos

profissionais, que vieram de­sempenhar funções de pro­fessor ou pesquisador. O or­

çamento da UFSC é quatrovezes maior que o da Prefei­tura e este giro tem granderepercussão na estrutura so­

cial.A preocupação do governo

com o turismo começa em

1970, quando se organiza a

EMBRATUR. Houve uma

entrada maciça de capital pa­ra financiar empreendi­mentos turíticos (hotelaria,serviços, bares e restauran­

tes) e melhorias -das comuni­

cações e das rodovias, - a

BR 101 só foi concluída em

1972. O contato com turistas

gerou transformações sociaise econômicas muito sérias nas

sociedade receptivas - no

caso dos florianopolitanos-,além de forçar a, criação deuma nova identidade 'cultu­ral. O local/se adapta para,atender a essa variedade' de :

pessoas,-

passando de comu­

nidade agrí-cola - pesqueiraà estância turística e os bens

passam á ter, cada vez mais,valor de troca e não mais va-

Os Tolentino de Souza

lar de uso.

A, tradição florianopolita­aa foi a de prestação de servi­

ços desde a sua fundação. Osportugueses preocuparam-seem garantir a sua possessãoao sul do Brasil com as forta­

lezas, sendo montado om

aparato significativo de su­

porte do poderio português.Depois, Florianópolis admi­nistrou o governo brasileirono sul, sendo a capital demaior .importância, até o iní­cio do seculo XX (superandoCuritiba e Porto Alegre).Quando nasceu a indústriacorno alternativa econômica

'no Brasil, Florianópolis per:.deu posição, para as outras ca­

pitais do. sul. Mas,' depois de70, com a vinda do turismo,a atividade terciária desen-

r'-, .

II! �"

Cequetrns na década de SO,

volveu-se .com a' criação e impostos do Estado: uma ci­prestação. de' serviços ea cida- dade de muitas histórias e

de voltou. a ter .creseimento. transformações, que ascendena área econômica. Hoje ela- -agora com toda a força e bele-

,

é �uarta em arrecadação de za ,que só Florianópolis tem.

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MIRAMAR

Soterrado pelo homemo Miramar era o fime a continuação dacidade. O local paraum chá, um encontro.

Em seu lugar, um

terminal de ônibus.

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BEIRA DO MAR RECUOU

Aterro destrói vida portuáriaFotos antigas (início do século e

anos 40) mostram o mercado inseridonuma atividade que foi esquecida:o porto e sua movimentação

Na garradas bruxas

xas tomava conta do mata­

gal: "Tu vais ver o que se

faz com o pescador", ros­

nou a chefe do bando bru­xólico. "Por favor, ai, ai,ai. Sou tão bonzinho", re­

petia Mané Belo. A essa

altura já tinha os cabelosarrancados e a face escal­dada pela fogueira que iriamatá-lo. Então lembrou-sede que tinha dentes de alhono bolso, enfiando todosna boca. De repente as

bruxas sumiram, e sua pri­meira reação foi correr o

mais que pôde. Chegandoem casa, viu uma sombra.Parou boquiaberto. Suas

pernas tremiam. Apareceseu filho, que voltava da

pescaria noturna e lhe diz:"O pai, parece que viu bru­

xa. Essas coisa não existe,não tem?"

Carla Cabral

Mané Belo, um pesca­dor metido a bom, cami­nhava pelo mato. A lua,em todo o seu explendor,anunciava uma boa pesca­ria no dia seguinte. Ele pa­rou para olhar um reflexona bananeira à sua frente

e, talo horror da imagem,saiu correndo. Porém, não

percebeu a perseguiçãobruxólica: duas criaturas se

puseram diante o olhar do

pescador, rodopiando ven­

tos. Mané Belo, neste ins­

tante, ainda tentou desviarmas atrás dele estava o res­

tan te. das bruxas. "Ah ,

bruxinha, não me faça mal.Sou tão bonzinho", gague­jou, enquanto o redemoi­nho provocado pelas bru-

... DEZ-H7

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RESISTÊNelA

o modernismodemorou 30 anos

para aportarna literaturade Florianópolis

Provincianismo provocaatraso de trinta anos

Milene Correa

Se o Modernismo já se

apresentava na literatura eu­

ropéia no final do séxulo XIX,somente em 1920 ele chega ao

Brasil. E quase 30 anos de­

pois, em 1947, a literaturamoderna aporta na Ilha deSanta Catarina.

Caprichos geográficos? Tal­vez não explíquem este atraso.Mas este não foi, com certeza,o único motivo a acarretar ta­manho atraso cultural nas le­tras do nosso Estado. Mais do

que as dificuldades geográfi­cas ou de comunicação, o

principal obstáculo enfrenta­do pelos literatos modernistasna sua tentativa de instalar-seem Santa Catarina e, princi­palmente, na capital, foi o ex­

tremo tradicionalismo e elitis­mo, tanto da classe intelectual

quanto da sociedade floríano­

politana como um todo. En­

quanto o resto do Brasil avan­

çava e aceitava as vanguardasculturais (importadas ou

não), Florianópolis continuou

apegada a tradições que já es­

tavam superadas. Tradiçõesque foram defendidas, nas dé­cadas de 20 e 30, pela "gera­ção da Academia" que, como

disse o escritor e professor deliteratura da UFSC, LauroJunkes, eram pessoas que"estavam com a vida garan-

'

tida, com bom cargo público,boas funções". Foram pes-

Sessão inaugural do Teatro Álvaro de Carvalhosoas como essas que funda­

ram, em 1920, a AcademiaCatarinense de Letras. Escri­tores que viviam do jornalis­mo e dos cargos públicos,sempre ligados ao poder e

nunca às inovações.

Em 1947, finalmente, o Mo­dernismo chega até a nossa li­

teratura, através da criaçãodo Grupo Sul, que tencionava

reagir contra o conservadoris­mo e a formalidade excessiva

do que se produzia até então.

Não só a literatura foi afetada,mas todas as manifestaçõesartísticas na Ilha receberamum pouco do ar modernista

que o resto do país já respi­rava há quase 30 anos. O Gru­po Sul, dentro da visão mo­

dernista possibilitada poruma "teia" de mudançasocorrida na sociedade, procu-

rou introduzir, também aqui,novas concepções de arte e

cultura.Jígando-os com o po­vo e com os seus novos modosde ver e sentir. Mudou-se,com o Grupo Sul, forma e

conteúdo. Mudou a própriafinalidade da produção de ar­

te e literatura, buscou-se uma

comunicação mais ampla com

a população. Começou nessa

época o crescimento da pro­. dução literária "na área da

prosa, já que esta prevê uma

maior objetividade e exterio­

ridade, características quemelhor serviam à aproxima­ção escritor/povo.

.

Em 1955 aparece o concre­

tismo na poesia da Ilha, e pós­modernismo da poesia. Deixa­se de lado a sintaxe. A palavraatua como objeto significativoem si mesmo, independente

da frase. Em 1980, sinais deabertura política, já não esta­mos- mais tão atrasados (osmeios de comunicação demassa já não o permitem), e

surge, também aqui, uma lite­ratura preocupada com a rea­

lidade, que faz com que "aliteratura não seja algo sepa­rado da vida, mas o reflexoda própria realidade", diz o

o

professor Lauro Junkes ,

Emanuel Medeiros Vieira é o

grande representante ilhéudesta fase, preocupado com a

transformação da sociedadedentro da Ilha, com a mudan­

ça de costumes e, principal-mente, com a emergência da"sociedade de consumo".

Agora, "a literatura que se

cria aqui não é a melhor domundo, mas, de um modo ge­rai, há bastante seriedade nos

nossos escritores" , constata o

professor Lauro. E conclurdí­zendo que "é muito difícil fa­zet uma projeção de futuro,mas seria indispensável queocorressem mudanças quantoà circulação da nossa literatu­ra". É, a edição parece ser

fácil, os escritores da Ilha

comparam-se aos nacionais, o

que falta é "circular" . Parece

que a Ilha, que no início dosanos 30, temia a "aporta­gem' da modernidade e suas

variantes, hoje entregou-se a

ela irremediavelmene, em de­trimento, até, do conhecimen­to do moderno que se produzaqui.

Vinte anos depois, no Olesmo lugarEstas fotos de Dilton do

Valle Pereira foram batidasdo mesmo lugar, com uma di­

ferença de vinte anos entreuma e outra. O homem de ter­

no e gravata da foto mais anti­

ga (1966) é o Sr. David Men­

donça, que aparece de camisaxadrez na mais recente(1986). A esquina da AnitaGãribaldi com Hercílio Luzdá uma idéia do processo de

verticalização sofrido por Flo­

rianópolis neste período.

