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119 THEMIS - Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará ACESSO À JUSTIÇA NO BRASIL: OBSTÁCULOS E INSTRUMENTOS GARANTIDORES Carlos Augusto Medeiros de Andrade Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Defensor Público de entrância especial do Estado do Ceará. Professor do Curso de Direito da Faculdade Christus. Conselheiro Estadual da OAB-CE. 1. Introdução 2. Acesso à Justiça 2.1. Noção 2.2. Obstáculos 2.2.1. Custos da Demanda 2.2.1.1. Custas Judiciais 2.2.1.2. Honorários Advocatícios 2.2.2. Impossibilidade das Partes 2.2.3. Sistema Processual 2.3. Instrumentos Garantidores 2.3.1. Assistência Jurídica Integral e Gratuita – Defensoria Pública 2.3.2. Juizados Especiais 3. Conclusão 4. Referências Bibliográficas. RESUMO Para a devida assistência jurídica, as pessoas enfrentam diversos obstáculos, desde a falta de recursos para comparecimento aos locais de atendimento até a total falta de informação de instrumentos democráticos como a Defensoria Pública. PALAVRAS-CHAVE: Acesso à Justiça. Obstáculos. Assistência Jurídica. Defensoria Pública. Juizados Especiais. v. 5, n. 1, jan./jul. 2007

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ACESSO À JUSTIÇA NO BRASIL: OBSTÁCULOS EINSTRUMENTOS GARANTIDORES

Carlos Augusto Medeiros de AndradeMestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).

Defensor Público de entrância especial do Estado do Ceará.Professor do Curso de Direito da Faculdade Christus.

Conselheiro Estadual da OAB-CE.

1. Introdução 2. Acesso à Justiça 2.1. Noção2.2. Obstáculos 2.2.1. Custos da Demanda2.2.1.1. Custas Judiciais 2.2.1.2. HonoráriosAdvocatícios 2.2.2. Impossibilidade dasPartes 2.2.3. Sistema Processual 2.3.Instrumentos Garantidores 2.3.1.Assistência Jurídica Integral e Gratuita –Defensoria Pública 2.3.2. JuizadosEspeciais 3. Conclusão 4. ReferênciasBibliográficas.

RESUMOPara a devida assistência jurídica, aspessoas enfrentam diversos obstáculos,desde a falta de recursos paracomparecimento aos locais de atendimentoaté a total falta de informação deinstrumentos democráticos como aDefensoria Pública.

PALAVRAS-CHAVE: Acesso à Justiça.Obstáculos. Assistência Jurídica.Defensoria Pública. Juizados Especiais.

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1. INTRODUÇÃO

Apresentar o que significa acesso à justiça,passando pela sua noção, os obstáculos que, se nãoimpedem, dificultam que as pessoas busquem a garantiados seus direitos, analisando os custos da demanda (custasjudiciais e honorários advocatícios), a impossibilidade daspartes, dentro de uma visão sócio-cultural e a menção aosistema processual que em muito tem contribuído para queas pessoas desacreditem no Poder Judiciário, chegando-se até aos instrumentos facilitadores, em que se ressaltaprincipalmente a assistência jurídica integral e gratuita pormeio da Defensoria Pública e os Juizados Especiais, queapesar de suas falhas, têm feito seu papel de garantir acessoà justiça a grande parte da população: esta é a proposta dopresente estudo que visa também dar uma visão panorâmicados institutos que dão supedâneo ao tema em alusão:ACESSO À JUSTIÇA.

Tem-se também como objetivo, chamar a atençãodos operadores do Direito e da sociedade em geral, para acrítica situação que, mormente o Estado do Ceará, passa,em termos de falta de Defensores Públicos para atendimentoà população.

2. ACESSO À JUSTIÇA2.1. Noção

Ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal,

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que diz que “a lei não excluirá da apreciação do PoderJudiciário lesão ou ameaça a direito”, muito se tem atribuídoos termos “acesso ao Judiciário”, ou “acesso à tutelajurisdicional”, ou ainda “acesso ao Poder Judiciário”. Ocorreque a proposta do presente estudo, “acesso à justiça” é bemmais abrangente, e, sobre o assunto, tem-se a opinião doautor Augusto Marcacini, citando Kazuo Watanabe (“Acessoà Justiça e Sociedade Moderna, in Encontro, Participaçãoe Processo.”) :

Por acesso à justiça, assim, não seresume o mero ingresso em juízo. Outrosfatores mais se fazem necessários, a fimde que, ingressando em juízo, doprocesso resulte uma solução justa parao conflito. Dando maior dimensão a estagarantia, conclui Kazuo Watanabe que:“O direito de acesso à justiça é,fundamentalmente, direito de acesso àordem jurídica justa; são dadoselementares desse direito: 1) o direito àinformação e perfeito conhecimento dodireito substancial e à organização depesquisa permanente a cargo deespecialistas e orientada à aferiçãoconstante da adequação entre a ordemjurídica e a realidade socioeconômica doPaís; 2) direito de acesso à justiçaadequadamente organizada e formadapor juízes inseridos na realidade social

1 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência Jurídica, AssistênciaJudiciária e Justiça Gratuita. 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.20-21.

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e comprometidos com o objetivo derealização da ordem jurídica justa; 3)direito à preordenação dos instrumentosprocessuais capazes de promover aefetiva tutela de direitos; 4) direito àremoção de todos os obstáculos que seanteponham ao acesso efetivo à Justiçacom tais características.1

Por isso, ao iniciar-se o estudo acerca do tema,deve levar-se em consideração logo, o que assevera MauroCappelletti em sua clássica obra Acesso à Justiça: “Oacesso não é apenas um direito social fundamental,crescentemente reconhecido; ele é, também,necessariamente, o ponto central da modernaprocessualística. Seu estudo pressupõe um alargamento eaprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciênciajurídica”2 , em que o termo acesso, empregado no tema emestudo, representa a possibilidade, a abertura de viabilidadeque as pessoas têm para obter algo.

