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AÇÕES CIVIS PÚBLICAS NO TST: ATUAÇÃO DO MINISÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO E DOS SINDICATOS EM PERSPECTIVA COMPARADA ADRIANE REIS DE ARAÚJO CÁSSIO LUÍS CASAGRANDE RICARDO JOSÉ MACEDO DE BRITTO PEREIRA ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE - IUPERJ Rio de Janeiro dezembro de 2006 Cadernos CEDES n.06

Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

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AÇÕES CIVIS PÚBLICAS NO TST: ATUAÇÃO DO MINISÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO E DOS

SINDICATOS EM PERSPECTIVA COMPARADA

ADRIANE REIS DE ARAÚJO CÁSSIO LUÍS CASAGRANDE

RICARDO JOSÉ MACEDO DE BRITTO PEREIRA

ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE - IUPERJ

Rio de Janeiro dezembro de 2006

Cadernos CEDES n.06

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SUMÁRIO 01. APRESENTAÇÃO .....................................................................................................03

02. AS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS NO TST: UMA INTRODUÇÃO..........................05

03.ANÁLISE DOS RESULTADOS.................................................................................31

3.01.Ações civis públicas julgadas pelo TST por Estado de origem...................42

3.02.Ações civis públicas julgadas pelo TST de acordo com parte autora........36

3.03.Objeto das ações civis públicas julgadas pelo TST: Ministério Público

e Sindicatos.............................................................................................................38

3.04.Resultados das ações civis públicas de acordo com a parte autora............40

3.05.Provimento do TST em ações em instância originária e dos TRTs

no exercício de competência originária e recursal..............................................51

3.06.Provimento nos TRTs em instância recursal, com análise do resultado em

relação à pretensão das partes................................................................................52

3.07. Provimento dos Tribunais Regionais do Trabalho nas ações de instância

originária..................................................................................................................54

3.08. Matéria recursal apresentada ao TST em Recurso de Revista e Recurso

Ordinário..................................................................................................................55

3.09. Matéria recursal mais freqüente em Embargos de Recurso de Revista no

TST...........................................................................................................................57

3.10 Apresentação de embargos em recurso de revista e seu provimento na

SDI-1.........................................................................................................................58

04.CONCLUSÃO................................................................................................................60

05. BIBLIGRAFIA..............................................................................................................62

06. ANEXO: Metodologia da pesquisa..............................................................................63

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01. APRESENTAÇÃO

Conforme consta do projeto apresentado originalmente à ESMPU (Escola

Superior do Ministério Público da União), o objetivo da pesquisa é examinar

comparativamente os resultados obtidos no Tribunal Superior do Trabalho nas ações civis

públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho e pelos sindicatos de trabalhadores,

sob dois enfoques: o primeiro, da aceitação das ações coletivas como instrumento

processual de concretização do direito; o segundo, da natureza do direito pretendido.

Busca-se proceder a um levantamento inédito até hoje, que permita uma primeira avaliação

da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho quanto ao tratamento dado às ações

coletivas ajuizadas pelo MPT e pelos sindicatos, a fim de que se encontrem respostas para

os seguintes questionamentos:

1 – que tipo de demanda tem chegado ao conhecimento do Tribunal Superior

do Trabalho por meio de ações civis públicas? Há diferença entre a pretensões ajuizadas

pelos sindicatos e aquelas realizadas pelo Ministério Público?

2 – há diferenças quanto à aceitação (legitimidade e cabimento) do

ajuizamento das ações coletivas pelos sindicatos ou pelo Ministério Público do Trabalho?

3 – ultrapassada a questão processual, qual o resultado das demandas

coletivas com relação à efetividade do direito material pretendido (favorável ou

desfavorável à pretensão) ?

Outro dos objetivos atingidos pela pesquisa foi o cadastramento, organização

e sistematização de todos os acórdãos proferidos pelo TST em ação civil pública, o que até

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hoje não havia sido feito pelo Tribunal Superior do Trabalho ou pelo próprio Ministério

Público do Trabalho. Assim, numa segunda etapa, como desdobramento deste trabalho,

será possível a elaboração de um “banco de acórdãos” do TST em ação civil pública, que

acreditamos será bastante útil ao trabalho do Ministério Público, em espacial na elaboração

e acompanhamento de recursos.

A metodologia utilizada na seleção das ações civis públicas e nos critérios de

análise de cada caso encontra-se em anexo ao presente trabalho.

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02. AS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS NO TST: UMA INTRODUÇÃO

O conhecimento convencional sobre o tema das ações civis públicas no TST

aponta no sentido de uma aguda resistência da jurisprudência daquela corte em aceitar o

fenômeno da coletivização do processo na Justiça do Trabalho, a partir das reformas

introduzidas pelas Leis 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e 8079/90 (aqui, em especial,

do título III do Código de Defesa do Consumidor).

É sabido que o corolário desta resistência da mais alta corte trabalhista em

relação ao fenômeno da coletivização foi a edição, no ano de 1993, do Enunciado 310 do

TST, que restringiu sobremaneira o cabimento das ações coletivas, de modo geral, na

Justiça do Trabalho. Enunciado que acabou por ser cancelado no ano de 2003.

Assim, preliminarmente, faremos uma análise da trajetória da evolução

jurisprudência em torno das ações civis públicas no Justiça do Trabalho, procurando

demonstrar, ao mesmo passo, quais as conseqüências práticas resultantes do Enunciado 310

que acabaram por inibir o desenvolvimento das ações coletivas, bem como as perspectivas

que se abrem para a coletivização processual com a revisão da jurisprudência, que já se

percebe na apuração dos resultados da presente pesquisa.

Coletivização do processo na Justiça do Trabalho

Dentre as muitas reformas pelas quais passou o direito processual civil

brasileiro nas últimas décadas, uma em particular foi fortemente inspirada por institutos

peculiares ao processo do trabalho. Estamos nos referindo à introdução, em nosso

ordenamento, de normas de direito formal que possibilitaram a coletivização das lides,

como a que instituiu a ação civil pública (Lei 7347/85) e, especialmente, à legislação que

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regulamentou de forma minudente o processamento das ações coletivas - arts. 81 a 104 do

Código de Defesa do Consumidor (CDC). Foi justamente aqui, quando se buscaram

parâmetros distantes do individualismo que caracterizou o processo civil desde o século

XIX, que o processo do trabalho, a esta altura uma disciplina já com longa tradição de

independência científica, veio a ser o grande inspirador das reformas a que nos referimos.

Ada Pellegrini Grinover, co-autora do anteprojeto relativo à parte processual

do CDC, observa que uma das fontes desta legislação foi a experiência da Justiça do

Trabalho com a ação de cumprimento (CLT, art. 872)1. Não obstante este reconhecimento

histórico do papel modernizador do processo do trabalho, os tribunais trabalhistas,

paradoxalmente, enfrentaram as ações civis públicas com grande restrição, talvez na

proporção inversa de sua cada vez maior aceitação e aplicação nas cortes de direito

comum2. O corolário deste ocaso foi a aprovação, pelo TST, em 1993, do Enunciado 310

de sua súmula de jurisprudência, consubstanciando entendimento que restringiu

consideravelmente os processos coletivos.

Os processualistas que se debruçam sobre a temática da defesa dos interesses

difusos e coletivos observam com freqüência que estes são muito encontradiços nos

conflitos decorrentes das relações de trabalho 3. Em função da natureza da organização do

sistema produtivo capitalista, no qual o detentor dos meios de produção submete ao seu

comando grande número de trabalhadores, os quais por sua vez lhe vendem sua força

trabalho, torna-se inerente a este tipo de contratação a padronização e repetição de

conflitos4. Isto é, o contrato de trabalho tende a produzir, no âmbito de cada empresa,

1 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Forense Universitária, 7a. edição, revista e ampliada. Ver em especial pgs. 797 e 816. 2 Veja-se a esse propósito o enorme número de ações coletivas processadas e julgadas na Justiça Federal em matérias envolvendo benefícios previdenciários, Sistema Financeiro Habitacional, FGTS, correção de tributos. No âmbito da Justiça Estadual podem-se citar as milhares de ações coletivas que tratam de mensalidades escolares, planos de saúde, investimentos no mercado financeiro, aquisição e manutenção de unidades habitacionais, loteamentos irregulares e, principalmente, relações de consumo. 3 Veja-se por exemplo as observações de Mauro Cappelletti em Acesso à Justiça, Fabris, Porto Alegre, 1998. 4 Ao contrário do que se possa apregoar, as recentes transformações do sistema produtivo capitalista, notadamente aquelas referentes à flexibilização e otimimização de custos, não alteraram a natureza coletiva do conflito trabalhista, mas apenas redefiniram sua amplitude. Hoje, o ato de um mesmo empregador pode

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idênticos padrões de dissenso, os quais, por sua vez, geram lides processuais assemelhadas,

na medida em que os litigantes, em certos casos, estão submetidos às mesmas

circunstâncias de fato e de direito que levaram ao conflito. O empregador que deixa de

atender as normas relativas ao meio-ambiente de trabalho produz uma mesma lesão a todos

os seus empregados. A empresa que tem por costume não pagar horas extras corretamente

cria um litígio que tende a se repetir. Da mesma forma, o patrão que de forma genérica

recorre a uma burla para evitar a incidência de encargos sociais (como por exemplo a

contratação de falsas cooperativas) produzirá uma mesma fraude de que serão igualmente

vítimas todos os lesados. É preciso observar que a natureza essencialmente coletiva deste

tipo de conflito não desnatura a repercussão sobre o direito individual de cada possível

litigante. Assim, tendo o empregador que observar, de maneira uniforme, determinadas

medidas em relação ao meio-ambiente para todos os empregados, alguns destes, além do

direito comum a todos, possuirão direitos individualizáveis, como por exemplo o de receber

adicional de insalubridade em determinado grau e de contar com EPIs específicos. No

mesmo sentido, ainda que o direito à percepção de horas extras seja comum a todos, pela

negativa genérica da empresa em quitá-las devidamente, a repercussão patrimonial para

cada empregado será diferenciada. Seguindo ainda nos exemplos acima idealizados, se

todos os trabalhadores são vítimas de uma mesma fraude, esta pode ser reconhecida para o

conjunto das vítimas, porém o direito à reparação (que também pode ser declarado para

todos, por uma única decisão judicial) deve ser posteriormente individualizado.

O que se percebe é que o conflito de trabalho comporta duas vertentes

distintas de solução jurisdicional: uma de ordem coletiva, ao se reconhecer que um grupo

de trabalhadores estava sujeito às mesmas condições de fato e de direito e, portanto, deve

receber do Estado-juiz uma mesma resposta; e outra, aquela que necessariamente precisa

ser individualizada em função do caráter particular de cada contrato de trabalho (e para qual

variam condições como tempo de serviço, remuneração, condições pessoais do contrato,

atingir uma coletividade de empregados pertencentes a várias empresas participantes de uma cadeia produtiva. Pense-se numa plataforma marítima de produção de petróleo, em que trabalhadores de dezenas de empresas estão sujeitos às mesmas condições ambientais e, mesmo, a idênticas jornadas de trabalho.

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etc). A Justiça do Trabalho tem desde sua criação atuado preponderantemente para resolver

o segundo tipo de conflito, julgando as “reclamatórias” individuais e condenando em

caráter reparatório as empresas que não cumprem a lei, após extinto o contrato de trabalho.

Porém, no que diz respeito ao tratamento coletivo dos conflitos trabalhistas, à exceção do

poder normativo, a Justiça trabalhista tem sido pouco acionada pelo sindicatos. Ou seja, não

se tem buscado, por via da ação coletiva, uma tutela jurisdicional sobre conflitos coletivos

decorrentes do descumprimento da lei (fora portanto do âmbito econômico das negociações

coletivas).

Este quadro resulta em grande parte da baixíssima utilização, na Justiça do

Trabalho, dos instrumentos processuais criados para enfrentar a coletivização dos conflitos

metaindividuais. Qualquer juiz do trabalho com certo tempo de permanência em uma

mesma Vara, sobretudo no interior do país, percebe claramente que os conflitos que são

deduzidos em seu juízo, em relação a algumas empresas, tendem a repetir-se dentro de um

certo padrão, sendo o seu poder jurisdicional, na quase totalidade das lides, limitado a uma

única forma de tutela, qual seja a de reconhecer caso a caso o direito depois que ele foi

violado. Da mesma forma, percebem os magistrados que, se centenas de ações trabalhistas

trazem como causa de pedir idênticos fatos e direitos, não há como se apresentar aos

jurisdicionados soluções diversas. As ações civis públicas, no que representam de

coletivização do processo, podem melhorar a prestação jurisdicional sob dois aspectos: 1)

resolver os conflitos coletivos decorrentes do reiterado descumprimento da lei, modo a

fazer cessar suas causas; 2) julgar de uma só vez lides que se repetem naquilo que

apresentam de comum, ou seja, o fato e o direito.

Por que motivo, no entanto, as ações coletivas têm encontrado tanta

dificuldade para se desenvolver no âmbito da Justiça do Trabalho? Indubitavelmente, o

marco do Enunciado 310 de 1993 é o ponto central para a compreensão do problema. Ou,

em outras palavras, uma decisão do TST, embora de natureza aparentemente processual,

fixou uma posição política restritiva da Justiça do Trabalho quando à coletivização do

processo. É preciso recordar que antes disto, houve um boom de ações coletivas na Justiça

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do Trabalho nos anos 80, em face dos diversos “planos econômicos” dos governos Sarney e

Collor, nas quais os sindicatos buscavam recuperar perdas inflacionárias resultantes de

“expurgos” decretados com violação a direitos adquiridos. Idêntica situação ocorreu

também na Justiça Federal, onde os sindicatos buscaram a correção sobre os saldos do

FGTS com base na mesma tese. É forçoso reconhecer que estas ações provocaram grande

antipatia nos juízes, pois houve muitos equívocos e abusos processuais da parte de

sindicatos autores (justamente pela inadequação na utilização dos instrumentos do direito

processual). A respeito do incorreto tratamento dado às ações coletivas neste período,

observa Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, Juiz Federal no Rio de Janeiro e autor de

trabalho fundamental sobre o tema: “em período de inflação altíssima, as quantias eram

recebidas pelos sindicatos e associações, e repassadas aos titulares semanas ou meses

depois, sem correção monetária e já descontados 10% ou 20% de ‘custas e honorários’ em

prol da entidade; sem mencionar milhares de pessoas que tiveram seus valores retidos em

seus processos e não puderam retirá-los (...); e sem esquecer que algumas pessoas estão,

até hoje, procurando o seu dinheiro.”5

O Enunciado 310 veio justamente na pretensão de coibir aquela situação de

caos. Na verdade, foi muito além disto, pois simplesmente desestimulou o ajuizamento de

novas ações coletivas, ao estabelecer regras totalmente inadequadas para o bom

funcionamento das ações coletivas. É preciso notar que as normas processuais do CDC só

passaram a vigorar a partir de 1990, quando a maior parte daquelas ações de substituição

processual já se encontrava em juízo. Se estas demandas tivessem seguido as normas do

CDC, muitos dos problemas então ocorridos teriam sido evitados, como se demonstrará

adiante. Assim, a partir da introdução do Enunciado 310, advogados e sindicatos sentiram-

se desestimulados a levar a juízo as ações coletivas. E, quando estas apareceram, acabaram

por ser fulminadas, por questões de admissibilidade, uma vez que a maior parte dos

magistrados aplicavam o Enunciado 310 sem maiores questionamentos.

