Acórdão Do Supremo Tribunal de Justiça Acidente de Trabalho

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  • 8/17/2019 Acórdão Do Supremo Tribunal de Justiça Acidente de Trabalho

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    Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaProcesso: 181/07.2TUFIG.C1.S1Nº Convencional: 4ª SECÇÃORelator: PINTO HESPANHOLDescritores: DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO

    VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇANEXO DE CAUSALIDADE

    Data do Acordão: 28-11-2012

    Votação: UNANIMIDADETexto Integral: SPrivacidade: 1Meio Processual: REVISTADecisão: NEGADA A REVISTAÁrea Temática: DIREITO CIVIL - LEIS, SUA APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO -

    RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVASDIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS, SOCIAIS ECULTURAISDIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO

    Doutrina: - PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra,2006, pp. 851-852.

    Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 7.º, N.º 2, 342.º, N.º2.CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 646.º, N.º4CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003, APROVADO PELA LEI N.º 99/2003, DE 27-8: -ARTIGOS 10.º, 13.º, 272.º A 280.º, 290.º, N.º1.CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 59.º, 64.º.DL N.º 441/91, DE 14-11: - ARTIGOS 1.º, 8.º, 23.º, N.º2,DL N.º 348/93, DE 1-10: - ARTIGOS 3.º, N.º 1, 4.º, N.º1, 5.º, 7.ºDL N.º 143/99, DE 30-4 (REGULAMENTO DA LEI DE ACIDENTES DE TRABALHO),NA REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DL N.º 382-A /99, DE 22-9: - ARTIGOS8.º, 71.º, N.º1.DL N.º 273/2003, DE 29-10: - ARTIGOS 1.º, 2.º, N.º2, AL. C), 3.º, AL. J), 5.º, NºS 1, 3, E 4,10.º, 22.º, N.º1, ALS. C) E M), 29.º.DL N.º 50/2005, DE 25-2: - ARTIGOS 3.º, 8.º, 10.º, 15.º, N.º 1, 27.º, 28.º, 30.º, 33.º A 37.º.

    LEI N.º 100/97, DE 13-9 (REGIME JURÍDICO DOS ACIDENTES DE TRABALHO EDAS DOENÇAS PROFISSIONAIS): - ARTIGOS 1.º, N.º1, 6.º, N.º1, 7.º, N,º1, ALS. A) EB), 18.º, N.º 1, E 37.º, N.º 2, 41.º, N.º1, AL. A).LEI N.º 99/2003, DE 27-8: - ARTIGOS 3.º, N.º1, 3.º, N.º 2, E 21.º, N.º 2.LEI N.º 7/2009, DE 12-2: - ARTIGO 12.º, N.º 3, AL. A).PORTARIA N.º 988/93, DE 6-10, E ANEXOS II E III.PORTARIA N.º 101/96, DE 3-4.

    Legislação Comunitária: - DIRECTIVA DO CONSELHO N.º 89/391/CEE, DE 12/6/1989, RELATIVA ÀAPLICAÇÃO DE MEDIDAS DESTINADAS A PROMOVER A MELHORIA DASEGURANÇA E DA SAÚDE DOS TRABALHADORES NO TRABALHO.- DIRECTIVA N.º 89/656/CEE, DO CONSELHO, DE 30/11, RELATIVA ÀSPRESCRIÇÕES MÍNIMAS DE SEGURANÇA E DE SAÚDE DOS TRABALHADORES

    NA UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROTECÇÃO INDIVIDUAL, QUECONSTITUI A TERCEIRA DIRECTIVA ESPECIAL, NA ACEPÇÃO DO N.º 1 DOARTIGO 16.º DA DIRECTIVA N.º 89/391/CEE, DO CONSELHO, DE 12/6, E ATENDEAOS PRINCÍPIOS ORIENTADORES DA COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO N.º89/C328/02, DE 30/11, RELATIVA À AVALIAÇÃO DO PONTO DE VISTA DESEGURANÇA DOS EQUIPAMENTOS DE PROTECÇÃO INDIVIDUAL.- DIRECTIVA N.º 92/57/CEE, DO CONSELHO, DE 24/6.- DIRECTIVA N.º 89/655/CEE, DO CONSELHO, DE 30/11, ALTERADA PELADIRECTIVA N.º 95/63/CE, DO CONSELHO DE 5/12, E PELA DIRECTIVA N.º2001/45/CE, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO DE 27/6.

    Referências Internacionais: CONVENÇÃO N.º 155 DA OIT, SOBRE SEGURANÇA, SAÚDE DOSTRABALHADORES E AMBIENTE DE TRABALHO.

    Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

    -DE 18/4/2007, PROCESSO N.º 4473/06 – 4.ª SECÇÃO;-DE 17/5/2007, PROCESSO N.º 53/2007- 4.ª SECÇÃO;-DE 3/12/2008, PROCESSO N.º 2271/2008 - 4.ª SECÇÃO;-DE 23/9/2009, PROCESSO N.º 238/06.7TTBGR.S1 - 4.ª SECÇÃO, EM WWW.DGSI.PT.

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    Sumário :

    1. Provando-se que a empregadora adoptou as medidas de protecçãoadequadas a prevenir o risco de queda em altura, cumprindo ocorrespondente plano de segurança, providenciando pela informação eformação do sinistrado sobre os comportamentos a adoptar e as regrasde segurança a observar na execução dos trabalhos, colocando osnecessários meios de protecção colectiva e instruindo o sinistrado deque deveria socorrer-se de arnês de segurança, ancorado a uma linhade vida, sempre que existissem riscos de queda em altura,especialmente no caso de inexistência de guarda-corpos, dispositivosde protecção que efectivamente disponibilizou, impõe-se concluir que a empregadora não violou qualquer norma legal relativa àsegurança no trabalho, pelo que não ocorre a subsunção do caso aodisposto nos artigos 18.º, n.º 1, e 37.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, de 13de Setembro.

    2. Porém, tendo-se demonstrado que o sinistrado, com culpa grave,não cumpriu os procedimentos e instruções da entidade empregadora,nem utilizou todos os meios de segurança que esta lhe forneceu, semcausa justificativa, sendo a inobservância por parte do sinistrado dascondições de segurança estabelecidas pela entidade empregadoracausal do acidente, verifica-se a excepção prevista na segunda parteda alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 deSetembro, termos em que está excluído o direito à reparação dosdanos emergentes do acidente.

    Decisão Texto Integral:Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

      I

    1. Em 2 de Março de 2009, no Tribunal do Trabalho da Figueira daFoz, Secção Única, AA instaurou a presente acção, com processoespecial, emergente de acidente de trabalho, que foi participado aotribunal, em 26 de Julho de 2007, contra BB – CONSTRUÇÕES,LDA., e CC – COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., pedindo que

    «deve a presente Acção ser considerada procedente por provada e,consequentemente:

      1 –   a) Reconhecid[o] e decretado que a relação laboralexistente entre o A. e a primeira R. configura um contrato de trabalhosem termo. Que o A. é empregado da R.  b) Reconhecido como nulo o despedimento do A.  c) a Ré BB – Construções, Lda., condenada a pagar ao

    Autor a pensão anual e vitalícia de € 1.173,54 (mil, cento e setenta etrês euros e cinquenta e quatro cêntimos), obrigatoriamente remível pela quantia de € 19.571,06 (dezanove mil, quinhentos e setenta e umeuros e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal,

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    vencidos e vincendos, até integral pagamento.  d ) A quantia global de € 2.820,63 (dois mil, oitocentose vinte euros e sessenta e três cêntimos), a título de indemnização por incapacidade temporária, igualmente acrescida de juros de moravencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.  e) A quantia de € 60,00 (sessenta euros),

    correspondente a despesas de deslocação obrigatórias no âmbito deste processo.  f ) Decretar-se que são devidas ao A. pela primeira R.as retribuições mensais de € 403,00, durante 14 meses ao ano, desde30 dias antes da propositura da Acção até ao trânsito em julgado daSentença.  g ) Decretar-se que o A. foi despedido sem justa causa,quando incapacitado em resultado de acidente de trabalho, o que lheconfere uma indemnização em dobro do que lhe competia num

    despedimento legal, isto é, no mínimo de € 2.418,00.  h) Condenar-se a [primeira] R. a pagar ao A. a quantiade € 538,00, relativos a férias não gozadas e respectivo subsídio

     proporcional.  i) Condenar-se, ainda, a R. a pagar ao A. os

     proporcionais referentes ao subsídio de Natal em relação aos anos de2006 e 2007, no montante de € 269,00.  j) Finalmente, condenar-se a R. a proceder ao

     pagamento dos montantes e descontos para a Segurança Social, desde01/09/2006 até ao trânsito da Sentença que será vertida nos presentesAutos.  2 – Com obrigação subsidiária da primeira Ré deverá asegunda Ré Companhia de Seguros CC, S. A., [ser] condenada ao

     pagamento:  a) Pensão anual e vitalícia de € 821,48 (oitocentos evinte e um euros e quarenta e oito cêntimos), obrigatoriamenteremível pela quantia de € 13.699,44 (treze mil, seiscentos e noventa enove euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora,à taxa legal, vencidos e vincendos, até integral pagamento.  b) A quantia global de € 1.974,44 (mil, novecentos esetenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos), a título deindemnização por incapacidade temporária, igualmente acrescida de

     juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.  c) A quantia de € 60,00 (sessenta euros),correspondente a despesas de deslocação obrigatórias no âmbito deste

     processo, acrescido de iguais juros de mora.  Como pedido subsidiário e para o caso de não se provar o contrato de trabalho entre o A. e a primeira R. deverá a R.seguradora ser condenada ao pagamento dos montantes referidos nasalíneas do n.º 2 anterior, isto é, pelo montante que seria pago por esta

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    Ré, se, eventualmente, o A. fosse considerado um prestador deserviços.»