Mas qual o primeiro momento em que sedespertou efetivamente a este acesso à justiça? Cappelletti,em nota (7), assevera que:

Provavelmente o primeiroreconhecimento explícito do dever do

2 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução:Ellen Gracie Northfleet. 1ª ed., Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,1988, p. 13.

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Estado de assegurar igual acesso àjustiça (pelo menos quando as partesestejam na Justiça) veio com o CódigoAustríaco de 1895, que conferiu ao juizum papel ativo para equalizar aspartes.3

De lá até os tempos hodiernos, muito se temcaminhado no sentido de fazer valer este direito, ressaltando-se assim as palavras do juiz José Renato Nalini, em queexplana:

“o movimento do acesso à justiça éuma solução de compromisso. Oaspecto normativo do direito não érenegado, mas enfatizado comoelemento de extrema importância. Écondição necessária aoconhecimento do fenômeno jurídico,mas não suficiente à suacompreensão total. O direito é norma,todavia não se contém todo napositividade.4

No que diz respeito ao objeto do presente estudo,não se pode deixar de comentar a diferença entre acessoformal e acesso efetivo à justiça, sobra o qual o autorGuilherme Peña de Moraes trata da seguinte maneira:

3 Ob. cit. p. 11.4 NALINI, José Renato. O Juiz e o Acesso à Justiça. 2ª Ed. São Paulo:Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 24.

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O primeiro, identificado como direitofundamental de índole individualista,representa os direitos de ação edefesa, conceituados como direitossubjetivos públicos, autônomos,abstratos, determinados e específicos,de natureza constitucional-processual,de invocar, mediante a dedução deuma pretensão em juízo ou demanda,ou impedir, através da resposta dodemandado, a outorga da prestaçãojurisdicional, respectivamente(6).Ressalta-se que os direitos individuaissão caracterizados peloestabelecimento, relativamente aoEstado, de um dever de abstenção,isto é, são direitos asseguradores deuma esfera de ação pessoal própria,inibidora da ação estatal, de modoque o Estado os satisfaz por umabster-se ou não atuar.O segundo, particularizado comodireito fundamental de índole social,corresponde a uma faculdade ouprerrogativa dos indivíduos, ou dasunidades sociais das quais façamparte, de participação nos benefíciosda vida social, econômica ou cultural,mediante prestações, diretas ouindiretas, por parte do organismoestadual, no sentido de reconhecer edefender adequadamente, na esferaprática, os direitos titularizados pelapessoa humana. É relevante dizer que

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os direitos sociais são determinadospela constituição, com referência aoEstado, de um dever de prestação,vale dizer, são direitos fundamentaissatisfeitos por uma prestação oufornecimento de um bem por parte docorpo estatal.5

Mauro Cappelletti, tratando de acesso efetivo àjustiça entende que:

De fato, o direito ao acesso efetivo temsido progressivamente reconhecidocomo sendo de importância capitalentre os novos direitos individuais esociais, uma vez que a titularidade dedireitos é destituída de sentido, naausência de mecanismos para suaefetiva reivindicação(8). O acesso àjustiça pode, portanto, ser encaradocomo o requisito fundamental – o maisbásico dos direitos humanos – de umsistema jurídico moderno e igualitárioque pretenda garantir, e não apenasproclamar os direitos de todos.6

Ainda sobre a noção que se deve ter de acessoà justiça, tendo em vista o seu estudo metodológico, oprofessor José de Albuquerque Rocha discorre:

5 MORAES, Guilherme Peña de. Instituições da Defensoria Pública.1ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p.45-46.6 Ob. cit., p.11-12.

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(...) o direito de acesso à justiça deveser encarado como instrumento depolítica social. Não basta estudá-locomo faculdade abstrata de acesso àjustiça, mas deve ser tratado de umamaneira mais ampla, como qualquertema jurídico, compreendendo não sóo estudo das normas que oconsagram, mas também aspossibilidades concretas de suaefetivação, o que levanta a questão deidentificar os obstáculos que impedemo exercício do direito.7

É importante destacar que este acesso à justiçanão se deva ser entendido em seu sentido somente estrito,mas sim o mais amplo possível, ou seja, no que se atribui oacesso à justiça social, estendendo-se em vários aspectoso termo, desde a dificuldade que alguém tem para acionar aprestação jurisdicional do Estado pelo meio formal deingressar com uma determinada ação, até o fato de alguémser privado de poder entrar em um ônibus ou ter acesso a

7 ROCHA, José de Albuquerque. Defensoria Pública como Conquistado Cidadão, in. Revista Cearense Independente do MinistérioPúblico. Ano I, nº 03, Fortaleza: Ed. ABC, 1999, p. 172. E aqui vale oensinamento de John Rawls, em “Justicia como Equidad”, p. 90, emque “Una práctica es justa o equitativa, pues, cuando satisface losprincipios que los que em ella participan podrían proponerse unos aotros para su mutua aceptación em las circunstancias antesmencionadas. Las personas embarcadas em uma práctica justa, oequitativa, pueden mirarse unas a otras abiertamente y defender susrespectivas posiciones – si parecieran cuestionables – por referencia aprincipios que es razonable esperar que cada uno acepte.”

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um restaurante ou um prédio qualquer, porque não temrampa para sua cadeira de roda. Traduz-se também (e istoé importante ressaltar), na falta de oportunidade da criançaem ter uma escola para estudar ou os seus pais de empregocom renda suficiente para sustentá-la, enfim, justiça social.

