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PROAMI PROGRAMA DE ATUALIZAÇÃO EM MEDICINA INTENSIVA ORGANIZADO PELA ASSOCIAÇÃO DE MEDICINA INTENSIVA BRASILEIRA Diretores acadêmicos Cleovaldo T. S. Pinheiro Werther Brunow de Carvalho Artmed/Panamericana Editora Ltda. SISTEMA DE EDUCAÇÃO MÉDICA CONTINUADA A DISTÂNCIA PROAMI | Porto Alegre | Ciclo 3 | Módulo 4 | 2006

Acidentes ofídicos

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Page 1: Acidentes ofídicos

PROAMI PROGRAMA DE ATUALIZAÇÃO EM MEDICINA INTENSIVA

ORGANIZADO PELA ASSOCIAÇÃO DE MEDICINA INTENSIVA BRASILEIRA

Diretores acadêmicos

Cleovaldo T. S. Pinheiro

Werther Brunow de Carvalho

Artmed/Panamericana Editora Ltda.

SISTEMA DE EDUCAÇÃO MÉDICA CONTINUADA A DISTÂNCIA

P R O AMI | P o r t o A l e g r e | C i c l o 3 | M ó d u l o 4 | 2 0 0 6

Page 2: Acidentes ofídicos

Os autores têm realizado todos os esforços para

localizar e indicar os detentores dos direitos de

autor das fontes do material utilizado. No entanto,

se alguma omissão ocorreu, terão a maior

satisfação de na primeira oportunidade reparar as

falhas ocorridas.

A medicina é uma ciência em permanente

atualização científica. À medida que as novas

pesquisas e a experiência clínica ampliam nosso

conhecimento, modificações são necessárias nas

modalidades terapêuticas e nos tratamentos

farmacológicos. Os autores desta obra verificaram

toda a informação com fontes confiáveis para

assegurar-se de que esta é completa e de acordo

com os padrões aceitos no momento da publicação.

No entanto, em vista da possibilidade de um erro

humano ou de mudanças nas ciências médicas,

nem os autores, nem a editora ou qualquer outra

pessoa envolvida na preparação da publicação

deste trabalho garantem que a totalidade da

informação aqui contida seja exata ou completa e

não se responsabilizam por erros ou omissões ou

por resultados obtidos do uso da informação.

Aconselha-se aos leitores confirmá-la com outras

fontes. Por exemplo, e em particular, recomenda-se

aos leitores revisar o prospecto de cada fármaco

que planejam administrar para certificar-se de que a

informação contida neste livro seja correta e não

tenha produzido mudanças nas doses sugeridas ou

nas contra-indicações da sua administração. Esta

recomendação tem especial importância em relação

a fármacos novos ou de pouco uso.

Estimado leitor

É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou

por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem

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poderá realizar as avaliações, obter certificação e créditos.

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Page 3: Acidentes ofídicos

9

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ACIDENTES OFÍDICOS

FAN HUI WEN

CEILA MARIA SANT’ANNA MÁLAQUE

Fan Hui Wen – Médica do Hospital Vital Brazil, do Instituto Butantan – Secretaria Estadual de

Saúde de São Paulo (SES/SP). Responsável técnica pelo Programa Nacional de Vigilância

dos Acidentes por Animais Peçonhentos da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério

da Saúde. Doutora em Saúde Coletiva pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade

Estadual de Campinas (Unicamp)

Ceila Maria Sant’Anna Málaque – Médica do Hospital Vital Brazil, do Instituto Butantan.

Médica intensivista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas – SES/SP. Mestre em Medicina

pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)

INTRODUÇÃO

Os acidentes ofídicos de importância médica no Brasil são causados por quatro gêneros de

serpentes, cujos envenenamentos requerem abordagens diferenciadas. Não é incomum, no

entanto, o profissional de saúde deparar-se com casos em que não foi possível o paciente

reconhecer o agente causal.

A captura e a identificação do animal auxiliam no diagnóstico, porém nem sempre são possíveis.

Isso não impede que o diagnóstico seja feito com base nos efeitos fisiopatológicos dos venenos,

cuja expressão clínica apresentada pelo paciente determina a intervenção a ser realizada.

1

São reconhecidos quatro tipos de envenenamentos ofídicos como pode ser observado no

Quadro 1.

Page 4: Acidentes ofídicos

10

Quadro 1

TIPO DE ENVENENAMENTO, SERPENTES PEÇONHENTAS

E DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA NO BRASIL

AC

ID

EN

TE

S O

FÍD

IC

OS

Tipo de

envenenamento

Gênero

causador

Nomes

populares

Distribuição

geográfica

Espécies mais

freqüentemente

causadoras de

acidentes

Botrópico Bothrops

(Figura 1)

Jararaca,

jararacuçu, urutu,

cruzeira,

combóia.

Ampla distribuição em

todo o território nacional,

desde florestas a áreas

abertas.

Bothrops jararaca,

Bothrops jararacussu,

Bothrops alternatus,

Bothrops moojenii,

Bothrops neuwiedii,

Bothrops atrox.

Laquético Lachesis

(Figura 2)

Surucucu, pico-

de-jaca.

Floresta Amazônica e

remanescentes de Mata

Atlântica.

Lachesis muta.

Crotálico Crotalus

(Figura 3)

Cascavel. Cerrado, regiões áridas e

semi-áridas, campos

abertos.

Crotalus durissus.

Elapídico* Micrurus

(Figura 4)

Coral-verdadeira. Distribuição em todo o

território nacional.

Micrurus corallinus,

Micrurus frontalis,

Micrurus altirostris,

Micrurus surinamensis.

* Refere-se à família Elapidae, que tem como representante no Brasil o gênero Micrurus.