5 Ações Coletivas: A Tutela Jurisdicional dos Direitos Individuais Homogêneos, Ed. Forense, 2000, Rio de Janeiro, pg. 116.

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A novidade neste processo histórico – e que acabou por levar ao

cancelamento do Enunciado 310 - foi a participação decisiva do Ministério Público do

Trabalho no ajuizamento de ações coletivas sob o enfoque da LACP e do CDC e do

Supremo Tribunal Federal na revisão da jurisprudência do TST.

O Ministério Público começou a ajuizar ações civis públicas na Justiça do

Trabalho a partir do advento da Lei Complementar 75/93, que regulamentou a atuação da

instituição a partir do novo delineamento constitucional de 1988 das funções institucionais

do parquet. Como novo operador das ações coletivas, o Ministério Público do Trabalho,

atuando com base nas Leis 7347/85 e 8079/90 provocou de algum modo a revisão da

jurisprudência pois a Justiça do Trabalho se viu obrigada a reavaliar o fenômeno das ações

coletivas sob o prisma da Lei da Ação Civil Pública e dos dispositivos processuais do

Código de Defesa do Consumidor. De início, houve grande rejeição da jurisprudência do

TST a este tipo de atuação, que tendeu a ver sempre as ações do Ministério Público sob o

enfoque individualista, de modo a não reconhecer sua legitimação quando houvesse

repercussões para os contratos individuais de trabalho, ainda que se tratasse em tese de

defesa de interesses difusos. São emblemáticos desta postura julgamentos como estes:

RECURSO DE REVISTA. ILEGITIMIDADE DE PARTE. MINISTÉRIO

PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE NÃO

EFETUAR DESCONTOS SALARIAIS A TÍTULO DE SEGURO DE VIDA. O pleito de

condenação do reclamado em obrigação de não fazer relativa à abstenção de realizar

descontos de seguro de vida refoge à natureza de uma lide a ser proposta pelo Ministério

Público. É que eventual ofensa à direito, que nos termos do Enunciado 342 do TST

ocorreria no caso de demonstração da existência de coação ou de outro defeito que viciasse

a autorização do empregado para que efetuassem referidos descontos salariais por parte do

empregador, recai no campo individual, e deve ser objeto de dissídio individual, proposto

perante Vara do Trabalho, se for o caso. Recurso de Revista desprovido. (TST, 5ª. Turma,

RR-366912/1997, rel. Min. Rider de Brito, DJU de 23.03.2001, pg. 719)

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER.

DETERMINAÇÃO DO EMPREGADOR PARA QUE SE ABSETENHA DE MANTER,

DE FORMA PERMANENTE, NO PÁTIO DE MANOBRAS E ESTACIONAMENTO DE

AERONAVES DO AEROPORTO DE BELÉM, EMPREGADOS QUE NÃO RECEBEM

O ADICIONAL DE PERICULOSIDADE DE FORMA INTEGRAL. AUSÊNCIA DE

INTERESSE PROCESSUAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Não caracterizado o interesse

difuso, nem o coletivo e nem tampouco o individual homogêneo na forma do estabelecido

na Lei 8078/90, em seu art. 81, incs. I e II. Revista conhecida, mas a que se nega

provimento. (TST, 3ª. Turma, RR-469578/1998, rel. Min. Enenida M. C. Araújo, DJU, de

30.03.01, pg. 610))

Este tipo de decisão acabou por contrastar com as decisões do STF a respeito

da legitimação do Ministério Público em ação civil pública, que já em 1997 a reconhecia

inclusive para a defesa de interesses individuais homogêneos, quando presente – em relação

ao direito reclamado - interesse social ou indisponível, ou ainda quando houvesse

relevância social na própria tutela coletiva. (RE 163.231-3). Mais adiante, em 2002, o STF

confirmou a legitimação específica do Ministério Público do Trabalho para a defesa de

interesses individuais homogêneos dos trabalhadores (RE 213.015-0).

.Outro fator decisivo foi a revisão da jurisprudência do TST pelo Supremo

Tribunal Federal quanto à legitimação dos sindicatos. O STF, em julgamento histórico de

12.06.2006, no Recurso Extraordinário 210.029, revendo decisão proferida pelo TST que

afastara a legitimidade de sindicato, reconheceu de forma definitiva a possibilidade das

entidades sindicais representarem de forma ampla os seus substituídos.

Aplicação das Leis 7347/85 e 8078/90 na Justiça do Trabalho

O art. 129, inc. III, da Constituição da República deu novo status à ação civil

pública, definindo-a como instrumento processual constitucional destinado à defesa de

quaisquer interesses difusos e coletivos, além daqueles que o dispositivo,

exemplificativamente, relaciona (“a ação civil pública, para a proteção do patrimônio

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público e social, do meio-ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.”).

Primeiramente, de acordo com o sistema constitucional processual, a titularidade para o

ajuizamento da ação civil pública é atribuída ao Ministério Público. Como se percebe de

uma simples leitura da Carta, houve uma vontade do constituinte de que fosse dada certa

primazia à atividade do parquet na defesa de interesses coletivos da sociedade, tanto assim

é que a ação civil pública não foi situada no capítulo dos direitos e garantias fundamentais,

como ocorre com outras ações constitucionais. No entanto, a Constituição da República

estabelece no mesmo art. 129, em seu parágrafo único, que “a legitimação do Ministério

Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas

hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.”. Por sua vez, o art. 8o., inc. III,

da mesma Carta, dispõe que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos

ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.” Uma

simples interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais aludidos não pode levar à

conclusão outra se não a de que os sindicatos podem defender os interesses coletivos da

categoria através da ação civil pública, que é um dos instrumentos de tutela jurisdicional

coletiva previsto no ordenamento do direito constitucional processual.6 Portanto, com a

Constituição de 1988, os interesses passíveis de tutela coletiva pelo sindicato deixaram de

limitar-se àqueles que já eram previstos na CLT, ou seja, as hipóteses dos arts. 195,

parágrafo segundo, 857 e 872 (requerimento do adicional de insalubridade/periculosidade,

instauração de dissídio coletivo e ajuizamento de ação de cumprimento).

Assim, a partir da promulgação da Constituição Cidadã os sindicatos

passaram a ter legitimidade ativa para atuar como substitutos processuais da categoria para

a defesa de qualquer interesse difuso ou coletivo e não apenas nas hipóteses excepcionais

da legislação ordinária. Ainda que se pudesse admitir interpretação contrária, como o fez o

Enunciado 310, no sentido de que o art. 8o. não seria auto-aplicável, ou ainda, que a

previsão do art. 8o. inc. III seria o de uma mera representação processual (e não de

substituição), mesmo assim a legislação ordinária que veio disciplinar a defesa em juízo de

6 Os outras são a ação popular e o mandado de segurança coletivo, sendo que as entidades sindicais não

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interesses coletivos passou a admitir de forma clara a possibilidade de as entidades

sindicais, enquanto associações civis, se utilizarem da ação civil pública para a defesa dos

interesses de seus representados.

Quando da promulgação da Constituição a ação civil pública era regulada

apenas pela Lei 7347/85, que, além do Ministério Público e de órgãos da administração

pública, previa a legitimidade das associações apenas para a defesa de interesses

relacionados ao meio-ambiente, ao consumidor e aos bens e direitos de valor artístico,

estético, histórico, turístico e paisagístico (art. 1o., incs. I, II e III). A Lei 8078, que

introduziu o Código de Defesa do Consumidor, acrescentou mais um inciso a este art. 1o.,

estabelecendo de forma clara que a ação civil pública também pode ser utilizada para a

defesa de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, entre os quais se incluem, por

óbvio, aqueles decorrentes das relações de trabalho. E tanto o art. 5o., inc. II, da Lei

7347/85, como o art. 82, inc. IV, da Lei 8078/90 prevêem a legitimidade das associações

para a defesa de interesses difusos e coletivos, desde que constituídas há pelo menos um

ano.

Mais importante, o reconhecimento da legitimidade dos sindicatos para o

ajuizamento de ação civil pública na Justiça do Trabalho além de decorrer de uma

simplíssima interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais referidos, atende,

sobretudo, ao princípio constitucional da jurisdição como elemento de participação política.

Conforme observa Gisele Cittadino, “a principal característica “comunitária” do texto

constitucional se encontra precisamente na idéia de ´comunidade de intérpretes´, que

pressupõe, por um lado, uma concepção de ´Constituição aberta´ e, por outro, a adoção de

diversos e novos institutos que asseguram a determinados intérpretes informais da

Constituição a capacidade para deflagrar processos de controle, especialmente

judiciais.”7 Esta não é, aliás, uma característica exclusiva do sistema democrático

possuem legitimidade apenas para aquela primeira, que exige a qualidade de cidadão. 7 Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. Elementos da Filosofia Constitucional Contemporânea. Ed. Lumen Juris, 1999, Rio de Janeiro. No mesmo diapasão, segue Ada Pellegrini Grinover: “Pode-se afirmar por certo que os processos coletivos transformaram no Brasil todo o processo civil, hoje aderente à realidade

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brasileiro, já que o fenômeno da judicialização dos conflitos coletivos vem sendo

observado em quase todo o mundo ocidental: “Tem sido objeto de grande atenção,

principalmente em outros países, a questão da participação popular através do processo,

defendida, por vezes, como uma verdadeira exigência dos regimes democráticos, em

complementação à chamada democracia representativa.”8

Sendo portanto pacífico o pleno cabimento da ação civil pública na Justiça

do Trabalho, como defesa de interesses relacionados às relações de trabalho, vejamos como

o processamento destas ações segundo as normas do CDC impactarão a jurisprudência

trabalhista. O Código de Defesa do Consumidor, além dos dispositivos de direito material

relativos à proteção do hipossuficiente nas relações de consumo, possui uma seção especial

(Título III) com normas processuais para a “defesa do consumidor em juízo” (arts. 81 a

104), na qual foi concebido um sistema de direito processual coletivo, inspirado nas class

actions norte-americanas e, como já foi dito, na experiência do processo coletivo do

trabalho brasileiro. Os autores desta parte processual do CDC foram os juristas Ada

Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Nelson Nery Junior, os quais pertencem a uma

escola do processo civil preocupada com a efetividade da tutela jurisdicional e o acesso à

justiça, e que se encontram entre os precursores dos estudos sobre coletivização do

processo, desenvolvidos em nosso país a partir dos trabalhos pioneiros de Barbosa Moreira

na década de 1970. Uma das preocupações destes processualistas ao elaborar a parte

processual do CDC foi a de criar um sistema de processo coletivo que servisse não somente

à tutela das relações de consumo, mas a todo tipo de conflito decorrente de “outros

interesses difusos e coletivos”. O projeto de lei que deu origem ao CDC determinava

mesmo, de forma expressa (art. 89), que suas normas processuais se aplicariam a todos os

interesses tratados coletivamente. Muito embora tenha sido vetado tal dispositivo, seu

conteúdo acabou por prevalecer ante o que dispõe o art. 117 do mesmo código, o qual

social e política subjacente e às controvérsias que constituem seu objeto, conduzindo-o pela via da eficácia e da efetividade. E que, por intermédio dos processos coletivos, a sociedade brasileira vem podendo afirmar, de maneira mais articulada e eficaz, seus direitos de cidadania” In ‘Significado político, social, e jurídico da tutela dos Interesses Difusos’ In A Marcha do Processo , Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2000, pg. 23. 8 Luís Paulo da Silva Araújo Filho, Ações Coletivas...

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acrescentou o art. 21 à Lei da Ação Civil Pública, nos seguintes termos: “aplicam-se à

defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os

dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.” Ou seja,

todas as normas processuais do CDC passaram a regulamentar também as ações civis

públicas. Vale dizer, a partir da entrada em vigor do CDC, passou a existir no Brasil um

sistema processual integrado de tutela coletiva destinado a regulamentar as ações para

defesa de interesses difusos e coletivos, incluídos aqueles decorrentes das relações de

trabalho – ainda que individuais homogêneos. Veja-se a respeito a opinião abalizada de

Nelson Nery Junior: “Todo o Título III do CDC pode ser utilizado nas ações de que trata a

LACP, disciplinando o processo civil dos interesses difusos, coletivos ou individuais. Esses

direitos individuais, desde que homogêneos, podem ser tutelados pela ação civil pública,

como por exemplo, os direitos trabalhistas não abrangidos pelos dissídios coletivos. (...)

Há, por assim dizer, uma perfeita interação entre os sistemas do CDC e da LACP, que se

complementam e podem ser aplicados indistintamente às ações que versem sobre direitos

ou interesses difusos, coletivos ou individuais, observado o princípio da especificidade das

ações sobre relações de consumo, às quais se aplica o Título III do CDC, e só

subsidiariamente a LACP.” Este é o entendimento de quase toda a doutrina, podendo-se

citar entre outros Kazuo Watanabe9 e Luís Paulo da Silva Araújo Filho10. Para Antonio

Gidi11, o referido sistema integrado atualmente cumpre o papel de um verdadeiro “Código

de Processo Civil Coletivo”. Entre nós, da seara trabalhista, registre-se entre outros o

entendimento de Jorge Luiz Souto Mayor, que se manifesta pela aplicação subsidiária do

CDC ao processo do trabalho12.

Interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos na Justiça do Trabalho

9 Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do ante-projeto . 10 Ações Coletivas... 11 Coisa Julgada e Litispendência em Ações Coletivas. Saraiva, São Paulo, 1995. 12 Direito Processual do Traballho. Efetividade, Acesso à Justiça e Procedimento. LTr 1998, São Paulo.

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16

Admitindo-se portanto a plena aplicabilidade das normas do CDC às ações

coletivas na Justiça do Trabalho – inclusive em função da recente decisão do STF - ,

cumpre examinar sua adequação às peculiaridades do direito e do processo trabalhista.

Como se sabe, o Título III do CDC principia (art. 81) por definir três tipos de “interesse

coletivo”, quais sejam os interesses difusos, os coletivos propriamente ditos e os

individuais homogêneos.13

De uma forma geral concordamos com Jorge Luiz Souto Maior, quando

afirma que “a diferença acadêmica que se pode fazer entre interesses difusos, coletivos e

individuais homogêneos não possui relevância prática”, uma vez que, segundo este autor,

cabe à Justiça do Trabalho julgar qualquer conflito coletivo ligado às relações de trabalho14.

Ou seja, quer com isto dizer o magistrado paulista que sempre que um ato de empregador

provoque lesão de mesma natureza a um grupo de trabalhadores, poderá a Justiça do

Trabalho conhecer da ação coletiva, a qual se processará segundo as normas da LACP e do

CDC. Seja como for, não se restringindo o debate apenas à questão do cabimento das ações

civis públicas na Justiça do Trabalho, parece prudente apenas destacar dos conceitos do art.

