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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CÂMPUS DO PANTANAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS CARLOS MARTINS DE ALMEIDA PRADO ACORDOS INTERNACIONAIS: A SAÚDE DOS TRABALHADORES TRANSFRONTEIRIÇOS CORUMBÁ – MS 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CÂMPUS DO PANTANAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM ESTUDOS

FRONTEIRIÇOS

CARLOS MARTINS DE ALMEIDA PRADO

ACORDOS INTERNACIONAIS: A SAÚDE DOS TRABALHADORES TRANSFRONTEIRIÇOS

CORUMBÁ – MS

2013

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CARLOS MARTINS DE ALMEIDA PRADO

ACORDOS INTERNACIONAIS: A SAÚDE DOS TRABALHADORES TRANSFRONTEIRIÇOS

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Estudos Fronteiriços, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Câmpus do Pantanal.

Linha de Pesquisa: Saúde e trabalho da população de fronteira

Orientador: Prof. Dr. Milton Augusto Pasquotto Mariani.

CORUMBÁ – MS

2013

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AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Estudos Fronteiriços da

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS.

Ao professor Doutor Milton Augusto Pasquotto Mariani, meu orientador, pela

dedicação, paciência e compreensão.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu do Mestrado em

Estudos Fronteiriços da UFMS.

Aos meus companheiros e irmãos, Marcelo e Caricielli, que tanto me incentivaram

na vida acadêmica.

À minha amiga Jacqueline, pelo incentivo constante durante esse percurso.

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À minha mãe,

Ao meu pai,

Aos meus filhos.

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Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa.

Põe o quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilha, porque alta vive.

“Odes” de Ricardo Reis (Fernando Pessoa)

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ALMEIDA PRADO, Carlos Martins. Acordos Internacionais: a saúde dos trabalhadores transfronteiriços. Dissertação (Mestrado) – Curso de Pós-Graduação em Estudos Fronteiriços, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Corumbá, MS, 2013.

RESUMO

Os processos de integração dos acordos em regiões fronteiriças, no terreno laboral, sobretudo na saúde e segurança, representam um perigo, pela eventual ocorrência de dumping; uma oportunidade, pela possibilidade latente de aprofundar vínculos de cooperação horizontal entre países e melhorar as normas e sua aplicação, de forma a prover os níveis de prevenção e cuidado de saúde adequada ao trabalhador transfronteiriço. O objetivo principal desta investigação foi analisar a eficácia das implicações dos processos de integração e globalização da economia sobre a segurança e a saúde do trabalhador nas regiões de fronteira, considerando-se também os direitos nacionais e internacionais. A presente pesquisa classifica-se como exploratória quanto aos objetivos e, quanto à abordagem do problema, como essencialmente qualitativa, de natureza descritiva, exploratória e interpretativa. O estudo evidenciou que a prestação de serviços à saúde nas regiões fronteiriças não tem o devido mapeamento para diagnosticar as carências regionais; entretanto, providências vêm sento tomadas, haja vista a preocupação do Estado em promover políticas que atendam a essa população. Essa tarefa, porém, não é fácil, visto que o atendimento à saúde possui uma série de assimetrias sociais das mais diversas naturezas, mas foi registrado que as três esferas (federal, estadual e regional) tomaram iniciativas para sanar esses problemas. Faltam, porém, efetividade e resultados concretos nas ações e intenções até agora firmadas nos acordos, embora não se ignore o avanço na quantidade de acordos e documentos internacionais firmados e do estímulo dado à renovação desses acordos em prol da saúde do trabalhador transfronteiriço. Há evidências nas ações dos países nesse sentido, exemplo disso encontra-se no Programa SIS Fronteira. Este estudo destacou, ainda, a necessidade de políticas de segurança à saúde na fronteira que corrijam as distorções da distribuição dos recursos de saúde observadas, considerando as desigualdades regionais de condições de vida, situação de saúde e acessibilidade, assim como as particularidades das regiões fronteiriças. Palavras-chave: Acordos Internacionais. Regiões de Fronteira. O Trabalhador

Transfronteiriço.

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ALMEIDA PRADO, Carlos Martins. International Agreements: the health of frontier workers. Thesis (Master) - Postgraduate Course in Border Studies, Federal University of Mato Grosso do Sul, Corumbá, MS, 2013.

ABSTRACT

The processes of integration agreements in border regions, field work, especially in health and safety, pose a danger, the possible occurrence of dumping; an opportunity for the latent possibility of deepening ties of horizontal cooperation among countries and improve the standards and their application, in order to provide the levels of prevention and health care appropriate to frontier workers. The objective of this investigation was to analyze the effectiveness of the implications of the processes of integration and globalization of the economy on the safety and health of workers in the border regions, also considering national laws and international. This research is classified as exploratory as the goals and how to approach the problem as essentially qualitative, descriptive, exploratory and interpretative. The study highlighted that the provision of health services in border regions has no proper mapping to diagnose regional needs, however, come sit steps taken, given the concern of the state in promoting policies that address this population. This task, however, is not easy, since health care has a number of social asymmetries of diverse natures, but it was announced that the three levels (federal, state and regional) have taken steps to remedy these problems. Missing, however, effectiveness and concrete results in the actions and intentions so far signed the agreements, although not ignore the advance in the amount of international agreements and documents signed and the stimulus given to the renewal of these agreements on behalf of the health worker's border. There is evidence in the actions of countries in this regard; example is the Program SIS Fronteira. This study showed the need for security policies to health at the border to correct the distortions in the distribution of health resources observed, considering regional inequalities in living conditions, health status and accessibility, as well as the particularities of border regions.

Keywords: International Agreements. Border Regions. Frontier worker.

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SUMÁRIO

RESUMO 05

ABSTRACT 06

1 INTRODUÇÃO 08

2 O MÉTODO 11

2.2 OBJETIVOS 12

2.2.1 Geral 12

2.2.2 Específicos 12

3 ACORDOS INTERNACIONAIS, TRABALHO E ESPAÇO

TRANSFRONTEIRIÇO 14

3.1 RELAÇÕES INTERNACIONAIS 14

3.2 A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS 16

3.3 NORMAS INTERNACIONAIS: ESTADO E SOBERANIA 20

3.4 OS TRATADOS INTERNACIONAIS 23

3.4.1 A Organização Internacional do Trabalho (OIT) 26

3.4.2 Interações entre os países transfronteiriços 32

3.4.3 A fronteira Brasil-Bolívia 38

4 ACORDOS INTERNACIONAIS EM VIGOR NA AMÉRICA LATINA 42

4.1 ACORDO IBEROAMERICANO 45

4.2 ACORDO MERCOSUL 49

4.3 ACORDO BILATERAL BRASIL-BOLÍVIA 55

5 FRONTEIRA, TRABALHO E SAÚDE 63

5.1 A FRONTEIRA 63

5.2 AS RELAÇÕES DE TRABALHO 67

5.2.1 O Direito à Saúde do Trabalhador e os Instrumentos Internacionais: o

Mercosul 70

5.2.2 O trabalho como direito essencial. 72

5.2.3 Legalidade e realidade no trabalho transfronteiriço. 75

5.2.4 O Direito Universal à Saúde do Trabalhador. 80

6 CONCLUSÃO 91

7 REFERÊNCIAS 99

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1 INTRODUÇÃO

Nesta época de transformações estruturais, os acordos internacionais têm

como propósito fortalecer o intercâmbio de bens, capitais e serviços. Por isso e para

poder participar e competir, os países devem incrementar sua capacidade de

produção. Essa capacidade encontra-se no estímulo aos investimentos, nas

características da infraestrutura produtiva e, de maneira fundamental, no capital

humano, isto é, nos trabalhadores.

De tal modo, torna-se evidente que o trabalho e, consequentemente, os

trabalhadores constituem elementos centrais dos acordos comerciais internacionais.

A partir de tais considerações, percebe-se que as condições de vida e de trabalho

influenciam no curso dos projetos produtivos e comerciais. Torna-se necessário,

assim, assegurar melhores condições de emprego e maiores níveis de bem-estar

para os trabalhadores, para que haja um crescimento econômico e social concreto

por meio dos referidos acordos.

Vale comentar que, desde meados de 1980, dentro do processo de

globalização da economia, grande parte dos países desenvolveu políticas

destinadas a recuperar equilíbrios macroeconômicos básicos, privatizando empresas

e atividades até então desenvolvidas pelo setor público, diminuindo as

regulamentações da economia e começando seu processo de liberalização. Em

consequência, a redução das barreiras alfandegárias na circulação de bens e de

serviços tornou-se cada vez maior.

Necessariamente, porém, esses processos não estão acompanhados de

efeitos positivos imediatos no setor laboral. Pelo contrário, há risco de que a forma

de assunção das questões trabalhistas e, em especial, das relativas a condições

laborais e da saúde e segurança no trabalho seja uma ferramenta de dumping

social1, por meio de políticas, expressas ou tácitas, que procurem uma maior

1 Dumping social é a concorrência desleal feita através de práticas atentatórias aos direitos sociais, como o desrespeito à legislação trabalhista mínima aceita mundialmente (CHAVES, 2010).

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produtividade à custa de impor condições de trabalho que não estimulem a

dignidade e a saúde do trabalhador.

Ao se examinar os processos de integração, deve-se ter em conta que são,

primeiramente, razões econômicas as que levam os países a se integrarem. Os

aspectos laborais são considerados em segunda instância e de acordo com a atitude

adotada pelos interlocutores sociais em cada país. Isso exige preparo dos agentes

das várias instituições publicas ou privadas para ativarem em região tão específica

como são as fronteiras.

Na América Latina, o processo de integração é uma aspiração antiga dos

países que compõem essa região, não obstante, maiores avanços tenham sido

alcançados nos últimos anos. Mesmo assim, deve ser interpretado como um

processo de grande dinamismo, mas com fases de avanço e retrocesso, com

exceção do Tratado do Livre Comércio da América do Norte e, mesmo nesse caso,

com limites, os impactos positivos em matéria de saúde e da segurança no trabalho,

como subproduto dos distintos processos de integração, constituem um objetivo a

ser alcançado.

Vale lembrar que em dezembro de 1995, em Miami, trinta e quatro chefes de

Estado firmaram o compromisso de construir uma Zona de Livre Comércio

Hemisférica, mediante um processo de negociação. Naquela época, poucos eram os

países que não tinham efetivado um acordo de livre comércio, por isso, o interesse

de alcançá-lo era um fato. Contudo, as diferenças entre as economias e, ainda, no

desenvolvimento tecnológico e social dos países da região, são de grande

magnitude, o que mostra a necessidade de medidas concretas para resguardarem-

se dessa heterogeneidade.

Convém destacar que esta análise constitui objeto de especial atenção,

porquanto representa um novo enfoque para o tratamento do tema. Nesse sentido,

os processos descritos nesta pesquisa mostram a disparidade de situações,

constituindo uma boa referência sobre seu estado atual.

Também os processos de integração dos acordos em regiões fronteiriças, no

terreno laboral e, em especial, na saúde e segurança, representam um perigo e uma

oportunidade. Um perigo, pela eventual ocorrência de dumping, já assinalado; uma

oportunidade, pela possibilidade latente de aprofundar vínculos de cooperação

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horizontal entre países e melhorar as normas e sua aplicação, de forma a prover os

níveis de prevenção e de cuidado adequados ao trabalhador transfronteiriço, o que

nos leva a questionar se os acordos internacionais visando à saúde dos

trabalhadores em régio es transfronteiriças estão tendo efetividade. Nossa hipótese

é que, embora não haja efetividade, esses acordos têm garantido certa assistência à

saúde do trabalhador transfronteiriço. O corpus desta pesquisa encontra-se na

fronteira seca Brasil-Bolívia, mais especificamente, no espaço urbano das cidades

de Corumbá (BR), Puerto Quijarro e Puerto Suarez (BO).

Esta pesquisa encontra-se organizada internamente em: parte 1: Introdução

ao tema sobre a saúde do trabalhador transfronteiriço; parte 2: Esclarecimentos

sobre procedimentos metodológicos e os objetivos; parte 3: Argumentação teórica

na qual se descrevem as fronteiras, as relações de trabalho, saúde, legalidade e

realidade no trabalho transfronteiriço, o direito universal à saúde do trabalhador, os

acordos e as relações internacionais e os tratados internacionais em vigor na

América Latina. Procedem-se, então, às considerações finais e apresentam-se as

referências bibliográficas.

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2 O MÉTODO

Para alcançar os objetivos propostos, a presente pesquisa classifica-se como

exploratória quanto aos objetivos e, quanto à abordagem do problema, como

essencialmente qualitativa e de natureza descritiva, exploratória e interpretativa

(SEVERINO, 2007).

É importante destacar que nas abordagens qualitativas percebe-se uma

preocupação em desenvolver conceitos, em começar o estudo por casos

particulares para, assim, num crescente, descrever o significado dos pressupostos

ao entendimento da experiência subjetiva, da análise, entre outros aspectos. A

escolha de um método depende, portanto, dos pressupostos que dão qualidade e

oportunidade ao pesquisador de defrontar-se com o problema de pesquisa e, assim,

encarar o fenômeno investigado (GIL, 2010; SEVERINO, 2007).

Os estudos bibliográficos, descritivos e interpretativos procuram especificar as

propriedades importantes de pessoas, grupos, comunidades ou qualquer outro

fenômeno que seja submetido à análise, querendo, assim, definir com grande

amplitude e detalhes as situações apresentadas, identificando aspectos relevantes

da realidade subjetiva, sua dinâmica e suas representações. Do mesmo modo,

interpretam-se e identificam-se elementos-chave que incidem no fenômeno, como,

condutas, pensamentos, opiniões e atitudes (LAKATOS; MARCONI, 2010).

O trabalho foi realizado em diferentes etapas, envolvendo visitas às cidades

de Corumbá (BR) Santa Cruz de La Sierra (BO), para coleta e obtenção de dados e

de informações por meio de pesquisas bibliográficas, em jornais, revistas, órgãos

oficiais e empresas privadas. Contudo, cabe ressaltar que esta divisão não definiu

etapas estanques ou compartimentadas no decorrer da pesquisa, ocorrendo, pelo

contrário, a concomitância ao realizá-las.

Após essa etapa, realizaram-se visitas ao município de Corumbá-MS, por

meio das quais se procurou inventariar e registrar os fatos e os aspectos vinculados

direta ou indiretamente ao fenômeno dos acordos internacionais referentes à saúde

de trabalhadores transfronteiriços. Ao lado dessas atividades, iniciou-se o

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levantamento de material, coleta de dados e de informações pertinentes ao objeto

de estudo, o que foi feito na Prefeitura e Câmara Municipal, órgãos estaduais e

federais.

A bibliografia levantada e consultada à época contém considerações sobre

acordos internacionais na área da saúde, o que é de interesse desta pesquisa,

principalmente em jornais e revistas especializadas, com artigos, trabalhos e

pesquisas de caráter científico, que permanecem no nível das instituições

universitárias, órgãos e empresas de pesquisa estatal ou paraestatal.

Ainda de vital importância foram as frequentes discussões e trocas de ideias

em torno da pesquisa, realizadas com colegas, pesquisadores da Universidade ou

de empresas e órgãos públicos ou privados que possuem setores voltados para a

pesquisa.

2.2 OBJETIVOS

2.2.1 Geral

Analisar a eficácia das implicações dos processos de integração e de

globalização da economia sobre a segurança e a saúde do trabalhador, nas regiões

de fronteira, considerando-se também os direitos nacionais e internacionais.

2.2.2 Específicos

- Descrever as novas tendências e características das dinâmicas fronteiriças de

integração da população dessas regiões.

- Resgatar os instrumentos legais acerca do direito à saúde na região de fronteira.

- Desenvolver reflexões acerca da efetividade dos acordos internacionais voltados

para a saúde do trabalhador transfronteiriço.

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- Despertar o interesse do Estado, dos poderes constituídos locais, tais como

prefeitura, agências, empresas e estudiosos da área, sobre o planejamento de

políticas efetivas para a promoção da saúde da população fronteiriça.

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3 ACORDOS INTERNACIONAIS, TRABALHO E ESPAÇO TRANSFRONTEIRIÇO.

3.1 RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Hoje, não são somente o constituinte e o legislador comum que estão

preocupados com a defesa dos direitos mínimos da pessoa ou do Estado. Torna-se

cada vez mais forte a concepção generalizada de muitos países que admitem o

indivíduo como sujeito excepcional de direito internacional. Graças aos esforços de

várias abordagens não governamentais e institucionais, diferentes blocos de países

formalizaram acordos que reconhecem o estabelecimento e a proteção dos direitos

mínimos de todos os seres humanos em qualquer esfera social.

No que se refere aos acordos internacionais, trata-se de documentos que

reportam à soberania Estatal, colocada em risco com os violentos conflitos mundiais

que levaram à geração de inúmeros tratados2 internacionais, justamente pela

necessidade de se preservar o Estado soberano. Convém salientar que a soberania

vem garantir a supremacia do poder do Estado no que se refere a outros

ordenamentos, constituindo-se, portanto, essencial à manutenção da ordem,

característica do próprio Direito Positivo Internacional (GUERRA, 2004).

No século XIX, foi dado um grande impulso à prática dos tratados

internacionais, com as Convenções nos campos técnicos e humanitários, assim

como na cooperação com Acordos Bilaterais e Multilaterais.

Nesse sentido, para a centralização da análise do tema principal desta

pesquisa, é necessário o estudo de aspectos fundamentais da formação do Estado

na atualidade. A determinação do Estado, neste início do século XXI, requer uma

revisão de sua conformação, assim como dos elementos atuais e, para isso, é

preciso uma visão retrospectiva desse tema. 2 Rezek destaca que: "Tratado é o acordo formal, concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos", ou seja, por tratado entende-se “o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas internacionais” (2008, p. 21-26).

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Inicialmente, do Estado de Direito, assinalam-se duas grandes revoluções (a

norte-americana e a francesa), as quais mudaram o sistema existente durante os

últimos decênios do século XVIII, assim como os princípios políticos e jurídicos que

constituíam um Estado, que, até então, baseavam-se nas constituições e

introduziram também ordenamentos, instituições e procedimentos completamente

novos.

Conforme Aguiar (2010), todo o Mundo Ocidental, depois de haver

estabelecido com uma ampla participação os esquemas do Estado Patrimonial

durante a Idade Média, o do chamado Estado Policial (com um governo absoluto

centrado no soberano) desde o Renascimento, depois das revoluções norte-

americana e francesa, terminou por adotar um novo modelo estatal, definido como o

Estado Moderno, por antonomásia, como se representasse o último termo da

mencionada evolução.

Em contrapartida, Canotilho (2002) acentua que alguns tratadistas preferiram

usar a qualificação de Estado de Direito inspirada na expressão análoga dos juristas

alemães (Rechtsstaat), para indicar que todas as relações entre governados e

governantes eram reguladas por normas jurídicas precisas, enquanto os autores

anglo-saxões usaram com maior frequência a fórmula Rule of law (Estado de

direito).

Pode-se afirmar, então, que os países que se inspiraram no instrumento

clássico até a Primeira Guerra Mundial, espelharam-se no Direito Constitucional

britânico, além do francês e do estadunidense. A partir daí, podem ser identificados

dentro das principais contribuições do constitucionalismo inglês o sistema da

monarquia constitucional e o parlamento bicameral. Quanto ao sistema francês, a

consagração do princípio de divisão de poderes e no que diz respeito aos Estados

Unidos da América do Norte, a estrutura federativa do Estado e a presença da

autoridade judicial de reconhecido prestígio, desenvolvido, inclusive, no controle

jurisdicional de constitucionalidade das leis, como informa Bulos (2000).

As principais características que singularizaram essas formas de Estado

durante quase um século e meio foram: a introdução, sem precedentes na história,

de uma eficaz limitação da atividade governamental por meio do direito, cuja

elaboração deveria corresponder aos mesmos cidadãos por meio da obra de seus

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representantes no Parlamento. Também, a determinação precisa de tais limites por

meio de Constituições escritas, as que logo e, na maioria das vezes, foram

consideradas rígidas, isto é, modificáveis somente com procedimentos mais

complexos e solenes que os utilizados nos mecanismos legislativos ordinários.

Aprecia-se então que, nessa etapa, foi muito importante o estabelecimento

dos textos escritos dentro do Estado, ou seja, a presença no Estado de uma

Constituição na qual se estabelecessem os limites dos governantes, assim como o

reconhecimento dos direitos de seus habitantes e, sobretudo, dos trabalhadores.

3.2 A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O conceito de Estado varia devido à evolução do mundo e também pelos

conflitos existentes em diferentes regiões, até que algo transcendente ocorra para

mudar essa realidade. Depois da etapa bélica franco-prussiana, que assolou parte

da Europa, e após um breve período de paz, outro grande desastre rompeu as

bases da Europa e do mundo, a Primeira Guerra Mundial ou a Grande Guerra, de

1914 a 1918, assim definida por aqueles que a conceberam como a pior e última das

guerras que o gênero humano sofreria (LOSANO, 2008).

Foram tão graves e devastadoras as consequências, com milhares de mortos,

feridos e desaparecidos, para não mencionar a destruição da ordem mundial e

econômica que, em diferentes foros políticos, decide-se concordar com uma decisão

ou promessa paradigmática e prática como nunca antes forjara a mente humana:

prevenir, a partir dos parâmetros do Direito Internacional, o recurso da guerra,

garantindo uma cooperação pacífica, justa e segura entre os diferentes Estados.

Dessa forma, inicia-se o estudo da futura Sociedade de Nações.

Para o ínclito jurista Mário Losano (2007; 2008), a incerteza normativa exige

continuamente um sistema eficaz de solução de discordâncias na sociedade

internacional. Somente com os Direitos Internos não se solucionam os conflitos.

Necessita-se da técnica do Direito Internacional, comumente aceito, que proclame a

obrigação do arranjo pacífico das controvérsias para evitar o jus ad bellum. Os

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Estados devem optar por submeterem-se a uma decisão internacional ditada

conforme o Direito Internacional em sede jurisdicional (arbitral ou judicial), ou em sua

falta, manter a vida política, cuja periculosidade está em que ela pode ser

profundamente injusta se o nível de poder dos Estados for desigual.

Os primeiros antecedentes que podem ser mencionados a respeito de evitar

consequências tão graves entre os Estados ocorrem nas Conferências de Haia

(1899), quando é constituído um Tribunal Permanente de Arbitragem, e a de 1907,

na qual foi criado o Estatuto do citado tribunal. Durante a Primeira Guerra Mundial,

trabalhou-se para que fossem criadas organizações de relações internacionais para

o pós-guerra, com a intenção de que ela acabaria e não voltaria a acontecer uma

catástrofe de tal natureza (SZKLAROWSKY, 2007).

Sabe-se, a esse respeito, que, no século XIX, foi dado um grande impulso à

prática dos tratados internacionais, com as Convenções nos campos técnicos e

humanitários, assim como na cooperação com Acordos Bilaterais, como os Tratados

de Amizade, Comércio e Navegação. As preocupações por uma paz duradoura

levaram às grandes Conferências de Paz de Haia, já mencionadas aqui.

Nessa sequência, ao firmar-se a paz mediante os Tratados de Versailhes,

Saint Germain, Trianon e Neilly, em 1919 foi fundada a Sociedade das Nações, cujo

pacto fundacional, composto por 26 artigos, cobria várias finalidades, entre as quais

a de manter a paz mundial, fomentar a cooperação internacional e registrar os

tratados internacionais (AGUIAR, 2010).

A Sociedade das Nações foi a primeira organização internacional de caráter

político que nasceu da vocação universalista, criada para a promoção e para o

trabalho conjunto das Nações e para garantir a paz e a segurança internacional,

como se pode ver no preâmbulo3 de seu Tratado Constitutivo.

Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indivisíveis a humanidade e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres [...] E para tais fins, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais [...]

3 Cf. em http://www.un.org/spanish/Depts/dpi/portugues/charter/preamble.htm. Acesso em 5 de jul 2012.

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Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco [...] concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas.