    Alegou, em suma, que sendo trabalhador subordinado da ré BB,sofreu ao serviço desta, no dia 30 de Abril de 2007, pelas 9 horas, umacidente de trabalho resultante da violação por essa ré de regras sobresegurança, higiene e saúde no trabalho, com a consequenteresponsabilidade agravada em matéria de prestações ressarcitórias

     previstas na legislação de acidentes de trabalho e a responsabilidadesubsidiária da ré seguradora pelas atinentes prestações normais; por outro lado, a ré BB fez cessar o contrato de trabalho celebrado com oautor por via de um despedimento ilícito, sendo que do contrato detrabalho e da sua cessação resultaram para o autor os direitos que

     pretende ver reconhecidos e que arrola na petição inicial.A ré BB contestou, pugnando pela integral improcedência da acção,alegando, em síntese, que o autor não era seu trabalhador subordinado, mas sim um mero prestador de serviços, razão pela qualnão recai sobre ela a responsabilidade de reparação do acidenteinvocado, do mesmo modo que não recai sobre ela nenhuma dasobrigações correspondentes aos direitos invocados pelo autor comfundamento na alegada existência de uma relação de trabalhosubordinado entre ele e a ré. Mais aduziu que o acidente em causaresultou de violação, pelo sinistrado, de ordens que lhe dirigiu emmatéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, com a consequentedescaracterização do acidente enquanto acidente de trabalho.

    A ré seguradora também contestou, pugnando pela integralimprocedência da acção. Alegou que o autor era trabalhador subordinado da ré BB, sendo que o contrato de seguro celebrado entreele e a ré seguradora apenas cobria os acidentes de trabalho que ovitimassem enquanto trabalhador independente na área da construçãocivil; doutra parte, o acidente invocado pelo autor resultou deviolação de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por 

     parte da ré BB, sendo sobre esta que impende, consequentemente, a

    responsabilidade infortunística respectiva.

     No despacho saneador, foi decretada a absolvição da instância da primeira ré relativamente aos pedidos enunciados no correspondenten.º 1, alíneas b) e f ) a j).

    Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser  proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo asrés dos pedidos.

    2. Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação deCoimbra, o qual julgou o recurso de apelação improcedente econfirmou a sentença impugnada.

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    É contra esta deliberação que o autor, agora, se insurge, medianterecurso de revista, em que alinha as conclusões seguintes:

      «I - Dão-se por reproduzidas as questões de facto e dedireito aqui vertidas.  II - No Venerando Supremo Tribunal de Justiça não se

     pode discutir matéria de facto. As nossas conclusões vão ter como base a matéria de facto provada e a interpretação legal de alguns preceitos, mas este Venerando Tribunal pode ter por não escrita aresposta conclusiva dada à matéria de facto como ocorre no item 52.  III - O desrespeito das regras de segurança pelo trabalhador e a sua consequente responsabilização têm que ser aferidascasuisticamente e em cada situação concretamente avaliada. Aeventual violação de certas regras de segurança no trabalho nãoimporta uma responsabilização automática do trabalhador com aconsequente descaracterização do acidente de trabalho.  IV - Em nosso modesto entender, não lograram as RR.

     provar, como era seu ónus, que este tenha omitido regra causal doacidente pelo que a matéria dada como provada no n.º 32 [será n.º 52]deverá considerar-se conclusiva com as legais consequências.  V - Para o efeito e no que aqui interessa, as instânciasentenderam que houve violação culposa de regras de segurança por 

     parte do trabalhador, violação essa causal do acidente de trabalhoocorrido, mas,  VI - A entidade empregadora do sinistrado é responsável, a

    título principal e de forma agravada, nos termos conjugados dos art.s18.º, n.º 1, [e] 37.º, n.º 2 da Lei n.º 100/97, de 13/09, “quando oacidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seurepresentante, ou resultar de falta de observação das regras sobresegurança, higiene e saúde no trabalho”, sendo que, nessa hipótese, ainstituição seguradora apenas é subsidiariamente responsável pelas

     prestações normais previstas na dita lei.  VII - A violação do trabalhador traduziu-se, segundo elas,na inexistência de arnês.

      VIII - A responsabilidade por violação de regras desegurança exige a verificação cumulativa dos seguintes pressupostoslegais: que exista uma situação de violação de regras de segurança,higiene e saúde no trabalho; que essa violação seja causal do acidente,ou seja, que o evento seja consequência directa e necessária daviolação da norma de segurança; e que a violação da regra desegurança seja imputável ao trabalhador, no caso a título de omissão.  IX - A margem da plataforma ou laje não se encontrava

    guarnecida com qualquer guarda-‑corpos e/ou guarda-cabeças,

    obviamente, por culpa da entidade empregadora ou de terceiros.  X - Estamos, pois, perante uma flagrante violação de regrasde segurança, violação essa que foi, esta sim, causal do acidente.  XI - O facto de o sinistrado não usar cinto ou arnês de

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    segurança não releva para o caso dos autos, pois segundo o dispostono artigo 273.°/2, al. f ) do Código do Trabalho: “... o empregador deve (...) dar prioridade à protecção colectiva em relação às medidasde protecção individual” e no artigo 11.° da Portaria n.º 101/96, de03/04: “sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na

    impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com alegislação aplicável...”.  XII - Demonstrado que, no caso dos autos, houveinobservância de regras de segurança (guarda-corpos e redes) e queessa inobservância foi causa directa e necessária do acidente, não se

     provou que a mesma fosse imputável ao trabalhador.  XIII - De facto, nos termos do disposto no artigo 273.º/1 doCódigo do Trabalho (que corresponde ao artigo 8.º do Decreto-Lei n.º441/91), “o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores

    condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectosrelacionados com o trabalho”.  XIV - Também no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 273/03, de29/10 se estabelece que “a nomeação dos coordenadores de segurançaem projecto e em obra não exonera a entidade executante e oempregador das responsabilidades que a cada um deles cabe, nostermos da legislação aplicável em matéria de segurança e saúde notrabalho”.  XV - Refira-se ainda que o mesmo diploma legal estabelececomo obrigações do empregador, no seu artigo 20.º[será artigo 22.º]/l, als. c) e m), a de “garantir as condições de acesso, deslocação ecirculação necessária à segurança em todos os postos de trabalho noestaleiro” e a de “adoptar as prescrições mínimas de segurança esaúde no trabalho previstas em regulamentação específica”.  XVI - Destas disposições legais ressalta, para nós e semprecom o devido respeito, que o empregador nunca se pode alhear dascondições concretas de segurança em que efectivamente os seustrabalhadores exercem a sua actividade, confiando o cumprimentodessas obrigações a terceiros ou ao próprio trabalhador.  XVII - Assim, a todo e qualquer empregador (também à aquiré entidade patronal) impõe-se o dever de previamente ao envio dosseus trabalhadores para a obra, verificar se a mesma dispõe ou não de

     plano de segurança, inteirar-se sobre os riscos com que os seustrabalhadores vão ser confrontados, se esses riscos estão ou nãocontemplados no plano de segurança elaborado, devendo abster-se deenviar os seus trabalhadores para a obra sempre que tal não suceda.  XVIII - Mais se impõe ao empregador que informe os seustrabalhadores sobre os riscos concretos com que se vão deparar, quaisos meios de segurança necessários e adequados a neutralizá-los eainda que acompanhe e fiscalize a actividade por eles concretamentedesempenhada na obra ao longo da prestação laboral, verificando se