81 os elementos relativos à determinação dos titulares do direito e à divisibilidade do

provimento jurisdicional. Isto porque do sistema integrado das Leis 7347/85 e 8079/90

emergem claramente dois tipos de ação, que a doutrina, a partir de lineamento de Barbosa

Moreira, vem classificando como “ações essencialmente coletivas” (para a defesa de

interesses difusos e coletivos) e “ações acidentalmente coletivas” (para a defesa de

interesses individuais homogêneos)15.

13 Art. 81. (...) I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código,os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria, ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base; III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os de origem comum. 14 Palestra proferida no 1o. Encontro de Juízes e Procuradores do Trabalho do Rio de Janeiro, set/2002. 15 Ou, em outras palavras, defesa de direitos coletivos e defesa coletiva de direitos. Em interessante trabalho, em que se vale do direito comparado, Márcio Flávio Mafra Leal relaciona as ações essencialmente coletivas ao public interest litigation (lide de interesse público) e as ações acidentalmente coletivas às class actions

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17

Nas ações “essencialmente coletivas” o objeto da tutela é indivisível, isto é,

o provimento requerido não pode ser reconhecido para alguns dos interessados e rejeitado

para outros. Ou seja, o caráter coletivo da demanda decorre da natureza do direito material

em questão. É o caso por exemplo das ações em que se requer do empregador a adequação

do meio-ambiente do trabalho ou de seus procedimentos para recrutamento de empregados

quando, digamos, exige exame de gravidez antes da admissão. Ou, ainda, quando se requer

de uma empresa a contratação de pessoas portadoras de deficiência nos percentuais

definidos no art. 93 da Lei 8213/91. Em todos estes casos o réu poderá ser condenado em

obrigação de fazer ou não fazer que não comporta divisibilidade, sendo indeterminados os

titulares do respectivo direito. Há ainda os casos de interesses coletivos, quando o

provimento, embora indivisível, comporta definição quando aos respectivos titulares. É o

caso das ações em que se requer a declaração de reconhecimento de fraude ao vínculo de

emprego de todo um grupo de trabalhadores, que mediante burla foi contratado através de

uma única cooperativa fraudulenta.

Nas ações “acidentalmente coletivas” o objeto da tutela é divisível, vale

dizer, é possível identificá-lo a cada um dos interessados, desde que demonstrado que estes

se encontravam sob as mesmas circunstâncias de fato e de direito. Aqui o caráter da

demanda é dado processualmente, ou seja, muito embora o direito material seja divisível, o

mesmo é levado a juízo coletivamente. Como exemplo, cite-se a ação em que se pede o

reconhecimento da inexistência de justa causa para um grupo de trabalhadores grevistas,

com o conseqüente pagamento de suas verbas rescisórias. Nestas hipóteses os titulares

podem ser identificados e a decisão reconhecerá a responsabilidade legal do empregador

pelo ato ilícito, condenando-o de forma genérica ao pagamento do que for devido, cuja

liquidação se fará em etapa posterior.

É de se observar que muito antes das reformas processuais que introduziram

as modernas lides coletivas no processo civil, as ações “acidentalmente coletivas” já

(ações de classe) do direito norte-americano. Ações Coletivas: História, Teoria e Prática, Fabris, Porto Alegre, 1998.

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18

haviam sido de certa forma contempladas no art. 842 da CLT, o qual desde 1943 dispõe:

“Sendo várias as reclamações e havendo identidade de matérias, poderão ser acumuladas

num só processo, se se tratar de empregados de uma mesma empresa ou estabelecimento”.

São as conhecidas “reclamatórias plúrimas” (art. 843 da CLT), nas quais ao sindicato já era

reconhecido representar os reclamantes, e o legislador, ao se referir a “identidade de

matéria”, nada mais estava fazendo do que possibilitar ao Juiz decidir de forma uniforme

para todos os trabalhadores que se encontravam em uma mesma situação de fato e de

direito. Ou seja, cuidava, com outras palavras, dos interesses individuais homogêneos, que

são aqueles decorrentes de uma mesma origem comum (CDC, art. 81, inc. I). Isto é, o fato

de que determinado trabalhador tenha um contrato de trabalho individual e particularizável

(remuneração e tempo de serviço distintos) não obsta o processamento judicial de sua

relação jurídica com o empregador juntamente com outros trabalhadores naquilo que com

estes têm em comum. Observe-se que o sistema integrado da LACP e do CDC apenas vem

atualizar e modernizar esta concepção, permitindo que os sindicatos não apenas

representem, mas substituam os autores da ação, sem a necessidade de identificá-los ou

relacioná-los previamente, como se verá mais adiante.

Voltando à questão da necessidade de certa distinção entre os direitos

difusos e coletivos, é preciso registrar que a incompreensão quanto ao que seja a lide

coletiva (ou seja, sua natureza material ou processual), tem causado certa perplexidade na

Justiça do Trabalho, onde não raro tais ações são extintas sob o suposto de que estariam

tratando de direitos “meramente individuais”. Ora, os direitos “meramente individuais”, se

tiverem origem comum (mesmos fato e direito), podem ser levados a juízo coletivamente, o

que, como visto, não é nenhuma novidade na Justiça do Trabalho, à luz do art. 842 da CLT.

Outro aspecto que tem provocado certa rejeição dos instrumentos de tutela

coletiva na área trabalhista é a possibilidade de que, em uma mesma ação civil pública, se

deduzam pretensões “essencialmente” e “acidentalmente” coletivas. Isto é, quando se

busca tutelar, ao mesmo tempo, interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Esta situação não deveria causar maior estranheza, pois é típica de quase todo conflito

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19

trabalhista, na medida em que uma mesma conduta do empregador, em função de seu inato

caráter indivisível, provoca lesão difusa (afeta a futuros empregados ou candidatos a

emprego) comum (ao grupo de empregados) e individualizável (dano particularizável para

cada trabalhador). Para melhor ilustrar, vamos imaginar os seguintes exemplos: 1) o

empregador que não adota medidas de prevenção (PPRA) a acidentes de trabalho previstas

nas NRs, deixando ainda de constituir CIPA e pagar adicional de insalubridade a

trabalhadores que exercem funções notoriamente prejudiciais à saúde; 2) o empregador que,

mediante fraude, contrata dezenas ou centenas de trabalhadores como “cooperados”, para

trabalharem nas condições do art. 3o.da CLT, deixando assim de registrar a CTPS e de

reconhecer todos os direitos trabalhistas; 3) uma empresa adquire outra e, embora se

verifique o fenômeno da sucessão nos termos do arts. 2o., 10 e 448 da CLT, não reconhece

a continuidade dos contratos de trabalhos e os direitos adquiridos dos empregados da

sucedida, como por exemplo adicional por tempo de serviço previsto em norma

regulamentar.

Em todas estas hipóteses é possível deduzir em uma mesma ação civil

pública pretensões relativas a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Vejamos. No primeiro caso, o autor pode requerer que: a) o empregador promova a

adequação do meio -ambiente de trabalho, como a instalação de certos equipamentos de

segurança (interesse difuso, pois o bem jurídico é indivisível e os titulares são

indeterminados, já que mesmo aqueles que não são empregados sujeitam-se às condições

ambientais da empresa – prestadores de serviço, visitantes, comunidade vizinha, etc. –,

comungando apenas uma circunstância de fato, qual seja a de estarem convivendo dentro

ou no entorno do estabelecimento da empresa); b) o empregador proceda a constituição de

uma CIPA, observando a eleição conforme determina a lei (interesse coletivo, pois o bem é

igualmente indivisível – a instalação da CIPA, que funcionará para todos os empregados –,

atende a um direito de toda uma categoria de pessoas – os empregados daquela empresa –

ligadas com a parte contrária por uma relação jurídica - a de emprego); c) declaração de

que determinadas funções ensejam o pagamento do adicional de insalubridade e

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20

condenação do empregador no pagamento da verba, inclusive para as parcelas vencidas

(interesse individual homogêneo, pois se reconhece um direito, inclusive em caráter

reparatório, a todos os trabalhadores que se encontrem em determinada circunstâncias de

fato que a lei reconheça como insalubre, ou seja, uma mesma origem comum).

No segundo exemplo, é possível requerer em ação civil pública que: a) o

empregador se abstenha de contratar trabalhadores através de cooperativa para funções que

exijam subordinação jurídica (interesse difuso); b) que o empregador registre a CTPS de

todos os trabalhadores que lhe estão subordinados (interesse coletivo) e c) que seja

declarado o direito destes trabalhadores ao percebimento de verbas como 13o. salário e

adicional de férias (interesse individual homogêneo).

Na última hipótese, pode-se formular as mesmas três espécies de tutela: a)

reconhecimento da sucessão (interesse difuso), registro da continuidade dos contratos em

CTPS (interesse coletivo) e pagamento de verbas decorrentes de normas regulamentares

integradas ao contrato (interesse individual homogêneo).

Em todos estes casos, não seria razoável propor duas ou três ações civis

públicas (ou ações civis coletivas16), para levar à juízo matéria cuja causa de pedir (fatos e

direitos) são os mesmos, variando apenas o tipo de pedido.

Incompatibilidade do Enunciado 310 do TST com o sistema processual de tutela coletiva

Tendo em conta tudo o que já foi ponderado, partindo-se portanto da

premissa lógica de que as ações coletivas na Justiça do Trabalho devem ser reguladas pelo

sistema processual integrado da LACP e do CDC, chega-se facilmente à conclusão de que o

Enunciado 310 do TST, enquanto esteve em vigor, representou verdadeiro anacronismo da

interpretação jurisprudencial sobre as normas que devem regular a tutela coletiva

trabalhista.

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21

Os principais “dispositivos” do Enunciado 310 do TST que colidiam com o

sistema processual de tutela coletiva podem assim ser resumidos:

(a) de acordo com os item I, o art. 8o., inc. V da CR não teria assegurado a

substituição processual aos sindicatos. Aqui não está claro se os Ministros do TST

entenderam que o referido dispositivo constitucional não é auto-aplicável ou se, embora

auto-aplicável, não teria instituído hipótese de substituição processual, mas de mera

representação. Ao que parece, o TST entendeu pela necessidade de regulamentação do

dispositivo em lei ordinária. Isto se dessume da leitura dos incisos II, III e IV, nos quais se

considera que as Leis 6708/79, 7238/84, 7788/89 e 8073/90, durante sua vigência,

estabeleceram a substituição processual.

A melhor doutrina e a jurisprudência das cortes comuns, sobretudo da

Justiça Federal, têm reconhecido que o art. 8o., V, da CR, criou sim hipótese de substituição

processual, sendo desnecessária qualquer regulamentação do dispositivo17. Ainda que fosse

possível se entender que o dispositivo demandaria disciplinamento pela legislação

ordinária, já teria havido plena regulamentação ao menos desde a entrada em vigor do

CDC, que, como visto, introduziu verdadeiro sistema processual de tutela coletiva, ao

determinar a aplicação do Título III à Lei da Ação Civil Pública.

Quanto à implausível hipótese de haver o TST entendido que o dispositivo

constitucional introduziu apenas a “representação” e não a substituição processual, basta

lembrar que o inc. III, do art. 8o. da Constituição estabelece caber aos sindicatos “a defesa

dos direitos e interesses da categoria”, em juízo ou fora dele. Ora, a expressão defesa em

juízo deve ser interpretada em sua acepção processual (já que se cuida, exatamente, de uma

garantia de acesso ao Poder Judiciário) e por isso só pode significar que o sindicato está

16 Embora o art. 91 do CDC se refira a “ação civil coletiva” para caracterizar o instrumento de tutela coletiva de interesses individuais homo gêneos, a doutrina tem entendido desnecessária qualquer distinção entre esta e a “ação civil pública”, em face do já citado sistema integrado da LACP e do CDC. 17 Segundo inventário de Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, na obra já citada, entendem que o art. 8o., inc. III, da CR criou hipótese de legitimação extraordinária por substituição processual os seguintes processualistas

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22

apto a exercer o direito de ação como parte, postulando direito de terceiro (categoria),

conforme definição do art. 6o. do CPC. Se assim não fosse, o constituinte teria se utilizado

do termo “representação” em juízo, como ocorre no inc. XXI, do art. 5o. da Constituição,

segundo o qual “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm

legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”18

(b) de acordo com os itens II, III e IV do Enunciado 310, partia -se do

pressuposto de que a legislação ordinária poderia delimitar a matéria passível de ser

defendida pelo sindicato, por substituição processual. Segundo o TST, a substituição

processual valeria apenas para as hipóteses específicas previstas na legislação ordinária, as

quais, no caso, tratavam de reajustes da política salarial oficial, que aliás deixou de existir

com a introdução do “Plano Real”, em 1994.

Inicialmente, é preciso considerar que se a Constituição estabeleceu caber ao

sindicato defender em juízo “direitos e interesses”, “coletivos e individuais”, em “questões

judiciais e administrativas”, é porque houve a manifesta intenção do constituinte de tornar a

substituição processual mais ampla possível, não sendo possível ao legislador ordinário

criar restrições ao exercício da garantia constitucional em função da natureza do interesse a

ser tutelado coletivamente. Ademais, ainda que se pudesse ignorar este aspecto, é

necessário compatibilizar a substituição processual com o inc. III, do art. 129 da CR, pelo

qual, através da ação civil pública, podem ser reclamados, inclusive pelas entidades

sindicais (parágrafo único do art. 129) “outros interesses difusos e coletivos”, o que, como

já se viu, também é assegurado pela legislação ordinária (Lei 7347/85, art. 1o., inc. V).

(c) ainda de acordo com os itens II, III e IV, a legislação ordinária poderia

restringir a qualidade dos substituídos, ou seja, em alguns casos a lei infraconstitucional

(além daquele autor): Barbosa Moreira, Celso Agrícola Barbi, Humberto Theodor Júnior, Athos Gusmão Carneiro, Nelso Nery Júnior. Podemos acrescentar a esta lista Ada Pellegrini Grinover 18 Até mesmo aqui, quando o texto constitucional se refere a “representação”, o STF entende que se trata de substituição processual.

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23

poderia determinar que a substituição processual valha para toda a toda a categoria e em

outros apenas para os associados ao sindicato.

Primeiramente, não há como negar que o inc. III, do art. 8o.da CR refere-se

de maneira expressa à “categoria”, (e não a “associados”), conceito jurídico que está

definido no art. 511, parágrafo 2o., da CLT: “A similitude de condições de vida oriunda da

profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica

ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar

compreendida como categoria profissional.” Neste sentido vem entendendo a doutrina: “a

referência constitucional estendeu a legitimação extraordinária dos sindicatos, que agora

podem defender os interesses coletivos ou individuais ‘da categoria’, e não mais

exclusivamente ‘os interesses individuais dos associados’, como dispunha a alínea ‘a’ do

art. 513 da CLT. Vale dizer: a ação coletiva proposta em defesa dos interesses individuais

da categoria, aproveita – passe o truísmo – a toda a categoria, inclusive os membros não

associados.”19

Ademais, na sistemática do CDC, os substituídos na verdade são todos

aqueles que, em um certo período de tempo, se encontravam ou se encontram sob idênticas

circunstâncias de fato e de direito, pouco importando se são integrantes da categoria ou

associados ao sindicato, bastando para tanto que este seja legalmente reconhecido como seu

representante. Isto porque, nos termos do art. 81, inc. II, do CDC, o que importa para a

configuração da “categoria” (ou ainda “grupo” ou “classe de pessoas”) é a existência de

uma “relação jurídica-base” seja “entre si” (isto é, entre os eventuais associados), seja com

a “parte contrária” (isto é, em face do réu, como por exemplo, o empregador). Observe-se, a

propósito, a desnecessidade de autorização assemblear para a propositura da ação coletiva

(art. 82, inc. IV, do CDC), o que demonstra a amplitude da substituição processual quanto

aos beneficiários da tutela jurisdicional.