Apesar de haver sido apresentada a proposta pelo Presidente norte

americano, Thomas Woodrow Wilson, os Estados Unidos não pertenceram a ela,

tendo ingressado depois de outras potências, como foi o caso da Alemanha e da

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), enquanto outras saíram

prematuramente, como foi o Japão, a Itália e a Espanha. Embora sua vida tenha

sido curta, em suas conquistas, podem-se mencionar o apoio para a tomada de

decisões políticas, a resolução de conflitos em via jurisdicional e a promoção de

codificação e desenvolvimento do Direito Internacional (BASTOS, 1994).

Surge, também, com caráter de Organização Internacional, o Tribunal

Permanente de Justiça Internacional, visto que, em conformidade com o

estabelecido nos postulados da Sociedade das Nações, os Estados podiam resolver

suas diferenças de forma alternativa, por via jurisdicional ou em sede arbitral ou

judicial, mediante procedimento nela estabelecido, para submeter o conflito ante o

Conselho da Sociedade das Nações. Esse tribunal constitui um órgão de justiça que

aplica normas internacionais e cuja sentença se encontra fundamentada no Direito

Internacional, ditada depois de um processo judicial. Um aspecto interessante

encontra-se no fato de que esse, no artigo 38 de seu Estatuto, estipulou as fontes do

direito a ser utilizado pelo Tribunal, sendo elas, em primeiro lugar, os convênios

internacionais gerais ou especiais, que estabeleceram regras reconhecidas pelos

litigantes. Em segundo lugar, o costume internacional, como prova de uma prática

geralmente aceita como direito, e, em terceiro lugar, os princípios gerais do direito

reconhecidos pelas Nações Civilizadas.

Artigo 38 1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a. as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b. o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; c. os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;

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d. sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito (ONU, 1945, p. 09).

Essa norma constitui o antecedente do também artigo 38 do Estatuto da Corte

Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas. Assim sua

jurisprudência constitui o antecedente dos atuais tribunais internacionais, que,

apesar de encontrar-se, neste momento, a quase cem anos de sua emissão,

manteve-se vigente quanto aos princípios consagrados. À guisa de exemplo, pode-

se mencionar a decisão emitida em 31 de julho de 1930, na qual se assinalou que é

um princípio geralmente conhecido de Direito Internacional que nas relações entre

potências contratantes, as disposições de uma lei interna não devem prevalecer

sobre as do Tratado. Essa jurisprudência consagrou-se de forma similar no atual

artigo 27 da Convenção de Viena, sobre o Direito dos Tratados, adotada no seio das

Nações Unidas em 23 de maio de 1969.

Como leciona o insigne doutrinador Eduardo Felipe P. Matias,

[...] a Convenção é clara ao proibir, em seu Artigo 27, a invocação de disposições do direito interno como justificativa ao inadimplemento de um tratado. Dessa vez, ponto para o direito internacional, já que essa proibição sinaliza no sentido de um predomínio deste sobre os direitos nacionais. A única exceção, trazida pelo Artigo 46, refere-se à competência para concluir tratados: a única situação em que um Estado pode alegar nulidade de um tratado é no caso de violação manifesta de disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, desde que essa violação trate de norma de direito interno de importância fundamental. Ainda sobre esse tema, a Convenção determina, em seu Artigo 43, que nulidade, extinção, denúncia, retirada de uma das partes, ou suspensão da execução de um tratado em consequência da aplicação da Convenção não prejudicará o dever de um Estado de cumprir obrigação enunciada no tratado à qual o Estado está sujeito, não em virtude do tratado em si, mas por força do próprio direito internacional. (MATIAS, 2010, p. 15).

Ao findar a Segunda Guerra Mundial, reuniram-se os representantes de

cinquenta Estados na cidade de São Francisco, EUA, onde foi elaborada, de 25 de

abril a 26 de junho de 1945, a Carta das Nações Unidas, subscrita, nessa última

data, por cinquenta e um Estados fundadores, entre os quais se encontravam as

cinco potências mundiais: Estados Unidos, China, França, Inglaterra e União

Soviética. Eles decidiram acabar com a Sociedade anterior; a Assembleia, depois de

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aprovar certo número de resoluções pelas quais os poderes e as funções da

Sociedade das Nações eram transferidos às Nações Unidas, declarou, por voto

unânime dos trinta e quatro membros presentes, que a partir do dia seguinte,

19/04/1946, a Sociedade das Nações e o Tribunal Permanente de Justiça

Internacional deixariam de existir (AGUIAR, 2010).

Na segunda metade do século XX, estruturou-se um sistema político e jurídico

mundial e regional de proteção dos direitos ante a atuação ou abuso de poder dos

Estados, em situações altamente prejudiciais aos direitos humanos produzidas nas

citadas guerras mundiais. Assim, foi criado o Sistema das Nações Unidas, iniciando

o trabalho das Nações Unidas como um agrupamento de Estados, funcionando por

meio de órgãos compostos por indivíduos que, na maioria dos casos, passam a

atuar na representação dos Estados membros.

A função das Nações Unidas é muito ampla e a participação dos Estados

tem-se estendido cada dia mais. Certamente, convém mencionar que também como

consequência da ocorrência da Segunda Guerra Mundial e de sua conclusão foram

formadas Organizações Regionais, as quais congregam diferentes tipos de

organizações com distintas funções, poderes e objetivos.

Nesse contexto, pode-se também observar a incorporação de um grande

número de membros da comunidade jurídica internacional às Nações Unidas, assim

como a participação desses nos diferentes sistemas regionais. Dessa forma, há a

necessidade de estudar o valor que cada um deles outorga aos tratados

internacionais, tema também tratado neste estudo.

3.3 NORMAS INTERNACIONAIS: ESTADO E SOBERANIA

Como pontuado por Cristóvam (2006), o Estado, como ente autônomo e

independente, tem poderes para celebrar uma série de acordos com outros Estados

para regulamentar diferentes tipos de relações entre eles. Contudo, nesses casos,

tem-se questionado se, com isso, ocorre um enfraquecimento ou cessão de sua

soberania, pelo que é necessário, também, refletir sobre o tema da soberania, para

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delimitar a forma como ela se apresenta dentro daqueles Estados que se encontram

amplamente vinculados a outros.

Apesar de ter raízes medievais, o conceito de soberania se consolida, a partir

do século XVI, como elemento fundamental do processo de centralização do poder

político que dá vida ao Estado Moderno. As emergentes monarquias territoriais se

tornam, assim, o único ponto de referência para o poder político. Nesse contexto, a

soberania é o instrumento conceitual que explica e justifica a nova realidade estatal.

Convém lembrar, então, que o conceito de soberania tem sido utilizado de

quatro maneiras diferentes, sendo: a soberania legal internacional, a westfaliana, a

interna e a independente. A soberania legal internacional refere-se àquelas práticas

relacionadas com o reconhecimento mútuo, geralmente entre entidades territoriais

que possuem independência jurídico-formal. Convém salientar que a soberania

westfaliana trata das organizações políticas baseadas na exclusão de protagonistas

externos nas estruturas de dado território. A soberania interna refere-se à

organização formal da autoridade política dentro do Estado e a capacidade de as

autoridades públicas exercerem um controle efetivo nas fronteiras do próprio Estado.

A soberania independente relaciona-se com a capacidade de as autoridades

públicas regularem o fluxo de informações, ideias, bens, pessoas, substâncias

contaminantes ou capitais através das fronteiras do Estado em questão (LUPI,

2004).

Quanto à soberania legal internacional, pode-se afirmar que ela se verá

lesada caso não se reconheça um Estado que tenha tal qualidade, ou quando se

reconheça, como tal, a entidades carentes de independência jurídica ou de território.

Assim, diferentes governantes, inclusive os que precisam de independência jurídica

e o mesmo território, têm desejado, de forma quase universal, desfrutar de

soberania legal internacional para poder usufruir os benefícios que isso implica, dos

quais se poderia mencionar a assinatura de tratados (BOBBIO, 1997).

Ao longo da história, a soberania tem sido reconhecida por governos ou

entidades que não se ajustam à norma básica anterior. Dessa forma, se reconhece

quando são ditados os interesses estatais a entidades necessitadas de autonomia

jurídica formal, como as colônias e a entidades dependentes de outros Estados, ou

carentes, inclusive de território, como por exemplo, a Ordem dos Cavaleiros de

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Malta. A existência de uma soberania legal internacional será, então, a primeira

condição para que um Estado seja considerado como titular da soberania, e possa

exercer as restantes formas dessa soberania.

Sobre isso, Guerra (2004) comentou que o princípio de não intervenção

resultou em diferentes oportunidades, tanto em tratados internacionais subscritos

pelos diferentes Estados, como em declarações diversas, que vão desde a Carta

das Nações Unidas, com caráter universal, até instrumentos regionais como a Carta

da Organização dos Estados Americanos. Percebe-se, assim, que a exigência dos

direitos humanos ou das minorias é uma contradição à soberania, sendo necessário,

então, refletir sobre esse tema, posto que as afirmações sobre os direitos humanos

e os prejuízos e os danos à soberania westfaliana não deveriam ocorrer de forma

taxativa ou determinante.

Em primeiro lugar, a estimativa da produção de um dano à soberania pela

subscrição de tratados internacionais, que imponham obrigações para o Estado, é

uma afirmação que deverá ser aplicável a todo tipo de tratados, e não apenas

àqueles que versem sobre a matéria de direitos humanos. Ou, conforme argumenta

Ferrajoli,

[...] um direito internacional fundamentado na soberania dos Estados, mas na autonomia dos povos: a humanidade no lugar dos Estados; um constitucionalismo mundial, inclusive com garantias jurisdicionais globais, no posto ou ao lado dos constitucionalismos nacionais (FERRAJOLI, 2003, p. 7).

Em segundo, porque os direitos humanos que têm sido ratificados nesse tipo

de instrumentos se encontram reconhecidos dentro do Direito interno dos Estados

quando eles estiverem incluídos na parte dogmática das Constituições estaduais, de

onde se pode considerar que, ao fazer parte do direito estadual reconhecido na

norma fundamental, se converteria na norma internacional em uma reiteração do

estabelecido por essa. Em terceiro, lugar, porque ao lembrar as origens desses, eles

têm sido considerados como ideias puras, valores, faculdades inerentes a todo ser

humano em todo momento e lugar, mesmo nas tiranias onde não tenham sido

reconhecidos.

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Entendido isso, é evidente que o conceito clássico de soberania sofreu uma

mutação em sentido jurídico ao se regulamentar de forma diferente do que se vinha

fazendo em séculos passados, e também na primeira metade do século XX, no que

se refere ao próprio exercício. Dessa forma, as normas supremas dos Estados, na

atualidade, estabelecem o reconhecimento das relações internacionais, e que se

aceite esse direito e também as obrigações no plano interno e internacional para

cada membro da Comunidade Internacional, sobre temas específicos, por exemplo,

na área dos direitos humanos (GRAU, 2008).

O conceito de soberania vem-se adaptando às mudanças do mundo atual, de

forma que, hoje, são assinalados diferentes tipos dela no Estado federado, pelo que,

de uma forma ou de outra, ela existe e será exercida pelos Estados segundo os

próprios limites estabelecidos e a constante inter-relação que há entre eles no

mundo globalizado, como o que atualmente existe, e nas relações internacionais.

Assim, depois dessas considerações sobre as concepções de Estado e

soberania, convém mencionar que algumas constituições têm enriquecido os atuais

sistemas legais. Desde seu aparecimento no sistema jurídico, elas têm tido

características particulares que as diferenciam do resto do ordenamento jurídico.

3.4 OS TRATADOS INTERNACIONAIS

Lima (1998, p. 15-16) revela que o primeiro tratado data de 3200 a. C e foi

firmado entre as cidades de Lagash e A, sendo destinado a definir os limites das

duas cidades depois da guerra que houve entre elas. Encontrou-se também um

tratado entre Ramsés II, faraó do Egito, e III Katussil, rei de Hitidas, no período entre

1280 e 1272 a. C. Foi um tratado que se ocupou da decomposição completa das

áreas de influência, da extradição dos inimigos, do estabelecimento de limites, dos

compromissos para a paz, do asilo político, entre outros temas. E foi a partir do

século XVI que os tratados internacionais começaram a ter as definições que têm

hoje.

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Rezek (2008, p. 13-14) assinala uma importante evolução no direito dos

tratados produzidos no século XX, especialmente, com a elaboração de uma

Convenção sobre o Direito dos Tratados, como a Convenção de Havana, de 1928, e

em especial a Convenção de Viena, de 1969, que entrou em vigor pouco mais de

dez anos depois de sua finalização.

Os Tratados de Direitos Humanos, contudo, só tiveram maior importância

depois das barbáries da Segunda Guerra Mundial, época em que a comunidade

internacional começou a preocupar-se mais com a preservação dos direitos

individuais da pessoa humana. Nesse sentido, é que o tema deste estudo foi

centralizado, ou seja, na supraconstitucionalidade, devido aos tratados

internacionais de direitos humanos e da dignidade humana (trabalho, segurança,

educação, saúde, entre outros), das garantias necessárias para o desenvolvimento

humano e das relações internacionais contemporâneas. Nessa linha, chega-se ao

tema específico desta investigação: o trabalhador transfronteiriço.

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, no artigo 2,

parágrafo 1, letra a, define o tratado como um acordo internacional concluído entre

os Estados e regido pelo direito internacional, já que consiste em um instrumento

único ou em dois ou mais instrumentos relacionados, e qualquer que seja sua

determinação particular, uma vez que a Convenção de Viena, de 1986, estende-se a

estabelecer a legitimidade das convenções de outros sujeitos de direito

internacional, e as organizações internacionais.

[...] «Tratado» designa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular. (Convenção de Viena, artigo 2º, 1, a, p. 02).

Uma definição mais completa se dá ao tratado por Jorge Miranda (apud

BRAUN, 2002, p. 30-31), que estabelece que “tratado é um acordo de vontade entre

sujeitos do direito internacional que dá origem a direitos, obrigações e outros efeitos

nas relações entre eles”. Convém lembrar que o tratado cria obrigações entre as

partes.

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O internacionalista Francisco Rezek (2008, p. 14) pontua que tratado é “[...]

todo acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público, e

destinado a produzir efeitos jurídicos”. Nessa sequência, Celso Ribeiro Bastos

complementa que os tratados internacionais:

[...] são acordos formais, eis que, à moda do que acontece com os contratos no direito interno, demandam eles uma concordância de vontades, o que os distingue do ato jurídico unilateral (BASTOS, 1994, p. 216).

Um ponto importante, reforçado pelas duas Convenções (de Viena de 1969 e

de 1986), é o uso da terminologia dos tratados, em referência a um acordo regido

pelo direito internacional, qualquer que seja sua denominação. E em nosso

entendimento, simplificando o que afirma Francisco Rezek (2008), Tratado constitui

um termo genérico para significar os acordos firmados entre sujeitos de direito

internacional.

Pontes de Miranda (1970) destacou que os mais importantes são a

convenção (estabelece as normas gerais), a declaração (estabelece os princípios

jurídicos ou o estabelecimento de um enfoque comum), o compacto (um tratado

solene), o protocolo (tem dois significados: a conferência de meios, em primeiro

lugar; em segundo, que significa que estabelece as normas legais, sendo utilizado

como um suplemento a um acordo existente), a carta (estabelece os direitos e os

deveres), o acordo (assim tido na época como tratado no âmbito cultural ou de

transporte), o estado (regramento tratado dos acordos internacionais) e o ato

(estabelece as normas de direito).

Pontes de Miranda argumenta que o

[...] tratado internacional para ser incorporado ao ordenamento jurídico pátrio, e, em consequência, ter força obrigatória, ou seja, gerar direitos e obrigações, deverá necessariamente cumprir as três fases distintas a seguir: a) ser celebrado pelo Presidente da República, em nome da República Federativa do Brasil (CF, art. 84, VIII). b) ser aprovado pelo Congresso Nacional, por decreto legislativo (CF, art. 49, I); c) ser promulgado pelo Presidente da República, por decreto (CF, art. 84, IV). É neste momento que o Tratado Internacional adquire executoriedade (1970, p. 142).

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Em resumo, é importante lembrar que o direito internacional, de acordo com

suas diferentes fontes, passa a fazer parte do direito aplicável em um Estado, se vier

de uma norma convencional, do costume internacional, princípios do direito

geralmente aceito, ou normas jus cogens (normas cogentes). Para se juntarem a

uma comunidade internacional aplicável, os Estados passam a fazer parte de

organizações internacionais, e lhes é aplicado o direito internacional, encontrando-

se, portanto, sujeitos às normas internacionais aceitas por esses, assim como às

disposições obrigatórias do direito internacional, como o são as normas jus cogens4.

Segundo Valério de Oliveira Mazzuoli, sobre as normas jus cogens, ou seja,

leis de caráter coercitivo,

[...] pode-se afirmar que na sua moderna acepção ela compreende todas as regras cujo valor normativo é menos constringente que o das normas jurídicas tradicionais, seja porque os instrumentos que as abrigam não detêm o status de 'norma jurídica', seja porque os seus dispositivos, ainda que insertos no quadro dos instrumentos vinculantes, não criam obrigações de direito positivo aos Estados, ou não criam senão obrigações pouco constringentes (2010, p. 71).

Mazzuoli salienta o papel decisivo dos valores propostos pelo jus cogens na

confecção de normas jurídicas aptas a regulamentar as mais diversas decisões de

política internacional.

É importante destacar que a Carta Magna brasileira determina que as

relações internacionais, dentre outros princípios, sejam regidas pela “prevalência

dos direitos humanos (art. 4º, II) e relaciona amplo elenco de direitos e garantias

individuais (art. 5º), atribuindo-lhes a categoria de cláusulas pétreas (art. 60, § 4º,

IV)” (BRASIL, 1988).

3.4.1 A Organização Internacional do Trabalho (OIT)

É importante destacar, citando Comparato (2010), que o direito a desfrutar do

mais alto nível possível de saúde é um direito humano reconhecido pelo direito

4 Lei coercitiva ou imperativa que serve para designar, no campo do Direito Internacional, uma norma peremptória geral que tenha o poder de obrigar os diversos estados e organizações internacionais, devido à importância que sua matéria contém, sendo impossível de se anular. Tal norma, portanto, regula de modo decisivo o espaço jurídico internacional.

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internacional, por ter maior influência política e constituir-se a instituição com

resultados mais efetivos entre os países consignatários. No Pacto Internacional de

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que, em geral, é considerado o instrumento

fundamental para a proteção do direito à saúde, se reconhece o direito de toda

pessoa ao mais alto grau de saúde física e mental.

A integridade da vida e da saúde dos trabalhadores constitui uma

preocupação de interesse público na qual participam o governo e os particulares. É

nesse sentido que o Estado (Governo) tem estabelecido uma série de diretrizes

legais sobre as quais devem ser encaminhadas as atividades de saúde ocupacional

para garantir a melhoria das condições de trabalho da população trabalhadora. O

quadro legal é dado por diretrizes constitucionais, convenções, regras do Código do

Trabalho e pela normatividade de cada país.

Na realidade, a OIT foi constituída antes das Nações Unidas, visto que sua

criação remonta ao Tratado de Versalhes, que marcou o final da Primeira Guerra

Mundial. Em 1919, os líderes dos países vencedores encontraram-se para firmar um

tratado em que fossem estabelecidas as novas medidas mundiais. Esses políticos

se reuniram sob a sombra de uma enorme onda de greves, revoluções e revoltas em

diferentes partes do mundo (OIT BRASIL, 2009).

A revolução russa tinha somente dois anos e os trabalhadores exigiam que

um resultado do sofrimento causado pela guerra devia ser a justiça social. A criação

da OIT foi uma resposta a tal demanda. Os Estatutos da OIT registram que ela se

distingue das demais organizações internacionais por sua estrutura “tripartite”, em

que são representadas suas três partes (governos, empregadores e sindicatos) com

direito a voto. Todas as demais organizações da ONU, assim como o Banco

Mundial, a Organização Mundial do Comércio (OMC) etc, são comandadas

exclusivamente pelos governos (SUSSEKIND, 2000).

Barros Júnior comenta que:

As organizações sindicais consideraram que os empregadores deveriam participar da organização e funcionamento. Dessa maneira, introduziu-se, não sem controvérsias, a fórmula segundo a qual os delegados governamentais igualariam com seus votos os votos dos empregadores e dos trabalhadores, tanto na Conferência como no Conselho de Administração. Funcionariam, de certa forma, como árbitros dos dois grupos. Essa proporcionalidade de 1-2-1 foi questionada por diversas vezes. No entanto, as propostas de

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alteração (1-2-2, 2-2-2) nunca tiveram o apoio necessário, de maneira que a proporcionalidade 1-2-1, aprovada em 1919, ainda permanece (BARROS JÚNIOR, 2001, p. 18).

É importante esclarecer, contudo, que tal estrutura não faz com que a OIT

seja uma democracia perfeita entre iguais, pois, em geral, os governos têm maior

influência na organização, sendo-lhes permitido que enviem dois representantes

contra um pelos empregadores e um pelos sindicatos. Assim, a voz dos

trabalhadores fica ainda mais marginalizada quando, muitas vezes, os governos e os

empregadores prestam-se mútuo apoio.

O órgão de Gestão da OIT é o Conselho de Administração, composto por:

[...] 56 pessoas, das quais 28 representantes dos governos, 14 representantes dos empregadores e 14 representantes dos trabalhadores. Dos 28 representantes dos governos, dez serão nomeados pelos estados membros designados para esse fim pelos delegados governamentais da Conferência, excluídos os delegados dos dez membros selecionados. Os representantes dos empregadores e dos empregados serão, respectivamente, eleitos pelos delegados dos empregadores e pelos delegados dos trabalhadores à conferência. (ALVARENGA, 2009, p. 113).

Durante a década de 1970, os Estados Unidos deixaram de pertencer à OIT,

depois de abertamente acusados de atacar Israel e investigar apenas os governos

de direita. Atualmente, a quase totalidade (175) dos países do mundo faz parte da

OIT.

O leque de atividades da OIT é bastante amplo, contando-se, entre elas, a

realização de trabalhos de pesquisa e a publicação de informações sobre o mundo

do trabalho. Além de sua sede em Genebra, conta com escritórios e com programas

regionais em inúmeras capitais do mundo.

A finalidade primeira da OIT é a de promover oportunidades para que os

homens e as mulheres possam conseguir um trabalho decente em condições de

liberdade, equidade, segurança e dignidade humana. Essas normas da OIT adotam

a forma de convênios ou recomendações internacionais de trabalho.

Segundo Cavalcante (2008), o Tratado de Versalhes, nesse espaço político,

humanitário e econômico,

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[...] consagrou o Direito do Trabalho como um novo ramo da ciência jurídica e, para universalizar suas normas, criou a OIT (Organização Internacional do Trabalho). O preâmbulo de criação da OIT contém o essencial da tríplice justificação de uma ação legislativa internacional sobre as questões de trabalho com expressiva ressonância nas Convenções correspondentes. A primeira justificativa é “política”, para assegurar bases sólidas para a paz mundial; a segunda justificativa é a humanitária, voltada a existência das condições de trabalho que despertam injustiça, miséria e privações, e, por fim, a terceira justificativa é “econômica”, com o argumento inicial da concorrência internacional como obstáculo para melhoria das condições sociais em escala nacional (CALVACANTE, 2008, apud ALVARENGA, 2009, p. 64).

É válido comentar, também, que a globalização e os déficits das políticas em

matéria de crescimento e de emprego levaram a OIT a instituir o Trabalho Decente5

como objetivo central de todas as políticas e os programas por ela desenvolvidos,

visando promover oportunidades para que mulheres e homens consigam trabalho

produtivo, com remuneração adequada, exercido em condições de liberdade,

equidade, segurança e saúde capaz de garantir uma vida digna. Diante disso, foi

lançada a Agenda Nacional do Trabalho Decente (ANTD) em 2006. O Trabalho

Decente tornou-se, portanto, o eixo central que sintetiza os quatro objetivos

estratégicos da OIT: i) respeito às normas internacionais do trabalho, sobretudo, aos

princípios e direitos fundamentais do trabalho; ii) emprego de qualidade; iii) extensão

da proteção social; iv) fortalecimento do diálogo social (ALVARENGA, 2009).