Figura 1 – Exemplar de serpente do gênero Bothrops Figura 2 – Exemplar de serpente do gênero Lachesis (seta)

Fonte: Arquivo de imagens de Myriam E. V. Calleffo Fonte: Arquivo de imagens de Marcelo R. Duarte

Figura 3 – Exemplar de serpente do gênero Crotalus Figura 4 – Exemplar de serpente do gênero Micrurus

Fonte: Arquivo de imagens de Myriam E. V. Calleffo corallinus

Fonte: Arquivo de imagens de Marcelo R. Duarte

Page 5: Acidentes ofídicos

11

Em que pese não haver exames laboratoriais que permitam realizar o diagnóstico

do envenenamento, os testes de coagulação constituem ferramentas úteis para a

tomada de decisão, sendo utilizados também no monitoramento da eficácia

terapêutica.

A importância em saúde pública dos acidentes ofídicos no Brasil deve-se aos mais de 20 mil

casos registrados anualmente, dos quais o envenenamento botrópico representa a maioria

(Figura 5).

PR

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MI

SE

MC

AD

87,1% Ac. botrópico

3,0% Ac. laquético

0,7% Ac. elapídico 9,3%

Ac. crotálico

Figura 5 – Distribuição dos acidentes ofídicos peçonhentos no Brasil, 2005

Fonte: Sinan-Animais Peçonhentos/SVS/MS

OBJETIVOS

Baseado no conhecimento sobre os mecanismos de ação dos venenos, este capítulo pretende

fornecer elementos para que o profissional de saúde seja capaz de:

■■■■■ reconhecer as manifestações clínicas causadas pelo envenenamento das serpentes

peçonhentas de interesse em saúde;

■■■■■ estabelecer o tratamento específico para cada tipo de acidente ofídico.

ESQUEMA CONCEITUAL

Acidentes

ofídicos

Mecanismo de ação dos venenos

Quadro clínico e tratamento

Soroterapia

Caso clínico

Acidente botrópico

Acidente laquético

Acidente crotálico

Acidente elapídico

Princípios da soroterapia

Especificidade

Precocidade

Eficácia

Segurança

Page 6: Acidentes ofídicos

12

MECANISMO DE AÇÃO DOS VENENOS

Os venenos, de maneira geral, atuam na região da picada (efeito local) e sistemicamente. Para os

quatro gêneros de serpentes peçonhentas existentes no Brasil, o mecanismo de ação dos venenos

pode ser classificado conforme a Tabela 1.

Tabela 1

AC

ID

EN

TE

S O

FÍD

IC

OS

ATIVIDADES DOS VENENOS DE SERPENTES COM IMPORTÂNCIA MÉDICA NO BRASIL

Atividade Veneno

Botrópico Laquético Crotálico Elapídico

Inflamatória aguda +++ ++++ - -

Hemorrágica +++ +++ - -

Coagulante +++ +++ ++ -

Neurotóxica - - ++++ ++++

Miotóxica - - +++ -

É possível perceber que os venenos botrópico e laquético apresentam efeitos semelhantes, nos

quais a atividade inflamatória aguda é responsável pelas alterações locais observadas nos acidentes

por jararaca e por surucucu. Por sua vez, alguns aspectos decorrentes da paralisia neuromuscular

da atividade neurotóxica presente nos venenos crotálico e elapídico determinam características

comuns entre os envenenamentos causados por cascavel e coral-verdadeira.

Didaticamente, as atividades dos venenos ofídicos podem ser classificadas em:

■■■■■ Inflamatória aguda – são de patogênese complexa, têm a participação de proteases,

hialuronidases, fosfolipases e mediadores da resposta inflamatória. De início imediato à

inoculação do veneno no organismo, levam a lesões locais, como edema, bolhas e necrose.

Têm caráter progressivo e são mal neutralizadas pelo antiveneno, mesmo quando administra­

1

do nas primeiras horas após o acidente.

■■■■■ Hemorrágica – hemorragias provocam lesões na membrana basal dos capilares, levando a

1

manifestações hemorrágicas locais e sistêmicas.

■■■■■ Coagulante – ocorre a ativação da cascata de coagulação sobre o fator X, protrombina e/ou

trombina, com consumo de fibrinogênio, que pode ocasionar incoagulabilidade sangüínea,

semelhante ao da coagulação intravascular disseminada. Os venenos botrópicos podem tam­

1,2,3

bém levar a alterações da função plaquetária, bem como plaquetopenia.

■■■■■ Neurotóxica – no envenenamento crotálico, neurotoxinas de ação pré-sináptica atuam nas

terminações nervosas inibindo a liberação de acetilcolina na placa motora. As neurotoxinas

elapídicas, por sua vez, possuem ação tanto pré como pós-sináptica, por impedir a ligação da

acetilcolina no sítio receptor da placa mioneural. O resultado é o bloqueio neuromuscular e

4

conseqüente paralisia motora.

■■■■■ Miotóxica – produz rabdomiólise sistêmica, levando à liberação de enzimas musculares e do

5

pigmento de mioglobina para o sangue, que a seguir é excretado na urina.

Page 7: Acidentes ofídicos

13

1. Os acidentes ofídicos que podem evoluir com coagulopatia são aqueles

causados pelas seguintes serpentes:

A) Lachesis e Micrurus.

B) Micrurus e Bothrops.

C) Crotalus e Bothrops.

D) Crotalus e Micrurus.

E) Apenas serpentes do gênero Bothrops.

2. A partir dos sintomas apresentados abaixo, identifique o tipo de acidente ofídico.

A) Possui atividade inflamatória mais intensa: ........................................................

B) Apresenta somente atividade neurotóxica: .....................................................

C) Apresenta considerável atividade miotóxica: .....................................................

D) Não apresentam considerável efeito hemorrágico: ............................................

E) Não apresentam atividade neurotóxica relevante: ..............................................

