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Ações Constitucionais 2ª Ed. (2013) _ Daniel Amorim a Ssumpção Neves

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Livro bastante atual e de grande valor para maior conhecimento das ações constitucionais.

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■ Capa: Danilo OliveiraProdução: Freitas Bastos

■ CIP – Brasil. Catalogação-na-fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

L698c

Neves, Daniel Amorim Assumpção

Ações constitucionais / Daniel Amorim Assumpção Neves. – 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013.

BibliografiaISBN 978-85-309-5079-8

1. Direito constitucional – Brasil. 2. Ordens constitucionais – Brasil. I. Título.

11-12870. CDU: 348.4(81)

Aline já havia se mostrado uma grande filha, como podem confirmar Edison eMarilena. Também uma grande irmã, como podem confirmar Fernanda e Felipe.Uma amiga fiel e companheira, como podem atestar uma enormidade de pessoas.

Após o casamento, posso confirmar que se mostrou uma esposa perfeita (ainda queum pouco exagerada com a questão de organização da casa...).

No teste final, passou com louvor até o momento, sendo mãe do adorável,destemido e inquieto Joaquim.

Dedico a obra, portanto, mais uma vez a ela, etambém ao pequeno lusitano Joaquim (aponta o símbolo da Lusa em minhas

camisetas, sorri, e diz:papai, papai... coisa mais linda não há...).

Do marido agradecido e pai babão,

DANIEL

PREFÁCIOO fim da 2ª Grande Guerra Mundial costuma ser apontado, com razão, como o marco histórico das

significativas mudanças operadas nos traços característicos do constitucionalismo praticado naEuropa continental. Essas transformações aproximaram o constitucionalismo europeu do modelonorte-americano que, desde os fins do século XVIII, já reconhecia a Constituição como autênticanorma jurídica1. O constitucionalismo contemporâneo se diferencia das demais etapas, não pelopioneirismo de seus traços caracterizadores, mas pelo inédito amálgama entre os elementosmarcantes das experiências pós-revolucionárias ocorridas na França e nos Estados Unidos2.

No Brasil – assim como em diversos países da América Latina –, as transformações ocorridas novelho continente foram postergadas, por razões óbvias, para o período pós-ditadura militar. Apenascom o advento da “Constituição cidadã”, promulgada em 5 de outubro de 1988, foi possível iniciar aatual caminhada em direção ao constitucionalismo contemporâneo.

Com a finalidade de proteger e promover a dignidade da pessoa humana e erigir a sociedade apatamares mais elevados de civilidade e respeito recíproco, foram consagrados novos direitosfundamentais, ainda que muitos, a rigor, sejam apenas manifestações dos direitos de liberdade eigualdade com novos contornos para que possam fazer frente às novas ameaças. A“rematerialização” constitucional abrangeu, ainda, a imposição de diretrizes, opções políticas eamplas esferas de regulação jurídica estabelecidas, não raro, em normas extremamente vagas eimprecisas que limitam o legislador não apenas na forma de produção do Direito, mas também emrelação ao conteúdo das normas a serem produzidas3. Outro aspecto distintivo fundamental é o“transbordamento” da Constituição dentro do ordenamento jurídico. A aplicação das normasconstitucionais, em muitos dos casos, passou a ser direta, deixando de depender exclusivamente davontade do legislador. Atualmente, observa SANCHÍS, é “difícil encontrar um problema jurídicomedianamente sério que careça de alguma relevância constitucional”4. Os direitos e garantiasfundamentais, inicialmente voltados apenas para as relações entre o Estado e os particulares(eficácia vertical), passam a ser admitidos como critérios de solução aplicáveis também às relaçõesentre particulares, independentemente de intermediação legislativa (eficácia horizontal)5.

A imposição de prestações materiais e jurídicas decorrente de direitos fundamentais de caráterpositivo, apesar de existir, em tese, desde a consagração dos primeiros direitos sociais nasconstituições, carecia de efetividade, seja pela ausência de mecanismos judiciais específicos, sejapela adoção de uma visão ortodoxa da separação dos poderes. Ao lado do dever de abstençãoimposto aos poderes públicos pelos tradicionais direitos de defesa, no decorrer do último quarto doséculo XX passou a ser admitida a imposição de atuações positivas, inclusive ao Legislador, comvistas à realização dos direitos prestacionais, cuja implementação exige políticas públicasconcretizadoras de certas prerrogativas individuais e/ou coletivas, destinadas a reduzir asdesigualdades sociais existentes e a garantir uma existência humana digna. Nesse sentido, asubmissão do legislador à Constituição, além da mencionada dimensão negativa imposta peloslimites formais e materiais, passa a ter uma dimensão positiva decorrente da imposição do dever delegislar com vistas a conferir plena efetividade a determinados comandos constitucionais.

Pode-se dizer que mais relevante que a ampliação do rol de direitos fundamentais formalmenteconsagrados foi o desenvolvimento teórico da dimensão material desses direitos e o esforço para

lhes assegurar a desejada efetividade por meio da jurisdição constitucional. A noção de Estadoconstitucional democrático está indissociavelmente ligada à realização efetiva dos direitosfundamentais, com vistas à implementação de níveis reais de igualdade e liberdade. E é aqui,exatamente em relação a este aspecto nuclear do constitucionalismo contemporâneo, que urgedestacar o importante papel desempenhado pelas ações constitucionais, objeto da obra elaboradapelo Professor Daniel Amorim Assumpção Neves, que ora tenho o prazer e a honra de prefaciar.

Para assegurar o efetivo exercício dos direitos fundamentais, nossa Lei Maior consagrou umextenso rol de instrumentos específicos, tanto no âmbito do controle difuso, quanto do concentrado,cuja diversidade não se tem notícia em nenhum outro ordenamento constitucional. Este notável feixede ações constitucionais é abordado de maneira clara, sistemática e bem organizada nesta obra, quenão se limita a reunir e expor os principais posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre otema. Traz, também, uma visão crítica aguçada, resultante da sólida formação acadêmica do autor, aqual lhe permite ir além de uma abordagem meramente descritiva.

À guisa de exemplo, pode ser mencionada a análise referente à reclamação constitucional. Danielaponta algumas distorções na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal referentes às hipóteses decabimento, como no caso das reclamações admitidas contra decisões de turma recursal dos JuizadosEspeciais por contrariar súmula, jurisprudência dominante ou posicionamentos adotados emjulgamentos feitos por amostragem.

Outros inúmeros aspectos positivos deste trabalho poderiam ser aqui exaltados. Entretanto, paraque este prefácio não se estenda além do recomendável, serão apontados apenas alguns pontos dentreaqueles que me despertaram maior atenção.

Na abordagem das ações de controle concentrado abstrato, destaca-se a profícua análiseenvolvendo a coisa julgada material, a eficácia vinculante das decisões e a tese da “transcendênciados motivos determinantes”. Esses temas, além de nem sempre serem compreendidos de maneiraadequada, têm sido objeto de grandes divergências, inclusive na jurisprudência do Supremo TribunalFederal. A tratativa dada ao assunto sob um viés notadamente processualista é de grande valia para acompreensão de questões relevantes por vezes negligenciadas nas abordagens puramenteconstitucionais. Sem desprezar a relevância da tese da “transcendência dos motivos”, o autor tentacompatibilizá-la com os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada material.

No estudo do Mandado de Segurança, nota-se uma clara preocupação com a análise das hipótesesde cabimento – sobretudo nos casos em que a ilegalidade ou o abuso de poder decorrem de decisãojudicial –, bem como da relevância do mandado de segurança coletivo dentro do microssistema detutelas coletivas.

No capítulo dedicado ao habeas data – garantia introduzida pela Constituição de 1988 comoreação às experiências do regime pré-constitucional, no qual os dados referentes às convicções econdutas dos indivíduos eram arquivados de forma sigilosa pelo governo – vale ser destacada aabordagem do interesse de agir em face dos dispositivos que versam sobre a fase pré-processual(Lei 9.507/1997, arts. 2º ao 4º), para fins de cabimento do writ.

Por fim, também não poderia deixar de destacar o tratamento conferido à ação popular, no qual sãoanalisadas todas as especificidades procedimentais, com o devido cuidado no sentido de situar a Lei4.717/1965 (Lei da Ação Popular) dentro do microssistema coletivo, indicando sua aplicaçãosubsidiária a outras espécies de ações coletivas, bem como sua integração com as demais leis, em

especial a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor.Em síntese, profundidade, clareza, coerência, objetividade e visão crítica são algumas das

principais características deste importante trabalho envolvendo as ações constitucionais e, por quenão dizer, de seu autor, cuja competência acadêmica já é assaz conhecida. Não tenho dúvidas de queesta obra se tornará referência obrigatória no estudo do tema.

Rio de Janeiro, outono de 2011

Marcelo NovelinoDoutorando em Direito Público pela UERJ.

Professor do Curso LFG. Membro fundador do INJUR.Procurador Federal.

Não obstante, enquanto os EUA adotaram um modelo conciso e procedimental no qual as normas constitucionais se limitam a estabelecer agarantia de direitos civis e políticos, a organização dos poderes e do Estado, os países da Europa continental consagraram um modeloprolixo e substancial, característico das constituições francesas pós-revolucionárias que incorporaram em normas substantivas os grandesobjetivos da ação política.Nesse sentido, Luis Prieto SANCHÍS afirma que “o neoconstitucionalismo reúne elementos destas duas tradições: forte conteúdo normativoe garantia jurisdicional”. Do modelo norte-americano foi herdada a “garantia judicial, que é o método mais adequado de articular alimitação do legislador. Do modelo francês, são deduzidos os parâmetros do controle de constitucionalidade, que já não são regrasformais e procedimentais, mas normas substantivas”. Segundo esse autor, o neoconstitucionalismo aposta na conjugação de ambos osmodelos (constituições normativas garantidas) para resolver o dilema: “constituições garantidas sem conteúdo normativo econstituições com um conteúdo normativo mais ou menos denso, mas sem garantias” (“Neoconstitucionalismo y ponderación judicial”, p.126-129).Este aspecto é destacado por Susanna POZZOLO ao mencionar a noção de validade jurídica como uma das razões mais relevantes para asuperação da metodologia juspositivista que, por pressupor uma validade estrita ou exclusivamente formal, não poderia seradequadamente empregada pelo Direito do Estado constitucional, “cujas normas seriam válidas, antes de mais nada, por satisfazercritérios materiais, ou seja, por seu conteúdo” (“Un constitucionalismo ambiguo”, p. 190).“Neoconstitucionalismo y ponderación judicial”, p. 128-130: “Os documentos jurídicos imputáveis ao neoconstitucionalismo se caracterizam,efetivamente, por estarem repletos de normas que indicam aos poderes públicos, e com certas nuances também aos particulares, o quenão podem fazer e muitas vezes também o que devem fazer. E dado que se trata de normas e mais concretamente de normas supremas,sua eficácia já não depende da interposição de nenhuma vontade legislativa, uma vez que é direta e imediata”.Defendida a partir da década de 1950, a concepção que sustenta a vinculação direta dos particulares aos direitos fundamentais teve como umde seus defensores pioneiros o jurista alemão Hans Carl Nipperdey, ex-presidente do Tribunal Federal do Trabalho. Apesar de não terobtido grande aceitação na Alemanha, a eficácia horizontal direta tem sido admitida em países como Espanha, Itália e Portugal. Najurisprudência brasileira podem ser encontradas diversas decisões nas quais ocorre uma aplicação direta dos direitos fundamentais àsrelações entre particulares, apesar de raríssimas as ocasiões em que há algum tipo de fundamentação teórica precedendo taisjulgamentos.

APRESENTAÇÃONão é fácil admitir a própria ignorância, sobretudo em um mundo que cada vez mais preza pela

imagem em detrimento do conteúdo, no qual, muitas vezes, mais vale ser amigo do Rei do que terméritos. De qualquer forma, esta Apresentação parte de uma confissão: o que me motivou a escreversobre as ações constitucionais foi minha ignorância a respeito do tema.

Em especial no tocante ao processo objetivo, sempre foi mais cômodo afirmar para mim mesmoque o tema era de direito constitucional, de forma que o parco conhecimento que tinha a respeito doassunto já seria o suficiente para “salvar minha pele” de suposto processualista.

A curiosidade, entretanto, falou mais alto. Em conversa com professor de direito constitucional acaminho de palestra no interior de Minas Gerais, mais precisamente Ouro Preto, nasceu a ideia deuma obra que versasse sobre controle de constitucionalidade, incidental e concentrado, sob a óticaprocessualista e constitucionalista. Seria a consagração do diálogo das fontes aplicado a esseimportante tema de nosso Direito.

Por razões variadas o projeto não caminhou, acabando por ser arquivado. Meu material,entretanto, estava pronto. Fui conquistado pelas particularidades processuais presentes no controlede constitucionalidade por meio do processo objetivo, que passaram a enriquecer significativamenteminhas aulas de processo civil em temas variados. Agradaram-me tanto o estudo e a elaboração domaterial que sempre me desagradou a ideia de não publicar este trabalho.

Pouco tempo depois, o direito brasileiro foi brindado com uma nova Lei do Mandado deSegurança, que, mesmo tendo vários aspectos criticáveis, constitui-se em importante marcolegislativo no campo das ações constitucionais. Fui convidado a participar de obra coletiva, paraescrever sobre as inovações da Lei 12.016/2009, e com esse material inicial pronto, completei otexto com outros aspectos do mandado de segurança que não foram pontualmente modificados pelonovo texto legal. Nascia aí a ideia de um livro sobre ações constitucionais.

A vontade de escrever era grande, mas as responsabilidades também, inclusive em razão da vindaao mundo do pequeno, belo e inquieto Joaquim. Muitas aulas, revisão do Manual de direitoprocessual civil e CPC comentado para concursos, escritório, família... Até o dia em que tive depreparar uma aula de reclamação constitucional, e aproveitei a oportunidade para escrever sobre otema. Foi o passo definitivo para me animar a continuar até o final o projeto Ações Constitucionais.

Passei, então, a escrever sobre habeas data, mandado de injunção e ação de descumprimento depreceito fundamental. Confesso que são ações cujas particularidades, em especial processuais, mechamaram muito a atenção, e, exatamente como ocorreu com o processo objetivo, passaram aenriquecer minhas aulas de processo civil, além de me mostrar de maneira clara que sempre existealgo novo para ser aprendido.

O último passo foi escrever sobre ação popular, tema presente na tutela coletiva, que sempre meinteressou muito. Apesar de tratar incidentalmente de outras ações presentes no microssistemacoletivo, foi dado especial enfoque para a ação popular, deixando para outra obra o trato geral datutela coletiva. Não tratei da ação civil pública porque, sinceramente, não a vejo como açãoconstitucional, não me parecendo que a mera previsão de legitimidade ativa do Ministério Públicono texto constitucional a alce a esse patamar. Também não cuidei do habeas corpus, pois restringi-

me às ações constitucionais em seu aspecto processual civil.Espero sinceramente que o leitor goste da leitura da obra tanto quanto eu gostei de escrevê-la.

Espero as críticas e comentários em meu site www.professordanielneves.com.br.

Nota da Editora: o Acordo Ortográfico foi aplicado integralmente nesta obra.

SUMÁRIO1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE1.1. Processo objetivo1.2. Competência1.3. Legitimidade1.3.1. Legitimidade passiva1.3.2. Legitimidade ativa1.4. Procedimento1.4.1. Petição inicial1.4.2. Posturas do juiz diante da petição inicial1.4.2.1. Emenda da petição inicial1.4.2.2. Indeferimento da petição inicial1.4.2.3. Pedido de informações1.4.2.4. Manifestações do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da União1.4.2.5. Instrução probatória1.5. Tutela de urgência1.6. Decisão1.6.1. Conteúdo1.6.2. Efeitos1.7. Recorrivilidade1.8. Intervenção de terceiros1.9. Amicus curiae1.10. Coisa julgada material1.10.1. Limites objetivos da coisa julgada1.10.1.1. Considerações gerais1.10.1.2. Considerações específicas1.10.2. Eficácia vinculante das decisões1.10.2.1. Introdução1.10.2.2. Função negativa da coisa julgada1.10.2.3. Função positiva da coisa julgada1.10.2.4. Conclusão1.10.3. Limites subjetivos da coisa julgada1.10.4. Coisa julgada pro et contra1.11. Declaração de inconstitucionalidade e relativizaçãoda coisa julgada material2. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO2.1. Introdução2.2. Cabimento2.3. Legitimidade2.4. Aspectos procedimentais2.5. Efeito da decisão2.6. Medida cautelar

3. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE3.1. Introdução3.2. Existência de controvérsia judicial3.3. Legitimidade3.4. Sujeitos processuais3.5. Liminar3.6. Decisão e seus efeitos4. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL4.1. Introdução4.2. Preceitos fundamentais4.3. Objeto da arguição de de descumprimento4.4. Forma procedimentais da arguição de descumrimento4.5. Arguição incidental e incidente de uniformização de jurisprudência4.6. Legitimidade4.7. Competência4.8. Procedimento4.8.1. Petição inicial4.8.2. Posturas do juiz diante da petição inicial4.8.2.1. Emenda da petição inicial4.8.2.2. Indeferimento da petição inicial4.8.2.3. Apreciação de liminar4.8.2.4. Pedido de informações4.8.3. Manifestações4.8.4. Decisão4.9. Tutela de urgência4.10. Recorribilidade4.11. Caráter subsidiário5. MANDADO DE INJUNÇÃO5.1. Introdução5.2. Teorias5.2.1. Teoria da subsidiariedade5.2.2. Teoria da independência jurisdicional5.2.3. Teoria da resolutividade5.2.4. Posição do Supremo Tribunal Federal5.3. Competência5.4. Legitimidade5.5. Mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão6. MANDADO DE SEGURANÇA6.1. Cabimento do mandado de segurança6.1.1. Hipótese genérica de cabimento6.1.2. Vedações específicas ao cabimento do mandado de segurança6.1.2.1. Atos de gestão comercial6.1.2.2. Ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de

caução6.1.2.3. Decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo6.1.2.4. Decisão transitada em julgado6.2. Direito Líquido e certo e procedimento documental6.3. Competência6.4. Sujeitos processuais6.4.1. Legitimação ativa6.4.1.1. Introdução6.4.1.2. Legitimidade ordinária individual6.4.1.3. Legitimação extraordinária6.4.2. Legitimidade passiva6.4.3. Autoridade coatora6.4.4. Litisconsórcio6.4.4.1. Aplicação das regras do CPC ao mandado de segurança6.4.4.2. Litisconsórcio ativo ulterior6.4.4.3. Litisconsórcio passivo necessário6.4.5. Ministério Público6.5. Prazo para a impetração do mandado de segurança6.6. Procedimento6.6.1. Aspectos gerais6.6.1.1. Forma dos atos processuais6.6.1.2. Preferência no trâmite procedimental6.6.2. Petição inicial6.6.3. Posturas do juiz diante da petição inicial6.6.3.1. Emenda da petição inicial6.6.3.2. Indeferimento da petição inicial6.6.3.2.1. Hipótese de indeferimento6.6.3.3. Demais posturas6.6.4. Informações e contestação6.6.5. Decisão6.6.5.1. Comunicações de decisão concessiva6.6.5.2. Decisão de natureza condenatória de pagar quantia6.6.5.3. Recorribilidade6.6.5.4. Legitimidade recursal6.6.5.5. Vedação à condenação em honorários advocatícios6.6.5.6. Substituição das decisões por notas taquigráficas6.7. Desistência do mandado de segurança6.8. Coisa julgada material e renovação do mandado de segurança6.9. Reexame necessário6.10. Execução provisória6.11. Meios executivos para cumprimento da ordem e criminalização da conduta da autoridade

coatora6.12. Tutela de Urgência

6.12.1. Natureza jurídica da liminar6.12.2. Prestação de garantia para a concessão da liminar6.12.3. Comunicações6.12.4. Recurso cabível contra decisão liminar6.12.5. Vedação à concessão de liminares6.12.6. Efeitos da liminar6.12.7. Perempção ou caducidade da liminar6.13. Pedido de suspensão de segurança6.14. Poderes do relator do mandado de segurança de competência originária do tribunal6.15. Mandado de segurança coletivo6.15.1. Introdução6.15.2. Legitimidade ativa6.15.3. Direitos tuteláveis pelo mandado de segurança coletivo6.15.4. Coisa julgada6.15.5. Relação do mandado de segurança coletivo e individual6.15.6. Oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público antes da concessão da liminar7. AÇÃO POPULAR7.1. Breve histórico7.1.1. Origem remota7.1.2. Origem próxima7.2. Cabimento7.2.1. Patrimônio público material e imaterial7.2.2. Atos e omissões7.2.3. Tutela reparatória e preventiva7.2.4. Espécies de atos impugnáveis7.2.5. Binômio ilegalidade-lesividade7.3. Sujeitos processuais7.3.1. Legitimidade ativa7.3.1.1. Espécies de legitimação ativa na ação popular7.3.1.2. Legitimidade ordinária originária7.3.1.3. Intervenção superveniente de cidadão no polo ativo7.3.2. Legitimidade passiva7.3.2.1. Legitimados passivos7.3.2.2. Legitimação bifronte das pessoas jurídicas de direito público ou privado7.3.3. Litisconsórcio ativo e passivo7.3.4. Intervenção de terceiros na ação popular7.3.5. Participação do Ministério Público7.3.5.1. Legitimidade ativa superveniente7.3.5.2. Ministério Público como fiscal da lei7.3.5.3. Participação na execução7.4. Competência7.5. Procedimento7.5.1. Introdução

7.5.2. Petição inicial7.5.3. Posturas do juiz diante da petição inicial7.5.3.1. Emenda e indeferimento da petição inicial7.5.3.2. Julgamento de improcedência liminar7.5.3.3. Citação dos réus e intimação do Ministério Público7.5.3.4. Exibição incidental7.5.4. Respostas do réu7.5.4.1. Prazo7.5.4.2. Espécies de resposta7.5.4.3. Revelia7.5.5. Providências preliminares e julgamento conforme o estado do processo7.5.6. Sentença7.6. Abandono e desistência do autor popular7.6.1. Introdução7.6.2. Momento de aplicação do dispositivo legal7.6.3. Desistência e “absolvição de instância”7.6.4. Sucessores processuais7.7. Conexão e listispendência7.7.1. Conceitos e efeitos7.7.2. Efeitos da conexão e litispendência na tutela coletiva7.7.3. Prevenção do juízo7.8. Recursos7.8.1. Recursos cabíveis7.8.2. Legitimidade recursal7.8.3. Isenção no recolhimento do preparo7.8.4. Efeitos da apelação7.9. Reexame necessário7.9.1. Introdução7.9.2. Reexame necessário na ação popular7.10. Coisa Julgada7.11. Relativização da coisa julgada7.11.1. Introdução7.11.2. Ação rescisória7.11.3. Coisa julgada inconstitucional7.11.4. Coisa julgada injusta inconstitucional7.12. Liquidação de sentença7.12.1. Introdução7.12.2. Espécies de liquidação de sentença7.12.3. Legitimidade ativa7.12.4. Competência7.13. Execução7.13.1. Introdução7.13.2. Execução por sub-rogação e indireta

7.13.3. Legitimidade ativa7.13.4. Medidas cautelares para garantir o resultado da execução7.13.5. Capítulos da sentença executáveis7.14. Tutela de urgência7.14.1. Tutela antecipada e cautelar7.14.2. Pedido de suspensão de segurança7.15. Gratuidade7.15.1. A regra da gratuidade7.15.2. Exceção à regra da gratuidade: condenação do autor popular nos ônus de sucumbência7.16. Prescrição8. RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL8.1. Natureza Jurídica8.2. Cabimento8.2.1. Forma de preservação da competência do tribunal8.2.2. Forma de garantir a autoridade da decisão do tribunal8.2.3. Contra ato que desrespeita enunciado de súmula vinculante8.3. Procedimento8.3.1. Introdução8.3.2. Petição inicial8.3.3. Prazo8.3.4. Posturas do relator ao receber a reclamação constitucional8.3.5. Reações dos interessados8.3.6. Julgamento9. HABEAS DATA9.1. Introdução9.2. Direito à informação e Habeas Data9.3. Hipóteses de cabimento9.3.1. Introdução9.3.2. Direito à informação9.3.3. Direito a retificação de dados9.3.4. Anotação sobre dado verdadeiro9.4. Fase administrativa9.4.1. Interesse de agir9.4.2. Procedimento9.4.2.1. Fase pré-processual9.4.2.2. Fase processual9.4.2.2.1. Introdução9.5. Liminar9.6. Legitimidade9.6.1. Legitimidade ativa9.6.2. Legitimidade passiva9.7. Competência9.8. Recursos

10. AÇÃO CIVIL PÚBLICA10.1. Nomeclatura10.2. Objeto de tutela10.3. Direitos tutelados pela ação civil pública10.3.1. Introdução10.3.2. Direito difuso10.3.3. Direito coletivo10.3.4. Direitos individuais homogêneos10.3.5. Direitos individuais indisponíveis10.4. Competência10.4.1. Competência originária dos tribunais superiores10.4.2. Competência de Justiça Especializada10.4.3. Competência da Justiça Comum10.4.4. Competência do foro10.4.4.1. Regra de competência absoluta: funcional ou territorial?10.4.4.2. Local do dano10.4.4.3. ECA e Estatuto do Idoso10.4.5. Competência de juízo10.5. Legitimidade10.5.1. Espécies de legitimidade10.5.2. Legitimados ativos10.5.2.1. Ministério Público10.5.2.2. Associação10.5.2.3. Pessoas jurídicas da administração pública10.5.2.4. Defensoria Pública10.5.3. Legitimados passivos10.6. Procedimento10.6.1. Introdução10.6.2. Inércia da jurisdição10.6.3. Prevenção do juízo10.6.4. Litisconsórcio ativo10.6.4.1. Espécie10.6.4.2. Litisconsórcio ativo formado por diferentes Ministérios Públicos10.6.4.3. Litisconsórcio ativo ulterior?10.6.5. Instrução da petição inicial10.6.6. Astreintes10.6.7. Tutela de urgência10.7. Coisa Julgada10.7.1. Introdução10.7.2. Coisa julgada secundum eventum probationis10.7.3. Coisa julgada secundum eventum litis10.7.4. Limitação territorial da coisa julgada10.8. Liquidação de sentença

10.8.1. Competência10.8.2. Espécies de liquidação de sentença10.8.3. Direito difuso e coletivo10.8.4. Direito individual homogêneo10.8.5. Liquidação individual das sentenças de direito difuso e coletivo10.9. Execução10.9.1. Legitimidade ativa10.9.2. Direitos difusos e coletivos10.9.3. Direitos individuais homogêneos10.9.3.1. Introdução10.9.3.2. Execução por fluid recovery10.9.3.3. LegitimidadeBIBLIOGRAFIA

1.1. PROCESSO OBJETIVOÉ indiscutível na doutrina o entendimento de que a ação direta de inconstitucionalidade é espécie

de processo objetivo, considerando-se a ausência de um conflito de interesses específico a serresolvido pelo órgão jurisdicional. Costuma-se afirmar com acerto que a finalidade do processoobjetivo não é aplicar uma lei ao caso concreto, tomando-se por fundamento o suporte fáticoapresentado, mas tão somente a de discutir a adequação de uma lei ou ato normativo ao textoconstitucional. Ao invés de resolver um conflito de interesse, nascido da pretensa violação ouameaça de violação a um direito subjetivo, na ação direta de inconstitucionalidade analisa-se a leiem tese, decidindo-se pela adequação das normas infraconstitucionais às normas constitucionais.

Nas lições tradicionais da doutrina no tocante às principais características da jurisdição, fica claraa atipicidade do processo objetivo no âmbito da jurisdição contenciosa. Apesar da ausência deconflito, característica típica dessa espécie de processo, parece inegável que a ação direta deinconstitucionalidade não pode ser considerada de jurisdição voluntária, mas também é inegável quealgumas características dessa espécie diferenciada de jurisdição encontram-se presentes na ação oraanalisada.

Na jurisdição voluntária não há caráter substitutivo, considerando-se que o juiz não substitui avontade das partes pela vontade da lei quando profere sua decisão, até porque não haverá anecessária resistência à pretensão do autor. Na realidade, as ações de controle concentrado deconstitucionalidade podem ser consideradas como ações declaratórias necessárias, pelas quais sepersegue um bem da vida que não poderá ser obtido sem a indispensável intervenção jurisdicional.Pelo mesmo motivo, na jurisdição voluntária não há propriamente a aplicação do direito material aocaso concreto para resolver um conflito existente entre as partes, até mesmo porque esse conflito nãoexiste, mas certamente a análise de adequação da norma impugnada ao texto constitucional demonstraà saciedade que existe aplicação do direito ao caso concreto. Advirta-se que, no processo objetivo,em regra não existe a integração jurídica da vontade das partes, característica muito marcante dajurisdição voluntária6.

Não existe, na jurisdição voluntária, um conflito de interesse entre as partes, porque as vontadessão convergentes. Ambas as partes pretendem obter o mesmo bem da vida; têm a mesma pretensão,mas precisam da intervenção do Poder Judiciário para que esse acordo de vontades produza osefeitos jurídicos almejados. Apesar de também não ser identificável a lide tradicionalmenteconceituada como sendo um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida nosprocessos objetivos, é evidente que há uma insatisfação do autor, que por expressa previsão legalnão pode obter o bem da vida desejado sem a intervenção do Poder Judiciário. Diferente do que

ocorre nos processos de jurisdição voluntária, não existe acordo de vontade entre as partes, mas aobrigatoriedade de propor a ação de controle concentrado de constitucionalidade afasta a exigênciada lide no processo objetivo.

Segundo a corrente clássica, na jurisdição voluntária não há partes, somente interessados, porquenela só existem sujeitos, que pretendem obter um mesmo bem da vida e, portanto, não estão emsituação antagônica na demanda judicial7. Corrobora o entendimento a expressa previsão dos termos“parte” e “interessado” no art. 2º do CPC. Apesar de se tratar de uma questão meramente semântica,não trazendo relevância prática chamar os sujeitos que participam de demanda de jurisdiçãovoluntária de partes ou interessados, cumpre observar que em nenhum conceito de parte é possívelencontrar a necessidade de que estejam os sujeitos em conflito, em posições antagônicas8. Conformeserá devidamente exposto, entendo que não existe réu no processo objetivo, mas o autor naturalmenteé parte e como tal será tratado no processo9.

Com fundamento na previsão do art. 1.111 do CPC, substancial corrente doutrinária defende aausência de coisa julgada material na jurisdição voluntária10. Já tive oportunidade de defender aimpropriedade da conclusão, considerando-se que a técnica utilizada pelo legislador no art. 1.111 doCPC foi a mesma usada no art. 471, I, do mesmo diploma legal, que trata da coisa julgada emsentença que tenha por objeto relações continuativas como a sentença condenatória de alimentos, ouainda a que fixa o valor do aluguel em demanda revisional11. A melhor doutrina defende que, nessescasos, existe coisa julgada material e que, mantida a situação fático-jurídica, deverão ser mantidastambém a imutabilidade e a indiscutibilidade próprias dessa decisão. A modificação superveniente,prevista em lei, cria uma nova causa de pedir (fatos e fundamentos jurídicos do pedido), de maneiraque a eventual mudança da sentença não violaria coisa julgada material. Com uma nova causa depedir, desaparece a tríplice identidade e, consequentemente, os efeitos negativos da coisa julgadamaterial. Conforme será devidamente exposto, é indubitável a existência de coisa julgada material noprocesso objetivo.

Conclusivamente, parece que o mais correto é conceituar-se o processo objetivo como um especialprocesso que se desenvolve no âmbito da jurisdição contenciosa.

1.2. COMPETÊNCIASegundo previsão do art. 102, I, a, da CF, o Supremo Tribunal Federal tem competência originária

para o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ouestadual, quando alegada contrariedade à Constituição Federal. Sendo o Supremo Tribunal Federaluma corte constitucional, por isto conhecido como “guardião da Constituição Federal”, é natural queseja sua a competência para dizer a última palavra a respeito de eventuais violações às normasconstitucionais. No controle difuso, dependerá da atuação das partes em levar o processo até otribunal por meio de Recurso Extraordinário, enquanto no controle concentrado, sua manifestação égarantida pela competência originária.

Importante destacar que também os Tribunais de Justiça são competentes para o julgamento deação direta de inconstitucionalidade, mas, nesse caso, a alegada ofensa atinge a ConstituiçãoEstadual. Aduz o art. 125, § 2º, da CF a possibilidade de representação de inconstitucionalidade deleis ou atos normativos estaduais ou municipais, considerados em face da Constituição Estadual.Registre-se a correta lição doutrinária a apontar a incorreção gramatical do texto constitucional,

considerando-se que a chamada “representação” nada mais é do que uma ação direta deinconstitucionalidade. Mesmo na hipótese de lei municipal que se limite a reproduzir dispositivo daConstituição Federal de observância obrigatória pelos Estados, quando contestada em face daConstituição Estadual, a ação direta de inconstitucionalidade será de competência do Tribunal deJustiça, restando a participação do Supremo Tribunal Federal relegada ao julgamento de eventualrecurso extraordinário12.

A possibilidade de ingresso de ações diretas de inconstitucionalidade nos Tribunais de Justiça eno Supremo Tribunal Federal permite a existência concomitante de duas ações objetivando adeclaração de inconstitucionalidade de uma mesma norma estadual, no primeiro caso, em face deConstituição Estadual e, no segundo, em face de Constituição Federal. Sempre que essaconcomitância se verificar, como a decisão do Supremo Tribunal Federal naturalmente deveprevalecer, caberá o sobrestamento da ação perante o Tribunal de Justiça13.

1.3. LEGITIMIDADE

1.3.1. Legitimidade passiva

Afirma-se em doutrina que a relação jurídica de direito processual é formada por demandante,demandado e pelo Estado-Juiz, sendo essa sua composição mínima. Ainda que excepcionalmentepossa existir processo sem autor (excepcionais demandas iniciadas de ofício pelo juiz) e mesmo semréu (v.g., reconhecimento de paternidade de pessoa morta sem herdeiros ou sucessores), realmenteessa estrutura mínima é o que normalmente se verifica no caso concreto14. Diante da presença dessestrês sujeitos, sendo dois parciais (demandante e demandado) e um imparcial (juiz), é tranquilo oentendimento de que a relação processual é tríplice.

Sempre me pareceu que o processo objetivo, do qual faz parte a ação direta deinconstitucionalidade, ora tratada, é uma exceção à regra da relação jurídica processual tríplice,porque, nesse tipo de ação, não haverá propriamente um réu, ainda que os órgãos ou autoridadesresponsáveis pela lei ou pelo ato normativo objeto da ação sejam convocados a prestar informaçõesno processo e o Advogado-Geral da União funcione, ao menos em regra, como o defensor de suaconstitucionalidade.

Entendo equivocada a afirmação de que o Advogado-Geral da União formará o polo passivo dademanda15, porque, apesar de participar do processo, se opondo a pretensão do autor, não é contraele voltado o pedido formulado na petição inicial, o que já é o suficiente para concluir que ele nãopode ser considerado réu16. Ademais, se fosse realmente réu, sua manifestação a favor dainconstitucionalidade da lei ou do ato normativo – o que é plenamente aceitável, ainda queexcepcional – significaria um reconhecimento jurídico do pedido, levando ao julgamento porhomologação, nos termos do art. 269, II, do CPC, o que naturalmente não ocorre, podendo o SupremoTribunal Federal julgar o pedido improcedente mesmo com a manifestação do Advogado-Geral daUnião no sentido do pedido elaborado pelo autor em sua petição inicial.

Por outro lado, também não entendo que figurem no processo objetivo como réus o órgão ouautoridade responsáveis pela lei ou pelo ato normativo, porque não são eles os sujeitos passivos dapretensão do autor, sendo chamados somente em razão de sua responsabilidade pela criação danorma ou ato impugnado.

Apesar da atipicidade da situação, acredito que, no processo subjetivo, a tradicional relaçãoprocessual tríplice não é formada, não sendo possível se atribuir a nenhum dos órgãos ou pessoasque participam desse processo a qualidade de réu. Até porque, caso realmente existisse réu noprocesso subjetivo, seria também possível falar em parte sucumbente na hipótese de procedência dopedido, o que ensejaria inclusive a condenação do “réu” nas verbas sucumbenciais, situação que, noprocesso subjetivo, beira o teratológico.

1.3.2. Legitimidade ativaNo polo ativo, o art. 103 da CF prevê um amplo rol de legitimados, o que se mostra positivo em

termos de incentivo à propositura dessa espécie de demanda e, por consequência, natural nofortalecimento do controle concentrado de constitucionalidade17.

Sendo o direito discutido no processo subjetivo de natureza difusa (direito da coletividade a umsistema constitucional coeso), o legitimado ativo não está em juízo defendendo em nome próprio uminteresse próprio, de forma a ser inaplicável a legitimação ordinária no processo objetivo. O autorestará em juízo em nome próprio defendendo direito da coletividade.

Excepcionalmente, admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse deterceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC preverexpressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entendeque, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrerlogicamente do sistema18, como ocorre com a legitimação recursal do advogado em apelar docapítulo da sentença que versa sobre seus honorários advocatícios.

Registre-se a existência de corrente doutrinária que defende a limitação da legitimaçãoextraordinária à tutela individual, afirmando que, por meio dessa espécie de legitimação, defende-seem juízo um direito subjetivo singular de titularidade de pessoa determinada. Sendo o direito difusode titularidade da coletividade (sujeitos indeterminados e indetermináveis) e o direito coletivo deuma comunidade – classe, grupo ou categoria de pessoas (sujeitos indeterminados, masdetermináveis), inaplicável a eles a legitimação extraordinária. Sob forte influência dos estudosalemães a respeito do tema, defendem os autores adeptos de tal tese que a legitimação ativa nasações que têm como objeto direito difuso ou coletivo é uma terceira espécie de legitimidade,chamada de legitimidade autônoma para a condução do processo19.

Entendo não existir justificativa para a criação dessa terceira espécie de legitimação, sendoirrelevante a natureza do direito discutido em juízo, bem como o titular desse direito. Como ocorreem toda ação coletiva, a legitimação ativa do processo objetivo é extraordinária (para algunsdoutrinadores legitimidade autônoma para conduzir o processo), porque o autor estará em nomepróprio defendendo o interesse da coletividade. Trata-se de legitimidade concorrente, porqueexistem vários legitimados, e disjuntiva, porque qualquer um dos legitimados pode ingressar sozinhocom a ação judicial, o que não impede a formação de um litisconsórcio ativo facultativo.

Dentre os legitimados previstos pelo dispositivo constitucional mencionado, existe umainteressante divisão doutrinária20: (a) legitimados universais, cujo papel institucional permite adefesa da Constituição em qualquer hipótese: Presidente da República, Mesa do Senado Federal,Mesa da Câmara dos Deputados, Procurador-Geral da República, Conselho Federal da OAB,partido político com representação no Congresso Nacional; (b) legitimados especiais, com atuação

restrita às questões que repercutem diretamente sobre a esfera jurídica do grupo de pessoas sobre asquais tenham representatividade adequada: Mesa de Assembleia Legislativa, Governador de Estado,Governador do Distrito Federal e as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbitonacional.

Importante ressaltar que a legitimidade desses sujeitos será analisada tão somente no momento depropositura da demanda, não havendo extinção da ação por perda superveniente de legitimidadeativa. Dessa forma, ainda que o partido político deixe de ter representação no Congresso Nacionaldurante o trâmite procedimental de ação direta de inconstitucionalidade proposta por ele, a açãoseguirá normalmente21. Excepcionalmente, portanto, não haverá carência superveniente na hipótesede o autor deixar de ter legitimidade22.

Característica singular do processo objetivo é a existência de uma excepcional capacidadepostulatória das autoridades e entidades previstas pelo art. 103 da CF, considerando o SupremoTribunal Federal que, nesse caso, ao menos enquanto ostentarem a condição prevista em lei, estãohabilitadas a praticar atos privativos de advogado23. Considero absolutamente irrazoável oentendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, não havendo qualquer sentido lógico oujurídico para permitir atos privativos de advogados a sujeitos que não tenham a devida capacidadepostulatória, salvo o Procurador-Geral da República, que naturalmente tem capacidade postulatóriafuncional.

A legitimidade ativa do Presidente da República é ampla e irrestrita, sendo irrelevante suaparticipação na elaboração e/ou aprovação da lei ou ato normativo reputado por inconstitucional.Dessa forma, caso tenha seu veto derrubado ou mesmo quando tenha participado do procedimentolegislativo por meio de iniciativa ou sanção, poderá ingressar com ação direta deinconstitucionalidade24.

As questões mais polêmicas a respeito da legitimidade ativa são reservadas ao entendimento doque seria efetivamente uma confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. Adificuldade em se precisar o conceito dos sujeitos ora descritos não significa que, nesses casos, oSupremo Tribunal Federal faça uma análise concreta da representação adequada, verificaçãoestranha ao sistema coletivo atualmente existente no direito brasileiro, considerando-se ser alegitimação ativa coletiva ope legis. Na realidade, caberá ao Supremo Tribunal Federal precisar oconceito legal, mas jamais poderá negar legitimidade a um sujeito que se enquadre nesse conceitolegal por uma suposta incapacidade técnica ou de qualquer outra natureza de ingressar com a açãodireta de inconstitucionalidade, salvo a ausência de pertinência temática, que será analisada em seudevido tempo.

Por entidade de classe o Supremo Tribunal Federal tem entendido uma entidade cujos filiadosestejam vinculados entre si pelo exercício da mesma atividade econômica ou profissional, tendo,portanto, um interesse comum, não se admitindo a legitimidade de entidades criadascircunstancialmente por membros que não tenham homogeneidade de interesses25. O SupremoTribunal Federal superou antigo entendimento, passando a admitir associação nacional deassociações estaduais como legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade,considerando que a defesa dessa associação nacional não seria propriamente das associaçõesestaduais, mas dos interesses da classe. Além disso, como corretamente admitido pelo voto doMinistro Sepúlveda Pertence, nas confederações sindicais existe fenômeno semelhante (os

associados não são pessoas físicas, mas associações), não sendo legítimo tratamento diverso notocante a associações nacionais não sindicais26.

Apesar de algumas críticas doutrinárias, o Supremo Tribunal Federal consolidou a aplicaçãoanalógica da Lei Orgânica dos Partidos Políticos para objetivar a dimensão nacional da entidade declasse, de forma que somente será considerada nacional a entidade que tiver membros em pelo menosnove Estados da Federação e atuação transregional, sendo irrelevante a expressa menção formal aocaráter nacional nos atos constitutivos da entidade27. Nos termos do art. 535 da CLT, a confederaçãosindical deve estar organizada com no mínimo três federações (três Estados), sendo entendimentopacificado do Supremo Tribunal Federal a ilegitimidade ativa das associações, federações ouqualquer outra organização de índole sindical que não a confederação sindical.

Definido o conceito de entidade de classe de âmbito nacional e confederação sindical, caberá aoSupremo Tribunal Federal analisar a pertinência temática no caso concreto. Significa dizer que, alémde se encaixar no conceito fixado pelo próprio órgão supremo, só se admitirá a propositura da açãodireta de inconstitucionalidade na hipótese de existir um vínculo de afinidade temática entre aentidade de classe ou confederação sindical e o objeto litigioso28. Embora a Ordem dos Advogadosdo Brasil seja considerada uma entidade de classe, a expressa previsão da legitimidade no art. 103da CF afasta a exigência da “pertinência temática”.

Existe interessante debate acadêmico a respeito do fundamento da extinção do processo nahipótese de não restar configurada a chamada pertinência temática. Todos concordam pela extinçãopor carência da ação, mas a doutrina se divide entre aqueles que defendem como fundamentos ailegitimidade ativa29 e a ausência de interesse de agir30. O Supremo Tribunal Federal dá sinais decompartilhar do primeiro entendimento31, que realmente parece ser o mais correto, considerando-seque a admissão ou não de determinado sujeito no polo ativo de uma demanda judicial diz respeito àsua legitimação para a propositura da ação. Na prática, como se nota, não há consequência relevanteda distinção, sendo o acórdão sempre fundado no art. 267, VI, do CPC.

1.4. PROCEDIMENTO

1.4.1. Petição inicial

Apesar da relevância da matéria tratada na ação direta de inconstitucionalidade, aplica-se no casoo princípio da inércia da jurisdição (princípio da demanda), de forma que cabe exclusivamente aoslegitimados pelo art. 103 da CF e art. 2º da Lei 9.868/1999, em grupo ou isoladamente, dar início aoprocesso por meio de uma petição inicial. O início do processo de ofício, portanto, é vedado.

Ainda que o art. 3º da Lei 9.868/1999 preveja alguns requisitos formais que a petição inicial deveconter, é imprescindível uma aplicação subsidiária do art. 282 do CPC naquilo que não forincompatível com a natureza e procedimento da ação. Ressalte-se desde já a exigência contida no art.3º da Lei 9.868/1999 de que a petição inicial seja apresentada em duas vias.

É natural que a petição inicial seja devidamente endereçada ao Supremo Tribunal Federal (art.282, I, do CPC), bem como que o autor – e também o réu para aqueles que acreditam em suaexistência – sejam devidamente qualificados, ainda que não com os dados constantes do art. 282, II,do CPC. Entendo pela desnecessidade de pedido de produção de provas (art. 282, VI, do CPC), jáque, no caso de processo objetivo, é inviável falar-se em preclusão probatória por ausência de

pedido do autor, e do pedido de citação do réu (art. 282, VII do CPC), considerando que não existeréu propriamente dito nesse processo.

Como o art. 258 do CPC prevê que a toda causa será atribuído um valor, parece necessário que oautor indique um valor à ação ora analisada, nos termos do art. 282, V, do CPC, ainda que se trate devalor meramente estimativo em razão do valor inestimável do bem da vida pretendido. A exigênciade indicação de um valor da causa possibilita ao órgão julgador a imposição de multas pordeslealdade e má-fé processual, todas fixadas em algum percentual do valor da causa. Registre-se,entretanto, que não se exige a indicação de valor da causa.

Segundo o art. 3º, I, da Lei 9.868/1999, a petição inicial indicará o dispositivo da lei ou do atonormativo impugnado e os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações.O dispositivo legal parece indicar a causa de pedir (art. 282, III, do CPC), sendo indispensável aindicação específica da norma que se pretende declarar como inconstitucional, mas não existenecessidade de indicação expressa dos artigos de lei que fundamentam a pretensão do autor, atéporque fundamentos jurídicos do pedido não podem ser confundidos com fundamentos legais.

Apesar da exigência feita ao autor de indicar os fundamentos jurídicos de sua pretensão, correntedoutrinária majoritária defende a aplicabilidade da chamada “causa petendi aberta”, de forma que otribunal não esteja vinculado ao fundamento jurídico exposto pelo autor, podendo motivar suadecisão em fundamentos não arguidos na petição inicial32. Existem diversas decisões do SupremoTribunal Federal acolhendo esse entendimento33, inclusive permitindo-se que a natureza deinconstitucionalidade seja diversa daquela narrada pelo autor (alegação de inconstitucionalidadeformal e procedência do pedido por inconstitucionalidade material e vice versa).

Em tese, caberia a cumulação de pedidos, admitindo-se que numa mesma ação direta deinconstitucionalidade se pretenda a declaração de inconstitucionalidade de mais de uma norma legalou ato normativo. Essa cumulação, entretanto, é vista com significativas reservas pelo SupremoTribunal Federal, que já indeferiu cumulação, afirmando que a mera identidade de fundamentaçãojurídica não é suficiente para tal cumulação, levando em consideração que o tribunal não estávinculado ao fundamento jurídico34, e que a diferença de requerido, objeto e causa de pedir impede acumulação de pedidos35.

Além da causa de pedir, o art. 3º, II, da Lei 9.868/1999 exige da petição inicial a indicação dopedido, com suas especificações (art. 282, IV, do CPC). Na realidade, o pedido é sempre o mesmo,o de declaração de inconstitucionalidade da norma, mas, considerando-se a existência de diferentesespécies de inconstitucionalidade, caberá ao autor a indicação expressa de qual delas representa suapretensão.

Segundo o art. 460 do CPC, o juiz não pode conceder diferente ou a mais do que for pedido peloautor. Trata-se do princípio da congruência, também conhecido como princípio da correlação ou daadstrição. Para significativa parcela doutrina, o princípio da congruência decorre do princípiodispositivo36. Sem afastar tal entendimento, em análise mais minuciosa nota-se que o princípio oraestudado é fundamentado em dois outros princípios: inércia da jurisdição (princípio da jurisdição) econtraditório (princípio do processo)37. A inércia da jurisdição determina que o juízo só movimenta-se quando provocado pelo interessado, sendo que essa movimentação ocorre nos estritos limites dopedido e causa de pedir elaborados pelo autor, bem como se limita aos sujeitos processuais. Poroutro lado, o réu limita sua defesa tomando por base a pretensão do autor, não havendo sentido

defender-se de pedido não elaborado, causa de pedir não narrada na petição inicial ou de sujeito quenão participa do processo. Uma decisão proferida fora desses limites surpreenderá o réu, o que nãose pode admitir em respeito ao princípio do contraditório.

A regra da adstrição do juízo ao pedido elaborado pelo autor encontra interessante exceção noprocesso objetivo com a chamada inconstitucionalidade reflexa, ou por ricochete, também conhecidana doutrina como inconstitucionalidade por consequência, arrastamento ou por atração38. O SupremoTribunal Federal admite que, ao declarar a inconstitucionalidade de uma norma, possa tambémdeclarar outras normas não impugnadas na ação judicial em razão de sua interdependência comaquela declarada inconstitucional39. A adoção do entendimento de inconstitucionalidadeconsequencial ou por arrastamento afasta o princípio da adstrição, admitindo-se que a concessão detutela pelo órgão jurisdicional seja mais ampla do que aquela expressamente pedida pelo autor.

Com relação aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, já decidiu o Supremo TribunalFederal que o órgão julgador só está obrigado a declarar os limites temporais da eventual declaraçãode inconstitucionalidade (art. 27 da Lei 9.868/1999), existindo nesse sentido expresso pedido napetição inicial40.

As últimas exigências formais do art. 3º da Lei 9.868/1999 estão previstas em seu parágrafoúnico: procuração, quando a petição inicial for subscrita por advogado, e instrução com cópias da leiou do ato normativo impugnado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação. OSupremo Tribunal Federal exige que conste da procuração a indicação de poderes específicos quantoà impugnação da norma que se pretende declarar inconstitucional41.

Segundo o art. 283 do CPC, a petição inicial deve ser instruída com os documentos indispensáveisà propositura da ação, podendo se compreender que, na ação direta de inconstitucionalidade, essesdocumentos são aqueles descritos no art. 3º da Lei 9.868/1999 (procuração e cópia da lei ou atonormativo impugnado), sendo de difícil compreensão a exigência para a juntada de outrosdocumentos necessários a comprovar a impugnação. De qualquer forma, o dispositivo legal oraanalisado sugere a existência de preclusão para a apresentação desses documentos, o que não pareceser o mais adequado, devendo se aplicar o entendimento consagrado pelo Superior Tribunal deJustiça, que permite a juntada de documentos a qualquer momento do procedimento, desde que nãohaja má-fé e se respeite o contraditório42.

O Supremo Tribunal Federal aplica a regra da estabilização objetiva da demanda, entendendo quea emenda ou aditamento da petição inicial só são admitidos antes do requerimento de informações àautoridade ou órgão do qual emanou a lei ou ato normativo impugnado, sendo também esse oentendimento majoritário da doutrina43. Interessante questão diz respeito à impugnação de medidaprovisória que, durante o trâmite procedimental, se converte em lei, sendo entendimento tradicionaldo Supremo Tribunal Federal que o aditamento só será admitido quando não houver alteração naaprovação da medida provisória; havendo alteração, será caso de extinção da ação por perdasuperveniente de objeto44. Registre-se, entretanto, decisão recente que admite a continuação doprocesso, mesmo quando verificada a aprovação da medida provisória em lei, entendendo oSupremo Tribunal Federal que, na hipótese de alteração não substancial do conteúdo na norma, nãose deve extinguir a ação sem resolução de mérito45.

O entendimento deve ser prestigiado, pois nitidamente consagra princípios fundamentais doprocesso civil moderno, não tendo qualquer sentido falar-se em perda superveniente de objeto,

quando a alteração for meramente formal, muitas vezes limitando-se a uma nova redação do textolegal46. O que interessa é descobrir, no caso concreto, se a alteração foi substancial, atingindo deforma significativa o conteúdo na norma, de forma a tornar o pedido de declaração deinconstitucionalidade inútil, até porque, isso não ocorrendo e sendo extinta a ação sem a resoluçãodo mérito, certamente o autor ingressará com nova ação direta de inconstitucionalidade pelosmesmos fundamentos, alterando somente a indicação da norma legal que pretende ver declaradainconstitucional.

1.4.2. Posturas do juiz diante da petição inicial

1.4.2.1. Emenda da petição inicialEm razão do caráter instrumentalista que norteia o processo civil moderno, a emenda – ou

complementação – da petição inicial prevista no art. 284 do CPC ganha cada vez mais espaço eimportância. Defende-se que, sempre que for possível a escolha entre a emenda da petição inicial eseu indeferimento, deve o juiz optar pelo primeiro caminho, reservando-se o indeferimento dapetição inicial a situações de fato absolutamente impossíveis de serem saneadas ou corrigidas47. OSuperior Tribunal de Justiça, inclusive, tem entendimento de que a emenda da petição inicial é umdireito do autor, não podendo o juiz indeferir a petição inicial antes de oportunizar ao autor seusaneamento, sempre que isso se mostrar possível no caso concreto48.

Não há qualquer razão plausível para se afastar tal entendimento do procedimento da ação diretade inconstitucionalidade, sendo também esse o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal arespeito do tema49. O relator concederá prazo de dez dias para que o autor emende ou complemente apetição inicial. Admite-se, no caso concreto, que o relator amplie esse prazo, quando entendê-lomuito exíguo para o saneamento exigido50. O Superior Tribunal de Justiça permite a prática do ato deemenda a destempo, em razão da natureza dilatória do prazo de dez dias51.

1.4.2.2. Indeferimento da petição inicialCumpre inicialmente ressaltar a tradicional lição doutrinária de que só haverá indeferimento da

petição inicial antes da citação do réu52, a qual, sendo adaptada ao procedimento da ação direta deinconstitucionalidade, significa que o ato deve ser realizado antes de prestadas as informaçõesreferidas no art. 6º da Lei 9.868/1999. Segundo o art. 4º da Lei 9.868/1999, a petição inicial seráindeferida pelo relator quando for inepta, não fundamentada e manifestamente improcedente. Numavisão mais instrumentalista, os dois primeiros casos de indeferimento previstos pelo dispositivolegal são hipóteses de emenda da petição inicial.

De qualquer forma, interessante notar que, nas duas primeiras hipóteses de indeferimento dapetição inicial, a decisão do relator terá natureza terminativa, considerando-se ter como objetovícios formais da peça. Já na terceira hipótese, a decisão tem natureza de mérito, considerando-seque a manifesta improcedência decorre da ausência de qualquer fundamento jurídico sério que possaminimamente sustentar a pretensão do autor. Da mesma forma que ocorre nos arts. 285-A e 739, III,ambos do CPC, trata-se de julgamento liminar de improcedência.

Segundo o art. 4º, parágrafo único, da Lei 9.868/1999, cabe agravo contra a decisão monocráticado relator que indeferir a petição inicial. Como já tive oportunidade de defender, sempre que se

admite a decisão monocrática do relator, sua participação dá-se como de um “porta-voz avançado”53

do órgão colegiado, que, por razões de facilitação procedimental ou urgência da situação, recebe deforma delegada do órgão colegiado a competência, ou seja, o poder de decidir legitimamente. Nocaso presente, é inegável que o princípio da celeridade processual54 incentivou o legislador apermitir expressamente o julgamento monocrático pelo relator, mas o reconhecimento de sua atuaçãocom competência delegada justificou a expressa previsão do cabimento do recurso de agravo, queseguirá fundamentalmente o trâmite previsto no art. 557 do CPC, com aplicação subsidiária doRegimento Interno do Supremo Tribunal Federal (art. 317, apesar de o presente agravo ser legal enão regimental).

1.4.2.3. Pedido de informaçõesNão sendo caso de indeferimento da petição inicial, o relator pedirá informações aos órgãos ou às

autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado. Apesar do silêncio da lei, esse“pedido” se dará por meio da intimação pessoal do representante legal do órgão ou da autoridade.Aduz o art. 6º, parágrafo único, da Lei 9.868/1999 que o prazo para a prestação dessas informaçõesé de trinta dias, contados do recebimento do pedido, parecendo tratar-se de prazo impróprio, que,uma vez descumprido, não gera a preclusão temporal, de forma que se admite, após o transcurso doprazo, a prestação válida das informações.

Ainda que se admita a natureza imprópria do prazo legal de prestação das informações, oprocedimento não pode ser paralisado em razão da inércia do órgão ou da autoridade, de forma que,mesmo sem a prestação das informações, caberá ao relator dar continuidade ao procedimento.Haverá, portanto, uma preclusão mista para o recebimento das informações, se já tiver ocorrido aoitiva do Advogado-Geral da União.

1.4.2.4. Manifestações do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da UniãoAduz o art. 8º da Lei 9.868/1999 que, após as informações supra mencionadas, num prazo

sucessivo de 15 dias, serão ouvidos o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral daRepública.

Com relação à atuação do Advogado-Geral da União existe viva controvérsia. Para algunsdoutrinadores, o Advogado-Geral da União não precisa necessariamente impugnar a pretensão doautor, não havendo sentido forçar órgão constitucional a defender uma lei ou norma nitidamenteinconstitucional55. A própria Advocacia-Geral da União por vezes se manifesta no sentido de não serobrigada a defender o ato ou texto impugnado, ainda mais quando o próprio Tribunal já se manifestoupela inconstitucionalidade da tese jurídica apresentada56.

Não é esse, entretanto, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que prefere atribuir aoAdvogado-Geral da União uma atuação de curador da presunção de constitucionalidade dos atosemanados do Poder Público, cabendo a ele, em qualquer circunstância, concretizar o contraditório aoimpugnar a pretensão do autor57.

Na realidade, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema centra-se na fielaplicação do art. 103, § 3º, da CF, que, sem margens para dúvidas, prevê que caberá ao Advogado-Geral da União a defesa do ato ou do texto impugnado na ação direta de inconstitucionalidade. Comobem observado por parcela doutrinária, pode não ter sido feliz o texto constitucional, que mereceria,

portanto, revisão, mas é inegável que, sem uma modificação do texto legal, a atuação do Advogado-Geral da União é de defensor, não podendo se limitar à elaboração de um mero parecer, inclusiveapontando a inconstitucionalidade pretendida pelo autor58.

Não existem discussões na doutrina a respeito da função do Procurador-Geral da República nessecaso, que, atuando como fiscal da lei, deverá elaborar um parecer com seu entendimento a respeitoda alegada inconstitucionalidade. O único tema relevante a respeito dessa atuação se verifica nahipótese de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da República.Sendo autor, deverá funcionar também como fiscal da lei? Devem existir dois membros diferentes doMinistério Público Federal no processo, um como autor e outro como fiscal da lei?

No sistema processual anterior, no qual a legitimidade ativa era exclusiva do Procurador-Geral daRepública, tinha sentido o ingresso de ação direta de inconstitucionalidade e posterior manifestaçãocomo fiscal da lei, até mesmo no sentido da declaração de constitucionalidade. No atual sistema,entretanto, com a pluralidade de legitimados ativos, caso o Procurador-Geral da República ingressecom a ação, cobra-se uma atuação de autor, inclusive com o pedido expresso de declaração deinconstitucionalidade, como já teve oportunidade de decidir o Supremo Tribunal Federal.

Caso não entenda inconstitucional a norma, não tem qualquer sentido ingressar com ação, deixandotal tarefa ao legitimado que tenha diversa percepção. Entendo que não há qualquer sentido abrirprazo para manifestação do Procurador-Geral da República quando ele próprio ingressou comdemanda, porque, de duas uma: ou reforça seus fundamentos, o que demonstra a inutilidade do ato; oumuda de ideia e pede a improcedência do pedido, o que não parece ser permitido em razão dofenômeno processual da preclusão lógica59.

Apesar de entendimento contrário de parcela doutrinária60, e do procedimento adotado peloSupremo Tribunal Federal61, não parece que a aplicação do art. 103, § 3º, da CF seja justificativasuficiente para a emissão de parecer como fiscal da lei nesse caso, considerando-se que o textoconstitucional determina que o Procurador-Geral da República seja previamente ouvido, o quenaturalmente já ocorre quando a petição inicial da ação é por ele elaborada.

1.4.2.5. Instrução probatóriaÉ tradicional a afirmação de que a ação direta de inconstitucionalidade versa exclusivamente

sobre matérias de direito, de forma que bastaria ao Supremo Tribunal Federal a verificação danorma questionada à luz da norma constitucional superior. Contrariando esse entendimento, o art. 9º,§ 1º, da Lei 9.868/1999 prevê que, em caso de necessidade de esclarecimento de matéria oucircunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá orelator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emitaparecer sobre a questão ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas comexperiência e autoridade na matéria.

O Supremo Tribunal Federal já vem se valendo do dispositivo legal nos processos objetivos decontrole de constitucionalidade62, nitidamente superando seu anterior posicionamento de nãocabimento da ação direta de inconstitucionalidade para o deslinde da questão, quando mostrar-seindispensável exame da matéria de fato. Registre-se, entretanto, que o desenvolvimento probatóriodo procedimento ora analisado não é voltado propriamente aos fatos constitutivos do direito doautor, recaindo sobre fatos relativos ao processo legislativo, forma de incidência e repercussão

prática da declaração de constitucionalidade ou não da norma impugnada63.

1.5. TUTELA DE URGÊNCIAA Seção II do Capítulo II da Lei 9.868/1999 prevê a medida cautelar em ação direta de

inconstitucionalidade, regulando o procedimento para sua concessão nos arts. 10, 11 e 12. Éinteressante notar que, apesar de prever uma medida cautelar, a lei expressamente dispensa oingresso de ação autônoma cautelar, cabendo ao autor elaborar seu pedido como tópico da petiçãoinicial. Já tive oportunidade de apresentar a crise pela qual passa a autonomia do processo cautelar,sendo cada vez mais frequente a concessão de medidas cautelares sem a necessidade de açãocautelar autônoma64. O regulamento ora analisado sugere um caminhar nesse sentido.

Antes de propriamente analisar o procedimento para a concessão de tutela de urgência na açãodireta de inconstitucionalidade, cumpre apontar a imprecisão do texto legal, que indevidamenteconfunde diferentes espécies de tutela de urgência, ainda que na prática não haja consequênciassignificativas do equívoco consagrado na literalidade da norma ora comentada.

É tradicional na doutrina a distinção entre a tutela cautelar e a tutela antecipada com fundamento naexplicação de que a primeira assegura o resultado útil do processo, enquanto a segunda satisfazfaticamente o direito da parte (geralmente o autor, mas não exclusivamente)65. Parece claro que apretensão do autor com a chamada “medida cautelar” prevista nos artigos já mencionados é adeclaração imediata de ineficácia da lei ou ato normativo impugnado, o que inclusive vemconfirmado pelo art. 11, § 1º, da Lei 9.868/1999. Sendo a ineficácia uma consequência prática dadeclaração de inconstitucionalidade, a chamada “medida cautelar”, na realidade, atua como “tutelaantecipada”, antecipando os efeitos executivos da tutela pretendida em sede principal66.

Esse entendimento acaba sendo refletido na praxe forense, já que é comum constar da petiçãoinicial da ação direta de inconstitucionalidade um pedido de liminar, que, quando utilizado comoespécie de tutela de urgência – como parece ser o caso –, é tutela de urgência satisfativa, exatamentecom a mesma função da tutela antecipada. Existem, inclusive, decisões do Supremo Tribunal Federaldeferindo a liminar pleiteada, sem a indicação expressa à “medida cautelar” prevista em lei67.

Apesar da nítida natureza de tutela antecipada, o Supremo Tribunal Federal entende que aconcessão da “medida cautelar” na ação direta de inconstitucionalidade depende da presença no casoconcreto dos tradicionais elementos cautelares do fumus boni iuris e do periculum in mora68. Aindaque se possa defender a existência de diferentes graus de probabilidade de o direito existir, autilização do fumus boni iuris no presente caso é compreendida como sendo a relevância dafundamentação contida na petição inicial. Por periculum in mora entende-se o tempo necessário paraa concessão da tutela definitiva, funcionando como inimigo da efetividade dessa tutela.

Cumpre ainda registrar entendimento do Supremo Tribunal Federal de dispensar o periculum inmora, valendo-se, em seu lugar, do chamado “critério de conveniência”, por meio do qual o tribunalanalisa o que será mais conveniente: manter os efeitos da lei ou ato impugnado até o julgamento daação direta de inconstitucionalidade ou conceder a tutela de urgência para impedir imediatamenteseus efeitos69.

Em termos procedimentais, o relator intimará os órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ouato normativo para que se pronunciem no prazo de cinco dias; após o transcurso desse prazo, ouvirásucessivamente, no prazo de três dias, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da

República, desde que entenda indispensáveis essas manifestações, o que já demonstra apossibilidade do relator dispensar essa oitiva. Na realidade, em casos de excepcional urgência, atémesmo a intimação do órgão ou autoridade descritos no art. 6º da Lei 9.868/1999 pode serdispensada, conforme expressa previsão do art. 10, § 3º, da mesma lei.

Em regra, o pedido de tutela de urgência será analisado pelo Tribunal Pleno, somente sendoconcedido por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, sendo, nos termos do art. 10, §2º, da Lei 9.868/1999, facultada a sustentação oral dos representantes legais do requerente e dasautoridades e órgãos responsáveis pela expedição do ato. O Supremo Tribunal Federal já decidiupela admissibilidade da sustentação oral do Advogado-Geral da União70, o que se justifica em razãoda aplicação do contraditório, afinal, o procedimento não prevê uma manifestação escrita anterior aojulgamento por parte do Advogado-Geral da União.

Entendo que também o Procurador-Geral da República poderá fazer sustentação oral como fiscalda lei, bem como o amicus curiae71 (art. 131, § 2º, RISTF), considerando-se que as manifestaçõesorais desses sujeitos não trarão maiores prejuízos ao procedimento, somente sendo fonte de maisinformações para os Ministros decidirem o pedido de tutela de urgência.

Apesar de a regra ser o julgamento colegiado, no período de recesso e no curso de fériascoletivas, cabe ao relator da ação direta de inconstitucionalidade a análise do pedido de tutela deurgência, que proferirá decisão sujeita a referendo do órgão colegiado. Para se deixar claro que nãoexiste, nesse caso, qualquer transferência da competência para conhecer o pedido da medida deurgência, o Supremo Tribunal Federal entende incabível o agravo regimental, que será recebidocomo mero memorial, considerando-se ser dispensável a manifestação do autor da ação para que oTribunal Pleno se manifeste sobre a decisão do relator, que ocorrerá independentemente de qualquerprovocação72.

Segundo o art. 11, caput, da Lei 9.868/1999, concedida a tutela de urgência, o dispositivo dadecisão deverá ser publicado num prazo de dez dias (prazo impróprio), em seção especial do DiárioOficial da União e do Diário da Justiça da União, seguindo-se o procedimento já analisado com aintimação do órgão ou autoridade da qual tiver emanado o ato e atos subsequentes. Ainda que ossujeitos que participam da ação direta de inconstitucionalidade já tenham se manifestado – de formaescrita e/ou oral – antes da concessão da tutela de urgência, todos serão novamente ouvidos,considerando-se que a manifestação anterior à concessão da liminar limita-se aos requisitos da tutelade urgência, não se confundindo com as manifestações necessárias a respeito do mérito dademanda73.

Com relação aos efeitos da “medida cautelar” concedida, o art. 11, § 1º, da Lei 9.868/1999 contémduas importantes informações. A primeira diz respeito aos afetados pela decisão liminar: a eficácia écontra todos, ou seja, erga omnes, característica típica da natureza de direito difuso que compõe oobjeto da ação direta de inconstitucionalidade. Questão interessante diz respeito à eficácia vinculantedessa decisão, sendo o entendimento consagrado no Supremo Tribunal Federal pela sua existência, oque inclusive permite o ingresso de reclamação constitucional nas hipóteses previstas em lei74.Apesar da eficácia vinculante, está correta a doutrina que entende não existir obrigatoriedade desuspensão dos processos em que se controverte a respeito da incidência do preceito questionado,ainda que o juízo desses processos possa suspendê-los, nos termos do art. 265, IV, a, do CPC75.

Na hipótese de decisão que indefere a tutela de urgência, não há eficácia vinculante, considerando-

se que nessa espécie de decisão não existe necessariamente um posicionamento a respeito daconstitucionalidade de norma, porque a mera ausência de periculum in mora já é o suficiente para oindeferimento76. Não tendo ocorrido qualquer valoração, ainda que em cognição sumária, da alegadainconstitucionalidade da norma ou ato impugnado, não se pode antever no indeferimento do pedidoliminar qualquer presunção de constitucionalidade. No Supremo Tribunal Federal há decisõesrecentes pela inexistência da eficácia vinculante da decisão liminar denegatória77.

A segunda importante informação é a de que a “medida cautelar” será concedida com efeitos exnunc, a partir da publicação da decisão na imprensa oficial78, salvo se o Tribunal entender que devaconceder-lhe eficácia retroativa. Segundo correto entendimento do Supremo Tribunal Federal, paraque se outorgue eficácia ex tunc ao pronunciamento liminar, cabe ao órgão julgador expressamentese manifestar nesse sentido, de forma que seu silêncio quanto aos efeitos será entendido como aaplicação da regra estabelecida pelo art. 11, § 1º, da Lei 9.868/199979.

No sentido da tranquila jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 11, § 2º, da Lei9.868/1999 prevê que a concessão da “medida cautelar” torna aplicável a legislação anterior acasoexistente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.

O art. 12 da Lei 9.868/1999 cria técnica procedimental diferenciada de julgamento da ação diretade inconstitucionalidade, quando o Tribunal, diante de pedido de “medida cautelar”, resolve julgarimediatamente o mérito da ação. Segundo o dispositivo legal, em face da relevância da matéria e deseu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, o relator poderá pedir asinformações em dez dias, ouvir em prazos sucessivos de cinco dias o Advogado-Geral da União e oProcurador-Geral da República, e submeter o processo diretamente ao Tribunal Pleno.

Ainda que não exista norma nesse sentido, concordo com a doutrina que defende, em situações deconsiderável excepcionalidade, a concessão da tutela mediante medida de urgência por decisãomonocrática do relator, ainda que se empregue o procedimento do art. 12 da Lei 9.868/199980.Cumpre ressaltar, entretanto, que, nesse caso, estar-se-á diante de uma terceira forma procedimentalde julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, considerando-se que então o Tribunal Plenonão se valerá do pedido de tutela de urgência para julgar diretamente o mérito da ação, mas tãosomente confirmará ou revogará a decisão liminar e monocrática do relator.

1.6. DECISÃO

1.6.1. Conteúdo

Segundo a previsão dos arts. 22 e 23 da Lei 9.868/1999, a prolação de decisão da ação direta deinconstitucionalidade depende da presença de ao menos oito ministros na sessão de julgamento,exigindo-se ainda que ao menos seis ministros se manifestem pelo acolhimento do pedido do autor.Há posicionamento do Supremo Tribunal Federal de que o quorum mínimo de oito ministros nãoprecisa ser obtido em sessão única de julgamento81.

O art. 24 da Lei 9.868/1999 consagra a natureza dúplice (para parcela da doutrina,“ambivalente”82) das ações declaratórias de constitucionalidade e inconstitucionalidade, prevendoque a rejeição do pedido do autor enseja, na ação declaratória de constitucionalidade, a declaraçãode inconstitucionalidade da norma e, na ação direta de inconstitucionalidade, a declaração deconstitucionalidade da norma.

Toda ação meramente declaratória é dúplice, não sendo diferente com as ações de controleconcentrado de constitucionalidade. É de suma importância definir a ação dúplice, já que grandeparte da doutrina afirma que a permissão legal de que o réu faça pedido contra o autor em suacontestação cria as condições necessárias para a ação ser dúplice. Nesse sentido são as lições deCândido Rangel Dinamarco83, Athos Gusmão Carneiro84 e Gilson Delgado Miranda85. Tal conclusão,entretanto, não deve ser admitida como correta.

É preciso, antes de se criticar o posicionamento dos doutrinadores acima citados, definir a espéciede ação dúplice a que se faz referência, já que, na visão de tais estudiosos, elas podem ser naturaisou criadas de forma artificial pela lei – criação essa inadmissível –, mesmo que sua natureza nãoleve a tal duplicidade. A premissa adotada é absolutamente equivocada. Explica-se. Para secompreender a natureza das ações dúplices, é necessário analisar a relação jurídica de direitomaterial da qual surgiu o conflito de interesses a ser resolvido no processo. Em tal análise,invariavelmente se definem os polos da demanda a serem preenchidos pelos sujeitos de tal relação,pressupondo-se os pedidos que poderão ser formulados. Assim, verificada a lide, sabe-seexatamente qual o sujeito que ingressaria com eventual demanda pleiteando determinado pedido equem seria o futuro réu.

Na exata visão de Adroaldo Furtado Fabrício:… muito excepcionalmente, inexiste essa predeterminação das legitimações: a situação jurídica é tal que qualquer dos sujeitospode ajuizar a ação em face do outro ou dos outros. Tal ocorre nos juízos demarcatórios e divisórios: não há, rigorosamente,autores e réus; qualquer dos confinantes ou comunheiros poderia ter tomado a iniciativa. Se há dois sujeitos da relação jurídico-material e qualquer deles pode propor a mesma ação contra o outro, essa ação é dúplice86.

Compartilhando de tal entendimento, Araken de Assis afirma que:… do prisma material, é dúplice a ação, provocando o iudicium duplex, na qual a contestação do réu já basta à obtenção do bemda vida. Em geral, o autor pede e o réu somente impede; na actio duplex, o ato de impedir (contestação) já expressa um pedidocontrário. Tal característica deriva do direito material posto em causa (rectius: mérito, pretensão processual ou objeto litigioso)87.

A conclusão a que se chega, portanto, é que, na ação dúplice, não existe qualquer necessidade de oréu realizar expressamente pedido em face do autor, já que, pela própria natureza do direito materialdebatido, a improcedência do pedido levará o réu à obtenção do bem da vida discutido. O pedido,nesse caso, além de incabível, é desnecessário88. Esse entendimento é indispensável no processoobjetivo, porque, acolhida a tese já defendida de que nesse processo não existe réu, seria impossívelqualquer pedido do réu no processo.

Proferido o acórdão, a decisão será comunicada à autoridade ou órgão responsável pela expediçãodo ato, e, num prazo de dez dias após o trânsito em julgado, será publicada a parte dispositiva dadecisão. Como se admite o cabimento dos embargos de declaração contra esse acórdão, ainformação prevista pelo art. 25 da Lei 9.868/1999 deve ser realizada somente após a constatação deque não houve a interposição desse recurso ou após seu julgamento.

1.6.2. Efeitos

A decisão que julga improcedente o pedido na ação direta de inconstitucionalidade tem naturezameramente declaratória, a exemplo de qualquer outra decisão que rejeita o pedido do autor. Declare-se pela improcedência a inexistência do direito alegado pelo autor em geral, e no caso específico daação ora analisada declara-se a inexistência do vício de constitucionalidade apontada pelo autor.

Como a decisão de improcedência mantém o status quo ante, saber se sua eficácia é ex nunc ou extunc não gera qualquer consequência prática, ainda que tecnicamente seja mais adequado o segundoentendimento.

Na hipótese de procedência do pedido, a norma atacada será declarada inconstitucional, sendo,portanto, a natureza dessa decisão meramente declaratória. Apenas declara-se a nulidade da lei ouato normativo em decorrência de sua inconstitucionalidade, não havendo sua desconstituição, o quetornaria a decisão constitutiva negativa.

É tranquila a doutrina a apontar a eficácia ex tunc das decisões meramente declaratórias, e parecenão ser diferente com relação à decisão de procedência proferida na ação direta deinconstitucionalidade. Há, entretanto, uma importante singularidade consagrada pelo art. 27 da Lei9.868/1999: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões desegurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, pormaioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que elasó tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

Como se pode notar da redação do dispositivo legal, em regra, a declaração deinconstitucionalidade continua a ser gerada com eficácia ex tunc, retroagindo à data de promulgaçãoda norma, que desde sempre foi inconstitucional, ou à data em que circunstância superveniente tornoua norma inconstitucional. A excepcionalidade de eficácia distinta da tradicional é reconhecida pelopróprio Supremo Tribunal Federal89.

Nos termos do art. 27 da Lei 9.868/1999, além da tradicional eficácia ex tunc, a declaração deinconstitucionalidade poderá ser modulada de três diferentes maneiras: (a) ex tunc restritiva, comuma limitação temporal da retroatividade dos efeitos da declaração; (b) ex nunc, a partir do trânsitoem julgado (efeito prospectivo)90; e (c) eficácia projetada para o futuro, condicionando-se a geraçãodos efeitos a um limite temporal escolhido pelo tribunal ou mesmo a um ato a ser praticadosupervenientemente (declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade)91.

A modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade se justifica em razões desegurança jurídica ou de excepcional interesse social, dependendo da manifestação de maioria dedois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal. A excepcionalidade de decisão judicial deinconstitucionalidade de efeitos limitados ou restritos se presta a preservar relevantes princípiosconstitucionais, revestidos de superlativa importância sistêmica92.

Diante da omissão da decisão quanto à modulação dos efeitos da declaração deinconstitucionalidade, há presunção de que a eficácia segue a regra, ou seja, ex tunc. Mas apresunção é apenas relativa (torna-se absoluta somente com o trânsito em julgado), de forma que otribunal poderá ser provocado por meio dos embargos de declaração para que se manifesteexpressamente a respeito da eficácia da declaração de inconstitucionalidade93.

Registre-se, por fim, que a tese da modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidadejá foi aplicada em controle incidental de constitucionalidade por meio de recurso extraordinário94.

1.7. RECORRIBILIDADESegundo o art. 26 da Lei 9.868/1999, a decisão que declara a constitucionalidade ou

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos

de declaração. Naturalmente, a declaração mencionada no dispositivo legal diz respeito ao mérito daação, de forma que a interpretação literal da norma legal ora analisada permite a conclusão de que oacórdão que resolve o mérito da ação direta de constitucionalidade (art. 269, I do CPC) éirrecorrível. Ocorre, porém, que nem toda ação é resolvida em seu mérito, sendo admissível aexistência de um acórdão que julgue extinta a ação direta de inconstitucionalidade sem a resoluçãodo mérito (art. 267, CPC). Entendo que, nesse caso, ainda que essa não seja a interpretação literal dodispositivo legal, o acórdão também será irrecorrível.

Na realidade, ao invés da expressa menção à decisão que resolve o mérito, o art. 26 da Lei9.868/1999 teria sido melhor formulado, se tivesse simplesmente previsto o acórdão que decide aação. Pouco importa se o acórdão resolve ou não o mérito, bastando que seja uma decisão colegiadado Tribunal Pleno para que se torne irrecorrível. As decisões monocráticas proferidas pelo relator epelo presidente, com poder delegado do órgão colegiado, são recorríveis por agravo interno,aplicando-se também nesse caso entendimento consagrado pelos tribunais superiores de que,interpostos embargos de declaração contra a decisão monocrática, o recurso será recebido comoagravo interno, em aplicação do princípio da fungibilidade e com o propósito de se obter celeridadeprocessual95.

Entendo que a recorribilidade depende fundamentalmente da decisão ser monocrática oucolegiada, recorrível no primeiro caso e irrecorrível no segundo. Interessante notar que, sendo adecisão monocrática, necessariamente ela terá natureza terminativa, sendo inadmissível umjulgamento de mérito da ação direta de inconstitucionalidade que não seja pelo órgão colegiado,respeitando-se o quorum exigido pelo art. 23 da Lei 9.868/1999, ou ainda concessiva ou não damedida liminar.

Tratando-se de decisão colegiada e sendo cabível, pela literalidade da lei, somente o recurso deembargos de declaração, é imprescindível que se compreenda com exatidão a função desse recurso.Segundo previsão do art. 535 do CPC, é cabível o recurso de embargos de declaração de decisãoomissa, contraditória ou obscura, sendo correto o entendimento de que a função dos embargos dedeclaração não é modificar substancialmente o conteúdo das decisões impugnadas, com reversão dasucumbência suportada pelo embargante96.

É correta a afirmação de que, nas hipóteses de saneamento do vício da contradição, ao escolherentre duas proposições inconciliáveis, o resultado dos embargos modifica a decisão. O mesmoocorre, e ainda de forma mais evidente, com o saneamento da omissão, porque, nesse caso, o órgãojurisdicional necessariamente decidirá mais do que foi decidido, o que inegavelmente modificará adecisão impugnada. Ainda assim, parece não ser incorreto afirmar que tais mudanças são em regraformais, melhorando a qualidade da decisão, de modo a deixá-la mais compreensível e completa,sem, entretanto, modificar substancialmente o seu conteúdo.

Pode-se concluir, portanto, que a função típica dos embargos de declaração é melhorarformalmente a decisão impugnada, sem alterações substanciais quanto ao seu conteúdo. Ocorre,entretanto, que, por vezes, os embargos de declaração extrapolam essa função, gerando a reforma oua anulação da decisão impugnada. Nesses casos, os embargos de declaração assumem uma funçãodistinta daquela para a qual foram originariamente programados, sendo correto apontá-los comoembargos de declaração atípicos, situação em que, segundo a doutrina, passa-se a exigir ocontraditório, com a intimação do embargado para apresentação de contrarrazões no prazo de cinco

dias97.Quanto à necessidade de contraditório em sede de embargos de declaração, prefiro o entendimento

minoritário de que, nos embargos com efeitos modificativos, não se faz necessária a intimação doembargado. Penso assim porque, nesse caso, não haverá a alegação de uma nova matéria noprocesso, mas tão somente o pedido de saneamento de omissão de uma matéria já alegada e,presumidamente, já impugnada pela parte contrária. O embargante somente aponta matéria já alegadaanteriormente, não havendo razão para abrir prazo para o embargado ser ouvido para repetir aimpugnação também realizada anteriormente98. Ainda que o provimento dos embargos de declaração,nesse caso, possa reformar a decisão impugnada, não se tratando de matéria nova no processo,entendo ser dispensável o contraditório.

Existem duas espécies de embargos de declaração atípicos: (a) embargos de declaração comefeito modificativo; (b) embargos de declaração com efeitos infringentes.

Nos embargos de declaração com efeito modificativo, o recurso é admissível pelos víciosprevistos em lei, cujo saneamento, entretanto, poderá, como consequência natural e inexorável,modificar substancialmente o teor da decisão. Em algumas hipóteses de saneamento de contradição eomissão – muito mais frequente na segunda hipótese –, o provimento dos embargos de declaração,com o consequente saneamento do vício, poderá ensejar a modificação do conteúdo da decisãorecorrida. O efeito do provimento dos embargos de declaração será atípico, porque somente ele seafasta da estrutura básica desse recurso, mas tal atipicidade é uma decorrência lógica e natural dapossibilidade de enfrentamento de novas questões no recurso – no caso de omissão – ou da escolhaentre duas proposições inconciliáveis – no caso de contradição99.

Diferentes dos embargos de declaração com efeitos modificativos, os embargos de declaraçãocom efeitos infringentes são consideravelmente atípicos, não se limitando à atipicidade aos efeitosdo julgamento dos embargos de declaração. Nesse caso, já são atípicas as hipóteses de cabimento,que não guardam relação com o art. 535 do CPC, já que não se trata de defeitos formais da decisão,mas sim de decisões teratológicas geradas por vícios absurdos, referentes ao seu conteúdo ougerados pela falsa percepção da realidade pelo órgão prolator da decisão impugnada, tais como oerro manifesto de contagem de prazo, ausência de intimação de uma das partes, revelia decretada emrazão de a contestação estar perdida no cartório e não ter sido juntada aos autos etc. Prossegue aatipicidade no pedido do embargante, que não será caso de esclarecimento nem de integração, masde reforma ou anulação100. Naturalmente, diante dessas espécies de pedido, o provimento do recursogerará efeitos atípicos para os embargos de declaração, nos exatos limites do pedido formulado peloembargante101. Como se nota, a atipicidade é completa, restando dos embargos de declaraçãosomente o nome e o prazo.

Existindo previsão expressa da lei pela irrecorribilidade do acórdão proferido na ação direta deinconstitucionalidade, parece ser o mais adequado permitir, ainda que em situações excepcionais, aatribuição de efeitos infringentes aos embargos de declaração. Ainda que não se espere de acórdãosdo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal soluções teratológicas ou contaminadas por sériovício formal, não se deve descartar a possibilidade de tal ocorrência, sendo nesse caso melhoradmitir-se a alteração do conteúdo da decisão por meio de embargos de declaração do queconsolidar uma decisão absurda102. Não parece, entretanto, ser esse o entendimento do SupremoTribunal Federal, que já decidiu pela inadmissão dos embargos de declaração com efeitos

infringentes contra acórdão de ação direta de inconstitucionalidade103.No tocante à legitimidade para interposição dos embargos de declaração, aplica-se o art. 499 do

CPC, que elenca entre os legitimados as partes, o terceiro prejudicado e o Ministério Público. OMinistério Público participa do processo como fiscal da lei, sendo sua legitimidade para ainterposição dos embargos de declaração indiscutível. A legitimidade das partes e do terceiroprejudicado ensejam interessantes questionamentos.

Com relação à interpretação de parte, o Supremo Tribunal Federal vem consolidandoentendimento restritivo. A Suprema Corte já teve oportunidade de não admitir os embargos dedeclaração interpostos pelo Advogado-Geral da União, com o fundamento de que a União não é parteno processo104. Também já decidiu pela ausência de legitimidade do amicus curiae, consideradoauxiliar eventual do juízo, e não terceiro interveniente105.

Considero equivocados ambos os entendimentos; apesar de a União não ser realmente parte noprocesso, a tarefa do Advogado-Geral da União é defender a constitucionalidade da lei ou atonormativo atacado, sendo indispensável entender-se que essa defesa se estenda às vias recursaisprevistas em lei, no caso, os embargos de declaração. O amicus curiae não defende qualquerinteresse no processo, mas, sendo sua atuação voltada a melhorar a qualidade da decisão judicial,não vejo como inadmitir embargos de declaração por ele interpostos, justamente porque o objetivodesse recurso é a melhora formal da decisão impugnada. Apesar de atípico, entendo que o amicuscuriae é um terceiro interveniente, tornando-se parte no processo após sua admissão.

Também existe divergência doutrinária a respeito da legitimidade de terceiro prejudicado para ainterposição de embargos de declaração na ação direta de inconstitucionalidade. Parcela da doutrinaentende pela aplicação literal do art. 499 do CPC, inadmitindo o recurso de terceiro prejudicado, porentender que não existe interesse subjetivo na ação direta de inconstitucionalidade, de forma quenenhum terceiro poderá alegar que sofreu prejuízo direto com a decisão106. Para outra parceladoutrinária, deve ser dada outra interpretação ao dispositivo legal, de forma a admitir-se quecolegitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade tenham legitimidade para osembargos de declaração107.

Apesar de reconhecer os méritos dos fundamentos da segunda corrente doutrinária, entendo que orecurso de terceiro prejudicado está vedado pela Lei 9.868/1999, ao prever, em seu art. 7º, ainadmissão da intervenção de terceiro. Conforme ensina a melhor doutrina, o recurso de terceiroprejudicado é uma intervenção de terceiro em grau recursal108, de forma que a vedação legal nãodeixa espaço, salvo de lege ferenda, para a admissão dos embargos de declaração pelo terceiroprejudicado.

Por fim, cumpre lembrar que o art. 26 da Lei 9.868/1999 prevê que a decisão não poderá serdesconstituída após o trânsito em julgado por ação rescisória. Nesse caso, a expressa previsão legalresulta de opção de política legislativa, já que não haveria qualquer obstáculo jurídico à interposiçãode ação rescisória contra decisão de mérito transitada em julgado proferida em ação direta deinconstitucionalidade. Optou-se claramente pela segurança jurídica das decisões proferidas nessaespécie de ação, criando-se uma coisa julgada soberana com o mero advento do trânsito em julgado.

1.8. INTERVENÇÃO DE TERCEIROSNo art. 7º da Lei 9.868/1999 há previsão expressa de inadmissibilidade de intervenção de

terceiros no processo objetivo. Parece ser indiscutível o acerto da norma, quando se imaginaterceiros subjetivamente interessados no resultado do processo, considerando-se a natureza deprocesso objetivo da ação direta de inconstitucionalidade109. Mais interessante é a problemáticasurgida pela intervenção no processo de colegitimado ativo que não tenha sido responsável peloingresso da demanda, o que obviamente não desvirtuaria a natureza de processo objeto da ação diretade inconstitucionalidade, mas que, uma vez admitida, deve ser compatibilizada com o artigo legal oracomentado.

Somente para contribuir com o presente debate, é importante consignar que, em razão de vetopresidencial aos §§ 1º dos arts. 7º e 18 da Lei 9.868/1999, deixou de constar expressamente do textolegal a permissão de manifestação escrita dos colegitimados. Os fundamentos do veto presidencial(proteção ao princípio da celeridade e a existência da figura do amicus curiae), não se sustentam,porque a celeridade dificilmente seria prejudicada de forma considerável com a admissão dessaespécie de intervenção, enquanto a assistência litisconsorcial não se confunde com a intervenção doamicus curiae. De qualquer forma, é interessante notar que originariamente o texto legal era melhorque o atual.

Existe considerável corrente doutrinária que defende a admissibilidade da intervenção dessescolegitimados, afirmando que quem pode o mais pode o menos, ou seja, se podem propor a demanda,poderão nela intervir durante seu trâmite procedimental110. Interessante notar que essa correntedoutrinária expressamente excepciona a proibição legal ao defender a intervenção dessescolegitimados numa qualidade assemelhada a de assistente litisconsorcial. Sem ingressar no amplo einteressante debate a respeito da efetiva qualificação processual do assistente litisconsorcial111, háoutra alternativa para a admissão da intervenção sem a necessidade de afastamento da interpretaçãoliteral do art. 7º da Lei 9.868/1999.

Caso não se entenda a intervenção dos colegitimados como forma de intervenção de terceiro, mascomo formação de litisconsórcio ativo facultativo ulterior, concluir-se-ia pela admissão daintervenção e respeito à interpretação literal do art. 7º da Lei 9.868/1999112. Para se adotar talentendimento, entretanto, é preciso superar entendimento consagrado pelo Superior Tribunal deJustiça de que, ao menos em regra, o litisconsórcio facultativo ulterior não deve ser admitido, sobpena de violação do princípio do juiz natural113. Não é difícil notar-se a inaplicabilidade doentendimento para a ação direta de inconstitucionalidade, considerando-se que o único órgãocompetente para o julgamento dessa espécie de ação é o Supremo Tribunal Federal.

Interessante consignar que, para parcela da doutrina, o ingresso superveniente de colegitimado àpropositura da ação direta de inconstitucionalidade não se dá por meio de assistência litisconsorcialnem de litisconsórcio ulterior. Para essa parcela doutrinária o fundamento legal da admissão dessaintervenção é o art. 7, § 2º, da Lei 9.868/1999, de forma que o colegitimado será admitido comoamicus curiae114. Apesar de encontrar uma justificativa legal para o ingresso do colegitimado, nãopenso ser essa a melhor solução, em especial se considerarmos que o Supremo Tribunal Federalentende que o amicus curiae não é um terceiro interveniente, opinião que tem como consequênciamais relevante a ausência de legitimidade recursal. Como entendo que o colegitimado que ingressaposteriormente na ação passa a ser parte, inclusive com legitimidade recursal, a solução peloingresso como amicus curiae não se mostra a mais adequada.

Registre-se antiga decisão do Supremo Tribunal Federal na qual não se admite a formação ulterior

de litisconsórcio ativo porque o sujeito que pediu sua inclusão superveniente no polo ativo já estavaintegrado ao polo passivo da relação jurídica processual115. Naquela oportunidade, o SupremoTribunal Federal decidiu que é juridicamente impossível o ingresso de sujeito no processo emcondição subjetiva diversa daquela que já ostenta na relação jurídica processual, o que permite aconclusão de que, se não fosse essa a situação, o litisconsórcio ulterior seria normalmente admitido.Interessante notar que, mais tarde, o tribunal decidiu que aquele que figura no polo passivo da açãopoderá ingressar com outra ação direta de inconstitucionalidade, que inclusive será distribuída porprevenção em razão da primeira116.

1.9. AMICUS CURIAEApesar da expressa vedação legal às intervenções de terceiro, prevista no art. 7º, caput, da Lei

9.868/1999, o mesmo dispositivo legal, em seu § 2º, admite que o relator, considerando a relevânciada matéria e a representatividade dos postulantes, possa, por despacho irrecorrível, admitir amanifestação de outros órgãos ou entidades. Essa previsão é entendida como a admissão deintervenção do amicus curiae.

A origem da figura do amicus curiae vem do direito romano, sendo que, no direito norte-americano, deu-se seu maior desenvolvimento, com fundamento na intervenção de um terceirodesinteressado em processo em trâmite com o objetivo de contribuir com o juízo na formação de seuconvencimento. Em tese, seus conhecimentos a respeito da matéria tratada na ação justificam aintervenção, sempre com o propósito de melhorar a qualidade da prestação da tutela jurisdicional.

Apesar da origem do instituto estar atrelada a ideia de “amigo da corte” (friend of court ouFreund des Gerichts), é preciso reconhecer que demandar um total desinteresse do amicus curiaeseria o suficiente para aniquilar completamente essa forma de participação na ação direta deinconstitucionalidade. É preciso reconhecer que o amicus curiae contribui com a qualidade dadecisão dando sua versão a respeito da matéria discutida, de forma que ao menos o interesse para asolução da demanda no sentido de sua manifestação sempre existirá. Ainda que tenha muito acontribuir em razão de seu notório conhecimento a respeito da matéria, não é comum que asmanifestações do amicus curiae sejam absolutamente neutras.

Por outro lado, demonstra-se a existência de um interesse institucional por parte do amicus curiae,que, apesar da proximidade com o interesse público, com esse não se confunde. O interesseinstitucional é voltado à melhor solução possível do processo por meio do maior conhecimento damatéria e dos reflexos no plano prático da decisão117. Esse verdadeiro interesse jurídico, diferentedo interesse jurídico do assistente, porque não diz respeito a qualquer interesse subjetivo, éjustamente o que legitima a participação do amicus curiae no processo.

Essa constatação, entretanto, não é o suficiente para entender a intervenção do amicus curiae comoassistência, porque não há interesse jurídico por parte deste na solução da demanda; tampoucoequipará-lo com a atípica intervenção prevista pelo art. 5º da Lei 9.469/1997, fundada em merointeresse econômico. O interesse institucional que motiva a intervenção do amicus curiae não seconfunde com interesse próprio, de natureza jurídica ou econômica, daí serem inconfundíveis asdiferentes formas de intervenções ora analisadas.

O Capítulo VI do Título II do Livro I do Código de Processo Civil tem como título “Daintervenção de terceiros”, compreendendo a oposição, nomeação à autoria, denunciação da lide e

chamamento ao processo (arts. 56 a 80 do CPC). Apesar de estar em capítulo distinto, é unânime adoutrina em apontar também a assistência (Capítulo V, arts. 50 a 55 do CPC) como forma deintervenção de terceiro118. Essas cinco espécies de intervenção são consideradas as intervenções deterceiros típicas de nosso ordenamento processual.

Ocorre, entretanto, que nem todas as intervenções encontram sua justificação nessas cincomodalidades típicas de intervenção de terceiro, o que demonstra que o rol legal é meramenteexemplificativo. Previsões legais esparsas que permitem a intervenção de um terceiro em processo jáem andamento e que não são tipificáveis em nenhuma dessas cinco modalidades constituem aschamadas intervenções de terceiros atípicas. A definição dessa espécie de intervenção dependerá daamplitude que se pretenda dar à atipicidade, não existindo unanimidade na doutrina a respeito dequais efetivamente sejam essas intervenções atípicas.

No tratamento específico do terceiro ora tratado, existe corrente doutrinária que entende serinconfundível a figura do amicus curiae e as intervenções de terceiro, devendo ser o primeiroconsiderado um mero auxiliar do juízo, em figura muito mais próxima do perito do que de umterceiro interveniente119. Para outros, apesar das especificidades, trata-se de um terceirointerveniente atípico, admitido no processo como parte não para defender interesse próprio oualheio, mas para contribuir com a qualidade da prestação jurisdicional120.

Conforme já afirmado, tudo dependerá da elasticidade que se pretenda atribuir ao termo “atípico”,mas, em meu entendimento, a existência do interesse institucional que justifica a participação doamicus curiae o diferencia de forma substancial do mero auxiliar do juízo, tal qual o perito, ointérprete ou o tradutor. Ainda que substancialmente diferente dos terceiros intervenientestradicionais, prefiro o entendimento de que a intervenção ora analisada é uma espécie diferenciadade intervenção de terceiro, tendo como principal consequência a atribuição da natureza jurídica departe após sua admissão no processo.

São dois os requisitos para o ingresso do amicus curiae previstos pelo art. 7º, § 2º, da Lei9.868/99: relevância da matéria e a representatividade do sujeito que pretende intervir. Trata-se derequisitos cumulativos, devendo ambos ser preenchidos para a admissão do pedido do postulante.

Existe entendimento doutrinário que afirma que todas as matérias versadas em sede de ações decontrole concentrado de inconstitucionalidade são relevantes, de forma que, com a mera existênciada demanda judicial, a matéria nela veiculada, ipso facto, passa a ser relevante121. O entendimento,apesar de interessante, tornaria letra morta o dispositivo constitucional, afastando o preenchimentocasuístico desse requisito no caso concreto.

Apesar de reconhecer a relevância das matérias tratadas pelas ações de controle concentrado deconstitucionalidade, a fim de atribuir alguma função ao requisito legal, é preferível o entendimentode que a relevância da matéria prevista pelo dispositivo legal significa complexidade fática quelegitime a atuação do amicus curiae. Nos casos em que o relator entender que as meras alegações doautor e dos demais sujeitos processuais já são suficientes ao necessário esclarecimento das questõespara um julgamento de qualidade, deverá indeferir a intervenção do amicus curiae.

Como já verificado, para parcela da doutrina, os colegitimados serão sempre admitidos comoamicus curiae, com o que não concordo, porque, em meu entendimento, esses sujeitos sãolitisconsortes ulteriores. De qualquer forma, é interessante a utilização dos critérios exigidos peloSupremo Tribunal Federal para legitimar os sujeitos previstos pelo art. 103 da CF à propositura da

ação para definir-se a representatividade dos terceiros que postulam o ingresso no processo comoamicus curiae. A pertinência temática, já analisada, pode servir de norte na aferição darepresentatividade exigida em lei, ao menos para pessoas jurídicas.

A melhor doutrina entende corretamente que o amicus curiae pode ser tanto uma pessoa jurídica,tal como uma associação civil, um instituto, um órgão etc., como uma pessoa natural, tal como umprofessor de direito, cientista, médico etc. Exige-se nesse caso a existência de um interesseinstitucional na causa, não sendo suficientes interesses meramente corporativos, que digam respeitosomente ao terceiro que pretende ingressar na ação122. Por interesse institucional, entende-se apossibilidade concreta do terceiro em contribuir com a qualidade da decisão a ser proferida,considerando-se sua grande experiência na área a qual a matéria discutida pertence. A pessoajurídica deve ter credibilidade e tradição de atuação a respeito da matéria que se discute, enquantoda pessoa natural se espera reconhecido conhecimento técnico sobre o tema. Ainda que sejamconceitos indeterminados, dependentes de grande dose de subjetivismo, são requisitos que semostram importantes para evitar a admissão de terceiros sem efetivas condições de contribuir com aqualidade da prestação jurisdicional.

Segundo o art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/1999, o despacho do relator a respeito da admissibilidade deterceiro intervir no processo como amicus curiae é irrecorrível. É evidente que houve um equívocodo legislador ao prever ser o pronunciamento do relator nesse caso um despacho, diante de seu nítidoconteúdo decisório. A questão que deve ser enfrentada é se essa decisão interlocutória, proferidapelo relator, realmente é irrecorrível.

Há doutrinadores que defendem que a irrecorribilidade atinge qualquer decisão do relator arespeito do pedido, tanto a de deferimento, quanto a de indeferimento, afirmando que, nesse caso, nãohaverá ofensa ao duplo grau de jurisdição123. Não parece realmente ser a posição mais correta,considerando-se que o dispositivo legal ora comentado faz expressa menção somente a decisão queadmitir a intervenção, de forma que da decisão que nega essa intervenção caberá agravo interno parao órgão colegiado124. Infelizmente, entretanto, o Supremo Tribunal Federal recentemente tem seposicionado pela irrecorribilidade de qualquer decisão a respeito da intervenção do terceiro comoamicus curiae, inclusive de indeferimento125, ainda que entenda admissível serem levadas emconsideração no julgamento da causa as razões deduzidas pelo terceiro excluído126.

O momento de intervenção também não é pacífico, entendendo-se que existe preclusão temporalpara o ingresso de terceiro como amicus curiae, existindo, entretanto, divergência quanto a esseúltimo momento de admissão. Para parcela da doutrina, deve-se admitir a intervenção até o início dojulgamento da ação, entendendo-se que os atos admitidos ao amicus curiae após esse momentoprocedimental, tais como apresentação de memoriais e sustentação oral, limitam-se àqueles sujeitosque já tiverem sido admitidos no processo127.

Existe entendimento doutrinário mais liberal, admitindo a intervenção do amicus curiae a qualquermomento do procedimento, inclusive após a remessa dos autos à mesa para julgamento. Nesse caso,encerrada a fase escrita de instrução do processo, admitir-se-ia a intervenção do terceiro por meiode sustentação oral.

O Supremo Tribunal Federal, após adotar uma visão mais restritiva, pacificou o entendimento deque o momento limite para a admissão do amicus curiae é a data da remessa dos autos à mesa parajulgamento, considerando-se que, nesse momento, o relator já firmou sua convicção e dificilmente

mudará sua opinião em razão dos argumentos do amicus curiae, que dessa forma pouco seriamaproveitados. O entendimento também se funda no risco de um número elevado de terceirospretender ingressar no processo, com indesejado tumulto procedimental, além de permitir, comintervenções tardias, que o amicus curiae se torne o regente do processo128.

Particularmente, não concordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, sendo nomínimo inapropriado o fundamento de que o relator já tem sua convicção firmada e que, em razãodisso, será inútil a participação do amicus curiae. Parece um entendimento no mínimo fantasiosoimaginar que o Ministro seja infalível, e que nada do que seja levado ao seu conhecimento possa lheter passado despercebido. Se assim fosse, a intervenção do amicus curiae seria injustificável emqualquer hipótese. Prefiro posições minoritárias expostas na decisão mencionada, pela qual algunsministros reconhecem a possibilidade da vinda de novos elementos de convicção, o que ensejaria aorelator um novo pedido de conclusão dos autos para melhor analisar a questão.

Admite-se que o amicus curiae faça manifestações por escrito e sustentação oral, participandoefetivamente da formação do convencimento do tribunal no julgamento da ação direta deinconstitucionalidade. Já consignei meu entendimento de que o amicus curiae é um terceirointerveniente atípico e, sendo assim, deve ser considerado como parte no processo, de forma que sualegitimidade recursal é inegável. Não é esse, entretanto, o entendimento consagrado pelo SupremoTribunal Federal, que inadmite o recurso interposto por amicus curiae com a alegação de tratar-sede mero colaborador informal do juízo, e não de terceiro interveniente129.

Interessante consignar entendimento de doutrinador especialista no tema, Cassio ScarpinellaBueno, que, mesmo considerando o amicus curiae um mero auxiliar do juízo, defende sualegitimidade recursal. Aproximando a participação do amicus curiae do custos legis, por umaaplicação extensiva do art. 499, § 2º, do CPC, admite a legitimidade recursal do amicus curiaequando sua atuação se assemelhar ao de um fiscal da lei, incumbência atualmente dada de formaexpressa por nossa legislação ao Ministério Público. E, mesmo nos casos em que essa proximidadenão seja tão evidente, valendo-se da existência de um interesse institucional por parte do terceiro,sustenta que o amicus curiae pode ser entendido como espécie de terceiro prejudicado para fins delegitimidade recursal130.

1.10. COISA JULGADA MATERIAL

1.10.1. Limites objetivos da coisa julgada

1.10.1.1. Considerações geraisÉ lição tradicional do processo subjetivo que somente o dispositivo da sentença de mérito torna-se

imutável e indiscutível, admitindo-se que os fundamentos da decisão possam voltar a ser discutidosem outro processo, inclusive com a adoção pelo juiz de posicionamento contrário ao que restouconsignado em demanda anterior131. É natural que essa rediscussão dos fundamentos da decisão sejaadmitida somente se não colocar em perigo o previsto no dispositivo da decisão protegida pela coisajulgada material. Afirma-se corretamente que a coisa julgada material não se importa comcontradições lógicas entre duas decisões de mérito, buscando tão somente evitar as contradiçõespráticas que seriam geradas no caso de dois dispositivos em sentido contrário. A missão de evitar ascontradições lógicas – mesmos fatos e fundamentos jurídicos considerados de maneira diferente em

distintas decisões judiciais – é destinada a outros institutos processuais, tais como aprejudicialidade, conexão, continência, litisconsórcio, intervenções de terceiro e tutela coletiva.

O art. 469 do CPC, com desnecessárias repetições, confirma que somente o dispositivo torna-seimutável e indiscutível em razão da coisa julgada material, prevendo que não fazem coisa julgada:

(I) os motivos, ainda que importantes;(II) a verdade dos fatos;(III) a decisão da questão prejudicial resolvida incidentalmente no processo.

Na realidade, os motivos, a verdade dos fatos e a decisão incidental da questão prejudicial fazemparte da fundamentação da sentença, e por isso não produzem coisa julgada material132. Não seprecisaria de tanto para dizer tão pouco; bastaria ao artigo apontar sem rodeios que somente odispositivo da sentença faz coisa julgada material.

Registre-se a existência da imutabilidade dos fundamentos da decisão no fenômeno previsto peloart. 55 do CPC, conhecido como “eficácia da intervenção”. Caso o assistente tenha participadoativamente do processo, torna-se para ele imutável a justiça da decisão, ou seja, não poderá em outrademanda voltar a discutir os fundamentos de fato e de direito da sentença. O efeito da intervenção,entretanto, não se confunde com a coisa julgada material.

1.10.1.2. Considerações específicasCumpre lembrar a tese defendida por renomados constitucionalistas de que, no processo objetivo,

por meio do qual se faz o controle concentrado de constitucionalidade, os motivos determinantes dadecisão também se tornam imutáveis e indiscutíveis, vinculando juízes em outras demandas a essaespécie de fundamentação133. Fala-se, nesse caso, de transcendência dos motivos determinantes ou deefeito transcendente de motivos determinantes, afirmando-se que, no controle concentrado, o efeitovinculante não se limita ao dispositivo, atingindo também os fundamentos principais da decisão. OSupremo Tribunal Federal vinha aplicando a tese ora analisada134, mas atualmente tornou-serefratária a sua adoção135, inclusive rejeitando reclamações constitucionais que tenham por objeto leimunicipal ainda não declarada inconstitucional pelo tribunal em controle concentrado136.

É importante consignar que tal teoria não diz respeito exclusivamente aos limites objetivos dacoisa julgada, mas sim à eficácia vinculante da decisão. No processo subjetivo, somente odispositivo torna-se imutável e indiscutível, sendo que apenas essa parte da decisão vincula outrosjuízes em razão das funções positiva e negativa da coisa julgada material. Ao afirmar-se que afundamentação não está protegida pela coisa julgada, a doutrina pretende dizer que os fundamentosda decisão não vinculam outros juízes que tenham que resolver as mesmas questões fáticas e/oujurídicas.

Como se pode notar, é tradicional e arraigada na doutrina processual a ligação entre a coisajulgada e o efeito vinculante da decisão, de forma que, a partir do momento que se constrói uma novatese, que pretende ampliar o âmbito de vinculação da decisão, para não só atingir o dispositivo, mastambém a fundamentação, é natural que se imagine a ampliação também dos limites objetivos dacoisa julgada material. Como o Supremo Tribunal Federal tem recentemente entendido que as razõesdo decidir devem ser respeitadas por outros juízes, em outros processos, infere-se que exista umaampliação dos limites objetivos da coisa julgada.

1.10.2. Eficácia vinculante das decisões

1.10.2.1. IntroduçãoSegundo o art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868/1999, a declaração de constitucionalidade ou

inconstitucionalidade tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do PoderJudiciário e à Administração Pública. Parece haver, na doutrina, certa confusão entre a coisa julgadamaterial, mais precisamente a função positiva da coisa julgada material, e os efeitos vinculantes docontrole concentrado de constitucionalidade, o que exige uma análise, ainda que prévia, das funçõesnegativa e positiva da coisa julgada.

1.10.2.2. Função negativa da coisa julgadaA imutabilidade gerada pela coisa julgada material impede que a mesma causa seja novamente

enfrentada judicialmente em novo processo. Por mesma causa, entende-se a repetição da mesmademanda, ou seja, um novo processo com as mesmas partes (ainda que em polos invertidos), mesmacausa de pedir (próxima e remota) e mesmo pedido (imediato e mediato) de um processo anteriorque já foi decidido por sentença de mérito transitada em julgado, tendo sido gerada coisa julgadamaterial. O julgamento, no mérito desse segundo processo, seria um atentado à economia processual,bem como fonte de perigo à harmonização dos julgados. Na realidade, mesmo que a segunda decisãoseja no mesmo sentido da primeira, nada justifica que a demanda prossiga, sendo o efeito negativo dacoisa julgada o impedimento de novo julgamento de mérito, independentemente do seu teor.

Importante salientar que, nessa análise entre diferentes processos, deve-se considerar a parte nosentido material, e não no sentido processual, de forma que, havendo substituição processual emhipótese de legitimação extraordinária concorrente, a propositura de novo processo com a mesmaparte contrária, mesma causa de pedir e mesmo pedido, ainda que com outra parte processualdefendendo o mesmo direito já defendido anteriormente, não afasta o efeito negativo da coisajulgada137. No caso de ações de controle concentrado de constitucionalidade propostas peloProcurador-Geral da República e pela Ordem dos Advogados do Brasil, serão considerados doisprocessos com a mesma ação, e o julgamento de mérito transitado em julgado de qualquer um dessesprocessos impedirá um novo julgamento de mérito no outro.

Interessante notar que, na hipótese de controle concentrado, a natureza dúplice das ações cujoprocedimento está previsto pela Lei 9.686/1999 permite a conclusão de existir uma identidade depedidos nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade.Ainda que tecnicamente o pedido seja num ou noutro sentido, é inegável que a possibilidade abertaao tribunal na análise da questão constitucional habilita o órgão jurisdicional a decidir a respeito daconstitucionalidade, em sentido positivo ou negativo.

Havendo a modificação de qualquer um desses elementos da demanda, ainda que parcialmente(por exemplo, novos fatos jurídicos com a manutenção da mesma fundamentação jurídica), afasta-sequalquer impedimento ao novo julgamento, considerando-se tratar de nova demanda, ainda queconsideravelmente parecida com aquela que já foi julgada e cuja decisão está protegida pela coisajulgada material138. Esse impedimento de novo julgamento exige que a causa seja exatamente amesma, sendo entendimento pacífico na doutrina que a função negativa só é gerada quando aplicávelao caso concreto a teoria da tríplice identidade (tria eadem)139.

É natural que, no caso específico do controle concentrado de constitucionalidade, a funçãonegativa da coisa julgada material tenha pouca relevância, considerando o número limitado delegitimados ativos e a publicidade dada às decisões do Supremo Tribunal Federal nessa espécie deprocesso.

O que interessa notar na função negativa da coisa julgada é a necessidade de identidade doselementos da ação, de forma que a vinculação gerada nesse caso limita-se ao próprio SupremoTribunal Federal, que, diante de repetida ação direta de inconstitucionalidade/declaratória deconstitucionalidade, estará vinculado à decisão anterior, devendo extinguir a ação repetida sem aresolução do mérito, nos termos do art. 267, V, do CPC.

1.10.2.3. Função positiva da coisa julgadaPor outro lado, é importante consignar que a imutabilidade da coisa julgada não se exaure em sua

função negativa, compreendendo também uma função positiva, que, diferentemente da primeira, nãoimpede o juiz de julgar o mérito da segunda demanda, apenas o vincula ao que já foi decidido emdemanda anterior com decisão protegida pela coisa julgada material140.

Como se nota com facilidade, a geração da função positiva da coisa julgada não ocorre narepetição de demandas em diferentes processos – campo para a aplicação da função negativa dacoisa julgada –, mas em demandas diferentes, nas quais, entretanto, existe uma mesma relaçãojurídica que já foi decidida no primeiro processo e, em razão disso, está protegida pela coisajulgada. Em vez da teoria da tríplice identidade, aplica-se a teoria da identidade da relação jurídica.

Na função positiva da coisa julgada, portanto, inexiste obstáculo ao julgamento de mérito dosegundo processo, mas, nesse julgamento, o juiz estará vinculado obrigatoriamente em suafundamentação ao já resolvido em processo anterior e protegido pela coisa julgada material.Reconhecida como existente uma relação jurídica (por exemplo, a paternidade) e sendo talreconhecimento imutável em razão da coisa julgada, surgindo discussão incidental a respeito dessarelação jurídica em outra demanda (por exemplo, em pedido de alimentos), o juiz estará obrigado atambém reconhecê-la como existente, em respeito à coisa julgada141.

Como o controle de constitucionalidade pode ser feito incidentalmente em qualquer processo, porqualquer órgão jurisdicional, entendo que a função positiva da coisa julgada vincula todos os juízesque tenham que enfrentar incidentalmente a constitucionalidade de uma norma legal já declaradainconstitucional/constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado deconstitucionalidade. Nesse caso, a vinculação da decisão atinge a todo e qualquer órgãojurisdicional, que estará obrigado a respeitar a declaração do Supremo Tribunal Federal nafundamentação dos processos subjetivos nos quais a constitucionalidade mostrar-se como matériaincidental142.

O que se pretende afirmar com essa breve exposição a respeito das diferentes funções da coisajulgada material é que toda e qualquer coisa julgada tem eficácia vinculante, mas, em especial, notocante à função positiva da coisa julgada, nota-se que essa eficácia vinculante se associa aodispositivo da decisão transitada em julgado, sendo justamente a conclusão decisória a parte dadecisão determinante para vincular os demais juízes que tenham que enfrentar questão jurídica jádecidida e protegida pela coisa julgada material.

1.10.2.4. ConclusãoDiante dessa constatação, não parece que o previsto no art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868/1999

diga respeito à vinculação ao dispositivo da decisão que declara ainconstitucionalidade/constitucionalidade, porque, nesse caso, a norma legal seria simplesmenteinútil, considerando-se que pela função positiva da coisa julgada (aplicação da teoria da identidadeda relação jurídica) já se teria tal efeito. Da mesma forma que um juiz é obrigado a respeitar adeclaração de que o réu não é pai numa ação de pedido de alimentos, julgando dessa forma o pedidoimprocedente, também será obrigado a aceitar a inconstitucionalidade/constitucionalidade declaradaem sede concentrada sempre que essa questão jurídica tiver que ser decidida de forma incidental.

Ainda que criticada pela moderna doutrina civilista, a se valer a tradicional regra de hermenêuticajurídica que afirma não existir palavras inúteis na lei, quiçá uma norma inteira. Essa é a razãoestritamente processual pela qual vejo com simpatia a teoria da transcendência dos motivosdeterminantes, tese defendida por diversos constitucionalistas que já trataram do tema, existindoinclusive decisões no Supremo Tribunal Federal aplicando-a concretamente.

Mas não existe somente uma razão processual para a adoção da tese ora analisada, havendo,segundo manifestação do Ministro Celso de Mello:

… um dado de insuperável relevo político-jurídico, consistente na necessidade de preservar-se, em sua integralidade, a forçanormativa da Constituição, que resulta de indiscutível supremacia, formal e material, de que se revestem as normas constitucionais,cuja integridade, eficácia e aplicabilidade, por isso mesmo, hão de ser valorizadas, em face de sua precedência, autoridade e grauhierárquico143.

A tese fundamentalmente exige dos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Públicarespeito aos fundamentos principais existentes nas ações de controle concentrado deconstitucionalidade, que gerariam uma eficácia vinculante às razões de decidir expostas peloTribunal Superior. Naturalmente essa tese não se presta à vinculação do órgão jurisdicional emações diretas repetidas ou em ações nas quais a questão da constitucionalidade precisa ser decididaincidentalmente, porque, nesse caso, basta respectivamente a vinculação da função negativa epositiva da coisa julgada material. Diante do exposto, questiona-se: qual seria a função de criar umefeito vinculante dos motivos determinantes da decisão de controle concentrado deconstitucionalidade?

Como a aplicação da teoria ora analisada, o efeito vinculante aplicar-se-á às ações nas quais sediscuta de forma incidental normas legais similares àquela já declaradainconstitucional/constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, declarada inconstitucional leimunicipal que institui taxa de iluminação pública, determina alíquota progressiva de IPTU ou aindainstitui taxa de coleta e limpeza pública, sempre que outra lei municipal de igual ou parecido teor fordiscutida em sede incidental, os juízes estarão obrigados a decidir por sua inconstitucionalidade,considerando-se que estão vinculados aos fundamentos da declaração concentrada deinconstitucionalidade realizada pelo Supremo Tribunal Federal.

A teoria da transcendência dos motivos determinantes foi adotada pelo Supremo Tribunal Federaldurante certo período de tempo144, mas atualmente o entendimento do tribunal se modificou145, deforma que a teoria subsiste apenas no ambiente doutrinário, sem encontrar aplicação na praxeforense. Como consequência prática da inadmissão da teoria ora analisada pelo Supremo TribunalFederal encontra-se o não cabimento da reclamação constitucional contra decisão que apenas

contrariar fundamentos no controle de constitucionalidade sem agredir o dispositivo da decisão146.

1.10.3. Limites subjetivos da coisa julgadaSegundo previsto no art. 472 do CPC, a coisa julgada vincula somente as partes, não atingindo os

terceiros, que não serão beneficiados ou prejudicados. Trata-se da eficácia inter partes da coisajulgada, regra no sistema processual, ao menos no tocante à tutela individual. A par das discussõesdoutrinárias a respeito do conceito de parte, entende-se que a coisa julgada vincula o autor, réu eterceiros intervenientes, à exceção do assistente simples, que suporta a eficácia da intervençãoprevista pelo art. 55 do CPC.

A eficácia inter partes justifica-se em razão dos princípios da ampla defesa e do contraditório,não sendo plausível que a sentença de mérito torne-se imutável e indiscutível para sujeito que nãoparticipou do processo. Essa justificativa só tem algum sentido quanto aos terceiros interessados(que têm interesse jurídico na causa), porque, no tocante aos terceiros desinteressados (não mantêmnenhuma relação jurídica interdependente com a relação jurídica objeto da demanda), númeroinfinito de pessoas, faltará interesse processual para discutir a decisão transitada em julgado, deforma que a sua imutabilidade torna-se uma consequência natural da impossibilidade processual demodificar a decisão147.

A doutrina acertadamente ensina que todos os sujeitos – partes, terceiros interessados e terceirosdesinteressados – suportam naturalmente os efeitos da decisão, mas a coisa julgada os atinge deforma diferente. As partes estão vinculadas à coisa julgada, os terceiros interessados sofrem osefeitos jurídicos da decisão, enquanto os terceiros desinteressados sofrem os efeitos naturais dasentença, sendo que nenhuma espécie de terceiro suporta a coisa julgada material148.

Mesmo no sistema da coisa julgada inter partes, existem duas exceções, de forma que ossucessores e os substituídos processuais, ainda que não participem do processo como partes,suportam os efeitos da coisa julgada. São titulares do direito e dessa forma não haveria sentido quenão suportassem os efeitos da coisa julgada material.

Os sucessores assumem os direitos e obrigações do sucedido, transmitindo-se também a esses aimutabilidade decorrente da coisa julgada. Registre-se que, havendo sucessão do direito durante oprocesso judicial, impõe-se como pressuposto da extensão da coisa julgada ao sucessor a informaçãoda existência da demanda judicial149. A regra se aplica na hipótese de alienação de coisa litigiosa, naqual o adquirente deve ter ciência dessa situação da coisa para suportar a vinculação à decisão emprocesso do qual não participou.

Os substituídos são representados na demanda por sujeito que a lei ou o sistema consideram aptosà defesa do direito em juízo, sendo que nessa excepcional hipótese admite-se que a coisa julgadaatinja titulares do direito que não participaram como parte no processo150. Registre-se modernaposição doutrinária no sentido de excluir a coisa julgada a terceiro que não tenha tido oportunidadede participar da demanda na qual seu direito material foi decidido. Essa corrente doutrinária entendeque, não tendo oportunidade de participar do processo, o substituído processual não poderia suportara coisa julgada material em respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório151.

Na tutela coletiva, não se repete a regra da coisa julgada inter partes presente no Código deProcesso Civil. O tema é versado no art. 103 do CDC e varia conforme a espécie de direito coletivoque compõe o objeto do processo. Nos direitos difusos, a coisa julgada se opera erga omnes

(perante toda a coletividade), em razão da indeterminação e indeterminabilidade dos titulares dodireito (inciso I). Nos direitos coletivos, a coisa julgada é formada ultra partes (atinge pessoas quenão participam do processo como partes), alcançando somente os sujeitos que compõem um grupo,classe ou categoria de pessoas (inciso II). Nos direitos individuais homogêneos, a coisa julgada éformada ultra partes, porque só atinge os titulares do direito individual cujo somatório forma osdireitos individuais homogêneos. Apesar disso, o art. 103, III, do CDC prevê que a coisa julgadanesse caso se opera erga omnes, o que parece equivocado, mas não gera consequências jurídicas,considerando que os sujeitos que não são titulares do direito individual homogêneo são terceirosdesinteressados, que, além de não suportarem a coisa julgada, não têm legitimidade para discuti-la eafastá-la em juízo.

Como já foi anteriormente afirmado, o processo objetivo é espécie especial de processo coletivo,tendo como objetivo a defesa do direto difuso da coletividade a um sistema constitucionalmentecoeso. Parece não existir maiores questionamentos a respeito da eficácia erga omnes da declaraçãode constitucionalidade/inconstitucionalidade da norma objeto de decisão no controle concentrado deconstitucionalidade. Todos serão afetados, porque a coletividade, titular do direito difuso decididono processo, será afetada e estará vinculada à coisa julgada dessa decisão, o que naturalmentevinculará todos os membros dessa coletividade.

1.10.4. Coisa julgada pro et contraNo sistema tradicional da coisa julgada material, ela se opera com a simples resolução de mérito,

independentemente de qual seja o resultado no caso concreto (pro et contra). Dessa forma, éirrelevante saber se o pedido do autor foi acolhido ou rejeitado, se houve sentença homologatória ouse o juiz reconheceu a prescrição ou decadência; sendo sentença prevista no art. 269 do CPC, fazcoisa julgada material.

Mas existe outro sistema possível, que, ao menos na tutela individual, é extremamente excepcional:a coisa julgada secundum eventum litis. Por meio desse sistema, nem toda sentença de mérito fazcoisa julgada material, tudo dependendo do resultado concreto da sentença definitiva transitada emjulgado. Por vontade do legislador, é possível que o sistema crie exceções pontuais à relaçãosentença de mérito com cognição exauriente e a coisa julgada material.

Poderia o sistema passar a prever que toda sentença de mérito fundada em prescrição não farácoisa julgada em ações nas quais figure como parte um idoso, ou ainda que a sentença que homologatransação não fará coisa julgada material quando o acordo tiver como objeto direito real. Apesar daóbvia irrazoabilidade dos exemplos fornecidos, eles servem para deixar claro que afastar a coisajulgada material de sentença de mérito, que em regra se tornaria imutável e indiscutível com otrânsito em julgado, em fenômeno conhecido como coisa julgada secundum eventum litis, é fruto deuma opção político-legislativa.

Na tutela individual, a técnica da coisa julgada secundum eventum litis é consideravelmenteexcepcional, mas aparentemente foi aplicada no art. 274 do CC, que trata dos limites subjetivos dacoisa julgada nas demandas que têm como objeto dívida solidária. Segundo o art. 274 do CC,interposta demanda por um ou alguns dos credores solidários em litisconsórcio, sendo julgadoprocedente o pedido e condenado o réu ao pagamento, o julgamento aproveita a todos os demaiscredores solidários, mesmo que não tenham participado do processo. Significa dizer que todos estão

legitimados a executar a sentença condenatória e que poderão alegar a exceção de coisa julgadamaterial como matéria de defesa em ação declaratória de inexigibilidade de débito promovida pelodevedor. No caso de julgamento de improcedência, a coisa julgada material só vincula o credor oucredores que tenham ingressado com a demanda, ou seja, os credores solidários que foram parte.Para parcela doutrinária, trata-se da técnica da coisa julgada secundum eventum litis, ou seja, avinculação à coisa julgada material dos credores solidários que não propuseram a demanda judicialdependerá de seu resultado152.

É na tutela coletiva que a coisa julgada secundum eventum litis passa a ter posição de destaque.Segundo previsão do art. 103, § 1º, do CDC, os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II

do mesmo dispositivo legal não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes dacoletividade, do grupo, classe ou categoria, em regra também aplicáveis ao inciso III153. Significadizer que, decorrendo de uma mesma situação fática jurídica consequências no plano do direitocoletivo e individual e sendo julgado improcedente o pedido formulado em demanda coletiva,independentemente da fundamentação, os indivíduos não estarão vinculados a esse resultado,podendo ingressar livremente com suas ações individuais. A única sentença que os vincula é a deprocedência, porque essa naturalmente os beneficia, permitindo que o indivíduo se valha dessasentença coletiva, liquidando-a no foro de seu domicílio e posteriormente executando-a, o que odispensará do processo de conhecimento. A doutrina fala em coisa julgada secundum eventum litisin utilibus, porque somente a decisão que seja útil ao indivíduo será capaz de vinculá-lo a sua coisajulgada material154.

Uma empresa petrolífera causa um grande vazamento de óleo numa determinada baía, o quenaturalmente agride o meio ambiente saudável, mas também prejudica os pescadores do local, quetêm danos individuais por não mais poderem exercer seu ofício. Havendo uma ação coletiva fundadano direito difuso a um meio ambiente equilibrado e sendo essa ação julgada improcedente, ospescadores poderão ingressar e vencer ações individuais de indenização contra a empresapetrolífera. Por outro lado, com a sentença de procedência, os pescadores poderão se valer dessetítulo executivo judicial, liquidando seus danos individuais e executando o valor do prejuízo.

Como se pode notar, dificilmente as lições ora transcritas poderão ser aplicadas no processoobjetivo, considerando-se que a declaração de inconstitucionalidade/constitucionalidade comoobjeto principal do processo não pode ser pretendida por indivíduos, a quem falta legitimidade paratal pedido. Mas há outro sentido possível para a aplicação da coisa julgada secundum eventum litisno processo objetivo: a possibilidade de se afastar a coisa julgada material do julgamento deimprocedência da ação direta de inconstitucionalidade, o que permitiria a repropositura de uma novaação direta de controle.

Segundo parcela da doutrina:… a declaração de inconstitucionalidade opera efeito sobre a própria lei ou ato normativo, que já não mais poderá ser validamenteaplicada. Mas, no caso de improcedência do pedido, nada ocorre com a lei em si. As situações, portanto, são diversas ecomportam tratamento diverso. Parece totalmente inapropriado que se impeça o Supremo Tribunal Federal de reapreciar aconstitucionalidade ou não de uma lei anteriormente considerada válida, à vista de novos argumentos, de novos fatos, de mudançasformais ou informais no sentido da Constituição ou de transformações na realidade que modifiquem o impacto ou a percepção dalei155.

A adoção do entendimento de que não existe coisa julgada material no julgamento deimprocedência na ação direta de inconstitucionalidade necessariamente vincula o intérprete a

defender que a decisão de procedência na ação declaratória de constitucionalidade também não fazcoisa julgada material. Dessa forma, toda vez que o Supremo Tribunal Federal declarar aconstitucionalidade de uma norma em controle concentrado, não haveria coisa julgada material.

Não parece ser esse o melhor entendimento, porque a cognição realizada pelo tribunal narealização do controle concentrado é rigorosamente a mesma quando da declaração deinconstitucionalidade ou de constitucionalidade, não havendo sentido em afirmar-se existente a coisajulgada material somente na hipótese de inconstitucionalidade. Não entendo sadio ao sistema afastara segurança jurídica típica da coisa julgada das decisões de constitucionalidade de normas feitasabstratamente pelo Supremo Tribunal Federal; ainda mais com as previsões constantes nos arts. 475-L, II, § 1º, e 741, II, parágrafo único, ambos do CPC.

Ressalte-se, entretanto, que eventuais alterações fático-jurídicas poderão ensejar um novo controleconcentrado de constitucionalidade da norma já declarada constitucional, mas isso porque o autor daação direta fundamentará sua pretensão em nova causa de pedir, o que já é o suficiente para admitir-se o afastamento da função negativa da coisa julgada material. Apesar de a doutrina admitir a tese decausa de pedir aberta nas ações de controle direto de constitucionalidade, é importante registrar quecausa de pedir não alegada e não enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal não fica acobertada pelaeficácia preclusiva da coisa julgada (art. 474 do CPC), o que permite sua discussão originária emnova ação direta. Esse entendimento é minoritário no Supremo Tribunal Federal, mas lá mesmoencontra adeptos, como os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto156.

Para parcela da doutrina, trata-se de decisão submetida à cláusula rebus sic stantibus, admitindo-se nova análise, desde que alteradas as circunstâncias de fato e de direto157. Seria algo similar ao queocorre com a coisa julgada material nas relações jurídicas continuativas. O art. 471, I, do CPC prevêa possibilidade de pedido de revisão do instituído na sentença na hipótese de modificaçãosuperveniente no estado de fato ou de direito, sempre que a sentença resolver relação jurídicacontinuativa. Dessa forma, legitima-se a modificação do conteúdo de sentenças tais como as quedecidem as demandas de alimentos ou revisionais de aluguel, mesmo que ocorrido seu trânsito emjulgado.

Na compreensão dessa norma legal, existe parcela doutrinária que defende a existência de umacoisa julgada material especial, gerada por uma sentença de mérito que contém implicitamente acláusula rebus sic stantibus, ou seja, a imutabilidade da decisão estaria condicionada à manutençãoda situação de fato e de direito158.

Considero que a posição doutrinária examinada não é correta, sendo preferível outroentendimento, atualmente majoritário, que defende a existência de coisa julgada material nassentenças que resolvem relação jurídica continuativa como em qualquer outra sentença de mérito.Essa corrente doutrinária aponta que a decisão é imutável e indiscutível, e a possibilidade de suarevisão, condicionada à modificação do estado de fato ou de direito, é permitida tão somente emrazão da modificação da causa de pedir, de forma a afastar a tríplice identidade, indispensável paraa aplicação da função negativa da coisa julgada material159. Assim, da mesma forma que a sentençada ação de alimentos ou da ação revisional de aluguel só pode ser modificada quando existir umanova causa de pedir (novos fatos ou novo direito) que legitime tal modificação, isso ocorre tambémcom a decisão que declara a constitucionalidade de norma em controle concentrado deconstitucionalidade.

1.11. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE E RELATIVIZAÇÃO DA COISAJULGADA MATERIAL

Teoricamente, a eficácia erga omnes e vinculante da declaração de inconstitucionalidade nãoatingiria as situações já consolidadas jurisdicionalmente em razão da coisa julgada material. Arealidade atual, entretanto, contraria essa afirmação em ao menos duas hipóteses.

Segundo posição pacífica da doutrina e jurisprudência, não é qualquer violação da lei que admiteo ingresso da ação rescisória nos termos do art. 485, V, do CPC, exigindo-se que, no momento deaplicação da lei por meio da decisão judicial, não exista interpretação controvertida nos tribunais.Há inclusive súmula nesse sentido160. Significa dizer que, se havia polêmica à época da prolação dadecisão, não será possível a desconstituição, ainda que, à época da ação rescisória, o entendimentotenha se pacificado em torno da tese defendida pelo autor dessa ação. Note-se que a divergênciadeve ser real, ou seja, que efetivamente haja quantidade significativa de decisões fundadas emdiferentes interpretações.

Esse entendimento, entretanto, é afastando por posição jurisprudencial na hipótese de declaraçãode inconstitucionalidade de lei. Nesse caso, mesmo que à época da prolação da decisão houvessedivergência interpretativa a respeito da constitucionalidade, admite-se o ingresso de ação rescisóriase posteriormente a lei que fundamentou a decisão foi declarada inconstitucional pelo SupremoTribunal Federal161. Ainda que seja o entendimento positivo, devendo inclusive ser aplicado quandoda pacificação de questões federais no Superior Tribunal de Justiça, não se pode deixar dereconhecer sua atipicidade atual, que cria interessante vinculação de situação já resolvida comdecisão transitada em julgado aos efeitos vinculantes da declaração do Supremo Tribunal Federalsobre a constitucionalidade de ato normativo.

De qualquer forma, tudo indica que a pacificação jurisprudencial a respeito de matériaconstitucional levada a cabo pelo Supremo Tribunal Federal que permite o ingresso de açãorescisória não seja realizada, obrigatoriamente, em controle concentrado. Basta, para tanto,reiteradas decisões em controle difuso, embora a declaração concentrada de inconstitucionalidade,ainda com maior razão, seja representativa de solução da divergência jurisprudencial. O que se podediscutir nesse caso, entretanto, é o interesse de agir na ação rescisória, quando o legislador prevêoutra forma de desconstituição da coisa julgada material, sem os extensos requisitos formais queacompanham a ação rescisória.

O art. 741, parágrafo único, e o art. 475-L, § 1º, ambos do CPC, trazem consigo a previsão dematérias que podem ser alegadas em sede de defesa típica do executado (embargos e impugnação) eque afastam a imutabilidade da coisa julgada material. De idêntica redação, os dispositivos legaispermitem ao executado a alegação de inexigibilidade do título com o fundamento de que a sentençaque se executa (justamente o título executivo judicial) é fundada em lei ou ato normativo declaradosinconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Ainda que a sentença já tenha transitado emjulgado, ou seja, mesmo durante a sua execução definitiva, o executado ainda conseguirá se livrar daexecução, afastando a imutabilidade da sentença, característica típica da coisa julgada.

A declaração de inconstitucionalidade realizada pelo Supremo Tribunal Federal pode ocorrer,segundo os dispositivos legais ora apresentados, por três diferentes maneiras:

(a) redução de texto, quando a lei é declarada inconstitucional para todos os fins e desaparece

do ordenamento jurídico;(b) aplicação da norma à situação considerada inconstitucional, quando ela será válida para

certas situações e inválida para outras;(c) interpretação conforme a Constituição, quando, havendo mais de uma interpretação possível,

somente uma delas for considerada constitucional.

Existe doutrina que defende a inconstitucionalidade dos dispositivos ora comentados, com oargumento de que a coisa julgada é uma indispensável garantia fundamental, prestando-se a dotar osistema da segurança jurídica indispensável à prestação da tutela jurisdicional162. A possibilidade derevisão da coisa julgada material em razão de posterior inconstitucionalidade declarada peloSupremo Tribunal Federal criaria instabilidade insuportável ao sistema, afastando a promessaconstitucional de inafastabilidade da tutela jurisdicional, considerando-se que tutela jurisdicionalnão definitiva é o mesmo que sua ausência163.

O tema não é pacífico, considerando parcela da doutrina que os dispositivos legais sãoconstitucionais, ainda que indesejáveis. Sendo tarefa das normas infraconstitucionais oestabelecimento de quando e como haverá coisa julgada, também serão essas espécies de normas quedeterminarão as hipóteses excepcionais de seu desaparecimento, indicando as razões e a formaprocedimental para que isso ocorra no caso concreto164. Em virtude do histórico do surgimento dessaregra em nosso direito processual, dificilmente o Supremo Tribunal Federal a consideraráinconstitucional, ainda que exista ação direta de inconstitucionalidade contra o art. 741, parágrafoúnico, do CPC, pendente de julgamento165.

No tocante à regra em si, parcela da doutrina entende que a literalidade do dispositivo legal nãodeixa dúvidas a respeito de ser fenômeno processual que atua no plano da eficácia, de modo que oacolhimento dos embargos ou da impugnação desfaz a eficácia da coisa julgada retroativamente,afastando o efeito executivo da sentença condenatória166. Tornando a sentença ineficaz, seu principalefeito, a sanção executiva, desaparece, não se admitindo a execução do título. Há opiniões emsentido contrário que apontam para o plano da validade, afirmando que o acolhimento dos embargosou impugnação quando alegada a matéria prevista nos arts. 741, parágrafo único, e 475-L, § 1º,ambos do CPC, gera a desconstituição da sentença167. Prefiro o segundo entendimento,considerando-se que a inexigibilidade do título refere-se à obrigação pendente de termo ou condição,o que naturalmente não é o caso. A alegação de inconstitucionalidade da norma em que se fundou asentença é forma de impugnação do conteúdo da decisão, referindo-se ao seu mérito, e não aaspectos formais do título executivo.

A literalidade do dispositivo legal não permite espaço para o entendimento de que ainconstitucionalidade seja declarada pelo juízo da própria execução, no julgamento dos embargos ouimpugnação168, sendo indispensável uma manifestação expressa do Supremo Tribunal Federal.Havendo a declaração concentrada da inconstitucionalidade em julgamento de ação declaratória deconstitucionalidade ou inconstitucionalidade, não há dúvida na doutrina a respeito aplicação dosdispositivos legais. A divergência encontra-se no controle difuso da constitucionalidade; enquantodoutrinadores entendem que a mera declaração incidental já é o suficiente169, outros exigem adeclaração concentrada, ou ainda a declaração incidental seguida de resolução do Senado Federalsuspendendo a lei ou ato normativo, nos termos do art. 52, X, da CF170.