Em alguns países, a OIT presta, ainda, serviços de assessoria ao governo,

aos empregadores e aos sindicatos. Seus programas de formação orientam-se para

os sindicatos, mais que para as duas outras partes. Talvez o aspecto mais

importante do trabalho da OIT seja seu papel na formulação de normas

internacionais de trabalho que se revestem em forma de convênios e de

recomendações.

Convém esclarecer que os convênios caracterizam-se como tratados

internacionais sujeitos à ratificação dos Estados Membros da organização. As

recomendações são instrumentos não obrigatórios que servem de orientação na

matéria, nos âmbitos político, legislativo e prático.

5 Ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT.

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A proteção do trabalhador contra as doenças, sejam elas profissionais ou não,

e contra os acidentes de trabalho faz parte das preocupações da OIT: figura no

Preâmbulo de sua Constituição, reafirmando-se na Declaração de Filadélfia6, que

reconhece o compromisso da OIT de fomentar, entre todas as nações do mundo,

programas que permitam proteger adequadamente a vida e a saúde dos

trabalhadores em todas as suas ocupações e contra os risco provenientes do

trabalho (ALVARENGA, 2009; OIT, 2009).

Alvarenga acrescenta que, durante anos, a OIT vem contribuindo por meio de

suas atividades normativas para melhorar consideravelmente as condições de

trabalho, exercendo, portanto, uma influência mais efetiva nos Estados. Tal

contribuição se reflete no fato de que cerca de 50% dos instrumentos dessa

Organização, adotados pela Conferência Internacional do Trabalho, estão

relacionados direta ou indiretamente com a segurança e a saúde no trabalho.

Embora as normas da OIT forneçam as orientações necessárias, fórmulas

úteis e parâmetros técnicos para construir ou melhorar a regulamentação nacional,

como foi observado pelo Comitê de Peritos7, os Estados Membros que ratificam os

convênios sobre segurança e saúde no trabalho se encontram, não obstante,

frequentemente, com um número crescente de problemas quanto à aplicação

desses instrumentos. (OIT, 2009)

A considerar a complexidade de alguns desses instrumentos, assim como o

fato de serem muito técnicos, as recomendações que os acompanham oferecem, na

maior parte dos casos, indicações mais detalhadas sobre a forma de dar eficácia ao

convênio do qual trata. Não obstante, os detalhes proporcionados pelas

recomendações nem sempre são suficientes para orientar corretamente a

implementação dos convênios. Esse é o motivo pelo qual a OIT adotou um conjunto

de instrumentos de dois modelos, ou seja, dos regulamentos-tipo e dos repertórios

de recomendações para completar as diferentes disposições do(s) convênio(s)

ratificado(s) (OIT, 2009).

6 Em 1944, à luz dos efeitos da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial, a OIT adotou a Declaração da Filadélfia como anexo da sua Constituição. A Declaração antecipou e serviu de modelo para a Carta das Nações Unidas e para a Declaração Universal dos Direitos Humanos. 7 O Comitê de Peritos exerce um papel fundamental na atualização do conteúdo desses instrumentos todos e os Estados-Membros deveriam fomentar a absorção dessa “quase jurisprudência” internacional do trabalho por novos e mais modernos instrumentos.

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Ressalta-se, então, que a OIT, desde sua criação, tem dado especial atenção

à proteção dos trabalhadores, o que se reflete no importante número de

instrumentos internacionais voltados à saúde dos trabalhadores. Entre eles, merece

destaque o Convênio 161 e a Recomendação 171.

O Convênio 161 obriga os países membros a estabelecer serviços de saúde

no trabalho para todos os trabalhadores cujas funções sejam essencialmente

preventivas e entre as quais se destacam a vigilância do meio ambiente de trabalho,

a saúde dos trabalhadores em relação ao trabalho, informação, educação e

assessoria em matéria de saúde dos trabalhadores; higiene do trabalho; e primeiros-

socorros e assistência médica de urgência. A Recomendação 171, sobre os serviços

de saúde no trabalho, fixa as funções, os deveres e as obrigações desses serviços.

Isso demonstra que a Constituição da OIT estabeleceu o princípio de

proteção dos trabalhadores no que se refere às enfermidades e aos acidentes de

trabalho e, para isso, as normas dessa Organização sobre segurança e saúde no

trabalho disponibilizaram instrumentos essenciais para que os governos, os

empregadores e os trabalhadores instaurem tais práticas e apliquem a máxima

segurança no trabalho. Os princípios e os direitos estabelecidos nos Convênios

fundamentais da OIT também são considerados como direitos humanos que todos

os Estados Membros da OIT devem promover, respeitar e aplicar.

Acrescenta-se, ainda, que esses princípios e direitos compreendem a

liberdade de associação e o direito à negociação coletiva, à eliminação do trabalho

forçado ou obrigatório e da discriminação, em matéria de emprego e ocupação, e a

erradicação do trabalho infantil. Essas categorias de direitos se reforçam

mutuamente. A OIT busca, portanto, a promoção da justiça social e,

internacionalmente, reconhece os direitos humanos e laborais, explícitos na

Declaração de Filadélfia e integrados, mais tarde, na Constituição da OIT que

reconhece a “obrigação solene de a Organização Internacional do Trabalho

secundar a execução, entre as diferentes nações do mundo, de programas próprios

à realização”, entre outros aspectos, “da extensão das medidas de segurança social

com vista a assegurar um rendimento de base a todos os que precisem de tal

proteção, assim como uma assistência médica completa”, bem como a “proteção da

infância e da maternidade”, estendendo-a a todos aqueles que dela necessitam

(GENEBRA, 2011, p. 15-20).

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3.4.2 Interações entre os países transfronteiriços

Em todo processo de integração, a temática relacionada com a facilitação das

operações no espaço de fronteira tem uma importância significativa, porquanto se

tem a convicção de se alcançar significativas melhoras no funcionamento de tais

cruzamentos fronteiriços.

Assim, iniciado o processo de integração, como informa Lima (1998), a

fronteira assume um novo papel e a lógica que acompanha esse processo concebe

uma fronteira de união e abertura, que adquire relevância porque condiciona a

integração. Ou seja, uma fronteira fechada, rígida, de oposição, contradiz a própria

lógica de integração. Integrar é unir, ao menos sob a perspectiva do uso territorial, e

isso implica adequar-se a uma nova lógica, uma lógica de abertura que permita

interações fronteiriças fluidas e flexíveis.

Foi a partir da década de 1920 que se começou a habilitar, de forma

importante, conexões de transportes e comunicações e, de forma mais generalizada

e intensa, a partir de 1950, década que coincide com o aumento do comércio

intrarregional. Por sua vez, o modelo de crescimento da economia dos países latino-

americanos, baseado na exportação a outros países, definiu uma conformação

especial da produção e da população, sobretudo de trabalhadores que, em geral,

não ocupava certas áreas interiores e fronteiriças dos respectivos países, conforme

preconizado pelas estudiosas Gadelha e Costa (2007).

Essas fronteiras que em diversas ocasiões foram cenário de conflitos de

soberania quanto à fixação de limites, o que originou, como resposta corretiva, a

ocupação mediante assentamentos humanos projetados em função de uma política

nacional, e não de uma estratégia de desenvolvimento fronteiriço, o que facilitaria a

harmonização de interesses e ações dos países limítrofes em prol da população

trabalhadora que habita esses espaços.

Um dos meios foi a ocupação ilegal de pessoas que marcaram presença

nesses espaços não bem definidos e que, posteriormente, nas reivindicações em

tribunais internacionais, significou um antecedente que contou com validade jurídica.

Exemplo disso está no caso do pleito entre Argentina e Chile, pelo canal de Beagle,

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quando o Tribunal Arbitral concedeu, para o país vizinho, a soberania das ilhas

Picton, Lennox e Nueva, pelo fato de denunciar a presença de chilenos trabalhando

em suas terras (FERRAJOLI, 2003).

Mudou-se a designação de Mar de Chile para Mar Presencial, deixando um

antecedente que deveria variar, de acordo com a Convenção do Mar, do conceito de

soberania sobre as águas do oceano adjacente aos limites dos países.

A fronteira, assim concebida como um elemento restritivo e diferenciador,

converteu-se na área de resolução sui generis das contradições políticas e

econômicas dos países limítrofes. Esse é o caso das fábricas de celulose, dos

desvios de águas internacionais de uso compartilhado, da instalação de represas

hidroelétricas, da pesca em águas internacionais que não tenham convênios

acordados.

Tal operação, em oportunidades desordenadas e até mesmo caóticas, origina

outras tensões frequentes: de contrabando, imigração ilegal, interferência com o

transporte e, em casos mais graves, os conflitos no uso dos recursos fronteiriços

estiveram com outra realidade, ou seja, o aparecimento de populações estáveis,

adaptadas ao estilo próprio da vida de fronteiras que, além de comercializar,

estabelecem relações sociais, utilizam serviços de um e outro lado do limite

legalmente estabelecido por tratados e/ou acordos, ignorando instrumentos

reguladores (SANDES, 2009).

É importante lembrar, de acordo com Nogueira e Fermiano (2005), que se

definem as áreas de fronteira como zonas isoladas e distanciadas dos centros

dinâmicos, com escasso e desigual desenvolvimento econômico-social em relação a

outras zonas dos próprios países, sem situações idôneas, nem poder para adotar ou

promover decisões que deem impulso às atividades locais e, inclusive, pouco

conhecidas.

Nesse sentido, é importante acrescentar que o processo de integração surgiu

como meio

[...] possível para fortalecer as atuais configurações mundiais. Os países geograficamente próximos se uniram para continuar a competir em escala mundial, protegendo a si e a população nacional. Cabe, ainda, salientar que a integração como iniciativa dos Estados-Nação, também acaba sendo estimulada pelas corporações transnacionais. (...) O Mercosul surgiu na mesma esteira dos demais

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blocos econômicos. No contexto da internacionalização das economias constitui-se como uma tentativa de sobrevivência e ampliação do mercado. (...) A integração atual entre países - blocos regionais - traz a necessidade de se discutir o reconhecimento dos trâmites legais e acordos firmados para a garantia dos direitos sociais, e se esses condizem com as reais necessidades e demandas dos espaços interfronteiras. Por esta razão, a integração regional, no que diz respeito ao direito à saúde surge como um desafio para fazer valer as garantias que são a ele vinculadas. Deve-se recordar que, além da Carta Constitucional Brasileira, outras Cartas mundiais, dentre elas a Declaração dos Direitos Humanos de Viena, contém as determinações globais sobre os patamares de direitos aceitos como mínimos entre os países integrantes das Nações Unidas. As transformações desencadeadas na comunidade internacional tornam cada vez mais complexas e contraditórias as relações entre os países, na busca pelo desenvolvimento. Assim, as nações são desafiadas no sentido de amenizar os reflexos decorrentes dessa nova ordem econômica mundial que agrava e acentua as desigualdades sociais (NOGUEIRA; FERMINANO, 2005, p. 2-3).

É evidente que a necessidade de fortalecer as situações partícipes de ambos

os lados do limite político deve considerar não apenas as ações internas, mas

também, e com a mesma contundência, a necessária coordenação entre os

organismos locais e os vinculados com o governo. Não há dúvida alguma que, vista

desse modo, a integração fronteiriça para atender às necessidades da população

local constitui uma área especialmente sensível nas relações internacionais, ante o

qual essa coordenação assume vital importância, a fim de que as expectativas locais

geradas consigam tais problemas.

Há consenso entre os que se dedicam a ordenar o território em relação à

influência da integração fronteiriça, porquanto esse tem um alcance regional e que,

como todo processo de integração procura aumentar a base produtiva,

acrescentando à atividade econômica das regiões a que se vinculam.

Nos acordos de integração regionais e sub-regionais, concedeu-se

importância às regiões de fronteira como pontos de tráfego das correntes

comerciais. O artigo 45 do Tratado de Montevidéu, que instituiu a ALADI

(Associação Latino-Americana de Integração), refere-se ao tráfego fronteiriço nesses

termos: as vantagens, favores, franquias, imunidades e privilégios já concedidos em

virtude de convênios (ou acordos) entre países membros, ou entre eles e outros, a

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fim de facilitar o tráfego fronteiriço, regerão exclusivamente para os países que os

inscrevam ou subscrevam (NOGUEIRA; FERMIANO, 2005).

Percebe-se assim que, nos países que integraram ou acondicionaram todo

seu território, a integração fronteiriça não tem uma problemática específica, devido a

que todo o seu território está unido em um espaço multinacional. Por essa razão, na

Comunidade Europeia não se fala de integração fronteiriça, mas somente de

desenvolvimento de zonas relativamente atrasadas, em comparação com outras

regiões da Comunidade, sejam essas fronteiriças ou meramente nacionais.

Na América Latina, onde os países ainda estão em vias de integrar-se

nacionalmente, a integração fronteiriça é um dos caminhos para chegar à integração

multinacional. Vale ressaltar que a América Latina tem mais de 19 milhões de

quilômetros quadrados (duas vezes superior a dos Estados Unidos, dezesseis vezes

ao da Comunidade Europeia) e dentro desse espaço existem sistemas políticos

extraordinariamente diversos, especialmente quanto à maturidade democrática.

Soma-se a isso um precário sistema de comunicações, distintos graus de

desenvolvimento e sistemas institucionais altamente dinâmicos e outros

manifestamente inoperantes (LUPI, 2004).

Em termos gerais, ainda citando Lupi (2004), a integração pode assumir

diversas formas e graus segundo o alcance. Ela pode ser econômica, cultural, física,

regional. No caso, encontramo-nos ante um processo de integração, primeiramente

física, e, nesse sentido, orientam-se as múltiplas ações que derivam de normas e na

elaboração de projetos que buscam a cooperação econômica e, com isso, a

redefinição de um novo uso do território.

Atualmente, a integração física do Brasil como questão central do interesse

nacional e ao combate às atividades ilícitas atribui às suas fronteiras um novo papel

estratégico. Reativam-se, assim, as fronteiras por esse duplo processo, tornando as

relações transfronteiriças um tema prioritário das relações internacionais.

A definição e o papel das fronteiras parecem estar mudando em escala

mundial, acompanhando assim o processo de relativização multiforme do Estado em

relação a elas. Em função da evolução das redes geográficas, sobretudo as redes

técnicas, principalmente através dos transportes e das telecomunicações, conforme

comenta Camargo (2010), ocorrem maior comunicação e trocas, sobretudo

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comerciais, entre países pelo espaço mundial, o que gera uma mutação das funções

da fronteira para essas áreas que possuem interesses convergentes no que diz

respeito à criação de dispositivos que favoreçam a integração entre os povos

fronteiriços em todas as esferas.

Precisamente nesse cenário de transformações, surge o desafio da

integração econômica vista por inúmeros agentes econômicos e políticos como um

processo que garanta maior bem-estar para a população que integra cada região.

Nesse caso, proliferam argumentos associados à ampliação dos mercados e das

possibilidades de complementação de atividades por parte dos diferentes países.

Não obstante, o tratamento que deve ser dado ao tema da integração, do

cuidado e da atenção ao trabalhador deverá consultar os elementos constitutivos

que garantam resultados favoráveis da integração transfronteiriça. Esses, sem

dúvida, deverão passar pela consulta das condições particulares das economias, o

alcance das metas propostas e o grau de sujeição à estratégia da integração.

Nesse sentido, requer-se uma concepção mais complexa e abrangente da

integração, cuja ênfase seja posta nos problemas de interdependência que os

países enfrentam em âmbito regional e mundial. Uma concepção que desvele as

mais variadas contradições que emergem dos processos de integração, além da

permanente consulta pela realidade econômica, social e política das nações

comprometidas, bem poderia representar o maior aporte ao estudo da realidade da

população das regiões de fronteira (CAMARGO, 2010).

Um enfoque com essas características não pretende fugir dos pressupostos

necessários requeridos pelas iniciativas integracionistas em regiões de fronteira,

muito menos considerar que os conteúdos se isolem dos enfoques tradicionalmente

expostos. Mas contrário a eles, é possível adotar uma postura e uma prática

dialética sobre a dinâmica de transformação das economias, e mesmo uma postura

crítica sobre os conteúdos associados à descrição dos processos de integração e

suas implicações para as sociedades latino americanas.

Para Nogueira e Fermiano, a integração atual entre países

[...] traz a necessidade de se discutir o reconhecimento dos trâmites legais e acordos firmados para a garantia dos direitos sociais, e se

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esses condizem com as reais necessidades e demandas dos espaços interfronteiras. Por esta razão, a integração regional, no que diz respeito ao direito à saúde surge como um desafio para fazer valer as garantias que são a ele vinculadas. Deve-se recordar que, além da Carta Constitucional Brasileira, outras Cartas mundiais, dentre elas a Declaração dos Direitos Humanos de Viena, contém as determinações globais sobre os patamares de direitos aceitos como mínimos entre os países integrantes das Nações Unidas. As transformações desencadeadas na comunidade internacional tornam cada vez mais complexas e contraditórias as relações entre os países, na busca pelo desenvolvimento. Assim, as nações são desafiadas no sentido de amenizar os reflexos decorrentes dessa nova ordem econômica mundial que agrava e acentua as desigualdades sociais (2005, p. 3).

Essa concepção metodológica permitiria revelar o alcance registrado na

construção de um modelo utópico de uma sociedade política e sistema internacional,

possível de se alcançar mediante processos, como a integração econômica, política

e social entre os povos fronteiriços.

Vale lembrar que em tais áreas territoriais registra-se uma mobilização

internacional de pessoas, o fluxo internacional de bens, serviços e capitais, a

infraestrutura física, o transporte e as telecomunicações, o abastecimento de

energia, a exploração de recursos minerais e agropecuários, a segurança pública, a

saúde, o turismo, o saneamento e assuntos do meio ambiente, o desenvolvimento

urbanístico, entre outros.

Diante disso, e para vencer tais desafios, as fronteiras precisam satisfazer

diversos objetivos, como: (i) formas de proteção à população; (ii) promoção de

vínculos de convivência; (iii) projeção de padrões próprios e interesses da área de

fronteira. Paralelamente a isso, representa um espaço físico onde se desenvolvem

uma série de procedimentos que têm direta incidência no deslocamento de pessoas

e no intercâmbio de bens e serviços (COURLET, 1996).

A isso se deve agregar, dentro do conceito de fronteira, o elemento cultural

que tem papel significativo na atividade fronteiriça, pois resgata valores próprios,

promovendo aqueles que são comuns aos povos vizinhos, servindo para a mútua

comunicação e integração social. A fronteira não pode constituir-se em mecanismo

bloqueador que inviabilize o desenvolvimento de um território, “mas um mecanismo

que resulta de toda e qualquer ação nesse território. A fronteira é invariável em

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termos estruturais. Graças a ela, o capitalismo evolui, separa, diferencia, regula”

(COURLET, 1996, p. 1).

Daí a necessidade de maior atenção na aplicação de ações que promovam a

cooperação entre os Estados que compõem as regiões fronteiriças e que, nesse

contexto a saúde seja vista de maneira suficientemente séria e com o status que lhe

pertence, que é de direito universal.

Soma-se a isso o fato de ser obrigação geral dos Estados respeitar e garantir

os Direitos Fundamentais, incluindo as pessoas migrantes que se encontram no

âmbito de sua soberania, independentemente de seu status ou categoria migratória.

E dentro dos Direitos Fundamentais está o direito de acesso ao trabalho e todos os

direitos trabalhistas a ele inerentes. Por isso, nenhum Estado deve permitir que os

empregadores violem os direitos dos trabalhadores, nem que a relação contratual

fragilize os direitos internacionais mínimos.

É com esse intuito que se estabelecem os tratados internacionais em matéria

de Direitos Fundamentais dos trabalhadores, nos quais os Estados adquirem

compromissos, como o objetivo de respeitá-los e garanti-los. No caso de

desrespeitá-los ou manter atitudes omissas em relação aos que os violem, os

mesmos Estados devem assumir sua responsabilidade no plano internacional.

Os argumentos deixaram claro que a cooperação internacional entre Estados

é regida com base em acordos bilaterais ou multilaterais assinados por vários

países. Assim, no capítulo a seguir descrevemos os acordos internacionais em vigor

na América Latina.

3.4.3 A fronteira Brasil-Bolívia

A fronteira entre o Brasil e a Bolívia tem seus problemas peculiares que

diferem da situação vivida no interior de cada país. A integração econômica entre os

cidadãos bolivianos e brasileiros é permanente e tem em comum o elevado custo de

vida e a distância com as principais cidades geradoras de fonte de emprego.

Para Padrós (1994, p. 69), as fronteiras vivas, nas quais podemos identificar a

região de Mato Grosso do Sul, são denominadas:

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Permeáveis, caracterizadas por zonas isoladas e afastadas dos centros dinâmicos nacionais, com escasso e desigual desenvolvimento econômico com relação ao país, sem autonomia para tomar decisões locais, mas que têm recursos naturais pouco explorados e pouco conhecidos. Possuem deficientes vias de comunicação e acesso e estão próximas de áreas de países vizinhos de conformação humana e geográfica semelhantes.

Devido a suas características, desde o plano geopolítico as fronteiras se

constituíram tema de análise particular. A ausência de instituições, a fragilidade das

que já existem e a carência de empregos, entre outros aspectos, têm sido um sinal

permanente de problemas na vida da população que se localiza na fronteira

internacional.

O sistema de saúde da Bolívia, por exemplo, apresenta sérias dificuldades,

porque não dispõe de serviço que atenda a especialidades e casos de emergência

mais graves, para os quais a população precisa recorrer ao município vizinho, no

caso, Corumbá (BR), enfrentando, com isso, inúmeras dificuldades, pelo fato de que

o nosso sistema de saúde (SUS) não garante o direito à saúde para estrangeiros

e/ou cidadãos residentes em outro país, sendo esse o caso dos brasileiros que têm

seus domicílios no território boliviano (FLEURY, OUVERNEY, 2008).

Diante disso, com a participação do Consulado da Bolívia, em Corumbá, e do

Vice-Consulado do Brasil, na Bolívia, mais especificamente em Santa Cruz de La

Sierra, o tema foi incorporado na agenda dessas instituições para serem abordados

integralmente e não apenas sob o aspecto legal, para que os organismos estatais

assumam sua responsabilidade nas questões de direitos humanos e de relações

internacionais.

Antes, a população conhecia mais sobre a vida e a realidade do Brasil que da

Bolívia, situação cujos efeitos repercutem na identidade de quem vive mais ligado à

cultura e aos costumes de outro país. Entretanto, a partir de 2003, a presença maior

de redes de comunicação e a implementação de instalações técnicas tem

contribuído com o exercício do direito à informação do qual usufruem todos os

cidadãos. De acordo com a nova dinâmica e especialmente sob a perspectiva da

nova Constituição Política do Estado, a Defensoria do Povo ampliou seu

compromisso com os Direitos Humanos, na medida em que suas competências

também foram se ampliando além do território nacional e agora também se trabalha

fora das fronteiras em defesa das pessoas que residem no exterior. No caso da

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Bolívia, a Mesa Defensorial de Puerto Suarez realiza tarefas de proteção aos

cidadãos bolivianos que vivem no município de Corumbá, Brasil, preocupando-se

com documentação, assistência médica, moradia, educação (DUTRA, 2006;

FERRAJOLI, 2003).

A condição de passar de um Estado unitário e republicano a um Estado

Plurinacional com autonomias significa para todas as instituições do Estado e para a

própria cidadania uma mudança transcendental para a estruturação e vigência de

uma institucionalidade mais eficaz. Nesse novo contexto, a vigência e o papel das

instituições de direitos humanos, em geral, de forma particular em regiões de

fronteira são de vital importância para uma atuação efetiva no avanço progressivo

dos direitos, evidenciando que os habitantes das zonas transfronteiriças são também

cidadãos plenos. É fato que o trabalho e a saúde como direito universal e gratuito

não existem somente no discurso constitucional. Não se pode, então, “planejar um

espaço fronteiriço com olhar puramente endógeno, para dentro do território, pois a

fronteira tem duas faces da mesma realidade intrinsecamente imbricadas” (COSTA,

BRITTS, 2009, p.173).