I 4

v1-!;��

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

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ANTESDACBF

tivas voltadas apenas aos as­

sociados do clube.Em 1923 foi fundada a Liga

Santa Catarina de DesportosTerrestres, da qual eram

membros fundadores o Fi­

gueirense e o Avaí. Na épocahavia o campeonato da pri­meira divisão de amadores,onde participavam os timesacima citados entre outros.Os jogos eram realizados no

Estádio Adolfo Konder (ruaBocaiúva), que inicialmenteera cercado de madeira, maistarde passando para o concre­

to.O tempo passou e os times

� adquiriram suas sedes pró­� prias. O Figueirense tem a

� sua na rua Olavo Bilac, no

� Estreito, onde está localizadoc

o Estádio Orlando Scarpelli.� Já o Avaí tinha sua primeirag sede na rua Bocaiúva, no Es­;:j tádio Adolfo Konder, e hojeo sua sede é a Ressacada, o

� maior estádio de Santa Cata-

rina, que leva o nome de um

ilustre avaiano: Aderbal Ra­mos da Silva. O Paula Ra­mos, por sua vez, deixou deatuar no futebol de Florianó­polis.

BOM DE BOLAPara o Sr. Fornerolli, que

jogou no Avaí, Figueirense,Paula Ramos e no BarrigaVerde de Laguna, o futebolde hoje está muito diferentedo seu tempo. Ele diz que an­

tigamente o futebol era prati­cado por atletas que jogavamapenas por amor à camisa, e

não por dinheiro, como é

agora. Em sua época o fute­bol era amador e os jogadoresnão eram assalariados; aliás,quando recebiam era uma

quantia muito pequena, a tí­tulo de ajuda, e os jogadoressempre tinham outra profis­são.

Outra coisa que o Sr. For­nerolli lamenta é o fato dosclubes não jogarem mais pen­sando no espetáculo, na torci­da. O que lhes interessa é o

resultado, só lutando para fa­zer gols e chegar à vitória se

este resultado for necessário.Outra coisa que ele não acha

justo é um time perder um

título nos pênaltis. Para ele,o ideal é a realização de uma

terceira partida. Na opiniãodele, o futebol da capital, re­

presentado pelo Avaí e Fi­

gueirense, não será mais cam­

peão estadual, pois os timesdos outros centros estão uni­dos, tornando-se mais fortes,como por exemplo o próprioJoinville. Resta para os ilhéus

apenas esperar para ver se as

palavras do Sr. Fornerolli se

tornarão realidade. Ou talvezaliar os dois times da capitale fazer um só: Quem sabe?

Denirys Rodrigues

No começo do século os es­

portes mais praticados na ca­

pital eram os aquáticos, com

destaque para a natação e o

remo. Este último era consi­derado como o esporte da eli­te de Florianópolis, que con­

tava com os seguintes clubes:Riachuelo, Martinele, e o Al­do Luz, que permanecem os

mesmos ainda hoje. Na nata­

ção, o destaque ficava parao Figueira Náutico Club, queorganizava os páreos (compe­tições) na Baía Sul.

Outros esportes como atle­tismo, futebol e ginásticatambém eram praticados. Oatletismo da capital conse­

guiu inclusive alguns desta­

ques nacionais com atletas doPaula Ramos Esporte Clube.Já a ginástica não teve muito

destaque e o futebol era ama­

dor, praticado só pela elite.

Esportes como vôlei e bas­

quete não tinham a mesma

popularidade que os outros,ficando restritos aos pátios de

colégio.O MAIS POPULAR

O esporte mais popular da

época era o remo, mas com

o passar do tempo, o futebolfoi crescendo e buscando no­

vos aficcionados. Na capital,os times de futebol existiamnos bairros, e ali haviam cam­

pos de futebol que hoje já de-

sapareceram. .

Mas a história do futebolnão fica por aí. Imaginem só:antes os jogos eram realiza­dos no campo do Colégio Ca­tarinense e o desenrolar das

partidas se dava ao som demarchas e tangos executados

pela Banda da Força Pública.Destes jogas participavampersonalidades como IvoD'Aquino, Francisco Gallot­ti, Nereu Ramos e HercílioLuz.

Os times de maior desta­

que na época eram o Traba­lhista, o Florianópolis e o Pal­meiras, mas também existiam

-o Internato e o Externato,formados por alunos do Colé­

gio Catarinense. Porém, a fo­me por esporte era muitomaior que isto, e outros clu­bes foram fundados e perma­necem ainda hoje, como o

Avaí e o Figueirense.COMEÇO

O primeiro foi o Figueiren­se, que hoje, depois de amar­

gar uma segunda divisão, vol­ta à primeira com esperançasde novas vitórias. O Figuei­rense surgiu a partir da idéia

que três jovens, João SavasSiridakis (Jango), Jorge Albi­no Ramos e Domingos Velo-

Uma das primeiras formações do Figueirense

As transformaçõesdo esporte em

setenta anosser creditado a um ou outro

radical torcedor avaiano.depois de afirmar que com o

Figueirense na segunda divi­são seria mais fácil ser cam­

peão, o Avai só conseguiu fi­car em quarto lugar, o quenão esmoreceu o entusiasmode sua torcida: "não há nadamelhor do que ser um bomavaiano". O que só pode ser

dito por quem desconhece os

prazeres de sentir-se Figuei-rense.

t

Alguns anos mais tarde, no

bairro da Praia de Fora, surgeo Paula Ramos S.C .. O time

surgiu na praia e o nome foitirado de um cais (Cais PaulaRamos), que ficava perto deonde estavam reunidos os jo­vens aventureiros, no dia 15de Dezembro de 1937. Aidéia inicial era a de formarum time para jogar na várzea,mas esse time foi campeão doestado em 1943 (este foi o

primeiro título estadual doPaula Ramos).

O Paula Ramos não tinhasó futebol. No atletismo, suaequipe conseguiu destaquenacional mais de uma vez.

Hoje o clube não faz mais

parte do campeonato de fute­bol profissional do estado,sendo agora apenas um clubesocial, com atividades espor-

so, tiveram de fundar um clu­be de futebol, nas proximi­dades da figueira, que era um

lugar comum. Com isso no

dia 12 de Junho de 1921, na

rua Padre Roma, perto daConselheiro Mafra, na casa

do Sr. Ulisses Carlos Tolen­tino, onde a sala estava cheia,nascia o Figueirense FutebolClube. A partir daí, disputa­ria regularmente os campeo­natos regional e estadual.

O clube tem um passadode glórias e foi o primeiro re­

presentante de Santa Catari­na no Campeonato Nacional,em 1973. Apesar disso, os úl­timos acontecimentos nãosão muito favoráveis ao time

que está situado no continen­te. Desde 1974 que o Figuei­rense não consegue conquis­tar o título de campeão esta­

dual e, no ano passado, de­pois de uma péssima campa­nha, teve que suportar um re­

baixamento da primeira paraa segunda divisão. Porém,para alegria da torcida alvi­

negra, o time do Estreito vol­ta à primeira divisão em 1988.

Mas há quem diga que "a his­tória do Figueirense é ser vi­

ce", o que certamente deve

Dois anos depois da funda­ção do Figueirense, foi inau­gurado o clube que veio a ser

seu maior rival na atualidade,o Avaí Futebol Clube (que se

escrevia Avahi). No dia 1� deSetembro de 1923, na rua

Frei Caneca n� 34, na casa deAmadeu Horn surge o AvaíF. C .. A idéia da fundaçãode um clube de futebol veioapós uma' partida de um timede garotos que venceu o Hu­maitá, um time valente da rua

Nova Trento. O primeiro no­

me sugerido foi o de Indepen­dência Football Club, pois es­

tavam na semana da Pátria e

o nome seria uma homena­gem à data. Mas o Sr. Arnal­do Pinto de Oliveira não con­

corda, por ser um nome mui­to grande e difícil de incen­tivar. Então ele mesmo suge­re o nome Avahi, e assim foifeito. Amém.

O Avaí tem um passado deglórias. É, o time que mais ve­

zes conquistou o campeonatoestadual, embora já faça al­

gum tempo que não consegueconquistar um título. Na últi-­ma temporada, por exemplo,

.

DEZ-87 -

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,

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

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(-

só se chega de barco ou cami­nhando por u-ma trilha povoa­da de lagartos, pássaros sel­

vagens, gambás, bambuzais

gigantes e casarões do iníciodo século, testemunhas da

época em que o café propi­ciava uma relativa abundân­cia. Ou como a Quebrada,sem estrada e sem luz, ondese encontram engenhos toca­

dos à

boi, barcos esculpidosa partir de imensos guarapu­vus e silêncio.