19 Luís Paulo Araújo da Silva Filho, Ações Coletvas...

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24

(d) De acordo com o item VI do Enunciado 310, os substituídos precisariam

ser relacionados na inicial e poderiam acordar, transigir e renunciar. Quando da enorme

voga das ações coletivas que a Justiça do Trabalho enfrentou na segunda metade dos anos

80, houve uma verdadeira panacéia sobre o problema da identificação dos trabalhadores

substituídos processualmente pelo sindicato. Foi talvez este o principal motivo que levou à

precipitada aprovação do Enunciado 310. Havia dúvida sobre se os substituídos deviam ser

identificados na inicial, se os dados do contrato de trabalho de cada um deveriam ser

descritos e comprovados com a petição de ingresso, se o sindicato representava todos da

categoria ou somente os associados, se era possível a identificação dos substituídos após o

trânsito em julgado da decisão, enfim, cada Vara do Trabalho adotava seus próprios

critérios de processo coletivo. Houve ainda uma infinidade de controvérsias quanto à

possibilidade de desistência, pelos substituídos, dos pedidos formulados na ação proposta

pelo substituto.

No que diz respeito a esta problemática, é preciso recordar mais uma vez que

estamos no campo das ações “acidentalmente coletivas”, isto é, as ações que recebem um

tratamento processual coletivo, embora cuidem, em seu âmago, de interesses individuais

homogêneos. E o CDC oferece solução muito adequada para este problema, a qual dispensa

in totum os malabarismos do Enunciado 310. Ada Pellegrini Grinover relata que na

elaboração do anteprojeto pensou-se no modelo norte-americano das class actions, em que

existe um sistema chamado opt in and opt out, isto é, um mecanismo procedimental para se

definir que está dentro e que está fora dos limites da lide coletiva. Nos Estados Unidos, este

mecanismo é preliminar à admissibilidade das ações coletivas. No Brasil, no entanto, o

sistema é diferente e está regulado nos arts. 94, 95, 97, 103 e 104 do CDC. Aqui a

identificação dos substituídos não se dá na fase de conhecimento da controvérsia de fundo,

mas apenas a partir da liquidação da sentença, a qual apenas fixa de forma genérica a

responsabilidade legal do réu em face do direito reclamado.

De acordo com o art. 94 do CDC, a ação coletiva é ajuizada pelo substituto

processual sem a indicação dos substituídos, limitando-se o autor a fazer publicar edital em

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25

órgão oficial, para que os interessados possam intervir como litisconsortes. O dispositivo

em questão alude ainda a possibilidade de “divulgação pelos meios de comunicação social

por parte dos órgãos de defesa do consumidor”, sendo certo que esta parte pode ser

adaptada à realidade do direito do trabalho, de modo a que os sindicatos se responsabilizem

por esta comunicação, que pode ser feita inclusive mediante carta ou divulgação nas

empresas, nos espaços destinados à atividade sindical. A possibilidade de os interessados

integrarem a lide individualmente, em litisconsórcio, na fase de conhecimento, tem sido

criticada pela doutrina, uma vez que contraria o espírito sistema, no qual o interessado só

passa a ser parte no processo após a sentença.

A desnecessidade de arrolamento prévio dos substituídos decorre

substancialmente da natureza da sentença proferida nas ações coletivas. De acordo com o

art. 95 do CDC, “em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando

a responsabilidade do réu pelos danos causados”. Isto é, a decisão limita-se a reconhecer

a responsabilidade do réu pelo ato ilícito provocado a todos aqueles que estavam sujeitos às

condições fáticas e de direito descritas na inicial. Assim, recorrendo-se aos exemplos já

utilizados anteriormente, no caso do adicional de insalubridade, o decisium declarará o

direito à percepção do adicional, em determinado grau, a todos os trabalhadores que

exercem ou tenham exercido a função insalubre. A definição sobre quem ocupou a função,

durante qual tempo, bem como os respectivos valores, somente serão apreciados por

ocasião da liquidação. O mesmo se dá no caso de reconhecimento de relação de emprego

de trabalhadores admitidos mediante fraude, por intermédio de cooperativas: a sentença

reconhece de forma genérica o vínculo, bastando aos interessados comprovar, por ocasião

da liquidação, a efetiva prestação do trabalho para o empregador sob a condição de

cooperado e o seu período, para obterem a assinatura de sua CTPS e eventuais direitos

pecuniários.

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26

Observe-se que se o eventual lesado, por qualquer motivo, não tiver interesse

processual na lide, bastará permanecer inerte, deixando de requerer sua habilitação na fase

de liquidação.20

Por conseguinte, como em regra os substituídos não integram a lide na fase

de conhecimento da ação coletiva, não há que se cogitar da possibilidade de “desistência”

da ação, sendo este talvez o mais prejudicial, para os sindicatos, dos postulados do

Enunciado 31021. Isto porque uma das funções primordiais da representação sindical é

evitar que os trabalhadores sofram individualmente as conseqüências do agir coletivo. Isto

é, desde sua criação no século XIX, os sindicatos foram constituídos, entre outras coisas,

para evitar que o patrão pudesse retaliar seus empregados em função de movimento

reivindicatórios, como a greve. O sindicato, assim, “despersonaliza” o conflito (que é

natural nas relações entre capital e trabalho), protegendo o hipossuficiente de vinditas que

os amedrontariam e tornariam inglória, para a classe trabalhadora, as negociações entre

empregados e empregadores. Ora, se o empregador-réu puder identificar, antes da

sentença, os trabalhadores que estão sendo substituídos no processo, e se aqueles pudessem

desistir da ação, certamente seriam pressionados a abrir mão de seus pedidos, podendo ser

“convidados” a assinar uma simples petição ao Juiz. Aliás, quem acompanhou a avalanche

de ações coletivas na Justiça do Trabalho nos anos 80/90 conhece muito bem este

fenômeno, em que dezenas de petições padronizadas e escritas em elegante linguagem

forense eram assinadas por humildes operários, pedindo a desistência do feito “na forma do

art. 267, inc. VIII, do CPC.” Isto contraria o espírito do processo coletivo e, repita-se, o

20 “Nem se pode a rgumentar com o fato de a titularidade à ação coletiva em defesa de interesses individuais homogêneos impor ao beneficiários da sentença condenatória um direito que talvez não queiram eles exercer. A sentença condenatória, na técnica brasileira, apenas reconhece a existência de dano genérico e o dever de indenizar. Caberá à iniciativa de cada beneficiário habilitar-se à liquidação da sentença, incumbindo-lhe provar ainda a existência de dano pessoal, seu nexo etiológico com o dano geral reconhecido pela sentença, e quantificar o montante da indenização. Respeita-se assim a autonomia da vontade de cada indivíduo que, se não quiser fruir do direito que lhe foi reconhecido, simplesmente não o exercerá.” Ada Pellegrini Grinover, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor... 21 A desistência, pelo trabalhador, nas ações de cumprimento, já fora também admitida nos Enunciados 180 e 255 do TST.

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27

princípio basilar da representação sindical, o qual é o esteio do inc. III, do art. 8o. da

Constituição da República.

Não se pode alegar aqui, em favor da possibilidade do pedido de desistência,

que o empregador poderia exercer semelhante pressão na fase de liquidação, compelindo o

empregado a abster-se de se habilitar na lide. Ocorre que, neste caso, o sindicato certamente

tomará conhecimento da situação e poderá promover inclusive a liquidação em nome dos

substituídos (CDC, art. 97), requerendo nos autos que a empresa seja intimada a apresentar

toda a documentação dos empregados, possibilitando assim sua identificação.

A única possibilidade, em tese, de desistência na ação coletiva é aquela em

que o interessado espontaneamente passa a integrar a lide como litisconsorte. Aí sim, sendo

parte, poderá desistir da ação, com todos os efeitos do art. 267, inc. VIII, do CPC. Mas

aqui é preciso mencionar as críticas da doutrina, no sentido da inocuidade do litisconsórcio

nas ações coletivas. Provavelmente a preocupação do legislador foi assegurar a ampla

defesa aos substituído, de maneira que eles possam produzir todas as provas que

entenderem devidas. Ocorre que em condições normais as associações e sindicatos sempre

terão melhores condições de produzirem um eficaz conjunto probatório do que o autor

singular; além do que, se este não confia na capacidade postulatória do seu sindicato,

melhor será ajuizar sua ação individual, correndo o risco da improcedência e do não

aproveitamento da coisa julgada na lide coletiva, conforme art 103 do CDC.

(e) Não reconhecimento do direito a honorários.

Muito embora a Lei 5584/70 tenha assegurado o direito a condenação em

honorários em favor da entidade sindical quando o trabalhador por ele está assistido, o

Enunciado 310 determinava que no caso de ações coletiva, a verba honorária não seria

devia.

Isto obviamente era um grande desestímulo à propositura de demandas

coletivas, já que os advogados de entidades sindicais preferiam propor suas demandas de

forma individual.

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28

No entanto, com o cancelamento do Enunciado 310, é possível que se abram

novas perspectivas para a tutela coletiva na Justiça do Trabalho, e desde que a

jurisprudência passe a adotar efetivamente o moderno regramento processual previsto na

Lei de Ação Civil Pública e no Código de Defesa do Consumidor.

Algumas decisões já apontam neste sentido, como as seguintes:

RR - 1216/2002-022-04-00: DJ - 27/10/2006 PROC. Nº TST-RR-

1216/2002-022-04-00.8 C: A C Ó R D Ã O (4ª Turma) RECURSO DE REVISTA.

SINDICATO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. INTERESSES INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS. CABIMENTO. INTELIGÊNCIA DO INCISO III DO ARTIGO 8º DA

CONSTITUIÇÃO. I - A partir da nova orientação jurisprudencial, consagrada pelo Pleno

do TST na esteira de jurisprudência do STF, é forçoso considerar que a substituição

processual não se acha mais restrita às hipóteses contempladas na CLT, abrangendo

doravante interesses individuais homogêneos, interesses difusos e os coletivos em sentido

estrito. II - Os interesses individuais homogêneos, por sua vez, se apresentam como

subespécie dos interesses transindividuais ou coletivos em sentido lato. São interesses

referentes a um grupo de pessoas que transcendem o âmbito individual, embora não

cheguem a constituir interesse público. III - Para a admissibilidade da tutela desses direitos

ou interesses individuais, é imprescindível a caracterização da sua homogeneidade, isto é,

sua dimensão coletiva deve prevalecer sobre a individual, caso contrário os direitos serão

heterogêneos, ainda que tenham origem comum. IV - Aqui vem a calhar a norma do artigo

81 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), segundo a qual são interesses

individuais homogêneos os interesses de grupo ou categoria de pessoas determinadas ou

determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum. V - Nessa

categoria acha-se enquadrado o interesse defendido pelo sindicato-recorrido, de se proceder

à averiguação das condições de trabalho insalubres e perigosas, com a respectiva anotação

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29

na CTPS dos substituídos, tendo em vista a evidência de todos eles terem compartilhado

prejuízos divisíveis, de origem comum. VI - Com a superação da Súmula 310 do TST e da

nova jurisprudência consolidada nesta Corte, na esteira do posicionamento do STF, de o

inciso III do artigo 8º da Constituição ter contemplado autêntica hipótese de substituição

processual generalizada, em relação à qual é dispensável a outorga de mandato pelos

substituídos, pois é o substituto que detém legitimação anômala para a ação, o alcance

subjetivo dela não se restringe mais aos associados da entidade sindical, alcançando, ao

revés, todos os integrantes da categoria profissional, conforme rol de substituídos que o

Regional alertara instrui a inicial. Recurso não conhecido.

RR - 1735/2000-018-15-40 PUBLICAÇÃO: DJ - 31/03/2006 SINDICATO.

SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. A Súmula 310 do TST, que restringia as hipóteses de

legitimidade do sindicato em caso de substituição processual, foi cancelada pela Resolução

119/2003 desta Corte. Naquela oportunidade, reconheceu-se que a legitimidade do

sindicato para defesa de direitos individuais homogêneos - decorrentes de uma mesma lesão

e pertencentes a uma mesma categoria - insere-se na amplitude da representação sindical

prevista no art. 8º, inc. III, da Constituição da República. Recurso de Revista de que se

conhece em parte e a que se nega provimento.

AIRR - 809/2002-721-04-40 PUBLICAÇÃO: DJ - 10/11/2006 PROC. Nº

TST-AIRR-809/2002-721-04-40.2 C: A C Ó R D Ã O 2ª Turma JSF/CBE/afs/sgc

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CARÊNCIA DE AÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA DO

SINDICATO RECLAMANTE. A norma insculpida no art. 8º, III, da CF/88 confere

legitimidade ampla ao Sindicato para atuar na qualidade de substituto processual de toda a

categoria.

E-RR NÚMERO: 509819-1998 PUBLICAÇÃO: DJ - 01/11/2006 PROC. Nº

TST-E-RR-509.819/1998.0 C: A C Ó R D Ã O (Ac. SBDI-1) SINDICATO. ART. 8º, INC.

III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL PARA

ATUAR EM NOME DE TODA A CATEGORIA. AÇÃO INDIVIDUAL. A jurisprudência

da SBDI-1, a partir do julgamento do E-RR-353.334/1997.9, firmou-se no sentido de que a

Page 30: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

30

substituição processual, tal como prevista no art. 8º, inc. III, da Constituição da República,

abrange os direitos ou interesses individuais homogêneos, reconhecidos pelo Supremo

Tribunal Federal como subespécie de interesses coletivos (RE-163231-3/SP, Ac. 2ª Turma,

Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 29-06-2001), de modo que o sindicato tem legitimidade para

atuar na qualidade de substituto processual, no caso, em que se busca o pagamento de horas

extras. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se dá provimento

03. ANÁLISE DOS RESULTADOS

01. Ações civis públicas julgadas pelo TST por Estado de origem

01.1 Geral: Ministério Público e sindicatos

Espírito Santo 12,32% 26 Minas Gerais 9,00% 19 Ceará 8,53% 18 São Paulo 8,06% 17 Rio Grande do Sul 8,06% 17 Pará e Amapá 7,58% 16 Paraná 5,21% 11 Campinas 5,21% 11 Bahia 4,27% 9 Rondonia e Acre 4,27% 9 Distrito Federal e 3,79% 8 Paraíba 3,32% 7 Mato Grosso 3,32% 7 Nacional 3,32% 7 Santa Catarina 2,37% 5 Piauí 2,37% 5 Rio de Janeiro 1,90% 4 Alagoas 1,90% 4 Amazonas e Roraima 1,42% 3 Maranhão 1,42% 3 Goiás 0,95% 2 Mato Grosso do Sul 0,95% 2

Page 31: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

31

Rio Grande do Norte 0,47% 1

Total ACP 211

Neste quadro está discriminada a origem estadual de todas as ações civis

públicas julgadas no TST. Observa-se como dado inicial que a prática da coletivização do

processo está disseminado como recurso jurídico em todo o país.