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    as regras de segurança estão ou não a ser observadas, suprindo ereprimindo eventuais incumprimentos.  XIX - Se não se verificar se as condições de segurança dostrabalhadores estavam a ser salvaguardadas e ao abstrair-se daactividade e das condições de trabalho concretas destes, confiando emterceiros, a ré entidade patronal omitiu deveres objectivos de cuidado

    que podia e devia ter observado, sendo consequentemente responsável perante o trabalhador pelo incumprimento dessas regras de segurança,que foram causais do acidente, estando por via disso obrigada asatisfazer, a título principal e em termos agravados, os créditosindemnizatórios que vêm reclamados pelo autor, sendo a réseguradora apenas subsidiariamente, e sem qualquer agravamento,responsável pela satisfação de tais créditos.  XX - A circunstância de o sinistrado ter ao seu dispor cintoou arnês de segurança e de o não ter utilizado não exclui a

    responsabilidade da ré empregadora. Com efeito as medidas desegurança individuais não dispensam as de segurança colectivaquando estas são obrigatórias, necessárias e exequíveis e a estas sedevendo dar prioridade. No caso, a colocação de guarda corpos eraobrigatória, necessária e exequível, podendo e devendo ter sidoadoptada o mesmo acontecendo com a rede para protecção de quedasem altura.  XXI - Do ponto de vista da responsabilidade do trabalhador é, pois, irrelevante que as protecções hajam sido retiradas antes doinício do trabalho, bem como quem as haja retirado.  XXII - Por outro lado, a implementação das medidas desegurança necessárias e adequadas aos concretos riscos, não se esgotana existência quer de um plano de segurança e saúde e da “memóriadescritiva”, quer de uma estrutura de fiscalização, sendo antesnecessário que, a todo o momento, sejam implementadas as medidasexigidas e necessárias.  XXIII - Discordamos da interpretação que o douto Acórdão fazao estatuído no artigo 7.º da Lei 100/97 de 13 de Setembro. A nossadiscordância é muito, muito respeitosa, mas pensamos que este artigo7.º deverá ser interpretado no sentido de que a descaracterização deum acidente de trabalho não poderá moldar-se só porque um operárioutilizou ou omitiu a utilização de um determinado aparelho ésobretudo necessário que essa omissão seja causal e que tenham sidorespeitadas as restantes regras de segurança o que nos presentes Autosnão se prova que tenha ocorrido.  XXIV - Esta disposição legal deverá, em nossa opinião, ser interpretad[a] no sentido de que [a] não utilização do arnês notrabalho em causa não caracteriza uma omissão ou que essa nãoutilização resulte de uma negligência grosseira, perceptível, ondefacilmente sejam detectáveis as suas consequência e, sobretudo, queessa eventual negligência do prestador de serviços não seja

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    ultrapassada por uma negligência grosseira e imperdoável da nãoexistência de guarda-corpos no local e, sobretudo, da não colocaçãode redes para protecção de consequências nefastas de queda em altura.  XXV - Considera-se violada toda a legislação focada nas

     presentes conclusões pensando que a sua interpretação deveráconduzir a que a queda do A. não resultou da sua omissão mas sim da

    omissão dos cuidados legalmente exigíveis à entidade empregadora.  XXVI - O artigo 7.º deverá, assim, ser interpretado no sentidode que a existir negligência do trabalhador esta fosse inconsciente ouocorreria, para o homem normal. A negligência a que se refere esteartigo teria que ser considerada, pelo menos pelo homem comum,como a única e exclusiva responsável pelo evento. Não énecessariamente o caso do presentes Autos onde a causa do acidentefoi a inexplicável não existência de guarda-‑corpos e de rede.  XXVII - Requer-se a substituição do douto Acórdão por outro

    em que se condene a R. BB – Construções, Lda., com sede na Rua …,na cidade de Cantanhede, a pagar ao A:  – A pensão global anual, vitalícia e actualizável de1.173,54 € (mil cento e setenta e três euros e cinquenta e quatrocêntimos) obrigatoriamente remível pela quantia de 19.571,06 €(dezanove mil quinhentos e setenta e um euros e seis cêntimos),acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos atéintegral pagamento.  – A quantia global de 2.820,63 € (dois mil oitocentos

    e vinte euros e sessenta e três cêntimos), a título de indemnização por incapacidade temporária igualmente acrescida de juros de moravencidos e vincendos à taxa legal até integral pagamento.  – A quantia de 60,00 € (sessenta euros),correspondente a despesas de deslocação obrigatórias no âmbito deste

     processo.  – Com obrigação subsidiária da primeira Ré deverá asegunda Ré Companhia de Seguros “CC”, S. A., [ser] condenada ao

     pagamento:

    a) Pensão anual e vitalícia de 821,48 € (oitocentose vinte e um euros e quarenta e oito cêntimos) obrigatoriamenteremível pela quantia de 13.699,44 € (treze mil seiscentos e noventa enove euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de moraà taxa legal vencidos e vincendos até integral pagamento.

    b) A quantia global de 1.974,44 € (mil novecentose setenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos), a título deindemnização por incapacidade temporária igualmente acrescida de

     juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até integral

     pagamento. c) A quantia de 60,00 € (sessenta euros),correspondente a despesas de deslocação obrigatórias no âmbito deste

     processo acrescidos, igualmente, juros de mora.»

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    A ré seguradora contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

     Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjuntaconcluiu que a revista devia ser negada, visto que a matéria vertida no

     ponto 52) trata-se «de matéria de facto que, enquanto tal, deverá ser mantida por este STJ, ao contrário do que sustenta o recorrente, não

    se verificando qualquer violação do art. 646.º (4) do CPC, que justifique a sua eliminação», e porquanto, atendendo à matéria defacto apurada, «dúvidas não deveriam existir de que foi ocomportamento omissivo do trabalhador que, para mais agindo contraordens expressas da entidade empregadora e sem causa justificativa,foi a causa determinante, em concreto e em abstracto, do acidente deque foi vítima, pelo que, o mesmo, por dever ser consideradodescaracterizado, enquanto acidente de “trabalho”, não deveria ser objecto de reparação», parecer que, notificado às partes, não suscitouqualquer resposta.

    3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam aenunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

     –   Se a matéria dada como provada no ponto 52) éconclusiva e deve ter-se por não escrita (conclusões I, na parteatinente, e II a IV da alegação do recurso de revista);

     –   Se o acidente não resultou da violação, sem causa justificativa, por parte do sinistrado, das condições de segurança

    estabelecidas pela entidade empregadora, mas sim da falta deobservância das regras sobre segurança no trabalho por parte daentidade empregadora (conclusões I, na parte atinente, e V a XXVIIda alegação do recurso de revista).

    Corridos os «vistos», cumpre decidir.

      II

    1. O tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de

    facto:1) O autor nasceu em …/…/19…;2) Em 30/4/07, no lote …, em …, Cantanhede, numa obra deconstrução de um edifício que a ré BB executava comosubempreiteira, o autor exercia a sua actividade de pedreiro para a réBB, de quem recebia, por isso, contrapartida monetária;3) Em 30/4/07, pelas 9 horas, na obra referida, quando no tempodestinado ao exercício da actividade referida, o autor exerciaefectivamente essa actividade, na última laje do edifício em

    construção, ao manobrar um guincho que aí se encontrava montado,sem utilização de cinto com arnês de segurança, o autor desequilibrou-se e, por uma zona com cerca de 2 metros de extensãosem guarda-corpos ou qualquer outro tipo de protecção, caiu ao solo,

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    em betão, de uma altura de cerca de 6 metros;4) Em 30/4/2007, estava em vigor um contrato que o autor tinhacelebrado com a ré CC (contrato de seguro de trabalhador independente do ramo da construção civil), pelo qual essa ré assumiu

     para si a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho quevitimasse o autor enquanto trabalhador independente a operar no

    ramo construção e reparação de edifícios, contrato esse que ficoutitulado pela apólice n.º ... (fls. 23 a 28), pela retribuição de 403 eurosmensais, catorze vezes por ano;5) A dona da obra referida em 2) tinha feito aprovar para ela um planode segurança que a ré BB se comprometeu contratualmente a respeitar na ocasião em que lhe foi adjudicada, como subempreiteira, aexecução dessa obra, plano esse que obrigava à colocação de

     protecções, designadamente guarda-corpos, na zona sem guardacorpos por onde o autor caiu;

    6) O guincho referido em 3) destinava-se ao transporte, subida edescida de materiais da obra, sendo manualmente manobrado por aqueles que operavam com ele;7) Quando o autor se desequilibrou e caiu, o mesmo recolhia massa,colocava-a num estrado de madeira para a fazer descer para o pisoimediatamente inferior, com auxílio do guincho referido em 3);8) Na tentativa de conciliação levada a efeito pelo MP, o autor aceitouque era trabalhador subordinado da BB, com a categoria profissionalde pedreiro, que sofreu o acidente descrito nessa tentativa, que esseacidente lhe causou todas as lesões descritas e examinadas a fls. 168 a172 dos autos, que as mesmas consolidaram em 3/1/2008, com IPP de20, 80%, depois de terem causado ITA de 12 dias, ITP a 80% de 189dias, e ITP a 35% de 48 dias, que esse acidente deveria ser caracterizado como acidente de trabalho, que existia nexo decausalidade entre esse acidente e as lesões acabadas de referir, quedespendeu 60 euros em deslocações ao GML e ao tribunal no âmbitodestes autos; mais aceitou que não tinha recebido qualquer indemnização pelos períodos de IT que sofreu e que estava transferida

     para a seguradora CC a responsabilidade civil emergente do acidentea que se reporta a queda referida em 3), tendo por referência umaremuneração anual de 5.642 euros;9) Nessa mesma tentativa, a ré seguradora declarou aceitar que oautor sofreu o acidente descrito nessa tentativa, que deveriaqualificar-se como acidente de trabalho, que existia nexo decausalidade entre esse acidente e as lesões descritas no relatório defls. 168 a 172, que estava transferida para si a responsabilidade civilemergente de acidentes de trabalho que vitimassem o autor emserviço, pela remuneração anual de 5.642 euros; porém, não aceitou aavaliação pericial feita pelo GML relativamente às incapacidadessofridas pelo autor em consequência das lesões emergentes domencionado acidente, do mesmo modo que sustentou que esse