CULTURA POPULAR

católicoS e �aFotos de santos hão o servlÇO

- de imagens. ·meira comun ,

mais nova�,. adPro�d!�� nascimento, a prl

Nas casas tos cruclals a Vl

. momenfamíha emmento.

militar, o casa -

ád;k

Nova geração: os adesivos de surf competem com os signos sagrados da

geração dos pais.

Passado e presenteconvivem na Lagoa

Mais, muito mais do queum simples lugar de morar,a casa é um condensador desímbolos sociais capaz de "fa­lar" das transformações vivi­das por uma sociedade. Ten­tar decifrá-la, como se decifraum texto escrito em -Iínguadesconhecida, foi um dos ob­

jetivos da dissertação de mes­

trado de Carmem Rial, pro­fessora da UFSC, sobre as

três últimas gerações de nati­vos da Lagoa da Çonceição.Pois, ilha dentro da Ilha, a

Lagoa ainda guarda recantos

escondidos pela mata, ondeo visitante eventual se depa­ra com modos de vida de sé­

culos passados. Lugares co­

mo a Costa da Lagoa, onde

e da Austrália, logotipos daO.P. câmaras de V.H.S., de­

sejos errantes, cadeiras depraia coloridas, lanchas e co-

caína._

Muito disso tudo está ins­crito nas casas dos moradoresnativos. Elas contam a histó­ria da transição de um modoe vida camponês, que tinhaa pesca como atividade se­

cundária, a um modo de vidacada vez mais inserido na so­

ciedade "moderna". É a his­tória da Lagoa ou melhor, domar-de-dentro, nome poéticocom o qual os nativos desig­nam a Lagoa da Conceição,opondo-a ao mar-de-fora o

imenso Atlântico que os ro­

deia.

As casas construídas a partir dos anos 50 são feitas em

madeira e com telhado em quatro águas. A cozinha, com ,fogãoa lenha, afasta-se ainda mais, situando-se num nível inferior (foto)ou num "rancho" separado do corpo da casa.

Mas, percorrer a Lagoa é

pisar também zonas plana­.

mente inseridas na moderni­dade: basta chegar na fregue­sia num domingo de verão.Meninos bronzeados do Rio

Liberadas da esfera da kprodução, as mulheres ago- ;lra na decoração em profu- ,

são, azulejos transformadosem quadros, plásticos e fór­mica.

,

Os �ativ�s a chamam de "casa-de-antigamente". Algumas foram cons­

truídas ha mais de cem anos, em pedra ou pau-a-pique. O telhado é voltado

para frente porque os portugueses não dominavam o sistema de calhas paraágua da chuva.

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

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REALISMO

Estudarão para conseguir um

contrato de trabalho, a cartei­ra assinada, previdência so­

cial e direitos adquiridos. Oestudo passa a ser primordiale gera a expectativa de podercompetir em melhores condi­

ções no mercado de trabalho.A expansão capitalista pro­

vocou intensa transformaçãoa partir dos anos 60. As esta­

tais, o crescimento de servi­

ços no setor público, a pró­pria Universidade, a Eletro­sul, são fatores preponderan­tes no processo. Florianópo­lis cresceu de maneira assus­

tadora e desordenada.

ReflexosO homem precisou ceder

seu espaço. O geográfico e o

humano. Não se vê mais

quintal e verduras, galinhase gado solto; não se colhemais café e não se planta mais

algodão. A renda, antes ex­

clusiva dos horários de lazer,perdeu em qualidade, passoua ser feita de um fio mais gros­so, com menos pontos, me­

nos trabalhada, e colorida

porque o turista gosta. E tu­rista é a fonte de renda, di­nheiro para comprar aquiloque não se produz mais.

As pessoas passam a nãoter mais tempo umas para as

outras. Já se foi o tempo em

que as mulheres fiavam o al­

godão e faziam renda juntas,conversando, trocando recei­tas. E os homens ficavam fa­zendo redes e arrastando pei­xes. Os tempos são outros e

a mudança social é palpável.Já não há os mesmos homenssob o barulho do mesmo mar,no final de cada tarde."

...Depois, sob o manto danoite, algo cansados, pene­tram em silêncio nas linhas dahistória". (Alcides Buss)

meninos já iniciavam seu tra­

balho na atividade pesqueiraaos seis anos de idade. A par­tir dos quatorze, passariam a

trabalhar na agropecuária,considerada um serviço maisexaustivo.

Valor de uso

Às mulheres cabia o feitiode rendas. No lado da almo­fada, as meninas já apren­diam, desde pequenas, o tra­balho que as dignificaria co­

mo mulher de boa cabeça. Oaprendizado doméstico era

iniciado aos sete anos e in­cluía castigos corporais: as

mães batiam nas articulaçõesdos dedos das meninas quenão tinham facilidade de lidarcom os bilros. Era uma ques­tão de honra saber fazer ren­

da. Mulher não devia andarna rua, devia ficar em casa,nos bilros. Aquela que nãosoubesse fazer renda, não era

considerada mulher.O artesanato é uma rein­

venção da indústria domésti­ca, numa produção do uso pa­ra o uso, e tinha como obje­tivo satisfazer as necessidadesbásicas da sociedade agropes­queira: A renda era feita paracompor o enxoval. Os oleirosutilizavam o barro para fabri­car panelas. O engenho pro­duzia farinha e o pescador te­cia suas próprias redes.

Valor de troca

Hoje a rendeira faz a rendacom a finalidade de comprartecido para fazer as roupas dafamília. O oleiro fabrica o po­te de barro para comprar o

de plástico. E o pescador tra­balha para o dono do navio

que pesca em alto mar.

A expansão urbana que es­

preme o pescador e sua famí­lia no litoral, a emergência da

pesca industrial e a odisséia

FOTO: ARQUIVO/ZERO

Talvez ainda exista poesia ...

... nas rendas

do turismo que ocupa a terra

do agricultor e a orla marí­tima, fazem com que esta cul­tura tenda ao desaparecimen­to. O artesanato vira merca­

doria, e o que tinha essencial­mente valor de uso passa a

ter valor de troca, acarretan­do uma mudança no sistemaeconômico e quase anula o

consumo daquilo que produ­zem.

O artesanato é, então, feitobasicamente para ser vendi-

No início do século, o

transporte urbano era feitopor bondes com tração

animal, como aparece na

foto da esquerda e os prédiosmais altos eram casas

assombradas. Poucasconstruções sobraram

daquele tempo, como a casa

de azulejos da praça XV,que aparece à esquerda nas

fotos.

do, e assim pode-se dizer queé feito para comprar dinhei­ro.

Sob a pressão do consumo

capitalista, o ilhéu se vê sem

alternativas. Há uma repro­dução do sistema, mas não se

dá ampliada a nível de artesa­nato. Tudo o que o artesão

consegue é reproduzir sem­

pre a mesma peça. Não se tor­

na o grande produtor, o gran­de empresário. Ele é um tra­

balhador doméstico que ven­

de seu produto para compraro industrializado, deixa de ser

consumidor primário e come­

ça a ser mais um explorado.

Outros valores

A relação de família come­

ça a se diluir. Os pais incen­tivam os filhos a não se volta­rem à pesca. As mocinhas jánão são mais obrigadas a fa­zer renda. Os rapazes virão

para o centro da cidade e se­

rão vigias ou caseiros na áreade praia. As meninas terãoum serviço mais "limpo": ser­

virão café, serão balconistas.

Rendeiras só tecem para venderMaria A. Macarini

As'mãos já não criam maisa beleza nas rendas. A poesiada pesca já não tem o saborde água fresca, cristalina. Ecomo se o tempo furtasse o

sonho de uma ingênua meni­na, brincando de viver na fan­tasia.

Na velha Desterro, século

XVIII, os açorianos instalam­se na costa litorânea, e criamuma cultura diferente: dife­rente da do resto do Brasile da própria cultura de ori­gem. Detalhes específicos fi­zeram com que a nova socie­dade que aqui se instalou di­

ferisse, em vários sentidos,das que povoaram o resto do

país - desde o modo de pro­dução até o relacionamento

interpessoal.Caracterizada pela forma­

ção de campesinatos, por um

trabalho escravo quase au­

sente e com uma economiabaseada em serviços de sub­

sistência, a ocupação vicen­tina era composta por gentehumilde, de jeito "simples"e camarada.