Analisando as diferentes percepções de fronteira e percebendo como o

conceito vem evoluindo, pode-se dizer que a maneira de pensar sobre esses

espaços está relacionada às circunstâncias de uma época. Além disso, a partir de

uma abordagem de fronteira política, e levando em consideração essa tendência à

interação social, bem como o atual processo de integração política e econômica que

vem evoluindo, percebe-se que essa integração não é um processo exclusivamente

econômico, o que evidencia que se devem conhecer as particularidades urbanísticas

e culturais, de modo geral, de cada uma das formações, para que se alcance o

objetivo integracionista em seus completos objetivos (CHIAPPINI, 2005; ITO, 2000;

MARTINS, 1997).

Além disso, sabe-se que há nesses espaços uma dinâmica individual, que

deve ser observada caso a caso. Por se tratar de região politicamente melindrosa,

onde são encontradas culturas diversas, a fronteira é um local que dá margens a

interpretações distintas, que se modificam de acordo com as intenções de quem por

ali vive, instigado com a aparente situação de caos com que se apresenta o espaço

fronteiriço.

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Nogueira (2007) nos chama a atenção para a necessidade de dar ênfase ao

sujeito fronteiriço considerando a sua relação com o lugar. Isso significa que a

fronteira deve ser interpretada a partir da compreensão que seus habitantes têm

dela e de como e quando eles se relacionam com seus vizinhos e mesmo com seus

compatriotas das regiões mais centrais de cada território.

O estudo dos fenômenos de fronteira permite colocar uma série de questões

daí decorrentes, tanto teóricas como práticas e mesmo situações de alcance mais

geral. Vale lembrar, por derradeiro, que a acumulação capitalista, em determinado

espaço, resulta de processos históricos, complexos e interativos, que se

desenvolvem em um longo período e à mercê de ampla diversidade de influências.

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4 ACORDOS INTERNACIONAIS EM VIGOR NA AMÉRICA LATINA

Os Acordos Internacionais integram o contexto da política externa brasileira

administrada pelo Ministério das Relações Exteriores, como resultado dos esforços

do Ministério de Previsão Social e de transações diplomáticas entre os governos.

Autores como Canotilho (2002), Elias (2009) e Mazuoli (2010) pontuam que as

razões pelas quais o governo brasileiro estabeleceu Acordos Internacionais com

outros países encaixam-se em algumas situações, como: i) comércio exterior em

franco crescimento; ii) arrecadação de investimentos externos significativos; iii)

suporte ao fluxo migratório intenso, no passado; iv) relações especiais de amizade.

Os Acordos Internacionais têm como principal objetivo garantir os direitos de

segurança social previstos nas legislações dos países aos respectivos trabalhadores

e dependentes legais, moradores ou em vias de sê-lo.

Lima (1998) sinaliza que os Acordos Internacionais de Previdência Social

estabelecem uma relação de serviço de benefícios previsionais que não ocasionam

mudanças na legislação atual. Cada Estado contratante é incumbido de analisar as

petições de benefícios apresentadas e decidir sobre direitos e condições, em

conformidade com sua própria legislação aplicável e o respectivo Acordo.

O Brasil mantém os seguintes Acordos Multilaterais:

- Iberoamericano (Bolívia, Chile, Equador, El Salvador, Espanha, Paraguai e

Portugal), com entrada em vigor em maio de 2011 e já atualizado em novembro do

mesmo ano.

- Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai).

No que se refere aos Acordos Bilaterais, o Brasil tem Acordos de Segurança

Social com: Cabo Verde, Chile, Espanha, Grécia, Itália, Japão, Luxemburgo,

Portugal.

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Recentemente, o Brasil firmou três Acordos Bilaterais de Previdência Social

com a Alemanha, a Bélgica e o Japão e que estão em processo de ratificação pelo

Congresso Nacional.

No Ministério de Previdência Social, a Assessoria de Assuntos Internacionais

da Secretaria Executiva é o órgão responsável pela execução dos Acordos

Internacionais e pelo acompanhamento e avaliação de seu funcionamento (BRASIL,

2007).

A entidade gestora é a Instituição com competência para conceder as cotas

previstas nos Acordos. No Brasil, o Órgão Gestor é o Instituto Nacional de

Seguridade Social (INSS), que executa os Acordos depois de receber instrução dos

processos pelos órgãos estaduais específicos. São considerados beneficiários dos

Acordos Internacionais os trabalhadores e seus dependentes que estão sujeitos ao

Regime de Previdência Social dos Países, em conformidade com os textos de cada

Acordo.

Em Brasil (2005), encontra-se que os Acordos de Previdência Social aplicam-

se aos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, relacionados a/ao:

- Incapacidade para o trabalho (permanente ou temporária).

- Acidentes de trabalho ou doenças profissionais.

- Tempo de contribuição.

- Velhice (idade).

- Morte.

- Reinserção no mercado de trabalho.

- Certificados de Deslocamento previstos na legislação previdenciária e em outro

Estado contratante.

É importante ressaltar que a utilização dos serviços de saúde selecionados

pela OMS (Organização Mundial de Saúde – WHO) no Brasil, em geral, está acima

da média regional. A equipe médica está abaixo da média, e os fatores de risco são

mais baixos do que a média da América Latina.

O Sistema Único de Saúde (SUS), de caráter público, financiado por impostos

gerais e contribuições que incidem em diferentes níveis de organização do governo,

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cobre 75% da população. Esse sistema funciona de forma descentralizada, com

estabelecimentos de saúde, próprios e contratados, com o setor privado, que

funciona mediante regime de seguro chamado de Saúde Complementar, que é

financiada com dinheiro de empresas e famílias (BRASIL, 1988).

Antes da Constituição de 1988, existiam práticas de atenção médica primária

que privilegiavam a localidade e a responsabilidade estadual em benefícios de

saúde preventiva, atendimento direto e encaminhamento para os níveis mais

especializados. Os estados e os municípios brasileiros realizavam ações conjuntas,

embora descentralizadas, para atender às diretrizes médico-saúde, bem como

benefícios diretos, como a compra de serviços privados.

O Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde e a criação do Sistema

Único de Saúde são realizados entre 1986 e 1988, dando poderes e

responsabilidades significativas para estados e municípios, apesar de que o

contexto internacional promove teses contrárias aos sistemas de saúde, com ênfase

pública, universal e gratuita.

No que tange ao modelo de proteção social, a Constituição Federal de 1988 é uma das mais progressistas, onde a saúde, conjuntamente com a Assistência Social e a Previdência Social, integra a Seguridade Social. À saúde coube cinco artigos (Arts. 196-200) e nestes está inscrito que ela é um direito de todos e dever do Estado, e a integração dos serviços de saúde de forma regionalizada e hierárquica, constituindo um sistema único (BRAVO & MATOS, 2006, p. 203)

A Constituição de 1988 declarou a descentralização como o foco estratégico

do sistema de saúde, juntamente com os princípios de universalidade, equidade e

integralidade na prestação de serviços de saúde, com a participação do controle

social adequado. O SUS foi regulamentado a partir de 1990, deixando ao âmbito

federal a formulação de políticas e de normas, assim como a avaliação das

diretrizes. Nisso participam os estados, fazendo controle de gestão em suas

jurisdições. Eles também devem promover a descentralização e a municipalização

dos serviços de cuidados primários (BRASIL, 1988).

Cada nível de governo define Conselhos de Saúde, reunindo agentes

governamentais com prestadores de serviços, profissionais e usuários. Há subsídios

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federais e pagamento de serviços de acordo com critérios de população, perfis

epidemiológicos, características das redes de serviços e desempenhos anteriores.

Em 1993, ao mudar a legislação previdenciária, fortaleceu-se a

descentralização da atenção primária. Os governos estatais assumiram seu papel de

administração e controle dos serviços de saúde, fazendo delegações gerais e

parciais aos municípios. Em finais de 1990, em que pesem as diferenças em

coberturas, responsabilidade e qualidade, os municípios tiveram grande destaque no

setor. No início do novo século, criaram-se as denominadas regiões assistenciais de

saúde, nas quais foi propiciada a associação dos municípios, com grandes

melhorias na eficácia e no uso dos recursos existentes. Por esse mecanismo se fez

a compra de materiais e medicamentos, canalizaram-se os serviços especializados e

se deu um melhor aproveitamento do orçamento nacional de saúde que se transfere

para os estados e municípios. A esses mecanismos deu-se o nome de blocos de

financiamento. Desde o ano de 2006, foram estabelecidos compromissos e metas,

comprometendo ações nacionais e responsabilidades estatais e municipais,

mediante a operação de um conjunto de instrumentos de programação e

planejamento (FLEURY; OUVERNEY, 2008).

Convém acrescentar que um dos programas que, no período de 2008-2011,

adotou tais estratégias, com um investimento de cerca de 90 milhões de reais,

colocado em execução pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, foi chamado de

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tendo como componente em saúde

o Programa Mais Saúde: Direito de Todos. Esse programa veio beneficiar também

aos trabalhadores fronteiriços.

Esclarecido isso, passamos às descrições e reflexões sobre os Acordos

Internacionais firmados entre os países e que nortearam esta investigação.

4.1 ACORDO IBEROAMERICANO

As políticas públicas de Segurança e Saúde constituem uma frente essencial

para articular propostas que contribuam para o aumento do bem-estar no trabalho, o

que inclui o atendimento à saúde do trabalhador. O custo social, humano e

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econômico de acidentes no continente é inaceitável, pois a cada ano milhares de

pessoas perdem a vida em acidentes de trabalho que ocorrem na região fronteiriça

(BRASIL, 2008).

Portanto, as iniciativas que nascem por consenso dos envolvidos na proteção

e na prevenção dos riscos laborais devem ser tomadas e, se forem programados

indicadores objetivos para visualizar o cumprimento dos objetivos propostos, tal

ação auxiliará a gerar compromissos políticos que desemboquem na melhoria da

segurança e saúde dos trabalhadores da fronteira.

Entre os objetivos prioritários assinados na Declaração da XVI Cúpula de

Chefes de Estado e de Governo de Montevidéu, de 2006, encontram-se o respeito e

a promoção dos direitos humanos, assim como a vontade de seguir lutando contra a

desigualdade, a fome e a pobreza, ou qualquer outro fator que possa comprometer a

democracia e limitar o exercício efetivo dos direitos cidadãos, para cuja superação

requer-se a execução de políticas públicas de promoção do desenvolvimento

econômico, com a inclusão social e a geração de trabalho decente, entendido esse

como a ocupação produtiva que é justamente remunerada e que se exerce em

condições de liberdade, equidade, segurança, estabilidade e respeito à dignidade

humana (BRASIL, 2006).

Por sua vez, a Organização Iberoamericana de Segurança Social começou,

em 2006, dentro de seu planejamento bienal de atividades, uma linha estável de

trabalho, dedicada a promover a política de saúde e de segurança no trabalho, fruto

da qual se realizou a celebração de fóruns periódicos de análise, reflexão e debate

em torno dos principais problemas registrados pela América Latina nesse âmbito,

realizando-se duas edições do Congresso de Prevenção de Riscos Laborais nessa

região (BRASIL, 2007; 2008).

Na II Edição, realizada em Cádiz (Espanha), em 2007, os ministros e os

responsáveis iberoamericanos pela Segurança e Saúde no Trabalho reunidos no

Congresso encarregaram a Organização Iberoamericana de Segurança Social de

desenvolver um documento de estratégia Iberoamericana de Segurança e Saúde no

Trabalho, conjuntamente com agentes que intervêm no tema, tendo como tarefa

ativar linhas de trabalho possíveis e coerentes com a singularidade de cada região

de fronteira (CAMARGO, 2010).

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Na Declaração de Assunção, os Chefes de Estado firmaram acordo,

ressaltando-se, entre outros assuntos: destacar a entrada em vigor, no dia 01 de

maio de 2011, do Convênio Multilateral Iberoamericano de Segurança Social,

adotado em 10 de novembro de 2007, na Cúpula de Santiago do Chile, e de seus

respectivos Convênios de Aplicação, e incentivar àqueles Estados que ainda não o

tenham feito a considerarem sua adesão a esse instrumento internacional

(MERCOSUL, 2012).

O Convênio Multilateral Iberoamericano de Segurança Social surgiu da

proposta da reunião de Ministros e dos responsáveis pela Segurança Social

celebrada em Segóvia (2005), projeto que foi aprovado por unanimidade na XV

Cúpula Iberoamericana de Chefes de Estado e Governo, reunida em Salamanca

(Espanha).

A situação do Convênio, na atualidade, é a seguinte: subscreveram-no:

Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Chile, Equador, El Salvador,

Espanha, Paraguai, Peru, Portugal, República Dominicana, Uruguai e Venezuela,

perfazendo, portanto, um total de quinze países. Desses, alguns o ratificaram por

meio de seus órgãos legislativos: Bolívia, Brasil, Chile, Equador, El Salvador,

Espanha, Paraguai, Portugal e Uruguai.

Nesse contexto, a Comunidade Iberoamericana poderá beneficiar-se desse

Convênio como instrumento jurídico que evita a perda de direitos em instrumento

legal que impede a perda de direitos a pensões por velhice, invalidez, morte e

sobrevivência dos migrantes e suas famílias, ao possibilitar a acumulação de

períodos cotizados em diferentes estados para obter benefícios das prestações,

oferecendo a alternativa de percebê-las em um país distinto daquele no qual foram

gerados, estabelecendo, como princípio básico, a igualdade de tratamento de todas

as pessoas, qualquer que seja sua nacionalidade (PEDUZZI, 2005).

Esse instrumento jurídico de especial relevância para a Comunidade

Iberoamericana pode beneficiar potencialmente a milhares de pessoas da região,

sendo um elemento fundamental de coesão social ao promover um sentido de

pertencimento a uma comunidade própria e que infunde certa noção de cidadania

iberoamericana.

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Constituem Princípios de aplicação do Convênio:

- Garantir a igualdade de tratamento dos trabalhadores iberoamericanos com

independência da nacionalidade quando trabalharem em um país diferente do seu.

- Estabelecer a totalização dos períodos de cotização dos distintos Estados Parte,

garantindo-se a conservação dos direitos no curso de aquisição.

- Garantir a conservação dos direitos adquiridos, sem perder as prestações por

trasladar-se a outro país.

- Determinar a legislação aplicável ao trabalhador, que será a do país onde realiza a

atividade, com certas exceções.

- Aplicar as disposições mais favoráveis ao trabalhador, no caso da existência de

outros Convênios Bilaterais.

- Determinar a cooperação administrativa e técnica entre as Instituições gestoras,

para facilitar a aplicação dos direitos dos beneficiários.

- Não efetuar modificações nas legislações dos países, mas coordená-las para evitar

a perda de direitos contributivos.

Como é usual nos Convênios Multilaterais, a Organização Internacional que

promoveu a realização da Convenção cumpre com a função de depositário e, nesse

caso, o faz a Secretaria Geral Iberoamericana (SEGIB), por intermédio da

Organização Iberoamericana de Segurança Social (OISS).

A SEGIB, em sua qualidade de depositária, não apenas deve custodiar o

texto autêntico do convênio e os instrumentos conexos, mas, como já indicado, deve

também receber em depósito os instrumentos de ratificação e comunicá-los aos

demais Estados Parte, receber as solicitações de emendas e as denúncias,

comunicando-as aos Estados quando houverem cumprido as condições para a

entrada em vigor do Convênio.

Além da realidade concreta da Convenção, em médio prazo, que permitirá a

inclusão de mais de 475 milhões de pessoas no âmbito subjetivo de aplicação, há a

previsão de que poderão ajudar a alcançar implicações imprevistas no domínio da

proteção social, entretanto, desenvolve-se a partir da atividade de suas instituições,

uma aproximação com outros blocos regionais, com a qual concordamos sobre as

formas de complementação de regimes, de maneira a ampliar o universo de

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trabalhadores e beneficiários protegidos no mundo. Essa é uma exigência cada vez

mais crucial, determinada pelos efeitos da globalização e os sempre crescentes

movimentos migratórios (PATARRA; BAENINGER, 2004; SANDES, 2009).

Além disso, sem perder de vista que essas convenções são instrumentos de

coordenação para tornar possível a aplicação das respectivas legislações e obter o

reconhecimento de direitos em mais de um Estado, resulta inocultável que, nos

fatos, a divulgação e o conhecimento de suas normas por autoridades nacionais,

organizações sociais e operadores jurídicos em todo o mundo, poderão envolver a

adoção de certos regulamentos que convergem para a consagração dos direitos em

legislações diferentes, materializando os progressos legais e sociais em âmbito

global.

Sem a pretensão de substituir competências que são específicas da

Organização Internacional do Trabalho, entende-se que o significado de

instrumentos (como a Convenção n º 102) teve avanço nas legislações nacionais,

para implantar um padrão mínimo para a Segurança Social, que estava levando os

Estados a conceder ou ampliar benefícios para milhões de pessoas.

4.2 ACORDO MERCOSUL

A constituição de um mercado socioeconômico regional para a América

Latina tem seu início na década de 1960, com o tratado estabelecido pela

Associação Latino-Americana de Livre Comércio – ALALC. Esse organismo é

sucedido pela Associação Latino-Americana de Integração – ALADI; na década de

1980.

Em 1985, a Argentina e o Brasil assinaram a Declaração de Iguaçu,

estabelecendo uma comissão bilateral, à qual se seguiram uma série de acordos

comerciais em 1986. Na sequência, em 1988, esses países assinaram o Tratado de

Integração, Cooperação e Desenvolvimento, tendo como meta o estabelecimento de

um mercado comum, aberto a outros países latino-americanos (FIGUEIRAS, 1996;

GONZÁLEZ, RECA,1995; MERCOSUL, 2012).

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O Tratado de Assunção (Paraguai), firmado em 26 de março de 1991, pelos

governos da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, constitui o culminar do processo

de integração e cooperação econômica que, em 1985, foi lançado por argentinos e

brasileiros. Seu objetivo era aumentar as relações comerciais, a cooperação

tecnológica e a complementação industrial, tendo também como propósitos, a

formação de uma zona de livre comércio, a criação de uma tarifa externa comum e a

harmonização das políticas macroeconômicas e sociais dos quatro países

fundadores (BARBOSA, 1996; BRASIL, 2012).

Assim, não sendo um bloco fechado, outros países sul-americanos foram

firmando acordos para participar como parceiros do Mercado Comum do Sul -

MERCOSUL e, em 15 de junho de 1996, o Chile firmou (durante a X Reunião da

Cúpula do Mercosul, em San Luís, Argentina) um acordo de livre comércio com o

Mercosul, seguido pela Bolívia, que mostrou interesse em receber o mesmo

tratamento a partir de 1º de janeiro de 1999 (BAPTISTA et al., 1996). É importante

destacar que o Mercosul surgiu na mesma esteira dos demais blocos econômicos,

buscando, entretanto, harmonizar as legislações no sentido de facilitar a integração.

Em 8 de julho de 2004, foi realizada a cúpula do Mercosul, tendo como

questão principal reafirmar o compromisso estratégico para a integração regional

dos membros da comunidade do Mercosul. Desde 2004, são membros associados:

Chile, Bolívia, Peru e Venezuela, sendo que o Mercosul começou a se reunir em

Montevidéu (2007). Esse tema será tratado no parágrafo seguinte.

Barbosa (2007) informa ainda que, nessa data (2004), entrou em vigor o

Protocolo de Olivos (2002), que criou o Tribunal Arbitral Permanente de Revisão do

Mercosul, com sede em Assunção (PY). Entretanto, em virtude da remoção de

Fernando Lugo da presidência do Paraguai, o país foi temporariamente suspenso do

bloco, tornando possível a adesão da Venezuela como membro pleno a partir do dia

31 de julho de 2012, inclusão até então impossível, em razão do veto paraguaio.

Para fortalecer a unidade latino-americana, o Presidente uruguaio, Vázquez,

solicitou adesão do Equador ao bloco.

O Mercosul foi criado com uma finalidade básica: alcançar o livre comércio

entre os países integrantes, eliminando os impostos aduaneiros entre eles e

alcançando a tarifa externa comum. Podemos perceber três objetivos fundamentais

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na sua criação: i) livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os

países signatários do Tratado de Assunção, mediante, entre outras medidas, a

eliminação dos direitos aduaneiros e restrições para-tarifárias; ii) fixação de uma

tarifa externa comum e adoção de uma política comercial comum com relação a

outros países ou blocos regionais, e coordenação das posições em foros comerciais

da região e internacionais; iii) coordenação de políticas macroeconômicas e de

comércio exterior, agrícolas, industriais, fiscais, monetárias, cambiais e de capitais,

de serviços, aduaneira, de transportes e comunicações, e outras que se acordem no

futuro, a fim de assegurar condições adequadas de competência entre os Estados

Partes para promover, também, uma política adequada de atenção à população que

habita regiões de fronteira (BRASIL, 2012a).

Convém lembrar, ainda, que, após décadas de discussões entre países e

órgãos internacionais,

[...] resultaram as Cartas de Direitos, mundialmente reconhecidas, entre elas, a mais recentes a Declaração e Programa de Ação de Viena. Suas propostas apresentam novas recomendações e formas de relações entre as nações, na garantia dos Direitos Humanos. Estes, que talvez sejam a expressão da única garantia do acesso às necessidades básicas do homem, em destaque, o direito à saúde. O desafio, posto nos dias atuais, consiste não apenas em propiciar a estas regiões o desenvolvimento econômico, mas o desenvolvimento econômico e social, que possibilite a proposição de ações, planejadas e executadas, proporcionando qualidade de vida dos indivíduos que residem nas regiões de fronteira. Indivíduos que se defrontam com especificidades de relações, extremamente diferenciadas das demais regiões (NOGUEIRA; FERMIANO, 2005, p. 3).

As mesmas autoras acrescentam, e é importante registrar, que:

As principais normas reguladoras, estabelecidas no âmbito dos direitos sociais e trabalhistas no Mercosul, foram as seguintes: o Acordo Multilateral de Seguridade Social no Mercado Comum do Sul, em 1996; o Regulamento Administrativo para Aplicação do Acordo Multilateral de Seguridade Social do Mercado Comum do Sul, em 1996; a Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, assinada em 10 de dezembro de 1998; o Regulamento interno da Comissão Sócio-Laboral, de 10 de março de 2000. No Acordo Multilateral de Seguridade Social do Mercosul, a concepção de Seguridade Social ainda limita-se, assim, a incluir apenas a proteção à saúde, à reabilitação profissional e a aposentadoria para os trabalhadores do setor formal da economia. Portanto, dispõe unicamente sobre as prestações de saúde, no sentido de prevenir, conservar, restabelecer

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a saúde ou reabilitar profissionalmente o trabalhador, nos termos das legislações nacionais (NOGUEIRA; FERMIANO, 2005, p. 5).

O Conselho de Mercado Comum é o órgão superior do Mercosul. No que se

refere à estratégia do Mercosul, ela se baseia em três suportes inter-relacionados:

aprofundamento (negociação de temas novos), consolidação (cumprimento e

aplicação efetiva dos compromissos acordados) e relações exteriores, que se

fundamentam em negociações com países da Associação Latinoamericana de

Integração (ALADI), da União Europeia (UE) e de outras entidades e organizações

supranacionais (LUPI, 2001).

Com o fim de efetivar a estratégia consolidadora, tratou-se de assegurar os

mecanismos de solução de controvérsias e de garantir a segurança jurídica do

processo de integração, não apenas territorial, mas também humana. A decisão

número 17/98, da XV Reunião do Conselho do Mercado Comum, regulamentou o

Protocolo de Brasília para a solução de controvérsias (MERCOSUL, 2012a).

No contexto da estratégia tendente à abertura comercial, implementou-se

uma política de relações exteriores muito ativa. Dessa forma, no marco da ALADI

trabalhou-se de modo intenso na renegociação dos acordos preferenciais

preexistentes com os demais países membros dessa Associação.

Por ocasião da Cúpula de San Luís (1996), firmou-se o Acordo de

Complementação Econômica Mercosul-Chile, que entrou em vigor no dia 1º de

outubro de 1996 e que constituiu um vigoroso instrumento que assentou bases

fundamentais para a conformação de um espaço econômico ampliado.

No caso particular da Bolívia, a Cúpula de Presidentes, realizada em

Fortaleza (1996), assinou o Acordo de Complementação Econômica Mercosul-

Bolívia, com alcances similares aos subscritos com o Chile. Avançou, também, com

os demais países da ALADI. Assim propôs-se aos quatro sócios restantes da

Comunidade Andina (Colômbia, Equador, Peru e Venezuela) a negociação de um

acordo de livre comércio similar aos subscritos com Chile e Bolívia.