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    acidente eclodiu por causa da violação de regras de segurança, higienee saúde no trabalho por parte da entidade patronal do sinistrado, peloque não aceitou conciliar-‑se;10) Nessa mesma tentativa, a ré BB declarou não aceitar como detrabalho o acidente aí descrito e sustentou estar transferida para aseguradora ré a eventual responsabilidade emergente desse acidente,

     pelo que não aceitou conciliar-‑se;11) Em consequência da queda referida em 3), o autor sofreu lesões;12) Após a queda, o autor ficou ferido e foi transportado, de imediato,

     para o Hospital de Cantanhede, onde realizou radiografia do crânio,coluna cervical e dorso lombar, do tórax e da bacia, sendo medicado,algaliado, entubado e, devido ao seu estado grave, transferido para osHUC;13) Depois, o autor foi seguido e tratado nos HUC até 11/05/2007,data em que foi encaminhado para o domicílio, onde continuou com

    os tratamentos para recuperação;14) Em consequência da queda referida em 3), o autor sofreutraumatismo craniofacial, abdominal e da bacia, contusão frontaldireita, com fractura associada, frontal e da órbita direita, fractura doramo isquiopúbico direito, dos ossos próprios do nariz e do complexonasoetmoidal à direita, e fractura do polegar direito;15) O guincho referido em 3) foi montado com guarda-corpos queevitavam, enquanto permanecessem colocados, os riscos de queda emaltura dos trabalhadores que operassem na última laje do edifício em

    construção;16) A ré BB conhecia o facto referido em 15) e tinha consciência queos guarda-corpos eliminavam, enquanto permanecessem montados, osriscos de queda em altura de trabalhadores que operassem na últimalaje do edifício em construção;17) A ré BB já tinha sido avisada, em 20/12/2006, pela IGT, doincumprimento de algumas regras legais relativas a segurança notrabalho da construção civil, mas que não se reportavam à(in)existência de guarda-corpos nas aberturas para o interior e exterior 

    da obra referida em 2) ou à (in)existência de protecção periférica naúltima laje contra riscos de quedas em altura;18) Na data referida em 17), a ré BB foi notificada para providenciar 

     pelo cumprimento de todas as regras legais relativas a segurança notrabalho da construção civil, designadamente daquelas que não semostravam cumpridas;19) Apesar do referido em 18), a ré BB manteve operários a trabalhar na obra sem providenciar pela montagem, em todos os locais da obraem que existissem riscos de queda em altura, de meios de protecção

    colectiva contra tais riscos;20) A queda do autor referida em 3) ocorreu porque o autor nãoestava a utilizar arnês de segurança devidamente ancorado a umalinha de vida, apesar de antes ter sido retirado, por outro trabalhador 

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    em obra, na zona de funcionamento do guincho e por onde o autor caiu, o guarda-corpos que, colocado, protegia os operários de riscosde queda em altura [redacção dada pelo Tribunal da Relação];21) A queda referida em 3) não teria ocorrido se o autor estivesse autilizar arnês de segurança devidamente ancorado a uma linha devida;

    22) O plano de prevenção e segurança elaborado para o estaleiro daobra referida em 2) previa a existência e montagem de medidas de protecção colectiva contra riscos de queda em altura em todos oslocais da obra em que existissem tais riscos (v.g. guarda-corpos), bemcomo a utilização dos meios de protecção individual contra riscos dequeda em altura sempre que não fosse possível a montagem de meiosde protecção colectiva contra esses riscos, o que era do conhecimentoda ré BB;23) Desde o início de Setembro de 2006, que o autor desempenhava

    as funções de pedreiro para a ré BB, por conta, sob a direcção, ordens,fiscalização e no interesse dessa ré, integrado na estruturaorganizativa dela;24) Desde o momento referido em 23), o autor estava, sempre, àdisposição da ré BB para desempenhar, sob a fiscalização dela, asfunções e actividades que a mesma lhe ordenava, designadamente,assentava tijolo, fazia cofragem, trabalhava o ferro, transportavamassa, sendo normal mudar de tarefa ao longo de cada dia, poisrealizava o que em cada momento lhe era ordenado pela ré BB;25) O autor desempenhava a sua actividade de pedreiro nos concretoslocais da obra referida em 2), que eram determinados pela ré BB;26) Com excepção de alguns instrumentos de trabalho pessoais dos

     pedreiros (v.g. pá de pedreiro), todos os demais equipamentos detrabalho utilizados pelo autor pertenciam à ré BB;27) Ao serviço da ré BB e por determinação dela, o autor cumpria umhorário de trabalho por ela definido de 8 horas por dia útil, com inícioàs 8 horas, termo às 17 horas, e intervalo entre as 13 e as 14 horas;28) A partir do momento referido em 23), o autor desempenhavaexclusivamente para a ré BB a sua actividade de pedreiro;29) Como contrapartida do trabalho prestado pelo autor, a ré BB

     pagou-‑lhe € 500, em Setembro de 2006, € 450, em Outubro de 2006, € 400 em Novembro de 2006, € 400 em Dezembro de 2006, € 400,em Janeiro de 2007, € 300, em Fevereiro de 2007, € 400, em Marçode 2007, e € 400, em Abril de 2007;30) Para dar quitação dos pagamentos das quantias referidas em 29) e

     para dar a aparência de uma forma autónoma de desempenho profissional por parte dele, o autor assinava recibos verdes

     preenchidos pela ré BB com valores correspondentes aos pagos por essa ré, após contabilização feita por ela;31) A contrapartida pelo trabalho prestado pelo autor à ré BB era paga

     por esta, habitualmente, nos últimos dias do mês a que respeitava;

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    32) Era a ré BB que pagava o prémio referente ao contrato de seguroreferido em 4);33) O autor tinha autorização e ordens da ré BB para, quandonecessário, utilizar o equipamento disponível em obra e pertencente àré BB, incluindo todo o equipamento de protecção individual ecolectiva existente na obra;

    34) Pertenciam à ré BB os equipamentos de protecção individual(botas, capacete, luvas, etc…) utilizados pelos trabalhadores a laborar na obra referida em 2), autor incluído;35) O autor não executou quaisquer trabalhos em muitas outras obrasque a ré BB tinha em execução para lá da referida em 2);36) No dia 27/4/07, foi montado o guincho referido em 3), de acordocom as instruções do fabricante, na última laje do edifício emconstrução;37) Após a montagem do guincho, pelo menos a parte da laje do

    edifício em construção onde foi montado o guincho ficou protegidacom guarda-corpos e guarda-‑cabeças em toda a sua extensão;38) Apesar de montado, o guincho não estava ainda ao serviço;39) No dia 27/4/07, o gerente da ré BB comunicou a todos quantostrabalhavam na obra, autor incluído, que os trabalhos a executar nodia 30/4/07 o fossem na laje do piso inferior do edifício emconstrução, sendo nessa laje desse piso que deveriam executar ostrabalhos de colocação de corte, de colocação de armaduras ecofragens, bem como de construção de paredes;

    40) Os que trabalhavam na obra, autor incluído, ficaram cientes doreferido em 39);41) No dia 30/4/07, o gerente da ré BB ainda não tinha ido à obra;42) No dia 30/4/07, contrariando o que lhes tinha sido determinado

     pelo gerente da ré BB e à revelia deste, os operários em laboração naobra referida em 2), autor incluído, decidiram aceder à última laje daobra e executar nela alguns trabalhos;43) Para o efeito referido em 42), os operários em laboração na obrareferida em 2), autor incluído, tomaram a iniciativa de retirar o

    guarda-corpos numa extensão de cerca de 2 metros, na zona onde oguincho estava montado, e colocaram este em funcionamento;44) Os trabalhadores em laboração na obra referida em 2) dos factosassentes, autor incluído, tinham instruções sobre quem deveria operar com o guincho — apenas os trabalhadores DD e EE;45) Os trabalhadores em laboração na obra referida em 2), autor incluído, tinham instruções no sentido de que deveriam socorrer-se dearnês de segurança e devidamente ancorado a uma linha de vida,sempre que existissem riscos de queda em altura, especialmente no

    caso de inexistência de guarda-corpos;46) No dia 30/4/07, estavam disponíveis em obra e em condições deserem utilizados pelos operários em laboração nela, dois arneses desegurança, um deles depositado junto do guincho referido em 2);