Parece ser o segundo entendimento superior, considerando-se que na declaração incidental de

inconstitucionalidade realizada pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que se tenha eficácia ex tunc,inclusive atingindo decisões já transitadas em julgado, os efeitos da decisão são gerados interpartes, não prejudicando nem beneficiando terceiros. A utilização de julgado do Supremo TribunalFederal pelo executado em benefício próprio exige que a declaração tenha efeito erga omnes,exatamente como ocorre na declaração concentrada e na resolução de suspensão da norma realizadapelo Senado Federal.

Registre-se que a discussão só tem algum sentido para aqueles que rejeitam a tese deabstrativização do controle difuso de constitucionalidade, porque, ao adotar essa tese,independentemente da espécie de declaração de inconstitucionalidade, estar-se-ia diante de decisãocom eficácia erga omnes. Para os defensores desse entendimento, o art. 52, X, da CF teria sofridouma autêntica mutação constitucional (reforma da Constituição Federal sem expressa modificação dotexto), passando o Senado Federal a ter uma atividade meramente voltada a dar publicidade àsdecisões incidentais de inconstitucionalidade proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, de formaque a mera prolação de tal decisão já seria o suficiente para a geração de eficácia erga omnes,independentemente da conduta a ser adotada pelo Senado Federal171. Para o que interessa à presenteexposição, adotando-se a tese da abstrativização do controle concentrado de constitucionalidade,qualquer declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal poderá ser utilizadapelo executado em seus embargos ou impugnação.

Destaque-se, por fim, que a forma processual dos embargos e da impugnação para a alegação damatéria ora discutida é simplesmente uma opção dada à parte para a sua alegação, sendo admissíveistambém a ação rescisória e a ação declaratória autônoma com a mesma finalidade. A ação autônoma,inclusive, poderá ser proposta até mesmo após o encerramento da execução, com a satisfação doexequente. Nesse caso, além do pedido de declaração de inconstitucionalidade da sentença queserviu de título executivo à execução, o autor poderá requerer a condenação do réu ao recebimentodo valor obtido na execução, em típico pedido de repetição do indébito172.

Por fim, cabe ainda mais uma observação no tocante à eficácia da declaração deinconstitucionalidade da lei ou ato normativo. A alegação da matéria prevista nos dispositivos legaisora analisados dependerá fundamentalmente da eficácia da decisão proferida pelo Supremo TribunalFederal, somente podendo ser alegada quando a sentença impugnada tiver sido proferida emmomento no qual o tribunal entenda que a norma era inconstitucional. A observação é necessária emrazão da previsão do art. 27 da Lei 9.868/1999, que permite ao Supremo Tribunal Federal fixar aeficácia da decisão concentrada de inconstitucionalidade, tendo em vista razões de segurançajurídica ou de excepcional interesse social. Registre-se o entendimento do Superior Tribunal deJustiça de que o art. 741, parágrafo único, do CPC só se aplica à sentença transitada em julgado apósa sua vigência173.

Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual, n. 1.7.2, p. 26-27.Arruda Alvim, Manual, p. 254; NERY Jr., Intervenção, p. 11.Silva-Gomes, Teoria, p. 78-79.Para Marcelo Novelino (Direito, n. 13.2, p. 259), não existem partes formais no processo objetivo.Dinamarco, Procedimentos, p. 395-396; Tesheiner, Jurisdição, p. 48-49.Leonardo Greco, Jurisdição, p. 38-39.Luís Roberto Barroso, O controle, p. 150-151.Luís Roberto Barroso, O controle, p. 149-150; Dirley da Cunha Jr., Controle, p. 181-182; STF, Rcl 383/SP, Tribunal Pleno, rel. Min.

Moreira Alves, j. 11/06/1992.Bermudes, Introdução, p. 85; Galeno Lacerda, Teoria, p. 59.Teori Albino Zavascki, Processo, n. 11.4, p. 264; Didier Jr.-Braga-Oliveira. Aspectos, p. 363.Dirley da Cunha Jr. Controle, p. 174.Mendes-Coelho-Branco, Curso, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 1.049.Nery Jr.-Nery, Código, p. 178; Barbosa Moreira, Notas, p. 33.Nery Jr.-Nery, Código, p. 178.Barroso, O controle, p. 153.STF, Tribunal Pleno, ADI 2.618 AgR-AgR/PR, rel. Min. Carlos Velloso, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 12/08/2004.Expondo a carência superveniente como regra: Theodoro Jr., Curso, n. 320, p. 356; Nery Jr.-Nery, Código, p. 503; Yarshell, Ação, n. 41,p. 133.STF, Tribunal Pleno, ADI 127 MC-QO/AL, rel. Min. Celso de Mello, j. 20/11/1989.Barroso, O controle, p. 153-154.Barroso, O controle, p. 157; Mendes-Coelho-Branco, Curso, p. 1050.Informativo 361 do STF: ADIN nº 3.153 AgR/DF, rel. Min. Celso de Melo, rel. p/ acórdão Min. Sepúlveda Pertence, j. 12/08/2004.Mendes-Coelho-Branco, Curso, p. 1.052; STF, ADI 912/RS, Tribunal Pleno, rel. Min. Néri da Silveira, j. 04/08/1993.STF, Tribunal Pleno, ADI 3.906 AgR/DF, rel. Min. Menezes Direito, j. 07/08/2008; Rcl 5.914 AgR/BA, Tribunal Pleno, rel. Min. RicardoLewandowski, j. 25/06/2008.Didier Jr.-Braga-Oliveira, Aspectos, p. 371.Barroso, O controle, p. 159; Mendes-Coelho-Branco, Curso, p. 1.054.STF, Tribunal Pleno, ADI 2.551 MC-QQ/MG, rel. Min. Celso de Mello, j. 02/04/2003; ADI 2.831 MC-RJ, rel. Min. Maurício Correa, j.11/03/2004.Mendes-Coelho-Branco, Curso, p. 1068; Guilherme Peña de Moraes, Curso, p. 210.STF, Tribunal Pleno, ADI 2.213 MC/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. 04/04/2002, DJ 23/04/2004, p. 7.STF, Tribunal Pleno, ADI 28 QO/SP, rel. Min. Octávio Gallotti, j. 19/09/1991, DJ 25/10/1991, p. 15.027.STF, Tribunal Pleno, ADI 1.058 MC/DF, rel. Min. Moreira Alves, j. 01/08/1994, DJ 19/12/1994, p. 35.181.Nery Jr.-Nery, Código, p. 669; Costa Machado, Código, p. 468; Arruda Alvim, Manual, n. 301, p. 554.Theodoro Jr., Curso, n. 493-b, p. 574; Arruda Alvim, Manual, n. 301, p. 554; Dinamarco, Instituições, n. 940, p. 274.Marcelo Novelino, Direito, n. 11.6.4.2.1, p. 237-238.STF, Tribunal Pleno, rel. Min. Ellen Gracie, j. 31/05/2006, DJ 01/09/2006, p. 16.Informativo 523/STF: Tribunal Pleno, ADI 2.791 ED/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, rel. p/ acórdão Min. Menezes Direito, j. 22/04/2009.Informativo 190/STF: Tribunal Pleno, ADI QO 2.187/BA, rel. Min. Octávio Gallotti, j. 24/05/2000.STJ, 4ª Turma, REsp 795.862/PB, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 17/10/2006; Theodoro Jr., Curso, n. 459, p. 518; Luiz Fux, Curso, p. 712.Guilherme Peña de Moraes, Curso, p. 210.STF, Tribunal Pleno, ADI 1.125 MC/DF, rel. Min. Carlos Velloso, j. 01/02/1995, DJ 31/03/1995, p. 7.773.STF, Tribunal Pleno, ADI 4.048 MC/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14/05/2008, DJE 157.Didier Jr.-Braga-Oliveira, Aspectos, p. 379.Nery Jr.-Nery, Código, p. 551.STJ, 1ª Turma, REsp 812.323/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16/09/2008.STF, Tribunal Pleno, ADI 1.949 MC/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 18/11/1999, DJ 25/11/2005, p. 5; Informativo 193/STF: TribunalPleno, ADI 2.187/BA, rel. Min. Octávio Gallotti, j. 15/06/2000.STJ, 3ª Turma, REsp 871.661/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17/05/2007.STJ, 3ª Turma, REsp 871.661/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17/05/2007.Dinamarco, Instituições, n. 1.026, p. 401; Nery Jr.-Nery, Código, p. 685; Greco Filho, Direito processual, p. 116.Barbosa Moreira, Algumas, p. 324.Mendes-Coelho-Branco, Curso, p. 1069.Mendes-Coelho-Branco, Curso, p. 1071-1072.STF, Tribunal Pleno, ADI 3.259/PA, rel. Min. Eros Grau, j. 16/11/2005, DJ 24/02/2006, p. 5;ADI 2.687/PA, rel. Min. Nelson Jobim, j. 20/03/2003, DJ 06/06/2003, p. 30.STF, Tribunal Pleno, ADI 3.522/RS, rel. Min. Marco Aurélio, j. 24/11/2005, DJ 12/05/2006, p. 4. Na doutrina: Marcelo Novelino, Direito, n.13.7, p. 270.Didier Jr.-Braga-Oliveira, Aspectos, p. 383.Contra: Marcelo Novelino, Direito, n. 13.6, p. 270.Luis Roberto Barroso, O controle, p. 161; Guilherme Peña de Moraes, Curso, p. 195.STF, Tribunal Pleno, ADI 3.259/PA, rel. Min. Eros Grau, j. 16/11/2005, DJ 24/02/2006, p. 5.

STF, Decisão monocrática, ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 31/07/2008, DJE 151, 13/08/2008; Decisão monocrática, ADI3.510/DF, rel. Min. Carlos Britto, j. 16/03/2007, DJ 30/03/2007, p. 98.Guilherme Peña de Moraes, Curso, p. 213.Daniel Neves, Manual, n. 50.2.1.4, p. 1.022-1.023.Theodoro Jr., O processo, p. 89; Dinamarco, A Reforma, p. 140-141; Batista Lopes, Tutela, p. 40-41; Fidélis dos Santos, Novíssimos, p.25; Araken de Assis, Antecipação, p. 15-19; Nery Jr.-Nery, Código, p. 524.Teori Albino Zavascki, Processo, n. 11.6, p. 268; Didier Jr.-Braga-Oliveira, Aspectos, p. 405; Guilherme Peña de Moraes, Curso, p. 214-215.STF, Tribunal Pleno, ADI 3.937 MC/SP, rel. Min. Marco Aurélio, j. 04/06/2008, DJE 192, 09/10/2008; ADI 2.527 MC/DF, rel. Min. EllenGracie, j. 16/08/2007, DJE 147, 22/11/2007.STF, Tribunal Pleno, ADI 4.062 MC/SC, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 04/06/2008, DJE 112, 19/06/2008; ADI 3.923 MC/MA, rel. Min.Eros Grau, j. 16/08/2007, DJE 26, 14/02/2008.STF, Tribunal Pleno, ADI 2.487 MC/SC, rel. Min. Moreira Alves, j. 13/03/2002, DJ 01/08/2003, p. 101.STF, Tribunal Pleno, ADI 2.135 MC/DF, rel. Min. Néri da Silveira, rel. p/ acórdão Min. Ellen Gracie, j. 02/08/2007, DJE 41, 06/03/2007.Em modificação de entendimento, o STF passou a admitir a sustentação oral do amicus curiae: Informativo 331/STF: Tribunal Pleno, ADI2777, rel. Min. Cezar Peluso, j. 26/09/2003. Na doutrina, consultar Cassio Scarpinella Bueno, Amicus, p. 169-170.STF, Tribunal Pleno, ADI 3.626 MC/MA, rel. Min. Marco Aurélio, j. 03/05/2007, DJE 82, 16/08/2007.Teori Albino Zavascki, Processo, n. 11.7, p. 269-270.STF, Tribunal Pleno, Rcl 2.256/RN, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11/09/2003, DJ 30/04/2004, p. 34.Teori Albino Zavascki, Processo, n. 11.7, p. 269-270.Teori Albino Zavascki, Processo, n. 11.7, p. 270.STF: Tribunal Pleno, Rcl 3.424 AgR/SP, rel. Min. Carlos Britto, j. 11/10/2007, DJE 142, 31/07/2008.STF: Decisão monocrática, Rcl 3.309 MC/ES, rel. Min. Celso de Mello, j. 01/07/2005, DJ 04/08/2005, p. 45.STF: Tribunal Pleno, ADI 2.105 MC/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. 23/03/2000, DJ 28/04/2000, p. 71.Didier Jr.-Braga-Oliveira, Aspectos, p. 409.STF, Tribunal Pleno, ADI 526/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 12/12/1991, DJ 05/03/1993, p. 2.896.Mendes-Coelho-Branco, Curso, p. 1.074.Instituições, p. 503.Do Rito, p. 60.Cfr. Procedimento, p. 176.Cfr. Comentários, p. 414; Joel Dias Figueira Júnior (O Novo Procedimento Sumário, p. 206) afirma que a ação dúplice é “concebidacomo sendo aquela em que ambos os litigantes figuram concomitantemente no polo ativo e passivo da demanda, em face da articulaçãode pretensões antagônicas.”Cfr. Procedimento, p. 93. O autor dá como exemplo a ação declaratória de inexistência de união estável, entendendo que todas as açõesdeclaratórias são dúplices, incluindo também as ações possessórias, com o que não concordamos.Cfr. Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários, p. 416.STF, 2ª Turma, RE 696.321 AgR/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 28/08/2012, DJe 21/09/2012.STF, Tribunal Pleno, ADI 4.029/AM, rel. Min. Luiz Fux, j. 08/03/2012, DJe 27/06/2012.Mendes-Coelho-Branco, Curso, n. 7.5.1, p. 1.205.STF, Tribunal Pleno, ADI 2.797 ED/DF, rel. Min. Menezes Direito, rel. p/ acórdão Min. Ayres Britto, j. 16/05/2012, DJe 28/02/2013.STF, Tribunal Pleno, ADI 2.797 ED/DF, rel. Min. Menezes Direito, rel. p/ acórdão Min. Ayres Britto, j. 16/05/2012, DJe 28/02/2013.STF, Tribunal Pleno, RE 197.917/SP, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 06/06/2002, DJ 07/05/2004, p. 8.STF, Tribunal Pleno, SS-AgR-ED 3.039/SP, rel. Min. Ellen Gracie, j. 11/10/2007, DJ 14/11/2007; STJ, EDcl no EREsp 288.118/DF, CorteEspecial, rel. Francisco Peçanha Martins, j. 17/11/2004, DJ 17/12/2004.Bermudes, Efeito, p. 70-71.Barbosa Moreira, Comentários, nota 26, p. 553; Didier Jr.-Cunha, Curso, v. 3, p. 149.Bermudes, Efeito, p. 72.Araken de Assis, Manual, nota 70, p. 625-626; Dinamarco, Os embargos, p. 189-190.Para Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery (Código, nota 9 ao art. 535, p. 908), é proibido tal pedido, entendendo como efeitoinfringente aquilo que se explicou no tópico anterior como efeito modificativo. Também Pimentel Souza (Introdução, 16.7, p. 477) eAlexandre Freitas Câmara (Lições, p. 108) não veem distinção entre efeito modificativo e efeito infringente.Dinamarco, Os embargos, p. 190-191.Nelson Nery Jr., “Recursos na ação direta de inconstitucionalidade”, in Aspectos, p. 507-508; Fredie Didier Jr., Recurso, 2.2.8.3, p. 81.STF, Tribunal Pleno, ADI 2.713, rel. Min. Ellen Gracie, j. 05/02/2004, DJ 07/05/2004, p. 7.Informativo 228/STF: Tribunal Pleno, ADI 2.323, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 16/05/2001.

Informativo 499/STF: Tribunal Pleno, ADI 3.615, rel. Min. Carmen Lucia, j. 17/03/2008.Nelson Nery Jr., “Recursos na ação direta de inconstitucionalidade”, p. 497.Fredie Didier Jr., Recurso, 2.2.8.4, p. 82.Nelson Nery Jr., Teoria, n. 3.4.1.2, p. 310; Cassio Scarpinella Bueno, Curso, p. 43.STF, Tribunal Pleno, ADI 2.994/BA, rel. Min. Ellen Gracie, j. 31/05/2006; DJ 04/08/2006, p. 25; Dirley da Cunha Jr., “A intervenção deterceiros no processo de controle abstrato de constitucionalidade – a intervenção do particular, do colegitimado e do amicus curiae naADIN, ADC e ADPF”, in: Aspectos, p. 150-153.Fredie Didier Jr., Recurso, n. 2.2.8.2, PP. 74-75; Dirley da Cunha Jr., “A intervenção de terceiros”, p. 153-154.Daniel Neves, Manual, n. 6.2.3.1, p. 184-185.Entendendo ser caso de litisconsórcio ulterior: Guilherme Peña de Moraes, Curso, n. 4.10.2.2, p. 204.Informativo STJ/279, REsp 769.884-RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 28/03/2006.Cassio Scarpinella Bueno, Amicus, p. 144; Gustavo Santana Nogueira, Curso, p. 230; Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá, Breves, p. 74-76.STF, Tribunal Pleno, ADI 807 QO/RS, rel. Min. Celso de Mello, j. 27/05/1993, DJ 11/06/1993, p. 11.529.STF, Tribunal Pleno, ADI 807 QO-QO/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 06/11/2003, DJ 13/02/2004, p. 10.Cassio Scarpinella Bueno, Amicus, p. 500-511; Luís Roberto Barroso (O controle, p. 177) fala em “legítimo interesse no resultado daação”. Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá (“Breves considerações sobre o amicus curiae na Adin e sua legitimidade recursal”, p. 64)chama de “interesse público de controle”. Dirley da Cunha Jr. (A intervenção , p. 157) fala em “interesse objetivo relativamente àquestão jurídico-constitucional em discussão”.Dinamarco, Instituições, n. 588, p. 372.Fredie Didier Jr., Recurso, n. 2.2.8.2, p. 77-78; Marcelo Novelino, Direito, n. 13.8, p. 272. Pela exclusão do rol de intervenções deterceiro, mesmo atípicas: Guilherme Peña de Moraes, Curso, p. 206-207.Gustavo Santana Nogueira, Curso, p. 231-232; Antonio do Passo Cabral, “Pelas asas de Hermes: a intervenção do amicus curiae, umterceiro especial”, p. 16-17.Cassio Scarpinella Bueno, Amicus, p. 140.Cassio Scarpinella Bueno, Amicus, p. 147.Nelson Nery Jr., “Recursos na ação direta”, p. 506.Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá, “Breves considerações sobre o amicus curiae na ADIN e sua legitimidade recursal”, in: Aspectos, p.72-73; Cassio Scarpinella Bueno, Amicus, p. 171.STF, Decisão monocrática: ADI 3.346 AgR-ED/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 28/04/2009, DJE 86, 11/05/2009; ADI 3.931/DF, rel. Min.Cármen Lúcia, j. 28/10/2008, DJE 212, 07/11/2008.STF, Decisão monocrática: ADI 1.625/UF, rel. Min. Maurício Corrêa, decisão proferida pelo Min. Cezar Peluso, j. 28/10/2008, DJE 211,06/11/2008; ADI 2.791 ED/PR, rel. Gilmar Mendes, j. 01/02/2008, DJE 22, 08/02/2008.Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá, “Breves considerações sobre o amicus curiae na ADIN e sua legitimidade recursal”, in: Aspectos, p.70.Informativo 543: Tribunal Pleno, ADI 4.071 AgR/DF, rel. Min. Menezes de Direito, j. 22/04/2009.Informativo 452/STF: Tribunal Pleno, ADI 2.591 ED/DF, rel. Min. Eros Grau, j. 14/12/2006.Cassio Scarpinella Bueno, Amicus, p. 565-569.Nery Jr.-Nery, Código, p. 701; Theodoro Jr., Curso, n. 513, p. 607.Barbosa Moreira, Os limites, p. 92.Luis Roberto Barroso, O controle, p. 184.STF, Rcl. 2.986 MC/SE, decisão monocrática, Min. Celso de Mello, j. 11/03/2005, DJ 18/03/2005, p. 87; Rcl. 2.363/PA, Tribunal Pleno, rel.Min. Gilmar Mendes, j. 23/10/2003.STF, Tribunal Pleno, Rcl 3.294 AgR/RN, rel. Min. Dias Toffoli, j. 03/11/2011, DJe 29/11/2011; STF, Tribunal Pleno, Rcl 9.778 AgR/RJ,rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 26/10/2011, DJe 11/11/2011; STF, Tribunal Pleno, Rcl 3.014/SP, rel. Min. Ayres Britto, j. 10/03/2010,DJe 21/05/2010.STF, 1ª Turma, Rcl 11.478 AgR/CE, rel. Min. Marco Aurélio, j. 05/06/2012, DJe 21/06/2012.Teresa Wambier, Litispendência, p. 264; Aluísio Mendes, Ações Coletivas, 19.2, p. 260.Nery Jr.-Nery, Código, p. 683.Botelho de Mesquita, A coisa, p. 78; Dinamarco, Instituições, n. 962, p. 316; STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 680.956/RJ, rel. Min. LauritaVaz, j. 28/10/2008; REsp 730.696/RS, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 24/10/2006. Parcialmente contra: Greco Filho, Direito, n. 57.6, p.286-289.Talamini, Coisa, n. 2.6, p. 130; Didier Jr.-Braga-Oliveira, Curso, p. 568.Marinoni-Arenhart, Manual, n. 5.2, p. 634; Botelho de Mesquita, A coisa, p. 67.Ainda que sem menção específica à função positiva da coisa julgada: Alexandre Freitas Câmara, “A coisa julgada do controle direto deconstitucionalidade”, in: Escritos, p. 29.

Rcl. 2.986 MC/SE, j. 11/03/2005, DJ 18/03/2005, p. 87.STF, Rcl-AgR 4.448/RS, Tribunal Pleno, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25.06.2008, DJe 07.08.2008; Rcl-AgR 5.389/PA, 1ª Turma,rel. Min. Cármen Lúcia, j. 20/11/2007, DJ 18/12/2007, p. 165.STF, Tribunal Pleno, Rcl 11.479 AgR/CE, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 19/12/2012, DJe 25/02/2013.STF, 1ª Turma, Rcl 11.478 AgR/CE, rel. Min. Marco Aurélio, j. 05/06/2012, DJe 21/06/2012.Dinamarco, Instituições, n. 963, p. 317-318.Marinoni-Arenhart, Manual, n. 5.3, p. 638-639.Cruz e Tucci, Limites, n. 24.1.3, p. 221.Nery Jr.-Nery, Código, p. 707; Dinamarco, Instituições, n. 965, p. 321-322; Tesheiner, Eficácia, n. 3.3.1.2, p. 83; Greco Filho, Direito, n.57.4, p. 282.Cruz e Tucci, Limites, n. 24.2.3, p. 232.Barbosa Moreira, Solidariedade ativa: efeitos da sentença e coisa julgada na ação de cobrança proposta por um único credor, Revista doadvogado, AASP, n. 84, 2005. Contra: Cruz e Tucci, Limites, n. 24.6.2, p. 278.Marinoni-Arenhart, Manual, p. 747; Theodoro Jr., Curso, n. 1.688, p. 547.Gidi, Rumo, p. 289-290.Cfr. Luís Roberto Barroso, O controle, p. 188-189.STF, RE 372.535 AgR-ED/SP, Primeira Turma, rel. Min. Carlos Britto, j. 09/10/2007, DJE 65, 11/04/2008.Didier Jr.-Braga-Oliveira, Aspectos processuais, p. 415.Nery Jr.-Nery, Código, p. 704; Theodoro Jr., Curso, n. 520, p. 619-620.Tesheiner, Eficácia, n. 3.5.1, p. 163-168; Barbosa Moreira, Eficácia, p. 111; Araken de Assis, Breve, p. 247-249; Talamini, Coisa, p. 90-91; Didier Jr.-Braga-Oliveira, Curso, p. 576-578.Súmula STF/343. Em sentido crítico: Marinoni-Arenhart, Curso, p. 651.Câmara, Ação, p. 88-89; Pimentel, Introdução, n. 18.3.6, p. 495-496; Didier Jr.-Cunha, Curso, p. 381. Na jurisprudência: Informativo414/STJ: Corte Especial, EREsp 687.903-RS, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 04/11/2009; STJ, 1ª Seção, EREsp 608.122/RJ, rel. Min. TeoriAlbino Zavascki, j. 09/05/2007, DJ 28/05/2007. Informativo 497/STF, Plenário, RE 328.812 ED/AM, rel. Gilmar Mendes, j. 06/03/2008.Greco, Eficácia, p. 224.Marinoni-Arenhart, Manual, n. 7.2, p. 664.Araken de Assis, Eficácia, p. 46; Zavascki, Inexigibilidade, p. 331; Talamini, Embargos, p. 125.STF, Tribunal Pleno, ADI 2.418-3, rel. Min. Cezar Peluso.Greco, Eficácia, p. 45.Talamini, Embargos, p. 124-125; Lucon, Coisa, p. 302; STJ, 5.ª Turma, REsp 795.710/RS, rel. Min. Felix Fischer, j. 06/06/2006.Nesse sentido, de forma equivocada, as lições de Theodoro Jr.-Cordeiro, O tormentoso, p. 174.Zavascki, Inexigibilidade, p. 337; Lucon, Efeitos, p. 303. STJ, 1.ª Turma, REsp 825.858/MG, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j.04/05/2006.Araken de Assis, Eficácia, p. 48-49; Marinoni-Arenhart, Manual, n. 7.4, p. 672; Talamini, Embargos, p. 123.Mendes, Direitos, p. 280. Contra: Assagra, Manual, p. 690-691.Araken de Assis, Eficácia, p. 49-50.Informativo 387/STJ, 2.ª T., rel. Eliana Calmon, REsp 1.049.702-RS, j. 17/03/2009.

2.1. INTRODUÇÃONos termos do art. 103, § 2º, da CF, é cabível ação direta de inconstitucionalidade por omissão,

admitindo-se que o Supremo Tribunal Federal, ao declarar a inconstitucionalidade por omissão demedida para tornar efetiva norma constitucional, dê ciência ao Poder competente para a adoção dasprovidências necessárias e, tratando-se de órgão administrativo, para fazê-lo em 30 dias.

O legislador constitucional de 1988 se preocupou com a omissão como conduta passível deinviabilizar o exercício de direitos e garantias constitucionais de duas formas distintas. O mandadode injunção, ação tratada no Capítulo 5, permite em concreto a tutela diante de ausência de normaregulamentadora, mediante pedido a ser formulado pelo sujeito que tem direito constitucionalparalisado em razão de indevida omissão. Por outro lado, permitiu que a tutela diante de omissão sedesse abstratamente, mediante pedido dos legitimados pelo art. 103 da CF, em nítida ampliação doobjeto do processo objetivo.

Como se pode notar, o art. 103, § 2º, da CF não criou uma nova ação de controle concentrado deconstitucionalidade, simplesmente admitindo-se na ação direta de inconstitucionalidade a tutela emrazão da omissão normativa do Poder Público. A conclusão é reforçada pela Lei 9.868/1999, queoriginariamente não disciplinava de forma específica essa espécie de declaração deinconstitucionalidade. Essa realidade foi modificada pela Lei 12.063/2009, que, ao incluir umCapítulo II-A na Lei 9.868/1999 fez com que essa lei passasse a tratar expressamente da ação diretade inconstitucionalidade por omissão.

Ainda que seja importante a previsão expressa de tutela, é relevante salientar que mesmo antes daLei 12.063/2009 era possível o ingresso da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, sendoaplicadas por analogia as regras procedimentais já existentes para a ação direta deinconstitucionalidade por ação. De qualquer forma, a expressa previsão em lei valoriza a espécie deação constitucional ora analisada.

2.2. CABIMENTOSendo condição para o pedido de inconstitucionalidade nos termos ora analisados a existência de

uma omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, é imprescindível se determinar quala circunstância fático-jurídica que admite a ação direta de inconstitucionalidade por omissão.Segundo a melhor doutrina, a omissão inconstitucional pode se dar no âmbito dos três Poderes, tendonatureza normativa, político-administrativa e judicial, mas somente no primeiro caso caberá a açãodireta de inconstitucionalidade, já que, no tocante às omissões de natureza político-administrativa,

existem remédios jurídicos, tais como o mandado de segurança e a ação civil pública, enquanto, paraas omissões judiciais, há os recursos174.

Apesar de concordar com a limitação proposta às omissões passíveis de controle pela ação oraanalisada, é preciso apontar a imprecisão da lição doutrinária no tocante ao seu controle. Narealidade, nem sempre as omissões se resolverão por meio de um recurso judicial, sendo necessária,a depender do caso concreto, a utilização de sucedâneos recursais. Havendo uma decisão judicialomissa, seja quanto ao pedido, à causa de pedir ou ao fundamento de defesa, realmente os recursosserão o meio hábil para a impugnação, em especial os embargos de declaração. Ocorre, entretanto,que, sendo a omissão derivada justamente da resistência do órgão jurisdicional em decidir, não serácabível qualquer recurso, até porque, sendo o recurso um meio de impugnação de decisão judicial,nunca será cabível sem que haja decisão contra a qual se recorrer. Nesse caso, de omissão emproferir decisão, será cabível a correição parcial, notoriamente um meio de impugnação que não temnatureza recursal175. De qualquer forma, não caberá ação declaratória de inconstitucionalidade poromissão.

Afastar atos que não tenham natureza normativa do controle por ação direta deinconstitucionalidade por omissão não significa limitar tal ação aos atos praticados pelo Executivo,conquanto também o Legislativo pode expedir atos secundários e de caráter geral, a exemplo do queocorre com os regulamentos, instruções e resoluções. Por outro lado, apesar de mais restrita, tambémé cabível a ação ora analisada contra omissões em adotar atos normativos do Poder Judiciário,sempre que a Constituição Federal lhe outorgar competência para a prática de tal espécie de ato.

Partindo-se da premissa de que a omissão pode decorrer tanto de inércia quanto de atuaçãodeficitária ou insuficiente, fala-se em omissão total e omissão parcial, respectivamente. A omissãototal é facilmente compreensível, derivada da absoluta ausência de lei, enquanto a omissão parcial édividida em duas espécies: (a) parcial propriamente dita, quando a norma, existente, não consegueatender ao mandamento constitucional em razão da insuficiência ou defeitos de seu texto; (b) relativa,quando a norma regulamenta o mandamento constitucional apenas para determinada categoria, o quefere a isonomia pelo detrimento de outras categorias não atendidas pela lei infraconstitucional176.

O art. 12-B, I, da Lei 9.868/1999, ao prever como exigência da petição inicial a indicação deomissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislarou quanto à adoção de providência de índole administrativa, dá uma boa noção de qual seja ocabimento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

2.3. LEGITIMIDADEQuanto à legitimidade ativa, o art. 12-A da Lei 9.868/1999 prevê os mesmos legitimados à

propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade.Nenhuma novidade, sendo os legitimados aqueles previstos pelo art. 103 da CF, com as mesmasquestões polêmicas já desenvolvidas no Capítulo 1.3.2. No tocante à legitimidade passiva, há fortecorrente doutrinária que entende ocupar o polo passivo da ação a pessoa ou órgão responsável pelaprodução do ato exigido pela Constituição Federal177.

Como exposto no Capítulo 1, item 1.3.1, entendo que a ação direta de inconstitucionalidade é umaatípica ação sem réu, na qual a relação jurídica processual é tão somente linear, formada pelo autor,que atuará com legitimação extraordinária e o juízo, no caso o Supremo Tribunal Federal.Ocorre,

entretanto, que, na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, entendo ser correta a opiniãodoutrinária acima transcrita, porque, diferente da ação direta analisada no Capítulo 1, na eventualprocedência do pedido do autor, a pessoa ou órgão responsabilizado pela omissão será chamado aatuar, ou seja, será a ele imputada uma prestação de fazer. O caráter mandamental da decisão, quenão se limitará a declarar a inconstitucionalidade, sucessivamente a isso ordenando que atonormativo seja praticado, parece ser o suficiente para colocar a pessoa ou órgão responsável pelaprática do ato no polo passivo da demanda judicial.

Não se trata de defender ou não em juízo a omissão apontada como inconstitucional pelo autor,mas a vinculação direta a uma ordem no sentido de cumprir uma prestação de fazer, no caso, legislar.Teria dificuldades em explicar como um terceiro pode ser o sujeito passivo da ordem determinadaem processo judicial sem ferir o princípio do contraditório e da ampla defesa, de forma que, no casode ação direta de inconstitucionalidade, admito que a relação jurídica seja tríplice, com a presençade autor, réu e juízo.

2.4. ASPECTOS PROCEDIMENTAISComo já afirmado, não há significativas particularidades procedimentais na ação direta de

inconstitucionalidade por omissão, que fundamentalmente seguirá o procedimento previsto na Lei9.868/1999 para a ação direta de inconstitucionalidade. Essa realidade é confirmada pelo art. 12-Eda Lei 9.868/1999, que determina a aplicação ao procedimento da ação direta deinconstitucionalidade por omissão das disposições constantes na Seção I do Capítulo II da Lei9.868/1999. Como o mencionado dispositivo se vale do termo “no que couber”, são necessáriasapenas algumas adaptações.

O art. 3º da Lei 9.868/1999 foi nitidamente redigido para a petição inicial da ação direta deinconstitucionalidade por ação, sendo preferível se aplicar o art. 12-B à ação direta deinconstitucionalidade por omissão.

Apesar da relevância da matéria tratada na ação direta de inconstitucionalidade por omissão,aplica-se no caso o princípio da inércia da jurisdição (princípio da demanda), de forma que cabeexclusivamente aos legitimados pelos arts. 103 da CF e 12-A da Lei 9.868/1999, em grupo ouisoladamente, dar início ao processo por meio de uma petição inicial. O início do processo deofício, portanto, é vedado.

Ainda que o art. 12-B da Lei 9.868/1999 preveja alguns requisitos formais que a petição inicialdeve conter, é imprescindível uma aplicação subsidiária do art. 282 do CPC naquilo que não forincompatível com a natureza e o procedimento da ação. Aplicam-se à ação direta deinconstitucionalidade as mesmas considerações já elaboradas no Capítulo 1.4.1.

Nos termos do art. 12-B, I, da Lei 9.868/1999, a petição inicial deverá indicar a omissãoinconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislar ou quantoà adoção de providência de índole administrativa. Trata-se, a evidência, da causa de pedir, deindispensável presença em qualquer espécie de petição inicial.

No inciso II do dispositivo legal ora analisado o legislador foi bem sucinto, exigindo apenas opedido, com suas especificações. Acredito que o autor não deve se limitar ao pedido de declaraçãode inconstitucionalidade, devendo também elaborar pedido no sentido de o Supremo TribunalFederal, ao declarar a inconstitucionalidade, ordenar que o Poder ou órgão administrativo sane a

lacuna legislativa, ainda que esse pedido possa ser considerado implícito no pedido de declaraçãode inconstitucionalidade.

Nos termos do art. 12-B, paragrafo único, da Lei 9.868/1999, a petição inicial será instruída com aprocuração, se for o caso, e com cópias dos documentos necessários para comprovar a alegação deomissão, devendo ser apresentada em duas vias. Nos termos do art. 3º, paragrafo único, da Lei9.868/1999, a procuração será exigida quando a peça for elaborada por advogado. Como oprocedimento é sumário documental, o legislador já exige do autor a comprovação documental daomissão alegada na petição inicial, sob pena de extinção terminativa da ação com fundamento naausência de interesse de agir. A exigência de apresentação em duas vias também está presente no art.3º, parágrafo único, da Lei 9.868/1999.

O art. 12-C, caput, da Lei 9.868/1999 prevê o indeferimento liminar da petição inicial pelo relatornos casos de inépcia da petição inicial, de petição não fundamentada ou quando a pretensão nelaexposta se mostrar manifestamente improcedente. O dispositivo copia o art. 4º, caput, da mesma lei,que versa sobre o indeferimento liminar da petição inicial na ação direta de inconstitucionalidadepor ação.

Conforme analisado no Capítulo 1.4.2.1, não há qualquer justificativa para se excluir do processoobjeto, inclusive da ação ora analisada, a emenda da petição inicial, nos termos do art. 284 do CPC.Acredito que, para as hipóteses de inépcia da petição inicial e de ausência de fundamentação, possaser dada uma nova chance ao autor, com determinação de emenda no prazo de dez dias. Oindeferimento liminar, portanto, deve ser limitado à hipótese de pretensão manifestamenteimprocedente, já que nesse caso não seria lógico o juiz determinar a emenda da petição inicial para oautor modificar o seu pedido.

Repetindo a previsão constante no art. 4º, parágrafo único, o art. 12-C, parágrafo único, da Lei9.868/1999 prevê o cabimento de agravo contra a decisão monocrática do relator que indeferir apetição inicial. Conforme já analisado no Capítulo 1.4.2.2, trata-se do agravo interno regulamentadopelo art. 557, §§ 1º e 2º, do CPC.

A exemplo da previsão contida no art. 5º, o art. 12-D da Lei 9.868/1999 não admite a desistênciapelo autor após a propositura da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Nos termos do art. 12-E, § 2º, da Lei 9.868/1999, o relator poderá solicitar a manifestação doAdvogado-Geral da União, que terá o prazo de 15 dias. O legislador foi extremamente feliz emexpressamente consagrar que tal manifestação não é obrigatória, já que o relator “poderá” solicitá-la,não havendo dever legal para tanto. Entendo que a oitiva do Advogado-Geral da União só seráexigida na omissão parcial, considerando-se que na omissão total não haverá ato a ser defendido178.

O Procurador-Geral da República, nas ações em que não for autor, terá vista do processo, por 15dias, após o decurso do prazo para informações, fixado no art. 12-E, § 3º, da Lei 9.868/1999. Maisuma vez o legislador deve ser elogiado por expressamente afastar a manifestação do Procurador-Geral da República nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão propostas por elemesmo, evitando, dessa forma, toda a polêmica existente na ação direta de inconstitucionalidade poração, devidamente analisada no Capítulo 1.4.2.5.

Registre-se, por fim, a interessante regra consagrada no art. 12-E, § 1º, da Lei 9.868/1999, aoadmitir a intervenção dos legitimados ativos que não tenham sido autores da ação ora analisada.Segundo o dispositivo legal, esses sujeitos podem se manifestar por escrito sobre o objeto da ação,

pedir a juntada de documentos reputados úteis para o exame da matéria e, no prazo das informações,apresentar memoriais. Entendo interessante a regra, que apenas deixa em aberto a qualidade dessessujeitos a ingressarem no processo: assistente litisconsorcial, litisconsorte ulterior ou amicuscuriae? De qualquer forma, como o dispositivo descreve os atos admitidos no processo por talsujeito, a discussão de sua qualidade processual terá interesse meramente acadêmico.

2.5. EFEITOS DA DECISÃOComo já defendido anteriormente, na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a

declaração de inconstitucionalidade deve ser seguida de uma ordem ao responsável pela condutalegislativa que seja indispensável para tornar efetivo mandamento constitucional. Reconheço queesse entendimento, entretanto, não está consagrado no texto constitucional que admite essa espécie deação, tampouco é aceito no Supremo Tribunal Federal.

Nos termos do art. 103, § 2º, da CF, a decisão de procedência do pedido na ação direta oraanalisada terá conteúdo diverso, se o responsável pela omissão for o Poder competente para aedição da norma ou o órgão administrativo. No primeiro caso, o texto constitucional limita a atuaçãodo Supremo Tribunal Federal a dar ciência da omissão, sem qualquer ordem para que a conduta ativaseja adotada, e tampouco prevê a determinação de um prazo para que isso ocorra179. No segundocaso, o texto é claro ao atribuir a competência para o Supremo Tribunal Federal dar ciência dainconstitucionalidade da omissão, como também para determinar que seja sanada no prazo de 30dias.

Compreende-se que o princípio da separação dos poderes demande todo cuidado com adeterminação de ordens provenientes do Poder Judiciário para que outro Poder – em especial, oLegislativo – cumpra seu encargo constitucional de legislar. Por outro lado, também reconheço quede nada valeria admitir a expedição de uma ordem nesse caso, se seu descumprimento não viesseseguido da adoção de medidas executivas indiretas e sub-rogatórias no sentido de ser a ordemcumprida. Contra órgão administrativo, a adoção dessas medidas é possível, mas dificilmente seconsegue imaginar sua adoção contra outros Poderes.

O tema é tratado por norma infraconstitucional. Nos termos do art. 12-H, caput, da Lei9.868/1999, declarada a inconstitucionalidade por omissão, com observância do art. 22 da mesmalei, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias. Trata-se decópia do texto do art. 103, § 2º, da CF. O dispositivo legal é dúbio ao prever que será dada ciênciaao Poder competente para que este adote as providências tendentes ao saneamento da omissão,passando a impressão de que o Supremo Tribunal Federal não se limitará a comunicar o Podercompetente de sua decisão. Por outro lado, não parece ser possível se extrair do texto legal aexistência de uma ordem para o saneamento.

Na hipótese de inconstitucionalidade parcial, o art. 12-H da Lei 9.868/1999 foi omisso, mas omelhor entendimento é pela declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, porque aeventual redução seria ainda mais prejudicial do que a manutenção da lei insuficiente oudeficiente180. O mesmo ocorre na hipótese de omissão relativa, mas, nesse caso, a conclusão é aindamais dramática, porque consagrada a agressão à isonomia. Preferível, de qualquer forma, a retirar odireito da categoria beneficiada pela lei infraconstitucional, que seria a outra solução possível,considerando a resistência do Supremo Tribunal Federal em estender o benefício a outras categorias,

ainda mais quando tal medida envolve a geração de despesas.Nos termos do art. 12-H, § 1º, da Lei 9.868/1999, em caso de omissão imputável a órgão

administrativo, as providências deverão ser adotadas no prazo de 30 dias, ou em prazo razoável aser estipulado excepcionalmente pelo Tribunal, tendo em vista as circunstâncias específicas do casoe o interesse público envolvido. A possibilidade de fixação de outro prazo que não de 30 dias éinovadora, considerando sua ausência do texto do art. 103, § 2º, da CF. Entendo interessante aprevisão legal no sentido de compatibilizar o prazo com eventuais dificuldades a serem enfrentadaspelo órgão administrativo, bem como pelo interesse público eventualmente existente de que a adoçãoda medida seja realizada em prazo maior que os 30 dias.

2.6. MEDIDA CAUTELARA seção II do Capítulo II-A da Lei 9.868/1999 prevê expressamente a medida cautelar em ação

direta de inconstitucionalidade por omissão, afastando, portanto, qualquer dúvida a respeito de seucabimento. Os limites de tal cabimento, entretanto, continuam a suscitar dúvidas na doutrina.

Segundo o art. 12-F, § 1º, da Lei 9.868/1999, em caso de omissão parcial, a medida cautelarpoderá consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado. A medida,apesar de ser proferida numa ação direta de inconstitucionalidade por omissão, tem as característicasda medida cautelar da ação direta de inconstitucionalidade por ação, determinando a suspensão deaplicação de lei ou ato normativo. Compreende-se a previsão legal quanto a omissão parcial, masqual será o objeto da medida cautelar diante de uma omissão total?

O mesmo dispositivo legal prevê como consequência da concessão da medida cautelar asuspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos, bem como a adoção dequalquer outra providência a ser fixada pelo Tribunal, tudo a indicar que tais medidas sejamaplicáveis na hipótese de omissão total. Ao prever a possibilidade de adoção de outrasprovidências, o dispositivo legal reconhece expressamente que o rol de medidas previsto nodispositivo legal é meramente exemplificativo. Pergunta-se: estaria dentro dessas “outrasprovidências” a antecipação dos efeitos da futura declaração de inconstitucionalidade, em especialcom a adoção de medidas tendentes ao saneamento da omissão?

Quando a doutrina defende o não cabimento da medida cautelar prevista para a ação direta deinconstitucionalidade por omissão181, parecendo ser também esse o entendimento consagrado noSupremo Tribunal Federal182, a resposta à pergunta é dada de forma negativa. A justificativa é que, senão cabe ao Supremo Tribunal Federal, diante da decisão definitiva, tomar providências concretaspara sanar a omissão legislativa, muito menos se poderia admitir em sede de tutela de urgência. Atése pode defender o não cabimento da tutela de urgência, mas não parece correto o fundamentomencionado.

Naturalmente, não se pode admitir que a tutela de urgência antecipe efeitos que não seriam geradosnem mesmo com a concessão da tutela definitiva, até porque não se pode admitir a antecipação doque não se pode obter. Não se pretende defender, portanto, a adoção de postura legislativa doSupremo Tribunal Federal em sede liminar na ação direta de inconstitucionalidade por omissão.Poderia, entretanto, conceder a liminar para ordenar a prática do ato ao órgão relapso, exatamentecomo faria com a concessão definitiva do pedido do autor183. O problema, nesse caso, é que aprovidência exigida em sede liminar teria natureza constitutiva, o que é inviável em sede de tutela

provisória de urgência. Não que os efeitos da tutela constitutiva não possam ser antecipados184, mas,nesse caso, não se tratará de mera antecipação de efeitos, mas sim da cobrança de exigência queefetivamente alterará a situação jurídica, o que só se admite acontecer em sede de tutela definitiva.

Nos termos do art. 12-F, caput, da Lei 9.868/1999, somente em situação de excepcional urgência erelevância da matéria a medida cautelar deverá ser concedida. Nada mais que o periculum in mora eo fumus boni iuris. Quanto ao órgão competente para a prolação da decisão liminar, o dispositivolegal aponta o Tribunal Pleno, exigindo que a decisão concessiva seja proferida pela maioriaabsoluta de seus membros, observado o dispositivo no art. 22 da mesma lei. O dado interessante éque essa competência só é exigida para a decisão concessiva, dando-se a entender que a decisão queindefere o pedido poderá ser proferida monocraticamente pelo relator.

O art. 10, caput, da Lei 9.868/1999, ao tratar da concessão da cautelar na ação direta deinconstitucionalidade por ação também exige a maioria absoluta dos membros do Supremo TribunalFederal, mas abre uma exceção no período de recesso, quando a decisão poderá ser proferidamonocraticamente pelo relator, conforme devidamente analisado no Capítulo 5.1. Entendo que amesma exceção deve ser aplicada à ação direta de inconstitucionalidade por omissão, não obstante aomissão do art. 12-F, caput, da Lei 9.868/1999.

Adaptando regra já consagrada no art. 10, caput, da Lei 9.868/1999, o art. 12-F, caput, da mesmalei, prevê a audiência prévia dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão constitucional,que deverão se pronunciar no prazo de cinco dias. Na ação direta de inconstitucionalidade por ação,se o relator entender indispensável, ouvirá o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral daRepública, no prazo de três dias, nos termos do art. 10, § 1º, da Lei 9.868/1999. Como não há ato aser defendido, o art. 12-F, § 2º, prevê apenas a oitiva do Procurador-Geral da República, quandoindispensável, no mesmo prazo de três dias.

Apenas com a substituição de “expedição do ato” por “omissão inconstitucional”, o art. 12-F, § 3º,da Lei 9.868/1999 copia o art. 10, § 2º, da mesma lei, ao prever a faculdade de sustentação oral dosrepresentantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela omissãoconstitucional, adotando-se as regras procedimentais previstas no Regimento Interno do SupremoTribunal Federal.

Na hipótese de concessão da medida cautelar, o art. 12-G da Lei 9.868/1999 determina aaplicação, no que couber, do procedimento estabelecido na Seção I do Capítulo II da Lei9.868/1999. Na realidade, o dispositivo praticamente copia a regra referente à publicação dadecisão prevista no art. 11, caput, da Lei 9.868/1999.

Barroso, O Controle, p. 237-238.Neves, Manual, 18.1.1.2, p. 525.Barroso, O Controle, p. 239-240.Barroso, O Controle, p. 243; Almeida, Manual, p. 824.Barroso, O Controle, p. 248.STF, Tribunal Pleno, ADI 2.504/MG, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 19/03/2002, DJ 19/04/2002, p. 45.Barroso, O Controle, p. 254-255.8 Peña de Moraes, Curso, p. 245.9 STF, Tribunal Pleno, ADI 1.458 MC/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. 23/05/1996, DJ 20/09/1996, p. 34.531.Nesse sentido; Almeida, Manual, p. 826.Neves, Manual, n. 51.4, p. 1.086-1.089.

3.1. INTRODUÇÃOA ação declaratória de constitucionalidade tem, em sua maioria, as mesmas características

procedimentais da ação direta de inconstitucionalidade, sendo relevante somente o apontamento dasque são exclusivas dessa espécie de ação. Ainda que haja grande coincidência procedimental entreas duas ações, é importante lembrar, nos termos do art. 102, I, a, da CF, que a ação declaratória deconstitucionalidade tem objeto menos abrangente que a ação direta de inconstitucionalidade, porque,enquanto a primeira só pode ter por objeto lei e ato normativo federal, a segunda admite como objetoo ato normativo ou lei estadual e federal.

Ressalte-se, ainda em caráter introdutório, que a função da ação declaratória deconstitucionalidade é a pacificação a respeito de interpretação de constitucionalidade de normajurídica de forma direta perante o Supremo Tribunal Federal. Como bem observado pela doutrina, asdivergências interpretativas são naturais no campo jurídico, mas algumas controvérsias, de índoleconstitucional, merecem uma pacificação imediata em razão da relevância social, econômica oupolítica da matéria185.

3.2. EXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIA JUDICIALO art. 14 da Lei 9.868/1999 prevê os requisitos formais específicos da petição inicial da ação

declaratória de constitucionalidade. Nos dois primeiros incisos, não há diferença das exigências dapetição inicial na ação direta de inconstitucionalidade (art. 3º da Lei 9.868/1999), conformeanalisado no Capítulo 1, item 1.4.1. Dessa forma, caberá ao autor a indicação do dispositivo de leiou do ato normativo questionado e os fundamentos jurídicos do pedido, além do pedido, com suasespecificações, o qual contém uma singularidade que será analisada a seguir. A especialidade maissignificante fica por conta do inciso III do dispositivo ora analisado.

Segundo o art. 14, III, da Lei 9.868/1999, cabe ao autor a indicação da existência de controvérsiajudicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória. Apesar de não sertranquilo o entendimento a respeito da conceituação de “controvérsia judicial”, a doutrina entende deforma uníssona que a mera divergência doutrinária não é o suficiente para preenchimento desserequisito legal186, o que se pode deduzir da simples leitura do texto legal, ao qualificar de judicial acontrovérsia. Significa dizer que a norma ou ato que formará o objeto da ação declaratória deconstitucionalidade já deve ter sido afastado como inconstitucional por órgãos jurisdicionais emcontrole incidental de constitucionalidade.

Interessante notar que, na ação declaratória tradicional do processo subjetivo, para que exista

interesse processual é necessária a existência uma crise de incerteza que, se não resolvida, poderáacarretar algum dano ao autor. É necessário que a dúvida seja objetiva e real, não se limitando a umisolado estado de incerteza subjetiva do autor. Fala-se em dúvida social, que atinja terceiros e crieuma instabilidade na esfera de interesse do autor, sendo a dúvida do autor possível, mas nãonecessária, tampouco suficiente para isoladamente justificar uma sentença meramente declaratória187.

Na ação declaratória de constitucionalidade não existe propriamente uma “dúvida social”, mascumpre anotar que, da mesma forma, o autor não precisa estar em dúvida a respeito da declaraçãoque pretende obter. Na realidade, os legitimados ativos têm o dever funcional de provocar oSupremo Tribunal Federal na hipótese de controvérsia judicial relevante, devendo ingressar com aação direta, mesmo que entendam que a norma é inconstitucional. Parece estranho um sujeito queentende ser a norma inconstitucional ingressar com uma ação na qual se busca a declaração emsentido contrário, mas a especialidade dessa ação permite tal situação. Ademais, tratando-se de açãode natureza dúplice, a improcedência da ação acarreta a declaração de inconstitucionalidade danorma ou ato normativo que é objeto do processo.

Dessa especialidade, decorre uma interessante consequência. Num processo subjetivo, na hipótesede o autor não ter dúvida a respeito da existência, inexistência ou modo de ser da relação jurídica,ingressa com a ação pedindo a declaração no sentido que lhe favoreça e que representa a certeza quepossui. O autor, ao ter certeza que não é pai e ingressar com ação declaratória nesse sentido,pretende somente ver confirmada judicialmente sua certeza íntima, o que afastará a chamada dúvidasocial. Não teria qualquer sentido lógico, nesse caso, o autor ingressar com ação declaratória paraque fosse declarado pai na expectativa da improcedência, até porque, nesse caso, bastaria ao réureconhecer juridicamente o pedido para que a paternidade fosse judicialmente declarada.

Na ação declaratória de constitucionalidade, a realidade é totalmente diferente, e isso pordiferentes razões: (a) o autor tem o dever funcional de afastar a insegurança jurídica gerada pordecisões que contrariam a presunção inicial de que a norma é constitucional; (b) não existe réu naação declaratória de constitucionalidade, de forma que, independentemente do pedido do autor, nãohaverá possibilidade material de reconhecimento jurídico do pedido; (c) mesmo que se admita oreconhecimento jurídico do pedido, ele é ineficaz, não se admitindo a solução do processo subjetivopor decisão homologatória de ato de autocomposição.

Diante dessa realidade, o pedido não precisa necessariamente ser no sentido da declaração deconstitucionalidade, mas meramente para que seja afastada a dúvida que impera em órgãos inferioresa respeito do tema. É óbvio que, na prática, o legitimado ativo que entende pelainconstitucionalidade da norma prefere o ingresso da ação direta de inconstitucionalidade, o que temmais sentido lógico nesse caso. Ainda assim, parece ser admissível – mesmo que rara – a açãodeclaratória de constitucionalidade, pelas razões já expostas. A doutrina, inclusive, afirma ser muitopouco provável o julgamento dessa ação de forma isolada, sendo mais comum o julgamento emconjunto com uma ação direta de inconstitucionalidade188.

Entendo que a controvérsia se estabelece a partir do momento em que, em razão de um númerosuficiente de julgados pela inconstitucionalidade, é gerada uma crise de incerteza entre os órgãosjurisdicionais. É impossível quantificar o número exato de decisões, cabendo ao Supremo TribunalFederal atuar com ponderação nessa análise. Muitas vezes, decisões isoladas, em pequeno número,mas espalhadas por diversos órgãos jurisdicionais, são suficientes para a admissibilidade da ação,

enquanto um número maior de decisões, mas concentradas em um único ou poucos órgãosjurisdicionais, pode não ensejar a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Federal em açãodeclaratória de constitucionalidade.

Em cumprimento ao disposto no art. 14, parágrafo único, da Lei 9.868/1999, que exige a instruçãoda petição inicial com os documentos necessários para comprovar a procedência do pedido dedeclaração de constitucionalidade, cabe ao autor instruir a petição inicial com cópias das decisõesque deixaram de aplicar a norma por considerá-la inconstitucional189. Naturalmente que, havendouma quantidade muito grande de decisões nesse sentido, a razoabilidade indica ser suficiente ajuntada das decisões mais bem fundamentadas, com a mera indicação das demais no próprio corpoda petição inicial.

Registre-se por fim que nada tem a ver a necessidade de controvérsia judicial com a legitimidadeativa, como parece à parcela da doutrina190. Ainda que com as especificidades já analisadas, aexistência da controvérsia judicial a respeito da constitucionalidade da norma diz respeito aointeresse de agir191, conforme acertadamente já exposto pelo Supremo Tribunal Federal. Entende-senão ser necessária a atividade jurisdicional do órgão máximo na declaração do estado natural danorma (constitucionalidade), se não existirem decisões em sentido contrário, o que criaráconcretamente a crise de certeza exigida para a ação declaratória de constitucionalidade.

3.3. LEGITIMIDADENão há especialidade no tocante à legitimidade ativa na ação declaratória de constitucionalidade,

sendo que, desde a Emenda Constitucional 45/2004, o mesmo rol do art. 103 da CF se presta aregular tal legitimação para qualquer ação de controle concentrado de constitucionalidade.

Já no tocante ao polo passivo, mantenho minha posição de se tratar de ação sem réu, pelos motivosjá expostos no Capítulo1, item 1.3.1. Interessante notar que concorda com tal opinião correntedoutrinária que defende ser o polo passivo da ação direta de inconstitucionalidade formado peloórgão responsável pelo ato impugnado, afirmando que, não havendo impugnação ao ato, não haveriasentido colocar-se o órgão no polo passivo192. Insisto que haver ou não impugnação ao ato normativoé irrelevante, porque, tanto num caso como noutro, o órgão não defende, nem mesmo abstratamente, oato impugnado, limitando-se a opinar a respeito de sua constitucionalidade.

3.4. SUJEITOS PROCESSUAISO art. 15 da Lei 9.868/1999 é cópia exata do art. 4º da mesma lei, de forma que a petição inicial

inepta, não fundamentada ou manifestamente improcedente será indeferida de plano pelo relator pormeio de decisão monocrática recorrível pelo agravo interno previsto no art. 15, parágrafo único, daLei 9.868/1999. Não sendo caso de indeferimento liminar da petição inicial, que, conforme visto,poderá ocorrer sem ou com a resolução do mérito, o art. 19 da Lei 9.868/1999 prevê a intimação doProcurador-Geral da República para pronunciar-se no prazo de quinze dias. Não havendo qualquerindicação de intimação do Advogado-Geral da União, o entendimento recente é de que suamanifestação é dispensada, com o argumento de que, na ação declaratória de constitucionalidade, anorma não está sendo impugnada, pelo contrário, não havendo utilidade na atuação do Advogado-Geral da União.

Entendo que a dispensa não deve ser prestigiada em razão da natureza dúplice da ação

declaratória de constitucionalidade, cabendo ao Advogado-Geral da União realizar a defesa danorma ou ato normativo que, na hipótese de improcedência do pedido formulado pelo autor, serádeclarado inconstitucional193. Dessa forma, aplicável à ação ora analisada o previsto no art. 8º daLei 9.868/1999, devendo o Advogado-Geral da União ser ouvido antes da Procuradoria-Geral daRepública194. Como já tive oportunidade de defender, no processo objetivo não existe réu195, deforma que os sujeitos indicados se manifestarão livremente a respeito da matéria, apontando suaconstitucionalidade ou inconstitucionalidade conforme seu convencimento.

Também não existe previsão expressa no sentido de manifestação dos órgãos e pessoas dos quaishaja emanado a lei ou ato normativo cuja constitucionalidade se pretende declarar. Apesar daomissão legislativa a respeito, e tomando-se por base a natureza dúplice da ação, entendo aplicávelpor analogia o art. 6º da Lei 9.868/1999, cabendo ao relator pedir informações desses sujeitos. Osdemais legitimados poderão ingressar no processo como litisconsortes ativos ulteriores, exatamentecomo ocorre na ação direta de constitucionalidade, mas não haverá qualquer intimação com eficáciaerga omnes (publicação de edital) ou individual.

3.5. LIMINARAdmite-se, na ação declaratória de constitucionalidade, o pedido de liminar, conforme previsto no

art. 21 da Lei 9.868/1999, sendo que, nesse caso, a natureza jurídica da tutela de urgência écautelar196, e não de tutela antecipada, como ocorre na ação direta de inconstitucionalidade. Anatureza cautelar dessa medida decorre do efeito gerado por sua concessão: a suspensão dosprocessos nos quais se discute incidentalmente a lei ou ato normativo questionado como forma deestancar o estado de insegurança gerado pela incerteza jurídica a respeito da constitucionalidade.Registre-se que o Supremo Tribunal Federal tem decisões concessivas de liminar no sentido desuspender, com eficácia ex tunc e com efeito vinculante, a prolação de decisões fundadas na lei ouato normativo questionado197. Como se pode notar, a suspensão do processo é imprópria, sendovedada apenas a prolação da decisão, o que permite a prática de outros atos processuais, como, porexemplo, a produção de provas.

Registre-se posição doutrinária que defende uma interpretação ampliativa do art. 21 da Lei9.868/1999 com fundamento no poder geral de cautelar do juiz, de forma a se admitir ao SupremoTribunal Federal, quando da concessão da liminar, a determinação de outras medidas, além dasuspensão dos processos, consideradas necessárias para afastar o periculum in mora198. Interessantenotar que o entendimento permite uma atuação cautelar do Supremo Tribunal Federal mesmo semexpressa previsão legal nesse sentido, fundamento que também era utilizado pelo órgão máximo antesdo advento da Lei 9.868/1999.

A tutela cautelar é ampla, geral e irrestrita, significando que a parte que dela necessite deveapenas demonstrar o preenchimento do fumus boni iuris e o periculum in mora no caso concretopara recebê-la. Significa dizer que, pensando-se em poder jurisdicional, a tutela cautelar deve serentendida como a proteção jurisdicional prestada pelo Estado para afastar o perigo de ineficácia doresultado final da pretensão definitiva da parte, funcionando como aspecto concreto da promessaconstitucional de inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF)199.

Poder geral de cautela, nesse sentido, significa o generalizado poder estatal de evitar no casoconcreto que o tempo necessário para a concessão da tutela definitiva gere a sua ineficácia. Essa

amplitude da proteção jurisdicional no âmbito cautelar impõe que nenhuma restrição seja admitida notocante ao direito concreto da parte em obter essa espécie de tutela quando demonstra os requisitosnecessários previstos em lei.

O próprio legislador expressamente reconhece a sua insuficiência, ao prever, nos arts. 798 e 799do CPC, a possibilidade de o juiz conceder, além dos procedimentos cautelares específicos, “asmedidas provisórias que julgar adequadas”, podendo, “para evitar o dano, autorizar ou vedar aprática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor aprestação da caução”. E o Superior Tribunal de Justiça vem acertadamente entendendo pelaadmissão da cautelar inominada em razão do poder geral de cautela do juiz200.

Não resta dúvida, portanto, que, sendo admissível uma ação cautelar inominada com fundamentono poder geral de cautela, com muito maior naturalidade deve-se admitir a concessão de uma medidacautelar incidental, como no caso ora analisado. Entendo que a relevância da matéria tratada numaação declaratória de constitucionalidade exige com ainda maior vigor uma atuação preventiva doSupremo Tribunal Federal no tocante a garantir a eficácia do resultado de seu julgamento, sendoacertada a parcela doutrinária que aponta para a insuficiência da previsão do art. 21 da Lei9.868/1999. Por outro lado, cabe lembrar que o Supremo Tribunal Federal, mesmo antes de qualquerprevisão infraconstitucional no sentido de permissão de concessão de medida cautelar incidental, jáa admitia com fundamento no poder geral de cautela201.

3.6. DECISÃO E SEUS EFEITOSComo já devidamente exposto no Capítulo 1, item 1.6, a ação direta de inconstitucionalidade é

sempre dúplice, o mesmo ocorrendo, naturalmente, com a ação ora analisada. Dessa forma, diante deum pedido de declaração de constitucionalidade, o acolhimento do pedido declarará a normaconstitucional e sua rejeição significará a declaração de sua inconstitucionalidade. Os limitessubjetivos, objetivos e vinculantes dessa decisão já foram devidamente analisados no Capítulo 1,item 1.10.3.

A procedência do pedido apenas confirma o estado natural da norma, confirmando com certezajurídica a constitucionalidade que já se presumia existir. Não há, portanto, modificações a respeitoda aplicabilidade da norma no caso concreto, que, em tese, já deveria vir sendo feita desde omomento de seu nascimento. Diante dessa situação, parece inaplicável na declaração deconstitucionalidade a modulação dos seus efeitos prevista no art. 27 da Lei 9.868/1999. Parcela dadoutrina, entretanto, defende sua aplicação quando haja ocorrido ampla controvérsia a respeito danorma, levando a uma inaplicação em grande escala202.

Barroso, O Controle, p. 218.Mendes-Coelho-Branco, Curso, p. 1077; ALMEIDA, Gregório Assagra de. Manual das Ações Constitucionais, p. 838.Daniel Neves, Ações, p. 477-482.Mendes-Coelho-Branco, Curso, p. 1.080.Didier-Braga-Oliveira, Aspectos, p. 376.Mendes-Coelho-Branco, Curso, p. 1.077.Informativo 519/STF: ADC 16/DF, Dec. Mon., rel. Min. César Peluso, j. 10/09/2008. Na doutrina: Didier-Braga-Oliveira, Aspectos, p.374.Barroso, O Controle, p. 221; Cunha Jr., Controle, p. 249.Guilherme Peña de Moraes, Curso, p. 234, citando voto do Ministro Marco Aurélio Mello.

Contra: Cunha Jr., Controle, p. 250.Cunha Jr. (Controle de constitucionalidade, p. 249) concorda com a inexistência de réu, mas somente na ação direta deconstitucionalidade.Guilherme Peña de Moraes, Curso, p. 237.STF, ADC 9, Tribunal Pleno, rel. Min. Ellen Gracie, j. 13/12/2001, DJ 06/02/2002; ADC12, Tribunal Pleno, rel. Min. Carlos Britto, j.16/02/2006, DJ 17/02/2006.Zavascki, Processo, p. 268.Marinoni-Arenhart, Processo, p. 99; Nery Jr.-Nery, Código, p. 1.115.STJ, 3ª Turma, REsp 627.759/MG, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 25/04/2006, DJ 08/05/2006, p. 198; REsp 753.788/AL, 5ª Turma, rel. Min.Felix Fischer, j. 04/10/2005, DJ 14/11/2005, p. 400.STF, Tribunal Pleno, ADC 04/DF, rel. Min. Sydney Sanches, j. 11/02/1998, DJ 21/05/1999, p. 2.Barroso, O Controle, p. 230.

4.1. INTRODUÇÃOA arguição de descumprimento de preceito fundamental surge no ordenamento jurídico brasileiro

com a Constituição Federal de 1988, originariamente no parágrafo único do art. 102 e, cinco anosmais tarde, em razão da Emenda Constitucional 3/1993, passa a constar do mesmo dispositivo legal,mas em seu § 1º, tendo sido mantida a redação original. Segundo o dispositivo legal, “a arguição dedescumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada peloSupremo Tribunal Federal, na forma da lei”.

Como se pode notar do texto legal, a única regra procedimental prevista na Constituição a respeitoda ação de descumprimento de preceito fundamental diz respeito à competência originária doSupremo Tribunal Federal, remetendo o texto constitucional à procedimentalização da leiinfraconstitucional, que tardou mais seis anos para ser criada. Atualmente a Lei 9.882/1999regulamenta o procedimento da arguição do descumprimento de preceito fundamental, ainda quediversos dispositivos estejam pendentes de julgamento de constitucionalidade em razão de açãodireta de inconstitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil(ADI 2.231-DF).

Considerada uma grata inovação no sistema de controle concentrado de constitucionalidade, aarguição de descumprimento de preceito fundamental segue a tendência de outras formas de controleexistentes em países como os Estados Unidos (writ of certiorari), Áustria (Beschwerde), Espanha(recurso de amparo ) e Alemanha (Verfassungsbeschwerde), de limitar o controle a determinadasnormas da Constituição Federal. Importante característica do instituto constitucional ora analisado éjustamente não ser forma de tutela de toda e qualquer norma constitucional, mas somente doschamados “preceitos fundamentais”.

4.2. PRECEITOS FUNDAMENTAISHavendo uma limitação legal no objeto tutelável pela arguição de descumprimento de preceito

fundamental, é essencial se determinar quais as espécies de preceitos constitucionais que podem sertutelados por meio dessa forma de controle concentrado. Mas antes propriamente de se identificarquais são esses preceitos, ou ao menos criar condições as mais objetivas possíveis para taldeterminação, é importante determinar com exatidão a extensão do termo “preceito”.

Segundo ensina a melhor doutrina, preceito constitucional é toda norma constitucional abrangentede regras e princípios203, daí falar-se em norma-regra e norma-princípio ou preceito-regra e preceito-

princípio. Há doutrina que defende a possibilidade de proteção de preceito que não estejaexpressamente consagrado na Constituição Federal, numa espécie decorrência indireta do textoconstitucional204.

É interessante a lição doutrinária que prega não existir hierarquia entre os preceitosconstitucionais, até em razão do princípio da unidade da Constituição Federal205, o que, entretanto,não impede a diferente classificação desses preceitos à luz dos valores tutelados206. É possível,portanto, criar uma ordem de valores entre eles, destinando a proteção por determinada formaespecial de controle concentrado somente àqueles que estejam ligados a valores considerados maisrelevantes. Trata-se de regras essenciais à conformação e organização do Estado e referentes aosdireitos fundamentais e valores supremos da sociedade.

Como a escolha do legislador constitucional (art. 102, § 1º, da CF) e do infraconstitucional (Lei9.882/1999) foi a previsão de conceito jurídico indeterminado, sem direcionar com maior precisãoquais seriam os preceitos fundamentais da Constituição Federal, cabe à doutrina moldar as regrasque têm tamanho relevo a ponto de merecer sua tutela por meio da arguição de descumprimento oraanalisada.

O irrisório número de arguições já decididas em seu mérito pelo Supremo Tribunal Federaldificulta a percepção do Judiciário a respeito dos contornos do que seja efetivamente preceitofundamental, ainda que das decisões terminativas seja possível projetar qual a relevância do preceitoque o tribunal exige para a admissão da forma de controle de constitucionalidade ora analisada.Como já teve oportunidade de decidir o Supremo Tribunal Federal, caberá a ele, como soberano edefinitivo intérprete da Constituição Federal, determinar quais são os preceitos fundamentais207, játendo indicado como regras dessa espécie os direitos e garantias individuais, os princípiosconstitucionais sensíveis e as cláusulas pétreas208.

4.3. OBJETO DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTONos termos do art. 1º, caput, da Lei 9.882/1999, a arguição de descumprimento de preceito

fundamental terá como objeto evitar ou reparar lesão resultante de ato do Poder Público. Como bemapontado pela melhor doutrina, o legislador perdeu excelente oportunidade de criar um eficientemecanismo de proteção aos direitos fundamentais em face de atos privados, deixando de prever ocabimento da arguição de descumprimento também diante de atos privados. Apesar da crítica quantoà timidez do legislador, a única interpretação extensiva possível ao dispositivo legal é a inclusão deatos praticados por particulares que desempenham função pública delegada, como aqueles praticadospor empresas concessionárias e permissionárias de serviço público209.

O dispositivo comentado deve ser elogiado por consagrar expressamente a possibilidade de aarguição de descumprimento de preceito fundamental veicular tanto tutela preventiva como tutelareparatória, ao prever que a arguição terá por objeto evitar ou reparar lesão a um preceitofundamental. No tocante a essa distinção entre tutela preventiva e reparatória, entretanto, cabe umabreve consideração a respeito da forma de controle de constitucionalidade ora analisada.

No Capítulo 7, item 7.2.3, terei a oportunidade de defender o entendimento de que, na tutelainibitória, mais famosa espécie de tutela preventiva e com ela rotineiramente confundida, a lesão éirrelevante, tendo essa espécie de tutela o objetivo de evitar a prática do ato ilícito, e não uma lesãopotencial desse ato. Na hipótese das tutelas previstas no art. 1º, caput, da Lei 9.882/1999, entretanto,

a ofensa, iminente ou já realizada, não diz respeito a um direito material, mas a um preceitoconstitucional fundamental. A lesão indicada pelo artigo legal significa desrespeito a um preceitofundamental, e não o dano gerado pelo ato ou omissão praticado. Significa dizer que, nesse caso, autilização da tutela preventiva não objetiva evitar o ato ilícito, sendo irrelevante seu potenciallesivo, porque só caberá a arguição se houver ameaça de ofensa a um preceito fundamental, de formaque somente a ilicitude do ato ou omissão não é o suficiente para a concessão dessa espécie detutela, sendo indispensável que o autor demonstre o perigo de lesão, aqui entendido como sinônimode desrespeito a um preceito fundamental.

Se o dispositivo legal ora comentado merece elogios quanto à previsão expressa de tutelapreventiva, o mesmo não se pode dizer quanto à sentida ausência da omissão do Poder Público comoobjeto de impugnação por meio da arguição de descumprimento. Ainda que não conste expressamentedo texto legal, parecem tranquilas a doutrina e a jurisprudência no sentido da admissão da arguiçãotanto quando um ato como uma omissão ameaçarem violar ou violarem um preceito fundamental210.

Por expressa previsão legal (art. 1º, parágrafo único, I, da Lei 9.882/1999), não se discute que asleis e atos normativos que podem ofender ou ameaçar um preceito fundamental sejam federais,estaduais e municipais, bem como anteriores à atual Constituição Federal, numa clara demonstraçãoda maior amplitude do objeto tutelável por meio da arguição de descumprimento, quando comparadacom as ações de controle concentrado.

No tocante aos atos normativos, parece ser mais amplo o alcance da arguição do que o da açãodireta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, admitindo-se ocontrole tanto de atos normativos legais quanto de atos normativos infralegais ou secundários, taiscomo decretos, portarias, instruções, pareceres normativos.

É antiga a resistência do Supremo Tribunal Federal em aceitar as ações diretas de controleconcentrado diante de atos normativos infralegais, com a alegação de que, nesses casos, a ofensa àConstituição Federal é indireta, sendo a norma infralegal vinculada à lei que pretendiaregulamentar211, ainda que seja admitida a ação direta quando o ato normativo, mesmo que infralegal,tiver generalidade, abstração e autonomia212, como ocorre, por exemplo, no decreto de tribunal quedetermina aumento salarial para os juízes a ele vinculados213. A discussão nem ao menos é levantadana arguição de descumprimento, que, ao admitir a ofensa direta e indireta ao preceito fundamental,inclui em seu objeto todos os atos normativos, independentemente de sua natureza.

Os atos e omissões não normativos são suscetíveis de controle por meio da arguição dedescumprimento, chamando mais a atenção a possibilidade de utilização dessa forma de controleabstrato diante de concreta decisão judicial, que naturalmente é um ato não normativo praticado peloPoder Judiciário. Para parcela doutrinária, sendo a arguição de descumprimento uma medidaconstitucional que busca tutelar os preceitos fundamentais da Constituição Federal, exige-se que suautilização seja feita contra ato judicial em respeito a coisa julgada material214, consagrada preceitofundamental ao estar incluída dentre as clausulas pétreas. O entendimento, que a primeira vistaparece ser incontestável, merece ao menos um comentário.

Realmente se pode imaginar sem qualquer sentido a admissão de um instrumento que buscapreservar preceitos fundamentais como meio de ofensa a um preceito fundamental determinado, nocaso, a coisa julgada material. Ocorre, entretanto, que se cria na doutrina, com alguma repercussãojurisprudencial, a tese da relativização da coisa julgada, quando a decisão de mérito transitada em

julgado causar grave injustiça, entendida como violadora de valores fundamentais e essenciais dasociedade, consagrados na Constituição Federal, tais como a moralidade administrativa, arazoabilidade, proporcionalidade, direitos fundamentais do homem e meio ambiente equilibrado.

Como se pode notar, os valores violados pela incorretamente chamada “coisa julgada injustainconstitucional” são todos previstos em preceitos fundamentais da Constituição Federal. Como nãoexiste qualquer regra a respeito da forma de relativização da coisa julgada, admitindo-se arepropositura de nova ação, de ação anulatória, de embargos à execução e mesmo de ação civilpública, não será impossível que alguém mais atrevido proponha tal relativização por meio daarguição de descumprimento de preceito fundamental. É certamente algo a ser pensado, ainda que nãose encontre na doutrina maiores considerações a respeito. Adianto minha opinião pelainadmissibilidade da arguição de descumprimento nesse caso em razão do art. 4º, § 1º, da Lei9.882/1999 impedi-la, se houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

Não se admite arguição de descumprimento de preceito fundamental contra projetos de lei ou deemendas constitucionais e contra atos de regimento interno das casas legislativas. Nos últimos casos,inclusive, ficou claro, por vetos presidenciais (respectivamente art. 5º, § 4º, art. 9º e art. 1º,parágrafo único, II, do projeto de lei do qual resultou a Lei 9.882/1999) a resistência àadmissibilidade da arguição por descumprimento. Os atos políticos, que também sofreram vetopresidencial, já foram afastados do controle por meio da arguição de descumprimento no julgamentode liminar da primeira ADPF proposta, mas, em julgamento monocrático posterior (ADPF 45), oMinistro Celso de Mello parece ter se distanciado da limitação, afirmando ser idônea a viabilizaçãode políticas públicas por meio da arguição, quando previstas na Constituição Federal edescumpridas pelas instâncias governamentais.

4.4. FORMAS PROCEDIMENTAIS DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTOSegundo corrente lição doutrinária, o legislador infraconstitucional, ao regulamentar a arguição de

descumprimento de preceito fundamental por meio da Lei 9.882/1999, criou duas formasprocedimentais distintas: (a) no art. 1º, caput, uma típica ação direta de controle deconstitucionalidade pertencente aos processos objetivos; (b) no art. 1º, parágrafo único, I, uma açãodireta de controle de constitucionalidade incidental a um processo judicial já em trâmite. Não sãopropriamente duas diferentes modalidades de arguição, mas simplesmente duas formasprocedimentais de ação215, com muitos pontos em comum e algumas particularidades.

No primeiro caso, as características do processo coletivo estão inegavelmente presentes, emespecial a inexistência de lide, voltando-se o processo à proteção abstrata da Constituição Federal –na realidade, somente aos seus preceitos fundamentais – diante de um ato ou omissão do PoderPúblico que a ameace ou a ofenda. Os indivíduos são beneficiados somente de forma reflexa, comomembros da coletividade, a verdadeira titular do direito difuso versado na ação. Com suasparticularidades procedimentais, essa forma procedimental de arguição tem a mesma naturezajurídica das ações diretas de declaração de (in)constitucionalidade.

No segundo caso, o art. 1º, parágrafo único, I, da Lei 9.882/1999 prevê o cabimento da arguiçãode descumprimento quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou atonormativo do poder público, sendo entendimento uníssono na doutrina que essa controvérsia deve sernecessariamente judicial216. Dessa forma, não bastam controvérsias doutrinárias ou abstratas, sendo

indispensável a existência de um processo em trâmite.Como a controvérsia constitucional deve ser relevante, não basta que se alegue a violação ou

ameaça de violação a um preceito fundamental. A espécie de preceito constitucional violado éexigível em qualquer forma procedimental de arguição de descumprimento, sendo o mínimonecessário para sua admissibilidade. Na arguição incidental, entretanto, existirá ainda a exigência deser a controvérsia sobre o preceito fundamental relevante. Segundo a melhor doutrina, haverá talrelevância quando o deslinde da controvérsia tiver uma repercussão geral, que transcenda o interessedas partes no processo, seja em razão do número expressivo de processos fundados na mesmaquestão jurídica, seja por seu alcance político, econômico, social ou ético217. Há, como se podenotar, uma grande proximidade entre essa relevância e a relevância ou transcendência exigidas peloart. 543-A, § 1º, do CPC na repercussão geral no recurso extraordinário.

Como se pode notar com certa tranquilidade, ainda que a arguição de descumprimento mantenhasua natureza de ação de controle concentrado de constitucionalidade, ao ser tratadaprocedimentalmente como uma ação incidental, passa a exigir a pendência de processo judicial noqual seja criada a controvérsia que habilita seu ingresso. Trata-se, inegavelmente, de uma forma suigeneris de controle de constitucionalidade, porque ao mesmo tempo se prestará a definiçõesjurídicas de forma abstrata, com eficácia vinculante e erga omnes, como também beneficiarádiretamente uma das partes do processo em trâmite, ou seja, a conjugação dos modelos difuso econcentrado de constitucionalidade218.

Ainda em sede introdutória, é preciso recordar que, em razão de liminar concedida na ADI (MC)2.231/DF, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados, a arguição incidental foiprovisoriamente considerada inconstitucional, com a justificativa de que sua criação dependeria deuma emenda constitucional, não sendo possível ao legislador infraconstitucional criar uma forma decontrole concentrado de constitucionalidade. Como já tive oportunidade de afirmar, não me pareceter o legislador infraconstitucional criado uma nova forma de controle, apenas disciplinandodiferentes procedimentos para instrumentalizar o controle previsto no art. 102, § 1º, da CF. Dequalquer forma, em razão da mencionada liminar, ainda não experimentamos essa formaprocedimental de arguição de descumprimento.

4.5. ARGUIÇÃO INCIDENTAL E INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DEJURISPRUDÊNCIA

Entendo que a arguição de descumprimento incidental tem considerável proximidade com oincidente de uniformização de jurisprudência, previsto nos arts. 476 a 479 do CPC e aplicável nostribunais de segundo grau em sua atuação de competência originária ou recursal. Em ambos os casos,a declaração a respeito da constitucionalidade será feita abstratamente, ainda que nas duas situaçõesdescritas exista um processo subjetivo em trâmite, que suportará os efeitos diretos da declaração.

Naturalmente existem diferenças, tais como a competência para o julgamento, os atos que podemser objeto de declaração de inconstitucionalidade, as normas constitucionais afrontadas ouameaçadas de ofensa. Quanto aos respectivos procedimentos, apesar de apresentarem diferençasfundamentais, como a legitimidade para a arguição do incidente de uniformização de jurisprudência eda arguição de descumprimento, possuem grandes coincidências, sendo considerável a similitudeentre ambos, em especial em decorrência das regras consagradas nos parágrafos do art. 482 do CPC.

Segundo o art. 482, § 1º, do CPC, o Ministério Público poderá se manifestar no incidente, desdeque respeitados os prazos e condições fixados pelo regimento interno do tribunal. É uma previsãocuriosa, porque o Ministério Público obrigatoriamente já terá se manifestado no incidente, ainda queperante o órgão fracionário: ou porque suscitou o incidente ou porque se cumpriu o previsto no art.480 do CPC. Por essa razão, parece desnecessária a previsão legal, e o Ministério Público só semanifestará caso pretenda complementar alegação anterior. O mesmo dispositivo legal franqueia àspessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado que se manifestemno incidente, o que, apesar de não ser obrigatório, exige uma intimação dessa pessoa jurídica paradar-lhe ciência da existência do incidente (princípio do contraditório).

Todos os legitimados ativos à propositura das ações de controle concentrado deconstitucionalidade (art. 103 da CF) poderão manifestar-se por escrito, apresentando memoriais ejuntando documentos (art. 482, § 3º, do CPC). Apesar da expressa previsão legal no tocante à formaescrita da manifestação, entendo também ser admissível a sustentação oral na sessão de julgamento,não havendo qualquer sentido lógico e/ou jurídico que afaste esse direito. Nesse caso, parece serdispensável a intimação dos legitimados, até pela sua impossibilidade material.

No art. 482, § 3º, do CPC, há previsão que permite o ingresso do amicus curiae no incidenteprocessual, sujeito analisado no Capítulo 1, item 1.9. Da mesma forma que ocorre no art. 7º, § 2º daLei 9.868/1999, o dispositivo ora analisado incorre no equívoco de qualificar o pronunciamento dorelator que tem como objeto a admissibilidade do amicus curiae como despacho, quandoevidentemente se trata de uma decisão interlocutória, ainda que, por opção legislativa,irrecorrível219. Diferente dos sujeitos previstos no dispositivo legal, que têm a faculdade departicipar do processo (“querendo”), ao amicus curiae não basta querer, cabendo ao relator aanálise da adequação de sua intervenção220, conforme analisado no Capítulo 1, item 1.9.

A diferença fundamental entre a arguição de descumprimento de preceito fundamental e o incidentede uniformização de jurisprudência é a natureza jurídica: enquanto a arguição incidental desenvolve-se por meio de uma ação incidental, o incidente de uniformização de jurisprudência, como o próprionome indica, não se desenvolve por meio de ação, mas de mero incidente processual.

Justamente em razão dessa fundamental diferença, a decisão proferida no incidente deuniformização de jurisprudência vincula o órgão fracionário221, considerando que o julgamento quedeclara a constitucionalidade ou inconstitucionalidade realizado pelo plenário passa a fazer parte dojulgamento do recurso, da causa ou do reexame necessário a ser julgado por tal órgão. A vinculação,entretanto, limita-se ao processo em curso no qual o incidente foi criado, gerando efeitos interpartes. Na arguição de descumprimento incidental, além da vinculação obrigatória do juízo no qualtramita o processo subjetivo, a decisão, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei 9.882/1999, terá eficáciacontra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público. Os efeitos interpartes e erga omnes se justificam em razão da declaração ser proferida, respectivamente, comoincidente processual em processo subjetivo e em ação declaratória incidental em processo subjetivo.

Registre-se a existência de posição doutrinária que defende a “abstrativização do incidente deinconstitucionalidade”. Para essa corrente doutrinária, apesar de a declaração ser incidental, e tersido possível em razão de um processo subjetivo, no qual se busca a solução do clássico conflito deinteresses, a análise da inconstitucionalidade da lei é feita em abstrato, a exemplo do que ocorre naação de controle concentrado de constitucionalidade. Chega-se a defender que, apesar da decisão

estar submetida à coisa julgada inter partes, a decisão do tribunal pleno ou do órgão especialvinculam o tribunal nos demais feitos nos quais se discuta incidentalmente a mesma questão, servindocomo paradigma (leading case)222, havendo até mesmo aqueles que entendem pelo carátervinculativo da decisão aos órgãos fracionários do tribunal223.

4.6. LEGITIMIDADEO art. 2º, I, da Lei 9.882/1999 prevê serem legitimados ativos os mesmos sujeitos legitimados

para a ação direta de inconstitucionalidade. A simples remição do dispositivo legal a um rol delegitimados previsto por outra norma legal, permite a conclusão doutrinária e confirmada na praxeforense de que não só os legitimados ativos são os mesmos, como também os temas polêmicos arespeito dessa legitimação serão resolvidos de forma homogênea para todos os processos objetivos.Além disso, as construções doutrinárias também serão feitas de forma homogênea. O tema, portanto,já foi exaustivamente abordado no Capítulo 1.

Cumpre apenas o registro de que o inciso II do artigo ora analisado, que previa a legitimidadeativa de qualquer pessoa lesada ou ameaçada pelo ato do poder público, foi vetado, o que impediuuma significativa modificação no tratamento do controle concentrado de constitucionalidade. Dasrazões do veto, nota-se nitidamente uma preocupação pragmática com as consequências trágicas quese abateriam sobre o Supremo Tribunal Federal na hipótese de legitimidade ativa para qualquersujeito. A preocupação com uma eventual elevação excessiva do número de ações de competênciaoriginária do Supremo Tribunal poderia inviabilizar funcionalmente o tribunal, afetando o interessepúblico em seu bom funcionamento.

Compreende-se plenamente o receio exposto no veto presidencial, mas considero um tantoalarmista, para não dizer catastrófica, a presunção de inviabilidade funcional do Supremo TribunalFederal. A experiência tem mostrado que ações judiciais de natureza altruísta, que buscam a tutela deinteresses alheios, não são utilizadas com frequência pelos cidadãos, como se pode constatar dopequeno número de ações populares em comparação com ações civis públicas. Custo a crer que,ampliada a legitimação ativa na ação autônoma de arguição de descumprimento de preceitofundamental, haveria um aumento tão significativo de ações que inviabilizariam o serviçojurisdicional oferecido pelo Supremo Tribunal Federal.

Impressão um pouco diferente tenho a respeito da ação incidental de arguição de descumprimento,porque, nesse caso, a natureza altruísta da arguição esconderá um interesse direto e bem palpável deuma das partes envolvidas em processo judicial. Existe corrente doutrinária que, inclusive, entendeque a ampliação da legitimidade só atingiria a arguição incidental, em razão da necessidade do autorda ação ser, nos termos da norma vetada, pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público224.Realmente, nesse caso, o perigo de uma enxurrada de ações propostas diretamente ao SupremoTribunal Federal não é algo a se desconsiderar.

Concordando-se ou não com o veto presidencial, não parece haver possibilidade de interpretaçãoampliativa do art. 2º, I, da Lei 9.882/1999, devendo ser respeitada a opção do legislador em associara legitimação ativa da arguição de descumprimento com a já existente nas outras ações diretas deinconstitucionalidade225. E justamente em razão de nada poder ser feito contra o veto presidencial, aredação do art. 2º, II, § 1º, da Lei 9.882/1999 restou inapropriada, porque faz remição a um incisoobjeto de veto, situação inevitável quando um inciso de norma legal é vetado, mas seus parágrafos

são mantidos.Mas a consequência mais drástica do veto presidencial foi relegar a arguição incidental a uma

utilização muito restrita, praticamente inexistente. Como bem observado pela melhor doutrina, sendoo rol de legitimados o mesmo para arguição incidental e autônoma, será inexplicável a opção pelasegunda, cujos requisitos de admissibilidade são mais rígidos226. Podendo optar, portanto,naturalmente o farão em favor da arguição de forma autônoma.

Limitada a legitimação ativa nos termos do art. 103 da CF, qualquer interessado no respeito aopreceito fundamental poderá, mediante representação, solicitar a propositura da arguição dedescumprimento ao Procurador-Geral da República, que, em deliberação irrecorrível, decidirá pelocabimento de seu ingresso em juízo. A irrecorribilidade da decisão decorre de mais um vetopresidencial, dessa vez do art. 2º, § 2º, que permitia ao interessado uma representação ao SupremoTribunal Federal na hipótese de indeferimento de sua representação perante o Procurador-Geral daRepública. Ao interessado, portanto, frustrado em sua pretensão, sobrará apenas lamentar ou, porforma não oficial, tentar convencer outro legitimado a propositura da arguição227.

No tocante à legitimidade passiva, da mesma forma que ocorre nas ações diretas deinconstitucionalidade, entendo que a arguição de descumprimento de preceito fundamental é umaação sem réu, não existindo sujeito legitimado a compor o polo passivo228. Não vejo como justificarprocessualmente o entendimento que atribui às autoridades, órgãos ou entidades responsáveis pelaprática do ato ou omissão, mas não considera tais sujeitos as partes passivas da ação229. Tampoucoentendo possível se considerar o Advogado-Geral da União como réu na arguição, pelas mesmasrazões que defendi sua ilegitimidade nas ações diretas de inconstitucionalidade, tema versado noCapítulo 1.

O Advogado-Geral da União, inclusive, tem participação controvertida em sede de arguição dedescumprimento, sendo omissa a Lei 9.882/1999 a respeito de sua necessária participação na defesado ato impugnado. Acredito que as mesmas questões referentes à amplitude dessa atuação na açãodireta de inconstitucionalidade e devidamente analisadas no Capítulo 1 aplicam-se à arguição dedescumprimento. Ocorre, entretanto, que existe uma polêmica específica da arguição, que envolve aespécie de ato impugnado, considerando-se que, pela arguição, não são somente atos normativosobjeto de controle. Para parcela da doutrina, a atuação é idêntica à desenvolvida nas demais açõesde controle, limitada, portanto, aos atos normativos230, enquanto, para outra corrente doutrinária anatureza do ato é irrelevante, em razão da presunção de constitucionalidade presente em todos osatos, independentemente de sua natureza231.

4.7. COMPETÊNCIAO art. 102, § 1º, da CF remete o tratamento procedimental da arguição de descumprimento de

preceito fundamental à lei infraconstitucional, limitando-se a prever apenas uma regra procedimental:a competência originária do Supremo Tribunal Federal. É até natural essa competência originária,considerando-se a função do Supremo Tribunal Federal de fazer o controle concentrado deconstitucionalidade.

Discute-se a possibilidade de previsão de arguição de descumprimento de preceito federal emConstituições Estaduais, criando-se uma forma de proteção imediata e direta de seus preceitosfundamentais. Existem alguns Estados da Federação, inclusive, que já contam em suas Constituições

Estaduais com a previsão de arguição de descumprimento de preceito fundamental (Mato Grosso doSul, Alagoas, Rio Grande do Norte), com amparo doutrinário232. Admitida essa criação no âmbitoestadual, com base no princípio da simetria com o modelo federal, a competência para a arguiçãoserá originária do Tribunal de Justiça.

Ressalte-se a respeito do tema interessante observação doutrinária que pode justificar o pequenointeresse despertado nos Estados na criação em suas Constituições Estaduais da arguição dedescumprimento de preceito fundamental. Segundo essa corrente doutrinária, haverá duas razões dedesestímulo: (a) os preceitos fundamentais constantes nas Constituições Estaduais decorrem daConstituição Federal, e (b) os atos municipais e estaduais são passível de arguição dedescumprimento federal233.

4.8. PROCEDIMENTO

4.8.1. Petição inicial

Exatamente como ocorre com as ações diretas de inconstitucionalidade, a relevância da matériatratada na arguição de descumprimento não é o suficiente para afastar o princípio da inércia dajurisdição (princípio da demanda), sendo indispensável para o início da ação a provocação, pormeio de petição inicial, de um dos legitimados previstos no art. 103 da CF. Tratando-se delegitimação concorrente e disjuntiva, a provocação pode ser feita por somente um dos legitimados ouem conjunto, o que caracteriza um litisconsórcio ativo facultativo234.

Os requisitos formais da petição inicial estão previstos no art. 3º da Lei 9.882/1999, sendoaplicável de forma subsidiária o art. 282 do CPC naquilo que couber.

Aplicam-se à petição inicial da arguição os dois primeiros incisos do art. 282 do CPC, ainda que,no tocante ao inciso II, a qualificação exigida das partes limite-se ao autor, sendo também específicaem razão do diferenciado rol dos legitimados ativos. O inciso III do art. 282 do CPC, que prevê anecessidade de narração de causa de pedir, também é exigido na arguição, ainda que seja possívelencontrar tal exigência no inciso III do art. 3º da Lei 9.882/1999. A exigência de pedido e suasespecificações constam tanto do art. 282, IV, do CPC como do art. 3º, IV, da Lei 9.882/1999. Notocante ao valor da causa, previsto no art. 282, V, do CPC, reafirmo meu entendimento por suaaplicação ao processo objetivo, externado no Capítulo 1, item 1.4.1, ainda que ressalte não serexigido na praxe forense. Entendo inaplicáveis os incisos VI e VII do art. 282 do CPC, porque nãohaverá citação do réu na arguição e porque o procedimento sumário documental não permite aprodução de provas durante o processo.

Ainda que seja possível uma análise conjunta dos arts. 282 do CPC e do art. 3º da Lei 9.882/1999,é interessante uma análise mais aprofundada dos incisos desse dispositivo legal.

Segundo o art. 3º, I, da Lei 9.882/1999, a petição inicial deve conter a indicação do preceitofundamental que se considera violado, enquanto o inciso II exige a indicação do ato questionado. Eminterpretação extensiva, inclui-se no inciso I o preceito fundamental ameaçado de violação, ematendimento a possível natureza preventiva da arguição, e inclui-se no inciso II a indicação daomissão questionada, quando a violação ou ameaça decorrer de omissão, e não de ato praticado peloPoder Público.

Trata-se, de qualquer modo, de requisitos formais da arguição, sendo relevantes para a

determinação de elementos básicos a essa espécie de controle de constitucionalidade: qual opreceito fundamental que se entende violado ou ameaçado e o ato ou omissão responsável pelaofensa ou ameaça? Ainda que sejam requisitos meramente formais, é indispensável a indicação peloautor para que o órgão jurisdicional possa fazer uma análise do cabimento da arguição dedescumprimento. Primeiro determinar se o preceito é realmente constitucional, e, sendo-o, se éfundamental. Depois, verificar da espécie de ato ou omissão, já que nem todos os atos praticadospelo Poder Público podem ser objeto dessa espécie de controle de constitucionalidade, conformeanalisado no Capítulo 1.

Apesar da relevância dos incisos I e II do art. 3º da Lei 9.882/1999 para fins de análise decabimento da arguição de descumprimento, não me parece que as indicações exigidas pela lei sejamo suficiente para compor a causa de pedir exigida em qualquer petição inicial235. No máximo, podese considerar tais indicações como componentes do substrato fático da arguição de descumprimento,exigindo-se do autor a mera narração fática de como um ato ou omissão do Poder Público estariaofendendo ou ameaçando ofender um preceito fundamental. O fundamento jurídico do pedido, aomenos aparentemente, vem consagrado no inciso III do artigo ora comentado, que exige do autor aprova da violação do preceito fundamental.

Entendo que a prova mencionada pelo dispositivo legal, que serve tanto para comprovar aviolação como a ameaça nas ações preventivas, não diz respeito aos fatos da demanda, mas sim àfundamentação jurídica do pedido, cabendo ao autor justificar, à luz do ordenamento constitucional,por que o ato ou omissão ofende ou ameaça ofender um preceito fundamental. A prova, portanto, é aargumentação jurídica exigida ao autor para que comprove, juridicamente, a alegada violação ouameaça.

É tradicional a lição que não permite a confusão entre fundamento jurídico, que compõe a causa depedir, e o fundamento legal, que não compõe a causa de pedir e decididamente não vincula o juiz emsua decisão, que poderá decidir com outro fundamento legal, com respeito ao contraditório236. Porfundamento legal entende-se a indicação do artigo de lei no qual se fundamenta a decisão; talfundamento é dispensável237 e não vincula o autor ou o juiz, não fazendo parte da causa de pedir238.Fundamento jurídico é o liame jurídico entre os fatos e o pedido, ou seja, é a explicação à luz doordenamento jurídico dos motivos pelos quais o autor merece o que está pedindo diante dos fatos quenarrou.

Aplicando-se a tradicional lição à arguição de descumprimento de preceito fundamental, significadizer que, na argumentação jurídica desenvolvida pelo autor, não há necessidade de indicação dequalquer norma legal, bastando para a regularidade da causa de pedir a narrativa jurídica quepossibilite o acolhimento de seu pedido em razão dos fatos narrados, ou seja, diante da correlaçãonarrada pelo autor de um ato ou omissão e um preceito fundamental. Diante da premissa criada,pergunta-se: caso o Supremo Tribunal Federal entenda que o ato ou omissão violou ou ameaça violaroutro preceito fundamental que não aquele narrado pelo autor, como deve proceder?

É natural que, partindo-se da premissa de que a indicação do preceito fundamental faz parte dafundamentação jurídica apresentada pelo autor, a conclusão será pela aplicação da causa de pediraberta, analisada no Capítulo 1, item 1.10.4, facultando-se ao Supremo Tribunal Federal a prolaçãode decisão com fundamento em preceito fundamental não narrado na petição inicial239. Mas, napremissa adotada, a indicação do preceito fundamental não faz parte da fundamentação jurídica,

tratando-se de requisito formal que, quando muito, será incluído nos fatos narrados pelo autor, deforma a ser desnecessária a adoção da tese da causa de pedir aberta para justificar o poder dotribunal de decidir com o fundamento jurídico que entender adequado.

Poder-se-ia acreditar que, em fidelidade às premissas criadas, não seria permitido ao SupremoTribunal Federal acolher o pedido em razão de o ato ou omissão ter ofendido ou ameaçar violarpreceito fundamental não narrado na petição inicial. Afinal, toda a construção da causa de pediraberta limita a liberdade do juízo ao fundamento jurídico, vinculando-o, entretanto, aos fatosjurídicos narrados pelo autor. Como parto da premissa de que a indicação do ato ou omissão e dopreceito fundamental ofendido ou ameaçado fazem, no máximo, parte da narração fática da causa depedir, será preciso concluir pela inaplicabilidade à espécie da teoria da causa de pedir aberta, que,apesar de permitir ao juízo a decisão com base em fundamentação jurídica não narrada pelo autor,vincula-o aos fatos jurídicos.

Ocorre, entretanto, que a realidade imposta pelo controle concentrado de constitucionalidade exigeque certas regras e princípios processuais sejam compreendidos e aplicados de forma diferenciada,de modo a adequar-se o processo e seus institutos à realidade criada por essa atuação originária doSuperior Tribunal de Justiça. Significa dizer que, mesmo considerando que a indicação do preceitofundamental faz parte da causa de pedir, entendo que a teoria da causa de pedir aberta devaexcepcionalmente abranger também os fatos jurídicos, de forma a liberar o Supremo TribunalFederal para o julgamento de procedência do pedido, ainda que a ofensa ou ameaça tenha se dado emface de preceito fundamental não narrado na petição inicial.

Nos termos do art. 3º, parágrafo único, da Lei 9.882/1999, a petição inicial deve ser acompanhadade instrumento de mandato, se for o caso, tudo levando a crer que a singular capacidade postulatóriaadmitida para as ações diretas de inconstitucionalidade, devidamente criticada no Capítulo 1, étambém admitida na arguição de descumprimento. Ainda como exigência do dispositivo legal, constaa instrução da petição inicial com cópias do ato questionado e dos documentos necessários paracomprovar a impugnação, o que demonstra de forma clara a natureza sumária documental desseprocedimento.

4.8.2. Posturas do juiz diante da petição inicial

4.8.2.1. Emenda da petição inicial

Apesar da omissão legal, em aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, maisprecisamente de seu art. 284, é inegável a possibilidade de o ministro relator determinar a emenda dapetição inicial da arguição de descumprimento. A melhor doutrina ensina que o indeferimento dapetição inicial só será cabível, se inviável, no caso concreto, a emenda de inicial, ou seja, a drásticaextinção liminar do processo deve ser reservada a situações nas quais os vícios sejam insanáveis eas irregularidades incorrigíveis240. O Superior Tribunal de Justiça entende ser direito do autor aemenda da petição inicial, sempre que se mostre possível seu saneamento e/ou regularização no casoconcreto241.

Não há qualquer razão plausível para se afastar tal entendimento do procedimento da arguição dedescumprimento de preceito fundamental, aplicando-se por analogia entendimento consagrado peloSupremo Tribunal Federal a respeito do tema na ação direta de inconstitucionalidade242. O relator

concederá prazo de dez dias para que o autor emende ou complemente a petição inicial, admitindo-sea dilação desse prazo, dependendo das exigências do caso concreto243. O prazo é impróprio,admitindo-se a emenda após o vencimento do prazo, desde que antes da extinção do processo244.

4.8.2.2. Indeferimento da petição inicialO art. 4º, caput, da Lei 9.882/1999 prevê tanto a possibilidade de indeferimento da petição inicial

como as hipóteses de tal espécie de decisão. Conforme lembra a melhor doutrina, só existeindeferimento da petição inicial no momento liminar do procedimento, o que, na arguição dedescumprimento, significa o momento anterior a oitiva de interessados e do Advogado-Geral daUnião.

A primeira hipótese de indeferimento é o não cabimento da arguição de descumprimento depreceito fundamental, circunstância que pode ter diferentes origens: (a) ato ou omissão que nãopodem ser objeto dessa espécie de ação; (b) preceito fundamental sem natureza constitucional; (c)preceito constitucional não ser fundamental; (d) existir outro meio eficaz de sanar a lesividade, nostermos do art. 4º, § 1º, da Lei 9.882/1999. A segunda hipótese de indeferimento é a falta derequisitos formais prescritos pela lei e a terceira, a inépcia da petição inicial, aplicando-se poranalogia o art. 295, parágrafo único, do CPC.

Consta do caput do dispositivo ora analisado que a tarefa de indeferir a petição inicial é dorelator, sendo contra essa decisão cabível o recurso de agravo interno para o órgão colegiado noprazo de cinco dias, nos termos do art. 4º, § 2º, da Lei 9.882/1999. Entendo também ser cabívelembargos de declaração, nos termos do art. 535 do CPC, mas deve-se lembrar que é corrente, nostribunais superiores, o recebimento dos embargos de declaração por agravo interno, quando orecurso é interposto contra a decisão monocrática do relator. Aplicando-se a fungibilidade, afirma-se que essa conversão prestigia o princípio da celeridade processual, proporcionandoimediatamente um julgamento colegiado245.

Por outro lado, é importante lembrar que a competência para o indeferimento da petição inicialnão é do relator, que funcionará como representante avançado do órgão colegiado em razão dedesejável facilitação procedimental. A competência é do órgão colegiado, que simplesmente adelega para o relator, de forma que, entendendo o relator que o indeferimento deve ser realizado peloórgão colegiado, não vejo qualquer nulidade na conduta de se formar tal órgão colegiado para aprolação de decisão. Nesse caso, naturalmente, não será cabível recurso, salvo os embargos dedeclaração.

4.8.2.3. Apreciação de liminarCabe ao autor pedir a concessão da tutela em sede liminar na petição inicial da arguição de

descumprimento. Não sendo caso de indeferimento, a concessão dessa tutela de urgência é reguladapelo art. 5º da Lei 9.882/1999, sendo esse tema enfrentado no Capítulo 1, item 1.5.

4.8.2.4. Pedido de informaçõesNos termos do art. 6º, caput, da Lei 9.882/1999, apreciado o pedido de limiar, o relator solicitará

as informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias.

Três observações se impõem de plano: (a) pela redação do dispositivo legal, fica clara aimpossibilidade de concessão de liminar de ofício, já que o texto legal expressamente menciona aapreciação do pedido de liminar; caso fosse suprimido o termo “pedido” a conclusão poderia seroutra; (b) o relator não solicita a informação, mas requisita, sendo dever funcional da autoridadepública prestá-la no prazo de dez dias, fixado em lei, ainda que entenda que tal prazo é impróprio,sendo admitida a informação mesmo depois de vencido o prazo; (c) a autoridade que prestará asinformações pode ser responsável por ato ou omissão.

Como já tive a oportunidade de defender no Capítulo 1, item 1.4.2.3, o fato de ser impróprio oprazo de prestação de informações na arguição de descumprimento não pode gerar confusãoprocedimental, com as informações sendo prestadas em momento procedimental incompatível comtal ato processual. Dessa forma, o relator deve zelar para que as informações sejam prestadas aindanessa fase inicial do procedimento, evitando-se retrocessos e balburdia procedimental.

4.8.3. ManifestaçõesConforme já analisado, haverá necessariamente manifestação da autoridade responsável pela

prática do ato ou pela omissão, nos termos do art. 6º, caput, da Lei 9.882/1999. No § 1º do mesmodispositivo legal, há previsão legal que permite ao relator a oitiva de outros sujeitos. Antespropriamente de analisar as hipóteses previstas pelo dispositivo de lei mencionado, cumpreressaltar, apesar da omissão legal, a necessidade de oitiva do Advogado-Geral da União, emaplicação por analogia do art. art. 8º da Lei 9.868/1999. Às controvérsias a respeito da forma departicipação desse sujeito já existentes nas ações diretas de inconstitucionalidade, tratadas noCapítulo 1, soma-se, na arguição de descumprimento, controvérsia a respeito da natureza dos atosque exigem tal participação, tema tratado neste Capítulo, item 4.3.

Tratando-se de arguição de descumprimento autônoma, aplica-se apenas parcialmente o art. 6º, §1º, da Lei 9.882/1999, não sendo cabível, nesse caso, a oitiva das partes nos processos queensejaram a arguição. Dessa forma, a oitiva limitar-se-á à designação de peritos ou comissão deperitos, para que emitam parecer sobre a questão. Também poderá o relator fixar data paradeclarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Essa partedo dispositivo legal não é de fácil compreensão.

Quem seriam os peritos indicados, que se manifestariam isoladamente ou em conjunto por meio deuma comissão? Tradicionalmente, o perito é o especialista sobre matéria do conhecimento humanoque colabora com o juiz por meio do esclarecimento dos fatos da demanda. Na arguição dedescumprimento, processo objetivo, os fatos são objetivamente aferíveis: a existência de um ato ouomissão e a existência de um preceito fundamental que teria sido violado ou esteja sendo ameaçadode violação. Não parece, portanto, haver espaço para a participação de peritos nesse processo.

Por outro lado, se for compreendido que, na realidade, esses “peritos” são especialistas na matériajurídica versada na ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental, o dispositivo legaldeve ser criticado por duas razões fundamentais. Primeiro, porque não se deve confundir o peritocom o amicus curiae; segundo, porque o próprio dispositivo legal prevê que o juiz poderá admitir amanifestação, escrita ou oral, de pessoas com experiência e autoridade na matéria, que naturalmentetrata-se da matéria jurídica. De qualquer forma, apesar das imprecisões do dispositivo legal, aconclusão tranquila é pela admissão do amicus curiae na arguição de descumprimento, conforme

tranquilo entendimento doutrinário246.Ainda que não exista na Lei 9.882/1999 norma que vede a intervenção de terceiros na arguição de

descumprimento, como ocorre na ação direta de inconstitucionalidade, em razão do art. 7º da Lei9.868/1999, a natureza de processo objetivo dessa ação permite a conclusão de que, também naarguição, as formas tradicionais de intervenção de terceiros não serão admitidas. Ocorre, entretanto,que o art. 6º, § 2º, da Lei 9.882/1999 prevê que poderão ser autorizadas, a critério do relator, asustentação oral e juntada de memoriais de interessados no processo.

Justamente em razão da natureza objetiva da arguição de descumprimento, os mencionadosinteressados no dispositivo legal devem ser compreendidos como os demais legitimados ativos quenão propuseram a ação, que, ao se manifestarem nos autos, passarão a figurar como assistenteslitisconsorciais ou litisconsortes ulteriores, havendo ainda parcela da doutrina que defenda suaqualidade de amicus curiae. O tema é tratado no Capítulo 1, item 1.9.

Por fim, decorrido o prazo para as informações, nos termos do art. 7º, parágrafo único, da Lei9.882/1999, o Ministério Público terá vista do processo – na realidade, terá vista dos autos – peloprazo de cinco dias. Interessante a expressa previsão nesse dispositivo que dispensa a oitiva doMinistério Público, caso a arguição de descumprimento tenha sido proposta por ele, o que deixaclaramente afastada a possibilidade de dupla participação do MP: como autor e como fiscal da lei.

Conforme já havia defendido na ação direta de inconstitucionalidade, no Capítulo1, nada justificaessa duplicidade de atuação, de forma que o art. 7º, parágrafo único, da Lei 9.882/1999 deve serelogiado e apontado como regra de grande avanço científico no campo processual. Poderia,inclusive, ainda que não pareça ter acontecido até o momento, incentivar os órgãos jurisdicionais aevitarem a dupla participação em outras circunstâncias, a começar pela ação direta de controle deconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da República.

4.8.4. DecisãoApós as devidas prestações de informações e manifestações previstas em lei, a arguição de

descumprimento de preceito fundamental será julgada em sessão pública do Tribunal Pleno. Segundoo art. 8º, caput, da Lei 9.882/1999, a decisão dessa ação somente será tomada, se presentes nasessão pelo menos dois terços dos Ministros. Como o Supremo Tribunal Federal já decidiu que essequorum na ação direta de inconstitucionalidade não precisa ser obtido em sessão única dejulgamento247, o mesmo entendimento deve ser aplicado à arguição de descumprimento.

A interpretação conjugada dos arts. 4º, caput, e 8º, caput, da Lei 9.882/1999 permite a conclusãode que o quorum qualificado para a prolação da decisão da arguição de descumprimento só seráexigido para as decisões de mérito, que acolham ou rejeitem o pedido do autor, nos termos do art.269, I, do CPC. Se o indeferimento liminar da petição inicial pode ser realizado monocraticamentepelo relator, por meio de decisão terminativa, fica evidenciado que o voto de pelo menos oitoministros do Supremo Tribunal Federal só será exigido para as decisões de mérito.

O art. 10 da Lei 9.882/1999 prevê algumas regras formais referentes ao julgamento da ação.Segundo determina o caput deste dispositivo, julgada a ação, as autoridades ou órgãos responsáveispela prática do ato questionado serão comunicadas da decisão. Nos termos do § 1º, caberá aopresidente do Supremo Tribunal Federal determinar o imediato cumprimento da decisão, com alavratura do acórdão posteriormente a essa determinação. No § 2º, há previsão de publicação da

parte dispositiva da decisão em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, noprazo de dez dias, contado a partir de trânsito em julgado da decisão.

O art. 11 da Lei 9.882/1999 repete a regra prevista no art. 27 da Lei 9.868/1999, permitindo aoSupremo Tribunal Federal, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, modular osefeitos da declaração com fundamento em razões de segurança jurídica ou de excepcional interessesocial. Os mesmos comentários feitos à modulação dos efeitos da declaração deinconstitucionalidade feitos no Capítulo 1 se aplicam na arguição de descumprimento de preceitofundamental.

Nos termos do art. 10, § 3º, da Lei 9.882/1999, a decisão de mérito proferida na arguição dedescumprimento ora analisada terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demaisórgãos do Poder Público. O dispositivo se acomoda à perfeição com a natureza de processo objetoda arguição de descumprimento, não havendo sentido a impugnação feita na ADIN 2.231/DF,proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Registre-se que esse efeito vinculante do julgamento da arguição é até mais amplo que o existentenas ações diretas de constitucionalidade, porque atinge todos os órgãos do Poder Público, e nãosomente os órgãos da Administração Pública e do Poder Judiciário, como ocorre nessas ações. Paraparcela doutrinária, significa dizer que o Poder Legislativo fica submetido às condições e ao modode interpretação e aplicação determinados pelo Supremo Tribunal Federal no tocante ao preceitofundamental248. A tese não é pacífica, havendo resistência com fundamento na regra da separação dospoderes249.

Essa maior amplitude na eficácia vinculante do julgamento proferido em sede de arguição dedescumprimento decorre das espécies de atos que podem violar ou ameaçar um preceito fundamental.Também por essa razão, nem sempre se admitirá que as diferentes formas de declaração deinconstitucionalidade – redução de texto, interpretação conforme a Constituição e declaração parcialde inconstitucionalidade sem redução de texto – se apliquem na arguição de descumprimento. Comoensina a melhor doutrina, diante de um ato administrativo de grande relevância social, caberá aoSupremo Tribunal Federal simplesmente reconhecer ou não o descumprimento, não lhe sendo dada afixação de termos interpretativos ou temporais.

4.9. TUTELA DE URGÊNCIAA tutela de urgência na arguição de descumprimento de preceito fundamental é tratada no art. 5º da

Lei 9.882/1999. Nos termos do art. 5º, caput, por decisão de maioria absoluta de votos de seusmembros, o Supremo Tribunal Federal poderá deferir medida liminar na ação ora analisada.Interessante notar que, diferente da previsão de medida cautelar, como ocorre na ação direta deinconstitucionalidade (arts. 10, 11 e 12 da Lei 9.868/1999), o dispositivo legal menciona somenteuma medida liminar.

Valendo-se da origem no latim ( liminaris, de limen), o termo “liminar” pode ser utilizado paradesignar algo que se faça inicialmente, logo no início. O termo liminar, nesse sentido, significalimiar, soleira, entrada, sendo aplicado a atos praticados inaudita altera parte, ou seja, antes dacitação do demandado. Aplicado às espécies de tutelas de urgência, a liminar, nesse sentido,significa a concessão de uma tutela antecipada ou de uma tutela cautelar antes da citação dodemandado. A liminar assumiria, portanto, uma característica meramente topológica, levando-se em

conta somente o momento de prolação da tutela de urgência, e não o seu conteúdo, função ounatureza250.

Por outro lado, é preciso reconhecer que, no momento anterior à adoção da tutela antecipada pelonosso sistema processual, as liminares eram consideradas uma espécie de tutela de urgência, sendo aúnica forma prevista em lei para a obtenção de uma tutela de urgência satisfativa. Nesses termos,sempre que prevista expressamente em um determinado procedimento, o termo “liminar” assume acondição de espécie de tutela de urgência satisfativa específica251.

Entendo que o legislador, ao valer-se do termo “liminar” no art. 5º, caput, da Lei 9.882/1999,pretendeu emprestar ao termo seus dois significados possíveis. Dessa forma, imaginou apossibilidade de concessão de uma tutela de urgência satisfativa a ser concedida em fase inicial doprocedimento, mais precisamente, no primeiro contato do órgão jurisdicional, com a petição inicial.A natureza satisfativa dessa liminar é manifesta, aplicando-se, para justificar essa opinião, osmesmos fundamentos utilizados no Capítulo 1 para justificar essa natureza da chamada “medidacautelar” da ação direta de inconstitucionalidade. Por outro lado, fica claro que a tutela de urgênciadeve ser concedida no início do procedimento, quando o art. 6º, caput, da Lei 9.882/1999 prevê queos demais atos do procedimento são praticados após a apreciação do pedido da liminar.

Nota-se em decisões liminares proferidas em ações de descumprimento de preceito fundamentaluma confusão doutrinária entre liminar e cautelar, valendo-se o órgão jurisdicional dos requisitostípicos para a concessão dessa espécie de tutela de urgência, quais sejam, o fumus boni iuris e opericulum in mora, para a concessão da liminar. Na prática, essa falta de precisão técnica não geragrande repercussão, entendendo-se que, para a concessão da tutela de forma liminar na arguição dedescumprimento, o autor deve demonstrar a plausibilidade de sua pretensão e o perigo de dano gravede difícil ou incerta reparação. Exige-se, portanto, independentemente da nomenclatura adotada, ostípicos requisitos de concessão de tutela de urgência.

Como já analisado no Capítulo 1, item 1.5, o Supremo Tribunal Federal por vezes dispensa operigo de grave lesão de difícil ou incerta reparação, substituindo-o pelo chamado “critério deconveniência”, por meio do qual o tribunal analisa o que será mais conveniente: manter os efeitos dalei ou ato impugnado até o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade ou conceder a tutela deurgência para impedir imediatamente seus efeitos. Parece não haver qualquer razão para que talraciocínio seja também aplicável à tutela liminar na ação de arguição de descumprimento.

Segundo o art. 5º, caput, da Lei 9.882/1999, o órgão competente para analisar o pedido de medidaliminar é o Tribunal Pleno, mas o § 1º do mesmo dispositivo excepciona a regra, permitindo aanálise monocraticamente pelo relator em casos de extrema urgência, perigo de lesão grave ou emperíodo de recesso. Interessante notar que, a exemplo da decisão sobre a tutela de urgência na açãodireta de inconstitucionalidade252, a decisão monocrática do relator deve ser referendada peloTribunal Pleno, o que significa dizer que, independentemente da manifestação do autor da ação, esseórgão colegiado se manifestará sobre a decisão monocrática, podendo mantê-la ou reformá-la totalou parcialmente. Em razão da indispensável revisão da decisão monocrática pelo órgão colegiado,eventual agravo regimental do autor da ação será recebido como memorial.

Como medidas preparatórias à decisão sobre o pedido liminar, o art. 5º, § 2º, da Lei 9.882/1999permite ao relator a oitiva dos órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato – ou omissão –questionado, do Advogado-Geral da União ou do Procurador-Geral da República, no prazo comum

de cinco dias. Essas providências podem ser adotadas tanto para o julgamento monocrático dorelator como para o julgamento colegiado, sendo ainda mais comum ocorrer nessa segunda hipótese,considerando a ausência de extrema urgência quando o julgamento é realizado pelo órgão colegiado.Ainda que a norma preveja a oitiva antes da análise do pedido de tutela liminar, ela também écabível antes de o Tribunal Pleno reexaminar a questão já enfrentada monocraticamente pelo relator.

Nos termos do art. 5º, § 3º, da Lei 9.882/1999, com a concessão da liminar, o órgão jurisdicionalpoderá determinar que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos dedecisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da ação,salvo se decorrentes de coisa julgada, quando os efeitos da liminar não serão gerados.

Entendo cabível à ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental a regra previstano art. 12 da Lei 9.868/1999, que cria técnica procedimental diferenciada de julgamento da açãodireta de inconstitucionalidade, quando o Tribunal, diante de pedido de “medida cautelar”, resolvejulgar imediatamente o mérito da ação. E também a regra prevista no art. 21 da mesma lei, que fixaem 180 dias o prazo de eficácia da medida de tutela de urgência na hipótese de suspensão deprocessos ou de julgamentos pelas instâncias ordinárias253.

4.10. RECORRIBILIDADESegundo o art. 12 da Lei 9.882/1999, a decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido

em arguição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível. Apesar da omissão legal, nãoobservada no art. 26 da Lei 9.868/1999, a prevista irrecorribilidade não atinge os embargos dedeclaração254. Julgar procedente ou improcedente o pedido significa proferir decisão genuína demérito, com rejeição ou acolhimento do pedido do autor, nos termos do art. 269, I, do CPC. Airrecorribilidade prevista no dispositivo, entretanto, é mais ampla que a sugerida por umainterpretação literal, também atingindo o acórdão que extingue a arguição de descumprimento sem aresolução do mérito, nos termos do art. 267 do CPC.

As decisões monocráticas proferidas pelo relator e pelo presidente, com poder delegado do órgãocolegiado, são recorríveis por agravo interno, salvo na decisão monocrática do relator a respeito dopedido de concessão de medida liminar, que, segundo analisado no Capítulo 1, é decisão irrecorrívelporque será obrigatoriamente revista pelo Tribunal Pleno. Qualquer outra decisão monocrática dorelator, seja para extinguir a ação sem resolução de mérito, como permite o art. 4º, caput, da Lei9.882/1999 na hipótese de indeferimento da petição inicial, seja para decidir qualquer questãoincidental, será recorrível pelo agravo interno. Mais uma vez, registro meu entendimento pelocabimento de embargos de declaração contra essa decisão, reconhecendo, entretanto, a pacificaçãopelos tribunais superiores de aplicação do princípio da fungibilidade nesse caso, sendo recebidos osembargos de declaração como agravo regimental.

Com relação à irrecorribilidade da decisão da arguição de descumprimento proferida pelo órgãocolegiado, reservando-se contra essa decisão tão somente o recurso de embargos de declaração, épreciso atribuir a esse recurso uma força maior do que geralmente tem, com efeitos modificativos einfringentes aceitos mais facilmente do que em outras circunstâncias. Os comentários constantes noCapítulo 1, referentes aos embargos de declaração contra decisão colegiada que julga a ação diretade inconstitucionalidade, são totalmente aplicáveis aos embargos de declaração em sede de arguiçãode descumprimento de preceito fundamental.

Ainda que notadamente não seja um recurso, a ação rescisória é expressamente proibida pelo art.12 da Lei 9.882/1999. Significa dizer que a decisão de mérito que acolhe ou rejeita o pedido doautor da arguição de descumprimento de preceito fundamental não pode ser recorrida antes dotrânsito em julgado e nem impugnada após sua ocorrência, o que demonstra a força de tal decisão ereforça a especial atenção que os ministros devem ter ao prolatá-la.

4.11. CARÁTER SUBSIDIÁRIOSegundo o art. 4º, § 1º, da Lei 9.882/1999, não será admitida a arguição de descumprimento de

preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade. A previsãoconsagra a subsidiariedade da arguição, de forma que seu cabimento é tratado em termos residuais,só sendo admitida quando não houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade ou impedi-la.

Existe crítica de considerável parcela da doutrina a respeito da opção do legislador, clamando poruma interpretação do dispositivo legal mencionado conforme a Constituição. Para essa correntedoutrinária, o legislador constituinte não pretendeu dar à arguição de descumprimento de preceitofundamental o caráter subsidiário e residual que lhe outorgou o legislador infraconstitucional, deforma que um instituto voltado à tutela dos preceitos mais relevantes da Constituição não pode tercabimento residual, sendo colocado em nítida posição de desvantagem com relação às outras formasde controle concentrado de constitucionalidade255. Há também corrente doutrinária que concorda coma subsidiariedade somente na arguição incidental256.

Nesse entendimento o que seria subsidiariedade torna-se preferência, de forma que a arguição dedescumprimento passaria a ser o meio preferencial de controle de atos que violam ou ameaçamviolar preceito fundamental. Por outro lado, há doutrina que defende a impossibilidade de cabimentoda arguição quando cabível ação direta de inconstitucionalidade ou ação declaratória deconstitucionalidade, mandado de segurança, ação popular, reclamação e recursos ordinários eextraordinários257. Ou seja, leva-se a regra da subsidiariedade bastante a sério, entendo-seinadmissível a arguição ora analisada, sempre que for cabível qualquer forma processual de controlede constitucionalidade, concentrada e difusa.

O Supremo Tribunal Federal vem reiteradamente inadmitindo arguições de descumprimento depreceito fundamental nos termos do art. 4º, § 1º, da Lei 9.882/1999, mas com interpretação que nãoconduza a arguição de descumprimento a uma admissibilidade muito restritiva. O tribunal vementendendo que a mera existência de outros meios processais de impugnação do ato não excluiautomaticamente o cabimento da arguição ora analisada, considerando-se que não basta existir oinstrumento, devendo o mesmo ser plenamente eficaz para a efetiva proteção do preceito fundamental(ADPF 17).

Adotando posição doutrinária intermediária258, já há julgados do Supremo Tribunal Federal queexigem que o instrumento processual apto a resolver a questão jurídica deve ter a mesma efetividade,imediaticidade e amplitude que a arguição de descumprimento de preceito fundamental. Por esseentendimento, somente quando for cabível a ação declaratória de inconstitucionalidade ou deconstitucionalidade será inadmissível a arguição ora analisada, considerando-se que o recursoextraordinário, ao menos por hora, não tem a amplitude dessas ações de controle concentrado deconstitucionalidade (ADPF 79).

Segundo a melhor doutrina259, diante do caráter subsidiário da arguição com relação às outras

ações de controle concentrado, será cabível a arguição para o controle de: (a) direto pré-constitucional; (b) direito municipal em face da Constituição Federal; (c) nas controvérsias sobredireito pós-constitucional já revogado; (d) de direito pós-constitucional cujos efeitos já seexauriram; (e) de direito pós-constitucional em relação às normas originárias da Constituição de1988, mas pré-constitucional em relação às emendas constitucionais; (f) alegação de contrariedade àConstituição decorrente de decisão judicial ou controvérsia sobre a interpretação adotada peloJudiciário, que, portanto, não envolva a aplicação de lei ou ato normativo infraconstitucional.

Tavares, Tratado, p. 117; Novelino, Direito, n. 14.3, p. 281.Cunha Jr., Controle, p. 263.Barroso, O controle, p. 266.Cunha Jr., Controle, p. 261.STF, Tribunal Pleno, ADPF 1 QO/RJ, rel. Min. Néri da Silveira, j. 03/02/2000, DJ 07/11/2003, p. 82.STF, Tribunal Pleno, ADPF 33 MC/PA, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 29/10/2003, DJ 06/08/2004, p. 20.Cunha Jr., Controle, p. 279; Barroso, O controle, p. 285; Almeida, Manual, p. 850.Nobre Jr., Direitos, p. 106.STF, Tribunal Pleno, ADI 264 AgR/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. 07/05/1992, DJ 08/04/1994, p. 7.222.STF, Tribunal Pleno, ADI 3.691/MA, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 29/08/2007, DJE 09/05/2008.STF, Tribunal Pleno, ADI 2.104/DF, rel. Min. Eros Grau, j. 21/11/2007, DJE 22/02/2008.Barroso, O Controle, p. 278; Cunha Jr., Controle, p. 282.Almeida, Manual, p. 848.Novelino, Direito, n. 14.4.2, p. 282.Barroso, O Controle, p. 278.Tavares, Tratado, p. 284-286.Barbosa Moreira, Comentários, n. 34, p. 46.Scarpinella Bueno, Curso, p. 391-392.Sérgio Porto, Comentários, p. 278.Didier Jr.-Cunha, Curso, p. 538.Araken de Assis, Manual, n. 33.2.5.6, p. 343.Cunha Jr., Controle, p. 270; Barroso, O Controle, p. 282.Barroso, O controle, p. 283.Barroso, O controle, p. 265.Barroso, O controle, p. 266.Tavares, Tratado, p. 317.Contra: Cunha Jr., Controle, p. 272; Campo, Arguição, p. 47.Tavares, Tratado, p. 369-370.Cunha Jr., Controle, p. 273.Tavares, Tratado, p. 249-252; Almeida, Manual, p. 846. Contra: Nobre Jr., Direitos, p. 114.Barroso, O controle, p. 280.Tavares, Tratado, p. 330.Contra: Tavares, Tratado, p. 307-308.Neves, Contraditório, p. 100-107; Alvaro de Oliveira, Do formalismo, p. 167-168; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 291.Nery Jr.-Nery, Código, p. 551.Dinamarco, Instituições, n. 450, p. 128; Theodoro Jr., Curso, n. 354, p. 399, Didier, Curso, p. 371; STJ, 1.ª Turma, EDcl no REsp434.283/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16/09/2003.Mendes, Arguição, p. 105; Cunha Jr., Controle, p. 275; Nobre Jr., Direitos, p. 113.Nery Jr.-Nery, Código, p. 551.STJ, 1ª Turma, REsp 812.323/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16/09/2008.STF, Tribunal Pleno, ADI 1.949 MC/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 18/11/1999, DJ 25/11/2005, p. 05; Informativo 193/STF:Tribunal Pleno, ADI 2.187/BA, rel. Min. Octávio Gallotti, j. 15/06/2000.STJ, 3ª Turma, REsp 871.661/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17/05/2007.STJ, 3ª Turma, REsp 871.661/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17/05/2007.

STF, Tribunal Pleno, SS-AgR-ED 3.039/SP, rel. Min. Ellen Gracie, j. 11/10/2007, DJ 14/11/2007; STJ, EDcl no EREsp 288.118/DF,Corte Especial, rel. Francisco Peçanha Martins, j. 17/11/2004, DJ 17/12/2004. Informativo 278/STJ, 4ª T., EDcl no Ag 453.716-RJ, rel.Quaglia Barbosa, j. 04/03/2006.Cunha Jr., Controle, p. 276.STF, Tribunal Pleno, ADI 526/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 12/12/1991, DJ 05/03/1993, p. 2.896.CUNHA Jr., Controle, p. 294; Rêgo, Arguição, p. 28.Mendes, Arguição, p. 197-198; Almeida, Manual, p. 860.Furtado Fabrício, Ensaios, p. 195-196; Calmon de Passos, Comentários, n. 6.13, p. 73; Theodoro Jr., Tutela, p. 5-6.Dinamarco, Fundamentos, p. 623; Guerra, As liminares, p. 190; Baptista da Silva, A “antecipação”, p. 130.STF, Tribunal Pleno, ADI 3.626 MC/MA, rel. Min. Marco Aurélio, j. 03/05/2007, DJE 82, 16/08/2007.Mendes, Arguição, p. 125.Nobre Jr., Direitos, p. 119.Tavares, Tratado, p. 238-241.Cunha Jr., Controle, p. 307-310.Campo, Arguição, p. 39; Almeida, Manual, p. 855.Mendes, Arguição, p. 115; Barroso, O Controle, p. 276-277; Novelino, Direito, n. 14.6, p. 286.Novelino, Direito, n. 14.6, p. 286.

5.1. INTRODUÇÃOO mandado de injunção tem previsão no art. 5º, LXXI, da CF, sendo entendimento doutrinário no

sentido da originalidade do instituto no sistema jurídico, ainda que tenha sofrido algumas influênciasdo direito inglês, norte-americano e português. Nos termos do dispositivo constitucional mencionado,o mandado de injunção será cabível sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável oexercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, àsoberania e à cidadania.

Como se pode notar da previsão constitucional, são dois os elementos essenciais para a aplicaçãoda ação constitucional ora analisada: (a) omissão legislativa, e (b) natureza do direito sacrificado emrazão de tal omissão.

No tocante ao primeiro elemento, é imprescindível que a omissão legislativa efetivamente acarreteo sacrifício dos direitos tutelados pelo mandado de injunção, porque, sendo esses direitos tuteladosmesmo diante de tal omissão, será incabível essa ação constitucional. Em razão disso, tratando-se denorma constitucional autoaplicável, a eventual omissão legislativa em sua regulamentação não será osuficiente para admitir-se o mandado de injunção.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que a omissão quelegitima o mandado de injunção é tanto a omissão absoluta, representada pela ausência de normaregulamentadora, como também a omissão parcial, na qual se considera a atividade legislativaimperfeita ou insatisfatória. Indispensável, entretanto, que haja uma superação excessiva de prazorazoável para legislar, a ponto de configurar o retardamento como abuso do direito legal de nãolegislar260.

Quanto ao segundo elemento indicado, não se justifica a proteção por meio do mandado desegurança de qualquer espécie de direito que venha a ser sacrificado em razão da omissãolegislativa. Nos termos do texto da lei, a ação constitucional se presta a tornar efetiva somente aproteção dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, àsoberania e à cidadania.

Dos elementos identificadores do cabimento do mandado de injunção, logo se percebe que a açãoconstitucional só existe em razão da injustificável omissão de nossos legisladoresinfraconstitucionais em regulamentar os direitos e prerrogativas previstos no art. 5º, LXXI, da CF.Pobre do país, e de seus judiados cidadãos, cujo legislativo se preocupa mais com benesses emproveito próprio do que com a tutela dos que dele necessitam.

De qualquer forma, como bem demonstrado pela melhor doutrina, o mandado de injunção é

marcado pela transitoriedade, porque só se justificará enquanto perdurar a omissão legislativa. Apartir do momento em que o Poder Legislativo cumprir seu papel, o mandado de injunção perderá suafunção no sistema. Essa interessante característica, inclusive, leva à ineficácia da decisão proferidaem mandado de injunção na hipótese de, supervenientemente à sua prolação, o Poder Legislativo sairde sua letargia e criar norma regulamentadora.

5.2. TEORIAS

5.2.1. Teoria da subsidiariedade

De acordo com essa teoria, a tarefa do Supremo Tribunal Federal ao acolher o pedido do mandadode injunção será simplesmente declarar a existência da omissão legislativa alegada pelo impetranteem sua petição inicial e comunicar o órgão legislativo responsável pela criação da norma faltante. Anatureza da decisão seria meramente declaratória, já que sua comunicação ao órgão legislativo nãoteria o condão de alterar a atual situação jurídica, limitando-se a dar ciência a tal órgão da decisãodo tribunal261.

Segundo parcela doutrinária, esse entendimento aproxima de forma considerável o mandado deinjunção da ação de inconstitucionalidade por omissão, nos termos do art. 103, § 2º, da CF, queprevê que, sendo declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva normaconstitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e,em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Registre-se que, durante muito tempo, foi essa a teoria adotada pelo Supremo Tribunal Federal,firme no entendimento de que a tarefa de legislar não cabia a ele, e que tampouco teria poder paraexigir do Poder Legislativo a criação da norma regulamentadora. Limitava-se, portanto, a declarar aomissão e a cientificar o órgão legislativo responsável pela edição da norma, aguardando sem reaçãoà tomada de efetivas providências por parte desse órgão262.

Destaque-se que a doutrina majoritária sempre foi crítica da adoção de tal teoria pelo SupremoTribunal Federal, apontando para o caráter meramente simbólico do mandado de injunção nessecaso. Apesar da tutela jurisdicional obtida pelo impetrante, a efetiva e concreta proteção de seudireito ficava condicionada a boa vontade do Poder Legislativo. Como bem demonstrado peladoutrina, adotando-se essa teoria, o mandado de injunção não seria propriamente um mandado (jáque não haveria ordem, mas mera cientificação) e nem de injunção (já que não concederia aintegração pretendida pelo impetrante)263.

5.2.2. Teoria da independência jurisdicionalAcredito que essa teoria é o extremo oposto, quando comparada com a teoria da subsidiariedade.

Enquanto nessa a atividade judicial é de pouca relevância prática, limitando-se a uma declaração e auma cientificação, nesse o Supremo Tribunal Federal passaria a legislar efetivamente, sanando porcompleto a omissão legislativa. Não só para o caso concreto, mas abstratamente, criando uma normalegal aplicável a todos que dela necessitassem, independentemente de sua participação no processo.

Caberia ao Supremo Tribunal Federal, a prolação de um julgamento de natureza constitutiva e comeficácia erga omnes, em atividade tipicamente legislativa. Naturalmente, o tribunal exerceria uma

função atípica, já que transporia sua função típica, de natureza jurisdicional.Ainda que explicável à luz das funções atípicas permitidas e consagradas pela Constituição

Federal, a teoria nunca foi bem recebida pelo Poder Judiciário, existindo inclusive resistênciadoutrinária a sua aplicação264. Realmente é difícil compreender essa teoria à luz do princípio daseparação dos poderes, com atribuição dessa função atípica ao Poder Judiciário.

5.2.3. Teoria da resolutividadePela teoria da resolutividade, o Supremo Tribunal Federal não se limita à declaração da omissão e

a cientificar o órgão responsável, como ocorre na teoria da subsidiariedade, mas também não chegaao extremo de proferir uma decisão com eficácia erga omnes, legislando em abstrato, como ocorrena teoria da independência judicial.

Para a teoria ora analisada, o tribunal, ao julgar procedente o mandado de injunção, proferedecisão de natureza constitutiva, sanando a omissão legislativa no caso concreto, com efeitos interpartes. Essa atividade integradora do Poder Judiciário garante ao impetrante a efetiva tutela de seuinteresse.

5.2.4. Posição do Supremo Tribunal FederalComo já indicado no item 5.2.1., durante muito tempo, o Supremo Tribunal Federal entendeu que

sua atividade no acolhimento do mandado de injunção ficaria limitada ao reconhecimento da mora ecomunicação ao Poder Legislativo. Esse, entretanto, não é mais o entendimento do tribunal.

Notou-se o primeiro indício de inconformismo com o papel significativamente secundárioexercido pelo Supremo Tribunal Federal quando o tribunal decidiu que, se não podia legislar no casoconcreto, poderia impor um prazo ao Poder Legislativo para fazê-lo, assegurando à parte vitoriosano mandado de segurança a obtenção, em juízo ou tribunal, pela via processual adequada, decisão decondenação à reparação devida em razão da omissão legislativa, caso essa perdurasse além do prazoconcedido pelo tribunal265.

Em histórico julgamento ocorrido no ano de 2007, o Supremo Tribunal Federal modifica seutradicional entendimento para admitir uma atuação mais efetiva daquele tribunal no mandado deinjunção266. A questão da regulamentação da greve dos servidores públicos, ou, ainda melhor, suaausência, serviu de mote perfeito para a mudança de posição, com ressalva do voto do MinistroMauricio Correa, que manteve o entendimento tradicional da Casa no sentido de apenas reconhecer aomissão e comunicar o Poder Legislativo.

Apesar de parecer ter se pacificado o entendimento doutrinário no sentido de mudança de posiçãodo Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, em razão do MI 670/ES, uma leitura atenta dasnotas constantes do julgamento demonstra uma clara preocupação de grande parte dos Ministros coma atividade integrativa realizada.

Alguns Ministros proferiram votos que serviram como verdadeira aula de direito constitucional eprocessual, com especial destaque para o Ministro Gilmar Mendes e Celso de Mello. O primeiro, aofazer interessante histórico da posição da Corte a respeito do mandado de injunção e ao trazer liçõesde direito comparado a respeito de atuação mais ativa das cortes constitucionais diante da omissãolegislativa, resultando em sacrifício de valores essenciais consagrados no texto constitucional. O

segundo, ao delimitar com considerável técnica a mera omissão legislativa do abuso do direito denão legislar, ressaltando que o Supremo Tribunal Federal não poderia assistir passivamente a inérciacontinuada do Poder Legislativo (19 anos), ainda mais se considerando já ter sido o PoderLegislativo comunicado de sua inércia há 13 anos, no MI 20/DF, julgado em 19 de maio de 1994.