2.2. ObstáculosInfelizmente muitos obstáculos têm aparecido no

firmamento deste direito indiscutível da sociedade de disporde meios que garantam seu acesso à justiça. Dentre elespode mencionar-se os custos da demanda (em que seinserem as custas judiciais e os honorários pagos aadvogados), a impossibilidade das partes e o sistemaprocessual, os quais serão discutidos a seguir. Poder-se-iamencionar mais alguns. Contudo, para fins do presentetrabalho, colocar-se-á o limite nos fatores acima citados, atémesmo pelo fato de cada um deles, ainda os que não foramelencados, guardarem estreita ligação entre si, como severá.

2.2.1. Custos da demandaConsiderado um dos principais fatores que

distanciam a população do acesso à justiça, o fatoreconômico, ou seja, os custos da demanda, podem sertratados no que concerne a dois pontos fundamentais (semesquecer outros que são também importantes, como, porexemplo, a falta de dinheiro para: pagar um transporte a fimde chegar em um local de atendimento de alguma instituiçãoque promova acesso à justiça; xerocopiar documentos

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necessários para o ingresso de pedidos sejam elesadministrativos ou mesmo judiciais etc.): custas judiciais ehonorários advocatícios.

2.2.1.1. Custas judiciaisEm se tratando da existência de custas judiciais

(ou “custas processuais”, “custas do processo” ou ainda noaspecto mais amplo “despesas processuais”), é flagrante adistância que aquelas impõem às camadas mais baixas dasociedade, financeiramente tratando, pois poucas são aspessoas que têm condição de pagar os valores necessáriospara ingressar judicialmente. Como exemplos podem sercitados em ações de divórcio, de separação judicial ou dealimentos, que “deságuam” às dezenas no setor dedistribuição do Fórum. Dependendo do chamado “valor dacausa” poderão as custas iniciais chegar a um saláriomínimo. Quer dizer, a parte interessada terá quedesembolsar de imediato quase quatrocentos reais.Levando-se em consideração que a imensa maioria daspessoas que tem emprego (pois muitas delas não o têm),percebem apenas este mesmo salário mínimo “capaz deatender a suas necessidades vitais básicas e às de suafamília com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,vestuário, higiene, transporte e previdência social(...)”9 , logo,ficará difícil para pagar, haja vista que o que ganha em ummês terá que desembolsar para pagar somente umadespesa processual.

2.2.1.2. Honorários advocatíciosAlém do que se paga ao Poder Judiciário,

9 Inciso IV do art. 6º da Constituição da República Federativa do Brasil.

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quando se quer uma determinada demanda, para seingressar em juízo, precisa-se de profissional (ouprofissionais, pois, às vezes, necessita-se de um contadorpara um cálculo; um engenheiro, para planta e memorialdescritivo em uma ação de usucapião etc.) habilitado paratanto, ou seja, um advogado. E o que se paga ao mencionadobacharel, é estipulado em tabela oficial, definida pela Ordemdos Advogados do Brasil. Sobre o assunto, trata o autor RuyPereira Barbosa, em que inicialmente cita o jurista HélioBicudo, em seu artigo intitulado “Cega, Cara e Lenta”,referindo-se à justiça brasileira e adiante exara:

Exemplificativamente citamos o quedetermina a atual Tabela deHonorários Advocatícios, para asseguintes ações:1) Advocacia Civil:a) Medidas Cautelares:a.1) ¾ dos honorários previstos paraa causa principal, se esta não vier aser promovida; se vier a serpromovida, 1/3 dos honoráriosprevistos para a causa principal.Mínimo – R$500,00;a.2) arresto, seqüestro, busca eapreensão, exibição, caução,produção antecipada de provas,justificação, sustação de protesto,atentado – mínimo R$500,00;a.3) homologação de penhor legal,apreensão de título, ratificação deprotesto marítimo e outras medidasprovisionais – mínimo R$500,00.

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b) Possessórias:b.1) manutenção e reintegração deposse – 20% sobre o valor da coisalitigiosa. Mínimo R$1.000,00;b.2) interdito proibitório – 10% sobreo valor da coisa litigiosa. MínimoR$1.000,00.c) Ordinária de Despejo:Como advogado do autor ou do réu,20% sobre o valor do aluguelcorrespondente a um ano de locação.Mínimo R$1.000,00.(...)1 0

Como se vê, o raciocínio anterior, em que agrande maioria da população sequer percebe um saláriomínimo de remuneração, não tem condição de ter seusdireitos garantidos, ou seja, que seja proporcionado o acessoà justiça, com valores tão superiores às suas condições.

2.2.2. Impossibilidade das partesTratado tanto por Gulherme Peña de Moraes1 1,

como por Mauro Cappelletti1 2 como “possibilidade daspartes”, em que citam Marc Galanter, optou-se por nomearesta parte do estudo como “impossibilidade das partes”, atémesmo para guardar uma conexão lógica entre os temastratados, uma vez que a referência é aos obstáculos,10 BARBOSA, Ruy Pereira. Assistência Jurídica. 1ª ed., Rio de Janeiro:Forense, 1998, p. 34-35.11 Ob. cit., p. 48.

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empecilhos, instrumentos inibidores ou impeditivos doacesso à justiça, e não o contrário.

No que concerne ao assunto em si, aimpossibilidade das partes a que se refere esta parte dotrabalho diz respeito ao aspecto sócio-cultural da população,pois a econômica já foi discutida anteriormente.

Quanto ao cultural, o professor José deAlbuquerque Rocha diz que “é derivada da falta deconsciência jurídica da população que ignora seus direitos”1 3.Mas se deve atentar que isto ocorre pela falta de utilizaçãode meios adequados para fazer chegar a informação àspessoas, ou melhor, políticas públicas voltadas neste sentido.Senão, da eficácia de alguns meios utilizados, já que há algosendo feito como: divulgação pela imprensa escrita (jornais,revistas, etc.) e falada (rádios e televisões), bem comoprogramas que têm sido desenvolvidos, como palestrasproferidas nos bairros, ou seja, nos próprios locais demoradia.