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    47) Antes de 30/4/07, o coordenador de segurança da obra referida em2) deslocou-se à mesma por várias vezes, aí tendo promovido acçõesde sensibilização dos operários para a obrigação dos mesmoscumprirem as regras de segurança individuais e colectivas, aí tendoverificado e feito cumprir essas regras enquanto ali permanecia;48) Antes de 30/4/07, o coordenador de segurança explicou a todos os

    intervenientes em obra, incluindo ao autor, os riscos existentes emobra e as regras de segurança individuais e colectivas que deveriamser cumpridas para se evitarem aqueles riscos;49) O autor tinha consciência dos riscos existentes em obra e dasmedidas de prevenção a adoptar para os evitar, estando por isso cientedos riscos de queda em altura, das circunstâncias em que os mesmos

     podiam ocorrer e das medidas de prevenção a adoptar face aosmesmos;50) O autor sabia, designadamente, que, em caso de inexistência de

    guarda-‑

    corpos ou guarda-cabeças e em situação de risco de queda emaltura, do tipo daquela que se registava quando estava a manobrar oguincho referido em 3), deveria utilizar arnês de segurançadevidamente ancorado a linha de vida;51) O autor também sabia que não deveria operar com o guinchoreferido em 3) e que, se alguma vez o fizesse, não o deveria fazer semutilizar arnês de segurança devidamente ancorado a uma linha de

    vida, dada a inexistência de guarda-‑corpos, numa extensão de 2metros, na zona onde o guincho estava montado e operava;

    52) Se o autor estivesse a utilizar arnês de segurança devidamenteancorado a uma linha de vida quando o mesmo estava a manobrar oguincho referido em 3), não se teria registado a queda referida nessamesma alínea;53) Antes da queda referida em 3), o autor já tinha sofrido outroacidente;54) À data da queda referida em 3), o autor era um homem dinâmicoe muito trabalhador;55) Em consequência da queda referida em 3), o autor sofreu lesões

    que consolidaram em 3/1/08, após 12 dias de ITA, 189 dias de ITP a80%, e 48 dias de ITP a 35%, sendo que as sequelas decorrentes dasmesmas determinam ao autor uma IPP de 20,80%;56) Por causa das lesões para si emergentes da queda referida em 3), oautor foi operado de urgência nos HUC, tendo sido efectuadacraniotomia bifrontal, remoção de contusão cerebral, plastia dura dotecto da órbita e cranioplastia com material de osteossíntese nãocompatível com ressonância magnética;57) O autor [ficou] internado no Serviço de Neurotraumatologia dos

    Hospitais da Universidade de Coimbra de 30/04/2007 a 11/05/2007;58) Após 11/5/07, por causa das lesões para si emergentes da quedareferida em 3), o autor foi submetido a consultas de Neurocirurgia,Ortopedia e Cirurgia Maxilofacial, sendo que na TAC de controlo

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    realizada em 5/9/07, o autor revelou hipodensidades sequelaresfrontal direita e parietal esquerda, com reconstrução do andar anterior;59) Em 16/11/2007, por causa das lesões para si emergentes da quedareferida em 3), o autor apresentava queixas de perturbações daconcentração e memória, referindo episódios compatíveis comausências;

    60) Por causa das lesões para si emergentes da queda referida em 3), oautor passou a padecer de epilepsia pós-traumática;61) Em consequência da queda referida em 3), o autor também ficou a

     padecer das seguintes sequelas: cicatriz de características operatórias,estendendo-se da região temporal direita à metade esquerda da regiãofrontal (no crânio), medindo 25 cm x 5 mm, fenómenos dolorosos naanca direita e na cabeça, epilepsia pós- ‑traumática generalizada econtrolável com medicamentos, alteração mnésica e cognitivacompatível com o síndrome pós-concussional, ligeiro defeito estético

    no nariz, desaparecimento do olfacto e alterações na voz;62) Em deslocações obrigatórias ao Tribunal e ao GML, feitas noâmbito deste processo, o autor despendeu, pelo menos, € 60,00.

    O recorrente alega que este Supremo Tribunal «pode ter por nãoescrita a resposta conclusiva dada à matéria de facto como ocorre noitem 52», salientando a este propósito que «não lograram as RR.

     provar, como era seu ónus, que este tenha omitido regra causal doacidente, pelo que a matéria dada como provada no n.º [52] deveráconsiderar-se conclusiva com as legais consequências».

    Reconduzindo-se esta questão a saber se a matéria constante do factoem causa é de direito ou de facto versa, afinal, sobre matéria dedireito, pelo que não está subtraída ao conhecimento deste SupremoTribunal, sendo que o n.º 4 do artigo 646.º do Código de ProcessoCivil, reza que «[t]êm-se por não escritas as respostas do tribunalcolectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factosque só possam ser provados por documentos ou que estejam

     plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou

    confissão das partes».Atento a que só os factos podem ser objecto de prova, tem-seconsiderado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo deaplicação às asserções de natureza conclusiva, «[n]ão porque tal

     preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como nãoescrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela

     jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é deaplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, asquais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de

    valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão deste Supremo Tribunal, de 23 de Setembro de 2009,Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in

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    Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas doacervo factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, e,quando isso não suceda e o tribunal se pronuncie sobre as mesmas,deve tal pronúncia ter-se por não escrita.

     No facto provado 52) consta que, «[s]e o autor estivesse a utilizar arnês de segurança devidamente ancorado a uma linha de vida,quando o mesmo estava a manobrar o guincho referido em 3), não seteria registado a queda referida nessa mesma alínea».

    Ora, tal proposição, embora se conceda que assuma uma feição desíntese, está reportada à matéria de facto precedente, adequadamenteconcretizada [cf. factos provados 42) a 51)], e respeita à vertentenaturalística do nexo causal entre o facto e o dano, que é do

    conhecimento exclusivo das instâncias, porque contido no âmbitorestrito da matéria factual, e que consiste em saber se o facto praticado pelo agente, em termos de fenomenologia real e concreta,deu origem ao dano, pelo que não se configura a pretendida naturezaconclusiva do sobredito ponto da matéria de facto.

    Improcedem, pois, as conclusões I, na parte atinente, e II a IV daalegação do recurso de revista, pelo que será com base no acervofactual anteriormente enunciado que hão-de ser resolvidas as questõessuscitadas no presente recurso.

    2. O recorrente discorda da interpretação operada pelo acórdãorecorrido no respeitante ao estatuído no artigo 7.º da Lei n.º 100/97,de 13 de Setembro, aduzindo que este normativo «deverá ser interpretado no sentido de que a descaracterização de um acidente detrabalho não poderá moldar-se só porque um operário utilizou ouomitiu a utilização de um determinado aparelho, é sobretudonecessário que essa omissão seja causal e que tenham sido respeitadasas restantes regras de segurança o que nos presentes Autos não se

     prova que tenha ocorrido», acrescentando que «[a] não utilização doarnês no trabalho em causa não caracteriza uma omissão ou que essanão utilização resulte de uma negligência grosseira, perceptível, ondefacilmente sejam detectáveis as suas consequência e, sobretudo, queessa eventual negligência do prestador de serviços não sejaultrapassada por uma negligência grosseira e imperdoável da nãoexistência de guarda-corpos no local e, sobretudo, da não colocaçãode redes para protecção de consequências nefastas de queda emaltura», e que «a queda do A. não resultou da sua omissão mas sim da

    omissão dos cuidados legalmente exigíveis à entidade empregadora».

    Já as instâncias convergiram no sentido da descaracterização doacidente como de trabalho, tendo o acórdão recorrido decidido que,

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    atenta a matéria de facto demonstrada, «ficou provada extensamente aviolação, sem causa justificativa, de concretas condições de segurançaestabelecidas pela empregadora, com culpa grave do sinistrado, sendoessa violação causal do acidente verificado».

    2.1. O direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condiçõesde higiene, segurança e saúde recebeu expresso reconhecimentoconstitucional na alínea c) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Fundamental,

     prevendo a alínea f ) do n.º 1 do mesmo preceito constitucional, odireito dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quandovítimas de acidente de trabalho ou doenças profissionais.

    O acidente dos autos ocorreu em 30 de Abril de 2007, donde, no plano infraconstitucional aplica-se o regime jurídico da Lei n.º100/97, de 13 de Setembro ( Regime Jurídico dos Acidentes deTrabalho e das Doenças Profissionais), que entrou em vigor em 1 de

    Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lein.º 143/99, de 30 de Abril ( Regulamento da Lei de Acidentes deTrabalho), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de Setembro.

     Note-se que, embora o acidente dos autos se tenha verificado após aentrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lein.º 99/2003, de 27 de Agosto, o que se verificou em 1 de Dezembro

    de 2003 (n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003), não se aplica ocorrespondente regime jurídico, cuja aplicação carecia deregulamentação (artigos 3.º, n.º 2, e 21.º, n.º 2, ambos da Lei n.º99/2003).

    O n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, diploma aque pertencem os demais preceitos citados adiante, sem menção daorigem, estabelece que os trabalhadores e seus familiares têm direito àreparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças

     profissionais, nos termos previstos naquela lei e demais legislaçãocomplementar.

    E, segundo o n.º 1 do artigo 6.º, entende-se por acidente de trabalho«aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produzadirecta ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional oudoença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalhoou de ganho ou a morte».

    Porém, o n.º 1 do artigo 7.º, subordinado à epígrafe

    « Descaracterização do acidente», reza que «[n]ão dá direito areparação o acidente: a) que for dolosamente provocado pelosinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação,sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela

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    entidade empregadora ou previstas na lei; b) que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado; c) que resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado,nos termos da lei civil, salvo se tal privação derivar da própria

     prestação do trabalho, ou for independente da vontade do sinistrado,ou se a entidade empregadora ou o seu representante, conhecendo o

    seu estado, consentir na prestação; d ) que provier de caso de forçamaior».