Mas há efetivamente uma prevalência do instrumento na região sul-sudeste,

mais industrializada e de base sindical mais organizada. Mesmo que a maior parte das

ações civis públicas julgadas no TST tenha sido ajuizada pelo Ministério Público do

Trabalho, é preciso ter em conta que a atuação do MPT se dá muitas vezes a partir de

provocação de entidades sindicais e, portanto, a melhor estruturação sindical corrobora a

atuação do Ministério Público.

Alguns Estados de economia predominantemente mais agrária, como os do

Norte do país aparecem com maior presença nas ações civis públicas do TST em

decorrência da forte atuação do Ministério Público do Trabalho em questões decorrentes de

conflitos de trabalho no campo, como no caso do trabalho escravo em lavouras de gado.

Outro dado que chama a atenção é o número elevado de ações civis públicas

originadas no Espírito Santo. Uma análise dos casos originários daquele Estado revelou

que o quantitativo expressivo deveu-se a uma atuação incisiva do Sindicato dos Bancários

local, que encetou uma atuação específica contra os bancos da região, com vistas ao

cumprimento de normas de segurança aos trabalhadores bancários.

Page 32: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

32

De qualquer sorte, a tendência de concentração na região sul-sudeste é ainda

bastante significativa, como se vê do gráfico abaixo, que revela que pouco mais da metade

das ações civis públicas que chegaram ao conhecimento do TST tiveram origem naquela

área.

Outro fator que pode explicar esta concentração está relacionada à expertise

requerida para que uma ação civil pública possa chegar ao conhecimento do TST. A

elaboração de um recurso de revista requer conhecimentos jurídicos bastante específicos e

especializados, de modo que a maior concentração de membros do Ministério Público nas

regiões centro-sul, como também a provável melhor capacitação técnica dos quadros de

advogados trabalhistas dos sindicatos nesta mesma região pode explicar os números

encontrados.

Por fim, lembre-se que a origem “nacional” de algumas ações civis públicas

apreciadas pelo Tribunal Superior do Trabalho decorreu do fato de que elas foram

propostas diretamente perante aquela corte, nos primeiros anos do ajuizamento de ações

civis públicas, quando parte da doutrina e da jurisprudência entendia que quando a

abrangência da decisão fosse atingir todo o país, o processo deveria ser apreciado

originariamente pelo TST.

3% 13%

22%

9%37%

16% nacional

Região Norte

Região Nordeste

Região Centro-Oeste

Região Sudeste

Região Sul

Page 33: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

33

01.2 Origem específica: Ministério Público do Trabalho

Ministério Público do Trabalho São Paulo 15 9,49% Ceará 15 9,49%

Pará e Amapá 14 8,86% Rio Grande do Sul 13 8,23%

Minas Gerais 12 7,59% Paraná 11 6,96% Bahia 9 5,70% Rondonia e Acre 8 5,06%

Distrito Federal e Tocantins

7 4,43%

Paraíba 7 4,43% Mato Grosso 7 4,43%

Campinas 6 3,80% Espírito Santo 5 3,16%

Santa Catarina 4 2,53% Alagoas 4 2,53% Nacional 4 2,53% Rio de Janeiro 3 1,90%

Amazonas e Roraima 3 1,90% Maranhão 3 1,90%

Piauí 3 1,90% Goiás 2 1,27% Mato Grosso do Sul 2 1,27% Rio Grande do Norte 1 0,63%

158 74,88%

O quadro acima demonstra uma maior capilaridade do Ministério Público do

Trabalho comparativamente à atuação dos sindicatos. Persiste o quadro de maior presença

dos Estados mais industrializados da região sul-sudeste, porém há importantes presenças

em áreas de concentração econômica rural.

Conforme já notado anteriormente, as ações de repressão do Ministério

Público do Trabalho a conflitos trabalhistas na região Norte do país transparecem no

elevado número de ações civis públicas ajuizadas nestas áreas.

01.3 Origem específica: Sindicatos obreiros

Page 34: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

34

Sindicato obreiro Espírito Santo 21 42,86% Minas Gerais 5 10,20%

Campinas 5 10,20% Rio Grande do Sul 4 8,16% Nacional 3 6,12% São Paulo 2 4,08%

Ceará 2 4,08% Pará e Amapá 2 4,08%

Piauí 2 4,08% Rio de Janeiro 1 2,04% Distrito Federal e Tocantins

1 2,04%

Rondonia e Acre 1 2,04%

49 23,22%

Os dados acima revelam de forma surpreendente que não há uma prevalência

da atuação sindical nas áreas mais industrializadas e com melhor organização do aparato

sindical.

Há claramente uma dispersão pelo território, sendo notável que muitos

Estados não possuem sequer uma ação civil pública ajuizada por sindicato que tenha

chegado ao conhecimento do TST.

Este dado pode ser revelador da própria fragmentação da representação

sindical brasileira, decorrente do princípio da unicidade, na medida em que as federações e

confederações de trabalhadores acabam não tendo um poder negocial mais abrangente em

termos nacionais, que poderiam inclusive ser judicializados de forma coletiva. Chama a

atenção a esse respeito o fato de que somente tenham chegado ao TST duas ações civis

públicas originadas de sindicatos situados no Estado de São Paulo.

Finalmente, com relação às ações ajuizadas comumente em litisconsórcio do

Ministério Público e dos sindicatos, em decorrência de seu reduzido número (quatro) não

há como proceder a qualquer tipo de análise, salvo a de que este tipo de parceria é ainda

bastante episódico.

Page 35: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

35

02. Ações civis públicas julgadas pelo TST de acordo com parte autora

Conforme demonstra o gráfico acima, de todas as ações civis públicas

julgadas pelo TST no período pesquisado, o Ministério Público aparece como o principal

autor, tendo ajuizado três em cada quatro das ações que chegaram ao conhecimento daquela

corte.

O protagonismo do Ministério Público do Trabalho no ajuizamento das

ações civis públicas que chegaram ao TST, conforme revelado nesta pesquisa, demonstra

identidade de tendência em relação à coletivização do processo em outras áreas. 22

O dado aponta que a tradição mais antiga dos sindicatos em termos de

organização associativa no Brasil, se comparada a outros segmentos que atuam perante a

Justiça comum (associações de proteção ao meio-ambiente, de defesa do consumidor), não

se traduz em um maior ativismo no Judiciário através dos modernos instrumentos

processuais de tutela coletiva.

22 Como no trabalho apresentado por Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, “Acesso à Justiça”, Forense, 2000.

74,88%

23,22%1,90% Ministério Público do

Trabalho

Sindicato obreiro

Ministério Público doTrabalho e sindicatos

Page 36: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

36

Outra leitura possível é de que os sindicatos têm preferido dedicar sua

atuação coletiva em processos de natureza essencialmente patrimonial, cujo escopo é tão

somente o percebimento de vantagens salariais, deixando em segundo plano as ações cujos

provimentos (como é típico na ação civil pública) têm como foco a adequação da conduta

patronal aos ditames da lei. É o que sucede, por exemplo, nas ações civis públicas voltadas

para a observância de normas relativas a saúde e segurança do trabalhador.

Não se pode desconsiderar, ainda, que a tendência inicial restritiva da

jurisprudência com relação a aceitação da plena aplicabilidade da LACP e do CDC na

Justiça do Trabalho pode ter provocado um efeito dissuasivo na atuação dos sindicatos

nesta seara (muito embora, como se verá mais adiante no item 04, os resultados não sejam

tão desanimadores quando o sindicato figura na qualidade de autor das ações civis

públicas).

Outro ponto a ser ressaltado na análise deste dado é o conhecido ativismo do

Ministério Público no manejo da ação civil pública, que em função de ter este instrumento

entre suas funções institucionais (Constituição, art. 129, III), vem desenvolvendo uma

política própria de afirmação política perante o judiciário através da tentativa de mediação

dos conflitos coletivos. Este aspecto é ainda mais sensível em relação ao Ministério

Público do Trabalho, já que este ramo do parquet não detém a titularidade da ação penal,

resultando que a atividade dos membros da instituição acaba por se concentrar na defesa de

interesses difusos e coletivos.

De toda sorte, para uma melhor compreensão do fenômeno, seria necessário

um aprofundamento em relação a origem das ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério

Público. Em pesquisa anterior patrocinada pela ESMPU, a respeito de ações civis públicas

ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro, constatou-se que em torno

de 55% delas têm origem em representações e requerimentos de entidades sindicais e

Page 37: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

37

associações profissionais23. Assim, outra análise possível é a de que os sindicatos têm

optado por apresentar denúncias ao Ministério Público, para que a instituição tome a frente

dos processos. Este tipo de conduta pode ter variados fatores, dentre os quais podem ser

citados os custos do processo, a visibilidade da atuação do Ministério Público, a falta de

treinamento específico dos advogados de entidades sindicais, a possibilidade de adequação

de conduta extrajudicial através de um termo de compromisso, entre outros.

03. Objeto das ações civis públicas julgadas pelo TST: Ministério Público e Sindicatos

Tema predominante das ACPs do Ministério Público

4 Irregularidade do contrato de trabalho 24,05% 38

9 Fraude ao contrato de trabalho 18,35% 29

2 Irregularidades no contrato de trabalho celebrado com administração 15,82% 25

13 Meio ambiente do trabalho 12,03% 19

3 Atraso ou ausência no adimplemento de verbas rescisórias 9,49% 15

10 Liberdade sindical 8,23% 13

8 Discriminação 5,06% 8

1 Abuso do poder diretivo do empregador 3,80% 6

16 Outros/Não tem elementos nos autos 2,53% 4

14 Trabalho da criança e do adolescente 0,63% 1

Total ACP 158

Tema predominante das ACPs do Sindicato

13 Meio ambiente do trabalho 30,61% 15

4 Irregularidade do contrato de trabalho 24,49% 12

3 Atraso ou ausência no adimplemento de verbas rescisórias 12,24% 6

9 Fraude ao contrato de trabalho 10,20% 5

23 In CARELLI, Rodrigo e outros. Ministério Público do Trabalho, Justiça do Trabalho, Tutela Coletiva e a Efetividade dos Direitos Sociais. ESMPU, 2006.

Page 38: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

38

1 Abuso do poder diretivo do empregador 6,12% 3

2 Irregularidades no contrato de trabalho celebrado com a administração pública 4,08% 2

8 Discriminação 4,08% 2

16 Outros/Não tem elementos nos autos 4,08% 2

7 Trabalhadores portuários e aquaviários 2,04% 1

10 Liberdade sindical 2,04% 1

Total ACP 49

Tema predominante das ACPs Sindicato/MP em litisconsórcio

3 Atraso ou ausência no adimplemento de verbas rescisórias, 25,00% 1

9 Fraude ao contrato de trabalho 25,00% 1

10 Liberdade sindical 25,00% 1

13 Meio ambiente do trabalho 25,00% 1

Total ACP 4

Conforme se observa dos quadros acima, uma análise comparativa dos temas

levados ao TST pelo Ministério Público e sindicatos nas ações civis públicas demonstra

proximidades e diferenças de enfoque.

De maneira geral, pode-se concluir que há uma proximidade na atuação no

que diz respeito aos efeitos da precarização das relações de trabalho, fenômeno decorrente

das tentativas (lícitas e ilícitas) de desregulação do mercado de trabalho verificadas no país

nas duas últimas décadas. Observe-se que os temas “irregularidade no contrato de

trabalho”, “fraude ao contrato de trabalho” e “atraso no pagamento das verbas rescisórias”,

mais notoriamente relacionados à precarização, correspondem a 52,89% das ações

ajuizadas pelo Ministério Público e a 46,93% das ações propostas pelos sindicatos. Ou

seja, a questão da flexibilização das relações de trabalho, geradoras de fraudes e

inadimplementos contratuais vem dominando a agenda da atuação do parquet e dos

sindicatos.

Page 39: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

39

De outro lado, há uma acentuada diferença em relação a temas importantes

como a questão das contratações de trabalhadores pela administração pública. Este tema

ocupa cerca de 15% da atuação do Ministério Público perante o TST, mas concentra apenas

4% das ações sindicais nesta área. Ou em termos absolutos, são 25 ações civis públicas do

Ministério Público contra apenas duas dos sindicatos neste tema. A explicação para este

fator deve-se ao fato de que em muitas da situações em que o Ministério Público busca o

afastamento de servidores contratados sem concurso ou em que questiona práticas de

terceirização de atividades públicas, os sindicatos acabam assumindo a defesa dos

trabalhadores que se encontram em situação irregular.

Outra diferença digna de registro refere-se à questão da liberdade sindical,

na qual o Ministério Público atua em 13 casos e os sindicatos em apenas um. Na verdade, a

atuação do Ministério público neste tema tem se voltado contra a própria organização

sindical, quando ocorrem abusos como filiação compulsória e instituição de contribuições

ao arrepio da categoria.

Outra diferença importante, em favor dos sindicatos, refere-se ao elevado

número de ações para a proteção ao meio-ambiente do trabalho, que parece ter encontrado

na ação civil pública o instrumento de eleição da atuação sindical em processos desta

natureza. Ou seja, os sindicatos vêem na ação civis pública o instrumento adequado para a

defesa do meio -ambiente do trabalho, deixando para as ações civis coletivas as demandas

de natureza salarial.

04. Resultados das ações civis públicas de acordo com a parte autora: geral,

Ministério Público e Sindicatos

O critério adotado pelos pesquisadores foi verificar a eficácia das ações civis

públicas julgadas pelo TST sob dois enfoques: o da “procedibilidade” da ação (isto é, da

Page 40: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

40

superação ou não de questões processuais relativas à sua admissibilidade e cabimento) e o

do “mérito” (isto é, da pretensão material requerida pelas partes ao Judiciário).

Assim, para se chegar aos resultados das ações civis públicas no TST optou-

se por um recorte em que foram apuradas quatro situações: (a) decisão processual favorável

ao autor da ação; (b) decisão processual favorável ao réu da ação; (c) decisão de mérito

favorável ao autor da ação e (d) decisão de mérito favorável ao réu da ação.

04.1. Geral: totalidade das ações ajuizadas pelo Ministério público e sindicatos

Na análise do conjunto de ações civis públicas julgadas perante o TST,

sobressai o fato de que somente em 65,22% dos julgamentos adentrou-se ao mérito da

pretensão, para acolhê-la ou rejeitá-la. Isto é, em cerca de 35% dos casos o TST discutiu

apenas o cabimento da ação ou do recurso. Este dado é revelador das dificuldades

encontradas para a aceitação da ação civil pública na Justiça do Trabalho.