3. Correlacione as colunas conforme a distribuição geográfica das serpentes.

(A) Jararaca, jararacuçu, urutu, cruzeira, combóia

(B) Surucucu-pico-de-jaca

(C) Cascavel

(D) Coral-verdadeira

( ) Floresta Amazônica e remanescentes de Mata Atlântica

( ) Encontrada em todo o território nacional

( ) Distribuição em todo o País, desde florestas a áreas abertas

( ) Campos abertos, cerrado, regiões áridas e semi-áridas

Respostas no final do capítulo

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4. Caracterize os efeitos fisiopatológicos dos venenos na atividade:

A) inflamatória –

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

B) hemorrágica –

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

C) coagulante –

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

D) neurotóxica –

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

E) miotóxica –

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

Page 8: Acidentes ofídicos

14

QUADRO CLÍNICO E TRATAMENTO

ACIDENTE BOTRÓPICO

O envenenamento botrópico representa a maioria dos acidentes ofídicos registrados no País, tendo

suas diversas espécies causadoras em todo o território. O quadro clínico pode ser dividido em

manifestações decorrentes do envenenamento e complicações locais e sistêmicas (Quadro 2).

Quadro 2

AC

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S O

FÍD

IC

OS

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO ENVENENAMENTO E COMPLICAÇÕES

LOCAIS E SISTÊMICAS NOS ACIDENTES BOTRÓPICOS

Quadro clínico Decorrências do envenenamento Complicações

Local ■■■■■ Sangramento pelos orifícios da picada

(nem sempre presentes);

■■■■■ Edema firme de evolução progressiva

(Figura 6), acompanhado de dor;

■■■■■ Equimose ao longo do membro

acometido;

■■■■■ Infartamento ganglionar;

■■■■■ Bolhas de conteúdo seroso ou sero­

hemorrágico (Figura 7);

■■■■■ Necrose tecidual que pode levar à

amputação (Figura 8).

■■■■■ Síndrome compartimental,

conseqüente ao edema, com

comprometimento do feixe

vasculonervoso;

■■■■■ Infecção secundária por bactérias

Gram-negativas (Figura 9).

Sistêmico ■■■■■ Gengivorragia, equimoses a distância,

hematúria;

■■■■■ Hipotensão, choque.

■■■■■ Insuficiência renal aguda, por necrose

tubular aguda, na maioria dos casos.

A B

Figura 6 – Edema: A) Marcas da picada; B) Edema e equimose no pé, quatro horas pós-picada

Fonte: Arquivo de imagens da Dra. Fan Hui Wen e da Dra.Ceila Maria Sant’Anna Málaque

Page 9: Acidentes ofídicos

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Figura 7 – Bolha de conteúdo hemorrágico no primeiro dia pós-picada

Fonte: Arquivo de imagens da Dra. Fan Hui Wen e da Dra.Ceila Maria Sant’Anna Málaque

A B

o o

Figura 8 – A) Necrose no 10 dia pós-picada; B) Amputação no 17 dia

pós-picada

Fonte: Arquivo de imagens da Dra. Fan Hui Wen e da Dra.Ceila Maria Sant’Anna Málaque

A B

o

Figura 9 – A) Edema e eritema no 5 dia pós-picada; B) Punção de secreção piossanguinolenta com crescimento

de Morganella morganii

Fonte: Arquivo de imagens da Dra. Fan Hui Wen e da Dra.Ceila Maria Sant’Anna Málaque

O tempo decorrido entre o acidente ofídico e o atendimento constitui variável de

fundamental importância no prognóstico dos envenenamentos animais de maneira geral.

Page 10: Acidentes ofídicos

16

A gravidade (Quadro 3) orienta a terapêutica a ser instituída, que deve ser feita com o antiveneno

específico: o soro antibotrópico (SAB) ou, na sua ausência, o antibotrópico-laquético (SABL) ou

o antibotrópico-crotálico (SABC).

Quadro 3

AC

ID

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S O

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OS

QUADRO CLÍNICO E ORIENTAÇÃO TERAPÊUTICA NO ACIDENTE BOTRÓPICO 6

Gravidade

do quadro clínico

Sistêmico Local N o

de

ampolas

Leve Manifestações

hemorrágicas discretas

(gengivorragia) ou ausentes.

Dor e edema locais pouco

intensos.

2-4

Moderado Sangramentos evidentes,

como equimoses a

distância, epistaxe e

hematúria.

Dor e edema evidentes que

ultrapassam o segmento

anatômico picado.

4-8

Grave Hipotensão arterial, choque,

oligoanúria ou hemorragias

intensas.

Edema local extenso, dor

intensa e eventualmente com

bolhas.

8-12

A alteração na coagulação não tem implicação na gravidade do quadro, porém é um importante

parâmetro para avaliação da eficácia da soroterapia. Caso não haja normalização da coagulopatia

após 24 horas da administração do antiveneno, deve-se avaliar a possibilidade de ter havido:

■■■■■ administração de antiveneno inapropriado (erro no diagnóstico do tipo de envenenamento);

■■■■■ administração de quantidade insuficiente (erro na avaliação da gravidade);

■■■■■ uso do imunobiológico em condições inadequadas (conservação e/ou validade fora do padrão

estabelecido pelo produtor).

Além da administração do antiveneno específico, medidas de suporte são importantes no

tratamento:

■■■■■ Jejum – tem por objetivo diminuir o risco de náuseas e vômitos como manifestações de anafilaxia

durante a infusão da soroterapia. Terminada a infusão do antiveneno, avaliar as condições

clínicas do paciente para liberação da dieta.

■■■■■ Hidratação e controle de diurese – é fundamental que a hidratação por via intravenosa seja

iniciada precocemente no sentido de manter bom fluxo renal, com controle de diurese realizado

com atenção especial nas primeiras 24 horas.

■■■■■ Drenagem postural – em pacientes com quadro inflamatório local, a elevação do membro

atingido permite a distribuição do edema e a melhora da dor. Em caso de suspeita de síndrome

compartimental, pode ser necessário suspender a medida.

■■■■■ Analgesia – a dor é uma queixa freqüente nos acidentes botrópicos, especialmente nas primeiras

24 horas. Analgésicos como dipirona, paracetamol ou opióides (como tramadol, na dose de

50-100mg EV, diluído, para o adulto, ou cloridrato de petidina, na dose de 1,0mg/kg/dose para

criança e 50-100mg para adulto) podem ser necessários.