Dentro ainda deste aspecto da falta deinformação, insere-se também a falta de conhecimentojurídico, como trata Mauro Cappelletti1 4:

Num primeiro nível está a questão dereconhecer a existência de um direitojuridicamente exigível. Essa barreirafundamental é especialmente sériapara os despossuídos, mas não afeta

13 Ob. cit., p.172-173.14 Ob. cit., p. 22-23.

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apenas os pobres. Ela diz respeito atoda a população em muitos tipos deconflitos que envolvem direitos.Observou recentemente o professorLeon Mayhew: “Existe... um conjuntode interesses e problemas potenciais;alguns são bem compreendidos pelosmembros da população, enquantooutros são percebidos de forma poucoclara, ou de todo despercebidos”(26).Mesmo consumidores beminformados, por exemplo, sóraramente se dão conta de que suaassinatura num contrato não significaque precisem, obrigatoriamente,sujeitar-se a seus termos, emquaisquer circunstâncias. Falta-lhes oconhecimento jurídico básico nãoapenas para perceber que sejampassíveis de objeção.

No que concerne ao aspecto social, ou melhor,sociológico, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Nerida Silveira, em aula inaugural da Fundação Escola Superiorda Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, proferiu:

Nessa ordem, as preocupações como acesso efetivo à justiça, por todos,inclusive pelos menos favorecidos dafortuna, tornaram-se, nas últimasdécadas, de uma forma mais intensa,questão, ao mesmo tempo, dointeresse da ciência do direito, quantoda sociologia jurídica. As relações

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entre o processo civil e a justiça social,entre a igualdade jurídico-formal e adesigualdade socio-econômica,ganham, neste plano, significativasdimensões. A função do PoderJudiciário cresce, em conseqüência,de interesse, não só para osprofissionais do direito, mas, também,relativamente ao domínio dasociologia jurídica.Estudos de natureza sociológica, nocampo da administração da justiça,evidenciam, de outra parte, quedificuldades de todas as ordenscercam os pobres e necessitados,quer as econômicas, quer as sociaise culturais, constituindo, todas elas,obstáculos reais ao acesso à Justiça.Em tal sentido, BOAVENTURA DESOUSA SANTOS anota que asociologia da administração da justiça“tem-se ocupado também dosobstáculos sociais e culturais aoefetivo acesso à justiça, por parte dasclasses populares, e este constituitalvez um dos campos de estudo maisinovadores”. E prossegue: “Estudosrevelam que a distância dos cidadãosem relação à administração da justiçaé tanto maior quanto mais baixo é oestado social a que pertencem e queessa distância tem como causaspróximas não apenas fatoreseconômicos mas também fatores

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sociais e culturais, ainda que uns eoutros possam estar mais ou menosremotamente relacionados com asdesigualdades econômicas.1 5

2.2.3. Sistema processualO aspecto do sistema processual pode ser

encarado inicialmente por um dos pontos que é marcante: oda morosidade da efetivação dos atos desempenhados peloPoder Judiciário. E sobre este tema, trata Ruy PereiraBarbosa1 6:

Justiça, para o povo, é sinônimo dedemora, de morosidade. Háprocessos que permanecem emtramitação ano após ano.A Justiça era tardia antes e depois deRuy Barbosa. Em seu tempo afirmavaele: “Mas justiça atrasada não éjustiça, senão injustiça qualificada emanifesta. Porque a dilação ilegal nasmãos do julgador contraria o direitodas partes e, assim, as lesa nopatrimônio, honra e liberdade. Osjuízes tardinheiros são culpados, quea lassidão comum vai tolerando. Massua culpa tresdobra com a terrível

15 SILVEIRA, José Neri. Defensoria Pública como Instrumento daLiberdade, da Cidadania e da Justiça Social. Discurso na aula inauguralda Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Rio Grande doSul, Porto Alegre, 1999, p.19-20.16 Ob. cit., p.33.

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agravante de que o lesado não temmeio de reagir contra o delinqüentepoderoso, em cujas mãos jaz a sortedo litígio pendente”.(8) O atraso naprestação jurisdicional, o que equivalea dizer, a Justiça tardia, prejudicaespecialmente os pobres, para osquais a longa espera traz prejuízosirreparáveis. A péssima sistemática daorganização judiciária, o constantedeslocamento de juízes, a escassezde recursos materiais, a falta de umaaplicação mais sensata dos recursos,tudo isto implica em prejuízo para aceleridade da prestação jurisdicional.

Contudo, Mauro Cappelletti dá outro enfoquesobre o assunto1 7:

O enfoque sobre o acesso – o modopelo qual os direitos se tornamefetivos – também caracterizacrescentemente o estudo do modernoprocesso civil. A discussão teórica,por exemplo, das várias regras doprocesso civil e de como elas podemser manipuladas em várias situaçõeshipotéticas pode ser instrutiva, mas,sob essas descrições neutras,costuma ocultar-se o modelofreqüentemente irreal de duas (oumais) partes em igualdade de

17 Ob. cit., p. 12-13.

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condições perante a corte, limitadasapenas pelos argumentos jurídicosque os experientes advogadospossam alinhar. O processo, noentanto, não deveria ser colocado novácuo. Os juristas precisam, agora,reconhecer que as técnicasprocessuais servem a funções sociais(9); que as cortes não são a únicaforma de solução de conflitos a serconsiderada (10) e que qualquerregulamentação processual, inclusivea criação ou o encorajamento dealternativas ao sistema judiciárioformal tem um efeito importante sobrea forma como opera a lei substantiva– com que freqüência ela é executada,em benefício de quem e com queimpacto social. Uma tarefa básica dosprocessualistas modernos é expor oimpacto substantivo dos váriosmecanismos de processamento delitígios. Eles precisam,conseqüentemente, ampliar suapesquisa para mais além dos tribunaise utilizar os métodos de análise dasociologia, da política, da psicologiae da economia, e ademais, aprenderatravés de outras culturas.”