Quando, no entanto, as questões processuais foram superadas, a tendência é

de acolhimento da pretensão do Ministério Público e dos sindicatos. Observe-se que se se

considerar exclusivamente as ações que foram julgadas em seu mérito, cerca de 64% são

favoráveis aos autores, o que demonstra boa receptividade para as demandas levadas em

ações civis ao Tribunal Superior do Trabalho.

14,98%

19,81%

42,03%

23,19% Processual, favorável ao autor daAção Civil Pública

Processual, favorável ao réu daAção Civil Pública

Mérito, favorável ao autor da AçãoCivil Pública

Mérito, favorável ao réu da AçãoCivil Pública

Page 41: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

41

04.2 . Ministério Público do Trabalho na qualidade de autor

Quando as ações são propostas apenas pelo Ministério Público, os resultados

não demonstram grande diferença em relação ao quadro geral (até porque, como visto

anteriormente, o Ministério Público é o responsável por quatro quintos da totalidade das

ações), embora haja uma sensível diferença no número de decisões processuais favoráveis

ao réu, para maior (de 19% para 25%).

A seguir, procedemos a uma análise mais detalhada por meio de um corte

temporal, de modo a verificar possível mudança de tendência da jurisprudência em relação

às ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho.

Ministério Público do Trabalho

Processual, favorável ao autor da Ação Civil Pública

2000 1 4,35%

2001 2 8,70%

2002 1 4,35%

2003 6 26,09%

2004 4 17,39%

15%

25%

39%

21%

Processual, favorável ao autor daAção Civil Pública1

Processual, favorável ao réu daAção Civil Pública2

Mérito, favorável ao autor da AçãoCivil Pública3

Mérito, favorável ao réu da AçãoCivil Pública4

Page 42: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

42

2005 7 30,43%

2006 2 8,70%

23 14,84%

Percebe-se claramente que as decisões processuais favoráveis ao Ministério

Público crescem a partir de 2003 (os resultados de 2006 são parciais devido ao marco da

pesquisa, conforme explicitado na primeira parte do trabalho). O resultado aparenta indicar

que a revogação do Enunciado 310, que em tese beneficia a procedibilidade das ações dos

sindicatos, acabou por, reflexamente, provocar uma maior aceitação das ações civis

públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho.

Processual, favorável ao réu da Ação Civil Pública

1999 3 7,89%

2000 1 2,63%

2001 6 15,79%

2002 3 7,89%

2003 5 13,16%

2004 9 23,68%

2005 4 10,53%

2006 7 18,42%

38 24,52%

0

2

4

6

8

1994 1999 2004

Page 43: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

43

Aqui, embora não se verifique uma tendência muito clara como no tópico

anterior, pode-se considerar que embora ainda seja significativa a tendência de resistência

da jurisprudência às ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, ela tende a se

estabilizar em algo em torno de 20%, o que talvez não discrepe muito dos resultados

encontrados em ações individuais.

Mérito, favorável ao autor da Ação Civil Pública

1996 1 1,61%

1997 1 1,61%

1998 1 1,61%

1999 2 3,23%

2000 4 6,45%

2001 1 1,61%

2002 10 16,13%

2003 8 12,90%

2004 7 11,29%

2005 16 25,81%

2006 11 17,74%

62 40,00%

0123456789

10

1994 1999 2004

Page 44: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

44

As decisões que efetivamente apreciaram o mérito e o fizeram

favoravelmente ao Ministério Público revelam uma direção crescente a partir de 2002,

demonstrando que cresceu consideravelmente a resposta do TST às demandas do

Ministério Público do Trabalho.

Mérito, favorável ao réu da Ação Civil Pública

1998 2 6,25%

1999 1 3,13%

2000 1 3,13%

2001 9 28,13%

2002 4 12,50%

2003 3 9,38%

2004 5 15,63%

2005 4 12,50%

2006 3 9,38%

32 20,65%

0123456789

1011121314151617

1994 1999 2004

Page 45: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

45

No mesmo período, a partir de 2002, há uma certa estabilidade com relação

às decisões que foram desfavoráveis ao Ministério Público quanto ao mérito da pretensão.

Ou seja, no referido período pode-se afirmar que apenas entre cerca de 10 e 15% dos

julgamentos acolheram a pretensão do réu, ou seja, consideraram improcedentes os pedidos

do Ministério Público.

04.3. Sindicatos na qualidade de autor

Contrariando o que os pesquisadores supunham inicialmente, em razão das

limitações à legitimação dos sindicatos pelo Enunciado 310 do TST nas ações coletivas de

13%4%

50%

33%

Processual, favorável ao autor daAção Civil Pública1

Processual, favorável ao réu daAção Civil Pública2

Mérito, favorável ao autor da AçãoCivil Pública3

Mérito, favorável ao réu da AçãoCivil Pública4

0123456789

10

1994 1999 2004

Page 46: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

46

modo geral, nas ações civis públicas sindicais a restrição da jurisprudência quanto à

procedibilidade deste instrumento de tutela coletiva é muito menor do que se poderia

imaginar. Somente em 4% dos casos a decisão foi processualmente desfavorável aos

sindicatos. E, no geral, em 83% das ações adentrou-se ao mérito.

As decisões de mérito também são amplamente favoráveis ao sindicatos.

Considerando-se apenas os julgamento em que o direito reclamado foi efetivamente

apreciado, tem-se que em 60% dos casos as decisões foram favoráveis aos sindicatos.

Vejamos como se dá o corte temporal desta evolução jurisprudencial nas

ações civis públicas ajuizadas pelos sindicatos:

Sindicato obreiro

Processual, favorável ao autor da Ação Civil Pública

1999 1 16,67%

2003 1 16,67%

2004 1 16,67%

2005 2 33,33%

2006 1 16,67%

6 12,50%

Page 47: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

47

Observe-se que há uma tendência de estabilidade ao longo do tempo em

relação às decisões processuais favoráveis aos sindicatos e o baixo número registrado não

permite uma inferência que vincule este resultado ao cancelamento do Enunciado 310.

Processual, favorável ao réu da Ação Civil Pública

1999 1 50,00%

2006 1 50,00%

2 4,17%

Aqui também, em decorrência do baixo número de decisões processuais

desfavoráveis aos sindicatos e da dispersão das decisões ao longo do tempo não é possível

estabelecer uma evolução temporal indicadora de tendência;

0123456789

10

1994 1999 2004

Page 48: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

48

Mérito, favorável ao autor da Ação Civil Pública

1999 1 4,17%

2000 1 4,17%

2001 1 4,17%

2002 1 4,17%

2004 7 29,17%

2005 7 29,17%

2006 6 25,00%

24 50,00%

Estes dados revelam claramente que a partir de 2004 as pretensões de direito

material dos sindicatos encontram maior aceitação perante o TST. A superação do

Enunciado 310 indica não só uma maior aceitação da coletivização do processo, como uma

maior receptividade para as demandas sindicais por parte do TST.

A evolução temporal aqui revelada demonstra que as perspectivas para o

ajuizamento de ações civis públicas para os sindicatos são alvissareiras quanto à

consolidação de uma jurisprudência favorável na mais alta corte trabalhista.

0123456789

10

1994 1999 2004

Page 49: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

49

Mérito, favorável ao réu da Ação Civil Pública

1999 2 12,50%

2000 1 6,25%

2001 3 18,75%

2002 2 12,50%

2003 3 18,75%

2004 1 6,25%

2005 2 12,50%

2006 2 12,50%

16 33,33%

Em contraposição aos dados do gráfico anterior, os julgamentos favoráveis

aos empregadores não demonstram maiores oscilações ao longo do tempo, não se revelando

nenhuma tendência de jurisprudência a indicar mudanças significativas quanto à pretensão

dos réus.

05. Provimento do TST nas ações em instância originária e dos TRTs no exercício de competência originária e recursal Provimento do TST para as ações apresentadas em instancia originária

0123456789

10

1994 1999 2004

Page 50: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

50

62%13%

25%5 declara a incompetência funcional do TribunalSuperior do Trabalho e remete os autos ao Vara doTrabalho de origem

6 extingue o processo sem julgamento do mérito poroutro motivo

11 acolhe a preliminar para declarar a incompetênciafuncional do Tribunal Superior do Trabalho e remeter osautos ao Vara do Trabalho de origem

Os provimentos das ações civis publicas ajuizadas diretamente no TST

invariavelmente discorreram sobre a competência funcional daquele tribunal, salvo a ACP

92867/1993 que inicialmente foi extinta por outro motivo e, após a reforma da decisão pelo

Supremo Tribunal Federal, foi igualmente remetida à Vara do Trabalho de origem para

apreciar o feito. Esse procedimento atendeu aos ditames do art. 93 da Lei n. 8078/90

(Código de Defesa do Consumidor) e teve como divisor de águas o acórdão proferido em

1996, na ACP 154931/1994, apresentada contra a Caixa Econômica Federal para discutir a

regularidade na contratação de estagiários. Desse modo, o TST sedimentou seu

entendimento contra a corrente que identificava a ação civil publica com o dissídio coletivo

trabalhista e aplicava o art. 2o, I, a, da Lei n. 7.701/1988.

Page 51: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

51

06. Provimento nos Tribunais Regionais do Trabalho em instância recursal, com análise do resultado em relação à pretensão das partes Tipo de provimento do TRT

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

30,00%

1

nega provimento ao recurso/remessa necessária para manter acondenaçãonega provimento ao recurso/remessa necessária para manter aextinção sem julgamento do méritodá provimento ao recurso/remessa necessária para extinguir oprocesso sem julgamento do mérito por ilegitimidade ativadá provimento ao recurso/remessa necessária para julgarimprocedente o pedido inicialnega provimento ao recurso/remessa necessária para manter aimprocedência da açãodá provimento parcial ao recurso/remessa necessária para reduzira condenaçãodá provimento ao recurso/remessa necessária para ampliar acondenaçãoNão sabe

de ofício, extingue o processo sem julgamento do mérito porilegitimidade ativa ad causamdá provimento ao recurso/remessa necessária para extinguir oprocesso sem julgamento do mérito por incompetênciadá provimento parcial ao recurso/remessa necessária para ampliara condenaçãode ofício, extingue o processo sem julgamento do mérito porincompetência material da Justiça do Trabalhodá provimento ao recurso/remessa necessária para reduzir acondenaçãonão conhece do Recurso Ordinário

dá provimento ao recurso/remessa necessária para extinguir oprocesso sem julgamento do mérito por outro motivoDá provimento para reconhecer a legitimidade ativa ou passiva ou acompetência absoluta da Justiça do Trabalho

Page 52: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

52

Provimento do TRT conforme a pretensão das partes

2% 20%

35%

39%

4%

decisão com tema processualfavorável ao autor1

decisão com tema processualfavorável ao réu2

decisão com tema de méritofavorável ao autor3

decisão com tema de méritofavorável ao réu4

Não se sabe5

Os dados obtidos na pesquisa demonstram que os Tribunais Regionais

do Trabalho adotaram um posicionamento mais restritivo na análise das ações civis

públicas que chegaram a sua apreciação em segundo grau. Embora o provimento mais

comum tenha sido negativo para manter a condenação de primeiro grau (28,50%), observa-

se que, no geral, o órgão recursal mencionado reformou a sentença para afastar questões de

ordem processual em favor do autor da demanda coletiva em apenas 2% dos casos contra

20% das demandas em que adotou tese processual favorável ao réu. O mérito das ações

civis publicas igualmente registra vantagem em favor do réu, ainda que em percentuais

menos expressivos. Foram 39% dos processos julgados em conformidade com o interesse

dos réus no mérito, enquanto os autores somente foram vencedores em 35% dos casos.

Estes dados contrastam com os resultados do TST, de modo a se poder

afirmar que a instância superior vem sendo mais receptiva às ações civis públicas do que os

TRTs, tanto em relação ao cabimento e admissibilidade quanto ao mérito das pretensões;.

Page 53: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

53

07. Provimento dos Tribunais Regionais do Trabalho nas ações de instancia originária

Provimento do TRT

25%

25%25%

25%de ofício, extingue o processo sem julgamentodo mérito por impossibilidade jurídica do pedido

acolhe a preliminar para extinguir o processosem julgamento do mérito por ilegitimidadeativa ad causamjulga improcedente o pedido inicial

acolhe parcialmente o pedido inicial

Acolhimento da pretensão conforme a parte

50%50%

2 - Decisão com temaprocessual favorável ao autor

3 - Decisão com tema de méritofavorável ao autor

A mesma discrepância é identificada quando o TRT atuou com instancia

ordinária, pois os réus foram vencedores em 75% dos casos, sendo que em 2/3 deles a ação

civil publica apresentada foi extinta sem julgamento do mérito. A única decisão favorável

ao autor, Ministério Público do Trabalho, trata de tema relativo a irregularidades

trabalhistas. Mesmo a demanda apresentada em conjunto pelo Ministério Público do

Trabalho e o sindicato, em que se postula o reconhecimento do direito constitucional da

liberdade sindical pela exigência de participação do sindicato nas negociações coletivas, foi

julgado improcedente pelo Tribunal Regional de Origem. Os outros temas, que

posteriormente seriam recepcionados pela jurisprudência trabalhista, como fraudes

envolvendo cooperativa de mão-de-obra e jornada de trabalho (banco de horas) foram

extintos sem julgamento do mérito.

Page 54: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

54

08. Matéria recursal apresentada ao TST em Recurso de Revista e Recurso Ordinário

0,00%5,00%

10,00%15,00%

20,00%25,00%

30,00%35,00%

1

1.3 Ilegitimidade ativa ad causam

2.13 Acolher o pedido inicial

3.12 Processual e mérito

1.4 Incompetência material da Justiça do Trabalho

2.8 Afastar a condenação por regularidade do procedimento

1.2 Nulidade processual por negativa de prestação jurisdicional

1.6 Impossibilidade jurídica do pedido

1.1 Nulidade processual por cerceamento de defesa

1.18 competência da Justiça do Trabalho para execução de

1.5 Incompetência funcional do órgão julgador

1.5 Outros

Como já esclarecido na metodologia da pesquisa, a descrição da matéria

recursal não esgota necessariamente os temas apresentados nos recursos de revistas ou

recursos ordinários apreciados pelo TST, porém reflete a matéria principal desses recursos

que, muitas vezes, são extraídas do tema conhecido pela Corte Superior Trabalhista.