As terras eram divididasem lotes para as casas, mas

o espaço das pastagens parao gado era quase coletivo: as

grandes extensões de terras

eram de toda a comunidade.O gado pastava livremente,sem ter limitações de espaço.Não havia cercas, havia troca

e usufruto.O escravismo era utilizado

apenas em atividades exten­

sivas, quase exclusivamentena pesca da baleia, quandoos parentes não eram em nú­mero suficiente. As relaçõesde trabalho se davam maispor amizade e compadrio do

que por competência, e os

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Há várias dezenas de anos,nas praias de nossa ilha, a

pesca era muito diferente da

praticada hoje. As traineiras,embarcações movidas a mo­

tor para a pesca da sardinha,ainda não existiam. Era o

tempo da escravidão e os ne­

gros mais fortes e resistenteseram usados para a tarefa

, mais difícil: a pesca à baleia.Em frágeis embarcações a re­

mo saíam mar adentro em

busca dos grandes cetáceos.Quando a baleia era encon­

trada, a embarcação se apro­ximava, o homem atirava o

arpão e mais do que depressaos remadores se distancia­vam. Eles tinham que ser

mais rápidos que o animal,que quando atingido debatia­se; e se o barco estivesse per­to, certamente seria destruí­do.

Foi-se a escravidão e fo­ram-se também as baleias,não por culpa dos pescadorespretos ou brancos, mas porinteresses mais fortes: o das

grandes empresas de pescacom suas enormes embarca­ções a motor e arpões de pre­cisão mortal, que alvejam as

baleias que passam por nossa

costa. Poucas restaram, assimcomo os pescadores artesa­

nais que colocam na águaseus botes e saem para a

aventura diária da sobrevi­vência. Se o mar está bom pa­ra a pesca, tudo bem. O pro­blema é quando passam se-

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PROGRESSO?

Pesca artesanal: uma atividadecondenada ao desaparecimento

Peixe agora só pra pesqueiro

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Marques Casara

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Antônio Pereira

manas sem uma boa coleta,que mal dá para alimentar a

família.Dos milhares de pescado­

res artesanais que habitavama região de Florianópolis e ti­ravam seu sustento exclusiva­mente da pesca, são poucosos que continuam na profis­são. As tradições, que tinhamuma forte influência na co­

munidade, já estão no cami­nho do esquecimento. As ex­

cursões mar adentro, antiga­mente precedidas de um ri­tual religioso, hoje não pas­sam da rotina diária em buscado sustento. O pescador An­tonio Pereira, 68 anos, dePonta das Canas, conta quenunca viu benzerem as em­

barcações. Ele tem a pescacomo profissão porque é a

única coisa que sabe fazer:"Os peixes estão sumindo.Antigamente era diferente,pescava-se só de canoa, nãotinha os grandes barcos das

empresas que levam tonela­das de peixe de cada vez".Seu Pereira tem três' filhoshomens, casados, mas quenão seguiram a profissão. Omais velho foi embora com

a esposa para Blumenau tra­balhar em uma indústria. Ou­tro é pedreiro e o terceiro,Sidnei Pereira, 23 anos, tro­

cou a pesca por um empregode garçom em Ponta das Ca­nas. Ele diz que abandonoua pescaria porque "não ia ter

jeito de sustentar a família.Trabalha-se demais por pou­co dinheiro, ganha mesmo

quem tem condições de ser

dono de um barco grande, pa­ra pesca em grande quanti­dade".

OS TURISTASSeu Pereira fala bem dos

turistas. Para os pescadores"eles trazem dinheiro", alu­

gam as embarcações parapasseios e as casas para passara temporada. "O turista aju­da o povo. Quem tem casa

aluga, ou alugam os barcos".Sorte dele, que não entrou na

conversa dos "estrangeiros".Eles já arremataram milhõesde metros quadrados de ter­ras nas praias a preços insigni­ficantes, logo reduzidos aindamais pela inflação, deixandoos ingênuos pescadores na

miséria, sem ter ao menos on­

de plantar para comer.

EXPLORAÇÃOSegundo pesquisas feitas

pela repórter Jeni Andrade,publicadas em uma matéria

especial do Jornal de SantaCatarina do dia 29/30 de de­zembro de 1985, na praia dos

Ingleses, entre os anos de1973 e 1985 foram feitas maisde 1200 transações de terras,sendo vendidos 8 milhões demetros quadrados, equiva­lentes a 25% de toda a áreado distrito. O atual prefeito,Édison Andrino, que em

1985 presidiu a Comissão Ex­trordinária de Pesca Artesa­nal da Assembléia Legislati­va, declarou à repórter que"o pescador é a categoriamais abandonada de toda a

região. A situação é dura, em

algumas praias irreversível.O pescador não tem mais ter­

reno para o rancho, nem re­

de, nem barco. E já escasseiao peixe". Isso tudo apenas em

uma das 42 praias de nossa

ilha.Os pescadores residentes

na cidade, que até por voltade 1960 pescavam às centenas

nas proximidades da ponteHercílio Luz, abandonaram

por completo a profissãomassacrados pelo desenvolvi­mento. A' poluição destruiu.a fauna marinha e a rápidaurbanização da Baía Norte,com a construção da avenidaBeira-mar e em seguida uma

outra avenida paralela; os

deixaram sem saída, obrigan­do-os a buscar outras ativida­des. Alguns conseguiram em­

pregos assalariados, outros

tentaram a vida como came­

lôs ou fazendo biscates pelacidade.

"Os lavradores e pescado­res trabalham para sustentar

o povo, mas ninguém dá va­

lor", comentou indignado Se­bastião Souza, pescador há

quase 40 anos no Pântano doSul. "Pescamos a noite toda,às vezes saímos antes dameia-noite para voltar no ou­

tro dia lá pelas 11 horas, mas

quem ganha mesmo é o inter­mediário. Um quilo de peixe,comprado do pescador a 60cruzados, por exemplo, podechegar a 150 no mercado, en­

carecido pelo atravessador".Sebastião acha que a soluçãopoderia ser urna greve da

classe, mas, segundo ele, "os

FOTO: MAROUES CASARA/ZERO

Ghegando da pesca

FOTO: CARLA CABRAL/ZERO

FOTO: MARQUES CASARA/ZERO

,

Em Pântano do Sul

pescadores não têm força pa­ra promover um movimento,porque acreditam em tudo o

que os grandes falam".

rastões, onde o cardume écercado com a rede e puxadopara a praia. Mas até as in­contáveis tainhas que trafega­vam por aqui há alguns anos

estão reduzidas consideravel­mente. Raul Sebastião, 50anos, pescador em Ponta dasCanas, percebe que a cadaano diminui o número de tai­nhas capturadas por eles.Raul sabe que na época certacentenas de barcos pesquei­ros de grandes empresas es­

tão de prontidão em alto mar

para pescá-las logo que come­

çam a viagem. "Tá sumindocada vez mais, as empresasde pesca estão terminandocom os peixes", lamenta.

TAINHA

Nos meses de maio e junhoo peixe é a tainha, que saida Lagoa dos Patos, no RioGrande do Sul e vai até Cabo

Frio, no Rio de Janeiro paraa desova, viajando por uma

corrente quente que sai daÁfrica e passa por essas

águas. Os pescadores dedi­cam-se exclusivamente à sua

cap.tura, realizada nas trainei­ras - barcos especiais paraa pesca da tainha - e nos ar-

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

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Forte trava sua última batalhaDauro Veras

o barco a motor sai da

Ponta de Sambaqui, em Flo­

rianópolis, e uns 30 minutos

depois sé aproxima da ilhaRatones Grande pelo lado

norte. Ela tem cerca de 800metros de comprimento por200 de largura. É cheia de

palmeiras e de vegetação es­

pessa, dando a ilusão de ser

um daqueles refúgios ideais

para os piratas dos temposantigos. Na verdade, os úni­

cos "piratas" que ali estive­

ram - pelo menos na con­

cepção dos portugueses - fo­

ram os espanhóis, que em

1777 invadiram Florianópoliscom cem navios e 12 mil ho­

mens. Tomaram todas as for­

tificações sem disparar um

único tiro e permaneceram

por um ano, até que saíram,

pelos termos do tratado de

Santo Ildefonso'.�. No lado norte, o-paredãodo que foi um dia o forte de

Santo Antônio de Ratonesdomina a visão de quem che­

ga. Hoje são apenas ruínas,mas tudo era muito diferente

em 1740, ano em que foi cons­

truído pelo brigadeiro portu­guês José da Silva Paes, pri­meiro governador-geral da

Ilha de Santa Catarina. A

função do forte, junto com o

de Santa Cruz (na ilha de

Anhatomirim) e o de São Jo­

sé da Ponta Grossa, em Jure­

rê, era impedir a entrada deinvasores pela Baía Norte.