■■■■■ Antibióticos – só devem ser prescritos quando há evidência de infecção, não havendo indicação

para profilaxia antimicrobiana. As bactérias mais freqüentemente isoladas de abscessos

botrópicos são bacilos Gram-negativos (especialmente a Morganella morganii) e Streptococcus

sp. Entretanto, por tratar-se de abscessos cuja origem das bactérias é a boca da serpente, a

cobertura antimicrobiana deve incluir substâncias com ação sobre anaeróbios, como clorafenicol,

Page 11: Acidentes ofídicos

17

amoxicilina associada a clavulanato e quinolona associada a clindamicina. Na dependência da

evolução clínica do paciente, podem ser necessários medicamentos de uso parenteral, como

ceftriaxona associada a metronidazol ou clindamicina.

■■■■■ Procedimentos cirúrgicos – abscessos devem ser drenados, e áreas com necrose devem

ser abordadas após sua delimitação. Quando há suspeita de síndrome compartimental, avaliar

de forma criteriosa a indicação de fasciotomia.

■■■■■ Derivados de sangue – plasma fresco crioprecipitado ou plaquetas não são indicados para

correção dos distúrbios de hemostasia do envenenamento botrópico. Os sangramentos

espontâneos cessam poucas horas após o início da administração do antiveneno.

Eventualmente, em situações em que haja indicação da realização de procedimento cirúrgico

antes da reversão da coagulopatia, pode ser necessária a reposição desses fatores.

■■■■■ Vacinação antitetânica – o esquema vacinal deve ser atualizado.

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5. Paciente refere ter sido picado por cobra há aproximadamente quatro horas no

pé esquerdo, quando limpava o quintal do sítio no interior de São Paulo. Apresenta

marca de duas presas no dorso do pé com sangramento, edema, dor, eritema e

equimose no pé. O antiveneno indicado neste caso é:

A) Não há indicação de antiveneno.

B) soro antiaracnídico.

C) soro anticrotálico.

D) soro antibotrópico.

E) soro antielapídico.

Resposta no final do capítulo

6. Que manifestações clínicas ocorrem em caso de envenenamento botrópico?

.......................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

7. Acidentes botrópicos podem evoluir com complicações, entre elas:

A) insuficiência respiratória e necrose cutânea.

B) síndrome compartimental, infecção secundária e insuficiência renal aguda.

C) insuficiência respiratória e insuficiência renal aguda.

D) choque cardiogênico, insuficiência renal aguda e síndrome compartimental.

E) septicemia e edema agudo de pulmão.

Resposta no final do capítulo

Page 12: Acidentes ofídicos

18

8. Caracterize quadros leves, moderados e graves de acidente botrópico, mencionando

a orientação terapêutica em cada um deles.

AC

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OS

.......................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

9. Por que a normalização da coagulopatia nas primeiras 24 horas é importante elemento

de avaliação da eficácia da soroterapia?

.......................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

10. Associe V (verdadeiro) ou F (falso) às seguintes afirmativas quanto às medidas

terapêuticas em caso de envenenamento botrópico. Reescreva as afirmativas

falsas, corrigindo-as para que se tornem verdadeiras.

A) ( ) Visando à manutenção de bom fluxo renal, é importante que a hidratação

por via intravenosa seja iniciada precocemente e que a diurese seja controlada

com atenção especial nas primeiras 24 horas.

........................................................................................................................

B) ( ) A profilaxia antimicrobiana é condição fundamental para a evolução clínica

do paciente, para evitar a infecção por agentes Gram-negativos.

........................................................................................................................

C) ( ) Somente há prescrições quanto à dieta em envenenamento botrópico caso

se deflagre síndrome compartimental.

........................................................................................................................

D) ( ) A reposição de derivados de sangue somente pode ser considerada caso

seja necessário procedimento cirúrgico anterior à correção da coagulopatia.

........................................................................................................................

Resposta no final do capítulo

11. Complete o quadro com indicações farmacológicas quanto à analgesia e à cobertura

antimicrobiana em caso de envenenamento botrópico.

Analgesia

Cobertura

antimicrobiana

Page 13: Acidentes ofídicos

19

12. Represente esquematicamente o fluxo de decisões envolvendo o diagnóstico e os

encaminhamentos terapêuticos em caso de acidente por envenenamento do tipo

botrópico.

PR

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MI

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AD

ACIDENTE LAQUÉTICO

As serpentes do gênero Lachesis são tradicionalmente encontradas nas áreas de floresta da

região amazônica e da Mata Atlântica, derivando daí sua freqüência restrita no País. Como

apresenta as mesmas atividades fisiopatológicas do veneno botrópico, o quadro clínico pode ser

indistinguível nas regiões em que se sobrepõem jararacas e surucucus-pico-de-jaca. Distingue-

se, no entanto, o envenenamento laquético do botrópico quando da presença de manifestações

parassimpatomiméticas, cujo mecanismo de ação do veneno não se encontra bem estabelecido.

O quadro de náuseas, vômitos, sudorese, dores abdominais, diarréia, hipotensão e choque sugere

7

fortemente o diagnóstico de acidente laquético. Sua ausência, no entanto, não descarta a

possibilidade de acidente laquético.

8

O tratamento é feito com soro antibotrópico-laquético (SABL) 10 ou 20 ampolas, a

depender da ausência ou presença do quadro vagal. Quanto às condutas gerais, seguem

a mesma orientação para o acidente botrópico. Além delas, em pacientes que evoluem

com hipotensão, é necessário fazer, inicialmente, expansão com solução fisiológica e,

posteriormente, avaliar necessidade de administrar medicamento vasoativo.

Na presença de bradicardia severa com instabilidade hemodinâmica, usar atropina

(0,05mg/kg para crianças e 0,5mg para adultos).

ACIDENTE CROTÁLICO

O acidente crotálico representa a segunda maior causa de acidente ofídico no País.