Rememorada a metodologia da pesquisa, pode-se extrair que o tema recursal

mais freqüente disse respeito à legitimidade ativa do Ministério Publico do Trabalho e

sindicatos (33,33%), correspondendo a um terço das demandas, seguida pelo acolhimento

do pedido inicial (19, 21%). Salta aos olhos o expressivo número de demandas nos recursos

de revista que envolvem a discussão sobre a legitimidade para a pretensão coletiva e chama

ainda mais atenção quando constatamos que em dois terços delas o recorrente é o

Ministério Publico do Trabalho (45 processos), contra apenas 7 deles em que o recorrente é

o sindicato. Essa lógica se inverte quando o tema é trazido pela empresa, nos 17 processos

encontrados com essa matéria recursal, verifica-se que em apenas 7 deles a demanda foi

apresentada pelo Ministério Público do Trabalho, porém houve reforma da decisão para

acolher essa pretensão recursal em 6 processos. Quando se analisa o mesmo aspecto em

face do sindicato, a repercussão da decisão recursal mais uma vez se inverte: das 10

demandas restantes, em 6 delas o provimento foi no mérito favorável ao sindicato, em 2

deles o recurso de revista não foi conhecido e o empregador somente foi vencedor no

Page 55: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

55

mérito de duas delas. A matéria recursal que visa o acolhimento do pedido inicial em sede

extraordinária, por outro lado, foi apresentada pelo Ministério Publico do Trabalho na

expressiva maioria das demandas, pois o sindicato se insurgiu no tema apenas por duas

vezes, sendo que obteve sucesso no mérito em apenas um dos apelos. O parquet

trabalhista, todavia, saiu vencido na maior parte de seus recursos apresentados, dos quais 21

não foram conhecidos e em 7 deles o pedido recursal foi desprovido. De maneira que o

Ministério Público somente obteve sucesso no mérito em cerca de 26% das demandas.

O pedido recursal na revista para julgar improcedente o pedido inicial foi

apresentado em dois terços das vezes em face do MPT (9) e em apenas um terço em face do

sindicato (3). Porém, o empregador foi invariavelmente vitorioso nessa pretensão recursal

contra a entidade obreira, enquanto que o recurso não foi conhecido 7 vezes em face do

Ministério Publico do Trabalho e na análise do mérito o empregador somente obteve

sucesso em uma das demandas.

Por fim, no pedido recursal em que não se podia fixar um tema de destaque

ou o tema conhecido no Tribunal Superior do Trabalho (processual e mérito) dizia respeito

à questão adjacente ao mérito da demanda, os autores foram os grandes vencedores. Em sua

maioria, os recursos foram apresentados pelo réu (32 deles), dos quais 18 não foram

conhecidos e 7 foram desprovidos ou resultaram em reformas inexpressivas na condenação.

O pedido recursal somente foi acolhido no mérito de forma substancial a favor da empresa

em apenas um quarto dos processos.

Page 56: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

56

09. Matéria recursal mais freqüente em Embargos de Recurso de Revista no TST.

1.3 Ilegitimidade ativa ad causam 30,43% 7 3.12 Processual e mérito 26,09% 6 1.4 Incompetência material da Justiça do Trabalho 17,39% 4 2.13 Acolher o pedido inicial 8,70% 2 1.2 Nulidade processual por negativa de prestação jurisdicional 4,35% 1 1.3/1.4 Ilegitimidade ativa ad causam e incompetencia material da Justiça do Trabalho 4,35% 1 2.8 Afastar a condenação por regularidade do procedimento impugnado 4,35% 2 Total E-RR 23

A matéria mais discutida no recurso de Embargos em Recurso de Revista é

também ilegitimidade ad causam, que aparece de maneira isolada ou juntamente com o

tema da incompetência material da Justiça do Trabalho.

O exame de questões processuais juntamente com as de mérito aparece em

segunda posição.

A incompetência material da Justiça do Trabalho aparece de maneira isolada

em terceiro lugar, compartilhando pequeno percentual o tema da ilegitimidade, como já

mencionado.

Percebe-se no presente tópico que o número de recursos que postulam o

acolhimento do pedido inicial corresponde ao dobro dos interpostos para afastar a

condenação, o que retrata mais uma vez a resistência por parte do Judiciário trabalhista aos

pleitos formulados em Ações Civis Públicas.

O tema nulidade processual por negativa de prestação jurisdicional aparece

com percentual reduzido.

Page 57: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

57

10. Apresentação de embargos em recurso de revista e seu provimento na SDI-1. Processos em que foram apresentados E-RR

36,95%

63,05%

sim

não

Provimento obtido nos processos em que foi apresentado E-RR

66%12%

11%5% 3% 3%

Aguarda julgamento

Decisão processual, julgada demodo favorável ao autor

Decisão de mérito, julgada de modofavorável ao autor

Decisão processual, julgada demodo favorável ao réu

Decisão de mérito, julgada de modofavorável ao réu

Desistência do recurso

No total já foram apreciados 23 recursos de embargos perante a SDI-1 do

TST, originários de ações civis públicas

As partes se conformaram com 63, 05% das decisões proferidas em recurso

de revista pelas turmas do TST. A expressividade desse percentual decorre do fato de que

muitas vezes a decisão turmária configurou decisão interlocutória, reformando a lide para

acolher a legitimidade ativa do autor ou a competência da Justiça do Trabalho, ou mesmo

declarar a nulidade dos atos processuais anteriores determinando a sua repetição de forma

válida, como vimos no relatório 13.

Page 58: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

58

Dos processos em que foram apresentados Embargos em Recurso de

Revista, 66% ainda estão em fase de julgamento. Entre os processos concluídos pela Seção

I Especializada em Dissídios Individuais, em 23% dos casos a decisão proferida foi

favorável aos autores contra 8% favorável aos réus. Esse percentual é um indicativo de que

a maturação das discussões entabuladas nas turmas ao longo do tempo tem desaguado em

um posicionamento mais favorável aos autores das ações civis publicas no momento de

uniformização da jurisprudência da Corte Superior Trabalhista.

04. CONCLUSÃO

A presente pesquisa buscou fixar retratos de algumas tendências das ações

civis públicas apresentadas a julgamento perante o TST, na primeira década de afirmação

deste instrumento de coletivização processual na Justiça do Trabalho. Estas tendências

foram avaliadas basicamente em relação aos seus operadores (Ministério Público e

sindicatos) e em relação a resposta obtida na mais alta corte trabalhista.

Ministério Público e sindicatos, embora possuam uma agenda comum no

temário das ações civis públicas – que vem se desenvolvendo em torno da de resistência à

precarização das relações de trabalho – mantém também, independentemente, uma pauta de

atuação que deriva da diferença no enfoque da coletivização: pelo Ministério Público,

voltada ao interesse público mais difuso (como no caso das contratações perante a

administração pública e em relação ao tema da liberdade sindical); pelos sindicatos,

dirigida ao interesse corporativo. Ou seja, no contexto mesmo da concepção de

“legitimação concorrente e disjuntiva” delineada por Rodolfo de Camargo Mancuso, em

que Ministério Público e sociedade civil podem atuar de forma comum e independente - e

Page 59: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

59

não raro, nesta última hipótese, de forma conflituosa, quando os interesses de classe

contrariem eventual interesse inorganizado.

Em relação às respostas do sistema judicial, a ação civil pública se

apresentou no período como uma inovação procedimental que encontrou grande resistência

quanto à sua admissibilidade perante o TST, o que já foi pormenorizadamente discutido na

introdução ao tema.

No entanto, uma análise mais acurada tornada possível pelos dados da

pesquisa revela uma clara tendência de modificação da rejeição ao fenômeno da coletivação

processual no TST. Mais importante, sempre que os entraves processuais foram afastados

e permitida a análise do mérito das ações civis públicas, os julgamentos se mostraram

amplamente favoráveis aos autores da ação.

Os resultado demonstram igualmente a importantíssima repercussão das

decisões do STF na revisão da jurispurdência do TST relativa à procedibilidade das ações

civis públicas, pois os marcos temporais que marcam a inflexão das tendências

jurisprudenciais coincidem com as decisões do Supremo que afirmaram a legitimação do

Ministério Público e forçaram o cancelamento do Enunciado 310.

Assim, considerando-se que a fixação da legitimação dos sindicatos e do

próprio Ministério Público na defesa de interesses individuais homogêneos vem sendo

definitivamente pacificada, é possível que uma nova perspectiva se abra para a atuação dos

sindicatos, na Justiça do Trabalho, por meio da ação civil pública, já que as questões de

mérito têm encontrado em geral boa receptividade em sua instância máxima.

Resta no entanto aguardar para ver se a excessiva “dependência” dos

sindicatos da atuação do Ministério Público continuará neste novo horizonte que se delineia

ou se as entidades sindicais tenderão a seguir um caminho próprio em juízo.

Page 60: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

60

05. BIBLIOGRAFIA

ARAÚJO FILHO, Luís Paulo. Ações coletivas: a tutela jurisdicional ds interesses individuais homogêneos. Rio de Janeiro: Forense, 2000. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “A ação popular no direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados interesses difusos”, in BARBOSA MOREIRA Temas de Direito Processual: São Paulo: Saraiva, 1977. ____________ BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ações Coletivas: História, Teoria e Prática. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1998. CARELLI, Rodrigo, CASAGRANDE, Cássio e PÉRISSÉ, Paulo. Ministério Público do Trabalho, Justiça o Trabalho, Tutela Coletiva e a Efetividade dos Direitos. ESMPU, Rio de Janeiro, 2006. CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva. Elementos da Filosofia Constitucional Contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999. GIDI, Antônio. Coisa Julgada e Litispendência em Ações Coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995. GRINOVER, Ada Pellegrini (coord.) A Tutela dos Interesses Difusos. São Paulo: Max Limonad, 1984. _____________ “Significado político, social, e jurídico da tutela dos Interesses Difusos” In GRINOVER, Ada Pellegrini. A Marcha do Processo Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. GRINOVER et al. Código de Defesa do Consumidor – Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. PINHEIRO CARNEIRO, Paulo Cesar. Acesso À Justiça – Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil Pública, Rio de Janeiro, Forense, 2000, 2ª. Edição. SOUTO MAIOR, Jorge Luís. Direito Processual do Trabalho. Efetividade, Acesso à Justiça e Procedimento. São Paulo: LTr, 1998.

Page 61: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

61

6) ANEXO - METODOLOGIA

A dificuldade inicial dos pesquisadores decorreu do fato de que não é

possível chegar a uma base de dados de ações civis públicas julgadas no TST pelo atual

sistema de cadastramento processual adotado por aquela corte e aberto à consulta pública

pela internet. A Justiça do Trabalho adotou no ano de 2002 sistema de numeração única,

em que os processos recebem cinco identificações seqüenciais, correspondentes ao número

do processo, ano do ajuizamento, vara do trabalho, tribunal regional de origem e seqüência

de autuação. Não há referência ao tipo de ação, pois em regra todas as demandas são tidas

como “ações trabalhistas”. Assim, diante desta primeira adversidade, o trabalho foi

realizado com base em listagem de processos obtida por meio de pesquisa junto à Secretaria

de Jurisprudência e Precedentes Normativos do Tribunal Superior do Trabalho, com o corte

temporal estabelecido entre janeiro de 1994, em vista a limitação de acesso aos dados na

forma eletrônica pelo setor mencionado, e 30 de junho de 2006, bem como listagem

arquivada na Coordenadoria de Recursos Judiciais do Ministério Público do Trabalho. Os

dados foram levantados em duas bases: base de acórdãos indexados, atualizada até

fevereiro de 2004 (R-01), e base de pesquisa inteiro teor, por pesquisa textual (R-02),

conforme documento em anexo. Os argumentos utilizados foram “Ministério Público” ou

“Sindicato” e “ação civil pública”, selecionando-se apenas os processos em que o parquet e

a entidade representativa aparecem como parte. A partir desses resultados, refinou-se a

pesquisa para:

“R-01-01 = R-01 + direito ou interesse coletivo”

“R-01-02 = R-01 + direito individual homogêneo”

“R-01-03 = R-01 + legitimidade ou ilegitimidade”

“R-01-04 = R-01 + competência ou incompetência” e

Page 62: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

62

“R-02-01 = R-02 + direito ou interesse coletivo”

“R-02-02 = R-02 + direito individual homogêneo”

“R-02-03 = R-02 + legitimidade ou ilegitimidade”

“R-02-04 = R-02 + competência ou incompetência”.

Uma vez que para a pesquisa informatizada não foi requerida a seleção da

matéria e nesse processo não estava assegurada precisão quanto às partes, bem como o fato

de as listagens obtidas apresentarem resultados comuns, iniciou-se um trabalho de filtragem

apenas dos Recursos de Revistas (RR), dos Recursos Ordinários em Ação Civil Pública

(ROACP), das Ações Civil Públicas (ACP) e dos Embargos em Recurso de Revista (E-

RR), em que o Ministério Público do Trabalho ou o Sindicato obreiro figurassem como

autores. A eleição tão-somente das ações apresentadas sob a roupagem de Ação Civil

Publica, Recurso Ordinário em Ação Civil Pública e Recurso de Revista decorre do fato da

inicial incerteza em relação à competência originária para ação civil pública trabalhista, o

que resultou no ajuizamento de algumas ações diretamente nos tribunais consoante a

repercussão do pedido inicial, o qual se verificava pelo âmbito da atuação empresarial ou

representativa do réu da demanda. De maneira que as ações encontradas nesse período se

referem a processos com a mesma natureza, embora em fase recursal distinta. A inclusão

dos Embargos em Recurso de Revista se deve ao fato de esta medida recursal revisar as

decisões turmárias dentro do âmbito do próprio Tribunal Superior do Trabalho,

uniformizando a jurisprudência naquela corte e nacionalmente até mesmo na forma de

Orientações Jurisprudênciais e Enunciados de Súmulas. Portanto, os Embargos em Recurso

de Revista manifestam uma continuidade no tratamento da ação civil pública anteriormente

analisada sob a roupagem de Recurso de Revista ainda dentro do mesmo órgão selecionado

para a pesquisa. Por fim, importa salientar que no processo de filtragem foram destacadas

apenas as ações propostas pelo Sindicato sob a denominação de ação civil pública,

excluindo-se outras demandas com efeito equivalente mas estabelecidas há mais tempo na

legislação, como é o caso das ações de cumprimento.

Page 63: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

63

A essa coleta de dados somaram-se decisões proferidas até 30 de junho de

2006, cujos números foram obtidos por meio de informações solicitadas pela Procuradora-

Geral do Trabalho junto aos Tribunais Regionais do Trabalho e encaminhadas à

Coordenadoria de Recursos Judiciais do Ministério Público do Trabalho.

Extraídos os acórdãos em que as partes eram particulares e em que o corpo

da decisão se referisse a eventual ação civil pública anteriormente proposta ou em

andamento, tivermos como resultado 200 (duzentos) Recursos de Revistas, 4 (quatro)

Recursos Ordinários em Ação Civil Pública, 07 (sete) Ações Civil Públicas (ACP) e 23

(vinte e três) Embargos em Recurso de Revista (E-RR). Para os fins da presente pesquisa

foram considerados as 211 ações referentes aos recursos de revista, aos recursos ordinários

em ação civil pública e as sete ações civis pública propostas originariamente perante o TST,

já que os embargos em recurso de revista são recursos interpostos sobre as decisões

anteriores e serão analisados à parte no corpo da pesquisa.

Em seguida tomando-se como base um questionário único, que possuía a

pretensão de abranger todas as hipóteses de medidas processuais relativas a essas ações

(inclusive ações rescisórias e mandados de segurança, razão pela qual consta inclusive o

Ministério Público como réu), foram elaboradas folhas de resposta a serem preenchidas

pelos estagiários contratados pelos pesquisadores. Constatada a necessidade de adequação

dos questionários à fase processual e medida recursal utilizada pelas partes, o questionário

inicial foi desdobrado em quatro para se adaptar às peculiaridades, consoante documentos

em anexo.