    Por sua vez, o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril,esclarece a noção de causa justificativa da violação das condições desegurança estipuladas na lei ou pela empregadora (n.º 1) e delimita oconceito de negligência grosseira (n.º 2).

    Ora, nos termos do n.º 1 do citado artigo 8.º, «[p]ara efeitos dodisposto no artigo 7.º da lei, considera-se existir causa justificativa da

    violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pela entidadeempregadora da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução oude acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o,lhe fosse manifestamente difícil entendê-la».

    Assim, a causa excludente do direito à reparação do acidente a que sealude na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, tal como seafirmou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Maio de 2007

    (Revista n.º 53/2007, da 4.ª Secção), exige a verificação cumulativados seguintes requisitos: (i) existência de condições de segurançaestabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) acto ouomissão do sinistrado que importe a violação dessas condições desegurança; (iii) voluntariedade desse comportamento, ainda que nãointencional, e sem causa justificativa; (iv) nexo causal entre o acto ouomissão do sinistrado e o acidente.

    Em suma: a lei não fez depender tal descaracterização do acidente dograu de culpa do sinistrado, antes optou por considerar que a simplesviolação, sem causa justificativa, das condições de segurança é razãosuficiente para a operar.

    Como salienta PEDRO ROMANO MARTINEZ ( Direito doTrabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 851-852), nestecaso, «o legislador exige somente que a violação careça de “causa

     justificativa”, pelo que está fora de questão o requisito da negligênciagrosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se naalínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação

    constante das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º da LAT(correspondentes às mesmas alíneas do n.º 1 do artigo 290.º doCódigo do Trabalho) tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras

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    diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porqueatende-se à violação das condições de segurança específicas daquelaempresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente violeessas regras.»

    E, mais adiante, conclui, «[s]e o trabalhador, conhecendo ascondições de segurança vigentes na empresa, as violaconscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, nãoé de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação paraexcluir a responsabilidade do empregador. Contudo, aresponsabilidade não será excluída se o trabalhador, atendendo ao seugrau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teriaconhecimento das condições de segurança ou se não tinha capacidadede as entender (artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 143/99).»

     Note-se que, na mesma linha fundamental de entendimento, o

    sobredito acórdão de 17 de Maio de 2007, referindo-se à segundasituação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, afirma que «[s]e alei se basta, na espécie, com o pressuposto assinalado — ausência decausa justificativa — é porque recai sobre o trabalhador um especialdever de observar […] as condições de segurança que lhe sãoimpostas», dever especial que «é tanto mais evidente quanto é certoque a lei só justifica a omissão quando seja de concluir que otrabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação,dificilmente teria conhecimento da norma impositiva ou tendo-o, lhe

    fosse manifestamente difícil entendê-la — artigo 8.º, n.º 1, supracitado».

    Por outro lado, o n.º 1 do artigo 18.º, sob a epígrafe «Casos especiaisde reparação», estabelece que «[q]uando o acidente tiver sido

     provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ouresultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene esaúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regrasseguintes: (a) nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou

    temporária, e de morte, serão iguais à retribuição; (b) nos casos deincapacidade parcial, permanente ou temporária, terão por base aredução de capacidade resultante do acidente.»

    E o n.º 2 do artigo 37.º dispõe que «[v]erificando-se alguma dassituações referidas no artigo 18.º, n.º 1, a responsabilidade nela

     prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituiçãoseguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestaçõesnormais previstas na presente lei».

    Assim, no domínio daquele regime jurídico, a responsabilidadeagravada do empregador tem dois fundamentos autónomos: (i) umcomportamento culposo da sua parte; (ii) a não observação peloempregador das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.

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    A única diferença entre aqueles fundamentos reside na prova daculpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária nosegundo (neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 18 deAbril de 2007, Processo n.º 4473/06 – 4.ª Secção).

    Tal como se pondera, sobre a apontada temática, no acórdão deste

    Supremo Tribunal de 3 de Dezembro de 2008 (Processo n.º2271/2008 da 4.ª Secção):

      «A anterior lei dos acidentes de trabalho (a Lei n.º 2.127,de 3.8.65) previa, na sua Base XVII, os chamados “casos especiais dereparação”. Aí se previa o agravamento das indemnizações e pensões

     previstas na Base anterior, quando o acidente tivesse sidodolosamente provocado pela entidade patronal ou seu representante(n.º 1) ou quando o acidente tivesse resultado de culpa da entidade

     patronal ou do seu representante (n.º 2).  E, relacionado com o disposto no n.º 2 da Base XVII, oart. 54.º do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, que veioregulamentar a Lei n.º 2127, estabelecia que “[p]ara efeitos dodisposto no n.º 2 da Base XVII, considera-se ter resultado de culpa daentidade patronal ou de seu representante o acidente devido àinobservância de preceitos legais e regulamentares, assim como dedirectivas das entidades competentes, que se refiram à higiene esegurança no trabalho”.

      Como resulta do teor do citado art. 54.º, conjugado como n.º 2 da Base XVII da Lei n.º 2127, aquele artigo limitou-se aestabelecer uma presunção de culpa por parte do empregador, quandose provasse que o acidente tinha resultado da violação das normasreferentes à higiene e segurança no trabalho. Ou seja, o legislador considerava que a violação das normas de segurança constituía, em simesma, e em princípio, uma conduta culposa.  A actual LAT (a Lei n.º 100/97, de 13/9) não contémdisposição idêntica à do art. 54.º do Decreto n.º 360/71, o mesmo

    acontecendo com o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/4 que a veioregulamentar.  Todavia, isso não significa que o regime da actual LAT,no que toca à culpa da entidade empregadora na produção doacidente, quando este resulte da violação das normas sobre segurança,higiene e saúde no trabalho, seja mais restritivo do que o regimeanterior.  Com efeito, importa atentar que a Lei n.º 100/97 veioregular de forma diferente os “casos especiais de reparação”, ao

    estabelecer, no n.º 1 do seu art. 18.º, o agravamento das prestações“[q]uando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadoraou seu representante, ou resultar de falta de observação das regrassobre segurança, higiene e saúde no trabalho”.

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      Ora, como decorre do confronto do normativo referido

    com o disposto na Base XVII, n.os 1 e 2, da Lei n.º 2127, a Lei n.º100/97 deixou de distinguir o dolo da negligência, passando aresponsabilidade agravada do empregador a existir em qualquer hipótese de culpa (a palavra provocado abrange o dolo e a meraculpa) e a falta de observância das regras sobre segurança, higiene e

    saúde no trabalho passou a constituir um fundamento autónomo doagravamento das prestações, o que não acontecia na Lei n.º 2127, poisaí não passava de uma mera presunção de culpa na produção doacidente.  Por outras palavras, na Lei n.º 100/97, a violação por 

     parte da entidade empregadora ou do seu representante dasmencionadas regras passou a constituir um caso de culpa efectiva enão um caso de culpa meramente presumida, como sucedia no regimeanterior.

      E compreende-se que assim seja, uma vez que a culpa,na sua forma de mera culpa ou negligência, se traduz na omissão dadiligência, dos deveres de cuidado que um bom pai de família teriaobservado, em face das circunstâncias do caso, a fim de evitar o factoantijurídico que provocou o dano (art. 487.º, n.º 2, do C.C).»

    Assim, para efeito de aplicação dos artigos 18.º, n.º 1, e 37.º, n.º 2, daLei n.º 100/97, de 13 de Setembro, cabe aos beneficiários do direito àreparação por acidente de trabalho, bem como às seguradoras que

     pretendam ver desonerada a sua responsabilidade infortunística, oónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu

     por culpa do empregador ou que o mesmo resultou da inobservância por parte daquele de regras sobre segurança, higiene e saúde notrabalho.

    Todavia, não basta que se verifique um comportamento culposo daentidade empregadora ou a inobservância das regras sobre segurança,higiene e saúde no trabalho por banda da mesma entidade, pararesponsabilizar esta, de forma agravada, pelas consequências do

    acidente, tornando-se, ainda, necessária a prova do nexo decausalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção doacidente.

     Na verdade, como é jurisprudência pacífica, o ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade do empregador compete aquem dela tirar proveito, no caso, ao sinistrado, nos termos do artigo342.º, n.º 2, do Código Civil.

    2.2. Importa começar por examinar, por ordem cronológica, as regrassobre segurança no trabalho aplicáveis no caso.

    2.2.1. O Decreto n.º 41.821, publicado em 11 de Agosto de 1958,aprovou o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção

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    Civil, diploma que previa as normas de segurança a observar notrabalho da construção civil, sendo que o artigo 29.º do Decreto-Lein.º 273/2003, de 29 de Outubro, vigente à data em que ocorreu oacidente, manteve em vigor as normas técnicas do mencionadoRegulamento em tudo o que não contrariasse as suas própriasdisposições.