No fim do século anterior ou

início deste século - a data

precisa não consta nos' docu­

mentos históricos - a forta­leza foi abandonada Desde

então, a ação incessante dachuva e dos ventos foi decom­

pondo as muralhas.

RESTAURAÇÃOAs pilhagens contribuíram

FOTOS: .IANDlR NASCIMENTO

VIAGEM

com o trabalho da natureza.

Dos 14 canhões existentes

originalmente, hoje há ape­nas quatro - os outros foram

doados pelo Exército a vários

municípios catarinenses, em

um autêntico roubo. Desde

1947 os fortes dos arredores

da Ilha de Santa Catarina es­

tão tombados pelo Patrimô­

nio Histórico e Artístico Na­

cional, mas muito pouco se

tem feito para resgatar a me­

mória dos tempos passados.Havia 11 fortificações, masmuitas desapareceram, ou-,

tras ruíram.Desde o ano passado a As­

sociação Comercial e Indus­

trial da Grande Florianópolisvem recolhendo dinheiro

com os empresários para um

trabalho de restauração do

forte de Santo Antônio A

primeira etapa custou Cz$ 1

milhão e já foi concluída.Consistiu em fazer a limpeza

do terreno e estabilização das

ruínas. Foram feitos 60 me­

tros cúbicos de muralhas.A segunda etapa, de re­

construção propriamente di­

ta, custará cerca de Cz$ 2 mi­

lhões, e a Associação lançouoficialmente a campanha decoleta de fundos no últimodia 28 de novembro, levando

a imprensa para visitar a ilha.Um dos fatores incentivado­

res a curto prazo para a boavontade dos empresários é a

Lei Sarney, que concede in­centivos fiscais .às empresas

que colaborarem financeira­

mente com atividades cultu­

rais. A médio-e longo prazo,a Associação Comercial e In­dustrial pretende estimularum novo ramo de exploraçãoturística, com conseqüentereflexo positivo nas ativida­

des de comércio e indústria.O projeto de reconstrução do

forte, a cargo da arquiteta

Maria Lúcia Viana Batista

Borges, está sendo acompa­nhado de perto pela Secreta­

ria do Patrimônio Históricoe Artístico Nacional (Sphan),para que as características

originais sejam preservadas."Sabemos exatamene como

era o forte, através de docu­mentos históricos", disse o

chefe do escritório local da

Sphan-Pró-Mernória, DalmoVieira Filho. "Não temos a

planta original, mas há rela­tos minuciosos sobre a edifi­

cação, como o feito em 1776

pelo brigadeiro José Custó­

dio Sá e Faria", explicou.TURISMO

Jogada no canto de uma

das muralhas, uma lata de

cerveja contrasta com o am­

biente. É possível conciliar a

atividade turística com a pre­servação dos monumentos

históricos? Para Dalmo, sim."Isso é feito no Egito e na

Ir'

, �

Grécia, por que não podería­mos fazer aqui também?" Ele

acha importante preservar o

potencial educacional dos

monumentos e acredita que,com um trabalho permanentede conscientização, é possívelevitar o turismo predatório."Temos um projeto de comu­

nicação visual para orientar.

os visitantes do forte", acres­

centou.

Quando o prédio estiver

pronto a intenção é instalar

nele a estação ecológica de

Carijós, que é dirijida pelaSecretaria Especial do MeioA.ffibiente (Sema) e pela Fun­

dação de Amparo à Tecno­

logia e ao Meio Ambiente

(Fatma). A estação de Cari­

jós abrange a área dé man­

gues da Baía Norte, o mar e

as ilhas. Existe um plano de

fazer da ilha de Ratones partede um circuito turístico a ser

percorrido por escunas e ve­

leiros Para isso será neces­

sário fazer algumas obras,criando infra-estrutura paraembarque e desembarque de

passageiros. Só o tempo dirá

se tal circuito turístico poderáconviver pacificamente com o

habitat.Quando o barco retornava,

circundando a ilha pelo sul,um lagarto que lagarteavatranqüilamente na beira domar nos olhou, desinteressa­

do. Mal sabe ele sobre as in­

tenções dos humanos a res­

peito daquele chão. À medi­da que a distância aumenta­

va, era possível imaginar-seno lugar do navegador espa­nhol Albar Nunes Cabeza de

Vaca, que no século 17 bati­

zou as ilhas pelo nome de Ra­

tones - grande e pequena -

pela semelhança que tinham

com ratos deitados quandovistas de longe.

As obras vão começar tão

logo for possível conseguir al­

guma verba.

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

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Matas nativas quase exterminadasFOTOS: SABRINA FRANZONIIZERO t'OTO: ANTÓNIO GAUDERIOIISTO E

Desmatamento Já o Mangue da Ba-cia do Rio Tavares te-

� :li>t���w'�":'

ve sua área reduzida,.5#> indiscriminado pelas obras do aero-';" v",

ameaça a ilha porto, pela rodovia del '

fi� acesso a ele e pelasI "

pastagens para o gado.'lIJJij

}, Luciene AbdoO mangue do Saco

..,.,_..� c,","

Grande fOI modificado"'. A ilha de Santa Ca- pela rodovia SC 401, e,�

"" :�""'�� tarina vem sofrendo a parte que ficou isola-'\. �_. uma exploração indis- da já se encontra total-

criminada desde a vin- mente alterada pelada dos primeiros imi- urbanização e agrope-grantes europ-eus até cuária, além de ser

os dias atuais. As flo- atualmente quase todarestas locais foram de- de vegetação herbá-saparecendo: no início cea.

lentamente e, após aConsiderando-se ochegada dos colonos

açorianos, na segunda ritmo de urbanizaçãometade do séc. XVIII, de Florianópolis, a

de um modo amplo em tendência é. que, o.stodos os locais' que mangues mais proxi-eram ,ocupados pela Quem pune? mos do centro da Capi-população que come- tal sofram maiores al-

çava a se expandir. Destruição dos Man- Orbanização", foi ins- terações. Estas mu-

gues talado o Complexo danças podem se darNem a vegetação de O processo de desa- Administrativo Regio- tanto na redução de

praia - dunas e restin- parecimento da vege- nal do ltacorubi - suas áreas como na

gas - fica isenta do tação original atingiu TELESC, CIDASC, contaminação de suas -

desmatamento. Toda também os mangues, PRODASC, assim co- águas. Os mangues po-a extensão habitada da Óe foram reduzidos. mo a ampliação da dem, inclusive, desa-ilha, já foi, anterior- mais alterado é o da UFSC com o Hospital parecer completamen-mente, de vegetação Bacia do Itacorubi, de- Universitário e outras te, caso não sejam to-nativa. Hoje, além de vida às obras de in- instalações. Além dis- madas medidas efeti-áreas ocupadas por 10- fraestrutura rodoviá- so, houve a duplicação vas para recu�erá-los e

teamentos no htoral, ria, saneamento, ater- da Avenida Madre preservá-los. ara isto,há as pastagens para o ros e edificações. Des- Benvenuta e o "Ater- é preciso impedir quegado no interior. de 1949, o Departa- ro Sanitário do Itaco- sejam efetuados ater-

Atualmente, a agri-menta Nacional de rubi" , que recebe mais ros para loteamentosObras e Saneamento de 130 toneladas de li- de zonas balneárias,cultura ainda é a prin- executa drenagem no xo de todas as espé- como foi o caso de Bal-

cipal responsável pelo Rio Itacorubi, alteran- cies, alterando o leito neário Daniela, assimdesmatamento em do o nível das águas do rio e diminuindo como outras obras queáreas não exploradas em relação às marés. drasticamente a área venham comprometerpara projetos imobiliá- Como no Plano Dire- do mangue. o ecossistema.rios. Surgem nos terre- tor a área está qualifi-nos abandonados, on- cada como "Zona de Outro mangue con-de o solo já perdeu denado é o do Rio Ra-quase toda a sua fertili- tones. Além das obrasdade natural, vegeta- de drenagem, ele éções rasteiras denomi- cortado pela rodovianadas "capoeira", "ca- .

de acesso às praias depoeirinha" e "capoei- Canasvieiras, Jurerê erão". Esta vegetação Ingleses, que modifica

, se destaca na Lagoa do profundamente o cur-

\-� Peri, Naufragados, La- so dos rios da bacia, as-'"

goa da Conceição, sim como suas águas4

�"'if, Morro da Costa da La- em relação à marés,"f ' ""

goa e Morro do Ribei- comprometendo o

rão. ecossistema.

DESTRUIÇAO

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

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I ARQUl'VO/ZEROFOTO:

I.' '" FOTOS; ARQUIVO/ZERO.