Finalizando esta parte do estudo, cita-se o

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processualista Cândido Rangel Dinamarco, que trata doassunto em alusão, como se vê a seguir1 8:

Tudo quanto foi dito ao longo da obravolta-se a essa síntese muito generosaque na literatura moderna leva o nomede acesso à justiça. Falar eminstrumentalidade do processo ou emsua efetividade significa, no contexto,falar dele como algo posto àdisposição das pessoas com vistas afazê-las mais felizes (ou menosinfelizes), mediante a eliminação dosconflitos que as envolvem, comdecisões justas. Mais do que umprincípio, o acesso à justiça é a síntesede todos os princípios e garantias doprocesso, seja a nível constitucional ouinfraconstitucional, sejam em sedelegislativa ou doutrinária ejurisprudencial. Chega-se à idéia doacesso à justiça, que é o pólometodológico mais importante dosistema processual na atualidade,mediante o exame de todos e dequalquer um dos grandes princípios.A garantia de ingresso em juízo (oudo chamado “direito de demandar”)consiste em assegurar às pessoas oacesso ao Poder Judiciário, com suaspretensões e defesas a serem

18 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 9ªed., São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 303-305.

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apreciadas, só lhes podendo sernegado a exame em casosperfeitamente definidos em lei(universalização do processo e dajurisdição). Hoje busca-se evitar queconflitos pequenos ou pessoas menosfavorecidas fiquem à margem doPoder Judiciário; legitimam-sepessoas e entidades à postulaçãojudicial (interesses difusos, mandadode segurança coletivo, ação direta deinconstitucionalidade estendida adiversas entidades representativas); eo Poder Judiciário, pouco a pouco, vaichegando mais perto do exame domérito do atos administrativos,superando a idéia fascista dadiscricionariedade e a sutil distinçãoentre direitos subjetivos e interesseslegítimos, usadas como escudo paraassegurar a imunidade deles àcensura jurisdicional. Nessa e emoutras medidas voltadas àuniversalidade do processo e dajurisdição reside o primeirosignificado da garantida constitucionaldo controle judiciário e o primeiropasso para o acesso à justiça.Essa garantia não é um fim em simesma. A progressiva redução do roldos conflitos não jurisdicionalizáveise das pessoas sem acesso aoJudiciário seria coisa sem muito

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significado social e político se nãoexistisse a garantia do devidoprocesso legal, que por um dos seuspossíveis aspectos é a expressãoparticularizada do princípioconstitucional da legalidade, enquantovoltado ao processo. Constituisegurança para todo o sistema delimitações ao exercício do poder pelojuiz, de deveres deste perante aspartes e de oportunidades definidasna lei e postas à disposição delas,para atuação de cada uma noprocesso segundo seu próprio juízo deconveniência (regras sobreprocedimento, prova, recursos, etc.).A efetiva observância dessaslimitações e deveres, mais a ofertadessas oportunidades mediante aracional interpretação e efetivaçãodas regras formais do processo, sãoinerências da legalidade do Estado-de-direito. As partes têm verdadeirodireito ao processo, corporificadonessas regras formais do sistemaprocessual e garantidas a nívelconstitucional mediante a explícitaadoção da cláusula due process of law.

E arremata de maneira contundente omencionado autor, chamando a atenção de váriosoperadores do Direito que insistem em procrastinar o

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andamento dos feitos processuais, com práticas quedificultam o resultado final da lide1 9:

Nem a garantia do contraditório temvalor próprio, todavia, apesar de tãointimamente ligada à idéia doprocesso, a ponto de hoje dizer-se queé parte essencial deste. Ela e mais asgarantias do ingresso em juízo, dodevido processo legal, do juiz natural,da igualdade entre as partes – todaselas somadas visam a um único fim,que é a síntese de todas e dospropósitos integrados no direitoprocessual constitucional: o acesso àjustiça. Uma vez que o processo tempor escopo magno a pacificação comjustiça, é indispensável que todo elese estruture e seja praticado segundoessas regras voltadas a fazer dele umcanal de condução à ordem jurídicajusta.Tal é o significado substancial dasgarantias e princípios constitucionaise legais do processo. Falar daefetividade do processo, ou da suainstrumentalidade em sentido positivo,é falar da sua aptidão, mediante aobservância racional dessesprincípios e garantias, a pacificar

19 Ob. cit., p. 305-306.

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segundo critérios de justiça. Emdiversos itens acima examinaram-seos reflexos que essas posturasideológicas projetam sobre a técnicaprocessual, ou seja, sobre os seusinstintos e a disciplina que recebem,segundo as disposições da lei e ainterpretação inteligente do estudiosoatualizado. O que recebe destaque,agora, é a necessidade deincrementar o sistema processual,com instrumentos novos e novastécnicas para o manuseio dos velhos,com adaptação das mentalidades dosprofissionais à consciência doemprego do processo comoinstrumento que faça justiça às partese que seja aberto ao maior númeropossível de pessoas. A Reforma doCódigo de Processo Civil, ainda emcurso, é uma boa resposta a essesclamores.

2.3. Instrumentos garantidoresTratou-se na parte anterior do presente estudo,

de alguns instrumentos inibidores do acesso à justiça, ouseja, de fatores que impedem ou dificultam que as pessoasbusquem a uma “ordem jurídica justa”, como refere KazuoWatanabe, já destacado outrora.

Nesta parte do trabalho, estudar-se-ão

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instrumentos que visam facilitar ou mesmo garantir o acessoà justiça, que são, no caso, a assistência jurídica integral egratuita por meio da Defensoria Pública e os JuizadosEspeciais.

2.3.1. Assistência jurídica integral e gratuita – DefensoriaPública

Determina o art. 5º, inciso LXXIV, da ConstituiçãoFederal que “o Estado prestará assistência jurídica integrale gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;”.