    O artigo 40.º do Decreto n.º 41.821, que respeita às medidas de protecção a adoptar nas aberturas nos soalhos ou plataformas detrabalho similares, inserindo-se no título II, epigrafado « Aberturas e

     sua protecção», estatui que «[a]s aberturas feitas no soalho de umedifício ou numa plataforma de trabalho para passagem de operáriosou material, montagem de ascensores ou escadas, ou para qualquer outro fim, serão guarnecidas de um ou mais guarda-corpos e de umguarda-cabeças, fixados sobre o soalho ou a plataforma».

    E o seguinte artigo 42.º previa que, «[q]ualquer abertura feita numa parede, estando situada a menos de 1 m acima do solo ou da plataforma, será protegida por um ou mais guarda-corpos com ascaracterísticas indicadas no § único do artigo 40.º, bem como, se for necessário, por um guarda-cabeças com a altura estabelecida naquele

     parágrafo», devendo o guarda-cabeças ficar instalado «o mais perto possível do pavimento ou do lado inferior da abertura».

    Por sua vez, o artigo 43.º determinava que «[o]s dispositivos de protecção de aberturas só podem ser retirados quando for necessário

     proceder ao fecho definitivo daquelas e, bem assim, durante o tempoestritamente necessário para o acesso de pessoas e transporte oudeslocações de materiais. No segundo caso, os dispositivos serãorepostos logo que esteja concluída a operação.»

    2.2.2. O Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro (vigente à dataem que ocorreu o acidente, mas entretanto revogado pelo artigo 120.º,n.º 1, alínea a), da Lei n.º 102/2009, 10 de Setembro), conformeresulta da atinente nota preambular, trata-se de uma lei-quadro, que

    visou, não só dotar o País de um quadro jurídico global que garantisseuma efectiva prevenção de riscos profissionais, mas também dar cumprimento às obrigações do Estado decorrentes da ratificação daConvenção n.º 155 da OIT, sobre segurança, saúde dos trabalhadorese ambiente de trabalho, e adaptar a ordem jurídica interna à Directivado Conselho n.º 89/391/CEE, de 12 de Junho de 1989, relativa àaplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurançae da saúde dos trabalhadores no trabalho.

    Este diploma contém os princípios que visam promover a segurança,higiene e saúde no trabalho, nos termos dos artigos 59.º e 64.º daConstituição (artigo 1.º). No entanto, as suas disposições devemconsiderar-se derrogadas pelos artigos 272.º a 280.º do Código do

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    Trabalho de 2003 (aqui aplicáveis atento o previsto na alínea a) do n.º3 do artigo 12.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro) no âmbito deaplicação desse Código, isto é, no domínio do contrato de trabalhosubordinado e dos contratos equiparados (cf. artigos 7.º, n.º 2, doCódigo Civil e artigos 10.º e 13.º do sobredito Código do Trabalho).

    O artigo 273.º do Código do Trabalho de 2003, que corresponde aoartigo 8.º do Decreto-Lei n.º 441/91, prescreve que «[o] empregador éobrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança,higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho»(n.º 1), devendo, de acordo com o seu n.º 2, proceder, na concepçãodas instalações, dos locais e processos de trabalho, à identificação dosriscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os oulimitando os seus efeitos, de forma a garantir um nível eficaz de

     protecção [alínea a)], integrar no conjunto das actividades daempresa, estabelecimento ou serviço e a todos os níveis a avaliaçãodos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, com a adopçãode convenientes medidas de prevenção [alínea b)], planificar a

     prevenção na empresa, estabelecimento ou serviço num sistemacoerente que tenha em conta a componente técnica, a organização dotrabalho, as relações sociais e os factores materiais inerentes aotrabalho [alínea d )], dar prioridade à protecção colectiva em relação àsmedidas de protecção individual [alínea f )], dar instruções adequadasaos trabalhadores [alínea n)], ter em consideração se os trabalhadorestêm conhecimentos e aptidões em matéria de segurança e saúde no

    trabalho que lhes permitam exercer com segurança as tarefas de queos incumbir [alínea o)].

    O mesmo artigo 273.º dispõe que, na aplicação das medidas de prevenção, deve o empregador mobilizar os meios necessários,nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação e dainformação, e os serviços adequados, internos ou exteriores àempresa, estabelecimento ou serviço, bem como o equipamento de

     protecção que se torne necessário utilizar, tendo em conta, em

    qualquer caso, a evolução da técnica (n.º 3).

     No desenvolvimento da regulamentação anunciada no n.º 2 do artigo23.º do Decreto-Lei n.º 441/91, foi editado o Decreto-Lei n.º 348/93,de 1 de Outubro, que visou transpor para a ordem jurídica interna aDirectiva n.º 89/656/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, relativaàs prescrições mínimas de segurança e de saúde dos trabalhadores nautilização de equipamentos de protecção individual, que constitui aterceira directiva especial, na acepção do n.º 1 do artigo 16.º da

    Directiva n.º 89/391/CEE, do Conselho, de 12 de Junho, e atende aos princípios orientadores da Comunicação da Comissão n.º 89/C328/02,de 30 de Novembro, relativa à avaliação do ponto de vista desegurança dos equipamentos de protecção individual.

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    De harmonia com o Decreto-Lei n.º 348/93, entende-se por equipamento de protecção individual todo o equipamento, bem comoqualquer complemento ou acessório, destinado a ser utilizado pelotrabalhador para se proteger dos riscos, para a sua segurança e para asua saúde (n.º 1 do artigo 3.º), o qual deve ser utilizado quando osriscos existentes não puderem ser evitados ou suficientementelimitados por meios técnicos de protecção colectiva ou por medidas,métodos ou processos de organização do trabalho (artigo 4.º),devendo todo o equipamento de protecção individual, segundo o n.º 1do seu artigo 5.º, «[e]star conforme com as normas aplicáveis à suaconcepção e fabrico em matéria de segurança e saúde» [alínea a)],«[s]er adequado aos riscos a prevenir e às condições existentes nolocal de trabalho, sem implicar por si próprio um aumento de risco»[alínea b)], «[a]tender às exigências ergonómicas e de saúde dotrabalhador» [alínea c)] e «[s]er adequado ao seu utilizador» [alínead )].Segundo o artigo 7.º, a descrição técnica do equipamento de

     protecção individual, bem como das actividades e sectores deactividade para os quais aquele pode ser necessário, é objecto de

     portaria do Ministro do Emprego e da Segurança Social, tendo aPortaria n.º 988/93, de 6 de Outubro, dado execução a esse preceito.

    Consoante o Anexo II daquela Portaria, intitulado «Lista indicativa enão exaustiva dos equipamentos de protecção individual», são

    adequados à protecção contra quedas, os equipamentos ditos«antiquedas», os equipamentos com travão «absorvente de energiacinética» e os dispositivos de preensão do corpo (cintos desegurança).

    Refira-se que o Anexo III da Portaria n.º 988/93, intitulado «Listaindicativa e não exaustiva das actividades e sectores de actividade

     para os quais podem ser necessários equipamentos de protecçãoindividual», prevê a necessidade da utilização de protecção antiqueda

    (cintos de segurança) nos trabalhos em andaimes, montagem de pré-fabricados e trabalhos em postes (n.º 9) e que a Portaria n.º101/96, de 3 de Abril, que o artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 273/2003,de 29 de Outubro, manteve em vigor, continha as prescrições mínimasde segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho dosmencionados estaleiros temporários ou móveis, estipulando no n.º 11que «[s]empre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadasmedidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, naimpossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a

    legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança noTrabalho da Construção Civil» e que, «[q]uando, por razões técnicas,as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes,devem ser adoptadas medidas complementares de protecção

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    individual, de acordo com a legislação aplicável».

    Resulta, pois, das normas enunciadas que a utilização do cinto desegurança é obrigatória, para além dos casos especialmente previstos,quando o trabalhador estiver exposto a um risco efectivo de quedalivre e esse risco não possa ser evitado ou suficientemente limitado

     por meios técnicos de protecção colectiva.

    2.2.3. O Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, em vigor à datado acidente dos presentes autos, estabelecia regras gerais de

     planeamento, organização e coordenação para promover a segurança,higiene e saúde no trabalho em estaleiros da construção e transpõe

     para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 92/57/CEE, do Conselho,de 24 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e saúdeno trabalho a aplicar em estaleiros temporários ou móveis (artigo 1.º).

    De acordo com o n.º 2 do artigo 2.º, aquele diploma «é aplicável atrabalhos de construção de edifícios e a outros no domínio deengenharia civil que consistam, nomeadamente, em «[c]onstrução,ampliação, alteração, reparação, restauro, conservação e limpeza deedifícios» [alínea c)].

    A definição de estaleiros temporários ou móveis consta da alínea j) doartigo 3.º, aí caracterizados como «os locais onde se efectuamtrabalhos de construção de edifícios ou trabalhos referidos no n.º 2 doartigo 2.º, bem como os locais onde, durante a obra, se desenvolvemactividades de apoio directo aos mesmos».