Em 21 de março de 2001, a Venezuela solicitou seu ingresso na qualidade de

membro associado, em termos similares aos da Bolívia e Chile. Com relação ao

México, houve rodadas de negociações, considerando-se a possibilidade de um

acordo puramente comercial, primeiramente.

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Em 1997, cada um dos países do Mercosul prorrogou seus acordos bilaterais

até que se consiga alcançar o Acordo Geral. Em abril de 1998, foi assinado o Acordo

de Cooperação em matéria de comércio e investimento entre o Mercosul e os países

integrantes do Mercado Comum Centroamericano (MCCA, integrado por Costa Rica,

El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua). De forma paralela e em um

contexto americano ampliado, durante a Cúpula Hemisférica de Miami (1994),

estabeleceram-se as bases para colocar em marcha uma zona de livre comércio

continental, a partir de 2005, na área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Em

1995, foi assinado, em Madri, o Acordo Marco Inter-regional de Cooperação entre o

Mercosul e a UE (BRASIL, 2012). Além disso, são realizadas reuniões de

exploração com o Closes Economic Relations (CER, integrado pela Austrália e Nova

Zelândia) e com outras organizações.

É válido comentar, então, que o Mercosul teve, desde o primeiro momento,

entre seus objetivos centrais de projeção externa, o estabelecimento de relações

estreitas com os grandes blocos econômicos. A União Europeia (UE), como principal

sócio comercial e fonte de inspiração do bloco, foi uma prioridade. Apenas alguns

meses depois da assinatura do Tratado de Assunção (26 de março de 1991), firmou-

se um Acordo Bilateral de Cooperação Interinstitucional (BARBOSA, 2007).

O Comissário responsável pelas relações com a América Latina, Manuel

Marin, anuncia, em 19 de outubro de 1994, em Bruxelas, um plano em duas fases

para estreitar os laços econômicos e comercias da UE (União Europeia) com o

Mercosul. Um estudo da Comissão Europeia conclui que quantificando os benefícios

econômicos originados desse cenário os intercâmbios se incrementariam a um ritmo

de 1,5% anual, frente aos 7% anteriores. O documento da Comissão foi aprovado

pelo Conselho Europeu de Essen, de dezembro de 1994, e foi objeto de sondagens

de negociação entre funcionários da UE e do Mercosul no transcurso de 1995, até

alcançar um acordo inovador, denominado de “quarta geração”, que contempla uma

nova parceria UE-Mercosul, com visão mais abrangente (BARBOSA, 2007).

Para Lupi (2001), o Acordo de Cooperação Inter-regional, assinado em Madri

em 15 de dezembro de 1995, estabeleceu o objetivo de reforçar a cooperação

econômica e comercial entre ambos os blocos, com a intenção principal de

empreender uma liberalização progressiva e recíproca dos intercâmbios que

permitisse, em uma segunda fase, alcançar uma zona de livre comércio, cuja

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realização deve aguardar que o Mercosul reflita sua situação de união aduaneira.

Esse objetivo central do acordo seria alcançado em meados da próxima década e,

para isso, considerando a sensibilidade de certos produtos. Em fins de março de

1996, em Buenos Aires, foi aprovado o regulamento da Comissão Mista UE-

Mercosul que se reuniu, pela primeira, vez em junho de 1996 em Bruxelas. Nessa

ocasião, firmou-se o Protocolo de Cooperação Aduaneira entre a UE e o Mercosul

(BARBOSA, 2007).

Tal acordo tem por objeto agilizar os trâmites aduaneiros, a fim de favorecer o

intercâmbio comercial entre os blocos e esboçar novas áreas de cooperação e de

integração. A Comissão Comercial prevista no acordo se reuniu, pela primeira vez,

em março de 1997, e definiu três etapas para as negociações.

Em primeiro lugar, a realização de um diagnóstico sobre os intercâmbios de

bens e serviços entre os dois blocos. Em segundo lugar, as posições aproximadas,

com vistas ao posterior início da liberalização do comércio dos intercâmbios a partir

de então. Em terceiro lugar, a elaboração de propostas concretas a serem

apresentadas à Subcomissão Comercial (reunida pela primeira vez em Belo

Horizonte, em novembro de 1996), a quem devem submeter seus informes os três

grupos de trabalho criados: o de Bens, o de Serviços e o de Disciplinas Comerciais.

A partir daí, saíram mandatos de negociação que, segundo as previsões da época,

teriam que esperar o ano de 2002 ou 2003 para amadurecer alguns acordos de

liberalização do comércio inter-regional (LUPI, 2001).

Em abril de 1997, o Conselho de Ministros da UE aprovou uma comunicação

na qual se recomenda a não assinatura pela União de novos acordos de livre

comércio, preconizando-se para aquele momento o desenvolvimento dos acordos já

existentes e a promoção da integração humana em cada região limítrofe. Nessa

visão, portanto, a sociedade civil está sendo repensada visto surgirem novas

estruturações, outros contornos e complexas relações societárias.

4.3 ACORDO BILATERAL BRASIL-BOLÍVIA

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Para entender as atuais relações entre Brasil e Bolívia, é preciso rever os

antecedentes históricos que vinculam ou separam ambos os países e, para isso, nos

apoiamos nos estudos de Rezende (1976) e Losano (2008). O primeiro fato do

período posterior à independência da Bolívia se produziu no mesmo ano do

nascimento da República (1825), quando se deu uma invasão brasileira à província

de Chiquitos, em nome da máxima autoridade de Mato Grosso (CARVALHO et al,

2007).

Tropas brasileiras comandadas por Manuel José de Araújo e Silva ocuparam

um amplo espaço de um território que pretendia anexar essa província ao império do

Brasil. A ameaça durou poucos meses e terminou com a retirada das tropas de

Araújo ante a ameaça do Marechal Sucre de atuar militarmente contra os invasores.

Esse fato colocou em evidência um conflito que se referia à delimitação de fronteiras

da nova nação com o Brasil. A tese boliviana apoiava-se no tratado de 1777, firmado

entre Portugal e Espanha, como referente para resolver os problemas de limites

entre ambos os países. Em troca, o Brasil defendia o valor do Uti Possidetis como

marco de referência. Resta informar que ambas as posições reivindicavam territórios

maiores para cada nação, segundo o princípio invocado (REZENDE, 1976).

Em 27 de março de 1867, foi assinado o primeiro Tratado de Limites do Brasil com a Bolívia, pelo deputado Lopes Neto, a base do “uti possidetis”. O Tratado incluía também estipulações sobre o Comércio, Extrdição, Navegação, Amizade. O limite começava no desaguadouro da baía Negra no rio Paraguai, seguindo pelo meio desta e outros acidentes naturais até a latitude 10º 20’ no rio Madeira, donde partiria uma linha este-oeste no sentido de um paralelo até encontrar o rio Javari. Se a nascente do rio ficasse mais ao N, essa linha sofreria uma inflexão para encontrá-la. A demarcação foi realizada entre 1870 e 1878 e foi até a confluência do Bení com o Madeira (REZENDE, 1976, p. 27).

Segundo Rezende, a situação de indefinição se manteve inalterável com

várias missões bilaterais que não alcançaram um acordo até 1867. Nesse ano,

sendo Mariano Melgarejo presidente da Bolívia e Pedro II, o imperador do Brasil, foi

firmado um tratado de limites entre os dois Estados. O acordo, que se firmou sobre

as premissas brasileiras e não sobre o Tratado de 1777, significou uma cessão

boliviana de um território de mais de 100.000 quilômetros quadrados na região do rio

Madeira. Essa percepção se refletiu nas intervenções de parlamentares no

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Congresso Brasileiro, que ratificou o acordo que celebrou esse documento,

superando expectativas mais otimistas. A Bolívia, em contrapartida, recebeu uma

concessão de livre navegabilidade pelos rios brasileiros por seis anos. A ratificação

do tratado pelo congresso boliviano levou ao exílio de muitos parlamentares e à

pressão direta do Poder Executivo sobre o Congresso.

A partir desse fato histórico, importantes setores intelectuais e políticos

bolivianos consideraram que o tratado era o produto de uma política imperialista

brasileira, o que deixou sempre uma grande susceptibilidade em uma relação

bilateral que se complicou muito mais com a guerra do Acre.

Em 1899, houve um levantamento aparentemente secessionista em Porto

Acre, mais de duzentos quilômetros ao norte do atual limite fronteiriço entre o estado

do Acre do Brasil e o departamento de Pando de Bolívia, situado ao norte do Brasil.

A motivação era evidente: o auge da exploração da borracha na região. Primeiro foi

o espanhol Luís Gálvez, em 1899, e depois o brasileiro Plácido de Castro (1902).

Ambos declararam um estado independente denominado Acre. O conflito se

prolongou até 1903 e rapidamente o Brasil mostrou seu interesse em tão vasta

extensão.

O Brasil apoiou abertamente a iniciativa de Castro, e suas tropas tomaram

Porto Acre, alegando que a Bolívia lhe havia concedido direitos de exploração de

seu território, por meio de um consórcio internacional que violava as regras de

soberania sul-americanas. Ocorreram várias batalhas ao longo do conflito (1899-

1903), o que incluiu a presença do presidente boliviano José Manoel Pando no

campo de batalha (CARVALHO, 2007).

Quando a situação bélica estava em um relativo status quo, o Brasil

expressou sua decisão de uma intervenção militar total. A ameaça levou à

assinatura do Tratado de Petrópolis (1903), no qual a Bolívia cedia praticamente a

totalidade do território do Acre. A compensação foi um ressarcimento pecuniário e o

compromisso da construção de uma ferrovia que permitiria superar a barreira das

cachoeiras no acesso ao principal afluente do Amazonas na região, o rio Madeira.

Esse fato ratificou que o poder objetivo do Brasil foi utilizado contra a Bolívia e

suprimiu um espaço gigantesco: primeiro, mais de 100 mil quilômetros quadrados

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(1867), depois, como resultado da guerra, 190.000 km2, o equivalente a mais de

25% do total do atual território boliviano (REZENDE, 1976; LINS, 1965).

A tese do subimperialismo brasileiro acabou fortemente apoiada na leitura

boliviana de nossas relações como vizinho do leste. No outro lado da moeda, foram

feitos esforços por uma relação fluida e positiva entre ambos. A estrada de ferro

comprometida no tratado de 1903 não se concretizou, mas, por uma série de

acordos posteriores, que incluíram uma referência aos compromissos brasileiros

pendentes, derivados do acordo de Petrópolis, construiu-se a estrada de ferro

Corumbá-Santa Cruz (mais de 500 km), inaugurada em 1958. Foi a obra mais

importante empreendida por ambas as nações naquela época.

Na segunda metade do século XX, uma das preocupações bolivianas foi a

exportação de gás para o Brasil, em virtude do sucesso econômico da venda de gás

para a Argentina (1972) e dada a voracidade do mercado de consumo paulista, que

permitiria importantes ingressos à Bolívia. Efetivar o projeto foi difícil, longo e

complexo. Iniciou-se em 1974, com a primeira carta de intenções entre os

presidentes Banzer e Geisel (BIEBER, 2000; SUÁREZ; GUERRA; UDAETA, 2010).

Durante muito tempo, representantes da esquerda brasileira e do

nacionalismo boliviano se opuseram radicalmente a esse acordo, considerando que

era uma forma de prender a Bolívia e torná-la muito dependente do Brasil.

Entretanto, citando Coutinho (2000) e Dutra (2006), o descobrimento de importantes

reservas gasíferas no período de 1996-2000 permitiu finalmente tornar realidade o

projeto, o que se concretizou em 1999, com a inauguração do gasoduto Bolívia-

Brasil, o maior investimento de todo o século XX em um só projeto por parte da

Bolívia.

Convém lembrar que, em 2010, as exportações de gás para o Brasil

representaram 2.300 milhões de dólares, ao redor de 35% do total das exportações

bolivianas.

Luís Inácio Lula da Silva chegou à presidência em janeiro de 2003, o que

coincidiu com uma profunda crise política boliviana, ocorrida na presidência de Evo

Morales em 2006. Sua chegada ao poder se deu quando entre ambas as nações

uma nova relação surgia a partir da construção do gasoduto binacional e da

significativa presença da Petrobrás, na Bolívia, que teve dois momentos

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fundamentais: o primeiro, coincidente com o processo dos hidrocarbonetos

bolivianos e do controle de14% do total das reservas bolivianas de gás; o segundo,

já no segundo governo de Hugo Banzer (1997-2001), quando a Petrobrás comprou

as refinarias de petróleo e alcançou assim uma participação no processo completo

do gás, desde sua extração, incluindo os ductos, até sua chegada a São Paulo. Em

2006, a Bolívia recomprou as citadas refinarias (GARCIA, 2005; LOHMANN; REIS,

2006).

Se houver alguma dúvida de que as relações econômicas entre esses países

estão determinadas pelo gás, basta dizer que, em 2010, o total das exportações

bolivianas ao Brasil ascendeu a 2.400 milhões de dólares, dos quais 2.300 foram

gás e só 100 milhões de outros produtos que, em torno de 90%, foram matérias-

primas sem valor agregado. O Brasil, por sua parte, exportou da Bolívia 1 bilhão de

dólares, o equivalente a 0,5% do total de suas exportações das quais as mais

importantes foram produtos industriais (50%) e bens de capital (20%). Em suma,

para a Bolívia, as exportações para o Brasil (gás) representam mais de um terço do

total de suas exportações. Para o Brasil, essa porcentagem não chega a 1% de suas

vendas ao exterior (ANP, 2010; GARCIA, 2012).

A influência do Brasil sobre a Bolívia foi crescendo de maneira sustentável

nas últimas décadas: na medida em que o oriente boliviano foi se desenvolvendo e

Santa Cruz se converteu em uma cidade fundamental na realidade demográfica,

política, econômica e social do país, o olhar da região voltou-se crescentemente

para o Brasil (ALEXANDRE; LEITE, 2007).

São Paulo, por sua vez, constitui uma cidade de referência para muitas

coisas, como o aeroporto sul-americano mais importante de contato direto com

Santa Cruz, como cidade destino para a realização de estudos universitários, como

ponto alternativo de investimento imobiliário das elites e como porta de acesso a

todo o Brasil e, sobretudo, pelo fenômeno crescente de migração.

As condições econômicas da Bolívia e seus elevados indicadores de pobreza

(53%), de acordo com as cifras de 2008, fizeram do país um expulsor claro da

população. Trata-se de uma situação histórica que, considerando apenas a segunda

metade do século XX e a primeira década deste século, marca cifras que

estabelecem claramente que muitos bolivianos, ante a falta de horizontes e

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oportunidades no próprio país, têm optado por deixá-lo (GARCIA, 2012; SOLÓN,

2009).

Segundo números extraoficiais, mais de 15% da população total do país (dez

milhões de habitantes) estão fora de suas fronteiras, engrossando a fila de

trabalhadores em países limítrofes. Os principais receptores de migração boliviana

na América Latina são Argentina e Brasil, destacando a necessidade de oferecer a

essa população, além do trabalho, segurança e saúde. No caso do Brasil, o grande

receptor de migração boliviana é São Paulo. Esse fenômeno começou no final dos

anos 1970.

O tipo de migrante é parecido ao que se instalou em outros países com

escassa formação acadêmica, mão-de-obra barata, níveis de qualificação técnica

reduzida, grande capacidade de trabalho. Suas atividades fundamentais, no caso do

Brasil, estão, sobretudo, nas fábricas têxteis, serviços de pedreiro e doméstico. Em

geral, trata-se de uma presença que busca ingressos rápidos que permitam o

retorno à Bolívia o mais depressa possível. Muitos deles ficam de 1 a 3 anos e

voltam; outros terminam por ficar e formar famílias permanentes no Brasil. É

importante comentar que há também outro tipo de presença boliviana: muitos

estudantes universitários e empresários e profissionais liberais altamente

qualificados, mas são minoria (BENENCIA, 2008).

Feitas essas considerações, percebe-se que os problemas a enfrentar são

evidentes, daí a importância da assinatura de acordos entre os países, preservando

as respectivas soberanias.

Na figura 01, é possível verificar a densidade demográfica da fronteira em

questão, com dados colhidos em 2000.

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Figura 01: Zona de fronteira Brasil-Bolívia, densidade demográfica 2000 Fonte: SILVA, Luís Paulo Batista da (2012, p. 35).

Esse excessivo número de bolivianos em território brasileiro preocupa as

autoridades responsáveis pela migração, mostrando, ainda, que a assinatura de

acordos se faz urgente e necessária, sobretudo diante da Declaração Universal dos

Direitos Humanos, que diz, em seu art. 1º: "Todas as pessoas nascem livres e iguais

em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em

relação umas às outras com respeito e fraternidade”. Atendendo a essa demanda

migratória, o acordo bilateral Brasil-Bolívia, firmado em 2005, permitiu regularizar a

situação de 42 mil bolivianos residentes no Brasil.

Logicamente, um grande número de pessoas em circulação requer

atendimentos semelhantes aos do indivíduo nacional (nascido no país), sobretudo,

no que se refere à saúde e à segurança no trabalho, considerando que a pessoa é

livre para ir e vir e assentar-se onde lhe for mais conveniente. Além disso, os países

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também têm o direito de complementar suas carências de mão-de-obra com a

participação de migrantes, no caso deste estudo, o trabalhador migrante

internacional. Esse trabalhador encontra-se definido no parágrafo 1, do art. 11, da

Convenção 9, da OIT, e a ideia foi mantida na Convenção 143, art. 11, que

estabelece que a expressão trabalhador migrante compreende toda pessoa que

“emigra ou emigrou de um país a outro para buscar um emprego que não seja por

conta própria; incluindo também toda pessoa admitida regularmente como

trabalhador migrante”.

No mesmo instrumento, a OIT adverte que essa definição contempla não

apenas a migração de um país a outro, isto é, “que são considerados migrantes

aqueles que cruzam as fronteiras internacionais para ocuparem um emprego, não se

incluindo os trabalhadores que vão de um lugar a outro do mesmo país”, por razão

de emprego. Em síntese, toda pessoa que sai de seu país de origem e se dirige a

outro, a fim de realizar uma atividade remunerada.

Diante de tais colocações, valemo-nos de Paulo Iles (2012) em suas

observações:

Em 08 de novembro de 2002, na cidade de Salvador – Bahia, no âmbito das Reuniões de Ministros do Interior (RMI) do MERCOSUL, foi assinado o Acordo de Livre Trânsito e Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL (Mercado Comum do Sul). Desde então, em todos os países do bloco houve grande manifestação e mobilização de organizações de migrantes e de apoio aos migrantes para sua entrada em vigência. Conquista que só se fez realidade gradativamente, sendo assumido bilateralmente entre Brasil e Argentina, em 2005, com Uruguai em 2006 e finalmente para todo o bloco e em novembro de 2009, com a ratificação do Paraguai que até então havia assinado, porém não concluído os trâmites necessários para sua vigência definitiva (ILES, 2012, p. 1)

Atendendo às especificidades da importância da firmação de acordos

internacionais, e no caso particular da Bolívia (temática desta unidade), destaca-se

que a Cúpula de Presidentes, realizada em Fortaleza (1996), assinou o Acordo de

Complementação Econômica MERCOSUL-Bolívia, com alcances similares ao

subscrito com o Chile. Avançou, também, com os demais países da ALADI. Assim

propôs-se aos sócios restantes da Comunidade Andina (Colômbia, Equador, Peru e

Venezuela) a negociação de um acordo de livre comércio semelhante aos subscritos

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entre Chile e Bolívia. Nessa linha, e considerando os eventos que se sucedem, os

países firmam acordos bilaterais específicos (decisão condicionada na Convenção

de Viena, em seu art. 41.1), como por exemplo, no caso do problema com o

narcotráfico, evento crescente nas fronteiras Brasil-Bolívia e Brasil-Paraguai, em

Mato Grosso do Sul (PEREIRA, 2005).

As fronteiras caracterizam-se como expressões de realidades múltiplas, pois

nelas se concentram várias outras, devido à confluência de situações assimétricas e

heterogêneas existentes. Observa-se que elas não apresentam apenas diferenças

marcantes em relação aos outros, mas também uma multiplicidade de arestas a

serem redefinidas, como as econômicas, as políticas, as sociais e as culturais.

Assim, as políticas projetadas para essas regiões seguem uma lógica plural que

ofereça uma proposta para todos e que não seja elaborada de maneira distante da

fronteira e com desconhecimento dela.

Raffestin (1993 apud OLIVEIRA, 2013, p. 11) já afirmava que a fronteira

constitui um lugar de “ordem e desordem”, devido às características da população

que a habita, uma população com dupla nacionalidade, verdadeiramente abstrata

por não distinguir o seu próprio pertencimento. É nesse contexto que vão se

construindo vínculos de interesses comuns que têm um valor que vai além da

cidadania de quem habita ou transita por esses territórios.

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5 FRONTEIRA, TRABALHO E SAÚDE

5.1 A FRONTEIRA

Ao discutirmos sobre o direito à saúde do trabalhador transfronteiriço, faz-se

mister uma breve discussão sobre fronteiras, em especial na literatura sobre

fronteiras políticas internacionais, considerando tanto aquela produzida pela

geografia política como por áreas afins. Nos registros científicos, é possível obter

inúmeras classificações para diferenciar os tipos de fronteiras, bem como as suas

peculiaridades.

Dentre as classificações mais comuns, tem-se como a mais conhecida a

classificação das fronteiras em naturais e artificiais. Esse conceito com tal

classificação foi discutido durante toda a primeira metade do século XX. Entende-se,

então, que as "fronteiras, mesmo as chamadas naturais, são resultado de

convenções (bilaterais) ou de imposição (unilateral)" (BACKHEUSER, 1952, apud

STEIMAN; MACHADO, 2002, p. 1).

Segundo Braudel (1996), o campo econômico integra a questão das

fronteiras internacionais que deixa de ser responsabilidade do campo estritamente

político. Dessa forma, foram criadas algumas comissões para gerenciar, de forma

compartilhada, recursos hídricos em fronteiras internacionais. Um exemplo

paradigmático é o da fronteira entre o México e os Estados Unidos que surgiu

justamente dessa questão hídrica, pois os fluxos imigratórios mexicanos

contribuíram com o surgimento dos primeiros protocolos de cooperação entre esses

países.

Braudel (1984) descreveu a fronteira como um limite que desloca, à sua

maneira, o modo de produção capitalista. Ele mostrou que toda

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[...] economia-mundo tem seus limites econômicos: estes se situam exatamente onde começa outra economia-mundo, isto é, ao longo de uma linha, ou melhor, de uma zona, cujos lados contíguos não mostram interesse, economicamente falando, de transpor, salvo em casos excepcionais. Apesar desses limites, as economias-mundo, estabelecem-se, crescem, persistem e evoluem. É preciso vencer o espaço para dominar. A economia-mundo desloca, então seus limites para incorporar novas zonas que se mantiveram até aí fora de sua influência (BRAUDEL, 1984, apud COURLET, 1996, p. 12).

Em abordagens um pouco mais recentes, sobretudo na Europa, criou-se

uma nova mitologia, a de abolição das fronteiras. Isso coincide com uma vontade

confusa de torná-las sem sentido também em outros domínios da sociedade. Pode-

se observar que tendo sido primeiramente institucionalizadas na Europa, foi também

lá que as fronteiras políticas estão sendo intensamente questionadas (RAFFESTIN,

1993).

Ainda nessa abordagem, Raffestin (1993, p. 69) apresentou que essa

mitologia de abolição de fronteiras apoia-se na ideia de que a fronteira seria um

obstáculo e um entrave que limita a liberdade individual ou coletiva, dentro de uma

tradição de longa data de atribuir às fronteiras apenas funções negativas. O autor

complementa: “essa mitologia não faz o menor sentido, já que a fronteira é uma

necessidade incontornável, um mecanismo de regulação que garante a existência

contra os perigos do caos”. Com isso, muitos autores têm acreditado numa

tendência a total desfuncionalização da fronteira.

