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8/9/2019 Acervo_performare_Alexandre Pieroni Calado - Ator - Performer Ajuda o Happening a Pensar a Atuacao Contempor
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Ator / Performer ajuda ohappening a pensar a atuao contempornea?
Alexandre Pieroni Calado - Comunicao Oral
ECA/ USP - GT Territrios e Fronteira
Palavras-chave: Atuao contempornea, happening, desempenho no matricial
Neste texto procuro pensar o desempenho cnico contemporneo, a partir de textos do ator,
diretor e terico de teatro norte-americano Michael Kirby (1931-97). Kirby trabalhou com o
Wooster Group e com Woody Allen. Foi professor na New York University e escreveu livros
seminais como Happenings (1965), The Art of Time (1969), A formalist theatre (1987) e
Futurist Performance (2001). Foi editor da TDR de 1969 a 1986 e um dos fundadores dos
estudos sobreperformance nos EUA, juntamente com Richard Schechner. Este artigo nasce da
convico de que o vocabulrio crtico de que dispomos condiciona os nossos processos
criativos.
I. Ator / Performer: como encarar a barra? Diferenciao e at oposio entre ator e
performerpersistem em muitos discursos como bem ilustra o Dicionrio de Teatro, de Patrice
Pavis. Em duas entradas distintas o semilogo francs afirma que o ator algum que interpreta
um texto e uma encenao (PAVIS, 2001: 30); o performer um artista que fala e age em seu
prprio nome (PAVIS, 2001: 284-5). Esta compartimentao de categorias parece-me
dificilmente sustentada perante as prticas cnicas contemporneas. A Oxford Encyclopedia of
Theatre and Performance, por seu lado, oferece apenas uma entrada para as duas noes e
confirma esta dificuldade: O que o ator ou performerfaz no palco no incio do sculo vinte
estende-se desde interpretar uma personagem psicologicamente realista representao
seqencial de mltiplos papis ou personae at realizao de tarefas ou participao em
imagens sem qualquer implicao de personagem (ZARRILLI, 2003: 12)1. Alm dos termos
serem aqui intercambiveis, esta entrada explicita bem como o ator contemporneo dificilmente
pode ser entendido simplesmente como algum que representa uma personagem.
Diferentes tericos mantm que a definio tradicional de ator tem hoje as suas fronteiras
abaladas. Por exemplo, Hans-Thies Lehmann defende, em O Teatro Ps-dramtico, que o teatrodas ltimas dcadas do sculo vinte se afastou definitivamente do modelo dramtico dominado
pelo texto dialogado, pela presena de personagens e pela ideia de conflito. Segundo o terico
alemo, a transformao operada nos signos teatrais teve por consequncia que as delimitaes
que separam o gnero teatral de outras prticas que como a arte da performance tendem a
uma experincia do real se tenham tornado mais fludas (LEHMANN, 2002: 216).
Consequentemente, o ator contemporneo, ainda segundo Lehmann, apresenta-se como o ator
pico que mostra ou utiliza, como operformer, a sua presena como material esttico de base
1 A traduo de obras que no esto em portugus minha, excepto
quando indicado em contrrio na bibliografia.
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(LEHMANN, 2002: 222); ele evolui entre uma metamorfose em objeto inanimado de
apresentao e a afirmao de si como pessoa (LEHAMNN, 2002: 268); em resumo, no
mais o representante de um papel mas aquele que oferece a sua presena contemplao
(LEHMANN, 2002: 217). Odette Aslan, consagrada investigadora da evoluo do trabalho do
ator no sculo vinte, por seu lado, corrobora a posio de Lehmann, reforando o
desenvolvimento da criatividade do ator: Mais que a personagem, ele deixa aparecer a sua
pessoa. Ele vai mesmo at a performance: o ato de ser si, a apresentao de si em ato.
(ASLAN, 2006: 103)
O que estes tericos constatam observa-se num amplo conjunto de prticas que tm em
comum uma reconstruo das categorias dramticas. Exemplos com a Cia. de Atores, o Teatro
da Vertigem e o Arquiplago, no Brasil, e o Teatro da Garagem, o Teatro Praga, a Casa
Conveniente, o Teatro do Vestido, a Patrcia Portela, em Portugal, ilustram-no no contexto luso
e brasileiro. Wooster Group (EUA), Forced Entertainment (Reino Unido), STAN (Blgica), La
Fura dels Baus (Espanha), Societtas Raffaello Sanzio (Itlia), Anatoli Vassiliev (Russia),
Theodoros Terzopoulos (Grcia) e Tadashi Suzuki (Japo) so nomes de praticamente os quatro
cantos do mundo j consagrados por prticas que questionam os modos convencionais de fazer
teatro e o papel do ator na criao.
II. Atuao no happening: desempenho na fronteira? Kirby, na Introduo ao seu livro
Happenings escreve: Os happenings podem ser descritos como uma forma de teatro
propositadamente composta, na qual diversos elementos algicos, incluindo desempenho no
matricial, so organizados numa estrutura compartimentada. (KIRBY, 1965: 21) No pretendo
aqui analisar quanto esta descrio colide com muitos preconceitos, alguns dos quais esto bem
ilustrados na traduo brasileira desta passagem, no Dicionrio de Teatro de Pavis, mas antes
aprofundar a noo de desempenho no matricial que particularmente pertinente para
compreender a atuao contempornea.