Aterro alteraperfil da cidadeo aterramento da Baía Sul, que iniciouna prainha, tomou todo espaço do mar

desde a ponta do Vinagre até o cais Rita 3

Maria, engolindo a Ilha da Pólvora, um

dos marcos de Florianópolis.1 - o cais era o limite

da cidade, 2 - 197i): o aterroda Prainha, 3 - Vista atual,4 - Todo 1� plano é aterro,S - Setor Administrativo... , 6-

... e como era em 1940, 7 .-

- década de 70

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

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CRESCIMENTO DESORDENADO

Vista do Morro da Cruz, 1970 e .. ; em 1987

Interesses militaresajudam na povoação

'Arley Machado

o povoamento de Santa

Catarina iniciou em 1673através do porto que oferecia

abrigo às embarcações. Noinício as casas se localizavamem torno da catedral cons­

truída pelo fundador, o pau­lista Francisco Dias Velho, e

desciam até a praia. O largoda matriz foi o centro de ondese originaram as ruas para os

lados e para os fundos.Um pouco mais tarde, em

função dos interesses milita­res do governo português,muitos fortes foram construí­dos: Forte Santa Cruz do

Anhatomirim (1739), ForteSão José da Ponta Grossa

(1740), Forte de São João

(1793) e o Forte de Nossa Se­

nhora da Conceição (1742).Nessa época, além dos milita­res que vinham ocupar os for­

tes, Portugal incentivou a

imigração de açorianos paraaumentar a população da

ilha. É o início da formaçãoda cidade.

No início de sua ocupação,o Desterro seguia as normas

urbanísticas impostas pelasOrdenações (coleções de leis

promulgadas pelo rei). A

igreja ocupava um lugar pri­vilegiado, com sua praçafronteira e as ruas e caminhosforam construídos em funçãodesse núcleo central.

Em 1822, com a Declara­

ção da Independência do

Brasil, o Desterro foi elevadoà categoria de cidade e nessa

ocasião houve a primeira ini­ciativa de urbanização com a

marcação do perímetro urba­no. Nessa marcação houve in­teresses fiscais e não o reflexo

da expansão da cidade. Coma transferência da capital (La­ges) para a ilha, iniciou-se um

período de prosperidade. Foi

projetada uma estrada ligan­do Desterro a Lages para ha­ver maior integração ao Pla­nalto Catarinense.

Em 1876 o Plano Urbanoatendia ao aumento da popu­lação com a transformaçãodos caminhos em ruas e aber­turas de novas vias públicas.Já antes, em 1845, com o

abandono do plano inicial de

quadrasretangulares, estabe­leceu-se nas vizinhanças dacidade (Baía Norte), as chá­caras que poucos privilegia­dos possuíam. Com a partilhahereditária ou com o lucro dadivisão das terras para venda,o plano urbano recebeu al­

guns acréscimos, mas os ricos

proprietários criavam dificul­dades à sua expansão e as

ruas paravam ou mudavamde direção quando encontra­

vam chácaras de pessoas in­fluentes.

DESTERRO VIRAFLORIANÓPOLIS

Com a Proclamação 'da Re­

pública em 1899 e as 'resistên­cias locais, há um período de

estagnação no desenvolvi­mento da cidade. Neste pe­ríodo, a alteração mais signi­ficativa foi a mudança do no­

me da cidade de Desterro pa­ra Florianópolis, o que acon­

teceu a partir da "vitória" dasforças comandadas por Flo­riano Peixoto.

Em 1945 Santa Catarinaelabora sua primeira tentati­va de planejamento urbano

intitulado de "Plano deObras e Equipamentos"(POE), que só foi transfor­mado em Lei em 1955 e im-

plantado em 1956.Os anos 60 foram expres­

sivos na evolução urbana de

Florianópolis, pois o cresci­mento populacional foi maior

que nas décadas anteriores.A instalação da UniversidadeFederal foi um fator funda­mentai para esse crescimen­to.

CÓDIGO MUNICIPALO primeiro documento que

regulamentou a ocupação dosolo em Florianópolis foi um

Código Municipal elaborado

por Demétrio Ribeiro, Ed­valdo Paiva e Edgar Graeffem 1945. Esse código conti­nha algumas leis que previama ocupação da parte centralda ilha e continente.

Somente em 1976, vinte e

um anos mais tarde, foi apro­vado o primeiro plano dire­tor. Previsto por Felipe daGama Lobo D'Eça para todoo município, demorou oitoanos para ser aprovado ape­nas para o continente e centro

da ilha até o Morro da Cruz.O traçado do plano propostoignorava a topografia do ter­

reno e felizmente não foi im­

plantado. Mais, tarde, em

1982, o IPUF (Instituto de

Planejamento Urbano de

Florianópolis) estendeu esse

plano ao Morro da Cruz,Agronômica e Trindade. Es­se plano ficou conhecido co­

mo Plano da Trindade. Juntocom o plano dos balneários,em 1985, o IPUF fez uma re­

visão do Plano Diretor Cen­tral elaborado por Gama

D'Eça.Em 1986 houve a consoli­

dação dos planos diretores, e

agora uma única legislaçãoregulamenta a ocupação dosolo em Florianópolis.

A Ilha parece ...

em direção ao Continente

DEZ-87 "ZERO _.

,

P 25"

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

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VIDA URBANA

Dois marcos fundamentaisAqui, as transformaçõesdo Caridade e

Matriz, dois marcos

fundamentais de

Florianópolis.

�:

Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

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Esse aumentoaconteceu nos

últimos 50 anos

Sônia Bridi

Há pouco tempo uma re­

vista de circulação nacionalclassificou Florianópolis co­

mo última capital provincianado país, onde ainda resistemcostumes como levar o passa­rinho para passear com a fa­mília. O"que diria a revistase soubesse que de 1940 pracá essa cidade ficou cinco ve­

zes maior? E que esse cresci­mento não tem nada a ver

com evolução industrial? Ouainda: que há menos de 50anos a capital era tranqüilacidade com 40 mil habitantes,com mais da metade vivendofora da área urbana?

Mesmo que de uma forma

precária, é possível descobrir

algumas coisas sobre essa

província através dos censos

realizados pelo governo. Até1940 esses censos eram feitosde vinte em vinte anos. De­

pois, de dez em dez. As publi­cações mostram não só a evo­

lução da sociedade, mas tam­

bém a evolução da forma da

pesquisa. O recenseamento

de 1920 foi feito pela "Dire­toria Geral de Estatística",órgão que hoje se transfor­mou no Instituto Brasileirode Geografia e Estatística -

o IBGE. É: um trabalho pe­queno, com páginas numera­

das em algarismos romanos e

com preciosidades lingüísti­cas como "Sacco dos Li­mões", "Cannasvieiras" ou

"Santa Catharina". Cientifi­camente ele é bastante limita­

do, mas abrangente o sufi­ciente para que se tenha uma

idéia de como era a Floria­

nópolis (sem acento grãfico)da época.

Em 1920 os recenseadoresnão se preocupavam em sa­

ber o nível de instrução dos40.252 habitantes de Floria­

nópolis. Mas consideraram

importante registrar que a ci­dade tinha 7.452 edificações,entre elas um prédio com

quatro pavimentos, 16 com

três andares, 173 com dois e

26 assobradados. Sem dúvidaum grande progresso para um

município que 20 anos antes,

AS MUDANÇAS

FOTO: PEDRO DOS SANTOS

na virada do século; tinha

apenas três mil habitantes.Entre as décadas de 20 e 40a população pulou para 46 milhabitantes, mas o recensea­

mento teve um crescimento

qualitativo muito grande. Osdomicílios passaram a ser

classificados de forma socialatravés da sua natureza: pró­prio ou alugado. Nessa épo­ca, 60% dos florianopolita­nos residiam em casa própria.Os outros eram inquilinos.Em 1980 essa proporção su­

biu para dois proprietáriospara cada inquilino.

Através do recenseamento

de 1940 podemos deduzir queem 1920 a maioria da popu­lação de Florianópolis não sa­

bia ler nem escrever. Em

1940, 45% dos florianopoli­tanos eram analfabetos. Hoje(dados da Fundação Educare Prefeitura Municipal de

Florianópolis em 1986) os

analfabetos são 13%.

Um dado interessante, quereflete a forma da vida daépoca, é a participação femi­nina na educação. Na Floria­

nópolis de 1940, as mulhereseram em maior número queos homens nas salas de' aulado elementar e no curso mé­dio (a população feminina da

. cidade sempre foi maior quea masculina desde que se tem

registro) mas cai assustadora­mente no superior, idade em

que as moças casavam e aban­donavam os estudos. Em1940, apenas 15 mulherescursavam ou haviam cursadonível superior na cidade, con­

tra 276 homens. ·Em 1980 o

perfil é outro: são 4.380 mu­

lheres e 6.299 homens con ní­vel superior.