Os estagiários recrutados para auxiliar os pesquisadores, Pedro Araújo Costa

e Débora Malta Reges, responsáveis pela coleta dos dados nos acórdãos selecionados,

receberam fundamentos teóricos sobre a ação civil pública e recursos respectivos para

compreensão do seu trabalho, seja por meio de textos como por meio de aula expositiva do

Coordenador da Coordenadoria de Recursos da Procuradoria Geral do Trabalho Ricardo

Brito. Os acórdãos selecionados foram impressos no gabinete da coordenadora, Adriane

Page 64: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

64

Reis de Araújo. Em uma reunião de trabalho semanal no gabinete mencionado, os acórdãos

eram entregues aos estagiários, acompanhados das folhas da pesquisa para registro dos

dados extraídos. Os acórdãos eram entreguem conforme a natureza da medida recursal,

incluindo-se em cada medida recursal todas as decisões relacionadas, como por exemplo, as

decisões proferidas nos respectivos Embargos de Declaração. A reunião semanal também

tinha por finalidade a discussão das dificuldades encontradas pelos estagiários na obtenção

dos dados e correção imediata dos registros efetuados. Concomitantemente, com auxílio de

um técnico em informática, foi elaborada uma tabela de Excel em que foram digitados

pelos estagiários da Coordenadora acima citada, Patrícia da Cunha Congiu e João Batista

do Rego Júnior, os registros encontrados. Os estagiários, Patrícia e João, igualmente

auxiliaram no arquivamento dos documentos confeccionados pelo Pedro e Débora, após a

conferência da Coordenação.

Para o preenchimento dos relatórios foram estabelecidos os critérios abaixo.

Número do Processo (A): Quando o processo é julgado pelo Supremo

Tribunal Federal ou pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal

Superior do Trabalho e retorna à Turma originária neste Tribunal, ele tem um cadastro de

Ação Civil Pública, Recurso de Revista e Embargos em Recurso de Revista para cada

julgamento. Para tanto, constará ao lado do número do processo, entre parênteses, a

indicação do momento processual correspondente, se primeira vez em que os autos são

analisados (1), se segunda vez (2), e assim por diante.

Região: As ações civis públicas foram classificadas conforme a

circunscrição do Tribunal Regional do Trabalho de origem. As ações civis públicas

ajuizadas diretamente no Tribunal Superior do Trabalho foram classificadas como de

origem “nacional”.

Réu da ação (D): Quando uma das partes envolvidas no litígio for ente da

Administração Pública ou vinculado à Administração Pública, ainda que haja pluralidade

de réus no pólo passivo, é registrado o item 1 (pessoa jurídica de direito público) ou 2

Page 65: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

65

(pessoa jurídica de direito privado vinculada à Administração Pública). Se há uma só

pessoa no pólo passivo, seja jurídica ou física, o item registrado é 3 (pessoa jurídica de

direito privado e pessoa física). O item 4 (pessoas jurídicas de direito priva e pessoas

físicas) diz respeito à ação civil pública proposta contra mais de uma pessoa de natureza

privada. Foram consideradas pessoas jurídicas sem fins lucrativos, as pessoas jurídicas com

essa natureza, desvinculadas da Administração Pública, excluídos os sindicatos.

Tema discutido nos autos (Situação fática e jurídica descrita, E e F): Os

temas enumerados levam em conta as metas institucionais do Ministério Público do

Trabalho e questões mais corriqueiras encontradas nos processos coletivos. Uma das

grandes dificuldades encontradas foi o registro do tema discutido no acórdão analisado, em

virtude de nos defrontarmos com situações fáticas complexas. Inicialmente foi unificada a

qualificação do tema coação de trabalhadores e abuso no exercício do poder diretivo,

considerando-se o segundo um gênero do primeiro e prevalecendo a sua denominação. Para

os demais temas, o registro foi feito seguindo alguns parâmetros:

1. Quando a matéria versar sobre a utilização de cooperativa

fraudulenta, o tema é “fraude ao contrato de trabalho” (9) e subtema cooperativa

(56). Contudo, se o ente envolvido for da Administração Pública e a fraude

implicar o desrespeito ao princípio constitucional de acesso a cargos e empregos

públicos por meio de concurso universal, o registro do tema passa a ser

“Irregularidades no contrato de trabalho celebrado com a Administração Publica

Direta e Indireta” (2), mantendo-se o subtema.

2. Quando a tutela versar sobre contribuição assistencial, o registro

do tema é liberdade sindical (10), com subtema sonegação /descontos (90 ou 145).

3. Quanto ela tratar de discriminação decorrente de filiação

partidária ou pelo fato de ter sido proposta reclamatória trabalhista pelo

empregado, é registrado o tema Discriminação (8), com subtema “Discriminação

pelo exercício regular de direito”. Já na dispensa discriminatória de representante

Page 66: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

66

sindical ou pela participação em greve, o tema registrado é Liberdade Sindical

(10).

4. Quando a situação discutida se referir a alteração contratual, tal

como modificação de plano de saúde, o registro é irreguralirade trabalhista – tema

(4) - e lesão a direitos coletivos - subtema (87). Contudo, o tema de transferência

compulsória dos empregados foi visualizado sob a particularidade do abuso do

poder direito do empregador, cujo tema é (1) e subtema (1).

5. Quando a discussão versar sobre o inadimplemento de verbas

rescisórias, salariais e FGTS, seja na forma de atrasos e ou completa ausência de

pagamento, o tema registrado é (3) e subtema (152), (140) e (148),

respectivamente.

6. Nas ações que versarem sobre pagamento de salário igual ao

salário mínimo, o tema consignado é Irregularidade do contrato de trabalho (4),

subtema (156), mesmo que seja contra pessoa jurídica de direito público.

7. O pedido de pagamento total ou complementar de

insalubridade/periculosidade é registrado como tema meio ambiente (13), subtema

(109) e (104), respectivamente .

8. O pedido de EPIs e respeito à saúde, com redução de jornada,

ficou registrado como tema meio ambiente (13), subtema (103 - EPI), como por

exemplo no RR 386.100/1997.0. Se as medidas de segurança requeridas nos

remeterem a situações mais amplas, tais como implantação de SESMT, PCMSO,

PPRA e Normas Regulamentares do Ministério do Trabalho e Emprego, bem

como os pedidos relativos a instalação de equipamentos de segurança bancária, o

tema consignado foi meio ambiente (13) e subtema (106).

Page 67: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

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9. A contratação de trabalhadores sob modalidades contratuais

diversas, caracterizam fraude ao contrato de trabalho, tema (9). O subtema será

registrado conforme a modalidade contratual adotada, como no caso de pessoa

jurídica, subtema (55).

10. Quando não foi possível identificar o tema, o registro é (16)

com subtema (00 - zero).

Em relação à decisão proferida com vistas á pretensão das partes junto

ao Tribunal Superior do Trabalho : O recurso de revista que não foi conhecido

integralmente por ausência de violação direta a texto legal ou de divergência

jurisprudencial específica é interpretado como decisão processual, ainda que os

pressupostos processuais intrínsecos se refiram a questão de mérito da demanda. Por outro

lado, qualquer decisão que conheça de um dos pontos do recurso e se manifeste em relação

ao mesmo, com qualquer provimento (não-provimento, provimento parcial ou provimento

integral), diz respeito ao mérito, ainda que o tema analisado trate de questão processual,

como por exemplo nulidade por cerceamento de defesa, ilegitimidade e incompetência.

Matéria do recurso interposto no Tribunal Superior do Trabalho: Nesse

tópico a intenção foi consignar o tema conhecido e analisado pelo Tribunal citado, de

maneira que, havendo decisão de mérito, sabe-se que esta diz respeito à matéria

consignada, ainda que existam outros tópicos no recurso. Se o recurso não foi conhecido

integralmente e há várias matérias sem que se pretenda a revisão do tema principal, como

por exemplo o valor da multa diária, honorários advocatícios, o registro é “matéria

processual e de mérito” - item 3.12. Contudo, se o recurso pretende a revisão do tema de

fundo, o registro consigna ou o acolhimento do pedido inicial ou o afastamento da

condenação por regularidade de procedimento, mesmo que esse tópico não tenha sido

conhecido pelo órgão julgador.

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Provimento jurisdicional do Tribunal Superior do Trabalho e no

Tribunal Regional do Trabalho: Quando há recursos de ambas partes litigantes, o

provimento registrado é o mais amplo. Por exemplo, no RR 1867/2001-008-03-00.6, o

TRT deu provimento aos dois recursos: sendo que a medida da empresa objetivou a

restrição da competência territorial ao município da Vara do Trabalho e a do Ministério

Público do Trabalho a ampliação da condenação postulada. Como foi acolhido o pedido de

restrição da competência territorial, o qual resultou na redução considerável do universo

das pessoas beneficiadas, foi registrado o item 13 – provimento para reduzir a condenação.

Contudo, o cuidado nem sempre consegue expressar a extensão do resultado

obtido pela parte, como por exemplo no processo E-RR 420530/1998, em que foi provido

integralmente o recurso para acolher a legitimidade do Sindicato em vista do cancelamento

do Enunciado 310 do Tribunal Superior do Trabalho. A alteração do julgado restabeleceu a

sentença de origem em que se determinava a condenação do réu na obrigação de fazer e

não-fazer. O registro nesse caso teve em mira o acórdão do Tribunal Superior do Trabalho e

acusou como matéria recursal a legitimidade do sindicato, mesmo que o resultado final

tenha alcançado o mérito, com a condenação mais ampla do que espelha a pesquisa.

A data do julgamento (O e P): A data do julgamento foi registrada apenas

quanto ao mês e ano do julgamento do acórdão principal, com base na data da publicação

no DJU, salvo se a decisão de embargos de declaração tivesse efeito modificativo, situação

em que a data deveria ser dos embargos com efeito infringente.

A tabela de Excel foi divida igualmente em quatro partes, conforme a

natureza da medida processual analisada. Alimentada a base de dados, foram solcitados os

levantamentos dos seguintes dados ao Técnico de Informática, Luciano Cordoni, com as

explicações que seguem:

1. Qual o percentual de ações civis públicas que foram

submetidas à análise pelo Tribunal Superior do Trabalho em cada circunscrição dos

Tribunais Regionais? Qual o percentual de ações civis publicas com base nas

Page 69: Ações civis públicas no TST: atuação do Ministério Público do

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regiões políticas do país? (O termo abrange tanto RR, quanto ACP e ROACP.

Refere-se ao item B de cada relatório).

2. Qual o percentual de ACPs propostas pelo Ministério

Público? E pelo Sindicato? E por ambos? (O critério é o mesmo anterior: todos os

relatórios, salvo E-RR. Aliás isso se repete em todas as perguntas deste bloco e se

refere ao item C).

3. Qual o tema predominante, em ordem descrescente das ações

propostas, considerando o seu autor: Ministério Público do Trabalho, Sindicato e

ambos? (Item E)

4. Dentro de cada tema (E), como se subdividem os subtemas

(F)?

5. Dentro de cada tema (E), como se subdividem os réus (C)?

6. Qual o órgão que julgou as ações no TST conforme a medida

processual adotada (ACP, ROACP e RR)? (O item é o H. O tipo de ação é extraído

do próprio relatório que trata de cada espécie isoladamente).

7. Quantas decisões foram submetidas a Embargos de

Declaração? (Item J do questionário ACP e N dos demais). Estipular o percentual

conforme o tipo de provimento em relação aos Embargos de Declaração?

8. Quantas decisões foram submetidas a Recurso

Extraordinário? (último item de todos os questionários). Entre aquelas com Recurso

Extraordinário, em quantas foi conhecido do recurso com o provimento, mesmo que

por AIRE? Quantas aguardam julgamento? Quantas tiveram o Recurso

Extraordinário trancado? (último item de todos os questionários).

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9. Qual o resultado do provimento em RR e ROACP consoante a

pretensão do autor e do réu? (Item M, tratando de forma separada cada recurso,e

indicando de forma discriminada qual o percentual se foi em matéria processual ou

mérito).

Na análise isolada ou conjugada de apenas duas das medidas recursais

adotadas foram dirigidos os seguintes questionamentos:

10. Como foi acolhido cada tema no TST (ACP) e no TRT

(ROACP e RR)? (discriminar o percentual em relação a cada tema) (Qual o

resultado G de acordo com cada item E em todos os relatórios? Como os números

das respostas indicam situações diferentes, tratar cada relatório isoladamente).

11. Qual o provimento do Tribunal Superior do Trabalho para as

ações civis públicas apresentadas em instância originária? Qual o provimento dos

Tribunais Regionais do Trabalho, conforme matéria recursal a competência

funcional exercida (originária ou recursal)?

12. Qual a matéria mais freqüente em geral? (item K em cada

tema -item E, somente para ROACP E RR).

13. Qual o provimento do TST em relação a determinada matéria

recursal da ROACP e RR? (Qual o item L em relação a K)?

14. Quantas decisões foram submetidas a revisão por meio de

Embargos em Recurso de Revista – E-RR (exclusivamente para RRs)? (Item Q ,

indicando de forma global o número de julgados, o número de trancados e o número

sem recurso de E-RR).

15. Qual o percentual de E-RR julgados favoravelmente ao autor?

E ao réu? (exclusivamente para RRs)? (Item Q, excluir os ERR não julgados e

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indicar de forma discriminada qual o percentual se foi em matéria processual ou

mérito (ver conteúdo dos números 5 a 8).

Finalmente, as perguntas se dirigiram exclusivamente aos Embargos em

Recurso de Revista (E-RR):

16. Qual o percentual de E-RR de acordo com o tema? (Subtema,

indicação por texto do percentual em cada tema. Analisar o item E e F).

17. Qual o percentual de E-RR conforme o recorrente (MPT,

Sindicato e empregador) em cada tema? (Analisar o item C de acordo com item E).

18. Qual o percentual de matéria recursal em E-RR? (Item K -

global e discriminar por tema - item E e discriminar por recorrente. conforme item

J).

19. Qual o percentual de E-RR com decisão favorável,

discriminando se no mérito ou processual, ao autor ou ao réu? (Item M).

20. Quantas decisões foram submetidas a Embargos de

Declaração? Estipular o percentual conforme o tipo de provimento em relação aos

Embargos de Declaração? (Item N)

21. Quantas decisões foram submetidas a Recurso

Extraordinário? Entre aquelas com Recurso Extraordinário, em quantas foi

conhecido do recurso com o provimento, mesmo que por AIRE? Quantas aguardam

julgamento? Quantas tiveram o Recurso Extraordinário trancado? (último item)

A partir de todos estes questionamentos, os pesquisadores procederam a

análise dos resultados, selecionando para publicação apenas os gráficos e quantitativos

diretamente relacionados aos questionamentos imediatos da pesquisa, reservando os demais

indicadores para subsidiar a análise dos gráficos principais.