Cumpre-se, inicialmente, tratar do que representaassistência jurídica integral e gratuita, para, após, referir-se à instituição que tem a incumbência de prestá-la.

Para entender-se o que quer dizer assistênciajurídica faz-se necessário distingui-la de assistênciajudiciária e esta, no dizer de Augusto Marcacini2 0”é, pois,um serviço público organizado, consistente na defesa emjuízo do assistido, que deve ser oferecido pelo Estado, masque pode ser desempenhado por entidades não-estatais,conveniadas ou não com o Poder Público.” Quer dizer que aassistência judiciária prescinde de um processo protocoladono Poder Judiciário para ser prestada. Quanto à assistênciajurídica, diz o mesmo autor2 1 que:

engloba a assistência judiciária,sendo ainda mais ampla que esta, porenvolver também serviços jurídicos

20 Ob. cit., p. 31.21 Ob. cit. p. 33.

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não-relacionados ao processo, taiscomo orientações individuais oucoletivas, o esclarecimento dedúvidas, e mesmo um programa deinformação a toda a comunidade.”

Daí, não haver necessidade de um processo emtrâmite no âmbito judicial para se verificar a assistênciajurídica, pois uma simples consulta, a respeito da análise deum contrato, por exemplo, representa uma efetivação damesma.

Sobre o assunto, ou seja, a diferença entreassistência jurídica e judiciária, tem-se o entendimento deRuy Pereira Barbosa2 2:

Assistência Jurídica significa não sóa “assistência judiciária” que consisteem atos de estar em juízo de onde vema justiça gratuita, mas também a pré-judiciária e a extrajudicial ouextrajudiciária. A pretensão da Cartaé ampla, não se concentra nos atosdo processo, da demanda, do litígio,etc. “Assistência Jurídica”compreende o universo, isto é, ogênero, da qual é parte a “assistênciajudiciária”, eis que nem toda“assistência jurídica” é,necessariamente, “assistênciajudiciária, vez que aquela pode se darfora do juízo e esta sempre é em juízo.A partir da Constituição de 1988, oscarentes, no sentido jurídico do termo,fazem jus à dispensa de pagamentoe à prestação de serviços, não apenas

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na esfera judicial, mas em todo ocampo dos atos jurídicos. Na franquiaestão também incluídos: a instauraçãoe movimentação de processosadministrativos, perante quaisquerórgãos públicos, em todos os níveis;os atos notariais e quaisquer outrosde natureza jurídica, praticadosextrajudicialmente; a prestação deserviços de consultoria, isto é, deinformação e aconselhamento emassuntos jurídicos, tanto paraindivíduos, como para coletividade.Coletividade é aplicado aqui, paradistinguir o grupo de pessoasconsideradas em determinadassituações, notadamente comointegrantes de uma associação oucomo habitantes ou residentes dedeterminada região. Entende-secomo entes coletivos as fundações,associações, clubes de serviço, etc.”

Trata também, referido autor, citando outro, comose vê2 3:

Para o Procurador do Estado, PedroArmando Egydio de Carvalho, “oadjetivo composto – “jurídico integral”– é revelador de uma dupla finalidadedo dispositivo em exame: a) a

22 Ob. cit., p. 62-63.23 Ob. cit., p. 64.

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assistência transcende o juízo, não secontenta em ser ‘judiciária’; é jurídica,isto é, efetiva-se onde estiver o Direito;b) a assistência é integral, ou seja, nãose esgota na parte, na unidade, masvisa integrar as seções e facetas deum todo, visa em uma palavra,coordenar os diversos grupos sociais,desintegrados do conjunto por suamarginalização.”(RT 689/302)

Vale salientar ainda que o significado do termo“gratuidade” é que quando se procura um órgão que prestaassistência jurídica integral e gratuita, não se deve pagarnada pela prestação do serviço, sequer uma xerocópia dequalquer documento. Lembrando que não se paga“diretamente”, mas “indiretamente” da arrecadação dostributos do Estado que são auferidos pelo Tesouro do Estadoe são destinadas aos seus órgãos de atuação, como aDefensoria Pública.

Ainda sobre a matéria, oportuna a opinião deAlexandre de Moraes2 4:

A Constituição Federal, ao prever odever do Estado em prestarassistência jurídica integral e gratuitaaos que comprovarem insuficiência derecursos, pretende efetivar diversosoutros princípios constitucionais, taiscomo, igualdade, devido processo

24 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 3ª ed.,São Paulo: Atlas, 2000, p. 293.

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legal, ampla defesa, contraditório e,principalmente, pleno acesso àJustiça. Sem assistência jurídicaintegral e gratuita aos hipossuficientesnão haveria condições de aplicaçãoimparcial e equânime de Justiça.Trata-se, pois, de um direito públicosubjetivo consagrado a todo aqueleque comprovar que sua situaçãoeconômica não lhe permite pagarhonorários advocatícios, custasprocessuais, sem prejuízo para o seupróprio sustento ou de sua família.

Bem, visto o instituto da assistência jurídicaintegral e gratuita, passa-se então ao estudo de quem podeprestar tal serviço, que é a instituição prevista pela primeiravez em uma Carta Constitucional brasileira, na de 1988, aDefensoria Pública é regulada a partir do art. 134, da SeçãoIII – “Da Advocacia e da Defensoria Pública”, do Capítulo IV– “DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA”, que, por suavez, faz parte do Título IV – “DA ORGANIZAÇÃO DOSPODERES” e também pelo art. 135.

A partir dos parágrafos anteriores com a análisedos artigos da Constituição Federal aludidos, fazem-sealgumas inferências:

Primeira - A Defensoria Pública não “pertence” aqualquer dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário),representando assim uma estrutura à parte, assim comoocorre com o Ministério Público. É óbvio que no Brasil, cuja

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orientação e positivação são do modelo montesquiano,senão veja-se o art. 2º da Carta Magna, a Defensoria Públicaestá organicamente ligada ao Poder Executivo, embora sejauma autêntica função essencial à justiça.