Registra o voto do Ministro Celso de Mello que a violação da Constituição Federal decorre tantoda ação como da omissão do Poder Público, sendo inadmissível se condicionar a forçaconstitucional à vontade ordinária do legislador comum. Valendo-se de lições de Pontes de Miranda,lembra que não existe nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que se elaborar uma Constituiçãopara não cumpri-la, ou, ainda pior, cumpri-la parcialmente somente para atender o propósito deatender aos governantes de plantão, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.

A Ministra Cármen Lúcia, o Ministro Sepúlveda Pertence, e até mesmo o Ministro GilmarMendes, um dos maiores defensores desse maior ativismo por parte do Supremo Tribunal Federal,fizeram questão de apontar para a excepcionalidade da atuação, reforçando o abuso do direito deomitir em legislar (“recalcitrância histórica”) e a relevância da matéria enfrentada, chegando-se afalar até mesmo em “precondição de relevância ou repercussão geral”.

Os Ministros Cezar Peluso, Sepúlveda Pertence, Ricardo Lewandowski e Carlos Brittoreconhecem, ainda que tacitamente, estarem legislando, apontando as dificuldades em tal tarefa.Chegam, até mesmo, a apontar uma certa desvantagem nesse tocante ao Poder Judiciário, que éobrigado a decidir, diferente do Poder Legislativo, o qual, diante de dificuldades, pode simplesmentedeixar de legislar.

E o mais importante, não parece ter o Supremo Tribunal Federal entendido que cabe a ele legislarde forma abstrata e geral no julgamento do mandado de injunção. A resistência a essa atividade restaconsignada de forma bastante clara nas opiniões dos Ministros Ricardo Lewandowski, CármenLúcia, Sepúlveda Pertence, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, em que restaexpressamente consignado que cabe ao Poder Judiciário, no julgamento do mandado de injunção, selimitar a prever uma regra que resolva de forma concreta o impasse apresentado naquela ação,aplicando-se somente aos sujeitos afetados no caso concreto. A utilização do termo “eficácia ergaomnes”, apesar de tranquilamente utilizada pelo Ministro Gilmar Mendes, parece ter sido repudiadapela maior parte dos Ministros participantes do julgamento ora analisado.

Dessa forma, e tal conclusão parece ser confirmada por julgados recentes de mandados deinjunção pelo Supremo Tribunal Federal, a eficácia da norma criada pelo tribunal no provimento domandado de injunção não tem eficácia erga omnes, limitando-se a resolver a violação ou ameaça deviolação a direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberaniae cidadania.

Ocorre, entretanto, que, admitido o mandado de injunção coletivo, como é a posição histórica daCorte267, reafirmada no célebre julgamento ora analisado, ainda que a decisão crie norma concreta elimitada a resolver a violação exposta na petição inicial, a depender da espécie de direito coletivotutelado a norma criada pelo Supremo Tribunal Federal terá eficácia erga omnes ou, ao menos, ultrapartes, como vem ocorrendo com mandados de injunção promovidos por associações e sindicatosem favor de classe, grupo ou categoria de pessoas. Não se trata, como se poderia imaginar, decaracterística do mandado de injunção, mas sim da tutela jurisdicional coletiva, na qual a eficácia dadecisão nunca será inter partes.

5.3. COMPETÊNCIAA competência para o julgamento do mandado de injunção se determinará no caso concreto

levando-se em conta a autoridade, órgão ou entidade a quem cabia o exercício legislativo que seaponta como não ocorrido.

Nos termos do art. 102, I, q, da CF, o Supremo Tribunal Federal tem competência originária parajulgamento de mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuiçãodo Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal,das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunaissuperiores ou do próprio Supremo Tribunal Federal.

O Superior Tribunal de Justiça tem competência originária, nos termos do art. 105, I, h, da CF,para o julgamento de mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora foratribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da Administração direta ou indireta, excetuadosos casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da JustiçaEleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal.

Há entendimento tranquilo na doutrina de que tanto os Tribunais de Justiça como a Justiça Estadualde primeiro grau podem ser competentes para o julgamento do mandado de injunção, desde que hajaprevisão expressa na Constituição Federal e, residualmente, nas leis de organização judiciária268.Não haveria mesmo outra competência na hipótese de a omissão partir de órgãos e autoridadesmunicipais e estaduais, tais como o Governador do Estado, a Assembleia Legislativa, o Prefeito, aCâmara Municipal, entre outros.

No tocante à competência da Justiça Federal, nota-se certa divergência doutrinária. É fato que oart. 105, I, h, da CF, ao prever a competência originária do Superior Tribunal de Justiça, fazexpressa ressalva à Justiça Federal, dando a entender que essa Justiça também seja competente parao mandado de injunção, ainda que residualmente. Para uma parcela doutrinária, a menção édesnecessária e sem objeto, já que, em nenhum momento, os arts. 108 e 109 da CF fazem remissão àcompetência para o julgamento do mandado de injunção269. Por outro lado, há lição doutrinária quedefende a competência da Justiça Federal nos termos do art. 109, I, da CF270.

Ainda que se pudesse compreender o fundamento da segunda corrente doutrinária, porque o art.109 da CF não prevê a competência da Justiça Federal em razão da espécie de ação, mas sim dapessoa ou da matéria, não vejo espaço para a competência dessa Justiça diante do art. 105, I, h, daCF. No caso específico do art. 109, I, da CF, havendo os entes federais indicados – além dasfundações federais, conselhos de fiscalização profissional e agências reguladoras –, e não sendo omandado de injunção de competência originária dos tribunais de superposição, seria, ao menos emtese, possível se atribuir competência à Justiça Federal de primeiro grau. Ocorre, entretanto, que apresença desses entes federais levará a competência para o Superior Tribunal de Justiça, afastando aaplicação do art. 109, I, da CF ao mandado de injunção.

5.4. LEGITIMIDADENão existem maiores divergências no tocante à legitimidade ativa do mandado de injunção.

Qualquer sujeito que esteja impossibilitado de exercício dos direitos e prerrogativas previstos peloart. 5º, LXXI, da CF em razão da inércia legislativa em criar norma regulamentadora tem

legitimidade para ingressar com a ação constitucional. Inclusive os legitimados ativos previstos nosarts. 5º da LAC e 82 do CDC, quando o mandado de injunção for coletivo, já tendo decidido oSupremo Tribunal Federal que, tendo a associação um ano de existência e respeitada a pertinênciatemática, ela tem legitimidade ativa para o mandado de injunção coletivo.

No tocante à legitimidade para a composição passiva, há intensa divergência doutrinária, aindaque, em termos jurisprudenciais, seja possível notar a adoção de um entre os variados entendimentosdefendidos pela doutrina.

Para uma corrente doutrinária, a legitimidade passiva é da autoridade, órgão ou entidadesubmetida ao dever constitucional de criar a norma regulamentadora, de forma que sempre constaráno polo passivo do mandado de injunção uma autoridade, órgão ou entidade de Direito Público.Outra corrente doutrinária defende que o polo passivo seja composto por pessoa, natural ou jurídica,pública ou privada, que venha a suportar os efeitos da decisão de procedência. Um terceiroentendimento defende haver um litisconsórcio necessário entre a autoridade, órgão ou entidaderesponsável pela omissão normativa e a pessoa, natural ou jurídica, pública ou privada, quesuportará os efeitos de um eventual acolhimento do pedido271.

Concordo com a parcela doutrinária que explica ser o tema da legitimidade passiva dependente dopróprio objeto do mandado de injunção. Ao se adotar a teoria de que o Supremo Tribunal Federal selimita, no mandado de injunção, a reconhecer a omissão legislativa e a comunicar o órgão ou aautoridade responsável pela criação da norma faltante, o polo passivo deverá ser compostoexclusivamente por tal órgão ou autoridade, a quem será dirigida a comunicação. Por outro lado,admitindo-se ao Supremo Tribunal Federal a criação de uma norma, ainda que limitada ao casoconcreto, para efetivar a proteção jurisdicional demandada pelo autor, o melhor entendimento éaquele que aponta para a formação de um litisconsórcio passivo entre o órgão público ou autoridaderelapsa e a pessoa física ou jurídica, privada ou pública, que deverá suportar concretamente osefeitos da decisão judicial.

Sendo aplicável ao procedimento do mandado de injunção as regras procedimentais do mandadode segurança, por expressa previsão do art. 24, parágrafo único, da Lei 8.038/1990, parece nãohaver dúvida a respeito da necessária intimação do Ministério Público para participar do processocomo fiscal da lei. O art. 12, caput, da Lei 12.016/2009 (Lei do Mandado de Segurança) prevêexpressamente a participação do Ministério Público como fiscal da lei, dando-lhe um prazoimprorrogável de dez dias para manifestação após o transcurso do prazo previsto no art. 7º, I, damesma lei. Como será comentado no Capítulo 6, item 6.4.5, o art. 12, parágrafo único, da Lei12.016/2009 prevê que a intimação do Ministério Público é obrigatória no mandado de segurança,mas não a sua manifestação, de forma que o procedimento deve seguir mesmo diante de sua inércia,não havendo motivo para que não seja esse entendimento também aplicável ao mandado de injunção.

No tocante à legitimidade ativa do Ministério Público, entendo que somente na hipótese desubstituição processual se poderia, ainda que em tese, defendê-la. Como é entendimento pacificadona doutrina e jurisprudência, o cabimento do mandado de injunção coletivo, na defesa de direitoscoletivos de um grupo, classe ou categoria de pessoas, basta para legitimar ativamente ao MinistérioPúblico a aplicação do art. 129, III, da CF, que atribui a legitimidade ativa para o parquet na defesade qualquer direito difuso ou coletivo. Essa legitimidade ativa, naturalmente, não é restrita adeterminadas espécies de ações coletivas, de forma que também deve ser admitida no mandado de

injunção.

5.5. MANDADO DE INJUNÇÃO E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADEPOR OMISSÃO

É natural que exista uma proximidade entre a ação de mandado de injunção e a ação direta deinconstitucionalidade por omissão. Além de ambas serem ações constitucionais, tratam de formas deomissão legislativa que, de alguma forma, violam a Constituição Federal, que não consegueconcretamente tutelar os direitos que prevê em razão de desídia do Poder Público. São pontos decontato que não podem – e não devem – ser ignorados numa análise comparativa entre essas duasações constitucionais.

Entretanto, ainda que se reconheça a proximidade das duas espécies de ações constitucionais,correta é a doutrina que aponta suas inúmeras diferenças, mais do que suficientes para que ointérprete não as confunda.

Conforme analisado no Capítulo 2, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é umprocesso objetivo, no qual se discute a lei em tese, não havendo um conflito de interesses a serresolvido pela prestação jurisdicional. Por outro lado, o mandado de injunção é um processosubjetivo, que busca resolver uma situação concreta de crise jurídica, amoldando-se perfeitamente aoconceito de lide carneluttiana (conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida).Decorre justamente dessa diferença o objeto tutelado pelas duas ações constitucionais: enquanto oart. 5º, LXXI, da CF prevê o mandado de injunção como instrumento para tornar viável o exercíciode direitos e liberdades, o art. 103, § 2º, da CF prevê que a ação direta de inconstitucionalidade poromissão visa tornar efetiva norma constitucional.

Outra diferença fundamental diz respeito a espécie de omissão constitucional exigível para ocabimento das duas espécies de ações constitucionais ora analisadas. Em primeiro lugar, qualquerespécie de omissão é o suficiente para a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o mesmonão ocorrendo no mandado de injunção, que, por expressa previsão constitucional, exige que aomissão viole direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, àsoberania e à cidadania. Em segundo lugar, na questão temporal também existe diferença, porquantono mandado de injunção somente a omissão prolongada, ou seja, uma superação excessiva de prazorazoável para legislar, justifica a intervenção jurisdicional, ao passo que na ação direta deinconstitucionalidade por omissão não se considera o tempo de inércia do Poder Público em legislar.

Como devidamente exposto no presente capítulo, entendo que o Supremo Tribunal Federal tenhalimitado os efeitos do mandado de injunção inter partes quando o indivíduo reclama a tutelajurisdicional, reservando os efeitos ultra partes somente para o mandado de injunção coletivo,quando um dos legitimados coletivos ingressa com ação na defesa de um grupo, classe ou categoriade pessoas. Na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, os efeitos são sempre gerados ergaomnes, considerando a natureza de ação coletiva especial na tutela de direito difuso, de titularidadeda coletividade.

Também em decorrência de entendimento atual do Supremo Tribunal Federal, no mandado deinjunção, a natureza da decisão é declaratória e constitutiva, não se limitando o órgão jurisdicional areconhecer a omissão abusiva do Poder Público em seu dever de legislar, mas também criando anorma para resolver o caso concreto. Na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o

Supremo Tribunal Federal se limita a declarar a omissão legislativa, dando dessa decisão ciência aoSenado Federal para que tome as providências cabíveis.

Por fim, dois importantes aspectos procedimentais são bem diferentes nas duas açõesconstitucionais ora analisadas: a competência e a legitimidade ativa. A ação direta deinconstitucionalidade por omissão é ação de competência originária do Supremo Tribunal Federal,enquanto o mandado de injunção tem competência mais variada, conforme analisado neste capítulo.Somente os legitimados coletivos previstos pelo art. 103 da CF podem ingressar com ação direta deinconstitucionalidade por omissão, ao passo que a legitimidade ativa no mandado de injunção é dequalquer sujeito que alegadamente sofra sacrifícios de direitos e liberdades constitucionais eprerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania em razão da omissão legislativa.

Ação direta de inconstitucionalidade por omissão Mandado de injunção

Processo objetivo, tratando da lei em tese Processo subjetivo, voltado a solucionar uma real crise jurídica

Voltada à tutela da norma constitucional Voltado à tutela de direito material

Qualquer espécie de omissão legislativa que gere umainconstitucionalidade

Somente omissão que viole direitos e liberdades constitucionais eprerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania

Qualquer tempo de omissão legislativa Somente uma omissão prolongada, que caracterize abuso nodireito legal de não legislar

Eficácia erga omnes (direito difuso) Eficácia inter partes (direito individual) e ultra partes (direitocoletivo)

O órgão jurisdicional se limita a declarar a omissão legislativa einformar o Senado Federal para a adoção das devidasprovidências

O órgão jurisdicional declara a omissão legislativa e cria a normaconcreta para resolver a crise jurídica apresentada pelo autor

Legitimados ativos previstos no art. 103 da CF Qualquer sujeito é legitimado ativo

Competência originária e exclusiva do Supremo Tribunal Federal Competência pode ser originária dos tribunais ou de primeiro graude jurisdição

STF, Tribunal Pleno, MI 361/RJ, rel. Min. Néri da Silveira, rel. p/ acórdão Min. Sepúlveda Pertence, j. 08/04/1994, DJ 17/06/1994, p. 46.Ministro Mauricio Corrêa, em seu voto vencido no MI 670/ES, Tribunal Pleno, rel. Min. Maurício Mendes, j. 25/10/2007, DJE 31/10/2008.STF, Tribunal Pleno, MI 107/DF, rel. Min. Moreira Alves, j. 21//11/1990, DJ 02/08/1991, p. 1.Mazzei, Mandado, p. 224.Barbosa Moreira, Direito, p. 362-363.STF, Tribunal Pleno, MI 283/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 20/03/1991, DJ 14/11/1991, p. 1.STF, Tribunal Pleno, MI 670/ES, rel. Min. Maurício Correa, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 25/10/2007, DJE 31/10/2008.STF, Tribunal Pleno, MI 712/PA, rel. Min. Eros Grau, j. 25/10/2007, DJE 31/10/2008; STF, Tribunal Pleno, MI 102/PE, rel. Min. MarcoAurélio, rel. p/ acórdão Min. Carlos Velloso, j. 12/02/1998, DJ 25/10/2002, p. 25.Machado, Mandado, p. 85-93, indica a previsão constante de diversas Constituições Estaduais.Calmon de Passos, Mandado, p. 114; Machado, Mandado, p. 83; Pacheco, O mandado, p. 395.Peña de Moraes, Curso, p. 648.Machado, Mandado, p. 101.

6.1. CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA

6.1.1. Hipótese genérica de cabimento

O art. 1º, caput, da Lei 12.016/2009 prevê a hipótese de cabimento do mandado de segurança,havendo tão somente duas diferenças do texto legal atual quando comparado com o art. 1º, caput, daantiga Lei 1.533/1951. A definição do que venha a ser direito líquido e certo consta do Capítulo 6,item 6.2.

O primeiro ponto de alteração diz respeito à exclusão do cabimento do mandado de segurançaquando for cabível habeas data, considerando-se que, na lei anterior (Lei 1.533/1951), a exclusãodizia respeito apenas ao habeas corpus. A nova lei tão somente adequou a legislaçãoinfraconstitucional ao texto constitucional, mais precisamente ao art. 5º, LXIX, que expressamenteprevê a exclusão do mandado de segurança quando cabível tanto o habeas corpus como o habeasdata.

Conforme lembra corretamente a melhor doutrina, nem toda exibição de dados pela AdministraçãoPública por meio jurisdicional se dá por meio do habeas data, bastando para tanto lembrar dopedido incidental de exibição de documentos previsto no art. 6º, §§ 1º e 2º, da Lei 12.016/2009.Nesse caso, porém, a pretensão do autor não se exaure na exibição, que servirá tão somente comomeio a instrumentalizar outra pretensão, buscada em sede principal pelo mandado de segurança272.

O raciocínio exposto quanto ao habeas data não é novo, sendo igualmente aplicado quanto aohabeas corpus. Quando o objetivo final do autor é a liberdade de locomoção, o meio processualadequado é o habeas corpus, mas, sendo tal liberdade tão somente um meio para a obtenção de outrapretensão, o cabimento do mandado de segurança é indiscutível. Exemplo clássico é o do advogadoimpedido de ingressar em estabelecimento prisional para comunicar-se com seu cliente, que, nessecaso, vale-se do direito de ir e vir somente como meio para o exercício de sua profissão, daí sendocabível o mandado de segurança273.

Além de não ser tutelável pelo habeas data e pelo habeas corpus, para ser cabível o mandado desegurança, é indispensável a prática de ato ou de omissão por parte da autoridade. Existe umarestrição ao ato ou omissão impugnável pelo mandado de segurança, que necessariamente deve serpraticado por um agente público (Administração direta e indireta), bem como por particular noexercício de função pública em decorrência de delegação274. E, necessariamente, tal ato ou omissãodeve ser maculado por uma ilegalidade ou por abuso de poder. No primeiro caso têm-se os atosvinculados que ofendem a lei. No segundo caso, os atos discricionários praticados por autoridadeincompetente (excesso de poder) e que ofendem o interesse público (desvio de poder ou de

finalidade) podem ser objeto de impugnação por meio de mandado de segurança.Por fim, o art. 1º, caput, da Lei 12.016/2009 prevê que o mandado de segurança é admissível tanto

antes como depois da prática do ato ou omissão impugnado. Significa dizer que é possível aobtenção de tutela inibitória por meio do mandado de segurança, evitando-se a prática ilegal oupraticada com abuso de poder. O chamado “mandado de segurança preventivo” exige a comprovaçãode um risco objetivo e fundado de que a ilegalidade ou o abuso de direito esteja na iminência deocorrer, comprovado por atos preparatórios ou indícios nesse sentido275.

6.1.2. Vedações específicas ao cabimento do mandado de segurança

6.1.2.1. Atos de gestão comercial

Em previsão sem correspondente no sistema anterior, o art. 1º, § 2º, da Lei 12.016/2009 consagraa distinção entre atos de império e atos de gestão praticados pelos administradores de empresaspúblicas, de sociedade de economia mista e de concessionária de serviço público. Dessa forma,passa a ser expresso em lei o não cabimento de mandado de segurança contra ato de gestãocomercial, reservando-se o mandamus contra atos referentes às suas atribuições institucionais. Já eraesse o entendimento consagrado no Superior Tribunal de Justiça276 e, apesar da novidade legislativa,aparentemente o dispositivo legal ora comentado não trará maiores alterações na praxe forense.

Não se pode discordar de parcela da doutrina que aponta para dificuldade prática em algumascircunstâncias para se distinguir ato de atividade-meio e atividade-fim, devendo o intérprete semprese guiar pela espécie de norma que rege a relação jurídica de direito material. Sendo normas dedireito privado, não se sujeitará ao mandado de segurança277, porque, nesse caso, ficará claro que oato é de mera gestão comercial, não se confundindo com a finalidade institucional da pessoa jurídica.

A Ordem dos Advogados do Brasil, entretanto, ingressou com Ação Direta deInconstitucionalidade (ADI 4.296), na qual, ao impugnar uma série de dispositivos legais da Lei12.016/2009, incluiu o art. 1º, § 2º, ao afirmar que a vedação constitui violação à inafastabilidade dajurisdição consagrada no art. 5º, XXXV, CF. Não acredito que a justificativa seja válida para sechegar à conclusão de inconstitucionalidade, até porque o direito de ação continua intacto, só não seadmitindo uma espécie determinada de ação, que é o mandado de segurança. Essa afirmação nãosignifica que a opção do legislador em impedir o mandado de segurança nesse caso seja adequada,mas também não se pode afirmar que seja inconstitucional.

6.1.2.2. Ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo,independentemente de caução

A previsão do art. 5º, I, da Lei 12.016/2009, que repete com mínima alteração redacional o art. 5º,I, da Lei 1.533/1951, não autoriza conclusões que contrariem o princípio da inafastabilidade dajurisdição, consagrado em nosso texto constitucional (art. 5º, XXXV, CF) 278, de forma a não servedada à parte a escolha do mandado de segurança, mesmo quando exista no caso concreto aviabilidade de se resolver o conflito por meio de processo administrativo. Tampouco condiciona aparte a esgotar a via administrativa de solução do conflito antes de ingressar com o mandado desegurança279, porque tal circunstância está limitada à solução dos conflitos na seara desportiva, nostermos do art. 217, § 1º, da CF.

O que é preciso observar no caso concreto, e nisso o dispositivo legal ora comentado não inova, ése a parte que ingressa com mandado de segurança tem interesse processual em movimentar amáquina jurisdicional. Entende-se que, havendo a interposição de recurso administrativo com efeitosuspensivo – o que naturalmente depende da vontade da parte –, não haverá necessidade de seprocurar o Poder Judiciário, porque inexistirá lesão ou ameaça de lesão ao direito discutido noâmbito administrativo. O ato impugnado, afinal, terá seus efeitos suspensos até o julgamento dorecurso. A falta de interesse de agir, nesse caso, não atinge somente o mandado de segurança, comopoderia equivocadamente sugerir o artigo legal ora analisado, mas toda e qualquer espécie de açãojudicial pela qual se pretenda debater a matéria que já esteja sendo discutida em processoadministrativo, desde que nesse exista pendência de julgamento de um recurso com efeito suspensivo.

Não parece ser correto o entendimento de que a interposição do mandado de segurança sempreimporta renúncia ao direito administrativo ou desistência de recurso já interposto e pendente dejulgamento280. Já havendo recurso administrativo interposto, o impetrante, diante da ausência deinteresse de agir, terá seu mandado de segurança rejeitado281; não é possível que a interposiçãoacarrete a desistência tácita do recurso administrativo, porque, se o impetrante não reúne ascondições da ação, o mandado de segurança não tem como seguir adiante. O mesmo ocorre durante oprazo recursal, ainda que não tenha sido interposto o recurso administrativo com efeito suspensivo,somente haverá interesse de agir no mandado de segurança se o impetrante renunciar expressamenteao recurso dentro do prazo recursal.

As ponderações feitas acima levam em consideração a exata concepção do conceito de efeitosuspensivo. Como bem apontado pela melhor doutrina, a afirmação de que o recurso tem efeitosuspensivo não pode ser considerada correta, porque, na realidade, não é o recurso que suspende aeficácia da decisão, mas sim sua recorribilidade, ou seja, a mera previsão de um recurso que tenhacomo regra efeito suspensivo. Havendo a previsão em lei de recurso a ser “recebido com efeitosuspensivo”, a decisão recorrível por tal recurso já surge no mundo jurídico ineficaz, não sendo ainterposição do recurso que gera tal suspensão, mas a previsão legal de efeito suspensivo. O recurso,nesse caso, uma vez interposto, prolonga o estado inicial de ineficácia da decisão até seujulgamento282, o que significa dizer que, mesmo antes de sua interposição, o impetrante não teminteresse de agir para o mandado de segurança, porque a decisão que lhe é prejudicial é nessemomento ineficaz.

Como se sabe, as condições da ação devem ser analisadas a qualquer momento do processo, sendoadmissível a carência superveniente, quando uma das condições da ação deixa de existir durante oprocedimento283. Esse entendimento é importante na hipótese de o recurso administrativo que não temoriginariamente efeito suspensivo vir a tê-lo, naquilo que a doutrina entende por efeito suspensivoimpróprio. A partir do momento em que for atribuído efeito suspensivo ao recurso administrativo, oimpetrante passará a ser carecedor da ação (perda superveniente do interesse de agir).

Para parcela da doutrina, na esfera tributária, quando se discute judicialmente a Dívida Ativa daFazenda Pública, não se aplica o artigo legal ora analisado, sendo também inaplicáveis as liçõesanteriormente expostas. Tudo por conta da previsão contida no art. 38, parágrafo único, da LEF (Lei6.830/1980), que determina implicar a opção pela via judicial na automática renúncia ou desistênciada discussão administrativa envolvendo o ato impugnado284. Nesse sentido vem decidindo o SuperiorTribunal de Justiça285.

Um aspecto positivo da redação do dispositivo legal é a expressa previsão de que o não cabimentode mandado de segurança depende de recurso administrativo que independa de caução. O raciocíniodo legislador é correto, porque a mera necessidade de prestar a caução no processo administrativo jáé o suficiente, independentemente dos efeitos do recurso, para que a parte possa buscar amparo noPoder Judiciário por meio do mandado de segurança. Afinal, poderá obter uma tutela jurisdicional,ainda que de urgência, sem a necessidade de caucionar o juízo (o art. 7º, III, da Lei 12.016/2009 nãocondiciona a concessão de liminar à prestação de caução), o que já é o suficiente para mostrar aexistência de necessidade da tutela jurisdicional.

6.1.2.3. Decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivoSegundo o art. 5º, II, da Lei 12.016/2009, não se concederá mandado de segurança contra decisão

judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo, parecendo que a interposição de Mandado deSegurança em desrespeito à previsão legal leva o processo à extinção, sem resolução de mérito porimpossibilidade jurídica do pedido. É preciso registrar que o dispositivo legal ora comentado, aomenos em sua literalidade, trouxe considerável novidade ao sistema processual, tendo em vista que oart. 5º, II, da Lei 1.533/1951 previa o não cabimento de decisão passível de recurso, sem qualquermenção aos efeitos do recurso cabível. A compreensão exata do dispositivo legal exige uma breveanálise das diferentes espécies de efeito suspensivo existentes em nosso ordenamento jurídico.

Nem todo recurso tem efeito suspensivo previsto em lei, mas, em todos eles, é possível a suaobtenção no caso concreto, desde que preenchidos determinados requisitos. O efeito suspensivoprevisto em lei, que de nada depende para ser gerado, é chamado de efeito suspensivo próprio (opelegis), enquanto o efeito suspensivo obtido no caso concreto, a depender do preenchimento dedeterminados requisitos, porque em regra o recurso não o tem, é chamado de efeito suspensivoimpróprio (ope iudicis). O dispositivo legal parece tratar do efeito suspensivo próprio, não havendomesmo qualquer necessidade de se valer a parte do mandado de segurança, quando pode se valer dorecurso previsto em lei que tenha efeito suspensivo. Faltaria, nesse caso, interesse de agir nomandado de segurança, pelos mesmos motivos expostos nos comentários ao art. 5º, I, da Lei12.016/2009.

Uma interpretação literal do dispositivo legal levará o operador a concluir, contrario sensu, que,sendo cabível da decisão recurso sem efeito suspensivo, passa a ser cabível o mandado desegurança. A conclusão, entretanto, não pode ser essa, sendo pacificado o entendimento de quemesmo decisões passíveis de recurso sem efeito suspensivo não podem ser impugnadas por meio demandado de segurança. Existe até mesmo entendimento sumulado no Supremo Tribunal Federal nessesentido286, ainda que em interpretação do atualmente revogado inciso II do art. 5º da Lei 1.533/1951.

Para se compreender a possibilidade de impugnação de pronunciamento judicial por meio demandado de segurança, é preciso visualizar quatro situações: (i) o despacho não é recorrível nemimpugnável por mandado de segurança, considerando tratar-se de pronunciamento que meramente dáandamento ao procedimento; (ii) decisão recorrível por recurso com efeito suspensivo (efeitosuspensivo próprio) não é impugnável por mandado de segurança; (iii) decisão recorrível porrecurso sem efeito suspensivo pela literalidade do dispositivo passa a ser impugnável por mandadode segurança; (iv) decisão irrecorrível é impugnável por mandado de segurança; (v) decisãotransitada em julgado não é atacável por mandado de segurança (art. 5º, III, Lei 12.016/2009).

No tocante a decisão recorrível por recurso sem efeito suspensivo, a jurisprudência firmada antesda atual normatização do mandado de segurança indicava para a possibilidade de mandado desegurança tão somente em situações teratológicas, quando o mecanismo recursal previsto em lei nãose mostrasse eficiente para a efetiva tutela dos interesses da parte287. A regra era, portanto, o nãocabimento de mandado de segurança, considerando-se que, nos termos do art. 558 do CPC, o agravode instrumento e mesmo a apelação poderiam receber efeito suspensivo no caso concreto, desde quepreenchidos os requisitos legais (efeito suspensivo impróprio). Há diversas decisões do SuperiorTribunal de Justiça entendendo incabível o Mandado de Segurança quando cabível o agravo deinstrumento, considerando que esse recurso, apesar de não ter efeito suspensivo automaticamenteprevisto em lei, poderá receber efeito suspensivo no caso concreto nos termos dos arts. 527, III, e558, ambos do CPC. Há decisões, inclusive, que negam cabimento, até mesmo de ação cautelarinominada nesses casos288.

Como ensina parcela da doutrina, o cabimento do Mandado de Segurança contra decisão judicialsó será admitido quando o recurso cabível contra ela não tiver e nem puder ter efeito suspensivo289.Justamente por concordar com esse entendimento, tenho extrema dificuldade na admissão domandado de segurança contra decisão que possa ser atacada por recurso, independentemente daprevisão de efeito suspensivo, porque parto da premissa de que o art. 558 do CPC é regra de teoriageral dos recursos, de forma que, em qualquer recurso que não tenha previsão em lei, o recorrentepoderá obter efeito suspensivo, desde que preenchidos os requisitos: (a) pedido expresso; (b)relevância da fundamentação recursal; (c) perigo de grave dano derivado da geração imediata dosefeitos da decisão impugnada290.

No Superior Tribunal de Justiça, existem decisões que admitem dentro de uma excepcionalidadegritante a interposição de Mandado de Segurança contra decisão recorrível, desde que: (a) trate-sede decisão teratológica, o que acarreta a aberratio iuris291, e (b) potencial da decisão de gerar gravedano de difícil ou incerta reparação292. A regra, portanto, é pelo não cabimento do mandado desegurança quando a decisão for recorrível, independentemente dos efeitos de tal recurso. O SupremoTribunal Federal parece também limitar o cabimento do mandado de segurança às decisõesirrecorríveis293.

Em razão do posicionamento ora defendido, mesmo diante de decisões teratológicas, aptas a gerarum grave dano de difícil ou incerta reparação à parte, entendo que o caminho correto é a interposiçãodo recurso cabível e, quando ausente da lei, o pedido expresso de concessão de efeito suspensivo,com o que sempre se permitirá ao recorrente evitar danos. Reconheço, entretanto, que, para a parcelada doutrina que entende ser o art. 558 do CPC de aplicação restritiva294, recursos que não previstosno dispositivo legal e que não tenham efeito suspensivo previsto em lei não são aptos a impedirdanos irreparáveis ou de difícil reparação, sendo, nesse caso, cabível o Mandado de Segurançacomo forma de preservação efetiva dos interesses da parte sucumbente diante da decisão judicial.

É preciso observar, entretanto, que, nesse caso, não caberá tão somente o mandado de segurança,que nunca poderá funcionar como substitutivo do recurso previsto em lei, afinal, decisão nãoimpugnada pelo recurso cabível (e nesse tocante a questão da eficácia é irrelevante) preclui, e omandado de segurança não impede a geração dessa consequência. Dessa forma, a parte deverácumular meios de impugnação: ingressar com o recurso cabível para evitar a preclusão e com omandado de segurança para impedir que a decisão recorrida gere efeitos imediatos. O mandado de

segurança é utilizado, na realidade, como instrumento para atribuir efeito suspensivo a recurso quenão o tenha, sendo certo que, no tocante ao recurso especial e extraordinário, os tribunais superioresjá pacificaram o entendimento de que essa tarefa deva ser cumprida por meio de processo cautelarinominado295, não obstante também aceitem, ainda que a contragosto, o mandado de segurança.

Esse entendimento, entretanto, só tem aplicabilidade nas hipóteses nas quais o recurso cabívelcontra a decisão não será eficaz para reverter a sucumbência do recorrente em razão da urgência. Naeventualidade de a razão de ineficácia ser outra, é natural que de nada adiante interpor o recurso epedir em sede de mandado de segurança a concessão de efeito suspensivo. Nesse caso, bastará ainterposição do mandado de segurança, que evitará a preclusão da decisão impugnada.

Interessante exemplo foi dado em julgamento do Superior Tribunal de Justiça, que admitiu ainterposição de mandado de segurança contra decisão do recurso de embargos infringentes previstono art. 34 da LEF296. Por se tratar de decisão de única instância, não pode ser impugnado por recursoespecial, não obstante caiba o recurso extraordinário. O cabimento desse recurso não permite aconclusão de a decisão ser irrecorrível, mas, se o vício teratológico da decisão afrontar normafederal, será inviável à parte se valer do recurso extraordinário para sua alegação. Nesse caso,embora exista um recurso cabível contra a decisão, a matéria a ser veiculada é incompatível com orecurso disponível, o que habilita o cabimento do mandado de segurança.

Outra hipótese interessante decorre da excepcional hipótese de o juiz, em sua sentença, apesar denegar provimento ao pedido do autor, expressamente manter a tutela antecipada anteriormenteconcedida. Havendo uma sentença, o recurso cabível é a apelação, mas o réu não tem interesserecursal na interposição de apelação contra sentença de total improcedência do pedido do autor.Mesmo que se considere a existência de um capítulo da decisão que o faz sucumbir – a manutençãoda tutela antecipada –, não há interesse recursal na apelação, porque, se o autor não recorrer dasentença, haverá o trânsito em julgado da sentença integralmente favorável ao réu. Poderia seimaginar que o interesse surgirá com a interposição da apelação pelo autor, considerando que nessecaso a tutela antecipada será mantida até o julgamento do recurso. A saída, portanto, seria um recursoadesivo de apelação por parte do réu.

Ocorre, entretanto, que o recurso principal e o recurso adesivo são julgados ao mesmo tempo, e,quando isso ocorrer, o recurso será julgado prejudicado, considerando que após o julgamento daapelação principal a questão a respeito da manutenção da apelação terá perdido seu objeto. Note-seque nem mesmo uma tutela de urgência no recurso adesivo poderia ser concedida, considerando quenão é viável se antecipar os efeitos de um resultado que já se sabe de antemão não será obtido. Comose pode notar, não há alternativa para o réu que pretende a revogação imediata da tutela antecipadaque não o mandado de segurança.

Por tudo que já foi exposto, entendo que o cabimento de mandado de segurança contra decisãojudicial depende de sua irrecorribilidade e de que a decisão não tenha transitado em julgado, sendoesse segundo aspecto analisado com maior profundidade no item seguinte. Deve-se reconhecer,entretanto, que a interpretação literal do dispositivo legal ora comentado trará profundas eindesejáveis alterações no tocante ao cabimento do mandado de segurança, contrariandoentendimento pacificado dos tribunais superiores. Caberá ao intérprete evitar que isso ocorra.

Aparentemente, a doutrina parece tranquila na admissão do mandado de segurança em situações deirrecorribilidade, mas nem mesmo esse tema é tranquilo nos tribunais, inclusive nos superiores. São

ao menos duas situações polêmicas: decisões interlocutórias proferidas nos Juizados Especiais edecisão monocrática do relator do agravo de instrumento que o converte em agravo retido ou decidepedido de tutela de urgência.

O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado pelo cabimento do mandado desegurança contra decisões interlocutórias proferidas nos Juizados Especiais, considerando-se que oprocedimento sumaríssimo adota a irrecorribilidade imediata de tais decisões. Consolidou inclusiveo entendimento de que cabe ao Colégio Recursal julgar os mandados de segurança contra decisão dejuiz monocrático ou do próprio Colégio Recursal297, salvo quando a impugnação tiver como objetodecisão que determina a competência dos Juizados Especiais em detrimento da Justiça Comum,quando a competência para o mandado de segurança será do Tribunal de Justiça298. Contrária a esseentendimento, há decisão recente do Supremo Tribunal Federal no sentido de não serem recorríveispor agravo de instrumento nem impugnáveis por mandado de segurança as decisão interlocutóriasproferidas nos Juizados Especiais299.

Espero sinceramente que a decisão do Supremo Tribunal Federal, apesar de ter sido proferidapelo Plenário, não represente o posicionamento definitivo a respeito do tema, porque a negativa purae simples de cabimento de qualquer meio de impugnação a ser imediatamente oferecido contradecisão interlocutória em sede de Juizados Especiais pode significar a perpetuação definitiva eirreversível de grave injustiça. A alegação de que os prazos do mandado de segurança não secoadunam com os fins pretendidos pela Lei 9.099/1995 não é suficiente para embasar a vedação, atéporque a utilização desse meio de impugnação tem demonstrado ser compatível com os princípiosdos Juizados Especiais. Por outro lado, a afirmação de que não há ofensa ao princípio da ampladefesa porque sempre haverá a possibilidade de impugnação das decisões interlocutórias quando dainterposição de recurso inominado se mostra falsa, porque, em situações de perigo de perecimentodo direito, um recurso tardio é sinônimo de ausência de recurso. Ademais, o entendimento passa acontrariar manifestamente texto expresso de lei: art. 5º, II, Lei 12.016/2009.

A exceção ficaria por conta do art. 5º da Lei 10.259/2001, que, ao prever o cabimento de recursocontra decisão de tutela de urgência no âmbito dos Juizados Especiais Federais, afasta o cabimentodo mandado de segurança, até porque o melhor entendimento é que essa decisão interlocutória sejarecorrível por agravo de instrumento. Para parcela da doutrina, que defende que as Leis 9.099/1995e 10.259/2001 formam o microssistema dos Juizados Especiais, mesmo no âmbito estadual seriaadmissível o agravo de instrumento por aplicação da norma mencionada300, mas, nesse caso, oColégio Recursal deverá aplicar o princípio da fungibilidade caso a parte ingresse com mandado desegurança. Na realidade, embora não seja esse o momento mais adequado ao desenvolvimento dotema, em qualquer hipótese de impugnação de decisão dos juizados especiais por agravo deinstrumento ou mandado de segurança, o princípio da fungibilidade deve ser aplicado.

Segundo a previsão do art. 527, parágrafo único, do CPC, a decisão monocrática do relator queconverte o agravo de instrumento em agravo retido é irrecorrível, o que abre margem para ainterposição de mandado de segurança301, que vem sendo admitido pelo Superior Tribunal deJustiça302. Paradoxalmente, entretanto, o dispositivo ora comentado parecia ser ignorado no tocante aoutra decisão nele prevista, qual seja, a que tem como objeto o pedido de tutela de urgência. Emdecisões manifestamente incorretas, o Superior Tribunal de Justiça vinha decidindo pelo nãocabimento de mandado de segurança contra decisão monocrática do relator que concede ou não efeito

suspensivo ou tutela antecipada em sede de agravo de instrumento, com o argumento de que taldecisão é impugnável por agravo regimental303.

A incongruência lógica dos julgados é manifesta, porque o art. 527, parágrafo único, do CPC, aomenos no tocante à forma de impugnação das decisões nele previstas, é aplicado parcialmente. Paraa decisão que converte o agravo de instrumento em agravo retido, leva-se a sério o texto legal e, aoreconhecer ser tal decisão irrecorrível, admite-se o ingresso de mandado de segurança contra ela. Jápara a decisão que concede ou indefere o pedido de efeito suspensivo ou tutela antecipada,simplesmente se despreza o texto legal e se entende a decisão recorrível por agravo regimental,ainda que o texto da lei preveja de forma clara e indiscutível sua irrecorribilidade. E o que é aindamais grave, o próprio Superior Tribunal de Justiça entende que o Regimento Interno não pode sesobrepor à lei304, de forma que, mesmo havendo previsão regimental de agravo contra a decisãoprevista no art. 527, parágrafo único, do CPC, a decisão é irrecorrível por expressa previsão legal.

Registre-se que ultimamente o próprio Superior Tribunal de Justiça, provavelmente consciente daincongruência de adotar o art. 527, parágrafo único, do CPC pela metade, passou a decidir pelocabimento de mandado de segurança também contra a decisão monocrática do relator que versa sobrea tutela de urgência – efeito suspensivo e tutela antecipada – no agravo de instrumento305.

6.1.2.4. Decisão transitada em julgadoO art. 5º, III, da Lei 12.016/2009, apesar de não conter previsão similar no sistema anterior, prevê

expressamente entendimento jurisprudencial consagrado de não cabimento do mandado de segurançacontra decisão transitada em julgado306, o que é interessante, porque evita que esse meio deimpugnação seja utilizado como sucedâneo de ação rescisória, o que iria contrariar o funcionamentodo binômio “segurança jurídica-justiça das decisões” planejado pelo legislador. Ainda assim, algunscomentários são necessários.

Não parece adequado o entendimento doutrinário que defende o cabimento de mandado desegurança contra decisão transitada em julgado nos Juizados Especiais, como forma de evitar aperpetuação de graves vícios e injustiças307. A opção do legislador foi clara ao prever no art. 59 daLei 9.099/1995 o não cabimento de ação rescisória no âmbito dos Juizados Especiais, preferindoprestigiar a segurança jurídica advinda da coisa julgada à justiça que poderia ser perseguida pormeio de tal espécie de ação. Simplesmente defender o cabimento de mandado de segurança comoforma de superar a expressa vedação legal significa contrariar de forma manifesta a vontade dolegislador, que, adequada ou equivocada, deve ser respeitada, já que não cabe ao intérprete “mudar alei na marra”, mas simplesmente interpretá-la dentro dos limites de razoabilidade. A proposta,quando muito, deve ser feita de lege ferenda, e atualmente ainda teria de superar o art. 5º, III, Lei12.016/2009.

Interessa ao presente debate recente decisão do Superior Tribunal de Justiça que suscitouincidentalmente a possibilidade de mandado de segurança contra decisão transitada em julgadoproferida em sede de Juizados Especiais308. Nesse julgamento se entendeu pela possibilidade, aindaque em tese, do cabimento do mandado de segurança contra decisão transitada em julgado nahipótese de incompetência absoluta dos Juizados Especiais, o que viabilizaria um controle dacompetência pelo Tribunal de Justiça309. Posteriormente, o entendimento foi consagrado comodecisão por diversos julgados da mesma 3ª Turma310.

Não considero correto o entendimento porque o controle pode ser exercido a qualquer momento doprocedimento, não sendo crível que somente após o trânsito em julgado a parte se motive a fazê-lo eencontre guarida no Poder Judiciário, ainda mais com a expressa vedação legal (art. 5º, III, Lei12.016/2009).

No próprio julgado, há confissão do desconforto que seria reconhecer o mandado de segurançacomo sucedâneo de ação rescisória ao se afirmar que, na hipótese de ausência de pressupostoprocessual de existência, não existe qualquer vedação da Lei 9.099/1995 quanto à ação de querellanullitatis, podendo o mandado de segurança ser equiparado a essa ação, e não à ação rescisória. Apremissa está parcialmente correta, mas não é aplicável para o caso analisado pelo julgado,considerando-se que a incompetência, ainda quando absoluta, acarreta ausência de pressuposto devalidade, nunca de existência311. De qualquer forma, as premissas de que a querella nullitatis –ainda que discutível se em tal ação se declara a inexistência ou nulidade – é cabível em sede deJuizados Especiais e que o mandado de segurança pode fazer suas vezes contêm interessanteentendimento: sendo a decisão juridicamente inexistente, existe tão somente uma aparência detrânsito em julgado, de forma que a aceitação do mandado de segurança na realidade não confronta avedação contida no art. 5ª, III, da Lei 12.016/2009.

6.2. DIREITO LÍQUIDO E CERTO E PROCEDIMENTO DOCUMENTALSegundo a melhor doutrina, a liquidez e a certeza do direito exigidas ao mandado de segurança

referem-se, exclusivamente, aos fatos, que, por essa razão, deverão ser provados de maneiraincontestável e clara pelo impetrante. Por mais tormentosa que seja a questão jurídica no casoconcreto a esse respeito, jamais se retirarão essas características do direito do impetrante quando osfatos estejam devidamente comprovados. Compreende-se que, por mais intricada a questão de direitoe por mais dúvidas que tal questão possa gerar no julgador, se a fundamentação fática da pretensãofor demonstrada por prova documental, o direito alegado será líquido e certo, bastando ao julgadordecidir se ele existe ou não existe312.

A matéria já foi inclusive sumulada pelo Supremo Tribunal Federal, que, após reiteradas decisões,consolidou o entendimento de que, mesmo sendo controvertida a questão de direito, há possibilidadede concessão de mandado de segurança313. A certeza e a liquidez, portanto, dizem respeito aosaspectos fáticos da pretensão, não sendo das mais felizes a consagrada expressão “direito líquido ecerto”. Conforme reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça, o direito protegido pelomandado de segurança exige do impetrante prova pré-constituída suficiente para convencer o juízo notocante ao aspecto fático de sua pretensão314.

Diante da estreita ligação do direito líquido e certo com a situação fática e como é a prova oinstrumento responsável por não deixar dúvidas de que os fatos como narrados pelo impetranterealmente existem ou existiram, exige-se sua comprovação por meio de prova documental já com oingresso da petição inicial, único momento em que haverá produção probatória pelo impetrante. Otema é tratado com maior profundidade neste capítulo no item 6.6.2.

É evidente que a prova juntada à petição inicial não trará ao órgão judicial a certeza absoluta daexistência do direito, porque, com as informações prestadas pela autoridade coatora, será possívelconcluir que os fatos não ocorreram exatamente da forma narrada pelo impetrante e supostamentedemonstrada pela prova produzida já na petição inicial. Entendimento contrário criaria uma estranha

e inadmissível procedência prima facie, na qual ou seria concedida a liminar que, ao final, seriaobrigatoriamente confirmada, ou se extinguiria liminarmente o mandado de segurança.

Essa observação é corretamente feita pela melhor doutrina, para a qual o direito líquido e certoaparece em dois momentos diferentes do procedimento. Inicialmente, aparece no primeiro contato doórgão judicial com a petição inicial, mesmo porque sua ausência nesse momento já será causa daextinção do processo por carência de ação. Ocorre, entretanto, que, por tratar-se de momento liminardo procedimento, a cognição sumária, única possível nesse momento processual, levará o órgãojudicial a fazer um juízo de aparência; nesse estágio é suficiente que exista uma plausibilidade daexistência de direito líquido e certo. O segundo momento, em que se analisará a efetiva existência dedireito líquido e certo, é o da decisão final, quando, de posse das informações prestadas pelaautoridade coatora e da manifestação do Ministério Público, o juiz, em cognição exauriente, decidirábaseado em um juízo de certeza, por poder confirmar ou não a plausibilidade de existência do direitolíquido e certo315.

Ao determinar-se a razão pela qual se exige do impetrante a produção da prova já com a petiçãoinicial, de modo a não se admitir qualquer dilação probatória na tentativa de comprovação de seudireito líquido e certo, é absolutamente natural imaginar que a prova a ser produzida no processo domandado de segurança tenha natureza documental. O próprio art. 6º, caput, da Lei 12.016/2009corrobora tal entendimento ao exigir do impetrante a instrução da petição inicial com documentos.Não parece correto, entretanto, o entendimento literal ao disposto na norma legal mencionada,tampouco que entenda ser somente a prova documental admitida no processo de mandado desegurança.

A impossibilidade de dilação probatória durante o procedimento do mandado de segurança,circunstância absolutamente pacificada tanto na doutrina quanto na jurisprudência, não passa,automaticamente, a exigir do impetrante a produção de uma prova documental, mas sim de uma provapré-constituída, ou seja, de uma prova já formada fora e anteriormente ao processo. Prova pré-constituída é o gênero e não significa prova documental, apesar de ser essa a sua mais tradicionalespécie. A disposição legal do procedimento do mandado de segurança tão somente exige que oimpetrante convença o juiz dos fatos que embasam suas alegações com uma prova pronta, a qual nãodemanda qualquer atividade probatória durante o processo; essa função não é exclusiva da provadocumental, mas aplica-se a qualquer prova pré-constituída robusta o suficiente para convencer oórgão judicial dos fatos alegados.

Torna-se imperiosa a diferenciação entre prova documental e prova documentada. Por provadocumental se entende a prova que tenha o conteúdo e forma de documento conforme as exigênciaslegais, enquanto por prova documentada se entende qualquer prova, de qualquer natureza, que sejamaterializada por meio de um documento. Uma perícia judicial é materializada em um laudo pericial,que, certamente, é um documento, se não em seu conteúdo, inegavelmente em sua forma. O mesmoocorre com a colheita de prova oral, materializada na ata de audiência, que também será umdocumento, não em seu conteúdo, mas em sua forma.

O que se pretende demonstrar é que, a par de tradicionalmente se pensar na prova documentalquando se fala em prova pré-constituída, esta não passa de sua principal espécie. Qualquer provaque tenha sido produzida judicialmente e materializada em um documento, embora seja entendidacomo prova causal no processo em que foi produzida, será documental – ao menos em sua forma – no

processo que a receber como prova emprestada, tema já explorado em capítulo específico sobre ascaracterísticas da prova emprestada.

No mandado de segurança, a exigência da produção de prova já na petição inicial, como foi visto,tem como causa a necessidade de comprovação prima facie de, ao menos, uma plausibilidade dodireito líquido e certo e, em nenhum momento, é possível concluir que esse convencimento noespírito do juiz a respeito dos fatos só possa ser obtido por meio da prova documental. Qualquermeio de prova é apto a convencer o juiz da ocorrência ou da veracidade de fatos; somente não seadmite, no mandado de segurança, a dilação probatória. Caso a “dilação probatória” tenha sidorealizada antes do processo e seu resultado apresentado sob a forma de prova documentada, o únicorequisito que efetivamente se exige na comprovação do direito líquido e certo estará preenchido.

O que se pretende afirmar é que qualquer prova documentada, de natureza documental ou não,poderá ser apta, no caso concreto, a convencer, sumariamente, em um primeiro momento, edefinitivamente, em um segundo momento, o órgão judicial da existência do direito líquido e certo316.

Registre-se que a doutrina que já tratou do tema é majoritariamente contrária ao entendimento aquiexposto e variam as razões para a recusa de uma prova documentada, mas não documental, ser apta ademonstrar o direito líquido e certo.

Para parcela doutrinária, a prova documental é a única aceitável pela maior facilidade em suaprodução e pela maior clareza dela decorrente317. O entendimento não pode ser aceito, ao menos quese esteja disposto a abandonar o sistema atual de valoração da prova adotado pelo direito brasileiro,que é o do livre convencimento motivado do juiz, no qual as provas não têm valor prefixado,dependendo sempre de uma análise no caso concreto. Ao admitir-se que a prova documental é aúnica apta a configurar o direito líquido e certo, pela “maior clareza” que sua força probatóriaimprime, volta-se ao já abandonado sistema da prova tarifada, em que a força probatória dos meiosde prova já vem definida a priori, independente de sua análise no caso concreto.

Ao aplicar-se o princípio do livre convencimento motivado do juiz, será impossível concluir que aprova documental é mais robusta e carrega em si uma força probatória maior do que qualquer outromeio de prova. A carga de convencimento de cada meio de prova deve ser analisada e fixada pelojuiz no caso concreto, de maneira fundamentada, para que se evitem abusos. É plenamente admissívelque uma prova teoricamente de maior força probatória, como a perícia, seja superada, em termos deconvencimento do juiz, por uma outra prova, em tese, de menor força probatória, como a testemunhal.Há, inclusive, disposição expressa nesse sentido no art. 436 do CPC.

Diante do sistema de valoração probatória admitido no processo civil brasileiro, não é possívelafirmar, a priori e abstratamente, que o documento seja a única prova apta a demonstrar a existênciado direito líquido e certo. Admitindo-se que todas as provas têm, em abstrato, a mesma cargaprobatória, dependendo da análise do juiz no caso concreto para descobrir-se qual terá maior forçade convencimento, é, no mínimo, prematuro afirmar que somente a prova documental poderá instruiro pedido do impetrante do mandamus. Dessa forma, qualquer prova pré-constituída, documental ousimplesmente documentada, será, em tese, apta a demonstrar o direito líquido e certo no casoconcreto.

Outra crítica à admissão de prova documentada no mandado de segurança é fundada nocontraditório: admitindo-se a prova de outra natureza que não a documental, o réu não teráoportunidade de apresentar prova de mesma natureza, o que viola a isonomia e sacrifica o

contraditório318. Essa crítica, embora seja mais sustentável que a primeira, também não merece seracolhida como fator impeditivo da utilização de prova documentada no mandado de segurança.

O entendimento é insustentável, porque, se ao impetrante for admitido apresentação de provadocumentada, naturalmente também ao réu será facultada a mesma possibilidade. A atividadeprobatória prévia desenvolvida por cada um dos sujeitos processuais que participa do mandado desegurança determinará suas possibilidades probatórias; assim, não é possível retirar-se um direito doimpetrante tão somente porque o réu não se preparou tão adequadamente como ele para a demandajudicial.

Além disso, poderá o réu sempre apresentar prova documental, que, inclusive, poderá desbancar aprova documentada de natureza testemunhal ou pericial apresentada pelo impetrante, como tambémpoderá, o que já foi afirmado, valer-se de ação probatória autônoma a fim de preparar-se para oeventual mandado de segurança, hipótese em que poderá apresentar a prova documentada, da mesmaforma que foi possível ao impetrante. Dessa forma, não parece correto o entendimento de que sejaimpossível ao réu fazer a contraprova a essa espécie de prova, porquanto poderá fazê-lo por meiotanto de prova documental, como de prova documentada obtida em processo autônomo probatórioprévio ao mandado de segurança.

As questões referentes à força de convencimento de uma prova documentada testemunhal oupericial, ou ainda do exíguo prazo decadencial do mandado de segurança, fogem ao tema do presentedebate e devem ser analisadas no caso concreto. O que não se pode admitir como correto é a nãoadmissão, a priori, dessa espécie de prova como apta a demonstrar, no caso concreto, o direitolíquido e certo do impetrante. Essa admissão, inclusive, otimizará a utilização do mandado desegurança, com nítido benefício do impetrante em primeiro plano, mas também como nítida forma deproteção mais eficaz e completa dos direitos.

6.3. COMPETÊNCIAMais uma vez, o operador do direito deverá seguir os passos para a determinação da competência

no caso concreto, conforme segue:

1ª etapa: Verificação da competência da Justiça brasileira . Os arts. 88 e 89 do CPC tratam dofenômeno da competência internacional, disciplinando as hipóteses de competência exclusivado juiz brasileiro e as hipóteses de competência concorrente deste com o juiz estrangeiro.Sendo exclusiva ou concorrente, será competente a Justiça brasileira para julgar o processo.

2ª etapa: Analisar se a competência para julgamento é dos Tribunais de superposição (acompetência originária do STF vem disciplinada pelo art. 102, I, da CF e a competênciaoriginária do STJ no art. 105, I, da CF) ou de órgão jurisdicional atípico (por exemplo, oSenado Federal – art. 52, I e II, CF – e a Câmara dos Deputados – art. 51, I, da CF).

3ª etapa: Verificar se o processo será de competência da justiça especial (Justiça do Trabalho,Justiça Militar ou Justiça Eleitoral) ou justiça comum (Justiça Estadual e Justiça Federal).

4ª etapa: Sendo de competência da justiça comum, definir entre a Justiça Estadual e a Federal.A Justiça Federal tem sua competência absoluta prevista pelos arts. 108 (TRF) e 109(primeiro grau) da CF. A competência da Justiça Estadual é residual, ou seja, sendo decompetência da justiça comum e não sendo de competência da Justiça Federal, será de

competência da Justiça Estadual.5ª etapa: Descoberta a Justiça competente, verificar se o processo é de competência originária

do Tribunal respectivo (TRF ou TJ) ou do primeiro grau de jurisdição.6ª etapa: Sendo de competência do primeiro grau de jurisdição, determinar a competência do

foro. Por foro, deve-se entender uma unidade territorial de exercício da jurisdição. Na JustiçaEstadual, cada comarca representa um foro, enquanto na Justiça Federal cada seção judiciáriarepresenta um foro.

7ª etapa: Determinado o foro competente, a tarefa do operador poderá ter chegado ao final.Haverá hipóteses, entretanto, nas quais ainda deverá ser definida a competência de juízo, oque será feito no mais das vezes por meio das leis de organização judiciária (responsáveispela criação de varas especializadas em razão da matéria e da pessoa) ou ainda pelo Códigode Processo Civil (definição de qual juízo é competente quando duas ações são conexas etramitam no mesmo foro – art. 106 do CPC).

Ainda que não entenda ser a autoridade coatora ré no mandado de segurança, conformeamplamente exposto no item 6.4.2., é preciso reconhecer que sua figura é de extrema importância notocante à fixação da competência do mandado de segurança. Segundo entendimento consolidado doSuperior Tribunal de Justiça, a competência será estabelecida em razão da função ou da categoriafuncional da autoridade apontada como coatora na petição inicial319.

Justamente em razão desse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça considera que acompetência para o mandado de segurança é absoluta320. Naturalmente, quando a competência éoriginária do tribunal, ela é absoluta, de natureza funcional, mas o interessante é notar que, tambémnos mandados de segurança em primeiro grau, a competência territorial é absoluta, porque, narealidade, não decorrem simplesmente do local competente, mas do local em que a autoridadecoatora exerce suas funções institucionais.

Em meu entender, a competência é absoluta, porque fixada em razão da pessoa – maisprecisamente da função exercida por ela –, sendo a determinação do local competente – competênciaterritorial – uma mera consequência da primeira definição. Seja como for, essa é a razão de serincabível a exceção de incompetência no mandado de segurança, e não por não se admitir asuspensão do processo, como incorretamente apontado por parcela doutrinária321.

Segundo expressa previsão do art. 105, I, b, da CF, o Superior Tribunal de Justiça temcompetência originária para o julgamento de mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado,dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal.

Nos termos do art. 102, I, d, da CF, o Supremo Tribunal Federal é competente para o julgamentode mandado de segurança contra ato do Presidente da República, das Mesas da Câmara dosDeputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da Repúblicae do próprio Supremo Tribunal Federal. É tranquilo no Supremo Tribunal Federal o entendimento deser o tribunal incompetente para julgar originariamente mandados de segurança contra atos deautoridades de outros tribunais, inclusive superiores322.

Sendo a autoridade coatora pertencente à pessoa jurídica de direito público federal, acompetência, não sendo dos tribunais superiores e nem das Justiças especializadas, será da JustiçaFederal. O art. 108, c, da CF prevê que o Tribunal Regional Federal tem competência originária para

julgar os mandados de segurança contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal, inclusive de juizestadual com competência federal delegada323. O art. 109, VIII, da CF prevê a competência doprimeiro grau da Justiça Federal para o julgamento de mandado de segurança contra ato deautoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais, enquanto o art. 2º daLei 12.016/2009 prevê ser federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial doato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por elacontrolada.

A competência da Justiça Estadual é residual, de forma que, excluídas as competências dasJustiças especializadas e da Justiça Federal, o mandado de segurança será julgado pela JustiçaEstadual. A competência originária dos Tribunais de Justiça é prevista pelas Constituições Estaduaise normas locais de Organização Judiciária. Será residual a competência do primeiro grau da JustiçaEstadual, geralmente envolvendo atos de autoridades inferiores324.

Quando a competência para o julgamento do mandado de segurança for de juízo de primeiro grau,tanto na Justiça Estadual como na Justiça Federal, a competência territorial se determinará pelo localem que a autoridade coatora exerce suas funções325. Havendo varas privativas da Fazenda Pública, acompetência será absoluta dentro da comarca determinada pela regra de competência territorial.

Interessantes questões surgem quando há pluralidade de autoridades coatoras. Sendo acompetência de primeiro grau e exercendo as autoridades coatoras suas funções no mesmo local,naturalmente não haverá qualquer problema na fixação da competência territorial. Na hipótese de asautoridades coatoras exercerem suas funções em diferentes locais, aplicar-se-á a regra consagrada noart. 94, § 4º, do CPC, de forma que caberá ao impetrante escolher entre os diferentes foroscompetentes326. Na hipótese de competência originária de tribunal, havendo mais de uma autoridadecoatora com diferentes tribunais competentes para cada uma delas, a autoridade de hierarquiasuperior prevalece, o mesmo ocorrendo quando a competência com relação a uma autoridade coatoraé do primeiro grau e de outra é originária de tribunal327.

No tocante às decisões proferidas em sede de Juizados Especiais, os tribunais superiores jáconsolidaram o entendimento por sua incompetência absoluta para o julgamento originário domandado de segurança328. Em regra, independentemente de a decisão ser de juízo monocrático ou doColégio Recursal, a competência será do Colégio Recursal329, salvo na hipótese de a matéria alegadano mandado de segurança ser a incompetência absoluta dos Juizados, hipótese em que se admite aexcepcional competência do Tribunal de Justiça330.

6.4. SUJEITOS PROCESSUAIS

6.4.1. Legitimação ativa

6.4.1.1. Introdução

Em razão de inovação trazida pela Lei 12.016/2009, o art. 1ª, caput, passa a expressamente prevercomo legitimados ativos as pessoas físicas e jurídicas, consolidando o entendimento doutrinário que,mesmo à luz do art. 1º da Lei 1.533/1951, interpretava o termo “alguém” como inclusivo das pessoasjurídicas e físicas. Tais pessoas podem ser brasileiras ou estrangeiras e a pessoa jurídica de direitoprivado ou público, consagrando-se legislativamente a amplitude do mandado de segurança, que

mesmo tendo surgido para tutelar o indivíduo em face do Estado, passou a servir como forma detutela inclusive do Estado perante ele mesmo.

Ainda que não haja previsão expressa nesse sentido, pessoas formais são também legitimadasativas, tais como o espólio, o condomínio, a massa falida, bem como entes despersonalizados331, que,apesar de não terem personalidade jurídica, tem personalidade judiciária, tais como os corposlegislativos332.

A legitimação ativa prevista pelo dispositivo ora comentado é limitada ao mandado de segurançaindividual, considerando-se que somente o partido político e as associações, sindicatos e entidadesde classe, além do Ministério Público, têm legitimidade para impetrar mandado de segurançacoletivo. Trata-se de regra prevista no art. 5ª, LXX, da CF e especificada no art. 21, caput, da Lei12.016/2009, comentada em capítulo próprio.

6.4.1.2. Legitimidade ordinária individualO art. 1º, § 3º, da Lei 12.016/2009, repetindo o previsto no art. 1º, § 2º, da Lei 1.533/1951, prevê

típica hipótese de legitimação ordinária individual, na qual, apesar da pluralidade de titulares dodireito, a lei permite que qualquer um deles o defenda sozinho em juízo. Significa dizer que a partelitigante também será titular do direito debatido, mas terá legitimidade isolada, podendo demandarmesmo sem a presença dos demais titulares do direito. Existem inúmeros exemplos, como a açãoreivindicatória da coisa comum, que pode ser proposta por qualquer condômino; ação de dissoluçãode sociedade, que pode ser proposta por qualquer sócio; ação que tenha como objetivo a anulação deuma assembleia-geral em sociedade por ações, a declaração de indignidade do herdeiro, que podeser proposta por qualquer interessado na sucessão; na ação de sonegados, que pode ser proposta porqualquer herdeiro ou credor da herança etc.

Nesse caso, a pluralidade de titulares de um mesmo direito violado ou ameaçado pelo ato coatorjustifica a possibilidade de que qualquer um deles ingresse com o mandado de segurança, até porqueexigir-se a presença de todos esbarraria na polêmica do litisconsórcio ativo necessário e nasdificuldades práticas que surgiriam na hipótese de um dos titulares não pretender ingressar com aação judicial333.

Nessa hipótese, a formação do litisconsórcio será facultativa, sendo formado ou não conforme avontade dos sujeitos legitimados à propositura do mandado de segurança, mas, uma vez formado, adecisão obrigatoriamente resolverá a lide do mesmo modo para todos os litisconsortes. Ajustificativa é evidente, considerando-se a incindibilidade do objeto do processo, o que tornaobrigatória a prolação de uma sentença uniforme para todos os litisconsortes. Trata-se, afinal, de ummesmo direito material.

Não parece correto o entendimento doutrinário de que o dispositivo legal ora analisado admitiriauma espécie de substituição processual, dando a um indivíduo a legitimidade de ingressar commandado de segurança em favor de uma coletividade na defesa de diretos coletivos ou individuaishomogêneos334. No direito coletivo, o titular é uma comunidade – classe, grupo ou categoria depessoas –, não sendo o indivíduo legitimado a sua defesa em juízo, inclusive por meio de mandadode segurança. No direito individual homogêneo, há uma soma de direitos individuais, mas, mesmonesse caso, cada indivíduo é titular de seu direito individual, só podendo atuar em nome próprio emsua defesa, jamais na defesa do direito individual de outro indivíduo ou do conjunto de indivíduos.

Para essas espécies de direito existe o mandado de segurança coletivo, regulado pelos arts. 21 e 22da Lei 12.016/2009.

Tampouco parece correto o entendimento de que o dispositivo legal expressa uma hipótese delegitimação extraordinária concorrente e disjuntiva335, porque, nessa espécie de legitimação, osujeito estará em juízo defendendo em nome próprio direito alheio, sendo que o dispositivo legal éclaro ao afirmar que o direito ameaçado ou violado cabe a várias pessoas, ou seja, existe umapluralidade de titulares. Nesse caso, caso um desses titulares ingresse sozinho com o mandado desegurança, o fará em nome próprio por interesse próprio, ou seja, atuará em legitimação ordinária,ainda que ao mesmo tempo em que defende o seu direito naturalmente esteja defendendo o interessedos demais titulares do direito, até porque o direito material discutido no mandado de segurança é omesmo.

O entendimento sumulado de que integrante de lista de candidatos a determinada vaga dacomposição de tribunal é parte legítima para impugnar a validade da nomeação de concorrente336 nãoexcepciona o entendimento ora defendido, considerando-se que o direito a anulação da nomeação éum só com vários titulares, no caso, todos os candidatos preteridos. Nesse caso, como em todos osoutros já mencionados, a identidade do direito discutido em juízo permite que os titulares postulem aproteção jurisdicional em litisconsórcio por via do mandado de segurança, e o dispositivo legal oraanalisado permite o ingresso de mandado de segurança por qualquer um dos titulares.

6.4.1.3. Legitimação extraordináriaO art. 3º, caput, da Lei 12.016/2009 trata de clara hipótese de substituição processual, admitindo

que o titular de direito correlato a um direito que pode ser protegido por meio do mandado desegurança ingresse em nome próprio na defesa do interesse de outrem337. É tradicional o exemplodado do segundo colocado em concurso público que, diante da inércia do primeiro colocado,ingressa com mandado de segurança em favor deste diante da convocação do terceiro colocado nocertame. No mandado de segurança se buscará a anulação da convocação do terceiro colocado, o quetutelará o direito do primeiro colocado em ser convocado, e do segundo colocado a ser o próximo naordem de chamada. Naturalmente não poderá pedir sua imediata convocação por meio do mandadode segurança, mas indiretamente melhora sua situação ao se tornar o próximo a ser convocado (sem omandado de segurança, continuaria a ser o segundo na ordem de convocação). A preterição emordem estabelecida em licitação também pode justificar a aplicação do artigo legal ora analisado.

Outro exemplo comumente lembrado em doutrina é o do locatário que, por disposição contratual,se obriga ao pagamento do IPTU. Nesse caso, havendo lançamento indevido, poderia o locatário, emmandado de segurança, litigar em nome próprio pelo direito do locador, porque teria nesse caso umaobrigação decorrente daquele que será discutida em juízo. Registre-se, entretanto, que o SuperiorTribunal de Justiça vem entendendo em sentido contrário, afastando do locatário a qualidade depossuidor indireto e, por consequência, entendo-o como parte ilegítima para o mandado desegurança338.

Entendo que a omissão não é o suficiente para impedir que o titular do direito ingresse comoassistente litisconsorcial do impetrante no mandado de segurança. Apesar da polêmica a respeito danatureza jurídica da assistência litisconsorcial – para alguns uma espécie qualificada de assistência,para outros, um litisconsórcio superveniente339 –, acredito que mesmo aqueles que entendem pela

qualidade de litisconsorte do assistente litisconsorcial afastem a aplicação na hipótese do art. 10, §2º, da Lei 12.016/2009. Dessa forma, a intervenção do titular do direito será admitida a qualquermomento do processo, recebendo o processo no estado em que ele se encontrar. O que não se podeadmitir é a simples vedação de participação do titular do direto em demanda na qual o seu direitomaterial está sendo discutido.

Em regra inovadora, o art. 3º, caput, da Lei 12.016/2009 prevê um prazo de 30 dias para que otitular ingresse com o mandado de segurança após sua notificação, sendo que o art. 3º, caput, da Lei1.533/1951 previa tão somente um “prazo razoável”. O vencimento do prazo de 30 dias após anotificação sem a propositura da ação pelo titular do direito não retira dele o direito de ação, deforma que, mesmo após o transcurso do prazo, continuará a ser parte legítima para o ingresso domandado de segurança. Como, a partir desse momento, também o terceiro titular de direito correlatopassa a ter legitimidade ativa, é possível que exista litispendência entre dois mandados de segurança:aquele proposto pelo titular e aquele proposto pelo terceiro. E nem se fale que não existirialitispendência em razão dos diferentes autores da ação, considerando que a identidade de partes éanalisada à luz da parte no sentido material (titular do direito defendido), e não no sentidoprocessual (sujeito que participa do processo).

Constatada a litispendência, deve-se aplicar a regra consagrada pelo art. 219, caput, do CPC, que,ao prever como um dos efeitos da citação a indução à litispendência, vem fazendo com que oSuperior Tribunal de Justiça decida pela manutenção do processo em que tenha se realizado aprimeira citação340. Como não há propriamente uma citação no mandado de segurança, o ato decomunicação a ser considerado é a notificação da autoridade coatora. Sendo extinto o mandado desegurança do terceiro, ele poderá ingressar na ação do titular do direito como assistente simples341;sendo extinto o mandado de segurança do titular do direito, ele poderá ingressar como assistentelitisconsorcial do terceiro.

A substituição só é admitida após transcurso do prazo de 30 dias de inércia do titular do direito, e,apesar de o novo dispositivo legal ter mantido a exigência de notificação judicial (arts. 867 a 873 doCPC), é preferível a doutrina que admite ser a notificação realizada de forma extrajudicial342. Asegurança jurídica é praticamente a mesma, nada havendo a justificar a exigência pela forma judicialde notificação.

Uma questão que deverá suscitar amplo debate na doutrina diz respeito à previsão contida no art.3º, parágrafo único, da Lei 12.016/2009, de que o exercício do direito descrito no dispositivo legaldeve se submeter ao prazo de 120 dias previsto no art. 23 da mesma lei.

Seria possível entender que se trata de prazos sucessivos, de forma que, dentro do prazo de 120dias, caberá ao terceiro titular de direito decorrente notificar o titular do direito e, somente depois deverificada a inércia deste em ingressar com o mandado de segurança, terá início a contagem de prazode 120 dias para aquele? Não parece ser esse o sentido dado pelo dispositivo legal ora comentado,que induz à conclusão de que tudo deve ser resolvido dentro de um prazo decadencial único, comtermo inicial na data de ciência do ato atacado pelo mandamus, até porque a inércia do titular dodireito não é passível de impugnação, de forma que o ato a ser impugnado continua a ser o mesmo (eque deve ser impugnado, por quem quer que seja, no prazo decadencial de 120 dias343). No sistemaanterior, inclusive, era esse o entendimento da doutrina, não havendo qualquer motivo plausível parasua alteração344.

Por outro lado, não se deve admitir entendimento doutrinário que defende a suspensão do prazopara impetração do mandado de segurança durante os 30 dias concedidos ao titular para o exercíciodo direito de ação345. Ainda que a ausência dessa suspensão possa impedir o exercício de direito deação pelo terceiro – para isso basta que a notificação se dê a menos de 30 dias do vencimento doprazo de 120 dias previsto no art. 23 da Lei 12.016/2009 –, o prazo não pode ser suspenso em razãode sua natureza decadencial.

6.4.2. Legitimidade passivaEm inovadora regra no sistema processual referente ao mandado de segurança, o art. 6º, caput, da

Lei 12.016/2009 passou a prever como exigência formal específica da petição inicial a indicaçãonão só da autoridade apontada como coatora, mas também da pessoa jurídica que esta integra. Paraparcela da doutrina, a necessidade de indicação da autoridade coatora e da pessoa jurídica que estaintegra, aliada a previsões constantes em outros dispositivos legais da mesma lei (arts. 7º, I e II, 11,14, § 2º), permite a conclusão de que a vontade do legislador foi criar um litisconsórcio passivonecessário entre autoridade coatora e a pessoa jurídica a que pertence346. Para outra correntedoutrinária, entretanto, a novidade legislativa não pretendeu criar um litisconsórcio passivonecessário, mas tão somente permitir que, com a indicação da autoridade coatora e da pessoajurídica que esta integra, seja facilitada a tarefa do juiz em determinar a correção da autoridadecoatora indevidamente indicada pelo impetrante347.

O tema da legitimidade passiva sempre rendeu debates acalorados na doutrina, existindo parcelada doutrina que entende ser a autoridade coatora o sujeito legitimado a participar do polo passivo dademanda348 e outra parcela, que entende ter legitimidade passiva a pessoa jurídica de direitopúblico349. O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a autoridade coatoranão faz parte do polo passivo do mandado de segurança, posição ocupada pela pessoa jurídica dedireito público350.

Registre-se que o entendimento de que não existe litisconsórcio passivo necessário entreautoridade coatora e pessoa jurídica de direito público não afasta a existência dessa espécie delitisconsórcio do mandado de segurança. Como assentado na doutrina, sempre que algum sujeito vir asofrer os efeitos jurídicos diretos do mandado de segurança em sua esfera jurídica, deverá fazerparte do polo passivo da ação juntamente com a pessoa jurídica de direito público, em litisconsórcionecessário. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, consolidou o entendimento de que a ausênciadesse sujeito enseja nulidade absoluta que, após o trânsito em julgado, enseja vício derescindibilidade a ser alegado por meio de ação rescisória351.

Apesar de considerar que a autoridade coatora não é ré no mandado de segurança, mas sim apessoa jurídica de direito público352, paradoxalmente o Superior Tribunal de Justiça entende que oequívoco em sua indicação leva o processo à extinção por ilegitimidade passiva353. Flexibilizandoesse entendimento, existe posicionamento no próprio Superior Tribunal de Justiça que entende viávela correção da irregularidade quanto à indicação errônea da autoridade coatora, por meio de emendada petição inicial, sempre que o sujeito apontado como autoridade coatora e o que deveria ter sidoapontado pertençam à mesma pessoa jurídica354. E outros julgados vão ainda mais longe, permitindosempre a emenda da petição inicial ou pequenas correções de ofício em respeito aos princípios daeconomia processual e efetividade do processo, a fim de que o mandado de segurança efetivamente

cumpra seu escopo maior de proteção de direito líquido e certo355.Em razão desse consolidado entendimento jurisprudencial, é de se lamentar profundamente o veto

presidencial ao art. 6º, § 4º, da Lei 12.016/2009, dispositivo que determinava expressamente odireito do impetrante de emendar a petição inicial no prazo de dez dias da alegação de ilegitimidadepassiva para corrigir a indicação errônea de autoridade coatora. Ainda que criasse umaexcepcionalidade ao admitir uma emenda da petição inicial depois de apresentada a resposta pelaautoridade coatora, o dispositivo legal era positivo porque minimizava as situações de extinção doprocesso sem a resolução do mérito. Interessante notar que as razões do veto não criticam apossibilidade da emenda da petição inicial356, o que leva parcela da doutrina, inclusive, a continuar adefender o conteúdo da norma vetada357.

De qualquer forma, ainda que inadmitida a emenda à petição inicial, o Superior Tribunal deJustiça vem flexibilizando seu entendimento pela extinção do processo, ao admitir a indicaçãoerrônea da autoridade coatora por meio da teoria da encampação. Para o tribunal, o mandado desegurança deve ser julgado normalmente desde que: (a) houver vínculo hierárquico entre aautoridade erroneamente apontada e aquela que efetivamente praticou o ato ilegal; (b) a extensão dalegitimidade não modificar regra constitucional de competência; (c) for razoável a dúvida quanto àlegitimação passiva na impetração; e (d) houver a autoridade impetrada defendido a legalidade doato impugnado, ingressando no mérito da ação de segurança358. Como se pode notar da teoria daencampação, não haverá propriamente correção da autoridade coatora, criando-se por meio de umaficção jurídica a legitimidade para figurar no processo como autoridade coatora de um sujeito queem tese não a teria.

6.4.3. Autoridade coatoraCom relação à determinação da autoridade coatora, o art. 1º, caput, da Lei 12.016/2009 não trouxe

qualquer novidade, apenas repetindo o art. 1º, caput, da Lei 1.533/1951, ao prever que o ato coatorimpugnável por mandado de segurança é aquele praticado por autoridade, seja de que categoria for esejam quais forem as funções que exerça. A novidade, ainda que somente parcial, levando-se emconta a redação do art. 1º, § 1º, da Lei 1.533/1951, está no art. 1º, § 1º, da Lei 12.016/2009 queequipara à autoridade os representantes ou órgãos de partidos políticos, os administradores deentidades autárquicas e os dirigentes de pessoas jurídicas ou das pessoas naturais no exercício deatribuições do Poder Público. Mais uma vez o legislador consagrou expressamente entendimento jáconsolidado, conforme se pode constatar do enunciado da Súmula 333/STJ359.

O art. 2º da Lei 12.016/2009 é praticamente uma repetição literal da previsão contida no art. 2ª daLei 1.533/1951, ao prever ser considerada autoridade federal a autoridade coatora, se asconsequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de sersuportados pela União ou entidade por ela controlada. As únicas alterações, que podem ser reputadascomo meramente redacionais, são a retirada do termo “federal” após “União” e a substituição de“entidades autárquicas federais” por “entidade por ela controlada”, referindo-se à União. Odispositivo legal tem relevância para a determinação de competência, em especial na aplicação doart. 109, VIII, da CF.

Segundo o art. 6º, § 3º, da Lei 12.016/2009, a autoridade coatora será aquela que tenha praticado oato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática. A redação do dispositivo legal deve ser

interpretada com extremo cuidado, considerando-se que, numa interpretação literal, haverá umaduplicidade de sujeitos que poderiam vir a ser considerados autoridades coatoras pelo impetrante: osujeito que cumpre a ordem e o sujeito que ordena. Nos comentários à Lei 1.533/1951, a doutrinamajoritária identificava como autoridade coatora o sujeito do qual emanava a ordem para a práticado ato, considerando que somente esse sujeito teria o poder de desfazê-lo, se assim ordenasse oPoder Judiciário360. Dentro dessa concepção tradicional, aquele que simplesmente praticava um atoem mero cumprimento de ordem, sem qualquer margem de decisão, não poderia ser consideradoautoridade coatora361.

A questão é como interpretar o dispositivo legal ora comentado. Para parcela da doutrina, aindaque a mera interpretação literal sugira uma facultatividade entre o executor do ato e aquele que oordena, é melhor continuar a aplicar o entendimento já consagrado na doutrina e na jurisprudência362.Parece ser o melhor entendimento, até mesmo porque conspira contra a efetividade da tutelajurisdicional a possibilidade de ingresso de mandado de segurança contra sujeito que não tenhapoderes para desfazer o ato coator impugnado. Para outra corrente doutrinária, a mudança legal veiojustamente para facilitar o trabalho do impetrante na difícil tarefa de descobrir quem é efetivamente aautoridade que ordenou a prática do ato363. Como é sabido, realmente há uma enorme zona cinzenta arespeito do que é efetivamente mero cumprimento de ordem e do que é efetivamente decisão nãovinculada.

Não me parece, entretanto, que facultar ao impetrante a indicação de quem apenas executou aordem ou de quem ordenou a prática do ato ou da omissão seja solução positiva ao nosso sistema,ainda que inegavelmente facilite o trabalho do impetrante. A questão, a meu ver, resvala nacompetência para o julgamento do mandado de segurança, considerando-se que, muitas vezes, aindicação como autoridade coatora do mero executor ou do sujeito que ordena a prática do ato ouomissão ensejam diferentes órgãos jurisdicionais para o julgamento do mandado de segurança. Nessesentido, vejo com dificuldade uma ação movida em grau hierárquico inferior em razão do impetranteter escolhido o agente executor do ato como autoridade coatora. Além, é claro, da impossibilidadede sujeito que só cumpriu ordens desfazer o ato impugnado.

Como já anteriormente afirmado, não se desconhece a dificuldade prática na identificação daautoridade coatora, e justamente para não prejudicar indevidamente o impetrante que falha nessaindicação, cabe ao juiz a determinação de emenda da petição inicial, para que a devida autoridadecoatora seja indicada, além de flexibilizações a regra, como ocorre com a “teoria da encampação”.Não parece que alargar o conceito de autoridade coatora, construído ao longo do tempo pela doutrinae jurisprudência, seja a melhor saída para facilitar a tarefa do impetrante em evitar a extinção doprocesso sem resolução do mérito por errônea indicação da autoridade coatora.

6.4.4. Litisconsórcio

6.4.4.1. Aplicação das regras do CPC ao mandado de segurança

O art. 24 da Lei 12.016/2009 prevê a aplicação ao mandado de segurança dos arts. 46 a 49 doCódigo de Processo Civil, o que significa que, por expressa previsão legal, aplica-se ao mandado desegurança as regras do litisconsórcio previstas no codex processual. Ainda que existam razõeshistóricas para o disposto no art. 19 da antiga Lei 1.533/1951, nada justifica a previsão contida

expressamente no artigo ora comentado, não porque traga informação incorreta, mas por serdesnecessária, considerando-se a aplicação subsidiária genérica do Código de Processo Civil aoprocedimento do mandado de segurança, e não somente das regras referentes ao litisconsórcio.

A previsão não inova no sistema processual, sendo de se destacar a existência de todas asespécies de litisconsórcio no mandado de segurança: ativo, passivo e misto; inicial e ulterior;necessário e facultativo; simples e unitário. Ainda que não derive da previsão legal ora comentada,até porque assim já era antes dela e continuará sendo, reconhece-se, como já afirmado, olitisconsórcio passivo necessário entre a pessoa jurídica de direito público e a pessoa que seráafetada diretamente em sua esfera jurídica pela decisão de procedência do mandado de segurança,conforme será devidamente analisado no item 6.4.4.3.

6.4.4.2. Litisconsórcio ativo ulteriorA formação do litisconsórcio gera dois benefícios: economia processual (evita a repetição de

prática de atos processuais) e harmonização de julgados (evita decisões contraditórias), mas, depoisda propositura da demanda, pode-se afirmar que os litisconsortes facultativos ulteriores escolhem ojuízo, em nítida afronta ao princípio do juiz natural. Apesar de existir decisão do Superior Tribunalde Justiça entendendo que essa formação de litisconsórcio não pode ser admitida justamente emrazão do princípio do juiz natural364, prefiro o entendimento doutrinário que permite o litisconsórcioulterior até o saneamento do processo365.

A par de minha preferência doutrinária, o art. 10, § 2º, da Lei 12.016/2009 prevê que o ingresso delitisconsorte ativo não será admitido após o despacho da petição inicial. Interessante notar que,aplicando-se o art. 263 do CPC, o despacho da petição inicial representa o momento de propositurada ação nos foros de vara única, mas, havendo mais de uma vara, esse momento é o da distribuição,que naturalmente precede o primeiro despacho. Numa interpretação literal do dispositivo legal oraanalisado, nos foros com mais de uma vara, admitir-se-ia a formação de litisconsórcio ativofacultativo ulterior no lapso temporal existente entre a distribuição e o despacho da petição inicial.

Entendo que a previsão legal não foi feliz, não havendo qualquer justificativa no tratamentoheterogêneo da regra, quando analisada à luz do art. 263 do CPC. Aparentemente o legisladorconsagrou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, após a propositura, já seconhecendo o juízo da demanda, não se admitirá a formação do litisconsórcio ativo ulterior, mas omomento de propositura nada tem a ver com o despacho da petição inicial ou a distribuição: oprocesso se considera proposto no momento em que o autor obtém a certificação judicial de queapresentou perante o Poder Judiciário a petição inicial. Vedações legais à formação dolitisconsórcio ativo ulterior visando prestigiar o princípio do juiz natural deveriam considerar essacircunstância, e, nesse sentido, deve ser interpretado o art. 10, § 2º, da Lei 12.016/2009.

6.4.4.3. Litisconsórcio passivo necessárioA par do debate a respeito de quem deve compor o polo passivo do mandado de segurança, existe

forte entendimento doutrinário e jurisprudencial que defende a presença de sujeito que tenha sidodiretamente beneficiado pelo ato que se impugna por meio de mandado de segurança366. Ajustificativa é que, sendo anulado o ato sub judice, esse sujeito sofrerá inexoravelmente os prejuízosadvindos dessa anulação, o que obriga sua participação no processo.

Basta imaginar um mandado de segurança promovido contra concorrente derrotado em licitação,visando sua anulação. Nesse caso, o vencedor da licitação deve compor o polo passivo do mandadode segurança, porque uma eventual anulação da licitação irá atingir sua esfera jurídica367. O mesmose pode dizer do mandado de segurança contra ato judicial, no qual, ao menos em regra, o impetranteé uma das partes do processo no qual a decisão foi proferida, devendo ser a parte contrária incluídano polo passivo do mandado de segurança368. Sendo o impetrante um terceiro, autor e réu da açãooriginária deverão compor o polo passivo do mandado de segurança.

Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que os demaiscandidatos aprovados em concurso público, por possuírem mera expectativa de direito à nomeação,não podem ser considerados litisconsortes passivos necessários369. Caso os aprovados já tenhamassumido o cargo, entretanto, e o impetrante busque anular o concurso público de ingresso, seráhipótese de formação de litisconsórcio necessário370.

A lei poderá, por motivos alheios ao mundo do processo, prever expressamente aimprescindibilidade de formação do litisconsórcio, como ocorre na hipótese da ação de usucapiãoimobiliária, na qual o autor estará obrigado a litigar contra o antigo proprietário e todos osconfrontantes do imóvel usucapiendo, como réus certos, e ainda contra réus incertos (art. 942 doCPC). Em regra, a necessidade proveniente em lei não tem nenhuma outra justificativa que não aexpressa determinação legal, mas é possível que a exigência legal seja até mesmo inútil, porque, emvirtude do caso concreto, o litisconsórcio seria necessário de qualquer modo, como ocorre nolitisconsórcio formado na oposição (art. 56 do CPC). No mandado de segurança, quando muito seriao eventual litisconsórcio formado pela autoridade coatora e a pessoa jurídica de direito público, ementendimento já criticado nos comentários do item 6.4.4.

A segunda forma de tornar um litisconsórcio necessário é a própria natureza jurídica da relação dedireito material da qual participam os sujeitos que obrigatoriamente deverão litigar em conjunto. Narealidade, a necessidade de formação do litisconsórcio não decorre somente da natureza da relaçãojurídica de direito material, mas também da limitação processual que determina que somente aspartes sofrerão os efeitos jurídicos diretos do processo.

No plano do direito material, fala-se em relações jurídicas incindíveis371, cuja principalcaracterística é a impossibilidade de um sujeito que dela faça parte suportar um efeito sem atingirtodos os sujeitos que dela participam. Significa dizer que existem determinadas relações jurídicas dedireito material que, gerando-se um efeito jurídico sobre ela, seja modificativo ou extintivo, todos ossujeitos que dela participam sofrerão, obrigatoriamente, tal efeito jurídico.

No plano processual, não se admite que o sujeito que não participa do processo sofra os efeitosjurídicos diretos da decisão, com exceção dos substituídos processuais e dos sucessores. Em regra,os efeitos jurídicos de um processo somente atingirão os sujeitos que fizeram parte da relaçãojurídica processual, não beneficiando nem prejudicando terceiros.

A soma dessas duas circunstâncias faz com que o litisconsórcio seja necessário: sabendo-se deantemão que todos os sujeitos que participam da relação jurídica material sofrerão todo e qualquerefeito jurídico gerado sobre a relação e sabendo-se que o sujeito que não participa do processopoderá sofrer os efeitos jurídicos da decisão, cria-se a obrigatoriedade de todos estarem presentesno processo, única forma possível de suportarem seus efeitos, que inexoravelmente atingirão arelação de direito material da qual participam. Os terceiros que seriam atingidos diretamente em sua

esfera jurídica em razão da eventual concessão da ordem serão litisconsortes necessários em razãoda natureza incindível da relação jurídica de direito material levada à apreciação do PoderJudiciário372.

Não tendo sido formado o litisconsórcio necessário, caberá ao juiz, nos termos do art. 47,parágrafo único, do CPC, intimar o impetrante para que emende a petição inicial no sentido deatender a necessidade de formação do litisconsórcio. Sendo omisso o autor na correção do vício,será hipótese de indeferimento da petição inicial, nos termos do art. 295, VI, do CPC, havendoinclusive entendimento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal nesse sentido373.

6.4.5. Ministério PúblicoO art. 12, caput, da Lei 12.016/2009 prevê expressamente a participação do Ministério Público

como fiscal da lei nesse procedimento, dando-lhe um prazo improrrogável de dez dias paramanifestação após o transcurso do prazo previsto no art. 7º, I, da mesma lei. A intervençãoobrigatória do Ministério Público no procedimento do mandado de segurança já era o entendimentodo Supremo Tribunal Federal374, sendo agora corroborada pela literalidade do dispositivo legal oracomentado. Na realidade, essa já era a melhor interpretação do art. 10 da Lei 1.533/1951.

Segundo o caput do dispositivo legal, o prazo de dez dias para manifestação do MinistérioPúblico é improrrogável e, em seu parágrafo único, há previsão de que com ou sem o parecer doMinistério Público, os autos seguirão para a conclusão, para a prolação da decisão do mandado desegurança. Afirmar que o prazo é improrrogável é uma forma de mostrar que o prazo é peremptório,de forma que não será admitido ao juiz sua prorrogação no caso concreto. Entendo não se tratar deprazo próprio, daqueles que geram a preclusão temporal, parecendo não ser legítimo se desprezar amanifestação do Ministério Público, ainda que oferecida fora do prazo legal, desde que ainda hajatempo para essa análise. O que parece não ser admitido pela norma ora analisada é a interrupção doprocedimento do mandado de segurança até que o parecer seja oferecido.

A regra busca agilizar o procedimento, e parece tomar partido no debate a respeito da ausência demanifestação do Ministério Público. Aparentemente o legislador entendeu que basta a meraintimação do Ministério Público para se afastar a nulidade, independentemente de sua efetivaparticipação no processo375. Registre-se que esse não era o entendimento do Superior Tribunal deJustiça, à luz do art. 10 da Lei 1.533/1951, que entendia ser imprescindível a efetiva participação doMinistério Público, ainda que tardiamente, já em grau recursal376.

Acredito que houve uma alteração substancial, apesar de sutil, quando se compara o art. 12,parágrafo único, da Lei 12.016/2009 e o art. 10 da Lei 1.533/1951, o que deve ser o suficiente parauma mudança de opinião dos tribunais superiores. O texto revogado previa que os autos seriamconclusões após ser ouvido o representante do Ministério Público, o que permitia a conclusão deque, somente após a efetiva manifestação do parquet, o procedimento prosseguiria com a remessados autos ao juiz para a prolação da sentença. A redação do dispositivo atualmente em vigor afirmaperemptoriamente que, “com ou sem o parecer do Ministério Público”, os autos seguirão para aconclusão, o que deixa claro ser indispensável a intimação, mas não a manifestação do parquet.Apesar de se reconhecer as dificuldades administrativas do Ministério Público (a ausência deestrutura é problema comum a todos os órgãos públicos), não parece ser legítimo que o impetrantetenha sacrificado a celeridade derivada do procedimento sumário do mandado de segurança em razão

de inércia do Ministério Público.Por fim, o dispositivo legal ora comentado prevê que, uma vez conclusos para a decisão, caberá

ao juízo proferi-la necessariamente num prazo de trinta dias. Nesse caso, entretanto, o termonecessariamente não é capaz de afastar a natureza imprópria do prazo judicial, ainda que se possapensar em eventuais sanções administrativas pelo decurso do prazo sem a prolação da decisão. Pormelhor que tenha sido a intenção do legislador, a preclusão temporal nesse caso serviria como umprêmio ao juiz não muito afeito ao trabalho, que, ao deixar vencer o seu prazo, transferiria oprocesso para outro juiz prolatar a decisão.

6.5. PRAZO PARA A IMPETRAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇARespeitável doutrina entende que o prazo decadencial de 120 dias para a propositura do mandado

de segurança é inconstitucional, considerando que, enquanto houver necessidade de tutela de direitolíquido e certo, deveria ser possível ao interessado ingressar com o mandado de segurança377. Existeaté Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.296) nesse sentido.

Não é esse, entretanto, o entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, que inclusivejá sumulou a constitucionalidade desse prazo378, em entendimento confirmado mais uma vez pelolegislador, ao prever, no art. 23 da Lei 12.016/2009, a regra já existente no revogado art. 18 da Lei1.533/1951. Entendo que a norma não traz a solução mais adequada, mas está longe de serinconstitucional, porque que não afasta o direito de ação da parte, apenas não permitindo mais oprocedimento sumário documental do mandado de segurança, transcorrido o prazo de 120 dias379.

O dispositivo legal não menciona expressamente o mandado de segurança contra omissãocontinuativa, tudo levando a crer que continuará a imperar o entendimento já consagrado nostribunais superiores pela não aplicação do prazo de 120 dias, quando o mandado de segurança tivercomo objeto um ato omissivo continuado, considerando-se que, nesse caso, o prazo de impetração domandamus se renova mês a mês380.

Nem todo mandado de segurança fundado em omissão, entretanto, escapará do prazo decadencial,sendo indispensável para que isso ocorra que a omissão seja reiterada mês a mês. Segundo corretoentendimento do Supremo Tribunal Federal, havendo a omissão para a prática de determinado atoespecífico, o prazo decadencial de 120 dias do mandado de segurança terá início no vencimento doprazo legal para a prática do ato cuja ausência se busca impugnar por meio do mandado desegurança381.

Também há entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que não se opera a decadência emmandado de segurança preventivo, como ocorre no pedido de obtenção de declaração de direito àcompensação tributária382.

Segundo entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça383 e amplamente majoritário nadoutrina384, o prazo de 120 dias tem natureza decadencial, não se suspendendo ou se interrompendoapós seu início. Doutrina minoritária entende que o prazo não é decadencial, porque o direitomaterial tutelável pelo mandado de segurança poderá ser objeto de pretensão jurisdicional por meiode ação pelo rito comum. Para essa corrente doutrinária, a natureza do prazo de 120 dias éprocessual, gerando tão somente preclusão385.

6.6. PROCEDIMENTO

6.6.1. Aspectos gerais

6.6.1.1. Forma dos atos processuais

O caput e o § 1º do art. 4º da Lei 12.016/2009 preveem que tanto a impetração do mandado desegurança como os atos de comunicação podem ser realizados em situação de urgência portelegrama, radiograma, fax ou outro meio eletrônico de autenticidade comprovada. O § 2º exige que otexto original da petição deva ser apresentado nos cinco dias úteis seguintes, o que é um atentado aobom senso, considerando que, mesmo quando o ato é praticado pelas vias alternativas, não perde suaoriginalidade. De qualquer forma, pode ser aplicado quando o ato é praticado por telegrama,radiograma ou fax, mas a exigência parece ser inútil diante da exigência do § 3º quanto ao atopraticado por meio eletrônico. Segundo esse dispositivo legal, o documento eletrônico deveráobservar as regras do ICP Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira), o que já é osuficiente para confirmar sua autenticidade386.

Salvo na hipótese de prática do ato por meio eletrônico, o impetrante deve atentar para o prazo decinco dias previsto em lei, levando em consideração, ainda que por analogia, o entendimentoconsolidado nos tribunais superiores a respeito do mesmo prazo previsto no art. 2º da Lei9.800/1999, que disciplina os recursos interpostos por via fax. Segundo os tribunais superiores,sendo o original protocolado após o vencimento do prazo de cinco dias, o recurso será consideradointempestivo387, o que é o suficiente para demonstrar o respeito que se espera no cumprimento de talprazo. Como não se pode afirmar pela intempestividade do mandado de segurança após o transcursodo prazo do art. 4º, § 2º, da Lei 12.016/2009, provavelmente o mandado de segurança será extintosem a resolução do mérito por vício formal388.

Em especial, no tocante às formas eletrônicas de impetração e comunicação, que tendem a ser asmais frequentes na praxe forense, não parece ser imprescindível a exigência de urgência contida nodispositivo legal, bastando que se apliquem as regras da Lei 11.419/2006. Seja como for, o meropedido de liminar no mandado de segurança já demonstra a urgência exigida pelo dispositivo legalora mencionado.

6.6.1.2. Preferência no trâmite procedimentalSegundo o art. 7º, § 4º, da Lei 12.016/2009, concedida a liminar, o processo de mandado de

segurança terá prioridade de julgamento. O dispositivo é curioso quando comparado ao art. 20 damesma lei, que, em seu caput, prevê que o mandado de segurança e seus respectivos recursos terãoprioridade sobre todos os atos processuais, salvo o habeas corpus. Como se pode notar dacomparação realizada entre os dois dispositivos legais, o art. 20 parece ser mais abrangente que oart. 7º, § 4º, da Lei 12.016/2009, já que concede prioridade de julgamento no mandado de segurança,com ou sem a concessão de liminar, devendo por essa razão prevalecer.

O art. 20 da Lei 12.016/2009 é mais um dispositivo da nova lei que demonstra a vontade manifestado legislador de que o procedimento do mandado de segurança seja o mais célere possível. Apesarde bem intencionado, novamente prevê prazos impróprios para a prática de atos processuais peloórgão jurisdicional, o que serve, quando muito, de mera recomendação aos juízes. Assim o art. 20, §

1º, da lei mencionada, em sua segunda parte, ao prever que o julgamento deve ocorrer na primeirasessão que se seguir à data em que os autos do mandado de segurança forem conclusos ao relator, e oart. 20, § 2º, da mesma lei, ao prever que o prazo de conclusão não pode exceder cinco dias. Até medesculpo pelo ceticismo, mas a experiência mostra que a mera previsão de prazo impróprio para ojuiz não é o suficiente para dar celeridade ao procedimento, e duvido muito – ainda que no íntimoespere que aconteça – que será diferente com as previsões do dispositivo ora comentado.

Aduz o art. 20, caput, da Lei 12.016/2009 que os processos de mandado de segurança têmpreferência sobre os demais, salvo o habeas corpus. Questão interessante que deverá ser resolvidana praxe forense diz respeito à aplicação concomitante de diferentes regras que preveem preferênciano processamento e julgamento do processo e/ou do recurso. Como compatibilizar o art. 543-C, § 6º,do CPC, que determina a preferência de julgamento dos recursos especiais repetitivos, e apreferência consagrada no art. 20, caput, da Lei 12.016/2009? E como fazer com o art. 71 doEstatuto do Idoso e esse dispositivo legal? Somente a aplicação das regras da proporcionalidade eda razoabilidade determinará no caso concreto quais demandas e/ou recursos deverão terefetivamente prioridade no trâmite e julgamento.

6.6.2. Petição inicialA petição inicial do mandado de segurança segue as regras formais dos arts. 282 e 283 do CPC,

devendo ser essa a interpretação da expressão “requisitos estabelecidos pela lei processual”prevista no art. 6º, caput, da Lei 12.016/2009. Registre-se apenas que o art. 6º, caput, da Lei1.533/1951 fazia remissão expressa aos arts. 158 e 159, que, na vigência do Código de ProcessoCivil de 1939, cumpriam o papel atualmente desempenhado pelos arts. 282 e 283 do atual codexprocessual.

O mesmo dispositivo prevê que a petição inicial será apresentada em duas vias, com osdocumentos que instruírem a primeira via reproduzidos na segunda, sendo, nesse caso, aplicável oart. 365, IV, do CPC, que dispensa a autenticação das cópias, bastando a declaração pelo advogadode que as peças são autênticas. O dispositivo legal despreza a possibilidade de pluralidade deautoridades coatoras, mas é possível se concluir que, sendo a segunda via destinada à autoridadecoatora, e existindo mais de uma na demanda, caberá ao impetrante juntar cópia da petição inicial edos documentos respeitando essa pluralidade389. Ademais, ainda que não exista exigência legal nessesentido, é medida de gentileza processual a apresentação de cópia – tanto da petição inicial comodos documentos – para ser dirigida ao representante judicial da pessoa jurídica de direito público(art. 7º, II, Lei 12.016/2009). Havendo formação de litisconsórcio passivo necessário, é novamentemedida de gentileza processual a juntada pelo impetrante de cópia a ser entregue aos corréus. Porfim, ainda como exigência formal específica da petição inicial, consta a inovadora exigência deindicação não só da autoridade apontada como coatora, mas também da pessoa jurídica que estaintegra.

O art. 6º, §§ 1º e 2º, da Lei 12.016/2009 repete com pequenas modificações o que já estavaprevisto no art. 6º, parágrafo único, da Lei 1.533/1951. Segundo os dispositivos legais, o impetrantepoderá requerer na própria petição inicial do mandado de segurança a exibição em juízo dedocumento necessário à prova de sua alegação que: (a) se encontre em repartição ou estabelecimentopúblico; (b) em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo por certidão; (c) em poder de

terceiro. Como se pode notar da simples redação do art. 6º, § 1º, da Lei 12.016/2009, o sujeitopassivo do pedido de exibição poderá ser a própria autoridade coatora ou um terceiro, que nãoparticipe da relação jurídica processual do mandado de segurança. Justamente pensando nessadiversidade de sujeitos, o art. 6º, § 2º, da Lei 12.016/2009 prevê que, se o sujeito responsável pelaexibição for a própria autoridade coatora, a ordem para a exibição constará do próprio instrumentode notificação; sendo outro sujeito, o juiz ordenará por ofício a exibição do documento ou de cópiaautenticada no prazo máximo de dez dias. Tendo sido o documento exibido em juízo, caberá aoescrivão extrair cópias para juntar a segunda vida da petição inicial.

Interessante notar que o art. 6º, § 1º, da Lei 12.016/2009 prevê que o juiz, preliminarmente,ordenará a exibição, repetindo a previsão do art. 6º, parágrafo único, da Lei 1.533/1951. Apesar daadmissão do chamado contraditório diferido em nosso sistema processual, é inegável que suaaplicação deve se limitar às situações excepcionais, nas quais a oitiva da parte contrária antes daprolação da decisão mostrar-se apta a tornar a tutela pretendida ineficaz, gerando grave dano dedifícil ou incerta reparação. Em regra, portanto, deve se estabelecer o contraditório regular, sendosaudável ao sistema, se não houver necessidade de urgência, que o juiz intime o terceiro para que semanifeste no prazo de cinco dias (art. 185 do CPC) a respeito do pedido de exibição, e somentedepois disso, caso o juiz ainda entenda cabível a pretensão exibitória, a expedição de ordem paraque o documento seja apresentado no prazo máximo de dez dias.

Aparentemente o legislador pretendeu conferir à hipótese ora analisada uma presunção absoluta deurgência, de forma que sempre o juiz antes ordenará a exibição e, no prazo de dez dias desta, caberáao terceiro apresentar defesa que o exima do dever de exibir. Não é realmente a alternativa maissaudável, até porque o prazo para manifestação não deveria ser confundido com o prazo de exibição.De qualquer forma, como assim já era previsto na lei anterior, nada leva a crer que a situação práticavá se alterar.

O dispositivo legal é omisso quanto às consequências da ausência de exibição dos documentosindicados pelo impetrante. Tratando-se de ordem do juiz, seu descumprimento configura atoatentatório à dignidade da jurisdição (art. 14, V, do CPC), sendo aplicável uma multa de até 20% dovalor da causa. Como ensina a melhor doutrina, a multa será aplicada até mesmo para sujeitos quenão fazem parte da relação jurídica processual, como parece ser o caso. Por outro lado, odescumprimento da ordem pode ser entendido como crime de desobediência (art. 330, CP), nostermos do art. 26 da Lei 12.016/2009. Também caberá medida de execução por sub-rogação, maisprecisamente a busca e apreensão.

Questão interessante que poderia ser levantada diz respeito à eventual aplicação do art. 359 doCPC, que admite que o juiz repute como verdadeiros os fatos que se pretendiam provar com aexibição quando o requerido não exibir o documento. Como entendo que a autoridade coatora não éréu no processo de mandado de segurança, posto ocupado pela pessoa jurídica de direito público oupessoa jurídica de direito privado a ele equiparável, entendo que tal consequência jamais poderiaser gerada.

Conforme é amplamente assentado na doutrina e na jurisprudência, o mandado de segurança segueum rito procedimental sumário e documental. Isso significa dizer que o procedimento do mandado desegurança é simplificado, de modo a desenvolver-se de maneira rápida e ágil, com poucos atosprocessuais a serem praticados. Trata-se, à evidência, de uma sumariedade formal, ainda mais

significativa do que aquela presente no procedimento cautelar, sumário ou sumaríssimo. Ao afirmar-se que o procedimento é documental, aponta-se para a impossibilidade – em regra – de produção deprova durante o desenvolvimento do mandado de segurança, o que, inclusive, desvirtuaria asumariedade de seu procedimento.

Dessa forma, ao menos em regra, exige-se do impetrante a juntada de toda prova que possuir já napetição inicial, sem que lhe seja dada nova oportunidade de produzir qualquer outra prova durante otrâmite procedimental. Exceções são encontradas no pedido de exibição incidental que o impetrantepode elaborar na petição inicial, nos termos do art. 6º, § 1º, da Lei 12.016/2009, e já devidamenteanalisada, e na produção de prova documental para contraposição a documentos juntados pelaautoridade coatora. Parece, entretanto, que uma preclusão temporal tão rígida da produção de provadocumental não merece aplausos.

Poder-se-ia argumentar que, não sendo possível outra forma de prova no procedimento domandado de segurança, a prova documental a ser produzida pelo impetrante seria consequência daaplicação do art. 283 do CPC, que exige do autor a instrução da petição inicial com os documentosindispensáveis à propositura da ação. Realmente existe uma corrente que defende o entendimento deque os documentos que devem instruir a petição inicial são todos os documentos de interesse doautor, não somente os indispensáveis à propositura da petição inicial. Afirma-se que o momentoprocessual adequado para a produção da prova documental para o autor é a petição inicial, de formaque a ausência dessa espécie de prova nesse momento processual gera a preclusão probatória, o queimpede o autor de juntar qualquer outro documento posteriormente a esse momento processual, a nãoser para provar fato superveniente ou para servir de contraprova a documento apresentado pela partecontrária (art. 397 do CPC)390.

Caso se adotasse essa corrente doutrinária, restaria justificada a exigência de toda prova a serproduzida no mandado de segurança já acompanhar a petição inicial, considerando sua sumariedadedocumental. Assim, por somente ser possível a produção de prova documental – na verdade,documentada, como se verá – e por dever esta ser, peremptoriamente, produzida com a petiçãoinicial, após esse momento processual dar-se-á a preclusão à produção probatória. Ocorre,entretanto, que não é esse o melhor entendimento a respeito da interpretação da exigência contida noart. 283 do CPC, nem mesmo a que vem sendo admitida em nossos tribunais.

O entendimento mais exato no tocante à espécie de documento que deverá de forma imprescindívelinstruir a petição inicial limita a exigência legal aos documentos indispensáveis à própriaregularidade do processo. Esses documentos podem ser divididos em duas classes: os substanciais,que são os documentos que a própria lei exige para que a ação seja proposta (e.g., a escriturapública ou instrumento particular transcrito no registro de imóveis para as ações reivindicatórias; acertidão pública de casamento para as ações de dissolução do matrimônio; título executivo para aação de execução); e os fundamentais, que são documentos não exigidos expressamente em lei, masque, por sua função imprescindível de justificar no caso concreto, ainda que sumariamente, asalegações do autor, se faz necessária sua juntada ao processo desde o início da demanda (e.g., ocontrato em ação de revisão, anulação, rescisão; o contrato do qual conste a convenção de arbitragemna ação condenatória de instituição de arbitragem).

Somente se exige a juntada dos documentos substanciais ou fundamentais; qualquer outrodocumento útil poderá ser juntado em momento posterior ao ingresso do processo391. Dá-se, assim,

interpretação extensiva ao disposto no art. 283 do CPC, ao permitir-se a produção de provadocumental depois de apresentada a petição inicial, mesmo fora das exceções do art. 397 do diplomaprocessual civil, desde que estejam presentes dois requisitos: (i) não sirva a juntada posterior comoforma de surpreender a parte contrária, em ato rejeitado pelo princípio da boa-fé e lealdadeprocessual; e (ii) que o procedimento ainda permita a produção da prova documental392.

Diante desse posicionamento, surge um interessante questionamento: é possível aplicar ainterpretação referida do disposto no art. 283 do CPC ao mandado de segurança, admitindo-se que oimpetrante junte aos autos documentos após o ingresso da petição inicial, fora das exceções jáanalisadas? Entendo não haver qualquer empecilho à permissão da juntada extemporânea de provadocumentada – ou documental, como prefere a lei, pelo contrário.

A juntada de documento não essencial à propositura da demanda após o ingresso de petição inicialservirá para otimizar a utilidade do mandado de segurança, em claro proveito à proteção efetiva dodireito do impetrante. Vale lembrar que, uma vez extinto liminarmente o mandado de segurança porausência de prova, o impetrante certamente reingressará com a ação judicial, agora com instruçãomais completa, o que já poderia ter ocorrido na primeira demanda com a complementação da provadocumental que instruiu a petição inicial, sempre a respeitar-se o estágio de desenvolvimento do rito.Trata-se da aplicação do princípio da economia processual, norteador de todo o sistema processuale, obviamente, também aplicável ao mandado de segurança.

Há interessante julgado do Superior Tribunal de Justiça que admite a juntada posterior dodocumento desde que tenha sido negado o fornecimento de documento ao impetrante ou quando elenão dispuser deste no momento da propositura do Mandado de Segurança393. Reconheço, entretanto,uma forte resistência à ideia de produção de prova documental após a apresentação da petiçãoinicial394, em razão do tradicional conceito que a doutrina dá ao “direito líquido e certo”, que deveráser demonstrado prima facie para obter-se a proteção oferecida pelo mandamus.

Como lembrava a melhor doutrina com relação à lei superada, em lição totalmente aplicável aoatual momento legislativo, possibilita-se ao impetrante a emenda da petição inicial com a adequaçãodo pedido em razão dos documentos apresentados a posteriori pela autoridade coatora395.

6.6.3. Posturas do juiz diante da petição inicial

6.6.3.1. Emenda da petição inicial

Entendo que não existem especialidades no tocante à emenda da petição inicial do mandado desegurança, aplicando-se a essas circunstâncias as mesmas regras aplicáveis a qualquer outra açãojudicial.

Em razão do caráter instrumentalista que norteia o processo civil moderno, a emenda – oucomplementação – da petição inicial prevista no art. 284 do CPC ganha cada vez mais espaço eimportância. Defende-se que, sempre que for possível a escolha entre a emenda da petição inicial eseu indeferimento, deve o juiz optar pelo primeiro caminho, reservando-se o indeferimento dapetição inicial a situações de fato absolutamente impossíveis de serem saneadas ou corrigidas396. OSuperior Tribunal de Justiça, inclusive, tem entendimento de que a emenda da petição inicial é umdireito do autor, não podendo o juiz indeferir a petição inicial antes de oportunizar ao autor seusaneamento, sempre que isso se mostrar possível no caso concreto397, regra naturalmente também

aplicável ao mandado de segurança398.Segundo o art. 284 do CPC, sempre que a petição inicial deixar de preencher os requisitos dos

arts. 282 e 283 do CPC ou ainda apresentar defeitos e irregularidades capazes de dificultar ojulgamento do mérito, o juiz concederá prazo de dez dias para que o autor emende ou complemente apetição inicial. Admite-se, no caso concreto, que o juiz amplie esse prazo, quando entendê-lo muitoexíguo para o saneamento exigido399. Na hipótese de ausência de indicação do endereço do patrono,o prazo para a emenda da petição inicial é excepcionalmente de 48 horas (art. 39, parágrafo único,do CPC). A oportunidade aberta ao autor é para que o mesmo conserte ou saneie algumairregularidade ou vício existente na petição inicial, de forma a iniciar o processo com uma petiçãoinaugural aparentemente regular no aspecto formal.

A decisão do juiz que determina a emenda da petição inicial – decisão interlocutória agravávelpor instrumento – deve ser, como toda e qualquer decisão judicial, devidamente motivada. Significadizer que o juiz deve indicar precisamente qual o vício que entende presente na petição inicial,justificando seu entendimento. Não pode simplesmente determinar que o autor emende a petiçãoinicial no prazo de dez dias sem ao menos lhe indicar em que aspecto a mesma se encontra viciadaou incompleta. A omissão em indicar qual o vício da petição inicial deve ser afastada com ainterposição de embargos de declaração. Essa fundamentação, naturalmente, não envolve a indicaçãode como se deve proceder para sanear o vício ou completar a petição inicial, sendo essa tarefaexclusiva do patrono.

Registre-se, nesse ponto, o equivocado entendimento do STJ de que, ao considerar opronunciamento que determina a emenda como mero despacho, se posiciona pela irrecorribilidade400.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência entendem pela possibilidade de emendas sucessivas,abrindo-se mais de uma oportunidade para a emenda da petição inicial. É possível considerar que oautor, instado a emendar a petição inicial, faça-o de forma incompleta. Nesses casos, mais uma vez àluz do princípio da instrumentalidade das formas, é possível a abertura de novo prazo para que oautor complemente sua primeira emenda401. O limite das emendas sucessivas deve ser apreciado nocaso concreto, não se podendo eternizar o início de um processo com sucessivas determinações deemendas cumpridas de forma falha ou parcialmente pelo autor.

Observe-se que a possibilidade de emendas sucessivas deve ser analisada à luz do disposto no art.284, parágrafo único, do CPC. Significa dizer que, no caso de o juiz ter determinado a emenda dapetição inicial, sem que o autor tenha tomado qualquer atitude positiva a esse respeito, o únicocaminho viável ao juiz é o indeferimento da petição inicial. O raciocínio é simples: determinando aemenda da petição inicial, entendeu que tal petição não tinha condições de dar início a um processo,e, não havendo a emenda determinada, o vício continua a existir e a única saída possível ao juiz é oindeferimento da petição inicial. E nem se fale que o juiz poderá mudar de ideia e, mesmo sem aemenda da petição inicial, entender que não existe nenhum vício, visto que, no caso concreto, seoperou a preclusão pro iudicato402. O que se admite no Superior Tribunal de Justiça é a prática doato de emenda a destempo, em razão da natureza dilatória do prazo de dez dias403, mas nunca acontinuidade da demanda sem o saneamento do vício.

6.6.3.2. Indeferimento da petição inicialTambém com relação ao indeferimento da petição inicial, parece não haver maiores

particularidades no mandado de segurança, devendo-se aplicar as regras gerais consagradas no art.295 do CPC. Nas situações em que o juiz se deparar com vícios insanáveis, de nada adiantará abrirprazo de dez dias ao autor para emendar a petição inicial, considerando-se que o autor não serácapaz de sanar a irregularidade ou vício constatado no caso concreto. Não restará alternativa ao juizsenão o indeferimento liminar da petição inicial, nos termos do art. 295 do CPC. Também deveráindeferir a inicial quando a emenda – ou a sucessão delas – não tiver sido apta a sanar airregularidade ou vício, ou nos casos de omissão do autor em realizar a emenda no prazo de dez dias(art. 295, VI, do CPC).

Existe indeferimento total e parcial da petição inicial, variando os recursos cabíveis para cadauma dessas decisões. No caso de indeferimento parcial, mesmo que tenha a decisão matéria demérito como objeto, a doutrina majoritária entende tratar-se de decisão interlocutória recorrível poragravo de instrumento404. No caso de indeferimento total, o pronunciamento será uma sentença,recorrível por apelação. Havendo indeferimento da petição inicial no Tribunal – em casos decompetência originária –, o recurso cabível dependerá de quantos julgadores participaram dojulgamento. Sendo o julgamento monocrático (em aplicação extensiva do art. 557 do CPC), caberáagravo interno para o órgão colegiado, sendo nesse sentido a expressa previsão do art. 10, § 1º, daLei 12.016/2009. Tratando-se de decisão colegiada, caberão recurso especial, recursoextraordinário ou ainda embargos infringentes, dependendo do caso concreto.

Tanto no primeiro grau como no Tribunal, só haverá indeferimento da petição inicial antes dacitação do réu405. Se o réu já foi integrado no processo, ainda que o juiz acolha uma das causasprevistas no art. 295 do CPC, não será mais caso de indeferimento da petição inicial, sendosimplesmente o processo extinto sem a resolução do mérito por ausência de condição da ação ou depressupostos processuais positivos (ou ainda a presença de algum dos pressupostos processuaisnegativos).

O debate não é meramente acadêmico, gerando importantes reflexos práticos quanto aoprocedimento do recurso de apelação interposto contra a sentença de indeferimento da petiçãoinicial. Como regra, o juiz só pode modificar sua sentença nos casos de erros materiais ou de cálculo(de ofício) ou quando houver omissão, obscuridade ou contradição (embargos de declaração).Sendo, entretanto, uma sentença de indeferimento da petição inicial, o art. 296 do CPC prevê apossibilidade de o juiz, diante da apelação do autor, se retratar em 48 horas (prazo impróprio).

A primeira condição para a retratação é a interposição de apelação. Sabendo-se que o juiz deprimeiro grau é responsável pelo juízo de admissibilidade desse recurso, para que possa se retratar,deve antes receber o recurso, ou seja, deve entender que o recurso preenche todos os requisitos deadmissibilidade. Não há nenhuma necessidade de o apelante pedir expressamente a retratação,bastando que a apelação seja recebida.

6.6.3.2.1. Hipótese de indeferimentoO art. 10, caput, da Lei 12.016/2009 prevê as hipóteses de indeferimento da petição inicial no

mandado de segurança. Conforme ensina a melhor doutrina, só haverá indeferimento da petiçãoinicial antes da citação do réu406. Aplicado esse entendimento ao procedimento do mandado desegurança, pode se afirmar que o indeferimento da petição inicial, nos termos do art. 10 da Lei12.016/2009, só pode ocorrer antes da notificação da autoridade coatora e da intimação da pessoa

jurídica de direito público. É claro que os motivos elencados no artigo ora analisado podemfundamentar a sentença no mandado de segurança após o momento inicial do procedimento, mas,nesse caso, não se poderá mais falar em “indeferimento da petição inicial”.

A primeira causa de indeferimento é a constatação do juízo de que o caso concreto não é caso demandado de segurança, repetindo regra do art. 8º, caput, da Lei 1.533/1951. A doutrina dá algunsexemplos: (a) ausência de direito líquido e certo (impossibilidade de provar o alegado por meiosmeramente documentais); (b) ausência de interesse de agir porque existe pendência de julgamento derecurso administrativo com efeito suspensivo; (c) impugnação de lei em tese sem quaisquer efeitospráticos (Súmula 266 do STF)407.

A incompetência é em regra dilatória, uma vez que, reconhecida, não há extinção do processo, masa remessa dos autos ao juízo competente. Ocorre, entretanto, que excepcionalmente a incompetênciapode ter natureza peremptória, sendo capaz de colocar fim ao processo. Há decisões do SuperiorTribunal de Justiça apoiando o indeferimento da petição inicial do mandado de segurança em razãode sua incompetência absoluta para conhecê-lo408.

Praticamente repetindo a redação do art. 8º, caput, da Lei 1.533/1951, o dispositivo legal oracomentado aponta como causa de indeferimento da petição inicial a ausência de requisitos legais, oque deve ser compreendido tanto no aspecto específico como genérico. Significa dizer que tanto aausência dos requisitos legais do mandado de segurança como daqueles previstos para a petiçãoinicial no Código de Processo Civil, são suficientes para ensejar a extinção do processo porindeferimento da petição inicial. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, vem entendendo pelaaplicação subsidiária do Código de Processo Civil na hipótese de indeferimento da petição inicialno mandado de segurança, de forma que, além das causas expressamente previstas no art. 10, caput,da Lei 12.016/2009, também se indefere a petição inicial nos termos do art. 295 do CPC409.

A “novidade” do art. 10, caput, da Lei 12.016/2009 é a previsão, como causa de indeferimento dapetição inicial, do transcurso do prazo legal para a impetração do mandado de segurança. Colocoentre aspas o termo novidade, porque a decadência pode ser reconhecida de ofício, e, tendo o prazode 120 dias natureza decadencial, sempre foi permitido ao juízo o indeferimento da petição inicial domandado de segurança pelo transcurso do prazo legal para sua interposição.

Além das hipóteses legais de indeferimento da petição inicial nos termos do art. 10 da Lei12.016/2009 e do art. 295 do CPC, acredito aplicável ao mandado de segurança outra forma deextinção liminar do processo: o julgamento liminar de improcedência previsto no art. 285-A do CPC.Conforme ensina a melhor doutrina, apesar da literalidade do art. 285-A do CPC indicar julgamentoem primeiro grau de jurisdição (faz expressa menção à “sentença”), o dispositivo é plenamenteaplicável em ações de competência originária do Tribunal, inclusive o mandado de segurança410.

6.6.3.2.2. Recurso cabível contra indeferimento da petição inicialO art. 10, § 1º, da Lei 12.016/2009 trata da recorribilidade da decisão que indefere a petição

inicial. Tratando-se de mandado de segurança de competência de primeiro grau, o dispositivo prevêo cabimento da apelação contra a decisão que indeferir a petição inicial do mandado de segurança. Odispositivo deve ser aplicado na hipótese de indeferimento total da petição inicial, porque, havendoo indeferimento apenas parcial, caberá o recurso de agravo de instrumento, já que a doutrinamajoritária entende que esse pronunciamento judicial é uma decisão interlocutória recorrível por

agravo de instrumento, mesmo que tenha a decisão matéria de mérito como objeto411.Tratando-se de decisão de indeferimento da petição inicial passível de apelação, não tenho

qualquer dúvida a respeito da aplicabilidade do art. 296 do CPC, sendo admissível que o juiz noprazo – impróprio – de 48 horas se retrate de sua sentença diante da apelação interposta peloimpetrante412. Havendo a retratação, o procedimento retomará seu andamento regular com anotificação da autoridade coatora e a intimação da pessoa jurídica de direito público, e, sendomantida a sentença, os autos serão encaminhados para o tribunal sem qualquer ato de comunicação,participando dessa apelação somente o impetrante.

Na hipótese de decisão proferida em mandado de segurança de competência originária do tribunal,o recurso cabível dependerá de ser a decisão monocrática do relator ou colegiada. Segundo o art. 10,§ 1º, da Lei 12.016/2009, sendo a decisão monocrática, caberá o recurso de agravo interno, queseguirá as regras procedimentais previstas no art. 557 do CPC, embora seja presumível que ostribunais passem a chamar tal recurso de agravo regimental; sendo colegiada, caberá no máximorecurso ordinário constitucional, recurso especial ou recurso extraordinário, sendo incabível orecurso de embargos infringentes por expressa previsão legal (art. 25 da Lei 12.016/2009).Interessante notar que o art. 10º, § 1º, da Lei 12.016/2009 tratou apenas da primeira situação –decisão monocrática do relator –, provavelmente pela obviedade da segunda solução.

6.6.3.3. Demais posturasO art. 7º da Lei 12.016/2009 prevê os atos a serem praticados pelo juiz quando do recebimento da

petição inicial. Ainda que a lei seja omissa quanto a esse aspecto, em aplicação subsidiária doCódigo de Processo Civil, é cabível a emenda da petição inicial nos termos do art. 284 do CPC,sendo esse um direito do autor de qualquer demanda judicial413. O juiz poderá indeferir a petiçãoinicial do mandado de segurança nos termos do art. 10 da Lei 12.016/2009 e art. 295 do CPC.

Entendendo pela regularidade formal da petição inicial, caberá ao juiz, nos termos do art. 7º, I, daLei 12.016/2009, notificar a autoridade coatora, abrindo-se prazo de dez dias para sua manifestação.Apesar de ser o Superior Tribunal de Justiça pacificado no sentido de aplicação do prazo em dobropara a interposição de recursos no mandado de segurança, em aplicação do art. 191 do CPC414, odispositivo é inaplicável ao prazo para a prestação de informações em razão de sua naturezajurídica. Para que possa preparar a resposta da forma mais ampla possível, a autoridade coatorareceberá cópia da petição inicial do mandado de segurança e de todos os documentos que ainstruírem. Diante da omissão da lei, cabem, na contagem desse prazo, as regras gerais do Código deProcesso Civil, mais precisamente o art. 241 do CPC, devendo ser dado início a contagem do prazode dez dias da juntada aos autos da comprovação da notificação realizada.

O art. 7º, II, da Lei 12.016/2009, em previsão ausente da legislação anterior, determina ao juiz darciência do processo ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica, enviando-lhe cópia dapetição inicial, sendo dispensado o envio dos documentos que a instruem. Como o art. 6º, caput, daLei 12.016/2009 exige do impetrante a apresentação da petição inicial somente em duas vias, caberáao cartório judicial providenciar a cópia da petição inicial que será enviada nos termos dodispositivo legal ora comentado. Apesar da expressa dispensa do envio dos documentos, não háimpedimento para que o juiz envie não só a petição inicial como também os documentos,considerando-se que será o procurador público que elaborará a defesa da pessoa jurídica de direito

público415.O dispositivo legal não esclarece como tal “ciência” se dará no caso concreto, sendo

inegavelmente uma forma de comunicação de ato processual. Existem duas formas de comunicaçãode atos processuais reconhecidas pelo Código de Processo Civil: citação e intimação. A citação sepresta a integrar o demandado à relação jurídica processual e a informá-lo da existência de demandajudicial contra ele proposta pelo demandante, enquanto a intimação é responsável por dar ciência aalguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa (art. 234 doCPC).

A corrente doutrinária que entende existir entre a autoridade coatora e a pessoa jurídica de direitopúblico um litisconsórcio passivo necessário entende que a “ciência” prevista pelo artigo oracomentado se dá por meio de citação, considerando-se a qualidade de réu da pessoa jurídica dedireito público416. Entendo que, ao se considerar como citação o ato de comunicação ora analisado,estar-se-ia diante de dupla citação da pessoa jurídica de direito público, considerando-se que anotificação encaminhada à autoridade coatora já tem natureza de citação, não da própria autoridadecoatora, que nem ao menos é parte no mandado de segurança, mas da própria pessoa jurídica dedireito público que será representada em juízo pela autoridade coatora. Dessa forma, parece maiscorreto se entender que a ciência prevista pelo art. 7.º, II, da Lei 12.016/2009 é uma intimação dapessoa jurídica de direito público, não a integrando ao processo – isso já ocorre com a notificaçãoda autoridade coatora –, mas simplesmente a convocando a, querendo, apresentar defesa.

A redação do dispositivo legal, em sua parte final, parece fazer crer que a pessoa jurídica dedireito público não é parte no processo, e que, diante da ciência de sua existência, poderá ingressarno feito, o que leva parcela da doutrina a concluir que participará do processo como assistentelitisconsorcial417. Não concordo com esse entendimento em razão da premissa criada de que a pessoajurídica de direito público é a ré do processo de mandado de segurança, não podendo o mesmosujeito ser ao mesmo tempo réu e assistente, ainda que litisconsorcial.

Interessante notar que, para aqueles que entendem que a autoridade coatora é o réu no mandado desegurança, essa parte final do dispositivo parece contrariar o entendimento de que haveria entre ela ea pessoa jurídica de direito público um litisconsórcio necessário, porque o dispositivo legal afirmatextualmente que a pessoa jurídica ingressará no processo se quiser.

6.6.4. Informações e contestaçãoPara a corrente doutrinária que entende ser a autoridade coatora o réu no mandado de segurança, é

natural que as informações prestadas por ela tenham natureza jurídica de contestação418. Assimsendo, há interessante questão a respeito da ausência jurídica de informações; caso não haja no casoconcreto o oferecimento das informações, é possível falar em revelia no mandado de segurança? Eainda mais relevante, presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato do impetrante pelo fato de aautoridade coatora não ter prestado as informações?

Mesmo para os que defendem a autoridade coatora como componente do polo passivo, a respostaé negativa, sendo também esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça419. Para uns, porque odireito discutido é indisponível, o que já seria o suficiente para afastar os efeitos da revelia, nostermos do art. 320, II, do CPC420. Para outros, como o impetrante tem o dever de produzir prova pré-constituída para demonstrar a violação ou ameaça a seu direito líquido e certo, o acolhimento de seu

pedido não pode se fundar em presunção421. Há ainda aqueles que fundamentam seu entendimento napresunção de legalidade do ato administrativo atacado por meio do mandado de segurança422. Pormotivos variados, são isoladas as opiniões que defendem a revelia e seus efeitos no procedimento domandado de segurança.

Como já tive oportunidade de afirmar no item 6.4.3, não entendo ser a autoridade coatora ré, deforma que suas informações não têm natureza jurídica de contestação. Como entendo que ré é apessoa jurídica de direito público, a contestação deve ser por ela apresentada, cabendo à autoridadecoatora simplesmente prestar as informações como forma de indicar subsídios ao juízo na formaçãode seu convencimento423. Nesse caso, a ausência de informações jamais poderá ensejar a revelia ouseus efeitos, pois não se trata de defesa do réu. De qualquer forma, ainda que a pessoa jurídica dedireito público não apresente a contestação, também não haverá revelia – ao menos não seus efeitos– pelas razões já evidenciadas anteriormente.

6.6.5. Decisão

6.6.5.1. Comunicações de decisão concessiva

O art. 13 da Lei 12.016/2009 é uma atualização com pequenas alterações do art. 11 da Lei1.533/1951, adequando o dispositivo legal à nova sistemática do mandado de segurança. Conformesustenta a melhor doutrina, a razão de ser dessa intimação pessoal por meio de oficial de justiça oupor carta AR é dar ciência à autoridade coatora e a pessoa jurídica de direito público para que adecisão possa imediatamente gerar efeitos. Justamente por isso, na sentença que denega a ordem, aintimação poderá ser realizada por publicação no Diário Oficial424.

Segundo o artigo legal ora analisado, a comunicação imediata no caso de concessão da segurançaé dirigida à autoridade coatora e à pessoa jurídica interessada, sendo essa certamente a maisimportante novidade, considerando-se que, nos termos do art. 11 da Lei 1.533/1951, a comunicaçãoera exclusivamente dirigida à autoridade coatora.

A intimação da autoridade coatora já é o suficiente para a decisão se tornar eficaz, considerando-se ser a ela dirigida a ordem contida na sentença concessiva do mandado de segurança. Registre-seque o enunciado da Súmula 392 do Supremo Tribunal Federal, ao estabelecer que o prazo pararecorrer de acórdão concessivo de segurança conta-se da publicação oficial de suas conclusões, enão da anterior ciência à autoridade coatora para cumprimento da decisão, está superado,considerando-se que os sujeitos que têm legitimidade recursal serão pessoalmente intimados e oinício para a contagem do prazo não deverá mais ser contado da publicação da decisão no DiárioOficial.

6.6.5.2. Decisão de natureza condenatória de pagar quantiaÉ consagrado o entendimento de que o mandado de segurança não deve ter como objeto principal

uma obrigação de pagar quantia certa, afirmação confirmada pelo enunciado da Súmula 269 doSupremo Tribunal Federal ao prescrever que o mandado de segurança não é substitutivo da ação decobrança. A tutela condenatória de obrigação de pagar quantia certa, entretanto, não é totalmentevedada em sede de mandado de segurança, como já estava previsto no art. 1º, caput, da Lei5.021/1966 e atualmente vem confirmado pelo art. 14, § 4º, da Lei 12.016/2009. Conforme esse

dispositivo legal, é cabível a condenação da Fazenda Pública ao pagamento de vencimentos evantagens pecuniárias a servidor público da administração direta ou indireta ou autárquica federal,estadual ou municipal.

O dispositivo legal, em sua parte final, consagra legislativamente entendimento que limita a tutelacondenatória às prestações que se vencerem, a contar da data do ajuizamento da inicial. É nessesentido o enunciado da Súmula 271 do Supremo Tribunal Federal, que entende que, para períodopretérito, ou seja, para vencimentos e vantagens anteriores ao mandado de segurança, deve ointeressado valer-se da via administrativa ou de ação de cobrança.

Simplesmente lamentável que o legislador tenha confirmado no art. 14, § 4º, da Lei 12.016/2009entendimento ultrapassado e sem qualquer razoabilidade. Mas ainda existe esperança, porque oSuperior Tribunal de Justiça já vinha afastando o entendimento consagrado na Súmula 271 doSupremo Tribunal Federal, corretamente entendendo que não tem qualquer razoabilidade exigir dovencedor do mandado de segurança o ingresso de nova ação judicial – agora de cobrança –,porquanto os efeitos financeiros se afiguram como consequência lógica do ato impugnado425. Comonão houve propriamente uma novidade legislativa com a previsão do art. 14, § 4º, da Lei12.016/2009, que praticamente repetiu a regra prevista no art. 1º da Lei 5.021/1966, espera-se que oSuperior Tribunal de Justiça continue no caminho correto, de afastamento do entendimento sumuladono Supremo Tribunal Federal.

Ademais, como já vislumbrou a melhor doutrina, a ausência de condenação expressa em favor doimpetrante com relação às prestações pretéritas pode não ser o suficiente para evitar a execuçãodesses valores, desde que se admita que o art. 475-N, I, do CPC permite a execução de sentençameramente declaratória de existência de obrigação inadimplida426. O tema, entretanto, é bastantepolêmico, dividindo a doutrina que já teve oportunidade de se manifestar sobre a revogação do art.584, I, e a interpretação do art. 475-N, I, ambos do CPC.

Uma primeira corrente aponta para a modificação meramente redacional do dispositivo, afirmandoque as sentenças declaratórias e constitutivas não são títulos executivos judiciais427. A exclusão dotermo “sentenças condenatórias” deu-se simplesmente em razão da adoção pelo legislador dacorrente quinária das sentenças, que diferencia as sentenças condenatórias das executivas lato sensue das mandamentais. Como todas elas são títulos executivos judiciais, permitindo a prática de atosmateriais de execução, ainda que de diferentes formas, uma redação mais genérica como a atualevitaria debates inúteis a respeito de ser somente a sentença condenatória – com exclusão dasexecutivas lato sensu e mandamentais – título executivo judicial.

Para essa corrente doutrinária, as sentenças declaratórias e constitutivas não eram título executivoantes da Lei 11.232/2005, e continuam a não ser atualmente. O entendimento seria corroborado pelaprópria Lei 11.232/2005, em razão da expressa menção à existência de condenação (e não meradeclaração ou constituição) para o início do cumprimento de sentença, conforme expressamenteprevisto no art. 475-J, caput, do CPC (“Caso o devedor, condenado...”).

Uma segunda corrente doutrinária defendia, mesmo antes da modificação legal, o entendimento deque a sentença declaratória constituiria um título executivo judicial sempre que determinasse aexistência de uma obrigação certa, líquida e exigível (declaração da exigibilidade da prestaçãodevida)428. Além de obter a certeza jurídica a respeito da existência da obrigação, para essa correntedoutrinária, o autor também pode executar a sentença, exigindo pelos meios executivos o

cumprimento da prestação já declarada como existente e devida.Essa corrente doutrinária tem basicamente dois fundamentos para alicerçar seu entendimento: (a) o

princípio da economia processual não se compatibiliza com a exigência da propositura de umasegunda demanda, de natureza condenatória, na qual, em razão dos efeitos positivos da coisa julgadada sentença meramente declaratória, o juiz estará obrigado a considerar existente a obrigação do réu,o que evidentemente o obrigará a condenar o réu ao seu cumprimento. Essa segunda demanda será umdesperdício de tempo, energia e dinheiro, pois terá um resultado já conhecido, tendo o juiz uma meraatuação de agente carimbador de eficácia executiva, o que não se justifica; (b) sendo a função dotítulo demonstrar a existência de uma grande probabilidade do direito existir, fica claro que asentença meramente declaratória cumpre plenamente tal função, sendo até mesmo mais provável aexistência de direito declarado em sentença do que o representado pelos títulos executivosextrajudiciais.

O importante a ser notado nessa segunda corrente doutrinária é que a conclusão de ser a sentençadeclaratória um título executivo judicial nada tem a ver com a modificação legal, sendo fundada emrazões de economia processual e de segurança jurídica. Para essa corrente, a sentença declaratória jáera título executivo judicial antes da Lei 11.232/2005 e continua atualmente a ser.

Uma terceira corrente doutrinária entende que a modificação legal teve papel essencial namudança do status executivo da sentença declaratória. Para os doutrinadores que defendem essepensamento, a expressa menção à sentença civil condenatória contida no revogado art. 584, I, doCPC não permitia a execução de nenhuma outra espécie de sentença que não a condenatória, comnítida exclusão da sentença meramente declaratória. A redação do art. 475-N, I, do CPC, entretanto,prevê apenas que a sentença deva reconhecer a existência de uma obrigação, o que ocorre nasentença declaratória, de forma a não existir mais nenhum impedimento à conclusão de se tratar deum título executivo429. Aparentemente, para essa corrente doutrinária, a sentença meramentedeclaratória só passou a ser título executivo judicial em razão da modificação operada pela Lei11.232/2005.

O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo pela natureza de título executivo da sentençameramente declaratória, tanto quando o pedido tem tal natureza e é acolhido430, como na hipótese desentença de improcedência, que sempre declara a inexistência do direito material alegado pelo autore pode aproveitar o réu em eventual pretensão executiva431.

Conclusivamente, caso se admita que a sentença concessiva de mandado de segurança, ao declarara existência de obrigação, independentemente de conter condenação expressa ao pagamento dasparcelas pretéritas, pode ser considerada título executivo judicial, a limitação prevista no art. 14, §4º, da Lei 12.016/2009 torna-se inútil. Ao impetrante bastaria liquidar a sentença concessiva daordem para então executar todos os valores que lhe são devidos em decorrência do ato coatorreconhecido na sentença como ilegal.

6.6.5.3. RecorribilidadeO art. 14, caput, da Lei 12.016/2009 é daqueles totalmente dispensáveis, considerando-se que

bastaria a aplicação do art. 513 do CPC para se chegar a conclusão de que, da sentença que julga omandado de segurança – definitiva ou terminativa –, cabe o recurso de apelação.

O art. 18 da Lei 12.016/2009 padece do mesmo vício, sendo outro daqueles dispositivos

dispensáveis dessa lei. O artigo legal prevê a recorribilidade das decisões proferidas em mandadode segurança de competência originária dos tribunais: recurso especial, recurso extraordinário erecurso ordinário constitucional. O dispositivo nem ao menos indica quais seriam as hipóteses decabimento de tais recursos, deixando tal missão com os arts. 102, II, a, III, e 105, II, b, III, da CF eart. 539 do CPC. Ainda que inútil, o dispositivo legal, ao pretender prever os recursos cabíveis nomandado de segurança de competência originária dos tribunais, indevidamente se esqueceu demencionar os embargos de declaração.

Ainda que exista debate doutrinário a respeito da natureza recursal dos embargos de declaração432,diante do atual sistema legislativo parece inevitável se admitir que tal meio de impugnação é umrecurso e, como tal, deveria ter sido previsto no art. 18 da Lei 12.016/2009. A omissão legislativa,entretanto, não afasta o cabimento dos embargos de declaração contra qualquer decisão proferida emsede de mandado de segurança. A omissão quanto aos embargos infringentes se coaduna com o art.25 da Lei 12.016/2009.

O art. 25 da Lei 12.016/2009, consagrando legislativamente o entendimento dos tribunaissuperiores, prevê não ser cabível no mandado de segurança o recurso de embargos infringentes, quetêm suas hipóteses de cabimento previstas pelo art. 530 do CPC, Para serem cabíveis os embargosinfringentes, é preciso decisão não unânime que reforme sentença de mérito em apelação ou decisãonão unânime que julgue procedente a ação rescisória. Pela simples previsão do art. 530 do CPC, jáera possível a exclusão desse recurso no mandado de segurança de competência originária dostribunais, considerando a inexistência nesse processo de sentença ou apelação. Ainda que jáhouvesse entendimento jurisprudencial pelo não cabimento dos embargos infringentes mesmo diantede reforma de sentença de primeiro grau em sede de apelação, nada havia a corroborar esseentendimento, considerando-se a aplicação subsidiária das regras do Código de Processo Civil aomandado de segurança. Ocorre, entretanto, que o legislador optou expressamente pelo não cabimentodos embargos infringentes no mandado de segurança, e essa previsão expressa naturalmente afasta aaplicação subsidiária das regras recursais do Código de Processo Civil, em especial o art. 530 doCPC.

6.6.5.4. Legitimidade recursalO art. 14, § 2º, da Lei 12.016/2009 indica expressamente a legitimidade recursal da autoridade

coatora, com redação esclarecedora a respeito de sua qualidade processual. Ao prever que o direitode recorrer “estende-se” à autoridade coatora, o dispositivo legal corrobora a conclusão de que essesujeito não é o réu do mandado de segurança. Significa dizer que a legitimidade recursal da parte,que dispensa qualquer expressa previsão legal porque é a legitimação recursal padrão, consagradano art. 499 do CPC, é da pessoa jurídica de direito público, que suportará os efeitos da decisão,conforme entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça433.

Mesmo quando não existia previsão expressa atribuindo legitimidade recursal à autoridadecoatora, a melhor doutrina entendia que esse sujeito poderia recorrer como terceiro prejudicado, nostermos do art. 499, § 1º, do CPC434. O Superior Tribunal de Justiça tinha o mesmo entendimento,afirmando que a autoridade coatora teria legitimidade recursal como assistente litisconsorcial oucomo terceiro, apenas a fim de prevenir sua responsabilidade pessoal por eventual dano decorrentedo ato coator435.

O que deve ser atualmente discutido é se a previsão expressa de legitimidade recursal daautoridade coatora continua a exigir a comprovação de um interesse jurídico, ou seja, se continuará ater legitimidade como terceiro prejudicado, conforme entendimento jurisprudencial anterior. Aquestão não é de fácil resposta, porque sempre se poderá afirmar que a indicação expressa delegitimidade recursal não afasta a qualidade de terceiro da autoridade coatora, e, como tal, só poderecorrer como terceiro prejudicado. Particularmente, tenho visão contrária a essa, até porque, seassim o fosse, a expressa previsão legal seria totalmente desnecessária, bastando para se chegar àlegitimidade da autoridade coatora como terceiro prejudicado a aplicação do art. 499, § 1º, do CPC.Entendo que a previsão contida no art. 14, § 2º, da Lei 12.016/2009 cria uma legitimaçãoextraordinária à autoridade coatora, que passa a recorrer em nome próprio na defesa da pessoajurídica de direito público, o que naturalmente a dispensa de provar a existência de um interessejurídico seu na solução do processo.

6.6.5.5. Vedação à condenação em honorários advocatíciosNão cabe, por expressa previsão do art. 25 da Lei 12.016/2009, a condenação em honorários

advocatícios em sede de mandado de segurança, o que não implica na isenção das multas porlitigância de má-fé e no pagamento das custas processuais. O entendimento é antigo e já estavaconsagrado nas Súmulas 512 do Supremo Tribunal Federal e 105 do Superior Tribunal de Justiça,mas nem por isso deve ser prestigiado, sendo incompreensível que o advogado – público ou privado– que tenha trabalhado no mandado de segurança não tenha direito aos honorários advocatícios.

Entendo que a afirmação de que a eventual condenação de honorários no caso de denegação desegurança poderia indevidamente inibir a propositura de mandado de segurança não se sustenta;aliás, pelo contrário, considerando que a isenção nesse caso poderá, a contrario sensu, incentivar oabuso na utilização do mandamus. Em razão disso, não concordo com a parcela da doutrina que, aocriticar o dispositivo legal, afirma que o legislador deveria ter isentado a condenação em honoráriosadvocatícios apenas para o caso de denegação da ordem436, o que para mim seria flagrantementeinconstitucional por violar o princípio da isonomia. Meu entendimento é de uma simplicidadefranciscana: o advogado do vencedor exerceu seu trabalho no mandado de segurança e por isso deveser recompensado.

O entendimento anteriormente sumulado e agora legislado já encontrava sérias resistências namelhor doutrina, que corretamente não conseguia explicar a anomalia gerada pela existência de umprocesso no qual o advogado, apesar de exercer seu ofício, não recebe pagamento por esse trabalhoa título de honorários advocatícios437. Nesse tocante, entendo plenamente correta a Ação Direta deInconstitucionalidade (ADI 4.296) proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, ainda que sejapequena a esperança de que tal pedido seja acolhido.

6.6.5.6. Substituição das decisões por notas taquigráficasSegundo o art. 17 da Lei 12.016/2009, não havendo a publicação da decisão em trinta dias, o

acórdão será substituído pelas respectivas notas taquigráficas. Trata-se de dispositivo legal semprecedentes em leis anteriores e que serve para novamente demonstrar que realmente o legisladorpretende imprimir ao mandado de segurança considerável celeridade. A substituição prevista em leipermite à parte o ingresso de recurso contra a decisão antes mesmo de sua publicação, sem que o

tribunal possa aplicar a esdrúxula tese do recurso prematuro (ou “intempestividade ante tempus”)438.A substituição do acórdão não se presta somente para fins recursais, também se admitindo aexecução da decisão, mesmo que não haja sua publicação.

Naturalmente o dispositivo legal somente terá aplicação plena, se as notas taquigráficas foremsuficientes para a compreensão da decisão, tanto de suas razões como de suas conclusões. Não hácomo elaborar um recurso sem o conhecimento da fundamentação da decisão a se impugnar,conforme ensina o princípio da dialeticidade recursal; por outro lado, a execução da decisão só serápossível se for compreensível sua conclusão decisória.

6.7. DESISTÊNCIA DO MANDADO DE SEGURANÇADesistir da ação é diferente de renunciar ao direito material alegado; enquanto a desistência diz

respeito somente ao processo em que ocorre, o que permite ao autor voltar ao Poder Judiciário comidêntica demanda, a renúncia concerne ao direito material alegado, de forma que não se admitirá aoautor retornar ao Poder Judiciário com demanda fundada em direito material que já foi objeto derenúncia. Não por outra razão, a sentença fundada em desistência é terminativa, pois não resolve omérito (art. 267, VIII, do CPC), enquanto a sentença que homologa a renúncia é definitiva,resolvendo o mérito da demanda e fazendo coisa julgada material (art. 269, V, do CPC).

É preciso atenção com a previsão do art. 267, § 4.º, do CPC, que exige a anuência do réu depoisde decorrido o prazo de defesa para que o juiz possa extinguir o processo por desistência do autor.Na realidade, o momento a partir do qual se exige a anuência do réu não é o decurso do prazo deresposta, mas a efetiva apresentação de defesa no processo, razão pela qual não se exige a intimaçãode réu revel para que o juiz acate a desistência pedida pelo autor439. Tampouco poderá o autordesistir da demanda sem a anuência do réu, caso este tenha apresentado sua defesa antes dovencimento do prazo legal para tanto (apresentada contestação no quinto dia, a anuência passa a serexigida nesse momento, e não somente depois do décimo quinto dia)440. Basicamente, semcontestação do réu, não é necessária sua anuência quanto ao pedido de desistência do autor441.

A justificativa dessa exigência de anuência do réu para que o processo seja extinto por desistênciaé facilmente compreendido. O réu, num processo de conhecimento, também tem direito a recebertutela jurisdicional, por meio da prolação de sentença de improcedência do pedido do autor. Como adesistência gera uma sentença terminativa, que não estará protegida pela coisa julgada material,admitindo-se a repropositura da ação à vontade do autor, pode o réu preferir continuar com a ação eobter uma sentença de improcedência. Tanto assim que, no processo de execução, firme na aplicaçãodo princípio do desfecho único, a desistência do exequente não depende da anuência do executado442.

É entendimento pacificado nos tribunais superiores que, no mandado de segurança, se dispensa aanuência do réu diante do pedido de desistência do impetrante443. Compreendo e aceito oposicionamento, já que, conforme ensina a melhor doutrina, o réu no mandado de segurança – seja elequem for: autoridade coatora ou pessoa jurídica de direito público – não busca propriamente tutelajurisdicional, tão somente se limitando a defender a manutenção dos status quo. A desistência semanuência, portanto, é entendimento correto e que deve ser elogiado.

O mesmo, entretanto, não se pode dizer a respeito do momento do pedido de desistência, no queparece haver uma triste e melancólica confusão levada a cabo pela jurisprudência do SupremoTribunal Federal. Há vários julgados recentes nos quais o tribunal afirma poder o impetrante desistir

a qualquer momento do mandado de segurança sem a anuência do réu, mesmo depois de já proferidadecisão de mérito444. Ao buscar os fundamentos dessas decisões, a informação é sempre a mesma: háprecedentes do próprio tribunal.

O problema, entretanto, é que os tais precedentes, invariavelmente, têm como fundamento outrosprecedentes, e daí por diante, o que por si só já indica a péssima e preguiçosa técnica defundamentação de tais decisões. Quando finalmente se consegue encontrar uma remota decisão naqual algo efetivamente foi fundamentado, nota-se uma perigosa aproximação entre o pedido dedesistência e a perda superveniente de interesse processual445, com o que a desistência seria admitidaporque a ação simplesmente teria perdido seu objeto.

É lamentável que tal circunstância ocorra no mais importante tribunal do país, ficando os Ministrosa repetir decisões prévias sem o devido cuidado de estudar o caso concreto. Mas nem tudo sãocríticas, já que no Superior Tribunal de Justiça o entendimento é pela inadmissibilidade dedesistência do mandado de segurança depois de proferida sentença de mérito446, e mesmo noSupremo Tribunal Federal447 há decisões que afastam o grave equívoco de se admitir a desistênciado mandado de segurança após a prolação de decisão de mérito. Na feliz expressão do MinistroCezar Peluso, não se pode emprestar ao pedido de desistência do impetrante natureza rescisória,afastando do caso concreto uma decisão de mérito já proferida para que a ação seja extinta pordecisão terminativa.

A impossibilidade de desistência do mandado de segurança após a prolação da sentença de méritotem como fundamento a prevalência da decisão de mérito sobre a vontade do impetrante. Note-se quea anuência do impetrado nada tem a ver com o aqui afirmado, mas não se pode admitir que, após umasentença de improcedência, por exemplo, o impetrante obtenha, por sua livre vontade, uma decisãoterminativa, a ele bem menos prejudicial. Após a prolação de decisão de mérito, não se admite adesistência da ação, quando muito que as partes transacionem448, o que, no mandado de segurança,não será cabível.

Conforme ensina a melhor doutrina a respeito do tema, após a decisão de mérito e havendo recursopendente de julgamento, o impetrante só poderá desistir do recurso interposto, o que gerará a coisajulgada da sentença de improcedência, e não a prolação de uma decisão terminativa449. Esse é omelhor entendimento para se impedir que o impetrante evite uma derrota anunciada como definitiva,valendo-se de manobras pouco desejáveis para indevidamente manter aberta a possibilidade devoltar ao Poder Judiciário com a mesma pretensão, ainda que por meio de ação de conhecimento emrazão da decadência do prazo para o ingresso de mandado de segurança.

6.8. COISA JULGADA MATERIAL E RENOVAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇAO art. 6º, § 5º, da Lei 12.016/2009 bem poderia não existir, considerando-se que contém previsão

dispensável à luz da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao procedimento domandado de segurança. Ao prever que o mandado de segurança será denegado nos casos previstos noart. 267 do CPC, a previsão legal tão somente reafirma que, sendo hipótese de extinção do processosem a resolução do mérito, caberá ao juiz aplicar o art. 267 do CPC. O entendimento de que olegislador tenha afirmado com a redação do dispositivo legal que somente a decisão terminativa domandado de segurança seria denegatória não é o mais adequado. O termo “denegação” do mandadode segurança sempre teve interpretação ampla, de forma a abranger tanto o julgamento do mérito,

com a denegação da ordem, como a decisão terminativa, com o julgamento do mandado de segurançasem a resolução do mérito. Por denegação deve ser entendida qualquer derrota do impetrante, tantode natureza processual como de natureza material450.

Como não existe no art. 6º, § 5º, da Lei 12.016/2009 previsão de que a denegação se dê única eexclusivamente nos casos previstos pelo art. 267 do CPC, é possível interpretar o inútil dispositivolegal como prevendo tão somente uma das formas de denegação do mandado de segurança, semexclusão do julgamento de rejeição do pedido (art. 269, I, do CPC). Continuaria a existir adenegação terminativa e a denegação definitiva, interpretando-se o dispositivo legal comomeramente exemplificativo das formas de denegação do mandado de segurança.

O art. 6º, § 6º, da Lei 12.016/2009 contém uma novidade com relação a seu semelhante na leianterior (art. 16 da Lei 1.533/1951), consagrando a jurisprudência consolidada do Superior Tribunalde Justiça451. Segundo o dispositivo legal, sendo o mandado de segurança extinto sem a apreciaçãodo mérito, ou seja, por meio de decisão terminativa (art. 267 do CPC), a ação poderá ser renovada,desde que dentro do prazo decadencial de 120 dias, sendo justamente essa a novidade do dispositivolegal: a menção de que a repropositura deve respeitar o prazo de 120 dias do art. 23 da Lei12.016/2009.

Mais uma vez, o novo dispositivo legal não traz qualquer novidade ao sistema processual pátrio,consagrando expressamente regra básica de que a decisão terminativa não faz coisa julgada material,o que permite à parte a repropositura da demanda. Como ensina a melhor doutrina, o procedimentosumário documental não impede que seja proferida no processo de mandado de segurança umadecisão apta a formação da coisa julgada material452. Ainda que a cognição do juiz nessa espécie deprocedimento se limite às alegações das partes e à prova documental, a cognição poderá serexauriente sempre que o juiz se sentir preparado para declarar definitivamente se houve ou não aofensa ou ameaça a direito alegada pelo impetrante.

O entendimento consagrado no Superior Tribunal de Justiça é de que haverá julgamento de méritodo mandado de segurança sempre que o mérito referente à própria existência do direito materialalegado restar apreciado453. Nesses termos, é importante a expressa “previsão” contida nodispositivo legal ora comentado, porque a interpretação, a contrario sensu, é justamente de queexiste coisa julgada material no mandado de segurança, o que impedirá a repropositura do mandadode segurança, independentemente do prazo454. Registre-se, por fim, entendimento do SuperiorTribunal de Justiça que aponta, para a caracterização da sentença de mérito, seu conteúdo, e não suaforma, entendendo haver o julgamento de mérito sempre que o direito material é enfrentado, aindaque na sentença conste a indicação de extinção do processo sem a resolução de mérito455.

Segundo o art. 19 da Lei 12.016/2009, a decisão que denegar o mandado de segurança não impedea propositura de ação própria para a tutela dos direitos defendidos no mandado de segurança e osrespectivos efeitos patrimoniais, em regra que já se encontrava consagrada na jurisprudência456.

A denegação do mandado de segurança nem sempre se dá em razão da inexistência de violação ouameaça a direito líquido e certo. Conforme já analisado, somente a decisão de mérito do mandado desegurança faz coisa julgada material, de forma que, sendo denegada a ordem porque o juiz entendeque a prova documental é incapaz de lhe convencer da ameaça ou violação alegada pelo impetrante,não haverá julgamento do mérito do mandado de segurança457. Nesse caso o impetrante poderáingressar com processo de conhecimento com o mesmo objeto do mandado de segurança.

Quanto aos respectivos efeitos patrimoniais, mesmo quando o mandado de segurança é decididoem seu mérito, é possível a referida “ação própria”. Partindo-se da premissa de que prestaçõesanteriores à impetração do mandamus não podem ser objeto de condenação, mesmo quando oimpetrante tem julgamento de mérito pelo acolhimento de seu pedido no mandado de segurança,poderá ingressar com ação condenatória para exigir a condenação da Fazenda Pública nas prestaçõespretéritas. Na realidade, mesmo quando a decisão do mandado de segurança é denegatória no mérito,com a expressa afirmação de não existir a violação ao direito líquido e certo conforme afirmado peloautor, é possível a propositura de processo de conhecimento visando o recebimento de valores.

Ocorre, entretanto, que, havendo decisão de mérito transitada em julgado no mandado desegurança, concessiva ou denegatória, deve-se trabalhar com a eficácia positiva da coisa julgada, oque vincula o juiz no processo de conhecimento condenatório à decisão proferida no mandado desegurança já protegida pela coisa julgada material458.

Diferente a situação em que o autor tenta burlar a eficácia negativa da coisa julgada ao ingressarcom ação ordinária, após ter o julgamento de improcedência de seu mandado de segurança transitadoem julgado. A imutabilidade gerada pela coisa julgada material impede que a mesma causa sejanovamente enfrentada judicialmente em novo processo. Por mesma causa, entende-se a repetição damesma demanda, ou seja, um novo processo com as mesmas partes (ainda que em polos invertidos),mesma causa de pedir (próxima e remota) e mesmo pedido (imediato e mediato) de um processoanterior já decidido por sentença de mérito transitada em julgado, tendo sido gerada coisa julgadamaterial. O julgamento do mérito desse segundo processo seria um atentado à economia processual,bem como fonte de perigo à harmonização dos julgados. Na realidade, mesmo que a segundadecisão seja no mesmo sentido da primeira, nada justifica que a demanda prossiga, sendo o efeitonegativo da coisa julgada o impedimento de novo julgamento de mérito, independentemente do seuteor.

Havendo a modificação de qualquer um desses elementos da demanda, ainda que parcialmente (p.ex., novos fatos jurídicos com a manutenção da mesma fundamentação jurídica), afasta-se qualquerimpedimento ao novo julgamento, considerando-se tratar de nova demanda, ainda queconsideravelmente parecida com aquela que já foi julgada e cuja decisão está protegida pela coisajulgada material459. Esse impedimento de novo julgamento exige que a causa seja exatamente amesma, sendo entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que a função negativa só é geradaquando aplicável ao caso concreto a teoria da tríplice identidade (tria eadem)460.

Valendo-se invariavelmente de má-fé, o impetrante de mandado de segurança frustrado por suaderrota no mérito e firme na doutrina que entende ser a autoridade coatora ré no mandado desegurança ingressa com ação ordinária modificando o polo passivo, agora composto pela pessoajurídica de direito público. A manobra, entretanto, não terá futuro, porque, na análise entre diferentesprocessos, deve-se considerar a parte no sentido material, e não no sentido processual, de forma que,havendo substituição processual em hipótese de legitimação extraordinária concorrente, apropositura de novo processo com a mesma parte contrária, mesma causa de pedir e mesmo pedido,ainda que com outra parte processual defendendo o mesmo direito já defendido anteriormente, nãoafasta o efeito negativo da coisa julgada461.

Especificamente em relação ao mandado de segurança e ação de conhecimento pelo rito comum, oSuperior Tribunal de Justiça tem decidido pela aplicação da eficácia negativa da coisa julgada462,

ressaltando que, modificando-se o pedido entre uma e outra ação, a continuidade da segunda e seujulgamento de mérito não ofendem a coisa julgada material463. Interessante notar no mesmo tribunaldecisões que apontam para a litispendência entre ação de conhecimento pelo rito ordinário e omandado de segurança464, pelos mesmos fundamentos de identidade de ações, ainda que comdiferentes sujeitos ocupando o polo passivo.

6.9. REEXAME NECESSÁRIOSegundo o art. 14, § 1º, da Lei 12.016/2009, há reexame necessário no caso de concessão da

ordem, repetindo parcialmente a redação do art. 12, parágrafo único, da Lei 1.533/1951. Olegislador, nesse tocante, foi de uma timidez criticável, já que perdeu a oportunidade de resolverdivergência doutrinária a respeito da aplicação subsidiária do art. 475, §§ 2º e 3º, do CPC à sentençaque concede a ordem no mandado de segurança. Esses dispositivos legais devem ser efusivamentesaudados, porque limitam, na praxe forense, a aplicação do atrasado instituto do reexame necessário,afastando-o sempre que a condenação ou o direito controvertido for de valor certo não excedente a60 salários-mínimos465 e quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário doSupremo Tribunal Federal ou em súmula de qualquer tribunal superior.

Quando da aplicação do art. 12, parágrafo único, da Lei 1.533/1951, o Superior Tribunal deJustiça já tinha consolidado o entendimento pela inaplicabilidade das limitações previstas no codexprocessual ao mandado de segurança, de forma que, independentemente do valor econômico da causaou da existência de jurisprudência ou súmula de tribunais superiores, a mera concessão de segurançajá seria o suficiente para a exigência do reexame necessário466. A doutrina que já se manifestou sobreo tema considera que o entendimento se manterá inalterado467, com o que infelizmente se concorda. Jáhá, inclusive, julgamentos nesse sentido468.

6.10. EXECUÇÃO PROVISÓRIAAduz o art. 14, § 3º, da Lei 12.016/2009 que a sentença que conceder o mandado de segurança

pode ser executada provisoriamente, o que deve ser entendido como a subtração do efeito suspensivoda apelação interposta contra decisão concessiva da ordem. A retirada do efeito suspensivo daapelação não se limita a sentença concessiva da ordem, como pode parecer de uma leitura apressadado dispositivo legal, sendo relevante na decisão denegatória, quando houver a revogação da liminar,hipótese na qual o efeito de cassação da liminar é imediato no tocante a esse capítulo,independentemente da recorribilidade da decisão, estando tal entendimento sumulado pelo SupremoTribunal Federal469.

Tendo sido concedida liminar e sendo concedida a segurança definitivamente por sentença,permanece o estado fático de satisfação já anteriormente gerado pela tutela de urgência. Sendo adecisão concessiva da ordem e não tendo sido anteriormente concedida liminar, a ausência de efeitosuspensivo na apelação permite a imediata execução da sentença, ainda que provisoriamente.

Como bem apontado pela melhor doutrina, a afirmação de que o recurso tem efeito suspensivo nãopode ser considerada correta, porque, na realidade, não é o recurso que suspende a eficácia dadecisão, mas sim sua recorribilidade, ou seja, a mera previsão de um recurso que tenha como regraefeito suspensivo. Havendo a previsão em lei de recurso a ser “recebido com efeito suspensivo”, adecisão recorrível por tal recurso já surge no mundo jurídico ineficaz, não sendo a interposição do

recurso que gera tal suspensão, mas a previsão legal de efeito suspensivo. O recurso, nesse caso,uma vez interposto, prolonga o estado inicial de ineficácia da decisão até seu julgamento470. Essa é arazão pela qual não se admite execução provisória de sentença no prazo de interposição do recursode apelação, porque, sendo esse recurso recebido no efeito suspensivo (art. 520 do CPC), dever-se-áaguardar o transcurso do prazo, sendo certo que a interposição da apelação continuará a impedir ageração de efeitos da sentença até o seu final julgamento, ao passo que a não interposição produz otrânsito em julgado, com a liberação de seus efeitos.

A regra se aplica também em sentido contrário, ou seja, caso o recurso prescrito em lei não tenhaprevisão de efeito suspensivo, a decisão surge no mundo jurídico – com sua publicação –imediatamente gerando efeitos, independentemente de se ainda estar em trâmite o prazo recursal471. Oraciocínio é simples: se o recurso, ainda que venha a ser interposto, não tem condições de impedir ageração dos efeitos da decisão, nenhuma razão existe para suspender tais efeitos até o momento desua eventual interposição. Por essa razão, prolatada a decisão interlocutória, imediatamente passam aser gerados seus efeitos, independentemente do transcurso do prazo para a interposição do recurso deagravo.

Enquanto a sentença concessiva da ordem não transitar em julgado, a execução será provisória,devendo seguir as regras previstas pelo art. 475-O, CPC. Questão que já gera polêmica é a exigênciade prestação de caução nos termos do art. 475-O, III, do CPC. Tudo leva a crer que, diante dosilêncio legislativo, continue a predominar o entendimento já consagrado no Superior Tribunal deJustiça pela dispensa da caução, ainda que se trate de execução provisória472, corroborado por liçõesdoutrinárias473.

É importante lembrar que a execução provisória da sentença concessiva da ordem não serápermitida quanto ao capítulo condenatório a pagar quantia certa, que poderá existir sempre quehouver condenação da Fazenda Pública nos termos do art. 14, § 4º, da Lei 12.016/2009. Segundo aatual previsão do art. 100 da CF, resultado da EC 62/2009, a expedição do precatório depende de asentença ter transitado em julgado, passando a jurisprudência a entender que, na hipótese de sentençacondenatória de pagar quantia certa, não caberá execução provisória contra a Fazenda Pública474. Emesmo nas execuções de pequeno valor, que dispensam a expedição de precatório, a redação do art.100, § 3º, da CF é suficientemente clara ao dispor sobre a exigência de a sentença ter transitado emjulgado, o que também exclui a possibilidade de execução provisória475. Significa dizer que, porqualquer forma instrumental que se pretenda obter a tutela de pagar quantia certa contra a FazendaPública, deve-se esperar o trânsito em julgado, ou seja, se dará sempre por execução definitiva.

A conjugação dos §§ 1º e 3º do art. 14 da Lei 12.016/2009 demonstra de forma cabal que oreexame necessário não impede a execução provisória da sentença, não tendo por essa razão efeitosuspensivo476. Como ensina a melhor doutrina, o reexame necessário é condição de eficácia plena dasentença477, de forma a impedir tão somente a coisa julgada material, e não a geração imediata deseus efeitos.

Registre-se, por fim, que o art. 14, § 3º, da Lei 12.016/2009 impede a execução provisória noscasos em que é vedada a concessão de liminar, o que, dentro da inconstitucionalidade dessa vedação,encontra até alguma lógica. O objetivo do legislador não é, nas situações descritas no art. 7º, § 2º, daLei 12.016/2009, somente impedir a geração de efeitos que seriam provocados por decisãoconcedida mediante cognição sumária, mas abranger a ineficácia também para decisões proferidas

mediante cognição exauriente, pendentes, porém, de confirmação em razão de recurso ainda nãojulgado. Significa de forma bem clara afirmar que não se admitirá a execução provisória emdeterminadas situações, pouco importando o grau de cognição da decisão.

Apesar de parecer claro ter sido esse o objetivo do legislador, como bem percebeu a melhordoutrina que já se debruçou sobre o tema, a redação do art. 14, § 3º, da Lei 12.016/2009 permiteconclusão em sentido diverso. O texto legal afirma expressamente que está vedada a execuçãoprovisória da sentença nos casos em que for vedada a concessão de liminar, o que significa que,proferido acórdão na apelação e sendo interposto recurso especial e/ou extraordinário, caberá aexecução provisória. O mesmo ocorrerá com o acórdão que julga o mandado de segurança decompetência originária dos tribunais. Ainda que a decisão não seja definitiva, gerará normalmenteseus efeitos478.

6.11. MEIOS EXECUTIVOS PARA CUMPRIMENTO DA ORDEM ECRIMINALIZAÇÃO DA CONDUTA DA AUTORIDADE COATORA

Parece não haver maiores dúvidas na doutrina a respeito da natureza mandamental da decisão deprocedência no mandado de segurança, de forma que, acolhido o pedido do impetrante, o juízoexpede uma ordem dirigida à autoridade coatora, responsável por seu cumprimento. É justamente poressa razão que a definição de quem seja a autoridade coatora passe necessariamente pela análise dequal é o sujeito que tem poderes para desfazer o ato atacado ou para praticá-lo na hipótese demandado de segurança por omissão.

Concordo com a corrente doutrinária que defende a aplicação do art. 461, §§ 4º e 5º, do CPC, emespecial a aplicação das astreintes como forma de pressão psicológica para o cumprimento daordem. Só não concordo que essa multa seja aplicada à autoridade coatora479, porque ela não é ré nomandado de segurança, devendo a multa ser direcionada à pessoa jurídica de direito público, quefigurará, em meu entender, no polo passivo da demanda480.

Sempre existiu controvérsia a respeito da criminalização da conduta daquele que descumpredecisão proferida em sede de mandado de segurança. Primeiro se discutia se realmente algum crimehaveria nesse descumprimento, e, uma vez admitida a ocorrência de crime, passava-se a discutir suatipificação, já que, para alguns, haveria desobediência (art. 330 do CP) e para outros, em razão daqualidade de servidor público daquele que desatende a ordem, haveria prevaricação (art. 319 doCP). O art. 26 da Lei 12.016/2009 prevê expressamente que o crime será de desobediência, semprejuízo das sanções administrativas e da aplicação da Lei 1.079/1950.

Ainda que me pareça algo absolutamente inquestionável, é importante lembrar que somente aautoridade coatora poderá ser criminalmente acusada de não cumprir a ordem jurídica expedida como provimento do pedido do impetrante no mandado de segurança481. A pessoa jurídica pública,naturalmente, não pode cometer crime, e tampouco o seu procurador, a quem a ordem decumprimento não é dirigida. Seria realmente uma violência absurda e injustificada determinar aprisão do procurador em razão do descumprimento da ordem pela autoridade coatora.

Como se pode notar da leitura do art. 26 da Lei 12.016/2009, o dispositivo legal tratou apenas dacriminalização da conduta e da previsão de eventuais sanções administrativas, nada se referindo àspossíveis sanções processuais. É importante lembrar que a servidor público que descumprir decisãojudicial, liminar ou definitiva, proferida em qualquer processo, inclusive o mandado de segurança, é

aplicável a sanção prevista no art. 14, parágrafo único, do CPC. Importa consignar que, mesmo nãosendo a autoridade coatora parte no processo, é plenamente possível sua condenação nos termos doartigo mencionado, considerando-se que tal multa pode ser aplicada a terceiros. Há, inclusive,entendimento do Superior Tribunal de Justiça482, amparado na melhor doutrina483, que determina aaplicação de multa ao servidor público em processos nos quais o Estado figura como parte.

6.12. TUTELA DE URGÊNCIA

6.12.1. Natureza jurídica da liminar

O art. 7º, III, da Lei 12.016/2009 prevê a possibilidade de o juiz suspender o ato que deu motivoao pedido imediatamente, em nítida hipótese de tutela de urgência. Já defendi anteriormente que anatureza jurídica da “liminar” do mandado de segurança é de tutela de urgência satisfativa, a exemploda tutela antecipada prevista no art. 273 do CPC484. Ao suspender liminarmente o ato impugnado, ojuiz entrega ao impetrante um estado fático que é exatamente o mesmo que encontrará na futura eeventual vitória definitiva com a demanda, o que demonstra à saciedade a natureza satisfativa dessaespécie de tutela de urgência. É indiscutível que a concessão da liminar afastará, no caso concreto, operigo de ineficácia da tutela definitiva, o que poderia levar o intérprete a defender sua naturezacautelar. O afastamento do perigo de ineficácia, entretanto, é tão somente uma consequência daantecipação dos efeitos práticos da liminar, não compondo seu objeto485.

Entendo, portanto, que a liminar do mandado de segurança é uma verdadeira antecipação de tutela,ainda que contenha seus requisitos e tratamento procedimental próprios. No tocante aos requisitos,inclusive, é curioso observar que, segundo o art. 7º, III, da Lei 12.016/2009, basta haver fundamentorelevante – grande probabilidade de o direito alegado existir – e do ato impugnado puder resultar aineficácia da medida pleiteada – periculum in mora. Como se pode notar do dispositivo legal, nãohá exigência de pedido expresso do impetrante, como ocorre no art. 273, caput, do CPC, quecondiciona a tutela antecipada ao “requerimento da parte”486. Teria sido o silêncio da lei intencional,permitindo ao juiz uma atuação oficiosa?

A resposta a essa pergunta deve partir de uma análise por analogia à tutela antecipada,considerando-se a identidade de natureza jurídica dessa com a liminar do mandado de segurança. Adoutrina majoritária entende que, tratando-se a tutela antecipada de espécie de tutela que beneficiadiretamente a parte, e que poderá, a partir de sua concessão, aproveitar-se do bem da vida como setivesse se sagrado vitoriosa na demanda, cabe somente à própria parte pedir expressamente aproteção jurisdicional487. Da mesma forma acontece com a liminar do mandado de segurança,parecendo ser o mais correto se entender, mesmo diante do silêncio da lei, que a concessão daliminar, além do perigo de ineficácia e da relevância da fundamentação, depende do pedido doimpetrante.

6.12.2. Prestação de garantia para a concessão da liminarNa parte final do art. 7º, III, da Lei 12.016/2009, vem expressamente previsto que é facultado ao

juiz exigir do impetrante caução, fiança ou depósito como condição para a concessão da liminarvisando assegurar o eventual ressarcimento à pessoa jurídica pelos danos que poderão ser geradospela efetivação de liminar concedida de forma indevida. Tratando-se de tutela de urgência, aplica-se

ao caso a teoria do risco-proveito, de forma que o impetrante tem responsabilidade objetiva(aplicação por analogia do art. 811 do CPC) pelos danos que causar ao réu (pessoa jurídica dedireito público), se o resultado final do mandado de segurança for de denegação da ordem.

Somente uma leitura mais afoita do dispositivo legal ensejará crítica à previsão legal, inclusiveapontando-a como inconstitucional, por se constituir em obstáculo injustificável à concessão de tutelajurisdicional. Como a literalidade do dispositivo determina, a prestação da contracautela não émedida obrigatória, que se imponha em toda hipótese de concessão de liminar em mandado desegurança, sendo claro que o juiz poderá exigir a prestação de caução a depender do caso concreto.Essa previsão, no mais, sem pecha de inconstitucionalidade, existe há tempos na tutela cautelar (art.804, CPC) e vem também sendo aplicada na tutela antecipada488. Em razão disso, não vejo futuro naAção Direta de Inconstitucionalidade promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 4.296),ao menos nesse tocante.

O receio não diz respeito propriamente à previsão legal, mas à postura que os juízes podem adotarna aplicação da norma. As perspectivas não são boas. Na praxe forense é inegável o desprezo dosjuízes com os requisitos autorizadores da liminar na tutela cautelar, quando o autor apresenta caução.O que interessa é simplesmente a caução, o que leva julgadores ao absurdo de nem mesmoanalisarem o teor da petição inicial, desde que já exista caução prestada nos autos. A caução nuncadeve ser considerada como exigência automática para a concessão da liminar no mandado desegurança, cabendo ao julgador analisar sempre as circunstâncias do caso concreto para somente emsituações excepcionais exigir a prestação da caução489.

6.12.3. ComunicaçõesO art. 3º da Lei 4.348/1964, com a redação dada pela Lei 10.910/2004, atribuía ao “juiz” (órgão

jurisdicional) a informação dos representantes legais da pessoa jurídica de direito público no prazode 48 horas das decisões judiciais. Pela previsão do art. 9º da Lei 12.016/2009, caberá à autoridadecoatora informar o órgão ou a pessoa jurídica de direito público na pessoa de seu representantejudicial, no prazo de 48 horas, contados da notificação da medida liminar. Note-se que a pessoajurídica de direito público já terá sido informada da existência da demanda judicial por ato do juízo(art. 7º, II, Lei 12.016/2009), o que leva parcela da doutrina a entender que a comunicação a serrealizada pela autoridade coatora é desnecessária, podendo até mesmo ser descartada para evitaruma duplicação desnecessária de atos processuais490.

É certo que a propositura da ação e a concessão de liminar são atos processuais diferentes, e,nesse sentido, poder-se-á sustentar que a intimação do primeiro ato não dispensa a cientificação dosegundo, que, em virtude do dispositivo ora comentado, fica a cargo da autoridade coatora. Oentendimento não se sustenta, porque, uma vez comunicada da existência do mandado de segurança eentendendo-se ser ela o réu do mandado de segurança, a pessoa jurídica de direito público serádevidamente intimada de todos os demais atos processuais, inclusive da concessão de liminar491.

De qualquer forma, ainda que se entenda desnecessária a informação pela autoridade coatora,considerando-se que a pessoa jurídica de direito público já estará ciente da concessão da liminar, éinteressante manter o dever previsto em lei para que, no prazo de 48 horas, a autoridade coatora seveja compelida a indicar elementos necessários às providências a serem tomadas visando a“suspensão da medida” (o legislador teria sido mais técnico se tivesse se referido à revogação da

liminar) ou mesmo à impugnação do ato coator. No tocante à União, existe inclusive lei específicaque prevê esse dever (art. 4º da Lei 9.028/1995).

6.12.4. Recurso cabível contra decisão liminarO art. 7º, § 1º, da Lei 12.016/2009 é certamente um dos mais felizes dispositivos da atual

regulação legal do mandado de segurança, encerrando intensa e famosa controvérsia doutrinaria ejurisprudencial. Sempre me pareceu óbvio o cabimento de agravo de instrumento contra a decisãoliminar (concessiva ou denegatória) proferida no mandado de segurança de primeiro grau, mas umentendimento absolutamente incorreto persistia em acreditar no não cabimento. O equivocadoentendimento pecava em dois sentidos: primeiro insistia erroneamente na inaplicabilidadesubsidiária do Código de Processo Civil ao procedimento do mandado de segurança; segundoporque, acreditava ser possível à Lei 1.533/1951 a criação de decisões liminares irrecorríveis.

Atualmente, a questão está totalmente superada pela expressa previsão de cabimento do agravo deinstrumento, e, nesse tocante, a felicidade do legislador foi dupla: primeiro porque deixou claro eindiscutível a recorribilidade contra a decisão que julga o pedido de liminar no mandado desegurança de primeiro grau; segundo porque afasta a discussão a respeito de qual espécie de agravoseria o cabível, ao expressamente prever o cabimento do agravo de instrumento.

Não tenho dúvida de que qualquer decisão a respeito de tutela de urgência seja recorrível poragravo de instrumento492, mas a previsão legal é importante para evitar que desembargadoresdesavisados confundam a admissibilidade do recurso com seu mérito (a urgência, naturalmente, énesse caso matéria de mérito recursal), convertendo indevidamente o agravo de instrumento emagravo retido, como, aliás, infelizmente tem se verificado na praxe forense com relação a decisõesconcessivas e denegatórias de tutela antecipada.

6.12.5. Vedação à concessão de liminaresO § 2º do art. 7º da Lei 12.016/2009 é um dos pontos mais baixos da nova legislação do mandado

de segurança, carregando nítida inconstitucionalidade493 e confirmando a percepção de parcela dadoutrina de que realmente a Fazenda Pública, em juízo, funciona com uma superparte, que tudo podee contra ela nada ou muito pouco se pode, em nítida e indesejável ofensa ao princípio da isonomia494.

O dispositivo legal proíbe expressamente a concessão de liminar em mandado de segurança quetenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientesdo exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou aextensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. Para blindar de forma definitiva o PoderPúblico, o § 5º do art. 7º da Lei 12.016/2009 veda que as matérias anteriormente descritas sejamobjeto de tutela antecipada, de forma que mesmo a parte optando pela tutela de seu direito pelas viasordinárias, não fará jus à tutela de urgência satisfativa.

Interessante notar que todas as vedações à concessão de liminar contra a Fazenda Pública jáfaziam parte de outras previsões legais espalhadas por diferentes leis. Não que sejam razoáveis ouconstitucionais, mas sua consolidação num mesmo dispositivo não traz ao sistema jurídicopropriamente uma novidade, tão somente reunindo velharias indesejáveis que até então estavamespalhadas pelo ordenamento jurídico.

Dentre os absurdos que a lei poderá gerar no aspecto prático, encontra-se a permissão para que

mercadorias e bens provenientes do exterior fiquem anos e anos a espera da decisão do mandado desegurança, o que naturalmente faz com que todos os envolvidos percam: perde o Fisco, o importador,o dono do armazém alfandegário, o consumidor... Existem decisões de segundo grau que, para afastara aplicação do art. 1º da Lei 2.770/1956 – agora revigorado pelo art. 7º, § 2º, da Lei 12.016/2009 –,limitam a proibição à liberação de mercadorias e bens de procedência estrangeira apreendidos emdecorrência de atividades ilícitas, como contrabando ou descaminho, mas parece não ser esse oentendimento do Superior Tribunal de Justiça495. Infelizmente, a repetição da vedação no novo artigolegal deverá dar ainda mais fôlego para o entendimento que restringe qualquer liberação de bens emercadorias provenientes do exterior.

Apesar da grita uníssona da doutrina, que entende ser inconstitucional a expressa proibição detutela de urgência por lei, considerando-se que essa vedação pode significar o perecimento de umdireito evidente, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar no julgamentoda ADC 4/DF, ao declarar constitucional o art. 1º da Lei 9.494/1997, que prevê algumas restrições àconcessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública496. Há aqueles que acreditam que, com aatual composição do Supremo Tribunal Federal, com vários julgadores que não participaram dojulgamento da ADC 4/DF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Ordem dosAdvogados do Brasil (ADI 4.296) possa levar a declaração de inconstitucionalidade do art. 7º, § 2º,da Lei 12.016/2009. Sinceramente, entendo mais do que remota essa possibilidade.

6.12.6. Efeitos da liminarÉ preciso ter cuidado com a interpretação do art. 7º, § 3º, da Lei 12.016/2009. Num primeiro

momento, parece que a interpretação literal é o suficiente para demonstrar a vontade do legislador,mas acredito que cabe ao intérprete ir um pouco além da literalidade do dispositivo legal. Segundo odispositivo mencionado, os efeitos da liminar persistirão até a sentença, salvo se revogada oumodificada.

Num primeiro momento, o dispositivo consagra expressamente a regra de que toda tutela deurgência é provisória (arts. 273, § 4º, e 807 do CPC), não sendo diferente com a liminar do mandadode segurança. É natural que, sendo interposto o recurso de agravo de instrumento contra a decisãoliminar concessiva de mandado de segurança, a revogação ou modificação da decisão impugnadapoderá ocorrer tanto do juízo de retratação que o juiz de primeiro grau poderá fazer, como doresultado do recurso interposto. Mas, mesmo sem a interposição do agravo de instrumento, aprovisoriedade da decisão liminar permite ao próprio juízo que a proferiu revogá-la ou modificá-la.

Ampliando corretamente as situações nas quais o juiz estaria liberado para modificar o seuentendimento prévio, há opinião doutrinária de que não apenas a mudança da situação de fato permiteao juiz a modificação da decisão, mas também a superveniência de “novas circunstâncias”. Essas“novas circunstâncias” resultariam da mudança dos fatos ou do surgimento de outra evidência sobreuma situação fática inalterada497. Há ainda uma terceira corrente doutrinária que defende oentendimento de que as novas circunstâncias podem ser tanto fáticas como jurídicas498. Dessa forma,caso antes de ser proferida a sentença, verifiquem novas circunstâncias, caberá a revogação oucassação da medida liminar.

Ao prever que a liminar gera efeitos até a prolação da sentença, o dispositivo legal consagra aprovisoriedade da liminar. Ser provisória significa que a tutela de urgência tem um tempo de duração

predeterminado, não sendo projetada para durar para sempre. A duração da tutela de urgênciadepende da demora para a obtenção da tutela definitiva, porque, uma vez concedida ou denegada, atutela de urgência deixará de existir. Registre-se que, apesar de serem provisórias, nenhuma dastutelas de urgência é temporária. Temporário também tem um tempo de duração predeterminado, nãodurando eternamente, mas, ao contrário da tutela provisória, não é substituído pela tutela definitiva;simplesmente deixa de existir, nada vindo tomar seu lugar.

Dessa forma, a liminar sempre será substituída pela sentença, e, a partir desse momento, perderásua eficácia. Sendo a decisão definitiva denegatória, imediatamente a liminar será revogada,sustando-se seus efeitos499; sendo a decisão concessiva da ordem, apesar de a liminar perder seusefeitos, na prática eles continuam sendo os mesmos, mas agora gerados pela sentença que substituiu aliminar. Ainda que seja interposta apelação contra a sentença, os efeitos são mantidos, até porque talrecurso não tem efeito suspensivo, de forma que o efeito prático da sentença continuará a serexatamente o mesmo que anteriormente estava sendo gerado pela liminar.

6.12.7. Perempção ou caducidade da liminarO art. 8º da Lei 12.016/2009 trata da perda de eficácia da liminar em razão de determinado

comportamento processual do impetrante. Segundo o dispositivo legal, será decretada a perempçãoou caducidade da medida liminar em duas hipóteses: (a) criação pelo impetrante de obstáculo aonormal andamento do processo; (b) o impetrante deixar de promover, por mais de três dias, os atos ediligências que lhe cumprirem.

Os termos “perempção” e “caducidade” são utilizados de forma indistinta, sempre para determinara perda de eficácia da liminar, devendo ser utilizados como sinônimos. Ainda que a perempção sejainstituto de direito processual e a caducidade, de direito material, o legislador não foi feliz naescolha de nenhuma das duas nomenclaturas, considerando-se que perempção, nos termos do art. 268do CPC, é a extinção do direito de ação quando a mesma ação é repetida em três processos extintospor abandono do autor. De qualquer forma, independentemente da inadequação redacional, a melhorinterpretação aponta para a perda de eficácia da liminar como significado dos termos legais.

Não há como se confirmar uma impressão que tenho derivada da redação do art. 8º da Lei12.016/2009: os termos utilizados se prestam a indicar que, uma vez cassados os efeitos da liminarpor conduta inapropriada do impetrante, não caberá a repetição do pedido de liminar. Nesse caso, oimpetrante só poderá ser tutelado novamente com a decisão definitiva de concessão da segurança,salvo se demonstrar a ocorrência de novas circunstâncias, quando poderá fazer um novo pedido deliminar, o que é diferente de renovar o primeiro pedido.

A primeira conduta prevista pelo dispositivo legal é a criação de obstáculo ao normal andamentodo processo, servindo a cassação de efeitos da liminar nitidamente como forma de sancionarprocessualmente a conduta da parte. Parcela da doutrina entende que a norma é inconstitucional,afirmando que para essa espécie de conduta já existe tipificação no ordenamento jurídico: ato de má-fé punível por meio de aplicação de multa de 1% do valor da causa (Arts. 17, IV, e 18 do CPC) 500.Por outro lado, alega-se que não tem sentido sancionar o impetrante nesse caso porque não existeuma correlação sistemática entre a manutenção dos efeitos da liminar e o bom comportamento doimpetrante501.

Apesar das críticas feitas ao dispositivo legal nesse tocante, não concordo com a conclusão de que

a norma seria inconstitucional e nem mesmo inadequada. Atualmente é muito confortável ao autorbeneficiado por uma tutela de urgência satisfativa protelar a prolação da decisão definitiva, quandonão tem razão, valendo-se de todos os subterfúgios possíveis e imagináveis. E nem se fale que nessecaso caberá a aplicação da multa do art. 18 do CPC, porque, como sabido, essa multa cria umaobrigação de pagar quantia certa cuja satisfação nem ao menos é garantida. Isso sem falar que, muitasvezes, no caso concreto, o valor da multa é ínfimo. Entendo válidas outras técnicas procedimentaisque sancionem a parte que protela o andamento do processo que não seja a multa, ainda mais quandoa parte se encontra na confortável situação de ser beneficiada por uma tutela de urgência satisfativa.

A segunda causa para a cessação de efeitos da liminar concedida é a omissão do impetrante naprática de ato processual no prazo de três dias úteis. Nesse tocante, acredito que a interpretação devaser considerada à luz do princípio do impulso oficial do juízo, não havendo justificativa plausívelpara que a liminar perca sua eficácia se o juiz puder dar andamento de ofício no procedimento, semqualquer prejuízo ao seu bom andamento. A inércia do impetrante, nesse caso, pode não ser apta agerar atraso no andamento, tornando-se injustificável, sob qualquer aspecto de análise, que a liminarperca a eficácia nesse caso.

Uma vez provocada a jurisdição, aplica-se a regra do impulso oficial, de maneira que odesenvolvimento do processo estará garantido, até certo ponto, independentemente de vontade ouprovocação das partes502. Afirma-se que tal desenvolvimento está garantido pela atuação oficiosa dojuiz até certo ponto porque existem situações nas quais, sem a indispensável participação das partes,não haverá como aplicar o impulso oficial503. Há interessante lição doutrinária a apontar que oimpulso oficial pode depender da colaboração das partes em dois aspectos: econômico e deprestação de informações504. Nesses casos, entendo que a inércia do impetrante nos termos da leijustifica a cassação dos efeitos da liminar, já que sua inércia será apta a postergar a prolação dadecisão definitiva.

É preciso observar, entretanto, que o prazo de três dias somente será aplicável em situações deausência de prazo para a tomada de providências por parte do impetrante. Havendo prazo específicopara a realização de um determinado ato processual, a liminar deve manter sua eficácia até ovencimento de tal prazo, como ocorre na aplicação do entendimento consagrado pela Súmula 631 doSTF, que determina a extinção do processo de mandado de segurança se o impetrante não promover,no prazo determinado pelo juiz, a citação do litisconsorte passivo necessário. A emenda da petiçãoinicial tem prazo de dez dias, nos termos do art. 284 do CPC, e, tendo sido esse o prazo legal, não sedeve aplicar o prazo previsto no dispositivo legal ora comentado.

6.13. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇAO art. 15 da Lei 12.016/2009 conjuga artigos de diversas leis – art. 13 da Lei 1.533/1951 (já havia

sido revogado pela lei seguinte); art. 4º, caput, §§ 1º e 2º, da Lei 4.348/1964; art. 4º, §§ 5º, 6º, 7º e8º da Lei 8.437/1992 – com poucas alterações com relação aos artigos revogados. O dispositivolegal regulamenta o chamado “pedido de suspensão de segurança”, que apesar de apontado porparcela da doutrina como inconstitucional por violar o princípio da isonomia505, dentre outrosprincípios constitucionais, parece ter vindo para ficar.

Segundo o art. 15, caput, da Lei 12.016/2009, a pessoa jurídica de direito público ou o MinistérioPúblico podem requerer ao presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo

recurso a suspensão da execução da sentença ou da liminar para evitar grave lesão à ordem, à saúde,à segurança e à economia públicas. O rol dos legitimados parece ser exauriente, não se admitindo aaplicação do art. 499 do CPC por analogia em razão da natureza não recursal do incidente desuspensão de segurança. Em razão da expressa previsão legal, não tem legitimidade para a arguiçãoda suspensão de segurança a autoridade coatora506, que, embora tenha sido notificada para aapresentação de informações, não é parte no processo, de forma que um eventual pedido desuspensão de segurança teria que ser feito com justificativa na legitimidade de terceiro prejudicado,mas essa é uma legitimidade recursal, não se aplicando para o incidente processual que caracteriza opedido de suspensão de segurança.

Apesar de o incidente de suspensão de segurança não impugnar a decisão judicial visando suareforma e/ou anulação, o que irremediavelmente o afasta da natureza recursal e dos sucedâneosrecursais507, há entendimento nos tribunais superiores de que não basta a comprovação da grave lesãoaos valores previstos em lei, cabendo também ao requerente demonstrar a plausibilidade de seudireito, ainda que dentro de um juízo sumário de cognição. Segundo o entendimento atualmentepredominante em sede jurisprudencial, o pedido de suspensão de segurança tem natureza decontracautela, de forma que, além do perigo de dano, a parte deve demonstrar o fumus boni iuris508.Ainda que, em cognição sumária, deva-se levar em conta o conteúdo da decisão, o incidenteprocessual continua a não atacar o conteúdo do ato, mas tão somente seus efeitos.

É interessante notar que, apesar de ser consagrada nos tribunais superiores a inadmissão dediscussão sobre o mérito da controvérsia, considerando-se que o pedido de suspensão não se trata deinstância recursal509, é absolutamente inviável se imaginar a concessão de um pedido de suspensãode segurança quando a decisão for escandalosamente contrária ao melhor direito, e ainda pior,quando contrariar posição já consolidada no tribunal. Justamente em razão dessa realidade énecessário que o presidente ou o órgão colegiado no julgamento do agravo interno faça, ainda quesumariamente, uma análise do conteúdo da decisão, sem, naturalmente, formar convencimentodefinitivo a respeito do mérito da demanda judicial.

Conforme expressamente previsto em lei, só será cabível agravo interno contra a decisão queacolher o pedido de suspensão. E da decisão que rejeitar tal pedido, não é cabível o supracitadorecurso de agravo? Interessante notar que os tribunais superiores tinham entendimento sumulado pelocabimento somente na hipótese de decisão de deferimento do pedido de suspensão de segurança,mas, em decorrência do art. 4º, § 3º, da Lei 8.437/1992 (aplicável nas cautelares, liminares e tutelaantecipada contra o Poder Público), tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal deJustiça cancelaram suas respectivas súmulas 506510 e 217511, passando a entender pelo cabimento doagravo interno também contra a decisão que rejeita o pedido de suspensão de segurança. Teria anova disposição legal força para modificar o entendimento consagrado nos tribunais superiores?

Apesar de existir corrente doutrinária que defende que, com o advento da nova realidadelegislativa, não é possível a aplicação do art. 4º, § 3º, da Lei 8.437/1992 ao mandado desegurança512, penso que o entendimento mais correto é aquele que vem atualmente sendo defendidopelos tribunais superiores, mesmo com o advento do art. 15, caput, da Lei 12.016/2009. O presidentedo tribunal atua tão somente como um porta-voz avançado do órgão colegiado, não sendo legítimoimaginar-se que tenha competência para a prolação de decisão tão importante. Em minha visão, acompetência é do órgão colegiado, que a delega para o presidente em razão de urgência ou da

facilidade procedimental, de forma que sua decisão monocrática, independentemente do teor, poderáser revista pelo órgão colegiado, e, para isso, é imprescindível o cabimento do agravo interno.

O prazo previsto no art. 15, caput, da Lei 12.016/2009 é de cinco dias (na lei anterior era de dezdias), exatamente como previsto no art. 557 do CPC, sendo aplicáveis ao procedimento do agravonele previsto as regras desse dispositivo legal e as regras regimentais, subsidiariamente. Tambémprevê o dispositivo ora comentado aquilo que poderia ser considerado uma novidade, quando indicaque o agravo interno “será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição”. Apesar deimportante para confirmar a urgência que o legislador pretende ver julgado o recurso, trata-se deprazo impróprio, de forma que seu descumprimento – que certamente ocorrerá – não gera preclusãotemporal.

Esse agravo interno não tem efeito suspensivo previsto em lei, de forma que, durante suapendência, a suspensão de segurança deferida pelo presidente do tribunal continuará eficaz. Entendoque o art. 558 do CPC seja regra de teoria geral dos recursos, de forma que será cabível aoagravante o pedido de efeito suspensivo incidentalmente no próprio agravo interno, o que, inclusive,evitará a impetração de novos e sucessivos mandados de segurança513.

Ao repetir o art. 4º, § 1º, da Lei 4.348/1964, aduz o art. 15, § 1º, da Lei 12.016/2009 que,indeferido o pedido de suspensão, tanto pelo presidente monocraticamente como pelo órgãocolegiado no julgamento do agravo interno, caberá um novo pedido de suspensão para o SupremoTribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, tribunais competentes para o julgamento dorecurso extraordinário e recurso especial respectivamente. A determinação de qual será o tribunalcompetente para o novo pedido de suspensão de segurança levará em consideração a fundamentaçãodo pedido e da própria decisão514, sendo inclusive possível a concomitância de pedidos para ambosos tribunais.

Como parto da premissa de que o pedido de suspensão de segurança é tão somente um incidenteprocessual, sem natureza jurídica de recurso ou de sucedâneo recursal, entendo que a previsão legalnão proíbe a interposição de recurso, simplesmente permitindo que, uma vez tendo sido indeferido opedido, seja cabível também um novo pedido de suspensão de segurança para o presidente dotribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso. Para embasar esse entendimento,deve-se admitir a sobrevivência do art. 4º, § 3º, da Lei 8.437/1992, conforme já defendido.

O art. 15, caput, da Lei 12.016/2009 prevê expressamente o cabimento do pedido de suspensão desegurança contra a decisão liminar ou sentencial, enquanto o art. 15, § 1º, da mesma lei prevê umanova hipótese de cabimento desse incidente processual, justamente da decisão que não concede oprimeiro pedido de suspensão.

O art. 15, § 2º, da Lei 12.016/2009 prevê mais uma hipótese de cabimento do pedido de suspensãode segurança: decisão do tribunal que negue provimento ao agravo de instrumento contra a decisãoliminar a que se refere o caput do dispositivo legal. A situação imaginada pela norma legal é o nãoingresso do pedido de suspensão de segurança, quando a liminar é concedida em primeiro grau,limitando-se a pessoa jurídica de direito público a interpor contra a decisão o agravo de instrumento.Sendo derrotada no agravo de instrumento e até então não requerido o pedido de suspensão desegurança, admitir-se-á que tal pedido seja feito de forma originária.

Questão interessante diz respeito a situação de liminar indeferida no primeiro grau e concedida noTribunal em julgamento de agravo de instrumento. Como se pode notar não foi essa a situação tratada

pelo art. 15, § 2º, da Lei 12.016/2009, mas será possível, nessa situação, o pedido de suspensão desegurança? A melhor doutrina entende que a resposta tenha de ser dada de forma negativa, por faltade previsão legal515.

Segundo o art. 15, § 3º, da Lei 12.016/2009, a interposição de agravo de instrumento contraliminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nemcondiciona o julgamento do pedido de suspensão de segurança.

Não interposto o agravo de instrumento, a decisão preclui? É cabível tão somente o pedido desuspensão de segurança? Entendo que sim e, pela mesma razão, entendo também cabível o pedido desuspensão de segurança, depois de julgado definitivamente o agravo de instrumento perante otribunal516. É verdade que, com a ausência do agravo de instrumento ou seu julgamento definitivo, adecisão concessiva de liminar no mandado de segurança preclui, não sendo mais legitimo às partessua impugnação. Não obstante a preclusão operada pela não interposição do recurso cabível ou seujulgamento definitivo, a decisão continuará a gerar efeitos, sendo, por essa razão, cabível o pedidode suspensão de segurança, que, conforme já afirmado, não opera sobre o conteúdo e forma dadecisão, mas sobre seus efeitos. Nunca é demais destacar que os objetivos da suspensão e do recursosão diferentes: o pedido de suspensão mira os efeitos da decisão (tornar ineficaz a decisão); oagravo de instrumento visa o conteúdo e forma da decisão (anulação ou reforma).

É natural que, não sendo pedida a suspensão da segurança de decisão que concede a liminar esendo julgado por sentença o mandado de segurança, de duas uma: (a) a sentença é de improcedênciae revoga a liminar concedida, o que retira qualquer interesse na propositura do pedido de suspensãode segurança, afinal não haverá mais nada a suspender; (b) a sentença é de procedência e substitui adecisão liminar, sendo, a partir desse momento, cabível o pedido de suspensão de segurança, nãocontra a decisão liminar, que não mais existirá, mas contra a sentença.

Aduz o art. 15, § 4º, da Lei 12.016/2009 que o presidente do tribunal poderá conferir ao pedido desuspensão de segurança efeito suspensivo liminar (inaudita altera parte), sempre que constatar emjuízo prévio a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida. Parece nãorestar dúvidas de que se trata de tutela de urgência, seja por sua função (suspensão imediata dosefeitos da decisão), seja pelos requisitos exigidos para sua concessão (plausibilidade do direito eperigo de grave dano).

Entendo que a previsão expressa de uma excepcional decisão inaudita altera parte pelopresidente do tribunal permite a conclusão, a contrario sensu, de que a decisão em regra sejaproferida após o devido contraditório, devendo o impetrante ser intimado para se manifestar antes daprolação da decisão517. O contraditório diferido, conforme previsto em lei, permitirá ao impetranteuma alegação após a concessão da suspensão, que funcionará, na prática, como um pedido dereconsideração endereçado ao presidente do tribunal.

O art. 15, § 5º, da Lei 12.016/2009 trata do chamado “efeito multiplicador”, ao prever que asliminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo opresidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simplesaditamento do pedido original. A prática já vinha sendo admitida com tranquilidade nos tribunaissuperiores518, e, segundo a melhor doutrina, deve ser aplicada também para sentença e acórdão, nãosomente para a liminar, como prevê o texto legal519. Para o pedido de suspensão de liminar ouacórdão em mandado de segurança de competência originária de tribunal, continua a se aplicar o art.

25 da Lei 8.038/1990.A omissão da nova lei de mandado de segurança a respeito do tempo de duração da suspensão de

segurança não modifica o previsto no art. 4º, § 9º, da Lei 8.437/1992, de que a suspensão dura até otrânsito em julgado da decisão concessiva de segurança, porque, enquanto ela for provisória, osmesmos motivos que fundamentaram a concessão da suspensão de segurança remanescem. O próprioSupremo Tribunal Federal reconheceu tal realidade ao sumular esse entendimento520 (Súmula626/STF), de forma que, mesmo sendo a decisão proferida mediante cognição sumária substituídapor uma decisão proferida mediante cognição exauriente, a suspensão da segurança perdura até otrânsito em julgado, o que significa dizer que, concedida a suspensão, será inviável a execuçãoprovisória da decisão concessiva da ordem521.

6.14. PODERES DO RELATOR DO MANDADO DE SEGURANÇA DE COMPETÊNCIAORIGINÁRIA DO TRIBUNAL

Segundo o art. 16, caput, da Lei 12.016/2009, caberá ao relator a instrução do mandado desegurança de competência originária dos tribunais, o que não significa que será ele incumbido daprodução probatória, que, na realidade, não existe em razão da natureza sumário-documental doprocedimento do mandado de segurança. A previsão legal só pode ser compreendida como sendo decompetência do relator na prática de atos de preparação para o julgamento do mandado de segurança,tais como as necessárias intimações e notificações. Instruir, nesse sentido, apontaria a preparação doprocesso para seu julgamento, e não para a instrução probatória desse, salvo na excepcional hipótesedo art. 6º, § 1º, da Lei 12.016/2009, quando caberá ao relator diretamente requisitar a exibição dedocumentos, não sendo necessária a expedição de carta de ordem para o primeiro grau para que talprova seja produzida.

Tenho ressalvas ao entendimento de parcela da doutrina de que o dispositivo legal também atribuicompetência ao relator para o julgamento monocrático do mandado de segurança, podendo tantoindeferir a petição inicial como aplicar o art. 285-A do CPC522. Em meu entendimento, apossibilidade de o relator decidir monocraticamente o mandado de segurança realmente existe, masnão decorre do dispositivo legal ora comentado, afinal essa decisão monocrática não será proferidaporque o relator é competente para sua prolação, mas tão somente porque o órgão colegiado delegarásua competência ao relator em razão da facilidade procedimental. Tanto assim, que é indiscutível ocabimento do recurso de agravo interno (art. 557 do CPC) contra essa decisão. Ademais, o termo“instruir” utilizado pelo dispositivo legal pode significar preparar, mas seria um exagero interpretá-lo também como decidir.

Em nítida novidade com relação ao dispositivo anterior que tratava do mesmo tema, o art. 16,caput, da Lei 12.016/2009, em sua segunda parte, assegura ao recorrente o direito de defesa oral nasessão de julgamento. A ausência de específica indicação quanto a que sessão de julgamento serefere o dispositivo legal levou parcela da doutrina a defender seu cabimento em qualquer sessão dejulgamento durante o trâmite do mandado de segurança, e não só da sessão que o decidedefinitivamente523. Para essa parcela da doutrina, caberá sustentação oral no julgamento de agravointerno contra decisão monocrática do relator, o que contraria entendimento arraigado – ainda queequivocado – dos tribunais superiores. A proposta é tentadora, legítima e preocupada com osprincípios do contraditório e da ampla defesa, mas dificilmente será acolhida pelos tribunais. Já era

tranquila nos tribunais superiores a admissão de sustentação oral na sessão de julgamento domandado de segurança, e assim deve continuar na aplicação da norma comentada.

Em outra relevante inovação, o art. 16, parágrafo único, da Lei 12.016/2009 prevê o cabimento deagravo interno contra a decisão do relator que conceder ou denegar a medida liminar, o que deveafastar o teratológico entendimento consagrado pela Súmula 622 do Supremo Tribunal Federal, queinfelizmente estava sendo também aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça524. Por tudo que já foiexposto em termos de o relator funcionar como mero porta-voz avançado do órgão colegiado,atuando com competência delegada, é de se comemorar a novidade legislativa que, ao expressamenteprever a recorribilidade da decisão monocrática do relator que decide pedido de liminar emmandado de segurança de competência originária do tribunal, afasta qualquer possibilidade deentendimento pelo não cabimento do agravo interno previsto no art. 557 do CPC.

6.15. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

6.15.1. Introdução

O mandado de segurança coletivo está previsto no art. 5º, LXX, da CF, mas, até o advento da Lei12.016/2009, não havia previsão infraconstitucional que o regulamentasse. Ainda que parcialmente,os arts. 21 e 22 da citada lei passaram a cumprir tal missão. Afirma-se que a lacuna foi preenchidaapenas parcialmente, porque existem inúmeras regras do microssistema coletivo que continuarão aser aplicadas subsidiariamente ao mandado de segurança coletivo.

6.15.2. Legitimidade ativaO art. 21, caput, da Lei 12.016/2009 prevê a legitimidade ativa para a propositura do mandado de

segurança coletivo. Na realidade, a legitimação encontra-se prevista no art. 5º, LXX, da CF, sendointeressante notar que não houve ampliação do rol constitucional, quando muito uma especificaçãodos legitimados ativos. Não que a amplificação por lei infraconstitucional seja vedada525, mas elasimplesmente não ocorreu.

O primeiro legitimado ativo previsto pelo art. 5º, LXX, a, da CF é o partido político comrepresentação no Congresso Nacional, e o art. 21, caput, da Lei 12.016/2009, além de insistir naexistência de representação no Congresso Nacional, adiciona o requisito de que a atuação do partidopolítico se dará na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidadepartidária. Essa nova exigência do dispositivo legal parece contrariar a melhor doutrina, que afasta anecessidade de pertinência temática para os partidos políticos ingressarem com ação coletiva,inclusive com o mandado de segurança coletivo.

Apesar da crítica de parcela da doutrina526, entendo que o dispositivo legal ora comentado não érestritivo como pareceu a essa corrente doutrinária, não sendo necessários grandes exercícios deinterpretação para se chegar a tal conclusão. Naturalmente, a legitimação dos partidos políticos nãoestá limitada à defesa de seus integrantes, e isso por três razões: (a) seria inútil a previsão,considerando-se a estrutura administrativa de associação do partido político, bastando a aplicaçãoda segunda parte do dispositivo ora comentado para atribuir tal legitimação aos partidos políticos;(b) a própria lei prevê que, além da defesa do interesse de seus integrantes, também poderá serimpetrado mandado de segurança coletivo na defesa de interesses referentes à finalidade partidária;

(c) não cabe ao texto infraconstitucional limitar a abrangência de dispositivo constitucional. Odesafio, portanto, é descobrir o que significa “finalidade partidária” à luz do art. 5º, LXX, da CF.

Entendo que por finalidade partidária encontra-se fundamentalmente o “bem comum”, sendo esse oobjetivo de todo partido político a se colocar entre a sociedade e o Estado, porém essa conclusãopoderá ser confrontada com o art. 1º da Lei 9.096/1995 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), queprevê ser função dos partidos políticos assegurar a autenticidade do regime representativo e a defesados interesses fundamentais definidos no texto constitucional. Registre-se que atualmente éprevalente no Supremo Tribunal Federal o entendimento que vincula a legitimidade do partidopolítico à defesa de interesses de seus filiados no que diz respeito aos direitos políticos e aosdireitos fundamentais. No julgamento do RE 196.184/AM, os Ministros Gilmar Mendes, CezarPeluso, Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim expressamente se colocaram contra alegitimidade universal do partido político na propositura de mandado de segurança coletivo,restando vencidos os Ministros Ellen Gracie e Carlos Britto. A esperança daqueles que, como eu,defendem uma legitimidade mais ampla é a mudança de composição da corte e a novidadelegislativa, que sempre poderá ser interpretada conforme exposto no parágrafo anterior.

Segundo o texto constitucional, também é legitimada para a propositura do mandado de segurançaa organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamentohá pelo menos um ano, na defesa dos interesses de seus membros ou associados. Nesse tocante, o art.21, caput, da Lei 12.016/2009 traz interessantes inovações, notadamente ao consagrarlegislativamente entendimentos jurisprudenciais.

Primeiro, prevê que a defesa não precisa ser da totalidade dos membros ou associados doslegitimados ativos, bastando que os direitos líquidos e certos violados ou ameaçados sejam de partedeles. A previsão legal, na realidade, consagra entendimento jurisprudencial dominante e sumuladono Supremo Tribunal Federal527.

Em segundo lugar, exige que os interesses defendidos sejam pertinentes às finalidades dolegitimado, ou seja, impõe a existência de pertinência temática. Por fim, dispensa expressamente aautorização formal de seus membros e associados, considerando a diferença entre representaçãoprocessual (desde que autorizados, os legitimados ora analisados podem defender interessesindividuais de seus membros ou associados) e substituição processual (o legitimado atua em nomepróprio em defesa dos interesses de seus membros ou associados). Mais uma vez a legislação seadéqua ao entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal528.

Apesar da omissão legal, parece correto o entendimento pela aplicação subsidiária dos arts. 5º, §4º, da Lei 7.347/1985 e 82, § 1º, do CDC, sendo que a exigência de um ano de existência daassociação, sindicato ou entidade de classe pode ser afastada pelo juiz no caso concreto, se existirmanifesto interesse social caracterizado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevânciado bem jurídico a ser tutelado. Não considero adequado o entendimento de que o art. 21, caput, daLei 12.016/2009, por ser norma específica e mais recente, deve prevalecer, de forma que o requisitoda constituição há mais de um ano não possa ser afastado529. Levando-se em conta a existência de ummicrossistema coletivo, no qual os diplomas legais devem ser interpretados em conjuntoconsiderando-se sempre a maior amplitude da defesa dos direitos coletivos lato sensu, não há comoafastar a aplicação dos dispositivos já mencionados da Lei de Ação Civil Pública e do Código deDefesa do Consumidor530.

Ainda que o dispositivo legal consagre diversos entendimentos jurisprudenciais, naqueles em queexiste uma maior polêmica, infelizmente o legislador se absteve. Conforme bem observado pelamelhor doutrina, nada foi dito a respeito da legitimidade de partido político para ingressar commandado de segurança quando tiver representação nas casas legislativas municipais ou estaduais,mas não no Congresso Nacional, bem como a continuidade da legitimação quando o partido políticoperde tal representação531. Há uma inclinação doutrinária pela admissão do mandado de segurançacoletivo no âmbito restrito municipal ou estadual, quando o partido político tenha representaçãosomente local. Na questão da perda superveniente da legitimação por perda de representação, pareceadequada a aplicação por analogia do entendimento consagrado no controle concentrado deconstitucionalidade532, de que a perda da representação durante a ação não acarreta a perdasuperveniente de legitimação.

Nenhuma palavra foi dita também a respeito da legitimação do Ministério Público na impetraçãodo mandado de segurança coletivo, o que dividiu a doutrina que até o momento teve oportunidade dese manifestar sobre o tema533. Apesar do silêncio legal, firme na ideia de microssistema coletivo e namaior amplitude possível de tutela dos direitos coletivos lato sensu por meio do mandado desegurança, penso que o melhor entendimento seja aquele pela legitimidade do Ministério Público,ainda que, no tocante aos direitos individuais homogêneos, tal legitimidade esteja limitada aosdireitos indisponíveis e aos direitos disponíveis com repercussão social. Nesse sentido, oentendimento do Superior Tribunal de Justiça concernente ao tema534.

6.15.3. Direitos tuteláveis pelo mandado de segurança coletivoNo art. 21, parágrafo único, da Lei 12.016/2009, o legislador limita a tutela do mandado de

segurança aos diretos coletivos e individuais homogêneos, praticamente repetindo o conceito legaldessas espécies de direito já dadas pelo art. 81 do CDC. A doutrina que já teve a oportunidade de semanifestar a respeito do tema não se conforma com tal limitação, asseverando tratar-se de normainconstitucional por vedar injustificadamente a tutela dos direitos difusos por meio do mandado desegurança535.

Ainda que a crítica seja correta, é preciso reconhecer que o entendimento consagrado pelolegislador já vinha sendo defendido pelos tribunais superiores, o que fica claro na Súmula 101 doSTF, que, ao afirmar que o mandado de segurança não substitui a ação popular, deixa claro que osinteresses difusos da coletividade diante de ato violador de direito – mesmo que o ato viole direitolíquido e certo –, devem ser tutelados pela ação popular, e não pelo mandado de segurançacoletivo536.

6.15.4. Coisa julgadaSegundo o art. 22, caput, da Lei 12.016/2009, a coisa julgada material será limitada aos membros

do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. Conforme já analisado, o legislador limitou oobjeto do mandado de segurança aos direitos coletivos e individuais homogêneos (art. 21, parágrafoúnico, da Lei 12.016/2009), e, partindo-se dessa premissa, o dispositivo legal ora mencionado nãotraz qualquer novidade ao sistema, devendo ser interpretado à luz do art. 103, II e III, do CDC.

Aduz esse dispositivo legal que a coisa julgada nos direitos coletivos se opera ultra partes, ouseja, atinge somente os terceiros vinculados ao grupo, classe ou categoria que teve seu direito

tutelado pela demanda coletiva. Prevê também que, nos direitos individuais homogêneos, a coisajulgada se opera erga omnes, mas, na realidade, a melhor interpretação do dispositivo legal não é aliteral; a coisa julgada se opera ultra partes, porque não vincula a coletividade, mas somente ostitulares dos direitos individuais que, somados, resultaram no direito individual homogêneo. Nessesentido, já vinha decidindo o Superior Tribunal de Justiça537.

Conforme se pode notar, os limites subjetivos da coisa julgada material traçados pelo art. 103, II eIII, do CDC são exatamente aqueles assinalados pelo art. 22, caput, da Lei 12.016/2009. Aadequação, entretanto, parte da premissa de que o objeto do mandado de segurança coletivo estálimitado aos direitos coletivos e individuais homogêneos. Admitindo-se, como faz a melhor doutrina,o ingresso de mandado de segurança coletivo para tutelar direito difuso, será difícil explicar o artigoora comentado, porque, tendo como titular do direito a coletividade, não há qualquer sentido lógico-jurídico limitar os efeitos da coisa julgada material aos “membros do grupo ou categoria”. Partindo-se da premissa não desejada pelo legislador, no tocante aos direitos difusos, o art. 22, caput, da Lei12.016/2009 torna-se inaplicável, devendo o operador valer-se do art. 103, I, do CDC, com geraçãode coisa julgada material erga omnes.

Apesar das críticas, entendo que, principalmente no tocante à defesa em juízo de direitoscoletivos, o dispositivo é extremamente feliz. Como é corrente na doutrina, o direito coletivo éindivisível, de forma que não pode ser protegido para parcela do grupo, classe ou categoria,deixando outra parcela desprotegida. A redação do dispositivo legal não condiciona a geração dacoisa julgada material somente aos membros ou associados da entidade autora, mas aos “membros dogrupo ou categoria substituídos pelo impetrante”, o que deve ser interpretado como sujeitos que,fazendo parte ou não do sindicato ou associação, são integrantes do grupo ou categoria que tem seudireito coletivo discutido na demanda judicial. O Superior Tribunal de Justiça já decidiucorretamente pela indivisibilidade do direito coletivo e, por essa razão, pela geração de efeitos asujeitos que não sejam oficialmente vinculados ao autor do mandado de segurança coletivo538.

A ausência de expressa menção à forma de operação da coisa julgada no mandado de segurançanão impede a aplicação subsidiária do art. 103 do CDC, de modo que, também nessa espécie de açãocoletiva, a coisa julgada material se opera secundum eventum probationis, sendo admissível arepropositura do mandado de segurança coletivo já julgado definitivamente improcedente, desde quecom fundamento em prova nova539. A possibilidade de repropositura da ação coletiva nada tem a vercom os limites subjetivos da coisa julgada material coletiva, sendo absolutamente compatível a regrado art. 22, caput, da Lei 12.016/2009 como coisa julgada secundum eventum probationis.

Por outro lado, a coisa julgada coletiva do mandado de segurança opera-se secundum eventumlitis no tocante à sua relação com as pretensões individuais. Significa que, julgado improcedente omandado de segurança coletivo, por qualquer fundamento, a coisa julgada não vincula o indivíduo (acoisa julgada material coletiva só se opera in utilibus), que poderá livremente – desde que dentro doprazo decadencial de 120 dias – ingressar com mandado de segurança individual, ou qualquer outraação judicial, postulando a tutela de seu direito individual540. Na realidade, até mesmo o sindicato ouassociação poderá funcionar nesse mandado de segurança individual ou qualquer outra ação judicialcomo representante legal dos membros ou associados, mas sempre na tutela de direito individual.

Ocorre, entretanto, que a confusão entre a espécie de coisa julgada material (pro et contra esecundum eventum litis in utilibus) e sua extensão (inter partes e ultra partes) serviu de

fundamento de decisão do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a previsão legal oracomentada criou um sistema de vinculação tácita e automática dos substituídos processuais, quesuportarão a coisa julgada independentemente do teor da decisão da demanda, inclusive nadenegação da ordem541. Esse entendimento, apesar de equivocado, é compartilhado por parcela dadoutrina542.

Registre-se, por fim, que a expressa menção do dispositivo ora analisado à limitação da coisajulgada material aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante não deve alterar aposição jurisprudencial543 e doutrinária544, que, correta e sadiamente, afasta do mandado desegurança coletivo a regra limitadora prevista no art. 2º-A da Lei 9.494/1997, que exige, paravinculação à coisa julgada, que os substituídos tenham, na data de propositura da ação, domicílio noâmbito de competência territorial do órgão prolator. A omissão legislativa, inclusive, corrobora esseentendimento, considerando-se que, se a vontade do legislador fosse repetir a regra limitadora, oteria feito expressamente.

6.15.5. Relação do mandado de segurança coletivo e individualO art. 22, § 1º, da Lei 12.016/2009, em sua primeira parte, apenas repete a previsão contida no art.

104 do CDC, ao prever que o mandado de segurança não induz litispendência para os mandados desegurança individuais; se o dispositivo contido na legislação consumerista já era desnecessário, omesmo ocorre com o dispositivo ora analisado. Antes propriamente de se analisar o art. 22, § 1º, daLei 12.016/2009, registre-se correta opinião doutrinária que aponta a omissão do art. 104 do CDC aofazer remissão somente aos direitos previstos nos incisos I e II do parágrafo único do art. 81 doCDC, deixando indevidamente de fora o inciso III, incluídos tacitamente os direitos individuaishomogêneos no dispositivo legal545.

Tratando-se de direito difuso ou coletivo, nunca haverá identidade de pedidos na demandaindividual e na demanda coletiva, que serão sempre substancialmente diversos; enquanto, na açãoindividual, o indivíduo pretende a tutela de um direito individual, na ação coletiva fundada emdireito difuso ou coletivo, se busca a tutela de um direito transindividual. Ademais, as partes serãosempre diferentes, tanto no aspecto processual – que na realidade não importa para fins decomparação entre ações – como no aspecto material, considerando que os legitimados ao mandadode segurança coletivo defendem interesse de um grupo, classe ou categoria de pessoas, enquanto olegitimado ao mandado de segurança individual defende um direito individual, seu (legitimaçãoordinária) ou de outrem (legitimação extraordinária).

Mesmo na comparação entre o pedido de ação coletiva fundada em direito individual homogêneo ede ação individual, é possível se verificar diferença que impede a configuração de litispendência.Ainda que exista divergência doutrinária, havendo doutrinadores que defendem a existência de umadiferença qualitativa546 e outros que apontam uma diferença quantitativa (o pedido da ação coletivateria a mesma qualidade do pedido da ação individual, sendo apenas mais amplo que este)547, todosconcordam que a diferença entre os pedidos é suficiente para não existir litispendência entre taisações.

A novidade fica por conta da segunda parte do dispositivo legal ora enfrentado, que cria regraconsideravelmente oposta àquela prevista no art. 104 do CDC. A existência do processo coletivo nãoimpede que o indivíduo, que poderia ser beneficiado pela tutela coletiva, ingresse com ação

individual na defesa de seus interesses individuais, mas, sendo devidamente informado da existênciada ação coletiva (fair notice), deverá fazer uma escolha no prazo de 30 dias: (a) continua com a açãoindividual, o que automaticamente o afasta dos efeitos da ação coletiva (right to opt out), de formaque não poderá se beneficiar de uma futura sentença coletiva de procedência; (b) concorda com asuspensão da ação individual, com o que se mantém vinculado à ação coletiva e, no caso de sentençacoletiva terminativa ou de improcedência, poderá retomar o andamento de sua ação individual.

Da simples leitura do art. 22, § 1º, da Lei 12.016/2009 nota-se que a regra é outra, porque odispositivo legal obriga o autor da ação individual a desistir de sua ação no prazo de 30 dias dainformação da existência da ação coletiva, caso queira continuar vinculado ao mandado de segurançacoletivo.

É preciso observar que, como o dispositivo legal menciona de forma genérica a “ação individual”,não será apenas aplicável aos mandados de segurança individuais, mas a qualquer espécie de açãoindividual548. Tratando-se de mandado de segurança individual, a norma é ainda mais drástica,porque, em razão da exiguidade do prazo para a impetração do mandado de segurança – 120 dias –,nem se poderia abrandar a dureza do dispositivo legal com a afirmação de que, com a desistência, arepropositura do mandado de segurança seria admitida em razão da ausência de coisa julgadamaterial549.

O mais incongruente da obrigatoriedade da desistência da ação individual dá-se no caso dedecisão terminativa ou de improcedência no mandado de segurança coletivo. Sabendo-se que a coisajulgada coletiva opera-se para o indivíduo secundum eventum litis e in utilibus, poderáindividualmente ser buscada a tutela do direito pelo indivíduo, mas não mais pelo mandado desegurança, porque, nesse caso, muito provavelmente o prazo de 120 dias já terá transcorrido. Como oindivíduo não estará nesse caso vinculado à decisão negativa proferida no processo coletivo, e essarealidade não foi alterada pelo dispositivo legal ora comentado, restará a ele as vias ordinárias paraa tutela de seu direito, o que significa que lhe será retirado indevidamente o direito ao mandado desegurança.

Realmente, nesse tocante, o legislador exagerou na dose. Obrigar o indivíduo a optar entre a açãoindividual e a ação coletiva por meio da desistência da primeira não se coaduna com o princípio dainafastabilidade da tutela jurisdicional, consagrado no art. 5º, XXXV, da CF. Entendo que não ésaudável ao sistema a existência concomitante de diversas ações individuais e mandados desegurança coletivos que tratem da mesma matéria, mas daí a concordar com a exigência dedesistência das primeiras para que os indivíduos possam se aproveitar da tutela coletiva existe umadistância considerável. O ideal seria tornar a suspensão das ações individuais obrigatória, forçandoos indivíduos a esperar a solução da ação coletiva, porém mantendo seu direito individual de ação.

E, quando a ação individual for um mandado de segurança, poderia até mesmo ser mantida aobrigatoriedade de desistência, mas com a fixação do termo inicial para a repropositura no trânsitoem julgado do mandado de segurança. Dessa forma, os impetrantes que tivessem desistido de seumandado de segurança individual na esperança de serem tutelados pela ação coletiva, caso nãoobtenham tal tutela, poderiam repropor seu mandado de segurança individual.

Essa solução evitaria a proliferação de mandados de segurança individuais, sem retirararbitrariamente o direito de ação dos indivíduos, mas se reconhece que tal solução exige previsãolegal, não podendo ser aplicada por meio de hermenêutica jurídica.

6.15.6. Oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público antes da concessãoda liminar

O art. 22, § 2º, da Lei 12.016/2009 somente repete com modificação de redação a regra previstano art. 2º da Lei 8.437/1992, em mais uma norma de proteção à Fazenda Pública em juízo. Exige-se,para a concessão de liminar em mandado de segurança coletivo, a oitiva prévia do representantejudicial da pessoa jurídica de direito público num prazo de 72 horas. Note-se que a previsão de“audiência previa” não deve ser interpretada como exigência de realização de uma audiência na qualse colherá a opinião oral do representante legal da pessoa jurídica de direito público, mas desimples ato de intimação e manifestação escrita. Naturalmente que, para indeferir o pedido deliminar, o juízo poderá atuar inaudita altera partes550.

A redação do dispositivo dá a entender que, somente após a manifestação do representante legalda pessoa jurídica de direito público, o juiz poderá conceder a liminar, mas essa interpretaçãocondicionaria a decisão judicial à vontade desse representante em apresentar manifestação. Poderiaatrasar indefinidamente sua manifestação, visando postergar a análise do juízo do pedido de liminar,o que indevidamente condicionaria a atuação do juízo a ato que somente o representante legalmencionado poderá praticar. Como o próprio dispositivo legal prevê que o pronunciamento dorepresentante legal da pessoa jurídica de direito público deverá ocorrer em 72 horas, entende-se queesse é um prazo próprio, de forma que, vencido o prazo sem a manifestação prevista em lei, caberáao juízo decidir o pedido de liminar elaborado pelo impetrante do mandado de segurança coletivo.

Considerável doutrina tenta amenizar a previsão legal, afirmando que a liminar poderia serconcedida mesmo antes da oitiva prevista no art. 22, § 2º, da Lei 12.016/2009 em casos deexcepcional urgência, sempre que o juiz entender que o tempo necessário para a oitiva dorepresentante legal da pessoa jurídica de direito público é o suficiente para gerar lesão irreversívelao direito que se busca tutelar pelo mandado de segurança coletivo551. Nos tribunais, o entendimentonão é tranquilo, existindo, no Superior Tribunal de Justiça, decisões pela interpretação restritiva,exigindo em qualquer hipótese a oitiva prévia prevista pela lei552 e decisão do Supremo TribunalFederal que reconheça a possibilidade excepcional de concessão de liminar mesmo antes da oitivaprevista em lei553. Será interessante, nesse aspecto, o julgamento da Ação Direta deInconstitucionalidade (ADI 4.296) promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil.

André Ramos Tavares, Manual, p. 45.Barbosa Moreira, Mandado, p. 203.Súmula 510/STF.STJ, 1ª Turma, RMS 19.217/PR, rel. Min. Luiz Fux, j. 03/03/2009, DJe 26/03/2009.STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp. 1.107.565/PR, rel. Min. Francisco Falcão, j. 19/05/2009, DJE 04/06/2009; STJ, 1ª Seção. AgRg no CC80.270/PA, rel. Min. Denise Arruda, j. 25/03/2009, DJE 04/05/2009.Theodoro Jr., Mandado, n.5, p. 14.Daniel Neves, Manual, n. 1.5.5, p. 18-19.Scarpinella Bueno, A nova, p. 19; Lopes, Comentários, n. 2.2.8, p. 30; Sidney Palharini Jr., Comentários, p. 57.Sidney Palharini Jr., Comentários, p. 57. No sentido do afirmado no texto: STF, Tribunal Pleno, MS 27.772 AgR/DF, rel. Min. CármenLúcia, j. 15/04/2009, DJE 29/05/2009.STJ, 3ª Seção, MS 12.417/DF, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 09/09/2009, DJE 18/09/2009; STJ, RMS 21.714/SP, rel. Min.Félix Fischer, j. 17/12/2007, DJE 03/03/2008.Barbosa Moreira, Código, n. 143, p. 257, Dinamarco, A nova, n. 76, p. 150; Fux, Curso, p. 958.Nery Jr.-Nery, Código, p. 167; Dinamarco, Instituições, n. 554, p. 315-317; STJ, 1ª Turma, RMS 21.651/SP, Rel. Min. Luiz Fux, j.04/11/2008.

Mauro Luis Rocha Lopes, Comentários, p. 31.STJ, 1ª Turma, REsp. 1.001.348/AM, rel. Min. José Delgado, j. 08/04/2008, DJE 24/04/2008.Súmula 267/STF: “não cabe mandado de segurança contra ato passível de recurso ou correição”.STJ, Corte Especial, MS 16.078/AL, rel. Min. Castro Meira, j. 31/08/2011, DJe 26/09/2011; STJ, 5ª Turma, RMS 18.364/MG, rel. ArnaldoEsteves Lima, j. 09/10/2007, DJ 05/11/2007, p. 285.STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp. 886.613/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 03/02/2009, DJE 18/02/2009.Medina-Araujo, Mandado, n. 5.3.2, p. 79.Dinamarco, A nova, n. 74, p. 147-148; Neves, Manual, n. 20.4, p. 505-506.STJ, AgRg no REsp 964.154/MT, rel. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 11/10/2011, DJe 03/11/2011.STJ, 3ª Turma, RMS 25.837/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 21/10/2008, DJE 05/11/2008.STF, 1ª Turma, RMS 25.340/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 25/10/2005, DJ 09/12/2005, p. 17.Cheim Jorge, Teoria, p. 287; Araken de Assis, Manual, n. 25.9, p. 250.Neves, Manual, n. 31.3.2, p. 671-672.Informativo 507/STJ, 2ª Turma, RMS 31.681-SP, rel. Min. Castro Meira, j. 18/10/2012.Súmula 376/STJ: “Compete a Turma Recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial”.STJ, 2ª Turma, RMS 26.665/DF, rel. Min. Herman Benjamin, j. 26/05/2009, DJE 21/08/2009.Informativo 547/STF, RE 576847/BA, rel. Min. Eros Grau, 20/05/2009 (RE 576.847).Alexandre Freitas Câmara, Juizados, n. 41, p. 245.Nery Jr.-Nery, Código, p. 897; Dinamarco, A reforma, n. 131, p. 192-193; Didier Jr.-Cunha, Curso, p. 165; Cheim Jorge, A terceira, p.245-247. Contra: Araken de Assis, Manual, n. 51.3.2, p. 515; Scarpinella Bueno, A nova, 10.5, p. 233-236.STJ, RMS 24.697/PA, 5ª Turma, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 18/12/2008, DJE 16/02/2009; Informativo 378/STJ, 3ª T., RMS25.934-PR, rel. Nancy Andrighi, j. 27/11/2008; Informativo 375/STJ, 4ª T., RMS 27.083-RJ, rel. João Otávio de Noronha, j. 04/11/2008.STJ, 1ª Turma, RMS 28.515/PE, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 02/04/2009, DJE 20/04/2009; STJ, 3ª Turma, AgRg no RMS 23.750/MA,rel. Min. Paulo Furtado, j. 06/08/2009; STJ, 3ª Turma, AgRg no RMS 23.414/SC, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19/05/2009, DJE29/05/2009; STJ, 4ª Turma, RMS 21.996/AL, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 21/08/2007, DJ 03/09/2007, p. 177.STJ, 2ª Turma, RMS 23.004/BA, rel. Min. Humberto Martins, j. 13/03/2007, DJ 26/03/2007, p. 217.STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 1.215.895/MT, rel. Min. Humberto Martins, j. 15/03/2011, DJe 23/03/2011; STJ, 1ª Turma, RMS25.949/BA, rel. Min. Luiz Fux, j. 04/03/2010, DJe 23/03/2010.Súmula 268/STF: “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado”.Palharini Jr., Comentários, p. 64-65.Informativo 392/STJ: 3ª Turma, MC 15.465-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28/04/2009.Na doutrina: Theodoro Jr., Mandado, n. 6, p. 16.STJ, 3ª Turma, RMS 32.850/BA, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 01/12/2011, DJe 09/12/2011; STJ, 3ª Turma, AgRg no AgRg no RMS32.632/ES, rel. Min. Vasco Della Giustina, j. 17/02/2011, DJe 24/02/2011.Neves, Manual, n. 4.1, p. 100.Pontes de Miranda, Comentários, p. 370; Cretella Jr., Comentários, p. 86-96.Súmula 625/STF.STJ, 2ª Turma, REsp. 1.172.088/SP, rel. Min. Castro Meira, j. 07/10/2010; DJE 21/10/2010; STJ, 1ª Seção, MS 15.205/DF, rel. Min.Benedito Gonçalves, j. 13/10/2010; DJE 20/10/2010.Figueiredo, Mandado, p. 21-22.Mazzei, Mandado, p. 149.Barbi, Do mandado, p. 169; Marinoni, A técnica, p. 630.Marinoni, A técnica, p. 96; Cavalcante, Mandado, p. 96.STJ, 1ª Seção, AgRg no CC 104.730/PR, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 25/08/2010, DJE 15/09/2010.STJ, 4ª Turma, AgRg no REsp. 1.078.875/RS, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 03/08/2010, DJE 27/08/2010.Marinoni-Arenhart, Procedimentos, p. 252.Súmula 624/STFAlmeida, Manual, p. 502.Barbi, Do mandado, n. 146, p. 115.Marinoni-Arenhart, Procedimentos, p. 244; Pizzol, A Competência, p. 561; Sodré, Mandado, p. 136.Sodré, Mandado, p. 137.STJ, 3ª Seção, MS 4.167/DF, rel. Min. Anselmo Santiago, j. 25/06/1997, DJ 01/09/97, p. 40.720.STF, Primeira Turma, RE 577.443 AgR/PR, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 26/05/2009, DJE 18/12/2009.Súmula 376/STJ.STJ, 2ª Turma, RMS 26.665/DF, rel. Min. Herman Benjamin, j. 26/05/2009, DJE 21/08/2009.

Marinoni-Arenhart, Procedimentos, p. 241; Theodoro Jr., Mandado, n. 3, p. 4.STJ, 1ª Turma, RMS 8.967/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, rel. p/ acórdão, Min. José Delgado, j. 19/11/1998, DJ 22/03/1999, p.54.Neves, Manual, n. 5.6, p. 165-168.Scarpinella Bueno, A nova, p. 12.Medina-Araújo, Mandado, n. 1.4.4, p. 45; Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz, in: Favreto, Comentários, p. 37-38; Theodoro Jr.,Mandado, n. 3b, p. 5.Súmula 628/STF: “Integrante de lista de candidatos a determinada vaga da composição de tribunal é parte legítima para impugnar avalidade da nomeação de concorrente”.Marinoni-Arenhart, Manual, p. 242; Mouta, Mandado, p. 191.STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp. 569.184/RJ, rel. Min. Denise Arruda, j. 19/10/2006, DJ 09/11/2006, p. 252; STJ, 1ª Turma, REsp.656.631/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 16/08/2005, DJ 05/09/2005, p. 239.Neves, Manual, n. 6.2.3.1, p. 184-185.STJ, REsp 778.976/PB, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 08/04/2008; EDcl no AgRg na MC 5.281/GO, 1ª Turma, Rel. Min.Luiz Fux, j. 20/05/2003.Scarpinella Bueno, Mandado, p. 46.Scarpinella Bueno, A nova, p. 15-16.Theodoro Jr., Mandado, n. 3b, p. 05; Klippel-Neffa Jr., Comentários, p. 67.Colares Cavalcante, Mandado, n. 2.3.6.1, p. 64-65; Arnoldo Wald, Do Mandado, n. 58, p. 181.Medina-Araújo, Mandado, n. 3.2, p. 67.Scarpinella Bueno, A nova, p. 26.Figueiredo Cruz, in: Favreto, Comentários, p. 70-71.Helly Lopes Meirelles, Mandado, p. 54; José da Silva Pacheco, O mandado, n. 114, p. 239; Carlos Alberto Menezes de Direito, Manualp. 100; Medina-Araújo, Mandado, n. 6.4.1, p. 90; Marinoni-Arenhart, Procedimentos, p. 242.Lúcia Valle Figueiredo, Mandado, p. 54-55; José Henrique Mouta, Mandado, p. 62-64; João Batista Lopes, “Sujeito passivo no mandadode segurança”, in: Aspectos, p. 416-417; Theodoro Jr., Mandado, n. 4b, p. 07; Klippel-Neffa Jr., Comentários, p. 29-31.STJ, 2ª Turma, REsp. 846.581/RJ, rel. Min. Castro Meira, j. 19/08/2008, DJE 11/09/2008; STJ, 1ª Turma, REsp. 647.409/MA, rel. Min.Luiz Fux, j. 07/12/2004, DJ 28/02/2005, p. 233.STJ, 1ª Seção, AR 3.646/MG, rel. Min. Eliana Calmon, j. 12/11/2008, DJE 01/12/2008.STJ, 6ª Turma, RMS 28.265/RJ, rel. Min. Celso Limongi, j. 08/09/2009, DJe 05/10/2009; STJ, 2ª Turma, REsp 846.581/RJ, rel. Min. CastroMeira, j. 19/08/2008, DJe 11/09/2008.STJ, 2ª Turma, RMS 20.471/RJ, rel. Castro Meira, j. 04/06/2009, DJE 17/06/2009; STJ, 1ª Seção, MS 13.604/DF, rel. Min. MauroCampbell Marques, j. 08/10/2008, DJE 28/10/2008; STJ, 6ª Turma, AgRg no RMS 22.669/PE, rel. Min. Jane Silva, j. 01/07/2008, DJE12/08/2008.STJ, 1ª Turma, AgRg no Ag 1.076.626/MA, rel. Min. Luiz Fux, j. 21/05/2009, DJE 29/06/2009.STJ, 5ª Turma, REsp. 1.001.910/SC, rel. Min. Laurita Vaz, j. 26/05/2009, DJE 29/06/2009; STJ, 5ª Turma, EDcl no RMS 24.217/PA, rel.Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 06/08/2009, DJE 08/09/2009.“A redação conferida ao dispositivo durante o trâmite legislativo permite a interpretação de que devem ser efetuadas no correr do prazodecadencial de 120 dias eventuais emendas à petição inicial com vistas a corrigir a autoridade impetrada. Tal entendimento prejudica autilização do remédio constitucional, em especial, ao se considerar que a autoridade responsável pelo ato ou omissão impugnados nemsempre é evidente ao cidadão comum”.Scarpinella Bueno, A nova, p. 30.STJ, 2ª Turma, REsp. 493.438/MG, rel. Min. Herman Benjamin, j. 23/06/2009, DJE 27/08/2009; STJ, 1ª Turma, REsp. 967.984/RJ, rel.Min. Luiz Fux, j. 14/04/2009, DJE 06/05/2009.“Cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública”.STJ, 2ª Turma, RMS 29.171/GO, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 18/08/2009, DJE 10/09/2009; Rodolfo Camargo Mancuso, “Sobrea identificação da autoridade coatora e a impetração contra a lei em tese, nos mandados de segurança”, p. 76.STF, Tribunal Pleno, MS 24.927/RO, rel. Min. Cezar Peluso, j. 28/09/2005, DJ 25/08/2006, p. 18; STJ, 2ª Turma, RMS 29.310/GO, rel.Min. Eliana Calmon, j. 04/06/2009, DJE 19/06/2009; STJ, 5ª Turma, REsp. 1.001.910/SC, rel. Min. Laurita Vaz, j. 26/05/2009, DJE29/06/2009; Meirelles, Mandado, p. 56; Menezes de Direito, Mandado, p. 101.Scarpinella Bueno, Mandado, p. 28-29.Figueiredo, Comentários, p. 75.STJ, 2ª Turma, REsp 767.979/RJ, rel. Min. Eliana Calmon, j. 09/06/2009, DJe 25/06/2009; Informativo STJ/279, REsp. 769.884/RJ, Rel.Min. João Otávio de Noronha, j. 28/03/2006; STJ, 1ª Turma, REsp 870.482/RS, rel. José Delgado, j. 06/03/2008, DJE 30/06/2008.Araken de Assis, Do litisconsórcio, p. 298.STJ, 4ª Turma, REsp 1.106.804/PB, rel. Min. Aldir Passarinho Jr., j. 18/08/2009, DJE 05/10/2009; STJ, 5ª Turma, REsp 1.077.368/MG, rel.

Min. Jorge Mussi, j. 21/05/2009, DJE 29/06/2009.Marinoni-Arenhart, Procedimentos, p. 243.STJ, 2ª Turma, RMS 30.115/SP, rel. Min. Humberto Martins, j. 10/08/2010, DJE 19/08/2010; Theodoro Jr., Mandado, n. 8, p. 18.STJ, 2ª Turma, AgRg no Ag 1306475/PI, rel. Min. Herman Benjamin, j. 24/08/2010, DJE 14/09/2010.STJ, 1ª Turma, AgRg no RMS 25.487/SP, rel. Min. Francisco Falcão, j. 05/03/2009, DJe 18/03/2009.Dinamarco, Litispendência, p. 159; Câmara, Lições, v. 1, p. 167.STJ, 4ª Turma, REsp. 1.106.804/PB, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 18/08/2009, DJE 05/10/2009; STJ, 2ª Turma, REsp. 810.982/PR,rel. Min. Castro Meira, j. 18/09/2007; DJ 01/10/2007, p. 260.Súmula 631/STF.STJ, 3ª Seção, EREsp. 161.968/DF, rel. Min. Fontes de Alencar, rel. p/ acórdão Min. Felix Fischer, j. 24/09/2003, DJ 24/11/2004, p. 227.Medina-Araújo, Mandado, n. 12.2, p. 155; Scarpinella Bueno, A nova, p. 72-73.STJ, 5ª Turma, REsp. 948.090/DF, rel. Min. Jorge Mussi, j. 26/05/2009, DJE 03/08/2009.Scarpinella Bueno, A nova, n. 62, p. 144; Marinoni-Arenhart, Procedimento, p. 240.Súmula 632/STF: “É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança”.Medina-Araújo, Mandado, p. 227.STF, Segunda Turma, RMS 24.736 ED/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 14/09/2010, DJE 08/10/2010; STJ, 2ª Turma, REsp1.188.311/AM, rel. Mauro Campbell Marques, j. 04/10/2011, DJe 13/10/2011; STJ, 5ª Turma, AgRg no Ag 1.128.870/PE, rel. Min.Laurita Vaz, j. 16/06/2009, DJE 03/08/2009.STF, 1ª Turma, RMS 26.881/DF, rel. Min. Carlos Britto, j. 20/05/2008, DJE 07/11/2008.STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp. 1.128.892/MT, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 05/10/2010, DJE 14/10/2010.STJ, 1ª Turma, RMS 31.989/SC, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 05/10/2010, DJE 13/10/2010.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 61; Menezes de Direito, Mandado, p. 81; Almeida, Manual, p. 490.Marinoni-Arenhart, Procedimento, p. 240.Eurico Ferraresi, Do Mandado, p. 25.STF, Tribunal Pleno, AR 1.671 TA-AgR/SP, rel. Min. Cezar Peluso, j. 04/02/2010; DJE 12/03/2010; STJ, 4ª Turma, EDcl no AgRg no Ag1.291.703/CE, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 28/09/2010, DJE 04/10/2010.Klippel-Neffa Jr., Comentários, p. 75.Scarpinella Bueno, A nova, p. 25.Calmon de Passos, Comentários, p. 165; Santos, Primeiras, p. 146; Didier Jr., Direito, p. 360-361.Dinamarco, Instituições, p. 381-383; Figueira Jr., Comentários, p. 64-65; Fidelis dos Santos, Manual, p. 380.Dinamarco, Instituições, p. 383; Greco Filho, Direito, p. 101.STJ, REsp 132.649/PE, 1ª Turma, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 24/05/2004, p. 152; STJ, RMS 8.964/RJ, 5ª Turma, rel. Min. Gilson Dipp,DJ 11/06/2001, p. 236.STJ, 2ª Turma, RMS 28.733/MG, rel. Min. Cstro Meira, j. 16/06/2009, DJe 29/06/2009; Othon Sidou, Habeas, p. 177.Scarpinella Bueno, A nova, p. 28.Nery Jr.-Nery, Código, p. 551.STJ, 1ª Turma, REsp. 812.323/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16/09/2008.STJ, 3ª Seção, MS 9.261/DF, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, rel. p/ acórdão Min. Og Fernandes, j. 29/10/2008, DJe 27/02/2009.STJ, 3ª Turma, REsp. 871.661/RS, Rel. Nancy Andrighi, j. 17/05/2007.AgRg no Ag 795.153/MG., Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 22/05/2007, DJE 23/10/2008, AgRg no REsp. 886.407/ES, rel. FranciscoFalcão, 1ª Turma, j. 27/02/2007, DJ 12/04/2007, p. 247.Nery Jr.-Nery, Código, p. 554; Scarpinella Bueno, Código, p. 875.Marinoni-Arenhart, Manual, p. 105; STJ, 4ª Turma, AgRg no Ag 979.541/DF, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 24/06/2008.STJ, 3ª Turma, REsp. 871.661/RS, Rel. Nancy Andrighi, j. 17/05/2007.Dinamarco, Instituições, n. 1.014, p. 391; Theodoro Jr., Curso, n. 357, p. 405; STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp. 920.389/RS, Rel. Min.Francisco Falcão, j. 17/05/2007.Dinamarco, Instituições, n. 1.026, p. 401; Nery Jr.-Nery, Código, p. 685; Greco Filho, Direito, p. 116.Dinamarco, Instituições, n. 1.026, p. 401; Nery Jr.-Nery, Código, p. 685; Greco Filho, Direito, p. 116.Scarpinella Bueno, A nova, p. 63.STJ, 3ª Seção, AgRg no MS 14.027/SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 22/04/2009, DJE 07/05/2009.STJ, 5ª Turma, AgRg nos EDcl no RMS 23.998/RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 11/11/2008, DJE 01/12/2008.Scarpinella Bueno, A nova, p. 63; Medina-Araújo, Mandado, p. 145.Dinamarco, Instituições, n. 1.014, p. 391; Theodoro Jr., Curso, n. 357, p. 405; STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp. 920.389/RS, Rel. Min.Francisco Falcão, j. 17/05/2007.Medina-Araújo, Mandado, p. 146.

STJ, 1ª Turma, REsp. 812.323/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16/09/2008.STJ, Corte Especial, EREsp 1.048.993/PR, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 07/04/2010, DJe 19/04/2010; STJ, 2ª Turma, EDcl no REsp984.880/TO, rel. Min. Herman Benjamin, rel. p/ acórdão Min. Mauro Campbell Marques, j. 01/10/2009, DJe 26/04/2011.Medina-Araújo, Mandado, n. 6.5.1, p. 94. Em sentido crítico: Luis Otávio Sequeira de Cerqueira, Comentários, p. 86.Scarpinella Bueno, A nova, p. 36-38.Sequeira de Cerqueira, in: Favreto, Comentários, p. 86.Marinoni-Arenhart, Procedimentos, p. 251.STJ, 1ª Turma, RMS 26.170/RO, rel. Min. Francisco Falcão, j. 04/12/2008, DJE 15/12/2008.Marinoni-Arenhart, Procedimentos, p. 252; Scarpinella Bueno, Mandado, p. 69.Barbi, Do mandado, n. 207, p. 163-164; Scarpinella Bueno, Mandado, p. 69.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 111.Sodré, Mandado, p. 144.Contra: Medina-Araújo, Mandado, p. 158.STJ, 5ª Turma, AgRg no Ag 920.172/SP, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 19/08/2009, DJE 28/09/2009; STJ, 3ª Seção, MS12.397/DF, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 09/04/2008, DJE 16/06/2008.Scarpinella Bueno, A nova, p. 91.Araken de Assis, Manual, n. 27.1, p. 156-157; Nery Jr.-Nery, Código, p. 749-750; Talamini, Sentença, p. 90-91.Zavascki, Processo, n. 8.1, p. 307-313; Didier Jr., A sentença, p. 245-250; STJ, 2ª Turma, REsp. 890.631/MG, rel. Min. Castro Meira, j.04/09/2007, DJ 18/09/2007.Theodoro Jr., As novas, 5.1.6, p. 158-160; Abelha Rodrigues, Manual, p. 127.Súmula 461/STJ.Informativo 487/STJ: 1ª Seção, REsp 1.261.888-RS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 09/11/2011.Neves, Manual, n. 27.1, p. 627.STJ, 6ª Turma, REsp 871.328/AL, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 16/09/2010, DJe 11/10/2010; STJ, 5ª Turma, REsp1.047.037/MG, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15/10/2009, DJe 16/11/2009; STJ, 2ª Turma, REsp 846.581/RJ, rel. Min. Castro Meira,j. 19/08/2008, DJE 11/09/2008.Didier Jr., Recurso, n. 2.4.4.5, p. 133-134.Corte Especial, EREsp. 180.613/SE, rel. Min. Eliana Calmon, j. 17/11/2004, DJ 17/12/2004, p. 388.Sequeira de Cerqueira, in: Favreto, Comentários, p. 224.Zaneti Jr., “Mandado de segurança coletivo”, p. 186-188; Barbosa Moreira, “Mandado de segurança: uma apresentação”, p. 205-206.Neves, Manual, n. 22.3.1, p. 546-547.Nery Jr.-Nery, Código, p. 505.Theodoro Jr., Curso, n. 322, p. 356-357; Moniz de Aragão, Comentários, n. 532, p. 451; Greco Filho, Direito, n. 17.2, p. 73.STJ, 5ª Turma, REsp. 591.849/SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. 10/08/2004, DJ 06/09/2004.Neves, Manual, n. 35.4, p. 759-762.Informativo 394/STJ, 1ª T., REsp. 930.952-RJ, rel. José Delgado, rel. p/ acórdão Luiz Fux, j. 12/05/2009.STF, 1ª Turma, RE 231.509 AgR-AgR/SP, rel. Min. Carmen Lucia, j. 13/10/2009, DJE 13/11/2009; STF, 2ª Turma, RE 231.671 AgR-AgR/DF, rel. Min. Ellen Gracie, j. 28/04/2009, DJ 22/05/2009.STF, 2ª Turma, RE 362.813/MG, rel. Min. Mauricio Correa, j. 25/03/2003, DJ 25/04/2003, p. 154.STJ, 2ª Turma, REsp 1.296.778/GO, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 16/10/2012, DJe 24/10/2012; STJ, 1ª Seção, AgRg no AgRg noREsp 9.28.453/RJ, j. 08/06/2011, DJe 14/06/2011; STJ, 1ª Seção, AgRg no REsp 889.975/PE, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j.27/05/2009, DJ 08/06/2009.STF, 2ª Turma, AI 221.462 AgR-AgR/SP, rel. Min. Cezar Peluso, j. 07/08/2007, DJ 24/08/2007.Informativo 425/STJ: 1ª Turma, REsp. 1.115.161-RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 04/03/2010.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 141.Barbosa Moreira, Comentários, n. 311, p. 569.STJ, 5ª Turma, REsp. 622.638/SP, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 01/03/2007, DJ 19/03/2007, p. 382.Scarpinella Bueno, A nova, p. 34.STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp. 645.400/RJ, rel. Min. Humberto Martins, j. 09/09/2008, DJE 09/10/2008.STJ, 1ª Turma, REsp. 842.838/SC, rel. Min. Luiz Fux, j. 16/12/2008, DJE 19/02/2009.Informativo 406/STJ: 1ª Turma, REsp. 915.907/SC, Rel. Min. Luiz Fux, j. 08/09/2009.Súmula 304/STF: “Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso daação própria”.Medina-Araújo, Mandado, n. 19.5, p. 199.Neves, Manual, n. 17.5, p. 462-464.

Nery Jr.-Nery, Código, p. 683.Botelho de Mesquita, A coisa, p. 78; Dinamarco, Instituições, n. 962, p. 316; STJ, 5ª Turma, AgRg nº REsp. 680.956/RJ, rel. Min. LauritaVaz, j. 28/10/2008; REsp. 730.696/RS, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 24/10/2006; REsp. 799.077/SP, 4ª Turma, rel. Min. César AsforRocha, j. 06/12/2005, DJ 06/03/2006, p. 415. Parcialmente contra: Greco Filho, Direito, n. 57.6, p. 286-289.Wambier, Litispendência, p. 264; Mendes, Ações, 19.2, p. 260.STJ, 6ª Turma, RMS 21.037/RJ, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 24/11/2009, DJE 14/12/2009; STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp1.117.651/SP, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 05/11/2009, DJE 17/11/2009.STJ, 5ª Turma, REsp. 824.712/SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. 21/09/2010; DJE 11/10/2010.Informativo 422/STJ, 2ª Turma, RMS 29.729-DF, rel. Min. Castro Meira, j. 09/09/2010; STJ, 3ª Seção, MS 8.927/DF, rel. Min. LauritaVaz, j. 11/11/2009, DJE 17/03/2010.Súmula 490/STJ: “A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessentasalários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas”.STJ, 2ª Turma, REsp. 869.169/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 19/09/2008, DJE 16/09/2008; STJ, 1ª Turma, REsp. 833.394/SP,rel. Min. Denise Arruda, j. 20/03/2007, DJ 23/04/2007, p. 235.Scarpinella Bueno, A nova, p. 79-80; Luiz Manoel Gomes Jr., Comentários, p. 123. Contra Medina-Araújo, Mandado, n. 14.4, p. 166.STJ, 2ª Turma, REsp 1.274.066/PR, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 01/12/2011, DJe 09/12/2011; STJ, 2ª Turma, REsp1.240.710/PR, rel. Min. Castro Meira, j. 03/05/2011, DJe 12/05/2011.Súmula 405/STF. Contra, com opinião amplamente minoritária: Scarpinella Bueno, A nova, p. 82.Barbosa Moreira, Código, n. 143, p. 257; Dinamarco, A nova, n. 76, p. 150; Fux, Curso, p. 958.Scarpinella Bueno, Curso, v. 5, p. 75; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 533; Cheim Jorge, Teoria, n. 11.6.1, p. 254.STJ, 3ª Seção, Rcl 1.827/DF, rel. Min. Laurita Vaz, rel. p/ acórdão Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 25/10/2006, DJ 05/02/2007, p. 2007.Scarpinella Bueno, A nova, p. 84.STJ, 1ª Turma, REsp. 692.015, rel. Min. Luiz Fux, j. 21/06/2005, DJ 01/08/2005; STJ, 2ª Turma, REsp. 464.332/SP, rel. Min. ElianaCalmon, j. 14/09/2004, DJ 06/12/2004; STJ, 1ª Turma, REsp. 331.460/SP, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 07/08/2003, DJ 17/11/2003.Cunha, A Fazenda, n. 12.1.11, p. 272; Araken de Assis, Manual, n. 422, p. 962.Jorge Tosta, Do reexame, n. 9.2, p. 211; Antônio de Pádua Soubhie Nogueira, Execução, n. 11.6, p. 239.Luiz Manoel Gomes Jr., Comentários, p. 120.Scarpinella Bueno, A nova, p. 84.Marinoni-Arenhart, Procedimentos, p. 256; Klippel-Neffa Jr., Comentários, p. 393.STJ, 5ª Turma, REsp. 747.371/DF, rel. Min. Jorge Mussi, j. 06/04/2010, DJE 26/04/2010.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 118; Klippel-Neffa Jr., Comentários, p. 395.STJ, 1ª Turma, REsp. 679.048/RJ, rel. Min. Luiz Fux, 03/11/2005, DJ 28/11/2005, p. 204; REsp. 666.008/RJ, 1ª Turma, rel. José Delgado, j.17/02/2005, DJ 28/03/2005; Araken de Assis, Manual, n. 208, p. 564.Teresa Arruda Alvim Wambier e Luis Rodrigues Wambier, Breves comentários à 2ª fase da reforma do CPC, p. 30.Neves, Preclusões, n. 4.1.3.2, p. 180-183.Neves, Manual, n. 50.2.1.1, p. 1.017-1.018.Pela necessidade de pedido da parte: Barbosa Moreira, A antecipação, p. 203; Nery Jr.-Nery, Código, p. 525; Gusmão Carneiro, Daantecipação, n. 41, p. 61; Zavascki, Antecipação, p. 115; Calmon de Passos, Comentários, n. 6.1.1, p. 32-34; Araken de Assis,Doutrina, p. 411.Dinamarco, A nova, n. 42, p. 88-89.Informativo 375/STJ, 3ª Turma, REsp. 952.646/SC, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04/11/2008.Scarpinella Bueno, A nova, p. 42; Medina-Araújo, Comentários, n. 7.4.8, p. 126-127; Cerqueira, Comentários, p. 87-88.Scarpinella Bueno, A nova, p. 60-61.Medina-Araújo, Mandado, n. 9.1, p. 137.Araken de Assis, Manual, n. 51.3.2, p. 514; Theodoro Jr., Curso, n. 551, p. 680; Lima Freire, Reforma, p. 45; Nery Jr.-Nery, Código, p.875; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 535; STJ, 4ª Turma, REsp. 748.336/RN, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 11/09/2007, DJ24/09/2007.Cerqueira, Comentários, p. 90; Scarpinella Bueno, A nova, p. 45-46.Dinamarco, Instituições, v. 1, p. 210-213.STJ, 2ª Turma, REsp. 666.092, rel. Min. Eliana Calmon, j. 28/03/2006, DJ 30/05/2006, p. 137.STF, Plenário,ADC 4/DF, rel. Min. Sydney Sanches, rel. p/ acórdão Min. Celso de Mello, j. 01/10/2008 (Informativo 522/STF).Marinoni, Antecipação, p. 164; Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 655; Figueira Jr., Comentários, p. 293; Calmon de Passos, Comentáriosn. 6.10., p. 69; Moniz de Aragão, Alterações, p. 240.Gusmão Carneiro, Da antecipação, n. 65, p. 126.Súmula 405 do STF: “Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a

liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária”; Scarpinella Bueno, A nova, p. 53-54.Medina-Araújo, Mandado, n. 8.2, p. 132.Scarpinella Bueno, A nova, p. 55.Scarpinella Bueno, Curso, p. 248.Arruda Alvim, Manual, v. 1, p. 200.Greco, Instituições, p. 559-560.Scarpinella Bueno, A nova, p. 93-94.Medina-Araújo, Comentários, p. 177; Rocha Lopes, Comentários, p. 119.Didier Jr.-Cunha, Curso, p.494-495. Há doutrina que defende a natureza de sucedâneo recursal: Araken de Assis, Manual, n. 110.2, p.890; Medina-Araújo, Mandado, p. 176.STJ, Corte Especial, AgRg na SS 1.404/DF, rel. MIn. Edson Vidigal, j. 25/10/2004, DJ 06/12/2004, p. 177; STF, Tribunal Pleno, SS 3.259AgRg/SP, rel. MIn. Ellen Gracie, j. 07/04/2008; Rocha Lopes, Comentários, p. 122.STJ, Corte Especial, AgRg na SS 1.873/PI, rel. MIn. Cesar Asfor Rocha, j. 28/05/2009, DJE 10/08/2009.Informativo 295/STF: Pleno, SS (QO) 1.945, 2002.Corte Especial, AgRg na SS 1.204-AM, j. 23/10/2003.Scarpinella Bueno, A nova, p. 99. Contra: Medina-Araújo, Mandado, p. 181.Pela aplicabilidade do art. 558 do CPC nesse caso específico de agravo interno contra decisão do presidente em suspensão de segurança:Scarpinella Bueno, A nova, p. 96-97. Contra: Luis Otávio Sequeira de Cerqueira, Comentários, p. 134.Scarpinella Bueno, A nova, p. 99.Scarpinella Bueno, A nova, p. 100.Nesse sentido Araújo-Medina, Comentários, n. 15.5, p. 179.Scarpinella Bueno, A nova, p. 101.STF, Tribunal Pleno, SS 3.653 AgR/AM, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 01/07/2009.Scarpinella Bueno, A nova, p. 103.Súmula 626/STF: “A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigoraráaté o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo SupremoTribunal Federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração.”Medina-Araújo, Mandado, p. 179.Nesse sentido, Scarpinella Bueno, A nova, p. 107.Scarpinella Bueno, A nova, n. 46, p. 108.AgRg no MS 11.294/DF, 3ª Seção, rel. Min. Laurita Vaz, j. 24/05/2006, DJ 05/06/2006, p. 240.Hermes Zaneti Jr., Mandado de segurança coletivo, p. 171.Medina-Araújo, Mandado, n. 21.7.1, p. 214.Súmula 630/STF: “A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesseapenas a uma parte da respectiva categoria”.Súmula 629/STF: “A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe daautorização destes”.Nesse sentido, Scarpinella Bueno, A nova, p. 125.Luiz Manoel Gomes Junior; Rogério Favreto, Comentários, p. 185; Medina-Araújo, Mandado, n. 21.7.2, p. 215; Rocha Lopes,Comentários, p. 152; Hermes Zaneti Jr., Mandado de segurança coletivo, p. 175-176.Scarpinella Bueno, A nova, p. 124.STF, Tribunal Pleno, ADI 2.618 AgR-AgR/PR, rel. Min. Carlos Velloso, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 12.08.2004.A favor: Scarpinella Bueno, A nova, p. 127; Eduardo Arruda Alvim, Apontamentos, p. 54-55. Contra: Luiz Manoel Gomes Junior; RogérioFavreto, Comentários, p. 178-179; Hermes Zaneti Jr., Mandado de segurança coletivo, p. 195.STJ, 1ª Turma, AgRg no Ag 1.249.132/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 24.08.2010, DJe 09.09.2010.Didier Jr.-Zaneti Jr., O mandado, p. 230-232; Gomes Jr.-Favreto, Comentários, p. 192. Contra: Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p.133.STJ, 1ª Seção, MS 11.399/DF, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 13/12/2006, DJ 12/02/2007, p. 216.STJ, REsp 736.524/SP, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 21.03.2006, DJ 03.04.2006, p. 256.STJ, 3ª Seção, AgRg no MS 13.505/DF, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 13.08.2008, DJ 18.09.2008, p. 159.Didier Jr.-Zaneti Jr., O mandado, p. 233-234; Gomes Jr.-Favreto, Comentários, p. 203; Ferraresi, Do mandado, p. 125; Gajardoni,Comentários, p. 114.Nery-Nery, Código, p. 1.731; Didier-Zaneti Jr., O mandado, p. 233; Alvim, Aspectos, p. 128; Ferraresi, Do mandado, p. 125-126;Andrade-Masson-Andrade, Interesses, 4.9.1, p. 362-363; Klippel-Neffa Jr., Comentários, p. 342-345.Informativo 486/STJ, 1ª Turma, RMS 34.270/MG, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 25.10.2011.

Scarpinella Bueno, A nova, 58, p. 135-136; Redondo-Oliveira-Cramer, Mandado, p. 153-154.STF, RMS 23.769, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 30.04.2004.Zaneti Jr., Mandado de segurança coletivo, p. 172; Zavascki, Processo, p. 215.Elton Venturi, Processo, n. 10.2.2, p. 345-346.Ricardo de Barros Leonel, Manual, n. 5.10, p. 255.Hugo Nigro Mazzilli, A defesa, p. 202.Redondo-Oliveira-Cramer, Mandado, p. 155.Medina-Araújo, Mandado, n. 22.2, p. 221; Gajardoni, Comentários, p. 114.STJ, 2ª Turma, REsp. 693.110/MG, rel. Min. Eliana Calmon, j. 06/04/2006, DJ 22/05/2006, p. 184.Scarpinella Bueno, A nova, n. 61, p. 141-142; Gomes Jr.-Favreto, Comentários, p. 211.STJ, 1ª Turma, AgRg no AgRg no REsp. 303206/RS, rel. Min. Francisco Falcão, j. 28/08/2001, DJ 18/02/2002, p. 256.STF, Tribunal Pleno, Pet 2.066 AgR/SP, rel. MIn. Marco Aurélio, j. 19/10/2000, DJ 28/02/2003, p. 7.

7.1. BREVE HISTÓRICO

7.1.1. Origem remota

Segundo ensina a melhor doutrina, a ação popular tem sua origem remota no direito romano, que,para alguns, foi, inclusive, a fonte remota de todas as ações coletivas existentes atualmente554.

Apesar de ser a regra na actio romana a existência de um direito individual e pessoal, jáidentificado na provocação inicial, as chamadas ações populares eram aceitas como exceção a essaregra, admitindo-se que um cidadão buscasse tutela não por um direito somente seu, mas de toda acoletividade. Como àquela época não estava totalmente definido o conceito de Estado, criou-se umasingular relação do cidadão com a res publica, que auxilia a compreensão da admissão excepcionalda ação popular romana. Para os romanos, a res publica era de todos os cidadãos, ou seja, todos osintegrantes do povo eram considerados coproprietários dos bens públicos, de forma que a açãojudicial que visava a proteção de tais bens, quando ajuizada por um indivíduo, apesar de vincular atodos os demais, era entendida como pretensão em defesa de direito próprio do cidadão-autor555.

No início, a ação popular romana voltava-se a pretensões predominantemente de caráter penal,com pedidos de caráter inibidor da conduta lesiva e com a cominação de multa ou alguma espécie depena pecuniária a ser adimplida por parte do transgressor. Com o desenvolvimento do instituto, aação popular romana passou a tutelar cada vez mais situações de direito transindividual, ainda quefortemente relacionada à defesa das coisas públicas e de caráter sacro. Ações pro libertate, para adefesa da liberdade, pro tutela, na defesa de interesses do pupilo, e ex lege Hostilia, para proteçãodos bens de ausente vítima de furto, eram ação que se justificavam pelo interesse geral nocumprimento da lei, o que demonstra a natureza transindividual dos interesses tutelados556.

Com a queda do Império Romano, as actiones populares do direito romano não resistiram aodireito bárbaro, permanecendo não aplicáveis durante o período feudal, não tendo ressonância nasmonarquias absolutistas e tampouco no direito canônico. Significa dizer que o direito intermédiorepresentou um período sombrio para as ações coletivas, sendo apontado pela doutrina comorenascimento da ação popular a Lei Comunal de 30 de março de 1836 na Bélgica e a Lei Comunal de18 de julho de 1837 da França, que teriam servido de base para a ação popular eleitoral italiana de1859557.

7.1.2. Origem próximaNo Brasil, a doutrina entende que a ação popular vigorou no período imperial e início da

República, durante a vigência das Ordenações do Reino, considerando-se a possibilidade de defesa

de bens de uso comum pelo cidadão. Para alguns, estaria inclusive consagrada no art. 157 da Cartado Império de 1824558. Com o advento do Código Civil de 1916, mais precisamente em razão de seuart. 76, a doutrina majoritária passou a entender que o sistema jurídico brasileiro não mais admitia aação popular, ainda que vozes isoladas continuassem a defender a sobrevivência dessa açãocoletiva559.

Em 1934 a ação popular é incluída expressamente na Constituição Federal, por meio do art. 113, §38, para três anos depois ser suprimida pela Constituição de 1937, vindo a ser restabelecida pelo art.141, § 38, da Constituição de 1946, mantendo-se em todas as Constituições subsequentes (art. 150, §31, da CF de 1967; art. 153, § 31, da EC n. 1 de 1969 e na atual CF em seu art. 5º, LXXIII).

No campo infraconstitucional, a Lei 4.717 de 1965, que regulamenta a ação popular, teve o méritode ser a primeira lei que indiscutivelmente trata de tutela coletiva no ordenamento brasileiro, sendosignificativas as inovações propostas por tal lei, tais como a diferenciada forma de legitimação ativa,a possibilidade de réu virar autor, a coisa julgada secundum eventum probationis, a obrigatoriedadede execução da sentença de procedência, dentre outras significativas novidades procedimentais àépoca, que serão analisadas no presente capítulo.

Registre-se apenas que, tanto no âmbito constitucional quanto em seu regramentoinfraconstitucional, as normas legais de ação popular limitavam a utilização dessa ação para a tutelado patrimônio público material, sendo tradicionalmente associada a atos ilegais e lesivos ao erário.Com a Lei 6.513/1977 e a atual redação da norma constitucional que cuida da ação popular, o objetodessa ação foi significativamente ampliado, para incluir os bens imateriais que fazem parte dopatrimônio público, tais como a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio históricoe cultural.

7.2. CABIMENTO

7.2.1. Patrimônio público material e imaterialAs hipóteses de cabimento da ação popular encontram-se previstas no art. 5º, LXXIII, da CF,

sendo possível dividi-las em três: (a) anulação de ato lesivo ao patrimônio público ou de entidadede que o estado participe; (b) anulação de ato lesivo à moralidade administrativa; (c) anulação de atolesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. No art. 1º, caput, da Lei de AçãoPopular, está consagrada a lesividade ao patrimônio público como fundamento para a ação popular,enquanto o § 1º do mesmo dispositivo conceitua o patrimônio público a ser protegido como bens edireitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.

Já se pode adiantar a amplitude de tutela derivada da reunião dos dispositivos legais mencionados,sendo tranquilo o entendimento de que por meio da ação popular, tutelam-se tanto os bens materiaisque compõem o patrimônio público como também os bens imateriais. Ao prever a tutela do meioambiente e do patrimônio histórico e cultural, o legislador passou a permitir, por meio da açãopopular, a tutela de bens pertencentes não a uma pessoa jurídica de direito público específica, mas atoda a coletividade. Como bem ensina a doutrina, é tão lesivo ao patrimônio público a destruição deum prédio sem valor econômico, mas de grande relevância artística, como a alienação de um imóvelpor preço vil, realizada por favoritismo560.

Ainda que se admita e elogie a amplitude atual de tutela obtenível por meio de ação popular, não

se pode concordar com corrente doutrinária que defende seu cabimento para a tutela difusa doconsumidor, como, por exemplo, a ação promovida contra a União, por meio do Ministério da Saúde,em razão de propaganda indevida de cigarro561. A tentativa vem sendo corretamente rejeitada peloSuperior Tribunal de Justiça562, que limita a ação popular aos valores constantes expressamente dotexto constitucional, no qual não se inclui o direito do consumidor.

7.2.2. Atos e omissõesO art. 5º, LXXIII, da CF, ao mencionar expressamente a existência de um ato lesivo, pode passar a

enganosa impressão de que as omissões que violam os valores tutelados pela ação popular nãopermitem o ingresso de tal ação. Não é esse, entretanto, o melhor entendimento, porque a lesão aopatrimônio público, moralidade administrativa, meio ambiente e patrimônio histórico e culturaltambém podem decorrer de omissão563. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já teve aoportunidade de decidir que tanto o ato comissivo quanto o ato omissivo podem ser objeto de açãopopular564.

Basta imaginar que a ausência de atuação do Poder Público ameace ou mesmo gere efetivaviolação ao patrimônio público, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural. O desvio deverbas destinadas à adoção de medidas preventivas contra enchentes justifica o ingresso de açãopopular quando a inundação afetar, por exemplo, o patrimônio histórico. Até mesmo a moralidadeadministrativa pode ser violada por ato omissivo, ainda que, na prática, seja mais raro de ocorrer.

Havendo omissão como conduta impugnada por meio da ação popular, não haverá sentido em oautor elaborar pedido anulatório, até porque não haverá qualquer ato a ser anulado. O pedido, nessecaso, portanto, será de natureza meramente declaratória, limitando-se a buscar a certeza jurídica deque houve uma omissão ilícita violadora dos valores tutelados pela ação popular. É a demonstraçãodefinitiva de que a tutela meramente declaratória também pode ser obtida nessa espécie de açãocoletiva.

7.2.3. Tutela reparatória e preventivaAinda em interpretação ao art. 5º, LXXIII, da CF, a literalidade do dispositivo dá a entender que

só pode ser objeto de ação popular atos já praticados, pertencentes ao passado, veiculando-sesempre pedido de tutela reparatória pelos danos suportados em razão de tal conduta. Como a melhordoutrina já teve a oportunidade de afirmar, esse entendimento não seria compatível com o atualestágio processual565, no qual o princípio da inafastabilidade da jurisdição, consagrado no art. 5ª,XXXV, da CF, é concretizado no ideal de um acesso à ordem jurídica justa, sendo para issoindispensável a existência de mecanismos processuais aptos não só a reparar lesão de atos jápraticados, como também para evitar que atos ilícitos sejam praticados.

Significa dizer que limitar a ação popular a pretensões reparatórias, voltadas à tutela de um direitojá lesionado, não se coaduna com o atual estágio da ciência processual e indevidamente apequena tãoimportante ação constitucional. Na busca de se evitar a prática de um ato ilícito a ser praticado peloagente público, atentatório aos valores protegidos pela ação popular, é inegável a viabilidade deuma ação coletiva preventiva, por meio da qual se busque a obtenção de tutela inibitória.

A tutela inibitória surge historicamente com o objetivo de tutelar direitos materiais que nãoencontravam na tutela reparatória uma proteção plena, ou, ainda pior, nenhuma proteção. Sendo

promessa constitucional a inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5.º, XXXV, da CF), notou-se aimprescindível necessidade de admitir uma tutela ampla e genérica capaz de proteger esses direitosmateriais de forma efetiva. Direitos tais como o da integridade física, personalidade, saúde, meioambiente, patrimônio histórico e cultural, entre outros, não encontram na tutela reparatóriaconcretização da promessa constitucional de que nenhum direito agredido ou afrontado será excluídodo Poder Judiciário. A fim de fazer valer a inafastabilidade da jurisdição, é aceita a ideia de umatutela inibitória geral.

Naturalmente que, para a plena recomposição do erário, diferente da recomposição do meioambiente ou do patrimônio histórico e cultural, a tutela reparatória é hábil meio de tutela de direitos,mas ainda assim a tutela inibitória poderá ser utilizada no caso concreto. É lição tranquila nadoutrina que, mesmo tendo a tutela inibitória surgido para preencher um vácuo deixado pela tutelareparatória, estando voltada para determinados direitos materiais que necessitavam de uma proteçãopreventiva por meio da jurisdição, logo se notou que, mesmo naqueles casos em que é possível eeficaz a tutela reparatória, pode ser preferível a tutela inibitória. Aplica-se no âmbito jurídico umantigo e conhecido brocardo popular: “melhor prevenir do que remediar”. Não é correto falar depreferência de uma espécie de tutela, mas é indiscutível que mesmo naquelas situações em quecabível a tutela reparatória pode a parte, sempre que possível, optar pela tutela inibitória566.

A tese da tutela inibitória funda-se na exata definição de ato ilícito, cuja prática se pretende evitar.Durante muito tempo, condicionou-se a prestação de tutela jurisdicional à existência de um dano, oque até se justificava à época em que se imaginava ser a tutela reparatória a única existente. Adificuldade pode ser facilmente percebida pelo art. 186 do CC, que ao conceituar o ato ilícito indicaa necessidade da presença de três elementos: contrariedade ao direito, culpa ou dolo e dano. Aimprecisão do dispositivo é evidente, considerando-se que o ato ilícito é tão somente o ato contrárioao direito, sendo alheios ao seu conceito os elementos da culpa ou dolo e do dano. O art. 186 do CCnão conceitua o ato ilícito, apenas descreve os elementos necessários para a obtenção da tutelareparatória.

Dessa forma, a tutela reparatória, sempre voltada para o passado, buscando a reparação doprejudicado, demanda ao menos dois elementos: ato contrário ao direito e dano, considerando-seque, mesmo nessa espécie de tutela, a culpa ou o dolo podem ser dispensados na hipótese deresponsabilidade objetiva, como ocorre, por exemplo, no direito ambiental. A tutela inibitória,sempre voltada para o futuro, buscando evitar a prática do ato ilícito, preocupa-se exclusivamentecom o ato contrário ao direito, sendo-lhe irrelevante a culpa ou o dolo e o dano567.

Apesar da aceitação pacífica do cabimento da ação popular preventiva, nesse tocante ainda sepode notar na doutrina alguma confusão entre ato ilícito e dano, ainda mais no âmbito da açãopopular, tradicionalmente associada ao binômio ilegalidade-lesividade. Dessa forma, é comumencontrar em lições doutrinárias que a ação popular preventiva está voltada a evitar os efeitosnocivos do ato ilícito, e não a prática do ato ilícito em si568.

Nessa concepção, melhor seria tratar a tutela como de remoção do ilícito, e não como tutelainibitória, ainda que ambas sejam espécies de tutela preventiva. Como ensina a melhor doutrina,existe uma diferença entre efeitos continuados do ato ilícito e a prática continuada do ilícito. Nahipótese de o ato ser continuado, é possível imaginar uma tutela que impeça sua continuação, sendo ocaso de tutela inibitória. Por outro lado, é possível que o ato ilícito faça parte do passado, não mais

existindo, o que não se pode afirmar quanto aos seus efeitos, que continuam a ser gerados. Nessahipótese, não se pode falar em evitar a continuação do ato porque o ato ilícito já foi praticado na suatotalidade, por exemplo, no caso de um despejo de lixo tóxico em determinada área que já foirealizado e continua a gerar seus efeitos. Será o caso de tutela de remoção do ilícito569.

7.2.4. Espécies de atos impugnáveisSegundo entendimento pacificado na doutrina e na jurisprudência, tanto os atos vinculados como os

discricionários podem ser objeto de ação popular, sendo possível se valer por analogia da ideia deilegalidade e abuso de poder constante do art. 5º, LXIX, da CF, que regulamenta o cabimento domandado de segurança e que foi analisado com maior profundidade no Capítulo 6, item 6.1. Significadizer que não somente se fará o controle do desvio do padrão legal, mas também da razoabilidade noexercício do poder discricionário estatal, que não pode ser exercido sem qualquer espécie decontrole pelo Poder Judiciário. Além da exigência de motivação na prática de tais atos570, o própriomérito do ato pode ser objeto de análise em sede de ação popular, já que a discricionariedade nãopermite a contrariedade ao ordenamento jurídico, tampouco o desatendimento ao interesse públicoespecífico do ato praticado571.

Tradicionalmente, admite-se a ação popular contra atos administrativos em geral, havendo forteresistência em aceitar tal ação como meio de impugnação a atos jurisdicionais572. Parcela da doutrinaainda faz distinção entre ato jurisdicional, praticado pelo juiz no exercício da jurisdição, e atojudicial, praticado pelo juiz em atividade administrativa, como aqueles praticados em processos dejurisdição voluntária, tal como a expedição de alvará para alienação de bem em prejuízo doerário573. Como defendo a natureza jurisdicional da jurisdição voluntária, não me parece acertada adistinção sugerida.

A natureza jurisdicional da jurisdição voluntária não afasta, entretanto, a possibilidade demembros do Poder Judiciário praticarem atos de natureza administrativa, que, se ilegais e lesivos aopatrimônio público, poderão ser objeto de ação popular. Um ato administrativo do presidente dotribunal que determina a incineração de autos, mesmo aqueles de valor histórico e/ou cultural, bemcomo um ato de aquisição de material sem a devida licitação e por preço maior que o de mercadosão atuações administrativas do Poder Judiciário passíveis de impugnação por meio da ação popular.

O que não me parece legítimo é tratar a ação popular como um sucedâneo recursal externo, ouseja, uma ação autônoma de impugnação de ato judicial, seja ele proferido em processo de jurisdiçãocontenciosa ou voluntária. Registrem-se, entretanto, posições recentes adotadas pelo SuperiorTribunal de Justiça que excepcionam a tese ora defendida. Primeiro, a existência de decisões queadmitem a ação popular quando cabível for a ação anulatória prevista pelo art. 486 do CPC574.Segundo, a existência de decisões que admitem a utilização de ação coletiva como meio instrumentalpara a relativização da coisa julgada injusta inconstitucional575; ainda que as decisões tratem de açãocivil pública, pelos fundamentos expostos não resta dúvida do cabimento também de ação popular.

Em tese, também não se admite o controle de lei por meio da ação popular, da mesma forma queocorre com o mandado de segurança, para o qual existe, inclusive, entendimento sumulado (Súmula266/STF). Admite-se, por outro lado, que o controle de lei constitucional em tese seja realizado deforma incidental na ação popular576, desde que o pedido de declaração de inconstitucionalidade sejatão somente o fundamento da pretensão, e não a pretensão em si mesma, o que transformaria a ação

popular em inadmissível sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade577.

7.2.5. Binômio ilegalidade-lesividadeDebate interessante no tocante ao cabimento da ação popular diz respeito a necessária existência

do binômio ilegalidade e lesividade do ato impugnado. Ainda que atualmente seja indiscutível queestão abrangidos no objeto de tutela da ação coletiva os bens materiais e imateriais que compõem opatrimônio público, algumas questões ainda suscitam divergências. Adiante-se que o debate nãoatinge a ação popular preventiva, que busca tão somente evitar a prática de ato ilícito, não sendorequisito para sua concessão a existência ou potencial existência de lesão ou dano. A exigência ounão de lesividade, portanto, restará limitada às ações que tenham como objeto atos ou omissões jáocorridos.

Questiona-se, em especial no ato contrário à moralidade administrativa, se é cabível a açãopopular, mesmo que desse ato não tenha decorrido qualquer lesão material ao patrimônio público.De que o art. 5ª, LXXIII, da CF preveja a lesividade não há dúvida, mas é controvertida ainterpretação dada a esse termo no dispositivo constitucional. Acredito que uma leitura com maioratenção da norma legal pode ser a base para a solução do aparente impasse. O termo “ato lesivo” éutilizado somente uma vez, aplicando-se às três hipóteses de cabimento: patrimônio público;moralidade administrativa; meio ambiente e patrimônio histórico e cultural.

Na primeira hipótese de cabimento, entendo que se tem a ideia de proteção ao erário, vitimadopela prática de ato ou omissão ilegal ou cometida em abuso de poder. Nesse caso, portanto, pareceindiscutível a necessidade de lesão aos cofres públicos para o ingresso da ação popular578, ainda queo Superior Tribunal de Justiça adote tradicional entendimento doutrinário no sentido de que, nos atosprevistos nos arts. 2º e 3º da LAP, há lesividade patrimonial efetiva, enquanto, nos atos previstos noart. 4º de mesma lei, há lesividade patrimonial presumida579.

Essa questão da lesividade efetiva e presumida, entretanto, não é precisa quanto à terminologiaempregada, devendo ser interpretada com extremo cuidado. Segundo lições da melhor doutrina, apresunção legal nesse caso atinge tão somente o pedido de anulação do ato administrativo, que seráanulado somente pela comprovação da situação descrita em lei, sem a necessidade de se comprovara nocividade do ato. Para o pedido de condenação dos réus a reparação do erário, entretanto, deve-se comprovar, em quaisquer casos, a efetiva existência de danos, ou seja, mesmo nos casos dachamada lesividade presumida, será indispensável a prova de lesividade do ato580. O ato ilegal quenão gera danos, inclusive, já foi rejeitado pelo Superior Tribunal de Justiça como apto a gerarcondenação do réu, sob o argumento de que eventual condenação geraria um enriquecimento semcausa ao Estado581.

Na terceira hipótese de cabimento, voltada à tutela do meio ambiente e do patrimônio histórico ecultural, ainda que se tutelem bens imateriais, também parece ser indispensável a existência delesividade a tais bens para o cabimento da ação popular.

No caso da moralidade administrativa, a lesividade não diz respeito ao patrimônio públicomaterial, daí ser irrazoável exigir algum tipo de dano ao erário, para se admitir a ação popular. Aoprever o ato lesivo à moralidade administrativa, como bem imaterial pertencente ao patrimôniopúblico, o legislador constituinte entendeu que a proteção exclusivamente da moralidadeadministrativa, que exige da Administração Pública a adoção de padrões éticos e fundados em boa-

fé, já é o suficiente para se obter a tutela por meio de ação popular582. Não que se dispense alesividade nesse caso, ou que seja ela presumida, como já decidiu erroneamente o Superior Tribunalde Justiça583. Simplesmente deve-se considerar a moralidade administrativa como bem imaterial dopatrimônio público, e, por consequência, a mera prática de ato ou omissão contrária à moralidadeadministrativa, já gera a lesão exigida em lei584.

Registre-se posicionamento consolidado no Superior Tribunal de Justiça pela negativa dereapreciação em sede de ação popular da decisão a respeito da existência ou não de lesividade aopatrimônio público em julgamento de recurso especial. Segundo o entendimento do tribunal, trata-sede matéria fática, e seu enfrentamento levaria necessariamente a um revolvimento da matériaprobatória, o que é obstado pelo entendimento consagrado na Súmula 7 desse tribunal585.

No tocante à ilegalidade, também se nota uma forte tendência doutrinária e jurisprudencial586 pelaexigência de sua verificação no caso concreto, ainda que sob as mais diferentes formas, tais comodesvio do padrão legal, abuso de poder, desvio de finalidade e ofensa à razoabilidade. Parcela dadoutrina lamenta tal exigência na hipótese de ato lesivo ao meio ambiente, afirmando que, nesse caso,a responsabilidade do ofensor é objetiva, sendo dispensável a comprovação de culpa no ato ouomissão587. Entendo incorreta a tese, porque, na responsabilidade objetiva, não se dispensa ailicitude do ato, tão somente a culpa, notoriamente elementos distintos da responsabilidade civil, deforma que, mesmo sendo caso de responsabilidade objetiva, será imprescindível para se veicular apretensão por meio de ação popular a existência de alguma ilegalidade no ato ou omissão impugnada.

7.3. SUJEITOS PROCESSUAIS

7.3.1. Legitimidade ativa

7.3.1.1. Espécies de legitimação ativa na ação popular

Conforme tradicional lição doutrinária, a legitimidade para agir (legitimatio ad causam) é apertinência subjetiva da demanda ou, em outras palavras, é a situação prevista em lei que permite aum determinado sujeito propor a demanda judicial e a um determinado sujeito formar o polo passivodessa demanda588. Tradicionalmente se afirma que serão legitimados ao processo os sujeitosdescritos como titulares da relação jurídica de direito material deduzida pelo demandante589, masessa definição só tem serventia para a legitimação ordinária, sendo inadequada para a conceituaçãoda legitimação extraordinária.

A regra geral em termos de legitimidade é consagrada no art. 6.º do CPC, ao prever que somente otitular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse, consagrando alegitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere à legitimaçãoativa, mas é também aplicável para a legitimação passiva. A regra do sistema processual, ao menosno âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome próprio defendendointeresse próprio.

Excepcionalmente, admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse deterceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6.º do CPC preverexpressamente que a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entendeque, além da previsão legal, também se admite a legitimação extraordinária, quando decorrer

logicamente do sistema590.No tocante à tutela coletiva, há corrente doutrinária que defende a limitação da legitimação

extraordinária à tutela individual, afirmando que, por meio dessa espécie de legitimação, defende-seem juízo um direito subjetivo singular de titularidade de pessoa determinada. Sendo o direito difusode titularidade da coletividade (sujeitos indeterminados e indetermináveis) e o direito coletivo deuma comunidade – classe, grupo ou categoria de pessoas (sujeitos indeterminados, masdetermináveis) –, inaplicável a eles a legitimação extraordinária. Sob forte influência dos estudosalemães a respeito do tema, alguns doutrinadores defendem que a legitimação ativa nas ações quetêm como objeto direito difuso ou coletivo é uma terceira espécie de legitimidade, chamada delegitimidade autônoma para a condução do processo591.

Apesar de minoritária a corrente doutrinária que defende ser a legitimidade do cidadãoordinária592, a doutrina majoritariamente aponta para a natureza extraordinária dessa legitimidade –ou autônoma para condução do processo593 –, considerando que o cidadão não defende direitopróprio, mas sim direito difuso cujo titular é a coletividade594. Ainda que o cidadão-autor da açãopopular venha a ser beneficiado por um resultado positivo, esse efeito não decorrerá em razão de suatitularidade, mas em razão de tal sujeito ser um membro da coletividade.

7.3.1.2. Legitimidade ordinária origináriaA legitimidade ativa do cidadão na tutela coletiva é limitada à ação popular, em decorrência da

previsão contida no art. 1º, caput, da Lei 4.717/1965 (LAP), não havendo qualquer indicação de tallegitimidade em leis subsequentes que versam sobre tutela coletiva, em especial os arts. 5º da LACPe 82 do CDC. Ao menos no que toca à previsão legal expressa, realmente o único texto legal queatribui legitimação ao cidadão é o art. 1º da Lei 4.717/1965, que inclusive exclui outros sujeitosdessa legitimação, salvo na excepcional hipótese de sucessão processual pelo Ministério Público,nos termos do art. 9º da mesma lei.

Segundo parcela da doutrina, a opção do legislador foi clara em limitar a legitimidade do cidadãoà ação popular, tendo considerado que a experiência não teria logrado o êxito esperado e mesmoexperimentado em outros países595. Apontam-se para isso obstáculos multifacetários, de ordemeconômica, social, técnica, cultura, política e jurídica. Diante de tal quadro, o legislador entendeuque, em leis subsequentes à da ação popular, o ideal seria não só diversificar o rol de legitimados,como excluir o cidadão de tal rol, o que efetivamente ocorreu até os dias atuais.

Existe doutrina crítica a respeito dessa limitação, defendendo-se que o cidadão deveria ter umalegitimidade mais ampla596, havendo inclusive parcela doutrinária que defende, mesmo diante daatual configuração legislativa, a legitimidade ativa do cidadão para a propositura de qualquer açãocoletiva, com fundamento nos princípios da inafastabilidade da jurisdição e no devido processolegal597. No sentido de ampliar a legitimação do cidadão de forma expressa, foram as sugestões dereforma legislativas frustradas, tanto na criação de um Código de Processo Civil Coletivo como nareforma da Lei de Ação Civil Pública.

Interessante notar que, além de doutrina crítica a respeito dessa ampliação amparada nadesconsideração de particularidades de direito comparado e desprezo dos graves problemas que alegitimação do cidadão gera na propositura da ação coletiva, em especial nos Estados Unidos598,existe outra corrente doutrinária que, ao invés de propugnar pela ampliação da legitimidade do

cidadão para outras ações coletivas, defende uma ampliação dos legitimados à propositura da açãopopular, com a inclusão de pessoas jurídicas ou entidades públicas no rol de legitimados ativos599.Nesse sentido, por exemplo, a ação popular portuguesa, que prevê outros sujeitos além do cidadãocomo legitimados ativos600.

Ainda que se concorde que a ação popular tem, ao menos abstratamente, grande importância sob aótica dos escopos políticos do processo, incrementando a participação popular de controle daadministração pública por meio de ação judicial, é inegável que tal ação atualmente é privilégio depoucos, estando concentrada fundamentalmente nas mãos de acadêmicos e operadores do direito,serventuários públicos e políticos. Sem falar em sua utilização deturpada com o único e exclusivoobjetivo de criar algum tipo de embaraço a adversários políticos.

A realidade mostrou que o cidadão genuíno ainda não tem um grau de cidadania suficiente paracompreender e tampouco disposição para utilizar de maneira adequada a ação popular. Nessesentido, foi feliz o legislador em ampliar o rol de legitimados coletivos em leis que se seguiram à daação popular, ainda que se possa questionar do acerto na exclusão do cidadão desse rol delegitimados. A substituição pura e simples dos legitimados atuais pelo cidadão para todas as açõescoletivas está fora de cogitação, podendo significar um retrocesso sem precedentes no campo datutela coletiva.

A mera inclusão do cidadão como colegitimado para a propositura de ações coletivas com osdemais sujeitos previstos nos arts. 5º da LACP e 82 do CDC seria medida interessante, que poderiainclusive funcionar como incentivo a uma maior participação do cidadão na tutela coletiva, semcolocar em risco as conquistas obtidas até o momento. De qualquer forma, essa ampliação oumodificação drástica da legitimidade ativa coletiva passa necessariamente por modificaçãolegislativa, só podendo, portanto, ser consideradas de lege ferenda.

A realidade legislativa atual cria duas limitações. Primeiro é limitada ao cidadão a legitimidadeativa da ação popular, havendo entendimento sumulado que exclui a pessoa jurídica dessalegitimidade601, também não se admitindo compor o polo ativo, ao menos não originariamente, Estadomembro da Federação602. Segundo, a legitimação do cidadão é exclusiva para essa espécie de açãocoletiva.

Uma vez estabelecida a legitimação exclusiva do cidadão para a propositura da ação coletiva oraanalisada, é preciso estabelecer o conceito de cidadão aplicável à legitimidade ativa da açãopopular.

Interessante notar na doutrina explicação para a opção do legislador, limitando o conceito decidadania no tocante à legitimidade ativa da ação popular ao fato de que somente aquele que está nopleno gozo de seus direitos políticos pode fiscalizar por meio da ação popular os representantes queelege e, por consequência, todos os demais agentes encarregados da gestão da coisa pública603. Poroutro lado, há doutrina crítica que vê a limitação como herança da época ditatorial, na qual a Lei4.717/1965 foi criada604, enquanto outra parcela doutrinária critica a opção do legislador comfundamento no princípio da dignidade da pessoa humana605. Ainda que com fundamentos distintos,essa corrente doutrinária minoritária defende um conceito mais amplo de cidadania, entendendo-secomo cidadão legitimado todo brasileiro ou estrangeiro residente no Brasil, ainda que não no gozode seus direitos políticos606.

Ainda que exista doutrina minoritária a defender uma interpretação mais ampliativa, a doutrina

amplamente majoritária concorda em associar o conceito de cidadão ao de eleitor, entendendo quecabe ao cidadão eleitor, no pleno gozo de seus direitos políticos, a propositura da ação popular607.Tanto assim que o art. 1º, § 3º, da Lei 4.717/1965 (LAP) prevê que a prova da cidadania será feitacom o título eleitoral ou com documento que a ele corresponda. Como se pode notar, o legislador sesatisfaz com a cidadania mínima (capacidade de poder votar), dispensada a existência de cidadaniamáxima (capacidade de ser votado para qualquer cargo eletivo).

Em tese, somente o brasileiro poderá ser tido como cidadão eleitor, até porque não se admite aosestrangeiros o alistamento como eleitores, nos termos do art. 14, § 2º, da CF. Ocorre, entretanto, que,por uma questão de reciprocidade, garantida no art. 12, § 1º da CF, admite-se que o cidadãoportuguês, desde que residente no Brasil, tenha legitimidade para a ação popular, considerando-se apossibilidade de propositura por brasileiro de ação popular em Portugal, desde que naquele paístenha residência fixa608.

A legitimidade ativa do cidadão é uma das condições da ação popular, não devendo por isso serconfundida com outros institutos processuais. Dessa forma, é incontestável que o cidadão não tem, aomenos em regra, capacidade postulatória, considerada um dos pressupostos processuais subjetivos,sendo indispensável a presença de um advogado, salvo na hipótese de o cidadão autor seradvogado609. Interessante a posição do promotor de justiça, que, como cidadão, tem legitimidadepara a propositura da ação popular em nome próprio, mas que necessitará de um advogadoconstituído para isso, considerando que sua capacidade postulatória é limitada ao exercício dasfunções institucionais do Ministério Público.

Causa intenso debate a questão da capacidade de estar em juízo do autor da ação popular quando ocidadão eleitor tem entre 16 e 18 anos. Estando no gozo de seus direitos políticos, tem elelegitimidade ativa para a ação popular, mas, sendo considerando pela lei civil relativamente incapaz,não tem capacidade de estar em juízo, que é um dos pressupostos processuais subjetivos.

Majoritariamente a doutrina entende que, sendo a ação popular a representação de exercício de umdireito político, a outorga de legitimidade ativa ao relativamente incapaz lhe dá automaticamente acapacidade de estar em juízo610. Entende-se que, sendo capaz de exercer o direito político máximo devotar em seus representantes, o sujeito maior de 16 anos e menor de 18 anos também teriacapacidade de exercer mais um direito político, qual seja, controlar os elegidos por meio da açãopopular611. Por outro lado, há doutrina que defende a emancipação do eleitor, nesse caso, a justificarsua capacidade de estar em juízo612. Para corrente doutrinária minoritária, não se deve confundirlegitimidade (condição da ação) com capacidade de estar em juízo (pressuposto processual), deforma que será indispensável a presença de representação processual para assistir o autor nahipótese ora analisada613.

7.3.1.3. Intervenção superveniente de cidadão no polo ativoNos termos do art. 6º, § 5º, da Lei 4.717/1965, é facultado a qualquer cidadão habilitar-se como

litisconsorte ou assistente do autor da ação popular. O termo facultado é muito bem aplicado pelodispositivo legal, considerando-se que, (i) partindo-se da premissa de litisconsórcio ativo ulteriorentre cidadãos, não há dúvida de sua natureza facultativa; (ii) tratando-se de assistência, essa formade intervenção de terceiro é sempre voluntária. O que causa estranheza, entretanto, é constar daprevisão legal duas qualidades processuais para o cidadão que se habilita na ação popular em

trâmite: litisconsorte e assistente.Existem duas espécies de assistência. A assistência simples, também chamada de adesiva, é

considerada a forma tradicional de assistência, sendo sua hipótese de cabimento prevista no art. 50do CPC. Nessa espécie de assistência, a intervenção só é admitida se houver um interesse jurídicodo terceiro na solução da demanda, representado no caso pela existência de uma relação jurídica nãocontrovertida, distinta daquela discutida no processo entre o assistente (terceiro) e o assistido (autorou réu), que possa vir a ser afetada pela decisão a ser proferida no processo do qual não participa.Já na assistência litisconsorcial, ou qualificada, prevista pelo art. 54 do CPC, o terceiro é titular darelação jurídica de direito material discutida no processo, sendo, portanto, diretamente atingido emsua esfera jurídica pela decisão a ser proferida. Dessa forma, o assistente litisconsorcial tem relaçãojurídica tanto com o assistido quanto com a parte contrária, afinal, todos eles participam da mesmarelação de direito material, diferente do que ocorre no litisconsórcio simples, no qual não há relaçãojurídica do assistente com o adversário do assistido.

Como não há necessidade de existência de uma relação jurídica não controvertida entre o terceiroe qualquer uma das partes na ação popular, será impossível concluir-se que sua intervenção dar-se-ápela assistência simples. Ainda que o cidadão não seja titular do direito material discutido na açãopopular, de titularidade da coletividade, entendo que, admitindo-se a premissa de que o cidadão queingressa na ação popular em trâmite é um assistente, será um assistente litisconsorcial.Independentemente de ser titular ou não do direito material discutido na demanda – e na ação popularo cidadão realmente não é titular – sendo legitimado a defendê-lo em juízo, o ingresso de terceirodar-se-á por meio da assistência litisconsorcial614.

A assistência litisconsorcial é possível apenas nas hipóteses de litisconsórcio facultativo, porquesomente nesse caso o titular do direito ou o legitimado a defendê-lo em juízo poderá ser excluído dademanda por vontade das partes. Significa dizer que, se porventura o autor tivesse formado olitisconsórcio entre todos os titulares do direito, não haveria terceiros a ingressar como assistentes.Como esse litisconsórcio, entretanto, é facultativo, uma vez não formado por vontade do autor, ostitulares do direito ou legitimados a defendê-lo em juízo que ficaram de fora da relação jurídicaprocessual serão os terceiros que, querendo, ingressarão no processo alheio como assistenteslitisconsorciais. É justamente isso que ocorre na ação popular.

No tocante à assistência qualificada, entretanto, há intenso debate doutrinário a respeito da realqualidade processual do terceiro que ingressa no processo como assistente litisconsorcial: seráefetivamente um assistente qualificado ou um litisconsorte da parte, tratando-se, nesse caso, delitisconsórcio ulterior?

A corrente doutrinária que defende que o substantivo assistência prepondera sobre o adjetivolitisconsorcial afirma que a redação do art. 54 do CPC não estabelece que o assistente seráconsiderado litisconsorte, simplesmente significando que o seu tratamento procedimental será delitisconsorte, mas a sua qualidade processual continua a ser de assistente. Sustenta-se que esseterceiro que ingressa no processo nada pede e contra ele nada é pedido, de forma que o seu ingressonão inclui no processo qualquer nova demanda, o que é suficiente para não considerá-lo parte615.

Não parece ser esse, entretanto, o melhor entendimento, porque o fato de o terceiro que ingressa noprocesso não fazer pedido ou contra ele nada ser pedido é irrelevante na definição de sua posiçãojurídica processual616. Na realidade, fazendo ou não o pedido ou sendo ou não feito pedido contra

ele, por ser o titular do direito material discutido no processo, o acolhimento ou a rejeição o atingiráda mesma forma que o atingiria se o sujeito tivesse feito pedido ou contra ele tivesse sido feitoqualquer pedido. O que precisa restar claro é que o pedido será sempre o mesmo, esteja o sujeitopresente ou não no início da demanda, tornando-se absolutamente irrelevante o fato de aquele pedidoser feito expressamente por ele ou contra ele.

Intervindo no processo, passa a ser parte, sendo tal constatação inegável, até porque o mesmoocorre com o assistente simples. E também será parte na demanda, considerando-se que é titular dodireito discutido no processo. Tendo o terceiro legitimidade para participar do processo e somentenão o fazendo desde o início por vontade do autor, a partir do instante em que passa a fazer parte darelação jurídica processual, como titular do direito discutido, deverá ser considerado parte nademanda. A conclusão, portanto, é de inexistência da figura jurídica criada pelo art. 54 do CPC,considerando-se que o assistente litisconsorcial na verdade é reputado autor ou réu a partir domomento em que ingressa no processo, em verdadeira hipótese de litisconsórcio facultativoulterior617. A doutrina majoritária entende ser esse o caso na ação popular quando cidadão ingressaem ação em trâmite618.

Significa dizer que, adotando-se o entendimento de que a assistência litisconsorcial não passa deuma espécie de litisconsórcio ulterior, o art. 6º, § 3º, da Lei 4.717/1965 teria sido indevidamenterepetitivo, porque, sempre que um cidadão ingressar em ação popular em trâmite, será consideradolitisconsorte do cidadão que ingressou com a demanda judicial.

Por outro lado, para os que entendem haver diferença entre os fenômenos processuais, odispositivo foi preciso ao prever tanto o litisconsórcio ulterior como a assistência, tudo a dependerde o cidadão interveniente fazer ou não pedido na ação popular. Adotando-se esse entendimento,somente quando o cidadão ingressa em momento propício a fazer pedido será considerado umlitisconsorte do autor originário, devendo-se levar com consideração o art. 264 do CPC, que trata daestabilização objetiva da demanda. Dessa forma, ingressando antes da citação do réu, ou mesmodepois dela e antes do saneamento do processo, será possível que o terceiro interveniente façapedido, ainda que condicionado à concordância do réu no segundo caso, hipótese na qual serálitisconsorte do autor. Ingressando após esse momento procedimental, por lhe ser vedado formularpedido contra o réu, será considerado assistente litisconsorcial do autor.

Registre-se que, adotado o entendimento de que a estabilização objetiva da ação coletiva não deveseguir as regras do Código de Processo Civil, admitindo-se a alteração da causa de pedir e dopedido até a prolação da sentença, desde que respeitado o princípio do contraditório e da boa-féprocessual, como defende considerável parcela da doutrina, as considerações do parágrafo anteriordevem ser revistas. Sendo admitida a formulação de pedido a qualquer momento antes da prolaçãoda sentença, parece que qualquer intervenção de terceiro dar-se-á pelo fenômeno do litisconsórcioulterior, não havendo espaço para a assistência litisconsorcial.

De qualquer forma, e procedimentalmente esse aspecto é essencial, o tratamento procedimentaldesse cidadão interveniente será o mesmo, seja ele assistente litisconsorcial ou litisconsórcioulterior, considerando que mesmo a doutrina que defende a existência de assistência litisconsorcial étranquila em afirmar que, embora não seja litisconsorte, esse assistente é tratado, no tocante àaplicação das regras procedimentais, como se o fosse619.

Registre-se, por fim, que o tema a respeito da qualidade processual do cidadão interveniente na

ação popular não é polêmico somente na doutrina, refletindo também no Superior Tribunal de Justiça,que ora trata tal intervenção como assistência litisconsorcial620, ora como litisconsórcio ulterior,sendo que, nesse último caso, afasta expressamente a eventual violação ao princípio do juiz naturalem razão de formação de litisconsórcio ativo ulterior facultativo621.

7.3.2. Legitimidade passiva

7.3.2.1. Legitimados passivos

Nos termos do art. 6º, caput, da Lei 4.717/1965 (LAP), a ação será proposta contra as pessoasjurídicas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º da mesma lei, que prevê a União, oDistrito Federal, os Estados, os Municípios, as entidades autárquicas, as sociedades de economiamista, as sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, asempresas públicas, os serviços sociais autônomos, as instituições ou fundações para cuja criação oucusteio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receitaânua, as empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dosMunicípios, e quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

Como se pode notar da extensa lista de legitimados passivos, toda pessoa jurídica que de algumaforma gira patrimônio e recursos públicos tem legitimidade passiva na ação popular, o que consagraa tradicional característica da ação popular de forma jurisdicional de controle da administraçãopública. A amplitude abrange as agências executivas, as agências reguladoras, organizações sociais eorganizações da sociedade de interesse público622. Para se ter uma ideia de tal amplitude, o SuperiorTribunal de Justiça já teve oportunidade de decidir pela legitimidade passiva em ação popular deempresa supranacional623.

A amplitude na legitimação passiva, entretanto, não deve transpor o limite natural de proteção aopatrimônio público, em suas diversas facetas, por meio da ação popular. Dessa forma, apesar denobre a tentativa de alargar a legitimidade passiva na ação popular para pessoas jurídicas privadas,sem qualquer subvenção de cofres públicos, quando o ato ou violação atingir o meio ambiente,parece ser adequada a resistência a tal entendimento. A ação civil pública será a demanda coletivaadequada para tal hipótese, sendo o cabimento da ação popular tão somente uma indevida ampliaçãode legitimidade do cidadão para ação coletiva para a qual lhe falta legitimidade.

Além dessas pessoas jurídicas, o art. 6º, caput, da Lei 4.717/1965 (LAP) atribui legitimidadepassiva às autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado,ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão.Como se pode notar do dispositivo legal, qualquer autoridade que participe ativa ou omissivamenteda ilegalidade ou abuso de poder tem legitimidade passiva na ação popular, desde o mais alto aomais baixo posto. O termo “funcionário” não foi utilizado em seu sentido técnico, devendo sercompreendido como qualquer sujeito ocupante de cargo público e de função pública na qualidade deextranumerário, inclusive contratados624.

Há uma especialidade quanto à legitimação passiva na ação popular decorrente do art. 6º, § 2º, daLei 4.717/1965, que faz expressa remissão à ação popular fundada em ato ou contrato de operaçãobancária ou de crédito real quando o valor real do bem dado em hipoteca ou penhor for inferior aoconstante de escritura, contrato ou avaliação. Nesse caso, além das pessoas públicas e privadas

previstas no art. 1º, caput, da mesma lei, o dispositivo ora analisado prevê que apenas osresponsáveis pela avaliação inexata e os beneficiários dessa avaliação serão legitimados a compor opolo passivo da ação popular. Entendo que, nesse caso, a novidade fica por conta da exclusão detodas as autoridades, funcionários e administradores que tenham de alguma forma participado do ato,limitando a lei a legitimidade ao responsável direto pela inexata avaliação.

Por fim, o art. 6º, caput, da Lei 4.717/1965 (LAP) prevê ainda a legitimidade passiva dobeneficiário direto pelo ato ou omissão, esclarecendo o § 1º do mesmo dispositivo que, não havendo,no caso concreto, tal sujeito, ou sendo ele indeterminado, a ação popular será proposta somentecontra a pessoa jurídica e a autoridade, funcionário ou administrador. A questão central desselegitimado passivo é a distinção entre aquele sujeito que é beneficiado diretamente pelo ato ouomissão daquele que se aproveita de forma indireta. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, osbeneficiados indiretos são aqueles que apenas episódica e circunstancialmente são beneficiados peloato ou omissão, ou seja, aqueles que não guardam relação de causalidade necessária e suficiente coma violação apontada na ação popular625.

Uma empresa que, contratando sem licitação com o Poder Público, aliena bens em valores muitoacima dos de mercado, certamente é beneficiária direta do ato ilegal, considerando-se que teve umlucro indevido à custa de uma ilegalidade. O diretor responsável pela falcatrua, que recebeu umacomissão em razão da fraudulenta alienação, também é beneficiário direto e deve compor o polopassivo da ação popular. Os sujeitos que se valem dos bens adquiridos no dia a dia, ainda quepossam ter sido beneficiados com a aquisição de tais bens pelo poder público, são somentebeneficiados reflexos, não havendo, com relação a eles, a vinculação direta à ilegalidade a ponto delhes conferir legitimidade passiva para compor o polo passivo da ação popular.

O art. 7º, § 2º, III, da Lei 4.717/1965 (LAP) reconhece a dificuldade na determinação a priori dossujeitos responsáveis pelo ato e dos beneficiários diretos. Como é indiscutível a natureza delitisconsórcio necessário previsto pelo art. 6º, caput, da mesma lei, a ausência de um legitimadopassivo poderia levar o processo à sua anulação, o que seria trágico para a tutela do patrimôniopúblico. Buscando evitar que isso ocorra e, ao mesmo tempo, reconhecendo a possibilidade de sedescobrir um legitimado passivo somente durante o processo judicial, o artigo ora comentado criainteressante regra que flexibiliza a estabilização subjetiva da demanda prevista no art. 264 doCPC626, evitando a anulação do processo.

Segundo o dispositivo legal, se a existência ou identidade de sujeito responsável pelo ato ouomissão ou beneficiário direito se tornarem conhecidas no curso do processo e antes de proferida asentença, esse sujeito deverá ser citado para integrar o polo passivo da demanda. Como se podenotar do dispositivo legal, haverá a formação de um litisconsórcio passivo ulterior a qualquermomento do processo, desde que antes da sentença, com o que se evita eventual supressão de graujurisdicional. Ainda segundo o dispositivo legal, uma vez incluído o sujeito no polo passivo, teráaberto o prazo de contestação e a oportunidade de produção de provas, com o que se consagra oindispensável contraditório. Mesmo que esse retrocesso possa atrasar o andamento procedimental daação popular, não parece que a inclusão tardia de réu no processo possa gerar a dispensa do direito àampla defesa e contraditório.

Situação especial se configurará se o autor abrir mão da citação real desse litisconsórcio passivoulterior, preferindo a publicação de edital, o que lhe faculta o art. 7º, § 2º, II, da Lei 4.717/1965.

Nesse caso, o terceiro integrado tardiamente ao processo terá um prazo de 30 dias para apresentarsua defesa e, na ausência de resposta, lhe será constituído um curador especial, com poderesespeciais para a apresentação de contestação por negativa geral627. Como se nota, de qualquer forma,com citação real ou ficta, estar-se-á respeitando o princípio do contraditório.

7.3.2.2. Legitimação bifronte das pessoas jurídicas de direito público ou privadoComo já devidamente exposto, as pessoas jurídicas de direito público e privado descritas no art.

1º, caput, da Lei 4.717/1965 (LAP) são legitimadas passivas na ação popular. Sendo a legitimaçãoativa exclusiva do cidadão, por expressa previsão do mesmo dispositivo legal, seria corretoconcluir-se que tais pessoas jurídicas nunca poderão fazer parte do polo ativo de uma ação popular,sendo que sua presença só seria admitida no polo passivo. Ocorre, entretanto, que o art. 6º, § 3º daLei 4.717/1965 prevê uma atípica legitimidade ativa superveniente a esses sujeitos que, iniciando aação em seu polo passivo, podem optar por integrar posteriormente o polo ativo, em litisconsórciocom o cidadão que promoveu a demanda judicial.

Segundo o dispositivo legal ora analisado, a pessoa jurídica de direito público ou privado poderá,abstendo-se de contestar o pedido, passar a atuar ao lado do autor, criando uma espécie sui generisde litisconsórcio ativo ulterior formado pelo autor originário e um dos réus originários. Aexcepcional mudança de polo do processo, também admitida na ação de improbidade administrativa,deve se afigurar útil ao interesse público, cabendo ao representante legal ou dirigente da pessoajurídica a análise do preenchimento desse requisito no caso concreto.

Não custa lembrar que a ação popular visa proteger o patrimônio público, apontando um ato ouomissão ilegal ou praticada com abuso de poder, de forma que a pessoa jurídica legitimada passivada ação é, em tese, a pessoa lesada diretamente com a prática apontada na petição inicial da açãopopular. Essa constatação sugere que a pessoa jurídica possa ter tanto interesse quanto o autor naanulação do ato viciado e na recomposição de seu patrimônio público, ilegalmente desfalcado pelaatuação de pessoas naturais responsáveis pela prática do ato impugnado. Caso perceba que apretensão constante na ação popular é legítima, é também de seu interesse que seja acolhida peloPoder Judiciário, não havendo sentido em manter a pessoa jurídica no polo passivo da demanda.Como um eventual reconhecimento jurídico do pedido seria plenamente ineficaz em razão da naturezaunitária do pedido de anulação do ato administrativo impugnado, o legislador entendeu maisadequado permitir uma mudança de polo, passando a pessoa jurídica a participar do processo comoautora da ação popular, posição que melhor se adequará a sua concordância com a pretensão doautor originário.

O momento adequado para a alteração de polos admitida pelo artigo ora comentado não é unânime.Tanto na doutrina quanto na jurisprudência há acalorado debate a respeito do tema.

Seguindo a literalidade do dispositivo legal, corrente doutrinária defende que a pessoa jurídicadeve pedir seu ingresso no polo ativo, com a consequente retirada do polo passivo, no prazo decontestação; afinal, o art. 6º, § 3º, da Lei 4.717/1965 prevê que o réu deve se abster de contestar epedir a alteração legal, de forma que, ultrapassado esse momento processual, não mais se admitiria aalteração628. Parece que, para essa corrente doutrinária, de duas uma: vencido o prazo de contestaçãoe não sendo ela apresentada, a alteração seria impedida pela preclusão temporal; apresentada acontestação dentro do prazo legal, a alteração seria impedida pela preclusão lógica, não se

admitindo àquele que se colocou contra a pretensão assumir posteriormente o polo ativo da açãopopular. Há decisão do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido629.

Sou adepto do entendimento contrário, que se afasta da interpretação literal do dispositivo legalora analisado, fixando-se mais no requisito que deve ser preenchido para que a pessoa jurídica saiado polo passivo rumo ao polo ativo da ação. Sendo o interesse público o motivo da alteração dopolo, vejo com extrema dificuldade a existência de preclusão, de qualquer espécie, a impedir aalteração analisada. Nem sempre a pessoa jurídica tem condições de notar a adequação da pretensãono momento de apresentar a defesa, e uma alteração açodada é até mesmo temerária. Melhor seriaadmitir a alteração até a prolação da sentença, desde que os elementos constantes nos autospossibilitem a formação segura do convencimento da pessoa jurídica a respeito do acerto dapretensão do autor630. Registre-se que nesse sentido também existe precedente do Superior Tribunalde Justiça631.

Por fim, cumpre registrar que essa inusitada alteração de polos leva a situação ainda mais suigeneris na ação popular. Imagine-se que uma pessoa jurídica colocada originariamente como réudecida formar um litisconsórcio ativo com o cidadão que propôs a ação, sendo que, posteriormente,esse cidadão desiste da ação. Publicados os editais nos termos do art. 9º da Lei 4.717/1965, nenhumoutro cidadão se habilita a assumir o polo ativo, mesma conduta assumida pelo Ministério Público,que, como já visto, não tem dever funcional de assumir o polo ativo nessas circunstâncias. A pessoajurídica que, no início, era ré, mas quando da desistência do autor originário já formava com ele umlitisconsórcio ativo, poderá sozinha continuar com a ação popular, o que gerará uma excepcionalhipótese de polo ativo preenchido tão somente com uma pessoa jurídica de direito público ouprivado.

7.3.3. Litisconsórcio ativo e passivoDeterminados os legitimados ativos e passivos na ação popular, cabe a análise de quais espécies

de litisconsórcio existem nessa ação coletiva.No polo ativo, tratando-se de litisconsórcio inicial, somente tem legitimidade para a propositura

da ação popular o cidadão, sendo que cada um dos cidadãos legitimados poderá ingressarsolitariamente com a ação judicial, o que permite a conclusão no sentido de ser um litisconsórciofacultativo aquele formado por mais de um cidadão para o ajuizamento da ação popular. Somente avontade desses sujeitos, resultante de um juízo de oportunidade e conveniência, é apta à formação dolitisconsórcio ativo inicial, o que demonstra claramente sua natureza facultativa.

O entendimento é pacífico, havendo inclusive doutrina que defende a aplicação do instituto dolitisconsórcio multitudinário à ação popular, admitindo que o juiz, nos termos do art. 46, parágrafoúnico, do CPC, limite o número de autores632. Ainda que o dispositivo legal mencionado realmenteseja aplicável ao litisconsórcio facultativo, como é o caso, entendo ser inaplicável à ação popular,considerando-se não só a natureza unitária de tal litisconsórcio, como também as particularidades dapretensão veiculada por meio dessa ação.

Uma eventual limitação no número de litisconsortes, nos termos do art. 46, parágrafo único, doCPC, exigiria de alguns autores populares a propositura de outra ação popular (ou ações), idêntica àprimeira, já que a mera diferença de autores não é o suficiente para distinguir ações populares com omesmo réu, mesmo pedido e mesma causa de pedir. Pergunta-se: nesse caso, a segunda ação não

seria obstada em razão do fenômeno da litispendência? E caso seja afirmativa a resposta, como meparece ser, seriam aceitos os autores excluídos da ação popular que continua em trâmite comolitisconsortes ulteriores ou assistentes litisconsorciais, nos termos do art. 6º, § 5º, da Lei4.717/1965? Ou simplesmente se retiraria o direito de ação popular desses cidadãos?

O que pretendo demonstrar é que a ratio do litisconsórcio multitudinário, apesar de também existirna ação popular, não é suficiente para a limitação no número de litisconsortes ativos, sendoinaplicável na ação popular o art. 46, parágrafo único, do CPC.

Como já adiantado, entendo que o litisconsórcio ativo formado entre cidadãos é unitário, porque apretensão dos autores receberá o mesmo tratamento na decisão judicial que julga a ação popular,sendo inviável que um cidadão tenha o pedido acolhido e outro tenha o mesmo pedido rejeitado.Essa necessidade de uniformidade da decisão que julga a ação popular deixa claro que olitisconsórcio ativo formado nessa ação, apesar de facultativo, quando formado por vontade dosautores, será unitário.

No polo passivo, é pacífico o entendimento de que o litisconsórcio formado pelos legitimadospelo art. 6º, caput, do CPC é necessário, sendo indispensável que o polo passivo seja formado portodos eles633. No tocante à unitariedade ou não desse litisconsórcio, dependerá do pedido formuladopelo autor e, em consequência, do capítulo da sentença que o decidir634. Na ação popular, haverásempre uma cumulação sucessiva de pedidos: (i) no pedido de anulação do ato administrativo ou dadeclaração de omissão, o litisconsórcio é unitário, sendo inviável que o ato seja anulado para uns emantido para outros sujeitos processuais ou que haja declarações com diferentes conteúdos; (ii) nopedido condenatório, de reparação do prejuízo, o litisconsórcio será simples, porque nem todos osréus serão obrigatoriamente condenados da mesma forma, tudo a depender da efetiva participação decada um deles na ilegalidade ou abuso de poder apurado durante a ação popular.

Apesar do indiscutível acerto do entendimento defendido, que distingue o litisconsórcio simplesdo unitário partindo do pedido formulado pelo autor da ação popular, o Superior Tribunal de Justiçanão é muito técnico quando enfrenta o tema. Há decisões que, sem a devida distinção a respeito dospedidos formulados, simplesmente apontam para a natureza unitária do litisconsórcio passivo635,enquanto outras apontam para sua natureza simples636.

7.3.4. Intervenção de terceiros na ação popularA par do debate a respeito da exata dimensão do art. 6º, § 5º, da Lei 4.717/1965, devidamente

desenvolvido em capítulo específico sobre o tema, cabe uma breve exposição a respeito dasintervenções de terceiro na ação popular. Das cinco formas típicas de intervenção, parece serindiscutível o não cabimento de ao menos três: oposição; nomeação à autoria e chamamento aoprocesso, sendo que, nessa última, caso exista efetivamente um responsável solidário que nãocomponha o polo passivo, a formação do litisconsórcio ulterior será admitida em razão da permissãoprevista no art. 7º, § 2º, III, da Lei 4.717/1965 (LAP).

A assistência deve ser admitida tanto no polo ativo como no passivo, seguindo basicamente asregras do Código de Processo Civil, exigindo-se para o ingresso do terceiro a existência de interessejurídico na solução da ação popular. Um particular, pessoa humana ou jurídica, que possa vir a serafetado juridicamente em razão da decisão popular, sofrendo os efeitos da decisão em relaçãojurídica mantida com um ou alguns dos réus, ou ainda interessado juridicamente na proteção do

patrimônio público, poderá, como no caso das associações civis637, ingressar na ação popular comoassistente.

No tocante à denunciação da lide, seria até viável imaginar seu cabimento em razão da regraconsagrada no art. 11 da Lei 4.717/1965, que ressalva a ação regressiva contra os funcionárioscausadores de dano, quando incorrem em culpa, na hipótese de condenação dos réus na ação popular.A expressa previsão de direito regressivo pode levar o leitor mais apressado à conclusão decabimento de denunciação da lide na ação popular, com o que, entretanto, não se pode concordar.Como já se teve oportunidade de afirmar, o litisconsórcio passivo na ação popular é necessário, deforma que os agentes responsáveis pelo ato causador do dano já devem fazer parte do polo passivoda ação, bem como os beneficiários direitos.

Uma interpretação possível, defendida por parcela da doutrina, teria sido a adoção daresponsabilidade objetiva na ação coletiva, de forma que todos os responsáveis pelo atoadministrativo devem ser condenados independentemente de culpa, restando àqueles que satisfazem odireito de crédito com seu patrimônio, mas não tiveram culpa na formulação ou efetivação do atoadministrativo impugnado, cobrarem regressivamente os funcionários que incorrem em culpa e nãosofreram perda patrimonial na execução da sentença popular638.

Não parece correto o entendimento, considerando-se que a responsabilidade objetiva, por serexcepcional, depende de expressa previsão legal, o que não ocorre para todos os réus da açãopopular. Na realidade, o único réu que responde com responsabilidade objetiva é a pessoa jurídicade direito público, que naturalmente não será condenada a pagar a ela mesma os prejuízos por elasuportados. Para os agentes que participaram do ato e os beneficiários diretos, é aplicada a regrageral da responsabilidade subjetiva, tanto assim que o funcionário que simplesmente seguiu ordensda chefia, a qual não poderia contrariar, não deve ser condenado ao ressarcimento.

Outra interpretação feita pela doutrina parte da premissa de que o litisconsórcio entre osfuncionários responsáveis pelo ato é facultativo, de forma que aqueles que não participaram do polopassivo da demanda poderiam ser demandados regressivamente pelos que foram condenados na açãopopular639. Esse entendimento deve ser descartado, em razão da equivocada premissa adotada.

Independentemente do entendimento a respeito da previsão final do art. 11 da LAP, que consideromaterialmente inaplicável, a doutrina, de forma uníssona, ainda que por razões diversas, defende onão cabimento da denunciação da lide na ação popular640.

7.3.5. Participação do Ministério Público

7.3.5.1. Legitimidade ativa superveniente

Conforme já analisado, a legitimidade ativa na ação popular é exclusiva do cidadão-eleitor, o queafasta qualquer possibilidade de o Ministério Público propor tal espécie de ação coletiva.Originariamente, portanto, é vedado ao Ministério Público compor o polo ativo da ação popular, emsituação bem distinta das demais ações coletivas. Ocorre, entretanto, que existe uma possibilidadepara que o Ministério Público assuma a condução da ação popular, de forma que teria,exclusivamente nessa situação, uma legitimidade ativa superveniente, condicionada a ocorrência dascircunstâncias descritas no art. 9º da 4.717/1965 (LAP).

Segundo o art. 9º da Lei 4.717/1965 (LAP), ocorrendo uma das hipóteses descritas, serão

publicados editais, nos termos do art. 7º, II, da mesma lei, abrindo-se um prazo de 90 dias para quequalquer cidadão ou o Ministério Público assumam o polo ativo da ação popular. Trata-se deinteressante hipótese de sucessão processual a se verificar no polo ativo da demanda, permitindo-seque o Ministério Público ou qualquer outro cidadão – além da pessoa jurídica de direito público ouprivado, originariamente figurando no polo passivo da demanda – possam assumir o polo ativo,desde que o cidadão autor originário desista da ação ou dê motivo para a “absolvição da instância”.

7.3.5.2. Ministério Público como fiscal da leiComo em toda ação coletiva em que não participa como autor, o Ministério Publico intervirá

obrigatoriamente como fiscal da lei na ação popular. A atuação, nesse caso, vem prevista no art. 6º, §4º, da Lei 4.717/1965, que, ao invés de se limitar a prever a obrigatória participação, descrevedeterminadas condutas que deverão ser adotadas pelo membro do parquet, inclusive permitindo quese questione em que qualidade efetivamente o Ministério Público intervém na ação coletiva. O examedo dispositivo legal aclarará o tema.

A primeira conduta prevista no dispositivo legal ora comentado é o apressamento da produção daprova, cujo exemplo típico, mas não exclusivo, vem consagrado no art. 7º, § 1º, da Lei 4.717/1965.Nos termos desse artigo, cabe ao representante do Ministério Público providenciar para que asrequisições judiciais dirigidas às entidades indicadas na petição inicial ou mesmo terceiras sejamcumpridas dentro dos prazos fixados pelo juiz. Não seria propriamente apressar a produção daprova, mas providenciar para que seja produzida dentro do prazo, uma interessante forma decontrolar o andamento da produção da prova de forma a não retardar o procedimento.

Ocorre, entretanto, que a atuação ministerial é bem mais ampla no campo probatório do que podesugerir a mera interpretação literal do dispositivo ora comentado. Não restam maiores dúvidas deque, além de apressar a produção da prova, poderá também pedir sua produção641, participar de suarealização e impugnar seus resultados, na tentativa de influenciar na formação do convencimento dojuiz. Ainda que não seja autor da ação coletiva, até para melhor fiscalizar a lei, o Ministério Públicotem total interesse no esclarecimento fático da demanda, até porque ele sabe que, se o direito decorredos fatos, a boa aplicação daquele depende necessariamente da correta fixação desses.

Essa ampla participação no campo probatório levou o Superior Tribunal de Justiça a admitir opedido formulado pelo Ministério Público para que fosse trasladada de outro processo a cópia detítulo de eleitor do autor, sem o qual a petição inicial seria indeferida642. Segundo o Tribunal, oMinistério Público não só tem ampla permissão para a produção da prova, como com ainda maiorrazão deve-se admitir a produção de prova voltada à comprovação da legitimidade ativa do autor,matéria de ordem pública, que naturalmente é tutelável pelo Ministério Público quando atua noprocesso como fiscal da lei.

Ainda segundo o dispositivo legal ora comentado, caberá ao Ministério Público promover aresponsabilidade civil ou criminal dos que nela incidirem. Segundo o art. 15 da LAP, caso o juizconstate, durante a demanda, a prática de ato ilícito penal ou a prática de falta disciplinar a que a leicomine a pena de demissão ou de rescisão de contrato, deverá, mesmo sem provocação, enviarcópias autenticadas que forem necessárias para as autoridades ou administradores a quem competir aaplicação de sanções ou a persecução penal.

Encontra-se no final do art. 6º, § 4º, da Lei 4.717/1965 a parte mais polêmica do dispositivo legal.

A previsão de que é vedado ao Ministério Público, em qualquer hipótese, assumir a defesa do atoimpugnado ou dos seus autores suscita questões até mesmo a respeito da efetiva qualidade processualdo Ministério Público na ação popular. Sendo absolutamente vedada a manifestação em favor dosréus, seria o Ministério Público um auxiliar especial do autor? Mesmo contrariamente à lei, deverá oMinistério Público se posicionar em favor da pretensão do autor, ainda que irrazoável?

Há importante lição doutrinária que defende a inaplicabilidade da regra legal às matérias deordem pública, em especial às processuais, tais como os pressupostos processuais e as condições daação. Nesses casos, o Ministério Público terá o dever de indicar ao juízo matéria processual queleve o processo à extinção sem a resolução do mérito, entendendo-se que não haveria com talconduta qualquer infração ao art. 6º, § 4º, da Lei 4.717/1965, até porque, com tal alegação, oMinistério Público não estaria se manifestando em favor do ato ou dos réus, mas em favor danecessidade de um processo formalmente perfeito643.

Ainda que elogiável o entendimento, não se imaginando motivos para deixar de aplicá-lo no casoconcreto, entendo que ainda é necessária uma melhor interpretação do dispositivo legal no que tocaàs matérias de mérito versadas na ação popular. O propósito do legislador pode até ser consideradopositivo, buscando evitar que qualquer espécie de conluio entre os réus e o promotor de justiçapudesse levar a uma atuação parcial em favor dos acusados pela ilegalidade em detrimento dointeresse público que o autor busca tutelar. Não tem, entretanto, qualquer sentido obrigar o promotorde justiça a um pronunciamento em favor de ilegalidades ou injustiças pretendidas pelo autor, atéporque a tutela dos interesses protegidos pela ação popular só se justifica quando amparada noDireito.

Conforme ensina a melhor doutrina, forçar o promotor de justiça a sempre se manifestar em favorda pretensão do autor retira a eficácia persuasiva dessa atuação diante do juiz, que não saberá seaquela é efetivamente a opinião do Ministério Público ou se a manifestação deriva daobrigatoriedade legal, devendo ser desprezada por ele. O juiz, como sujeito imparcial do processo,não deve se impressionar com manifestações que não expressem efetivamente o convencimento doMinistério Público de que o autor tem razão em sua pretensão, representando apenas o exercício deum dever funcional. Com isso, o próprio Ministério Público tem a importância de sua participaçãodiminuída, sendo natural que o juiz passe a desprezar a opinião ministerial.

Também é preciso lembrar que o dispositivo legal remonta à época em que não existiam outrasações coletivas, em quadro bem distinto do atual. Não há atualmente qualquer sentido no MinistérioPúblico atuar como auxiliar especial do autor na ação popular, até porque, se pretender ser autor deação coletiva que tutela os exatos mesmos direitos protegidos pela ação popular, poderá ingressarcom ação civil pública ou ação de improbidade administrativa. Como se nota, no quadro atual datutela coletiva, há uma sobreposição de ações, que visam tutelar os mesmos direitos, com diferenteslegitimados. Obrigatoriedade de pedir a procedência da ação, portanto, o Ministério Público teria naação civil pública ou de improbidade administrativa proposta por ele, e não na ação popularajuizada pelo cidadão.

Por fim, com a plena simbiose existente entre a ação popular e a ação civil pública deimprobidade administrativa, há doutrina que assemelha a possibilidade de o Ministério Públicopedir o arquivamento do inquérito civil, sem a necessidade de instauração da ação coletiva, com apossibilidade de pedir o julgamento de improcedência da ação popular, sempre que entender não ter

ocorrido a violação apontada pelo autor644. Lembro também do entendimento tranquilo da doutrina nosentido de não ser o Ministério Público, como fiscal da lei, obrigado a pedir a procedência de açõescoletivas em geral645.

Tudo conspira, portanto, para o afastamento da rigidez que uma interpretação literal do art. 6º, §4º, da Lei 4.717/1965 sugere, adotando-se um entendimento mais flexível, permitindo-se ao membrodo Ministério Público a manifestação em sentido da improcedência do pedido do autor sempre que,diante das provas produzidas e alegações feitas pelas partes, acreditar que não existe razão para oacolhimento do pedido do autor. Como fiscal da lei, qualidade reiteradamente reconhecida aoMinistério Público pelo Superior Tribunal de Justiça na ação popular646, deverá ele fiscalizar a boaaplicação da lei e a preservação dos direitos supraindividuais, o que não torna incompatível opedido de improcedência647.

A questão, entretanto, não é totalmente pacificada, como se pode notar de julgado do SuperiorTribunal de Justiça no qual há uma expressa menção à qualidade de auxiliar de autor desempenhadapelo Ministério Público na ação popular648. O curioso desse julgado é que, paradoxalmente, há aafirmação de que o Ministério Público deve intervir na ação popular para oficiar no processo, dizero direito, fiscalizar a aplicação da lei – o que entendo ser função de um verdadeiro fiscal da lei, enão auxiliar do autor –, além de arguir todas as irregularidades ou ilegalidades processuais quecontrariem a ordem pública, no que fica claro que não será auxiliar do autor, considerando que suaatuação poderá levar o processo à extinção sem a resolução de mérito, certamente um desfecho nãopretendido pelo autor.

Registre-se, finalmente, entendimento doutrinário no sentido de que a atuação em favor do autornão significaria obrigatoriedade de pedir a procedência do pedido, mas uma obrigatória participaçãodurante todo o procedimento em favor do autor da ação popular, sendo-lhe vedado, inclusive, opedido de prova que poderia prejudicar a pretensão e a interposição de recurso contra o interesse doautor649. Apesar de elogiável a tentativa de compatibilizar a previsão literal do art. 6º, § 4º, da Lei4.717/1965 com a liberdade ministerial de pedir a improcedência do pedido, o entendimento nãomerece outros elogios.

O que viria a ser prova contra a pretensão do autor? Entendo que, se o Ministério Público atuacomo fiscal da lei na ação popular, deve se preocupar em produzir toda prova necessária para aformação do mais completo convencimento judicial a respeito do substrato fático na demanda.Somente assim, terá tranquilidade de se posicionar com total segurança a respeito do direitoaplicável ao caso concreto, em favor ou contra o autor da ação popular. Seria digna da atuaçãoministerial a inércia probatória, ou ainda pior, a omissão em colaborar com a produção de umaprova, somente porque sua produção poderia demonstrar que o autor não tem razão? Não seria maisadequado, à luz de sua função de fiscal da lei, produzir ou pedir a produção da prova para,constatada a ausência de razão do autor, pleitear pela improcedência de seu pedido?

A afirmação de que essa atuação em favor do autor impediria ao Ministério Público a interposiçãode recurso contra os interesses do mesmo também não merece prosperar. O Ministério Público nãoatua na ação popular como auxiliar do autor, não sendo a qualidade de cidadão do sujeito quepromove tal ação a circunstância que legitima a intervenção do Ministério Público. Sua atuaçãocomo fiscal da lei se justifica em razão da especial natureza do direito material discutido, deinteresse de toda a coletividade, de forma que, deixar de recorrer porque tal postura contraria a

vontade do autor, ainda que condizente com o melhor direito, não tem qualquer sentido lógico oujurídico. Basta imaginar a hipótese de o Ministério Público se manifestar pela improcedência dopedido e não poder apelar de uma sentença que o acolhe, ainda que, à luz do entendimentoministerial, proferida ao arrepio da lei.

7.3.5.3. Participação na execuçãoA indisponibilidade de execução de título executivo judicial no âmbito da tutela coletiva é a regra,

de forma que, não sendo executada a sentença coletiva de procedência pelo autor ou por outrocolegitimado dentro de certo prazo legal, caberá ao Ministério Público o dever funcional de fazê-lo.A justificativa é simples: evitar que um eventual conluio do autor com o réu, ou mesmo umdesinteresse de outros legitimados em executar a decisão, seja capaz de frustrar a proteção de umdireito transindividual já reconhecido por decisão judicial.

O art. 16 da Lei 4.717/1965, que prevê o dever funcional do Ministério Público de executar adecisão judicial, decorridos sessenta dias da publicação da sentença condenatória de segundainstância (melhor seria dizer acórdão de segundo grau), em razão da inércia do cidadão autor e deoutros cidadãos, vai no mesmo sentido do art. 15 da Lei 7.347/1985, que prevê ser dever funcionaldo Ministério Público a execução em sessenta dias do trânsito em julgado, caso não a execute o autorou outro colegitimado.

Ainda que a obrigatoriedade de propositura da execução pelo Ministério Público seja a tônica dosistema da tutela coletiva, é preciso observar importante distinção entre as duas regras legaismencionadas. Enquanto na ação popular, o prazo de sessenta dias tem seu termo inicial na prolaçãoda decisão de procedência do segundo grau, na ação civil pública, a contagem do mesmo prazo sótem início com o trânsito em julgado da sentença de procedência. Significa dizer que o MinistérioPúblico só tem o dever funcional de executar uma sentença proferida em ação civil pública de formadefinitiva, enquanto na ação popular, ainda que pendente de julgamento recurso especial e/ouextraordinário, haverá dever funcional do Ministério Público em executar provisoriamente asentença.

Ainda que se reconheça o nobre objetivo de se executar uma sentença popular a partir do momentoem que ela passa a gerar efeitos no processo, mesmo que ainda não definitiva em razão da pendênciade recurso, não entendo correto imputar ao Ministério Público um dever funcional em executarsentença provisoriamente. Ninguém tem o dever de executar provisoriamente, sendo sempreadmissível que se aguarde o momento de executar a decisão definitivamente, após o trânsito emjulgado, em razão da teoria do risco-proveito aplicável à execução provisória.

Prevê o art. 475-O, I, do CPC que a execução provisória corre por conta e responsabilidade doexequente, em nítida aplicação da teoria do risco-proveito. Significa dizer que a execuçãoprovisória é uma opção benéfica ao exequente, já que permite, se não a satisfação do direito, aomenos o adiantamento da prática de atos executivos. Mas os riscos de tal adiantamento sãototalmente carreados ao exequente, que estará obrigado a ressarcir o executado por todos os danos(materiais, morais, processuais) advindos da execução provisória na hipótese de a sentença serreformada ou anulada pelo recurso pendente de julgamento. A responsabilidade, nesse caso, éobjetiva, de forma que o elemento “culpa” é irrelevante para a sua configuração, bastando aoexecutado provar a efetiva ocorrência de danos em razão da execução provisória650.

Significa dizer que, na ação popular, não se pode impor um dever ao Ministério Público queacarretará um risco de prejuízo aos cofres públicos, porque os danos suportados pelo executadoprovisório nesse caso serão cobrados do Estado. É até mesmo um contrassenso, numa ação em que sebusca a tutela do patrimônio público, exigir do Ministério Público a adoção de uma conduta quepoderá resultar em prejuízo a esse mesmo patrimônio que se buscava tutelar. Dessa forma, ainda queexista expressa previsão a respeito na Lei 4.717/1965, é preferível se aplicar o art. 15 da Lei7.347/1985.

Reconheço que o entendimento ora defendido não encontra amparo nos tribunais, sendo que oSuperior Tribunal de Justiça não só aplica o art. 16 da LAP em sua literalidade como vai além, aoadmitir que em sua interpretação também seja incluída a liquidação da sentença coletiva genérica651.Ainda que a liquidação seja inegavelmente cognitiva, como fase preparatória da execução, é naturalque, por ser a viabilizadora da execução, ainda que dela não faça parte, sejam nessa faseprocedimental aplicáveis subsidiariamente regras voltadas à execução.

O problema, naturalmente, não se coloca na hipótese de sentença de procedência transitada emjulgado em razão de ausência de interposição de apelação por parte dos réus. Apesar deextremamente rara no caso concreto tal situação, o dever do Ministério Público de executar asentença coletiva só começa ser contado do trânsito em julgado652.

7.4. COMPETÊNCIAA Lei 4.717/1965 trata da competência da ação popular no art. 5º, sendo, entretanto, norma

incompleta para a exata definição do juízo competente no caso concreto. Na busca da fixação dacompetência, o operador deve atentar para as diversas normas nos mais variados diplomas legais arespeito da competência da Justiça, do foro e do juízo. Para que essa tarefa seja facilitada, é possívelseguir um esquema de descoberta da competência no caso concreto:

1ª etapa: Verificação da competência da Justiça brasileira . Os arts. 88 e 89 do CPC tratam dofenômeno da competência internacional, disciplinando as hipóteses de competência exclusivado juiz brasileiro e as de competência concorrente deste com o juiz estrangeiro. Sendoexclusiva ou concorrente, será competente a Justiça brasileira para julgar o processo.

2ª etapa: Analisar se a competência para julgamento é dos Tribunais de superposição (acompetência originária do STF vem disciplinada pelo art. 102, I, da CF, e a competênciaoriginária do STJ no art. 105, I, da CF) ou de órgão jurisdicional atípico (por exemplo, oSenado Federal – art. 52, I e II, CF – e a Câmara dos Deputados – art. 51, I, da CF).

3ª etapa: Verificar se o processo será de competência da justiça especial (Justiça do Trabalho,Justiça Militar ou Justiça Eleitoral) ou justiça comum (Justiça Estadual e Justiça Federal).

4ª etapa: Sendo de competência da justiça comum, definir entre a Justiça Estadual e a Federal.A Justiça Federal tem sua competência absoluta prevista pelos arts. 108 (TRF) e 109(primeiro grau) da CF. A competência da Justiça Estadual é residual, ou seja, sendo decompetência da justiça comum, mas não sendo de competência da Justiça Federal, será decompetência da Justiça Estadual.

5ª etapa: Descoberta a Justiça competente, verificar se o processo é de competência origináriado Tribunal respectivo (TRF ou TJ) ou do primeiro grau de jurisdição.

6.ª etapa: Sendo de competência do primeiro grau de jurisdição, determinar a competência doforo. Por foro, deve-se entender uma unidade territorial de exercício da jurisdição. Na JustiçaEstadual, cada comarca representa um foro, enquanto, na Justiça Federal, cada seçãojudiciária representa um foro.

7ª etapa: Determinado o foro competente, a tarefa do operador poderá ter chegado ao final.Haverá hipóteses, entretanto, nas quais ainda deverá ser definida a competência de juízo, oque será feito, no mais das vezes, por meio das leis de organização judiciária (responsáveispela criação de varas especializadas em razão da matéria e da pessoa) ou ainda pelo Códigode Processo Civil (definição de qual juízo é competente, quando duas ações são conexas etramitam no mesmo foro – art. 106 do CPC).

É lição clássica o entendimento de que a ação popular é ação de competência de primeiro grau dejurisdição, independentemente da autoridade que figure como réu na ação, não havendo assim que sefalar em competência originária por prerrogativa de função, como ocorre na ação de improbidadeadministrativa. Ainda que possa versar sobre os mesmos fatos jurídicos, a ação popular não prevê assanções típicas da ação de improbidade administrativa, sendo incabível qualquer analogia com acompetência para o julgamento de crimes de responsabilidade praticados pela autoridade653.

O Supremo Tribunal Federal, entretanto, já teve oportunidade de lembrar que, em situaçõesexcepcionais, terá competência originária para o julgamento da ação popular654. São duas essashipóteses: (a) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ouentre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta (art. 102, I, f, da CF);(b) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados eaquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejamdireta ou indiretamente interessados (art. 102, I, n, da CF).

Uma vez determinada a competência do primeiro grau de jurisdição, que é a regra, aplica-se aprevisão do art. 5º da LAP, que deixa curiosamente de fixar a competência do foro (territorial).

No caput do dispositivo mencionado, consta informação de suma relevância para a determinaçãoda Justiça competente, com a previsão de que a origem do ato impugnado deve ser considerada paraa fixação da competência. O melhor entendimento do dispositivo legal é que, havendo no polopassivo pessoa jurídica federal, a competência será da Justiça Federal, enquanto, nos casos depessoa jurídica estadual, municipal e do Distrito Federal, a competência será da Justiça Estadual.Nenhuma grande revelação, pois se chegaria a mesma conclusão pela leitura do art. 109, I, da CF.

Também não pode ser considerada inovadora, diante do quadro atual da competência no sistemajurídico pátrio, a previsão do art. 5º, § 2º, da LAP. O dispositivo prevê, em redação tortuosa, acompetência de juízo, mais precisamente de vara especializada da Fazenda Pública, naquelascomarcas e seções judiciárias onde houver tal vara. Registre-se, por fim, que, por se tratar da fixaçãode competência de juízo, somente após a fixação da competência do foro terá alguma relevância aexistência ou não de vara especializada em razão da matéria. A vara especializada em razão damatéria não modifica regra de competência de foro, só passando a ter importância após taldeterminação655.

Como se pode notar, não há qualquer previsão a respeito da competência do foro, sendo missão dooperador desvendar o mistério criado pela Lei de Ação Popular. Vejo duas possibilidades: (a)busca-se a solução dentro do microssistema coletivo, aplicando-se por analogia a regra do art. 2º da

LACP, lembrando a natureza absoluta dessa competência, ou (b) parte-se para o Código de ProcessoCivil, nas regras gerais de competência territorial, de natureza relativa.

Pessoalmente, compartilho do entendimento doutrinário que defende a aplicação da regra jáconstante no microssistema, o que inclusive manteria homogêneo o tratamento da competência doforo no âmbito da tutela coletiva. Ainda que o local nem sempre seja o mesmo (o art. 209 do ECA,por exemplo, indica o local do ato ou da omissão, e não do dano, como ocorre no art. 2º da LACP), aregra é sempre de competência absoluta. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, tementendimento diverso, determinando a aplicação por analogia das regras do Código de ProcessoCivil e transformando a competência territorial da ação popular na única competência relativa detodo o microssistema coletivo, também havendo entendimento doutrinário nesse sentido656.

Dessa forma, figurando no polo passivo a União, aplicam-se os arts. 99, I, do CPC e 109, § 2º, daCF657. Cumpre inicialmente ressaltar que o termo União, contido tanto no art. 109, §§ 1.º e 2.º, da CFcomo no art. 99 do CPC, deve ser interpretado restritivamente, não se aplicando a regra prevista emtais dispositivos aos processos em que figurem como réu autarquias, fundações ou empresas públicasfederais, que seguirão outras regras de competência, em especial as previstas nos arts. 94 e 100, V,a, do CPC658. Figurando a União como ré da ação popular, portanto, o autor poderá optar entre aseção judiciária de seu domicílio, a do local em que houver ocorrido o ato ou fato que deu origem àdemanda, aquela onde esteja situada a coisa objeto da demanda, ou a do Distrito Federal (é hipótesede competência concorrente, com escolha do autor).

Havendo no polo passivo pessoa jurídica de direito público ou privado federal, a competência daJustiça dependerá da interpretação a ser dada ao art. 109, I, da CF. O dispositivo legal se refere àUnião, entidade autárquica e empresa pública federal. A jurisprudência, entretanto, se consolidou nosentido de também incluir as fundações federais como entes aptos a exigir a competência da JustiçaFederal. O mesmo pode ser dito relativamente às agências reguladoras federais659 e aos conselhos defiscalização profissional660. Não ocorre o mesmo com as demandas das quais participe sociedade deeconomia mista, em que, apesar da preponderância de capital pertencente à União, serão decompetência da Justiça Estadual661.

A competência territorial, nesse caso, é regida pela conjugação das alíneas a e b do inciso V doart. 100 do CPC, sendo competente o foro do local da sede ou de agência e sucursal que tenhamcontraído a obrigação objeto do processo. O Superior Tribunal de Justiça entende que, sendo réautarquia federal, a competência é do local de sua sede ou de sua agência ou sucursal em cujo âmbitode competência ocorreram os fatos que originaram a lide662. O objetivo de se admitir a competênciado foro do local de agência ou sucursal da pessoa jurídica é claramente facilitar o acesso à Justiçadaquele que pretende litigar contra grande empresa com sede distante e agências, sucursais ou filiaisespalhadas por todo o País.

É polêmica a conclusão do Superior Tribunal de Justiça pela competência da Justiça Federal emrazão da mera presença do Ministério Público Federal na ação, valendo-se do fundamento daausência de personalidade jurídica do Ministério Público. Afirma-se que o Ministério PúblicoFederal é um órgão da União e, como tal, está incluído no termo “União” expressamente previstopelo art. 109, I, da CF663. Há doutrina, na qual me incluo, que entende ser a simples presença nademanda do Ministério Público Federal incapaz para afirmar a competência da Justiça Federal,devendo a norma constitucional ser interpretada restritivamente. Sem nenhuma indicação legal no

sentido de apontar tal competência, não se afigura correto qualquer interpretação ampliativa. Poroutro lado, além da omissão legislativa – que não pode ser utilizada como argumento de autoridade–, não há nenhuma previsão constitucional (arts. 127 a 129 da CF), tampouco do Estatuto doMinistério Público da União (LC 75/1993) que preveja essa limitação de atuação do MinistérioPúblico Federal à Justiça Federal, sendo plenamente viável sua atuação perante outras Justiças664.

Apesar da relevância do tema, em especial no âmbito da tutela coletiva, deve-se reconhecer que,na ação popular, em razão das formas de participação do Ministério Público, ele é esvaziado emimportância. O Ministério Público funcionará como fiscal da lei, não havendo qualquer razão paraque o juízo estadual no qual tramita a ação popular intime o Ministério Público Federal para intervirno feito e vice-versa. E, mesmo quando o Ministério Público se torna autor, nos termos do art. 9º daLAP, ela já estará participando do processo como fiscal da lei, presumidamente vinculado à suaJustiça de atuação.

Figurando no polo passivo da ação popular o Estado ou Município, a competência será da capitaldo Estado, nos termos do art. 99 do CPC. Figurando pessoa jurídica estadual ou municipal, acompetência territorial nesse caso é regida pela conjugação das alíneas a e b do inciso V do art. 100do CPC, sendo competente o foro do local da sede ou de agência e sucursal que tenham contraído aobrigação objeto do processo.

Interessante notar que, apesar do litisconsórcio passivo formado na ação popular, é a pessoajurídica de direito público ou privado que determina a regra de competência territorial, sendo o localde domicílio das pessoas humanas que compõem o polo passivo irrelevante para fins de fixação decompetência. Uma ação popular movida contra o Município de Vitória, por exemplo, ainda que tenhafuncionários da Municipalidade como réus domiciliados em Vila Velha e beneficiados domiciliadosem Cariacica, terá como foro competente a Comarca de Vitória. Trata-se de interessante hipótese deinaplicabilidade do art. 94, IV, do CPC.

7.5. PROCEDIMENTO

7.5.1. Introdução

Não restam maiores dúvidas a respeito da natureza de ação de conhecimento da ação popular, oumesmo de um processo sincrético cuja primeira fase é de conhecimento. Segundo o art. 7º da Lei4.717/1965, a ação popular seguirá basicamente o procedimento ordinário, apenas com algumaspeculiaridades, de forma que só há no presente estudo interesse na análise dessas singularidades.

7.5.2. Petição inicialAplicando-se à ação popular o princípio da inércia da jurisdição, a movimentação jurisdicional

depende de provocação da parte interessada, o que se dará no caso concreto por meio da petiçãoinicial. Aplicam-se subsidiariamente os arts. 282 e 283 do CPC, e nem cabe afirmar que se aplicamtais dispositivos naquilo que couber, porque, ao menos com relação ao art. 282 do CPC, a aplicaçãoé integral. A especialidade da petição inicial fica por conta da aplicação do art. 283 do CPC.

O inciso I do art. 282 do CPC exige que conste da petição inicial o endereçamento, não havendoqualquer particularidade na ação popular, o mesmo ocorrendo no tocante ao inciso II, que exige aqualificação das partes, o inciso III, que versa sobre a causa de pedir (fatos e fundamentos jurídicos

do pedido), o inciso VI, que prevê o pedido de provas, e o inciso VII, que exige o pedido de citaçãodo réu (no caso da ação popular, dos réus). Características específicas da petição inicial na açãopopular estão limitadas aos incisos IV e V do art. 282.

O inciso IV trata do pedido, que pode cumular até quatro pretensões: (a) decretação de invalidadedo ato ou omissão; (b) desconstituição do ato; (c) declaração da omissão, (d) condenação em perdase danos ou em obrigação de fazer, não fazer e entregar. Em regra, haverá uma cumulação sucessivade pedidos, envolvendo um ou ambos os pedidos indicados em (a), (b) (c) e o de naturezacondenatória (d). Afirmo que, em regra, haverá essa cumulação, em razão da constatação já feita deque a mera ofensa à moralidade administrativa, tratada como bem imaterial, pertencente aopatrimônio público, é o suficiente para sustentar a pretensão na ação popular. Dessa forma, havendotão somente a pretensão de anular um ato contrário à moralidade administrativa, é possível que nãovenha tal pedido cumulado com o indenizatório. Quem sabe um dano moral coletivo; mas, dequalquer forma, não será indispensável a formulação de pedido condenatório.

Registre-se que, apesar de alguma resistência doutrinária, atualmente a jurisprudência caminhapara admitir que o pedido condenatório nem sempre tem como objeto uma obrigação de pagarquantia certa, sendo viável a sua veiculação em obrigações de fazer665, não fazer e entregar coisa.Naturalmente, admite-se no pedido condenatório a cumulação de diferentes espécies de obrigações.

Diferente de parcela doutrinária666, entendo ser inviável a formulação de pedidos que contenhamas sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/1992 na ação popular, o que, na realidade, ampliaria alegitimação ativa da ação civil pública por improbidade administrativa para o cidadão. A vontadedo legislador de restringir a legitimação ativa dessa ação ficou clara com a previsão do art. 17 damesma lei, não havendo qualquer sentido em outorgá-la ao cidadão por meio de uma açãoformalmente popular, mas substancialmente de improbidade administrativa. Pela vedação aospedidos de sanção na ação popular, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça667.

O valor da causa, exigido pelo inciso V do art. 282 do CPC, é exigido também na ação popular,seguindo-se as regras comuns para a sua fixação no caso concreto. Aplica-se à ação popular,portanto, tanto o critério legal como o critério estimativo de fixação do valor da causa, bem como asregas de controle de ofício e mediante provocação do réu por meio da impugnação ao valor da causa.

Na petição inicial também poderá constar pedido de tutela de urgência a ser concedida inauditaaltera parte, embora não haja preclusão temporal para a elaboração de tal pedido. A tutela deurgência pode ser satisfativa, representada por meio da tutela antecipada, que indiscutivelmente serárequerida de forma incidental na ação popular, ou apenas garantidora, representada por meio datutela cautelar, podendo ser requerida por ação cautelar antecedente ou incidental, havendo doutrinaque entende nesse caso ser dispensável a existência de ação, podendo o pedido ser formulado naprópria ação principal, que no caso seria a ação popular668. A tutela de urgência é analisada noCapítulo 1, item 1.5.

O título de eleitor é documento indispensável à propositura da ação, nos exatos termos do art. 283do CPC, cabendo ao autor instruir a petição inicial com cópia desse documento, ainda que a ausênciaseja considerada um vício sanável. Se não juntar aos autos, instado a tanto, não evitará a extinção doprocesso. A exigência prevista no dispositivo legal comentado é excepcionada pelo art. 1º, § 4º, daLAP, que permite, na petição inicial, a elaboração de um pedido de exibição de documentos.

Conforme prevê o dispositivo legal mencionado, o autor da ação popular poderá requerer às

entidades que compõem o polo passivo da demanda ou mesmo a entidades estranhas ao processo ascertidões e informações que julgar necessárias, no que naturalmente poderão estar incluídosdocumentos indispensáveis à propositura da ação. A melhor doutrina assevera com acerto que alegitimidade da ação popular cria a hipótese perfeita para um autor que não tem em seu poder osdocumentos necessários à propositura da ação, sendo o pedido de exibição incidental essencial paraviabilizar o exercício do direito de ação.

Ainda segundo a regra legal comentada, caberá ao autor indicar a finalidade dos documentosrequeridos, dando a entender pela aplicabilidade do art. 359 do CPC, que prevê a presunção deveracidade dos fatos que se pretendiam provar com a exibição de coisa ou documento nãoapresentado. A conclusão, entretanto, não parece correta 669, e por duas razões essenciais. A primeiraé que a presunção de veracidade decorreria de omissão de um dos réus, mas prejudicaria a todos osoutros, que não tinham qualquer responsabilidade na exibição das certidões ou prestação deinformações. A segunda é a presunção de legalidade do ato administrativo, atacado por meio da açãopopular, que só poderá ser afastada, no caso concreto, por meio de prova que convença o juiz docontrário. A indicação da finalidade, portanto, tem como função exclusiva demonstrar a utilidade dopedido do autor diante de seus objetivos na ação popular.

7.5.3. Posturas do juiz diante da petição inicial

7.5.3.1. Emenda e indeferimento da petição inicial

Apesar de não haver uma previsão específica nesse sentido, é indubitável a aplicação à açãopopular do art. 284 do CPC, que admite, diante de um vício sanável, a emenda da petição inicial. OSuperior Tribunal de Justiça, por exemplo, já decidiu que a ausência de cópia do título de eleitor doautor é vício que pode ser sanado por meio de emenda da petição inicial no prazo de dez dias,lembrando, inclusive, que esse prazo não é próprio, de forma a admitir-se a emenda a qualquertempo antes da extinção do processo670.

Também não há dúvida a respeito da aplicação subsidiária do art. 295 do CPC, que trata doindeferimento da petição inicial. E, por consequência natural, também é aplicável o art. 296 do CPC,que admite a retratação do juiz em 48 horas, diante da apelação interposta pelo autor.

7.5.3.2. Julgamento de improcedência liminarApesar de extremamente difícil de ocorrer no caso concreto, entendo ser aplicável à ação popular

o julgamento liminar de improcedência previsto no art. 285-A do CPC.Acredito não ser a regra aplicável a diferentes ações populares, em razão da singular espécie de

coisa julgada prevista no art. 18 da LAP. Transitada em julgado uma decisão de improcedência, arepropositura da ação popular, por qualquer cidadão, inclusive o que ingressou com a ação frustrada,dependerá de prova nova, o que já demonstra a inaplicabilidade do julgamento liminar deimprocedência. Por outro lado, julgada a ação procedente, a repropositura, independentemente dequem seja o autor, deve ser extinta sem a resolução do mérito por respeito à coisa julgada material epara se evitar o bis in idem.

Mas a tese jurídica apresentada pelo autor da ação popular pode fundamentar outras espécies deação, ainda que com pedidos distintos. Apesar da raridade prática, é possível que exista no juízo

sentenças de improcedências em ações, que não sejam populares, nas quais é alegada a mesmamatéria jurídica veiculada na ação popular. Nesse caso, parece legítimo ao juiz julgar liminarmenteimprocedente o pedido do autor popular, nos termos do art. 285-A, do CPC.

7.5.3.3. Citação dos réus e intimação do Ministério PúblicoEstando em ordem a petição inicial, o juiz, nos termos do art. 7º, I, a, da LAP, determinará a

citação dos réus, sendo a utilização de plural para designar os citados mais um indicativo da naturezanecessária do litisconsórcio passivo formado na ação popular. O mesmo dispositivo determina aintimação do Ministério Público para funcionar como fiscal da lei. Como o Ministério Público não éréu na ação popular, o dispositivo legal foi preciso ao indicar o modo de ciência da existência daação.

Segundo o art. 7º, II, da LAP, cabe ao autor definir se prefere a citação dos beneficiários de formareal – oficial de justiça ou correio, a depender de sua vontade – ou na forma ficta do edital. Comovigora em favor do autor a gratuidade, o edital será gratuito, sendo afixado na sede do juízo epublicado por três vezes no jornal oficial do Distrito Federal, ou da Capital do Estado, ou Territórioem que seja ajuizada a ação. Em termos de prazo, o edital terá um prazo de 30 dias e a publicaçãodeve se iniciar no máximo três dias após a entrega, na repartição competente, sob protocolo, de umavia autenticada do mandado de citação.

A citação por edital, ficta por natureza, tem suas hipóteses de cabimento previstas no art. 231 doCPC. Aparentemente, a citação na ação popular conforme previsto em lei encontraria respaldo no art.231, III, do CPC, que trata dos procedimentos-editais, nos quais a citação por edital dependeexclusivamente de previsão legal, sem qualquer necessidade de preenchimento de requisitos no casoconcreto. No caso da ação popular, portanto, bastaria a vontade do autor de empregar essa forma decitação, o que significaria dizer que, mesmo sendo o réu identificado, com endereço certo econhecido, a citação seria ficta. Na realidade, no caso de beneficiário incerto, nem mesmo serápossível a aplicação do art. 7º, II, da LAP, considerando-se que, nesse caso, o polo passivo da açãopopular será formado somente pela pessoa jurídica e os responsáveis pelo ato impugnado.

É preciso registrar, entretanto, que parcela considerável da doutrina que já teve oportunidade de semanifestar sobre o tema entende que a ação popular não deve ser incluída entre os procedimentos-editais, não sendo propriamente a vontade do autor que determina a citação por edital, mas uma dassituações previstas no art. 231, II, do CPC671. Ainda que louvável a preocupação com o efetivoexercício do contraditório por parte do réu conhecido e com endereço certo, cumpre lembrar que, emsituação análoga, de citação de herdeiros domiciliados fora da comarca em que tramita o inventário,ainda que conhecidos e com endereço certo, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade dedeclarar a constitucionalidade do art. 999, § 1º, do CPC, que prevê a citação por edital dessesréus672.

Seja como for, uma vez determinada a citação por edital e não comparecendo o réu no prazo legalcom advogado constituído, a ele será indicado um curador especial com poderes de apresentarcontestação por negativa geral, nos termos do art. 302, parágrafo único, do CPC. Ainda que na açãopopular a negativa geral não tenha a relevância que em geral possuiu, considerando que muitoprovavelmente os demais réus contestarão a ação, a prerrogativa é aplicável.

7.5.3.4. Exibição incidentalNos termos do art. 7º, I, b, da LAP, o juiz, ao despachar a petição inicial, ordenará a requisição

dos documentos cuja exibição tenha sido requerida incidentalmente pelo autor, ou qualquer outrodocumento que entenda necessário ao esclarecimento dos fatos, fixando um prazo de 15 a 30 diaspara a exibição. Apesar da omissão legal, tratando-se de uma exibição incidental, em respeito aoprincípio do contraditório, a entidade apontada como detentora dos documentos deve ser intimadapara responder ao pedido em cinco dias, sendo somente após esse prazo, com o silêncio ou rejeiçãoda defesa, determinada a exibição em prazo fixado pelo juiz de 15 a 30 dias.

Entendo que esse prazo não é próprio, admitindo-se a juntada de documentos aos autos após seuvencimento, mas a partir de seu vencimento e desatendida a determinação do juízo, poderá o juizaplicar medidas de execução por sub-rogação (busca e apreensão) e de execução indireta(astreintes). Além disso, é possível se defender que, nesse caso, há o crime de desobediência, nostermos do art. 330 do CP.

Uma das tarefas do Ministério Público na ação popular, nos termos do art. 7º, § 2º, da LAP, éprovidenciar para que as requisições do juiz sejam cumpridas dentro do prazo. A regra legal é decuriosa aplicação prática. O que se espera do promotor de justiça? Que fique durante o prazolembrando o agente público de seu dever? O fará pessoalmente, por telefone, por carta, ou por outromeio de comunicação? Sinceramente, vejo de utilidade prática escassa o dispositivo legal673. Caberáao Ministério Público, certamente, atuar da forma mais rápida possível diante do descumprimento darequisição, requerendo medidas para que a exibição seja realizada, mas antes disso, sinceramente,não acredito que o Ministério Público tenha algo a fazer.

O art. 1º, § 5º, da LAP prevê uma intrigante regra legal. Nada de anormal no prazo de quinze diaspara a exibição em juízo, tendo como termo inicial a data da entrega, sob recibo, do requerimento deexibição. A curiosidade do dispositivo legal vem em seu final, mais precisamente na previsão de queas certidões e informações prestadas pela pessoa jurídica que figura como réu só poderão serutilizadas para a instrução de ação popular. Não se compreende a limitação proposta pela lei, aindamais quando o § 6º da norma comentada prevê a negativa de exibição de documento, se o sigilo sejustificar em interesse público.

É curioso, porque, se houver necessidade de sigilo, não ocorrerá a exibição, o que demonstra queos documentos exibidos em juízo não são sigilosos, não havendo qualquer justificativa plausível parasua utilização limitar-se a ação popular na qual a prova documental é produzida. O processo, como énotório, é público, como públicas são todas as informações lá contidas, desde que não haja no casoconcreto o chamado “segredo de justiça”, de forma que os documentos exibidos na ação popularpoderão ser utilizados, mediante a extração de cópias, em qualquer outro processo. Não se tratará deprova emprestada, que exige uma distinção entre seu conteúdo (oral ou pericial) e sua forma(documental), mas é inegável que seja possível sua utilização por meio de cópia em outrosprocessos.

A regra de sigilo, entretanto, parece encontrar uma exceção no art. 1º, § 7º, da LAP, que prevê queo juiz, diante das alegações de recusa na exibição – o que deve ser feito antes mesmo dadeterminação da exibição, em respeito ao contraditório – poderá, salvo na hipótese de segurançanacional, requisitar ainda assim os documentos ou parte deles, determinando que a ação seguirá emsegredo de justiça até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Esse segredo de justiça com

prazo para acabar só pode ser compreendido se aplicado ao caso concreto a regra de que as partes,após o transito em julgado, podem retirar dos autos os documentos originais, ainda que substituídospor cópias. Na hipótese ora analisada, entendo que o réu que exibiu o documento poderá retirá-losdos autos sem a necessidade de substituir os originais por cópias, mantendo assim o sigilo a seurespeito.

Concordo que, em respeito ao princípio da ampla defesa, os documentos devam ser exibidos, depreferência antes de iniciado o prazo de contestação dos réus, para que possam responder à petiçãoinicial já com ciência de todos os dados necessários674. O que, naturalmente, não cria uma preclusãotemporal para a exibição de tais documentos, que poderão ser juntados aos autos a qualquer momentodo procedimento, aplicando-se o art. 394 do CPC.

7.5.4. Respostas do réu

7.5.4.1. Prazo

O prazo de 15 dias de resposta do réu observado no procedimento ordinário não é aplicável àação popular em razão de expressa previsão legal. O art. 7º, IV, da LAP prevê que o prazo paracontestar é de vinte dias, podendo ser prorrogado por mais vinte dias desde que o interessadorequeira tal prorrogação, demonstrando ser difícil a produção da prova documental. Existeminteressantes questões a serem enfrentadas a respeito do tema.

Há no dispositivo legal ora comentado um equívoco comum gerado por confusão entre gênero eespécie, como ocorre em outras passagens legais. A contestação é apenas uma espécie do gênerorespostas do réu, sendo o prazo previsto no art. 7º, IV, da LAP aplicável a todas as espécies deresposta, e não somente à apelação.

Concordo com a doutrina que defende a preclusão temporal para o pedido de prorrogação doprazo, caso o interessado não se manifeste dentro de seu prazo original de 20 dias para responder àpetição inicial675. Só é possível se prorrogar o que existe, de forma que, vencido o prazo de resposta,será materialmente impossível qualquer prorrogação.

O mero pedido dentro do prazo já é o suficiente para suspender o prazo de resposta, que seguirápelo saldo ou pelo saldo somado aos vinte dias concedidos pelo juiz, após a decisão denegatória ouconcessiva do pedido, respectivamente. Não se concebe, dentro de uma visão atual de contraditório,o elemento surpresa no processo, sendo inadmissível que, aguardando a apreciação do pedido deprorrogação, o réu venha a ser surpreendido com o indeferimento de seu pedido e consequentedecretação de revelia. Naturalmente que, se restar provado que o réu fez o pedido de formamanifestamente infundada, com o único propósito de ganhar tempo para responder à petição inicial,caberá punição por litigância de má-fé, mas ainda assim entendo que não ocorrerá revelia.

Sendo acolhido o pedido de prorrogação elaborado por um dos réus, a dilação do prazo deresposta aproveita a todos os demais, até porque o art. 7º, IV, da LAP é expresso ao determinar que oprazo será comum a todos os interessados (melhor seria dizer todos os réus). E justamente em razãodessa previsão não entendo aplicável ao prazo de resposta na ação popular as regras diferenciadasde contagem do prazo previstas nos arts. 188 e 191 do CPC676, sendo contado o prazo em dobrosomente quando presente o requisito legal – dificuldade na produção da prova –, independentementeda qualidade dos réus ou da presença de diferentes patronos os representando, o que fatalmente

ocorrerá no caso concreto.Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a pessoa jurídica que figura no polo

passivo da demanda pode pedir a concessão de prazo em dobro para contestar e, dentro desse prazo,optar por assumir posição de litisconsorte do autor, nos termos do art. 6º, § 3º, da LAP. Segundo otribunal, não há preclusão lógica em se pedir o prazo em dobro e posteriormente assumir o polo ativoda demanda677.

7.5.4.2. Espécies de respostaDo rol meramente exemplificativo previsto no art. 297 do CPC, que elenca as três principais

formas de reação do réu após sua citação, nem todas são cabíveis na ação popular. A contestação,defesa típica do réu contra a pretensão do autor, não só é admitida como se mostra, no caso concreto,a forma mais frequente de reação. As exceções são todas admitidas, tanto a de incompetência,considerando a natureza relativa da competência territorial da ação popular, como as de suspeição eimpedimento do juiz678. A reconvenção, entretanto, não será cabível por impossibilidade depreenchimento dos requisitos legais para a admissão de tal espécie de resposta.

É comum, na prática, o réu na ação popular, em especial o agente público, entender que houveabuso de direito de ação e que o autor popular utilizou-se da ação somente para manchar sua imagemde político probo. Com esse fundamento, ingressa com reconvenção para pedir a condenação porressarcimento de eventuais danos morais suportados. Como já teve a oportunidade de decidir oSuperior Tribunal de Justiça, além da ausência de conexão exigida pelo art. 315, caput, do CPC, areconvenção nesses moldes jamais será admitida em razão da regra consagrada no art. 315, parágrafoúnico, do CPC679.

7.5.4.3. ReveliaA revelia é um estado de fato gerado pela ausência jurídica de contestação. Esse conceito pode ser

extraído do art. 319 do CPC, que, apesar de confundir o conteúdo com os efeitos da revelia, expõeclaramente que a existência desse fenômeno processual depende da ausência de contestação680. Aausência deve ser necessariamente jurídica, porque ocorre revelia mesmo nos casos em que o réuapresenta contestação, que faticamente existirá. Essa existência fática, entretanto, não é o suficientepara afastar a revelia, sendo indispensável que juridicamente ela exista. Contestação intempestiva,por exemplo, não impede a revelia do réu681.

O art. 319 do CPC realmente peca em confundir o conteúdo da revelia com o seu efeito principal,qual seja a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, mas ainda assim pode seraproveitado parcialmente para justificar o conceito apresentado. Não se mostra correta a doutrinaminoritária que pretende extrair do dispositivo legal mais do que indica, entendendo que a revelia narealidade é a ausência jurídica de resposta do réu, de forma que, apresentada qualquer espécie deresposta, o réu não é revel682. Ao que parece, essa parcela da doutrina confunde revelia com seusefeitos, não compreendendo que é plenamente possível um réu revel apresentar outras espécies deresposta que não a contestação, evitando assim a geração dos efeitos da revelia, mas não o seuestado de revel683.

Como entendo que o conteúdo da revelia não pode ser confundido com os seus efeitos, até porque,se, conforme autorizada doutrina, conceito é o que está dentro e efeito é aquilo que se projeta para

fora, é impossível confundir um com o outro. Sendo a revelia uma questão de fato gerada pelaausência jurídica de contestação, não guarda maior interesse o seu conceito, sendo muito maisrelevante o estudo de seus efeitos. Como já afirmado, é plenamente possível existência de reveliaque não gere nenhum dos efeitos programados pela lei, o que, entretanto, não será o suficiente paraafastá-la do caso concreto684.

Na ação popular há tanto a revelia, quando o réu deixa de contestar, como a geração de seusefeitos, em especial a presunção de veracidade dos fatos alegados. Como corretamente observadopela melhor doutrina, apesar de possível, dificilmente haverá a presunção de veracidade em razãodas exceções previstas no art. 320, I e II, do CPC685. Apesar da correção do raciocínio, é precisofazer uma análise cuidadosa da revelia diante dos pedidos formulados pelo autor na ação popular.

No tocante ao inciso II do art. 320 do CPC, que prevê o direito indisponível, que vem sendoassociado ao direito defendido pela Fazenda Pública em juízo, entendo que a proibição de presunçãode veracidade do alegado dá-se somente com relação aos fatos que fundamentam a invalidade do atoimpugnado, considerando que o pedido condenatório não tem natureza indisponível. Os fatos quefundamentam o pedido de condenação só não serão presumidos verdadeiros, se um dos réus contestaresse pedido e as matérias de sua defesa beneficiarem os demais réus, em razão do litisconsórciosimples que eles formam no tocante a essa parcela da pretensão.

7.5.5. Providências preliminares e julgamento conforme o estado do processoNo procedimento ordinário, ultrapassado o momento de repostas do réu, passa-se às chamadas

providências preliminares. Segundo o art. 323 do CPC, findo o prazo para a resposta do réu, tenhasido ela apresentada ou não, o juiz, no prazo de dez dias, determinará, no que couber, asprovidências preliminares. Registre-se que as providências preliminares não constituem uma faseobrigatória do procedimento, dependendo sua existência das circunstâncias do caso concreto686.

Na hipótese de o réu ser revel, a postura a ser adotada pelo juiz dependerá da geração ou não doprincipal efeito da revelia. Sendo presumidos verdadeiros os fatos alegados pelo autor, será caso dejulgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, II, do CPC. Não sendo presumidos os fatoscomo verdadeiros, aplica-se o art. 324 do CPC, com a determinação ao autor para que especifique asprovas que pretende produzir no prazo de cinco dias, em aplicação do art. 185 do CPC, em razão daomissão do dispositivo legal687. Na ação popular, como a maioria da doutrina entende não haver oefeito da presunção de veracidade, caberá ao juiz determinar a especificação de provas.

O art. 325 do CPC prevê a ação declaratória incidental a ser oferecida pelo autor, o que deveocorrer no prazo de dez dias de sua intimação, quando o réu em contestação criar uma questãoprejudicial. A ampliação do limites objetivos da coisa julgada, função da ação declaratóriaincidental, pode ser buscada em ação popular, ainda que as circunstâncias concretas, em tais ações,tornem a ação declaratória incidental extremamente rara na praxe forense, para não dizer inexistente.

A terceira providência preliminar prevista pelo Código de Processo Civil consiste na réplica,oportunidade de manifestação aberta ao autor sempre que o réu alegar em sua contestação defesa demérito indireta (art. 326 do CPC) e/ou defesa processual (art. 327 do CPC). Nessas duas espéciesde matéria defensiva, o réu traz uma novidade ao processo, tanto quando alega um fato novoimpeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, como quando alega uma defesa preliminar,naturalmente não narrada pelo autor em sua petição inicial. Como se pode notar, a réplica é

manifestação do princípio do contraditório688, exigindo-se a oitiva do autor a respeito de matériasnovas do processo que podem ser determinantes para a decisão judicial.

Ultrapassada a fase das providências preliminares, ainda que nenhuma delas tenha sido necessária,o processo chega a uma nova fase, em que o juiz proferirá uma decisão, que pode ser interlocutóriaou sentencial. Nesse momento, abrem-se quatro caminhos possíveis ao juiz, sendo que, em três deles,o processo será extinto por sentença e, no outro, a decisão terá natureza saneadora, com oprosseguimento da demanda e o ingresso na fase probatória. Trata-se da fase do “julgamentoconforme o estado do processo”.

Entre os quatro caminhos previstos pelo Código de Processo Civil, está a extinção do processosem a resolução do mérito (art. 267 do CPC); extinção do processo com a resolução do mérito, desdeque a sentença se fundamente no art. 269, II a V, do CPC (art. 329 do CPC); julgamento antecipadoda lide (art. 330 do CPC); e prolação de decisão saneadora, todas aplicáveis à ação popular.

O saneamento do processo é momento indispensável para se resolver alguma pendência formal epreparar o processo para a fase instrutória, que, nas ações populares, costuma ser complexa, emrazão da frequência com que a prova pericial é produzida. Pela redação do art. 331 do CPC, conclui-se que a audiência preliminar (antes incorretamente chamada de audiência de conciliação) continuaa ser a regra geral, somente sendo dispensada em duas situações: quando o direito em litígio nãoadmitir transação ou quando as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção.

Como o objeto de tutela na ação popular são direitos indisponíveis, de titularidade dacoletividade, numa primeira impressão pode se imaginar inviável qualquer espécie de transaçãonessa ação, de forma que o saneamento sempre se daria por escrito. Na realidade, ainda que osdireitos discutidos na ação popular não possam ser objetos de renúncia, seja porque têm naturezaindisponível, seja porque o autor não é seu titular, é admissível que se faça uma transação não sobreo direito em si, mas sobre a forma de exercício desse direito. É possível, sem abrir mão da tutela dopatrimônio público material e imaterial, convencionar-se a forma, os modos e prazos para ocumprimento da obrigação imputada aos réus, de forma que será cabível a designação de audiênciapreliminar na ação popular.

É interessante notar que, à época de elaboração da Lei 4.717, no distante ano de 1965, a inovaçãoda regra prevista no art. 7º, V, da LAP era notável, afinal, permitia ao juiz julgar a ação popular semnecessariamente designar audiência de instrução e julgamento. Atualmente, o fenômeno estáconsagrado no art. 330 do CPC, com o nome “julgamento antecipado da lide”, que admite o imediatojulgamento de mérito da ação, nos termos do art. 269, I, do CPC, sempre que o processo se encontreapto a formação de juízo de certeza pelo juiz, diante de uma cognição exauriente.

Há, entretanto, uma importante diferença procedimental entre o art. 7º, V, da LAP e o art. 330 doCPC que não deve ser desconsiderada. Na ação popular, não sendo necessária a produção de provaoral ou pericial, já sendo suficiente a prova documental produzida pelas partes, caberá ao juiz abrirsucessivamente o prazo de dez dias para autor e réus se manifestarem por escrito antes de julgarantecipadamente a lide. Entendo que essas alegações finais escritas, inexistentes no julgamentoantecipado da lide prevista pelo art. 330 do CPC, são indispensáveis na ação popular, constituindo-se em ofensa ao princípio do contraditório sua inobservância no caso concreto. O prazo dos réus serácontado em dobro, com aplicação do art. 191 do CPC.

7.5.6. SentençaA sentença da ação popular pode ser prolatada oralmente em audiência de instrução e julgamento

ou em cartório, no prazo de quinze dias do recebimento dos autos pelo juiz, nos termos do art. 7º, VI,da LAP. Nesse tocante, o prazo é maior que os dez dias previstos no art. 189, II, do CPC, mas emambos os casos o prazo é impróprio, de forma que seu vencimento não gerará preclusão temporalpara o juiz, ou seja, uma sentença proferida após o prazo de 15 dias não impede que o juiz profirasentença válida.

O interessante no caso da ação popular fica por conta da sanção administrativa prevista pelo art.7º, parágrafo único, da LAP para o juiz que não cumpre a determinação de sentenciar dentro do prazolegal. Segundo esse dispositivo legal, a desídia profissional privará o juiz da inclusão em lista demerecimento para promoção durante dois anos e acarretará a perda, para efeito de promoção porantiguidade, de tantos dias quantos forem os do retardamento. Não deixa de ser interessante aprevisão de uma sanção pessoal, que afetará interesses do juiz que conduz a demanda, de formaobjetiva e clara.

O próprio dispositivo legal prevê as condições para o afastamento da sanção administrativa: ademonstração de um motivo justo para o retardamento, cumprindo ao juiz especificar a razão dovencimento de prazo em sua própria sentença, e comprovar depois suas alegações perante o órgãoadministrativo competente para a análise de seu pedido de promoção. A carga excessiva deprocessos somada à precária estrutura do órgão judiciário é certamente a explicação mais comumpara o vencimento do prazo legal.

A sentença pode ser terminativa, com fundamento no art. 267 do CPC, ou definitiva, nos termos doart. 269 do CPC. Na sentença genuína de mérito, havendo dois capítulos para decidir os pedidostradicionalmente feitos pelo autor da ação popular – invalidade do ato/declaração da omissão econdenação – a natureza da sentença será declaratória sempre que o pedido for julgado improcedentee, na hipótese de procedência, será desconstitutiva no tocante à impugnação do ato, declaratóriaquanto à omissão e condenatória no tocante à reparação dos danos.

Conforme defende a melhor doutrina, a sentença de procedência na ação popular, apesar de ser emregra constitutiva negativa e condenatória, também pode ser meramente declaratória689. Imagino essasituação numa ação popular em que se impugne ato contrário à moralidade administrativa, sem quetenha havido qualquer dano ao patrimônio público material que enseje pedido indenizatório. Nessecaso, é possível se pedir somente a declaração de imoralidade do ato, certificando-se judicialmentea ofensa à moralidade administrativa.

Segundo o art. 11 da LAP, na procedência do pedido de invalidade do ato impugnado, o juizcondenará ao pagamento por perdas e danos os responsáveis por sua prática. Ainda que o pedido daação popular seja composto por duas pretensões, sendo a segunda delas a condenação dos réus aoressarcimento dos danos causados ao patrimônio público, surge a questão da possibilidade de o juizcondenar os réus sem o pedido expresso do autor nesse sentido. Como se sabe, o art. 460 do CPCnão admite que o juiz conceda aquilo que não foi pedido, sob pena de proferir sentença ultra petita,mas o direito processual reconhece os indevidamente chamados “pedidos implícitos”, admitindoexcepcionalmente a concessão de ofício do que não foi pedido.

Os pedidos implícitos, como são excepcionais, devem ser previstos em lei, mas nem semprehaverá uma expressa previsão nesse sentido, sendo necessária interpretação além da literal para se

concluir pela sua existência no caso concreto. Assim foi feito pela jurisprudência no tocante aosalimentos na ação de investigação de paternidade, em interpretação que muito interessa, por maisparadoxal que possa parecer, para a solução da questão na ação popular.

O art. 7.º da Lei 8.560/1992 (Lei de investigação de paternidade) prevê que, “sempre que nasentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os alimentos provisionais oudefinitivos do reconhecido que deles necessite”. A utilização dos termos “sempre” e “fixarão”demonstra sem nenhuma dúvida que, nessa espécie de demanda, os alimentos devem ser concedidospelo juiz, mesmo que não haja pedido expresso do autor nesse sentido, sendo os termos legaissuficientes para amparar a conclusão de tratar-se de pedido implícito690.

Apesar de não constar o termo “sempre” no art. 11 da LAP, a utilização do verbo condenar noimperativo (“condenará”) associado à declaração de nulidade do ato, vem sendo interpretado comopermissão para o juiz condenar o réu independentemente do pedido do autor691. A condenação dosréus a reparação do patrimônio público, portanto, é pedido implícito na ação popular.

7.6. ABANDONO E DESISTÊNCIA DO AUTOR POPULAR

7.6.1. Introdução

O art. 9º da Lei 4.717/1965 (Lei da Ação Popular) prevê uma situação exclusiva de demandaspopulares já em trâmite, sendo absolutamente impossível se falar em sua aplicação enquanto nãoexistir uma demanda judicial já instaurada. Trata-se de interessante hipótese de sucessão processuala se verificar no polo ativo da demanda, permitindo-se que o Ministério Público ou qualquer outrocidadão – além da pessoa jurídica de direito público ou privado, originariamente figurando no polopassivo da demanda – possam assumir o polo ativo, desde que o cidadão-autor originário desista daação ou dê “motivo para a absolvição da instância”.

Segundo a previsão legal, ocorrendo uma das hipóteses indicadas e após a publicação de editaisque seguirão os requisitos formais previstos pelo art. 7º, II, da mesma lei, será possível a verificaçãode sucessão processual, com a retirada do autor originário do polo ativo do processo e o ingresso deum novo sujeito. Como em qualquer espécie de sucessão processual, estar-se-á diante de umamodificação subjetiva da demanda, com a alteração do(s) sujeito(s) que participa(m) da relaçãojurídica processual no polo ativo.

Como bem observado pelo Superior Tribunal de Justiça, a diferenciada regra não constituiqualquer privilégio, decorrendo da especial natureza dessa espécie de ação, meio processual dedignidade constitucional e instrumento de participação da cidadania, posto à disposição de todospara a defesa do interesse difuso da coletividade692.

7.6.2. Momento de aplicação do dispositivo legalConforme exposto nas breves observações introdutórias, a aplicação do dispositivo legal

comentado está condicionada ao trâmite da ação popular, sendo norma inaplicável às hipóteses emque ainda não exista referida demanda judicial. Nem poderia ser diferente, considerando que a normase refere ao procedimento, aspecto extrínseco do processo, que, por essa razão, só será aplicadaquando a ação já existir. De qualquer forma, a conclusão óbvia não resolve todos os problemas quepodem advir da determinação do momento adequado para a aplicação do dispositivo legal. Parece

ser evidente que, sem processo, será impossível a aplicação da norma; mas será que a simplesexistência de uma demanda já possibilitaria a aplicação do dispositivo legal ora analisado?

A par da técnica empregada no art. 263 do CPC, a ação popular, assim como outra qualquer, seráconsiderada proposta a partir do momento em que o cidadão protocola sua petição inicial perantealgum órgão jurisdicional. Será, já a partir desse momento limiar da demanda judicial, aplicável oart. 9º da Lei 4.717/1965? Apesar do processo já passar a existir a partir da propositura da ação, nãoparece ser acertado a aplicação do art. 9º da Lei da Ação Popular antes que a relação jurídicaprocessual esteja completa com a citação válida do réu. Esse entendimento leva em consideração afase inicial em que a desistência tenha se operado, antes mesmo da integração da relação jurídica dopolo passivo da demanda. Dessa forma, apenas quando já formada a relação jurídica processualtriangular terá sentido a publicação dos editais com a convocação de interessados em assumir ademanda popular.

7.6.3. Desistência e “absolvição de instância”Segundo o art. 9º da Lei 4.717/1965, a publicação dos editais e a intimação do Ministério Público

ou de qualquer cidadão para permitir a sucessão processual no polo ativo da demanda popular serealizarão em duas hipóteses: a desistência da ação pelo autor e a absolvição de instância. Aexpressão “absolvição de instância”, constante do Código de Processo Civil de 1939 (art. 201), foiabandonada pelo atual diploma processual, que não faz mais nenhuma remissão a tal termo. Como aLei da Ação Popular é anterior ao atual estatuto processual, é preciso se definir quais as razões quelevaram o legislador da época (1965) a prever tal fenômeno processual no dispositivo comentado, eisso só será possível a partir da conceituação do instituto da “absolvição de instância”.

Da análise do art. 201 do Código de Processo Civil de 1939, é possível se concluir que o termo“absolvição de instância” refere-se às hipóteses previstas atualmente no art. 267, CPC, que são assentenças extintivas do processo sem o julgamento do mérito, feitas, evidentemente, as devidasadaptações. Há, inclusive, doutrina que defende a aplicação do art. 9º da LAP para qualquer hipótesede sentença terminativa, permitindo-se que o Ministério Público ou outro cidadão assumam o poloativo, corrigindo a falha ou vício que levaria a demanda à sua extinção de forma anômala693.

O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, não aceita essa interpretação, preferindo associar otermo “absolvição de instância” à sentença terminativa em razão do abandono da causa, nos termosno art. 267, III, CPC694. Considero correto esse entendimento, por se compatibilizar com a ideiaprincipal do art. 9º da LAP: a permissão de uma sucessão processual, que somente se justifica nashipóteses em que o autor demonstrar desinteresse ou desídia no bom andamento da demanda.

No tocante ao abandono da causa, a extinção do processo deverá obrigatoriamente ser precedidade intimação pessoal do autor para que dê andamento ao procedimento no prazo de 48 horas, esomente depois de transcorrido tal prazo sem manifestação alguma do autor, o processo será extinto(art. 267, § 1º, CPC). Não parece haver qualquer motivo específico para se afastar a exigência doart. 267, § 1º, CPC, à ação popular, devendo tão somente se adaptar tal previsão ao disposto no art.9º, da Lei 4.717/1965. A única diferença digna de nota com o sistema do Código de Processo Civil éque, neste, a intimação pessoal é condição para a extinção do processo, enquanto, na ação popular, aintimação pessoal é condição para se aplicar ao caso concreto regra que estabelece a publicação deeditais convocando os interessados em assumir a demanda judicial.

Tanto na hipótese do abandono como na da desistência, entendo inaplicável o entendimentoconsagrado na Súmula 240/STJ, que exige, para a extinção do processo, o requerimento do réu. Narealidade, não é precisamente o requerimento do réu exigido, mas sua mera anuência, desde que játenha no caso concreto apresentado contestação. Mas, na ação popular, ainda que todas as condiçõesestejam presentes, entendo que o réu só deva ser intimado a se manifestar depois da publicação doseditais, caso ninguém se disponha a assumir o polo ativo da demanda.

A importância da manifestação do réu nas hipóteses de extinção por abandono ou desistênciadecorre do direito do réu à obtenção de uma sentença de mérito no processo. Assim, antes dasentença terminativa, será imperiosa a manifestação do réu que já tenha se defendido no processopara demonstrar sua concordância com tal extinção. Ocorre, entretanto, que, na ação popular, o atode desistência ou de abandono não gera a extinção do processo, e sim a publicação de editaisconvocando interessados em prosseguir na demanda judicial no lugar do omisso autor originário.Dessa forma, resta irrelevante o posicionamento do réu antes da aplicação do artigo legal objeto deanálise, não dependendo de sua manifestação a publicação dos editais, bastando para tanto o pedidode desistência do autor ou seu abandono da causa. O direito do réu a uma sentença de mérito somentepoderá ser cogitado no caso de nenhum interessado pretender continuar com a demanda judicial.

Registre-se, por fim, que a aplicação da norma legal comentada não impede a extinção doprocesso, sendo somente uma condição para que tal extinção ocorra, o que poderá normalmente vir aocorrer no caso concreto, se, após a devida publicação dos editais, não comparecer ao processonenhum interessado, e manifestando-se o Ministério Público pela extinção do processo695.Interessante decisão do Superior Tribunal de Justiça corrobora essa conclusão, ao exigir apublicação dos editais em ação popular na qual o Ministério Público já tinha previamenteconcordado com a extinção terminativa696.

7.6.4. Sucessores processuaisConforme o disposto no art. 9ª da Lei 4.717/1965, publicados os editais no prazo e condições

previstas pelo art. 7º, II, ficará assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante doMinistério Público, dentro do prazo de noventa dias da última publicação, promover oprosseguimento da ação. Sendo evidentemente uma hipótese que permite a sucessão processual, coma retirada do autor originário e colocação em seu lugar de “qualquer cidadão” ou do MinistérioPúblico, cumpre analisar de que forma se deverá compreender essa legitimação superveniente.

Antes de se fazer tal análise, é preciso observar que o dispositivo é incompleto, porque deixou defora um sujeito processual que poderá assumir o polo ativo da ação popular em caso de abandono oudesistência do autor. Como já analisado no item 7.3.2.2 deste Capítulo, admite-se que a pessoajurídica que começa a ação popular como réu se torne autora, nos termos do art. 6º, § 3º, da Lei4.717/1965. Diante dessa possibilidade, não se pode negar que, frente à hipótese prevista pelo art. 9ºda LAP, admite-se que a pessoa jurídica de direito público ou privado que se encontrava no polopassivo da demanda assuma o polo ativo, dando continuidade à demanda popular697.

Entendo que, ainda que inexistente previsão legal nesse sentido, deve existir uma ordem depreferência entre os sucessores processuais, justificando-se tal conclusão nos motivos do legisladorem não atribuir originariamente a legitimidade da ação popular ao Ministério Público. Alegitimidade originária exclusiva do cidadão representa uma forma de ampliar o exercício de sua

cidadania, admitindo-se que qualquer cidadão possa buscar a tutela do patrimônio público, por meiodo controle das ilegalidades administrativas. Esse ideal deve ser preservado na aplicação do art. 9ºda LAP, de forma que o Ministério Público terá uma legitimação subsidiária, só se admitindo suaintervenção como autor da demanda popular no caso de não ser ela assumida por qualquer cidadãoou até mesmo pela pessoa jurídica de direito público ou privado que figurava até então no polopassivo da demanda.

A possibilidade de o Ministério Público assumir o polo ativo da demanda popular enseja algumasconsiderações específicas a respeito da atuação desse sujeito como parte no processo. A primeiradiz respeito à forma de comunicação do Ministério Público, porque a forma editalícia contradizfrontalmente o art. 236, § 2º, CPC, que exige, “em qualquer caso”, a intimação pessoal do MinistérioPúblico. Não existe qualquer razão que justifique o afastamento de tal regramento processual aoprocedimento da ação popular, em especial no tocante à aplicação do artigo legal objeto dospresentes comentários.

Também se deve ponderar que o Ministério Público tem total autonomia na decisão de assumir ounão o polo ativo da demanda popular, não existindo qualquer obrigatoriedade na adoção de talpostura. Não havendo razões sérias para a continuidade da demanda popular, o Ministério Públicodeve optar pela inércia, mantendo-se na posição de custos legis que tem desde o começo da demandajudicial, negando, portanto, o convite a assumir o polo ativo698.

7.7. CONEXÃO E LITISPENDÊNCIA

7.7.1. Conceitos e efeitos

O fenômeno da conexão vem previsto no art. 103 do CPC, reputando-se duas ou mais açõesconexas quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir. Diante do próprio conceito legalconsagrado no dispositivo mencionado, nota-se que a conexão é fenômeno processual que ocorrerásempre que entre duas ou mais demandas houver a identidade de causa de pedir ou do pedido. Esse éo objeto do fenômeno, seu conteúdo. Não se deve confundir o fenômeno da conexão com a suaconsequência, ou seja, com o seu efeito, que será a reunião dos processos perante um só juízo parajulgamento conjunto. Como se sabe, o conteúdo não se confunde com o efeito, até mesmo porque oefeito de um instituto é fenômeno externo a ele, enquanto o conteúdo pertence ao seu interior.

Ainda que a reunião de ações conexas perante um mesmo juízo não seja obrigatória, o estudo daconexão torna-se interessante a partir desse efeito, previsto no art. 105 do CPC. São duas asprincipais justificativas para tal reunião: economia processual e harmonização dos julgados699.

A primeira e inegável vantagem aferida com a reunião de causas conexas é evitar que decisõesconflitantes sejam proferidas por dois juízos diferentes. A existência de decisões conflitantesproferidas em demandas que tratem de situações similares é, naturalmente, motivo de descrédito aoPoder Judiciário, podendo inclusive gerar problemas práticos de difícil solução. Por outro lado, éinegável que a reunião de duas ou mais demandas perante somente um juízo prestigia o princípio daeconomia processual, já que os atos processuais serão praticados somente uma vez, o que semostrará mais cômodo ao Poder Judiciário (funcionará apenas uma estrutura – juiz, escrivão,cartorário etc.) e às partes e terceiros que tenham dever de colaboração com a Justiça (p. ex.,testemunhas, que só prestarão depoimento uma vez). Com a prática de atos processuais que sirvam a

mais de um processo, é evidente que haverá otimização do tempo e, em razão disso, respeito aoprincípio da economia processual.

O termo “litispendência” é equívoco, podendo significar pendência da causa (que começa a existirquando de sua propositura e se encerra com a sua extinção) ou pressuposto processual negativoverificado na concomitância de ações idênticas. Na presente análise, interessa o segundo significado,previsto expressamente no art. 301, § 3º, do CPC, ainda que a citação seja importante para definirqual das ações será extinta700.

As mesmas razões que justificam a reunião de ações conexas motivam a extinção do processo nahipótese de litispendência, não havendo qualquer vantagem em se manter em trâmite duas açõesidênticas. Na melhor das hipóteses, haverá somente ofensa à economia processual, com repetiçãodesnecessária de atos gerando um mesmo resultado; na pior, além da ofensa à economia processual,haverá desarmonia entre julgados na hipótese de decisões conflitantes para a mesma açãodesenvolvida em dois processos diferentes.

Como se pode notar desses breves comentários introdutórios, havendo conexão, o efeito possível éa reunião de ações perante o juízo prevento, enquanto que, havendo litispendência, o efeitonecessário é a extinção do processo sem a resolução do mérito. Essa é a sistemática criada peloCódigo de Processo Civil, aplicável indubitavelmente aos processos individuais. Mas será tambémválida para a tutela coletiva?

7.7.2. Efeitos da conexão e litispendência na tutela coletivaAcredito que não exista qualquer diferença substancial entre a tutela individual e a tutela coletiva

no tocante aos fenômenos processuais da conexão e da litispendência. Dessa forma, é possível aexistência de conexão entre ações coletivas, que tenham identidade de pedido ou causa de pedir e delitispendência, quando existirem em trâmite ações coletivas idênticas701. Na tutela coletiva,entretanto, é importante fixar duas premissas a respeito do tema.

Primeiro é importante salientar que, nessa análise entre diferentes processos, deve-se considerar aparte no sentido material, e não no sentido processual. Havendo substituição processual em hipótesede legitimação extraordinária concorrente, a propositura de um novo processo com a mesma partecontrária, mesma causa de pedir e mesmo pedido, ainda que com autores diferentes, não evita alitispendência702. Em razão da espécie de legitimação ativa existente na ação popular, tal observaçãoé imprescindível para o estudo do fenômeno da litispendência.

Em segundo lugar, deve-se desprezar, para fins de comparação entre ações, a espécie de ação,sendo possível haver tanto a conexão como a litispendência entre diferentes espécies de açõescoletivas. No tocante à ação popular, que visa à tutela do patrimônio público, é natural que possa, nocaso concreto, existir também uma ação de improbidade administrativa fundada no mesmo atoimpugnado na ação popular, apesar de ser o pedido desta ação sempre mais limitado que o daquela,em razão das sanções político-administrativas que só podem ser pedidas na ação de improbidadeadministrativa. Por outro lado, uma ação popular voltada à tutela do meio ambiente e do patrimôniohistórico e cultural pode ser parecida ou idêntica a uma ação civil pública.

Parece não haver maiores questionamentos doutrinários a respeito da aplicação integral das regrasda conexão, inclusive de seu efeito de reunião de processos perante um mesmo juízo, previsto no art.105 do CPC, à tutela coletiva. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já teve a oportunidade de

entender cabível a reunião de ações populares conexas703, bem como de negar tal reunião, quando asações populares tramitarem em graus jurisdicionais distintos704, exatamente como ocorre nas açõesindividuais. Reconhecendo a possibilidade de conexão entre diferentes espécies de ações, o SuperiorTribunal de Justiça admite a reunião de ação civil pública e ação popular em razão da conexão705.

A maior polêmica a respeito do tema diz respeito ao efeito que deve ser gerado quando verificadaa litispendência entre ações coletivas. Para uma parcela doutrinária, a litispendência só pode gerar aextinção da ação coletiva na hipótese de uma identidade integral dos três elementos da ação, ou seja,além da mesma causa de pedir e do mesmo pedido, autor e réu devem também se repetir. Apesar dereconhecer que existe litispendência mesmo quando autores diferentes buscam a tutela do mesmointeresse em juízo, essa corrente doutrinária defende que, nesse caso, as ações coletivas devem serreunidas, preservando-se o exercício do direito de ação e o princípio da inafastabilidade dajurisdição para os diferentes autores das ações coletivas706.

Não é esse, entretanto, o entendimento da doutrina majoritária, que defende a extinção do processosem resolução do mérito quando ocorrer litispendência entre ações coletivas, ainda que sendodiferentes os autores707. Nesse entendimento, o direito de ação estará preservado porque o autor daação coletiva extinta poderá ingressar como litisconsorte ulterior ou assistente litisconsorcial doautor da ação coletiva que será mantida em trâmite.

Concordo com esse entendimento, não havendo justificativa plausível para se admitir pluralidadede ações populares com o mesmo réu, mesma causa de pedir e mesmo pedido, ainda que propostaspor autores diferentes. A solução de se aplicar o efeito da conexão nessa situação, reunindo as açõescoletivas idênticas, despreza o fato de que a extinção por litispendência é obrigatória, enquanto areunião das demandas por conexão não. Pergunta-se, então: havendo uma ação popular que seencontra no momento de seu julgamento, e outro cidadão ingressa com a mesma ação popular, serácaso de reunião? E na hipótese de uma dessas ações já ter sido julgada?

Interessante hipótese ocorre na litispendência entre diferentes espécies de ação coletiva, fenômenojá reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça708. Havendo em trâmite ação popular idêntica aação de improbidade administrativa ou ação civil pública, será caso de extinção de uma dessasações? Uma resposta afirmativa a tal questionamento significará uma ofensa clara ao princípio dainafastabilidade da jurisdição, considerando-se que os legitimados para ação popular não sãolegitimados para a ação civil pública e vice-versa, de forma que, extinta sua ação, não poderia oautor ingressar como litisconsorte ativo do autor da ação coletiva mantida em trâmite.

Entendo que, nesse caso excepcional, de litispendência entre ações coletivas cujos legitimadosativos não sejam os mesmos sujeitos, é possível se aplicar o efeito da reunião das ações conexasperante o juízo prevento, afastando-se o risco de decisões contraditórias e mantendo-se o direito deação dos autores de tais ações coletivas709. Essa reunião, entretanto, seguirá as regras da reunião naconexão, nem sempre sendo realizada no caso concreto, tudo a depender de sua conveniência.

7.7.3. Prevenção do juízoA prevenção é um fenômeno de extrema importância na eventualidade de existirem duas ou mais

ações conexas, havendo a reunião de todas perante um mesmo juízo, para que, neste, seja proferidadecisão sobre elas (o que a doutrina entende, inclusive, poder ser feito por meio de somente umasentença), em prol dos princípios da economia processual e da harmonização das decisões, conforme

já analisado. A função da prevenção nas hipóteses de reunião por conexão é definir em qual juízo asações serão reunidas, ou seja, determinar qual juízo irá concentrar as ações sob seu comando.

Não se sabe qual a justificativa para o Código de Processo Civil cuidar em dois artigos diversos ede forma diferente do fenômeno da conexão entre causas da mesma competência territorial e decompetência territorial diferente (mesma comarca/seção judiciária ou comarcas/seções judiciáriasdiferentes). Mas é exatamente isso que ocorre nos seguintes dispositivos: no art. 106 do CPC, háprevisão de que, nos casos de identidade de competência territorial, será prevento o juízo queprimeiro despachar no processo, e no art. 219, caput, do CPC, que indica que, na hipótese deconexão entre ações em trâmite em diferentes foros, estará prevento o juízo que realizar a primeiracitação710.

Se o art. 219, caput, do CPC não suscita grandes questões, o mesmo não pode ser dito quanto aoart. 106 do mesmo diploma legal, o qual, ao indicar ser o juízo prevento aquele que primeirodespacha na petição inicial, deixa margens a dúvidas quanto à natureza de tal decisão. Seria qualquerespécie de manifestação do juiz que tornaria o juízo prevento ou somente a decisão positiva,determinando a citação do demandado? A doutrina não é pacífica sobre o tema 711, também nãocaminhando a jurisprudência num sentido único, apesar de haver uma tendência do Superior Tribunalde Justiça pelo entendimento de que somente o despacho positivo de citação do réu previne ojuízo712.

A confusão criada pelo Código de Processo Civil, ao prever duas regras diferentes que versamsobre o mesmo tema, felizmente não atinge a tutela coletiva, para a qual se aplica uma terceira regra.São três artigos com o mesmo conteúdo: art. 2.º, parágrafo único, da Lei 7.347/1985 (Ação CivilPública) e art. 17, § 5.º, da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), com a mesmaredação: “A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormenteintentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto”; e o art. 5.º, § 3.º, da Lei4.717/1965 (Lei da Ação Popular): “A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo paratodas as ações, que forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmosfundamentos”.

Como se nota da redação dos dispositivos legais transcritos, não é o despacho inicial (conformeprevisto no art. 106, CPC) nem a realização de citação (art. 219, caput, CPC) o ato processualdeterminante da prevenção do juízo, mas sim a mera propositura da ação. Essa diversidade detratamento entre o Código de Processo Civil e as leis extravagantes que tratam da ação civil pública,improbidade administrativa e ação popular já foi percebida pela melhor doutrina713.

7.8. RECURSOS

7.8.1. Recursos cabíveis

A Lei 4.717/1965 prevê, em seu art. 19, somente o cabimento de dois recursos: a apelação e oagravo de instrumento. Entretanto, em razão do art. 22 da mesma lei, que determina a aplicaçãosubsidiária das regras procedimentais constantes do Código de Processo Civil, é indubitável queoutros recursos também são cabíveis na ação popular. Na realidade, cumprindo o requisito decabimento exigido pelo Código de Processo Civil, será cabível qualquer recurso, que poderáinclusive ser interposto de forma adesiva, desde que respeitados os limites do art. 500 do CPC.

O art. 19 da LAP, inclusive, deve ser interpretado com extremo cuidado, à luz do microssistemacoletivo e mesmo das regras recursais constantes do Código de Processo Civil que não contrariem oespírito desse microssistema. A começar pela previsão do caput do dispositivo legal oramencionado, que trata tanto do reexame necessário, tema versado em item próprio, como da apelaçãocontra a sentença.

Segundo o dispositivo, a sentença que nega a pretensão do autor, seja de forma terminativa ou deforma definitiva, estará sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, enquanto que da sentença quejulgar a ação procedente (mais adequado seria dizer “que julgar o pedido procedente”) caberáapelação. Numa interpretação literal, portanto, só será cabível a apelação contra a sentença deprocedência do pedido, o que, naturalmente, não tem qualquer razoabilidade, porque, mesmohavendo o reexame necessário da sentença negativa, pode o autor recorrer voluntariamente dessadecisão, o que fará, naturalmente, por meio da apelação.

O § 1º do dispositivo ora comentado também deve ser visto com reservas, em razão da preferênciadada atualmente ao cabimento do agravo retido contra decisões interlocutórias, em detrimento doagravo de instrumento. Diante dessa nova realidade, entendo que o art. 19, § 1º, da LAP deve serinterpretado em conjunto com o art. 522 do CPC, não se admitindo o agravo de instrumento, salvonos casos expressamente previstos em lei e nas situações descritas pelo mencionado artigo doCódigo de Processo Civil.

7.8.2. Legitimidade recursalO art. 19, § 2º, da LAP, traz interessante regra no tocante à legitimidade recursal. Não resta dúvida

de que todos os sujeitos processuais parciais, ou seja, autor e réus, têm legitimidade recursal,dependendo do caso concreto a existência de interesse de agir. O Ministério Público, queobrigatoriamente funcionará como fiscal da lei na ação popular, tem legitimidade recursal tanto peloartigo ora comentado como pelo art. 499, § 2º, do CPC. Caso tenha assumido o polo ativo da ação,nos termos do art. 9º da LAP, terá legitimidade recursal como parte na demanda.

A legitimidade recursal do Ministério Público, portanto, não é grande novidade. O maisinteressante é a previsão permitir que qualquer cidadão, mesmo aqueles que não fizeram parte doprocesso, tenha legitimidade para recorrer da sentença terminativa ou de improcedência do pedido.A previsão é interessante, porque não seria possível chegar a tal conclusão pela mera aplicação doart. 499 do CPC, que, apesar de indevidamente confundir legitimidade com interesse recursal714, éclaro o suficiente ao indicar três categoriais de legitimados: (a) partes; (b) terceiro prejudicado; (c)Ministério Público.

O cidadão que não compõe o polo ativo da ação no momento da prolação da sentença não pode serconsiderado parte e tampouco será Ministério Público. Significa dizer que, à luz do art. 499 do CPC,sua legitimidade recursal só poderia ser compreendida pela ótica do terceiro prejudicado. Ocorre,porém, que a melhor interpretação do art. 499, § 1º, do CPC é a que determina que o terceiro –sujeito que não faz parte do processo no momento da prolação da decisão – deve ter um interessejurídico que justifique sua intervenção no processo por meio do recurso715, consubstanciado napossibilidade de relação jurídica da qual é titular ser afetada pela decisão recorrida, gerando-lhe umprejuízo.

Diante desse conceito de terceiro prejudicado, dificilmente a legitimidade do cidadão-terceiro

poderá ser explicada nos termos do art. 499, § 1º, do CPC, considerando-se que o direito materialtutelado na ação popular não é do cidadão, mas difuso, pertencente à coletividade. Dessa forma, aexpressa previsão de que o cidadão tem legitimidade para recorrer, mesmo sendo um terceiro nomomento de prolação da sentença, deve ser bem vinda. E ampliada, porque a legitimidade não deveser exclusiva para a apelação, sendo aplicável a todos os recursos.

7.8.3. Isenção no recolhimento do preparoO preparo recursal diz respeito ao custo financeiro da interposição do recurso. Entendo que, no

momento de interposição do recurso, o Estado pode cobrar do recorrente por diferentes atividadesque praticará. Assim, para o julgamento do recurso, cobra-se o preparo; para o transporte dos autospara outro órgão jurisdicional, o porte de remessa e retorno. No meu entendimento são diferentesespécies de despesas processuais, cada qual voltada a uma diferente espécie de atividadedesempenhada pelo Poder Judiciário716.

Não é esse, entretanto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que considera que todas asdespesas devidas na interposição do recurso são preparo717. Na realidade, a própria redação do art.511 do CPC confunde indevidamente as diferentes espécies de despesas processuais. A análise daisenção do preparo, portanto, abrange tanto o preparo em sentido estrito quanto as custas de porte deremessa e retorno do recurso, quando existirem.

Existem isenções ao recolhimento do preparo, de forma que nem todo recurso exige seurecolhimento e determinados sujeitos não precisam recolhê-lo. São as isenções objetivas e subjetivasdo preparo, naturalmente aplicáveis aos recursos interpostos em ação popular. Não havendo isençãoe não sendo recolhido o preparo, ocorrerá a deserção do recurso.

As isenções objetivas atingem todos os recursos nos quais seja expressamente prevista em lei anão exigência do recolhimento de preparo: (a) agravo retido (art. 522, parágrafo único, do CPC); (b)embargos de declaração (art. 538 do CPC); (c) agravo contra a decisão denegatória de seguimento derecurso extraordinário e especial (art. 544, § 2º, do CPC). As isenções subjetivas estão previstas noart. 511, § 1º, do CPC: (a) Ministério Público; (b) União, Estados, Municípios e respectivasautarquias. Também são isentas as pessoas jurídicas de direito público federais, estaduais emunicipais (art. 1.º-A da Lei 9.494/1997).

O tema da isenção do preparo na ação popular, entretanto, tem uma especialidade, derivada daregra de gratuidade que favorece o autor dessa espécie de ação. O art. 5º, LXXIII, da CF prevê que oautor será isento de custas processuais e do ônus de sucumbência, salvo se restar comprovada má-fé;o art. 10 da LAP prevê que as partes só pagarão custas e preparo no final; e o art. 12 da LAP prevêque a sentença incluirá na condenação dos réus o pagamento ao autor das custas e demais despesas ehonorários advocatícios.

Como melhor desenvolvido no item 7.15.1 deste Capítulo, a gratuidade favorece tão somente oautor da ação popular, inclusive no tocante ao recolhimento do preparo recursal. Os réus, portanto,se não forem isentos por regra geral, como ocorre com a pessoa jurídica de direito público e obeneficiário da assistência judiciária, deverão recolher naturalmente o preparo recursal, sob pena dedeserção718.

7.8.4. Efeitos da apelação

A regra consagrada no art. 520, caput, do CPC é que a apelação seja recebida no duplo efeito,significando dizer no efeito suspensivo e devolutivo. O art. 19, caput, da LAP segue a mesma regra,ao prever que a apelação será recebida no efeito suspensivo. Aparentemente, portanto, restariaindiscutível o recebimento da apelação contra sentença proferida em ação popular no duplo efeito. Atranquilidade desse entendimento, entretanto, é abalada em razão da previsão contida no art. 14 daLACP, que atribui ao juiz o poder de conferir efeito suspensivo aos recursos para evitar danoirreparável à parte, sendo entendido que os recursos, inclusive a apelação, não têm efeito suspensivopróprio.

Registre-se que a presente discussão só terá relevância na hipótese de sentença de procedência,considerando-se que as sentenças terminativas e de improcedência não geram efeitos além daextinção do processo e declaração de inexistência do direito material alegado, respectivamente, alémde eventual condenação em verbas de sucumbência em caso de má-fé do autor. Ainda que existacorrente doutrinária que defende, nesses casos, o recebimento da apelação somente no efeitodevolutivo719, a ausência de consequências práticas relevantes torna o assunto desinteressante.

Na tentativa de se permitir que a sentença, mesmo recorrida pelos réus, gere efeitos imediatos,parcela da doutrina defende a aplicação da regra consagrada no art. 14 da LACP à ação popular720.Por outro lado, existe corrente doutrinária que defende a aplicação do art. 19, caput, da LAP, com ointeressante fundamento de que o ato administrativo impugnado na ação popular goza de presunçãorelativa de legalidade, e mesmo diante de sentença de procedência que reconheça a existência deilegalidade é preferível manter a situação jurídica consolidada pelo ato administrativo até ojulgamento da apelação721.

Apesar de atraente, não me parece correta essa tese, porque insustentável diante da possibilidadede concessão de tutela de urgência, mediante cognição sumária e juízo de mera probabilidade, apta amodificar, ainda que provisoriamente, a situação jurídica consolidada por ato administrativo. Se umadecisão nessas condições já gera efeitos imediatos, como não permitir que o mesmo ocorra com asentença, fundada em cognição exauriente e juízo de certeza?

Entendo que a existência de efeito suspensivo à apelação na ação popular passa por uma definiçãode premissa fundamental: a forma de encarar o microssistema coletivo. A melhor doutrina ensinaque, antes de se buscar a solução no Código de Processo Civil, deve-se resolver no âmbito domicrossistema, entre as diversas leis extravagantes que o compõe. No caso ora analisado, entretanto,existe previsão expressa no art. 19, caput, da LAP, que conflita com a previsão expressa do art. 14da LACP. Como resolver o aparente impasse? Aplica-se a norma específica ou aquela que melhor seamolda ao direito tutelado pelo microssistema coletivo?

Particularmente, entendo que, diante de um conflito de normas como o apresentado, cabe aaplicação daquela que se mostrar mais adequada à tutela dos direitos coletivos lato sensu, de formaa ser preferível a aplicação do art. 14 da LACP, retirando-se o efeito suspensivo próprio daapelação e permitindo-se ao juiz a concessão de efeito suspensivo impróprio vinculada a verificaçãode grave dano com a geração imediata de efeitos da sentença impugnada. O Superior Tribunal deJustiça, entretanto, entende que a regra a ser aplicada é a do art. 19 da LAP, atribuindo efeitosuspensivo a apelação722, opinião compartilhada pela doutrina majoritária723.

7.9. REEXAME NECESSÁRIO

7.9.1. Introdução

O art. 475 do CPC trata do chamado reexame necessário ou duplo grau de jurisdição obrigatório.Em razão desse instituto processual, a sentença contrária à Fazenda Pública, nos termos dos incisosdo dispositivo ora comentado, deve ser obrigatoriamente reexaminada pelo tribunal de segundo grau,independentemente da interposição de recurso pela Fazenda Pública. Registre-se desde já que,mesmo sendo interposto recurso pela Fazenda Pública, continua a existir o reexame necessário, atéporque o recurso pode ser parcial ou inadmissível, o que não impedirá o reexame na integralidade dasentença sujeita ao duplo grau obrigatório.

O reexame necessário não é recurso, sendo erro crasso atribuir tal natureza jurídica ao instituto oraanalisado. Devem ser evitadas expressões tais como “apelação ex officio”, “recurso de ofício” ou“recurso obrigatório”. São várias as razões para que o reexame necessário previsto pelo art. 475 doCPC não seja considerado um recurso:

(a) ausência de voluntariedade: o recurso é um ônus processual, sendo que a sua existênciadepende de expressa manifestação de vontade da parte, por meio de sua interposição. O reexamenecessário, conforme se depreende do próprio nome, nada tem de voluntário, porque sua existênciadecorre de expressa manifestação da lei, sendo irrelevante a vontade das partes e mesmo do juiz, queserá obrigado a ordenar a remessa dos autos ao Tribunal e, não o fazendo, proporcionará a avocaçãodos autos por seu presidente (art. 475, § 1.º, do CPC);

(b) o reexame necessário não é dialético, porque não existem razões nem contrarrazões, cabendoao Tribunal tão somente analisar os atos praticados até a sentença. Como consequência lógica,também não haverá contraditório;

(c) a previsão de um prazo de interposição é característica de todo e qualquer recurso, o que nãoocorre com o reexame necessário, que deverá existir sempre que as condições assim exigirem,independentemente de eventual demora do processo chegar ao Tribunal;

(d) o reexame necessário, apesar de estar previsto em lei federal (CPC), não se encontra previstocomo recurso, (princípio da taxatividade);

(e) a legitimação recursal regulada pelo art. 499 do CPC (partes, terceiro prejudicado e MinistérioPúblico) não se aplica ao reexame necessário, instituto cuja “legitimidade” é do juízo, que determinaa remessa do processo ao Tribunal.

A interpretação literal do art. 475, caput, do CPC leva considerável parcela doutrinária a afirmarque o reexame necessário é uma condição de eficácia da sentença724; ou seja, que a sentença nãopode gerar efeitos até que seja reexaminada pelo tribunal de segundo grau. Esse entendimento deveser levado em consideração com ressalvas, porque a sentença pode gerar efeitos, ainda que pendentede reexame necessário, conforme demonstra de forma cabal o art. 14, §§ 1º e 3º, da Lei 12.016/2009.O reexame necessário, portanto, não impede necessariamente a geração de efeitos da sentença, mastão somente seu trânsito em julgado, sendo mais adequado se afirmar que o reexame necessário écondição impeditiva da geração do trânsito em julgado.

Os dois incisos do art. 475 do CPC disciplinam as hipóteses de cabimento do reexame necessário,e, numa interpretação literal de tais dispositivos legais, chega-se ao menos a duas importantesconclusões pela não aplicação do reexame necessário: (a) sentença terminativa, figurando a Fazenda

Pública no polo ativo ou passivo da demanda; (b) sentença que julgue improcedentes os embargos àexecução de título judicial propostos pela Fazenda Pública.

O reexame necessário já teve posição de maior destaque em nosso sistema processual, sendoaplicado em qualquer sentença desfavorável aos interesses da Fazenda Pública. Atualmente, os §§ 2ºe 3º do dispositivo ora analisado afastam a aplicação do reexame necessário a determinadassentenças prejudiciais à Fazenda Pública, salvo no mandado de segurança, no qual qualquer decisãoconcessiva da ordem está sujeita ao duplo grau obrigatório. No § 2º, existe um teto a partir do qualserá exigido o reexame necessário: 60 salários-mínimos, considerando o legislador que condenaçõesem valor inferior a esse não precisam ser necessariamente revistas pelo tribunal de segundo grau. OSuperior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir que, na sentença condenatóriailíquida, exige-se o reexame necessário. No § 3º, encontra-se previsão que prestigia osentendimentos consolidados dos tribunais superiores, uma tendência do sistema processual atual:sendo a sentença no sentido da jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou emsúmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente, não há reexame necessário.

7.9.2. Reexame necessário na ação popularO tema é versado pelo art. 19, caput, da LAP, que prevê o reexame necessário na hipótese de

sentença que concluir pela carência ou pela improcedência do pedido, mesmo que parcial725. Comose pode notar, figurando a pessoa jurídica de direito público no polo passivo da ação popular, oreexame necessário específico da ação popular não serve para proteger os interesses da FazendaPública em juízo, mas a coletividade representada pelo autor que ingressou com a ação. As espéciesde sentença descritas podem até mesmo tornar a Fazenda Pública vitoriosa na demanda, quandopermanece em sua posição originária de réu, e ainda assim haverá o reexame necessário, o que levaparcela da doutrina, inclusive, a falar em “reexame necessário inverso”.

Como não há previsão específica em sentido contrário, como ocorre no já mencionado art. 14, §§1º e 3º, da Lei 12.016/2009, o reexame necessário nesse caso impede a geração de efeitos dasentença até que o tribunal de segundo grau o decida. Tal circunstância, entretanto, não terá maioresrepercussões práticas, considerando que as sentenças terminativa e de improcedência não geram faseexecutiva, salvo no tocante ao capítulo acessório dos custos do processo, que só serão cobrados, sedemonstrada a má-fé do autor, nos termos do art. 5º, LXXIII, da CF. De qualquer forma, os efeitos dasentença estarão suspensos até o julgamento do reexame necessário.

A questão mais interessante que envolve o reexame necessário na ação popular diz respeito àaplicação subsidiária das regras do Código de Processo Civil. Não vejo qualquer possibilidade dese aplicar exclusivamente as regras do art. 475 do CPC, simplesmente ignorando o art. 19, caput, daLAP, até porque os propósitos do reexame necessário são nitidamente diferentes: no Código deProcesso Civil, a proteção dos interesses da Fazenda Pública; na ação popular, a proteção dosinteresses da coletividade. Mas seria possível uma aplicação conjunta dessas duas normas? Nasentença de improcedência e terminativa protegendo a coletividade e na sentença de procedênciaprotegendo a pessoa jurídica de direito público que figura como ré?

Apesar de existir corrente doutrinária que defende a aplicação do art. 475, II, do CPC à açãopopular, prefiro a conclusão contrária, notando que a previsão expressa do art. 19 da LAP trata deforma exauriente o problema, em especial porque num confronto entre o direito público primário, de

titularidade da coletividade, e do direito público secundário, de titularidade da Fazenda Pública, olegislador optou claramente pela tutela do primeiro, não havendo sentido sacrificá-lo em prol dosegundo726. A doutrina, majoritariamente, adota esse entendimento727.

7.10. COISA JULGADAO art. 18 da LAP prevê que a coisa julgada produzida na ação popular opera-se erga omnes, ou

seja, vincula a todos. A norma se compatibiliza com o art. 103, I, do CDC, considerando-se que atutela do patrimônio público constitui direito difuso da coletividade. É natural que a coisa julgadamaterial vincule a todos os sujeitos que compõem a coletividade, que, apesar de não participarem doprocesso, são os titulares do direito material discutido e estão representados pelo cidadão autor, coma legitimação que lhe é constitucionalmente outorgada.

O mesmo dispositivo legal prevê que, tendo sido a ação (melhor teria sido dizer pedido) julgadaimprocedente por deficiência de provas, qualquer cidadão poderá intentar outra ação popular,idêntica à primeira, valendo-se de prova nova. Trata-se da chamada coisa julgada secundumeventum probationis.

No tocante aos direitos coletivos e difusos, a coisa julgada, na hipótese de julgamento deimprocedência do pedido, tem uma especialidade que a diferencia da coisa julgada tradicional,prevista pelo Código de Processo Civil. Enquanto, no instituto tradicional, a imutabilidade e aindiscutibilidade geradas pela coisa julgada não dependem do fundamento da decisão, nos direitosdifusos e coletivos, caso tenha a sentença como fundamento a ausência ou a insuficiência de provas,não se impedirá a propositura de novo processo com os mesmos elementos da ação – partes, causade pedir e pedido –, de modo a possibilitar uma nova decisão, o que, naturalmente, afastará, aindaque de forma condicional, os efeitos de imutabilidade e indiscutibilidade da primeira decisãotransitada em julgado.

A primeira questão a respeito dessa espécie atípica de coisa julgada diz respeito à suaconstitucionalidade. Uma corrente minoritária vê uma quebra da isonomia em referido sistema eaponta para uma proteção exacerbada dos autores das ações coletivas stricto sensu em desfavor dosréus. Apesar de mais sentida nas ações que tenham como objeto os direitos individuais homogêneos,também nas que tratam de direitos difusos e coletivos, haveria uma disparidade de tratamentoabsolutamente desigual, o que feriria o princípio constitucional da isonomia728.

Majoritariamente, entretanto, a doutrina entende pela constitucionalidade da coisa julgadasecundum eventum probationis – como também da coisa julgada secundum eventum litis –,afirmando que os sujeitos titulares do direito, ao não participarem efetivamente do processo, nãopoderão ser prejudicados por uma má condução procedimental do autor da demanda. Não seria justoou legítimo impingir a toda uma coletividade, em decorrência de uma falha na condução do processo,a perda definitiva de seu direito material. A ausência da efetiva participação dos titulares do direitoem um processo em contraditório é fundamento suficiente para defender essa espécie de coisajulgada material729.

Ademais, a coisa julgada secundum eventum probationis serve como medida de segurança dostitulares do direito que não participam como partes no processo contra qualquer espécie de desvio deconduta do autor. A insuficiência ou a inexistência de provas poderá decorrer, logicamente, de umainaptidão técnica dos que propuseram a demanda judicial, mas também não se poderá afastar, de

antemão, algum ajuste entre as partes para que a prova necessária não seja produzida e com isso asentença seja de improcedência730. É bem verdade que os poderes instrutórios do juiz, aguçados nasações coletivas em razão da natureza dos direitos envolvidos, poderiam também funcionar comoforma de controle para que isso não ocorra, mas é inegável que a maneira mais eficaz de afastar,definitivamente, qualquer ajuste fraudulento nesse sentido é a adoção da coisa julgada secundumeventum probationis.

Outra questão que parece ter sido pacificada pela doutrina e pela jurisprudência diz respeito aoslegitimados à propositura de um novo processo com a mesma causa de pedir e o mesmo pedido doprimeiro; estaria legitimado o mesmo sujeito que propôs a primeira demanda que foi resolvida deforma negativa por ausência ou insuficiência de provas? A ausência de qualquer indicativoproibitivo para a repetição do polo ativo nas duas demandas parece afastar de forma definitiva aproibição. Todos os legitimados poderão, com base na prova nova, propor a “segunda” demanda,mesmo aquele que já havia participado no polo ativo da “primeira”731.

A próxima questão refere-se à formação ou não de coisa julgada nas ações coletivas – direitosdifusos e coletivos – julgadas improcedentes por ausência ou insuficiência de provas. Fala-se emcoisa julgada secundum eventum probationis, mas há divergência a respeito de ser essa uma espécieatípica de coisa julgada ou se, nesse caso, a coisa julgada material estaria afastada, de modo aoperar-se, no caso concreto, tão somente a coisa julgada formal.

Há parcela significativa da doutrina que entende não se operar, nesse caso, a coisa julgadamaterial, por afirmar que, sendo possível a propositura de um novo processo com os mesmoselementos da ação – partes, causa de pedir e pedido –, a imutabilidade e indiscutibilidade própriasda coisa julgada material não se fariam presentes. A possibilidade de existência de um segundoprocesso, que, naturalmente, proporcionará uma segunda decisão, afetaria de forma irremediável asegurança jurídica advinda da coisa julgada material tradicional, de forma a estar afastado essefenômeno processual quando os fundamentos que levaram à improcedência do pedido forem ainsuficiência ou a inexistência de prova732.

Esse entendimento, entretanto, não é o mais correto, parecendo configurar-se a mesma confusão arespeito da formação ou não da coisa julgada nos processos que tenham como objeto as relações detrato continuativo, reguladas pelo art. 471, I, do CPC. Em razão da possibilidade de que a sentençadeterminativa seja alterada em virtude de circunstâncias supervenientes de fato e de direito, parcelada doutrina apressou-se a afirmar que essa “instabilidade” da sentença seria incompatível com ofenômeno da coisa julgada material, que exige a imutabilidade e a indiscutibilidade do julgado.

Aos partidários do entendimento de que não existe coisa julgada nas ações que tratam de direitodifuso ou coletivo quando a improcedência decorrer da insuficiência ou ausência de provas, surgeuma questão de difícil resposta: como deverá o juiz proceder ao receber uma petição inicial de umprocesso idêntico a um processo anterior decidido nessas condições, em que o autor não indicaqualquer nova prova para fundamentar sua pretensão, alegando tão somente não ser possível suportara extrema injustiça da primeira decisão. Sem ao menos indícios de que existe uma prova nova, aindaque o fundamento da primeira decisão tenha sido a insuficiência ou ausência de provas, poderá o juizdar continuidade ao processo?

É evidente, nesse caso, que o juiz deverá indeferir a petição inicial; não há maiores dúvidas a esserespeito. Mas sob qual fundamento? O fundamento de sua decisão será o art. 267, V, do CPC, o qual

aponta que, nesse caso, não se poderá afastar a segurança obtida pela coisa julgada material geradapela primeira decisão. Essa é a prova maior de que existe coisa julgada material, independente dofundamento da decisão de mérito da primeira demanda que efetivamente ocorreu, embora suaimutabilidade e sua indiscutibilidade estejam, no caso da ausência ou insuficiência de provas,condicionadas à inexistência de prova nova que possa fundamentar a nova demanda.

Apesar da defesa veemente da existência de coisa julgada material na hipótese ora analisada e daextinção do processo quando não houver prova nova em razão justamente do fenômeno da coisajulgada material, ainda que seja admitida a inexistência de coisa julgada material quando a mesma severifica secundum eventum probationis, como prefere a doutrina que tratou do tema, a conclusão aque todos chegam já é o suficiente para os fins buscados no presente trabalho: se não houver provanova, o processo deverá ser extinto sem julgamento do mérito. Seja por falta de interesse de agir,como prefere a doutrina733, seja por força da coisa julgada, o essencial é a conclusão pacífica de queo segundo processo não deve ser admitido.

Há um outro interessante questionamento a respeito do tema que vem suscitando dúvidas nadoutrina nacional. Os dispositivos legais que tratam da coisa julgada secundum eventum probationissão omissos a respeito da exigência de que, expressa ou implicitamente, conste da sentença ter sido aimprocedência gerada pela ausência ou insuficiência de provas ou se tal circunstância poderá serestranha à decisão, de modo a ser demonstrada somente na segunda demanda. A tomada de uma ou deoutra posição terá peso fundamental no próprio conceito de prova nova, que será fixado a seguir.

A tese restritiva exige que haja na motivação ou no dispositivo da decisão, expressa ouimplicitamente, a circunstância da ausência ou insuficiência de provas. Afirma-se que, por ser umaexceção à regra da coisa julgada material prevista em nosso ordenamento processual, deverá o juizindicar, ou ao menos ser possível deduzir de sua fundamentação, que sua decisão de improcedênciadecorreu de uma insuficiência ou inexistência de material probatório. A ausência dessa circunstânciaproporcionaria, obrigatoriamente, a geração de coisa julgada material tradicional734.

Com entendimento contrário, existe corrente doutrinária que não vê qualquer necessidade deconstar, expressa ou implicitamente na sentença, que a improcedência do pedido decorreu deausência ou insuficiência de provas. A doutrina que defende uma tese mais ampla, afirma que não sedeveria adotar um critério meramente formal do instituto, propondo-se um critério mais liberal,nomeado de critério substancial. Segundo essa visão, sempre que um legitimado propuser, com omesmo fundamento, uma segunda demanda coletiva na qual fundamente sua pretensão em uma novaprova, estar-se-á diante da possibilidade de obter-se uma segunda decisão735.

A segunda corrente defende o entendimento mais acertado, considerando que a adoção da teserestritiva limitaria indevidamente o conceito de prova nova. Ao exigir-se uma fundamentaçãoreferente à ausência ou à insuficiência de provas, será impossível o juiz se manifestar sobre o quenão existia à época da decisão, o que retiraria a possibilidade de propositura de uma nova demandafundada em meio de prova que não existia à época da prolação da decisão. Nesses casos, haveria umindevido e indesejável estreitamento do conceito de nova prova, que também, por não ser tranquilona doutrina, passa-se a analisar.

Todos os regramentos legais que tratam da coisa julgada secundum eventum probationis sãoomissos quanto ao conceito de “nova prova”, missão legada à doutrina. Parcela majoritária defendeque não se deve confundir nova prova com prova superveniente, surgida após o término da ação

coletiva. Por esse entendimento, seria nova a prova, mesmo que preexistente ou contemporânea àação coletiva, desde que não tenha sido nesta considerada. Assim, o que interessa não é se a provaexistia ou não à época da demanda coletiva, mas se foi ou não apresentada durante seu trâmiteprocedimental; será nova porque, no tocante à pretensão do autor, é uma novidade, mesmo que, emtermos temporais, não seja algo recente736.

Esse entendimento muito se assemelha ao conceito dado, pela melhor doutrina, ao “fato novo”como fundamento da liquidação de sentença por artigos. Também nesse caso, o adjetivo “novo” nãoé utilizado para designar um fato ocorrido após o término do processo em que se formou o títuloexecutivo, mas sim como novidade ao Poder Judiciário, por não ter sido objeto de apreciação em talprocesso. O fato, portanto, assim como a “nova prova” nas ações coletivas, poderá ser anterior,concomitante ou posterior à demanda judicial; para ser adjetivado de novo, basta que não tenha sidoobjeto de apresentação pelas partes e de apreciação pelo juiz.

Registre-se o pensamento a respeito do tema exposto por Ada Pellegrini Grinover, que, nostrabalhos para a elaboração do Anteprojeto de Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América, entendeu, junto com Kazuo Watanabe, que as provas que já poderiam ter sido produzidas,mas não foram, ficam acobertadas pela eficácia preclusiva da coisa julgada. Fato novo, portanto,seria o fato superveniente. A regra consta do art. 12, § 1º, do Anteprojeto de Código Brasileiro deProcessos Coletivos.

A ideia restritiva de conceito de “nova prova” sugerida pela processualista não parece ser a maisadequada ao fenômeno da proteção dos direitos transindividuais em juízo. Já foi devidamenteexposto que uma das razões para adotar-se a coisa julgada secundum eventum probationis nasdemandas que tenham como objeto direitos difusos ou coletivos é evitar que, por meio de conluiofraudulento entre as partes processuais, obtenha-se uma decisão de improcedência. Considerando arelevância do direito material debatido e a ausência dos legitimados no processo, ao menos essaproteção lhes deve ser concedida, o que não ocorreria se fosse adotada a visão de que somenteprovas que não existiam à época da demanda coletiva permitiriam uma nova demanda judicial.

De qualquer forma, o pensamento ao menos se mostra bastante correto quando sedimenta a ideia deque, ao surgir uma prova que não existia ou que era impossível de obter-se à época da ação coletiva,sua apresentação será o suficiente para permitir a propositura de um novo processo com os mesmoselementos da ação do anterior. Nesse caso, evidentemente, não será possível defender a correntedoutrinária que exige do juiz a indicação, expressa ou implícita, de ter o julgamento deimprocedência decorrido de ausência ou insuficiência de provas. Não sabendo da existência daprova, porque não era possível sua obtenção, o que só veio a ser possibilitado, por exemplo, peloavanço tecnológico, não haveria possibilidade lógica de o juiz considerar tal circunstância em suadecisão.

7.11. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

7.11.1. Introdução

A melhor doutrina defende a existência de duas formas de relativização da coisa julgada material.A forma típica de relativização é a ação rescisória, consagrada em nosso sistema jurídico e previstanos arts. 485 a 495 do CPC737. A forma atípica de relativização é realizada sob duas justificativas:

(a) coisa julgada inconstitucional; e (b) coisa julgada injusta inconstitucional. Enquanto, na primeirase pretende afastar a coisa julgada de sentenças de mérito transitadas em julgado que tenham comofundamento norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, na segunda opretendido afastamento da imutabilidade própria da coisa julgada se aplicaria às sentenças queproduzam extrema injustiça, em afronta clara e inaceitável a valores constitucionais essenciais aoEstado democrático de direito.

7.11.2. Ação rescisóriaA mera aplicação do art. 22 da LAP é o suficiente para se concluir pelo cabimento da ação

rescisória da sentença de mérito transitada em julgado proferida em ação popular738. Não há,realmente, qualquer razão lógica ou jurídica a impedir a propositura de ação rescisória no âmbitodessa ação coletiva. Como forma típica de relativização da coisa julgada material, e sendo a coisajulgada produzida de forma especial na ação popular, é preciso se fazer uma cuidadosa análise, nãodo cabimento em si, mas do interesse de agir no caso concreto.

A coisa julgada secundum eventum probationis, prevista no art. 18 da LAP e comentada de formapontual no item 7.10 deste Capítulo, deve ser considerada na determinação do interesse de agir naação rescisória no caso concreto. Havendo julgamento de procedência, em tese haverá interesse deagir na ação rescisória fundada em qualquer vício de rescindibilidade. No caso de improcedência,entretanto, parece não haver interesse de agir em ação rescisória fundada em documento novo, víciode rescindibilidade previsto no art. 485, VII, do CPC, porque, havendo documento novo apto amodificar a decisão de improcedência já transitada em julgado, se admitirá a repropositura da açãopopular, não sendo necessária a ação rescisória para tutelar a pretensão daquele que pretendemodificar o resultado de ação popular já extinta.

Consta do art. 487 do CPC o rol dos legitimados ativos para a propositura da ação rescisória: (a)parte no processo ou seu sucessor a título universal ou singular; (b) terceiro juridicamenteinteressado; (c) Ministério Público. Não vejo necessidade de ampliação desse rol, salvo na hipótesede cidadão que não participou da ação popular como autor, que não é propriamente um terceirojuridicamente interessado, mas terá legitimidade ativa, pelos mesmos fundamentos que temlegitimidade recursal, essa expressamente consagrada no art. 19, § 2º, da LAP. Discordo de parceladoutrinária que defende a legitimidade ativa na ação rescisória dos sujeitos legitimados àpropositura de outras ações coletivas que não a popular (art. 5º da LACP e 82 do CDC)739, nãohavendo motivo relevante para tal grau de ampliação na regra consagrada pelo art. 487 do CPC.

No tocante à legitimidade passiva na ação rescisória, a doutrina e jurisprudência entendem quedevem ser réus dessa demanda todos os sujeitos que figuravam como parte no processo originário enão estejam propondo a ação rescisória. Na ação popular, entretanto, entendo que o litisconsórciopassivo só será necessário quando o pedido de rescisão voltar-se ao capítulo referente à anulação doato administrativo, porque, nesse caso, todos serão necessariamente afetados pela decisão da ação e,por essa razão, são obrigados a participar do processo. Se, entretanto, o pedido rescindendo voltar-se exclusivamente ao capítulo condenatório da ação popular, o litisconsórcio será facultativo,dependendo do caso concreto a definição dos sujeitos que deverão compor o polo passivo. Bastaimaginar que de todos os réus, somente um tenha sido condenado, não parecendo haver a necessidadede compor a ação rescisória todos os réus quando o pedido for voltado somente à rescisão desta

isolada condenação.Formado litisconsórcio passivo na ação rescisória, no tocante ao pedido rescindendo, ele será

unitário, não se admitindo que se opere a rescisão da decisão para alguns litisconsortes e a suamanutenção para outros. Já no tocante ao pedido rescisório, o litisconsórcio é simples, porque, nonovo julgamento – do pedido inicial do autor da ação originária –, o resultado poderá ser diferentepara os litisconsortes, desde que, naturalmente, o litisconsórcio da ação originária tenha sidosimples. Tendo sido unitário o litisconsórcio passivo formado na ação originária, naturalmente quetambém em relação ao pedido rescisório será caso de litisconsórcio da mesma natureza740.

Registre-se, por fim, entendimento jurisprudencial consagrado no sentido de estender à açãorescisória a gratuidade que favorece o autor da ação popular741, o que facilita no mais das vezes atutela do direito difuso defendido na ação popular e não protegido de forma devida.

7.11.3. Coisa julgada inconstitucionalO art. 741, parágrafo único, e o art. 475-L, § 1.º, ambos do CPC, trazem consigo a previsão de

matérias que podem ser alegadas em sede de defesa típica do executado (embargos e impugnação) eque afastam a imutabilidade da coisa julgada material. De idêntica redação, os dispositivos legaispermitem ao executado a alegação de inexigibilidade do título com o fundamento de que a sentençaque se executa (justamente o título executivo judicial) é fundada em lei ou ato normativo declaradosinconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Ainda que a sentença já tenha transitado emjulgado, ou seja, durante a sua execução definitiva, o executado ainda conseguirá se livrar daexecução, afastando a imutabilidade da sentença, característica típica da coisa julgada.

A declaração de inconstitucionalidade realizada pelo Supremo Tribunal Federal pode ocorrer,segundo os dispositivos legais ora apresentados, por três diferentes maneiras: (a) redução de texto,quando a lei é declarada inconstitucional para todos os fins e desaparece do ordenamento jurídico;(b) aplicação da norma à situação considerada inconstitucional, quando ela será válida para certassituações e inválida para outras; (c) interpretação conforme a Constituição, quando, havendo mais deuma interpretação possível, somente uma delas for considerada constitucional.

A par das interessantes discussões a respeito do tema742, que não cabem nos limites do presenteestudo, fica nítido, da explicação a respeito das normas legais que tratam dessa relativização, suaaplicabilidade à ação popular, mais precisamente em seu momento executivo. Julgada procedente aação popular com fundamento em dispositivo tido por inconstitucional pelo Supremo TribunalFederal, poderá o executado alegar essa inconstitucionalidade como matéria de defesa executiva,sendo que o acolhimento da defesa desconstituirá a decisão exequenda transitada em julgado e, porconsequência, relativizará a coisa julgada material.

7.11.4. Coisa julgada injusta inconstitucionalEssa forma de relativização, diferentemente da anteriormente analisada, não tem uma expressa

previsão legal, sendo criação doutrinária e jurisprudencial, ainda que já se tenha sugerido que, aomenos em termos procedimentais, seja possível a aplicação subsidiária dos arts. 475-L, § 1.º, e 741,parágrafo único, ambos do CPC743. Também encontra adeptos e críticos ardorosos, existindo espaçoaté mesmo para uma corrente intermediária, que aceita a proposta de relativização desde que comtratamento legislativo específico, única forma de evitar abusos desmedidos e injustificáveis744.

Fundamentalmente, trata-se da possibilidade de sentença de mérito transitada em julgado causaruma extrema injustiça, com ofensa clara e direta a preceitos e valores constitucionais fundamentais.Reconhecendo ser a coisa julgada material instituto processual, responsável pela tutela da segurançajurídica, sendo esse também um importante direito fundamental previsto na Constituição Federal, adoutrina que defende a sua relativização entende que a coisa julgada não pode ser um valor absoluto,que a priori e em qualquer situação se mostre mais importante do que outros valores constitucionais.A proposta é que se realize, no caso concreto, uma ponderação entre a manutenção da segurançajurídica e a manutenção da ofensa a direito fundamental garantido pela Constituição Federal. Nessejuízo de proporcionalidade entre valores constitucionais, seria legítimo o afastamento da coisajulgada quando se mostrar no caso concreto mais benéfico à proteção do valor constitucionalafrontado pela sentença protegida pela coisa julgada material.

Entre as diversas teses defensivas dessa espécie de relativização, é corrente se encontrar entre asjustificativas para a extrema injustiça745: (a) afronta à razoabilidade e proporcionalidade; (b) ofensaà moralidade administrativa (absurda lesão ao Estado); (c) afronta ao valor justo da indenização pordesapropriação746; (d) afronta aos direitos fundamentais do homem; (e) afronta ao meio ambienteequilibrado.

Como se pode notar, dos valores que justificariam a relativização da coisa julgada material sob ajustificativa de extrema injustiça contida na decisão transitada em julgado, vários são tutelados pormeio da ação popular, tais como a moralidade administrativa e o meio ambiente. Significa dizer que,para os que admitem essa forma de relativização, certamente decisões proferidas em ação popularpoderiam ser objeto de impugnação. Vale lembrar da questão do interesse de agir em razão da coisajulgada secundum eventum probationis existente na ação popular, de forma que não será viável arelativização por formas atípicas, sendo possível se tutelar a moralidade administrativa ou qualqueroutro valor objeto de ação popular por meio da repropositura dessa ação.

7.12. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA

7.12.1. Introdução

Liquidar uma sentença significa determinar o objeto da condenação, permitindo-se assim que ademanda executiva tenha início com o executado sabendo exatamente o que o exequente pretendeobter para a satisfação de seu direito. Apesar de ser pacífico na doutrina esse entendimento, há umaséria divergência a respeito de quais as obrigações que podem efetivamente ser liquidadas.

Apesar do debate doutrinário a respeito da espécie de obrigação que pode ser objeto deliquidação de sentença, havendo aqueles que defendem uma interpretação mais extensiva, queabrange todas as espécies de obrigação, e outros que defendem ser somente a obrigação de pagarquantia liquidável747, na ação popular o debate perde muito sua relevância. Ainda que se admitampedidos condenatórios a fazer, não fazer e entregar coisa, a experiência mostra, e essa característicaremonta à própria tradição da ação popular, que a liquidação da sentença popular tem como objetouma obrigação de pagar quantia certa.

7.12.2. Espécies de liquidação de sentençaSegundo previsão do Código de Processo Civil, existem três espécies de liquidação de sentença:

(a) por mero cálculo aritmético; (b) por arbitramento e; (c) por artigos. Como é uníssono na melhordoutrina, o mero cálculo aritmético não gera propriamente uma liquidação de sentença, porque aliquidez da obrigação não depende da determinação de seu valor no título, mas de sua meradeterminabilidade. Dessa forma, sendo possível se chegar ao valor devido por mero cálculoaritmético, a obrigação de pagar contida na sentença popular já será líquida, habilitando-se oslegitimados a dar início ao cumprimento de sentença.

Segundo previsto no art. 14, caput, da LAP, se o valor da lesão ficar provado durante a fase deconhecimento, caberá ao juiz condenar os réus já com a indicação do quantum debeatur. Casocontrário, a fixação do valor devido dar-se-á por meio da liquidação de sentença. Entendo que anorma deve ser interpretada à luz do art. 459, parágrafo único, do CPC, que limita a sentençagenérica aos pedidos indeterminados, de forma que, sendo elaborado pelo autor da ação popularpedido determinado, o juiz será obrigado a proferir sentença líquida. O sistema processual buscaevitar a liquidação de sentença, na medida do possível, como forma de garantir um processo maisrápido, com a dispensa de uma fase somente para aferir o an debeatur e outra para a fixação doquantum debeatur, e não há qualquer razão lógica ou jurídica para tal raciocínio deixar de seraplicado na ação popular.

De qualquer forma, sendo proferida uma sentença popular ilíquida, a execução dependerá de umaliquidação prévia, que poderá seguir por arbitramento ou por artigos, a depender do caso concreto748.Nesse tocante, o art. 14, caput, da LAP não deve ser interpretado literalmente, considerando-se que anecessidade de uma avaliação ou perícia – na realidade, a primeira é espécie da segunda – para afixação do valor devido é própria da liquidação por arbitramento, mas a doutrina é unânime emtambém admitir a liquidação por artigos sempre que o valor devido exigir a alegação e prova de fatonovo, nos termos do art. 475-E, do CPC749.

Interessante notar que a liquidação de sentença poderá ser realizada provisoriamente, desde omomento de prolação da sentença ilíquida, independentemente de interposição de apelação comefeito suspensivo ou mesmo reexame necessário, nos termos do art. 475-A, § 2º, do CPC, que torna aliquidação da sentença um dos efeitos da sentença condenatória. Só não se poderá exigir nesse caso ainiciativa do Ministério Público diante da inércia dos demais legitimados, considerando que aatuação obrigatória do Ministério Público como demandante da ação popular está condicionada àinércia dos demais legitimados após a decisão de segundo grau ou da decisão de primeiro grautransitada em julgado.

7.12.3. Legitimidade ativaJá foi devidamente explicado que a liquidação tem como objetivo fixar o quantum debeatur,

sendo uma complementação da atividade cognitiva já iniciada com a condenação do réu. Não tem aliquidação qualquer função expropriatória, reservada ao momento de cumprimento da sentença. Ointeresse em obter o valor exato da condenação não é exclusivo do autor, que naturalmente terá talinteresse para que possa dar início ao cumprimento de sentença. Também o réu condenado teminteresse na liquidação, considerando-se que, ciente do valor exato de sua dívida, poderá quitá-la ouoferecer uma transação com base mais concreta750.

Sendo de interesse tanto do vencedor como do vencido a fixação do valor da condenação, nãoresta nenhuma dúvida de que, ao menos como regra, tanto o credor como o devedor – assim

reconhecidos no título executivo – têm legitimidade ativa para dar início à fase procedimental deliquidação de sentença. Especificamente no caso da ação popular, a regra da legitimidade ativabinária da liquidação de sentença deve ser compreendida como atribuidora de legitimação tanto aossujeitos que teriam condições jurídicas de executar o título que contem obrigação ilíquida como aossujeitos que teriam condições jurídicas de compor o polo passivo nessa execução.

Dessa forma, não só o cidadão vencedor da demanda, como qualquer outro cidadão é legitimado aingressar com a liquidação de sentença. Também o Ministério Público, que tem legitimidade ativaexecutiva nos termos do art. 16 da LAP, poderá ingressar com a liquidação. Como analisado no item7.13.3 deste Capítulo, a pessoa jurídica de direito público que compõe o polo passivo não serácondenada a pagar a ela mesma, tendo legitimidade ativa para a execução, ainda que tendo compostoo polo passivo da ação popular. Tendo legitimidade executiva, também poderá ingressar com aliquidação de sentença. Finalmente, todos os réus que podem ser executados – agentes públicos ebeneficiados diretos pelo ato impugnado – poderão ingressar com a liquidação da sentença.

7.12.4. CompetênciaNão há nenhuma norma expressa a respeito da competência para a liquidação de sentença,

devendo-se analisar o momento procedimental no qual a liquidação ocorre para determinar o órgãojurisdicional competente.

Tratando-se de liquidação incidental em execução – fase de satisfação de sentença ou processoautônomo –, é natural que seja competente para conhecer da liquidação o próprio juízo no qual játramita a demanda executiva. Tratando-se de liquidação intermediária, que dá início a processosincrético no qual se buscará, ao final, a satisfação do direito do demandante, nos termos do art. 475-N, parágrafo único, do CPC, deve-se realizar um exercício de abstração, determinando qual seria oórgão competente para a execução daquele título, caso não fosse necessária a liquidação. Por fim,tratando-se de liquidação entre a fase de conhecimento e a fase de execução, haverá competênciaabsoluta – de caráter funcional – do juízo que proferiu a sentença ilíquida, não se aplicando ao casoo permissivo do art. 475-P, parágrafo único, do CPC751.

A existência de foros concorrentes para o cumprimento de sentença busca facilitar a satisfação dodireito, permitindo ao demandante a escolha entre o juízo que formou o título, o foro do atualdomicílio do executado ou ainda o foro do local em que se encontrem seus bens (art. 475-P,parágrafo único, do CPC). Essa facilitação da satisfação do direito, entretanto, nada tem a ver com aliquidação da sentença, entendida como atividade cognitiva integrativa da sentença genéricaproferida no encerramento da primeira fase de natureza cognitiva. É natural, portanto, que, havendoentendimento corrente no sentido de que a sentença ilíquida que condena e a decisão da liquidaçãocompletam um todo – tanto é assim que, em regra, haverá uma só decisão, com a exata determinaçãodo an debeatur e do quantum debeatur –, o juízo que exerceu a função judicante nessa primeira fasede solução da lide automaticamente se torne competente para a segunda fase, em nítida ocorrência decompetência funcional752.

Esse entendimento é parcialmente excepcionado na tutela coletiva, mas a exceção não atinge aliquidação coletiva da sentença popular. Sendo a liquidação coletiva, como ocorre na ação popular,a regra se aplica conforme o exposto, mas, sendo individual a liquidação da sentença coletiva,poderá o liquidante realizá-la no foro de seu domicílio753.

7.13. EXECUÇÃO

7.13.1. Introdução

O direito processual civil passou por significativa modificação no tocante ao sistema aplicado àexecução dos títulos executivos judiciais em geral e à sentença civil em especial. De um sistemafundado na autonomia das ações, no qual a execução de sentença exigia um processo autônomo,temos atualmente o sistema do sincretismo processual, no qual se destaca a chamada ação sincrética,que se desenvolve por um processo dividido em duas fases sucessivas, a primeira de conhecimento ea segunda de execução.

Foi uma mudança que ocorreu paulatinamente, desde 1990754, mas atualmente é reconhecido pelamelhor doutrina que a execução do título executivo judicial ocorre em regra pelo cumprimento desentença, mera fase procedimental posterior à prolação da sentença condenatória (para parcela dadoutrina, executiva lato sensu). Somente de forma excepcional mantém-se a necessidade de processoautônomo de execução para satisfação de direito reconhecido em sentença judicial.

Uma das exceções é a execução de título executivo judicial contra a Fazenda Pública, que não foiafetada pela Lei 11.232/2005, de forma que continua a ser realizada por meio de processo autônomo.Mas essa exceção não se aplica à ação popular. Embora nessa ação o polo passivo seja compostopor uma pessoa jurídica de direito público, essa pessoa não será legitimada passiva na execução, deforma que não haverá uma execução contra a Fazenda Pública.

Seria inexplicável deixar de aplicar os avanços do sistema executivo à execução da sentençacoletiva em geral e da popular em especial. É inegável que o sistema do cumprimento de sentença,consagrado definitivamente pela Lei 11.232/2005, facilita a satisfação do direito exequendo, e, tendonatureza difusa o direito defendido em sede de ação popular, ainda com maior razão admite-se aaplicação de um sistema que facilite a efetiva tutela desse direito em fase executiva.

Dessa forma, não só a execução dar-se-á por meio de cumprimento de sentença, como totalmenteaplicável à execução de sentença popular o procedimento desse cumprimento, respeitando-se aprevisão do art. 475-I do CPC. Sendo a obrigação exequenda de fazer ou não fazer, caberá ao juizaplicar o art. 461 do CPC; sendo de entregar coisa, caberá a aplicação do art. 461-A do CPC e,finalmente, sendo de pagar quantia certa, caberá a aplicação dos arts. 475-J, L, M e R, do CPC. E,em qualquer caso, por mera fase procedimental, sem a necessidade de instauração de uma nova açãojudicial.

7.13.2. Execução por sub-rogação e indiretaNa execução por sub-rogação, o Estado vence a resistência do executado, substituindo sua

vontade, com a consequente satisfação do direito do exequente755. Mesmo que o executado nãoconcorde com tal satisfação, o juiz terá à sua disposição determinados atos materiais que, aosubstituir a vontade do executado, geram a satisfação do direito. Exemplos classicamente lembradossão a penhora/expropriação; depósito/entrega da coisa; atos materiais que são praticadosindependentemente da concordância ou resistência do executado.

N a execução indireta, o Estado não substitui a vontade do executado; pelo contrário, atua deforma a convencê-lo a cumprir sua obrigação, com o que será satisfeito o direito do exequente. O juizatuará de forma a pressionar psicologicamente o executado para que ele modifique sua vontade

originária de ver frustrada a satisfação do direito do exequente756. Sempre que a pressão psicológicafunciona, é o próprio executado o responsável pela satisfação do direito; a satisfação será voluntária,decorrente da vontade da parte, mas obviamente não será espontânea, considerando-se que sóocorreu porque foi exercida pelo juiz uma pressão psicológica sobre o devedor.

Existem duas formas de execução indireta. A primeira consubstancia-se na ameaça de piorar asituação da parte caso não cumpra a obrigação, como ocorre com as astreintes, multa aplicáveldiante do descumprimento das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, ou ainda com a prisãocivil na hipótese do devedor inescusável de alimentos. A segunda forma de execução indiretaconsubstancia-se na oferta de uma melhora na situação da parte caso ela cumpra sua obrigação, comoocorre no art. 652-A, parágrafo único, do CPC, que prevê um desconto de 50% no valor doshonorários advocatícios no caso de pagamento do valor exequendo no prazo de três dias da citação.Apesar de lições tradicionais de direito estrangeiro, os termos “sanções premiadoras” ou “sançõespremiais”757, empregados para designar essa espécie de execução indireta, não parecem adequados,porque, apesar de a ideia de prêmio concedido a quem cumpre a obrigação estar correta, não se podeconfundir sanção com pressão psicológica.

Na execução de pagar quantia certa, tradicionalmente o procedimento executivo é fundado em atosde sub-rogação representados pela penhora e expropriação de bens. No procedimento decumprimento de sentença de obrigação de pagar quantia, existe a previsão de uma multa no valor de10% do valor da condenação na hipótese de o devedor não realizar o pagamento no prazo de 15 dias.Para parcela da doutrina, trata-se de medida de execução indireta, que busca pressionarpsicologicamente o devedor a efetuar o pagamento do valor devido758. Não parece, entretanto, tratar-se efetivamente de medida de execução indireta, sendo sancionatória a natureza jurídica dessamulta759. Como se pode afirmar que a astreinte é uma multa e que tem o seu valor prefixado em lei,sem nenhuma liberdade ao juiz em aumentar ou diminuir tal valor? Como saber a priori se o valorlegal funcionará efetivamente no caso concreto para pressionar o devedor ao cumprimento daobrigação? Por outro lado, não se aplica medida de execução indireta, quando é material oujuridicamente impossível o cumprimento da obrigação760. Não teria nenhum sentido aplicar umamulta diária ao executado que tem a obrigação de entregar coisa que já pereceu. Da mesma forma,não teria sentido pressionar alguém a pagar, se essa pessoa não tem patrimônio suficiente para tornarmaterialmente possível o cumprimento da obrigação. Mas a multa é aplicada independentemente dasituação patrimonial do executado761, o que deixa claro que, diante do dever de pagar descumprido,aplica-se como sanção a multa no valor de 10% sobre o valor da condenação.

O tema, entretanto, é bastante controvertido, chegando-se até mesmo ao ponto de considerar-se amulta com natureza jurídica híbrida, sendo ao mesmo tempo execução indireta e sanção processual762.

Uma interessante e excepcional forma de execução por sub-rogação encontra-se prevista no art.14, § 3º, da LAP, que permite o desconto em folha de pagamento sempre que o réu condenadoreceber dos cofres públicos e se assim convier ao interesse público. O desconto em folha depagamento é medida excepcional, porque torna penhorável o ganho proveniente do trabalho,contrariando o art. 649 do CPC, que, em seu inciso IV, prevê a impenhorabilidade absoluta dosalário e outras formas de remuneração, prevendo como única exceção, no § 2º, a execução deprestação alimentícia.

Sou um ferrenho crítico da impenhorabilidade total dos salários e afins, sendo o Brasil um dos

poucos países civilizados que tem regra com tamanha extensão. Não obstante, existe uma norma pelaqual se nota com clareza a vontade do legislador: a impenhorabilidade deve ser excepcionadasomente na prestação alimentícia, ou seja, com fundamento no princípio da dignidade da pessoahumana. Na ação popular, que busca tutelar o patrimônio público, é natural que se questione se essevalor tutelado também é o suficiente para excepcionar a regra de impenhorabilidade.

Entendo que a resposta a essa pergunta deva ser dada de forma negativa, sob pena de, em todacondenação em favor da Fazenda Pública, ter-se que admitir o desconto em folha de pagamento dodevedor. Ressaltando mais uma vez minha verdadeira ojeriza ao art. 649, IV, do CPC, entendo queesse dispositivo revoga tacitamente o art. 14, § 3º, da LAP763. Há doutrina que afirma ser odispositivo legal de discutível juricidade764.

Na obrigação de entregar coisa, é possível a cumulação de medidas de execução por sub-rogaçãoe indireta, não existindo nenhuma ordem entre tais medidas, cabendo ao juiz aplicá-las ao casoconcreto como entender mais eficaz para a efetiva satisfação do direito exequendo. Assim, poderádeterminar a busca e apreensão ou a imissão na posse (execução por sub-rogação) ou, se preferir,aplicar uma multa diária diante do descumprimento da obrigação de entregar a coisa (execuçãoindireta), como também poderá aplicar ambas as medidas concomitantemente, até que uma delas semostre eficaz, o que levará à revogação da outra.

Tratando-se de obrigação de fazer de natureza fungível, ou seja, uma obrigação que pode sercumprida por outros sujeitos além do devedor (por exemplo, pintar uma casa), é possível acumulação de medidas de execução indireta e por sub-rogação. Pode o juiz determinar a aplicaçãode multa765, como também determinar que a obrigação seja cumprida por terceiro à custa doexecutado, nos termos dos arts. 634 a 637 do CPC. Sendo a obrigação de fazer infungível(personalíssima), na qual somente o devedor pode cumprir a obrigação, de nada adiantará aaplicação de medidas de execução por sub-rogação, considerando-se que, nesse caso, a vontade dodevedor não pode ser substituída pela vontade do Estado-Juiz. Nessa espécie de execução, restasomente a aplicação de astreintes na tentativa de convencer o executado a cumprir a obrigação766.

7.13.3. Legitimidade ativaNaturalmente o cidadão que funcionou como autor da ação coletiva terá legitimidade para a

execução. É, inclusive, o sujeito que costuma executar a sentença, não sendo comum que um cidadãoque teve todo o trabalho em obter uma sentença condenatória deixe de ter interesse na tutela dopatrimônio público no momento da satisfação do direito. No tocante ao capítulo acessóriocondenatório nas verbas de sucumbência, a legitimidade executiva é exclusiva do cidadão-autor767.Outros cidadãos, que não tenham composto o polo ativo da ação coletiva na fase de conhecimento,também são legitimados ativos para o cumprimento de sentença.

O Ministério Público tem legitimidade ativa, nos termos do art. 16 da LAP, tema tratado nesteCapítulo, item 7.3.5.3. A legitimidade ativa, nesse caso, é superveniente e condicionada, porquedepende da inércia dos cidadãos, mesmo quando o Ministério Público, nos termos do art. 9º da LAP,tenha assumido o polo ativo da ação popular ainda na fase de conhecimento.

Tendo havido a alteração de polos, nos termos do art. 6º, § 3º, da LAP, a pessoa jurídica constarádo título executivo como coautora da ação coletiva, sendo, nesse caso, natural sua legitimidade ativapara executá-lo. Mas o que ocorre quando a pessoa jurídica assume sua posição no polo passivo,

inclusive apresentando contestação, colocando-se, portanto, contra a pretensão do autor popular?Entendo que, nesse caso, a pessoa jurídica não poderá ser condenada ao pagamento ao erário, sobpena de condenar-se ao pagamento o próprio credor768, o que geraria a extinção do crédito porconfusão.

Do capítulo condenatório de pagar quantia certa, portanto, não constará como devedora a pessoajurídica que figurou na ação popular como ré. E o art. 17 da LAP prevê que essa pessoa jurídica terálegitimidade para a propositura da execução da sentença, ainda que tenha se colocado contra apretensão do autor popular. A norma tem lógica clara, considerando-se que o beneficiado pelopagamento será a própria pessoa jurídica demandada na ação popular.

7.13.4. Medidas cautelares para garantir o resultado da execuçãoSegundo o art. 14, § 4º, da LAP, sendo a parte condenada a restituir bens ou valores, ficará sujeita

a sequestro e penhora, desde a prolação da sentença condenatória. Primeiramente, é preciso destacarque há um equívoco claro no dispositivo legal mencionado. Como o dispositivo faz menção aobrigações de entregar coisa e de pagar quantia certa, as medidas cautelares adequadas para garantira eficácia da execução de tais obrigações são, respectivamente, o sequestro e o arresto769.

Portanto, onde se lê penhora deve-se entender arresto. Nem mesmo o entendimento doutrinário deque o arresto funciona como uma penhora antecipada pode justificar o equívoco legal, porque falar-se em penhora antecipada só tem cabimento no arresto executivo, jamais no arresto cautelar770. Ejustamente porque o arresto cautelar antecede a execução, constituindo-se em ato de mera garantia, enão satisfativo, próprio da execução. Como o art. 14, § 4º, da LAP prevê a possibilidade desequestro ou penhora (leia-se arresto) desde o momento da prolação da sentença, admite que asmedidas sejam adotadas antes da execução, em momento procedimental no qual, inclusive, nem seriajuridicamente possível a execução, o que demonstra de forma cabal não ser o ato de constrição umapenhora, mas sim um arresto.

Como é de conhecimento notório, são cabíveis medidas cautelares, ainda que o momentoprocedimental não admita execução, como resta demonstrado nas cautelares incidentais concedidasdurante o processo/fase de conhecimento. O que se pretende mostrar é que, sendo o sequestro e oarresto previstos no artigo ora analisado, e as cautelares previstas no Código de Processo Civil, queexigem para sua concessão a presença do periculum in mora e do fumus boni iuris, o dispositivo éinútil, já que seriam cabíveis mesmo que não houvesse uma expressa previsão nesse sentido.

Ainda que criticado por moderna doutrina civilista, em respeito ao princípio de que a lei nãocontém palavras inúteis, menos ainda um artigo inteiro, entendo que o art. 14, § 4º, prevê o sequestroe o arresto cautelar como efeitos secundários da sentença de procedência na ação popular. Os efeitossecundários da sentença são gerados automaticamente com a sua prolação, independentemente depedido expresso do demandante ou da pendência de recurso com efeito suspensivo. E o maisimportante para a presente análise, não dependem de preenchimento de qualquer requisito no casoconcreto, o que dispensará no sequestro e arresto diante da sentença popular o perigo de dano e aprobabilidade de o direito existir.

Interessante mencionar a existência de corrente doutrinária que, mesmo adotando diferentesfundamentos, parece chegar à mesma conclusão ora defendida. Para essa corrente doutrinária, olegislador acertou ao prever a penhora, medida de natureza cautelar-incidental que se desenvolve na

execução provisória atípica advinda da sentença popular de primeiro grau. Como essa parcela dadoutrina concorda que a apelação tem duplo efeito e ainda assim é possível a constrição de bens paragarantir o resultado da execução, fala-se em execução provisória anômala.

Ainda que não se concorde com o raciocínio, a penhora não exige periculum in mora nem fumusboni iuris, e, nesse sentido, o ato de constrição judicial poderá ser realizado mediante a meraprovocação do exequente. É essa ideia que defendo no tocante ao sequestro e ao arresto previstos noart. 14, § 4º, da LAP.

7.13.5. Capítulos da sentença executáveisComo já devidamente demonstrado no item 7.5.6. deste Capítulo, a sentença de procedência na

ação popular terá dois capítulos principais. Haverá ainda um capítulo acessório, que versará sobre aas verbas de sucumbência. A execução desses capítulos dependerá fundamentalmente de suanatureza.

O primeiro terá natureza constitutiva negativa, versando sobre a ilegalidade do ato e sua anulação,ou natureza declaratória, versando sobre a ilegalidade da omissão. Em nenhum desses capítulos sefará necessária execução forçada, considerando-se que, nas sentenças constitutivas, a situaçãojurídica pretendida é criada com a mera prolação da decisão e, nas sentenças declaratórias, a certezajurídica é obtida mediante sua mera prolação.

O segundo capítulo e o capítulo acessório terão natureza condenatória, exigindo a instauração dafase de cumprimento de sentença, salvo na improvável hipótese de cumprimento voluntário daobrigação exequenda. O capítulo acessório que versa sobre as verbas de sucumbência será semprecondenatório em pagar quantia certa, enquanto o capítulo principal condenatório pode ter comoobjeto obrigação de qualquer natureza, e não só de pagar quantia certa.

Havendo condenação a pagar quantia certa, na hipótese de prejuízo ao erário, o valor obtido emcumprimento de sentença será revertido para a pessoa jurídica de direito público que tenhasuportado a lesão econômica reconhecida na sentença. Havendo condenação em razão de violação aomeio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, o valor obtido em cumprimento de sentença parapagar quantia certa deve ser revertido para o Fundo de Direitos Difusos, previsto no art. 13 daLACP771.

7.14. TUTELA DE URGÊNCIA

7.14.1. Tutela antecipada e cautelar

Consta do art. 5º, § 4º, da Lei 4.717/1965 a previsão de que, na defesa do patrimônio público,caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado, no que se pode compreender a admissãoexpressa de tutela de urgência em favor do autor da ação popular. Tal previsão, entretanto, não afastada ação popular a aplicação subsidiária das regras que regem a tutela de urgência no Código deProcesso, segundo posição de parcela doutrinária que defende o não cabimento da tutela antecipadana ação popular772. O Superior Tribunal de Justiça, acertadamente, vem admitindo a antecipação detutela na ação popular773.

Na petição inicial já poderá constar pedido de tutela de urgência a ser concedida inaudita altera

parte, embora não haja preclusão temporal para a elaboração de tal pedido. A tutela de urgênciapode ser satisfativa, representada por meio da tutela antecipada, que indiscutivelmente serárequerida de forma incidental na ação popular, ou apenas garantidora, representada por meio datutela cautelar, podendo ser requerida por ação cautelar antecedente ou incidental, havendo doutrinaque entende nesse caso ser dispensável a existência de ação, podendo o pedido ser formulado naprópria ação principal, que, no caso seria, a ação popular774.

Cabe apenas a lembrança das vedações à concessão de tutela de urgência contra a FazendaPública, atualmente reunidas no art. 7º, § 2º, da Lei 12.016/2009. Como necessariamente haverá aomenos uma pessoa jurídica de direito público no polo passivo da ação popular, não é possível seafastar tais vedações, ainda que os temas indicados no dispositivo legal não sejam comuns às açõespopulares.

Mais relevante a respeito das especialidades da tutela de urgência contra a Fazenda Pública é aexigência de oitiva prévia no prazo de 72 horas, prevista no art. 2º da Lei 8.437/1992. Ainaplicabilidade da norma à ação popular não exige nem ao menos a alegação de suainconstitucionalidade, exagerando nas prerrogativas da Fazenda Pública em juízo, ainda que emdetrimento de direito material evidente do autor. Basta para se chegar a tal conclusão observar aliteralidade da norma, que exige a prévia oitiva somente nos casos de mandado de segurança coletivoe ação civil pública, do que se pode concluir que a ação popular não é alcançada pela exigêncialegal. O entendimento ora defendido, pela dispensa da oitiva prévia, é encontrado em antigosjulgamentos do Superior Tribunal de Justiça775.

A exigência de oitiva prévia, ainda que dificulte a concessão da tutela de urgência, não é, por sisó, um impedimento definitivo à sua obtenção. Pessoalmente entendo a regra ora comentadainconstitucional, mas não vejo razão sólida para afastar sua aplicação somente da ação popular.Diferente é minha conclusão com relação ao art. 1º, § 3º, da Lei 8.437/1992, que veda a concessãode liminar contra o poder público que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação. Nesse caso,como o pedido de tutela antecipada tem como objeto a mesma pretensão contida no pedido, aaplicação do dispositivo legal seria praticamente afastar essa espécie de tutela de urgência da açãopopular, o que sacrificaria os direitos tuteláveis por essa ação, em ofensa insuportável ao art. 5º,XXXV, da CF776.

7.14.2. Pedido de suspensão de segurançaSegundo o art. 4º, caput, da Lei 8.437/1992, o presidente do tribunal poderá suspender

fundamentadamente a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seusagentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada,em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão àordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. A aplicabilidade da norma à ação popular estáexpressamente consagrada no § 1º do artigo ora comentado, que exige, ainda, que o pedido sejaelaborado antes do trânsito em julgado da decisão.

O pedido de suspensão de segurança tem natureza de incidente processual777, e não rivaliza com osrecursos, porquanto o pedido de suspensão de segurança nem mesmo é um meio de impugnação dadecisão778, considerando-se que, por meio dele, a parte não impugna o conteúdo ou a forma dedecisão, mas apenas alega que a geração imediata de seus efeitos pode gerar grave lesão a certos

valores previstos em lei. Não se discute, portanto, a regularidade ou a justiça da decisão, mas apenaso potencial danoso de seus efeitos. O procedimento está previsto nos §§ 2º a 9º do art. 4º da Lei8.437/1992.

Dessa forma, sendo concedida tutela de urgência em primeiro grau, caberá tanto o agravo deinstrumento para o tribunal competente, inclusive com pedido de efeito suspensivo, nos termos do art.527, III, do CPC, como, ao mesmo tempo, o pedido de suspensão de segurança, que, na realidade,significará, no caso concreto, uma suspensão da tutela de urgência concedida, dirigida ao presidentedo tribunal de segundo grau779.

Proferido acórdão da apelação, caberá recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça,recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, e processo cautelar com pedido de liminarpara obter efeito suspensivo a tais recursos, além de pedido de suspensão de segurança para opresidente de cada um desses tribunais, desde que ambos os recursos sejam interpostos,considerando-se que tais recursos não têm efeito suspensivo e o acórdão da apelação passa a gerarefeitos imediatamente após sua prolação, o que poderá, no caso concreto, causar a grave lesão que sebusca evitar com o incidente ora analisado780.

A natureza jurídica desse incidente desperta diferentes opiniões doutrinárias. Enquanto parcela dadoutrina defende sua natureza administrativa, afirmando ostentar o incidente uma nítida feiçãopolítica781, outra prefere compreendê-lo como atividade jurisdicional782. A par da discussão arespeito da natureza desse incidente processual em geral, e da decisão que o resolve em especial, omais importante é lembrar que o presidente do tribunal não tem discricionariedade em sua decisão,devendo respeitar os pressupostos previstos em lei783.

A circunstância de tais pressupostos serem formulados por cláusulas abertas, com alto grau deindeterminação, não significa que tenha-se dado ao presidente do tribunal atuar contra a lei, desdeque entenda ser o mais conveniente ou oportuno a fazer784. Não se duvida da liberdade que tem opresidente do tribunal para analisar se os requisitos foram preenchidos ou não, mas ainda assim épossível exigir-se que sua decisão esteja fundada no princípio da legalidade, e não no dadiscricionariedade.

7.15. GRATUIDADE

7.15.1. A regra da gratuidade

No art. 5º, LXXIII, da CF, há previsão de que o autor da ação popular é isento do pagamento decustas processuais e do ônus da sucumbência, salvo se restar comprovada sua má-fé. A regra dagratuidade, consagrada no dispositivo constitucional, é corroborada pelos arts. 12 e 13 da LAP.

A justificativa é óbvia: incentivar os cidadãos à propositura de ações populares, sem a naturalpreocupação com os prejuízos econômicos que uma eventual derrota judicial poderia gerar àqueleque se aventurar na propositura de tal espécie de ação. A atuação do autor na ação popular não deixade ter alta carga de altruísmo, porque assume todos os percalços e incômodos de uma ação judicialpara defender direito da coletividade. Ainda que seja indiretamente beneficiado pelo resultadopositivo da ação popular, como membro pertencente à coletividade, o autor popular beneficia comseu esforço pessoal a todos os membros que compõem essa coletividade.

Não teria qualquer sentido, funcionando como forte inibidor na propositura da ação popular, a

seguinte equação: sendo julgado o pedido procedente, todos os membros da coletividade sebeneficiam indistintamente do resultado, mas, sendo julgado o pedido improcedente ou a ação extintasem a resolução do mérito, o prejuízo econômico gerado pela demanda será suportadoexclusivamente pelo autor da ação popular. Justamente para evitar que essa injusta situação ocorra,concede-se ao autor a gratuidade.

É notória a pequena atração exercida pela ação popular, sendo incomparavelmente menor onúmero dessas ações quando comparadas com outras espécies de ações coletivas, que têm comolegitimados outros sujeitos que não o cidadão. A gratuidade, entretanto, não deixa de ser um atrativo,porque, se o autor tivesse que assumir os riscos de uma improcedência ou decisão terminativa, emações que geralmente envolvem altos valores, o que já é escasso, tenderia a desaparecer785. Ou seja,ruim com a gratuidade, pior sem ela.

O art. 12 da LAP prevê que da sentença de procedência da ação popular sempre constará umcapítulo acessório de condenação dos réus ao pagamento das custas, das demais despesas, judiciais eextrajudiciais, e dos honorários advocatícios. Aplica-se a essa condenação as regras dos ônus dasucumbência previstos no Código de Processo Civil, de forma que as despesas são aquelas previstaspelo art. 20, § 2º, do CPC, os honorários serão fixados entre 10% e 20% do valor da causa, oscritérios para a fixação dos honorários serão aqueles previstos no art. 20, § 3º, do CPC e, havendomais de um condenado ao pagamento, o que invariavelmente ocorre, as regras de rateio são aquelasprevistas no art. 23 do CPC.

Como no art. 12 da LAP não há qualquer indicação de condenação ao pagamento de custas,despesas e honorários advocatícios na hipótese de extinção do processo sem julgamento do mérito ena hipótese de improcedência do pedido, o legislador deixa claro por meio da omissão que o autornão será condenado em tais verbas, ainda que seja derrotado na demanda judicial. Apesar de nãoexistir uma previsão expressa nesse sentido, a omissão indicada é encarada pela doutrina comoconsagradora da regra da gratuidade786.

Questão interessante no tocante à gratuidade diz respeito ao pedido elaborado pelo autor popularpara a produção de prova pericial, sendo nesse caso exigida a remuneração do perito, merocolaborador eventual do juízo. Pergunta-se: requerida a prova pericial pelo autor da ação popular,quem será responsável pelo pagamento do adiantamento dos honorários periciais, sem os quais operito nem ao menos inicia seus trabalhos?

Passou a ser comum, não só na ação popular, mas em todas as ações coletivas, decisões de juízesde primeiro grau imputando ao réu o pagamento desses valores, com a singela fundamentação de que,se o autor é beneficiado por gratuidade, e o perito precisa receber para trabalhar, quem deve arcarcom o pagamento é o réu. O entendimento contraria expressamente o previsto no art. 33 do CPC, queatribui esse ônus ao réu tão somente na hipótese de ter sido ele o único requerente da prova pericial,sendo certo que a ele não se aplica a regra de gratuidade787. Ademais, como bem observado peloSuperior Tribunal de Justiça, exigir que o réu arque com o ônus de pagar prova que poderáprejudicá-lo, contraria o postulado básico de que ninguém é obrigado a fazer prova contra simesmo788.

Diante do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, cria-se um impasse: o autor não deveadiantar o valor dos honorários periciais e nem pagá-los em definitivo na hipótese de derrotajudicial, em razão da gratuidade consagrada constitucionalmente; o réu tem o ônus de pagar a perícia

se derrotado, mas não de adiantar os honorários do perito, se o pedido de produção de prova pericialpartiu do autor ou do juiz de ofício; o perito, por sua vez, não pode ser compelido a trabalhar degraça, ou sob o risco de, ao final do processo, não receber.

A solução encontrada pelo próprio tribunal superior foi retirar o valor para o adiantamento dasverbas sucumbenciais do Fundo de Direito Difusos, previsto no art. 13 da LACP789. Ainda que asdecisões não tratem especificamente de ação popular, a justificativa é plenamente aplicável a essaespécie de ação, considerando-se a natureza de direito difuso que compõe seu objeto. O dinheiro,portanto, é retirado do FDD e entregue ao perito para a elaboração de seu trabalho, sendo o retornodesse dinheiro ao FDD determinado pelo resultado do processo.

Sendo o pedido julgado procedente, os réus serão condenados, nos termos do art. 12 da LAP, aopagamento das custas e despesas processuais, no que estão incluídos os honorários periciais, deforma que o dinheiro retornará (ao menos potencialmente) ao FDD. Por outro lado, sendo o pedidojulgado improcedente ou havendo extinção do processo sem a resolução do mérito, o FDD arcarádefinitivamente com o prejuízo. Essa circunstância aumenta exponencialmente a responsabilidade dojuiz no deferimento da prova pericial em ação popular, exigindo-se do mesmo uma posição cautelosano sentido de evitar a produção de provas caras em ações fadadas ao insucesso, com o quepreservará os cofres do FDD.

7.15.2. Exceção à regra da gratuidade: condenação do autor popular nos ônusde sucumbência

No art. 5º, LXXIII, da CF, há previsão da regra e da exceção quanto à gratuidade concedida aoautor popular. A exceção diz respeito a comprovada má-fé no exercício do direito de ação. O art. 13da LAP, por sua vez, determina a condenação do autor ao pagamento do décuplo das custas, se o juizentender que a lide foi manifestamente temerária.

Fica claro do texto constitucional que a isenção na condenação ao pagamento de custas e despesasprocessuais, além dos honorários advocatícios, é afastada, caso se comprove, no caso concreto, ter oautor atuado com má-fé, não em atos pontuais do procedimento, mas na propositura da ação popular.Significa dizer que, para comportamentos pontuais de má-fé, a sanção aplicável são as multascabíveis na legislação processual, restando a aplicação do art. 5º, LXXIII, da CF, para acomprovação de que o autor utilizou com má-fé da própria ação em si, com propósitos obscuros eegoístas, muitas vezes somente para prejudicar a reputação dos réus790.

É interessante notar que, uma vez configurada essa má-fé prevista pelo dispositivo legal oracomentado, é consequência natural a constatação de ser a lide temerária, condição de aplicação doart. 13 da LAP. Significa dizer que, uma vez perdida a isenção no pagamento dos ônussucumbenciais, o autor popular automaticamente estará também condenado ao pagamento da multaprevista no art. 13 da LAP, no valor de dez vezes as custas processuais. Não consigo imaginar que,havendo má-fé na propositura da ação popular, não haja lide temerária no caso concreto, ainda que,para a multa, se exija que a lide seja manifestamente temerária, circunstância que somente demonstrao cuidado que o juiz deve tomar na aplicação da sanção.

Conclusivamente, é possível se afirmar que, de um mesmo ato, geram-se duas consequências bemdistintas. Sendo a propositura da ação fundada em comprovada má-fé, criando-se no caso concretouma lide manifestamente temerária, o autor perderá os benefícios de gratuidade e será condenado em

multa no valor de dez vezes as custas processuais. Como bem observado pela doutrina, não há nocaso bis in idem, porque o afastamento da isenção não é propriamente uma sanção, mas a perda deuma prerrogativa, bem diferente da multa processual determinada pelo art. 13 da LAP791.

7.16. PRESCRIÇÃOSegundo o art. 21 da LAP, o prazo prescricional para a propositura da ação popular é de cinco

anos. A primeira consideração que deve ser feita é que, apesar de limitar o exercício da açãopopular, o artigo legal não pode ser considerado inconstitucional792. Os prazos prescricionais edecadenciais são matérias de legislação infraconstitucional, e não se pode, pelo simples fato de seexigir um período de tempo para o exercício do direito de ação, entender que tal prazo sejainconstitucional. É preciso lembrar que a existência de prazos prescricionais e decadenciais não sedá por mero capricho do legislador, mas em razão de importante valor, essencial à vida emsociedade, que é a segurança jurídica.

O prazo de cinco anos previsto no dispositivo legal não se refere somente à prescrição, como aliteralidade do dispositivo legal poderia sugerir, atingindo também a decadência793. Significa dizerque atinge tanto o pedido de natureza constitutiva negativa como o pedido de natureza condenatória.A principal questão que se levanta no tocante ao pedido condenatório, entretanto, é a aplicação doart. 37, § 5º, da CF, que prevê ser imprescritível a ação de ressarcimento por prejuízos gerados aoerário.

Já tivemos a oportunidade de afirmar que o objeto tutelável por meio de ação popular não se limitaao erário, compreendendo também a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimôniohistórico e cultural. Com relação aos pedidos condenatórios que não sejam voltados à recomposiçãodo erário, parece não haver dúvida a respeito da aplicação do art. 21 da LAP, sendo inaplicável àespécie a tese de imprescritibilidade fundada no art. 37, § 5º, da CF. Já com relação a açõesfundadas em ofensa ao erário, o entendimento deve ser outro, admitindo-se a ação com o pedidoexclusivamente condenatório perpetuamente794. Tal entendimento encontra-se consagrado nas açõescivis públicas de improbidade administrativa795.

Leonel, Manual, p. 40.Mancuso, Ação, p. 39-41.Leonel, Manual, p. 44-46.Assagra, Manual, p. 346.Alves, Manual, p. 68.Mancuso, Ação, p. 52-54.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 173.Assagra, Manual, p. 359.STJ, 1ª Turma, REsp. 818.725/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 13/05/2008; DJE 16/06/2008.Silva, Ação, p. 126-127; Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 177-178.STJ, 2ª Turma, REsp. 889.766/SP, rel. Min. Castro Meira, j. 04/10/2007; DJ 18/10/2007, p. 333.Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 180.Scarpinella Bueno, Curso, p. 272-273.Marinoni, Tutela, 3.2-3.4, p. 40-50.Medauar, Direito, n. 18.7.9, p. 426; Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 177.Marinoni, Tutela, 3.21, p. 152-155.STJ, 1ª Seção, MS 9.944/DF, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 25/05/2005, DJ 13/06/2005, p. 157.STF, Decisão monocrática, AO 772/MC/SP, rel. Min. Cezar Peluso, j. 26/04/2005, DJ 03/05/2005, p. 46.

STF, Decisão monocrática, Pet 2.018/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 29/06/2000; DJ 01/08/2000, p. 37.Silva, Ação, p. 124-125.STJ, 2ª Turma, REsp. 536.762/RS, rel. Min. Eliana Calmon, j. 21/06/2005; DJ 15/08/2005, p. 240; STJ, 1ª Turma, rel. REsp. 450.431/PR,rel. Min. Luiz Fux, j. 18/09/2003, DJ 20/10/2003, p. 185.Informativo 444/STJ, 2ª Turma, REsp. 445.664/AC, rel. Min. Eliana Calmon, j. 24/08/2010; Informativo 425/STJ, 2ª Turma, REsp.1.015.133-MT, rel. Min. Eliana Calmon, rel. p/ acórdão Min. Castro Meira, j. 02/03/2010.STF, Tribunal Pleno, Rcl. 664/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, j. 22/05/2002, DJ 21/06/2002, p. 99.STJ, 2ª Turma, REsp. 1.081.968/SC, rel. Min. Castro Meira, j. 06/10/2009, DJE 15/10/2009.STJ, 1ª Turma, REsp. 806.153/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 08/04/2008, DJE 14/05/2008; Peña de Moraes, Curso, p. 668.STJ, 1ª Turma, REsp. 973.044/MG, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 03/04/2008, DJE 16/04/2008.Mancuso, Ação, p. 99-100, citando lições de José Ignácio Botelho de Mesquita e Eros Grau.STJ, 1ª Turma, REsp. 802.378/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 24/04/2007, DJ 04/06/2007, p. 312.STJ, 1ª Turma, REsp. 474.475/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 09/09/2008, DJE 06/10/2008.STJ, 1ª Turma, REsp. 858.910/SP, rel. Min. Francisco Falcão, j. 28/11/206, DJ 01/02/2007, p. 437.STF, 1ª Turma, RE 170.768/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 26/03/1999, DJ 13/08/1999, p. 16.STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp. 916.010/SP, rel. Min. Humberto Martins, j. 19/02/2008, DJE 02/04/2008; STJ, 1ª Turma, REsp.984.167/RS, rel. Min. Luiz Fux, j. 05/06/2008, DJE 16/06/2008.STJ, 2ª Turma, REsp. 479.803/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 22/08/2006; DJ 22/09/2006, p. 247.Rodrigues, Ação, p. 286.Araken de Assis, Substituição, p. 9.Theodoro Jr., Curso, n. 53, p. 68; Câmara, Lições, v. 1, p. 116; Greco, A teoria, n. 2.7, p. 41; Pinho, Teoria, n. 12.5.2, p. 127; Fux, Cursop. 160.Nery Jr.-Nery, Código, p. 178; Barbosa Moreira, Notas, p. 33.Nery Jr.-Nery, Código, p. 178.Mancuso, Ação, p. 150-154; Silva, Ação, p. 184-186.Assagra, Direito, p. 404; Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 186; Leonel, Manual, p. 159.Zavascki, Processo, n. 7.3.2, p. 164-165; Carvalho Filho, Ação, p. 124-125; Vigliar, Ações, p. 135.Venturi, Processo, p. 169.Ferraresi, A pessoa, p. 137-143.Mendes, Ações, p. 256-257.Gidi, Rumo, p. 224-232.Barbosa Moreira, A proteção, p. 177-178; Rodrigues, Ação, p. 278.Grinover, A ação, p. 51-52.Súmula 365/STF.STF, Tribunal Pleno, Pet 3.388/RR, rel. Min. Carlos Britto, j. 19/03/2009, DJE 25/09/2009.Mancuso, Ação, p. 144.Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 185-186.Almeida, Manual, p. 367.Pacheco, O mandado, p. 563-565.Barbosa Moreira, A legitimação, p. 186; Zavascki, Processo, p. 100; Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 183; Mancuso, Ação, p. 143-144.Dinamarco, Comentários, p. 46.STJ, 4ª Turma, REsp. 450.919/MA, rel. Min. Humberto Martins, j. 15/08/2006, DJ 28/08/2006, p. 254; STJ, 5ª Turma, REsp. 527.963/DF,rel. Min. Laurita Vaz, j. 17/10/2006, DJ 04/12/2006, p. 355.Rodrigues, Ação, p. 278.Nery Jr.-Nery, Código, p. 189.Pacheco, O mandado, p. 569-570; Mancuso, Ação, p. 154-155; Nery Jr.-Nery, Código, p. 189.Dinamarco, Comentários, p. 48-49.STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp. 916.010/SP, rel. Min. Humberto Martins, j. 19/08/2010, DJE 03/09/2010; Mazzei, Comentários, p. 194.Dinamarco, Instituições, p. 388; Bedaque, Código, p. 162; Gusmão Carneiro, Intervenção, p. 145; Arruda Alvim, Manual, n. 43, p. 117-118.Marinoni, Sobre, p. 255.STJ, REsp 616.485/DF, 2ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, j. 11/04/2006, DJ 22/05/2006, p. 180; Baptista da Silva, Comentários, p. 272-299.Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 201; Silva, Ação, n. 7.1.1, p. 196-197.

Alvim, Da assistência, p. 47; Arruda Alvim, Manual, n. 43, p. 118.STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp. 916.010/SP, rel. Min. Humberto Martins, j. 19/08/2010, DJE 03/09/2010.STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp. 776.848/RJ, rel. Min. Luiz Fux, j. 22/06/2010, DJE 03/08/2010.Rodrigues, Ação, p. 280.STJ, 2ª Turma, REsp. 453.136/PR, rel. Min. Herman Benjamin, j. 03/09/2009, DJE 14/12/2009.Silva, Ação, p. 188; Mancuso, Ação, p. 172.STJ, 2ª Turma, REsp. 234.388/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 07/06/2005, DJ 01/08/2005, p. 373.STJ, 2ª Turma, REsp 813.001/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 26/05/2009, DJE 04/06/3009.Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 200.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 184; Almeida, Manual, p. 370.Informativo 397/STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp. 973.905/SP, rel. Min. Humberto Martins, j. 04/06/2009.Mancuso, Ação, p. 162-163; Mazzei, Comentários, p. 183-184.STJ, 2ª Turma, REsp. 945.238/SP, rel. Min. Herman Benjamin, j. 09/12/2008, DJE 20/04/2009.Rodrigues, Ação, p. 278-279.STJ, 2ª Turma, REsp. 931.528/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 17/11/2009, DJE 02/12/2009; STJ, 5ª Turma, REsp. 1.095.370/SP, rel. Min.Jorge Mussi, j. 02/06/2009, DJE 03/08/2009; STJ, 1ª Turma, REsp. 639.946/SP, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 03/05/2007, DJ28/05/2007, p. 287.Mancuso, Ação, p. 160; Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 199.STJ, 1ª Turma, REsp. 614.766/MA, rel. Min. Luiz Fux, j. 05/09/2006, DJE 21/09/2006, p. 216.Informativo 311/STJ, 2ª Turma, REsp. 258.122/PR, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 27/02/2007.Didier Jr., Assistência, p. 423.Silva, Ação, p. 303.Leonel, Comentários, p. 244.Barros Leonel, Comentários, p. 245-246; Rodrigues, Ação, p. 302; Donizetti, Ações, p. 178.Mancuso, Ação, p. 212-213.Informativo 435/STJ, 1ª Turma, REsp. 826.613/SP, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 18/05/2010.STJ, 1ª Turma, REsp. 770.397/DF, rel. Min. Denise Arruda, j. 04/09/2007, DJ 11/10/2007, p. 295.Mancuso, Ação, p. 215.Leonel, Manual, p. 199.STJ, 2ª Turma, REsp. 958.280/DF, rel. Min. Castro Meira, j. 06/09/2007, DJ 20/09/2007, p. 278; STJ, 2ª Turma, REsp. 771.859/RJ, rel.Min. Eliana Calmon, j. 15/08/2006, DJ 30/08/2006, p. 175.Abelha-Klippel, Comentários, p. 201-202.STJ, 1ª Turma, REsp. 770.397/DF, rel. Min. Denise Arruda, j. 04/09/2007, DJ 11/10/2007, p. 295.Meirelles-Mendes-Wald, Mandado, p. 186; Rodrigues, Ações, p. 304; Assagra, Manual, p. 374-375.Marinoni-Arenhart, Execução, p. 365; Abelha Rodrigues, Manual, p. 194; Greco, O processo, n. 3.4.1.2, p. 203.STJ, 2ª Turma, REsp. 450.258/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 08/06/2004, DJ 20/09/2004.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 203; Costa Machado, A intervenção, 8.4.3, p. 462.STF, Tribunal Pleno, Pet 3.152 AgR/PA, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 23/06/2004, DJ 20/08/2004, p. 37; STF, Tribunal Pleno, AO1.031 AgR/RN, rel. Min. Carlos Velloso, j. 19/02/2004, DJ 19/03/2004, p. 16.STF, Tribunal Pleno, ACO 622 QO/RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 07/11/2007, DJE 14/02/2008; STF, Tribunal Pleno, Pet 3.674 QO/DF, rel.MIn. Sepúlveda Pertence, j. 04/10/2006, DJ 19/12/2006, p. 37.Súmula 206/STJ.Costa, O processo, n. V.3.4.1., p. 256.STJ, 1ª Seção, CC 107.109/RJ, rel. Min. Castro Meira, j. 24/02/2010, DJE 18/03/2010; STJ, 1ª Seção, CC 47.950/DF, rel. Min. DeniseArruda, j. 11/04/2007, DJ 07/05/2007, p. 252.Castro Mendes, Competência, p. 110-111; Theodoro Jr., Curso, v. 1, p. 163. A jurisprudência é nesse sentido: STJ, 5.ª Turma, EDcl noAgRg no REsp 865.475/DF, Rel. Min. Jane Silva, j. 18/09/2007; STJ, 1ª Turma, REsp 833.347/DF, Rel. Min. José Delgado, j.03/08/2006. Em sentido contrário, Dinamarco, Instituições, p. 506-507.REsp 572.906/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 08/06/2004.STJ 66: “Compete à Justiça Federal processar e julgar execução fiscal promovida por Conselho de fiscalização profissional”; STJ, 1ªSeção, CC 40.275/BA, Rel. Min. Castro Meira, DJ 15/03/2004, p. 145; CC 36.801/GO, 1ª Seção, Min. Francisco Peçanha Martins, DJ07/06/2004, p. 152; CC 25.355/MG, 2.ª Seção, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 19/03/2001, p. 72.Súmulas 556 e 508 do STF – esta última especificamente quanto ao Banco do Brasil.Informativo 424/STJ: 1ª Turma, REsp 891.326-RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 23/02/2010.STJ, 1.ª Turma, REsp 440.002/SE, Rel. Teori Albino Zavascki, DJ 06/12/2004, p. 195; STJ, 1.ª Seção, CC 39111/RJ, Rel. Luiz Fux, DJ

28/02/2005.Castro Mendes, Competência, p. 62; Didier Jr., Direito, p. 161.STJ, 1ª Turma, REsp. 1.098.028/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 09/02/2010, DJ 02/03/2010.Assagra, Manual, p. 360. No sentido do texto: Meirelles-Mendes-Wald, Mandado, p. 196.STJ, 1ª Turma, REsp. 879.360/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 17/06/2008, DJE 11/09/2008.Neves, Manual, n. 50.2.1.4, p. 1.070-1.071.Cais, Comentário, p. 205-206.Informativo 435/STJ, 1ª Turma, REsp. 826.613/SP, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 18/05/2010.Assagra, Manual, p. 378; Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 206; Donizetti, Ações, p. 183-184; Cais, Comentários, p. 209.Contra: Silva, Ação popular, p. 212.Informativo 523/STF, Tribunal Pleno, RE 552.598/RN, rel. Min. Menezes de Direito, j. 08/10/2008.Cais, Comentários, p. 208.Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 188.Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 206.Rodrigues, Ação, p. 300; Assagra, Manual, p. 380; Donizetti, Ações, p. 184. Contra: Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 206.STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 973.905/SP, rel. Min. Humberto Martins, j. 04/06/2009, DJE 25/06/2009.Alves, Ação, p. 90; Rodrigues, Ação, p. 300.STJ, 2ª Turma, REsp. 72065/RS, rel. MIn. Castro Meira, j. 03/08/2004, DJ 06/09/2004, p. 185.Theodoro Jr., Curso, n. 396, p. 451; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 130; Nery Jr.-Nery, Comentários, n. 1 ao art. 319, p. 593.STJ, 4ª Turma, REsp 669.954/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 21/09/2006, DJ 16/10/2006. Posição contrária minoritária: Calmon dePassos, Comentários, n. 237.2, p. 353.Nesse sentido, Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1120, p. 533; Scarpinella Bueno, Curso, v. 2, p. 189; Fidélis dos Santos, Manual, v. 1, n.546, p. 395-396.No sentido do texto Marinoni-Arenhart, Manual, p. 131.Dinamarco, Instituições, v. 3, n. 1121, p. 534; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 131. Contra: STJ, REsp 510.229/RJ, 1ª Turma, Rel. Min.Francisco Falcão, j. 16/11/2004, DJ 13/12/2004.Mancuso, Ação, p. 224.Theodoro Jr., Curso, n. 400, p. 456; STJ, 1.ª Turma, REsp 215.552/AM, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. 06/12/2001.Barbosa Moreira, O novo, p. 50; Dinamarco, Instituições, n. 1.133, p. 552; Theodoro Jr., Curso, n. 402, p. 457.Dinamarco, Instituições, n. 1.132, p. 551; Theodoro Jr., Curso, n. 401, p. 456.Barros Leonel, Ação, p. 242; Rodrigues, Ação, p. 310.STJ, 3.ª Turma, AgRg no Ag 778.187/PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 18/11/2008; SEC 800/IT, Corte Especial, Rel. Min. FernandoGonçalves, j. 18/10/2006. Informativo 380/STJ, 4.ª T., REsp 819.729-CE, rel. Aldir Passarinho Jr., j. 09/12/2008.STJ, 1ª Turma, REsp. 439.051/RO, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 14/12/2004, DJ 01/02/2005, p. 407; Mancuso, Ação, p. 242-243;Silva, Ação, p. 230; Rodrigues, Ação, p. 311. Contra: Barros Leonel, Comentários, p. 239.STJ, 2ª Turma, REsp. 554.532/SP, rel. Min. Castro Meira, j. 11/03/2008, DJE 28/03/2008.Didier Jr., Pressupostos, p. 336.STJ, 1ª Turma, REsp. 638.011/RJ, rel. Min. Luiz Fux, j. 25/04/2006, DJ 18/05/2006, p. 182.Mancuso, Ação popular, p. 229.STJ, 2ª Turma, REsp. 771.859/RJ, rel. Min. Eliana Calmon, j. 15/08/2006, DJ 30/08/2006, p. 175.STJ, 2ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, AgRG no REsp. 439854/MS, DJ 18/08/03, p. 194.Silva, Ação, p. 238/239; Noronha, O Ministério, p. 133; Sidou, Habeas Corpus, p. 365; Rodrigues, Ação, p. 256.Arruda Alvim, Manual, p. 398-399; Pizzol, A competência, p. 297; Amaral Santos, Primeiras, p. 258.REsp 778.976/PB, 4.ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 08/04/2008; EDcl no AgRg na MC 5.281/GO, 1.ª Turma, Rel. Min.Luiz Fux, j. 20/05/2003.Mazzilli, A defesa, p. 249-250.Wambier, Litispendência, p. 264; Mendes, Ações, 19.2, p. 260; Leonel, Pedido, p. 529.STJ, REsp. 685.398/SP, rel. Min. Arnaldo Esteves, j. 03/04/2007, DJ 07/05/2007, p. 358.STJ, 1ª Turma, REsp. 851.090/SP, rel. Luiz Fux, j. 18/12/2007, DJE 21/03/2008.STJ, 1ª turma, REsp. 936.205/PR, rel. Min. Francisco Falcão, j. 07/08/2007, DJ 30/08/2007, p. 239; STJ, 2ª Turma, REsp. 208.680/MG, rel.Min. Francisco Peçanha Martins, j. 06/04/2004, DJ 31/05/2004, p. 253.Didier Jr-Zaneti, Curso, p. 172-173; Vigliar, Ações, p. 133.Mazzilli, A defesa, p. 256; Venturi, Processo, p. 333-334; Castro Mendes, Ações, p. 260; Leonel, Manual, p. 253.STJ, AgRg nos Edcl no MS 13.710/DF, rel. Min. Celso Limongi, j. 23/09/2009, DJE 06/10/2009.Wambier, Litispendência, p. 287-295; Dinamarco, Competência, p. 514; Assagra, Direito, p. 418-419.

A opção do legislador é criticada por Sérgio Bermudes, Introdução, p. 74.Afirmando tratar-se somente de despacho determinando a citação: Patrícia Miranda Pizzol, A competência, p. 281; Arruda Alvim,Manual, p. 396; Sálvio de Figueiredo Teixeira, Código, p. 92. Em sentido contrário Antonio Dall’Agnol, Comentários, p. 44.Negrão-Gouvêa, Código, p. 229.Cf. Scarpinella Bueno, O Poder, 2003, p. 156. No mesmo sentido Hugo Nigro Mazzilli, A defesa, p. 221-222; Assagra, Direito, p. 347;STJ, 1ª Seção, CC 45.297/DF, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 14/09/2005, DJ 17/10/2005, p. 163.Neves, Manual, n. 22.2.2, p. 573.Barbosa Moreira, Comentários, n. 164, p. 295; Araken de Assis, Manual, n. 19.2.3, p. 149.Cheim Jorge, Teoria, 9.3.3, p. 149; Scarpinella Bueno, Curso, v. 5, p. 64.STJ, 6ª Turma, AgRg mo Ag 732.419/RS, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 18/11/2008.STJ, 2ª Turma, REsp. 193.815/SP, rel. Min. Castro Meira, j. 24/08/2005, DJ 19/09/2005, p. 240.Mancuso, Ação, p. 255.Assagra de Almeida, Manual, p. 389.Abelha Rodrigues, Comentários, p. 219.STJ, 2ª Turma, REsp. 1.188.564/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 10/08/2010, DJE 10/09/2010.Mancuso, Ação, p. 255; Afonso da Silva, Ação, p. 245; Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 199; Sidou, Habeas corpus, p. 372.Fux, Curso, p. 929; Didier Jr.-Cunha, Curso, p. 481.STJ, 1ª Turma, REsp. 189.328/SP, rel. Min. Milton Luiz Pereira, j, 26/02/2002, DJ 01/07/2002, p. 219.Gomes Jr., Considerações, p. 467-468.Assagra, Manual, p. 390; Rodrigues, Ação, p. 319; Costa Machado, A intervenção, n. 8.4.3, p. 462; Abdo, Comentários, p. 287; Tosta,Do reexame, p. 250-251.Botelho de Mesquita, Na ação, p. 81 e ss.; Cruz e Tucci-Tucci, Devido, p. 120-121; Castro Mendes, Ações, p. 263-264.Marcato, O princípio, p. 317; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 781.Vigliar, Ação, p. 117; Nery Jr.-Nery, Código, p. 1.348; Mancuso, Ação, p. 276.Barbosa Moreira, Ação, p. 123; Arenhart, Perfis, p. 412.Barros Leonel, Manual, p. 273-274; Mazzili, A defesa, p. 427; Marinoni-Arenhart, Manual; Nery Jr.-Nery, Código, p. 1.347-1.348.Gidi, Coisa, p. 135-136, Abelha, Ação, p. 329.José Afonso da Silva, Ação, p. 273; Mancuso, Ação, p. 284; Arruda Alvim, Notas, p. 37; Assagra, Direito, p. 377-378.Gidi, Coisa, p. 131-138; Grinover, Novas, p. 222-224; Barros Leonel, Manual, p. 274.Abelha, Ação, p. 327; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 781-782.Barbosa Moreira, Considerações, p. 199-200.Assagra, Manual, p. 394.Assagra, Manual, p. 394.Nery Jr.-Nery, Código, p. 792.STF, Tribunal Pleno, AR 1.178 AgR-AgR/SP, rel. Min. Néri da Silveira, j. 16/09/1988; 18/12/1998, p. 52.Neves, Manual, n. 17.10.2, p. 505-508.Zavascki, Inexigibilidade, p. 332.Neves, Manual, n. 17.10.3, p. 508-512.Dinamarco, Relativizar, n. 127, p. 245-249.STJ, 1.ª Turma, REsp 765.566/RN, rel. Min. Luiz Fux, j. 19/04/2007.Neves, Manual, n. 41.1, p. 857-858.Assagra, Manual, p. 397-398; Donizetti, Ações, p. 189.STJ, 1ª Turma, REsp. 480.614/RJ, rel. Min. José Delgado, j. 14/10/2003, DJ 09/02/2004, p. 129.Dinamarco, Instituições, p. 620; Araken de Assis, Manual, p. 305; Pontes de Miranda, Comentários, v. 9, p. 502-503.Contra: Nery Jr.-Nery, Código, p. 722.Lucon, Código, p. 1.789; Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 395-396; Abelha Rodrigues, Manual, p. 451-452.Informativo 422/STJ: 3ª Seção, CC 96.682-RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 10/02/2010.Daniel Neves, Manual, n. 34.2, p. 749-753.Dinamarco, Instituições, n. 1.330, p. 47; Theodoro Jr., Processo, n. 13, p. 53.Dinamarco, Instituições, n. 1.330, p. 47-48.Bermudes, A reforma, p. 175-176, apontando para lições de Carnelutti ao falar em “sanções premiadoras”.Wambier-Wambier-Medina, Breves, p. 144-145; Gusmão Carneiro, Cumprimento, p. 61.STJ, 3ª Turma, MC 14.258/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17/06/2008; Daniel Neves, Reforma, p. 218-220; Marinoni-Mitidiero, Código,p. 464; Sérgio Shimura, Cumprimento, p. 246.STJ, 1ª Turma, REsp 634.775/CE, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 21/10/2004.

Gusmão Carneiro, Cumprimento, p. 59.Informativo 437/STJ, 3ª Turma, REsp 1.111.686-RN, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 1º/06/2010.Contra: Rodrigues, Ação, p. 320; Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 214.Mancuso, Ação, p. 289.STJ, 1ª Turma, REsp 893.041/RS, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 05/12/2006.Araken de Assis, Manual, n. 19, p. 132.Mancuso, Ação, p. 295.Silva, Ação, p. 265; Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 203.Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 214.Neves, Manual, n. 47.1.3, p. 929.Rodrigues, Ação, p. 321.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 191.STJ, 1ª Turma, REsp. 1.098.028/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 09/02/2010, DJ 02/03/2010.Neves, Manual, n. 50.2.1.4, p. 1.070-1.071.STJ, 2ª Turma, REsp. 147.869/SP, rel. Min. Adhemar Maciel, j. 20/10/1997, DJ 17/11/1997, p. 59.508; STJ, 5ª Turma, REsp. 73.083/DF,rel. MIn. Fernando Gonçalves, j. 09/09/1997, DJ 06/10/1997, p. 50.063.Rodrigues, Ação, p. 309.Costa, O processo, p. 345; Klippel, Suspensão, p. 366.Contra: Araken de Assis, Manual, n. 110.2, p. 890.Abelha Rodrigues, Observações, p. 203Abelha Rodrigues, Observações, p. 206.Ellen Gracie, Suspensão, p. 184.Didier Jr.-Carneiro da Cunha, Curso, p. 498.STJ, 1ª Turma, REsp. 1.001.838/RJ, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 04/03/2008, DJE 23/04/2008.Araken de Assis, Manual, n. 110.2, p. 890.Barros Leonel, Comentários, p. 249.Barros Leonel, Comentários, p. 248.STJ, 2ª Turma, REsp. 193.815/SP, rel. Min. Castro Meira, j. 24/08/2005, DJ 19/09/2005, p. 240.Informativo 411/STJ, 2ª Turma, REsp. 891.743/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 13/10/2009.STJ, 2ª Turma, RMS 30.812/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 04/03/2010, DJE 18/03/2010.Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 212.Barros Leonel, Comentários, p. 255.Contra: Assagra, Manual, p. 401.Didier Jr.-Zaneti, Curso, p. 273; Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 221.Didier Jr.-Zaneti, Curso, p. 273; Rodrigues, Ação, p. 322.STF, Decisão monocrática, AI 689.774/SP, rel. Min. Carmen Lucia, j. 18/03/2010, DJE 09/04/2010; STJ, 2ª Turma, REsp. 1.185.461/PR,rel. Min. Eliana Calmon, j. 01/06/2010, DJE 17/06/2010.

8.1. Natureza JurídicaSegundo ensina a doutrina majoritária, a reclamação constitucional tem natureza jurisdicional,

sendo equivocado o entendimento de enxergá-la como mera atividade administrativa796. A confusãodecorria de antiga associação da reclamação com a correição parcial, o que a atual conjunturaconstitucional fez desaparecer.

Os motivos de tal conclusão são variados: (a) necessidade de provocação pelo interessado,respeitando-se, portanto, o princípio da inércia da jurisdição; (b) capacidade de se cassar decisãoque porventura contrarie a autoridade de decisão proferida por tribunal797; (c) possibilidade deavocação dos autos, de forma a garantir a competência do tribunal e, por consequência, o princípiodo juízo natural; (d); cabimento de medidas cautelares que busquem garantir a eficácia de seuresultado final798; (e) geração de coisa julgada quando do trânsito em julgado de sua decisão demérito799; (f) exigência de capacidade postulatória, sendo indispensável a presença de um advogadodevidamente registrado na OAB ou de um promotor de justiça no exercício de suas funçõesinstitucionais800.

Interessante observar que, no tocante à capacidade postulatória, o Supremo Tribunal Federal,apesar de, em regra, a exigir, expressamente a dispensou em reclamação constitucional pordescumprimento de decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade. Nesse casoespecífico, a Corte Suprema entendeu que, tendo o Governador de Estado excepcional capacidadepostulatória para a ação declaratória de controle concentrado de constitucionalidade, também o teriapara a reclamação constitucional pelo descumprimento de decisão proferida em tal ação801. Dequalquer forma, o julgamento serve para confirmar que, em regra, exige-se a capacidade postulatória.

E, como ensina a melhor doutrina, a reclamação constitucional não tem os predicados dajurisdição voluntária, até porque não há qualquer administração pública de interesses privados pormeio do instituto processual ora analisado802. A atividade exercida pelo órgão jurisdicional éindiscutivelmente de jurisdição contenciosa, e a essa conclusão se pode chegar por ao menos doisfundamentos.

Enquanto na jurisdição voluntária não há substitutividade, até porque não há necessidade desubstituir uma vontade pela vontade do direito, na reclamação constitucional o caráter substitutivo éevidente, buscando-se a substituição da vontade de um outro órgão jurisdicional de desafiar acompetência ou a autoridade de decisões de tribunal superior a ele. A ausência da aplicação dodireito ao caso concreto, outra característica da jurisdição voluntária, não se aplica à reclamaçãoconstitucional, por meio da qual se busca atingir o escopo jurídico da atividade jurisdicional. Comonão concordo com as características de ausência de lide, de parte, de processo e de coisa julgada

material na jurisdição voluntária, deixo de utilizá-las para demonstrar a natureza de jurisdiçãocontenciosa da reclamação constitucional. Advirta-se, entretanto, que, para os defensores da teoriaclássica, que sustentam tais características da jurisdição voluntária, fica ainda mais clara a naturezade jurisdição contenciosa da reclamação constitucional.

Fixada sua natureza de jurisdição contenciosa, cumpre determinar se a reclamação constitucional éum recurso, um incidente processual, uma ação ou o mero exercício do direito de petição.

A natureza recursal deve ser descartada, porque a reclamação constitucional não atende aelementos essenciais dessa espécie de impugnação de ato judicial:

a) não há qualquer previsão em lei federal que a aponte como recurso, e, sem essa previsãolegal expressa, considerar a reclamação constitucional um recurso seria afrontar o princípioda taxatividade803;

b) a reclamação constitucional está prevista nos arts. 102, I, l, e 105, I, f, ambos da CF, comoatividade de competência originária dos tribunais superiores, e não como atividaderecursal804;

c) o interesse recursal gerado pela sucumbência, indispensável pelo menos para as partesrecorrerem, não existe na reclamação constitucional805;

d) a reclamação constitucional, ao menos em regra, não tem prazo preclusivo para seuoferecimento, característica indispensável a qualquer recurso806;

e) o objetivo da reclamação constitucional não é a reforma de decisão, nem sua anulação, deforma que não se pretende nem a substituição de decisão nem a prolação de outra em seulugar, sendo perseguida pela parte simplesmente a cassação da decisão ou a preservação dacompetência do tribunal807.

Também não é correto o entendimento de que a reclamação constitucional seja um incidenteprocessual. Ainda que se admita certa divergência doutrinária a respeito do conceito de incidenteprocessual, parece ser pacífico o entendimento de que sua existência depende de haver um processoem trâmite. Isto, entretanto, não é exigência indispensável para a reclamação constitucional, que podeser apresentada diante de descumprimento da decisão de tribunal por autoridade administrativa808.

Só não concordo com a afirmação de que a reclamação constitucional não tem natureza deincidente processual, porque pode ser ajuizada por desrespeito a decisão já transitada em julgado, ouseja, após o encerramento do processo judicial809. O entendimento me parece equivocado, porque,ainda que o processo no qual foi proferida a decisão pelo tribunal já tenha se encerrado, se odesrespeito à autoridade da decisão derivar de ato judicial – omissivo ou comissivo – é porquehaverá ação em trâmite, na qual o ato judicial criticado virá a ser praticado.

A divergência mais séria encontra-se na discussão entre a natureza de ação e de exercício dodireito de petição, com importantes consequências práticas da adoção de um desses entendimentos.Prefiro a corrente doutrinária que defende a natureza jurídica de ação da reclamaçãoconstitucional810, considerando-se presentes os elementos fundamentais que compõem uma ação:petição inicial veiculando uma pretensão, citação, contraditório, decisão de mérito coberta por coisajulgada material, além de exigências formais que corroboram a conclusão, tais como a exigência depressupostos processuais positivos, a capacidade de ser parte, de estar em juízo e postulatória, enegativos, a ausência de coisa julgada, de perempção e de litispendência.

Ocorre, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal, em célebre julgamento no qual teve deenfrentar o tema, chegou à conclusão de que a reclamação constitucional não seria uma ação, mas omero exercício do direito de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, a, da CF811. A consequência maisinteressante reconhecida por esse julgamento é a possibilidade de as Constituições Estaduaispreverem reclamação constitucional de competência dos Tribunais de Justiça, voltada aos mesmospropósitos daquela prevista na Constituição Federal.

O posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, se levado efetivamente a sério, poderádesfigurar por completo o instituto da reclamação constitucional, considerando-se as expressivasdiferenças entre o exercício do direito de ação e o de petição. Seriam dispensadas as formalidadesdo direito de ação, tais como a necessidade de provocação de parte interessada por meio de petiçãoinicial, o pagamento de custas processuais, a capacidade postulatória, a coisa julgada?812 Oparadoxal é que a própria Corte superior continua a exigir tais requisitos, que, explicáveis à luz doexercício do direito de ação, perdem qualquer justificativa diante do mero exercício do direito depetição.

Por fim, em mais um paradoxo observado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, essetribunal não admite reclamação constitucional perante os Tribunais Regionais Federais, alegando quepara os Tribunais de Justiça cabe a previsão na respectiva Constituição Estadual, mas para osTribunais Regionais Federais, somente com previsão na Constituição Federal. Mas, em se tratandode mero exercício do direito de petição, seria realmente necessária tal previsão expressa? Nãobastaria a previsão no regimento interno do tribunal? Tomando por base o histórico do SupremoTribunal Federal, a resposta a essa pergunta será negativa, considerando que a Corte Suprema jádeclarou inconstitucional previsão de reclamação constitucional constante do regimento interno doTribunal Superior do Trabalho813.

8.2. CABIMENTOA Constituição Federal prevê duas hipóteses de cabimento de reclamação constitucional: como

forma de preservação da competência dos tribunais superiores e de garantia da autoridade de suasdecisões. Trata-se de forma direta de acesso aos tribunais superiores, sem a necessidade deesgotamento de vias ordinárias de impugnação, como ocorre nos recursos especial e extraordinário.Dessa maneira, ainda que o ato ou postura atacada seja praticado por um juízo de primeiro grau,admitir-se-á a chegada imediata aos tribunais de superposição, sem a necessidade de passagem pelotribunal de segundo grau.

8.2.1. Forma de preservação da competência do tribunalNessa hipótese de cabimento, o objetivo é evitar que órgãos jurisdicionais inferiores usurpem a

competência constitucionalmente prevista do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo TribunalFederal. A justificativa é evidente, garantindo-se que as normas constitucionais de competência dosórgãos de superposição sejam imediatamente cumpridas, inclusive com a avocação dos autos poresses tribunais, conforme o caso.

É verdade que, tratando-se de regras constitucionais de competência, sempre será possível àspartes levarem a questão ao Supremo Tribunal Federal, por meio de recurso extraordinário. Nessecaso, entretanto, a depender do órgão usurpador da competência, pode demorar a ocorrer a chegada

da matéria ao tribunal de superposição, exigindo-se das partes todo o tortuoso caminho doesgotamento das vias ordinárias de impugnação, além da existência de dificuldades procedimentaispara fazer com que o mérito do recurso extraordinário seja enfrentado. Ademais, na hipótese deusurpação de competência do Superior Tribunal de Justiça, é preferível que o próprio tribunalanalise a questão, o que só poderá ocorrer por meio da reclamação constitucional, já que suacompetência também é prevista constitucionalmente, o que impedirá, no caso concreto, a interposiçãode recurso especial para esse tribunal.

Sempre que houver a usurpação de competência dos tribunais de superposição, seja daquelaprevista para as ações de competência originária, como também para o julgamento de recursos,caberá reclamação constitucional para o tribunal competente. As possibilidades são praticamenteilimitadas, dependendo do caso concreto, mas é interessante uma análise casuística, meramenteexemplificativa, de hipóteses nas quais a doutrina e/ou a jurisprudência admite o cabimento dareclamação constitucional pela hipótese ora analisada.

Sendo interposto recurso especial ou extraordinário no juízo a quo, haverá um juízo deadmissibilidade por esse órgão jurisdicional, sendo que, na hipótese de ser negado seguimento aorecurso, caberá à parte impugnar essa decisão no prazo de dez dias, por meio do agravo do art. 544do CPC. Esse recurso de agravo, ao contrário dos recursos especial e extraordinário, não passa porjuízo de admissibilidade realizado pelo juízo a quo, que é obrigado a encaminhá-lo – atualmente sãoencaminhados os autos principais, sendo dispensável a instrução do agravo – ao tribunal superior,independentemente de seu entendimento a respeito da inadmissibilidade recursal. Significa dizer quea competência para fazer o juízo de admissibilidade desse recurso é exclusiva do tribunal superiorcompetente para o julgamento do mérito recursal, e, sendo essa competência usurpada mediantedecisão de inadmissibilidade do juízo a quo, caberá reclamação constitucional814.

Em importante julgamento, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de improbidadeadministrativa nas quais figure como réu agente político que tenha, em razão de exercício de suafunção, prerrogativa de ser demandado por crime de responsabilidade perante aquele tribunal (art.102, I, c, da CF)815, são de competência originária da Corte Suprema.

Na esteira de tal entendimento, o Superior Tribunal de Justiça passou a entender que a normainfraconstitucional não pode atribuir a juízos de primeiro grau a competência para o julgamento deação de improbidade administrativa contra agentes políticos que tenham, por prerrogativa de função,o direito de ser julgados por crime de responsabilidade perante o Superior Tribunal de Justiça.Seguindo essa premissa, o tribunal já teve oportunidade de julgar procedente reclamaçãoconstitucional interposta em razão de ação de improbidade administrativa promovida contragovernador de Estado no primeiro grau de jurisdição816. O mesmo se aplicando paraDesembargadores de tribunais de segundo grau, que deverão ser julgados pelo Tribunal de Justiça eTribunal Regional Federal817.

Ainda que criticável, os tribunais superiores vêm aplicando o entendimento consagrado nasSúmulas 634 e 635 do Supremo Tribunal Federal, de forma a se darem por competentes para a açãocautelar inominada com pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso especial eextraordinário somente após o recebimento desses recursos perante o juízo a quo. Os tribunais desuperposição já tiveram a oportunidade de julgar improcedente reclamação constitucional em razãode ação cautelar com esse teor tramitar perante o tribunal de segundo grau antes da admissibilidade

do recurso especial e extraordinário818, o que permite a conclusão de que teria acolhido o pedido, se,no momento de ajuizamento da reclamação constitucional, os referidos recursos já tivessem sidoadmitidos.

Em interessante e elogiável entendimento, o Superior Tribunal de Justiça defendeu que, proferidoacórdão em tribunal de segundo grau, não tem competência tal tribunal para conhecer pedido deantecipação de tutela recursal de recurso especial já interposto, considerando ser do SuperiorTribunal de Justiça a competência para conhecer tal pedido819.

No sistema de julgamento por amostragem estabelecido pelos arts. 543-B e C do CPC, uma veznegado provimento aos recursos especiais e extraordinários julgados pelos tribunais superiores,todos os recursos sobrestados serão considerados prejudicados, significando dizer que não serãoadmitidos no próprio juízo de origem. Nesse caso, caberá ao presidente ou vice-presidente denegar oseguimento do recurso, por serem os competentes para a realização do juízo de admissibilidade dosrecursos excepcionais. Segundo o Supremo Tribunal Federal, dessa decisão monocrática não cabe oagravo contra decisão denegatória de seguimento de recurso especial ou extraordinário (art. 544 doCPC), mas o agravo regimental para que o próprio tribunal de segundo grau decida colegiadamente,na hipótese do recurso sobrestado tratar de matéria diversa daquela decidida por amostragem820.

O grande receio diante dos fundamentos do entendimento consagrado pelo Supremo TribunalFederal, em especial o temor de que o cabimento de reclamação constitucional possa aumentarexponencialmente o número de ações enviadas a esse tribunal, é admitir que o tribunal de segundograu possa dizer a última palavra a respeito da adequação da inadmissão do recurso extraordináriodiante do julgamento por amostragem. Até se compreende que da decisão monocrática que inadmite orecurso seja cabível o agravo regimental, o que busca dar uma oportunidade para o próprio tribunaldesfazer o equívoco de seu presidente ou vice.

O problema, entretanto, será mais grave na hipótese de o tribunal de segundo grau consolidar, pordecisão colegiada, em julgamento de agravo interno (ou regimental), o equívoco da decisãomonocrática. Nesse caso, o recorrente terá um recurso extraordinário prejudicado sem que oSupremo Tribunal Federal tenha efetivamente tratado da matéria versada em julgamento poramostragem. Permitir que essa seja a decisão final é nitidamente solução que não se amolda ao oprincípio do devido processo legal nem à própria regra de competência que dá à parte o direito de apalavra final ser dada pelo tribunal supremo.

Parece que, nesse caso, a usurpação de competência é evidente, tendo o tribunal de segundo grausubstituído indevidamente a atuação do Supremo Tribunal Federal, e não há qualquer justificativaplausível para a inadmissibilidade da reclamação constitucional. Com todo o respeito que osMinistros do tribunal máximo merecem, negar o acesso ao tribunal por meio da reclamaçãoconstitucional, nesse caso, é rasgar o texto constitucional, sendo ainda mais problemático se ofundamento da inadmissibilidade for a tentativa de evitar que se aumente o número de reclamaçõesconstitucionais. Os abusos, que naturalmente acontecem e continuarão a acontecer, devem serreprimidos com as sanções processuais cabíveis, mas não se pode punir a parte que tem direito àapreciação de seu recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal com a inadmissão dareclamação constitucional na hipótese apresentada. As mesmas considerações se aplicam ao recursoespecial julgado por amostragem.

O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de entender que a ação cautelar que visa excluir

Estado-membro do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI)contém conflito federativo, de forma a ser cabível a reclamação constitucional, se tal ação tramitarem primeiro grau de jurisdição821.

Encontra-se pacificado no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que é cabível a discussãoincidental de constitucionalidade de norma em processo coletivo comum, tal como a ação civilpública e a ação popular. Nesse caso, portanto, não há que falar em usurpação de competência dotribunal diante de declaração incidental por órgão hierarquicamente inferior822. Naturalmente, caso senote que a causa de pedir e o pedido de ação coletiva em trâmite perante outro órgão que nãoSupremo Tribunal Federal tem como objetivo a declaração de inconstitucionalidade de uma norma,admitir-se-á a reclamação constitucional, considerando que, nesse caso, a declaração deinconstitucionalidade não mais seria realizada incidentalmente, única forma de ser realizada poroutro órgão que não o tribunal superior823.

8.2.2. Forma de garantir a autoridade da decisão do tribunalNota-se na praxe forense que essa hipótese de cabimento da reclamação constitucional é a mais

utilizada por partes inconformadas com decisões que contrariam entendimento sumulado oudominante dos tribunais superiores, sempre com a alegação de que tais decisões afrontariam aautoridade de precedentes de tais tribunais. Os tribunais superiores, entretanto, são suficientementeclaros na interpretação dos arts. 102, I, l, e 105, I, f, da CF, ao determinarem que a afronta devaocorrer especificamente com relação a decisão determinada, sendo insuficiente para o cabimento dareclamação constitucional o mero desrespeito à jurisprudência consolidada824.

Essa regra, entretanto, tem ao menos uma exceção criada pela jurisprudência. Segundo o art. 105,III, caput, da CF, o cabimento de recurso especial está condicionado ao fato de a decisão impugnadaser proferida pelos Tribunais Federais Regionais Federais ou pelos Tribunais estaduais, do DistritoFederal e Territórios, sendo irrelevante a decisão de ter sido proferida em grau recursal (últimainstância) ou em ação de competência originária do tribunal (única instância).

Essa exigência impede a interposição de recurso especial contra as decisões proferidas emjulgamento de recurso inominado nos Juizados Especiais, regidos pela Lei 9.099/1995. O órgão derevisão de sentença nos Juizados Especiais é o Colégio Recursal, composto por juízes de primeirograu de jurisdição, não tendo natureza de tribunal. A mesma irrecorribilidade atinge a decisão dosembargos infringentes previstos no art. 34 da LEF (Lei 6.830/80). Sendo tal recurso julgado pelopróprio juízo sentenciante, ainda que seja a decisão de última instância no processo, não poderá serrecorrida por recurso especial, por ter sido proferida em primeiro grau de jurisdição825.

Apesar de pacificado o entendimento no sentido exposto, cumpre ressaltar o desconforto dostribunais superiores com a ausência de controle na aplicação da lei federal em sede de JuizadosEspeciais Estaduais. Pela estrutura criada pela Lei 9.099/1995, ainda que flagrantemente contrária aoentendimento consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça, a última palavra a respeito da lei federalé dada pelo Colégio Recursal. O mesmo fenômeno não se verifica em sede de Juizados EspeciaisFederais, ao menos no tocante ao direito material federal, considerando-se a existência dauniformização de jurisprudência prevista pelo art. 14 da Lei 10.259/2001, que permite a chegada aoSuperior Tribunal de Justiça de decisão contrária a entendimento consolidado pelo tribunal superiora respeito da aplicação e/ou interpretação de lei federal (ainda que limitada ao direito material), o

mesmo ocorrendo nos Juizados Especiais da Fazenda Pública Municipal e Estadual em razão do arts.18 e 19 da Lei 12.153/2009.

O desconforto foi manifestado expressamente em interessante julgamento do Superior Tribunal deJustiça, que chegou até mesmo a cogitar que o caminho seria a adoção, por analogia, na esferaestadual, da uniformização de jurisprudência já existente nos Juizados Especiais Federais. Ointeressante desse julgamento foi a rejeição expressa da utilização da reclamação constitucional paraesse fim826.

Posteriormente, entretanto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, também demonstrando omesmo desconforto, entendeu que, enquanto não existir mecanismo processual mais apropriado apermitir a atuação do Superior Tribunal de Justiça nas ações dos Juizados Especiais Estaduais, deve-se admitir a reclamação constitucional827, em posição que veio a ser incorporada pelo SuperiorTribunal de Justiça828.

Apesar do nobre propósito do entendimento atualmente seguido pelos tribunais superiores, não épreciso maior esforço para notar que a reclamação constitucional não é instituto processual adequadopara a impugnação de decisões proferidas por Colégios Recursais contrários a entendimentoconsolidado do Superior Tribunal de Justiça. Ainda assim, por questões meramente pragmáticas, oentendimento deve ser saudado, evitando-se que um juiz de primeiro grau que exerça suas funções emColégio Recursal seja o último a se pronunciar a respeito da aplicação e interpretação de lei federal,ainda que flagrantemente contra a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça.

Poderia se imaginar que, diante de todo o exposto, os problemas estariam resolvidos, ainda queem sacrifício da melhor técnica. A realidade, entretanto, é outra, por culpa do legislador e doSuperior Tribunal de Justiça.

Segundo o art. 14, caput, da Lei 10.259/2001, o cabimento da uniformização de jurisprudência selimita ao direito material federal, o que significa que, se a violação tiver como “vítima” uma normade direito processual federal, o instrumento impugnativo não será cabível. O mesmo erro é cometidono art. 18, caput, da Lei 12.153/2009. Ao ler esses lamentáveis dispositivos legais, sinto como setivéssemos retornado à época imanentista do direito, período ultrapassado no qual o direitoprocessual era visto como um mero apêndice do direito material. Época em que nem se cogitava serpossível colocar num mesmo patamar de importância o direito material e o direito processual.

O desconhecimento da relevância do direito processual no reconhecimento de direitos materiaisem juízo ou, ainda, na declaração de direitos materiais inexistentes, parece ter passado despercebidopelo legislador. Permitir o controle quando há ofensa à lei federal de direito material e não fazer omesmo para o direito processual é desprezar todas as conquistas científicas da ciência processual,em especial sua notória e indiscutível autonomia perante outras áreas, em especial do direitomaterial. E, em destaque, sua igual relevância.

Quando os tribunais superiores passaram a admitir a reclamação constitucional nos JuizadosEspeciais Estaduais, sem as amarras legais já existentes nas Leis 10.259/2001 e 12.153/2009, criou-se grande expectativa quanto aos limites objetivos da impugnação à decisão do Colégio Recursal quecontrariasse posição consolidada do Superior Tribunal de Justiça. Infelizmente, entretanto, aqueletribunal, valendo-se de analogia, considerou legítimo tutelar somente o direito federal material pormeio da reclamação constitucional, deixando fora de seu espectro de proteção o direito processual.Nisso se tornou copartícipe do desprezo ao direito processual, como se esse se colocasse em grau

subalterno quando comparado com o direito material.

Alguns julgados que consolidaram o equivocado entendimento devem ser mencionados em razãode curiosa interpretação de texto legal. Segundo esses julgados829, a limitação está consagrada no art.1º da Resolução 12/2009 do STJ. Mas, na realidade, não há qualquer previsão nesse sentido nodispositivo mencionado. Para que não haja dúvidas, transcrevo o seu teor:

“Art. 1º As reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turmarecursal estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ouorientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil serão oferecidas no prazo de quinze dias, contados da ciência,pela parte, da decisão impugnada, independentemente de preparo”.

Como se pode notar, não há qualquer menção no dispositivo a respeito da natureza da divergênciaentre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência consolidada do SuperiorTribunal de Justiça. Não é possível, portanto, se extrair informação que claramente não se encontrana norma como se lá ela estivesse expressamente prevista. Trata-se, no mínimo, de ficção. Por issoprefiro decisões do mesmo tribunal nas quais fica claro que o art. 1º da Resolução 12/2009 é omissoquanto ao tema, mas deve ser interpretado à luz do art. 14, caput, da Lei 10.259/2001830.

Seja como for, como fruto de indevida ficção ou equivocada interpretação, o Superior Tribunal deJustiça perdeu uma excelente oportunidade de reconhecer que o direito processual deve serconsiderado no mesmo patamar de relevância do direito material. Caso tivesse aceitado areclamação constitucional nas hipóteses ora analisadas, inclusive quando violada lei processualfederal, poderia se argumentar pelo seu cabimento também nos outros Juizados Especiais,considerando que o instrumento lá existente – uniformização de jurisprudência – seria limitado aodireito material.

Entretanto, a limitação prevista em lei para a uniformização de jurisprudência foi estendida àreclamação constitucional nos Juizados Especiais Estaduais. E, coerente com sua premissa, oSuperior Tribunal de Justiça entende pelo não cabimento da reclamação constitucional contraviolação de direito processual federal nos Juizados Especiais Federais831 e da Fazenda Pública832.

Salvo a exceção analisada, portanto, é possível concluir-se que a reclamação constitucional estarácondicionada a uma determinada decisão judicial de tribunal superior que gere efeitos para as partes,quer porque participaram do processo na qual a decisão foi preferida833, quer porque a decisão temefeitos erga omnes834. Essa constatação permite a divisão das demandas nas quais os efeitos seoperem inter partes e aqueles nas quais os efeitos operem erga omnes, sendo possível incluir naprimeira espécie as ações individuais e na segunda as ações coletivas, inclusive o processo objetivo,considerado processo coletivo especial.

Numa ação individual, cujas decisões gerem efeitos somente para os sujeitos que participam doprocesso, é possível que um juízo de grau inferior deixe de cumprir uma decisão proferida pelotribunal superior, típica hipótese de cabimento de reclamação constitucional como forma depreservar a autoridade da decisão judicial. Uma vez sendo determinada, no caso concreto, porexemplo, a soltura de um réu encarcerado em razão de indevida prisão civil, é natural que o juízo quedeterminou a prisão deva executar a ordem contida na decisão do tribunal superior, e, se isso nãoocorrer, será cabível a reclamação constitucional.

O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de julgar procedente reclamaçãoconstitucional em razão de resistência de juízo de grau jurisdicional inferior cumprir decisão dotribunal superior com a alegação de que a decisão ainda não era definitiva, em razão de recursopendente de julgamento. O tribunal entendeu que, não tendo o recurso interposto contra sua decisãoefeito suspensivo, não cabe ao juízo inferior se negar a dar cumprimento imediato à decisão dotribunal, que, nessas circunstâncias, tem executividade imediata835. Também a decisão que volta adeclarar a incompetência do juízo, em afronta à decisão já proferida pelo Superior Tribunal deJustiça em julgamento de conflito de competência, desafia reclamação constitucional836.

Interessante questão levantada pela doutrina diz respeito ao descumprimento por autoridadeadministrativa de decisão de tribunal superior, proferida em ação individual. Seria cabível areclamação constitucional diante dessa situação? Concordo com a doutrina que respondenegativamente a esse questionamento, afirmando que o descumprimento da decisão por terceiro,sendo irrelevante se particular ou autoridade administrativa, permite que a parte interessada naexecução da decisão peticione perante o juízo que deve executar a decisão para que as medidasnecessárias sejam adotadas e para que tal pronunciamento efetivamente gere seus efeitos no planoprático837. É nesse sentido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça838, que deve serprestigiado.

Na tutela coletiva, a eficácia das decisões sempre atinge sujeitos que não participam do processo.No processo coletivo comum, têm-se efeitos erga omnes, na hipótese de direitos difusos, e ultrapartes, na hipótese de direitos coletivos e individuais homogêneos, a despeito da equivocadaprevisão contida no art. 103 da Lei 8.078/1990 (CDC). Nesses casos, os indivíduos que tenham sidobeneficiados pela decisão proferida por tribunal superior poderão ingressar com reclamaçãoconstitucional na hipótese de juízo hierarquicamente inferior desrespeitar a decisão. Naturalmente,também os autores da ação coletiva, bem como os colegitimados, poderão ingressar com areclamação constitucional, na hipótese de a decisão desrespeitada ser proferida no próprio processocoletivo em trâmite.

No tocante à eficácia erga omnes das decisões, têm posição de destaque as ações de controle deconstitucionalidade, espécies de processo coletivo especial. Diante de decisão proferida em açãodireta de inconstitucionalidade, em ação declaratória de constitucionalidade ou de arguição dedescumprimento de preceito fundamental, não podem os juízes que enfrentarem a questãoconstitucional de forma incidental desconsiderar a decisão judicial do Supremo Tribunal Federal,justamente porque o efeito erga omnes vincula a todos.

O mesmo se pode dizer da autoridade administrativa, que também está adstrita à declaraçãoconcentrada de constitucionalidade do Supremo Tribunal Federal, de forma que, praticado um atoadministrativo ou proferida uma decisão no âmbito de processo administrativo que contrarie decisãopreferida em ação de controle concentrado de constitucionalidade, será cabível a reclamaçãoconstitucional. É interessante a hipótese na qual a única ação judicial será justamente a reclamaçãoconstitucional, o que demonstra, como já afirmado, não se tratar de incidente processual a açãoprevista nos arts. 102, I, l, e 105, I, f, da CF.

Segundo reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, a vinculação entre o julgado-paradigma proferido na ação de controle concentrado de constitucionalidade e aquele que se impugnapor meio de reclamação constitucional deve ser perfeita839. Ainda que não se discuta o acerto do

entendimento, é recomendável afirmar que não é somente a exata norma declarada (in)constitucionalque pode ensejar reclamação constitucional nos termos ora analisados, considerando a aplicação datese da transcendência dos motivos determinantes.

Como devidamente exposto no Capítulo 1, havendo a declaração concentrada pelo SupremoTribunal Federal, os motivos determinantes da decisão geram efeitos vinculantes erga omnes, o quesignifica dizer que outras normas, que não foram objeto de apreciação no processo objetivo, desdeque tenham o mesmo conteúdo daquela analisada, sofrem os efeitos do controle concentrado. Umavez declarada inconstitucional uma norma municipal que determina a criação de um tributo, em todosos processos em que se discute incidentalmente a constitucionalidade de uma norma de outromunicípio, que cria por lei municipal o mesmo tributo, haverá vinculação dos juízes à decisão doSupremo Tribunal Federal. Não sendo respeitada a decisão, caberá reclamação constitucional840.

Cumpre consignar dois importantes entendimentos consagrados pelo Supremo Tribunal Federal notocante à reclamação constitucional e à teoria da transcendência dos motivos determinantes. Emprimeiro lugar, exige-se que realmente tenham o mesmo conteúdo a norma declarada inconstitucionale a norma tratada na decisão que supostamente afronta a autoridade do Supremo Tribunal Federal841.Por outro lado, é tranquilo o entendimento de que não se aplica a teoria para a própria reclamaçãoconstitucional, de forma que não cabe reclamação constitucional fundada em outra reclamação quetenha tido por objeto norma diversa842, ainda que com o mesmo conteúdo.

Também é importante lembrar que, no tocante ao controle de constitucionalidade, não só asdecisões definitivas geram efeitos vinculantes erga omnes, mas também as decisões de tutela deurgência, de forma que a concessão ou denegação de liminar em sede de ação direta deinconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade exigem postura de respeito pelos juízosinfraconstitucionais, sendo cabível a reclamação constitucional quando isso não acontece843.

Registre-se apenas que a declaração concentrada de inconstitucionalidade emitida pelo SupremoTribunal Federal não vincula o Poder Legislativo, que, terá total liberdade para aprovar nova leicom o mesmo teor daquela já declarada inconstitucional. O caminho para impugnar essa reediçãopelo Poder Legislativo de lei já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal é a açãodireta de inconstitucionalidade, como inclusive já decidiu aquele tribunal844.

8.2.3. Contra ato que desrespeita enunciado de súmula vinculanteA Lei 11.417/2006 disciplina a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula

vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, tratando em seu bojo de hipótese específica de cabimentode reclamação constitucional. Nos termos do art. 7º, caput, na hipótese de decisão judicial ou atoadministrativo contrariar, negar vigência ou aplicar indevidamente entendimento consagrado emsúmula vinculante, será cabível a reclamação constitucional.

O dispositivo legal prevê ainda que o cabimento da reclamação constitucional não impede autilização de outros meios de impugnação contra a decisão, inclusive a via recursal, em regraaplicável somente às decisões judiciais ou proferidas em processo administrativo. Apesar dacorreção da regra legal, a suposta multiplicidade de formas de impugnação da decisão deve serinterpretada à luz do enunciado da Súmula 734/STF, que não admite o ingresso de reclamaçãoconstitucional depois do trânsito em julgado da decisão que alegadamente desrespeita opronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Significa que, ao menos em algumas hipóteses, não

será facultativa a escolha do recurso ou da reclamação, mas imperativo que a parte ingresse com oprimeiro para evitar o trânsito em julgado e permitir a apresentação do segundo meio impugnativo.

A regra mais polêmica a respeito do tema ora enfrentado encontra-se no art. 7º, § 1º, da Lei11.417/2006 e prevê que, sendo objeto da reclamação constitucional a omissão ou ato daadministração pública, exige-se o esgotamento das vias administrativas para o ingresso em juízo.

Há entendimento de que a norma, ainda que pragmaticamente justificável diante do receio deaumento significativo de reclamações constitucionais perante o Supremo Tribunal Federal, émanifestamente inconstitucional, em afronta clara e indiscutível ao princípio da inafastabilidade dajurisdição, consagrado no art. 5, XXXV, da CF, considerando-se que a única hipótese em que seadmite a exigência do esgotamento das vias administrativas para só então se permitir o exercíciojurisdicional é prevista pelo art. 217, § 1º, da CF.

Por outro lado, há corrente doutrinária que não enxerga qualquer inconstitucionalidade na norma,afirmando ser abusiva a utilização da reclamação constitucional sem que as esferas administrativastenham sido esgotadas. O principal fundamento desse entendimento é o de que não se pode substituira crise numérica dos recursos extraordinários por uma nova crise das reclamações constitucionais845.Mais uma vez, o receio de uma explosão no número de reclamações constitucionais leva parcela dadoutrina a aceitar obstáculo criado por norma infraconstitucional ao acesso ao Poder Judiciário pormeio de reclamação constitucional.

Por fim, há ainda uma terceira corrente doutrinária, que entende cabível a exigência legal adepender do caso concreto. Segundo esse entendimento, somente quando se mostrar razoável oesgotamento das vias administrativas de solução de conflito não se admitirá a reclamaçãoconstitucional. Aparentemente, há uma indevida confusão entre inafastabilidade da jurisdição einteresse de agir, defendendo essa corrente doutrinária que, sendo provado, no caso concreto, oefetivo interesse de agir, poderia o tribunal incidentalmente declarar a inconstitucionalidade do art.7º, § 1º, da Lei 11.417/2006 e julgar a reclamação constitucional846.

Acredito haver uma indevida confusão no debate sobre o tema. O dispositivo legal não impede oacesso da parte à jurisdição, mas somente que tal ocorra pelo meio específico da reclamaçãoconstitucional. Não consigo compreender por qual motivo a previsão pode ser ofensiva ao princípioda inafastabilidade da tutela jurisdicional, afinal, se a limitação a certa forma procedimental deprovocar a jurisdição for inconstitucional, será complicado, por exemplo, explicar por que não seadmite produção de prova oral em sede de mandado de segurança, ou por que a ação coletiva não sepresta, ao menos em regra, para a defesa de interesses individuais.

Entendo, portanto, que o acesso à jurisdição está garantido, não pelo caminho mais fácil dareclamação constitucional, mas por meio de qualquer ação impugnativa da decisão ou atoadministrativo, seguindo-se as regras regulares de competência para fixar o órgão competente para ojulgamento de tal ação. Caso a parte pretenda se valer do caminho mais fácil e rápido, que é areclamação constitucional, terá de esperar o esgotamento das vias administrativas, conforme prevê oartigo ora comentado, não sendo possível se apontar qualquer inconstitucionalidade em tal regralegal.

Nessa hipótese de reclamação constitucional, nos termos do art. 7º, § 2º, da Lei 11.417/2006, asconsequências do acolhimento do pedido diferem, a depender da espécie de ato impugnado. Sendo adecisão que afronta a súmula vinculante de natureza judicial, o Supremo Tribunal Federal a cassará e

determinará que outra seja proferida em seu lugar, com ou sem a aplicação da súmula. Nesse caso, équestionável a previsão legal a mencionar a cassação da decisão, considerando sua própria previsãode que outra decisão venha a ser proferida no lugar daquela impugnada, o que permite a conclusão detal decisão ter sido anulada, e não simplesmente cassada.

Já na reclamação constitucional contra ato administrativo, o tribunal se limitará à anulação do ato,considerando-se que a prática de novo ato no lugar daquele anulado cabe à administração pública,não sendo possível ao Poder Judiciário exigir sua prática. Parece que, nessa hipótese deprocedência, o legislador considerou a discricionariedade do administrador público a respeito dapostura que adotará após a anulação do ato.

8.3. PROCEDIMENTO

8.3.1. Introdução

O procedimento da reclamação constitucional se aproxima consideravelmente do procedimento domandado de segurança, ou seja, de um procedimento sumário documental. O autor da reclamaçãoconstitucional terá de instruir sua petição inicial com documentos que o auxiliem a convencer otribunal de suas razões. O réu na reclamação constitucional apresenta informações, e nãocontestação. Não se admite a produção de prova oral e pericial. A decisão de ambos tem naturezamandamental.

Apesar das inegáveis semelhanças, é imperiosa a análise de aspectos particulares doprocedimento da reclamação constitucional.

8.3.2. Petição inicialConforme já afirmado anteriormente, ainda que o Supremo Tribunal Federal entenda que a

reclamação constitucional tem natureza de direito de petição, parece ser indiscutível a necessidadede provocação por meio da parte interessada ou pelo Ministério Público, nos termos do art. 13,caput, da Lei 8.038/1990.

Na realidade, as próprias hipóteses de cabimento são suficientes para demonstrar a incongruênciaprática do juízo que conduz o processo instaurar de ofício a reclamação constitucional. Se o juízoentender que a competência é dos tribunais superiores, basta declarar sua incompetência,considerando que a mesma será sempre absoluta, remetendo os autos ao órgão competente. Por outrolado, se o juízo descumpre decisão dos tribunais superiores, não teria muito sentido ele mesmoimpugnar sua postura por meio de reclamação constitucional. Seria, na melhor das hipóteses, umaatitude contraditória.

Ocorre, entretanto, que a eventual iniciativa de ofício no tocante à reclamação constitucional nãoprecisa ficar limitada ao juízo da causa, podendo-se imaginar que o próprio tribunal superior, diantede ofensa a sua competência ou desrespeito à autoridade de suas decisões, poderia determinar aavocação dos autos ou medidas para fazer valer sua decisão, por meio de propositura de ofício deuma reclamação constitucional. A previsão contida no art. 13, caput, da Lei 8.038/1990 afastaexpressamente essa possibilidade.

É preciso cuidado ao conceituar o interesse necessário à parte na legitimidade ativa da reclamação

constitucional. Não é possível limitar a legitimidade às partes do processo originário, até porque écabível a reclamação constitucional independentemente da existência de processo. Ademais, mesmoquando existe um processo em trâmite, não se pode descartar a priori a existência de terceirosjuridicamente interessados, que também terão legitimidade para a propositura da reclamaçãoconstitucional.

Entendo que o interesse deve ser demonstrado no caso concreto pelo autor da reclamaçãoconstitucional, por meio da comprovação de possível repercussão do processo em trâmite ou do atoadministrativo praticado em sua esfera jurídica847. Ainda que não precise demonstrar qualquersucumbência no caso concreto (como ocorre na hipótese de usurpação de competência), sendoincorreto associar o interesse da parte a uma eventual melhora em sua situação prática, devedemonstrar que a ilegalidade cometida pode juridicamente atingi-lo.

O Ministério Público, como fiscal da lei, não deve se omitir diante de usurpação de competênciados tribunais superiores e da resistência de órgãos hierarquicamente inferiores às suas decisões. Sualegitimidade, portanto, decorre de sua função institucional de fiscal da lei, de forma que não hánecessidade de que participe do processo em que a ilegalidade é cometida para oferecer areclamação constitucional. Há um interesse público no respeito à competência e à autoridade dasdecisões dos tribunais superiores e, sendo a reclamação constitucional uma das formas de se garantiresse respeito, é natural a legitimidade do Ministério Público à luz do art. 82, III, do CPC. Registre-se, somente, que, nesse caso, a justificativa para atuação como fiscal da lei dará ao MinistérioPúblico a legitimidade para ser autor da ação de reclamação judicial.

Na ausência de previsão expressa nesse sentido, aplica-se à petição inicial da reclamaçãoconstitucional o art. 282 do CPC, mas somente naquilo que couber, considerando as especialidadesdessa ação constitucional.

O endereçamento será a um dos tribunais superiores – ou mesmo a um tribunal estadual – que temcompetência absoluta para o julgamento. Parece não haver maiores dúvidas a respeito de qual seja otribunal competente, bastando para sua determinação a adequação do caso concreto às previsõesconstitucionais. Ainda que se possa considerar erro grosseiro a interposição de reclamaçãoconstitucional em tribunal incompetente, entendo ser o vício saneável, não sendo hipótese deextinção, mas de remessa dos autos ao tribunal competente.

No tocante à qualificação das partes, deve-se observar sua especial qualidade. O autor seráqualificado, nos termos do art. 282, II, do CPC, como em qualquer outra petição inicial, mas aqualificação do réu não pode seguir essa regra geral. Sendo réu a autoridade judiciária ouadministrativa que usurpa a competência ou desrespeita decisão proferida por tribunal, não entendonecessária a qualificação pessoal da autoridade nos termos do dispositivo legal ora comentado,bastando a indicação do juízo, no primeiro caso, e da qualificação da pessoa jurídica de direitopúblico da qual pertence a autoridade, no segundo caso.

A causa de pedir é a narração de uma das hipóteses de cabimento, não se admitindo alegaçãogenérica a respeito das justificativas para a intervenção do tribunal. A narração fática é tão somentea descrição da situação prática que gera o fundamento jurídico, seja da usurpação de competência,seja de desrespeito a autoridade de decisão proferida pelo tribunal.

O pedido será de acolhimento da pretensão do autor e, dependendo de sua causa de pedir, serádiferente a providência pretendida. Na hipótese de usurpação de competência, é possível que baste

ao autor que o tribunal superior profira decisão que tenha sido indevidamente proferida por órgãoabsolutamente incompetente. Em situações de competência não somente para a prolação dedeterminada decisão ou para a prática de determinado ato, caberá ao autor pedir a avocação dosautos pelo tribunal, para que lá prossiga a demanda judicial. Na hipótese de postura – omissiva oucomissiva – de desrespeito à autoridade de decisão proferida pelo tribunal, caberá o pedido decassação da decisão ou da adoção de medidas, para que a postura omissiva seja afastada.

Entendo que, sendo uma ação, o autor deverá atribuir um valor à causa, mas, não tendo o bem davida pretendido valor econômico, este será meramente estimativo. Mas reconheço a tendência de nãose atribuir valor da causa às ações constitucionais, conforme desenvolvido no Capítulo 1.

O pedido de provas está dispensado porque toda prova a ser produzida pelo autor já deve serapresentada com a própria petição inicial, nos termos do art. 13, parágrafo único, da Lei 8.038/1990.Ainda que o procedimento seja sumário e documental, não parece haver uma preclusão à produçãode prova documental pelo autor com a apresentação da petição inicial, desde que demonstremotivadamente as razões da juntada extemporânea. De qualquer forma, o pedido expresso para essaprodução na petição inicial é dispensado.

Por fim, a citação do réu segue a regra do art. 14, I, da mesma lei, que prevê a requisição deinformações à autoridade responsável pela ilegalidade indicada na reclamação constitucional. Emrazão da semelhança procedimental com o mandado de segurança, será frequente a afirmação de queo réu não será citado, mas notificado. Como já desenvolvido no Capítulo 6, essa notificação daautoridade coatora no mandado de segurança é, na realidade, uma citação.

8.3.3. PrazoTratando-se de ação judicial, não há prazo processual para o ingresso da reclamação

constitucional. Ocorre, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal pacificou entendimento, inclusiveem súmula, de que não cabe reclamação constitucional contra decisão transitada em julgado, não seadmitindo que a reclamação assuma natureza rescisória. Compreende-se o entendimento em respeitoà coisa julgada material, porque, caso se admitisse o cabimento da reclamação constitucional nessascircunstâncias, abrir-se-ia perigoso instrumento de relativização da coisa julgada.

Acredito, entretanto, que a literalidade da Súmula 734/STF diz menos do que deveria e do que oSupremo Tribunal Federal pretendia dizer. Nos termos de seu enunciado, “não cabe reclamaçãoconstitucional quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitadodecisão do Supremo Tribunal Federal”. Na hipótese de usurpação de competência, é possível quenão haja qualquer desrespeito à decisão do tribunal superior, mas, transitada em julgado a decisãonesse processo, será cabível somente a ação rescisória, nos termos do art. 485, II, do CPC, o queafasta a possibilidade de reclamação constitucional.

Questão interessante diz respeito à reclamação constitucional apresentada contra decisão judicialque não seja atacada por recurso, ou porque não existe recurso cabível ou porque a parte que poderiase valer do caminho recursal não o fez. Pergunta-se, nesse caso, haveria trânsito em julgado em razãoda não interposição do recurso? O eventual trânsito em julgado prejudica a reclamaçãoconstitucional pendente de julgamento?

Apesar de existir doutrina que defende a existência de trânsito em julgado nesse caso, ainda quenão sendo prejudicada a reclamação constitucional, inclusive em opinião referendada em decisão do

Supremo Tribunal Federal848, prefiro acreditar que a pendência da reclamação constitucional impedeo trânsito em julgado, razão pela qual a não interposição de recurso contra a decisão não gera aconsequência natural de tornar a decisão imutável e indiscutível e, por isso, não prejudica oandamento da reclamação constitucional.

Já tive a oportunidade de demonstrar que nem sempre a ausência de recurso gera o trânsito emjulgado da decisão, ainda que se reconheça que o efeito principal de qualquer recurso sejajustamente o obstativo849. Como ocorre no reexame necessário, é possível a existência de umacondição impeditiva do trânsito em julgado, que somente se verificará após a realização dedeterminado ato processual. Entendo que a pendência da reclamação constitucional seja justamenteuma condição impeditiva do trânsito em julgado, de forma que a ausência de interposição de recursocontra decisão não torna prejudicada a reclamação, como também a manutenção ou cassação dadecisão não impugnada depende do teor do julgamento de tal reclamação.

De qualquer forma, entendendo-se que houve ou não o trânsito em julgado da decisão após ainterposição da reclamação constitucional, o importante é que todos concordam que a reclamaçãonão restará prejudicada, sendo julgada normalmente, sem qualquer ofensa ao entendimentoconsagrado na Súmula 734/STF. Significa dizer que basta à parte interessada ou ao MinistérioPúblico ingressar com a reclamação constitucional antes do trânsito em julgado da decisão, sendoirrelevante os atos processuais praticados posteriormente no processo.

A objeção consagrada à utilização da reclamação constitucional como meio rescisório trazinteressante consequência no tocante ao prazo para seu ajuizamento. Ainda que não seja corretofalar-se em prazo para o ajuizamento da reclamação constitucional, a depender do caso concreto,criar-se-á um prazo, justamente para que a ação seja apresentada em juízo antes do trânsito emjulgado da decisão. Enquanto existir recurso pendente de julgamento contra a decisão impugnada emsede de reclamação constitucional, realmente não haverá sentido fixar um prazo para tal ação, mas,não sendo a decisão recorrida, a parte deve ingressar com a reclamação constitucional no prazorecursal, sob pena de perder o direito à reclamação, nos termos do enunciado da Súmula 734/STF.

Para demonstrar o alegado, basta imaginar a reclamação constitucional dirigida ao SuperiorTribunal de Justiça contra decisão do Colégio Recursal que afronte súmula ou jurisprudênciadominante daquele tribunal superior. Nesse caso, não existirá outra via de ataque à decisão que não areclamação constitucional, considerando-se o não cabimento de recurso especial, de forma que, senão ajuizada a reclamação no prazo de quinze dias, o acórdão proferido nos Juizados Especiaistransitará em julgado, não se admitindo, após esse momento, qualquer forma de impugnação,inclusive a referida reclamação850. Diante dessa situação, é inegável se afirmar que o prazo para oajuizamento da reclamação constitucional será de quinze dias.

8.3.4. Posturas do relator ao receber a reclamação constitucionalSegundo o art. 14 da Lei 8.038/1990, o relator, ao despachar a reclamação constitucional, poderá

adotar duas medidas. Antes propriamente de comentar as posturas previstas pelo dispositivo legal, éimportante lembrar que tanto a emenda da petição inicial, nos termos do art. 284 do CPC, como o seuindeferimento, nos termos do art. 295 do CPC, são cabíveis nessa espécie de ação constitucional.Estando a petição formalmente em ordem, o relator procederá segundo o art. 14 da Lei 8.038/1990.

Nos termos do art. 13, parágrafo único, da Lei 8.038/1990, o relator será, sempre que possível, o

juiz da causa principal, ou seja, o relator do recurso ou ação originária da qual resultou a decisãoque restou descumprida por órgão hierarquicamente inferior. Trata-se, segundo parcela da doutrina,de espécie de prevenção temática851, que naturalmente não existirá na hipótese de usurpação decompetência, quando a distribuição deve ser livre.

Pela previsão do inciso I do art. 14 da Lei 8.038/1990, o relator requisitará informações daautoridade a quem for imputada a prática do ato impugnado, que as prestará no prazo de dez dias.Conforme se nota do dispositivo legal ora comentado, a autoridade – judiciária ou administrativa –responsável pela ilegalidade apontada na petição inicial da reclamação será requisitada a apresentarinformações, do que se pode concluir ser tal autoridade o réu da ação de reclamação constitucional.

No inciso II do dispositivo legal ora analisado, está previsto o poder do relator de suspender oprocesso ou o ato impugnado, para evitar dano irreparável, dando a entender que, mesmo semexpresso pedido do autor da ação, poderá conceder de ofício essa tutela de urgência852. Ainda que odebate esteja rapidamente perdendo interesse acadêmico e prático, a natureza dessa tutela deurgência não é pacífica na doutrina: alguns entendem tratar-se de cautelar853, enquanto outrosdefendem sua natureza de tutela antecipada854. Mais uma vez reforçando a pouca relevância dadistinção, em especial para a tutela ora analisada, concordo com aqueles que defendem a natureza detutela antecipada da tutela de urgência, considerando-se que a suspensão dos atos ou do processoantecipa no plano prático a satisfação do direito do autor.

Omissa a lei a respeito da possibilidade de o relator julgar monocraticamente a reclamaçãoconstitucional nas situações previstas no art. 557 do CPC, há norma regimental no Supremo TribunalFederal (art. 161 do RISTF) que possibilita tal forma de julgamento. Na realidade, mesmo semqualquer previsão regimental nesse sentido, o espírito da norma já seria o suficiente para suaaplicação na reclamação constitucional, ainda que se reconheça a divergência instaurada no tocante àaplicação das regras do art. 557 do CPC às ações de competência originária dos tribunais.Naturalmente, da decisão monocrática caberá agravo interno para o órgão colegiado.

8.3.5. Reações dos interessadosComo previsto no art. 14, I, da Lei 8.038/1990, a autoridade responsável pela ilegalidade

apontada na reclamação constitucional será requisitada a apresentar informações no prazo de dezdias. A manifestação dessa autoridade, portanto, sempre existirá no processo, sendo inegável seuinteresse na decisão a ser proferida na reclamação, até porque figura no polo passivo dessa ação,conforme já analisado.

Além da autoridade supramencionada, o art. 15 da Lei 8.038/1990 prevê que qualquer interessadopoderá impugnar o pedido do reclamante, sendo entendimento corrente na doutrina que o beneficiadodireto pelo ato impugnado possa ingressar na reclamação constitucional como assistentelitisconsorcial do réu855, apresentando no prazo de resposta sua manifestação. Como toda assistência,ao terceiro é facultado ingressar na ação, sendo voluntária sua intervenção. Existe correntedoutrinária, entretanto, que entende haver nesse caso hipótese de litisconsórcio passivo necessário,devendo o beneficiário direto do ato impugnado compor o polo passivo juntamente com a autoridaderesponsável pelo ato, inclusive devendo ser citado para responder à reclamação constitucional856.

Compreensível e elogiável a preocupação com o princípio do contraditório, realmente nãoparecendo atender ao princípio constitucional a prolação de decisão que afastará um benefício direto

de determinado sujeito sem lhe oportunizar participação na ação em que tal decisão é proferida.Criar um litisconsórcio necessário entre o réu previsto no art. 14, I, da Lei 8.038/1990 e obeneficiário direto, entretanto, não é entendimento que deva ser prestigiado. Já tive oportunidade deafirmar que a intimação de terceiro para que, se quiser, ingresse no processo como assistente, nãoafasta a natureza voluntária dessa forma de intervenção de terceiro857. Sendo um assistentelitisconsorcial, com maior razão será interessante sua intimação, o que já se mostra o suficiente paraa preservação do contraditório, sem a necessidade de forçá-lo a compor o polo passivo dareclamação constitucional como réu.

Finalmente, o art. 16 da Lei 8.038/1990 prevê que o Ministério Público, nas reclamações que nãohouver formulado, terá vista do processo, por cinco dias, após o decurso do prazo das informações.O dispositivo reafirma entendimento que defendo há muito tempo: em ação na qual o MinistérioPúblico funciona como autor, havendo participação do tribunal, em via recursal ou originariamenteem ação incidental, não há necessidade de ouvi-lo como fiscal da lei.

Se o Ministério Público é parte na ação, não é razoável que seja também fiscal da lei, não havendoqualquer sentido para essa duplicidade de atuação. Que sentido tem o Ministério Público apresentarcontrarrazões de agravo de instrumento por meio do promotor que patrocina ação civil pública emprimeiro grau e o procurador de justiça dar parecer em segundo grau de jurisdição? Que oprocurador deva participar do agravo não resta qualquer dúvida, mas elaborando as contrarrazões,peça típica da atuação de parte que o Ministério Público desenvolve no processo.

Na hipótese da reclamação constitucional, o dispositivo legal ora comentado é suficientementeclaro ao estabelecer que a oitiva do Ministério Público, após o decurso de prazo de informações, sóse faz necessária nas reclamações em que o parquet não funcione como autor, porque aí suamanifestação se limitará à elaboração da petição inicial, pelo órgão ministerial competente paratanto, seguindo-se as regras funcionais da instituição e de competência jurisdicional.

Quanto ao órgão ministerial que deve elaborar a reclamação no caso concreto, a doutrinamajoritária defende caber ao Procurador-Geral da República o ajuizamento das reclamaçõesconstitucionais858. Registre-se, entretanto, interessante entendimento que atribui ao promotor da causaa competência para a elaboração da reclamação constitucional, de forma a se permitir que umpromotor de primeiro grau possa ingressar nos tribunais superiores com tal ação, desde querepresente o Ministério Público no processo que usurpa a competência do tribunal ou no qual tenhasido praticado ato que contrarie sua decisão859.

De qualquer forma, o Ministério Público sempre participa da reclamação constitucional, comoautor ou como fiscal da lei, o que se justifica diante do interesse público no respeito à competênciados tribunais superiores e na autoridade de suas decisões, matérias discutidas em tal açãoconstitucional.

8.3.6. JulgamentoNos termos do art. 17 da Lei 8.038/1990, julgando procedente a reclamação, o tribunal cassará a

decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à preservação de suacompetência.

Conforme já analisado anteriormente, na hipótese de ofensa à autoridade de decisão proferida pelotribunal, a procedência da reclamação gera a cassação da decisão impugnada, o que significa dizer

que o tribunal não profere outra em seu lugar (por isso não há reforma da decisão) e tampoucodetermina que o órgão hierarquicamente inferior profira outra decisão no lugar daquela que foicassada (por isso não há anulação da decisão).

Aparentemente a exceção a essa realidade vem consagrada no art. 7º, § 2º, da Lei 11.417/2006,que, ao prever a procedência da reclamação constitucional no caso de ofensa à súmula vinculante,determina que o Supremo Tribunal Federal casse a decisão judicial impugnada, determinando queoutra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula. Se realmente o tribunal determinar aprolação de nova decisão no lugar daquela que, impugnada, foi considerada ofensiva à autoridade desua decisão, será caso de anulação da decisão, e não propriamente de cassação.

Na hipótese de usurpação de competência, a procedência do pedido leva o tribunal a praticar osatos necessários para preservação de sua competência, inclusive com a avocação dos autos, se for ocaso. Por vezes, é até possível que haja anulação ou cassação de decisões judiciais proferidas porjuízo absolutamente incompetente, não havendo sentido permitir ao tribunal que reconheça ausurpação de competência e não possa anular ou cassar os atos já praticados. Entendo que, nessecaso, a cassação ou anulação da decisão impugnada dependerá do caso concreto, sendo possível seimaginar hipótese em que bastará a cassação, e outros nos quais seja necessária a anulação dedecisão para que outra seja proferida em seu lugar.

Como entendo que a reclamação constitucional tem natureza jurídica de ação, parece-me sercabível a condenação do derrotado ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios. Énatural que não se condenará o órgão jurisdicional ou o juiz que conduz o processo no qual foiproferida decisão impugnada ou usurpador de competência de tribunal superior; como também nãoparece ser correta a condenação da autoridade administrativa que pratica o ato impugnado. Noprimeiro caso, condena-se o Estado, sendo o juízo estadual, e a União, sendo o juízo federal, e, nosegundo, a pessoa jurídica de direito público a qual pertença a autoridade administrativa.

Ocorre, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de ser a reclamaçãoconstitucional exercício de direito de petição, de forma que, partindo-se dessa premissa, a conclusãomais correta é pela inexistência de condenação da parte derrotada ao pagamento das verbas desucumbência. Para se confirmar esse entendimento, basta a consulta aos acórdãos daquele tribunalque julgam as reclamações, nos quais não há qualquer indicação de condenação em verbassucumbenciais. No Superior Tribunal de Justiça há, inclusive, julgamento expresso nesse sentido860.

Por fim, o art. 18 da Lei 8.038/1990 prevê que, mesmo antes da lavratura do acórdão, o presidentedeterminará o imediato cumprimento da decisão proferida pelo tribunal, em norma elogiável à luz doprincípio da celeridade e efetividade das decisões judiciais.

Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 772.Dinamarco, A reclamação, n. 106, p. 208.Dantas, Reclamação, p. 335; Morato, Reclamação, p. 88.STF, Tribunal Pleno, Rcl. 532 AgR/RJ, rel. Min. Sidney Sanches, j. 01/08/1996, DJ 20/09/1996, p. 34.541.Dantas, Reclamação, p. 335; Didier Jr.-Cunha, Curso, p. 463.STF, Tribunal Pleno, Rcl. 1.821/PR, rel. Min. Mauricio Correa, j. 16/10/2003, DJ 06/02/2004, p. 32.Dantas, Reclamação, p. 340-341; Didier Jr.-Cunha, Curso, p. 460; Morato, Reclamação, p. 88-89.Dinamarco, A reclamação, n. 105, p. 206.Morato, Reclamação, p. 104.Pacheco, O mandado, p. 623; Morato, Reclamação, p. 92-93.

Pacheco, O mandado, p. 623; Góes, Reclamação, p. 560.Dinamarco, A reclamação, n. 105, p. 206; Theodoro Jr., Curso, v.I, n. 576-q, p. 666; Grinover, A reclamação, p. 74.Didier Jr.-Cunha, Curso, p. 462.Grinover, A reclamação, p. 75.Dantas, Reclamação, p. 352-353; STJ, Rcl. 3.828/SC, 1º Seção, rel. Min. Eliana Calmon, j. 28/04/2010, DJE 07/05/2010.STF, Tribunal Pleno, ADI 2.212/CE, rel. Min. Ellen Gracie, j. 02/10/2003, DJ 14/11/2003, p. 11. Entendimento confirmado na ADI2.480/PB, Tribunal Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 02/04/2007, DJE 15/06/2007. Na doutrina: Grinover, A reclamação, p. 76-77.Didier Jr.-Cunha, Curso, p. 466-467.STF, Tribunal Pleno, RE 405.031/AL, rel. Min. Marco Aurélio, j. 15/10/2008, DJE 17/04/2009.STF, Tribunal Pleno, Rcl 4.484/SO, rel. Min. Marco Aurélio, 13/09/2007, DJ 23/11/2007; STJ, 2ª Seção, Rcl 1.029/SP, rel. SálvioFigueiredo Teixeira, j. 11/12/2002, DJ 24/03/2003. Nery Jr.-Nery, Código, nota 4, art. 544, p. 945.STF, Tribunal Pleno, Rcl. 2.138/DF, rel. Min. Nelson Jobim, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 13/02/2007, DJE 18/04/2007.STJ, Rcl 2.790/SC, Corte Especial, Min. Teori Albino Zavascki, j. 02/12/2009, DJE 04/03/2010.STJ, Corte Especial, AgRg na Rcl 2.115/AM, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 18/11/2009, DJE 16/12/2009.STJ, AgRg na Rcl 3.595/RN, 2ª Seção, rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, j. 09/09/2009, DJE 16/09/2009; STF, Tribunal Pleno,Rcl. 3.986/AC, rel. Min. Carlos Britto, j. 16/11/2006, DJ 02/02/2007, p. 434.STJ, AgRg na Rcl 2.433/AL, 1ª Seção, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 23/05/2007, DJE 04/06/2007, p. 283.Informativo 568/STF: Plenário, AI 760358 QO/SE, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 19/11/2009; STF, Rcl 7.569/SP, Tribunal Pleno, rel. Min.Ellen Gracie, j. 19/11/2009, DJE 11/12/2009.STF, Rcl 4.661/PI, Tribunal Pleno, rel. Min. Carlos Britto, j. 25/06/2008, DJE 19/09/2008.STF, Rcl. 6.449 AgR/RS, Tribunal Pleno, rel. Min. Eros Grau, j. 25/11/2009, DJE 11/12/2009.STF, Rcl. 2.224/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 26/10/2005, DJ 10/02/2006, p. 6.STF, Rcl. 6.135 AgR/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 28/08/2008, DJE 20/02/2009.Fux, Curso, p. 1199. Em sentido crítico, entendendo que, de lege ferenda, seria interessante uniformizar o cabimento do REsp e RExt:Marinoni-Arenhart, Manual, p. 571.Informativo 348/STJ: Primeira Seção, Rcl 2.704/SP, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 12/02/2008.Informativo 557/STF: Plenário, RE 571.572 QO-ED/BA, rel. Min. Ellen Gracie, j. 26/08/2009.Informativo 416/STJ: Corte Especial, Rcl 3.752-GO, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18/11/2009.STJ, 3ª Seção, AgRg na Rcl 4.832/SP, rel. Min. Gilson Dipp, j. 22/08/2012, DJe 29/08/2012; STJ, 2ª Seção, AgRg na Rcl 4.916/SP, rel.Paulo de Tarso Sanseverino, j. 23/02/2011, DJe 04/03/2011.STJ, 1ª Seção, Rcl 4.909/MG, rel. Min. Castro Meira, j. 22/06/2011, DJe 30/06/2011.STJ, 1ª Seção, EDcl na Rcl 5.932/SP, j. 23/05/2012, DJe 29/05/2012.Informativo 509/STJ, 1ª Seção, Rcl 7.117-RS, rel. originário Min. Cesar Asfor Rocha, rel. p/ acórdão Min. Mauro Campbell Marques, j.24/10/2012.STF, Rcl. 3.084/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 29/04/2009, DJE 01/07/2009; STJ, AgRg na Rcl. 2.942/SP,Primeira Seção, rel. Min. Castro Meira, j. 22/10/2008, DJE 03/11/2008.STF, Rcl. 3.138/CE, Tribunal Pleno, rel. MIn. Joaquim Barbosa, j. 04/03/2009, DJE 23/10/2009.STJ, Rcl. 3.828/SC, 1ª Seção, rel. Min. Eliana Calmon, j. 28/04/2010, DJE 07/05/2010.STJ, Rcl. 1.859/MG, 2ª Seção, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22/06/2005, DJ 24/10/2005, p. 167.Didier Jr.-Cunha, Curso, p. 471.STJ, AgRg na Rcl. 2.918/MG, 1ª Seção, rel. Min. Denise Arruda, j. 08/10/2008, DJE 28/10/2008; STJ, REsp. 863.055/GO, 1ª Seção, rel.Min. Herman Benjamin, j. 27/02/2008, DJE 18/09/2009.STF, Rcl. 6.735 AgR/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Ellen Gracie, j. 18/08/2010, DJE 10/09/2010.STF, Rcl. 4.906/PA, Tribunal Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17/12/2007, DJE 11/04/2008.STF, Rcl. 4.875 AgR/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Eros Grau, j. 17/06/2010, DJE 06/08/2010.STF, Rcl. 5.703 AgR/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 16/09/2009, DJE 16/10/2009.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 791-796.STF, Rcl. 2.617 AgR/MG, Tribunal Pleno, rel. Min. Cezar Peluso, j. 23/02/2005, DJ 20/05/2005, p. 7.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 802.Didier Jr.-Cunha, Curso, p. 472-473; Góes, Reclamação, p. 570.Em sentido assemelhado: Morato, Reclamação, p. 119.Didier Jr.-Cunha, Curso, p. 479.Neves, Manual, n. 25.2.1.2.3.9, p. 640.Informativo 426/STJ, MC 16.568/TO, 2ª seção, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 10/03/2010.Góes, Reclamação, p. 564.

Didier Jr.-Cunha, Curso, p. 480.Theodoro Jr., Curso, n. 576-q, p. 666.Didier Jr.-Cunha, Curso, p. 480.Morato, Reclamação, p. 121; Dantas, Reclamação, p. 362-364.Didier Jr.-Cunha, Curso, p. 481.Neves, Manual, n. 6.2.1, p. 203.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 809; Pacheco, O mandado, 625; Dantas, Reclamação, p. 361.Zenkner, Reflexos, p. 105-106.STJ, Rcl. 2.017/RS, 3ª Seção, rel. Min. Jane Silva, j. 08/10/2008, DJE 15/10/2008.

9.1. INTRODUÇÃOO direito ao habeas data vem expressamente consagrado no art. 5º, LXXII, da CF, sendo que o

dispositivo legal trata tão somente das hipóteses de cabimento dessa ação constitucional, sendomissão da Lei 9.507/1997 o tratamento infraconstitucional de seu procedimento, ainda que, em seuart. 7º, III, também crie uma nova hipótese de cabimento, não prevista expressamente na ConstituiçãoFederal. Eventuais discussões a respeito da autoaplicabilidade do dispositivo legal perderam sentidocom o advento da Lei 9.507/1997.

Como se pode depreender do texto constitucional, o habeas data é ação constitucional voltada àgarantia dos direitos de intimidade e de acesso à informação. O acesso a informações constantes deregistros ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público e a eventualretificação de informações equivocadas constituem o objeto de tutela do habeas data.

Ainda que a ultrapassada época ditatorial vivida pelo Brasil tenha motivado fortemente a ação dehabeas data, é importante que se dê ao cidadão uma ação específica, com respaldo constitucional,para que possa ter conhecimento de seus dados cadastrados e para exigir eventual correção,considerando-se que atualmente a captação e armazenamento de informações são realizados comextrema facilidade, em especial por conta dos meios tecnológicos a disposição daqueles que formame mantêm esses bancos de dados.

Cumpre registrar que, embora possível a tutela dos direitos protegidos pelo habeas data por meiodo mandado de segurança, a opção do legislador constituinte em criar uma ação específica para atutela do direito à informação deve ser respeitada. Não tenho dúvida de que se tratou de uma opção,e a ausência de previsão específica não sacrificaria qualquer interesse atualmente tutelado pelohabeas data, todos contemplados de forma genérica pelo mandado de segurança. Ainda assim, e issofica claro no art. 1º, caput, da Lei 12.016/2009, quando cabível o habeas data, não caberá mandadode segurança, o que confirma o prestígio que a ação específica consagrada no art. 5º, LXXII, da CFtem em nosso sistema.

9.2. DIREITO À INFORMAÇÃO E HABEAS DATAA análise das hipóteses de cabimento do habeas data é o suficiente para se compreender que o

direito à informação, consagrado no art. 5º, XXXIII, da CF, é mais amplo que aquele tutelado pormeio da ação constitucional ora analisada. No habeas data, a informação requerida será semprevoltada à pessoa do requerente, mais precisamente a dados pessoais seus que constem de arquivos oubancos de dados. Nas palavras de festejada doutrina, dados definidores da situação da pessoa nas

diversas searas de sua existência861. O direito à informação, consagrado no dispositivo constitucionalmencionado, tem um objeto mais amplo, abrangendo outras espécies de informações que, apesar deinteressarem ao requerente de um eventual pedido, não dizem respeito a seus dados pessoais862.

Por outro lado, o art. 5º, XXXIII, da CF prevê que o direito à informação diz respeito a dadosmantidos por órgãos públicos, condicionando o exercício desse direito constitucional à espécie doórgão, e não à natureza da informação. Como será analisado um pouco adiante, no item 9.3.2 destemesmo Capítulo, para o habeas data, o órgão que mantém o cadastro de informações não precisa sernecessariamente público, bastando que torne públicas as informações que detenha.

Um candidato de concurso público, por exemplo, tem o direito de analisar sua prova com arespectiva correção, e, caso o órgão público se negue a prestar essa informação, não resta dúvida deque um direito será violado e de que uma tutela jurisdicional poderá ser obtida. Na realidade, atémesmo administrativamente o problema poderá ser resolvido, por meio do exercício do direito depetição, consagrado no art. 5º, XXXIV, da CF. Em termos jurisdicionais, um mandado de segurançaou mesmo uma ação de conhecimento pelo rito comum, provavelmente com pedido de tutela deurgência.

Essa importante distinção tem ao menos uma relevante consequência prática. O direito àinformação, consagrado no art. 5º, XXXIII, da CF, é excepcionado quando o sigilo forimprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Num juízo de proporcionalidade, o legisladorconstitucional entendeu mais adequado prestigiar os valores preservados pelo sigilo do que o direitoà informação. Para a melhor doutrina, as razões que fundamentam o sigilo não se aplicam ao habeasdata, considerando que as informações, nesse caso, sempre dirão respeito a dados pessoais doimpetrante, não sendo possível se exigir sigilo para com o titular de informações e dados863. Esse é oentendimento do Superior Tribunal de Justiça864.

9.3. HIPÓTESES DE CABIMENTO

9.3.1. Introdução

A Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXII, ao consagrar constitucionalmente o habeas data,limita-se a prever duas hipóteses de cabimento: a) para assegurar o conhecimento de informaçõesrelativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou banco de dados de entidadesgovernamentais ou de caráter público; b) para retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo porprocesso sigiloso, judicial ou administrativo. Essas duas hipóteses de cabimento são praticamenterepetidas pelos dois primeiros incisos do art. 7º da Lei 9.507/1997, sendo que o inciso III dereferida norma encontra-se numa terceira hipótese de cabimento: para a anotação nos assentamentosdo interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro, mas justificável e que estejasob pendência judicial ou amigável.

9.3.2. Direito à informaçãoA primeira hipótese de cabimento do habeas data, prevista no art. 5º, LXXII, a, da CF e repetida

no art. 7º, I, da Lei 9.507/1997, regulamenta o direito do impetrante a obtenção de informaçõesmantidas em registro ou banco de dados.

O cabimento do habeas data nesse caso está condicionado à natureza das informações que se

pretendem obter, sendo incabível o pedido por meio dessa ação constitucional se as informações quese pretendem obter são de interesse público, prestando-se a fiscalização de prática adotada porórgão publico865.

Interessante notar que a criação e manutenção desses cadastros ou bancos de dados não precisanecessariamente ser de responsabilidade de órgão público, como, inclusive sugere o próprio textoconstitucional. Ao prever que os responsáveis pela criação e manutenção serão órgãosgovernamentais ou de caráter público, o próprio art. 5º, LXXII, a, da CF sugere a interpretação deque também órgãos de direito privado possam ser demandados por meio do habeas data.

A impressão foi confirmada pelo parágrafo único do art. 1º da Lei 9.507/1997, ao prever que seconsidera de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam oupossam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidadeprodutora ou depositária das informações. Em interpretação ao dispositivo legal, a melhor doutrinabem aponta que o caráter público das informações não se confunde com a natureza pública do órgãoque as mantém em cadastro866.

O caráter público, portanto, diz respeito à possibilidade de as informações se tornarem públicas,no sentido de chegarem ao conhecimento de terceiros. É absolutamente irrelevante, portanto, saber seo órgão que mantém tais informações é de direito público ou privado; o que se exige é o caráterpúblico da informação. Sendo a informação disponibilizada somente pelo órgão que mantém ocadastro, não caberá habeas data867. O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de decidirpelo não cabimento de habeas data diante de pedido de exibição de extratos de conta correntemantida pelo impetrante junto à Caixa Econômica Federal, asseverando que, nesse caso, asinformações são confidenciais, franqueadas somente aos contratantes, e não a terceiros868, o queretira a natureza pública de tais informações.

9.3.3. Direito a retificação de dadosNa hipótese de pedido com fundamento na hipótese de cabimento ora analisada, é importante

observar que só pode pedir a retificação de dados o sujeito que tem conhecimento de quais sejamesses dados, o que significa que não caberá cumulação de pedidos, num mesmo habeas data, dopedido de prestação de informações e correções de dados.

Conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça, só tem direito a retificar dados o sujeito queaponta determinada incorreção nos mesmos, e, para isso, por questão de evidente lógica, deverá terconhecimento de quais sejam tais dados869. Esse entendimento, entretanto, é duramente criticado porconsiderável parcela doutrinária, que considera mais adequado à luz do princípio da economiaprocessual a elaboração de pedidos em cumulação sucessiva num mesmo habeas data, ao invés dedois habeas data sucessivos870.

9.3.4. Anotação sobre dado verdadeiroA primeira hipótese de cabimento do habeas data limita-se à ciência, enquanto a segunda permite

a retificação de informações incorretas, sendo ambas previstas no texto constitucional, conforme jáanalisado. O art. 7º, III, da Lei 9.507/1997 inova ao criar uma terceira hipótese de cabimento,admitindo-se que o impetrante exija que, mesmo diante da veracidade da informação constante docadastro ou do banco de dados, seja averbada uma contestação ou explicação sobre tais dados,

bastando para tanto que a informação esteja sendo discutida judicialmente ou extrajudicialmente.Exemplo perfeito dessa hipótese de cabimento diz respeito ao pedido de inclusão de explicação

sobre dados constantes de cadastros de devedores (tais como Serasa, SPC etc.), quando a dívida quedeu ensejo à anotação for objeto de questionamento, como, por exemplo, uma ação declaratória deinexistência da dívida. É natural que, nesse caso, a parte requeira uma tutela antecipada para retiradaimediata da anotação, o que para ela se mostrará até mais vantajoso, mas não havendo a concessãode tal espécie de tutela, a indicação de que o pretenso débito está sendo discutido pode ser bastanteútil à parte.

Como bem lembrado pela doutrina, a hipótese de cabimento ora analisada não justifica meroscaprichos do impetrante, de forma que a existência de discussão judicial ou extrajudicial a respeitoda informação constante dos registros públicos não é razão, por si só, a habilitar a parte ao habeasdata. Como em qualquer outra ação judicial, o autor deverá demonstrar a existência de interesse deagir, o que justificará a intervenção jurisdicional. No caso específico do habeas data nessa hipótesede cabimento, haverá interesse de agir sempre que o autor demonstrar que a ausência da anotaçãopode lhe gerar um dano concreto, de ordem material ou moral871.

Esse interesse de agir, entretanto, não guarda qualquer relação com a probabilidade e/ou seriedadecom que a anotação vem sendo questionada se em sede judicial ou extrajudicial. Significa dizer quenão caberá ao órgão jurisdicional uma análise do mérito do questionamento, nem mesmo por meio decognição sumária, para se determinar se o autor tem ou não direito ao habeas data. Tal exigênciaimplicaria na criação de um obstáculo inexistente na lei e contrário ao espírito da ação constitucionalora analisada.

9.4. Fase administrativa

9.4.1. Interesse de agir

A ideia de interesse de agir, também chamado de interesse processual, está intimamente associadaà utilidade da prestação jurisdicional que se pretende obter com a movimentação da máquinajurisdicional872. Cabe ao autor demonstrar que o provimento jurisdicional pretendido será capaz delhe proporcionar uma melhora em sua situação fática, o que será o suficiente para justificar o tempo,energia e dinheiro que serão gastos pelo Poder Judiciário na resolução da demanda.

Não se deve analisar se o autor tem efetivamente o direito que alega ter e que, portanto, se sagrarávitorioso na demanda, porque esse é tema pertinente ao mérito, e não às condições da ação. O juizdeve analisar em abstrato e hipoteticamente se o autor, sagrando-se vitorioso, terá efetivamente amelhora que pretendeu obter com o pedido de concessão de tutela jurisdicional que formulou pormeio do processo. Ter ou não razão em suas alegações e pretensões é irrelevante nesse tocante, nãoafastando a carência da ação por falta de interesse de agir.

Segundo parcela da doutrina, o interesse de agir deve ser analisado sob dois diferentes aspectos: anecessidade de obtenção da tutela jurisdicional reclamada e a adequação entre o pedido e a proteçãojurisdicional que se pretende obter873. No tocante a fase pré-processual, consagrada nos arts. 2º, 3º e4º da Lei 9.507/1997, cabe a análise tão somente da necessidade na impetração do habeas data.

Haverá necessidade sempre que o autor não puder obter o bem da vida pretendido sem a devidaintervenção do Poder Judiciário. Em regra, havendo a lesão ou ameaça de lesão a direito,

consubstanciada na lide tradicional, haverá interesse de agir, porque, ainda que exista apossibilidade de obtenção do bem da vida por meios alternativos de solução de conflitos, ninguém éobrigado a resolver suas crises jurídicas por essas vias alternativas. É natural que, no habeas data, apretensão resistida dependa tanto de seu exercício no âmbito extrajudicial como da resistência aopedido formulado. Nesse sentido, inclusive, há entendimento sumulado pelo Superior Tribunal deJustiça874.

Não se pode antever nessa exigência qualquer ofensa ao princípio da inafastabilidade da tutelajurisdicional, considerando-se que o direito de ação não é ilimitado, sendo condicionado seuexercício à presença das condições da ação no caso concreto. Nesses termos, os dispositivoscontidos na Lei 9.507/1997 que versam sobre a fase pré-processual do habeas data, fixando prazospara a resposta ao pedido de informações, retificações ou averbações, em nada contrariam aprevisão do art. 5º, LXXVIII, da CF, apenas regulamentando de forma objetiva o interesse de agirnessa ação constitucional.

Cumpre lembrar que, num dos aspectos do princípio da inafastabilidade da jurisdição, entende-seque o interessado em provocar o Poder Judiciário em razão de lesão ou ameaça de lesão a direitonão é obrigado a procurar antes disso os possíveis mecanismos administrativos de solução deconflito. Ainda que seja possível a instauração de um processo administrativo, isso não seráimpedimento para a procura do Poder Judiciário. E mais. O interessado também não precisa esgotara via administrativa de solução de conflitos, podendo perfeitamente procurá-la e, a qualquermomento, buscar o Poder Judiciário. Naturalmente, como observa a melhor doutrina, a exigência deum pedido recusado não se confunde com a necessidade de se instaurar um processo administrativo,tampouco de se exaurir a via administrativa de solução dos conflitos875.

9.4.2. Procedimento

9.4.2.1. Fase pré-processualA fase pré-processual, que tem seu procedimento disciplinado pelos arts. 2º, 3º e 4º da Lei

9.507/1997, deve ser analisada dependendo do objetivo do solicitante perante o órgão ou entidadedepositária do registro ou banco de dados. Os vetos presidenciais ao parágrafo único dos arts. 3º, 5ºe 6º, apesar de não poderem ser elogiados, não sacrificam substancialmente a compreensão edesenvolvimento dessa fase prévia ao eventual processo judicial.

No art. 2º da Lei 9.507/1997, há previsão para o requerimento, quando o objetivo do solicitante éexclusivamente tomar conhecimento de informações pessoais mantidas em registros ou banco dedados. Segundo o dispositivo legal, a partir do momento em que o requerimento é apresentadoperante o órgão ou entidade depositária do registro ou banco de dados, haverá um prazo de 48 horaspara a resposta. O parágrafo único do dispositivo legal prevê que a comunicação da resposta aosolicitante deve ser feita em 24 horas. Numa mera conta aritmética, chega-se ao prazo de 72 horasentre o pedido e a informação de que ele foi acolhido, tardando um pouco mais o efetivo acesso aosdados, conforme previsão do art. 3º da Lei 9.507/1997.

Seria de se presumir que, decorrido qualquer desses prazos, passaria a ser cabível o habeas data,mas a previsão contida no art. 8º, parágrafo único, I, da Lei 9.507/1997 parece sugerir algo diverso.Segundo o dispositivo legal mencionado, o impetrante deve instruir sua petição inicial com prova da

recusa ou do decurso de mais de dez dias sem decisão. Ora, se órgão tem o prazo de 48 horas pararesponder e 24 para informar sua resposta, a necessidade do decurso de dez dias sem resposta alongainjustificavelmente o prazo necessário para que o impetrante passe a ter interesse de agir no habeasdata876.

Diante do indesejável conflito entre os dispositivos legais mencionados, a tendência é pelaaplicação, ao menos no tocante ao interesse de agir para a impetração de habeas data, dos prazos dedez e quinze dias previstos no art. 8º da Lei 9.507/1997. Há doutrina que, apesar de reconhecer aestranheza da solução, defende que, no tempo entre o vencimento do prazo de 72 horas e dez ouquinze dias, seja cabível o mandado de segurança877.

Interessante notar que o legislador permite o ingresso de habeas data diante da demora emresponder o requerimento extrajudicial, não sendo necessário esperar, por vezes indefinidamente,pela recusa. Nesse caso, entretanto, surge a possibilidade de a informação ser prestada a destempo,quando já em trâmite o habeas data, hipótese em que a ação perde supervenientemente seu objeto,sendo caso de extinção terminativa por carência superveniente (falta de interesse).

De qualquer forma, os prazos do art. 2º da lei ora comentada não são inutilizados pelos prazosmais dilatados do art. 8º da mesma lei. Servem, ao menos, para alguma espécie de responsabilizaçãodo agente público que deixa de cumprir sua função, com a adoção das penalidades administrativascabíveis. Na hipótese do órgão privado, entretanto, a norma realmente perde seu sentido, nãohavendo muito a se fazer diante do vencimento do prazo de 72 horas do art. 2º, cabendo aointeressado esperar os dez ou quinze dias, conforme o caso, e ingressar com habeas data878.

Sendo o pedido indeferido, não restará outra saída ao solicitante que não a via judicial, sendocabível, nesse caso, o habeas data. Sendo acolhido o pedido, nos termos do art. 3º da Lei9.507/1997, o depositário do registro ou banco de dados marcará dia e hora para que o requerentetome conhecimento das informações. Como não há na lei previsão de prazo para que essa exibiçãoocorra após o deferimento do pedido, entendo que a designação de data em tempo longínquo, semqualquer justificativa, enseja o ingresso de habeas data, com uma interessante particularidade, apossibilidade de concessão de tutela antecipada nos termos do art. 273, § 6º, do CPC. A tutela deurgência será analisada no Capítulo 6, item 6.12.

O art. 4º da Lei 9.507/1997 dá a entender que o pedido de correção de dados será necessariamenteuma fase posterior à exibição de tais dados por via extrajudicial. Ocorre, entretanto, que é possívelque o solicitante já tenha tido acesso às informações por outros meios que não o previsto nos arts. 2ºe 3º da Lei 9.507/1997, sendo também nessa hipótese aplicável o procedimento previsto pelo artigoora comentado879. É possível que um cliente de banco, por exemplo, fique sabendo de um incorretoapontamento junto aos serviços de proteção ao crédito sem necessariamente precisar pedir a esseórgão a informação sobre seus dados pessoais mantidos em registro ou cadastro.

Basta ao pedido, nos termos do art. 4º, caput, da Lei 9.507/1997, que o requerimento – a lei falaem “petição” – esteja devidamente instruído com documentos comprobatórios, cabendo investigarque documentos seriam esses indicados pela norma legal. Entendo que os documentos que deveminstruir o requerimento têm dupla função: (a) demonstrar a existência das informações reputadasincorretas e mantidas no registro ou cadastro do órgão ou entidade chamada administrativamente acorrigir tais dados, o que constituiria o interesse e adequação do pedido; (b) demonstrardocumentalmente a incorreção dos dados, o que constituiria propriamente o mérito da pretensão

administrativa.Conforme previsto no art. 4º, § 1º, da Lei 9.507/1997, feita a retificação em, no máximo, dez dias

após a entrada do requerimento, a entidade ou órgão depositário do registro ou da informação daráciência ao interessado. Segundo o art. 8º, parágrafo único, II, da mesma lei, é peça essencial deinstrução da petição inicial a prova da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais dequinze dias sem decisão. Na conjugação dos dois dispositivos legais, a conclusão é que o interessede agir só passa a existir após o décimo quinto dia do pedido, quando até então não houver resposta.Novamente deve-se considerar a possibilidade de perda superveniente do habeas data na hipótesede retificação extemporânea.

Por fim, na terceira hipótese de cabimento do habeas data, o art. 4º, § 2º, da Lei 9.507/1997 nãoprevê qualquer prazo para a resposta e/ou atendimento do pedido feito extrajudicialmente. Nosilêncio do dispositivo legal, resta ainda mais tranquila a aplicação do prazo previsto no art. 8º,parágrafo único, II, da Lei 9.507/1997, sendo condicionado o interesse de agir a recusa ou omissãopor tempo superior a quinze dias do pedido.

9.4.2.2. Fase processual

9.4.2.2.1. IntroduçãoConforme ensina a melhor doutrina, há considerável semelhança entre o procedimento do habeas

data e do mandado de segurança880, inclusive com algumas regras legais que simplesmente copiam alei de mandado de segurança. Termos como autoridade coatora, notificação e impetração podem serencontrados no procedimento do habeas data, com inegável influência da lei de mandado desegurança. Antes de ser uma mera coincidência, a constatação tem relevância prática na aplicaçãosubsidiária da Lei 12.016/2009 ao procedimento de habeas data, bem como na utilização deinterpretações doutrinárias e jurisprudenciais a respeito de temas polêmicos do mandado desegurança que sejam aplicáveis ao habeas data.

9.4.2.2.2. Petição inicialSendo indiscutível a natureza de ação do habeas data, aplica-se o princípio da inércia da

jurisdição, de forma que o Poder Judiciário se movimentará quando provocado pelo interessado.Essa provocação se dá por meio da petição inicial, ato processual solene que dá início aoprocedimento.

Nos termos do art. 8º, caput, da Lei 9.507/1997, a petição inicial do habeas data seguirá as regrasformais dos arts. 282 a 285 do CPC, de forma a serem consagrados nessa espécie de açãoconstitucional não só os requisitos formais que devem ser respeitados na elaboração da petiçãoinicial (art. 282 do CPC), mas também a necessidade de instrução da peça com documentosindispensáveis à propositura da ação (art. 283 do CPC) e a possibilidade de emenda no prazo de dezdias na hipótese de vício sanável (art. 284 do CPC).

Dos requisitos formais da petição inicial previstos pelo art. 282 do CPC, o pedido de citação doréu deve ser compreendido como pedido de notificação da autoridade coatora, formalismo inútil,como sempre. O pedido de produção de provas não se justifica em razão da natureza sumário-documental do procedimento consagrado pela Lei 9.507/1997. O valor da causa, conforme correto

ensinamento doutrinário, deve ser meramente estimativo, ainda que sua relevância seja praticamenteinexistente em razão da gratuidade da ação e da isenção de condenação ao pagamento de honoráriosadvocatícios881.

No tocante à forma de apresentação da petição inicial, prevê o dispositivo legal ora analisado queela deve ser apresentada no prazo em duas vias, regra que não foge à normalidade com relação àspetições iniciais em geral, considerando a necessidade da existência de contrafé para ser entregue aodemandado. E, exatamente como ocorre nas ações em geral, quando o número de vias suplementaresrespeitar o número de demandados, no habeas data se exigirá do autor tantas vias quanto forem asautoridades apontadas como coatoras882.

O mesmo dispositivo ainda prevê que a instrução exigida por lei deverá ser realizada com ajuntada de documentos originários para a primeira via e cópia para a segunda. Ainda que a normasilencie, tais cópias dispensam autenticação.

O aspecto mais interessante e peculiar da petição inicial do habeas data encontra-se consagradono parágrafo único do art. 8º da Lei 9.507/1997. Os três incisos preveem documentos indispensáveisà propositura da ação, exigindo o autor a instrução da petição inicial com prova (leia-se documento)que demonstra o interesse de agir na postulação. Em outros termos, o autor deve comprovar quepassou de forma infrutífera pela fase pré-processual, sendo, portanto, necessária a propositura daação.

9.4.2.2.3. Posturas do juiz diante da petição inicialSegundo o art. 10, caput, da Lei 9.507/1997, a petição inicial será desde logo indeferida em duas

hipóteses: quando não for o caso do habeas data e quando lhe faltar os requisitos previstos em lei. Apreocupação do legislador em prever uma decisão liminar que já extingue o processo de formaliminar é elogiável, sendo sempre preferível colocar-se um fim o mais rápido possível a ação quenão reúna mínimas condições de prosseguimento. Duas observações, entretanto, se impõem naanálise do dispositivo.

Em primeiro lugar, as formas de extinção previstas pelo dispositivo legal ora comentado nãosofrem os efeitos da preclusão, de forma que, embora não desejável, também caberá a extinção dohabeas data por inadequação do meio ou vício formal após a notificação e/ou apresentação deinformações pela autoridade coatora. Em segundo lugar, como consagrado pelo art. 8º, caput, da Lei9.507/1997, é admissível a emenda da petição inicial do habeas data, de forma que nem todairregularidade formal levará à sua extinção liminar, somente aquelas que sejam insanáveis. Nãoparece ser esse o caso, por exemplo, da instrução deficitária da peça inicial, vício plenamentesanável pela emenda da petição inicial.

Registre-se, ainda, a inútil previsão contida no art. 10, parágrafo único, da Lei 9.507/1997, que,além de se valer indevidamente do termo “despacho” ao se referir a sentença, determina que taldecisão será impugnável pelo recurso previsto pelo art. 15 da mesma lei, que, por sua vez, prevê orecurso de apelação. Como se pode notar, bastaria que o legislador tivesse silenciado a respeito parase aplicar o art. 513 do CPC, sem maiores complicações.

Estando em ordem a petição inicial, o art. 9º da Lei 9.507/1997 determina que o juiz ordene anotificação da autoridade coatora, que receberá a segunda via da petição inicial e as cópias dosdocumentos que instruíram a petição inicial. Ainda segundo o dispositivo legal, o coator terá um

prazo de dez dias para apresentar as informações que julgar necessárias. É inegável a influênciaexercida pelo art. 7º, I, da Lei 1.533/1951, em regra atualmente consagrada no mesmo dispositivopela Lei 12.016/2009. Não causa surpresa, portanto, que as mesmas polêmicas existentes nomandado de segurança sejam transportadas para o habeas data, como a identificação de quem devaser o réu na demanda, tema versado no Capítulo 6, item 6.4.2. A notificação, como forma decomunicação de ato processual, é bastante polêmica, estando atualmente reservada à forma decomunicação à autoridade coatora da existência da petição inicial do habeas data e mandado desegurança. Há parcela doutrinária que defende sua natureza de citação, considerando-se que, nessecaso, o réu terá sido integrado à relação jurídica processual883. Outra parcela, entretanto, prefere oentendimento de que a notificação é uma espécie sui generis de comunicação do ato processual, deforma a ser considerada uma terceira e excepcional forma de comunicação, ao lado da citação eintimação884. Qualquer que seja a natureza da notificação, ela deve-se dar por correio ou oficial dejustiça, na forma da lei processual885.

Segundo o art. 11 da Lei 9.501/1997, uma vez realizada a notificação, caberá ao serventuário quecuida do processo juntar aos autos cópias autenticadas do ofício endereçado ao coator, bem como aprova de sua entrega a este ou da recusa em recebê-lo ou de dar recibo. Entendo que a certificaçãoda recusa em receber a segunda via da petição inicial e a recusa em dar recibo só têm algumaeficácia jurídica quando realizadas por oficial de justiça, detentor de fé pública, o que faltará aocarteiro. Dessa forma, sendo a notificação realizada pelo correio, e havendo tais recusas por parte daautoridade coatora, a notificação deverá ser realizada por oficial de justiça. Na hipótese denotificação por oficial de justiça, a certidão narrando o ocorrido será o suficiente para se dar aautoridade coatora como devidamente notificada.

O dispositivo tem ao menos um aspecto intrigante, em especial quando comparado com o art. 8º,caput, da mesma lei. Enquanto o art. 11 prevê que será juntado aos autos do processo cópia autênticade ofício, o art. 8ª, caput, ao fazer expressa remissão ao art. 285 do CPC, indica a necessidade deexpedição de mandado, inclusive com a informação de que a ausência de contestação levará apresunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Pergunta-se: o coator é notificado medianteofício ou mandado? A doutrina se divide sobre o tema, havendo os que defendem a expedição de ummandado de notificação, nos moldes do mandado de citação886, e outros que entendem ser oprocedimento menos formal que uma citação, bastando, portanto, a expedição de um ofício887.

9.4.2.2.4. Prestação de informaçõesUma vez tendo sido notificada, a autoridade coatora terá, nos termos do art. 9º da Lei 9.507/1997,

um prazo de dez dias para a apresentação das informações em juízo. Trata-se de prazo próprio, deforma que, decorridos os dez dias e não apresentadas as informações, não mais se admitirá amanifestação da autoridade coatora, de forma a restar preclusa a oportunidade de reação.

O conteúdo das informações é de verdadeira contestação, inclusive com a possibilidade dearguição de matéria processual de defesa, bem como matéria de mérito, tal como a ausência decaráter público ao banco de dados, ausência de documento essencial à propositura da ação ou derecusa do órgão público, sigilo das informações que se pretende obter, dentre outras888.

Nos termos do art. 12 da Lei 9.501/1997, findo o prazo de dez dias para a prestação dasinformações, será ouvido o representante do Ministério Público, o que deixa claro que,

independentemente da efetiva apresentação de informações, o procedimento prosseguirá. A prestaçãode informação, portanto, é um ônus da autoridade coatora, havendo doutrina, inclusive, que defende ageração da revelia e de seu principal efeito – presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor– diante da ausência da prestação de informações889.

Apesar de ser interessante o entendimento, não consigo ver grande repercussão prática,considerando que o direito à exibição ou retificação perseguido pelo habeas data é essencialmentematéria de direito, havendo somente ônus da prova ao autor no tocante à admissibilidade de tal açãoconstitucional, o que se fará por meio dos documentos que demonstrarão a realização da fase pré-processual e que, por exigência legal, devem instruir a petição inicial. De qualquer forma, e esse é oaspecto principal, o seguimento do procedimento não depende da efetiva apresentação dasinformações em juízo.

9.4.2.2.5. Intimação da pessoa jurídica de direito público?Como já afirmado, há uma inegável proximidade do procedimento regulado pela Lei 9.507/1997

com aquele previsto pela Lei 1.553/1951, que regulamentou o procedimento do mandado desegurança até o ano de 2009, quando a Lei 12.016 a revogou. É natural, portanto, que a aplicação denovidades dessa lei ao procedimento do habeas data seja objeto de questionamentos doutrinários.No caso, trata-se da aplicação ou não do art. 7º, II, da nova Lei de Mandado de Segurança, emprevisão ausente da legislação anterior, que determina que o juiz dê ciência do processo ao órgão derepresentação judicial da pessoa jurídica, enviando-lhe cópia da petição inicial, sendo dispensado oenvio dos documentos que a instruem.

Entendo que a mesma justificativa existente para a consagração da ciência da pessoa jurídica dedireito público presente no mandado de segurança aplica-se também ao habeas data, de forma a seraplicável tal regra ao procedimento do segundo. As discussões a respeito da forma de comunicação,que passam pela premissa de se definir a legitimidade passiva do habeas data, são exatamente asmesmas desenvolvidas no tocante ao mandado de segurança e tratadas no Capítulo 6.

9.4.2.2.6. Participação do Ministério PúblicoDe acordo com o art. 12 da Lei 9.507/1997, findo o prazo de dez dias para a prestação das

informações, será ouvido o representante do Ministério Público, parecendo, nesse caso, serindiscutível a necessidade de sua intimação para participar como fiscal da lei. Aplica-sesubsidiariamente o art. 12 da Lei 12.016/2009, que veio a pacificar polêmico tema a respeito danecessidade de manifestação do Ministério Público quando intimado a participar como custos legis.O parágrafo único do dispositivo legal mencionado é claro ao prever que, com ou sem o parecer doMinistério Público, os autos serão conclusos ao juiz para a decisão, em previsão de todo aplicávelao procedimento do habeas data.

Parece natural essa conclusão diante da sumariedade do rito procedimental e do claro objetivo dolegislador em fazer com que o procedimento seja o mais célere possível. Não se pode compreenderque um procedimento com tais características fique obrigatoriamente retido por largo lapso temporal,à espera de um parecer ministerial. Essa possibilidade de o procedimento seguir sem a manifestaçãodo Ministério Público, entretanto, não torna o prazo de dez dias para manifestação num prazopróprio, de forma que a única preclusão que se opera para a admissão de tal manifestação é a mista

(temporal-lógica), verificada após a decisão já ter sido proferida. Antes disso, não há que se falarem preclusão temporal890.

9.4.2.2.7. InstruçãoDemonstrando claramente ser o procedimento do habeas data sumário-documental, a exemplo do

que ocorre com o mandado de segurança, após o decurso do prazo de manifestação do MinistérioPúblico, os autos serão conclusos para a prolação da decisão. A par da discussão de existência ounão da exigência de direito liquido e certo no habeas data – melhor entender que não, por ausênciade expressa previsão nesse sentido –, não parece haver no procedimento previsto pela Lei9.507/1997 espaço para produção de qualquer outra espécie de prova que não a documental891,quando muito documentada.

Justamente sob essa perspectiva deve ser compreendida a regra consagrada pelo art. 17 da Lei9.507/1997, ao prever que, no caso de habeas data de competência originária dos tribunais, caberáao relator a instrução do processo. Só se pode entender que essa “instrução” seja na realidade aprática dos atos preparatórios para o julgamento, de forma que caberá ao relator da ação anotificação da autoridade coatora, a cientificação da pessoa jurídica de direito público e a intimaçãodo Ministério Público como fiscal da lei.

9.4.2.2.8. DecisãoNos termos do art. 12 da Lei 9.507/1997, após o encerramento dos atos preparatórios, o juiz terá

um prazo de cinco dias para decidir o processo. Segundo o art. 19, caput, da mesma lei, sendo aação de competência originária do tribunal, o julgamento deve ocorrer na primeira sessão que seseguir à data em que, feita a distribuição, os autos forem conclusos ao relator. Trata-se de prazosimpróprios, de forma que seu vencimento não gerará preclusão temporal, de forma que a decisãoproferida após os cinco dias legais ou em sessão subsequente será tão válida e eficaz quanto aquelaproferida respeitando-se o prazo legal. A indicação de um prazo mais exíguo que o comum – dez dias– deixa claro que o legislador, apesar de não criar um dever processual no dispositivo legal,pretende que o juiz seja o mais rápido possível na prolação de sua decisão.

A celeridade, como importante característica do procedimento do habeas data, também seencontra consagrada no art. 19 da Lei 9.507/1997. No caput está previsto o direito de preferência nojulgamento sobre os demais processos, salvo os habeas corpus e mandados de segurança, enquantono parágrafo único há previsão de um prazo máximo de 24 horas para a conclusão dos autos após suadistribuição, mais um prazo impróprio. Parcela da doutrina, inclusive, diante da grande preocupaçãodo legislador com a celeridade do procedimento, defende que, a exemplo do mandado de segurança,o habeas data tenha trâmite durante as férias forenses coletivas892.

Todos os resultados possíveis no julgamento de uma ação judicial são admissíveis no habeasdata. Qualquer que seja o teor da decisão, não haverá condenação ao pagamento de custas ou dehonorários advocatícios, considerando-se a gratuidade consagrada no art. 21 da Lei 9.507/1997.Ainda que indesejável, é cabível a extinção do processo sem resolução de mérito por meio desentença terminativa, nos termos do art. 267 do CPC. Nesse particular, anote-se a absolutainutilidade do art. 18 da Lei 9.507/1997 ao prever que o pedido de habeas data poderá ser renovadose a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito. Não havia necessidade de uma regra

consagrar a regra geral. Na resolução do mérito, ainda que seja possível uma homologação derenúncia ou até mesmo o reconhecimento jurídico do pedido (exibição das informações desejadas), omais comum é o acolhimento ou rejeição do pedido, nos termos do art. 269, I, do CPC.

Segundo o art. 13 da Lei 9.507/1997, o acolhimento do pedido do autor levará o juiz a determinarao coator a tomada de duas providências, tudo a depender do pedido formulado. Se a pretensão for oacesso às informações, o juiz marcará data e horário para que o coator as exiba em juízo. Se apretensão for a modificação de informações, o juiz marcará data e horário para que o coatorapresente em juízo a prova da retificação ou da anotação feita nos assentamentos do autor. Entendoque a natureza da decisão é mandamental893, apesar de reconhecer a divergência doutrinária894, deforma que a recusa injustificada do coator em proceder conforme a ordem do juiz constitui, nostermos do art. 14, V, do CPC, ato atentatório à dignidade da jurisdição.

Para importante parcela da doutrina, o descumprimento da ordem pela autoridade coatora permitea aplicação da multa prevista no art. 461, § 4º, do CPC, como forma de pressioná-lapsicologicamente ao cumprimento da obrigação895. Entendo, entretanto, que a aplicação ou não dasastreintes como forma de execução indireta nesse caso dependerá da definição de importantepremissa já desenvolvida no Capítulo 1, item 1.3.1: de quem é a legitimidade passiva no habeasdata. A única possibilidade de se defender a aplicação das astreintes à autoridade coatora éconsiderando a premissa de que ela é o réu, porque, admitindo-se ser a pessoa jurídica de direitopúblico o legitimado passivo, somente a ele poderá ser aplicada a multa do art. 461, § 4º, do CPC.

Em cumprimento do princípio do contraditório, a autoridade coatora deve ser informada doresultado do processo, em especial do acolhimento do pedido, porque, nesse caso, há providênciasque deverão ser tomadas por ela. Cuida do tema da informação da autoridade coatora o art. 14 da Lei9.507/1997, exigindo, nos termos do caput, a intimação pessoal do coator, a ser realizada porcorreio com aviso de recebimento, telegrama, radiograma ou telefonema, conforme requerer oimpetrante.

9.5. LIMINARNão há na Lei 9.507/1997 previsão expressa a respeito de concessão de liminar, contrariando

tanto a antiga como a atual lei do Mandado de Segurança, que expressamente consagra apossibilidade de concessão dessa espécie de tutela de urgência. A omissão legal leva a um debatedoutrinário a respeito da aplicação extensiva ou não das regras do mandado de segurança ao habeasdata. E, mesmo que nada houvesse na lei de mandado de segurança, poder-se-ia questionar a respeitoda aplicabilidade da tutela antecipada consagrada pelo art. 273 do CPC ao procedimento do habeasdata. A questão é: a par do silêncio legal, cabe tutela de urgência satisfativa no procedimento dehabeas data?

Entendo que, num primeiro momento, é indispensável traçar de forma clara e segura a distinçãoentre satisfatividade e irreversibilidade. Discordo daqueles que tratam quase como sinônimos ostermos satisfatividade e irreversibilidade896, porque, em meu entendimento, são característicasdistintas da tutela de urgência. O grau de satisfatividade mede-se pela identidade da situação fáticacriada pela tutela de urgência com aquela que seria criada com a concessão da tutela definitiva,enquanto a irreversibilidade mede-se pela possibilidade ou não de se retornar a situação fáticaanterior a concessão da tutela de urgência na hipótese de revogação de tal tutela. Prova maior é a

constatação de que toda tutela antecipada é satisfativa, e, ao menos em tese, só será inadmissívelquando irreversível (art. 273, § 2º, do CPC).

O que se pretende afirmar é que, se alguma característica da tutela de urgência impedir aconcessão da liminar da tutela antecipada, não será sua satisfatividade, mas sua irreversibilidade.Conforme bem notado pela melhor doutrina que já tratou do tema, o grande problema de uma tutelade urgência na ação de habeas data é sua irreversibilidade, fenômeno que, ao menos em tese, éincompatível com as tutelas de urgência satisfativas, naturalmente provisórias. Provisoriedade eirreversibilidade realmente não são fenômenos que possam conviver de forma pacífica.

É preciso observar, entretanto, que a irreversibilidade, quando prevista expressamente comorequisito negativo para concessão de tutela de urgência satisfativa, não se constitui como obstáculoinstransponível para a tutela urgente de direito da parte. Na tutela antecipada, ainda quando suaconcessão for faticamente irreversível, o juiz poderá excepcionalmente concedê-la, lembrando adoutrina que um direito em perigo do autor não pode ser sacrificado pela vedação legal. Interessantelembrar-se da viabilidade da concessão de tutelas liminares de urgência nas cautelares probatórias,quando a prova será produzida de forma irreversível sem a participação do réu.

A doutrina entende de forma uníssona que, em situações excepcionais, a par do silêncio da lei,caberá ao juiz conceder a tutela de urgência satisfativa liminarmente, antes mesmo da notificação daautoridade coatora para prestar as informações897.

9.6. LEGITIMIDADE

9.6.1. Legitimidade ativa

Não há qualquer indicação na Lei 9.507/1997 sobre a legitimidade ativa na ação de habeas data,sendo entendimento doutrinário que qualquer pessoa poderá ingressar com tal ação. Em razão degarantia constitucional, não se poderia admitir tratamento diverso entre pessoas nacionais eestrangeiras, sendo ampla nesse sentido a legitimidade ativa898. Por outro lado, tanto a pessoa humanacomo a pessoa jurídica podem ter interesse em tutelar os direitos garantidos pelo habeas data, nãoparecendo haver qualquer justificativa válida para qualquer espécie de limitação quanto àlegitimação ativa nesse caso899. Acredito que tanto a pessoa jurídica de direito privado como a dedireito público têm legitimidade ativa para o habeas data, ainda que, em se tratando de pessoajurídica de direito público, seja mais comum a solução de eventual impasse por via administrativa,por meio de ordem superior aos órgãos envolvidos no conflito.

Essa espécie de legitimidade é ordinária, por meio da qual a parte defende em juízo em nomepróprio o seu próprio interesse. O caráter pessoal das informações acessadas e/ou corrigidas,inclusive, leva ao único debate doutrinária a respeito da legitimação ativa no habeas data: sãolegitimados os herdeiros e sucessores do titular do interesse? Naturalmente, nesse caso, estar-se-ádiante de legitimação ordinária superveniente, o que mantém longe da legitimidade ativa no habeasdata a legitimação extraordinária, mas a pergunta remanesce: admite-se essa transferência dalegitimidade ativa?

Enquanto parcela doutrinária defende a impossibilidade da transmissão de legitimidade aosherdeiros e sucessores, forte na ideia de intransmissibilidade do direito à informação/retificaçãoprotegido pelo habeas data900, há doutrinadores que defendem a legitimidade superveniente do

cônjuge ou herdeiros, quando o habeas data versar sobre informações que importem em direitosmortis causa901. O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de adotar essa segundacorrente doutrinária, atribuindo legitimidade ativa a viúva de militar no acesso às informaçõesfuncionais do de cujus902.

Por fim, ao se afastar a legitimação extraordinária do polo ativo do habeas data, também afastadaestará a legitimidade do Ministério Público ingressar com tal ação903, salvo na excepcionalíssimahipótese de dados de interesse do próprio órgão.

9.6.2. Legitimidade passivaA doutrina, praticamente de forma uníssona, entende que a legitimidade passiva no habeas data é

do órgão ou entidade que detém a informação904. Conspira para essa conclusão o art. 2º, caput, daLei 9.501/1997, que, mesmo prevendo o procedimento extrajudicial do habeas data, consignaexpressamente que o requerimento será apresentado ao órgão ou entidade depositária do registro oubanco de dados, em previsão que já antecipa quem será o réu da ação judicial se a mesma se fizerindispensável em razão da frustração da fase pré-processual.

Conforme já analisado neste capítulo, no item 9.3.2, o órgão ou entidade não precisa ternecessariamente natureza pública para ser legitimado ativo na ação de habeas data. O próprio art.5ª, LXXII, a, da CF, prevê que basta aos órgãos ou entidades terem “caráter público”, o que permitea conclusão pela doutrina majoritária de que esse caráter público diz respeito à possibilidade dasinformações se tornarem públicas, no sentido de chegarem ao conhecimento de terceiros. É, portanto,absolutamente irrelevante saber se o órgão que mantém tais informações é de direito público ouprivado; o que se exige é o caráter público da informação.

O aspecto mais interessante da legitimidade passiva do habeas data, que não pode passardespercebido, é o papel que a autoridade coatora desempenha na relação jurídica processual queserá formada na demanda judicial. Como já devidamente analisado, a notificação será dirigida aocoator, não havendo nenhuma menção na Lei 9.507/1997 a qualquer espécie de cientificação dapessoa jurídica à qual pertença. Afinal, quem terá legitimidade passiva: a autoridade coatora ou apessoa jurídica à qual pertence?

É interessante notar que, apesar da proximidade procedimental do habeas data com o mandado desegurança, a questão da legitimidade passiva no primeiro não suscitou de forma tão intensa debatesdoutrinários como no segundo. No Capítulo 6, item 6.4.2, desenvolvi a temática com relação aomandado de segurança, mas não posso deixar de registrar que, no tocante ao habeas data,curiosamente, não se encontra na doutrina tamanha volúpia para a discussão. De qualquer forma, odebate é válido.

Não vejo porque concluir no tocante ao habeas data diferentemente do que já se havia concluídono mandado de segurança: o réu nessas duas ações é a pessoa jurídica que, no primeiro caso, detenhaas informações e que, no segundo, tenha em seus quadros o sujeito responsável pela violação ouameaça de violação a direito líquido e certo. Nesse sentido, concordo com parcela doutrinária queentende ser a autoridade coatora mero representante ou presentante da pessoa jurídica905.

9.7. COMPETÊNCIAA competência para julgamento do habeas data está prevista no art. 20 da Lei 9.507/1997, que, em

singular opção, prevê não só a competência originária em seu inciso I, como a competência recursalem seu inciso II.

Da mesma forma que ocorre para a fixação da competência do mandado de segurança, no habeasdata interessa saber o status da pessoa humana responsável pela exibição, anotação ou correção deinformações. A ação constitucional pode tanto ser de competência do primeiro grau, nesse casopodendo tramitar na Justiça Federal, como originária dos tribunais de segundo grau (Tribunal deJustiça e Tribunal Regional Federal) e dos órgãos de superposição (Superior Tribunal de Justiça eSupremo Tribunal Federal).

Nos termos do art. 20, I, a, da Lei 9.507/1997, será competente originariamente o SupremoTribunal Federal na hipótese de impugnação a ato do Presidente da República, das Mesas da Câmarados Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral daRepública e do próprio Supremo Tribunal Federal. Em termos recursais, a competência do SupremoTribunal Federal é prevista em dois dispositivos. No art. 20, II, a, da Lei 9.507/1997, há previsão decompetência recursal quando a decisão denegatória for proferida em única instância pelos tribunaissuperiores (recurso ordinário constitucional, nos termos dos arts. 539, I, e 540, do CPC e art. 102, II,a, da CF), enquanto o art. 20, III, da mesma lei prevê a competência para o julgamento do recursoextraordinário nos casos previstos na Constituição Federal.

A competência originária do Superior Tribunal de Justiça está prevista no art. 20, I, b, da Lei9.507/1997: habeas data contra ato de Ministro de Estado ou do próprio Tribunal. Em termosrecursais, caberá ao Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 20, II, b, da mesma lei, ojulgamento, quando a decisão for proferida em única instância pelos Tribunais Regionais Federais.Essa previsão é apontada como inconstitucional pela melhor doutrina906, considerando-se que nãoexiste regra nesse sentido na Constituição Federal, não podendo a lei infraconstitucional, no caso, aLei 9.507/1997, alargar a competência do Superior Tribunal de Justiça, quer criando um recursoinominado, quer simplesmente prevendo a competência para o recurso ordinário constitucional.

Caberá aos Tribunais Regionais Federais julgar habeas data contra atos do próprio tribunal ou dejuiz federal, nos termos do art. 20, I, c, da Lei 9.507/1997, sendo sua competência recursal previstapelo art. 20, II, c, da mesma lei: decisão proferida por juiz federal. Segundo o art. 20, I, e, da Lei9.507/1997, a competência dos Tribunais de Justiça para o julgamento do habeas data serádisciplinada pela Constituição Estadual, o mesmo ocorrendo no tocante à competência recursal (art.20, II, d, da Lei 9.507/1997).

Em primeiro grau de jurisdição, a competência será da Justiça Federal, quando o habeas dataimpugnar ato praticado por autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunaisfederais (art. 20, I, d, da Lei 9.507/1997), sendo a competência da Justiça Estadual residual, nostermos do art. 20, I, f, da mesma lei.

9.8. RECURSOSNão cabem elogios ao legislador no tocante ao tratamento recursal dispensado ao procedimento do

habeas data, regulado pela Lei 9.507/1997. O tema é tratado pelos arts. 10, parágrafo único, e 15 dareferida lei, e bem melhor seria se o legislador tivesse simplesmente silenciado a respeito do tema.

O art. 10, parágrafo único, prevê que do “despacho de indeferimento” cabe o recurso de apelação,fazendo remissão ao art. 15 do mesmo diploma legal. Não existe no sistema processual pátrio um

despacho capaz de indeferir a petição inicial, considerando-se despachos os pronunciamentosjudiciais sem caráter decisório, voltados tão somente ao andamento procedimental. Sendo a petiçãoinicial indeferida, o ato judicial será uma sentença que extingue o processo, recorrível por apelaçãonos termos do art. 513 do CPC.

Segundo o art. 15, caput, da Lei 9.507/1997, da sentença que conceder ou negar o habeas datacabe o recurso de apelação. Por alguma razão incompreensível, o dispositivo só tratou da sentençade mérito, deixando de indicar que também da sentença terminativa será cabível o recurso deapelação, conclusão a que se chega pela aplicação do art. 513 do CPC, que corretamente nãoqualifica a espécie de sentença para determinar sua recorribilidade pela apelação. Dessa forma,qualquer que seja a sentença proferida no habeas data, o recurso cabível será a apelação, além, éclaro, dos embargos de declaração para as hipóteses de omissão, obscuridade e contradição.

O recurso de apelação, nos termos do art. 15, parágrafo único, da Lei 9.507/1997 não terá efeitosuspensivo, quando a sentença conceder o habeas data, de forma que a determinação de exibição oucorreção deverá ser cumprida imediatamente, ainda que interposto o recurso de apelação. Sendo ojulgamento de improcedência, e na ausência de regra expressa nesse caso, a apelação será recebidano duplo efeito, nos termos do art. 520, caput, do CPC, ainda que, nesse caso, a imediata geração dadecisão denegatória não gere qualquer transformação prática no plano dos fatos, o que tornadesimportante a ausência de efeito suspensivo.

Ainda que não exista efeito suspensivo próprio (ope legis) à apelação contra decisão deprocedência no habeas data, o sucumbente poderá, ao apelar da sentença, requerer a concessão deefeito suspensivo impróprio (ope legis), com fundamento no art. 558 do CPC. Dessa forma,demonstrando ser relevantes seus fundamentos e o perigo de lesão irreparável ou de difícil reparaçãocaso a decisão recorrida gere imediatamente seus efeitos, poderá requerer a excepcional concessãode efeito suspensivo ao recurso.

No tocante a esse pedido de concessão de efeito suspensivo impróprio, é preciso observar que,começando o procedimento da apelação em primeiro grau de jurisdição, e sendo de competência dorelator desse recurso a concessão do efeito suspensivo, nos termos do art. 558 do CPC, o apelanteterá que pleitear junto ao tribunal a concessão do efeito suspensivo, sem que os autos do processo e,por consequência lógica, a apelação tenham chegado fisicamente ao tribunal.

Entendo que bastaria, nesse caso, ingressar com uma petição autônoma devidamente instruídaperante o tribunal competente requerendo a concessão de efeito suspensivo à apelação no tocante aocapítulo da sentença que concedeu a tutela antecipada, com fundamento no art. 558 do CPC. Uma vezdistribuída a petição, o órgão colegiado que a receber torna-se prevento para a apelação, que será aele encaminhada quando finalmente os autos chegarem ao tribunal. É a melhor forma entre todas aspossíveis, sem a necessidade de interposição de recursos ou de outras ações judiciais: forma maisrápida, simples, barata e em sintonia com o sincretismo processual.

É impressionante e muito frustrante que, no clima de sincretismo que vivemos atualmente, algunscartórios distribuidores continuem se negando a receber essa petição, apontando-a como aberraçãojurídica ou coisa do gênero. Recentemente, tal fato deu-se no cartório distribuidor do Tribunal deJustiça de São Paulo. O que não percebem os aterrorizados em distribuir uma petição atípica e nãouma petição inicial ou recurso, é que tal conduta, apegada a um obscurantismo medieval, só força aparte a ingressar com uma nova ação.

Já antevendo as dificuldades que enfrentará na distribuição da peça atípica com fundamento no art.558 do CPC, é provável que o réu opte pelo ingresso de cautelar inominada com pedido de liminarperante o tribunal, que será o competente para essa ação em razão do disposto no art. 800, parágrafoúnico, do CPC907. Note-se que a fundamentação e o pedido serão exatamente iguais àqueles que o réuteria feito por meio de mera petição, mas certamente nesse caso não terá grandes dificuldadespráticas junto ao cartório distribuidor para fazer chegar com certa rapidez o pedido a um relator.

Por fim, deve-se registrar que o art. 15, caput, da Lei 9.507/1997 prevê tão somente arecorribilidade da decisão que resolve o habeas data em primeiro grau de jurisdição, esquecendo-seda possibilidade de tal ação ser de competência originária do tribunal. Nesse caso, naturalmente nãohaverá sentença e tampouco recurso de apelação. Sendo um acórdão o julgamento que decide asações de competência originária do tribunal, o recurso cabível, além dos embargos de declaração,será o recurso especial e/ou recurso extraordinário, a depender do caso concreto.

Defendo a aplicação subsidiária no habeas data das regras recursais previstas pelo Código deProcesso Civil, sendo, por exemplo, cabível o recurso de agravo de instrumento contra decisão queverse sobre o pedido de tutela de urgência, bem como o agravo interno para decisões monocráticasproferidas pelo relator em sede recursal ou originária. Também me parece indiscutível o cabimentodos recursos de embargos de declaração, especial e extraordinário. O único recurso previsto no roldo art. 498 do CPC, que, tudo leva a crer, será considerado incabível em sede, é o embargoinfringente, aplicando-se por analogia entendimento sumulado dos tribunais superiores no tocante aomandado de segurança908.

Bastos, Habeas, p. 85.Piovesan, O “habeas”, p. 99; Bastos, Habeas, p. 91.Piovesan, O “habeas”, p. 99.STJ, 1ª Turma, REsp. 781.969/RJ, rel. Min. Luiz Fux, j. 08/05/2007, DJ 31/05/2007, p. 395STJ, 1ª Turma, Pet 1.318/MA, rel. Min. Francisco Falcão, j. 19/02/2002, DJ 12/08/2002, p. 164.Scarpinella Bueno, Habeas, p. 74.STJ, HD 56/DF, 3ª Seção, rel. Min. Felix Fischer, j. 10/05/2000, DJ 29/05/2000, p. 108.STJ, 2ª Turma, REsp. 1.128.739/RJ, rel. Min. Castro Meira, j. 17/12/2009, DJE 10/02/2010.STJ, 1ª Seção, HD 160/DF, rel. Min. Denise Arruda, j. 27/08/2008, DJE 22/09/2008.Scarpinella Bueno, Habeas data, p. 97-98.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado de segurança, p. 354.Dinamarco, Instituições, n. 544, p. 302; Câmara, Lições, v. 1, p. 118.Dinamarco, Instituições, n. 544, p. 302-303; Marinoni, Teoria, p. 173; Pinho, Teoria, n. 12.5.2, p. 128; Câmara, Lições, v. 1, p. 118-119;Lima Freire, Condições, n. 4.15, p. 130-131; STJ, 4.ª Turma, REsp. 954.508/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 28/08/2007.Súmula 2/STJ: “Não cabe habeas data (CF, art. 5.º, LXXII, letra a) se não houve recusa de informações por parte da autoridadeadministrativa”.Novelino, Direito, p. 476-477; Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 354.Apontando a incoerência: Barbosa Moreira, Habeas, p. 133; Medina, Análise, p. 158-159; Almeida, Habeas, p. 108.Medina, Análise, p. 158.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 353.Barbosa Moreira, O “habeas”, p. 133.Barbosa Moreira, O “habeas”, p. 140.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 364.Scarpinella Bueno, Habeas, p. 89.Scarpinella Bueno, Habeas, p. 90.Oliveira, Rito, p. 188.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 355.

Scarpinella Bueno, Habeas, p. 88.Oliveira, Rito, p. 188.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 357.Scarpinella, Habeas, p. 88.Oliveira, Rito, p. 192.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 361; Oliveira, Rito, p. 190-191.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 358.Barbosa Moreira, Habeas, p. 141; Oliveira, Rito, p. 193.Peña de Moraes, Curso, p. 663-664.Barbosa Moreira, Habeas, p. 142Scarpinella Bueno, Habeas, p. 93-95.Scarpinella Bueno, Habeas, p. 94-96; Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 363; Almeida, Habeas, p. 11-115.Barbosa Moreira, O “Habeas”, p. 137.Lauria Tucci, Processo, p. 335; Nojiri, O “habeas”, p. 368-369. Contra: Bastos, Habeas, p. 85-86.Lauria Tucci, Processo, p. 336; Scarpinella Bueno, Habeas, p. 81; Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 347; Ribeiro Lopes-Lopes, O“habeas”, p. 278-279.Nojiri, O “habeas”, p. 367-368; Almeida, Habeas, p. 121; Oliveira, Rito, p. 183.STJ, 3ª Seção, HD 147/DF, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 12/12/2007, DJ 28/02/2008, p. 69.Nojiri, O “habeas”, p. 369. Contra: Ribeiro Lopes-Lopes, O “habeas”, p. 279.Bastos, Habeas, p. 86; Barbosa Moreira, O “habeas”, p. 130-131; Lauria Tucci, Processo, p. 336.Scarpinella Bueno, Habeas, p. 87. Aparentemente contra: Piovesan, O “habeas”, p. 100Scarpinella, Habeas, p. 106; Barbosa Moreira, O “habeas”, p. 146-147.Scarpinella Bueno, Tutela, n. 10.2.5, p. 89.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 363.

10.1. NOMENCLATURAApesar da utilização tradicional da expressão “ação civil pública”, deve-se reconhecer a

existência de divergência a respeito de tal nomenclatura, em especial quando comparada com aexpressão “ação coletiva”.

Para parcela doutrinária, são expressões sinônimas, não existindo diferença entre elas, tampoucointeresse prático na distinção909. Para outra parcela doutrinária, há diferença entre as expressões,embora não haja concordância a respeito do parâmetro de diferenciação, sendo possível a indicaçãode três correntes:

(a) Ação civil pública é a ação proposta pelo Ministério Público, enquanto a ação coletiva éajuizada por outros legitimados coletivos910, entendimento fundado em razões históricas e nalegitimação exclusiva do Ministério Público na propositura da ação pública, tanto penal comocivil;

(b) Ação civil pública é a que tutela direitos difusos e coletivos, únicos direitos previstos naLei 7.347/1985, enquanto a ação coletiva se prestaria a tutelar os direitos individuaishomogêneos, que encontram previsão somente no CDC911;

(c) Ação civil pública é a regulamentada pela Lei 7.347/1985 e a ação coletiva, pela Lei8.078/1990912.

Conforme ensina a melhor doutrina, a nomeação das ações é algo ultrapassado, condizente comuma época imanentista do Direito, na qual não se conseguia distinguir o direito material do direitoprocessual913. Portanto, dividir o chamado “processo coletivo” em diferentes espécies de ações eentendê-las como espécies de ações coletivas tem como objetivo apenas uma melhor organizaçãodidática, em especial no tocante à indicação de importantes diferenças procedimentais existentesentre elas.

Tome-se como exemplo da dificuldade de entendimento homogêneo a respeito do tema adivergência acerca da natureza da ação de improbidade administrativa. Para alguns, ela não éespécie de ação civil pública914, havendo inclusive aqueles que preferem uma aproximação com aação popular915. Para outra corrente doutrinária, a ação de improbidade administrativa é uma espéciede ação civil pública916, sendo esse o entendimento consagrado no Superior Tribunal de Justiça917. Adiscussão, entretanto, não tem grande repercussão prática.

Chamar ou não a ação regulada pela Lei 8.429/1992 de ação civil pública é formalidade que nãomuda a realidade, ou seja, trata-se de uma ação coletiva que visa a tutela do patrimônio público e damoralidade administrativa regida pela Lei 8.429/1992, subsidiariamente pelo microssistema

coletivo, e residualmente pelo Código de Processo Civil918. Da mesma forma ocorre com o nome daação pela qual se busca a tutela do patrimônio público, movida por cidadão (ação popular), e a açãode procedimento documental sumarizado pela qual se impugna violação ou ameaça de violação adireito coletivo ou individual homogêneo líquido e certo (mandado de segurança coletivo).

10.2. OBJETO DE TUTELAO art. 1º, IV, da Lei 7.347/1985 prevê as espécies de direito que podem ser tutelados pela ação

civil pública de responsabilidade de danos morais e patrimoniais. Há nos demais incisos dodispositivo legal a menção expressa a determinados direitos: (I) meio ambiente; (II) consumidor; (III)bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (IV) infração da ordemeconômica e da economia popular; (V) ordem urbanística.

O rol, entretanto, é meramente exemplificativo, considerando-se o inciso IV do dispositivo legalora comentado. Segundo o art. 1º, IV, da LACP, a ação civil pública pode ser utilizada para a tutelade qualquer outro direito difuso ou coletivo, ainda que não previsto expressamente no rol legal.

A generalidade do dispositivo ora comentado, entretanto, é seriamente abalada pela previsãocontida no art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/1985, que prevê que não será cabível ação civilpública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo deGarantia por Tempo de Serviço (FGTS) ou outros fundos de natureza institucional cujosbeneficiários podem ser individualmente determinados, embora exista decisão do Superior Tribunalde Justiça admitindo a propositura de ação civil pública pelo Ministério Público em matériaprevidenciária919.

O dispositivo é duramente criticado pela doutrina, que denuncia o vergonhoso objetivo da normalegal: afastar o Poder Público do alcance de ações coletivas cujo resultado positivo poderia impor-lhe um dano de dimensões consideráveis. A simples vedação ao processo coletivo, deixando aosinteressados somente o caminho da tutela individual, é considerado pela doutrina majoritária comoafronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição920.

Resta evidente que o objetivo é mesmo proteger o Poder Público quando os tribunais superioresimpedem ações coletivas para discussão de cobrança de tributos, mas a admitem quando o objeto é aanulação de qualquer tipo de acordo de natureza tributária que gere danos ao Poder Público ou aindaa revogação de qualquer espécie de benefício fiscal ilegal921, que se mostre lesivo ao erário.

Ou seja, em uma ação coletiva em favor dos contribuintes, na qual o Poder Público poderia sofrerum grave dano em caso de derrota, a natureza tributária do direito material é causa de vedação a essaespécie de ação. Já em uma ação coletiva em que o objetivo é proteger o patrimônio público pormeio de análise da legalidade de concessão prejudicial de benefício fiscal que cause prejuízo aoPoder Público, a tutela coletiva será admitida. Deixo claro que meu posicionamento crítico se limitaao primeiro entendimento, mas essa divergência de tratamentos é claramente ofensiva ao princípio daisonomia. Para os contribuintes, a ação individual, para o Poder Público, a ação coletiva.

Registre-se que, por não se confundir com tributo, vem sendo admitida por meio de ação coletiva adiscussão de tarifas públicas cobradas nos serviços explorados sob o regime de concessão oupermissão922.

Ainda que não exista qualquer previsão a respeito da tutela do direito individual homogêneo naLei 7.347/1985, não há dúvida de que também a tutela dessa espécie de direito se prestará à ação

civil pública. Mesmo que o direito individual homogêneo só venha previsto como direito tutelávelpelo microssistema coletivo no CDC, é indubitável que a ação civil pública nesse caso pode tercomo objeto direitos individuais homogêneos de diferentes naturezas, não se limitando à tutela doconsumidor.

Dessa forma, a ação civil pública tem o mais amplo campo de cabimento dentre todas as açõescoletivas que compõem o processo coletivo comum. Além de ser cabível nas três espécies dedireitos tutelados pelo microssistema coletivo – difuso, coletivo e individual homogêneo –, éinstrumento hábil a tutelar a mais variada gama de direitos materiais, desde aqueles previstosexpressamente no art. 1º da LACP, como outros, por exemplo, o direito das crianças e adolescentes,dos idosos, à saúde pública, à educação etc.

10.3. DIREITOS TUTELADOS PELA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

10.3.1. Introdução

Nos termos do art. 81 do CDC, existem três diferentes espécies de direito tutelados pelomicrossistema coletivo em geral, e pela ação civil pública em especial. Além desses, tambémexistem previsões legais específicas pelo cabimento da ação civil pública na tutela de determinadosdireitos individuais indisponíveis, como ocorre no Estatuto da Criança e do Adolescente e noEstatuto do Idoso.

10.3.2. Direito difusoNos termos do art. 81, parágrafo único, I, do CDC, os interesses ou direitos difusos são direitos

transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas porcircunstâncias de fato. Como se pode notar do conceito legal de direito difuso, essa espécie dedireito é composto por quatro elementos cumulativos.

Afirmar que o direito difuso é transindividual é determinar a espécie de direito pelo seu aspectosubjetivo, qual seja, o seu titular. O direito transindividual, também chamado de metaindividual ousupraindividual, é aquele que não tem como titular um indivíduo923.

Nota-se que o conceito de direito transindividual é residual, aplicando-se a todo direito materialque não seja de titularidade de um indivíduo, seja ele pessoa humana ou jurídica, de direito privadoou público. No caso específico do direito difuso, o titular é a coletividade, representada por sujeitosindeterminados e indetermináveis. São direitos que não têm por titular uma só pessoa nem mesmo umgrupo bem determinado de pessoas, concernindo a todo o grupo social, a toda a coletividade, oumesmo à parcela significativa dela.

O segundo elemento é a natureza indivisível, voltado para a incindibilidade do direito, ou seja, odireito difuso é um direito que não pode ser fracionado entre os membros que compõem acoletividade. Dessa forma, havendo uma violação ao direito difuso, todos suportarão por igual talviolação, o mesmo ocorrendo com a tutela jurisdicional, que uma vez obtida aproveitará a todosindistintamente924.

Ao prever o terceiro elemento que compõe o direito difuso, o art. 81, parágrafo único, I, do CDCcomete um equívoco ao afirmar que a titularidade desse direito é de pessoas indeterminadas. Na

realidade, os titulares não são sujeitos indeterminados, mas sim a coletividade. Essa coletividade,naturalmente, é formada por pessoas humanas, mas o direito difuso não as considera comoindivíduos, mas tão somente como sujeitos que compõem a coletividade, como integrantes desta925.

Com essas considerações deve ser interpretado o dispositivo legal ora mencionado, e nessestermos compreende-se que o titular do direito difuso é a coletividade, por sua vez composta porsujeitos indeterminados e indetermináveis, ou seja, sujeitos que não são nem podem ser determinadosindividualmente. Na realidade, como lembra a melhor doutrina, admite-se uma indeterminabilidaderelativa; mesmo que seja possível a determinação, sendo esta extremamente difícil e trabalhosa, odireito continua a ser difuso926.

Por fim, o último elemento apontado pelo dispositivo legal ora analisado na conceituação dodireito difuso é a circunstância de estarem todos os sujeitos que compõem a coletividade ligados poruma situação de fato, sendo dispensável que entre eles exista qualquer relação jurídica927.

Exemplo classicamente dado de direito difuso é o da propaganda enganosa928. Por meio de anúncioque induz o consumidor a erro, um fornecedor tenta vender produto ou serviço que jamais será apto aatender as expectativas deixadas pela propaganda. O simples fato de ser veiculada uma campanhapublicitária enganosa é o suficiente para que todos os consumidores, potencialmente expostos a talcampanha, passem a compor a coletividade consumerista afrontada pela violação cometida pelofornecedor.

Outro interessante exemplo é o da colocação no mercado de produtos com alto grau de nocividadeou periculosidade à saúde ou segurança dos consumidores929. Novamente, será uma circunstância defato que reunirá os consumidores em uma coletividade afrontada pela conduta do fornecedor.Também tradicional a menção à violação do meio ambiente, por meio de emissão de poluentes porfábrica acima do admitido em lei.

10.3.3. Direito coletivoNos termos do art. 81, parágrafo único, II, do CDC, os interesses ou direitos coletivos são direitos

transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoasligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Como se pode notar doconceito legal de direito coletivo, essa espécie de direito é composto por quatro elementoscumulativos.

Exatamente como ocorre no direito difuso, o direito coletivo é transindividual (metaindividual ousupraindividual) porque seu titular não é um indivíduo. Por terem a natureza transindividual comocaracterística comum, o direito difuso e o direito coletivo são considerados direitos essencialmentecoletivos930. Há, entretanto, uma diferença. Enquanto no direito difuso o titular do direito é acoletividade, no direito coletivo é uma comunidade, determinada por um grupo, classe ou categoriade pessoas.

A natureza indivisível também é elemento do direito coletivo, exatamente da mesma forma comoocorre no direito difuso. Nesse aspecto, as duas espécies de direito transindividual são idênticas,comungando a característica de serem direitos que não podem ser divididos e usufruídosparticularmente pelos sujeitos que compõem a coletividade ou comunidade. Como ocorre no direitodifuso, também no direito coletivo todos os indivíduos que compõem a titularidade do direito –grupo, classe ou categoria de pessoas – suportam uniformemente todos os efeitos que atinjam o

direito material.No terceiro elemento do direito coletivo, o art. 81, parágrafo único, II, do CDC foi extremamente

feliz em apontar como titular do direito um grupo, classe ou categoria de pessoas, deixando claro quenão são os sujeitos individualmente considerados os titulares do direito, mas sim o grupo, classe oucategoria da qual façam parte. Essa limitação do direito coletivo a sujeitos que componham umadeterminada comunidade leva a doutrina a corretamente afirmar que esses sujeitos sãoindeterminados, mas determináveis931.

O último elemento indispensável ao direito coletivo é a existência de uma relação jurídica base.Conforme bem ensinado pela doutrina, essa relação jurídica base não se confunde com a relaçãojurídica controvertida que será analisada no processo coletivo, sempre preexistente à lesão ouameaça de lesão do direito do grupo, categoria ou classe de pessoas932. Significa que o direitocoletivo depende de uma relação jurídica que reúna os sujeitos em um grupo, classe ou categoriaantes de qualquer violação ou ameaça de violação a um direito indivisível dessa comunidade.

A forma mais simples de visualizar a diferença entre essas duas relações jurídicas de direitomaterial é imaginando que, solucionada a crise jurídica envolvendo o grupo, classe ou categoria depessoas, essa unidade entre elas continuará a existir, porque a relação jurídica base existente entreelas não se confunde com aquela relação jurídica resolvida em juízo. Consumidores que tenhamadquirido um mesmo modelo de carro e tenham direito a um recall não realizado pela montadoraestarão reunidos em uma relação jurídica base que preexiste e sobreviverá à solução da relaçãojurídica conflituosa gerada pelo problema derivado da produção do veículo e a resistência damontadora em resolvê-lo espontaneamente.

A relação jurídica base da qual depende a existência do direito coletivo pode se dar de duasformas distintas: entre os próprios sujeitos que compõem o grupo, classe ou categoria ou dessessujeitos com um sujeito comum que viole ou ameace de violação o direito da comunidade. Naspalavras da melhor doutrina, essa relação jurídica base pode ocorrer entre os membros do grupoaffectio societatis (como, por exemplo, entre os advogados inscritos na OAB) ou pela sua ligaçãocom a “parte contrária” (como, por exemplo, contribuintes ligados ao ente estatal responsável pelatributação)933.

É natural imaginar ser o direito coletivo mais coeso que o direito difuso, porque existe umarelação jurídica base que torna determináveis os sujeitos beneficiados por sua tutela. A coesão dessedireito, entretanto, não significa uma necessária organização, como bem demonstrado por autorizadadoutrina, considerando-se que sua natureza indivisível apresenta uma identidade tal que,independentemente de sua harmonização formal ou amalgamação pela reunião de seus titulares emtorno de uma entidade representativa, constituem uma só unidade, o que já é suficiente para aproteção jurisdicional coletiva934.

São variados os exemplos de direito coletivo. Quando se analisa a relação jurídica base derivadade uma vinculação entre os membros do grupo, classe ou categoria, pode-se imaginar os associadosde uma associação de proteção aos direitos do consumidor. Ou mesmo uma associação de classe, talcomo a OAB, na tutela de direito de todos os seus associados, como direito de todos os advogados aterem acesso ao Fórum em horários razoáveis. Analisada a relação jurídica base no tocante à “partecontrária”, um bom exemplo é o grupo de alunos de uma escola quando discutem a reformulação dagrade curricular.

10.3.4. Direitos individuais homogêneosO art. 81, parágrafo único, III, do CDC foi bastante sucinto no conceito de direitos individuais

homogêneos, prevendo apenas como exigência que tal direito decorra de uma origem comum. Asingeleza do dispositivo, entretanto, limita-se ao aspecto literal, havendo sérias divergências arespeito de seu conteúdo.

Diante do conceito legal, é imprescindível que se determine o alcance da expressão “origemcomum”. Para a melhor doutrina a origem comum pode ser fática ou jurídica (de direito), devendo-seter em conta não ser necessária uma unidade factual e temporal. Excelente exemplo é a hipótese devítimas de uma publicidade enganosa veiculada por vários órgãos de imprensa e em repetidos dias.Apesar da inexistência de identidade factual, os danos gerados aos consumidores enganados pelapropaganda têm origem comum935.

Em termos processuais, a origem comum decorre dos dois elementos que compõem a causa depedir: fato e fundamento jurídico. Havendo um dano a grupo de pessoas em razão de um mesmo fato,ou ainda de fatos assemelhados, pode-se afirmar que os direitos individuais de cada um deles aoressarcimento por seus danos são de origem comum. Da mesma forma, sendo possível que, mesmodiante de fatos distintos, um grupo de sujeitos possa postular por um direito com base em um mesmofundamento jurídico, também se poderá afirmar que seus direitos individuais decorrem de umaorigem comum.

Essa origem comum, entretanto, parece não ser o suficiente para que se tenha um direito individualhomogêneo. Apesar de ser o único requisito previsto pelo dispositivo legal ora analisado, para que areunião de direitos individuais resulte em um direito individual homogêneo é necessário que existaentre eles uma homogeneidade, não sendo suficiente apenas a origem comum. A homogeneidade,portanto, seria o segundo elemento dessa espécie de direito.

Com amparo em realidade já existente nas class actions do direito norte-americano (regra 23 dasFederal Rules de 1966), corrente doutrinária entende que a homogeneidade dependerá daprevalência da dimensão coletiva sobre a individual. Significa que, havendo tal prevalência, osdireitos, além de terem origem comum, serão homogêneos e poderão ser tutelados pelomicrossistema coletivo. Por outro lado, se, apesar de terem uma origem comum, a dimensãoindividual se sobrepor à coletiva, os direitos serão heterogêneos e não poderão ser tratados à luz datutela coletiva.

Nas ações cujo objeto seja o direito individual homogêneo, busca-se uma sentença condenatóriagenérica, que possa aproveitar a todos os titulares do direito, sendo que caberá a cada um delesingressar com uma liquidação de sentença individual para se comprovarem o nexo de causalidade e odano individualmente suportado pelo liquidante. Para a melhor doutrina, a prevalência das questõescoletivas sobre as individuais se mostrará sempre que não houver maior dificuldade de o indivíduoprovar o nexo de causalidade e quantificar seu dano936.

Conforme esse entendimento, quando não for possível de forma simples a determinação do nexocausal do direito individual e daquele que seria reconhecido na sentença coletiva, não haveráinteresse de agir para a ação coletiva, dado que tal ação não será útil nem adequada para resolver acrise jurídica enfrentada pelos indivíduos. Por outro lado, a sentença não será eficaz, porque depouco proveito será aos titulares dos direitos individuais, considerando que a liquidação da sentençanesse caso em tudo se assemelhará a um verdadeiro processo de conhecimento condenatório

individual937.A preocupação demonstrada pela doutrina ao exigir algo mais além da mera origem comum para

caracterizar o direito individual homogêneo se presta essencialmente para diferenciar o direitoindividual homogêneo de um mero litisconsórcio disfarçado. Segundo parcela da doutrina, a açãocoletiva por interesses individuais homogêneos tem como característica uma tese jurídica geral,referente a determinados fatos, que pode aproveitar a muitas pessoas, o que seria diferente deinúmeras pretensões singularizadas938.

O argumento é comum e impressiona, mas entendo que não tenha como prosperar. A origem comumestá presente, em uma maior ou menor intensidade, nas hipóteses de cabimento do litisconsórcio,salvo na hipótese prevista no art. 46, I, do CPC, que trata de um mesmo direito ou obrigação compluralidade de titulares. Tanto que a proteção poderá se dar por tutela coletiva ou por tutelaindividual com a formação do litisconsórcio, respeitando-se o art. 46, parágrafo único, do CPC939.

Justamente em razão desta circunstância, tenho dificuldade de aceitar o tratamento coletivo dequalquer soma de direitos individuais, ainda que de origem comum e homogêneos. Penso que para sejustificar a tutela coletiva deve a violação do direito ter repercussão significativa, atingindo umnúmero razoável de indivíduos, sob pena de se tutelarem coletivamente direitos individuais que nãotenham grande repercussão subjetiva940.

Para justificar o que se alega, basta imaginar dois consumidores que, ao dividirem uma mesmagarrafa de cerveja, tiveram sérias complicações médicas em razão de defeito do produto (líquidoapodrecido). A origem dos direitos ao ressarcimento dos danos é naturalmente comum, bem comonão há como negar a homogeneidade dos direitos, considerando a simples prova do nexo decausalidade entre os direitos individuais e a eventual sentença condenatória genérica. No entanto,seria legítimo que uma associação de defesa dos consumidores ingressasse com uma ação civilpública requerendo a condenação do fornecedor da cerveja pelos danos suportados pelos doisconsumidores lesados? Teria sido esse o objetivo de se tutelarem coletivamente os direitosindividuais homogêneos?

É preciso concordar que no texto legal não existe qualquer espécie de exigência expressa para umnúmero mínimo de lesados, o que tem levado, inclusive, parcela da doutrina a entender que essacircunstância é irrelevante. Entendo, entretanto, que deve existir um número razoável de lesados apermitir a aplicação do microssistema coletivo, única forma de compatibilizar o direito individualhomogêneo e a tutela coletiva. No exemplo da cerveja, caso o problema tivesse afetado um númeromaior de consumidores, em razão de diversas garrafas com defeito de produção, seria adequada atutela coletiva, mas para somente dois consumidores – ou poucos – entendo como único caminhoviável a tutela individual.

No sentido de exigir número razoável de lesados, há interessante lição doutrinária que se vale dedispositivos legais do próprio CDC para fundamentar tal conclusão: (a) o art. 94 prevê a publicaçãode editais, o que só se justifica quando forem desconhecidos ou incertos aqueles a quem se pretendeinformar; (b) o art. 95 prevê sentença condenatória genérica, não identificando os tutelados por ela, oque só se justifica quando um número considerável tenha sido beneficiado; (c) o art. 100 prevê aexecução coletiva por fluid recovery determinando a análise da extensão do dano, o que demonstra anecessidade de um número considerável de sujeitos tutelados941.

O Superior Tribunal de Justiça tem decisões nesse sentido, exigindo para a configuração de direito

individual homogêneo, e consequente utilização da ação coletiva, um número considerável deindivíduos tutelados942.

Cumpre finalmente uma consideração. Diferente dos direitos difusos e coletivos, o direitoindividual homogêneo não é um direito transindividual, visto que seu titular não é a coletividade nemuma comunidade, mas sim os indivíduos. É, na lição da melhor doutrina, a soma de direitosindividuais ligados entre si por uma relação de afinidade, de semelhança, ou de homogeneidade943.

Justamente por não ser transindividual, o objeto do direito individual homogêneo não é indivisível,como ocorre no direito difuso e coletivo, sendo divisível e decomponível entre cada um dosindivíduos. Como não existe a incindibilidade natural dos direitos transindividuais, o direitoindividual homogêneo é apenas a soma de direitos individuais, que fundados em uma tese geralpodem ser tratados conjuntamente como se fossem um só em um processo coletivo.

A doutrina majoritariamente entende pela natureza individual do direito individual homogêneo944,dadas a sua titularidade e divisibilidade, havendo, inclusive, expressões consagradas na doutrina quedemonstram de forma clara essa característica dos direitos individuais homogêneos e a consequentediferença destes com os direitos difusos e coletivos (transindividuais).

José Carlos Barbosa Moreira consagrou a ideia de que os direitos difusos e coletivos são direitosessencialmente coletivos, enquanto os direitos individuais homogêneos são apenas acidentalmentecoletivos945. Teori Albino Zavascki fala em defesa de direitos coletivos para se referir aos direitosdifusos e coletivos, e em defesa coletiva de direitos para se referir a direitos individuaishomogêneos946. As tentativas de defender uma natureza transindividual dos direitos individuaishomogêneos são raras947 e praticamente sem repercussão, não impressionando por vezes a menção atal circunstância em corpo de julgados consideravelmente despreocupados com a melhor técnica.

10.3.5. Direitos individuais indisponíveisConforme exposto anteriormente, apesar de o microssistema coletivo se preocupar com a tutela de

direitos transindividuais e individuais, nesse segundo caso – direitos individuais homogêneos – háuma prevalência da dimensão coletiva sobre a dimensão individual, inclusive sob o aspectosubjetivo, o que exigirá uma quantidade razoável de titulares de direitos individuais de origemcomum a justificar a aplicação das regras procedimentais do microssistema coletivo.

Ocorre, entretanto, que em duas passagens legais que versam sobre o direito coletivo lato sensu, emais precisamente sobre a aplicabilidade do microssistema coletivo, encontra-se a tutela de direitosindividuais puros, que podem até mesmo ter apenas um sujeito como titular. Trata-se do art. 201, V,da Lei 8.069/1990 (ECA) e do art. 74, I, da Lei 10.741/2001 (Estatuto do Idoso), que expressamenteatribuem legitimidade ao Ministério Público na tutela de direitos individuais indisponíveis por meiode instrumentos exclusivos do microssistema coletivo: inquérito civil e ação civil pública.

Conforme já tive oportunidade de afirmar em obra específica sobre o tema948, será objeto de tutelapor meio do microssistema coletivo a espécie de direito que o legislador desejar, sendo eletransindividual ou individual. Nas hipóteses ora analisadas, entretanto, não vejo qualquer sentidológico ou jurídico que legitime a aplicação das especiais e diferenciadas regras do microssistemacoletivo a direitos essencialmente individuais, ainda que indisponíveis e de titularidade de idosos,crianças e adolescentes. Entendo que se trata de ampliação indevida e injustificável, mas não se podedeixar de reconhecer a opção legislativa.

O que não parece correto é tentar explicar a tutela processual coletiva de direito individualindisponível adequando essa espécie de direito ao direito individual homogêneo. Essa indevidaconfusão, notada em julgamentos do Superior Tribunal de Justiça949, é absolutamente indesejávelporque não distingue os elementos objetivos e subjetivos dos direitos materiais. Ser indisponível dizrespeito ao conteúdo do direito, enquanto ser individual homogêneo concerne aos sujeitos que sãoseus titulares, tanto assim que não existe qualquer exigência de que essa segunda espécie de direitoseja indisponível. Há, inclusive, decisões do próprio Superior Tribunal de Justiça que, corretamente,fazem questão de diferenciar direito individual indisponível de direito individual homogêneo950.

Há inúmeras decisões reconhecendo a legitimidade do Ministério Público e o cabimento da açãocivil pública para a tutela de direito indisponível de indivíduo, seja menor951 ou idoso952, nos termosdos arts. 201, V, da Lei 8.069/1990 (ECA) e 74, I, da Lei 10. 741/2001 (Estatuto do Idoso).

O problema é a interpretação extensiva que se vem fazendo de tais dispositivos para admitir aação civil pública em favor de indivíduos, mesmo fora das proteções legais, com fundamento que,apesar de interessante, parece não se sustentar. Alega-se que, indiretamente, a tutela dessesindivíduos estará atendendo a um interesse difuso da coletividade em ver os hipossuficientes e – comainda maior razão – os hipervulneráveis protegidos pela tutela jurisdicional. Dessa forma, apesar dese tratar de direito individual indisponível não previsto em lei como tutelável pelo microssistemacoletivo, o respeito ao pacto coletivo de inclusão social imperativa desses sujeitos atenderia a umdireito difuso, o que justificaria a utilização do microssistema coletivo953.

Não tenho qualquer dúvida de que os hipervulneráveis merecem toda a proteção estatal possível,inclusive a jurisdicional, mas não vejo a necessidade de aplicação do microssistema coletivo nadefesa de seus direitos individuais indisponíveis. Que se admita a excepcional legitimidadeextraordinária do Ministério Público para esse caso, uma vez que essa espécie de legitimidade nãoprecisa de previsão expressa em lei, mas para a propositura de processo individual.

A opção do legislador em incluir direitos individuais indisponíveis de determinados sujeitos(idoso, criança e adolescente) no microssistema coletivo já se mostra incongruente e desnecessária.Ampliar o âmbito dessa tutela contém o mesmo vício, mas, por derivar de interpretação extensiva, éainda mais perigoso, podendo até, no extremo, descaracterizar o microssistema coletivo. Ao menos oSuperior Tribunal de Justiça vem resistindo a aplicar o entendimento ampliativo a sujeitos quepassam longe da hipossuficiência, como no caso de ação civil pública proposta pelo MinistérioPúblico em favor de uma administradora do ramo imobiliário954.

10.4. COMPETÊNCIA

10.4.1. Competência originária dos tribunais superiores

As ações coletivas foram criadas para o primeiro grau de jurisdição, podendo-se até afirmar que,no tocante à ação civil pública, essa seja a regra em termos de competência. Como os pedidos dessasduas espécies de ação coletiva se limitam a evitar a prática de ato ilícito, anular o ato ilícito jápraticado e condenar os réus ao ressarcimento de danos, mesmo quando o polo passivo é compostopor agentes públicos, inclusive autoridades que têm prerrogativa de competência em razão de suafunção para processos cujo objeto seja ilícito penal ou crime de responsabilidade, a competênciaserá do primeiro grau de jurisdição.

O Supremo Tribunal Federal, inclusive, já teve a oportunidade de se declarar incompetente para ojulgamento originário de ação civil pública na qual figurava como réu o Presidente da República955.Trata-se, na realidade, de entendimento antigo daquele tribunal956.

O Supremo Tribunal Federal, entretanto, já teve oportunidade de lembrar que, em situaçõesexcepcionais, terá competência originária para o julgamento da ação popular957, em entendimentotambém aplicável à ação civil pública. São três as hipóteses: (a) as causas e os conflitos entre aUnião e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivasentidades da administração indireta (art. 102, I, f, da CF); (b) a ação em que todos os membros damagistratura sejam direta ou indiretamente interessados; e (c) aquela em que mais da metade dosmembros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados (art.102, I, n, da CF). Recentemente também entende ser de sua competência originária ação civil públicaproposta pelo Ministério Público Federal contra a Itaipu Binacional, nos termos do art. 102, I, “e”,da CF958.

10.4.2. Competência de Justiça EspecializadaPara a determinação da competência da Justiça o aspecto a ser considerado é a matéria discutida

na demanda judicial. Em um primeiro momento, deve-se determinar se a causa é de competência daJustiça Especializada, ou seja, da Justiça Trabalhista (art. 114 da CF), da Justiça Eleitoral (art. 121da CF) e da Justiça Militar (art. 124 da CF).

Na Justiça Militar seu caráter sancionatório-penal não admite a existência de ações coletivas.A Justiça do Trabalho é fértil para ações coletivas, inclusive o dissídio coletivo, que, apesar de

inegavelmente tratar-se de espécie de ação coletiva, não é abordado na presente obra em razão dalimitação de seu objeto às ações coletivas da Justiça Comum. Em virtude do objeto tutelável pelaação popular, entendo não haver competência da Justiça do Trabalho para essa espécie de açãocoletiva, o mesmo não podendo se afirmar relativamente à ação civil pública, tranquilamenteadmitida na Justiça Trabalhista. Exemplo clássico são as ações civis públicas que têm como objeto omeio ambiente do trabalho959. Apesar de não tratar especificamente de ações coletivas, oentendimento é amparado no enunciado da Súmula 736 do Supremo Tribunal Federal.

No tocante à ação de improbidade administrativa, há doutrina que entende ser extremamente difícila competência das Justiças Especializadas para o julgamento dessa espécie de ação960, enquantooutros afirmam ser ela inadmissível961. O Tribunal Superior do Trabalho vem sistematicamenterecusando-se a julgar ações cujos atos são tipificados na Lei 8.429/1992, sustentando sua naturezaadministrativa, o que afasta a atuação da justiça especializada962.

Na Justiça Eleitoral há interessante previsão no art. 105-A da Lei 9.504/1997 (com redação dadapela Lei 12.034/2009), no sentido de que, em matéria eleitoral, não são aplicáveis os procedimentosprevistos na Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, o que parece ser suficiente para excluir a ação civilpública dessa Justiça especializada. Também não visualizo o cabimento de ação popular ou da açãode improbidade administrativa em razão do objeto tutelável por tais ações.

10.4.3. Competência da Justiça ComumNão sendo caso de competência de algumas das Justiças Especializadas, a competência será da

Justiça Comum, que contém a Justiça Federal (art. 109 da CF) e a Justiça Estadual (competência

residual). A competência da Justiça Federal é determinada em razão da pessoa ou da matéria, sendosempre absoluta. As hipóteses de competência em razão da pessoa estão consagradas nos incisos I, IIe VIII do art. 109 da CF, enquanto as hipóteses de competência em virtude das matérias estãoprevistas nos incisos III, V-A, X e XI do mesmo dispositivo constitucional.

Entendo não haver qualquer especialidade quanto à competência da Justiça Federal e,residualmente, da Justiça Estadual para o julgamento do processo coletivo. Da mesma forma quedeterminadas matérias e algumas pessoas indicadas no art. 109 da CF tornam a Justiça Federalcompetente para a ação individual, ocorrerá com a ação coletiva.

A Lei 7.347/1985 não tem qualquer previsão específica no sentido de determinar a competência daJustiça para as ações coletivas, limitando-se a tratar da competência do foro. Na realidade, mesmoque quisesse, o legislador infraconstitucional não poderia ter legislado sobre a competência daJustiça, matéria tratada exclusivamente pela Constituição Federal. A omissão, entretanto, não causaqualquer percalço, bastando aplicar as regras já mencionadas do art. 109 da CF.

Não concordo com o entendimento de que, somente pelo fato de a pessoa jurídica lesada pelo atoilícito impugnado ser uma daquelas constantes do art. 109, I, da CF, a competência já seria da JustiçaFederal963. Conforme o dispositivo constitucional, exige-se a presença desses sujeitos na demandajudicial, de modo que um mero interesse econômico e/ou político, mantendo-se a pessoa jurídica dedireito público fora da relação jurídica processual, não parece ser o suficiente para a determinaçãoda competência da Justiça Federal.

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, entretanto, a competência da Justiça Federal para ojulgamento de ações coletivas, além das hipóteses previstas pelo art. 109 da CF, também incluiráprocessos que envolvam interesses nitidamente federais em razão da natureza dos bens e dos valoresjurídicos que visa tutelar964.

Interessante questão se coloca na hipótese de verba repassada pela União para outros entesfederativos. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, uma vez incorporada a verbaadvinda de convênios firmados com a União ao patrimônio municipal ou estadual, a competênciapara apreciação e julgamento do feito é da Justiça Estadual, pois a União perde interesse no controleda destinação e uso da verba pública965. O entendimento, inclusive, está sumulado quanto ao repasseao Município966. Registre-se apenas o entendimento consagrado na Súmula 208/STJ, que prevê acompetência da Justiça Federal para processar e julgar prefeito municipal por desvio de verbasujeita a prestação de contas perante órgão federal.

A mera presença do Ministério Público Federal na ação civil pública também gera competênciaabsoluta da Justiça Federal, considerando que, por não ter personalidade jurídica, o MinistérioPúblico Federal deve ser considerado como órgão da União e, como tal, estaria incluído no termo“União” expressamente previsto pelo art. 109, I, da CF967.

10.4.4. Competência do foro

10.4.4.1. Regra de competência absoluta: funcional ou territorial?Parece não haver dúvida na doutrina e na jurisprudência a respeito da natureza absoluta da

competência no âmbito da tutela coletiva. É natural que a competência da Justiça e do juízo no casoconcreto seja sempre de natureza absoluta, mas o traço distintivo na tutela coletiva é que a

competência do foro também é absoluta, diferente do que ocorre, ao menos como regra, na tutelaindividual.

A competência do foro no âmbito do núcleo duro do microssistema coletivo é regulada pelos arts.2º da LACP e 93 do CDC. No art. 93 do CDC não há qualquer previsão a respeito da natureza dacompetência lá determinada, mas no art. 2º da LACP há previsão expressa da competência funcionaldo local do dano, o que demonstra de forma indiscutível a natureza absoluta da competência aliprevista.

Uma vez previsto expressamente no art. 2º da LACP que a competência do foro para as demandascoletivas é funcional, pode-se afirmar que a natureza dessa competência estaria resolvida pordeterminação legal. Ocorre, entretanto, que a simples previsão de uma espécie de competência não ésuficiente para determinar sua natureza968, de forma que continua a existir a dúvida a respeito de ser aregra de competência do foro do local do dano de natureza funcional ou territorial, ainda que, nessesegundo caso, excepcionalmente absoluta.

A origem da questão remonta à criação de Chiovenda de uma espécie de competência funcionalresultante da maior facilidade e eficácia no exercício da função jurisdicional em um determinadoterritório969. O problema gerado por tal construção é deixar transparecer a ideia – amplamentedominante na doutrina nacional – de que a fixação de competência em um determinado territóriopossa ter caráter funcional, o que não se coaduna com o conceito clássico de competência funcional.Se a competência é de foro (circunscrição territorial), só pode ser territorial.

O debate a respeito da espécie de competência do local para o julgamento das ações coletivas,entretanto, é meramente acadêmico. Há os que entendem se tratar de competência funcional970, nostermos das lições de Chiovenda; há os que entendem se tratar de competência territorial971,posicionamento que considero o mais adequado; e até aqueles que defendem uma espécie híbrida decompetência, reunindo a funcional e a territorial972. No que mais importa, entretanto, todosconcordam: trata-se de competência absoluta de um determinado foro para julgar a ação coletiva.

10.4.4.2. Local do danoO art. 2º da LACP prevê que a competência para a ação coletiva é do local do dano, enquanto o

art. 93 do CDC, em seu inciso I, repete a mesma regra para dano de âmbito local e ainda considera aação coletiva preventiva ao prever a competência do local onde deva ocorrer o dano. É verdade quemelhor teria sido prever o local onde deva ser praticado o ato ilícito, já que a tutela preventiva nãodepende de potencial dano, bastando para sua concessão a iminência da prática de um ato contrárioao Direito. De qualquer forma, a norma deve ser elogiada por se lembrar da tutela coletivapreventiva. Em seu inciso II, o art. 93 do CDC prevê a competência do foro da Capital do Estado ouno do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras doCódigo de Processo Civil nos casos de competência concorrente.

Não há razões para elogiar o art. 93 do CDC, salvo pela lembrança da tutela coletiva preventiva.Embora criticável o dispositivo, o Superior Tribunal de Justiça corretamente entende que suaaplicação não está limitada aos direitos individuais homogêneos, tampouco à seara consumerista,tratando-se de norma aplicável em todas as ações civis públicas973.

Entendo que há dois graves problemas gerados por esse dispositivo legal, não havendo qualquercontribuição de suas regras para a necessária segurança jurídica ou mesmo qualidade da prestação

jurisdicional.A primeira crítica dirigida ao dispositivo legal diz respeito a sua total despreocupação em

conceituar as diferentes abrangências de dano que menciona (local, regional e nacional). Nem mesmoparâmetros que poderiam ajudar na análise do caso concreto são fornecidos pelo referidodispositivo. Naturalmente que deixando a missão de conceituação de tais abrangênciasexclusivamente à jurisprudência e à doutrina, o resultado seria – como de fato o é – a insegurançajurídica. De qualquer forma, tenta-se explicar o que significa dano local, regional e nacional.

A análise se inicia pelo que deve ser entendido como dano de âmbito local. Parece que nesse casoo dano não terá repercussão muito ampla, estando limitado a produtos ou serviços que atingirão tãosomente pessoas domiciliadas em pequena área territorial, sendo a característica principal a pequenaextensão geográfica do dano. Nesse caso, o art. 93, I, do CDC indica o foro do lugar comocompetente, e assim o deverá ser. No caso de o dano atingir mais de uma comarca, a competênciaentre elas se resolverá pelo fenômeno da prevenção, ainda que as comarcas pertençam a diferentesEstados. O mesmo ocorrerá com diferentes seções judiciárias, mesmo que de regiões distintas. Osdanos de maior repercussão poderão ser regionais, quando atingirem pessoas espalhadas por umaárea mais extensa, abrangendo uma área que possa ser considerada uma região, ou nacionais, quandoatingirem pessoas em diferentes áreas, sendo gerado praticamente em todo o território nacional.

Como se pode notar, não é fácil a distinção entre dano local, regional e nacional, ainda que adistinção entre dano regional e nacional seja inócua para a definição da competência. A dificuldadepode ser sentida nas lições de autorizada especialista no tema, segundo quem o dano local é maisrestrito, atingindo pessoas residentes “num determinado local”, enquanto será regional ou nacional oproduto ou serviço que gerar danos mais amplos, de modo a atingir “pessoas espalhadas por umainteira região ou por todo território nacional”974.

Para o Superior Tribunal de Justiça, é regional o dano mesmo quando atinge a sujeitosdomiciliados dentro de um mesmo Estado da Federação, desde que espalhados em vários locaisdiferentes975, e nacional, o que interessa a três Estados da Federação976, dando a entender que o danolocal é reservado a uma comarca ou ainda a um pequeno grupo de comarcas dentro do mesmoEstado, levando em conta que há decisão que considera como dano regional aquele que atinge oitocomarcas, mas de diferentes Estados da Federação. Para os casos de dano regional ou nacional, oart. 93, II, do CDC apontou como competente o foro da Capital do Estado (no caso de dano regional,naturalmente de um dos Estados envolvidos) ou do Distrito Federal. Haverá nesse caso umacompetência concorrente entre tais foros, sendo a competência fixada concretamente por meio dofenômeno da prevenção. Registre-se a existência de doutrina que entende que, no caso de danonacional, o único foro competente deveria ser o do Distrito Federal977, em entendimento afastadopelo Superior Tribunal de Justiça978, que corretamente entende pela existência de foros concorrentes,exatamente como aponta a doutrina amplamente majoritária979.

Importa notar a existência de doutrina980 no sentido de que a competência em caso de danonacional não deve ser livremente estabelecida entre as comarcas da capital dos Estados envolvidos edo Distrito Federal, cabendo uma análise no caso concreto a respeito de qual local seria o maisadequado a receber as demandas coletivas. Em interessante julgamento que definiu a competência deação de improbidade administrativa, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, mesmo havendoatos de improbidade em três Estados da Federação, a competência seria da capital do Estado no qual

a maioria dos atos foi praticada e onde todos os réus eram domiciliados981. Trata-se do princípio dacompetência adequada, analisado no item 5.11.

A segunda crítica que deve ser feita ao art. 93 diz respeito à regra criada pelo seu inciso II,porque, a depender da situação concreta e/ou a vontade do autor, a ação coletiva terá comocompetente um foro no qual o dano discutido não foi gerado e em algumas situações bem distante dolocal onde ocorreu. Entendo que nesse caso a regra viola a própria razão de ser da competênciaabsoluta das ações coletivas, porque, se a justificativa para impor a competência de um foro é aproximidade com as provas, pessoas e facilitação do exercício jurisdicional, como justificar umaregra que permite a competência de um foro em que nenhuma dessas vantagens existirá?

Basta imaginar um dano suportado por consumidores do Sul brasileiro, espalhados por inúmerascomarcas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, inclusive as capitais de tais Estados.Pouco importa se tal dano é local ou nacional porque a regra aplicável será a mesma: competênciacorrente dos foros da Capital e do Distrito Federal. Caso o autor escolha qualquer uma das trêscapitais dos Estados afetados, não haverá violação a regra prevista no art. 2º da LACP, porque aação terá como competente um foro no qual ocorreu o dano. E se a opção for o Distrito Federal?

Será ainda mais dramática a hipótese de dano que atinja comarcas de Estados diferentes sem,entretanto, afetar suas capitais. Nesse caso, independentemente da escolha do autor – entre ascapitais dos Estados atingidos ou Distrito Federal – a ação coletiva será proposta e seguirá em foroonde não ocorreu o dano discutido na demanda.

Não é preciso muito esforço para notar que nem todos os foros considerados como competentespelo art. 93, II, do CDC, nas ações coletivas que versam sobre dano regional ou nacional, serãoafetados por tal dano, de forma que a aplicação do dispositivo legal no caso concreto poderásignificar o desrespeito à regra consagrada no art. 2º da LACP que prevê como competente absoluto(funcional) o foro do local do dano.

10.4.4.3. ECA e Estatuto do IdosoO art. 209 do ECA prevê como competente para as ações coletivas que tenham como fundamento

os direitos por ele tutelados o foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissãoimpugnada na demanda. Conforme lembra a melhor doutrina, a regra é diferente daquela prevista noart. 2º da LACP, e sobre ela deve prevalecer, mas nem por isso deixa de ser norma de competênciaabsoluta982.

Prevê o art. 80 da Lei 10.741/2003 que as ações dispostas no Capítulo que trata da tutela coletivaem favor dos idosos serão propostas no foro do domicílio do idoso, cujo juízo terá competênciaabsoluta para processar a causa, ressalvadas as competências da Justiça Federal e a competênciaoriginária dos Tribunais Superiores. Mais uma vez há regra diversa daquela indicada no núcleo durodo microssistema coletivo, mantendo-se, entretanto, sua natureza absoluta.

Nesse caso, no entanto, autorizada doutrina entende que, mesmo havendo dispositivo específico noEstatuto do Idoso, deve prevalecer a regra constante do núcleo duro do microssistema, levando-seem conta o dano, e não o domicílio dos idosos983. Afirma-se corretamente que, se as justificativaspara a criação de uma regra de competência absoluta são a facilitação e a eficácia da tutelajurisdicional, de pouca valia será o local do domicílio dos idosos, sendo muito mais interessante aoatendimento dessas justificativas considerar o local do dano como competente.

10.4.5. Competência de juízoUma vez determinada a competência do foro, ter-se-á chegado à última etapa para a determinação

da competência no caso concreto. É possível que existam no foro varas especializadas em razão damatéria ou da pessoa, sendo em ambos os casos hipótese de competência absoluta. Sempre queestiverem fixadas em norma de organização judiciária, determinarão a competência do juízo, eminteresse geral da administração da Justiça.

As normas de organização judiciária criam varas especializadas, que concentram todas asdemandas pertencentes a um determinado foro – geralmente da Capital ou de cidade de grande porte–, tomando-se por base matéria específica ou em razão da presença no processo de um determinadosujeito. O objetivo é bastante claro: especializar os servidores da justiça, inclusive e principalmenteo juiz, o que teoricamente ensejará uma prestação jurisdicional de melhor qualidade. Vivemos,afinal, em tempos de especialização.

Registre-se que, por se tratar da fixação de competência de juízo, somente após a fixação dacompetência do foro terá alguma relevância a existência ou não de vara especializada em razão damatéria. A vara especializada em razão da matéria ou da pessoa não modifica regra de competênciade foro, só passando a ter importância após tal determinação.

10.5. LEGITIMIDADE

10.5.1. Espécies de legitimidade

Conforme tradicional lição doutrinária, a legitimidade para agir (legitimatio ad causam) é apertinência subjetiva da demanda ou, em outras palavras, é a situação prevista em lei que permite aum determinado sujeito propor a demanda judicial e a um determinado sujeito formar o polo passivodessa demanda984. Tradicionalmente afirma-se que serão legitimados ao processo os sujeitosdescritos como titulares da relação jurídica de direito material deduzida pelo demandante985, masessa definição só tem serventia para a legitimação ordinária, sendo inadequada para a conceituaçãoda legitimação extraordinária.

Na tutela individual a regra geral em termos de legitimidade é consagrada no art. 6º do CPC, aoprever que somente o titular do alegado direito pode pleitear em nome próprio seu próprio interesse,consagrando a legitimação ordinária, com a ressalva de que o dispositivo legal somente se refere àlegitimação ativa, mas é também aplicável à legitimação passiva. A regra do sistema processual, aomenos no âmbito da tutela individual, é a legitimação ordinária, com o sujeito em nome própriodefendendo interesse próprio.

Excepcionalmente admite-se que alguém em nome próprio litigue em defesa do interesse deterceiro, hipótese em que haverá uma legitimação extraordinária. Apesar de o art. 6º do CPC preverque a legitimação depende de autorização expressa da lei, a melhor doutrina entende que, além daprevisão legal, também se admite a legitimação extraordinária quando decorrer logicamente dosistema986, como acontece com a legitimação recursal do advogado em apelar do capítulo da sentençaque versa sobre seus honorários advocatícios.

Existe certo dissenso doutrinário a respeito da legitimação extraordinária e da substituiçãoprocessual. Enquanto parcela da doutrina defende tratar-se do mesmo fenômeno, sendo substituto

processual o sujeito que recebeu pela lei a legitimidade extraordinária de defender interesse alheioem nome próprio987, outra parcela da doutrina entende que a substituição processual é uma espécie delegitimação processual988. Há aqueles que associam a substituição processual à excepcional hipótesede o substituído não ter legitimidade para defender seu direito em juízo, sendo tal legitimaçãoexclusiva do substituído989. Para outros, a substituição processual só ocorre quando o legitimadoextraordinário atua no processo sem que o legitimado ordinário atue com ele990.

As explicações não convencem, sendo amplamente superior a corrente doutrinária que entendetratar-se a substituição processual e a legitimação extraordinária do mesmo fenômeno. Além disso,no âmbito da tutela coletiva parece não haver qualquer empecilho para a utilização do termosubstituição processual, ao menos para aqueles que consideram haver no polo ativo uma legitimaçãoextraordinária. Para tanto, basta lembrar que o titular do direito difuso, coletivo e individualhomogêneo não é legitimado, ao menos por meio de ação coletiva, a defesa do direito em juízo.Portanto, mesmo para a corrente doutrinária que diferencia a legitimação extraordinária dasubstituição processual, na tutela coletiva não restará dúvida de que os legitimados são substitutosprocessuais e os titulares do direito, substituídos.

Existe corrente doutrinária que entende ser adequado restringir a legitimação extraordinária àtutela individual, afirmando que por meio dessa espécie de legitimação se defende em juízo umdireito subjetivo singular de titularidade de pessoa determinada. Sendo o direito difuso, detitularidade da coletividade (sujeitos indeterminados e indetermináveis) ou coletivo, de titularidadede uma comunidade – classe, grupo ou categoria de pessoas (sujeitos indeterminados, masdetermináveis) –, seria inaplicável a eles a legitimação extraordinária.

Sob forte influência dos estudos alemães a respeito do tema, defendem que a legitimação ativa nasações que têm como objeto direito difuso ou coletivo é uma terceira espécie, chamada delegitimidade autônoma para a condução do processo. Trata-se, segundo essa corrente doutrinária, delegitimação diversa da extraordinária porque não se podem identificar os titulares do direito e naqual a lei elege determinados sujeitos para defenderem o direito daqueles que não poderão fazê-loindividualmente991.

No tocante à tutela jurisdicional coletiva do direito individual homogêneo, a maior parte dacorrente doutrinária que defende a existência dessa terceira espécie de legitimidade acredita seraplicável a legitimação extraordinária para explicar a legitimidade dos autores coletivos992. Sendo aindeterminação dos titulares e a impossibilidade de tutelá-los individualmente a justificativa deadoção da legitimação autônoma para a condução do processo, é uma consequência natural aexclusão dessa espécie de legitimação nas ações coletivas que buscam a tutela de direito individualhomogêneo.

Nunca fui totalmente convencido da necessidade da adoção pelo sistema processual brasileirodessa terceira forma de legitimação, tendo a impressão de que limitar a legitimação extraordinária adireitos individuais é apenas não admitir sua adaptação à defesa dos direitos transindividuais. Énatural que a legitimação extraordinária tenha surgido para a tutela de direitos individuais, mas essaorigem não a impede de atualmente também ser aplicável aos direitos transindividuais. Há doutrinanesse sentido, defendendo ser extraordinária a legitimação ativa nas ações coletivas993.

Seja como for, trata-se de questão meramente acadêmica, sem relevantes consequências práticas.O que mais importa, e isso é indiscutível, independentemente da teoria adotada, é que os legitimados

coletivos não são titulares do direito que defenderão em juízo, e tais titulares não têm legitimidadeativa para defender seus direitos.

10.5.2. Legitimados ativos

10.5.2.1. Ministério PúblicoO estudo da legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento das ações civis públicas é de

extrema importância para a tutela coletiva, considerando-se que, mesmo sem dados estatísticosconfiáveis, é praticamente unânime a opinião doutrinária de que o Ministério Público é o legitimadomais atuante, responsável pela propositura da maioria das ações coletivas994.

A legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de ações civis públicas estáexpressamente consagrada nos arts. 5º, I, da Lei 7.347/1985 (LACP) e 82, I, da Lei 8.078/1990(CDC). Esses dispositivos, entretanto, não exaurem o tema, devendo ser interpretados à luz dasfunções institucionais constitucionalmente atribuídas ao Ministério Público por meio do art. 129 daCF.

Segundo o art. 129, III, da CF, é função institucional do Ministério Público promover o inquéritocivil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e deoutros interesses difusos e coletivos. A expressa previsão constitucional de tutela dos direitosdifusos e coletivos permite a conclusão de que, para a defesa desses direitos em juízo, o MinistérioPúblico não tem qualquer limitação em sua atuação. Qualquer direito dessa espécie que seja tutelávelpor meio de ação coletiva poderá ser protegido no caso concreto pelo Ministério Público, não seaplicando a esse legitimado ativo a regra da “pertinência temática”995. O texto constitucional ésuficientemente claro ao se valer do termo “outros” para designar todo e qualquer direito coletivo oudifuso.

Na realidade, o tema é totalmente pacificado no tocante à defesa dos direitos difusos, em razão daindeterminabilidade dos sujeitos que serão beneficiados com a tutela jurisdicional. Não se podedizer o mesmo no tocante aos direitos coletivos, cujos titulares (grupo, classe ou categoria depessoas) são formados por sujeitos indeterminados, mas determináveis. Nesse caso, segundo parcelada doutrina, caberá ao Ministério Público, dentro de suas tradicionais limitações institucionais noprocesso civil, somente a propositura de ações coletivas que de alguma forma estejam amparadas eminteresse social996, havendo entendimento, inclusive, que assemelha a legitimidade nesse caso àquelaexistente na tutela dos direitos individuais homogêneos997.

Pessoalmente, não entendo viável a limitação da legitimidade ativa do Ministério Público na tutelados direitos coletivos em razão do texto constitucional. É inegável que, ao prever expressamenteentre as atribuições funcionais do Ministério Público a propositura de ações na tutela de direitosdifusos e coletivos, o legislador constituinte afasta a possibilidade de qualquer interpretaçãolimitativa.

Um pouco mais polêmica é a legitimidade do Ministério Público na defesa dos direitos individuaishomogêneos, até porque não existe no art. 129 da CF uma expressa previsão que trate dessalegitimidade, como ocorre com os direitos difusos e coletivos. A simples exclusão de legitimidadedo Ministério Público pela ausência dos direitos individuais homogêneos do art. 129, III, da CFdesconsidera que o rol previsto em tal dispositivo legal é meramente exemplificativo, como fica

claro da previsão contida no inciso IX do mencionado dispositivo, ao considerar função institucionaldo Ministério Público o exercício de outras funções não previstas expressamente no dispositivo,desde que compatíveis com sua finalidade. Ademais, não custa lembrar que a defesa dos direitosindividuais homogêneos por meio de ação coletiva só foi consagrada em nosso ordenamento jurídicono Código de Defesa do Consumidor, do ano de 1990, e nossa Constituição Federal data de doisanos antes (1988)998.

A questão, portanto, não é definir se existe ou não a legitimação do Ministério Público na defesade direitos individuais homogêneos em razão de previsão constitucional, mas de definir em quaislimites se admitirá essa legitimidade tomando-se por conta a necessidade de adequá-la às finalidadesinstitucionais do Ministério Público. Mais uma vez entendo que a virtude não está nas soluçõesextremistas. Sendo incorreta a tese que defende a ilegitimidade nesse caso, tampouco se deve admitircomo correta a tese que advoga a legitimidade ampla e irrestrita, qualquer que seja a espécie dedireito individual homogêneo.

Não obstante decisões do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido999, a meu ver não é razoável oentendimento de que, somente por se tratar de uma ação civil pública, todo e qualquer direitoindividual homogêneo veiculado já tenha relevância social suficiente a permitir a propositura daação pelo Ministério Público. Apesar da opção do legislador por tratar processualmente de formacoletiva alguns direitos materiais essencialmente individuais, é desconsiderar a realidade equiparartodas as diferentes espécies de direitos individuais homogêneos reputando-os como detentores derepercussão social.

Nem mesmo o fundamento processual de que a ação coletiva em qualquer hipótese gera economiaprocessual e harmonização de julgados, valores nitidamente associados com o interesse social damelhor qualidade da prestação jurisdicional1000, são suficientes para convencer do acerto da tese. Seassim o fosse, todo litisconsórcio seria necessário, bem como as intervenções de terceiro seriamobrigatórias, dado que, apesar de em extensão significativamente menor, nesses casos também seobtêm economia processual macroscópica e harmonização dos julgados.

Concordo com a doutrina que defende a natureza de interesse social dos direitos difusos ecoletivos em razão de sua transindividualidade e indivisibilidade, o que já é suficiente para que tododireito dessas espécies seja considerado indisponível1001. Dessa maneira, o art. 129, III, da CF, coma previsão de ampla legitimidade do Ministério Público na defesa de qualquer direito difuso oucoletivo, é plenamente compatível com o art. 127, caput, da CF, atendendo plenamente a funçãoinstitucional prevista constitucionalmente. Reforço, portanto, a ideia de que nos direitos difusos ecoletivos não existe “pertinência temática”, sendo irrelevantes as circunstâncias do caso concreto,entendimento compartilhado pela jurisprudência dos tribunais superiores1002.

Segundo entendimento doutrinário1003 e jurisprudencial1004 amplamente majoritário, a legitimidadedo parquet na defesa de direito individual homogêneo depende de duas circunstâncias alternativas:(a) direito indisponível; (b) direito disponível que, por sua importância e/ou extensão, tenharepercussão social. Registre-se a existência de corrente doutrinária minoritária que defende alegitimidade somente na hipótese de direito individual homogêneo indisponível, nos termos do art.127, caput, da CF1005. Se alguma dificuldade prática existe na distinção entre direito disponível edireito indisponível, tais dificuldades se potencializam na aferição concreta da relevância socialexigida na hipótese de direito individual homogêneo disponível. De qualquer forma, é corrente a

lição doutrinária de que a relevância social pode se manifestar pela natureza do dano (p. ex., saúde,segurança, ambiental); pelo número significativo de lesados; pelo interesse social no funcionamentode um sistema econômico, social ou jurídico (p. ex., questões referentes aos servidores públicos,poupadores, segurados)1006.

10.5.2.2. AssociaçãoA legitimidade ativa da associação está consagrada no art. 5º, V, da Lei 7.347/1985 e no art. 82,

IV, da Lei 8.078/1990, sendo entendimento corrente na doutrina e jurisprudência a legitimação dasassociações para todas as espécies de direitos tutelados no microssistema coletivo. Dessa forma,poderá propor ações civis públicas na defesa de direitos difusos, coletivos e individuaishomogêneos, ainda que seja mais comum sua atuação nos dois últimos casos.

Existem três requisitos cumulativos exigidos pelos art. 5º, V, a e b, da Lei 7.347/1985 e art. 82,IV, da Lei 8.078/1990: (a) constituição nos termos da lei civil; (b) existência jurídica há pelo menosum ano; (c) pertinência temática.

Os dois primeiros requisitos são tratados como se fossem um só, quando na realidade sãorequisitos diferentes, mas a existência de um depende inexoravelmente do preenchimento do outro.Significa que antes de tudo a associação deve ser devidamente registrada perante o órgãoresponsável (Registro Civil de Pessoas Jurídicas, nos termos do art. 45 do CC e arts. 114 e 119 daLRP), de forma que uma associação sem o devido registro cartorial não poderá jamais propor açãocoletiva. Conforme ensina a melhor doutrina, a exigência legal tem como objetivo evitar aconstituição oportunista de associações com o propósito exclusivo de propor ações civispúblicas1007.

O prazo de pelo menos um ano exigido da constituição da associação para permitir seu ingressocom ação civil pública é contado dessa constituição jurídica, perfeita e acabada. Registre-se aacertada opinião doutrinária no sentido de que, excepcionalmente, essa condição da ação passe aexistir durante o processo, não havendo sentido na extinção do processo, por carência da ação, se nomomento de análise das condições da ação já tiver transcorrido um ano da constituição daassociação, condição que não estava preenchida no momento da propositura da demanda. Seja emaplicação do art. 462 do CPC1008, seja em respeito aos princípios da economia processual eefetividade da jurisdição, como já reconheceu o Superior Tribunal de Justiça1009, essa excepcionalforma de legitimação superveniente deve realmente ser admitida.

A exigência de existência jurídica há pelo menos um ano, entretanto, pode ser excepcionada, nostermos do art. 82, § 1º, do CDC1010. Aparentemente são dois requisitos alternativos que justificam alegitimidade ativa de associação com menos de um ano de existência jurídica.

O primeiro requisito é o manifesto interesse social que envolva a causa, que seria evidenciado,segundo o dispositivo legal ora comentado, pela dimensão ou característica do dano. Provavelmentepor considerar que toda e qualquer ação coletiva contém um manifesto interesse social, o legisladorachou por bem qualificar tal circunstância, valendo-se, para tanto, de conceitos jurídicos abertos eindeterminados. O que efetivamente se deve compreender por dimensão e características do dano?

Tudo faz crer que o legislador tenha levado em consideração o aspecto subjetivo e objetivo dodano suportado para justificar a exceção à regra legal ora analisada.

A dimensão do dano, portanto, diz respeito ao número de sujeitos que o suportam, e o legislador

deu a entender que danos coletivos de menor extensão, porque limitados a pequeno grupo de pessoase/ou a poucos indivíduos, não justificariam a exceção ora analisada. Por esse raciocínio, todo direitodifuso justificaria a aplicação do art. 82, § 1º, do CDC, considerando sua titularidade pelacoletividade. A análise restaria limitada aos direitos coletivos e individuais homogêneos.

A característica do dano como requisito legitimador da exclusão da exigência legal ora analisadadiz respeito ao aspecto objetivo do dano, parecendo o legislador ter criado uma gradação de danos,de forma que apenas naqueles mais sérios as associações poderiam litigar mesmo antes de existiremjuridicamente por um ano. Novamente nas hipóteses de direitos difusos, dada à indisponibilidade dodireito, será difícil criar qualquer tipo de gradação de dano. O que é pior, a poluição de um rio(violação do meio ambiente) ou a destruição de um prédio do século XVIII (patrimônio histórico ecultural)? Somente nos direitos coletivos e individuais homogêneos seria possível estabelecer umagradação de relevância, ainda assim com alguma dificuldade.

O segundo requisito previsto pelo art. 82, § 1º, do CDC é a relevância do bem jurídico a serprotegido, e serve para demandas que não versam sobre dano. Ainda que sem a natureza reparatóriaprópria do primeiro requisito, o legislador, ao indicar a relevância do bem jurídico a ser tutelado,cria uma gradação de relevância entre os bens da vida que podem ser tutelados por meio da açãocoletiva, permitindo a legitimidade de associação com menos de um ano de existência jurídicasomente naqueles de maior importância e/ou relevância social. Novamente, e pelas mesmas razões jáexpostas, o requisito deve ficar limitado aos direitos coletivos e individuais homogêneos.

Registre-se, por fim, parcela doutrinária que defende a inaplicabilidade do art. 82, § 1º, do CDCao mandado de segurança coletivo, considerando que a previsão de legitimidade ativa nesse caso éconstitucional, não podendo ser excepcionada por norma infraconstitucional1011. Discordo com opensamento, por entender que a legitimidade, nesse caso, não estará sendo excepcionada oudiminuída, pelo contrário, estar-se-á ampliando a gama de legitimados ativos.

O terceiro requisito exigido para a legitimidade ativa das associações é a chamada “pertinênciatemática”, significando que deve existir uma vinculação entre as finalidades institucionais daassociação, consagradas em seu estatuto social, e a espécie de bem jurídico tutelado em sede de açãocivil pública.

Segundo a melhor doutrina, o estatuto da associação não precisa de um grau de especialidade quelimite demasiadamente a sua atuação como autora de ações coletivas, de modo que uma previsãogenérica, desde que relacionada, ainda que de maneira indireta, com o objeto da demanda, já ésuficiente. O que não se admite, por exemplo, é que uma associação, voltada à defesa do consumidor,queira discutir em juízo a violação ao patrimônio cultural, ou uma associação, voltada à defesa domeio ambiente, queira defender em juízo um direito difuso à saúde pública.

O Superior Tribunal de Justiça, interpretando devidamente o que atualmente se entende por “meioambiente”, já admitiu que associação de moradores, cujo estatuto a legitimava a zelar pela qualidadeda vida no bairro, ingressasse com ação civil pública para a preservação de importante conjuntoarquitetônico presente no bairro. O julgamento lembrou que o art. 225 da CF expressamente vincula omeio ambiente à sadia qualidade de vida e que o art. 3º, III, a e d, da Lei 6.938/1981, que dispõe serpoluição qualquer degradação ambiental oriunda de atividades que, direta ou indiretamente,prejudiquem a saúde e o bem-estar da população ou atinjam as condições estéticas do meioambiente1012.

Aparentemente, o requisito da pertinência temática foi o mais próximo que o legislador brasileirochegou da chamada “representação adequada”, analisada no próximo tópico. Presume que, ao ter emseus estatutos a expressa previsão – ainda que genérica – da defesa do direito coletivo lato sensu, aassociação será o representante adequado para sua defesa em juízo em uma ação coletiva.

10.5.2.3. Pessoas jurídicas da administração públicaA legitimidade ativa para as ações coletivas da União, Estados, Municípios e do Distrito Federal

está prevista nos arts. 5º, III, da Lei 7.347/1985 (LACP) e 82, II, da Lei 8.078/1990 (CDC), enquantonos arts. 5º, IV, da Lei 7.347/1985 (LACP) e 82, III, da Lei 8.078/1990 (CDC) encontra-se alegitimidade ativa das empresas públicas, autarquias, fundações e sociedades de economia mista. Osdispositivos legais, portanto, versam sobre a legitimidade ativa das pessoas jurídicas que compõema administração pública, tanto da administração direta como da indireta.

Era de se esperar que essas pessoas jurídicas fossem frequentes propositoras de ações civispúblicas, pois em uma sociedade séria supõe-se que o Estado tenha todo o interesse no respeito aosdireitos transindividuais. A realidade, entretanto, não é bem essa, notando-se a presença dessessujeitos com muito maior frequência no polo passivo da demanda judicial, acusados de violação dedireitos que teoricamente deveriam ser os maiores interessados em preservar1013. De qualquer forma,sempre que pretenderem modificar esse paradoxo, terão legitimidade ativa garantida por lei.

No tocante às pessoas jurídicas de direito público da administração direta, existe interessantedebate doutrinário a respeito da exigência da pertinência temática, sendo necessário delimitar deforma correta a discussão a respeito do tema.

Para parcela da doutrina esses sujeitos têm legitimidade ativa para defender direitos quando suaproteção se revela socialmente útil e necessária, sendo dispensável a análise concreta entre avinculação dos interesses próprios da pessoa jurídica de direito público e o direito defendido emjuízo1014. A doutrina majoritária, entretanto, entende pela aplicação do requisito da pertinênciatemática para as pessoas jurídicas de direito público, ainda que da administração direta, exigindouma ligação entre o interesse defendido em juízo e os limites territoriais de sua atuação ou suasfinalidades institucionais1015.

É interessante observar que grande parte da doutrina que afirma existir a exigência de pertinênciatemática para os sujeitos ora analisados fundamenta seu entendimento na impossibilidade de entepúblico litigar na defesa de interesses que não digam respeito à sua área territorial de atuação1016.Assim, não teria legitimidade ativa um Município para ingressar com ação coletiva que só tragabenefícios a consumidores localizados em outro Município, como um Estado não teria legitimidadeativa para ingressar com ação coletiva em favor de patrimônio histórico e cultural pertencente aoutro Estado da Federação.

Entendo que existe uma indevida confusão entre diferentes condições da ação. A pertinênciatemática exige a existência de uma relação entre o interesse da pessoa jurídica de direito público e odireito tutelado em juízo, e, nesses termos, considero que não se pode exigir tal requisito das pessoasjurídicas de direito público da administração direta. Se o objetivo final da União, Estados,Municípios e do Distrito Federal é prover o bem comum, favorecendo os administrados, não parecelegítimo criar uma limitação no tocante à legitimação ativa nas ações coletivas. Isso não significaque, fora dos limites territoriais de sua atuação, se possa admitir o interesse de agir desses sujeitos.

Concordo que deva existir uma limitação territorial de atuação, mas nesse caso não vejo tal limitaçãodecorrente da pertinência temática, matéria afeta à legitimidade, mas sim da falta de interesse deagir1017.

A distinção entre pertinência temática e limitação territorial, ainda que não resultante dosfundamentos apresentados, não é estranha à parcela da doutrina que entende corretamente pelaausência da exigência da pertinência temática e pela existência de uma limitação territorial para aatuação das pessoas jurídicas de direito público da administração direta. Há, inclusive, decisão doSuperior Tribunal de Justiça nesse sentido1018.

No tocante às pessoas jurídicas – públicas ou privadas – que compõem a administração indireta,entendo que, se seus objetivos imediatos são direcionados para determinadas áreas, o que delimitasua esfera de atuação dentro do poder público, é natural que se exija não só a vinculação aoterritório de sua atuação, como também a pertinência temática1019. Não teria muito sentido admitir queuma empresa pública federal voltada à exploração do petróleo do pré-sal ingresse com ação coletivabuscando a tutela de patrimônio histórico e cultural, bem como não se deve admitir que uma fundaçãovoltada ao meio ambiente ingresse com ação coletiva consumerista.

Conforme já tive a oportunidade de defender quando da análise da legitimidade ativa daDefensoria Pública, entendo que o disposto no art. 82, III, da Lei 8.078/1990 (CDC), ao prever alegitimidade das entidades e órgãos da administração pública ainda que sem personalidade jurídica,seja aplicável a todas as espécies de direitos coletivos lato sensu. Por essa razão, parece aceitável alegitimação ativa do PROCON, que, apesar de não ter personalidade jurídica própria, tempersonalidade judiciária, o que já é suficiente para admiti-lo no rol dos legitimados ativos de açõescoletivas1020.

Por fim, cumpre ressaltar que essas pessoas jurídicas da administração pública, sempre que sevalerem de uma ação coletiva, não estarão em juízo em nome próprio na defesa de interesse próprio.Significa que, sendo ordinária a legitimação dessa pessoa jurídica, ou seja, estando em juízo emnome próprio na defesa de interesse próprio, a ação será individual, e, nesse caso, o postulante nãoterá os benefícios concedidos ao autor de uma ação coletiva.

Interessante notar o entendimento pacificado nos tribunais superiores no sentido de permitir aoMinistério Público a defesa em juízo do patrimônio público, algo que só poderá fazer mediante açãocoletiva, considerando não ter mais função institucional de defender individualmente os interesses daFazenda Pública em juízo1021. Caso a própria pessoa de direito público ingresse com ação, alegitimação poderá ser ordinária, e nesse caso a ação terá natureza individual, já que o autor estaráem juízo em nome próprio na defesa de seu próprio interesse. Mas também poderá ser umalegitimação extraordinária, quando a pessoa jurídica de direito público litigar em nome próprio nadefesa do interesse da coletividade, situação que ensejará uma ação de natureza coletiva.

10.5.2.4. Defensoria PúblicaPela Lei 11.448, de 15.01.2007, com a alteração do art. 5º, II, da Lei 7.347/85 (LACP), houve a

expressa inclusão da Defensoria Pública no rol de legitimados à propositura da ação coletiva. Antesde analisar a norma legal propriamente dita, é preciso fazer uma exposição, ainda que breve, daparticipação da Defensoria Pública no âmbito das ações civis públicas antes da Lei 11.448/2007.

É necessário reconhecer que, mesmo antes dessa previsão legal, a Defensoria Pública já

participava de ações coletivas. Parece não haver maiores dúvidas a respeito da legitimidade daDefensoria Pública como mero assistente judicial de associação que funcionaria como autora daação coletiva. Como se pode notar com relativa facilidade, nessa circunstância a Defensoria Públicanão compõe o polo ativo da ação civil pública, servindo simplesmente como assistente judicial depessoa jurídica legitimada expressamente em lei para a propositura de tal espécie de ação.

Ainda que não seja parte na ação civil pública, a mera atuação da Defensoria Pública já é osuficiente para suscitar relevante questionamento: auxiliando judicialmente o autor da ação coletiva,deverá ser demonstrada sua situação de carência econômica, inviabilizadora da atuação em proteçãodo direito transindividual? Importante lembrar que, apesar da gratuidade existente para os autoresdas ações coletivas, é necessária a presença de agente com capacidade postulatória, de preferênciaexperimentado, o que nem sempre pode ser obtido pelas associações menos organizadas.

Por outro lado, apesar de certa divergência, aos órgãos especializados criados pela DefensoriaPública já vinha se reconhecendo a legitimidade para a propositura de ações civis públicas emdefesa de direitos coletivos e individuais homogêneos dos consumidores1022, ainda que não se possaafirmar que a aceitação era tranquila, existindo inclusive decisões do Superior Tribunal de Justiçaem sentido contrário1023, apesar de notadamente em menor número.

Apesar da divergência, entendo que a legitimidade ora analisada está amparada na previsãocontida no art. 82, III, do CDC, que ao prever a legitimidade ativa inclui expressamente órgãos daadministração pública, direta e indireta, ainda que sem personalidade jurídica1024. Além dessaexpressa previsão legal, a referida legitimação encontra amparo também nos arts. 6º, VIII (princípioda facilitação da defesa dos consumidores), e 83 (princípio da instrumentalidade máxima doprocesso do consumidor), ambos do CDC1025, e no art. 4º, XI, da LC 80/19941026.

Ainda que a Defensoria Pública, mesmo sem expressa previsão legal, já viesse ingressando comações coletivas antes da Lei 11.448/2007, sua inclusão no rol de legitimados ativos foi um marcoexpressivo em termos de aperfeiçoamento da proteção jurisdicional dos direitos coletivos latosensu. O tema, entretanto, está longe de pacificação, havendo inclusive uma ação direta deinconstitucionalidade, apresentada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público –CONAMP (ADI 3.943) pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal.

Nessa ação direta de inconstitucionalidade há uma cumulação de pedidos na forma subsidiária.Como pedido principal, a declaração de inconstitucionalidade do art. 5º, II, da Lei 7.347/1985(LACP), com redução de texto e, subsidiariamente, em interpretação conforme o texto constitucional,que seja declarada a ilegitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ações coletivas quetenham como objeto direitos difusos, limitando sua atuação às ações coletivas cujo objeto sejam osdireitos coletivos e individuais homogêneos vinculados a carentes econômicos.

Entendo que a declaração de inconstitucionalidade com redução de texto é algo absolutamenteimprovável, pois os argumentos utilizados na ação direta de inconstitucionalidade mencionada nãomerecem prosperar. A alegada violação aos arts. 5º, LXXIV, e 134, ambos da CF, tenta retirar dotexto constitucional algo que dificilmente ele quis dizer. A defesa dos necessitados prevista pelo art.134 da CF, “na forma do art. 5º, LXXIV”, da CF, que prevê a “assistência jurídica integral e gratuitaaos que comprovarem insuficiência de recursos”, não deve ser interpretada restritivamente,limitando-se àqueles que individualmente comprovarem o estado de carência financeira.

Ainda que se exija no caso concreto a comprovação de hipossuficiência econômica, certamente ela

não precisará ser feita individualmente, o que já seria o suficiente para legitimar a DefensoriaPública a litigar em nome próprio na defesa de grupo, classe ou categoria de pessoas com notóriacarência financeira1027.

Ações coletivas como a proposta pela Defensoria Pública de São Paulo na defesa de interesse dosmoradores do Jardim Pantanal, o qual ficou mais de dois meses submerso em lodo e lama em razãode chuvas torrenciais, naturalmente atendem à exigência constitucional, pois se supõe que, se aspessoas não fossem economicamente necessitadas, não residiriam em local frequentemente castigadopelas chuvas. Diga-se o mesmo da ação coletiva proposta pela Defensoria Pública da União emBelém, na defesa coletiva de crianças e adolescentes que vivem em situação de risco nas ruas dacidade1028.

Como pedido subsidiário da ação ora analisada, consta a pretensão de interpretação conforme aConstituição para que a Defensoria Pública só tenha legitimidade para a defesa dos direitoscoletivos e individuais homogêneos, sempre com vinculação à hipossuficiência econômica dosbeneficiados1029. Esse pedido é mais interessante porque toca, ainda que indiretamente, no pontoprincipal da legitimidade da Defensoria Pública: existirá para ela a chamada “pertinência temática”?E, havendo, em que termos será exigida?

Como parece absolutamente improvável a declaração de inconstitucionalidade com redução dotexto pelo Supremo Tribunal Federal, o que inclusive contrariaria jurisprudência consolidada noSuperior Tribunal de Justiça antes mesmo do advento da norma impugnada, a questão a serefetivamente enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal é a eventual limitação da atuação daDefensoria Pública na defesa dos direitos coletivos lato sensu.

Para que se possa analisar a existência ou não de pertinência temática a limitar a atuação daDefensoria Pública no polo ativo das ações coletivas, é preciso compreender claramente quais suasfunções institucionais.

É tradicional na doutrina a divisão da função da Defensoria Pública em típica e atípica. Existeunanimidade em apontar como função típica a defesa dos interesses dos economicamentenecessitados, existindo certa divergência no que viria a ser sua função atípica. Essas divergênciassão mais de forma do que de conteúdo, pois, atinentes à forma de classificação dessa função, masainda assim merecem breves comentários.

Para parcela da doutrina, qualquer atuação que, apesar de permitida por previsão legal, não sejaem defesa do economicamente necessitado representa uma atuação atípica1030. São clássicosexemplos dessa atuação atípica a defesa de acusados no processo penal (art. 4º, XIV e XV, da LC80/1994), com amparo nos arts. 261 e 263 do CPP, e a curadoria especial nas hipóteses previstas noart. 9º, II, do CPC e admitida expressamente pelo art. 4º, XVI, da LC 80/1994.

Em ambos os casos mencionados a condição econômica do sujeito tutelado pela DefensoriaPública é irrelevante, pois são outras as razões que determinam sua participação no processo. Umaeventual legitimidade ativa da Defensoria Pública absolutamente dissociada da hipossuficiênciaeconômica seria possível, portanto, em razão de suas funções atípicas.

Outra parcela da doutrina, ao especificar a função atípica desenvolvida pela Defensoria Pública, adivide em duas espécies: defesa do hipossuficiente jurídico e do hipossuficiente organizacional, oque se obtém por meio do alargamento do conceito de necessitados, alvo constitucional de tutela nostermos do art. 134 da CF.

Alarga-se o conceito de necessitados para, além dos tradicionais carentes de recursos econômicos,incluírem-se também os necessitados jurídicos, no sentido de que caberia à Defensoria Pública,quando previsto em lei, garantir a determinados sujeitos, independentemente de sua condiçãoeconômica, o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório1031. Costuma-se indicar comoexemplos as já citadas atuações em defesa do réu no processo penal e da curadoria especial exercidano processo civil.

Também se incluem entre os necessitados aqueles que têm real dificuldade de se organizar paradefenderem seus direitos em juízo e fora dele. Nesse caso, passa-se a falar em necessitadosorganizacionais, hipossuficiência derivada da vulnerabilidade das pessoas em face das relaçõescomplexas existentes na sociedade contemporânea, com especial ênfase aos conflitos próprios dasociedade de massa atual1032. Derivaria dessa função atípica a legitimação da Defensoria Pública nasações coletivas.

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela legitimidade ativa da DefensoriaPública em tema referente ao direito de educação, afirmando expressamente que ela pode tutelarqualquer interesse individual homogêneo, coletivo stricto sensu ou difuso, considerando que sualegitimidade não se determina por critérios objetivos, ou seja, pelas características ou perfil doobjeto de tutela, mas por critérios subjetivos, isto é, pela natureza ou status dos sujeitos protegidos,que são os necessitados1033.

A tese, entretanto, não é pacífica, existindo doutrina que, em algum grau, continua a vincular aatuação da Defensoria Pública ao necessitado econômico, ainda que no âmbito da tutela coletiva1034,enquanto outra parcela entende que a legitimação, em razão do art. 134 da CF, nunca será tão amplacomo a do Ministério Público1035.

Interessante constatar que, em voto vencido proferido no julgamento do Recurso Especial912.849/RS, o Ministro Teori Albino Zavascki, seguindo entendimento do relator da apelação nocaso concreto, curiosamente o processualista Araken de Assis, entendeu pela legitimidade daDefensoria Pública para a defesa de direitos individuais homogêneos dos consumidores, limitando aproteção jurisdicional obtida somente àqueles que demonstrassem individualmente, em fase deexecução, sua condição de economicamente necessitados.

Apesar de solução que parece, à primeira vista, lógica, admitindo-se a legitimidade ativa de formairrestrita, sem a necessidade de análise prévia da condição econômica dos beneficiados pela tutelajurisdicional, que seria realizada somente no momento de execução dessa tutela, o entendimentocontraria o espírito da tutela coletiva. Como bem demonstrado por abalizada doutrina, essa limitaçãosubjetiva pretendida pelo entendimento ora examinado exigiria dos consumidores, que não sãoeconomicamente hipossuficientes, a propositura de nova ação – coletiva ou individual –, o quecontraria os princípios da economia processual e da harmonização dos julgados1036.

Ademais, o entendimento mistura indevidamente a questão de legitimidade e da eficácia subjetivada coisa julgada coletiva, sendo irrelevante para a determinação dos beneficiados quem foi o autorda ação coletiva1037. Se assim não fosse, ação civil pública movida por associação de defesa dosconsumidores não poderia beneficiar individualmente sujeito não considerado tecnicamenteconsumidor, o que evidentemente não acontece nem deve ocorrer.

A limitação da defesa exclusiva de hipossuficientes econômicos no âmbito da tutela dos direitosdifusos e coletivos seria ainda mais dramática para a Defensoria Pública, em razão da

indivisibilidade desses direitos. No tocante à tutela de direito difuso, o art. 5º, II, da Lei 7.347/1985(LACP) seria inaplicável, considerando-se que na coletividade tutelada nessa espécie de direitosempre haverá sujeitos não carentes do ponto de vista econômico1038. Resumindo, a coletividadeperderia mais um legitimado – em algumas localidades extremamente organizado e especializado –na defesa de seus direitos difusos em juízo.

No tocante à tutela de direito coletivo, o drama não seria menor, porque, apesar de existiremgrupos, classes e categorias de pessoas formadas exclusivamente de hipossuficientes econômicos,haveria insuperável dificuldade na identificação não só de todos os sujeitos que compõem essegrupo, classe ou categoria, como também seria extremamente difícil a comprovação da carênciaeconômica de todos eles. Note-se que nesse caso, sendo indivisível o direito, não se admitiria queessa identificação e comprovação fossem reservadas ao momento da execução, pois seria impossívela decisão favorecer a somente parcela do grupo, classe ou categoria.

Entendo que a tese da hipossuficiência organizacional é a única apta a dar à Defensoria Públicauma legitimidade condizente com seu status constitucional e melhor atender à expectativa dojurisdicionado de ter aumentadas as formas de proteção jurisdicional. Ademais, nos termos do art.4º, VII, da Lei Complementar 80/1994 (alterada pela LC 132/2009), a Defensoria Pública podepromover ação civil pública na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos,sendo a interpretação de “necessitados”, ora defendida, a única capaz de fazer cumprirconcretamente o regramento legal.

Por outro lado, os demais legitimados não devem temer a atuação da Defensoria Pública, e simreconhecê-la como mais um parceiro na busca da mais efetiva possível tutela dos direitos difusos,coletivos e individuais homogêneos. Seja como for, tudo dependerá da palavra final do SupremoTribunal Federal, o que, infelizmente, não tem data prevista para ocorrer.

Registre-se nesse momento importante julgamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal quedeclarou inconstitucional norma estadual gaúcha que atribuía à Defensoria Pública estadual a tarefade defender em juízo servidores públicos processados civil e criminalmente por atos praticados noexercício de suas funções1039. A relevância do julgado é notada na discussão entre os Ministros,quando se constata uma forte tendência à limitação da atuação da Defensoria Pública à defesa doseconomicamente necessitados, inclusive aventando-se que eventual desvirtuamento dessa função,constitucionalmente prevista, poderia prejudicar ainda mais os trabalhos já deficitários, emdecorrência da estrutura precária, das Defensorias Públicas.

Ainda que o julgamento não seja plenamente aplicável à discussão envolvendo a legitimidade daDefensoria Pública em ações coletivas em razão de outras espécies de hipossuficiência, que não aeconômica, considerando-se que a norma tida como inconstitucional determinava a defesa individualdos servidos públicos em juízo, é interessante notar a preocupação dos Ministros com o exercício deuma função pela Defensoria Pública que não seja a defesa do carente econômico, servindo-seinclusive do texto constitucional para chegar a tal conclusão.

A par da discussão a respeito da extensão da legitimidade ativa da Defensoria Pública na tutelacoletiva, o reconhecimento de sua legitimação traz algumas interessantes consequências, tais como apossibilidade de formação de um litisconsórcio ativo entre Defensorias Públicas, por aplicaçãoextensiva do art. 5º, § 5º, da Lei 7.347/1985 (LACP)1040. Também se admite que a DefensoriaPública, órgão público que é, celebre compromisso de ajustamento de conduta, nos termos do art. 5º,

§ 6º, da Lei 7.347/1985 (LACP)1041. Não terá, entretanto, legitimidade para conduzir inquérito civil,atuação privativa do Ministério Público (art. 8º, § 1º, da Lei 7.347/1985), também faltandolegitimidade à Defensoria Pública na propositura da ação popular, que continua exclusiva docidadão (art. 1º, caput, da Lei 4.717/1965), e da ação de improbidade administrativa (art. 17, caput,da Lei 8.429/1992)1042.

10.5.3. Legitimados passivosDiferente do que ocorre no polo ativo das ações coletivas, no qual não existe legitimação

ordinária, no polo passivo é, em regra, exatamente essa a espécie de legitimidade existente. Os réus,portanto, estarão em juízo em nome próprio na defesa de interesse próprio.

A admissão de legitimação extraordinária no polo passivo da ação coletiva exige a aceitação dochamado processo coletivo passivo1043. Nesse caso, como o réu estará em nome próprio na defesa dodever ou estado de sujeição de um grupo, classe ou categoria de pessoas, a legitimação nunca seráordinária, exatamente como ocorre no polo ativo das ações coletivas.

10.6. PROCEDIMENTO

10.6.1. Introdução

A ação civil pública segue substancialmente o procedimento ordinário, havendo apenas algumasregras procedimentais diferenciadas na Lei 7.347/1985. Ademais, existem característicasprocedimentais comuns à ação popular e à ação civil pública, tais como a tentativa de se evitar aextinção por abandono e desistência imotivada, os efeitos recursais, o reexame necessário e agratuidade. Para a compreensão de tais fenômenos basta a leitura do Capítulo 7.

10.6.2. Inércia da jurisdiçãoO art. 7º da LACP, que prevê a possibilidade de juízes e tribunais, no exercício de suas funções,

remeterem peças ao Ministério Público para as providências cabíveis quando tiverem conhecimentode fatos que possam ensejar a propositura da ação coletiva, trata de forma bastante interessante epeculiar os princípios da inércia da jurisdição e do impulso oficial1044. O teor da norma é copiadopelos arts. 90 do Estatuto do Idoso e 221 do ECA. Segundo a previsão do art. 262 do CPC, aexistência do processo depende de provocação do interessado (princípio dispositivo), enquanto seudesenvolvimento se dá por meio do impulso oficial (princípio inquisitivo).

Não que o dispositivo ora analisado quebre essa tradicional regra do sistema processualbrasileiro, até porque o juiz não pode dar início de ofício ao processo coletivo, mas, ao permitir que“provoque” um legitimado ativo para que o processo seja iniciado, pratica ato absolutamenteincompatível com o processo individual. Basta imaginar o absurdo da situação de um juiz intimar umindivíduo remetendo-lhe peças do processo e sugerindo que ele tenha um direito a ser reclamado emjuízo.

10.6.3. Prevenção do juízoA conexão e a continência, previstas nos arts. 103 e 104 do CPC, são tranquilamente aplicáveis ao

processo coletivo. Da mesma forma o efeito desses fenômenos processuais previsto no art. 105 doCPC: a reunião de processos perante o juízo prevento. São aplicáveis inclusive o entendimento deque para a conexão basta a identidade parcial da causa de pedir – fato ou fundamento jurídico – eque a reunião dos processos depende de um juízo de conveniência a ser realizado no caso concreto.

A prevenção é um fenômeno de extrema importância na eventualidade de existirem duas ou maisações conexas, havendo a reunião de todas perante um mesmo juízo, para que nele seja proferidadecisão sobre elas (que a doutrina entende, inclusive, poder ser feito por meio de somente umasentença), em prol dos princípios da economia processual e da harmonização das decisões, conformejá analisado. A função da prevenção nas hipóteses de reunião por conexão é definir em qual juízo asações serão reunidas, ou seja, determinar qual juízo irá concentrar as ações sob seu comando.

Não se sabe qual a justificativa para o Código de Processo Civil cuidar em dois artigos diversos ede forma distinta o fenômeno da conexão entre causas da mesma competência territorial e decompetência territorial diferente (mesma comarca/seção judiciária ou comarcas/seções judiciáriasdiferentes). Contudo, é exatamente isso que ocorre nos seguintes dispositivos: no art. 106 do CPC, háprevisão de que nos casos de identidade de competência territorial será prevento o juízo queprimeiro despachar no processo, e no art. 219, caput, do CPC, que indica que, na hipótese deconexão entre ações em trâmite em diferentes foros, estará prevento o juízo que realizar a primeiracitação1045.

A confusão criada pelo Código de Processo Civil, ao prever duas regras diferentes que versamsobre o mesmo tema, felizmente não atinge a tutela coletiva, na qual é criada uma terceira regra. Sãotrês artigos com o mesmo conteúdo: art. 2º, parágrafo único, da Lei 7.347/1985 (Ação Civil Pública)e art. 17, § 5º, da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), com a mesma redação: “Apropositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadasque possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto”; e o art. 5º, § 3º, da Lei 4.717/1965 (Lei daAção Popular): “A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, queforem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos”.

Como se nota da redação dos dispositivos legais acima transcritos, nem o despacho inicial(conforme previsto no art. 106, CPC) nem a realização de citação (art. 219, caput, CPC) são o atoprocessual determinante da prevenção do juízo, mas sim a mera propositura da ação. Essadiversidade de tratamento entre o Código de Processo Civil e as leis extravagantes que tratam daação civil pública, improbidade administrativa e ação popular já foi percebida pela melhordoutrina1046, sendo entendimento antigo do Superior Tribunal de Justiça1047.

O exato momento em que a ação é proposta vem descrito no art. 263 do CPC, que determina que aação será considerada proposta: (a) quando distribuída, em comarcas com mais de uma vara; e (b)quando despachada pelo juiz em comarcas em que exista apenas uma vara. O artigo tem redaçãotécnica impecável, visto que é impossível distribuir uma demanda em um foro de vara única, mas,pelos problemas práticos que pode gerar, vem se considerando proposta a ação no dia em que apetição inicial ingressa no Poder Judiciário por meio do protocolo inicial1048, sendo essa a data a serconsiderada para fins de prevenção do juízo entre ações coletivas.

10.6.4. Litisconsórcio ativo

10.6.4.1. Espécie

Havendo para a propositura da ação civil pública uma legitimidade ativa concorrente e disjuntiva,é indiscutível que o litisconsórcio formado entre os legitimados ativos é facultativo, dependendo suaformação, portanto, da vontade de esses legitimados se unirem para a propositura da ação1049.

Em regra, o litisconsórcio facultativo é simples, mas também é possível que seja unitário. Amelhor doutrina afirma que, se houver hipótese de legitimidade disjuntiva concorrente, olitisconsórcio será facultativo e unitário1050, exatamente como ocorre no polo ativo das ações civispúblicas1051. Na realidade, a unitariedade do litisconsórcio nesse caso é facilmente explicada pelaunitariedade do direito material discutido no caso concreto. Significa que, apesar de diferentesautores se encontrarem na demanda na posição de postulantes, o direito tutelado por eles é um só, demodo a ser praticamente inviável seu tratamento de maneira distinta para os litisconsortes: ou o juizreconhece o direito à tutela e todos ganham a demanda, ou não reconhece o direito alegado e todosperdem.

10.6.4.2. Litisconsórcio ativo formado por diferentes Ministérios PúblicosSegundo a previsão do art. 5º, § 5º, da LACP, é admissível a formação de litisconsórcio

facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dosinteresses e direitos de que cuida esta lei. Naturalmente, trata-se de litisconsórcio facultativo, dado àlegitimidade ativa concorrente e disjuntiva das ações coletivas.

Corrente doutrinária saudou o dispositivo legal com a afirmação de que a previsão permitiriaexpressamente a reunião do Ministério Público Estadual e Federal para a propositura da açãocoletiva. No entendimento dessa corrente doutrinária, a defesa dos direitos coletivos lato sensu peloMinistério Público, desde que dentro de suas atribuições institucionais, pode ser exercida emqualquer Justiça, inclusive com a formação de litisconsórcio entre o Ministério Público Estadual eFederal1052.

Há doutrina que defende a inviabilidade do litisconsórcio conforme descrito no dispositivo oraanalisado, afirmando ser inviável a atuação do Ministério Público Estadual na Justiça Federal e doMinistério Público Federal na Justiça Estadual. Para essa corrente doutrinária, os MinistériosPúblicos só teriam legitimidade para atuar em suas respectivas Justiças1053.

Afastando-se dessa inviabilidade, há uma terceira corrente doutrinária que defende não se tratarpropriamente de litisconsórcio, já que o Ministério Público é uno e indivisível. Tratar-se-ia,portanto, de distintos representantes de um mesmo legitimado, o que permitiria a presença noprocesso não como partes, mas como representantes da parte, do Ministério Público Estadual eFederal1054.

A mera presença do Ministério Público Federal já acarreta a competência da Justiça Federal,sendo entendimento consagrado no Superior Tribunal de Justiça a inviabilidade de formação delitisconsórcio ativo entre o Ministério Público Federal e o Estadual. Para o tribunal, apesar depossível o litisconsórcio ativo entre Ministérios Públicos na ação coletiva – salvo, naturalmente, naação popular –, sempre que a atribuição da propositura da ação estiver inserida no âmbito de atuaçãodo Ministério Público Federal, submetida ao crivo da Justiça Federal, não se admitirá a atuação doMinistério Público Estadual, que terá, portanto, atuação limitada à Justiça Estadual1055.

Partindo da premissa estabelecida pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, olitisconsórcio entre Ministérios Públicos, portanto, seria limitado a uma eventual reunião no polo

ativo de Ministérios Públicos Estaduais de diferentes Estados da Federação.

10.6.4.3. Litisconsórcio ativo ulterior?Litisconsórcio inicial é aquele formado desde a propositura da ação, já existindo nesse que é

considerado o primeiro ato do procedimento. É evidente, portanto, que a formação do litisconsórcioinicial é de responsabilidade exclusiva do demandante, pois somente a ele será dado iniciar oprocesso por meio da petição inicial. O litisconsórcio ulterior é formado após o momento inicial depropositura da ação, vindo a se verificar durante o trâmite procedimental.

Não resta dúvida a respeito da possibilidade de o litisconsórcio ativo ser inicial, sendo formadodesde a propositura da demanda. Mas poderá ser também ulterior?

A pergunta deve ser respondida em dois tempos: (a) primeiro, o eventual litisconsórcio ulteriorformado por colegitimados ativos que não tenham posposto a ação coletiva; (b) segundo, peloterceiro que foi diretamente lesado pelo ato ilícito discutido na ação coletiva.

Nos termos do art. 5º, § 2º, da LACP, é facultado ao Poder Público e a outras associaçõeslegitimadas habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes. Essa previsão merece duasconsiderações prévias. Apesar de mencionar apenas o Poder Púbico e associações, a regra legitimao ingresso de qualquer dos legitimados coletivos como litisconsortes1056; e, apesar da expressamenção de que poderão ingressar como litisconsortes de qualquer das partes, é natural que olitisconsórcio ulterior venha a ser formado no polo ativo por questões de legitimidade.

É preciso observar que a resistência do Superior Tribunal em admitir a formação de litisconsórciofacultativo ulterior com fundamento na preservação do princípio do juízo natural1057 não se aplica aocaso em análise porque existe expressa previsão legal admitindo a formação do litisconsórcioulterior. Há, inclusive, decisão no sentido de admitir a formação de tal espécie de litisconsórcio naação popular, sem que haja ofensa ao princípio do juízo natural1058.

Não há vedação, portanto, nem mesmo jurisprudencial, para a formação do litisconsórcio oraanalisado, mas seria mesmo uma hipótese de litisconsórcio ulterior o ingresso dos colegitimados nopolo ativo da ação coletiva?

Há corrente doutrinária que defende a interpretação literal do dispositivo, sustentando a naturezalitisconsorcial ulterior da intervenção ora analisada1059. Para outra corrente doutrinária, a natureza éde assistência litisconsorcial, o que impede qualquer alteração na causa de pedir e/ou pedido porparte do terceiro interveniente1060. A maioria da doutrina entende que a qualidade processual desseterceiro, ao intervir na ação coletiva, dependerá de sua postura: modificando o pedido e/ou causa depedir, será litisconsorte ulterior, mas, não ocorrendo tal modificação, será assistente litisconsorcialdo autor1061.

Apesar de tanto o litisconsorte ulterior como o assistente litisconsorcial serem tratadosprocedimentalmente como litisconsorte unitário, existindo até mesmo doutrina que não veja diferençaentre os dois fenômenos, preferindo afirmar que só há assistência simples1062, o debate não se exaureno plano acadêmico. A definição de sua qualidade processual definirá sua relação com o pedido ecausa de pedir da ação.

Partindo-se da premissa de que o assistente litisconsorcial não faz pedido nem contra ele é feitopedido, não sendo, portanto, parte na demanda, mas apenas no processo, caso seja dessa espécie a

intervenção ora analisada, será vedada a alteração objetiva da demanda pelo interveniente. Por outrolado, caso seja entendido como litisconsorte, poderá proceder a tal alteração, sempre em respeito àestabilização objetiva da demanda consagrada nos arts. 264 e 294 do CPC. Nesse sentido, com acorreta distinção entre os poderes do assistente litisconsorcial e litisconsorte ulterior, já teve aoportunidade de se manifestar o Superior Tribunal de Justiça1063.

Parece que o entendimento majoritário da doutrina é o mais conveniente, ainda que possa geraralgumas complicações práticas interessantes. Admite-se, portanto, o litisconsórcio ulterior, compossibilidade de alteração ou ampliação do objeto do processo (causa de pedir e pedido), desde queatendidos os limites temporais para tanto (arts. 264 e 294 do CPC), e também a assistêncialitisconsorcial na hipótese de a intervenção não modificar o objeto do processo.

Reconheço o embaraço possível em uma modificação de causa de pedir ou pedido preparado porautor superveniente que não elaborou a petição inicial. E se houver divergência entre os dois – oumais – autores a respeito desses elementos da ação? Entendo que nesse caso caberá ao juizdeterminar os limites objetivos da demanda, sempre tendo em mente a maior tutela possível aodireito transindividual ou individual homogêneo discutido. Caso não esteja envolvido na disputa, aparticipação do Ministério Público como fiscal da lei nessa definição será determinante.

10.6.5. Instrução da petição inicialA petição inicial da ação civil pública segue as exigências formais dos arts. 282 e 283 do CPC,

não havendo especialidades dignas de nota. Há, na realidade, apenas um dispositivo da Lei7.347/1985 que merece comentário.

Segundo o art. 8º, caput, da LACP, “para instruir a inicial, o interessado poderá requerer àsautoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas noprazo de 15 (quinze) dias”. Trata-se, na realidade, de possibilidade de o autor dispensar o ingressoprévio da ação cautelar de exibição de coisa ou documento e ingressar diretamente com a açãoprincipal.

Com o sincretismo processual adotado pelo sistema processual pátrio, é natural que se passe aadmitir pedidos cautelares de forma incidental, com a dispensa de um processo cautelar autônomo,inclusive por meio de tópico da petição inicial. O interessante do dispositivo legal ora comentado éque em 1985 ainda vigorava um sistema processual fortemente amparado na autonomia das ações,podendo o art. 8º, caput, da LACP, ser considerado norma sincretista em período de autonomia. Dequalquer forma, atualmente não é mais grande novidade.

10.6.6. AstreintesSegundo o art. 11, caput, da LACP, “na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de

fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessaçãoda atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta forsuficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor”. Apesar da saudáveldisposição do legislador em regular o cumprimento de obrigação de fazer e não fazer, atualmentebastaria a aplicação subsidiária do art. 461 do CPC.

Merece destaque a previsão de aplicação de multa – que na realidade não precisa ser diária –como forma de execução indireta no cumprimento de obrigações de fazer e não fazer. E certamente a

maior particularidade quanto à ação civil pública diz respeito à exigibilidade dessa multa.A multa coercitiva pode ser aplicada tanto para pressionar o devedor a cumprir uma decisão

interlocutória que concede tutela de urgência quanto para cumprir uma sentença que julga procedenteo pedido do autor. Questão que causa séria divergência na doutrina pátria refere-se ao momento apartir do qual a multa torna-se exigível. Em outras palavras, a partir de qual momento a partebeneficiada com o crédito gerado pela frustração da multa poderá executá-lo?

Para parcela da doutrina, a multa é exigível a partir do momento em que a decisão que a fixa torna-se eficaz, ou porque não foi recorrida ou porque foi impugnada por recurso sem efeito suspensivo1064.Essa exigibilidade permitiria a execução imediata de crédito decorrente da multa frustrada fixada emdecisão ainda não definitiva, inclusive a decisão interlocutória que concede a tutela antecipada, oque só pode ser compreendido com a possibilidade de execução provisória do crédito1065.

Para essa corrente doutrinária, a necessidade de exigibilidade imediata resulta da própria funçãocoercitiva da multa, porque a necessidade de aguardar a definitividade da decisão, que só ocorrerácom o advento da coisa julgada material, seria extremamente contrária à necessidade de pressionarefetivamente o devedor a cumprir a obrigação. Uma perspectiva de remota execução não seriasuficiente para exercer a pressão psicológica esperada das astreintes1066.

Para outra corrente doutrinária, deve-se aguardar o trânsito em julgado para que se possa exigir ocrédito gerado pela frustração da multa. Essa corrente doutrinária entende que a mera ameaça deaplicação da multa, independentemente do momento em que o crédito gerado por sua frustraçãopassará a ser exigível, já é suficiente para configurar a pressão psicológica pretendida pelolegislador1067. Por outro lado, como só deve pagar a multa a parte definitivamente derrotada nademanda judicial – o que só será conhecido com o trânsito em julgado –, cabe aguardar essemomento procedimental para admitir a execução da multa1068.

Concordo com a primeira corrente doutrinária porque de fato, com o tempo que os processosdemoram para atingir o trânsito em julgado, muito da natureza coercitiva da multa se perderá se aexigibilidade da cobrança do crédito gerado pela frustração da multa depender desse momentoprocessual. Trata-se do tradicional e frequente choque entre a efetividade (exigibilidade imediata,sem saber ainda se a multa é definitivamente devida) e a segurança jurídica (exigibilidade após otrânsito em julgado da decisão que fixa a multa, quando se saberá definitivamente se a parte é ou nãotitular do direito de crédito).

O Superior Tribunal de Justiça, aparentemente confundindo definitividade com exigibilidade, vemcorretamente entendendo que a multa fixada em decisão interlocutória pode ser executadaimediatamente, mas conclui incorretamente que essa execução se dará por meio de execuçãodefinitiva1069.

Apesar de ser preferível nessa hipótese prestigiar a efetividade da tutela jurisdicional emdetrimento da segurança jurídica, é preciso registrar que, no âmbito dos processos coletivos, olegislador fez abstratamente a ponderação entre os dois interesses conflitantes e expressamente optoupor um deles, não parece legítimo afastar a previsão legal. Dessa forma, na ação civil pública (art.12, § 2º, da Lei 7.347/1985), nas demandas regidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA) (art. 213, § 3º, da Lei 8.069/1990) e nas demandas reguladas pelo Estatuto do Idoso (art. 83, §3º, da Lei 10.741/2003), a multa só será exigível após o trânsito em julgado da decisão.

10.6.7. Tutela de urgênciaNão existe nada de inovador na Lei 7.347/1985 quanto à tutela de urgência. O que foi inovador à

época de promulgação da lei, atualmente seria facilmente explicado por regras gerais.O art. 4º da LACP prevê expressamente a possibilidade de ação cautelar a ser oferecida pelos

mesmos legitimados ativos à propositura da ação civil pública. Naturalmente a legitimidade éestendida para o pedido de cautelar realizado incidentalmente na própria ação civil pública.

Nos termos do art. 12, caput, da LACP, o juiz pode conceder mandado liminar, com ou semjustificação prévia, em decisão recorrível por agravo. Nesse caso, a liminar foi utilizada comomedida de urgência de natureza satisfativa, o que era muito importante em 1985, época em que essetipo de tutela de urgência sobrevivia com as liminares previstas em determinados procedimentos.Com o advento da tutela antecipada em 1994, liminares tais como a prevista pelo art. 12, caput, daLACP, perderam o sentido, ainda mais quando não preveem os requisitos para sua concessão, o queleva à aplicação por analogia dos requisitos previstos no art. 273 do CPC, inclusive a necessidadede expresso pedido do autor1070.

10.7. COISA JULGADA

10.7.1. Introdução

Conforme já afirmado no item 2.2, a coisa julgada é um dos aspectos mais relevantes na distinçãoda tutela coletiva da individual. Regras tradicionais presentes na tutela individual, tais como a coisajulgada pro et contra e sua eficácia inter partes, consagradas pelo art. 472 do CPC, sãosimplesmente desconsideradas, passando-se às eficácias ultra partes e erga omnes e à coisa julgadasecundum eventum probationis e secundum eventum litis.

Quanto ao afirmado, existe alguma divergência na ação de improbidade administrativa e nomandado de segurança coletivo, devidamente analisada no presente capítulo.

Por fim, há ainda a funesta e lamentável regra consagrada no art. 16 da Lei 7.347/1985, queaparentemente cria uma espécie de limitação territorial aos efeitos da sentença e por consequência dacoisa julgada material.

10.7.2. Coisa julgada secundum eventum probationisNo tocante aos direitos coletivos e difusos, a coisa julgada, na hipótese de julgamento de

improcedência do pedido, tem uma especialidade que a diferencia da coisa julgada tradicional,prevista pelo Código de Processo Civil. Enquanto no instituto tradicional a imutabilidade e aindiscutibilidade geradas pela coisa julgada não dependem do fundamento da decisão, nos direitosdifusos e coletivos, caso tenha a sentença como fundamento a ausência ou a insuficiência de provas,não se impedirá a propositura de novo processo com os mesmos elementos da ação – partes, causade pedir e pedido –, de modo a possibilitar uma nova decisão, o que, naturalmente, afastará, aindaque de forma condicional, os efeitos de imutabilidade e indiscutibilidade da primeira decisãotransitada em julgado. Exclui-se da análise os direitos individuais homogêneos porque, nestes, acoisa julgada opera-se secundum eventum litis; assim, qualquer fundamento que leve àimprocedência não afetará os interesses dos indivíduos titulares do direito (art. 103, III, do CDC).

A primeira questão a respeito dessa espécie atípica de coisa julgada diz respeito à suaconstitucionalidade. Uma corrente minoritária vê uma quebra da isonomia em referido sistema eaponta para uma proteção exacerbada dos autores das ações coletivas stricto sensu em desfavor dosréus. Apesar de mais sentida nas ações que tenham como objeto os direitos individuais homogêneos,também nas que tratam de direitos difusos e coletivos haveria uma disparidade de tratamentoabsolutamente desigual, o que feriria o princípio constitucional da isonomia1071.

Majoritariamente, entretanto, a doutrina entende pela constitucionalidade da coisa julgadasecundum eventum probationis – como também da coisa julgada secundum eventum litis –,afirmando que os sujeitos titulares do direito, ao não participarem efetivamente do processo, nãopoderão ser prejudicados por uma má condução procedimental do autor da demanda. Não seria justoou legítimo impingir a toda uma coletividade, em decorrência de uma falha na condução do processo,a perda definitiva de seu direito material. A ausência da efetiva participação dos titulares do direitoem um processo em contraditório é fundamento suficiente para defender essa espécie de coisajulgada material1072.

Ademais, a coisa julgada secundum eventum probationis serve como medida de segurança dostitulares do direito que não participam como partes no processo contra qualquer espécie de desvio deconduta do autor. A insuficiência ou a inexistência de provas poderá decorrer, logicamente, de umainaptidão técnica dos que propuseram a demanda judicial, mas também não se poderá afastar, deantemão, algum ajuste entre as partes para que a prova necessária não seja produzida e com isso asentença seja de improcedência1073. É bem verdade que os poderes instrutórios do juiz, aguçados nasações coletivas em razão da natureza dos direitos envolvidos, poderiam também funcionar comoforma de controle para que isso não ocorra, mas é inegável que a maneira mais eficaz de afastar,definitivamente, qualquer ajuste fraudulento nesse sentido é a adoção da coisa julgada secundumeventum probationis.

Outra questão que parece ter sido pacificada pela doutrina e pela jurisprudência diz respeito aoslegitimados à propositura de um novo processo com a mesma causa de pedir e o mesmo pedido doprimeiro; estaria legitimado o mesmo sujeito que propôs a primeira demanda que foi resolvida deforma negativa por ausência ou insuficiência de provas? A ausência de qualquer indicativoproibitivo para a repetição do polo ativo nas duas demandas parece afastar de forma definitiva aproibição. Todos os legitimados poderão, com base na prova nova, propor a “segunda” demanda,mesmo aquele que já havia participado no polo ativo da “primeira”1074.

A próxima questão refere-se à formação ou não de coisa julgada nas ações coletivas – direitosdifusos e coletivos – julgadas improcedentes por ausência ou insuficiência de provas. Fala-se emcoisa julgada secundum eventum probationis, mas há divergência a respeito de ser essa uma espécieatípica de coisa julgada ou se, nesse caso, a coisa julgada material estaria afastada, de modo aoperar-se, no caso concreto, tão somente a coisa julgada formal.

Há parcela significativa da doutrina que entende não se operar, nesse caso, a coisa julgadamaterial, por afirmar que, sendo possível a propositura de um novo processo com os mesmoselementos da ação – partes, causa de pedir e pedido –, a imutabilidade e a indiscutibilidade própriasda coisa julgada material não se fariam presentes. A possibilidade de existência de um segundoprocesso, que, naturalmente, proporcionará uma segunda decisão, afetaria de maneira irremediável asegurança jurídica advinda da coisa julgada material tradicional, de modo a estar afastado esse

fenômeno processual quando os fundamentos que levaram à improcedência do pedido forem ainsuficiência ou a inexistência de prova1075.

Esse entendimento, entretanto, não é o mais correto, parecendo configurar-se a mesma confusão arespeito da formação ou não da coisa julgada nos processos cujo objeto sejam as relações de tratocontinuativo, reguladas pelo art. 471, I, do CPC. Em razão da possibilidade de que a sentençadeterminativa seja alterada em virtude de circunstâncias supervenientes de fato e de direito, parcelada doutrina apressou-se a afirmar que essa “instabilidade” da sentença seria incompatível com ofenômeno da coisa julgada material, que exige a imutabilidade e a indiscutibilidade do julgado.

Aos partidários do entendimento de que não existe coisa julgada nas ações que tratam de direitodifuso ou coletivo quando a improcedência decorrer da insuficiência ou ausência de provas surgeuma questão de difícil resposta: como deverá o juiz proceder ao receber uma petição inicial de umprocesso idêntico a um processo anterior decidido nessas condições, em que o autor não indicaqualquer nova prova para fundamentar sua pretensão, alegando tão somente não ser possível suportara extrema injustiça da primeira decisão? Sem ao menos indícios de que existe uma prova nova, aindaque o fundamento da primeira decisão tenha sido a insuficiência ou ausência de provas, poderá o juizdar continuidade ao processo?

É evidente nesse caso que o juiz deverá indeferir a petição inicial; não há maiores dúvidas a esserespeito. Mas sob qual fundamento? O fundamento de sua decisão será o art. 267, V, do CPC, o qualaponta que, nesse caso, não se poderá afastar a segurança obtida pela coisa julgada material geradapela primeira decisão. Essa é a prova maior de que existe coisa julgada material, independentementedo fundamento da decisão de mérito da primeira demanda que efetivamente ocorreu, embora suaimutabilidade e sua indiscutibilidade estejam, no caso da ausência ou insuficiência de provas,condicionadas à inexistência de prova nova que possa fundamentar a nova demanda.

Apesar da defesa veemente da existência de coisa julgada material na hipótese ora analisada e daextinção do processo quando não houver prova nova em razão justamente do fenômeno da coisajulgada material, ainda que seja admitida a inexistência de coisa julgada material quando esta severifica secundum eventum probationis, como prefere a doutrina que tratou do tema, a conclusão aque todos chegam já é o suficiente para os fins buscados no presente trabalho: se não houver provanova, o processo deverá ser extinto sem julgamento do mérito. Seja por falta de interesse de agir,como prefere a doutrina1076, seja por força da coisa julgada, o essencial é a conclusão pacífica de queo segundo processo não deve ser admitido.

Há outro interessante questionamento a respeito do tema que vem suscitando dúvidas na doutrinanacional. Os dispositivos legais que tratam da coisa julgada secundum eventum probationis sãoomissos a respeito da exigência de que, expressa ou implicitamente, conste da sentença ter sido aimprocedência gerada pela ausência ou insuficiência de provas, ou se tal circunstância poderá serestranha à decisão, de modo a ser demonstrada somente na segunda demanda. A tomada de uma ou deoutra posição terá peso fundamental no próprio conceito de prova nova, que será fixado a seguir.

A tese restritiva exige que haja na motivação ou no dispositivo da decisão, expressa ouimplicitamente, a circunstância da ausência ou insuficiência de provas. Afirma-se que, por ser umaexceção à regra da coisa julgada material prevista em nosso ordenamento processual, deverá o juizindicar, ou ao menos ser possível deduzir de sua fundamentação, que sua decisão de improcedênciadecorreu de uma insuficiência ou inexistência de material probatório. A ausência dessa circunstância

proporcionaria, obrigatoriamente, a geração de coisa julgada material tradicional1077.Com entendimento contrário, existe corrente doutrinária que não vê qualquer necessidade de

constar, expressa ou implicitamente na sentença, que a improcedência do pedido decorreu deausência ou insuficiência de provas. A doutrina que defende uma tese mais ampla afirma que não sedeveria adotar um critério meramente formal do instituto, propondo-se um critério mais liberal,nomeado de critério substancial. Segundo essa visão, sempre que um legitimado propuser, com omesmo fundamento, uma segunda demanda coletiva na qual fundamente sua pretensão em uma novaprova, estar-se-á diante da possibilidade de obter uma segunda decisão1078.

A segunda corrente defende o entendimento mais acertado, considerando que a adoção da teserestritiva limitaria indevidamente o conceito de prova nova. Ao exigir-se do juiz uma fundamentaçãoreferente à ausência ou à insuficiência de provas, será impossível a ele se manifestar sobre o que nãoexistia à época da decisão, o que retiraria a possibilidade de propositura de uma nova demandafundada em meio de prova não existente à época da prolação da decisão. Nesses casos, haveria umindevido e indesejável estreitamento do conceito de nova prova, que também, por não ser tranquilona doutrina, se passa a analisar.

Todos os regramentos legais que tratam da coisa julgada secundum eventum probationis sãoomissos quanto ao conceito de “nova prova”, missão legada à doutrina. Parcela majoritária dadoutrina entende que não se deve confundir nova prova com prova superveniente, surgida após otérmino da ação coletiva. Por esse entendimento, seria nova a prova, mesmo que preexistente oucontemporânea à ação coletiva, desde que não tenha sido nesta considerada. Assim, o que interessanão é se a prova existia ou não à época da demanda coletiva, mas se foi ou não apresentada duranteseu trâmite procedimental; será nova porque, no tocante à pretensão do autor, é uma novidade,mesmo que, em termos temporais, não seja algo recente1079.

Esse entendimento muito se assemelha ao conceito dado, pela melhor doutrina, ao “fato novo”como fundamento da liquidação de sentença por artigos. Também nesse caso o adjetivo “novo” não éutilizado para designar um fato ocorrido após o término do processo em que se formou o títuloexecutivo, mas sim como novidade ao Poder Judiciário, por não ter sido objeto de apreciação em talprocesso. O fato, portanto, assim como a “nova prova” nas ações coletivas, poderá ser anterior,concomitante ou posterior à demanda judicial; para ser adjetivado de novo, basta que não tenha sidoobjeto de apresentação pelas partes e de apreciação pelo juiz.

Registre-se o pensamento, a respeito do tema, exposto por Ada Pellegrini Grinover, que, nostrabalhos para a elaboração do Anteprojeto de Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América, entendeu, com Kazuo Watanabe, que as provas que já poderiam ter sido produzidas, masnão o foram, ficam acobertadas pela eficácia preclusiva da coisa julgada. Fato novo, portanto, seriao fato superveniente. A regra constava do art. 38, § 1º, do Projeto de Lei 5.139/2009, que foiarquivado na Câmara dos Deputados.

A ideia restritiva de conceito de “nova prova” sugerida pela processualista não parece ser a maisadequada sob a ótica da proteção dos direitos transindividuais em juízo. Já foi devidamente expostoque uma das razões para admitir a coisa julgada secundum eventum probationis nas demandas quetenham como objeto direitos difusos ou coletivos é evitar que, por meio de conluio fraudulento entreas partes processuais, se obtenha uma decisão de improcedência. Considerando a relevância dodireito material debatido e a ausência dos legitimados no processo, ao menos essa proteção lhes

deve ser concedida, o que não ocorreria se fosse adotada a visão de que somente provas que nãoexistiam à época da demanda coletiva permitiriam uma nova demanda judicial.

De qualquer forma, o pensamento ao menos se mostra bastante correto quando sedimenta a ideia deque, ao surgir uma prova que não existia ou que era impossível de obter à época da ação coletiva,sua apresentação será o suficiente para permitir a propositura de um novo processo com os mesmoselementos da ação do anterior. Nesse caso, evidentemente, não será possível defender a correntedoutrinária que exige do juiz a indicação, expressa ou implícita, de ter o julgamento deimprocedência decorrido de ausência ou insuficiência de provas. Não sabendo da existência daprova porque não era possível sua obtenção, o que só veio a ser possibilitado, por exemplo, peloavanço tecnológico, não haveria possibilidade lógica de o juiz considerar tal circunstância em suadecisão.

10.7.3. Coisa julgada secundum eventum litisNo sistema tradicional da coisa julgada, esta se opera com a simples resolução de mérito,

independentemente do resultado no caso concreto (pro et contra). Portanto, é irrelevante saber se opedido do autor foi acolhido ou rejeitado, se houve sentença homologatória ou se o juiz reconheceu aprescrição ou decadência; sendo sentença prevista no art. 269 do CPC, faz coisa julgada material.

No entanto, existe outro sistema possível, que, ao menos na tutela individual, é extremamenteexcepcional: a coisa julgada secundum eventum litis. Por meio desse sistema, nem toda sentença demérito faz coisa julgada material, tudo dependendo do resultado concreto da sentença definitivatransitada em julgado. Por vontade do legislador é possível que o sistema crie exceções pontuais àrelação sentença de mérito com cognição exauriente e a coisa julgada material.

Poderia o sistema passar a prever que toda sentença de mérito fundada em prescrição não farácoisa julgada em ações na quais figure como parte um idoso, ou ainda que a sentença que homologatransação não fará coisa julgada material quando o acordo tiver como objeto direito real. Apesar daóbvia irrazoabilidade dos exemplos fornecidos, servem para deixar claro que afastar a coisa julgadamaterial de sentença de mérito, que em regra se tornariam imutáveis e indiscutíveis com o trânsito emjulgado, em fenômeno conhecido como coisa julgada secundum eventum litis, é fruto de uma opçãopolítico-legislativa.

Na tutela individual, a técnica da coisa julgada secundum eventum litis é consideravelmenteexcepcional, mas aparentemente foi aplicada no art. 274 do CC, que trata dos limites subjetivos dacoisa julgada nas demandas cujo objeto seja a dívida solidária, já que, sendo julgado improcedente opedido do autor, os demais credores solidários, que não participaram do processo, não estarãovinculados à coisa julgada material. É na tutela coletiva que a coisa julgada secundum eventum litispassa a ter posição de destaque.

Segundo previsão do art. 103, § 1º, do CDC, os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e IIdo mesmo dispositivo legal não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes dacoletividade, do grupo, classe ou categoria, em regra também aplicável ao inciso III1080. Significaque, decorrendo de uma mesma situação fática jurídica consequências no plano do direito coletivo eindividual, e sendo julgado improcedente o pedido formulado em demanda coletiva,independentemente da fundamentação, os indivíduos não estarão vinculados a esse resultado,podendo ingressar livremente com suas ações individuais. A única sentença que os vincula é a de

procedência, porque esta naturalmente os beneficia, permitindo-se que o indivíduo se valha dessasentença coletiva, liquidando-a no foro de seu domicílio e posteriormente executando-a, o que odispensará do processo de conhecimento. A doutrina fala em coisa julgada secundum eventum litisin utilibus, porque somente a decisão que seja útil ao indivíduo será capaz de vinculá-lo a sua coisajulgada material1081.

Uma empresa petrolífera causa um grande vazamento de óleo em uma determinada baía, o quenaturalmente agride o meio ambiente saudável, mas também prejudica os pescadores do local, quetêm danos individuais por não mais poderem exercer seu ofício. Havendo uma ação coletiva fundadano direito difuso a um meio ambiente equilibrado e sendo essa ação julgada improcedente, ospescadores poderão ingressar e vencer em ações individuais de indenização contra a empresapetrolífera. Por outro lado, com a sentença de procedência, os pescadores poderão se valer dessetítulo executivo judicial, liquidando seus danos individuais e executando o valor do prejuízo.

Registre-se que esse benefício da coisa julgada material da ação coletiva pode ser excepcionadoem duas circunstâncias:

(a) na hipótese de o indivíduo ser informado na ação individual da existência da ação coletiva(fair notice), e em um prazo de 30 dias preferir continuar com a ação individual (right to optout), não será beneficiado pela sentença coletiva de procedência (art. 104 do CDC)1082;

(b) nas ações coletivas de direito individual homogêneo, o art. 94 do CDC admite a intervençãodos indivíduos como litisconsortes do autor, e nesse caso os indivíduos se vinculam aqualquer resultado do processo coletivo, mesmo no caso de sentença de improcedência1083.

10.7.4. Limitação territorial da coisa julgadaSegundo o art. 16 da LACP, “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da

competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente porinsuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idênticofundamento, valendo-se de nova prova”. A presente redação do dispositivo legal decorreu dafamigerada Lei 9.494/1997, e na primeira regra que consagra é absolutamente lamentável em virtudeda tentativa de limitar a abrangência territorial da tutela coletiva. E, o que é ainda pior, a norma teriasido supostamente criada para a defesa de interesses fazendários...1084

A referida Lei 9.494/1997 tem norma específica no mesmo sentido de limitação do alcance dasentença coletiva, no art. 2º-A: “A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta porentidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas ossubstituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competênciaterritorial do órgão prolator”.

Por um lado, as previsões legais são claras afrontas a todas as tentativas legislativas voltadas àdiminuição no número de processos, o que em última análise geraria uma maior celeridade naquelesque estiverem em trâmite, afrontando, inclusive, o próprio espírito da tutela coletiva1085.

Por outro lado, a exigência de diversas ações coletivas a respeito da mesma circunstância fático-jurídica poderá gerar decisões contraditórias, o que abalará a convicção da unidade da jurisdição,ferindo de morte o ideal de harmonização de julgados1086. E, uma vez existindo várias decisões dediferente teor, também restará maculado o princípio da isonomia, com um tratamento jurisdicional

distinto para sujeitos pela simples razão de serem domiciliadas em diferentes localidades1087.Até se poderia alegar que, nesse caso, o Estado – mais precisamente o Executivo, dado que a lei

decorre de conversão da Medida Provisória 1.570/1997 – apenas adotou a regra que mais lhepareceu interessante, ainda que computados os prejuízos de sua escolha. Nesse sentido, o Estadoteria pesado todos os males advindos da multiplicação de processos coletivos – ofensa ao princípioda economia processual – e das eventuais decisões contraditórias – ofensa ao princípio daharmonização dos julgados –, e ainda assim teria feito a consciente opção pela regra consagrada nodispositivo legal ora comentado.

O alegado não deve de maneira alguma ser entendido como defesa da opção do legislador, atéporque compartilho da corrente doutrinária amplamente majoritária que critica com veemência o art.16 da LACP. A questão não é precisamente se pessoalmente gosto ou não da previsão legal, masreconhecer a possível aplicação prática da regra se a única crítica for principiológica, fundada emofensa clara, manifesta e injustificada aos princípios da economia processual e à harmonização dosjulgados. Nada mais que uma, entre várias opções equivocadas de política legislativa.

Entretanto, mesmo nesse caso haverá uma nova e fatal crítica a respeito da conduta estatal: a clarae manifesta ofensa ao princípio do devido processo substancial (substantive due processo oflaw)1088. É natural que a liberdade legislativa estatal – ainda mais pelo caminho indevidamentetomado das medidas provisórias – encontra limites na proporcionalidade e razoabilidade, não sedevendo admitir a elaboração de regras legais que afrontem tais princípios. As mais variadas críticasdoutrinárias elaboradas contra a regra legal ora analisada dão uma mostra clara de suairrazoabilidade.

Uma crítica mais severa, e não pela maior contundência ou maior acerto, mas porque inviabiliza naprática a aplicação da regra, é voltada para a impossibilidade material de se limitar territorialmentea coisa julgada material. Conforme ensina a melhor doutrina, se a coisa julgada representa aqualidade da sentença de mérito transitada em julgado, é materialmente impossível limitá-la a umdeterminado território, sendo algo similar a dizer que uma fruta só é vermelha em certo lugar dopaís1089.

E mesmo que se tente fugir dessa crítica, interpretando-se o dispositivo legal no sentido de que alimitação não deve atingir a coisa julgada material, conforme previsto, mas na realidade os efeitos dadecisão, os mesmos doutrinadores demonstram a inadequação da pretendida limitação ao lembrarque os efeitos concretos da decisão operam em sentidos imprevisíveis e não podem ser limitadosterritorialmente pelo legislador. Da mesma forma que uma pessoa divorciada o será em todo oterritório nacional, a abrangência da sentença coletiva também irradiará seus efeitos no mundoprático em todo o território pátrio1090.

A própria indivisibilidade do direito transindividual também é outro aspecto lembrado por grandeparte da doutrina para demonstrar a incompatibilidade lógica da limitação territorial com essasespécies de direitos1091. Basta imaginar um direito difuso, de toda a coletividade, sendo limitado aapenas um determinado território, o que feriria de morte a própria ideia de indivisibilidade que éessencial aos direitos transindividuais. Como pode uma propaganda ser considerada enganosa em umEstado da Federação, e não em outro? Um medicamento nocivo à saúde em um Estado da Federação,e não em outro? Um contrato de adesão ser nulo em um Estado da Federação e válido em outros?

Trago uma situação que vivi em minha atuação profissional para demonstrar que realmente, no que

tange aos direitos difusos, somente quem tem nervos de aço consegue interpretar a norma oracriticada de forma a dar-lhe operatividade. O Ministério Público Estadual de uma determinadacapital ingressou com ação coletiva para obrigar um fornecedor a dispor um telefone 0800 para osconsumidores que, uma vez tendo adquirido o produto em telefonemas gratuitos, tinham queposteriormente reclamar por meio de telefonemas pagos, inclusive interurbanos.

Agora basta imaginar uma sentença de procedência diante de tal pedido. Ela teria efeito somentepara os consumidores domiciliados na comarca em que tramitou a demanda judicial, ou, ainda, namelhor das hipóteses, no Estado em que a Comarca está contida? Instado a criar um telefone 0800,ele seria disponível somente para quem provasse ser domiciliado naquele determinado território?Consumidores de outro Estado receberiam uma mensagem gravada afirmando que o serviço para elesnão funcionaria porque no seu Estado não teria o fornecedor sido condenado a oferecer o serviço0800? Será no mínimo consideravelmente complicada a aplicação da regra do art. 16 da LACP emuma situação como essa.

Também interessante a tese de que a modificação legal tenha sido eficaz por ter modificadodispositivo que já não mais se encontrava em vigor1092. Segundo esse entendimento, a partir domomento em que o CDC passou a regulamentar de forma exaustiva o tema da coisa julgada na tutelacoletiva por meio do art. 103 do diploma legal, o art. 16 da LACP teria sido tacitamente revogado.Como o CDC é de 1990 e a mudança do art. 16 para a atual redação deu-se em 1997, a modificaçãoteria sido ineficaz e, portanto, inaplicável.

Também no plano da ineficácia da modificação trazida ao art. 16 da LACP pela Lei 9.494/1997,pode-se afirmar que ela é inócua, considerando-se que o CDC não foi alterado nesse particular, e adisciplina dos arts. 93 e 103 é de aplicação integrada e subsidiária nas ações civis públicas de quecuida a Lei 7.347/1985 (art. 21 desta). O mesmo raciocínio é aplicado à ação popular, tendo emconta não ter sido alterado o sistema criado do art. 18 da Lei de Ação Popular, o que afasta nessaespécie de ação coletiva qualquer limitação territorial da coisa julgada material1093.

Superadas as críticas fundadas na inaplicabilidade prática da regra limitadora da coisa julgadamaterial a um determinado território, a doutrina segue para a tentativa de limitar sua aplicação,partindo-se da premissa de que, se a regra será aplicada, que faça o menor estrago possível.

As teses nascidas com tais propósitos, apesar de sempre terem um propósito nobre, nem semprepodem ser admitidas, como aquela que defende não ser a norma aplicável ao direito consumerista emrazão da ausência de norma nesse sentido no CDC1094. Não concordo com esse entendimento porquepara ampará-lo seria necessário afastar a ideia de microssistema coletivo, com a interação das leisque versam sobre processo coletivo, em especial a LACP e o CDC. Seria indubitavelmente muitopositivo para os consumidores, que teriam afastada a limitação territorial consagrada pelodispositivo legal ora criticado, mas o preço de sacrificar a ideia de microssistema coletivo pareceser muito alto.

Há, entretanto, uma teoria que merece destaque. Em uma análise conjunta dos arts. 16 da LACP eart. 103 do CDC, afirma-se que o dispositivo legal só pode ser aplicado aos direitos difusos ecoletivos. Segundo essa corrente doutrinária, como o art. 16 da LACP, além de criar a limitaçãoterritorial da coisa julgada material, prevê a coisa julgada secundum eventum probationis, deve-seaplicar a norma somente aos direitos que produzem essa forma especial de coisa julgada, o que não éo caso do direito individual homogêneo, conforme já verificado1095. Essa teoria teve inclusive

aceitação em julgamento do Superior Tribunal de Justiça, cuja relatoria coube à Ministra NancyAndrighi1096.

Essa decisão, entretanto, foi reformada em julgamento de embargos de divergência interpostoscontra o acórdão proferido no recurso especial, tendo a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiçadecidido que o art. 16 da LACP aplica-se a qualquer espécie de direito tutelado pelo microssistemacoletivo, inclusive o direito individual homogêneo1097. E decisões posteriores daquele tribunalinfelizmente vinham confirmando o funesto entendimento1098.

Houve, entretanto, uma memorável e festejada mudança de posição adotada recentemente pelaCorte Especial, com voto irrepreensível do Ministro Luiz Felipe Salomão, que atuou como relator.Em feliz consideração o Ministro relator afirma que a anterior posição adotada pelo SuperiorTribunal de Justiça, “em hora mais que ansiada pela sociedade e pela comunidade jurídica, deve serrevista para atender ao real e legítimo propósito das ações coletivas, que é viabilizar um comandojudicial célere e uniforme – em atenção à extensão do interesse metaindividual objetivado nalide”1099.

Percebeu a histórica decisão que o art. 16 da LACP confunde institutos distintos – coisa julgada ecompetência territorial –, o que pode levar à enganosa interpretação de que os efeitos da sentençapodem ser limitados territorialmente, fazendo crer que a coisa julgada seja um efeito da sentença demérito transitada em julgado, em tese absolutamente descartada em dias atuais.

O julgado adota corretas lições doutrinárias para reconhecer que nos direitos difusos e coletivos alimitação territorial sugerida pelo art. 16 da LACP é lógica e juridicamente inviável, considerando-se a natureza indivisível de tais direitos materiais1100. Reconheceu também o absurdo da limitaçãosugerida no dispositivo legal, a permitir que um mesmo contrato possa ser nulo em um Estado daFederação e válido em outro, ou mesmo duas pessoas serem divorciadas apenas no foro da ação dedivórcio, continuando casadas nos demais foros.

Valendo-se do microssistema coletivo, a celebrada decisão determinou a interpretação do art. 16da LACP à luz dos arts. 93 e 103 do CDC, levando-se em conta a extensão do dano e qualidade dosdireitos postos em juízo. Conclui que, sendo o dano de escala local, regional ou nacional, o juízo, nocomando decisório, sob pena de ser inócua sua decisão, deve ter capacidade para recompor ouindenizar tais danos em suas abrangências territoriais, independentemente de qualquer limitação.

10.8. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA

10.8.1. Competência

O vetado art. 97, parágrafo único, do CDC, além de prever a liquidação na forma de artigos,previa que a liquidação poderia ser promovida no foro do domicílio do liquidante. Lê-se das razõesdo veto: “Esse dispositivo dissocia, de forma arbitrária, o foro dos processos de conhecimento e deexecução, rompendo o princípio da vinculação quanto à competência entre esses processos, adotadopelo Código de Processo Civil (art. 575) e defendido pela melhor doutrina. Ao despojar uma daspartes da certeza quanto ao foro de execução, tal preceito lesa o princípio de ampla defesaassegurado pela Constituição (art. 5º, LV)”.

Se as razões do veto já eram sofríveis à época, atualmente o são ainda mais, pois o art. 575 doCPC, mencionado expressamente no veto, foi tacitamente revogado pelo art. 475-P do CPC, com

especial destaque para o parágrafo único do dispositivo.A regra de que deva existir obrigatoriamente uma vinculação no mesmo juízo da atividade

cognitiva e executiva é fundada em uma crença, que durante muito tempo e de maneira absolutamenteequivocada foi considerada como verdade absoluta pelo legislador: o melhor juízo para executaruma sentença é aquele que a formou. Essa crença, entretanto, foi afastada – ao menos parcialmente –com a nova disposição contida no parágrafo único do art. 475-P do CPC.

O mandamento contido no art. 575, II, do CPC era de competência funcional, portanto absoluta1101,apresentando-se como justificativa da vinculação obrigatória do juízo que formava o título àqueleque o executava à presunção de que o juízo formador do título executivo seria o mais apto a executá-lo. A vinculação do mesmo juízo entre o processo de conhecimento e o de execução estaria fundada,portanto, na expectativa de uma melhor qualidade na prestação da tutela jurisdicional no processoexecutivo. A aplicação do dispositivo legal, entretanto, nem sempre confirmava essa expectativa;muitas vezes, inclusive, funcionava contra a qualidade da prestação jurisdicional executiva.

A realidade mostrou que muitas vezes a prática de atos materiais executivos é dificultada emvirtude de tal vinculação, mostrando-se muito mais lógico e eficaz permitir que o processo executivoseja proposto no local onde se encontram os bens que servirão de garantia ao pagamento do créditoexequendo, no local em que está a coisa objeto da execução, ou, ainda, no local em que a obrigaçãode fazer deva ser cumprida. Tratando-se a execução de atividade desenvolvida basicamente pelaprática de atos materiais que buscam a satisfação do direito do demandante, o ideal é que acompetência executiva seja do foro do local em que tais atos devam ser praticados.

Sensível a essa realidade, o legislador, apesar de manter a regra de que o juízo competente para aexecução da sentença é aquele que a formou, criou com a Lei 11.232/2005 uma regra de competênciaconcorrente entre esse juízo, o foro onde se encontrem bens sujeitos às contrições judiciais e, ainda,o foro do atual domicílio do executado. A modificação deve ser aplaudida porque a naturezaabsoluta da competência do juízo que formou o título nunca foi garantia de qualidade da prestaçãojurisdicional, o que, na realidade, somente pode ser determinado em uma análise do caso concreto,em especial à luz das facilidades ao exequente na busca da satisfação do seu direito1102.

Entretanto, a questão que permanece inalterada diz respeito à competência para a liquidação desentença, que continua a ser atividade cognitiva, não se confundindo por essa razão com a atividadeexecutiva, que só terá lugar no momento procedimental do cumprimento de sentença. Minha crítica aomencionado veto foi confundir a liquidação com a execução, o que constitui erro primário econtamina indevidamente a conclusão do raciocínio.

Em termos de direito individual, entendo que a competência para a liquidação de sentença seresolve de tal maneira: (i) tratando-se de liquidação incidental em execução – fase de satisfação desentença ou processo autônomo –, é natural que seja competente para conhecer da liquidação opróprio juízo no qual já tramita a demanda executiva; (ii) tratando-se de liquidação que dá início aprocesso sincrético que buscará ao final a satisfação do direito do demandante, este deverá fazer umexercício de abstração, determinando qual seria o órgão competente para a execução daquele títulocaso não fosse necessária a liquidação; (iii) tratando-se de liquidação entre a fase de conhecimento ea fase de execução, haverá competência absoluta – de caráter funcional – do juízo que proferiu asentença ilíquida, não se aplicando ao caso o permissivo do art. 475-P, parágrafo único, do CPC1103.

A existência de foros concorrentes para o cumprimento de sentença busca facilitar a satisfação do

direito nada tendo a ver com a liquidação da sentença, entendida como atividade cognitivaintegrativa da sentença genérica proferida no encerramento da primeira fase de natureza cognitiva. Énatural, portanto, que, havendo entendimento corrente no sentido de que a sentença ilíquida quecondena e a decisão da liquidação completam um todo – tanto é assim que em regra haverá uma sódecisão, com a exata determinação do an debeatur e do quantum debeatur –, o juízo que exerceu afunção judicante nessa primeira fase de solução da lide automaticamente se tornará competente paraa segunda fase, em nítida ocorrência de competência funcional1104.

Entendo que o mesmo raciocínio deve ser aplicado à execução coletiva de sentença coletivagenérica. Nesse caso, ainda que a execução se mostre mais adequada em um dos foros previstos peloart. 475-P, parágrafo único, do CPC, não existe qualquer razão para admitir a liquidação da sentençaem outro juízo que não aquele que formou o título executivo. O raciocínio, insisto, é exatamente omesmo da tutela individual.

Na liquidação individual da sentença coletiva genérica, entretanto, a regra deve ser outra em razãodas particularidades dessa espécie de liquidação. Primeiro, que a vantagem de ter o mesmo juízo nasfases de conhecimento e de liquidação de sentença não existe no caso apresentado, considerando-seque na liquidação imprópria o juízo não se limitará a fixação do quantum debeatur, tambémanalisando a titularidade do direito, o que dependerá de uma análise individualizada da situação doliquidante. Por outro lado, há vantagens práticas inegáveis em admitir a liquidação no foro doindivíduo: (i) para o indivíduo facilita a propositura da liquidação, em nítido atendimento doprincípio do acesso à ordem jurídica justa; (ii) para o Estado, evita-se a concentração em um mesmojuízo de quantidade considerável de liquidações individuais, o que poderia até mesmo inviabilizar oandamento dos processos nesse cartório1105.

Pelas razões expostas, deve ser elogiado o entendimento consagrado no Superior Tribunal deJustiça a respeito do tema, no sentido de admitir como competente para a liquidação individual dasentença coletiva o foro do domicílio do liquidante1106.

10.8.2. Espécies de liquidação de sentençaSegundo previsão do Código de Processo Civil, existem três espécies de liquidação de sentença:

(a) por mero cálculo aritmético; (b) por arbitramento; e (c) por artigos. Como é entendimentouníssono na melhor doutrina, o mero cálculo aritmético não gera propriamente uma liquidação desentença, porque a liquidez da obrigação não depende da determinação de seu valor no título, mas desua mera determinabilidade. Dessa forma, sendo possível chegar ao valor devido por mero cálculoaritmético, a obrigação de pagar contida na sentença popular já será líquida, habilitando-se oslegitimados a dar início ao cumprimento de sentença. De qualquer maneira, na lei estão previstas trêsespécies de liquidação de sentença.

Os únicos dispositivos do CDC que mencionam a liquidação de sentença coletiva estãoconcentrados no capítulo que trata das ações coletivas para a defesa de interesses individuaishomogêneos, nada havendo em termos de previsão legal quanto aos direitos difusos e coletivos. Nasdemais leis que compõem o microssistema coletivo não há preocupação com a regulamentação daliquidação de sentença.

Entendo que essa opção legislativa tenha razão de ser, considerando-se não haver realmentequalquer especialidade procedimental nas liquidações de sentença proferidas em ações que versam

sobre direitos difusos e coletivos. O interesse maior, portanto, fica por conta da liquidação dassentenças coletivas que tenham como objeto direito individual homogêneo, que só tem tutela legal noCódigo de Defesa do Consumidor.

Havendo sentença de procedência ilíquida em ação coletiva que verse sobre direito difuso ecoletivo, a liquidação pode se dar por arbitramento, quando for necessária apenas a realização deuma prova pericial, ou por artigos, quando for preciso a alegação e prova de um fato novo. Não há,na realidade, qualquer especialidade nesse tocante.

Na hipótese de direito individual homogêneo, existe debate doutrinário a respeito da espécie deliquidação. Ressalte-se que o art. 97, parágrafo único, do CDC indicava expressamente a liquidaçãopor artigos, mas, como foi objeto de veto presidencial, não pode ser utilizado na solução do impasse.

Há corrente doutrinária que defende o cabimento de ambas as formas genuínas de liquidaçãoexistentes no sistema processual, tudo a depender das exigências do caso concreto. Para essacorrente, será possível tanto determinar o valor mediante a simples produção de uma prova pericial– liquidação por arbitramento – ou pela produção de prova referente a fato novo – liquidação porartigos.

Prefiro o entendimento contrário, no sentido de que a liquidação será necessariamente por artigos,sendo sempre indispensável a prova de fato novo. E essa exigência decorre da especial natureza daliquidação de sentença fundada em direito individual homogêneo, que inclusive leva a melhordoutrina a defender ser tal liquidação uma forma de “liquidação imprópria”1107.

É até possível defender, diante das razões do veto, que, mesmo diante do veto presidencial ao art.97, parágrafo único, do CDC, a regra referente à espécie de liquidação sobreviveu implicitamente. Anorma tratava da espécie de liquidação e da competência, e as razões do veto limitaram-se àscríticas quanto à parte da regra que tratava da competência, não havendo qualquer menção à expressaprevisão da forma de artigos como a única adequada à liquidação de sentença fundada em direitoindividual homogêneo.

10.8.3. Direito difuso e coletivoNas ações de direito difuso e coletivo é plenamente possível que o pedido seja certo e

determinado, sendo nesse caso aplicável o art. 459, parágrafo único, do CPC, que limita a sentençagenérica aos pedidos indeterminados, de modo que, sendo determinado o pedido elaborado peloautor da ação coletiva o juiz será obrigado a proferir sentença líquida. O sistema processual buscaevitar a liquidação de sentença, na medida do possível, como forma de garantir um processo maisrápido, com a dispensa de uma fase somente para aferir o an debeatur e outra para a fixação doquantum debeatur, e não há qualquer razão lógica ou jurídica para tal raciocínio deixar de seraplicado nas ações coletivas.

A possibilidade de o pedido ser feito de forma determinada, entretanto, não obriga o autor da açãocoletiva nesse sentido, sendo possível o pedido genérico nos termos do art. 286, II, do CPC. Nessecaso, se proferida uma sentença ilíquida, como admitido em lei, far-se-á necessária a fase deliquidação de sentença, mas, justamente por não ter qualquer especialidade, seguirá a forma dearbitramento ou artigos, a depender das exigências do caso concreto.

10.8.4. Direito individual homogêneo

No tocante às ações coletivas que tenham como objeto um direito individual homogêneo,aparentemente a situação é outra. Ainda que materialmente possível um pedido determinado, tudoleva a crer que o pedido nesse tipo de ação seja genérico, até mesmo para que os indivíduosbeneficiados com a decisão a liquidem no futuro para aferirem os danos individuais suportados porcada um deles. Conforme já afirmado, sendo o pedido indeterminado, admitir-se-á a prolação desentença ilíquida.

A doutrina majoritária entende no sentido do texto, por vezes até mesmo afirmando que a sentençagenérica é a única possível, nos termos do art. 95 do CDC1108. Essa mesma doutrina, entretanto,lembra que na realidade a sentença genérica é apenas a regra, sendo admissível, ainda queexcepcionalmente, a prolação de sentença líquida, como, por exemplo, em uma sentença que tenhacondenado o Instituto de Previdência a pagar, a cada um dos aposentados, uma quantia específica,atualizada a partir de determinada data, o que exigirá apenas a elaboração de um cálculo aritméticopor cada um dos tutelados, processando-se a liquidação de acordo com o art. 475-B do CPC1109.

Como a chamada “liquidação por mero cálculo aritmético” é uma pseudoliquidação,considerando-se ser a obrigação líquida sempre que possível determinar seu valor pelo merocálculo, nesse caso não haverá propriamente uma liquidação de sentença1110.

Mesmo que admitida a excepcionalidade de uma sentença líquida, em regra a sentença serágenérica e demandará uma fase de liquidação. Interessante notar que essa liquidação, a ser realizadapelos indivíduos que se beneficiaram da sentença coletiva, será mais ampla em termos de cogniçãodo que uma tradicional liquidação de sentença. Tanto assim que a doutrina chama tal liquidação de“liquidação imprópria”.

A especialidade dessa espécie de liquidação é que esta não se limitará a revelar o valor do débitodevido pelo réu em favor do autor, mas também deverá ser reconhecida a titularidade desse direito,única forma de a sentença coletiva aproveitar ao indivíduo1111. O objeto da liquidação, portanto, serámais amplo que aquele existente na liquidação de sentença tradicional.

10.8.5. Liquidação individual das sentenças de direito difuso e coletivoConforme já afirmado, a liquidação coletiva da sentença genérica proferida em ação coletiva de

direitos difusos e coletivos não tem qualquer especialidade. Ocorre, entretanto, que essa sentençatambém poderá ser utilizada por indivíduos que foram prejudicados pela mesma situação fático-jurídica que tenha levado o réu a ser condenado na ação coletiva. Nesse caso, haverá tantasliquidações individuais quantos forem os indivíduos nessa situação.

Note-se que nos direitos individuais homogêneos a ação coletiva é voltada para a prolação de umasentença que seja aproveitada individualmente por cada indivíduo lesionado, daí ser umaconsequência natural nesse caso o oferecimento de liquidações individuais. Como o objetivo étutelar os indivíduos, a sentença é proferida com a missão de servir de título executivo, ainda querepresentativo de obrigação ilíquida, para todos os titulares do direito individual homogêneo.

Já nos direitos difusos e coletivos o objetivo é tutelar a coletividade ou uma comunidade, de formaque a sentença é proferida para ser executada – e eventualmente liquidada – em favor dos titularesdesses direitos. Significa que o benefício a indivíduos é somente residual, não sendo essa apreocupação da demanda judicial. Os indivíduos, portanto, poderão se aproveitar da sentençacoletiva, como se nesse caso houvesse uma condenação implícita do réu a ressarci-los.

Nesse caso, a liquidação terá objeto cognitivo muito próximo das liquidações individuais desentença fundada em direito individual homogêneo. Novamente caberá ao autor da liquidação provarnão só o valor do dano, mas também a existência desse dano e a correlação entre o danoindividualmente suportado e a situação fático-jurídica reconhecida na sentença coletiva comofundamento da procedência.

10.9. EXECUÇÃO

10.9.1. Legitimidade ativa

Naturalmente, o autor da ação coletiva terá legitimidade para a execução. É, inclusive, esse sujeitoque costuma executar a sentença, não sendo comum que outro legitimado, que não tenha participadoda fase de conhecimento como autor, dê início à fase executiva. Não é normal que um legitimado queteve todo o trabalho em obter uma sentença condenatória deixe de se interessar justamente nomomento da satisfação do direito. Apesar dessa realidade, é indiscutível que outros legitimadosprevistos nos arts. 5º da LACP e 82 do CDC, que não tenham composto o polo ativo da ação coletivana fase de conhecimento, também sejam legitimados ativos para o cumprimento de sentença.

O mesmo pode se dizer da execução de título executivo extrajudicial. Apesar de ser comum que opróprio legitimado coletivo que participou da formação do título seja o exequente na hipótese deinadimplemento obrigacional, não existe qualquer impedimento para que outro legitimado coletivoingresse com a execução. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, já admitiu a execução dedecisão do Tribunal de Contas do Estado proposta pelo Ministério Público1112.

A indisponibilidade de execução de título executivo judicial no âmbito da tutela coletiva é a regra,de forma que, não sendo executada a sentença coletiva de procedência pelo autor ou por outrocolegitimado dentro de certo prazo legal, caberá ao Ministério Público o dever funcional de fazê-lo.A justificativa é simples: evitar que um eventual conluio do autor com o réu, ou mesmo umdesinteresse de outros legitimados em executar a decisão, seja capaz de frustrar a proteção de umdireito transindividual já reconhecido por decisão judicial.

O art. 16 da Lei 4.717/1965, que prevê o dever funcional do Ministério Público de executar adecisão judicial, decorridos sessenta dias da publicação da sentença condenatória de segundainstância (melhor seria dizer acórdão de segundo grau), em razão da inércia do cidadão autor e deoutros cidadãos, vai no mesmo sentido do art. 15 da Lei 7.347/1985, que prevê ser dever funcionaldo Ministério Público a execução em sessenta dias do trânsito em julgado, caso não a execute o autorou outro colegitimado.

Ainda que a obrigatoriedade de propositura da execução pelo Ministério Público seja a tônica dosistema da tutela coletiva, é preciso observar importante distinção entre as duas regras legaismencionadas. Enquanto na ação popular o prazo de sessenta dias tem seu termo inicial na prolaçãoda decisão de procedência do segundo grau, na ação civil pública a contagem do mesmo prazo sótem início com o trânsito em julgado da sentença de procedência. Significa que o Ministério Públicosomente tem o dever funcional de executar uma sentença proferida em ação civil pública de formadefinitiva, enquanto na ação popular, ainda que pendente de julgamento recurso especial e/ouextraordinário, haverá dever funcional do Ministério Público em executar provisoriamente asentença.

Ainda que se reconheça o nobre objetivo de se fazer cumprir uma sentença popular a partir domomento em que ela passa a gerar efeitos no processo, mesmo que ainda não seja definitiva em razãoda pendência de recurso, não entendo correto imputar ao Ministério Público um dever funcional emexecutar a sentença provisoriamente. Ninguém tem o dever de executar provisoriamente, sendosempre admissível que se aguarde o momento em que a decisão torna-se definitiva, após o trânsitoem julgado, em razão da teoria do risco-proveito aplicável à execução provisória.

Prevê o art. 475-O, I, do CPC que a execução provisória corre por conta e responsabilidade doexequente, em nítida aplicação da teoria do risco-proveito. Significa que a execução provisória éuma opção benéfica ao exequente, já que permite, senão a satisfação do direito, ao menos oadiantamento da prática de atos executivos. Entretanto, os riscos de tal adiantamento são totalmentecarreados ao exequente, que estará obrigado a ressarcir o executado por todos os danos (materiais,morais, processuais) advindos da execução provisória na hipótese de a sentença ser reformada ouanulada pelo recurso pendente de julgamento. A responsabilidade, nesse caso, é objetiva, de modoque o elemento “culpa” é irrelevante para a sua configuração, bastando ao executado provar a efetivaocorrência de danos e o nexo de causalidade com a execução provisória1113.

Significa que, na ação popular, não se pode impor um dever ao Ministério Público que acarretaráum risco de prejuízo aos cofres públicos, porque os danos suportados pelo executado provisórionesse caso serão cobrados do Estado. É até mesmo um contrassenso, em uma ação em que se busca atutela do patrimônio público, exigir do Ministério Público a adoção de uma conduta que poderáresultar em prejuízo a esse mesmo patrimônio que se buscava tutelar. Portanto, ainda que existaexpressa previsão a respeito na Lei 4.717/1965, parece ser preferível a aplicação do art. 15 da Lei7.347/1985.

Reconheço que o entendimento ora defendido não encontra amparo nos tribunais, e o SuperiorTribunal de Justiça não só aplica o art. 16 da LAP em sua literalidade, como vai além, ao admitir queem sua interpretação também seja incluída a liquidação da sentença coletiva genérica1114. Ainda quea liquidação seja inegavelmente cognitiva, como fase preparatória da execução, a decisão demonstrao claro entendimento no sentido de ser iniciada a persecução executiva a partir da decisão desegundo grau, ainda que nesse caso precedida pela liquidação de sentença.

O problema, naturalmente, não se coloca na hipótese de sentença de procedência transitada emjulgado em razão de ausência de interposição de apelação por parte dos réus. Apesar deextremamente rara no caso concreto tal situação, o dever do Ministério Público de executar asentença coletiva só começa, nesse caso, a ser contado do trânsito em julgado1115. O mesmo se digado acórdão que julga a apelação não recorrido por recurso especial e/ou recurso extraordinário, deocorrência um pouco mais frequente.

Registre-se, por fim, que o art. 15 da LACP se aplica somente nos casos de direito difuso ecoletivo, nos quais a execução coletiva da sentença é o caminho natural de satisfação do direitoreconhecido como violado pela decisão. Nos direitos individuais homogêneos o caminho naturaldessa satisfação é a execução individual a ser oferecida pelos interessados, sendo a execuçãocoletiva subsidiária e eventual, nos termos do art. 100 do CDC.

10.9.2. Direitos difusos e coletivosConforme já tive oportunidade de afirmar, diante de uma sentença coletiva fundada em violação a

direito difuso e coletivo, o caminho natural de satisfação da decisão é por meio de uma execuçãocoletiva, que reverterá em prol da coletividade ou de uma comunidade. Não há, na realidade,qualquer especialidade procedimental nessa execução, devendo o exequente se valer das regrasprevistas na teoria geral da execução e aplicáveis tanto à execução individual como coletiva.

O ponto de destaque fica por conta das lições doutrinárias que apontam uma preferência nessaexecução pela tutela específica1116. Como toda tutela inibitória é específica, fica clara também aopção por essa espécie de tutela, restando a tutela reparatória apenas para aquelas situações em quenão será concretamente possível a obtenção da inibitória. E, mesmo quando a tutela reparatória for aúnica possível, prefere-se essa espécie de tutela in natura, e somente de forma residual a tutela peloequivalente em dinheiro.

Naturalmente é mais adequada uma tutela que proíba uma determinada empresa de cortarilegalmente milhares de árvores, mas, uma vez ocorrido o evento, a tutela preventiva já não será maispossível, restando tão somente a tutela reparatória. Nesse caso, deve-se preferir a condenação do réua alguma compensação ao meio ambiente lesado, como a obrigação de replantio das árvores, eapenas de forma residual sua condenação ao pagamento de quantia certa.

Havendo condenação a pagar quantia certa na hipótese de danos causados ao erário, o valor obtidoem cumprimento de sentença ou processo de execução será revertido para a pessoa jurídica dedireito público que tenha suportado a lesão econômica reconhecida na sentença ou no título executivoextrajudicial1117. Em todas as demais hipóteses, o valor em dinheiro obtido em processo de execuçãoou cumprimento de sentença deverá ser revertido para o Fundo de Direitos Difusos, previsto no art.13 da LACP1118.

10.9.3. Direitos individuais homogêneos

10.9.3.1. IntroduçãoComo já tive oportunidade de afirmar, o direito individual homogêneo tem natureza de direito

individual, e nada mais é do que a soma de direitos individuais de origem comum. Em um processocoletivo cujo objeto seja um direito individual homogêneo, a sentença condenará o réu ao pagamentodos danos gerados aos sujeitos que sejam titulares de cada direito individual que, somados,resultaram no direito individual homogêneo.

Essa especial característica do direito individual homogêneo faz com que a sentença coletiva sejaexecutada individualmente, por cada um dos indivíduos beneficiados por ela. Muito provavelmenteserá necessária uma fase de liquidação de sentença, mas a execução subsequente terá naturezaindividual. Significa que, dentro da normalidade, a ação é tratada como coletiva somente até aprolação da sentença, e depois desse momento é tratada como individual, seja na liquidação, seja naexecução.

A execução individual não terá qualquer especialidade procedimental, sendo uma regularexecução de pagar quantia certa de título executivo judicial. Os pontos de maior interesse ficam porconta da execução por fluid recovery e da execução pseudocoletiva, temas que serão analisados aseguir.

10.9.3.2. Execução por fluid recovery

Conforme já analisado a execução de sentença fundada em direito individual homogêneo será feitaindividualmente, pelos lesionados, seus sucessores ou mesmo pelos legitimados coletivos.Independentemente do exequente, o importante a ressaltar é a natureza individual dessas execuções, oque, no caso concreto, exigirá a iniciativa do indivíduo, seja ingressando com a execução, sejamuniciando o legitimado coletivo de informações para que o quantum debeatur individual sejaestabelecido. O indivíduo, portanto, é peça fundamental na execução de sentença coletiva fundada emdireito individual homogêneo.

Como a participação do indivíduo é praticamente indispensável na execução ora analisada, surge apossibilidade de uma sentença praticamente ineficaz, que aproveite concretamente um número ínfimode interessados que se habilitem na demanda para executar seus créditos. Por vezes, uma sentençacom abrangência ampla em termos de sujeitos beneficiados pode simplesmente deixar de gerar todosos seus potenciais efeitos, bastando para isso que os beneficiados pela decisão não executem seuscréditos individuais.

Poder-se-á questionar por que um sujeito, que tem em seu favor um título executivo judicial, deixade executá-lo. Apesar dos mecanismos de aviso aos interessados previstos pela lei, deve-sereconhecer que a publicação de editais no início do processo, nos termos do art. 94 do CDC, podenão levar à informação da existência do processo para todos os interessados. E, mesmo que adotadoentendimento doutrinário no sentido de aplicar esse dispositivo legal por analogia para o momentoposterior ao trânsito em julgado1119, difícil acreditar na plena publicidade da decisão. Medidainteressante nesse sentido seria o autor pedir já na petição inicial a condenação do réu aprovidenciar a publicação da sentença em meios de comunicação de grande alcance, como a internet,televisão e rádio. De qualquer forma, deve-se contar com a ignorância dos interessados a respeito dasentença que os beneficia.

Por outro lado, a própria desinformação de muitas partes e seus patronos pode colaborar para nãohaver a execução individual na dimensão adequada e possível diante da sentença coletiva. A exatacompreensão do sistema processual existente para a tutela coletiva ainda está longe de ser umarealidade, de modo que não é espantoso encontrar advogados que simplesmente não sabem quepoderão se valer de uma sentença coletiva para o benefício de seus clientes.

Além das dificuldades apresentadas, é importante lembrar típica hipótese de execução por fluidrecovery. Como aponta a melhor doutrina1120, existem danos que individualmente considerados sãoínfimos, dificilmente incentivando os indivíduos à execução. No entanto, quando esses danosindividuais são somados, passando a existir de forma global, nota-se que o prejuízo gerado pelo réufoi substancial. Os exemplos são fartos: milhares de consumidores foram enganados por umaempresa de chocolate, que anunciava barras de 30 g com somente 29 g; milhares de viajantespagaram pedágio a R$ 10,00 quando o valor coreto seria R$ 9,90; milhares de clientes de um bancotiverem R$ 0,50 retirados indevidamente de suas contas. Nesse caso, a falta de interesse nasexecuções individuais, em razão do ínfimo valor envolvido, poderá liberar o réu de arcar com asconsequências de seu ato danoso, o que, naturalmente, não deve ser bem aceito.

Exatamente por compreender que a efetividade da sentença fundada em direito individualhomogêneo dependerá antes de tudo da iniciativa do indivíduo, com o que nem sempre se poderácontar, o legislador consagrou no art. 100 do CDC a chamada execução por fluid recovery,originária do direito norte-americano, também chamada de reparação fluída. Segundo o dispositivo

legal, “decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com agravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução daindenização devida”.

A execução por fluid recovery se distingue de forma significativa da execução individual. Nesta, oindivíduo ou o legitimado coletivo como substituto processual litiga para satisfazer o direitoindividual, enquanto naquela o legitimado coletivo busca uma recomposição em prol da coletividade,tanto assim que, segundo o art. 100, parágrafo único, do CDC, o produto da indenização devidareverterá para o fundo criado pela Lei 7.347/1985, o Fundo de Direito Difusos (FDD),independentemente de pedido nesse sentido na petição inicial da ação coletiva1121. Não deixa de serinteressante porque o dano gerado pelo réu foi individual, enquanto a execução por fluid recoverytutela a coletividade.

Essa forma diferenciada de execução deve ser considerada como uma anomalia do sistema, sódevendo tomar lugar quando as execuções individuais não tiverem sido oferecidas em númerocompatível com a gravidade do dano. Insista-se mais uma vez que, se o direito individual homogêneotem natureza de direito individual, as execuções devem ser individuais, valendo-se o sistema daexecução por fluid recovery apenas subsidiariamente.

Apesar do silêncio da lei, o termo inicial do prazo de um ano previsto pelo art. 100 do CDC é otrânsito em julgado da sentença1122, pois ninguém pode ser obrigado a executar provisoriamente umasentença assumindo os riscos que essa espécie de execução proporciona. Caberá aos legitimadoscoletivos uma primeira aferição do número de interessados habilitados diante do potencial dasentença, uma vez que, se os próprios legitimados coletivos entenderem que o número deinteressados habilitados é compatível com a gravidade do dano, não devem ingressar com aexecução por fluid recovery. E, mesmo que seja oferecida a execução, caberá ao juiz a palavra finala respeito do cabimento dessa espécie de execução, sendo nesse caso indispensável, em respeito aoprincípio do contraditório, a oitiva do réu antes da prolação da decisão. De qualquer forma, o juiznunca poderá dar início de ofício a tal execução.

Como a lei foi suficientemente clara ao mencionar um número compatível com a gravidade dodano, não é necessário que todos os beneficiados tenham se habilitado a fim de evitar a execução porfluid recovery. Apesar do subjetivismo existente no dispositivo legal ora mencionado, deve restarclaro que, mesmo havendo interessados não habilitados, a fluid recovery poderá ser dispensável. Atese de que deve haver um ressarcimento integral do dano gerado é amparada em vício de premissa,porque a execução por fluid recovery não tem como objetivo complementar as execuçõesindividuais, mas tão somente fazer com que a sentença tenha eficácia prática.

Essa é a razão, inclusive, para que na execução por fluid recovery se busquem outros parâmetrosque não somente os danos individuais não executados individualmente, pois, sem a colaboração dostitulares do direito, nem sempre será possível a determinação do valor de tal dano. O SuperiorTribunal de Justiça tem interessante julgado no qual associou o valor dos danos individuais nãoexecutados e o valor da execução por fluid recovery com fundamento no princípio da menoronerosidade1123. É claro que no caso julgado era possível e razoavelmente simples se aferir essevalor, o que, entretanto, não é a regra das condenações fundadas em violação de direito individualhomogêneo.

Sempre que impossível ou extremamente difícil se aferir o valor dos danos individuais sem a

presença do individuo beneficiado pela sentença, como deverá o juiz proceder? Nesse momento,avultará o defining function do juiz na determinação do valor da execução, que, mesmo não estandoatrelado aos danos sofridos e não reparados, deverá levar em consideração os danos já reparadoscomo forma de diminuir eventual valor a ser pago na execução por fluid recovery1124.

Para parcela minoritária da doutrina o prazo de um ano do trânsito em julgado previsto no art. 100do CDC é decadencial, de modo que, se o indivíduo não se habilitar nesse prazo para executar asentença coletiva, perderá seu direito de crédito. A justificativa para esse entendimento é evitar umeventual bis in idem1125.

Concordo com a doutrina majoritária que defende a possibilidade de execuções individuais mesmodurante ou após o encerramento da execução por fluid recovery1126. O prazo de um ano previsto peloart. 100 do CDC tem natureza processual, e simplesmente aponta o momento a partir do qual seadmitirá uma execução coletiva de sentença fundada em violação a direito individual homogêneo.Esse referido prazo, em razão de sua natureza processual, não afeta os prazos prescricionais edecadenciais referentes ao direito individual que poderá ser objeto de execução1127.

É evidente que, ao responder a todos os beneficiados pela sentença coletiva e também pela fluidrecovery, o réu estará sendo prejudicado em dobro, mas não se pode falar nesse caso em bis in idem,pois os credores das duas espécies de execução são diferentes: no primeiro caso o indivíduo e, nosegundo, a coletividade.

Ademais, devemos lembrar que a execução forçada não deveria nem mesmo existir se os réuscondenados cumprissem sua obrigação de pagar o que foi definitivamente reconhecido na sentençacondenatória. Caso o réu pretenda evitar uma duplicidade executiva, terá um ano, a partir do trânsitoem julgado, para pagar o que deve aos indivíduos beneficiados, de forma a evitar a execução porfluid recovery. Basta procurar tais sujeitos e realizar o pagamento do devido e, no caso de dúvida arespeito do montante que gere resistências do indivíduo em receber o pagamento, ingressar comconsignações em pagamento, o que já será suficiente para evitar a execução por fluid recovery.

Ao prever que o produto obtido por meio da execução por fluid recovery reverterá para o Fundode Direitos Difusos (FDD), o art. 100, caput, do CDC dá a entender que toda execução por fluidrecovery será realizada, cujo objeto é uma obrigação de pagar quantia certa, em um valoraproximado daquele que deveria ter sido cobrado pelos beneficiados pela sentença que não sehabilitaram para a execução. Entendo, entretanto, que nem sempre deverá ser assim. Ainda que acondenação do réu na sentença coletiva tenha como objeto uma obrigação de pagar quantia certa aoslesionados por sua atuação, para a execução por fluid recovery será possível a transformação dessacondenação em uma obrigação de fazer ou de entregar.

Basta imaginar um dos exemplos dados neste capítulo para justificar a execução por fluidrecovery. Milhões de motoristas pagaram R$ 0,50 a mais do que o valor correto de um pedágio.Reconhecida tal situação, na sentença coletiva o réu é condenado a ressarcir cada um dos usuários dopedágio pela diferença apurada entre o valor cobrado e o valor que deveria ter sido cobrado, nocaso, míseros R$ 0,50. Como é de esperar, as execuções individuais, se existirem, serão em númeroinsignificante diante do dano gerado. Na execução por fluid recovery, entretanto, em vez de cobrar ovalor total da tungada, o juiz poderia determinar que a empresa que cuida do pedágio passasse acobrar R$ 0,50 a menos do que o preço devido, até que devolvesse aos consumidores, ainda que deforma reflexa e indireta, o valor indevidamente ganhado com a cobrança em valor acima do devido.

De qualquer forma, quando o valor for revertido para o Fundo de Direitos Difusos (FDD), éimportante notar que ele não será revertido em favor dos indivíduos s lesionados, mas sim em prolda coletividade, devendo ser aplicado na área de interesse que gerou a execução1128. Conformecorreto entendimento jurisprudencial, a remessa de tais valores ao FDD, por estar expressamenteconsagrado em lei, independe de pedido expresso do autor em sua petição inicial1129.

10.9.3.3. LegitimidadeConforme amplamente afirmado, a execução típica diante de uma sentença fundada em violação a

direito individual homogêneo é individual, buscando a satisfação de um direito determinado e detitularidade definida. Segundo o art. 97, caput, do CDC, “a liquidação e a execução de sentençapoderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata oart. 82”.

A primeira parte do dispositivo legal não apresenta qualquer dificuldade interpretativa, prevendotípica hipótese de legitimação ordinária das vítimas do ato ilícito reconhecido na sentença ou de seussucessores. Os indivíduos estarão nesse caso litigando em nome próprio por um direito individualpróprio. A legitimação concedida aos legitimados à propositura da ação coletiva, elencados no art.82 do CDC, por sua vez, traz maiores dificuldades ao intérprete, havendo até mesmo quem apontepara uma legitimação anômala nesse caso1130.

A análise torna-se ainda mais difícil diante da expressa previsão do art. 98 do CDC: “A execuçãopoderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo vítimascujas indenizações já tiveram sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamentode outras execuções”.

Para corrente doutrinária considerável a previsão do art. 97, caput, do CDC não atribuipropriamente uma legitimação ativa para os legitimados coletivos, mas tão somente autoriza queesses possam litigar em nome das vítimas do ato ilícito ou seus sucessores na defesa de seus direitos.Significa que, sendo a execução individual, a legitimidade será exclusiva das vítimas e de seussucessores, limitando-se a participação dos legitimados coletivos a uma representação processualdesses titulares do direito1131.

O entendimento parece ser realmente o mais adequado considerando-se a natureza da execução emfavor das vítimas e seus sucessores. Fica claro nesse caso que nas execuções não mais se estarádiante de um direito individual homogêneo, o que poderia justificar a legitimidade ativa doslegitimados coletivos previstos pelo art. 82 do CDC. Direito puramente individual deve gerar umalegitimidade ordinária para seus titulares defendê-lo em juízo, não havendo justificativa plausívelnesse caso para uma legitimação extraordinária em favor dos legitimados coletivos.

Ocorre, entretanto, que o entendimento de que a presença dos legitimados coletivos na execuçãoindividual da sentença proferida em violação a direito individual homogêneo se dá por meio darepresentação processual pode causar um embaraço a essa participação. Tratando-se derepresentação processual, o legitimado coletivo necessariamente deverá obter uma expressaautorização da vítima ou de seu sucessor para que ajuíze em seu nome a liquidação ou execução, oque, naturalmente, poderá dificultar no caso concreto tal ajuizamento.

Provavelmente pensando nessas dificuldades práticas, e considerando a previsão contida no art.8º, III, da CF, o Supremo Tribunal Federal, ao enfrentar o tema, pacificou o entendimento de que os

legitimados coletivos têm legitimidade no campo dos direitos individuais homogêneos tanto para afase de conhecimento como para a fase de liquidação e execução da sentença. Entendeu-se que seriaefetivamente caso de legitimação extraordinária, por meio da qual o legitimado coletivo liquida eexecuta a sentença em nome próprio na defesa dos interesses da vítima do ato ilícito e seussucessores1132.

A partir do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça tambémpassou a decidir pela legitimação extraordinária, com a dispensa de autorização das vítimas ousucessores para o ingresso da liquidação e execução1133.

O importante nesses julgados, entretanto, é a constatação de que, embora se admita umalegitimação extraordinária dos legitimados coletivos, a execução não será coletiva, como sugere oart. 98 do CDC. Havendo a determinação e individualização dos direitos exequendos, a execuçãoserá individual, não obstante o legitimado ativo seja coletivo1134. Como lembra a melhor doutrina,nesse caso, tem-se aí uma ação pseudocoletiva, formada pela soma das parcelas identificadas dedireitos individuais1135.

Por conseguinte, tem-se o seguinte cenário diante de uma sentença fundada em violação a direitoindividual homogêneo: (i) execução individual oferecida pelas vítimas ou sucessores em legitimaçãoordinária; (ii) execução individual (não obstante o art. 98 do CDC preveja ser coletiva) oferecidapelos legitimados coletivos em favor das vítimas e sucessores em legitimação extraordinária; (iii)execução coletiva por fluid recovery proposta pelos legitimados coletivos em favor da coletividadeem legitimação extraordinária.

Scarpinella, Curso, p. 210; Leal, Ações coletivas, p. 188; Pedro Dinamarco, Ação civil pública, p. 17; Vigliar, Ação civil pública ouação coletiva?, p. 453.Mazzilli, A defesa, p. 73-74.Lopes, Aspectos, 1.3.2, p. 40; Zavascki, Processo coletivo, p. 56-58.Arruda Alvim, apud Leal, Ações, p. 188.Vigliar, Ação civil pública ou ação coletiva?,p. 441-443; Lenza, Teoria, 2.3., p. 157-158.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 257-258; Carvalho Filho, Manual, 14.7, p. 1.011; Alves, Ação, p. 309-343.Figueiredo, Ação, p. 330.Garcia-Alves, Improbidade, p. 624; Andrade-Masson-Andrade, Interesses, n. 6.12.1, p. 728; Assagra, Direito, p. 459; Gomes Jr-Favreto,Comentários, p. 301-302.Informativo 482/STJ, 2ª Turma, REsp 1.238.466-SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 06/09/2011; Informativo 477/STJ, CorteEspecial, Rcl 4.927-DF, rel. Min. Felix Fischer, j. 15/06/2011.Costa, O processo, p. 126-127.STJ, 5ª Turma, REsp 1.220.835/RS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 01/03/2011, DJe 09/06/2011.Nery-Nery, Código, p. 1.435; Leonel, Manual, 5.2.5, p. 170-172; Assagra, Direito, 11.7.5, p. 575.STF, 2ª Turma, RE 586.705 AgR/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 23/08/2011, DJe 08/09/2011; STJ, 1ª Turma, REsp 903.189/DF,rel. Min. Luiz Fux, j. 16/12/2010, DJe 23/02/2011. STJ, 1ª Turma, REsp 760.034/DF, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 05/03/2009, DJe18/03/2009.STF, 2ª Turma, RE 228.177/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17/11/2009, DJe 05/03/2010; STJ, 1ª Turma, AgRg no Ag 1.249.559/RJ, rel.Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15/12/2011, DJe 02/02/2012; STJ, 2ª Turma, REsp 1.198.400/RO, rel. Min. Humberto Martins, j.24/08/2010, DJe 08/09/2010.Zavascki, Processo coletivo, p. 42.Cfr. Ação civil pública, p. 151.Arruda Alvim, Ação civil pública, RePro 87, São Paulo, RT, p. 151, jul.-set. 1997; Antonio Gidi, Coisa julgada e litispendência em açõescoletivas, p. 24.Barbosa Moreira, A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados interesses difusos, Temas dedireito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1977, p. 112-113.

Rizzatto Nunes, Ações coletivas e as definições de direito difuso, coletivo e individual homogêneo, in Rodrigo Mazzei e Rita DiasNolasco (Coord.), Processo civil coletivo, São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 87.Eduardo Arruda Alvim, Apontamentos sobre o processo das ações coletivas, Processo coletivo, 28; Didier-Zaneti, Curso, p. 74;Watanabe, Código, p. 72; Vigliar, Tutela jurisdicional coletiva, p. 71.Watanabe, Código, p. 72.Barbosa Moreira, Ação civil pública, Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, Malheiros, n. 3, p. 24, 1993; Aluisio Gonçalves deCastro Mendes, Ações coletivas, São Paulo: RT, 2002, p. 210-211.Barros Leonel, Manual, p. 106; Eduardo Arruda Alvim, Apontamentos, p. 30; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 725.Watanabe, Código, p. 73.Didier-Zaneti, Curso, p. 75.Watanabe, Código, p. 75.Watanabe, Código, p. 76.Grinover, Código, p. 135.Grinover, Código, p. 135-136; Mendes, Ações, p. 221.Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, apud Didier-Zaneti, Curso, p. 78; Rizzatto Nunes, As ações, p. 91.Zavascki, Processo coletivo, p. 43.Mendes, Ações, p. 221, fala em “número expressivo de pessoas” e “fenômenos típicos de massa”.Abelha Rodrigues, Ação, p. 353-354.Informativo 491/STJ: 4ª Turma, REsp 823.063-PR, rel. Min. Raul Araújo, j. 14/02/2012; STJ, 3ª Turma, AgRg no REsp 710.337/SP, rel.Min. Sidnei Beneti, j. 15/12/2009, DJe 18/12/2009Zavascki, Processo coletivo, p. 42-43.Marinoni-Arenhart, Curso, p. 726; Abelha, Ação, p. 353; Assagra, Manual, p. 492; Vigliar, Tutela, 79; Mendes, Ações, p. 220-221;Mazzilli, p. 57; Zavascki, p. 43.Barbosa Moreira, Processo coletivo, p. 42-43.Zavascki, Tutela jurisdicional, p. 195-196.Didier-Zaneti, Curso, p. 80-82.Neves, Manual de processo coletivo, 2.1, p. 6.STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp 1.086.805/RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 02/08/2011, DJe 15/09/2011; STJ, 2ª Turma, AgRg no Ag1.156.930/RJ, rel. Min. Humberto Martins, j. 10/11/2009, DJe 20/11/2009.STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 1.045.750/RS, rel. Min. Castro Meira, j. 23/06/2009, DJe 04/08/2009; STJ, 1ª Seção, EREsp 819.010/SP,rel. Min. Eliana Calmon, rel. p/ acórdão Min. Teori Albino Zavascki, j. 13/02/2008, DJe 29/09/2008.Informativo 511/STJ, 3ª Turma, REsp 509.968-SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 06/12/2012; STJ, 3ª Turma, REsp 976.021/MG,rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14/12/2010, DJe 03/02/2011.STJ, 1ª Turma, REsp 1.005.587/PR, rel. Min. Luiz Fux, j. 02/12/2010, DJe 14/12/2010; STJ, 1ª Turma, AgRg no Ag 1.131.833/SP, rel. Min.Teori Albino Zavascki, j. 18/08/2009, DJe 26/08/2009.STJ, 1ª Seção, REsp 931.513/RS, rel. Min. Carlos Fernando Mathias, rel. p/ acórdão Min. Herman Benjamin, j. 25/11/2009, DJe27/09/2010.STJ, 5ª Turma, REsp 605.295/MG, rel. Min. Laurita Vaz, j. 20/10/2009, DJe 02/08/2010.STF, Tribunal Pleno, Pet 3.087 AgR/DF, rel. Min. Carlos Britto, j. 24/06/2004, DJ 10/09/2004, p. 77.STF, Pet 1.738 AgR/MG, rel. Min. Celso de Mello, j. 01/09/1999, DJ 01/10/1999, p. 42.STF, Tribunal Pleno, ACO 622 QO/RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 07/11/2007, DJe 14/02/2008; STF, Tribunal Pleno, Pet 3.674 QO/DF, rel.Min. Sepúlveda Pertence, j. 04/10/2006, DJ 19/12/2006, p. 37.STF, Tribunal Pleno, Rcl 2.937/PR, rel. Min. Marco Aurélio, j. 15/12/2011, DJe 16/04/2012.STJ, 3ª Turma, AgRg no REsp 1.116.923/PR, rel. Min. Vasco Della Giustina, j. 21/10/2010, DJe 05/11/2010; STF, 2ª Turma, RE206.220/MG, rel. Min. Marco Aurélio, j. 16/03/1999, DJ 17/09/1999, p. 58.Costa, O processo, p. 248-249.Oliveira, Improbidade, 10.4, p. 361; Monteiro, Curso, p. 501.TST, 6ª Turma, RR 531-30.2003.5.14.0402, rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, j. 26/10/2011, DJ 04/11/2011; TST, 1ª Turma, RR 13700-05.2007.5.12.0013, rel. Min. Walmir Oliveira da Costa, j. 22/06/2011, DJ 01/07/2011; TST, Subseção I Especializada em DissídiosIndividuais, E-RR 540500-44.2006.5.12.0014, rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, j. 05/05/2011, DJ 20/05/2011.Oliveira, Improbidade, 10.4, p. 364; Costa, O processo, p. 249; Alves-Pacheco, Improbidade, 7.2, p. 695.STJ, 1ª Turma, REsp 1.100.698/PR, rel. Min. Francisco Falcão, j. 05/05/2009, DJe 20/05/2009; STJ, REsp 876.936/RJ, rel. Min. Luiz Fux,j. 21/10/2008, DJe 13/11/2008.STJ, 2ª Turma, REsp 1.070.067/RN, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 02/09/2010, DJe 04/10/2010; STJ, 1ª Seção, AgRg no CC107.457/PA, rel. Min. Herman Benjamin, j. 14/04/2010, DJe 18/06/2010.

Súmula 209/STJ: Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimôniomunicipal.STJ, 1ª Turma, 1ª Seção, CC 39.111/RJ, rel. Luiz Fux, DJ 28/02/2005.Dinamarco, Instituições, p. 530; Mazzilli, A defesa, p. 212.Chiovenda, Instituições, p. 187.Nery-Nery, Código, p. 494. No mesmo sentido: Barbi, Comentários, p. 320; Fidélis dos Santos, Manual, p. 150; Fux, Curso, p. 99;Marinoni-Mitidiero, Código, p. 165.Mancuso, Ação civil pública, p. 66; Theodoro Jr., Curso, p. 162; Gusmão Carneiro, Jurisdição, p. 90.Marcato, Breves, p. 29; Vincenzi, Competência, p. 274-275; Greco Filho, Direito, p. 205; Pizzol, A competência, p. 172.Informativo 468/STJ, 3ª Turma, REsp 1.101.057/MT, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07/04/2011.Grinover, Código, p. 808.STJ, 3ª Turma, REsp 1.101.057/MT, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07/04/2011, DJe 15/04/2011; STJ, 2ª Turma, REsp 1.120.117/AC, rel.Min. Eliana Calmon, j. 10/11/2009, DJe 19/11/2009; STJ, 2ª Turma, REsp 448.470/RS, rel. Min. Herman Benjamin, j. 28/10/2008, DJe15/12/2009.STJ, 1ª Seção, CC 97.351/SP, rel. Min. Castro Meira, j. 27/05/2009, DJe 10/06/2009.Grinover, Código, p. 779; Araújo Filho, Comentários, p. 126.STJ, 1ª Seção, AgRg no CC 118.023/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 28/03/2012, DJe 03/04/2012.Mendes, Ações coletivas, p. 237-238; Mazzilli, A defesa, p. 220-221.Didier Jr.; Zaneti Jr. Curso, p. 139.STJ, 1ª Seção, CC 97.351/SP, rel. Min. Castro Meira, j. 27/05/2009, DJe 10/06/2009.Assagra, Direito, p. 461.Yarshell, Competência no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003). Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 12 maio2005; Godinho, A proteção, 6.6., p. 208.Araken de Assis, Substituição, p. 9.Theodoro Jr., Curso, n. 53, p. 68; Câmara, Lições, v. 1, p. 116; Greco, A teoria, n. 2.7, p. 41; Pinho, Teoria, n. 12.5.2, p. 127; Fux, Cursop. 160.Nery-Nery, Código, p. 178; Barbosa Moreira, Notas, p. 33.Dinamarco, Instituições, n. 548, p. 308; Theodoro Jr., Curso, n. 53, p. 68.Araken de Assis, Substituição, p. 16-17; Marinoni-Mitidiero, Curso, p. 101.Araken de Assis, Substituição, p. 16.Câmara, Lições, v. 1, p. 118.Nery-Nery, Código, p. 1.443; Assagra, Direito, p. 499; Leonel, Manual, 5.2.2, p. 153.Nery-Nery, Código, p. 1.443; Leonel, Manual, 5.2.2, p. 153. Contra, pela legitimidade autônoma mesmo no direito individual homogêneo:Assagra, Direito, p. 499.Mazzilli, A defesa, p. 64-65; Zavascki, Processo coletivo, p. 76.Barbosa Moreira, La iniciativa, p. 57; Mazzilli, A defesa, p. 327; Leonel, Manual, p. 182; Assagra, Direito, p. 513. Com dadosestatísticos, ainda que pontuais e antigos Carneiro, Acesso, p. 192.STF, Tribunal Pleno, RE 511.961/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17/06/2009, DJe 13/11/2009; STJ, 2ª Turma, REsp 933.002/RJ, rel. Min.Castro Meira, j. 16/06/2009, DJe 29/06/2009.Abelha Rodrigues e Klippel, Comentários, p. 37; Costa, Comentários, p. 394-396.Mazzilli, A defesa, p. 109.Mazzilli, A defesa, p. 107.Informativo 421/STJ, 3ª Turma, REsp 910.192-MG, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02/02/2010; STJ, 1ª Turma, REsp 637.332/PR, rel. Min.Luiz Fux, j. 24/11/2004, DJ 13/12/2004, p. 242.Almeida, Direito, p. 514.Carvalho Filho, Ação, p. 127.STF, Tribunal Pleno, RE 511.961/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17/06/2009, DJe 13/11/2009; STJ, 2ª Turma, REsp 933.002/RJ, rel. Min.Castro Meira, j. 16/06/2009, DJe 29/06/2009.Zavascki, Processo, p. 234-234-240; Castro Mendes, Ações coletivas, p. 247-248; Leonel, Manual, p. 190; Arruda Alvim, O MP e atutela, p. 257-259; Zanellato, Sobre a defesa, p. 398-403.STF, 2ª Turma, RE 514.023/AgR/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, j. 04/12/2009, DJe 05/02/2010; STF, 2ª Turma, RE 472.489/AgR/RS, rel.Min. Celso de Mello, j. 29/04/2008, DJe 29/08/2008; STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 938.951/DF, rel. Min. Humberto Martins, j.23/02/2010, DJe 10/03/2010; STJ, 4ª Turma, AgRg no REsp 800.657/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 05/11/2009, DJe16/11/2009.Carvalho Filho, Ação, p. 129-130.

Mazzilli, A defesa, p. 108.Costa, Comentários, p. 407.Shimura, Tutela coletiva, p. 89.STJ, 3ª Turma, REsp 705.469/MS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 16/06/2005, DJ 01/08/2005, p. 456.STJ, 4ª Turma, REsp 706.449/PR, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 26/05/2008, DJ 09/06/2008, p. 75.Shimura, Tutela coletiva, n. 3.3.4, p. 89.Informativo 442/STJ: 2ª Turma, REsp 876.931-RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 10/08/2010.Mancuso, Ação, n. 6.3.3, p. 152.Venturi, Processo, p. 211.Costa, Comentários, p. 404; Leonel, Manual, p. 164-165.Dinamarco, Ação, p. 257; Vigliar, Ação, p. 83.Em sentido próximo, Mazzilli, A defesa, p. 309.STJ, 3ª Turma, REsp 168.051/DF, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 19/05/2005, DJ 20/06/2005, p. 263; Carvalho Filho, Ação, p. 147.Abelha e Klippel, Comentários, p. 41; Almeida, Manual, p. 123-124; Dinamarco, Ação, p. 260-261; Negrão, Ações, p. 238-240.Aparentemente no sentido do texto: STJ, 1ª Turma, REsp 879.840/SP, rel. Min. Francisco Falcão, j. 03/06/2008, DJe 26/06/2008. Contra:Carvalho Filho, Ação, p. 149; STJ, 1ª Turma, REsp 236.499/PB, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 13/04/2000, DJ 05/06/2000, p.125.STJ, 2ª Turma, REsp 1.075.392/RJ, rel. Min. Castro Meira, rel. p/ acórdão Min. Herman Benjamin, j. 15/12/2009, DJe 04/05/2011; STJ,3ª Turma, REsp 866.636/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 29/11/2007, DJ 06/12/2007, p. 312.Súmula 329/STJ; Informativo 427/STJ, 2ª Turma, REsp 1.162.074/MG, rel. Min. Castro Meira, j. 16/03/2010; Informativo 404/STJ, 1ªSeção, REsp 1.119.377/SP, rel. Min. Humberto Martins, j. 26/08/2009.STJ, 4ª Turma, AgRg no REsp 1.000.421/SC, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 24/05/2011, DJe 01/06/2011; STJ, 3ª Turma, AgRg noAgRg no Ag 656.360/RJ, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 15/03/2011, DJe 24/03/2011; STJ, 3ª Turma, REsp 555.111/RJ, rel.Min. Castro Filho, j. 05/09/2006, DJ 18/12/2006, p. 363.STJ, 1ª Turma, EDcl no REsp 734.176/RJ, rel. Min. Francisco Falcão, j. 17/08/2006, DJ 28/09/2006, p. 203; STJ, 2ª Turma, AgRg no Ag500.644/MS, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 01/03/2005, DJ 18/04/2005.Didier Jr. e Zaneti Jr., Curso, p. 217; Lima, Defensoria, n. 7.3.3.1.2, p. 229.Sousa, A nova, p. 235-236.STJ, 1ª Turma, REsp 912.849-RS, rel. Min. José Delgado, j. 26/02/2008, DJe 28/04/2008.Pereira e Bottini, A Defensoria, p. 266.Ordacgy, Primeiras, p. 93.Nesse sentido Carvalho Filho, Ação, p. 157.Peña de Moraes e Teixeira da Silva, Assistência, p. 156; Ordacgy, Primeiras, p. 96; Sousa, A nova, p. 230-231.Grinover, Novas, p. 246.Grinover, Novas tendências, p. 245; Britto, A evolução, p. 18; Lima, Defensoria, n. 7.3.3.3.1, p. 234.STJ, 2ª Turma, REsp 1.264.116/RS, rel. Min. Herman Benjamin, j. 18/10/2011, DJe 13/04/2012. Com o mesmo entendimento amplo: STJ,1ª Turma, REsp 912.849/RS, rel. Min. José Delgado, j. 26/02/2008, DJe 28/04/2008.Wambier-Wambier-Medina, Breves, 312-313; Carvalho Filho, Ação, p. 156-157; Pereira e Bottini, A Defensoria, p. 273-278.Pinho, A legitimidade, p. 185.Sousa, A nova, p. 245.Didier Jr. e Zaneti Jr., Curso, p. 218.Carvalho Filho, Ação, p. 157, defende a impossibilidade. Contra, no sentido do texto, Ferraresi, Ação, p. 208.STF, Plenário, ADI 3.022/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 02/08/2004, DJ 04/03/2005, p. 10.Didier-Zaneti, Curso, p. 219; Ordacgy, Primeiras, p. 96-97, Séguin, Defensoria, p. 157.Lima, Defensoria, p. 245-246.Câmara, Legitimidade, p. 49.Neves, Manual de processo coletivo, 21, p. 463-474.Didier-Zaneti, Curso, p. 128.A opção do legislador é criticada por Sérgio Bermudes, Introdução ao processo civil, op. cit., p. 74.Cf. Scarpinella, O Poder, p. 156. No mesmo sentido, Mazzilli, A defesa, p. 221-222; Assagra, Direito, p. 347STJ, 1ª Seção, CC 45.297/DF, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 14/09/2005, DJ 17/10/2005, p. 163.STJ, AgRg no REsp 500.409/PR, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 03/02/2005, DJ 21/03/2005, p. 220; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 252.Scarpinella Bueno, Curso, v. 2, t. III, p. 230; Mancuso, Ação, 8.1, p. 217; Almeida, Aspectos, p. 153; Leonel, Manual, 5.2.3, p. 155;Nery-Nery, Código, p. 1.445.Dinamarco, Instituições, v. 2, p. 356.

Vigliar, Ação, p. 88; Andrade-Masson-Andrade, Interesses, 2.6.1.2, p. 127; Mancuso, Ação, 8.1, p. 217; Carvalho Filho, Ação, p. 177;Nery-Nery, Código, p. 1.445.Watanabe, Comentários, p. 82; Souza, Ação, p. 87-89; Costa, Comentários, p. 416.Almeida, Aspectos, p. 139-143; Zavascki, Processo coletivo, p. 139-143.Nery-Nery, Código, p. 1.447.STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp 976.896/RS, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 06/10/2009, DJe 15/10/2009; STJ, REsp 976.896/RS; STJ, 1ªTurma, REsp 876.936/RJ, rel. Min. Luiz Fux, j. 21/10/2008, DJe 13/11/2008.Andrade-Masson-Andrade, Interesses, 2.6.1.3, p. 128.STJ, 2ª Turma, REsp 767.979/RJ, rel. Min. Eliana Calmon, j. 09/06/2009, DJe 25/06/2009; Informativo STJ/279, REsp 769.884/RJ, rel.Min. João Otávio de Noronha, j. 28/03/2006; STJ, 1ª Turma, REsp 870.482/RS, rel. José Delgado, j. 06/03/2008, DJe 30/06/2008.STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp 776.848/RJ, rel. Min. Luiz Fux, j. 22/06/2010, DJe 03/08/2010.Abelha Rodrigues-Klippel, Comentários, p. 201; Silva, Ação, n. 7.1.1, p. 196-197.Didier-Zaneti, Curso, p. 248-249; Nery-Nery, Código, p. 1.445.Mazzilli, A defesa, p. 358; Vigliar, Ação, p. 88; Leonel, Manual, 5.10.4, p. 254; Almeida, Aspectos, p. 153; Mancuso, Ação, 8.1, p. 218.Marinoni, Sobre, p. 255; Arruda Alvim, Manual, p. 43, p. 118.STJ, 2ª Turma, RMS 26.718/SP, rel. Min. Herman Benjamin, j. 01/09/2009, DJe 08/09/2009.Scarpinella Bueno, Código, p. 1.413.Theodoro Jr., Processo, n. 474, p. 558.Talamini, Tutela, n. 9.7, p. 254-255.Marinoni, Tutela, n. 3.27.1.6, p. 222.Dinamarco, Instituições, n. 1.637, p. 474.Informativo 422/STJ: 1ª Turma, REsp 1.098.028-SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 09/02/2010; STJ, 3ª Turma, AgRg no REsp 1.116.800/RS, rel.Min. Massami Uyeda, j. 08/09/2009, DJe 25/09/2009.STJ, 3ª Turma, REsp 1.178.500/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04/12/2012, DJe 18/12/2012.Botelho de Mesquita, Na ação, p. 81 e ss.; Cruz e Tucci-Tucci, Devido, p. 120-121; Castro Mendes, Ações, p. 263-264.Marcato, O princípio, p. 317; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 781.Vigliar, Ação, p. 117; Nery-Nery, Código, p. 1.348; Mancuso, Ação, p. 276.Barbosa Moreira, Ação, p. 123; Arenhart, Perfis, p. 412.Barros Leonel, Manual, p. 273-274; Mazzili, A defesa, p. 427; Marinoni-Arenhart, Manual; Nery-Nery, Código, p. 1.347-1.348.Gidi, Coisa, p. 135-136, Abelha, Ação, p. 329, a extinção se fundamenta na falta de interesse de agir.Afonso da Silva, Ação, p. 273; Mancuso, Ação, p. 284; Arruda Alvim, Notas, p. 37; Assagra de Almeida, Direito, p. 377-378.Gidi, Coisa, p. 131-138; Grinover, Novas, p. 222-224; Barros Leonel, Manual, p. 274.Abelha, Ação, p. 327; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 781-782.Marinoni-Arenhart, Manual, p. 747; Theodoro Jr., Curso, n. 1.688, p. 547.Gidi, Rumo, p. 289-290.Theodoro Jr., Curso, n. 1.688, p. 547; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 747.Mazzilli, A defesa, p. 563; Venturi, Processo, n. 11.4.4, p. 403.Grinover, A ação, p. 241; Leonel, Manual, p. 283.Grinover, A ação, p. 241.Mazzilli, A defesa, p. 291.Leonel, Manual, p. 284; Didier-Zaneti, Curso, p. 148.Didier-Zaneti, Curso, p. 147-148.Marinoni-Arenhart, Manual, p. 748; Zavascki, Processo coletivo, p. 78-79.Marinoni-Arenhart, Manual, p. 749.Leonel, Manual, p. 284; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 749; Mendes, Ações coletivas, p. 265.Mendes, Ações coletivas, p. 264.Mazzilli, A defesa, p. 293.Marioni-Arenhart, Manual, p. 748.Grinover, A ação, p. 242. Com a mesma conclusão, mas por razões diversas, Zavascki, Processo, p. 79-80.STJ, 3ª Turma, REsp 411.529/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24/06/2008, DJe 05/08/2008.STJ, 2ª Seção, EREsp 411.529/SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 10/03/2010, DJe 24/03/2010.STJ, 3ª Turma, EDcl no REsp 167.328/SP, rel. Min. Paulo Tarso Sanseverino, j. 01/03/2011, DJe 16/03/2011; STJ, 4ª Turma, REsp600.711/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 18/11/2011, DJe 24/11/2011.STJ, Corte Especial, REsp 1.243.887/PR, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 19/10/2011, DJe 12/12/2011.STJ, 3ª Seção, CC 109.435/PR, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 22/09/2010, DJe 15/12/2010.

Dinamarco, Execução, p. 207-208; Zavascki, Processo, p. 127-128; Fux, Curso, p. 1.303.Araken de Assis, Manual, n. 81.2, pp. 352-353; Wambier-Wambier-Medina, Breves 2, p. 193; Scarpinella Bueno, A nova 2, p. 165.Contra: Nery-Nery, Código, p. 722.Lucon, Código, p. 1.789; Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 395-396; Abelha Rodrigues, Manual, p. 451-452.Cavalieri, Programa, p. 360. No mesmo sentido Leonel, Manual, p. 379.Informativo 452/STJ: 3ª Turma, REsp 1.098.242/GO, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 21/10/2010; Informativo 422/STJ: 3ª Seção, CC96.682-RJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 10/02/2010.Pizzol, Liquidação, p. 194; Wambier, Liquidação, p. 380.Wambier, Liquidação, p. 371; Grinover, Código, p. 152; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 740; Cavalieri, Programa, p. 358.Wambier, Liquidação, p. 373.Neves, Manual, 41.12.1, p. 938.Grinover, Código, p. 154. No mesmo sentido: Marinoni-Arenhart, Manual, p. 741; Mancuso, Manual, p. 181-182.Informativo 404/STJ; 1ª Seção, REsp 1.119.377-SP, rel. Min. Humberto Martins, j. 26/08/2009.Marinoni-Arenhart, Execução, p. 365; Abelha Rodrigues, Manual, p. 194; Greco, O processo, n. 3.4.1.2, p. 203.STJ, 2ª Turma, REsp 450.258/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 08/06/2004, DJ 20/09/2004.Meirelles-Wald-Mendes, Mandado, p. 203; Costa Machado, A intervenção, 8.4.3, p. 462.Abelha, Ação civil, p. 322.Leonel, Manual, p. 374.Rodrigues, Ação, p. 321.Mancuso, Manual, p. 186.Grinover, Código, p. 163; Mancuso, Manual, p. 183.STJ, 4ª Turma, REsp 996.771/RN, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 06/03/2012, DJe 23/04/2012.Andrade-Masson-Andrade, Interesses, p. 239; Leonel, Manual, p. 381.Informativo 499/STJ: 4ª Turma, REsp 1.187.632-DF, rel. originário Min. João Otávio de Noronha, rel. p/ acórdão Min. Antonio CarlosFerreira, j. 05/06/2012.Grinover, Código, p. 164-165.Andrade-Masson-Andrade, Interesses, p. 238-239.Didier-Zaneti, Curso, p. 389; Leonel, Manual, p. 381; Lucon-Silva, Análise, p. 180.Grinover, Código, p. 154.Mancuso, Manual, p. 193.STJ, 4ª Turma, REsp 996.771/RN, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 06/03/2012, DJe 23/04/2012.Mancuso, Manual, p. 189.Leonel, Manual, 379; Lucon-Silva, Análise, p. 169; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 741; Grinover, Código, p. 157-158.STF, Plenário, RE 214.668/ES, rel. orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 12/06/2006.STJ, 2ª Turma, REsp 1.243.752/PR, rel. Min. Castro Meira, j. 14/04/2011, DJe 27/04/2011; STJ, 2ª Turma, AgRg no Ag 1.391.935/SC,rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 19/05/2011, DJe 31/05/2011; STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp 1.206.708/RS, rel. Min. BeneditoGonçalves, j. 14/04/2011, DJe 19/04/2011.Informativo 414/STJ: Corte Especial, EREsp 760.840/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04/11/2009.Abelha, Ponderações, p. 462; Gajardoni, Direitos I, p. 30.

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