O envenenamento crotálico distingue-se do botrópico e do laquético pela ausência da atividade

inflamatória local, o que leva a alterações pouco proeminentes na região da picada. Eventualmente,

o quadro clínico pode instalar-se mais lentamente, o que torna necessário manter uma observação

mais rigorosa e prolongada (Quadro 4).

Page 14: Acidentes ofídicos

20

Quadro 4

AC

ID

EN

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OS

QUADRO CLÍNICO E ORIENTAÇÃO TERAPÊUTICA NO ACIDENTE CROTÁLICO

Quadro clínico Decorrências do envenenamento Complicações

Local ■■■■■ Marcas da picada (nem sempre

presentes), edema discreto, pouca

dor e parestesia.

-

Sistêmico ■■■■■ Turvação visual ou diplopia, ptose

palpebral, oftalmoplegia, ptose

mandibular (fácies miastênica).

■■■■■ Alteração de olfato e paladar.

■■■■■ Mialgia e urina escura.

■■■■■ Sangramentos (gengivorragia,

equimoses).

■■■■■ Insuficiência renal aguda, 9

por

necrose tubular aguda na maioria dos

casos.

■■■■■ Insuficiência respiratória aguda, por

paralisia dos músculos respiratórios.

5,10,11

Exames laboratoriais indicam a intensidade da rabdomiólise, com a elevação do nível sérico de:

■■■■■ creatinoquinase (CK);

■■■■■ desidrogenase lática (LDH);

■■■■■ aldolase;

■■■■■ aspartato aminotransferase (AST);

■■■■■ transaminase glutâmico-pirúvica (TGP).

LEMBRAR

2,3

A coagulopatia está presente em cerca de 50% dos casos de acidentes crotálicos.

O hemograma pode mostrar leucocitose com neutrofilia. Na fase oligúrica da IRA,

são observados aumento de uréia, creatinina, ácido úrico, fósforo e potássio, além

de diminuição de cálcio sérico.

De acordo com a gravidade, está indicado o soro anticrotálico (SAC) ou, na sua ausência, o

antibotrópico-crotálico (SABC), como mostra o Quadro 5.

Quadro 5

QUADRO CLÍNICO E ORIENTAÇÃO TERAPÊUTICA NO ACIDENTE CROTÁLICO6

Gravidade

do quadro clínico

Sistêmico N o

de

ampolas

Leve Fácies miastênica pouco evidente.

Sem mialgia ou urina escura.

5

Moderado Fácies miastênica evidente, com mialgia e urina escura. 10

Grave Fácies miastênica evidente e mialgia intensa.

Insuficiência renal aguda ou insuficiência respiratória aguda.

20

Page 15: Acidentes ofídicos

21

As medidas de suporte em casos de acidente crotálico incluem:

■■■■■ Jejum – o paciente deverá permanecer em jejum inicialmente. Cessada a administração do

antiveneno, avaliar a possibilidade de iniciar a ingestão oral, especialmente porque alguns

pacientes podem apresentar dificuldade para a deglutição ou comprometimento respiratório.

■■■■■ Hidratação – em decorrência da rabdomiólise que pode ocorrer nesses acidentes, é funda­

mental uma hidratação adequada administrada precocemente para prevenção da IRA.

■■■■■ Controle de diurese – especialmente nas primeiras 24 horas, fazer controle rigoroso da diurese,

para detecção precoce daqueles pacientes que evoluem com oligúria.

■■■■■ Alcalinização da urina – a administração de bicarbonato de sódio, com controle gasométrico,

visa manter o pH urinário acima de 6,5, pois a urina ácida potencia a precipitação intratubular

de mioglobina. É importante lembrar que alcalemia pode predispor à hipocalcemia, eventual­

mente já existente devido à rabdomiólise e à IRA.

■■■■■ Diurético de alça – se o paciente, a despeito de estar adequadamente hidratado, apresentar

oligúria, um diurético de alça tipo furosemida (0,5-1,0mg/kg/dose para a criança e 40 para

adulto) deve ser administrado via endovenosa.

■■■■■ Diálise – pacientes com IRA devem ser avaliados quanto à necessidade de tratamento dialítico.

■■■■■ Ventilação mecânica – necessária quando há insuficiência respiratória por paralisia da mus­

culatura respiratória.

ACIDENTE ELAPÍDICO

O acidente elapídico é o mais raramente registrado, dadas as características das serpentes do

gênero Micrurus, que possuem hábitos subterrâneos, boca pequena e presa não-articulada.

À semelhança do envenenamento crotálico, a ausência da ação inflamatória local faz

com que a região da picada não apresente alterações significativas, sendo evidente

4

apenas o quadro sistêmico neurotóxico. As manifestações no acidente elapídico iniciam-

se mais precocemente do que no crotálico. Porém, as alterações neuroparalíticas são

semelhantes. Pode ocorrer mialgia discreta localizada e, mais raramente, sistêmica.

Outras manifestações, como náuseas ou vômitos, também são descritas.

PR

OA

MI

SE

MC

AD

O soro antielapídico (SAEL) é indicado na dose de 10 ampolas, não se estabelecendo

um gradiente de intensidade do envenenamento devido à escassez de dados clínicos.

12

Em pacientes que evoluem com acometimento respiratório, deve ser avaliada a

necessidade de ventilação mecânica.

Page 16: Acidentes ofídicos

22

SOROTERAPIA

AC

ID

EN

TE

S O

FÍD

IC

OS

Soros antiveneno são concentrados de imunoglobulinas específicas e purificadas,

obtidas pela hiperimunização de cavalos com venenos dos diferentes animais

peçonhentos. 13

Todos os antivenenos produzidos no Brasil (pelo Instituto Butantan-SP, pela Fundação Ezequiel

Dias-MG, pelo Instituto Vital Brazil-RJ e pelo Centro de Produção e Pesquisa em Imunobiológicos-

PR) são adquiridos pelo Ministério da Saúde, que distribui às secretarias estaduais de saúde e

estas, por sua vez, a hospitais credenciados em municípios estratégicos. Não há, portanto, venda

comercial no País.