    Especificamente, o artigo 5.º, intitulado «Planificação da segurança esaúde no trabalho», reza que «[o] dono da obra deve elaborar oumandar elaborar, durante a fase do projecto, o plano de segurança esaúde para garantir a segurança e a saúde de todos os intervenientesno estaleiro» (n.º 1), que «[o] plano de segurança e saúde será

     posteriormente desenvolvido e especificado pela entidade executante para a fase da execução da obra» (n.º 3), e que «[o] plano de

    segurança e saúde é obrigatório em obras sujeitas a projecto e queenvolvam trabalhos que impliquem riscos especiais previstos noartigo 7.º ou a comunicação prévia da abertura do estaleiro» (n.º 4),sendo que aquele artigo 7.º, na alínea a), reporta-se aos trabalhos«[q]ue exponham os trabalhadores a risco de soterramento, deafundamento ou de queda em altura, particularmente agravados pelanatureza da actividade ou dos meios utilizados, ou do meioenvolvente do posto, ou da situação de trabalho, ou do estaleiro».

    O recorrente invoca, ainda, o estabelecido no artigo 10.º [«[a]nomeação dos coordenadores de segurança em projecto e em obra nãoexonera o dono da obra, o autor do projecto, a entidade executante e oempregador das responsabilidades que a cada um deles cabe, nos

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    termos da legislação aplicável em matéria de segurança e saúde notrabalho», bem como o explicitado no artigo 22.º, n.º 1, alíneas c) em), de acordo com as quais, durante a execução da obra, osempregadores devem observar as respectivas obrigações gerias

     previstas no regime aplicável em matéria de segurança, higiene esaúde no trabalho e, em especial, «[g]arantir as condições de acesso,

    deslocação e circulação necessária à segurança em todos os postos detrabalho no estaleiro» e «[a]doptar as prescrições mínimas desegurança e saúde no trabalho previstas em regulamentaçãoespecífica».

    2.2.4. O Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, em vigor à datado acidente, procedeu à transposição para a ordem jurídica interna daDirectiva n.º 89/655/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, alterada

     pela Directiva n.º 95/63/CE, do Conselho de 5 de Dezembro, e pela

    Directiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho,visando, em especial, regulamentar a utilização de equipamentosdestinados à execução de trabalhos em altura, para proteger asegurança e saúde dos trabalhadores, tendo em consideração, como seconsignou no seu preâmbulo, que «[a] execução dos trabalhos emaltura expõe os trabalhadores a riscos elevados, particularmentequedas, frequentemente com consequências graves para os sinistradose que representam uma percentagem elevada de acidentes detrabalho».

    Especificamente, o atinente artigo 3.º, «Obrigações gerais doempregador», reza que «[p]ara assegurar a segurança e a saúde dostrabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, oempregador deve: a) [a]ssegurar que os equipamentos de trabalho sãoadequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar egarantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a suautilização; b) [a]tender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às

    condições e características específicas do trabalho, aos riscosexistentes para a segurança e saúde dos trabalhadores, bem como aosnovos riscos resultantes da sua utilização; c) [t]omar em consideraçãoos postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante autilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípiosergonómicos […].»

    E dispõe, no artigo 8.º, que «[o] empregador deve prestar aostrabalhadores e seus representantes para a segurança, higiene e saúde

    no trabalho a informação adequada sobre os equipamentos de trabalhoutilizados» (n.º 1) e que «[a] informação deve ser facilmentecompreensível, escrita, se necessário, e conter, pelo menos, indicaçõessobre: a) [c]ondições de utilização dos equipamentos; b) [s]ituações

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    anormais previsíveis; c) [c]onclusões a retirar da experiênciaeventualmente adquirida com a utilização dos equipamentos; d )[r]iscos para os trabalhadores decorrentes de equipamentos detrabalho existentes no ambiente de trabalho ou de alterações dosmesmos que possam afectar os trabalhadores, ainda que não osutilizem directamente» (n.º 2).

     No capítulo II, estabelecem-se os requisitos mínimos de segurançados equipamentos de trabalho que são aplicáveis «na medida em queo correspondente risco exista no equipamento de trabalhoconsiderado» (artigo 10.º), sendo que o «equipamento de trabalho que

     provoque riscos devido a queda ou projecção de objectos deve dispor de dispositivos de segurança adequados» (n.º 1 do artigo 15.º),consignando-se, na Secção IV, requisitos complementares dosequipamentos de elevação de cargas, reportados à respectivainstalação (artigo 27.º), sinalização e marcação (artigo 28.º).

    Relativamente às regras de utilização dos equipamentos de trabalho,este diploma contém princípios gerais aplicáveis «na medida que ocorrespondente risco exista no equipamento de trabalho considerado»(artigo 30.º), estando, os reportados aos equipamentos de trabalho deelevação de cargas, previstos nos artigos 33.º a 35.º. Este últimonormativo, no que agora releva, dispõe que «[a]s operações deelevação de cargas devem ser correctamente planificadas, vigiadas deforma adequada e efectuadas de modo a proteger a segurança dos

    trabalhadores» (n.º 1) e «[a]s operações em que a carga for fixada oulibertada manualmente por um trabalhador devem ser realizadas comtotal segurança e o trabalhador deve manter o controlo directo ouindirecto das operações» (n.º 5).

     No respeitante às regras específicas sobre a utilização dosequipamentos de trabalho destinados a trabalhos em altura, estipula oartigo 36.º: «[n]a situação em que não seja possível executar ostrabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada,

    com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições detrabalho seguras» (n.º 1); «[n]a utilização de equipamento destinado atrabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade amedidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecçãoindividual» (n.º 2); «[o] dimensionamento do equipamento devecorresponder à natureza dos trabalhos e às dificuldades que

     previsivelmente ocorram na sua execução, bem como permitir acirculação de trabalhadores em segurança» (n.º 3), sendo que «[a]

     passagem, em qualquer sentido, entre meios de acesso a postos detrabalho em altura e plataformas e passadiços deve, se for caso disso,estar protegida contra riscos adicionais de quedas» (n.º 6).

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    Por último, estatui o artigo 37.º, que «[a]s medidas de protecçãocolectiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores queexecutam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devematender ao tipo de características dos equipamentos de trabalho autilizar» (n.º 1), que «[s]empre que a avaliação de riscos considerenecessários, devem ser instalados dispositivos de protecção contra

    quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura» (n.º 2), que «[o]s dispositivos de protecção contraquedas só podem ser interrompidos nos pontos de acesso de escadas,verticais ou outras» (n.º 3) e que, «[s]e a execução de determinadostrabalhos exigir, tendo em conta a sua natureza, a retirada temporáriade dispositivos de protecção colectiva contra quedas, o empregador deve tomar outras medidas de segurança eficazes e, logo que aexecução dos trabalhos termine ou seja suspensa, instalar essesdispositivos» (n.º 4).

    2.3. No caso vertente, o acidente ocorreu «numa obra de construçãode um edifício que a ré BB executava como subempreiteira» e quandoo autor exercia a sua actividade de pedreiro, «na última laje doedifício em construção, ao manobrar um guincho que aí se encontravamontado, sem utilização de cinto com arnês de segurança, o autor desequilibrou-se e, por uma zona com cerca de 2 metros de extensãosem guarda-corpos ou qualquer outro tipo de protecção, caiu ao solo,em betão, de uma altura de cerca de 6 metros» [factos provados 2) e3)].

    Ora, extrai-se dos factos provados 5), 15), 16), 22), 33), 34), 36), 37)e 44) a 51) que a empregadora do sinistrado adoptou as medidas de

     protecção adequadas a prevenir o risco de queda em altura,cumprindo o correspondente plano de segurança, providenciando pelainformação e formação do sinistrado sobre os comportamentos aadoptar e as regras de segurança a observar na execução dos trabalhosque estava a desenvolver, colocando os necessários meios de

     protecção colectiva, instruindo o sinistrado no sentido de que deveria

    socorrer-se de arnês de segurança, devidamente ancorado a uma linhade vida, sempre que existissem riscos de queda em altura,especialmente no caso de inexistência de guarda-corpos, dispositivosindividuais de protecção que, «nesse dia, estavam disponíveis emobra e em condições de serem utilizados pelos operários em laboraçãonela, dois arneses de segurança, um deles depositado junto doguincho».

    Assim, não se provou que a entidade empregadora tenha violado

    qualquer norma legal relativa à segurança no trabalho, pelo que nãoocorre a subsunção do caso ao preceituado nos artigos 18.º, n.º 1, e37.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97.

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    Demonstrou-se, isso sim, que o sinistrado, com culpa grave, nãocumpriu os procedimentos e instruções da entidade empregadora, nemutilizou todos os meios de segurança que esta lhe forneceu, isto semcausa justificativa, sendo a inobservância por parte do sinistrado dascondições de segurança estabelecidas pela empregadora causal doacidente, como flui dos factos provados 20), 21), 33) e 42) a 52).

    Tudo para concluir que, no caso concreto, verifica-se a excepção prevista na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º100/97, de 13 de Setembro, termos em que está excluído o direito àreparação dos danos emergentes do acidente.

     Nesta conformidade, improcedem as conclusões I, na parte atinente, eV a XXVII da alegação do recurso de revista.

      III

    Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdãorecorrido.

    Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com quelitiga.

    Lisboa, 28 de Novembro de 2012

    Pinto Hespanhol (Relator)

    Gonçalves RochaAntónio Leones Dantas

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