Sandes (2009) descreveu que a fronteira, hoje, representa mais um espaço

de compartilhamento de culturas, de trocas comerciais e de comunicação que um

limite territorial e divisório entre os países, considerando-a sob o ponto de vista das

trocas e das relações existentes entre os povos que vivem e trabalham nas

fronteiras. No caso de Brasil e Bolívia, esses países representam a dinâmica dos

fluxos migratórios visto que a zona fronteiriça entre ambos, especialmente a região

de Corumbá, porta de entrada dos bolivianos no Brasil, possui um grande fluxo de

imigrantes bolivianos, como informou Costa (2009).

De acordo com informações encontradas, em Brasil (2005),

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[...] a escassez de estudos sobre regiões de fronteira internacional pode ser explicada pela situação duplamente marginal que as tem caracterizado. Por um lado, grande parte dessas regiões está isolada dos centros nacionais de seus respectivos estados, quer pela ausência de redes de transporte e de comunicação, quer pelo peso político e econômico menor que possuem. de fronteira estão também formalmente isoladas dos Estados vizinhos pelo papel disjuntor dos limites políticos. Sem instituições para instrumentá-las, a cooperação entre países vizinhos em regiões de fronteira tem sido feita informalmente, e através de acordos tácitos entre as autoridades locais dos países fronteiriços (apud SILVA; RÜCKERT, 2013, p.3-4).

Para Ganster et al (1997), esse quadro tende a mudar. Primeiramente, pela

maior importância assumida e atribuída às cidades e às regiões fronteiras pelos

estados nacionais no contexto atual. Os estados nacionais poderiam buscar um

novo tipo de atuação pela criação de novos mecanismos legais e administrativos.

Em segundo lugar, pela integração de países em blocos regionais, o que poderá

transformar essas regiões, por sua própria localização geográfica, em zonas de

cooperação e sinergia entre países vizinhos.

Isso indica que mais do que uma perda de função dos limites e das

fronteiras internacionais, o que está ocorrendo é uma mutação da perspectiva do

Estado em relação ao seu papel. As comunidades de fronteira passam a conceber,

no âmbito subnacional, a própria fronteira. No passado, o Estado concebia a

fronteira a partir de suas estratégias e seus interesses. Hoje, há o desejo e a

possibilidade real de comunidades locais estenderem sua influência e reforçarem

sua centralidade além dos limites internacionais, renovando os conceitos clássicos

de limite e de fronteira (MACHADO, 1998; OLIVEIRA, 2005).

As regiões fronteiriças são, via de regra, concorrentes. Elas compartilham

dos mesmos problemas e efeitos causados pela fronteira, na maioria das vezes. A

duplicidade de infraestruturas, como rodovias paralelas, aeroportos, entre outras, é

prova dessa concorrência e fonte de desperdício de muitos recursos. Elas têm a

concepção de zonas de fronteira defensivas, fechadas e orientadas para dentro.

Cabe ressaltar que há um paradoxo nessa relação, pois, mesmo sendo

concorrentes, essas regiões se veem obrigadas a formarem alianças. O objetivo é o

de competir com outras díades – ou tríades - de seus próprios países ou de países

limítrofes (PRADEAU, 1994).

De fato, de acordo com Ganster et al. (1997),

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[...] para se afirmar como saídas preferenciais de escoamento ou como regiões de turismo mais destacadas, muitas regiões de fronteira têm contado cada vez mais com iniciativas locais de integração. Não é por acaso que um dos principais fatores a intervir na promoção da cooperação é a existência de uma elite política local empreendedora que esteja disposta a investir tempo, esforços e dinheiro em promover o desenvolvimento de redes transfronteiriças (apud STEIMAN; MACHADO, 2002, p. 9).

A par dessas considerações que autores especialistas no assunto

alinhavaram em suas pesquisas, temos que, por outro lado, no que tange

especificamente aos direitos e às garantias fundamentais dos trabalhadores, não há,

ainda, uma uniformidade de condutas e de ações nem diretivas internacionais dos

Estados.

Não há, também, uniformidade nos achados das pesquisas, mesmo porque

são recentes, ficando sempre essa parte da questão à mercê de que cada acordo

internacional venha a eleger e estatuir direitos de naturezas diversas, sejam mais

modernos, sejam mais tradicionais, sendo certo, porém, que em cada lado do

mundo (e em suas fronteiras), isso sucede paulatinamente e de uma maneira bem

própria, do seu jeito, ou seja, delineando a característica de cada fronteira. Estudos

estão dando conta cada vez mais das novas tendências e características dessas

dinâmicas fronteiriças. A propósito, teremos oportunidade de observar boa parte

dessas situações ao longo da pesquisa, dos acordos, dos tratados e das leis

internacionais, por meio da análise de sua linha histórica, tanto nos lugares que se

situam, bem como no tempo em que ocorreram e ocorrem.

Desse modo, por exemplo, observou-se que o Mercosul inseriu, em sua

Declaração, que: “Estados Partes comprometem-se a adotar medidas tendentes ao

estabelecimento de normas e procedimentos comuns relativos à circulação dos

trabalhadores nas zonas de fronteiras”, sendo certo que, nesse caso, foi bem além

do esperado para a referida época, ao realizar “ações necessárias para melhorar as

oportunidades de empregos e as condições de vida desses trabalhadores”, quando

no terceiro mundo já havia formado o contexto e a vivencia do que chamamos hoje

de povo de território fronteiriço (MENDES; WÜNSCH; CAMARGO, 2011, p. 8-9).

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5.2 AS RELAÇÕES DE TRABALHO

O trabalho é um dos principais fatores que apresenta efeitos mais

concentrados nas comunidades fronteiriças, de ambos os lados. As oportunidades

que oferece um Estado mais desenvolvido, sobretudo, para a realização de tarefas

pesadas descartadas pelos profissionais qualificados desse mesmo Estado,

acarretam, ao longo do tempo, grande difusão de trabalhadores para o interior.

Nesse fluxo, predominam os seguintes trabalhadores: diaristas ou sazonais,

desqualificados ou semiqualificados. Eles são atraídos pelas oportunidades de

trabalho e pelos possíveis pagamentos de assistência social no outro lado, mas os

mesmos motivos podem incluir também a saída dos mais qualificados do Estado

menos desenvolvido. Se esse afluxo de trabalhadores reduz as pressões

demográficas e o desemprego no Estado menos desenvolvido, pode, também, se

converter em potencial para grave exploração de trabalhadores ilegais na região de

fronteira do mais desenvolvido (LINO; DIAS, 2004).

O crescimento e dominação da economia mundial sob a égide das

corporações transnacionais (TNC’s) caracterizam o processo de globalização, no

qual se destacam: o crescimento em número, poder e investimento direto das TNC’s;

a emergência de um mundo econômico tripolar, liderado pelos interesses poderosos

e competitivos dos Estados Unidos, União Europeia e Japão; a promoção de “free

trade”8 no interior e entre esses blocos, por meio da agenda de ampliação e de

regulamentação impostas pelas TNC’s (LINO; DIAS, 2004).

As relações internacionais, no final do século XX, viram crescer o processo

de integração regional, especialmente na América, de que são exemplos o Mercosul,

Alca, Pacto Andino; na Europa, onde grande parte dos países membros da União

Europeia adotaram o Euro como moeda única, além do ingresso de inúmeros países

do antigo bloco socialista. Esse processo de globalização e regionalização

8 Espaço de comércio livre, sem barreiras.

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representava uma tensão mundial para adaptar-se a uma nova fase econômica e

histórica no âmbito internacional.

Com efeito, com a união e a integração em blocos regionais, os acordos

entre as nações se intensificaram exponencialmente. Vários fatores influenciaram a

globalização, mas tem-se a questão econômica como mote principal desse

fenômeno que foi rapidamente cristalizado e continua em ritmo crescente até os dias

atuais. Com a chegada da globalização começou a haver um aprofundamento da

integração econômica, social, política e até mesmo cultural entre países do mundo

todo.

Era claro o fenômeno que se “abrolhava e todos os países mundo afora

perceberam que para acompanhar a novidade da globalização seria vital, de

antemão, um Estado mais forte” (SCHWARZER, PEREIRA, PAIVA, 2009, p. 27-36),

sendo, esse um dos aspectos de maior relevância, ou seja, a questão mais

importante no novo cenário. Um Estado forte depende do comércio e da produção,

pois eles é que impulsionam a economia - a tensão principal da mundialização. É a

economia que dá impulso a isso tudo, e para que ela se viabilize e se concretize,

depende das ações humanas e, em especial, do trabalhador, e mais ainda de uma

nova e especial figura, que é a do trabalhador transfronteiriço.

Com efeito, fundamental para enfrentar a globalização é ter uma economia

forte, mas é exatamente por causa dela, por decorrência da própria mundialização,

que a economia repercute direta e proporcionalmente no fluxo e no trânsito de

pessoas, principalmente de trabalhadores. Esse trânsito é mundial, sendo certo que

foi a partir de então que se iniciou uma mobilidade quase sem controle e que, dada a

sua força e rapidez, se sobrepôs às questões locais, requerendo soluções para

problemáticas até então inusitadas.

As demandas decorrentes das relações de trabalho e suas implicações se

transformaram numa constante em franco crescimento, necessitando de políticas

especiais. A saúde do trabalhador, por consequência, insere-se nessa conjuntura do

trabalho internacional, emergindo ainda desse contexto e, por consequência,

também as questões estritamente previdenciárias. Políticas sociais passaram a ter

preponderância para os Estados: o direito universalizado à atenção, promoção e

proteção daqueles que trabalham, independente de sua forma de inserção no

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processo produtivo (LINO; DIAS, 2004). Essas políticas, perceberam logo seus

atores, seriam mais eficazes se tomadas em conjunto, visando também a uma

melhor interação e cooperação entre as nações.

Depois dessa análise sobre como se iniciou a movimentação de

trabalhadores, a presente investigação se fixa onde ela acontece com mais

intensidade e vibração, ou seja, no local de maior trânsito desses trabalhadores, que

é exatamente nas fronteiras dos países, que agora se tornaram um imenso mercado

de trabalho para esses homens transfronteiriços. Esse movimento, por si, implica

num efeito natural e evidente que consiste no forte aumento dos movimentos

migratórios internacionais (PATARRA; BAENINGER, 2004).

Políticas sociais com foco nesse específico fenômeno migratório eram

necessárias e todos os países, como já mencionado, passaram a se mobilizar para

adotar as providências adequadas e amparar da melhor forma possível as

demandas que se renovam e se tornam mais complexas. É certo que os países que

têm suas economias mais desenvolvidas acabam por recepcionar trabalhadores dos

países menos desenvolvidos (ACQUATELLA et all, 2002, p. 244), Dessa forma,

inúmeros tratados e acordos internacionais vêm sendo elaborados e assinados entre

países vizinhos ou que tenham interesse e que pretendam alguma integração e

cooperação diante da problemática.

A partir da década de 1990, conforme a globalização foi se cristalizando,

esses acordos começaram a aumentar, o que se deu em ritmo vertiginoso, haja vista

a grande quantidade e as várias espécies de acordos internacionais existentes e que

são estimulados, cada vez mais, pelos próprios países envolvido (BRASIL, 1990).

Hoje, são inúmeros acordos, tratados, convenções em plena vigência e, a

exemplo do resto do mundo, é o que acontece na América do Sul, entre o Brasil e os

países vizinhos, ou não, que, por alguma motivação mútua, interessam-se por essa

integração. Ainda que se compreenda que acordos de cooperação existam há

séculos, sobre os que agora surgem, em decorrência da mundialização da

economia, é que estarão pautadas as breves considerações no tocante à saúde do

trabalhador como direito universal (BRASIL, 2011).

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5.2.1 O Direito à Saúde do Trabalhador e os Instrumentos Internacionais: o

Mercosul

As relações entre o trabalho e a saúde dos trabalhadores vêm ganhando,

nos últimos anos, uma dimensão nova dentro do processo de globalização que,

segundo alguns autores, inicia o século XXI ou o terceiro milênio da era cristã (LINO;

DIAS, 2004).

A Globalização se tornou um paradigma do conhecimento nos campos da

Economia, da Política, da Ciência, da Cultura, de Informação e do Espaço. Essas

evidências de mudanças são sinalizadas e resultam de uma mudança de

comportamento da sociedade. Nas regiões fronteiriças isso é evidente.

O modelo de desenvolvimento, atualmente, passa pelo setor de saúde, que

tem sido considerado um indutor e parte constitutiva do modelo. A Organização

Mundial da Saúde aponta para o reconhecimento de sua importância e o

crescimento em diversos campos de pesquisas. Os estudos desenvolvidos

demonstram a relação entre as condições de saúde da população e sua capacidade

de desenvolvimento econômico (GADELHA; COSTA, 2007).

Ressalta-se, também, sobre as peculiaridades do complexo industrial da

saúde, relacionadas ao seu dinamismo, elevado grau de inovação e potencial de

geração de renda e de emprego, o transformam em um conjunto articulado de

atividades econômicas que impactam sensivelmente no desenvolvimento econômico

e social.

Sob esse aspecto, Gadelha e Costa (2007) comentam que:

[...] além do impacto sobre a capacidade de desenvolvimento humano e de dinamização da economia, o setor saúde também influencia de forma significativa o conteúdo da abordagem das questões referentes à integração regional e formação de blocos econômicos. Articulado com essa vertente desenvolvimentista, a saúde configura-se como uma das principais áreas a serem planejadas, seja pela necessidade de abordagem e planejamento territorial regional da saúde, seja porque fronteiras epidemiológicas não se restringem a delimitações políticas e institucionais entre países. O Planejamento das ações de saúde na fronteira necessariamente coloca a questão das relações com os territórios vizinhos. Regional (2007, p. 215).

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É sabido que o trabalho executado por estrangeiros nas regiões de fronteira

do Brasil precede a criação do Mercosul, e diversos foram os esforços que se

despontaram ao longo dos anos para integrar esses trabalhadores ao contexto

sociolaboral por intermédio de acordos internacionais. Vários são os instrumentos

jurídicos elaborados pelo Mercosul que declaram e ratificam princípios e valores que

visam ao amparo ao trabalhador no âmbito internacional. Na verdade, são

documentos que, historicamente, voltam-se à preocupação com o trabalhador. Para

o presente estudo, importante se faz destacar que o objeto de análise limita-se aos

instrumentos voltados para a saúde do trabalhador, considerando a circulação de

pessoas que exercem atividade remunerada nas regiões de fronteira (MARTINEZ,

2011).

Com essas considerações, é necessário avaliar a exigência cada vez mais

premente de um ajustamento eficiente entre países vizinhos, sem deixar de levar em

consideração ainda a saúde como direito universal, mas tendo por base sólida dessa

intenção contratos que possam ser cumpridos pelos países e que redundem em

direitos possíveis e alcançáveis no dia a dia desses cidadãos do mundo. Que esses

direitos possam ser transferidos para os trabalhadores, assim realizando o que eram

somente intenções e fazendo mais justiça nas relações laborais. Assim, mister se faz

avaliar o impacto entre a dicotomia saúde do trabalhador em contraposição com a

capacidade do Estado em prover e garantir a assistência ao transfronteiriço (APPIO,

2005).

Os países que compõem a fronteira especialmente com o Brasil destacam-

se pela intensa mobilidade de pessoas, o que expressa um fenômeno social

relevante na América do Sul, simbolizado pelo aumento do trabalho transfronteiriço

com características claras de avanço, dado o fato de que várias regiões de diversos

pontos da nossa fronteira têm recebido, com o passar dos anos, acréscimo

considerável desse impacto social.

Esses pontos são descritos e apresentados por Gadelha e Costa (2007):

Os municípios de fronteira do Brasil têm tido grandes dificuldades em prover os seus munícipes de atenção integral à saúde. A falta de recursos humanos especializados, a insuficiência de equipamentos

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para realização de procedimentos de média e alta complexidade, e a distância entre os municípios e os centros de referência são as principais justificativas apresentadas. Ademais, a dificuldade de planejamento de provisão dessas políticas, em função da população flutuante que utiliza o sistema e que, no caso brasileiro, não é contabilizada para os repasses financeiros do SUS, vem gerando dificuldades diversas cuja principal vítima é o cidadão fronteiriço (GADELHA; COSTA, 2007, p. 216).

A consequência dessa mobilidade é o surgimento de agravantes como a

marginalidade do emprego, uma vez que um sem número de pessoas trabalha na

informalidade, em detrimento de seus direitos trabalhistas e sociais como um todo, o

que afeta ainda as políticas públicas de saúde e culminam no desamparo dos

direitos individuais e coletivos. Além da informalidade, inúmeros outros agravantes

surgem a partir de então, como a instabilidade da permanência nas localidades de

fronteira desse trabalhador, causada, muitas vezes, pela falta de documentos que o

legalize, a ausência de suas famílias, ou mesmo falta de escolas para seus filhos,

afora a dificuldade de existir nos locais da fronteira, moradia condizente com mínima

condição para o acolhimento decente ao trabalhador transfronteiriço.

Dessa forma o estudo bem como “a saúde do trabalhador nas regiões

transfronteiriças” são aqui avaliados sob diferentes aspectos, que passam desde o

direito à saúde e ao trabalho como aos direitos fundamentais, às normas que dizem

respeito ao trabalho nas regiões de fronteira até a confrontação da realidade e às

idealizações manifestadas nos acordos existentes, principalmente pela Organização

Internacional do Trabalho e dos países que compõem o Mercosul.

Desse modo, especificamente, são abordados alguns aspectos das regiões

fronteiriças do Brasil, a saúde e o trabalho transfronteiriço, tendo por pano de fundo

os direitos fundamentais do trabalhador, o direito do trabalho internacional e outros,

incluindo, também, os direitos humanos.

5.2.2 O trabalho como direito essencial

O direito trabalhista foi alçado à qualidade de direito fundamental a partir da

Constituição Mexicana de 1917 e se configura como precedente que, em conjunto

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ao contexto histórico, exsurge que apenas depois da Primeira Guerra Mundial a

questão social passou a ter dimensão sob o viés dos direitos humanos.

Em 1918, a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador adotou inúmeras

determinações no campo social econômico e político, seguida pelas Constituições

de Weimar e o surgimento da Organização Internacional do Trabalho em 1919, que

regularam matérias que já constavam da Constituição Mexicana (COMPARATO,

2010, p. 190).

De acordo com Comparato (2010), o direito ao trabalho representa

[...] a pedra angular da construção de uma verdadeira sociedade democrática (a sociedade “moderada” de Aristóteles), na qual a maioria do povo soberano conseguiu libertar-se dos extremos da riqueza irresponsável e da miséria aviltante (2010, p. 359).

Ao corroborar com tal afirmativa, os direitos trabalhistas constituem a meta

de diversos pactos e convenções ao longo dos tempos e que, ao utilizar a expressão

“o direito a ter direitos”, cunhada por Hannah Arendt, tornou-se uma preocupação

para a busca e o alcance dos direitos humanos trabalhistas. Representada,

atualmente, pela OIT, a entidade tem como fim a luta em favor dos direitos inerentes

ao trabalho (PEREIRA; MONTENEGRO, 2010, p. 37).

No cotejo acerca de diversas convenções e recomendações referentes aos

direitos humanos trabalhistas, torna-se evidente que condições degradantes de

trabalho e ausência de condições favoráveis mínimas são óbices a serem superados

pela comunidade internacional, especificamente nas regiões fronteiriças, cenário

propício ao agravamento das mazelas sociais, pois

Através do trabalho é que o homem atingirá a concretude de sua própria existência. É meio de aperfeiçoamento da inteligência e do conhecimento, e por meio do trabalho que o homem alcança, para si e sua família, o alimento, a segurança e o bem-estar. Deve ser fonte de satisfação e dignidade.[...] Consoante informa a OIT, o trabalho decente resume as aspirações das pessoas na sua vida profissional, suas aspirações de oportunidade e de renda, voz e reconhecimento; estabilidade familiar e desenvolvimento pessoal [...] em última análise, estas várias dimensões do trabalho decente sustentam a paz nas comunidades e na sociedade. O trabalho decente reflete as preocupações dos governos, trabalhadores e empregadores, os quais,

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conjuntamente, fornecem à OIT sua singular identidade tripartite (PEREIRA; MONTENEGRO, 2010, p. 39-43).

Particularmente, no que diz respeito às zonas de fronteira, elas possuem a

característica de integração onde a convivência favorável e pacífica é uma

realização a ser objetivada pelos povos. Segundo a OIT, todas as pessoas aspiram

a um trabalho produtivo, “em condições de liberdade, equidade e segurança,

capazes de garantir uma vida digna”, objetivos esses que passaram à denominação

de direito internacional ao trabalho decente (BRASIL, 2009, p. 37). Portanto, é um

objetivo universal a ser alcançado nas regiões de fronteira.

Entretanto, inúmeros são os desafios e longa é a jornada a ser trilhada nas

regiões fronteiriças, que têm como realidades a serem combatidas desde a

inoperância de direitos trabalhistas, passando por diversas questões laborais e

sociais relevantes até a culminação em inextricável obstáculo aos direitos humanos

do trabalhador das regiões de fronteira (BRASIL, 2006). Sob esse enfoque, a saúde

do trabalhador se revela numa questão cuja falta de atenção tem intensidade ainda

maior. poucos

No entanto, em contraposição a alguns pontos que ora se observam, tem-se

visto que, recentemente, vem se dando importância aos acordos internacionais, e

não só à proteção ao trabalho, mas também às questões da previdência social. No

âmbito do Mercosul, tem-se o Acordo Multilateral de Seguridade Social9 do Mercado

Comum do Sul assinado em 2007, em Montevidéu; e existe ainda outro acordo entre

os Países Ibero-Americanos, o Decreto Legislativo nº 769, de 30/10/2009, que

aprova o texto da Convenção Multilateral Ibero-americana de Segurança Social,

celebrada em Santiago, em 10 de novembro de 2007, por ocasião da XVII Cúpula

Ibero-americana de Chefes de Estados e de Governo (MENDES; WÜNSCH;

CAMARGO, 2011).

Esses dois acordos são recentes, um tanto complexos e trazem questões

delicadas para os países. Nota-se, por consequência que, para se colocar em

9 Esse Acordo assegura aos trabalhadores migrantes e suas famílias o acesso aos benefícios da seguridade social, permitindo que os cidadãos de um Estado Parte tenha m contabilizado o tempo de serviço em outro Estado Parte para fins de concessão de benefícios por aposentadoria, invalidez ou morte. (cf. em http://www.brasil.gov.br/navegue_por/noticias/textos-de-referencia/cupula-de-chefes-de-estado-do-mercosul-e-estados-associados).

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prática e trazer a efeito resultados concretos, é necessário mais tempo de vigência,

quando então poderão revelar efetivos avanços. Seria imediatista e prematuro

considerá-los como tendo algum efeito prático, hoje. Aqui, na presente abordagem,

tem-se em conta que ainda estão em início de vigência e implementação. Não

existem, por ora, estudos publicados com lastro em experiências que demonstrem

os resultados práticos desses instrumentos, além, é claro, de excelentes artigos que

sobre eles também ponderam e que já vêm acrescentando boa contribuição e

instigando pesquisadores a enveredarem por esse caminho.

Por enquanto, permanece a ideia de que os direitos à saúde do trabalhador

fronteiriço perpassam não somente pela seara dos direitos fundamentais do homem,

mas também pelo direito à universalização da saúde, do direito social do trabalho,

das relações sociais e, importante destacar, pela seara dos direitos humanos.

5.2.3 Legalidade e realidade no trabalho transfronteiriço

Desde o Tratado de Assunção, marco do nascimento do Mercosul, a

preocupação do bloco foi a integração e o fomento à livre circulação de bens,

serviços e fatores produtivos, entre os quais se insere o trabalhador. Inúmeras

disparidades sociais surgiram a partir de então. A apreensão dos Estados Membros

foi manifestada por intermédio da Declaração de Montevidéu, elaborada por

ministros do trabalho do Mercosul, evidenciando a necessidade de atender às

questões sociais, principalmente no tocante ao aspecto laboral (CRUZ, 2001, p. 2).

A partir de então foi composto um grupo de trabalho denominado Subgrupo

11, “Relações Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social”, que evidenciou a

necessidade de adoção de providências, a fim de atingir a livre circulação de

trabalhadores (BOTEGA, 2012, p. 584). Em 1995, o Subgrupo 11 é modificado para

Subgrupo de Trabalho 10, no qual “consolidaram-se as ideias que viriam, em

dezembro de 1998, a possibilitar a assinatura da declaração sociolaboral|”

(PEDUZZI, 2005, p. 01).