PRINCÍPIOS DA SOROTERAPIA

São princípios da soroterapia:

■■■■■ especificidade;

■■■■■ precocidade;

■■■■■ eficácia;

■■■■■ segurança.

Especificidade

A administração do antiveneno deve ser específica, de acordo com o tipo de envenenamento,

independentemente do animal causador do acidente ter sido identificado ou não, e baseada na

presença de manifestações clínicas. Não existe antiveneno polivalente.

Precocidade

O tempo decorrido entre o acidente e o tratamento é fator prognóstico de fundamental importância.

Intervalos maiores do que 6 a 12 horas estão mais fortemente associados a complicações locais

e sistêmicas.

Eficácia

■■■■■ Dose – o sucesso do tratamento depende também da quantidade adequada de soro a ser

14,15

administrada, de acordo com a gravidade do envenenamento. É preciso, inclusive, consi­

16

derar a possibilidade de haver picada sem envenenamento (“picada seca”). Quando indica­

do, o número de ampolas não está relacionado à idade ou ao peso corporal do paciente.

Page 17: Acidentes ofídicos

23

■■■■■ Via e forma de administração – o antiveneno deve ser infundido pela via intravenosa, diluído

ou não em solução fisiológica ou glicosada em proporção compatível com a necessidade e a

capacidade do paciente em receber o aporte hídrico.

Segurança

■■■■■ Reações precoces – por sua natureza heteróloga, podem ocorrer, durante a infusão e nas

17

primeiras horas após a soroterapia, reações de hipersensibilidade do tipo I. A administração

prévia de anti-histamínicos (difenidramina: 50mg, EV, em adultos; 1mg/kg em crianças) e

corticosteróides (hidrocortisona 300 a 500mg em adultos e 4 a 8mg/kg em crianças) pode

18,19

diminuir a freqüência e/ou a intensidade das manifestações alérgicas. Os medicamentos,

no entanto, não previnem totalmente o aparecimento de reações que variam desde urticária

20

até choque anafilático. O soro antiveneno deve, portanto, ser administrado em ambiente

hospitalar, sob supervisão médica.

Na vigência de reações precoces, a soroterapia deve ser interrompida, e as manifestações

tratadas de acordo com a intensidade e localização. O fármaco de escolha é a adrenalina

1:1.000 diluída a 1:10, na dose de 0,1mL/kg até 3mL EV, intratraqueal ou SC. A reinfusão é

necessária para que a quantidade de antiveneno previamente estabelecida seja efetivamente

administrada.

■■■■■ Reações tardias – embora de baixa freqüência, a doença do soro pode determinar o apareci­

mento, 5 a 21 dias após a soroterapia, de febre, artralgia, urticária e adenomegalia. O trata­

mento com prednisona por via oral (adultos, 20 a 40mg/dia e crianças, 1mg/kg/dia) por 5 a 7

dias mostra resultados satisfatórios.

13. Complete o quadro com os principais fatores fisiopatológicos específicos que

permitem diferenciar os seguintes tipos de envenenamento por ofídios.

PR

OA

MI

SE

MC

AD

Tipos de envenenamento Fatores fisiopatológicos específicos

Botrópico

Laquético

Crotálico

Elapídico

14. Quais são as principais orientações terapêuticas em acidentes laquéticos?

.......................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

Page 18: Acidentes ofídicos

24

15. Acidentes crotálicos podem evoluir com complicações, entre elas:

AC

ID

EN

TE

S O

FÍD

IC

OS

A) insuficiência respiratória e necrose cutânea.

B) síndrome compartimental, infecção secundária e insuficiência renal aguda.

C) insuficiência respiratória e insuficiência renal aguda.

D) septicemia e edema agudo de pulmão.

E) choque cardiogênico, insuficiência renal aguda e síndrome compartimental.

Resposta no final do capítulo

16. Caracterize quadros leves, moderados e graves de acidentes crotálicos.

.......................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

17. Elabore um esquema envolvendo os procedimentos de diagnóstico, as orientações

terapêuticas e as medidas de suporte nos casos de acidentes crotálicos.

18. A atividade coagulante dos venenos botrópico, laquético e crotálico é responsável

por:

A) hipercoagulabilidade sangüínea com aumento dos níveis de fibrinogênio

plasmático.

B) consumo dos fatores de coagulação e diminuição dos produtos de degradação

de fibrina e fibrinogênio.

C) incoagulabilidade sangüínea e diminuição dos níveis de fibrinogênio

plasmático.

D) alteração do tempo de protrombina e elevação dos níveis de fibrinogênio.

E) elevação de dímero d e hipercoagulabilidade sangüínea.

Resposta no final do capítulo

Page 19: Acidentes ofídicos

25

19. Quais são as principais orientações terapêuticas em acidentes elapídicos?

.......................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

PR

OA

MI

SE

MC

AD

20. Assinale a afirmativa correta.

A) O antiveneno não deve ser aplicado em pessoas que já receberam

anteriormente soros heterólogos.

B) O teste de sensibilidade intradérmico deve ser sempre realizado antes da

aplicação de soros antiveneno.

C) A doença do soro só ocorre quando há aplicações repetidas de soros

antiveneno.

D) O antiveneno deve ser sempre aplicado após acidente por serpente

peçonhenta, mesmo sem manifestações clínicas.

E) Os antivenenos devem ser utilizados respeitando sua especificidade em

relação ao gênero do agente causador do acidente.

Resposta no final do capítulo

21. Quais são as principais medidas quanto à eficácia e à segurança que devem ser

tomadas durante a soroterapia?

.......................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

22. Considere a seguinte situação: paciente com diagnóstico de acidente botrópico

moderado, após 10 minutos do início do antiveneno específico com oito ampolas

de soro antibotrópico diluídas em 300mL de SF, começou a se queixar de tosse,

coceira na garganta e prurido pelo corpo, onde se observa pápulas urticariformes

generalizadas. Além de parar temporariamente a infusão do antiveneno, qual o

fármaco de escolha para o tratamento da reação precoce ao soro heterólogo?