Segunda - Por ser uma instituição essencial àfunção jurisdicional do Estado, seus componentes, ou seja,os Defensores Públicos detêm um cargo político e nãosomente técnico-jurídico, já que detêm cargo com legislaçãoprópria, remuneração diferenciada das demais etc.

Terceira - A incumbência primordial do DefensorPúblico é a assistência jurídica integral e gratuita àquelesque não puderem pagar um advogado particular e nemcustas processuais e não só assistência judiciária, conformejá foi vista a diferença no item 2.3.1. Aliás, vale ressaltar quemuitas pessoas que procuram a Defensoria Pública queremsimplesmente ser ouvidos, ou seja, almejam pela realatenção das instituições governamentais, além, é ululante,que seus direitos tenham prevalência e que sejamencaminhadas para a busca de soluções.

Quarta - A Lei Complementar que se refere oparágrafo primeiro do artigo 134, é a de nº 80, promulgadaaos 12 de janeiro de 1994, valendo destacar, no queconcerne aos Estados que, segundo o seu art. 142: “OsEstados adaptarão a organização de suas DefensoriasPúblicas aos preceitos desta Lei Complementar, no prazode cento e oitenta dias.” Apesar da previsão, havia Estadosque ainda não tinham organizado sua Defensoria Pública,

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sendo o maior exemplo o Estado de São Paulo, cujaassistência judiciária era prestada pela P.A.J. – Procuradoriade Assistência Judiciária, executada por Procuradores doEstado, o que era um contra-senso, já que os mesmos detêma função preponderante de representar judicialmente oaludido Estado. Felizmente, em janeiro de 2006, forapublicada a lei que organizou a Defensoria Pública naqueleEstado e, em pouco tempo de atuação, já foram relevantesserviços prestados, como a assistência jurídica prestada àspessoas vítimas do desastre ocorrido no metrô que estavasendo construído naquele Estado.

Quinta - O exercício da advocacia fora dasatribuições institucionais para os Defensores Públicos évedado, conforme o preceito constitucional anteriormentetranscrito, malgrado a interpretação do Conselho Federalda Ordem dos Advogados do Brasil, que por meio daEmenta nº 027/97/PCA, referente ao recurso nº 5.016/97/PCA, entendeu que a incompatibilidade com o exercício daadvocacia seria somente àqueles que ingressaram naDefensoria Pública após a promulgação da LeiComplementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994.

Sexta - A remuneração dos Defensores Públicosé aquela estabelecida na forma do § 4º do art. 39 daConstituição Federal, conforme determina o art. 135, ou seja,por meio de “subsídio fixado em parcela única, vedado oacréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono,prêmio, verba de representação ou outra espécie

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remuneratória(...)”. Tal dispositivo foi acrescentado por meioda Emenda Constitucional nº 19/1998, bem como o próprioartigo 135.

No que concerne ao Estado do Ceará, tem-seque a maioria da população é de baixa renda. Aliás, semcorrer o risco de estar cometendo qualquer exagero, poder-se-ia dizer que miserável. Tem-se para esta mesmapopulação, distribuída em 184 (cento e oitenta e quatro)municípios, configurados pelo mapa judiciário do Ceará em136 (cento e trinta e seis) comarcas, o número de poucomais de duzentos Defensores Públicos (chegou-se até aonúmero de cento e seis Defensores). Não é preciso umraciocínio mais elaborado para se perceber que o número étotalmente discrepante, até mesmo porque por lei o númerode cargos criados é de 415 (quatrocentos e quinze), quequando tiverem todos preenchidos, por meio de concursospúblicos, o panorama de acesso à justiça social no Estadodo Ceará será bem diferente.

2.3.2. Juizados EspeciaisSem perder de vista o que já fora apresentado

no item 2.2.3., no que tange ao sistema processual, a idéiados vetustos “Juizados de Pequenas Causas” – criados pelaLei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984, transformados para“Juizados Especiais Cíveis e Criminais”, tendo em vista oart. 98, I, da Constituição Federal, que ensejou a Lei nº 9.099,de 26 de setembro de 1995, era “desafogar” os Fóruns

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comuns, estaduais ou federais dos processos com ascausas “de menor complexidade”, sendo resolvidas em um“microssistema de natureza instrumental e obrigatóriodestinado à rápida e efetiva atuação do direito”2 5, garantindoassim, pleno acesso à justiça às pessoas. É também o quepensa José Renato Nalini, quando cita outro autor2 6:

Na visão de José Murilo de Carvalho,“um dos poucos esforços para tornara Justiça acessível aos pobres foi acriação de Juizados de PequenasCausas(...) Se estes Juizados fossemdisseminados pelas periferias dasgrandes cidades e pelas zonas rurais,poderiam ter um efeito revolucionário:pela primeira vez, na história do país,os pobres teriam acesso à Justiça. Ofato de se limitarem a pequenascausas não impediria a transmissãoda mensagem de que a justiça é paratodos e de que o cidadão tem direitoà sua proteção.

E também vale a palavra de Roberto PortugalBacellar sobre o tema, quando diz que:

“os Juizados Especiais Cíveis vieram

25 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. RIBEIRO LOPES, Maurício Antônio.Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 1ªed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.27.26 Ob. cit., p.101/CARVALHO, José Murilo. A construção da cidadaniano Brasil, México, fundo de Cultura Econômica, 1993, p.220-221.