A divisão entre a popula-

ção urbana e rural tambémnão foi feita no censo de 1920.

'Mas há uma relação da popu­lação da sede do municípioe dos distritos da SantíssimaTrindade, Saco dos Limões,Canasvieiras, Cachoeira, La­

goa, Rio Vermelho, Ribeirãoe Santo Antônio. Dos 40.252habitantes, 18.500 viviam na

cidade. Os outros 21.752 mo­

ravam nos distrítos e se dedi­cavam à agropecuária e à pes­ca. É bom lembrar que, sem

estradas, esses distritos (hojedois deles são bairros) fica­vam praticamente isolados dasede. Em 1940, 1.049 estabe­lecimentos rurais foram re­

censeados pelo Censo Agrí­cola. Já então ficou eviden­ciada a predominância de mi­nifúndios, uma característicado tipo de colonização. Amaior propriedade tinha me-

nos de cem ha., e era a única. com mais de 50 hectares. Es­ses agricultores se dedicavamprincipalmente às culturas decana de açúcar, café, bananae mandioca. Nenhuma muda'de trigo foi plantada em Flo­rianópolis em 1940, porém os

agricultores, de origem por­tuguesa, conservavam Q§mesmos hábitos do Brasil­Colônia. A pesca não foimencionada. Florianópolischegou em 1980 com apenas1 % da população (1.800 pes­soas) se dedicando à agrope­cuária e à pesca.

A julgar pelo censo de1920, casar em Florianópolisera bom negócio e investi­mento de felicidade perma­nente. Não há nenhum caso

de separação na relação deestado conjugal, simplesmen­te porque isto não foi pesqui­sado. No censo de 40, entre

divorciados, separados e des­quitados surgem três mil pes­soas. Quase 10% de uma po­pulação onde a grande maio­ria (87%) declarou professara religião católica apostólicaromana.

Não há também registroanterior a 1940 da divisão poratividades dos profissionaisflorianopolitanos. Quandofoi feito, o levantamentomostrou que a principal ativi­dade era a agropecuária, se­

guida da indústria de trans­

formação, do comércio e ser­

viço público, defesa nacionale segurança, que somados ul­

trapassam o número de traba­lhadores na principal ativida­

de, a agropecuária. Em 1980a indústria de transformaçãopassou a ter representaçãoinexpressiva, e as principaisatividades deslocaram-se pa­ra a prestação de. serviços, co­

mércio e o serviço público.Entre 1940 a 1980, a popu­

lação de Florianópolis passoude 46 mil para 187 mil habi­tantes oficiais. O responsávelpor este aumento populacio­nal em quase cinco vezes, foi.o fluxo migratório. Somenteentre 1970 e 1980, 67 mil pes­soas chegaram à ilha, fixandoresidência no município.Dessas, 26 mil vieram do inte­rior de Santa Catarina. Asoutras deslocaram-se de to­

dos os estados e territórios doBrasil. O maior número de

migrantes veio do Rio Gran­de do Sul: 4.200 seguido peloRio de Janeiro, com 2.800,Paraná, 3.100 e São Paulocom 2.300.

População cresceu dez vezes

DEZ-87' ZERO '.

P 27"

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AQUI HAVIA UM CAIS

Ex-Rita Mariao mar, semprerecuando, deulugar à rodoviáriae a uma avenida.

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MEMÓRIA

Quem se lembra do tempoem que Florianópolis não ti­

nha luz, água encanada, nem

ônibus ou apartamentos? E"Nosso Senhor dos Passos",da irmandade mais antiga da

ilha, era quase tão rico quantoo governo. Tempo em que"muito moço" trabalhava na

roça e vinha a pé trocar os

réis obtidos no escasso comér­

cio da cidade. Tempo em queBeira-mar era o nome de um

restaurante ao redor do qualos "banhistas" se aglomera­vam. Onde o lazer ficava porconta das festas particulares,das domingueiras e das festas

religiosas; além do Boi-de­

Mamão ou Boi-na-Vara. Da­

quele tempo permaneceram

poucas tradições, como a Fes­ta da Laranja "que semprecai em lua cheia". Quem se

lembra?

Karin Veras

A memória da 'velha cida­

de' está viva, porém esque­cida nos asilos, nas ruas, no

abandono. Pois a 'nova cida­de' já não tem lugar para lem­

branças. Esquecem que ela só

existe através de quem fez a

história e tem história pracontar. É o caso do ilhéu Ma­

nuel Vicente Fraga que com

78 anos demonstra grande lu­

cidez e conserva s�a religio­sidade como só os antigos.

O asilo Irmão Joaquim si­tuado na Mauro Ramos, é um

casarão composto de grandessalas e dois lados bem distin­

tos: o feminino e o masculino.Encaminhados pela irmã

Áquila encontramos Manuel

jogando distraidamente uma

partidinha de dominó. Ele lo­

go mostrou um largo sorriso

e nos levou até seu quarto,um minúsculo aposento onde

A história vivade Florianópolisum altar com várias estatue­

tas e imagens de santos dispu­tam lugar com o restante damodesta mobília. Ali tivemos

uma verdadeira aula de histó­

ria. A história recente de Flo­

rianópolis confunde-se com a

própria história de seu Ma­

nuel.Nascido em 1909 no Itaco­

rubi, ele relembra que os

meios de transporte e comu­

nicação eram quase inexis­

tentes. Ele que trabalhou a

vida inteira, quase não recebe

visitas. Por isto, fica contente

em poder conversar e contar

que "agora a vida está mais

ruim, embora haja mais faci­lidades" .

SÍTIOSAcompanhando a evolu­

ção da cidade desde o iníciodo século, Manuel nasceu no

tempo em que Trindade e Ita­

corubi eram sítios. Neste últi­mo bairro ele nasceu e se

criou até a morte do pai. Foi

quando veio trabalhar na ci­dade. Tinha 19 anos e haviacursado até o 3� ano em escola

particular, isto porque seu paiainda tinha condições. Elelembra que a necessidade e

a distância faziam com que,naquela época, a maioria dos

moços trabalhassem na roçaou na pesca e, desta maneira,ficavam impedidos de estu­

dar.A mãe de Manuel fazia

rendas de bilros e morreu de­

pois do marido. Suas 3 irmãs

também já morreram. Hoje,o velho morador da ilha não

Na Praça XV

FOTOS: KARIN VERAS/ZERO

Seu Manoel

tem parentes. Só um afilhado

que vem lhe visitar algumasvezes. E vive de mínimo salá­

rio (ou vice-versa) deixado

por Oswaldo Lolati - dono

da úlima casa em que traba­

lhou. Além de receber do

INPS, que ele mesmo reco­

lheu, a quantia de aproxima­damente 1 mil cruzados.

Orgulhoso, seu Manuel

conta que foi caseiro de muita

'gente importante'. Traba­

lhou na casa do desembarga­dor Medeiros Filho, diretor

do Hospital de Caridade.

Trabalhou também, na casa

do Dr. Rótulo, fundador da

Casa de Saúde São Sebastiõ.

DIVERSÃOO carnaval, não faz dez

anos, era realizado ao redorda Praça XV. No começo só

haviam blocos. As primeirasEscolas de Samba foram:

Protegidos da Princesa, CopaLorde, Filhos de Luão, Tira­

mão (da polícia) e Brigaquem Pode (da família

Daux). No sítio, carnaval era

sinônimo de baile e só se dan­

çava com máscara. No gover­no Nereu Ramos vieram os

carros alegóricos. Diabo-a­

Quatro, hoje Tenentes do

Diabo, é a sociedade mais an­

tiga e tinha seu galpão atrás

do atual Lira Tênis Clube,vencendo concursos carnava­

lescos durante vários anos se-

guidos.O Clube 12 de Agosto -

"só de rico" - ficava na rua

João Pinto, onde aconteciam

memoráveis bailes. Também

nas casas particulares a gaita,o violão e o cavaquinho fa­

ziam a diversão da época. SeuManuel não dançava, "ia só

espiar" porque "tinha uma ir­

mã dançadeira". Naqueletempo não se ia constante­

mente à praia. "Tenho raiva

de praia", diz o velho ilhéu:"esta mania foi inventada de

uns 10 anos para cá".As procissões e festas reli­

giosas eram muito mais fre­

qüentes. Havia a procissão de

São Sebastião, de Santa Tere­

zinha, de Nosso Senhor dos

Passos, sendo que a maiorfesta era a de Nosso Senhor

dos Passos.As primeiras igrejas foram

Menino Deus (Hospital de

Caridade), São Francisco (nocentro) e Nossa Senhora do

Rosário, construída por es­

cravos no Estreito. Na igrejaMenino Deus ainda existe a

imagem de Nosso Senhor dos

Passos, de mais de 200 anos.