A) Adrenalina.

B) Difenidramina.

C) Metilprednisolona.

D) Hidrocortisona.

E) Ranitidina.

Resposta no final do capítulo

Page 20: Acidentes ofídicos

26

CASO CLÍNICO

AC

ID

EN

TE

S O

FÍD

IC

OS

SFBA, masculino, 17 anos, branco, procedente da zona rural, referiu que enquanto

carpia o mato foi picado por uma serpente no tornozelo, três horas antes da admissão.

Não capturou o animal. Logo após o acidente, amarrou o 1/3 distal da perna com pano,

permanecendo por cerca de 40 minutos até chegar ao posto de saúde mais próximo do

local do acidente. Notou discreto sangramento pelos orifícios da picada e, logo depois,

aparecimento de inchaço e mancha arroxeada em torno do local da picada.

No serviço de saúde, foi retirado o torniquete. O exame do local indicava a presença de

três lesões puntiformes no dorso do pé direito com pequeno coágulo, edema e dor local.

Permaneceu em observação clínica até que, sete horas após, foi anotada a presença

de cianose no membro acometido.

O paciente foi transferido para um hospital de referência, onde chegou com edema +++/

4+ do pé até a coxa, equimose difusa pelo membro e dor intensa nos segmentos

edemaciados. Não se evidenciavam sangramentos, porém o tempo de coagulação (TC)

mostrou-se infinito.

Após teste de sensibilidade, foram administradas 12 ampolas de soro antibotrópico e

iniciada antibioticoterapia com penicilina procaína 400.000 UI, EV, 12/12h. No dia

seguinte, o TC estava normal (nove minutos), porém o paciente teve piora do edema e

bolhas.

Foi feito debridamento e curativo, sendo internado para acompanhamento cirúrgico.

Mantinha-se estável quando, no terceiro dia de internação, apresentou T= 38,2 ºC e

rubor no local da picada. As bolhas foram rompidas, com drenagem de líquido com odor

fétido. Foi introduzida penicilina cristalina 600.000 UI, EV, 6/6 horas.

Na evolução, verificou-se dor local persistente, com lesão escurecida e de odor fétido.

o

Foi realizada amputação do pé no 17 dia pós-picada, com alta hospitalar 25 dias após

a internação.

23. De que tipo de acidente ofídico trata o caso clínico?

.......................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

24. Comente o caso, apontando os fatores que influenciaram no seu desfecho.

.......................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

........................................................................................................................................................

Respostas no final do capítulo

Page 21: Acidentes ofídicos

27

RESPOSTAS À S ATIVIDADES E COMENTÁRIOS

Atividade 1

Resposta: C

Comentário: As serpentes brasileiras cujos venenos atuam sobre a coagulação pertencem aos

gêneros Bothrops, Crotalus e Lachesis.

Atividade 2

Resposta:

A) Laquético;

B) Elapídico;

C) Crotálico;

D) Crotálico e elapídico;

E) Botrópico e laquético.

Atividade 3

Chave de respostas: B – D – A – C

Atividade 5

Resposta: D

Comentário: O quadro local de dor, edema e equimose sugere acidente botrópico ou acidente

laquético. Considerando a região onde ocorreu o acidente (Estado de São Paulo), o diagnóstico é

acidente botrópico.

Atividade 7

Resposta: B

Comentário: As complicações do acidente botrópico são principalmente as relacionadas ao quadro

local que predispõe necrose e infecções. Além dessas complicações, pode ocorrer insuficiência

renal.

Atividade 10

Resposta:

A) Verdadeira.

B) Falsa. A antibioticoterapia está indicada somente quando há evidência de infecção, e devem-

se incluir, na cobertura antimicrobiana, medicamentos com ação sobre anaeróbicos.

C) Falsa. O jejum é recomendação para todos os casos de envenenamento botrópico. Tem por

objetivo diminuir o risco de náuseas e vômitos como manifestações de anafilaxia durante a infusão

da soroterapia.

D) Verdadeira.

Atividade 15

Resposta: C

Comentário: As complicações do acidente crotálico são principalmente as relacionadas a quadro

que predispõe insuficiência respiratória aguda, por paralisia dos músculos respiratórios, e

insuficiência renal aguda, por necrose tubular aguda na maioria dos casos.

PR

OA

MI

SE

MC

AD

Page 22: Acidentes ofídicos

28 A

CID

EN

TE

S O

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IC

OS

Atividade 18

Resposta: C

Comentário: A atividade coagulante dos venenos ofídicos atua sobre a cascata da coagulação

sangüínea, levando ao consumo dos fatores da coagulação, à diminuição dos níveis de fibrinogênio

plasmático e à elevação dos produtos de degradação de fibrina e fibrinogênio, bem como dímero d.

O resultado final observado é a incoagulabilidade sangüínea com prolongamento do tempo de

protrombina e do tempo de tromboplastina parcial ativado.

Atividade 20

Resposta: E

Comentário: A indicação da soroterapia é realizada na presença de manifestações clínicas e/ou

laboratoriais de envenenamento e deve ser específica quanto ao gênero da serpente.

Atividade 22

Resposta: A

Comentário: Na presença de anafilaxia decorrente da infusão do soro heterólogo, o fármaco de

escolha para o tratamento é adrenalina.

Atividade 23

Resposta: Trata-se de um caso típico de acidente botrópico, mesmo sem identificação do agente.

A presença de edema, equimose e dor nas primeiras horas após já indicava a necessidade de

antiveneno. O uso do torniquete (prática contra-indicada, porém ainda utilizada como primeiros

socorros), constituiu fator para a progressão do quadro local e a posterior evolução com

complicações.