Com o objetivo de alcançar uma integração dos Estados Membros dos

países do Mercosul, nasceu a Declaração Sócio Laboral, cuja finalidade é

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determinar condições e estabelecer direitos e princípios na esfera do direito do

trabalho (MERCOSUL, 2006).

A referida carta normativa traz, em seu bojo, uma série de regras e

princípios, as quais visam garantir a efetividade dos direitos do trabalhador

transfronteiriço em igualdade de condições e de tratamento. O instrumento visa,

ainda, assegurar oportunidades no emprego, independentemente de raça,

nacionalidade ou condição social ou familiar, conforme destaca o artigo 1º da

referida declaração.

Art. 1º Todo trabalhador tem garantida a igualdade efetiva de direitos, tratamento e oportunidades no emprego e ocupação, sem distinção ou exclusão por motivo de raça, origem nacional, cor, sexo ou orientação sexual, idade, credo, opinião política ou sindical, ideologia, posição econômica ou qualquer outra condição social ou familiar, em conformidade com as disposições legais vigentes. Os Estados Partes comprometem-se a garantir a vigência deste princípio de não discriminação. Em particular, comprometem-se a realizar ações destinadas a eliminar a discriminação no que tange aos grupos em situação desvantajosa no mercado de trabalho (MERCOSUL, 1998).

Dentre diversos direitos e garantias amparados pela Declaração Sócio

Laboral do Mercosul, é de vital importância salientar a exigência de compromisso

pelos Estados Partes em observar e aplicar os direitos nela inscritos, de acordo com

as práticas, convenções e acordos coletivos de cada país10. Conforme Peduzzi a

Declaração Sócio Laboral é relevante, pois:

Com forma de Declaração, a exemplo de outros citados em seu preâmbulo, o documento instituiu princípios programáticos da integração regional, unanimemente tidos como relevantes para a realização dos fins almejados pelo bloco regional. Foi dividida em quatro partes principais. No que toca ao conteúdo privado das relações trabalhistas, referiu-se a direitos “individuais” e “coletivos”. Quanto aos aspectos publicistas, remeteu a “outros direitos” – aspectos vinculados às obrigações estatais afins – e as regras de

10 O art 17 do mesmo pacto internacional: “Os Estados Partes comprometem-se a formular, aplicar e atualizar em forma permanente e em cooperação com as organizações de empregadores e de trabalhadores, políticas e programas em matéria de saúde e segurança dos trabalhadores e do meio ambiente de trabalho, a fim de prevenir os acidentes de trabalho e as enfermidades profissionais, promovendo condições ambientais propícias para o desenvolvimento das atividades dos trabalhadores” (MERCOSUL, 1998).

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“aplicação e seguimento”, no que tange à vigência do instrumento (PEDUZZI, 2005, p. 2).

Tal fato remete à conclusão quanto à normatização dos direitos do

trabalhador transfronteiriço em relação a cada Estado Parte. Convém mencionar que

o Brasil aderiu à Convenção 97, da Organização Internacional do Trabalho, inserida

no ordenamento brasileiro, por meio do Decreto 58.819, de 14 de julho de 1996. O

que, segundo a OIT, ocorre

Devido à importância das migrações na geração do trabalho decente [...], a promoção dos direitos fundamentais dos trabalhadores e trabalhadoras migrantes. Entre as metas definidas nessa área, destaca-se a importância da normatização internacional por meio da ratificação das Convenções 97 e 143 da OIT sobre Trabalhadores Migrantes. O Brasil já ratificou a Convenção 97 e, em agosto de 2008, encaminhou a C.143 para apreciação do Congresso Nacional. Esses passos demonstram o firme comprometimento do Governo Brasileiro e dos constituintes tripartites no país com o avanço no tratamento da migração laboral para o benefício do trabalhador e trabalhadora migrante, para o desenvolvimento do país e para o aprofundamento da integração regional no continente (BRASIL, 2009, p. 7).

Verifica-se, portanto, que a Declaração mencionada constitui um mecanismo

internacional cuja aplicação representa um compromisso internacional no que diz

respeito às normas referentes a direitos humanos sociais e, por tal motivo, deve ser

observada e conferida a devida eficácia nos ordenamentos nacionais dos Estados

Membros (PEDUZZI, 2005, p. 5).

No que se refere ao trabalho transfronteiriço, o Artigo 4º da Declaração

Sócio Laboral no Mercosul determina, ainda, o compromisso dos Estados Partes em

adotar ações necessárias para “melhorar as oportunidades de emprego e as

condições de trabalho e de vida” dos trabalhadores (MERCOSUL, 1998).

No Brasil, o trabalho fronteiriço é permitido, considerando acordos e tratados

entre países do Mercosul, e as pessoas integrantes de países partes do referido

bloco são isentas de portar visto de entrada, sendo permitido o ingresso com a

apresentação de identificação.

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O trabalhador de país limítrofe pode, ainda, “vincular-se à legislação

brasileira do trabalho, e assim, obter a Carteira de Trabalho e Previdência social”

(MORENO; AFONSO, 2007, p. 59). Entretanto, é importante destacar que a CTPS

apenas é permitida ao estrangeiro de país limítrofe, em evidente determinação da

Lei 6.815/80, Artigo 21, parágrafo 1º11. Verifica-se, com isso, que a legislação

brasileira ratifica a Declaração Sociolaboral ao permitir o ingresso de pessoa

estrangeira de país limítrofe.

Na verdade, existem já vários outros acordos de menor amplitude no que se

refere ao registro formal do contrato trabalho na CTPS, como é o caso do Decreto

Lei 6737/2010, que promulgou um acordo Brasil – Bolívia, o qual ampara, entre

outros, o direito ao trabalho e à previdência do trabalhador boliviano transfronteiriço

nos municípios brasileiros de Corumbá - MS, Cáceres - MT, Brasileia-AC e Guajará

Mirim-RO, todos em conurbação ou semiconurbação com cidades bolivianas. A

recíproca, no caso, também cabe à Bolívia quanto às respectivas cidades gêmeas,

embora não haja referências concretas sobre sua efetivação.

No que tange à saúde do trabalhador, é importante mencionar a Declaração

de Foz do Iguaçu, a qual tem como escopo a integração de países fronteiriços

(especialmente destinado aos países da tríplice fronteira: Brasil, Argentina e

Paraguai). O objetivo em identificar e equacionar o conjunto de problemas

específicos dos quais decorrem diversos impactos econômicos e sociais pondera

como elemento fundante para a resolução de tal questão, o fomento à saúde, ao

trabalho e à necessidade de criar uma política integrada voltada a esses setores

(MERCOSUL, 2012).

A fim de viabilizar ainda mais a integração dos países que compõem o Bloco

do Mercosul, em 15 de dezembro de 1997, como já comentado, foi firmado o Acordo

Multilateral de Seguridade Social, que visa afetar de forma positiva a agenda social e

a o fluxo de circulação dos trabalhadores, além de conferir maior efetividade e

segurança ao trabalhador transfronteiriço ao lhe garantir o bem-estar social. A meta 11 O Art. 21, § 1º da Lei 6.815/80, determina que: “Ao natural de país limítrofe, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, respeitados os interesses da segurança nacional, poder-se-á permitir a entrada nos municípios fronteiriços a seu respectivo país, desde que apresente prova de identidade. §1º. Aos estrangeiros, referidos nesse artigo, que pretenda exercer atividade remunerada ou frequentar estabelecimento de ensino naqueles municípios, será fornecido documento especial que o identifique e caracterize a sua condição, e ainda, Carteira de Trabalho e Previdência Social, quando for o caso.” (BRASIL, 1980).

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do Acordo é assegurar ao trabalhador e à sua família não apenas os direitos

inerentes à seguridade social e à aposentadoria, mas todos os outros direitos, tais

como saúde e educação (MTE, 2010).

O Acordo Multilateral de Seguridade Social do Mercosul,

[...] assinado em 1997, que entrou em vigor de forma multilateral a partir de junho de 2005, assegura o direito à Seguridade (Previdência) Social aos trabalhadores que prestem ou tenham prestado serviços em quaisquer dos Estados Partes, reconhecendo-lhes, bem como aos seus familiares e assemelhados, os mesmos direitos e estando sujeitos às mesmas obrigações que os nacionais dos referidos Estados Partes. O objetivo desse Acordo é que as contribuições previdenciárias feitas ao sistema de seguridade social por um trabalhador em qualquer dos países signatários do Acordo, se acumulam como se tivessem sido efetuados em um mesmo país. De acordo com o previsto no artigo 7 do Acordo, os períodos de seguro ou contribuição cumpridos nos territórios dos Estados Partes serão considerados para a concessão das prestações por velhice, idade avançada, invalidez ou morte. A isso se denomina totalização dos períodos de seguro ou de contribuição, e é o princípio básico do Acordo. Significa que o trabalhador poderá somar os diversos períodos de contribuição efetuados e certificados pela autoridade competente em matéria de regimes de seguridade (previdência) social dos Estados Partes, se não se sobrepuserem, a fim de exercer seu direito a uma prestação de seguridade (previdência) social, segundo a legislação de cada Estado Parte (MTE, 2010, p. 18-19).

Pela leitura dos diversos acordos e tratados, sem deixar de considerar algum

por ventura não mencionado, constata-se a constituição de um programa social e

participativo implantado, no Brasil, por intermédio do Decreto 6.594, de 6 de outubro

de 2008, com o objetivo de promover a interlocução entre o Governo Federal e as

organizações da sociedade civil sobre as políticas públicas para o Mercado Comum

do Sul (BRASIL, 2008). Dentre as finalidades, está o de “avançar na integração da

proteção social dos Estados partes e Associados do Mercosul com destaque para os

sistemas de proteção previdenciária, de saúde, de assistência social e de trabalho”

(CAMARGO, 2010, p. 509).

Além disso, é trazida e destacada, neste estudo, por ter coerência com

nossa abordagem, a orientação da ONU no que se refere à atuação dos países para

efetivação de seus postulados. Assim, as Nações Unidas também advertem que a

cooperação internacional para enfrentar questões de amplitude mundiais, seja no

aspecto econômico, social ou cultural, deve ocorrer em respeito aos direitos

humanos e individuais. Assim, os acordos internacionais que buscam a consolidação

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dos direitos fundamentais devem ser feitos por meio da criação de instrumentos

subscritos por membros que busquem a materialização de direitos fundamentais,

assim como argumentado por Longo e Longo (2011):

[...] A principal atuação da ONU para a efetivação de seus postulados se dá por meio da criação de documentos subscritos pelos seus membros e que buscam dar um norte para a atuação das nações em prol da consolidação dos direitos fundamentais. Quanto à questão do desenvolvimento econômico, várias são as cartas que articulam um conjunto principio lógico, que serve de parâmetro para uma atuação globalizada no caminho do efetivo respeito aos direitos fundamentais. (2011, p.23)

Como se pode observar, todas as orientações e os vários instrumentos

caminham no sentido da integração dos direitos do trabalhador, de sua saúde e,

mais recentemente, ficou confirmada a ênfase aos direitos previdenciários desses

trabalhadores. O objetivo desses novos acordos internacionais visa, por óbvio,

garantir o direito à Seguridade Social, tendo, por última finalidade, prover um

arcabouço legal comum quanto às obrigações e aos direitos previdenciários

(SCHWARZER et al, 2009 p. 27-36).

5.2.4 O Direito Universal à Saúde do Trabalhador

O direito à saúde é parte fundamental dos Direitos Humanos e também do

que entendemos por uma vida digna. O direito a desfrutar de saúde física e mental

não é novo. No plano internacional, foi proclamado, pela primeira vez, pela

Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 1946, em cujo preâmbulo

a saúde é definida como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e

não apenas na ausência de enfermidades. Afirma-se, ainda, que o gozo do grau

máximo de saúde que se pode atingir é um dos direitos fundamentais de todo ser

humano, sem distinção de raça, religião, ideologia política ou condição econômica

ou social (COMPARATO, 2010).

Ingo Wolfgang Sarlet lembra que, na sua vertente histórica,

[...] os direitos humanos (internacionais) e fundamentais (constitucionais) radicam no reconhecimento, pelo direito positivo, de uma série de direitos considerados naturais do homem, que, neste

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sentido – em se reconhecendo a existência de direitos naturais e inalienáveis da pessoa humana –, assumem uma dimensão pré-estatal e, para alguns, até mesmo supra-estatal (SARLET, 2007, p. 63).

Na Declaração Universal de Direitos Humanos, menciona-se a saúde como

parte do direito a um nível de vida adequado. O direito à saúde também foi

reconhecido como direito humano no Pacto Internacional de Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais, de 1966. Desde então, o direito à saúde ou a elementos desse

direito tem sido reconhecido, como, por exemplo, o direito à atenção médica em

tratados internacionais de direitos humanos.

O direito à saúde é importante para os países, daí todo Estado tem

ratificado, pelo menos, um tratado no qual se reconhece esse direito. Também os

Estados têm-se comprometido a protegê-lo no marco de declarações internacionais,

leis e políticas nacionais e conferências internacionais.

Segundo Nogueira e Fermiano (2005), após décadas de discussões,

[...] entre países e organismos internacionais, resultaram as Cartas de Direitos mundialmente reconhecidas, entre elas, a mais recentes a Declaração e Programa de Ação de Viena. Suas propostas apresentam novas recomendações e formas de relações entre as nações, na garantia dos Direitos Humanos. Estes, que talvez sejam a expressão da única garantia do acesso às necessidades básicas do homem, em destaque, o direito à saúde. O desafio, posto nos dias atuais, consiste não apenas em propiciar à estas regiões o desenvolvimento econômico, mas o desenvolvimento econômico e social, que possibilite a proposição de ações, planejadas e executadas, proporcionando qualidade de vida dos indivíduos que residem nas regiões de fronteira. Indivíduos que se defrontam com especificidades de relações, extremamente diferenciadas das demais regiões (NOGUEIRA; FERMIANO, 2005, p. 3).

Nos últimos anos, tem-se prestado cada vez mais atenção ao direito à

saúde, por exemplo, no âmbito dos órgãos que supervisionam a aplicação dos

tratados de direitos humanos, a OMS e a Comissão de Direitos Humanos que, em

2002, criou o mandato do Relator Especial12 sobre o direito de toda pessoa de

12 Compete principalmente ao Relator compreender, dentro de um espírito de cooperação e diálogo, o modo como os países estão empenhados na implementação do direito humano à saúde, as medidas tomadas para a sua concretização e os obstáculos encontrados, tanto em âmbito nacional como internacional.

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desfrutar de excelente saúde física e mental. Essas iniciativas têm contribuído para

esclarecer a natureza do direito à saúde e como realizá-lo.

Assim, a partir de 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos,

o direito à saúde foi incorporado a um rol de direitos tidos como “núcleo essencial

dos direitos humanos, pois representa mera extensão do direito à vida”

(COMPARATO, 2010, p. 367). Seguido de inúmeros pactos e compromissos

internacionais o que se tem, conforme Comparato (2010), é que:

[...] o direito de todos à implementação de políticas de saúde, não só de natureza preventiva, como ainda curativa. Para se atingir essa universalidade de atendimento, tais políticas não podem estar atreladas ao seguro privado, nem tampouco à previdência social ligada ao contrato de trabalho (2010, p. 369).

A saúde, no contexto brasileiro, era visualizada como uma extensão dos

benefícios da previdência social e inerentemente ligada ao contrato de trabalho,

realidade essa que jamais foi uma concretude plena, haja vista boa parcela dos

indivíduos laborarem na informalidade e até mesmo na clandestinidade.

Coerentes com essa visão, durante décadas, as políticas públicas de saúde tiveram, como objetivo, propiciar a manutenção e recuperação da força de trabalho necessária à reprodução social do capital (BRASIL, 2007. p. 7).

Resultado de uma série de mobilizações sociais, com a promulgação da

Constituição de 1988, a saúde é reconhecida, no Brasil, como direito universal e

regulamentada pelas Leis orgânicas de saúde, que cria o Sistema Único de Saúde

[SUS] que, entretanto, não se mostrou apto a resolver as mazelas que instigam a

adoção de uma postura intersetorial, não apenas do Estado brasileiro, mas

integrativo dos países nas regiões de fronteira.

Avaliar as situações de fronteira que possibilitem a melhoria do acesso

integral à atenção da saúde é uma necessidade e uma obrigação. A “Saúde, muito

mais do que ausência de doença, é o resultado das condições – objetivas e

subjetivas – que propiciam uma vida digna. Isso significa que a produção da saúde

da população depende do conjunto das políticas públicas” (BRASIL, 2007, p. 5).

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A relação entre saúde e trabalho é tema que disponibiliza diversos campos

de estudo, pois possui

[...] claros compromissos, éticos e políticos, e insere-se como uma política pública em saúde que demanda articulações intersetoriais (saúde, previdência social, educação, trabalho [...] meio ambiente, dentre outras) (BRASIL, 2008, p. 17).

Ao se considerar, por exemplo, que o agravamento da saúde de um

indivíduo se dá em virtude das condições e do ambiente de trabalho, é possível

afirmar que a preocupação com a saúde torna-se uma premissa fundamental. Por tal

motivo, a saúde do indivíduo tem estreita relação com a

[...] natureza da exposição, história ocupacional, grau ou intensidade da exposição, tempo de exposição, tempo de latência, evidências epidemiológicas e tipo de relação causal com o trabalho (BRASIL, 2008, p. 31).

A saúde laboral, além de estabelecer associações entre trabalho e higidez

do obreiro, transcende os locais de trabalho, uma vez que deve considerar a

dimensão histórica e social do trabalho e da saúde como elemento condicionante e

essencial a todo e qualquer ser humano e que, portanto, possui relevante contorno

político, econômico e social.

No que diz respeito à saúde do trabalhador nas regiões fronteiriças, de

acordo com o Ministério da Saúde é elevado o fluxo em busca de atendimento no

Brasil que “além de sobrecarregar o atendimento na área da saúde, esse número

não é contabilizado [...] no cálculo do repasse de verbas para o Sistema Único de

Saúde que segue critérios de contingente populacional” (BRASIL, 2012)13.

Por isso, foi criado o Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS

Fronteira), que tem como meta reforçar a integração do atendimento à saúde nas

regiões fronteiriças, entendendo-se ainda que a necessidade da criação desse

sistema se fez necessária, de acordo com Mendes, Wünsch e Camargo (2011), pois

13Portal Brasil, Saúde nas fronteiras. http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1228 acesso em 28 de setembro de 2012.

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[...] no Brasil, diferentemente dos demais países do MERCOSUL, a saúde integra a seguridade social constituindo-se em direito universal. Essa particularidade brasileira em termos de proteção social, frequentemente gera situações de tensionamento nas regiões de fronteira. [...] A proteção social precisa materializar-se por meio de um conjunto de mecanismos viabilizadores de direitos, como forma de enfrentar a lacuna existente no campo das políticas sociais, nas últimas décadas. Ao mesmo tempo, deve buscar transpor a fratura histórica resultante da desigualdade social presente na relação entre saúde e trabalho (2011, p. 5).

Porém, em que pesem diversos esforços setoriais e intersetoriais de

integração estatal ou multiestatal, o que se tem na realidade é uma grande

desigualdade social e uma grande dificuldade de acesso aos equipamentos

públicos, o que é corroborado por Preuss (2007):

Identificaram-se fatores que podem influenciar na procura pelos serviços de saúde. Por ser experiência brasileira exemplar e também pela facilidade no acesso, os segmentos populacionais vulneráveis estrangeiros, dada a situação de pobreza em que vivem e onde vivem, buscam atendimento no Brasil através do SUS. Acredita-se que tal fato [...] repercute diretamente na organização do sistema de saúde dos municípios fronteiriços e, consequentemente, na vida da população. Há uma sobrecarga nas redes de atendimento [...] dificultando o acesso, a prestação e a qualidade do atendimento solicitado. A política de saúde é pensada e planejada para uma população residente, não incluindo no planejamento a população de referência, no caso, os não nacionais (2011, p. 3).

A fim de solucionar esses impasses, o SIS Fronteira14, estabelecido pelo

Ministério da Saúde, em 200515, evidencia a necessidade de difundir a prestação de

atendimento à saúde nas regiões aduaneiras. Institui como objetivos a serem

alcançados nas regiões de fronteira: ações integradas na área da saúde, um sistema

cooperativo entre gestores dessas regiões que fomente o desenvolvimento de um

sistema de informação integrado, sendo sua finalidade principal a de integração dos

países da América do Sul, de modo que se atendam aos anseios políticos e sociais

para resolver as carências na área da saúde nas regiões fronteiriças.

O projeto Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS Fronteiras) foi instituído pelo Ministério da Saúde para identificar as potencialidades e deficiências estruturais do Sistema Único de Saúde

14 O Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras – SIS Fronteiras é um projeto de responsabilidade da Diretoria de Programas – DP, Secretaria Executiva – SE, Ministério da Saúde – MS, destinado a integrar as ações e os serviços de saúde nas regiões fronteiriças. 15 Criado pela Portaria MS nº 1.120, de 06 de julho de 2005.

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existente nos municípios fronteiriços. Em sua implementação, esse Ministério estabeleceu parcerias com as Universidades Federais para possibilitar a troca de saberes entre pesquisadores e a população dos municípios pesquisados. Em sua primeira etapa, foi elaborado diagnóstico que contempla os aspectos assistenciais, pedagógicos, epidemiológicos, sanitários e ambientais da saúde pública nos municípios fronteiriços (TAVARES et al, 2013, p. 2).

Além das ações já mencionadas, o SIS Fronteira tem como meta cumprir os

princípios do Sistema Único da Saúde no que diz respeito à universalidade, à

integralidade, ao controle social e à regionalização, sem deixar de considerar a

relevância das áreas de fronteira (BRASIL, 2007, p. 37).

A complexidade em situar e mapear a realidade dessas regiões deve-se a

uma série de fatos, pois, segundo o Ministério da Saúde, verifica-se

No cenário atual, a dificuldade de acesso a serviços assistenciais e a ausência de controle das ações de saúde pública têm sido observadas nos países de fronteira com o Brasil, levando a um aumento do fluxo de circulação das populações ali residentes, na busca de uma melhor oferta de serviços de saúde. Essa mobilidade vem ocasionando dificuldades para os prefeitos e gestores municipais de saúde na região fronteiriça, bem como para as autoridades dos países limítrofes com o Brasil. Apesar do Ministério da Saúde dispor de políticas públicas de saúde para toda a população brasileira, há grande dificuldade em alcançar e integrar as ações de saúde nas regiões brasileiras que apresentam problemas associados a nítidas desigualdades intra e inter-regionais onde a iniquidade em saúde se encontra em nível crítico (BRASIL, 2007, p. 5).

Sendo assim, diferenças de inúmeras espécies como cultural,

epidemiológica e geopolítica levam a muitas tensões para que a prestação de

serviços em matéria de saúde atenda às necessidades das regiões além das

fronteiras, sem deixar de considerar o orçamento, o que na prática impossibilita a

garantia de acesso e de direito à saúde.

Diversos são os trabalhos desenvolvidos com o objetivo de evidenciar a

realidade na prestação de serviços à saúde nas regiões fronteiriças. No tocante à

saúde do trabalhador, verifica-se que na maioria dos atendimentos realizados nas

regiões de fronteira não há o devido mapeamento e sequer a diferenciação do que é

a saúde do trabalhador, tratando-a mais como um caso genérico de saúde ou como

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notificação de saúde e doença relacionada ao trabalho. Não há, portanto, uma

atuação especificamente voltada à saúde do trabalhador (MENDES; WÜSCH;

CAMARGO, 2011, p. 16).

Nesse sentido, o SIS Fronteira possui o desafio de promover soluções que

envolvam também a saúde do trabalhador, uma vez que a grande circulação de

pessoas nas regiões de fronteira deve-se principalmente ao mercado econômico

desenvolvido nesses locais, o que demanda ainda a proteção social do indivíduo,

não apenas como trabalhador, mas como ser humano dotado do direito à

assistência e à promoção social. “Para os trabalhadores/usuários dos serviços de

saúde há dificuldades relacionadas ao trabalho, saúde, previdência e saúde do

trabalhador” (MENDES; WÜSCH; CAMARGO, 2011, p. 16).

Nas regiões de fronteira, verifica-se ainda a desigualdade em relação ao

acesso e à prestação dos serviços de saúde, além da constatação de que há o

desconhecimento por parte não só da população, mas principalmente dos gestores

quanto à questão da saúde como um direito universal e não apenas limitado ao

espaço regional ou a determinada localidade fronteiriça.

Os gestores precisam ter consciência da dimensão da saúde como direito

fundamental desses trabalhadores e isso só acontece por iniciativa e educação do

próprio poder estatal. Afinal, não é mais uma questão filosófica, ela está agasalhada

nos diversos instrumentos internacionais citados, como a OIT. Torna-se impossível

deixar de considerar ainda que existe uma série de óbices burocráticos, como a

apresentação de documentos e o financiamento de tais serviços, uma vez que os

repasses federais em regra não contabilizam a população estrangeira.

Constata-se que nas regiões de fronteira existe um grande fluxo de

brasileiros e estrangeiros que buscam atendimento de saúde, entretanto, conforme

afirma Preuss (2011):

[...] nesse espaço a cidadania é restrita, segundo o qual os direitos não se universalizam. O acesso à saúde, enquanto direito, ainda está atrelado a uma compreensão de situação de urgência, emergência e doença. [...] O princípio da equidade não está sendo garantido, pois há uma distância do ideal dos direitos humanos, indivisíveis e universais proclamados (2011, p. 21).

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O atendimento à saúde nas regiões de fronteira é uma realidade que

enfrenta muitos obstáculos a serem superados, o que determina um plano de ação

conjunto que garanta o efetivo acesso à saúde. Há um imensurável vácuo a ser

rompido no que diz respeito à saúde e muito mais ainda no tocante à saúde do

trabalhador. Diversas são as assimetrias sociais que evidenciam a insuficiência de

políticas voltadas à saúde como um todo nas regiões de fronteira e, apesar dos

esforços estatais nesse sentido, um longo caminho se encontra pela frente.

Em várias regiões de fronteira, o que se constata, pois, é mais um grave

aspecto da problemática, que é o engatinhar de um longo processo, que vai desde a

integração dos serviços de saúde objetivados pelo SIS Fronteira até a mudança de

concepção dos próprios gestores, bem como da população. O conhecimento dessa

realidade levou o Brasil a buscar soluções de forma a viabilizar a saúde como um

direito universal e irrestrito do ser humano e, especialmente, do trabalhador

transfronteiriço, deixando definitivamente no passado os antigos sistemas

assentados de atenção previdenciária cuja base era a proteção individualizada

(HORVATH, 2006, p. 66).

Essa nova forma de pensar do governo brasileiro e também de alguns

países da América Latina (Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai) ressaltou a urgência

de reformulação nos sistemas de proteção à saúde e as reformas foram

concretizadas. É importante lembrar que essa decisão se fortaleceu, principalmente,

após o posicionamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com a

Convenção n. 102. Países como Chile e Argentina optaram pelo sistema de

privatização; o Uruguai, pelo sistema misto16; o Paraguai, pelo de repartição. Assim

como os Estados Unidos da América, a França, a Alemanha e a Espanha, o Brasil,

por meio da Emenda Constitucional n. 20, decidiu-se pelo sistema de repartição, na

intenção de minimizar as diferenças na assistência à saúde, visto que esse regime

tem suas bases no princípio da solidariedade (HORVATH, 2006).

Hoje, em se tratando de saúde e considerando-se o direito do indivíduo a um

atendimento de qualidade em qualquer lugar do mundo, o SIS Fronteira constitui-se

um dos dispositivos governamentais, em matéria de proteção da saúde para as

16 No sistema misto estabelece-se um teto para o cálculo das contribuições previdenciárias, que também limita o valor máximo do benefício, organizado de acordo com as regras de um sistema de repartição simples, no qual os ativos contribuem para os inativos se beneficiarem.

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regiões fronteiriças do Brasil, que tem um componente econômico fundamental, com

tendência a garantir os valores centrais do programa, a equidade e a solidariedade.

Um dos inventivos desse programa é o reforço financeiro disponibilizado ao

município que oferece atenção sanitária a usuários estrangeiros, portanto, sua

implementação gera mudanças nas normas do Sistema Único de Saúde (SUS), em

âmbito local, em aspectos éticos-políticos e em instituições que são monitoradas

para garantir o direito em saúde das pessoas que vivem de um ou outro lado da

fronteira, independentemente do grupo étnico ao qual pertencem.

Sobre o SIS Fronteira, encontra-se registrado na Agenda 21 que:

O MS, por meio de um convênio firmado com as Universidades Federais de cada Estado fronteiriço, assumiu o compromisso de apoiar os municípios de fronteiras que aderiram ao projeto SIS FRONTEIRAS, na realização de seu Diagnóstico Situacional de Saúde. O diagnóstico local da população, a ser contemplado no serviço de saúde, pretende buscar um melhor delineamento sobre as necessidades dessa população. Para isso, deverá conter alguns tópicos essenciais, como, demografia, epidemiologia, rede de serviços (oferta, demanda e necessidade), nível de satisfação dos usuários, problemas, dificuldades e alternativas de solução (fluxo, protocolos e financiamentos) (BRASILEIA, 2006, p. 5).

Diante disso é que vários municípios de fronteira aderiram ao SIS Fronteira,

por entenderem a necessidade e a utilidade de um diagnóstico inicial desse

complexo conglomerado fronteiriço, com a pretensão de minimizar as diferenças das

condições de vida da população que habita territórios de fronteira.

No Brasil, em cada Estado (e consequentemente nos municípios), que faz

fronteira com outro país, existe uma unidade do SIS Fronteira, daí a importância da

implementação desse programa (Figura 02).

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Figura 02: Países que fazem fronteira com o Brasil Fonte: http://www.brasil.gov.br/sobre/saude/atendimento/saude-nas-fronteiras. Acesso em 15 maio 2013.

Com o escopo de identificar a realidade das fronteiras, o projeto

desenvolveu parcerias que compreendem secretarias estaduais e municipais de

saúde e Universidades Federais dos estados de fronteira, incumbidos de

diagnosticar a saúde no tocante à demanda e à oferta dos serviços prestados, além

de delinear as necessidades da população regional fronteiriça (MINISTÉRIO DA

INTEGRAÇÃO, 2005).

Santos e Benetti complementam que o projeto teve como objetivo

[...] elaborar diagnósticos locais de saúde e um plano operacional para a melhoria da saúde na região com vistas a subsidiar a mobilidade política e legislativa no âmbito nacional e internacional através dos acordos bilaterais e multilaterais favorecendo a integração dos países latino-americanos (apud PEREIRA, 2013, p. 72).

Vale lembrar que os direitos humanos foram estabelecidos em 1948, no

campo jurídico internacional, em resposta às atrocidades cometidas e aos traumas

gerados durante a Segunda Guerra Mundial. Como categoria conceitual universal,

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dirige importantes decisões políticas sobre a humanidade que, no campo da saúde,

modifica a perspectiva de formação do recurso humano em saúde e da organização

dos serviços de saúde.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), no ano de 2008, renova a

estratégia de Atenção Primária da Saúde (APS), que se sustenta nesse novo

enfoque. Os países implementam a estratégia de diversos modos, considerando as

particularidades culturais e financeiras, entre outras, embora essas diferenças

estejam fundamentalmente na interpretação que os governos fazem dela, de acordo

com seus valores, como sociedade, enquanto, nos níveis operacionais, são

incorporados no pensar e no fazer dos atores sociais da equipe de saúde, das mais

variadas formas em comportamentos concretos (ELIAS, 2009; FLEURY;

OUVERNEY, 2008).

Não se pode ignorar e é importante destacar que a política de saúde pode

ser entendida como uma política social que está sujeita a múltiplos determinantes,

às vezes contraditórios. Embora se espere que todas as políticas de saúde tenham

tendência a melhorar as condições de saúde de uma população, algumas

respondem a outros interesses. Nesse sentido, considerar a política em saúde

imbricada à política social implica assumir que a saúde é um direito inerente à

condição de cidadania com plena participação na sociedade política (FLEURY;

OUVERNEY, 2008).

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6 CONCLUSÃO

A região de fronteira internacional é um local com características próprias

que se refletem no comportamento de suas populações e, por consequência, no

processo de saúde. O limite político nela contido divide conjuntos socioespaciais

distintos. Essa separação é resultado e/ou causa de assimetrias que se concretizam

em diferenças no desenvolvimento econômico, legislação, cultura, oferta de todos os

tipos de serviços, entre outros fatores. As populações das zonas de fronteira vivem

essas assimetrias de modo particular, estabelecendo estratégias para superar os

obstáculos criados pelo limite internacional e desfrutar das oportunidades oferecidas

ante a proximidade com o outro, ou seja, o estrangeiro.

Vale comentar que as pessoas não se deslocam porque assim o desejam,

mas levadas pelo panorama econômico internacional, principalmente pelas

desigualdades econômico-sociais entre os Estados. Isso as leva a buscar regiões

nas quais possam suprir carências específicas, seja de trabalho, segurança ou

saúde, entre tantas. Para conduzir esses fluxos a comunidade internacional vem

acordando uma série de instrumentos jurídicos que protegem os interesses desses

grupos, sobretudo, nas regiões fronteiriças.

É evidente que a mobilidade transfronteiriça constitui uma estratégia das

populações, mas também no tocante â saúde se torna um problema para a vigilância

sanitária, já que dificulta os registros de saúde (doenças, nascimentos, mortes), o

prosseguimento do tratamento de doentes, o planejamento e a implementação de

ações em saúde (prevenção, controle e monitorização de doenças transmissíveis);

e, afinal, o alcance a esses serviços, além de se fazer ações territoriais de saúde

ineficazes, como, a imunização, o controle de vetores e o controle ambiental por

regra geral.

Existe, na verdade, uma demanda cujo objetivo é constituir-se em uma

proposta explícita, devido à velocidade da dinâmica fronteiriça, à heterogeneidade

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das realidades, à fragmentação social e às deficiências do quadro institucional. Não

se pode descartar o fato de haver um déficit de desenvolvimento e uma presença

precária do Estado nas fronteiras, tornando-as presa fácil das práticas ilegais que ali

se desenvolvem (intimidação, corrupção etc.), minando as possibilidades de

construir um projeto coletivo para a região.

É importante frisar que as fronteiras são fenômenos sociais portadores e

reveladores de uma consciência sócio-espacial. A realidade dinâmica da fronteira,

onde há a intervenção e a interação de distintos atores sociais e uma diversidade de

interesses, precisa ser (re)conhecida para que a integração dessa população

flutuante se efetive de maneira concreta.

A integração é processada em decorrência de uma negociação, por vezes,

tranquila, dependendo, para isso, da existência da vontade política de todos os

envolvidos, da responsabilidade dos gestores em todas as instâncias de intervenção

e da efetividade dos acordos. É necessário, além disso, que esses agentes estejam

preparados para atuar nessas regiões. É nesse aspecto que a vida na fronteira se

torna peça chave, podendo auxiliar na composição de mudanças que levem à

existência de um elemento novo, integrado de fato e de direito.

A fronteira deve ser vista como uma área particularmente vulnerável para a

saúde. Certamente, não basta reconhecer a vulnerabilidade da fronteira, é

necessário considerar também as especificidades de cada região para que se

instituam políticas públicas de saúde mais adequadas.

Nota-se que o trânsito e o trabalho executado por estrangeiros nas regiões

de fronteira com o Brasil vêm sendo estimulados por inúmeros documentos jurídicos

elaborados pelos países do Mercosul, os quais declaram e ratificam princípios e

valores que visam ao amparo à população, em geral, e ao trabalhador

especificamente no âmbito internacional. É preciso que se dê atenção à exigência

cada vez mais evidente e ajustada a uma efetiva integração das regiões de fronteira,

e que também a saúde do trabalhador passe a ser vista como uma necessidade

elementar e básica o que, de fato, ainda é amplamente negligenciada, sem deixar de

considerar a competência e a inoxerável obrigação do Estado (ou Estados) em

prover e garantir a assistência aos trabalhadores nas regiões transfronteiriças,

elegendo como prioridade essa regra como conduta.

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A interação e a integração entre os habitantes das fronteiras de distintos

países criaram uma rede social entre essa população e um espaço próprio e

diferenciado do resto das pessoas do interior dos Estados. Vale dizer que as leis e

os acordos existem, o que falta realmente é o compromisso político para que esses

instrumentos legais sejam efetivamente implementados. Segundo Oliveira (2013, p.

12), “o fronteiriço não deve ser visto como o ‘estrangeiro’ de Platão, um nada”, mas

visto como ele é, “antes de mais nada, um ser político nacional e internacional”.

Neste estudo avaliou-se a situação da população transfronteiriça, com

ênfase à saúde do trabalhador, abordando alguns aspectos que passam desde o

direito à saúde, ao trabalho, a uma vida digna, entre outros tantos direitos, todos

vistos como fundamentais. As normas que dizem respeito ao trabalho nas regiões de

fronteira foram descritas até a confrontação da realidade e às idealizações

manifestadas nos acordos ou tratados.

Os países que compõem a fronteira com o Brasil destacam-se pela intensa

mobilidade de pessoas que denota um fato, não apenas político e/ou econômico,

mas, especialmente, social, relevante para as regiões que suportam as diversas

mazelas, das quais algumas foram aqui comentadas.

Ficou evidente que a realidade na prestação de serviços à saúde do

trabalhador nas regiões fronteiriças não conta com o devido mapeamento para

diagnosticar as carências regionais. Nada milita, em efetivo, a garantir os direitos

previstos nos acordos internacionais e nenhum estudo caminha contra essa

constatação, mas se pode comentar, entretanto, que providências vêm sento

tomadas, haja vista a preocupação dos Estados em promover políticas que atendam

a esses trabalhadores. Todavia, isso não tem sido fácil, visto que o atendimento à

saúde possui uma série de assimetrias políticas e sociais das mais diversas

naturezas, fato bastante destacado no decorrer desta investigação.

É importante registrar então que, até o momento, em cada país, nas esferas

federal, estadual ou regional, tem havido diversas iniciativas para sanar estes

empecilhos todos, umas mais realistas, outras nem tanto, contudo, elas não vêm

sendo implementadas de forma eficaz, o que confirma nossa hipótese inicial de que,

“embora não haja efetividade, esses acordos têm garantido certa assistência à

saúde do trabalhador transfronteiriço”. Entendemos, assim, que os programas, os

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projetos, as reuniões e os debates atuais asseguram as discussões em torno da

questão da tão buscada integração.

O aspecto da previdência social está presente nos acordos e, conforme

amplamente explanado, demonstraram nitidamente que se encontram em fases

iniciais as primeiras tentativas de efetivação de ações nessa área.

O próprio conteúdo dos tratados, ou seja, a sua instrumentalização e

normatização permanecem fora da atenção e do campo de ação dos agentes de

gestão de cada pais signatário, de seus estados, prefeituras, órgãos federais

estaduais ou municipais. Uma abordagem com ênfase a uma melhor formação

desses gestores se faz absolutamente necessária com sua implementação urgente

pelos Estados, cada qual dentro de suas realidades e especificidades. Somente

desse modo, informando e conscientizando a partir de ações dirigidas

especificamente aos agentes e gestores que atuam dentro ou próximo das regiões

de fronteira, chegaremos ao resultado principal: a efetividade dos direitos previstos

nos acordos internacionais. É a transformação daquilo que ainda é ficção em

realidade.

Com efeito, o direito, na sua essência básica, é sabido, consubstancia se em

pura ficção; são normas escritas que procuram garantir eficácia de uma previsão

legal, mas estas normas carecem de meios e ações para se concretizar. O que ‘’diz’’

ou ‘’manda’’ uma norma jurídica em abstrato nada mais é do que uma ficção, ou

seja, uma ordem sobre o que não existe ainda no mundo real, mas que se quer sua

realização; é o querer que esta norma se cristalize, concretizando a previsão legal e

tornando o que até então era regra escrita em fato concreto, dando assim

efetividade â previsão legal. E no campo do ideal, podemos vislumbrar que o direito

escrito nos acordos internacionais deve ser normatizado a partir dos fatos típicos

fronteiriços. As situações reais e vividas na fronteira, por sua especificidade,

deveriam inspirar a criação da lei ou norma e não uma lei genérica vir e determinar

regras (quase sempre inatingíveis) para um povo carente de direitos, notadamente

os essenciais, como saúde, segurança do trabalho e previdência social. O direito

deveria a ser definido a partir do fato real e singular daquele local. Mas isso é algo

que aqui apenas se idealiza, é um raciocínio que se faz para evidenciar as

vicissitudes da fronteira e a ineficácia das normas jurídicas genéricas, eis que na

realidade a lei é feita exatamente da forma inversa, vez que obrigatoriamente tem

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natureza genérica de modo a alcançar a todos cidadãos do país. Essa é mais uma

dificuldade a ser suplantada

Pois bem, há com certeza um longo caminho a ser trilhado, já que nas regiões

de fronteira existe uma série de obstáculos, alguns aqui apontados, e que

demandam um plano de ação conjunto que garanta acesso efetivo à saúde do

trabalhador transfronteiriço, cidadão do mundo que, observamos, não recebe

atenção específica. Destaca-se assim a necessidade de mudanças na concepção da

população e principalmente dos gestores públicos, de modo a possibilitar o mínimo,

ou seja, o acesso à saúde como direito universal.

Ponderamos muito sobre uma questão sempre presente nesse tipo de

revisão, que diz respeito à ‘’efetividade’’ das ações quanto ao objeto do estudo. No

caso presente observa-se que a saúde do trabalhador transfronteiriço ou mesmo o

seu direito à previdência social não estão esquecidos; tem-se por certo que não

faltam documentos internacionais que se esforçam em dar concretude à interação e

às integrações entre os países signatários, e que essas integrações são

imprescindíveis para se conseguir a efetividade de tudo o que foi tratado ou

acordado nos respectivos instrumentos. Essa constatação implica sempre em

abordar com mais profundidade a luta pela efetividade de direitos normatizados. É

de se refletir que não se chegará ao fim dessa busca (de efetividade), mas

considerações valiosas foram trazidas sobre como chegar mais próximo desse

objetivo.

Contudo, há uma constatação que se evidencia e que se coloca em posição

diametralmente oposta ao que ora foi ponderado. Com efeito, através do olhar sobre

os vários aspectos do direito à saúde do trabalhador, tal como apreciado, pode-se

dizer que faltam, sim, em alto grau, efetividade e resultados concretos nas ações e

intenções até agora firmadas nos acordos pelos países envolvidos.

Por outro lado, não se pode negligenciar um fato que se consubstancia em

um avanço considerável, da maior importância e que se verifica através da

quantidade de acordos e documentos internacionais, do estímulo dado à renovação

desses acordos em prol da saúde do trabalhador, ou seja, esse ‘’movimento’’ das

nações evidencia e revela uma realidade consistente na certeza de que se está

diante de atitudes concretas também. Somente a mobilização das nações, seja no

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plano internacional, ou especificamente no Mercosul, demonstra que se não há a

efetividade de boa parte das cláusulas dos acordos internacionais, existe uma

verdadeira integração de intenções entre as nações, de interação e cooperação

entre as mesmas.

A efetividade da integração e cooperação entre nações vizinhas, vistas por

esse prisma, não podem ser questionadas e, ao contrário, devem ser reconhecidas

como efetivas, pois são resultados manifestos e concretos que traduzem a união

dessas nações e a lisura de suas intenções, fator transcendente, que por si, une os

povos das fronteiras. Isso gera interações e aponta para um futuro mais justo e

humano que, com tempo, paciência e luta, tal como aqui buscamos demonstrar, aos

poucos acabará por fazer efetivar os direitos positivados à saúde do trabalhador

transfronteiriço que, como restou evidente, se insere não só como direito

fundamental universal, mas se traduz em autêntico direito humano.

No caso das fronteiras do Brasi, verificamos que existe atuação por parte do

Estado com a criação e a implantação de políticas públicas eficazes no que se refere

à previdência, como o projeto SIS Fronteiras, por exemplo No entanto, mais

especificamente na zona transfronteiriça boliviana, há carência de mais políticas que

contemplem o trabalhador e as que existem são ainda ineficazes, pela falta de

comprometimento dos agentes que atuam nessas regiões. Ribas e Oliveira (2013, p.

32) destacam que “a efetividade das ações governamentais pela implementação de

políticas públicas só é possível quando as regiões de fronteira são alcançadas de

forma integrada”.

O grande desafio para os países fronteiriços está em converter as

dificuldades de adaptação à nova situação em oportunidades para o

desenvolvimento futuro da segurança e saúde no trabalho, considerando ser essa

uma responsabilidade internacional dos Estados, delimitada pela doutrina e

jurisprudência internacional em geral (OIT, 2009).

Por fim, vale ressaltar que diante dos compromissos assumidos pelos

Governos através dos instrumentos internacionais quanto às populações migrantes,

os países sentem e entendem a necessidade de sempre firmar acordos (multilaterais

ou bilaterais) que venham facilitar a organização e o controle da migração da

população que cruza ou vive, temporária ou definitivamente, na fronteira em busca

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de melhores oportunidades. O acordo cria um compromisso entre os Governos dos

países envolvidos para criar mecanismos efetivos, com o objetivo de ordenar,

conduzir e controlar os movimentos migratórios visando empregar esses

trabalhadores e amparar suas famílias, oferecendo-lhes um atendimento mais digno.

Assim, os trâmites migratórios para essa população são simplificados (ou

diminuídos), o que facilita a migração legal, reforçando-se o controle das autoridades

em defesa dos direitos laborais (CUNHA et. al, 2006)

Esses territórios constituem uma unidade cultural e socioeconômica, pelo que

as fronteiras não deveriam existir de fato, considerando-se que elas são criações do

homem para conformar convencionalmente os Estados, com a finalidade de

delimitar o âmbito espacial de sua soberania. Dessa forma, os países têm obrigação

precípua de tutelar os direitos dos indivíduos e, na medida do possível, respeitando

sua cultura e costumes.

Convém acrescentar, ainda, que os Direitos Humanos constituem uma fonte

do Direito Internacional, muito além dos tratados e acordos escritos e aprovados

pelos Estados, por meio da consciência jurídica universal, com vinculação para

todos eles, pelo qual são gerados direitos e obrigações erga omnes, ou seja, de

aplicação genérica, e o descumprimento dessas últimas se definem em

responsabilidade internacional.

Hoje se tornou imprescindível que os países limítrofes desenvolvam boas

relações entre si, visto que pelo fato de compartilhar fronteiras, um país, seja como

for, sempre é afetado pelo outro. Por isso são importantes e necessários os acordos

internacionais que distingam duas (ou mais) nações, com o fim de deixar bem claro

certos temas ou questões controversas e estabelecer a maneira pela qual serão

regulamentados, e ainda mais, como serão apresentados os problemas e a forma de

resolvê-los, assim como criar/implantar uma política binacional em cada fronteira.

Da mesma forma que tem sido acatado todo convênio internacional, em

nosso País os acordos bilaterais (ou binacionais) têm uma hierarquia superior às leis

aprovadas pela Assembleia Legislativa, inclusive, com valor igual (às vezes,

superior) à Constituição Política, quando trata sobre temas relacionados com os

Direitos Humanos.

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É preciso ponderar, afinal, que não se pode tirar conclusões definitivas deste

estudo, pois ele representa um mecanismo útil para mostrar a necessidade de novas

investigações em regiões específicas, onde as evidências apontam a existência de

situações mais críticas em relação â saúde e mais especificamente em relação ao

trabalhador.

Em suma, esta investigação destacou a necessidade de políticas que

assegurem a saúde do trabalhador na fronteira, que corrijam as distorções da

distribuição dos recursos considerando as desigualdades regionais, condições de

vida e acessibilidade a esses direitos revisados que, repisa-se pela sua importância,

se constituem direitos humanos, bem como as intrincadas particularidades das

regiões fronteiriças, em especial quanto a efetividade do acesso à saúde dos

trabalhadores transfronteiriços através dos acordos internacionais.

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