Considerando trabalhos de Allan Kaprow e Claes Oldenburg, entre outros, Kirby salienta as
fortes analogias do processo de criao no Happening com as prticas da collage, da
assemblage e do environment (KIRBY, 1965: 11, 22). A esta apropriao de procedimentos,que concorre para o carter algico da composio, corresponde um afastamento das categorias
tradicionais do drama (espao, tempo, personagens e situaes ficcionais). So estas ltimas que
Kirby considera uma matriz, na qual a atuao se processa; a ausncia destas que o leva a
denominar o desempenho do ator no happening como nonmatrixed performing (KIRBY,
1965: 16). importante salientar que esta noo no se reduz de no representao, como
fica claro no texto From acting to not-acting (1987). Kirby entende que o ator no
representa quando no faz nada para reforar a informao e a identificao e que representa
quando faz algo para fingir, simular ou personificar [impersonate] (KIRBY, 1987: 3). Para oautor norte-americano, estes so dois extremos de um continuo onde possvel identificar certas
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categorias intermdias como matriz simblica [symbolized matrix] e representao
recebida [received acting]. Com estas Kirby salienta que, mesmo no representando, o
desempenho do ator pode ser percebido como tal em consequncia da existncia de elementos
matriciais. Quanto mais fortes, persistentes e mutuamente se reforam estes elementos, mais a
atuao recebida como uma representao, independentemente de quo quotidiano seja o
comportamento do ator.
Entre os happenings documentados no seu livro, Kirby constata que certas unidades destas
criaes apenas contm sons ou elementos fsicos e dispensam a presena humana (KIRBY,
1965: 14). Com efeito, o abandono da matriz desloca o foco para a situao concreta da
apresentao, para os materiais utilizados e para a recepo. Esta percepo contribui para que
Kirby afirme que o desempenho do ator tende a estar no mesmo nvel que os aspetos fsicos da
produo (KIRBY, 1965: 19). Assim, na economia da apresentao, a singularidade da pessoa
valorizada por no estar associada noo de personagem mas o desempenho do ator tratado
como apenas um entre os elementos da montagem. Trata-se sem dvida de uma tendncia no
antropocntrica do fazer teatral.
Sem interpretar uma matriz externa ao evento concreto que ocorre na presena do espectador,
de acordo com Kirby, o ator no happening apenas executa tarefas genericamente simples e
pouco exigentes: andar, correr, dizer palavras, cantar, lavar pratos, varrer, operar mquinas e
equipamento de palco, por exemplo (KIRBY, 1987: 3). Uma vez que estas tarefas so
programadas mas no marcadas como em outras formas de teatro, o atorgoza de um grau de
liberdade comparativamente maior. Contudo, Kirby mantm que no adequado falar-se em
improvisao, j que esta normalmente entendida como algo que no preparado
antecipadamente, alm de estar, de modo geral, associada a prticas teatrais muito diferentes do
happening. Kirby prefere falar em indeterminao (KIRBY, 1965: 17).
III. Cena contempornea: que contributos? Kirby mantm que o ator no happening nem
desaparece na personagem, como pretenderia Stanislavsky, nem aparece ao lado dela,
comentando-a, como pretenderia Brecht; para ele, surgiu uma nova categoria (KIRBY, 1965:
17). Alm do happening, Kirby encontra o desempenho matricial em certas peas de dana e naatuao dos assistentes de cena do Kurombo e do Kabuki (KIRBY, 1987: 3-4); talvez este
ltimo exemplo seja o que de modo mais evidente traduz a noo de realizao de tarefas. O
happening uma designao histrica mas muitas inovaes por ele introduzidas so hoje
aplicadas ao teatro narrativo e de representao: a criao coletiva de roteiros e espetculos, a
experimentao com diferentes relaes entre o pblico e a apresentao, a crescente nfase no
movimento e na imagens, etc. tambm freqente encontrar criaes onde os atores transitam
entre diferentes modos de desempenho, muitas vezes integrando a realizao de tarefas
enquanto eles mesmos na sua atuao. Ainda que perante a enorme diversidade demanifestaes cnicas atuais seja difcil postular axiomas definitivos, creio que o desempenho
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no matricial do happening descrito por Michael Kirby pode ajudar a compreender e a
desenvolver a atuao contempornea.
BLIOGRAFIA
KIRBY, Michael, A Formalist Theatre, Philadelphia: University of Pennsylvania Press,
1987.
KIRBY, Michael, Happenings, New York: E. P. Dutton,1965.
PAVIS, Patrice, Dicionrio de Teatro, trad. J. Guinsburg et al., So Paulo: Editora Perspectiva,
2001.
ZARRILLI, Phillip, Acting / Actor in: Dennis KENNEDY (ed.), The Oxford Encyclopedia
of Theatre and Performance, Oxford: Oxford University Press, 2003.
ASLAN, Odette, Lacteur en devenir in: Thtre / Public 182, Gennevilliers: Thtre de
Gennevilliers, pp. 102-107, 2006.
LEHMANN, Hans-Thies, Le Thtre Postdramatique, Paris: LArche, 2002.
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