Era a 'Irmandade do SenhorBom Jesus dos Passos' que re­

cebia mais doações e diversos

tipos de pagamento de pro­messa. Por este motivo seu

Manuel afirma que o Senhor

dos Passos, depois do gover­no, é a pessoa mais rica de

Florianópolis.

VIDA PORTUÁRIAA vida da cidade girava em

torno do mar - conta Ma­

nuel, com os navios chegandona Rita Maria (hoje Super­mercado Imperatriz). Elelembra o nome de 3 navios:

Hoepke, Ana e Max. Os dois

primeiros faziam percursosmaiores e o último ia até La­

guna. A Capitania dos Portosficava em frente ao Hospitalde Caridade.

Onde está o Palácio do Go­verno ficava o 'Campo doManes' - lugar pantanosoporque a água do mar batia

ali. Seu Manuel lembra queao longo do grande trapichemuitos bêbados e malandros

se afogavam: "Tinha muita

malandragem e cada vez tem

mais". Onde hoje é a Praçada Bandeira ficava õ Largo13 de Maio.

"Essa noite berrou uma va­

ca. Isso foi moça que fugiu".Estas palavras eram típicas na

época de juventude dos ve­

lhos de hoje. Porque quandonão se contentavam com os

namoros na janela ou dentrode casa, os namorados fu­

giam: "Roubavam muita mo­

ça de noite", conta seu Ma­

nuel. Já os que quisessem na­

morar certinho, contenta­

vam-se em dar uma voltinhade vez em quando, acompa­nhados d,os pais da moça.

TRANSPORTE DE BURRO

O primeiro transporte co­

letivo da ilha foi o bonde, pu­xado por burros, um carro

grande e aberto. Havia um

ponto na Agronômica, e o

ponto final era na Praça XV.

Havia também as charretes

puxadas por cavalos, onde

aparecia a figura do coxeiro:

era transporte para casais. O

primeiro ônibus chamava-se

Canarinho (hoje é o Farofi­nha ... ) e parava nos mesmos

pontos do bonde."A cidade sempre foi bo­

nita e mais bonita está", de­clara seu Manuel com amor

à Ilha. Para ele, a beleza estána evolução arquitetônica,embora reconheça que antes

havia mais originalidade e

que a verticalização "acabou

com o brilho da cidade" , afas­

tando o sol.

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Benzedeiras:o remédioinfalível

onde invocam a Virgem Ma­ria, e a pessoa se alivia da car­

ga negativa. Também a ArcaCaída, doença que atinge be­bês recém-nascidos, faz partedo campo de ação da benze­deira.

Sinhá FrançaFrancelina Santana, 78

anos, reside em Ponta das Ca­nas desde que nasceu, e foilá que começou a praticar a

benzedura, há 50 anos. Comuma verruga na testa, e um

ar de quem está constante­

mente preocupada, ela. ad­verte para o perigo das bru­xas, que tanto podem ser cria�turas noturnas, quanto- mu­

lheres idosas. Conta que a fé:é imprescindível a foda ben­zedeira. De fato, é precisomuita paciência e peregrina-ção.

.

Nesta comunidade, aindaexistem engenhos de farinha,e Francelina, enquanto con­

S fecciona colchas de retalhos,�

.

espera _os meses apropriados""

para a produção "de farinha- maio a junho. Para ela,ajudar no engenhoé um tanto

desgastante devido à idade,mas a farinha é uma fonte derenda. O café, tomado todosos dias durante a manhã, é

.

á FIan a

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FLORIANÓPOLIS - 1926FOTO§: VALDEMAR ANACLETO

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o pioneirismode doisantigos

fotógrafos'da ilha.

Nas fotos deValdemarAnacleto

e no relatode NestorFernandes

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Dois apaixonadospela cidade

Karla Bastos

Um homem com pouco maisde 20 anos passava em São Joa­quim com uma tropa de 120bois, há quase 50 anos atrás.Alguém lhe disse que ali mora­

va seu primo-irmão e ele diri­giu-se à sua casa. O primo mos­

trou-lhe sua parafernália foto­gráfica e as vantagens de traba­lhar sem "fomefrio-x fora-de­casa". O tropeiro ficou deslum­brado com sua própria imagemno papel e o fotógrafo ofereceuseu equipamento (máquina18x24, copiadeira, fórmula pa­ra revelação e esmaltadeira),por 2 contos de réis. Era o preçode mais da metade de sua tropa,mas o moço não resistiu. Juntocom sua preciosa aquisição elechegou em casa com algumaspoucas instruções escritas. Fa­lou para a mulher que agoraficariam ricos.

Esta história é a de NestorFernandes, hoje com 74 anos,e que considera a fotografia co­mo mais importante que o fotó­grafo, "porque tem fotógrafoque nem sabe de fotografia".

'

Quando voltou à cidade de

Lauro Müller, decidido a ser

fotógrafo, não foi nada fácildescobrir os segredos mais pri­mários da nova profissão. DonaLina, sua companheira há 52anos, que nesta época já tinha5 dos 7 fiíhos, conta que "sua­ram" bastante até que achas­sem o tempo certo de exposição'do negativo à luz e descobris­sem que deviam eliminar qual­quer fresta na casa de madeirapara trabalhar totalmente no

escuro. Até aí Seu Nestor teve

que vender galinhas, os porcose o gado, para financiar o mate­rial fotográfico importado. Nãohavia ninguém que o ensinassea lidar com tudo aquilo e porsugestão da esposa comprouum pequeno manual de foto­grafia em Tubarão. Começouentão, a fotografar "pessoas,monumentos, vento (papel sol­to no ar) - como ele mesmo

descreve. Trabalhou sete anos

em Lauro Müller fotografandofestas e fazendo reportagens,geralmente encomendadas porpolíticos. Ele confessa, orgu­lhoso, que já fotografou cincopresidentes da República, entreeles Getülío Vargas e Nereu Ra­mos. Irineu Bornhausen, avô

do senador Jorge, convidou seu

Nestor para trabalhar no Palá­cio do Governo, mas ele nãoaceitou. Preferiu preservar sua

autonomia. Veio para Floria­nópolis em 56 e montou "FotoNestor" , no ponto final do ôni­bus Canto, onde utilizava má­

quinas de diversos tanhanhos:24x30, 18x24 e 13x18 (para cha­mados de fora). Os trabalhosmais solicitados eram as fotos3x4 além das 5x7 preferidas pa­ra os galanteios entre namora­

dos, que se presenteavam mu-,tuamente.

Alguns dos trabalhos destefotógrafo foram feitos na Serrado Rio do Rastro, onde a estra­da era só um risco no meio domato. Dona Lina ficava pendu­rada num cipó para conseguiros melhores ângulos, enquantoele a segurava para que nãocaísse. Infelizmente todos estes

negativos foram perdidos num

incêndio no "Foto Nestor".Artesanal

Era a esposa, Carolina Fer­nandes, e os filhos, que ajuda­vam na produção das fotos.Elas tinham um picote caracte­rístico. Além disso, era feito um

trabalho verdadeiramente ar-

tesanal para colorir as fotogra­fiaS caso o cliente assim o prefe­risse. Eram pintadas a óleo,com cotonete (palito e algodão),e o excesso era limpado com ga­solina. Ainda faziam retoquesnas fotos preto e branco com

'matolen'. Quando não eram

coloridas as fotos ficavam pron­tas em 24 horas. Caso contrárioo prazo de entrega era de doisdias.

Agora, o casal está aposen­tado. O fotógrafo anda um pou­co esquecidó e doente: de vez

em quando vai ao hospital aspi­rar oxigênio. Gosta muito de fa­lar sobre seu passado e admiraas pessoas que trabalham no

sentido de resgatar a memóriade um lugar.

Hoje trata a fotografia como

a terceira descoberta mais im­portante do mundo, precedidapelo satélite e pela física, e dizque a "melhor luz é a mente".Só lamenta que no mundo dehoje falte o romantismo, aindacultivado por ele. "Ela é a mu­

lher mais linda do mundo, e sófico pensando no dia em quevou ter que deixá-la", diz seu

Nestor, confessando seu amor

a Dona Lina .

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FOTO: NESTOR FERNANDES

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Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina