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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE EDUCAO
O PAPEL EDUCATIVO DOS JARDINS BOTNICOS: ANLISE DAS
AES EDUCATIVAS DO JARDIM BOTNICO DO RIO DE JANEIRO
MARIA PAULA CORREIA DE SOUZA
Dissertao apresentada Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo para
obteno do ttulo de Mestre em Educao.
Orientadora:
Professora Doutora Martha Marandino
So Paulo
2009
Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio, convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogao na Publicao Servio de Biblioteca e Documentao
Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo
Souza, Maria Paula Correia de O Papel Educativo dos Jardins botnicos: anlise das aes educativas do Jardim Botnico do Rio de Janeiro /Maria Paula Correia de Souza; orientao Martha Marandino So Paulo: 2009. xxxp. Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao em Educao. rea de Concentrao: Ensino de Cincias e Matemtica) Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo. 1. Museus Educao 2. Jardins Botnicos 3. Educao No
Formal 4. Museus comunicao I. Marandino, Martha, orient.
ii
FOLHA DE APROVAO
Maria Paula Correia de Souza O Papel Educativo dos Jardins Botnicos: anlise das aes educativas do Jardim Botnico do Rio de Janeiro
Dissertao apresentada Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo
para obteno do ttulo de mestre rea de Concentrao: Ensino de Cincias e Matemtica
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. _______________________________________________________________
Instituio _____________________________________ Assinatura______________
Prof. Dr. _______________________________________________________________
Instituio _____________________________________ Assinatura______________
Prof. Dr. _______________________________________________________________
Instituio _____________________________________ Assinatura______________
Prof. Dr. _______________________________________________________________
Instituio _____________________________________ Assinatura______________
iii
Para Mariana. Para todas as crianas. Que elas possam viver
em um mundo mais justo socialmente e mais equilibrado ambientalmente.
iv
AGRADECIMENTOS Mais uma etapa da vida chega ao final, por mais longa que tenha sido essa jornada, encerrada nestas pginas, parece-me at diminuta. Certamente foi com muito esforo e tambm prazer que chego ao final. Mas foi sobretudo, o apoio e amizade que me deram fora para que aqui esteja debruada nestas palavras, que com certeza, no podem exprimir de fato o meu agradecimento. professora Martha Marandino, para alm da orientao, pela motivao e carinho indispensveis na superao dos desafios que surgiram ao longo deste trabalho. Ao professor Marcelo Motokane, pela inspirao anterior e pelos muitos comentrios no relatrio e exame de qualificao e professora Silvia Trivelato, por sua sensibilidade e contribuio durante o exame de qualificao, com idias e sugestes. Olga e Mrcia do Centro de Visitantes do Jardim Botnico do Rio de Janeiro, pelas inmeras informaes prestadas e pela receptividade. s pesquisadoras do Ncleo de Educao Ambiental do JBRJ, em especial Maryane Saisse, por todas as trocas, pela gentileza e estimulo. equipe da Seo de Educao Ambiental do Jardim Botnico de So Paulo, por toda a contribuio para este trabalho. Aos amigos do GEENF (Grupo de Estudos em Educao No Formal e Divulgao Cientfica), por todos os aprendizados, bons momentos de discusso e tambm de diverso. s incansveis e super propositivas meninas: Luciana Martins, Ana Maria, Djana, Luciana Mnaco, Alessandra, pelo carinho e amizade. Ao amigo Adriano, sempre presente e prestativo. Aos colegas do Colgio Santa Clara, sempre motivadores e alegres. Em especial Jaqueline, por compartilhar desse processo, pelas opinies, carinho e ateno. Aos meus pais, pelo apoio incondicional, mas tambm critico, em todos os momentos da minha vida. Por me fazerem sempre acreditar que somos capazes de contribuir para um mundo mais justo. minha irm e amiga, por todo o apoio e motivao, muito alm deste trabalho. Ao meu irmo, pela presena constante e entusiasmo. Marlene e Moacyr pelo apoio e carinho. Aos amigos queridos da biologia, sempre presentes mesmo que longe, Celine, Marta, Gabriela, Gustavo, Lia... Ao Jean, por toda ajuda e inspirao para o trmino do trabalho. Mas sobretudo, pelo amor, carinho e compreenso, por trazer mais harmonia e serenidade para minha vida.
v
RESUMO
SOUZA, M. P. C. O Papel Educativo dos Jardins Botnicos: anlise das aes educativas do Jardim Botnico do Rio de Janeiro. So Paulo, 2009. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo.
Os jardins botnicos so tipos muito peculiares de museus, principalmente porque apresentam exposies em que os elementos so vivos e, em sua maioria, imveis. Destaca-se dentre as diversas funes definidas para esse tipo de instituio, a funo educativa, em uma perspectiva da valorizao crescente da Educao No Formal. Em uma perspectiva qualitativa de pesquisa em educao, este trabalho analisou as aes educativas oferecidas para o pblico geral e escolar promovidas pelo Jardim Botnico do Rio de Janeiro, buscando compreender como estas aes vem sendo desenvolvidas, gerando, assim conhecimento para a reflexo sobre o papel educativo desses espaos. Como parte do processo foi delineada a trajetria histrica dos jardins botnicos em paralelo a dos museus, enfatizando a evoluo do papel educativo do Jardim Botnico do Rio de Janeiro. Este delineamento mostrou um aumento na importncia do papel educativo nestas instituies. No que concerne o Jardim Botnico do Rio de Janeiro, nota-se que as relaes estabelecidas a principio com o pblico estavam mais centradas no lazer, a trajetria desta instituio aponta mudanas nestas relaes, com paulatina ampliao da funo educativa. Salienta-se na historia recente do Jardim as mudanas estruturais, polticas e sociais que levaram a criao de setores exclusivos para atender o pblico visitante. No sentido de ampliar a compreenso da funo social da instituio, faz-se necessrio entender quais as concepes e objetivos norteadores das aes educativas desenvolvidas para o pblico e como so avaliadas e reestruturadas tais aes. Para fundamentao das anlises propostas foram criadas categorias baseadas em referenciais oriundos da educao em museus, da comunicao pblica da cincia e das tendncias pedaggicas em cincias. Em termos gerais, constatou-se que as aes educativas desenvolvidas para o pblico geral que visita o Jardim Botnico do Rio de Janeiro inserem-se em uma perspectiva mais informacional. J as aes para o pblico escolar apontam para maior presena de elementos dialgicos. Nota-se contudo, que as categorias no so totalmente excludentes, isto , elementos de mais de uma categoria podem caracterizar as aes. Ao que tudo indica esta mescla de caractersticas informacionais e dialgicas podem conviver nas aes, sem que estas sejam melhores ou piores do ponto de vista da apropriao pelo pblico, da mesma forma que os modelos de comunicao convivem atualmente e elementos e prticas das diferentes tendncias pedaggicas tambm. Ressalta-se que para alm de mapear as aes e caracteriz-las, este estudo pode auxiliar a instituio a ampliar a compreenso destas aes no sentido de adequ-las aos seus objetivos e intenes. Em um contexto mais amplo, esta pesquisa contribui tambm para a reflexo critica da funo social do Jardim Botnico do Rio de Janeiro, na medida em que d subsdios sobre a imagem educativa e comunicativa que esta sendo passada para seu pblico. Ademais este estudo tambm traz evidencias de que as relaes com os visitantes tm se tornado cada vez mais importantes para a instituio, legitimando-a perante a sociedade e assumindo assim, importante papel social. Por fim, os resultados deste trabalho reforam a importncia das avaliaes e pesquisas sobre as aes educativas desenvolvidas por espaos como jardins botnicos, zoolgicos, museus e centros de cincia, no sentido da ampliao da divulgao cientfica e da efetiva participao do pblico nas questes relacionadas com a cincia e o ambiente. Palavras-chave: museus, jardins botnicos, educao no formal, educao e comunicao em museus.
vi
ABSTRACT SOUZA, M. P. C. The Educational Role of Botanical Gardens: analysis of the educational actions of the Rio de Janeiro Botanical Garden. So Paulo, 2009. Master dissertation Faculty of Education, University of So Paulo. Botanical gardens are particular types of museums, especially because they exhibit living elements, most of them static. Among the functions of this type of institution, the educational one is particularly relevant within a growing valorization of informal education. In a qualitative research perspective, this study analyses the educational actions addressed to spontaneous and scholarship publics by the Rio de Janeiro Botanical Garden. We aimed to understand how these actions are being developed, creating knowledge for further thought about the educational role of these institutions. Within this perspective, we compared the historical development of botanical gardens with the one of museums, highlighting the growth of the education role in the Rio de Janeiro Botanical Garden. This analysis showed an increased importance of the education role in these institutions. For the Rio de Janeiro Botanical Garden, the initial relationships with the public were essentially based on the recreational function, but were then progressively changed, with the expansion of the educational function. In the recent history of the Botanical Garden we observed structural, political and social changes which resulted in the creation of public visiting sectors. To understand the social function of the institution, it is necessary to understand which are the fundamental concepts and aims of these public educational actions, and how were these actions evaluated and adapted. To support the proposed analyses, we created categories based on referential concepts from museum education, public communication of science, and also from pedagogical trends in science teaching. We observed that the educational actions developed for the large audience which visit the Rio de Janeiro Botanical Garden were usually developed within an information focused perspective. On the other hand, actions for scholarship publics presented more clearly dialogical elements. However, these categories do not obligatory exclude each other, once elements from more than one category may characterize each action. Apparently this mixture of dialogical and information focused characteristics may coexist, without being better or worst for the public assimilation. This is similar to the present coexistence of different communication models, as well as of different educational elements and practices. Beyond the identification and characterization of different educational actions, this study allowed the institution to better understand their actions, and thus to adapt them to their maim objectives and intentions. In a wider perspective, this research contributed also for a critical thought about the social function of the Rio de Janeiro Botanical Garden, once it provides information about how the public perceive the educational and communication role of the Botanical Garden. Furthermor this study also showed that the relationships with visitors are becoming increasingly important for the institution, reinforcing the significant social role of the institution. Finally, our results emphasize the important role of this kind of evaluation and research about the educational actions developed in spaces such as botanical gardens, zoos, museums, and science centers, once they promote science communication, and allow an effective public participation in environmental and scientific issues. Keywords: museums, botanic gardens, non formal education, museum education.
vii
LISTA DE TABELAS E FIGURAS
Tabela 1: Estrutura da anlise dos dados........................................................................ 19
Tabela 2. Principais caractersticas da educao e comunicao em escolas (educao
formal) e em museus (educao no formal) ................................................................. 48
Figura 1. Organograma do Instituto de Pesquisa Jardim Botnico do Rio de Janeiro .. 35
Figura 2: a) Pgina inicial de Hortus Fluminensis e b) Regulamento Policial de 1893
presente na obra. ............................................................................................................. 64
Figura 3: Prdio do Museu Botnico, atualmente fechado............................................. 73
Figura 4: a) Planta da rea de visitao com alias e principais pontos de visitao e b)
imagem de satlite mista mostrando rea cultivada (FONTE: www.jbrj.gov.br) ....... .77
Figura 5: Vista do prdio que abriga o Centro de Visitantes (b), antiga sede do Engenho
Nossa Senhora da Lagoa (a) ...........................................................................................77
Figura 6: Chafariz e mapa de localizao na entrada do arboreto (a), Memorial mestre
Valentim ao fundo e placa interpretativa direita (b) ................................................... 85
Figura 7: mapa da trilha histrica mostrando o percurso em verde................................ 89
Figura 8: mapa do guia Plantas medicinais... mostrando as duas opes de percurso:
verde claro mais longo e verde escuro mais curto ................................................... 90
Figura 9: Capa dos guias das trilhas interpretativas: a) Trilha Histrica e b) Plantas
Medicinais... ................................................................................................................... 92
Figura 10: Guia do Visitante (a) e guia de visitao (b) ................................................ 94
Figura 11: vista da casa de Pacheco Leo (a) atual prdio do NEA (b). ........................ 99
Figura 12: Capa do material Conhecendo Nosso Jardim: roteiro bsico .................... 120
Figura 13: Capa do material Conhecendo Nosso Jardim: roteiro bsico anexo.......... 124
Figura 14: Material Jardim Botnico: um Jardim de Histrias a) frente b) parte interna
com disco giratrio e c) atrs ....................................................................................... 125
Figura 15: Capa do livro infantil Muito Mais que um Jardim...................................... 125
ANEXO 1 .....................................................................................................................143
ANEXO 2 .....................................................................................................................144
viii
SUMRIO
Captulo I - Introduo .................................................................................................. 1
1. A construo do objeto de estudo 3
2. Objetivos 7
Captulo II Alias Metodolgicas ............................................................................... 9
1. Metodologia: aspectos tericos 9
2. Metodologia: aspectos prticos 11
1) Coleta de dados 11
2) Anlise dos dados 17
Captulo III - Surgimento dos jardins botnicos: aspectos histricos e as relaes
com a evoluo dos museus de Histria Natural .......................................................20
1. Aspectos do surgimento dos jardins botnicos modernos 20
2. Aspectos da institucionalizao e da consolidao das Cincias Naturais no Brasil 25
3. O Jardim BoTnico do Rio de Janeiro 29
4. Instituto de pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro: organizao e prinicipais
atividades relacionada educao 35
Captulo IV - Categorias de anlise: referenciais tericos e caracterizao........... 41
1. Tendncias Pedaggicas da Educao em Cincias 41
2. Tendncias da Educao e Comunicao em Museus 48
3. As categorias da anlise 55
Categoria Informacional .................................................................................... 58
Categoria Dialgica ........................................................................................... 60
Captulo V - Anlise das aes educativas do Jardim Botnico do Rio de Janeiro:
compreendendo o papel educativo em relao ao pblico escolar e espontneo ....62
1. A evoluo das relaes com o pblico e as origens das aes educativas ............ 62
2. O Centro de Visitantes................................................................................................ 77
2.1 Concepes e objetivos 78
ix
2.2 Materiais 88
2.3 Avaliao 95
3. Ncleo de Educao Ambiental (NEA) ......................................................................98
3.1 Concepes e objetivos 105
3.2 Os materiais 118
3.3 Avaliao 127
Captulo VI - Consideraes Finais .......................................................................... 130
Referencias Bibliogrficas..........................................................................................134
x
Captulo I - Introduo "No mistrio do Sem-Fim equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim, e, no jardim, um canteiro: no canteiro, uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro, entre o planeta e o Sem-Fim,
a asa de uma borboleta. (Ceclia Meireles)
A origem de espaos destinados a abrigar colees de plantas bastante
remota, presentes em civilizaes como Mesopotmia, Egito Antigo e Amrica Pr-
Colombiana. O surgimento dos jardins botnicos modernos data do sculo XVI,
possivelmente na Itlia (UPHOF, 1941 apud ROCHA, 1999; BYE, 1994; SEGAWA,
1996; SAISSE, 2003), e em outras partes da Europa renascentista.
Ainda que no se possa definir quando os jardins botnicos surgiram, pode-se
ressaltar que uma das principais funes desses espaos estava relacionada a abrigar
espcies segundo um carter utilitarista das plantas. Assim, desde sua origem os hortos
e jardins botnicos abrigavam colees de plantas de uso alimentar, de interesse
econmico e, mais peculiarmente, para fins medicinais.
Durante os sculos XVI e XVII as colees dos jardins europeus passaram a
abrigar espcies oriundas das colnias, e as funes desses espaos foram sendo
paulatinamente ampliadas. Analogamente as outras colees relacionadas histria
natural, no sculo XVIII, os jardins botnicos abrigavam espcies segundo uma nova
ordem que se passou a se atribuir natureza.
Se desde suas origens as funes relacionadas ao estudo das espcies botnicas
j estivesse presente, foi no final do sculo XVIII e no sculo XIX que tal funo passa
ao cerne do papel desses espaos, principalmente com a disseminao do Systema
Natural de classificao proposto por Lineu. Assim como nos jardins botnicos, a
classificao imprimiu uma nova forma de organizao dos museus de histria natural,
integrando-a ao estudo das colees (VALENTE, 2003).
nesse contexto que comea a aparecer uma preocupao com a funo
educativa do museu, no sentido de permitir acesso do grande pblico s colees.
Conforme Martins (2006), a consolidao dos grandes museus pblicos no sculo XIX,
gerou um modelo de museu que inclua a concepo desses como locais pblicos,
consagrados ao ensino e a produo de conhecimento. Porm, nesse perodo a educao
voltada para o pblico no se destacava entre as principais metas dos museus, mas sim
1
contribuir para o crescimento do conhecimento cientfico por meio da pesquisa
(CAZELLI et al., 2003).
Ressalta-se, contudo, que foi tambm o carter pblico dessas instituies que
gerou uma demanda de remodelao do papel social dos museus no sculo XX
(MARTINS, 2006). J presente desde o sculo XIX, o potencial educativo dos museus
e jardins botnicos ampliado durante todo o sculo XX, no sentido de instruir e
popularizar o saber.
A implementao de instituies como museus, jardins botnicos e zoolgicos
no Brasil seguiu os moldes europeus, e foi iniciada dentro de uma perspectiva de
dinamizao da atividade cientfica de Portugal. Inicialmente servindo a aclimatao de
espcies e entreposto com a Metrpole, foram criados o Jardim Botnico do Par e a
Casa dos Pssaros no Rio de Janeiro. Com a vinda da famlia Real para o Brasil houve
uma ampliao das iniciativas para a institucionalizao da cincia, com a criao do
Real Horto (atual Jardim Botnico do Rio de Janeiro) e tambm do Museu Real (atual
Museu Nacional do Rio de Janeiro).
Inicialmente o Jardim Botnico do Rio de Janeiro era privado e foi s a partir
de 1819, com a coroao de D. Joo VI, que o Real Horto torna-se uma instituio
pblica, passando a ser chamado Real Jardim Botnico. Nesse mesmo perodo o Jardim
passa a ser aberto visitao, e desde o segundo reinado j havia uma regulamentao
para tal, ressaltando-se o potencial atrativo desse espao para o pblico. Contudo, at o
sculo XX, a funo do jardim em relao ao pblico esteve voltada para o lazer e
contemplao das espcies botnicas.
Assim como no Jardim Botnico do Rio de Janeiro, o primeiro jardim botnico
de So Paulo, instaurado no Parque da Luz no sculo XIX, tambm serviu ao pblico
como local de lazer. Em meados do sculo XX, os espaos que abrigavam as colees
botnicas nesses estados passam a dar novo sentido ao papel educativo das instituies.
Ainda que no voltadas para o grande pblico, foram criados cursos de formao de
pessoal qualificado, bem como, intensificou-se a divulgao cientfica.
Em relao ao pblico em geral, na primeira metade do sculo XX, pode-se
notar um aumento de importncia quanto a estrutura dos jardins para a visitao. Nota-
se tambm nesse perodo, que os projetos de reestruturao do Jardim Botnico do Rio
de Janeiro, bem como, o de implementao do atual Jardim Botnico de So Paulo,
passam a valorizar a organizao das espcies no sentido de ampliar a disseminao dos
2
conhecimentos botnicos, possibilitar o ensino de botnica e fornecer ao pblico
conhecimentos sobre a natureza (SILVEIRA, 1935; HOEHNE, 1955).
Contudo, somente a partir da dcada de 60 que as aes educativas voltadas
para o pblico, principalmente escolar, passam a ser sistematizadas por essas
instituies (ROCHA, 1999; SAISSE, 2003). Tal perodo coincide com a ampliao da
divulgao cientfica e do ensino de cincias no pas.
A partir de ento, o papel educativo dos museus, jardins botnicos e zoolgicos
tem sido paulatinamente ampliado e valorizado.
1. A construo do objeto de estudo
Diante da comunicao globalizada e extremamente rpida, estabeleceu-se um
novo ritmo para o tempo e espao. E se por um lado a globalizao afetou a relao com
estas dimenses, os avanos tecnolgicos e cientficos geram milhares de novos
conhecimentos diariamente. Segundo Cazelli et al. (2003), essas mudanas e a
modernizao da sociedade impem novas exigncias educacionais, repercutidas tanto
na interface da educao com o exerccio da cidadania, quanto da educao com o
mundo do trabalho.
Com isso, a escola, isto , o Ensino Formal sozinho parece no poder mais
oferecer toda a formao necessria ao indivduo, conforme Delors (2001), tornando-o
capaz de ter conscincia de si prprio, do meio que o envolve e ainda desempenhar o
papel social que lhe devido no mundo do trabalho e da sociedade. Segundo Gaspar
(1993), o tempo e o espao dos currculos e programas escolares so insuficientes,
tornando impossvel abranger todo o conhecimento, mesmo que a escola fosse eficiente
e leal aos seus objetivos. Alm disso, no h como acompanhar o vertiginoso progresso
cientfico e tecnolgico da atualidade.
Esse novo contexto educacional vem sendo discutido em vrios pases e tm
levado ao aumento de pesquisas acerca das modalidades da Educao No Formal e
tambm da Educao Informal. Conforme Cazelli et al. (2003), as tentativas de solues
para essas novas exigncias educacionais tm apontado para o fortalecimento das
instncias no formais de educao, da valorizao da educao ao longo da vida, e das
conexes entre educao formal e no formal.
Em todo mundo houve uma crescente valorizao do conhecimento cientfico e
tecnolgico, repercutindo no aumento da importncia destes conhecimentos em
sistemas educacionais de vrios pases. Segundo Cazelli et al. (2003), j na dcada de
3
80 diversos pases e a UNESCO assumiram uma nova inteno a respeito da educao
em cincias sob o slogan cincia para todos. Nesse sentido, a educao em cincias
vai alm dos currculos da Educao Formal e insere-se no conceito de educao ao
longo da vida. Assim, requer-se uma alfabetizao cientfica, que exceda a compreenso
de conceitos cientficos, tornando os indivduos crticos e participativos nas decises em
relao ao mundo natural, incluindo as interaes humanas com o ambiente. Shamos
(1995) prope que os programas de educao formal e no formal sejam elaborados e
realizados para a formao de indivduos crticos, capazes de questionar o conhecimento
propagado pela mdia, que busquem seu prprio desenvolvimento cultural e cientfico
de forma permanente e que estimem a cincia como parte da cultura.
Nota-se, por conseguinte, a importncia das instituies de educao no
formal no desenvolvimento e ampliao do alfabetismo cientfico1. Conforme Falco
et al. (2003) imprescindvel ressaltar o papel dos museus, centros de cincias, jardins
botnicos e zoolgicos que, assim como outras instituies similares, tm oferecido ao
pblico em geral, educao cientfica e tecnolgica ao longo da vida.
Para alm da importncia dos jardins botnicos como espaos de educao no
formal, ressalta-se o papel que tais instituies vm assumindo desde a dcada de 80
para a conservao da natureza. O destaque dado s questes ambientais nesse perodo
levou, a partir de 1985, a elaborao de um documento contendo estratgias comuns a
todos os jardins botnicos para a conservao2. Tal documento era parte de um
programa conjunto entre o IUCN3 e a WWF4 para Conservao das Plantas e, teve
verso final aprovada e publicada em 1989, com base na reflexo sobre o papel vital
dessas instituies para a ao conservacionista (SAISSE, 2003).
Entre as estratgias, no que concerne educao, o objetivo era de criar uma
compreenso e uma conscientizao sobre a necessidade de conservar e desenvolver os
recursos vegetais. Embora reconhecesse a peculiaridade de cada jardim, o documento
estabelecia que alguns princpios comuns deveriam ser aplicados no desenvolvimento
1 Definio dada pela OCDE e PISA: ser capaz de combinar o conhecimento cientfico com a habilidade de tirar concluses baseadas em evidncias, de modo a compreender e ajudar a tomar decises sobre o mundo natural e as mudanas nele provocadas pela atividade humana (OCDE, 2000 apud Cazelli et al., 2003) 2 IUCN-BGCS, WWF. Estratgias dos Jardins Botnicos para a Conservao/ V.H.Heywood, Rio de Janeiro: Jardim Botnico do Rio de Janeiro, 1989. 3 Unio para a Conservao da Natureza. Organismo fundado em 1948, com sede na Sua. Rene estados, agncias de governo e diversas ONGs. e tem por misso influenciar, incentivar e ajudar a conservar a integridade e a diversidade da natureza e dos recursos naturais em todo o mundo. 4 World Wild Fund for Nature. Ong internacional que atua na preservao de espcies ameaadas.
4
de planos em todos os jardins. Sugeria, por exemplo, que se empreendesse pesquisa de
pblico e que os mtodos para a conservao fossem valorizados, no sentido de
convencerem os visitantes da importncia do papel institucional.
A Estratgia estimulou a criao de novos jardins botnicos e a renovao de
antigos, fazendo com que em 1990 se registrasse um grande aumento no nmero de
instituies do gnero (SAISSE, 2003). Esse fato aliado s novas demandas sociais e
necessidade de incorporar novas polticas de conservao a suas prticas resultou na
reviso do documento em 1998.
Atualmente h um rgo independente para a conservao em jardins botnicos,
o BGCI Botanic Garden Conservation International, que esteve inicialmente
vinculado ao IUCN e que tem como misso especfica apoiar a instituio jardim
botnico. A fim de orientar uma atuao dos jardins em rede foram publicadas, em 2000
pelo BGCI, as Normas Internacionais de Jardins Botnicos para a Conservao5. Alm
de fornecer uma orientao global para desenvolvimento de jardins botnicos, as
Normas pretendiam contribuir para a implementao efetiva de tratados internacionais,
leis nacionais e outras estratgias relevantes para a conservao da biodiversidade.
Vale ressaltar que a educao perpassa todo o corpo do documento, como
componente central da misso institucional e em atividades subdivididas para atender s
polticas e legislaes relevantes para a conservao.
Os jardins botnicos so atualmente definidos no cenrio mundial como uma
rea protegida, constituda, no seu todo ou em parte, por colees de plantas vivas
cientificamente reconhecidas, organizadas, documentadas e identificadas, com a
finalidade de estudo, pesquisa e documentao do patrimnio florstico do pas,
acessvel ao pblico, no todo ou em parte, servindo educao, cultura, ao lazer e
conservao do meio ambiente (Brasil, 2000). Linares (1994) afirma que os jardins
botnicos so responsveis pela maior parte da divulgao de conhecimento sobre a
importncia do reino vegetal. Considera-os como museus vivos que mantm suas
colees de plantas sob um rigoroso sistema cientfico de acompanhamento que
desemboca na pesquisa cientfica e que devem oferecer amplos programas de educao
em todos os nveis. Assim, cabe questionar para que pblico as aes educativas so
pensadas, e se elas divulgam os conhecimentos produzidos pelas instituies.
5 Botanic Gardens Conservation International .Normas Internacionais de Conservao para Jardins Botnicos/ Conselho Nacional do Meio Ambiente, Rede Brasileira de Jardins Botnicos, Instituto de Pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: EMC, 2001.
5
As atribuies dos jardins botnicos esto tambm relacionadas com o
reconhecimento destas instituies como museus de acervo vivo pelo Conselho
Internacional de Museus (ICOM), assumindo assim em suas prticas educativas
orientaes da educao no formal e da educao ao longo da vida pertinentes aos
espaos museais (JACKSON apud LEADLAY e GREENE, 1999).
Apesar da clara atribuio educativa e do grande nmero de visitantes que
recebem, cerca de 150 milhes de visitantes por ano em todo mundo (WILLISON,
2003), os jardins botnicos carecem de pesquisas em educao. Segundo Arajo e
Farias (2005), o aperfeioamento educativo desses espaos e dos profissionais que nele
atuam depende de pesquisas, como prticas constantes, sobre a importncia dos jardins
botnicos no processo de ensino-aprendizagem em cincias. Alm disso, as pesquisas de
pblico, do processo de construo da exposio e da concepo de programas
educativos so fundamentais para a constante melhoria destas instituies enquanto
espaos de educao no formal. Nesse sentido, como as pesquisas na rea de ensino-
aprendizagem em cincias, e tambm da educao e comunicao em museus tm sido
utilizadas para a construo e tambm para as mudanas/intervenes nas aes
educativas, e mesmo na prpria exposio?
Atualmente o Jardim Botnico do Rio de Janeiro conta com setores exclusivos
relacionados educao e atendimento ao pblico, realizando diversas aes educativas
no mbito das relaes com a escola, do pblico em geral, bem como, com as
comunidades do entorno. Tais aes, bem como, a estrutura organizacional dessas
instituies sero apresentadas no decorrer do captulo III.
A importncia da anlise do papel educativo de instituies como o Jardim
Botnico do Rio de Janeiro est justamente relacionada ao fato deste ser um espao
propcio para o desenvolvimento da educao no formal, dentro de um conceito de
educao ao longo de toda vida. Ressalta-se tambm, a valorizao crescente do papel
desse tipo de instituio para o desenvolvimento da conscientizao ambiental, no
sentido da conservao, de acordo com Willison (op. cit.) os jardins botnicos
desempenham um papel vital na conservao da biodiversidade, mas ela no pode ser
bem sucedida sem a ajuda da educao.
Por fim, destaca-se a importncia das relaes entre museu e escola, uma vez
que muitas das aes educativas desenvolvidas pelas instituies museais tem como
pblico alvo as escolas. De acordo com Martins (2006), a relao museu-escola vem se
constituindo como uma parceria, dadas as possibilidades culturais e didticas desses
6
espaos, aliadas a polticas governamentais de fomento e valorizao do patrimnio e a
polticas educacionais de formao profissional. Nesse sentido, como se d a relao
entre os jardins botnicos e o pblico escolar?
O objeto de estudo desse trabalho a compreenso do processo de
desenvolvimento das aes educativas relacionadas visitao do pblico em geral e
escolar oferecidas pelo Jardim Botnico do Rio de Janeiro, considerando-as como meios
de educao e comunicao com o pblico.
2. Objetivos
O objetivo geral deste trabalho foi analisar as formas com que o Jardim
Botnico do Rio de Janeiro, vem desenvolvendo suas aes educativas junto ao pblico
em geral e escolar.
Dentre os objetivos especficos destacam-se:
- A compreenso do enfoque educativo dos jardins botnicos desde suas
concepes, sob a tica da evoluo do papel educativo dos museus de cincias;
- Anlise da trajetria histrica do Jardim Botnico do Rio de Janeiro referente
a evoluo das relaes com o pblico, revelando as possveis influncias do
desenvolvimento do conhecimento botnico, do aumento de importncia das questes
ambientais e da divulgao cientfica;
- Anlise das aes educativas relacionadas visitao do pblico em geral e
escolar promovidas pelo Jardim Botnico do Rio de Janeiro.
Dentre os principais aspectos das aes, este trabalho analisou o contexto em
que surgiram, quais os objetivos norteadores e concepes, bem como, os materiais
distribudos para o pblico e as formas de avaliao das aes. Para esta anlise foram
criadas categorias baseadas em referenciais oriundos das Tendncias Pedaggicas em
Educao em Cincias, da Educao em Museus e da Comunicao Pblica da Cincia
esto relacionadas. O processo de construo das categorias de anlise apresentado no
captulo IV.
A coleta de dados foi feita de acordo com uma metodologia de pesquisa que tem
como base a abordagem qualitativa em educao. Foram realizadas entrevistas com a
equipe dos setores que desenvolvem as aes educativas oferecidas para o pblico geral
e escolar do Jardim Botnico do Rio de Janeiro. Bem como, foi realizada a pesquisa
documental, observaes e anlise de documentos. Os aspectos metodolgicos so
apresentados no captulo II.
7
No sentido de compreender o contexto de surgimento e a evoluo do papel
educativo dos jardins botnicos, foi realizado o levantamento de documentos, livros,
artigos e projetos relativos histria dos hortos e jardins botnicos, particularmente do
Jardim Botnico de So Paulo e do Rio de Janeiro. Tambm visando a compreenso das
atuais funes desses espaos, foram feitas relaes com a histria do surgimento e
desenvolvimento dos museus, principalmente daqueles voltados Histria Natural, sob
a tica da evoluo desta enquanto rea de produo de conhecimento. Ainda nesse
sentido, buscou-se entender como se deu a institucionalizao e a consolidao das
cincias naturais no Brasil. Tais aspectos so apresentados no Captulo III desse
trabalho.
A partir das categorias criadas com base nos pressupostos tericos, conforme
apresentado no captulo IV, foi realizada a anlise da evoluo das relaes com o
pblico e do papel educativo do Jardim Botnico do Rio de Janeiro. Bem como, foi
realizada a anlise das aes educativas atualmente desenvolvidas por esta instituio,
apresentadas no captulo V.
No captulo final, a ttulo de concluso, foram feitas as consideraes principais
sobre a anlise desta pesquisa, de modo a discutir as caracterizaes das aes
educativas. No se pretende alcanar normatizaes generalistas, j que este estudo est
focado na compreenso do desenvolvimento das aes desenvolvidas por diferentes
setores do Jardim Botnico. Assim, tais aes fazem parte de um contexto maior, isto ,
esto inseridas em uma instituio, com suas histrias e peculiaridades, que a torna
nica perante todas as outras. Nesse sentido, as consideraes finais discutem ainda
como as mudanas ocorridas na sociedade e na prpria instituio influenciaram o papel
social atual dela.
8
Captulo II Alias Metodolgicas
O segredo no correr atrs das borboletas...
cuidar do jardim para que elas venham at voc. (Mrio Quintana)
1. Metodologia: aspectos tericos
As aes educativas voltadas para o pblico geral e escolar que so
desenvolvidas pelo Centro de Visitantes (CV) e Ncleo de Educao Ambiental (NEA)
do Instituto de Pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro, constituem o foco de
anlise deste trabalho. Tais aes inserem-se nas prticas sociais da instituio que as
oferecem, bem como, fazem parte das prticas de educao no formal. As aes
educativas so elaboradas por parte das equipes dos setores que trabalham na mediao
do Jardim Botnico com o pblico, tanto espontneo/escolar, no caso do Centro de
Visitantes, quanto do pblico escolar ou universitrio atendido pelo NEA. Para alm das
peculiaridades dessas aes, pensadas dentro das especificidades dos seus setores,
objetivos, pblico etc., estas esto inseridas no programa educativo da instituio, bem
como, no contexto das propostas e normas definidas pelo conjunto de instituies desse
tipo em nvel nacional (Rede Brasileira de Jardins Botnicos RBJB) e internacional
(Botanic Gardens Conservation International BGCI). So, portanto, aes
desenvolvidas no contexto da insero desta instituio na sociedade, e devem ser
analisadas desde um ponto de vista histrico, bem como, sob o vis das diversas
funes que estas instituies desempenham na contemporaneidade.
Assim, tal anlise comporta diferentes variveis relacionadas a aes sociais
contextualizadas. Antes de qualquer coisa, a anlise que se pretende uma reflexo
sobre prticas sociais, tratando-se, dessa maneira, do estudo mais completo possvel de
dados intrincados. Conforme Martins (2004), diferentemente das cincias naturais, nas
cincias sociais em geral, os fenmenos so complexos, no sendo fcil separar causas e
motivaes isoladas e exclusivas.
De acordo com Ludke e Andr (1986) houve mudanas de abordagem na
pesquisa em Cincias Humanas; inicialmente tentava-se aplicar aos fenmenos sociais
as mesmas premissas positivistas que norteavam as pesquisas em Cincias Naturais e
Fsicas. Porm, a partir da dcada de 70 formas alternativas de pesquisa em Cincias
9
Humanas, passam a ser procuradas e novas abordagens metodolgicas comeam a ser
delineadas, resultando em uma nova linha de pesquisa denominada qualitativa. Santos
(1988 apud Marandino, 2001a) coloca que o surgimento da abordagem qualitativa
advm da insustentabilidade de uma concepo de cincia embasada em regras
inquestionveis, reduzindo os fatos (sociais e naturais) s suas dimenses observveis
e mensurveis.
Nesse sentido, o referencial metodolgico escolhido est baseado nas
abordagens qualitativas de pesquisa. De acordo com Martins (2004:291):
as chamadas metodologias qualitativas privilegiam, de modo geral, a anlise de microprocessos, atravs do estudo das aes sociais individuais e grupais. Realizando um exame intensivo dos dados, tanto em amplitude quanto em profundidade, os mtodos qualitativos tratam as unidades sociais investigadas como totalidades que desafiam o pesquisador.
Ressalta-se ainda, que os objetivos pretendidos por este trabalho esto de
acordo com algumas caractersticas e fundamentaes bsicas da pesquisa qualitativa,
como viso holstica, abordagem indutiva e investigao naturalstica (PATTON, 2002).
Faz-se necessrio, no entanto, destacar que apesar da importncia atual das
abordagens qualitativas na produo de conhecimento, as pesquisas que utilizam tais
abordagens no esto imunes s crticas relacionadas ao rigor de suas investigaes.
Algumas delas dizem respeito a subjetividade decorrente da proximidade entre
pesquisador e pesquisados, o carter descritivo e narrativo de seus resultados, bem
como, a falta de representatividade e de possibilidades de generalizao (MARTINS,
2004). J Van Zanten (2004), apresenta como problemas relacionados pesquisa
qualitativa a falta de legitimidade interna, isto , a credibilidade dos diferentes tipos de
investigao no campo cientfico de acordo com critrios consensuais definidos por um
grupo dominante nesse campo. O outro problema, segundo a autora, est relacionado a
falta de legitimidade externa, referindo-se a utilizao dos resultados e interpretaes
dos estudos qualitativos pelos atores do campo social e poltico.
No sentido de aumentar a confiabilidade dos estudos qualitativos, os cientistas
sociais tm estruturado procedimentos tais como a triangulao de dados, a
reconstituio da pluridade de contextos do campo de estudo, o empreendimento de
uma conduta de observao, a anlise de hipteses alternativas (ALVEZ-MAZZOTTI,
1999; VAN ZANTEN, op. cit.). A adoo destes procedimentos deve servir para se
10
alcanar os objetivos propostos pelo estudo, porm, ressalta-se que o plano de trabalho
no deva ser inflexvel.
Assim, com base na literatura analisada, a metodologia qualitativa foi
considerada adequada para a realizao desta pesquisa, uma vez que se pretende
analisar em amplitude e profundidade aes educativas contextualizadas, entendidas
como prticas sociais.
2. Metodologia: aspectos prticos
1) A coleta de dados
Como visto anteriormente, o objetivo deste trabalho analisar as formas com
que os jardins botnicos, em especial o Jardim Botnico do Rio de Janeiro vem
desenvolvendo suas aes educativas junto ao pblico em geral e escolar.
Como contexto para a anlise das aes educativas realizadas em jardins
botnicos foi escolhido o Jardim Botnico Rio de Janeiro. Tal instituio tem grande
importncia no cenrio regional, nacional e at mesmo internacional, tanto pelo carter
histrico, social e de produo de conhecimento quanto pela posio poltica e
estratgica que ocupa em relao as instituies congneres.
O surgimento do Jardim Botnico do Rio de Janeiro est justamente inserido
no contexto da vinda da famlia real para o Brasil e portanto, da alterao (ainda que
passageira) para o status de metrpole. Uma srie de mudanas sociais, culturais,
econmicas etc. j vinham ocorrendo na relao entre Portugal e suas colnias,
tornando-se mais acentuada no contexto brasileiro, tanto por caractersticas relacionadas
potencialidade econmica do pas, quanto pela ruptura colonial entre 1808 e 1821
(LOPES, 1997; NOGUEIRA, 2000). Alm disso, esta instituio parte do
fortalecimento do processo de institucionalizao e legitimao da cincia nacional
durante o sculo XIX e meados do sculo XX, configurando como a nica instituio do
gnero criada durante o perodo colonial que sobreviveu at os dias atuais. Por fim, vale
destacar os papis educativo, contemplativo e de lazer que Jardim Botnico vem
desempenhando, desde a abertura ao pblico em 1822 (FARACO e SOUZA, 2008),
bem como, o incremento do nmero de visitantes: em um perodo de pouco mais de 4
anos, entre abril de 1890 e junho de 1894, 144.878 pessoas visitaram o Jardim Botnico,
nmero bastante expressivo para a poca (NEPOMUCENO, 2008); no incio do
presente sculo os balanos contabilizam um pblico de aproximadamente 250.000
11
pessoas por ano, excluindo desse total os associados6, escolas7, crianas e idosos
(SAISSE, 2003; NEPOMUCENO, op. cit.).
No que concerne importncia contempornea dessa instituio, destaca-se a
participao na traduo e publicao das Normas Internacionais de Conservao para
Jardins Botnicos em 2001 (SAISSE, 2003), das Diretrizes Educacionais Educao
Ambiental em Jardins Botnicos em 2003 (WILLISON, 2003), do manual Educao
para o Desenvolvimento Sustentvel: Diretrizes para a Atuao de Jardins Botnicos em
2006 (WILLISON, 2006), entre outras publicaes das diversas reas de atuao na
pesquisa cientfica.
Atualmente o Instituto Jardim Botnico do Rio de Janeiro a sede da Rede
Brasileira de Jardins Botnicos (RBJB) (http://www.rbjb.org.br acessado em 10/2008),
atua como intermedirio do Ministrio do Meio Ambiente (MMA) nos processos de
anlise para criao e categorizao de jardins botnicos em nvel nacional (Resoluo
n 339 de 2003), bem como, desenvolve importante produo cientfica, oferece cursos
de ps-graduao em diversas reas da Botnica e na Conservao da Biodiversidade,
atua na divulgao cientfica de diversas formas, e por fim, desenvolve diversos
programas e aes educativas para o pblico em geral e escolar.
Para a anlise que se pretende com esse trabalho, isto , inserida no contexto da
valorizao da Educao no formal e da ampliao da importncia da divulgao
cientfica, bem como, a caracterizao dos Jardins Botnicos como instituies museais
(ICOM), a escolha das aes educativas baseou-se nos seguintes critrios8:
aes que atendem ao pblico espontneo e escolar (pblico mais amplo);
aes estruturadas, com planejamento e/ou desenvolvimento por
profissionais do Jardim Botnico9;
6 A Associao Amigos do Jardim Botnico (AAJB), associao civil sem fins lucrativos, que visa contribuir para a conservao, aprimoramento, difuso e ampliao do patrimnio histrico, natural, paisagstico, cientfico e cultural do Jardim Botnico do Rio de Janeiro mantm um grupo de associados que contribuem anualmente com a associao obtendo como um dos benefcios a entrada gratuita (www.amigosjb.org.br consultado em 20/12/2008). 7 Na primeira etapa de entrevistas, a equipe do Ncleo de Educao Ambiental informou que grupos escolares da Rede Pblica podem obter iseno do pagamento de ingresso mediante pedido e anlise da equipe do Centro de Visitantes. 8 Os critrios estabelecidos basearam-se nos referenciais que conceituam a educao no formal e caracterizam suas aes, tais como, Fordham (1993, apud Smith, 2001); Cazelli (2000); Smith (2001); Marandino et al (2004). 9 Destaca-se que as aes escolhidas para essa anlise so aquelas desenvolvidas por profissionais vinculados ao Jardim Botnico, algumas aes realizadas no espao do Jardim Botnico ou ainda vinculadas a ele, esto ligadas a Associao de Amigos do Jardim Botnico (AAJB), no havendo necessariamente atuao de profissionais da instituio.
12
http://www.rbjb.org.br/http://www.jbrj.gov.br/http://www.amigosjb.org.br/aes de curta e mdia durao, no havendo necessariamente certificados
ou diplomas;
Assim, com base nestes critrios e no sentido de ampliar a compreenso do
papel educativo do Jardim Botnico do Rio de Janeiro por meio da anlise das aes
educativas oferecidas por esta instituio, foram escolhidas aes realizadas pelos
seguintes setores:
Centro de Visitantes (CV) que realiza o contato e atendimento do pblico
mais amplo, pblico espontneo e grupos escolares10. A recepo dos visitantes,
agendamento de visitas para grupos espontneos e escolares, informaes gerais
via telefone e e-mail etc. so algumas das atividades realizadas pelo CV;
Ncleo de Educao Ambiental (NEA), que desenvolve atividades de
educao ambiental atravs de projetos, priorizado o trabalho com escolas e
professores;
Destaca-se que o conjunto das aes que se enquadram nos critrios expostos
acima e que so realizadas por cada um destes setores so os focos da anlise, a
descrio mais detalhada de tais aes apresentada no captulo seguinte.
importante salientar que o Laboratrio de Museologia tambm apresenta
aes para o pblico, tais como, exposies temporrias e permanentes. Estas aes no
sero analisadas nesta pesquisa, j que o setor foi recente constitudo tendo como
principal objetivo a elaborao do Museu do Meio Ambiente, que ocupar o prdio do
Museu Botnico fechado na dcada de 1990. Alm disso, o setor tambm passa por
reestruturao de sua equipe e muitas das aes relacionadas ao Laboratrio de
Museologia, foram elaboradas antes da constituio deste setor.
Os sujeitos escolhidos para realizao desta pesquisa so os profissionais que
coordenam, (re)estruturam e dirigem as aes educativas em cada um dos setores acima
mencionados.
O Centro de Visitantes conta com cinco funcionrios, que atuam na
coordenao e planejamento das atividades desenvolvidas por este setor e tambm nas
parcerias com outros setores, 5 guias que atuam na visitao guiada e 2 condutores dos
carros eltricos utilizados na visitao. J o Ncleo de Educao Ambiental do Jardim
Botnico do Rio de Janeiro conta com seis pessoas que coordenam e planejam as
10 Todos os grupos escolares que chegam ao Jardim Botnico so atendidos pelo CV, contudo, os grupos que so acompanhados por professores que participaram o Treinamento didtico, oferecido pelo NEA, podem realizar outras atividades, tais como, o Laboratrio Didtico, alm do percurso pelo parque.
13
diversas atividades desenvolvidas por esse setor, bem como, estagirios e tcnicos que
auxiliam nessas atividades. Cada ao educativa coordenada por uma das pessoas da
equipe, e planejada por toda a equipe11.
Aps apresentao geral do universo, focos e sujeitos desta pesquisa, bem
como, das justificativas para escolha destes, so apresentados os instrumentos utilizados
neste trabalho, suas principais caractersticas e importncia nas pesquisas qualitativas.
- Pesquisa documental
De acordo com Laville e Dione (1999) a pesquisa documental aquela
realizada a partir de documentos, contemporneos ou retrospectivos, considerados
cientificamente autnticos. Tais documentos podem ser de fontes primrias e
secundrias; fontes escritas ou no. O levantamento de documentos histricos, bem
como, de textos que apresentam e/ou analisam a documentao histrica pode constituir
a primeira e essencial parte de uma pesquisa qualitativa. Tais materiais podem trazer
informaes que se refletem no atual universo da pesquisa, tais como fatos e contextos
j no passveis de serem observadas pelo pesquisador. Nesse sentido, Patton (2002)
nos revela a importncia da pesquisa documental para a reflexo sobre as etapas
subseqentes e a organizao do trabalho:
O acesso logo no incio da avaliao ou organizao do trabalho a documentos importantes, mune o pesquisador de informaes sobre coisas que ele no poderia observar. Contribuindo assim para que se realize uma reviso, incluindo ou excluindo coisas antes que outras partes da pesquisa sejam iniciadas. O pesquisador pode por exemplo, rever objetivos ou decises que no estavam claros ou que sequer eram sabidos (PATTON, op. cit.: 284).
Ainda segundo este autor, a informao histrica pode representar uma
importante fonte de conhecimento a respeito do ambiente social. A histria de um
programa, comunidade ou organizao parte importante do contexto para a pesquisa
(PATTON, op. cit.).
Neste trabalho foi realizado o levantamento de documentos considerados fontes
primrias tais como decretos, cartas-rgias, regulamentos, normas, leis, medidas-
provisrias etc. que concernem a histria dos jardins botnicos brasileiros,
especificamente do Jardim Botnico do Rio de Janeiro. Tambm foram levantados
artigos, livros, teses etc. que constituem fontes secundrias de informao documental.
Os principais aspectos obtidos por meio destes documentos esto relacionados histria
11 As informaes sobre a estrutura de pessoal dos setores foi obtida por meio das entrevistas realizadas
14
das colees de cincias naturais, a origem de jardins botnicos e museus de histria
natural no Brasil e no mundo, a consolidao dessas instituies no Brasil e,
principalmente, a evoluo do papel educativo dos Jardins Botnicos. Os dados obtidos
neste levantamento so apresentados no captulo IV.
- Observao
Segundo Ludke e Andr (op. cit.) a observao direta pode levar o observador
para perto da perspectiva dos sujeitos, na tentativa de apreender o significado que eles
do para a realidade que os cerca e tambm, para suas aes. Foram feitas as seguintes
observaes:
a) da visita guiada oferecida a grupos espontneos pelo Centro de Visitantes do
Jardim Botnico do Rio de Janeiro;
b) do treinamento de professores e licenciandos pertinente ao projeto
Conhecendo Nosso Jardim, oferecida pelo Ncleo de Educao Ambiental (NEA) do
Jardim Botnico do Rio de Janeiro.
Vale destacar que a partir dos critrios estabelecidos para a escolha das aes
que seriam analisadas, conforme descrito acima, as observaes feitas tiveram
importante papel para compreender melhor tais aes, bem como, no sentido de
aprimorar a construo do roteiro de entrevistas e das categorias de anlise, contudo os
dados no foram utilizados diretamente analisados.
-Entrevista semi-estruturada
Elaborada segundo os diferentes tipos de sujeitos da pesquisa (coordenadores,
monitores, diretores). Ludke e Andr (1986) colocam que uma das maiores vantagens
da entrevista a obteno da informao de interesse de maneira direta e imediata, alm
disso, as autoras ressaltam que as entrevistas no totalmente estruturadas permitem que
o entrevistado discorra sobre o tema proposto com base nas informaes que ele detm
e que so o verdadeiro sentido da entrevista.
As entrevistas ocorreram em dois momentos, sendo o primeiro deles realizado
poca do levantamento de documentos para a pesquisa documental e das observaes
descritas no item anterior. Neste primeiro momento a entrevista ocorreu com duas
funcionrias do Ncleo de Educao Ambiental (NEA), proporcionando um panorama
mais geral da instituio e das aes desenvolvidas pelos diversos setores. Tambm
foram obtidos dados mais especficos das aes desenvolvidas pelo NEA. Destaca-se
que esta primeira entrevista no foi gravada em udio.
15
O segundo momento ocorreu aps a seleo das aes que seriam analisadas e
escolha dos sujeitos a serem entrevistados. Para este segundo momento de entrevistas
foi elaborado um roteiro (Anexo 1) de acordo com os objetivos propostos para esta
pesquisa, sendo selecionados tpicos no sentido de preservar as caractersticas de
flexibilidade da entrevista semi-estruturada.
Assim, foram realizadas duas longas entrevistas com quatro funcionrias do
Instituto de pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro. As entrevistas foram
realizadas em conjunto conforme descrio abaixo. Vale salientar que a confeco das
entrevistas contou com total apoio dos coordenadores e demais funcionrios dos setores.
No sentido de resguardar os indivduos que participaram das entrevistas foram
utilizadas siglas para distingui-los. A seguir, apresentam-se os sujeitos entrevistados:
CV1 e CV2 (coordenadoras do Centro de Visitantes - CV), tal entrevista
possibilitou conhecer mais profundamente as aes educativas desenvolvidas
por este setor, bem como, a trajetria do setor e das aes desde a concepo
destes. Alm disso, as informaes sobre os indivduos foram muito
elucidativas para a compreenso sobre o planejamento e desenvolvimento das
aes.
NEA1 e NEA2 (tecnlogas da equipe do Ncleo de Educao Ambiental)
Assim como na entrevista com as coordenadoras do CV, esta forneceu
importantes informaes sobre os objetivos, desenvolvimento, avaliao etc. das
aes educativas. Tambm foi possvel entender a dinmica do setor no
gerenciamento das atividades e as relaes estabelecidas com os outros setores.
As entrevistas deste segundo momento foram transcritas literalmente, sendo que
diversas partes desta transcrio aparecem ao longo da anlise deste trabalho.
- Anlise de documentos
Ludke e Andr (op. cit) destacam que esta tcnica de coleta de dados pode ser
usada na complementao das informaes obtidas, podem ainda, revelar aspectos
novos de um tema ou problema. Partindo de questes e hipteses de interesse, tal
tcnica busca identificar informaes factuais nos documentos, constituindo uma fonte
importante para obteno de evidncias que fundamentam afirmaes e declaraes do
pesquisador. Ainda segundo Patton (2002:498):
Documentos so muito valiosos no s pelo que se pode conhecer diretamente analisando-os, mas tambm como estmulo questionamentos e reflexes que podem ser perseguidas por meio da observao direta e entrevistas.
16
Os documentos coletados para anlise so relativos ao planejamento,
coordenao e avaliaes das atividades educativas do Centro de Visitantes e Ncleo de
Educao Ambiental. Bem como, artigos escritos pelas equipes de tais setores e
trabalhos apresentados em congressos.
Dentre os materiais coletados encontram-se tambm folhetos das trilhas, mapas
de visitao e material de divulgao desenvolvidos pelo Centro de Visitantes; roteiro
bsico (Projeto Conhecendo Nosso Jardim) e material didtico para licenciandos e
professores desenvolvidos pela equipe do Ncleo de Educao Ambiental.
Alm disso, foram recolhidos os Relatrios Anuais do Instituto Jardim Botnico
do Rio de Janeiro de 2002 a 2007.
2) A anlise dos dados
A visitao espontnea e escolar a prtica mais caracterstica de instituies
como museus, jardins botnicos e zoolgicos. Apesar das aes educativas
especialmente desenvolvidas para o pblico no configurarem entre as primeiras
atividades existentes nessas instituies, elas vem paulatinamente crescendo em
importncia. Assim, a questo que se coloca refere-se justamente a como vem sendo
desenvolvidas essas aes por parte dos jardins botnicos.
Na busca por responder tal questionamento preciso compreender o ambiente
em que elas so desenvolvidas, considerando tal ambiente e mesmo as aes, frutos de
uma construo histrica e portanto, inseridos em diferentes momentos polticos,
econmicos e sociais. De acordo com Miller (1997:77):
As pesquisas qualitativas esto singularmente posicionadas para estudar documentos institucionais por analisar contextos e prticas sociais no cotidiano dentro do qual so construdos e utilizados tais documentos. Documentos representam um aspecto da construo de sentido atravs da qual ns reconstrumos, sustentamos, contestamos e mudamos nosso senso sobre a realidade social. (Miller, op. cit. apud Patton 2002)
O levantamento e a anlise de documentos, livros, artigos e projetos relativos
histria dos hortos e jardins botnicos, particularmente do Jardim Botnico do Rio de
Janeiro, propiciaram a contextualizao do surgimento e da evoluo do papel educativo
dessas instituies. No sentido de ampliar a compreenso das atuais funes desses
espaos, foram feitas relaes com a histria do surgimento e desenvolvimento dos
museus, principalmente daqueles voltados Histria Natural, sob a tica da evoluo
17
desta enquanto rea de produo de conhecimento. Ainda nesse sentido, buscou-se
entender como se deu a institucionalizao e a consolidao das cincias naturais no
Brasil. Tais aspectos so apresentados no Captulo IV desse trabalho.
A caracterizao e compreenso do ambiente e da evoluo do papel educativo
do Jardim Botnico do Rio de Janeiro levaram a reflexo sobre como dar continuidade
as prximas etapas do trabalho, ou seja, conduziu a uma reavaliao sobre o roteiro de
entrevistas, bem como, sobre como as aes deveriam ser analisadas tendo em vista os
objetivos propostos.
Ainda que as observaes no sejam analisadas diretamente elas se mostraram
fontes importantes de informao acerca de como tais aes ocorrem na prtica, bem
como, no caso da pesquisa documental permitiram a reflexo sobre como alcanar os
objetivos pretendidos. Contribuindo tambm para a seleo dos referenciais tericos de
anlise, estruturao do roteiro de entrevista e para balizar a coleta de documentos
atuais sobre as aes. De acordo com Gnther (2006:3):
Desta maneira, limitar o nmero de variveis estudadas numa determinada pesquisa no implica que as demais variveis sejam necessariamente consideradas improcedentes uma boa pesquisa sempre est aberta ao surgimento de novas variveis e a explicaes alternativas do cenrio considerado no incio da investigao. O fato de se levar em conta mais explicitamente os valores e os demais atributos do pesquisador requer, por parte da pesquisa qualitativa, maior detalhamento dos pressupostos tericos subjacentes, bem como do contexto da pesquisa
Como visto com a pesquisa documental e as observaes foi possvel delinear
com maior preciso os referenciais tericos adotados para a anlise das aes
educativas. Esses referenciais, apresentados no captulo III, abrangem categorias e/ou
modelos das tendncias pedaggicas da educao formal em cincias, da educao em
museus e a comunicao pblica da cincia, que foram articulados na construo de
duas categorias de anlise.
Destaca-se que a pesquisa documental, as entrevistas e os documentos atuais
constituem um acervo de informaes que poderiam receber outros tratamentos, de
acordo com diversos objetivos e teorias. Neste trabalho a anlise dos dados est
estruturada levando em conta cada setor como uma unidade de anlise, uma vez que o
foco est justamente no conjunto das aes educativas de cada setor. Pesquisas
realizadas em museus tm apresentado estruturao semelhante em que cada instituio,
18
espao museal ou recinto representam unidades de anlise (FAHL, 2003; GARCIA,
2006; IANELLI, 2007).
As categorias de anlise foram utilizadas no apenas no sentido de encaixar os
dados analisados sob as caractersticas de cada uma delas, mas para o cruzamento do
referencial terico sobre o tema com as observaes advindas da coleta de dados.
Assim, com vistas melhor compreenso dos dados analisados optou-se por dividir o
conjunto das aes educativas em trs partes de seu desenvolvimento/realizao:
concepes e objetivos, materiais e avaliao.
Vale ressaltar que nem todos os itens da coleta de dados esto presentes na
anlise de cada uma das partes de desenvolvimento/realizao das aes. Isso est
relacionado ausncia destes itens, ou ainda, por no terem sido encontrados de forma
relevante durante a coleta de dados. Na tabela abaixo (Tabela 1) apresentada a
estruturao da anlise no sentido de melhorar a sua visualizao.
Tabela 1: Estrutura da anlise dos dados
Conjunto de aes dos setores
Centro de Visitantes Ncleo de Educao
Ambiental
Concepes e objetivos Concepes e objetivos
Materiais Materiais
Partes do
desenvolvimento/
realizao das aes Avaliao Avaliao
19
Captulo III Surgimento dos jardins botnicos: aspectos histricos e as relaes com a evoluo dos museus de histria natural
Sei muito bem que na infncia de toda gente houve um jardim(...) Sei muito bem que brincarmos era o dono dele(...)
lvaro de campos
Este captulo apresenta uma reviso da bibliografia sobre a origem e o
desenvolvimento dos jardins botnicos, procurando estabelecer relaes entre tais
processos e a histria dos museus, principalmente os de histria natural. Buscou-se
tambm neste captulo, contextualizar a consolidao e institucionalizao dos jardins
botnicos no cenrio nacional.
Alm disso, o ltimo item deste captulo traz um delineamento da trajetria
histrica da instituio que compe o universo desta pesquisa, buscando compreender
os diversos contextos que nortearam as funes do Jardim Botnico do Rio de Janeiro e
originaram as aes para o pblico ao longo dos seus 200 anos de existncia. Desta
forma, procurou-se ampliar a compreenso das atuais funes destinadas a esses
espaos e proporcionar elementos para a anlise das aes educativas.
1. Aspectos do surgimento dos jardins botnicos modernos
No h consenso sobre qual foi o primeiro jardim botnico moderno. Este ttulo
creditado ao jardim botnico de Pdua, Itlia, criado em 1545 junto Universidade
Local (SEGAWA, 1996), e tambm ao Real Orto botnico della Real Universit di
Pisa, Itlia, fundado em 1543 (UPHOF, 1941 apud ROCHA, 1999; BYE, 1994;
SAISSE, 2003).
No Plano de Recuperao do Jardim Botnico de So Paulo (SO PAULO,
1990) encontra-se como primeiro jardim botnico moderno o de Amsterd, com data de
fundao de 1516, contudo a enciclopdia Grande (apud ROCHA, op. cit.) indica o ano
de 1646 como o de fundao de tal jardim botnico. Ainda nesta publicao Rocha
(op.cit.) encontrou como primeiro jardim botnico moderno aquele formado por
Mathaeus Sylvaticus em Salerno, Itlia, que data do sculo XIV (1309), seguido pelo
jardim botnico mdico criado pela repblica de Veneza em 1333.
Contudo, se no h uma definio de qual foi e quando se originou o primeiro
jardim botnico moderno, pode-se afirmar que as origens destas colees de plantas
esto relacionadas ao uso medicinal.
20
Segundo Sousa (1976) existiram jardins botnicos na Mesopotmia, no Egito
Antigo e na Amrica Pr-Colombiana. O jardim de Tolomei, na Alexandria, agrupava
espcies medicinais para estudo das propriedades teraputicas. J os jardins astecas
como de Iztapalapan e Huaxtepec mantinham alm das plantas medicinais, rvores,
arbustos, plantas ornamentais e aromticas ordenadas sistematicamente, ordem esta que
facilitou a comparao com as espcies europias no sculo XVI (LIPP, 1976).
Bye (op. cit.) afirma que o primeiro jardim botnico ocidental com objetivo de
estudo cientfico e ensino foi criado pelo pai da botnica Teofrasto, cerca de 370-285
a.C., como parte de um Liceu nas proximidades de Atenas. Rocha (op. cit.) cita pelo
menos um exemplo de jardim da Roma Antiga (perodo dos Csares) voltado para o
conhecimento botnico, tal jardim pertenceu ao mdico e professor Castor e servia
como referncia para os estudantes.
Os jardins ligados ao clero, jardins monsticos medievais e o jardim do Vaticano
chamado de Viridarium novum12 podem tambm figurar como ancestrais dos jardins
botnicos modernos. Nesses eram cultivadas espcies medicinais para uso e tambm
colees para estudo. Tambm com objetivo de cultivar plantas medicinais foram
criados os jardins botnicos de Amsterd e o Chelsea Physic Garden, Londres, criado
em 1673.
Os jardins botnicos tm sua histria ligada aos mosteiros, aos hortus simplicium giardino dei semplici canteiros de ervas tidas como medicinais e edules. Mais tarde as universidades de medicina e farmcia incorporaram tais jardins em disciplinas regulares, e dos simples canteiros surgiram as colees dos jardins botnicos (...) (PEREIRA, 2006:33).
Para alm do carter utilitrio voltado medicina, podem-se relacionar outras
caractersticas s colees botnicas vivas. Nos jardins astecas, como aquele constitudo
durante o imprio de Montezuma e detalhado por Hernn Cortez em carta a Carlos V
(ROCHA, op. cit.), havia diversas espcies de plantas dispostas sistematicamente, bem
como animais, no sentido de representar a fauna e flora de uma regio.
Segundo Bye (1994), o jardim botnico de Pisa, criado por Luca Ghini em 1543,
apresentava espcies cultivadas para estudo taxonmico, incluindo espcies no
12 O jardim do Vaticano Viridarium novum foi fundado em 1277 pelo Papa Niccol III e em 1447 transformado em Orto Vaticano sendo reordenado e ampliado (http://www.unitus.it/amm/bandi/master_parchi/Finalit%E0.html consultado em 20/01/2007)). Vale comentar que Viridarium pode significar tanto plantao de rvores, como jardim de prazer (Latin Dictionary).
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http://www.unitus.it/amm/bandi/master_parchi/Finalit%E0.htmlmedicinais. Foi tambm o jardim de Pisa o primeiro a utilizar estufas para aclimatao
de espcies exticas, e a estabelecer um herbrio.
A caracterstica de colecionar ou reunir de forma representativa diversas
espcies foi reforada nos jardins botnicos da Europa com as viagens dos sculos XV e
XVI, uma vez que foram levados dos novos mundos no s mercadorias altamente
lucrativas, mas tambm diversos exemplares da fauna e da flora. tambm nesse
contexto que aparece de forma mais evidente a funo relacionada aclimatao de
espcies da flora com potencialidades econmicas e/ou medicinais.
Os jardins botnicos passam a incluir em sua concepo e desenho a funo de aclimatar e conservar espcies e variedades de plantas provenientes de outros pases e regies do mundo, espcies exticas, que ampliaram a riqueza de espcies e ajudaram a conceber a idia de diversidade biolgica e de recursos naturais, especialmente aqueles dos trpicos asiticos, africanos e mais tarde, do mundo americano. Assim, a capacidade para cultivar plantas de outras latitudes e a esta viso do mundo, converteram os jardins botnicos nos instrumentos mais eficazes para o cultivo de plantas de interesse econmico (GUEVARA, 2003:55).
Se, por um lado, as colees vivas foram muito acrescidas das espcies dos
novos mundos, por outro, os materiais e a inspirao extica na produo de objetos e
de arte, somados aos artefatos indgenas e todo o tipo de itens que constituam agora
semiforos13, enriqueceram os gabinetes e cmaras de maravilhas da Europa.
Ressalta-se que foi o sculo XV que viu renascer o interesse pelas colees.
Nesse perodo grandes quantidades de objetos passam a ser reunidas com critrios
colecionsticos (MRAN e CHECA, 1985). Contudo, este renascer faz parte de um
processo, que se inicia nos sculos XIII e XIV, quando se intensificou o interesse pela
cultura greco-romana, principalmente do perodo helenstico. Segundo Valente (2003)
houve uma revalorizao dos objetos com um sentido de estudo e o revigoramento do
hbito de colecionar.
Morn e Checa (op. cit.), analisando o colecionismo espanhol, ressaltam a
mudana na forma de organizar e expor as colees. Segundo os autores houve uma
primeira transio entre os tesouros dos reis do sculo XV e as colees eclticas de
Carlos V. Essas abrigavam alm de obras de arte e pinturas, elementos naturalistas junto
a objetos de carter ldico, musical, cientfico e tambm moedas antigas. Outra
transio pode ser identificada no sculo XVI, quando se constituiu aquilo que 13 Semiforos so objetos que no podem ser consumidos ou servir para obter bens, opondo-se as coisas ou objetos teis. Representam o invisvel, so dotados de um significado; no sendo manipulados, mas expostos ao olhar, no sofrem usura (Pomian, 1997).
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representaria verdadeiramente uma cmara de maravilhas, com as colees de Felipe II,
as quais apresentavam uma organizao expositiva como um microcosmo orgnico.
Alm da realeza, a aristocracia passou a investir em objetos de arte e objetos
cientficos e segundo Valente (2003) as colees, nos sculos XV e XVI,
transformaram-se em smbolos de status. Contudo, ainda que esse movimento de
crescimento de interesses e mudanas de comportamento estivesse mais disseminado na
sociedade, as colees no estavam acessveis ao grande pblico, sendo restritas a
pequenos grupos sociais. Assim como crescia o nmero de interessados nas colees se
ampliava cada vez mais a diferena entre possuir e olhar objetos (VALENTE, op. cit.).
No sculo XVII, o universo das colees e os locais que as abrigavam foi
ampliado, assim, estdios, bibliotecas, gabinetes e museus abrigavam diversos tipos de
objetos e eram locais onde se produzia arte e saber. Nesse sculo surgem na Europa
diversos jardins botnicos, tais como: o Oxford Physic Garden (1621), o Chelsea Physic
Garden em Londres (1673) e o Jardin des Plantes em Paris (1635).
Segundo Kury e Camenietzki (1997), no final do sculo XVIII a moda dos
gabinetes de curiosidades e cmaras de maravilhas comea a estagnar devido ao
processo de especializao disciplinar. Contudo, a mudana no pensamento e nas idias
que produziu uma nova alterao do sentido das colees e gerou a cincia moderna,
bem como a especializao disciplinar, tm incio nos sculos XVI e XVII. Lopes
(1997) considera o sculo XVII como ponto de inflexo na histria do pensamento e das
idias, mas que ainda no se trata de uma atividade caracterstica da cincia.
As colees dos sculos XVI, XVII e mesmo do sculo XVIII apresentavam
naturalia e artificialia na mesma vitrine, os gabinetes expunham preferencialmente
seres exticos e monstruosidades e nos jardins eram encontradas as plantas mais belas
ou com valor curativo excepcional. A partir da segunda metade do sculo XVIII, as
colees alm de se especializarem passam a reproduzir uma ordem que acompanha as
novas concepes sobre a natureza e as novas exigncias metodolgicas (KURY e
CAMENIETZKI, op. cit.).
Museus, zoolgicos, bibliotecas, arquivos e jardins botnicos compartilham entre os sculos XVIII e XIX de grande prestgio como instituies paradigmticas de uma nova ordem de organizao do saber nos estados modernos em formao.(...) (KPTCKE, 2006:115).
Em relao ao colecionismo natural, h que se destacar que diferentemente do
carter utilitarista de valorizao dos objetos naturais na Idade Mdia, durante os
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sculos XVI e XVII houve uma valorizao dos objetos por serem testemunhos do
mundo e da criao; a ordem da coleo correspondia a um microcosmo do Universo,
uma reunio de vestgios da criao (HOOPER-GREENHILL, 1992; KURY e
CAMENIETZKI, op. cit.). Contudo, essa ruptura foi gradual e no incio da Idade
Moderna os objetos podiam ser valorizados por ambas as caractersticas.
Analogamente a este processo Thomas (1988) discorre sobre a mudana da
relao do homem com a natureza; se a princpio as espcies precisassem ser
conservadas por servirem a algum propsito humano, a partir do sculo XVII aparecem
argumentos menos utilitrios baseados na valorizao das espcies como criaes
divinas.
Assim, uma nova ordem para as colees derivou da ordem que se comeou a
atribuir natureza. Kury e Camenietzki (op. cit.) exemplificam essa nova ordem a partir
das discusses sobre as colees de Histria Natural do Cabinet du roi e os jardins do
Jardin des Plantes de Paris no final do sculo XVIII, indicando as vrias concepes
acerca da natureza assumidas pelos naturalistas. De um lado, havia a crena em uma
natureza contnua como uma cadeia, idia esta responsvel, em parte, pelas viagens
cientficas que almejavam encontrar os elos de ligao. Por outra parte, estava a busca
por critrios universais de classificao que permitissem uma aproximao com a ordem
natural estabelecida pela criao.
Conforme Latour (apud LOPES, 1997) as colees da natureza representaram
uma mobilizao geral do mundo, capacitando uns poucos cientistas, de um algum lugar
do jardim botnico de Kew Gardens, por exemplo, a dominar visualmente todas as
plantas da terra. Sendo assim, os museus criados na Europa nos sculos XVII, XVIII e
em todo mundo no sculo XIX foram em grande parte os responsveis por essa ao,
que segundo Lopes (op. cit.) est na base do processo que traou as Cincias Naturais.
Portanto, a partir do sculo XVIII os gabinetes de curiosidades, bem como, os
jardins botnicos, transformaram-se em locais de produo e disseminao de
conhecimentos segundo as concepes cientficas vigentes. Muitos jardins botnicos
so criados na Europa, e segundo Sousa (op. cit.), havia no continente no final do sculo
XVIII, mais de 1600 jardins botnicos. Em 1757, Lineu cria, no jardim de Upsala na
Sucia, a classificao binria de plantas.
A disseminao do Systema Natural de classificao proposto por Lineu
introduziu nova organizao dos objetos de histria natural e dos jardins botnicos. De
acordo com Valente (op. cit.), o entusiasmo pela classificao a partir da
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universalizao do sistema lineano colocou em destaque a integrao entre estudo da
coleo e organizao do museu.
nesse contexto que comea a aparecer a preocupao educativa do museu, no
sentido de permitir acesso do grande pblico s colees. Contudo, a presena do
pblico incomodou alguns naturalistas e artistas. Kury e Camenietzki (op.cit.) expem
um pouco das diferentes posies em relao ao pblico ilustradas pelas propostas de
Lamarck e de Andr Thouin durante a reestruturao do Jardin des Plantes no final do
sculo XVIII. Para Lamarck, o gabinete deveria restringir o horrio de visitao do
pblico garantindo aos naturalistas serenidade para estudar as colees. J o jardineiro-
chefe da instituio defendia o uso dos nomes vulgares nas placas e a organizao de
jardins de acordo com interesses diversos.
Foi, portanto, no sculo XVIII que o carter pblico em relao s colees
teve seu sentido mais ampliado (VALENTE, op. cit.), apoiado pelos novos critrios de
cidadania e justificao das cincias por sua contribuio para o bem da humanidade.
No entanto, a educao voltada para o pblico no se destacava nesse momento entre as
principais metas dos museus, mas sim contribuir para o crescimento do conhecimento
cientfico por meio da pesquisa (CAZELLI et al., 2003).
2. Aspectos da institucionalizao e da consolidao das Cincias Naturais no
Brasil
Assim como no resto da Europa do sculo XVIII, Portugal e Espanha possuam
os gabinetes-museus de comparvel qualidade. Ainda que defasados, os pases Ibricos
participaram do movimento gerado a partir da Revoluo Industrial e das idias
Iluministas, mas, foi necessrio adaptar a filosofia s suas respectivas realidades.
Segundo Nogueira (2000) os dirigentes de Portugal e Espanha acreditavam que
por meio de uma reforma poltica, poderiam melhor explorar suas colnias ultramarinas.
Assim, mudanas nas relaes entre a metrpole e as colnias seriam fundamentais para
a modernizao e a retomada do desenvolvimento econmico destes pases.
O desenvolvimento e diversificao da agricultura interessavam profundamente
a Portugal, dentro de um programa de reforma para modernizar a vida scio-econmica
do Imprio. Conforme Lopes (op. cit.), as teorias fisiocrticas inspiraram a adoo do
fomento estatal como recurso tentativo para a preservao do sistema colonial em crise.
Alguns fatores como o declnio da minerao do ouro brasileiro, a revalorizao da
poltica agrcola, pela necessidade de reagir crise econmica dos ltimos anos do
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consulado pombalino, a crescente demanda de matria prima cobradas pela revoluo
industrial e o enfrentamento da concorrncia com os produtos antilhanos, concorreram
para que o interesse pela Histria Natural, particularmente a botnica (agricultura,
medicina e qumica) se tornasse uma preocupao explcita do governo portugus em
relao as colnias, particularmente o Brasil (LOPES, op. cit.).
Dentre as aes de modernizao de Portugal inserem-se a criao de museus,
jardins botnicos e zoolgicos. So gerados e difundidos museus em Coimbra, Ajuda e
na prpria Academia Real de Cincias em Lisboa. Nas colnias foram criadas condies
de infra-estrutura bsica, como por exemplo, locais para o armazenamento e separao
de objetos naturais para serem posteriormente embarcadas para a metrpole (LOPES,
op. cit.; NOGUEIRA, op. cit.).
Dentro do contexto das aes dinamizadoras da atividade cientfica em Portugal,
Pombal dirigiu aos governantes e capitesgenerais das principais capitanias pedidos de
estudo de exemplares da flora brasileira e de levantarem-se produtos interessantes ou
comerciveis; de acordo com Lopes (op. cit.) estes foram os estmulos iniciais para as
Cincias Naturais no Brasil. Assim, dentre as caractersticas que marcaram a poltica do
fim do Antigo Regime, destaca-se o aproveitamento racional dos recursos naturais do
imprio e as tentativas de diversificao da produo. Articulado a essa poltica criou-se
o jardim botnico, na ento capitania, do Par em 1796 e foram dadas as instrues,
efetivadas ou no, ao vice-rei e aos governantes das provncias sugerindo a criao de
hortos em Olinda, Salvador, Ouro preto, Gois e So Paulo (HOEHNE et al.,1941;
LOPES, op. cit.).
Segundo Hoehene et al.(1941) desde a fundao da cidade de So Paulo no
sculo XVI, havia a inteno por parte dos padres jesutas de formar um jardim de
plantas do altiplano piratininguense e do vicentino litoral para fins de estudo
relacionado a utilidade. Contudo, a primeira iniciativa de instalao de um jardim
botnico na cidade ocorreu somente dois sculos depois, no bojo da modernizao
econmica da metrpole que estabeleceu uma nova relao com as colnias.
A primeira iniciativa de formar um jardim botnico no Brasil foi de Maurcio de
Nassau, em Recife, Pernambuco, ainda no sculo XVII. Segundo Hoehne et al.(op. cit.)
esse jardim existiu entre 1637 e 1644 junto ao Palcio de Friburgo. No entanto,
conforme Segawa (1996) o primeiro jardim efetivamente e oficialmente estabelecido foi
o Jardim Botnico de Belm do Par iniciado a partir de 1796, e finalmente instalado
em 1798. Nesse jardim foram introduzidas espcies da Guiana Francesa, entre elas o
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caf, serviu ao cultivo de vrias espcies exticas e tambm indgenas, bem como,
diverso (SEGAWA, op cit.).
Conforme Rocha e Cavalheiro (2001) foi enviado um catlogo de plantas
cultivadas no jardim do Par para o Governador da Capitania da Bahia em 1798,
intencionando a criao em Salvador de um jardim botnico semelhante ao de Belm.
Em So Paulo foi estabelecido um jardim botnico junto ao Hospital Militar no Campo
da Luz a partir de um aviso de 1799 do ento Governador dessa Capitania. Contudo, o
jardim s foi concludo e aberto ao pblico em 1825 (ROCHA e CAVALHEIRO, op.
cit.).
Em 13 de junho de 1808, D. Joo VI, prncipe regente instituiu o jardim de
Aclimatao no Rio de Janeiro com o objetivo de introduzir espcies vegetais
provenientes das ndias Orientais. Em outubro do mesmo ano o jardim passou a se
denominar Real Horto (NOGUEIRA, op. cit.), mudando para Real Jardim botnico
quando D. Joo VI foi coroado rei (RODRIGUES, 1989). A partir deste momento, o
jardim foi transformado em instituio pblica e foi intensificado o cultivo de plantas
teis; em 1819 foi anexado ao Museu Real e posteriormente, em 1822, D. Pedro I
colocou o jardim sob responsabilidade do Ministrio do Interior.
Os hortos e jardins botnicos eram interessantes por abrirem possibilidades
comerciais promissoras, desde plantas para o consumo humano at espcies madeireiras
adequadas construo. Segundo Nogueira (op.cit.) tais possibilidades e talvez a
influncia do trabalho realizado por Manuel Arruda da Cmara14 levaram D. Joo VI a
criar, em 1811, jardins em Pernambuco, Bahia e Minas Gerais.
O hbito de enviar metrpole produes da natureza do Brasil remonta
chegada dos portugueses. Mas foi a partir da segunda metade do sculo XVIII, nos
governos dos vice-reis Conde da Cunha, Marques de Lavradio e Dom Lus de
Vasconcelos e Sousa, que esse costume se tornou uma atividade intensa e sistemtica.
De acordo com Lopes (op.cit.), a primeira idia de criao de um museu de histria
natural no Rio de Janeiro creditada a Dom Lus. Em 1784, junto edificao que se
construa para o museu, foi feita a Casa dos Pssaros que durante 20 anos colecionou,
preparou e armazenou produtos naturais e adornos indgenas para enviar para Lisboa.
14 Manuel Arruda Cmara realizou viagens pelo serto de PE e PI, com fins comerciais e cientficos que envolveram levantamentos da flora, fauna e de recursos minerais. Concluiu em 1809 estudos sobre a aplicabilidade e utilizao dos recursos naturais e sobre a importncia dos jardins botnicos (Nogueira, 2000).
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Se at o sculo XVIII a troca de plantas entre Europa e Amrica era
preferencialmente unilateral com a adaptao de espcies aos nossos climas e solos, a
partir de ento as grandes expedies levaram centenas de espcies da Amrica, muitas
delas aclimatadas nos jardins botnicos europeus com o objetivo de explorao
econmica e estudo. Segundo Domingues (1995 apud NOGUEIRA, op. cit.) depois da
abertura dos portos ocorreram 137 viagens de naturalistas no Brasil, interessados nos
recursos oriundos da flora e da fauna silvestres.
No sculo XIX, a partir de iniciativa do IHGB1