Atividade 24

Resposta: No primeiro serviço em que foi atendido, o diagnóstico não foi realizado corretamente,

evidenciado pelo tempo em que o paciente foi mantido sob observação o que contribuiu para o

agravamento do quadro. Testes de sensibilidade não são indicados por sua ineficácia na detecção

do risco potencial de reação alérgica, além de retardar o início do tratamento. O antiveneno foi

instituído, portanto, mais de 10 horas após o acidente, em dose correspondente a caso grave.

A soroterapia mostrou-se eficaz na normalização dos distúrbios da coagulação. No entanto, a

progressão do quadro local indica a neutralização parcial dos efeitos inflamatórios do veneno

o

botrópico. A infecção secundária, evidenciada a partir do 3 dia de internação indica a necessidade

de se manter o paciente sob cuidados médicos, não somente para a introdução de antibioticoterapia

adequada – o uso de penicilinas neste caso não mostra cobertura para os principais agentes –

mas também para a abordagem cirúrgica.

A seqüela devida à amputação teve como determinantes a presença de, pelo menos, dois fatores

de risco (torniquete e demora na soroterapia).

Page 23: Acidentes ofídicos

29

REFERÊNCIAS

PR

OA

MI

SE

MC

AD

1 Cardoso JL, França FO, Fan HW, Malaque CM, Haddad Jr V. Animais Peçonhentos no Brasil: biologia,

clínica e terapêutica dos acidentes. São Paulo: Savier/Fapesp; 2003.

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the neutralization of the coagulation activity of Lachesis muta muta venom. Report of a case and

experimental confirmation. Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 1994 Jan-Feb;36(1):77-81.

9 Silveira PV, Nishioka S de A. South American rattlesnake bite in a Brazilian teaching hospital. Clinical and

epidemiological study of 87 cases, with analysis of factors predictive of renal failure. Trans R Soc Trop

Med Hyg. 1992 Sep-Oct;86(5):562-4.

10 Azevedo-Marques MM, Cupo P, Coimbra TM, Hering SE, Rossi MA, Laure CJ. Myonecrosis, myoglobinuria

and acute renal failure induced by South American rattlesnake (Crotalus durissus terrificus) envenomation

in Brazil. Toxicon. 1985;23(4):631-6.

11 Cupo P, Azevedo-Marques MM, Hering SE. Clinical and laboratory features of South American rattlesnake

(Crotalus durissus terrificus) envenomation in children. Trans R Soc Trop Med Hyg. 1988;82(6):924-9.

12 Banerjee RN, Sahni AL, Chacko KA. Neostigmine in the treatment of Elapidae bites. In: Ohsaka A, Hayashi

K, Sawai Y(eds.). Animal, Plant and Microbial Toxins. New York: Plenum Press; v.2. p.475-81.

13 Vital Brazil O. History of the primordia of snake-bite accident serotherapy. Mem I Butantan. 1987;49

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14 Cardoso JL, Fan HW, Franca FO, Jorge MT, Leite RP, Nishioka SA, et al. Randomized comparative trial

of three antivenoms in the treatment of envenoming by lance-headed vipers (Bothrops jararaca) in Sao

Paulo, Brazil. Q J Med. 1993 May;86(5):315-25.

15 Jorge MT, Cardoso JL, Castro SC, Ribeiro L, Franca FO, de Almeida ME, et al. A randomized ‘blinded’

comparison of two doses of antivenom in the treatment of Bothrops envenoming in Sao Paulo, Brazil.

Trans R Soc Trop Med Hyg. 1995 Jan-Feb;89(1):111-4.

Page 24: Acidentes ofídicos

30 A

CID

EN

TE

S O

FÍD

IC

OS

16 Silveria PV, Nishioka S de A. Non-venomous snake bite and snake bite without envenoming in a Brazilian

teaching hospital. Analysis of 91 cases. Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 1992 Nov-Dec;34(6):499-503.

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prevention, and mechanism of early (anaphylactic) antivenom reactions in victims of snake bites. Br Med

J (Clin Res Ed). 1986 Jan 4;292(6512):17-20.

18 Bucaretchi F, Douglas JL, Fonseca MR, Zambrone FA, Vieira RJ. Snake bites in children: antivenom

early reaction frequency in patients pretreated with histamine antagonists H1 and H2 and hydrocortisone.

Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 1994 Sep-Oct;36(5):451-7.

19 Cupo P, Azevedo-Marques MM, de Menezes JB, Hering SE. Immediate hypersensitivity reactions after

intravenous use of antivenin sera: prognostic value of intradermal sensitivity tests. Rev Inst Med Trop

Sao Paulo. 1991 Mar-Apr;33(2):115-22.

20 Fan HW, Marcopito LF, Cardoso JL, Franca FO, Malaque CM, Ferrari RA, et al. Sequential randomised

and double blind trial of promethazine prophylaxis against early anaphylactic reactions to antivenom for

bothrops snake bites. BMJ. 1999 May 29;318(7196):1451-2.

Page 25: Acidentes ofídicos

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Cleovaldo T. S. Pinheiro

Chefe do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Medicina pela UFRGS.

Especialista em Terapia Intensiva, titulação pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).

Werther Brunow de Carvalho

Professor livre-docente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Especialista em Medicina Intensiva Pediátrica, titulação pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira

(AMIB) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Chefe das Unidades de Cuidados Intensivos

Pediátricas do Hospital São Paulo, Hospital Santa Catarina e Beneficência Portuguesa de São Paulo

e do Pronto-Socorro Infantil Sabará.

P964 Programa de Atualização em Medicina Intensiva (PROAMI) / organizado

pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira. – Porto Alegre:

Artmed/Panamericana Editora, 2004.

17,5 x 25cm.

(Sistema de Educação Médica Continuada a Distância

(SEMCAD)

1. Medicina intensiva – Educação a distância. I. Associação de

Medicina Intensiva Brasileira. II. Título.

CDU 616-084/-089:37.018.43

Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto – CRB 10/1023

PROAMI. Programa de Atualização em Medicina Intensiva

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Page 26: Acidentes ofídicos

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