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dar acesso à justiça, a quem nuncateve. E os exemplos pelo Brasil aforasão muitos: acordos de R$12,00(dozereais) para pagamento em duasvezes; reclamação sobre um “radinhode pilha” mal consertado; liquidificadocom defeitos; problemas devizinhança; condomínio; dentre outrostantos.2 7

Para se ter uma noção a respeito da idéia deceleridade e operacionalização dos “Juizados”, tem-se umtrecho da obra de Fernando Horta Tavares2 8:

A Lei do Juizado Especial dePequenas Causas prevê a hipótesede um conflito, de qualquer valor, sersolucionado pelas próprias partes,bastando o instrumento ser escrito ereferendado pelo órgão do MinistérioPúblico, para ter eficácia de títuloexecutivo extrajudicial. Se as partesassim o desejarem, pode tal soluçãoextrajudicial ser homologada no juízocompetente (art. 55, caput e parágrafoúnico). Este dispositivo foi repetido,com pequenas modificações, pela Lein. 9.099, de 26/9/95, que criou os

27 BACELLAR, Roberto Portugal. A mediação no contexto dos modelosconsensuais de resolução de conflitos. São Paulo: Revista deProcesso, n. 95, v. 24, jul/set. 1999, p.123.28 TAVARES, Fernando Horta. Mediação e Conciliação. 1ª ed., BeloHorizonte: Madamentos, 2002, p. 55.

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Juizados Especiais Cíveis eCriminais, cujo art. 57 incluiu que oacordo extrajudicial poderá ser dequalquer natureza, o qual, uma vezhomologado por sentença, valerácomo título judicial, e não apenasextrajudicial, como previsto na antigaLei n. 7.244/84.

Todavia, é oportuna a opinião do já aludido autorJoel Dias, quando lembra que2 9:

Para que se obtenha êxito concretocom a nova Lei dos JuizadosEspeciais, torna-se imprescindível quea doutrina e os tribunais readaptemconsagradas concepções, válidas nomacrossistema do Código deProcesso Civil, mas nãonecessariamente hábeis para esteoutro tão específico. Por tudo isso, anova realidade jurídica está a exigirmétodos e formas adequados àconsecução deste desiderato,viabilizando-se as respectivasunidades jurisdicionais e revendo-sealguns conceitos e institutos, tais comoo regime das provas, o julgamentocom base em eqüidade, os poderesdo juiz, os princípios dispositivo, dalivre iniciativa, da eventualidade, dodevido processo legal, a questão do

29 Ob. cit., p. 31-32.

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formalismo procedimental, asnulidades, dentre tantos outros, semo que não passará de mais uma “doceilusão” criada pelo legislador.(...) \É preciso repensar o processo emseu todo, como instrumento que serveà realização das pretensõesresistidas ou insatisfeitas de direitomaterial, sem se deixar de considerarque, agora e mais do que nunca, aprocura pelo Judiciário serásensivelmente acrescida, à medidaque o novo sistema dá azo à liberaçãodo que se convencionou chamar delitigiosidade contida, porquantoampliada não só a via de acesso aostribunais, como também oescoamento muito mais fluente dasdemandas ajuizadas, em virtude datramitação sumária ancorada numprocedimento mais enxuto, o qualatende basicamente aos critérios daoralidade, simplicidade,informalidade, economia processual eceleridade.

É interessante o que diz Paulo Cezar Pinheiro,sobre o assunto em tela3 0:

Em linhas gerais, pode-se afirmar queo legislador foi fiel às premissas queinformam vários aspectos, elementos,de um efetivo acesso à justiça, ao

30 CARNEIRO, Paulo C. Pinheiro. Acesso à Justiça: Juizados EspeciaisCíveis e Ação Civil Pública: Uma Nova Sistematização da Teoria Geraldo Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.113.

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editar a lei que instituiu os JuizadosEspeciais Cíveis.Ela promove a descentralização dajustiça, priorizando a defesa individualdas pessoas menos favorecidas, deforma gratuita, simples e rápida e, senecessário, com plena assistênciajudiciária, procurando assegurar aigualdade de armas e, assim, oexercício da cidadania. Incentiva autilização de equivalentesjurisdicionais, bem como aparticipação popular na administraçãoda justiça, democratizando-a. Enfim,assegura no plano técnico aacessibilidade e a operosidade.Procura garantir a utilidade doprocesso através, sempre quepossível, do aproveitamento do atoprocessual praticado, e, ainda,preconiza mecanismos para facilitara execução da sentençacondenatória.”

Finalizando, vale a pena observar o que mencionatambém José Renato Nalini, embora com certo “exagero”,mas que importa pela preocupação em chamar a atenção3 1:

Os juizados especiais merecem todaa atenção dos tribunais. Constituem a

31 Ob. cit., p. 103.

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porta pela qual o Judiciário poderáobter a salvação institucional,merecendo a indulgência do povo pelareiterada prática de uma justiçaburocratizada e insensível.

3. CONCLUSÃOAcredita-se que foram mostrados, senão com

profundidade, mas pelo menos de forma panorâmica,aspectos fundamentais acerca do tema acesso à justiçasocial.

A tomada de medidas urgentes é extremamentenecessária para que às pessoas que não tenham condiçãode pagar um advogado particular e/ou custas judiciais, lhessejam garantidas o efetivo acesso à justiça. E estasiniciativas passam pela realização de concursos públicos,tantos quanto necessários para o preenchimento de todosos cargos de Defensor Público existentes, no Estado doCeará, quanto em todos os Estados da Federação e tambémna União; realização de políticas públicas para divulgaçãodo trabalho exercido pelos órgãos facilitadores do acesso àjustiça, a fim de que todos conheçam e saibam das suasexistências, como Defensoria Pública e Juizados Especiais;ampliação do número de Unidades dos Juizados Especiais,para que os mesmos não se tornem pequenos “Fóruns”assoberbados de processos, com audiências sendomarcadas com um prazo de quase um ano. Estas sãoalgumas sugestões que ora se coloca para que a sociedadeparticipando, possa ter, em um futuro não distante, umarealidade bem diferente da que hoje se encontra e forareferida no presente estudo.

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